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Universidade Estadual de Maringá 26 e 27/05/2011 1 A EDUCAÇÃO DO SÁBIO EM EPICURO: A EUDAIMONÍA SOUZA, Osmar Martins (UEM) 1 PEREIRA MELO, José Joaquim (Orientador/UEM) 2 Introdução Este texto tem como propósito fundamental discutir a educação do sábio na escola de Epicuro 3 . Para tanto, faz-se necessário compreender o período histórico em que Epicuro apresentou a sua concepção educativa. Assim, entende-se, que qualquer proposta educativa não pode ser compreendida fora da realidade social da qual faz parte e de forma abstrata, pois ela esta inserida num contexto social concreto e como tal acaba por reforçar ou evidenciar os elementos contraditórios dessa realidade social. Assim, ao discutir a educação em qualquer período da história, é importante compreender as transformações no plano da materialidade e estabelecer as devidas relações entre as exigências sociais e aquilo que a educação procura colocar como 1 Graduado em Filosofia, Mestre em Educação, Doutorando em Educação (UEM) e Professor da Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão (FECILCAM). E-mail: [email protected] 2 Doutor em História, Docente do programa de pós-graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá. E-mail: [email protected] 3 Epicuro nasceu em Samos, em 341 a.C. O pai, Neócles, era ateniense e fora para Samos como colono. Morreu em Atenas, 270 a.C. Parte de sua juventude passou-a na terra natal, onde se familiarizou com o pensamento de Platão. Descontente com o encaminhamento dos seus estudos na terra natal foi encaminhado por seu pai para Téos, na costa da Ásia Menor, onde teve como professor Nausífanes, discípulo do atomista Demócrito. Esse encontro com Nausífanes foi decisivo em relação ao atomismo, que será adotada pelo pensador. Após cumprir suas obrigações militares, por dois anos, Epicuro não pôde retornar a Samos, pois o seu pai e os demais atenienses foram expulsos por perseguição política. No exílio, em Colofon, Epicuro teve o amargo contato com a pobreza, aspecto que influirá na constituição de seu pensamento; e o fato de ter passado doze anos sem freqüentar nenhuma escola filosófica, não inviabilizou reflexões que favorecerão a formação de sua doutrina filosófica. Já em Mitilene, Epicuro abre uma escola para divulgar as suas idéias, mas logo foi perseguido por escolas rivais e sua licença foi cassada. Apesar dessa situação, em Mitilene, Epicuro consegue conquistar simpatizantes entre os quais, Hermarco o seu sucessor.Transferindo-se para Lâmpsaco, consegue divulgar suas idéias, pois a cidade deu-lhe boa acolhida. Nessa cidade, também conquista vários seguidores, adquire confiança em suas idéias e arrecada fundos para a manutenção da escola. Por volta de 307/ 306, Epicuro transferiu-se para Atenas onde coerente com o sue pensamento comprou uma propriedade fora da cidade, fundou o “Jardim”, local que era destinado à formação de novos discípulos.

A EDUCAÇÃO DO SÁBIO EM EPICURO: A EUDAIMONÍA · Sobre essa questão argumenta Carlos Garcia Gual: ... 7 Amor da sabedoria, filosofia. Pelo relato tradicional grego Pitágoras

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Universidade Estadual de Maringá 26 e 27/05/2011

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A EDUCAÇÃO DO SÁBIO EM EPICURO: A EUDAIMONÍA

SOUZA, Osmar Martins (UEM)1

PEREIRA MELO, José Joaquim (Orientador/UEM)2

Introdução

Este texto tem como propósito fundamental discutir a educação do sábio na

escola de Epicuro3. Para tanto, faz-se necessário compreender o período histórico em

que Epicuro apresentou a sua concepção educativa. Assim, entende-se, que qualquer

proposta educativa não pode ser compreendida fora da realidade social da qual faz parte

e de forma abstrata, pois ela esta inserida num contexto social concreto e como tal acaba

por reforçar ou evidenciar os elementos contraditórios dessa realidade social.

Assim, ao discutir a educação em qualquer período da história, é importante

compreender as transformações no plano da materialidade e estabelecer as devidas

relações entre as exigências sociais e aquilo que a educação procura colocar como

1Graduado em Filosofia, Mestre em Educação, Doutorando em Educação (UEM) e Professor da Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão (FECILCAM). E-mail: [email protected] 2Doutor em História, Docente do programa de pós-graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá. E-mail: [email protected] 3 Epicuro nasceu em Samos, em 341 a.C. O pai, Neócles, era ateniense e fora para Samos como colono. Morreu em Atenas, 270 a.C. Parte de sua juventude passou-a na terra natal, onde se familiarizou com o pensamento de Platão. Descontente com o encaminhamento dos seus estudos na terra natal foi encaminhado por seu pai para Téos, na costa da Ásia Menor, onde teve como professor Nausífanes, discípulo do atomista Demócrito. Esse encontro com Nausífanes foi decisivo em relação ao atomismo, que será adotada pelo pensador. Após cumprir suas obrigações militares, por dois anos, Epicuro não pôde retornar a Samos, pois o seu pai e os demais atenienses foram expulsos por perseguição política. No exílio, em Colofon, Epicuro teve o amargo contato com a pobreza, aspecto que influirá na constituição de seu pensamento; e o fato de ter passado doze anos sem freqüentar nenhuma escola filosófica, não inviabilizou reflexões que favorecerão a formação de sua doutrina filosófica. Já em Mitilene, Epicuro abre uma escola para divulgar as suas idéias, mas logo foi perseguido por escolas rivais e sua licença foi cassada. Apesar dessa situação, em Mitilene, Epicuro consegue conquistar simpatizantes entre os quais, Hermarco o seu sucessor.Transferindo-se para Lâmpsaco, consegue divulgar suas idéias, pois a cidade deu-lhe boa acolhida. Nessa cidade, também conquista vários seguidores, adquire confiança em suas idéias e arrecada fundos para a manutenção da escola. Por volta de 307/ 306, Epicuro transferiu-se para Atenas onde coerente com o sue pensamento comprou uma propriedade fora da cidade, fundou o “Jardim”, local que era destinado à formação de novos discípulos.

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essencial no processo formativo. Isso significa que se deve abandonar a análise idealista

da educação e procurar compreende-la no real e a partir do real.

Nesse sentido, ao tratar da educação do sábio na escola de Epicuro, é preciso

entender as principais transformações políticas que ocorreram na sociedade Antiga,

principalmente na grega do final do século IV a.C e início do século III a.C. Essas

alterações políticas incluem a decadência do sistema democrático e da implantação de

uma monarquia universalista ou Alexandrina. Essas modificações colocaram em crise o

ideal formativo da sociedade grega clássica, do homem político e colocaram novas

exigências.

Desse modo, as reflexões filosóficas e as novas concepções educativas

deixariam o âmbito do público (coletivo) para converter-se em reflexões sobre a vida

privada ou individualista. Essas novas propostas filosóficas apareceram em função do

desgaste existencial que o homem vivenciava.

Foi nesse contexto de transformações sociais que Epicuro desenvolveu seu

pensamento filosófico e sua concepção educativa, que de certa forma apontava um novo

direcionamento para os homens de seu tempo e que podiam encontrar a felicidade

diante das grandes adversidades.

A crise política na Grécia Clássica e suas implicações no campo educativo

As principais mudanças ocorridas no cenário político no final do século IV a. C.

e início do século III a.C. no Mundo Antigo implicaram em um novo ordenamento da

sociedade. Os homens gregos livres experimentaram essas alterações com um sabor

bem amargo, pois estava perdendo o que era mais precioso, sua cidadania política.

Essas transformações foram se efetivando principalmente a partir das conquistas

de Felipe II4 e particularmente de Alexandre Magno5, seu filho. O reinado de Felipe

4 O reinado de Felipe II iniciou-se no ano de 359 a. C. e durou até 336 a. C., quando o rei foi assassinado. 5 Em 336, quando o pai morre, Alexandre tem vinte anos. Aos treze anos o pai colocou-o sob a alçada de Aristóteles. A criança ouve com paixão um mestre que sabe tudo. Lê Píndaro, Heródoto, Eurípides. Adquire assim uma cultura profundamente helênica e um gosto pelas coisas do espírito de que jamais se afastará. Aos dezesseis anos, durante uma expedição de Felipe, confiam-lhe a regência, e ele começa a iniciar-se nos negócios. De momento indisposto com o pai, reconcilia-se com ele e, como filho mais velho, é naturalmente proclamado rei pelo exército quando Felipe é apunhalado por Pausânias. Começa

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iniciou-se no ano de 359 a.C. e durou até 336 a.C., quando o mesmo foi assassinado.

Após sua morte, o seu filho Alexandre deu prosseguimento as suas intenções

hegemônicas, numa perspectiva de consolidação de um vasto domínio político, que

provocaram alterações significativas em toda estrutura da sociedade Antiga, com

destaque na grega. Essa perdeu a independência das polis e o cidadão livre deixa de

existir com a implantação da monarquia universalista idealizada por Alexandre.

Sobre essa questão argumenta Carlos Garcia Gual:

La ciudad había perdido su autosuficiencia, su autárkeia tanto desde el punto de vista econômico como político, y el destino de los ciudadanos no estaba ya em sus propias manos, sino em las del monarca (GUAL, 2006, p. 23).

Com essas mudanças formou-se um novo cenário territorial, econômico, político

e cultural no Mundo Antigo, cujo resultado foi a constituição de uma Cosmópolis, um

vasto sistema político, uma monarquia de cunho universalista, que uniu sob o mesmo

cetro o Ocidente e o Oriente e converteu a Grécia em apenas mais uma província dentre

as demais de um vasto império (JAEGER, 2002, p. 16). Esta nova composição marcou a

destruição definitiva da polis tradicional grega.

Estamos numa época em que o homem é considerado cada vez mais como elemento, não da polis, mas da Cosmópolis. Com o domínio dos Macedônicos o quadro tradicional da polis altera-se. As decisões já não provêm fundamentalmente dos cidadãos, mas passam a depender em última análise de um soberano que não pertence a polis (FERREIRA, 1992, p. 241).

Essas transformações colocavam em crise os paradigmas fundamentais da

sociedade grega clássica, do homem enquanto cidadão e do filósofo enquanto político,

que eram elementos definidores da formação e do seu ideal de eudaimonía6. Assim, o

então um reinado de doze anos e meio que irá mudar a face da Hélade e do Mundo Oriental (LÉVÊQUE, 1987, p. 9). 6 Ela não consiste, segundo Demócrito, nos bens externos (Diels, frgs. B 170, 171, 40). O homem justo é feliz, assim Platão Rep. 353b-354ª, e a melhor vida é a mais feliz. A felicidade é o supremo bem prático para os homens (Aristóteles, Eth. Nich. I 1097 a-b), definido, IBID. I, 1098ª, 1100b. Consiste na contemplação intelectual. No estoicismo a felicidade resulta da vida harmoniosa (PETERS, 1974, p. 85).

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ideal da philosophía7 e da paidéia8 grega clássica que era o do homem político, do

homem da polis, do cidadão, tanto no seu aspecto civil como no aspecto bélico e

religioso perdia seu significado (FONSECA, 2002, p. 9). A sua essência era fundada

nos valores coletivos e a alteração nesse modelo de sociedade levou o homem desse

período a uma profunda crise.

Nessa perspectiva considera Miguel Spinelli:

Habituado a ser cidadão, a reivindicar justiça e liberdade em nome da lei, de uma lei local, que garantia direitos e deveres políticos, familiares, religiosos, e que, sobretudo, situava cada um em seu lugar e em sua própria ordem, o próspero homem grego não tinha agora a quem recorrer. O cidadão grego passou a viver completamente desorientado, como que sem pátria, sem o status cívico externo para gerenciar [...] de modo que agora ele ficou sem saber o que fazer desamparado perante polis e consigo mesmo (SPINELLI, 2009, p. 94).

A partir desse novo contexto, a organização política grega, que tinha como base

a polis e a democracia perderam sua autonomia e as decisões políticas passaram a ser

tomadas num nível global, distanciando da participação e intervenção do cidadão, que

apenas como um súdito entrou em uma profunda crise de identidade no homem grego

livre.

La personalidad del individuo era cívica y el hombre despojado de la dimensión pública no era nadie, pues su identidad se la otorgaba la polis. No había distinción clara entre ética y política y, lo que es más, la política era, en cierto modo, superior a la ética privada. La ética era una parte de la política y era imposible una teoría moral sin una práctica de la justicia; ya que era más importante alcanzar el bien para una ciudad y el conjunto de los ciudadanos, que sería el fin de la

7 Amor da sabedoria, filosofia. Pelo relato tradicional grego Pitágoras foi o primeiro a usar o termo philosophia (ver D. L. l, 12; Cícero, Tusc. V, 3,8); (PETERS, 1974, p. 187). 8 O termo paidéia não tem uma tradução simples. Ele não significa, como vulgarmente se traduz, apenas como educação. Significa muito mais que isso, aglutinando termos tais como cultura, instrução e formação. Desde o seu surgimento a palavra paidéia foi cobrindo um campo cada vez mais vasto de significados. O termo começou a ser utilizado no séc. IV a.C. e, nessa altura, tão-somente, começou a significar a criação dos meninos. Mas seu significado depressa se alarga, passando a designar não só o processo educativo, mas também o conteúdo e o produto desse processo. Torna-se assim claro e natural o fato de os gregos, a partir do séc. IV, em que este conceito achou a sua cristalização definitiva, terem dado o nome de paidéia a todas as formas de criação espiritual e ao tesouro completo da sua tradição (JAEGER, 2002).

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política, que procurar el bien para una persona particular, objetivo buscado por la ética (SÁNCHEZ, 2001, p. 22).

Nesse sentido, o homem desse período passou a fazer parte de uma cidade sem

fronteiras delimitadas e de uma cultura universalizada, a helenística, que tornou-se um

patrimônio comum do Mediterrâneo, propiciando um momento de unificação e de

maturação de toda a Civilização Antiga. A expansão dessa cultura deu-se

principalmente a partir das campanhas de Alexandre, que procurava consolidar seu

império não só pela força militar, mas também pelo elemento cultural, atenuando os

conflitos entre os diversos povos.

El sentimiento de solidaridad, de pertencia a um pueblo en el que confluyen la mayoría de los intereses individuales, há desaparecido. Comienza a predominar lo privado, porque la ciudad-estado, como supremo âmbito público, no tiene ya justificación, ni suficiente entidad como para organizar, desde ella, los destinos que marca la conquista de Alejandro. Los griegos son um pueblo más entre otros pueblos, y Atenas empieza a comprender la inutilidad de sus murallas reales y de sus proyectos ideales (LLEDÓ IÑIGO, 1995, p. 58).

Com isso, a diferença entre o homem grego e o bárbaro tendeu a ser relativizada,

colocando em xeque as teses de filósofos como Platão9, Aristóteles10 e outros, que

defendiam uma superioridade “natural” dos gregos em relação aos outros povos. Essas

teses de superioridade dos helenos em relação os bárbaros pode ser verificado nas

seguintes palavras de Eurípides: “O heleno tem o direito de comandar o bárbaro. Os

bárbaros são todos escravos, salvo um só” (MORAES, 1998, p. 55). A partir do

9 Platão nasceu em Atenas, em 428/427 a. C. Seu verdadeiro nome era Aristócles. Platão é um apelido que derivou, como referem alguns, de seu vigor físico ou, como contam outros, da amplitude de seu estilo ou ainda da extensão de sua testa (em grego, platôs significa precisamente “amplitude”, “largueza”, “extensão”). Platão foi discípulo de Sócrates, cuja morte marcou profundamente sua vida e os encaminhamentos de sua posição teórica. Platão travou diversos embates políticos e em 347 a. C. morreu em Atenas (REALE, 1994, p. 126). 10 Filósofo grego (nascido em Estagira, Macedônia). Discípulo de Platão na Academia. Preceptor de Alexandre Magno. Construiu um grande laboratório, graças à amizade com Felipe e seu filho Alexandre. Aos cinqüenta anos funda sua própria escola, o Liceu, perto de um bosque dedicado a Apolo Lício. Daí o nome de seus alunos: os peripatéticos. Seus últimos anos são entremeados de lutas políticas. O partido nacional retoma o poder em Atenas. Aristóteles se exila na Eubéia, onde morre (JAPIASSU; MARCONDES, 1993, p. 25).

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momento que as conquistas de Alexandre foram se efetivando, ele implementou

medidas que promoviam a miscigenação cultural entre os diversos territórios e povos11.

Para Carlos Garcia Gual e María Jesús Ímaz:

El conquistador macedonio fue verdaderamente revolucionário al procurar La fusión de lo griego y lo bárbaro em una unidad civilizadora superior. Trato de superar las habituales barreras de raza y de tradiciones locales para hermanar a todas La gentes en una comunidad superior, con los ideales de la paideía helênica (GUAL; ÍMAZ, 2008, p. 19).

Essas transformações iniciadas com o helenismo12 propiciaram mudanças não só

nas estruturas políticas tradicionais gregas, mas também desencadearam um processo

que afetaria toda a superestrutura13 da sociedade grega, que requisitava outras respostas

filosóficas que atendessem as novas exigências da sociedade.

Por isso, o conceito de cidadania e de formação do homem “político” como

estava plasmado nas obras de pensadores clássicos, como Platão e Aristóteles foi

esvaziando-se e isso significava a “morte” para o homem grego, que privado de sua

cidadania, ficava também privado do que até então dava o sentido a sua existência.

As filosofias de Platão e Aristóteles que faziam parte da superestrutura da

sociedade grega clássica, já não conseguiam dar respaldo para o homem grego livre

diante deste quadro de mudanças. Para eles, a eudaimonía havia de se realizar na

cooperação dos homens por uma cidade melhor. O homem era entendido como um

11 Para simbolizar essa união entre o Ocidente e o Oriente que Alexandre sonhava levar a efeito, realizaram-se grandes festejos por altura de casamentos entre macedônios e mulheres persas. Estes começavam a ser celebrados logo após o seu regresso a Susa. O próprio Alexandre casara, durante a sua viagem à Índia, com a belíssima Roxane, filha de um nobre bactriano. Desta vez casou com uma filha de Dario. Festejaram ao mesmo tempo, e no maior esplendor, as bodas de 80 oficiais macedônicos com mulheres persas de boas famílias. Os 100 000 soldados que já tinham casado com mulheres persas puderam igualmente participar nos festejos (GRIMBERG, 1966, p. 187). 12 Lo que caracteriza al helenismo es la enorme expansión de lo griego como elemento civilizador. Las conquistas de Alejandro, que llegó hasta el Indo por Oriente, y que sometió también Síria y Egito, significaron la desaparición del império persa y la formación de nuevas unidades políticas de amplios domínios, que se consolidaron como monarquias bajo las dinastias de los sucesores: los Diádocos. Así se instauró en Egito la dinastia de los Ptolomeos; en Síria y la zona del Éufrates imperaron los Seléucidas; los Atálidas dominaron Pérgamo y Asia Menor, mientras que em Macedonia y em Grecia se establecieron al fin los descendientes de Antígono (GUAL, 2008, p. 18). 13 Termo empregado pelo marxismo para designar o ordenamento político e jurídico, além das ideologias políticas, filosóficas, religiosas etc., na medida em que dependem da estrutura econômica de uma determinada fase da sociedade (ABBAGNANO, 1982, p. 898).

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zôon politikón14 que deveria realizar-se no exercício político e na construção de uma

cidade virtuosa. “Só como cidadão da polis pode o homem, através da paidéia, isto é, da

educação do corpo e do espírito, realizar plenamente suas virtualidades, tornar-se

plenamente humano” (MORAES, 1998, p. 55).

Platão, no livro A Republica, procurou desenvolver um ideal de cidade virtuosa e

essa seria alcançada na medida em o homem virtuoso, possuidor do conhecimento na

essencialidade estivesse no governo.

Mas a vós outros pusemos nós no mundo para serdes chefes da colméia, reis de vós mesmos e do resto da cidade, melhor e mais completamente educados que aqueles e mais capazes, portanto, de participar dos assuntos públicos e da Filosofia. Tereis, pois, de descer cada um por seu turno à vivenda subterrânea dos demais e acostumar-vos a enxergar no escuro. Uma vez acostumados, vereis infinitamente melhor que os habitantes da caverna e conhecereis cada imagem e o que representa, porque já tereis visto o belo, o justo e o bom em sua verdadeira essência. E assim, nossa cidade e vossa cidade viverá à luz do dia e não mais entre sonhos, como vivem hoje a maior parte delas, onde os homens lutam uns com outros por sombras sem substância ou se disputam o poder como se este fosse um grande bem (PLATÃO, 2000, p. 157).

Acreditava que sob a liderança do filósofo - político, o portador da verdadeira

sophía, do conhecimento verdadeiro, a polis poderia ser governada de forma virtuosa e

elevada a um ideal de perfeição. Aristóteles, por sua vez, no livro Política, definiu o

homem como um animal político, e por isso, teorizou no sentido de aperfeiçoar as

estruturas políticas com vista a atingir sua finalidade. Segundo Aristóteles (2005, p.15),

“o objetivo para o qual cada coisa foi criada – sua finalidade – é o que há de melhor

para ela”, e o que há de melhor para o homem é viver em sociedade, porque é por

natureza um animal social.

Agora é evidente que o homem, muito mais que a abelha ou outro animal gregário, é um animal social. Como costumamos dizer, a natureza nada faz sem um propósito, o homem é o único entre os animais que tem o dom fala. (...) a fala tem a finalidade de indicar o conveniente e o nocivo, e portanto também o justo e o injusto; a característica específica do homem em comparação com os outros animais é que somente ele tem o sentimento do bem e do mal, do justo

14 Expressão utilizada por Aristóteles, que define o homem como animal político.

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e do injusto e de outras qualidades morais, e é a comunidade de seres com tal sentimento que constitui a família e a cidade (ARISTÓTELES, 2002, p. 14).

Assim, estabeleceu que o bem e justo fosse o alvo principal de uma vida de feliz

e que isso se alcançava com a prática, ou seja, na vida política da polis. O homem

aristotélico era essencialmente destinado à vida na coletividade da polis e somente aí

poderia se realizava enquanto ser racional (LIMA VAZ, 1991, p. 42). Os escritos de

Aristóteles oferecem robustas informações de que somente na comunidade política o

homem pode realizar-se em perfeição. Por isso, o pensador definiu o ser humano como

um animal cívico, ou seja, um zôon politikón (GUAL, 2006, p. 26).

Segundo Carlos Garcia Gual:

Aristóteles el último filósofo decidido a defender las estructuras de La polis como enteléquia política. Es el último de los filósofos helênicos para quienes el objetivo fundamental de La educación es La formación de buenos ciudadanos (GUAL, 2006, p. 25).

Portanto, o fim da autonomia polis grega, da democracia como sistema político e

sua dependência ao novo sistema político (monarquia alexandrina) significava o fim do

elemento material que dava respaldo a um conjunto de aspirações filosóficas e

educativas (contidas em Platão e Aristóteles), que eram reconhecidas pelo homem grego

livre como fundamentais a sua plena realização.

A educação do sábio na escola de Epicuro

Nesse cenário de profundas transformações sociais, o homem grego livre

emergiu em uma profunda crise e teve que encontrar outros referencias para dar sentido

a sua existência. Por isso, os pensadores desse período de crise se ocuparam sobre o

problema da vida infeliz que se encontravam os homens gregos livres e elaboram

reflexões filosóficas indicando caminhos para uma vida feliz.

A este respeito considerou Pierre Lévêque:

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A filosofia se apresenta agora como uma proteção contra a destruição do homem que não encontra mais razões para viver na sua função de cidadão. Ela pretende primeiramente encontrar uma solução para o problema da felicidade [...] a felicidade está no domínio sobre si própria de uma alma que se escapa do mundo, que se liberta do contingente, que consegue atingir um estado de indiferença (ataraxia para uns, apatia para os outros) onde nada mais a poderá atingir (LÉVÊQUE, 1987, p. 115).

Contrapondo-se as filosofias tradicionais que buscavam soluções “utópicas” para

a crise, a reflexão filosófica desse período converteu-se em uma fonte espiritual que

iluminava as consciências, ajudava o homem grego livre a viver e lhe ensinava como ser

feliz diante das adversidades econômicas e políticas que estavam em curso e que eram

irreversíveis. Ao falar desse momento de grandes adversidades para os gregos, Paul

Nizan traçou o seguinte quadro:

Atenas é vitima da miséria econômica e da miséria política. A liberdade morre. Atenas conhecera uma espécie de verdadeira liberdade que se degradou; ninguém sabe como poderá ser instituído um novo regime de liberdade. Chegou ao seu fim essa coincidência ateniense da liberdade política que as Constituições definiam, como a liberdade real de que os cidadãos gozavam (NIZAN, 1972, p. 14).

Nesse contexto, pode-se perceber que as novas concepções filosóficas (o

estoicismo, o epicurismo e o ceticismo) tiveram como base de suas reflexões essa

realidade conturbada. Cada uma dessas “doutrinas” filosóficas tiraram conclusões dessa

base comum, mas todas compartilhavam da convicção de que o homem desse período

teria que encontrar em si mesmo outras motivações para ser feliz (MORAES, 1998, p.

62).

Segundo Marcelino Rodríguez Donís:

Entre as três escuelas hay más coincidências de lo que em general se cree, aunque, ciertamente, el hilo conductor que las une radica em el afán por asegurar al hombre la serenidad y tranquilidad de ánimo, difíciles de conseguir em um mundo tan sumamente complejo y turbulente como el que sigue a la conquista del Oriente por parte de Alejandro (DONÍS, p. 91).

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Por isso, as escolas filosóficas do período helenístico desenvolveram suas

propostas filosóficas e educativas no intuído de promoverem um certo alivio e um

conforto ao homem que se encontrava em crise. A proposta de Epicuro, ao que parece

foi a que mais procurou tratar do tema da felicidade nesse momento de modificações.

La época em que Epicuro vivió fue um período de grandes cambios. La pólis, La ciudad estado que garantizaba um espacio físico y moral, que ofrecía unos esquemas de conducta en los que el individuo se sentía casi seguro, se há hundido definitivamente después de las aventuras de Alejandro para dejar paso a otros tiempos, de horizontes más amplios aunque más imprevisibles. De ahora em adelante el equilíbrio personal ya no podrá ir unido a las pautas de La vida ciudadana: surge entonces un nuevo modo de hacer filosofia, em el que La norma moral quedará separada – em distintas gradaciones, según las esculeas – Del quehacer público y ahondará en La conciencia individual de los hombres (JUFRESA, 2008, p. XII).

Assim, a de Epicuro pode ser entendida dessa forma, pois em sua doutrina

exortava que o homem podia ser feliz em si mesmo, não dependia das condições

exteriores/ou políticas para gozar de tranqüilidade e da paz de espírito.

La filosofía epicúrea es esencialmente materialista, sensitiva y empirista, procede del atomismo de Demócrito. Epicuro se desentiende de las cuestiones puramente especulativas. Rechaza las matemáticas por no considerarlas de utilidad práctica. Se propone solamente conseguir la felicidad en cuanto que es posible en la esta vida. Su norma es la sencillez y la utilidad. Toda filosofía es inútil si no sirve para conseguir la felicidad (FRAILE, 1971, p. 589).

Epicuro procurou apontar um novo direcionamento filosófico, que contemplava

uma concepção educativa com vista à obtenção da eudaimonía. Contrário a Paidéia

clássica que educava para o homem participar da política e da sociedade, Epicuro

considerou que esse modelo distanciava o homem da verdadeira felicidade e ainda trazia

mais infelicidade. Essa sociedade era precisamente um entrave à vida feliz. Por isso, “la

mejor manera de lograr la felicidad y la seguridad consiste, más bien, en retirarse de la

vida pública y morar em compañía de amigos afines” (SHARPLES, 2009, p. 113).

Assim, Epicuro ensinava os seus “seguidores” a viver separado da sociedade e dos vãos

conhecimentos que de nada contribuíam para uma vida feliz (NIZAN, 1972, p. 23).

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Nessa perspectiva de entendimento, considerou Carlos Garcia Gual:

El ataque epicureo se dirige directamente contra la cultura helênica, y contra la educación tradicional como vehículo de transmisión de los valores culturales. La paidéia, que otros consideraban como la más alta consagración civilizadora de la historia griega, es rechazada por Epicuro, como algo supérfluo para la felicidad individual (GUAL, 2006, p. 64).

Criticando o ideal da educação clássica, apresentou uma nova concepção

formativa e outra organização social, que tinha como modelo a sua escola, o Jardim. As

escolas clássicas de certa forma reforçavam a divisão social que existia na Grécia desse

período, permitindo que somente os “bem nascidos” (os gregos livres) tivessem acesso a

educação mais elaborada, enquanto os demais ficavam privados da mesma e da

participação nas decisões políticas. Na contramão dessa postura e conforme a sociedade

fora se modificando, Epicuro, propôs um modelo de escola totalmente diferente.

A comunidade-escola era aberta a todos, para quem dela se dispusesse a participar, sem restrição de nacionalidade, sexo e riqueza. Bastava saber ler. A escola acolhia todo e qualquer ser humano, independente de ser isto ou aquilo, no caso das mulheres de ser cortesã ou ser prostituta, por esse “ser” não constituía nelas o seu ser essencial. No entanto, a comunidade tinha lá sua ortodoxia e constituía-se numa comunidade quase religiosas, mas não como uma seita (SPINELLI, 2009, p. 142).

Corrobora também nesse aspecto, ter Epicuro montado a sua escola em um lugar

totalmente inusual: um edifício com um jardim, melhor dizendo, com um horto, nos

subúrbios de Atenas. A sua escola estava longe do tumulto da vida política e próximo

ao silêncio do campo. Nela transmitia uma educação que pregava o afastamento da

multidão e das atividades políticas, porque segundo o pensador, a verdadeira

eudaimonía não estava nas atividades exteriores e nas vãs opiniões da sociedade grega,

mas particularmente na própria interioridade do ser humano consigo mesmo e com o

seu próximo.

Assim, entendia que a felicidade não brotava da comunidade política, da polis

decadente, mas de uma outra forma de relacionamento, a philía. “Não do Estado, mas

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da relação de amizade com seus correligionários Epicuro esperava uma contribuição

positiva para a felicidade” (FORSCHNER, 2003, p. 56).

A comunidade de Epicuro vivia um pouco retirada da Cidade praticando a máxima: “viver escondido”. Todos estes amigos vivem numa mesma comunidade de admiração por aquele que lhes dá o exemplo do domínio de si e do equilíbrio; uma alimentação frugal, uma indiferença completa face aos bens deste mundo, é o que os caracteriza (BRUN, p. 29).

Importa lembrar que Epicuro fundou a sua escola, cognominada de “Jardim” em

Atenas em 306 a.C., num momento especialmente perturbado da história política e

intelectual da polis, quando esta perdia sua hegemonia e encontrava-se em um processo

de decadência. Por isso, ela pode ser considerada uma resposta à impossibilidade de se

associar, no contexto histórico da polis decadente (MARKUS, 2003, p. 91).

Nesse sentido, expressou precisamente Benjamim Farrington:

O epicurismo teve a finalidade, num mundo dilacerado pela guerra civil e enlouquecido pela superstição, de fazer a humanidade voltar à felicidade. Seu principal pensamento era o de que uma sociedade feliz deve basear-se na “amizade”, quer dizer, num acordo mútuo para não infligir nem sobre injustiças, e não na “justiça”, isto é, numa constituição ideada por um legislador, e imposta por sanções (FARRINGTON, 1968, p. 13).

Nessa escola, Epicuro também acolhia pessoas de diversas classes sociais e de

sexo (escravos, estrangeiros, mulheres, pobres) que estavam dispostos a ouvir seus

ensinamentos, que traziam uma “nova” visão de mundo, de homem e de sociedade.

O Jardim não era um lugar de ociosidade mas de treinamento para os que iriam a outros lugares semear suas idéias epicuristas. Ali se formavam pregadores e forjavam missionários. Se a Academia e o Liceu se caracterizavam pela theouría, isto é, pela especulação. O Jardim visava à vida cotidiana, concreta e prática (ULLMANN, 1996, p. 15).

No Jardim ensinava por meio do seu próprio exemplo e conversando

familiarmente com seus seguidores, o que entendia por uma vida modesta, sem almejar

importância e notoriedade social, política e econômica, portanto, de maneira totalmente

despojada, porque considerava que a verdadeira eudaimonía brotava de uma atitude

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simples diante das coisas (JOYAU, 2005, p. 120). Nesse processo de construção da

felicidade teriam que fazer uma verdadeira conversão em suas vidas, que passava por

renúncias e para agregava novos valores.

Para realizar a eudaimonía pessoal, subjetiva, interior – ideal de perfeição da religião epicuréia – deve haver um modelo, um paradigma exterior, pelo qual a individualidade há de pautar-se em suas ações. No Caso dos epicureus, era o mestre do Jardim (ULLMANN, 1996, p. 73).

Para além, o filósofo convocava os seus seguidores a adotarem um estilo de vida

ascético, quase místico, que por meio de uma luta pessoal e intima buscarem superar as

fraquezas e paixões mundanas para viverem de uma maneira simples.

Habitua-se às coisas simples, a um modo de vida não luxuoso, portanto, não é conveniente para a saúde, como ainda propicia ao homem os meios para enfrentar corajosamente as adversidades da vida: nos períodos em que conseguimos levar uma existência rica, predispõe o nosso ânimo para melhor aproveitá-la, e nos prepara para enfrentar sem temor as vicissitudes da sorte (EPICURO, 1997, p. 43).

A concretização desse ideal só poderia ser alcançado plenamente se o discípulo

interiorizasse e praticasse profundamente os valores elencados pelo Mestre do Jardim.

“Pratica e cultiva aqueles ensinamentos que sempre te transmiti, na certeza de que eles

constituem os elementos fundamentais para uma vida feliz” (EPICURO, 1997. p. 23).

Assim, não bastava ter conhecimento do discurso filosófico do Mestre, mas era

necessário exercitá-lo continuamente (HADOT, 2010, p. 181). Diferentemente das

escolas clássicas que tinham um caráter mais teórico, a de Epicuro se propunha a ser um

remédio eficaz para as dores humanas. Por isso, “a filosofia não é um divertimento, um

luxo de professores, um exercício espiritual, mas um trabalho sobre o mais urgente dos

problemas: ser feliz” (NIZAN, 1972, p. 21).

Neste sentido, ao escolher participar da escola de Epicuro (Jardim de Epicuro), o

iniciado tinha que estar disposto a seguir o programa de vida que lhe era apresentado

pelo Mestre. Esse programa não era composto de muitos exercícios intelectuais, mas

fundamentalmente indicava que a felicidade podia ser encontrada diante de uma

simplificação da vida. Entretanto, essa simplificação exigia muita disciplina, porque era

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necessário aprender a viver com o que é fácil de ser alcançado, com o que satisfaz as

necessidades fundamentais e renunciar o que é supérfluo. Fórmula simples, mas que

exigia uma mudança radical da vida: contentar-se com comidas simples, roupas simples,

renunciar às riquezas, às honras, aos cargos públicos e viver retirado (HADOT, 2010, p.

182).

O caminho apontado por Epicuro era estreito, inferimo-lo do fato de que a felicidade, para ele, cifrava-se na satisfação com poucas coisas materiais e não na busca de prazeres voluptuosos nem de iguarias finas. Quanto maior a imperturbabilidade maior é a felicidade. O atingimento da ataraxia deve ser o escopo do homem (ULLMANN, 1996, p. 63).

Dessa forma, era lhe apresentado o que se entendia por doutrina da felicidade,

caso exercitada de uma maneira quase “religiosa”, segundo exortação epicurista, traria a

felicidade duradoura e a tão almejada paz de espírito. Em razão disso, a filosofia

epicurista acreditava poder formar o verdadeiro sábio, que possuindo um conhecimento

exato acerca das coisas, podia ser plenamente feliz.

Na tua opinião, será que pode existir alguém mais feliz do que o sábio, que tem um juízo reverente acerca dos deuses, que se comporta de modo absolutamente indiferente perante a morte, que bem compreende a finalidade da natureza, que discerne que o bem supremo está nas coisas simples e fáceis de obter, e que o mal supremo ou dura pouco, ou só nos causa sofrimentos leves? Que nega o destino, apresentado por alguns como senhor de tudo, já que as coisas acontecem ou por necessidade, ou por acaso, ou por vontade nossa; e que a necessidade é incoercível, o acaso, instável, enquanto nossa vontade é livre, razão pela qual nos acompanham a censura e o louvor? (EPICURO, 1997, p. 47).

Em acréscimo a isso, apontou que o homem vivendo segundo o quádruplo

remédio, que foi elencado de forma sintética na Carta a Meneceu (Carta sobre a

Felicidade), da seguinte forma: são vãos os temores dos deuses; é absurdo o medo da

morte; o prazer deve ser buscado comedidamente e a dor ou o mal têm breve duração

(EPICURO, 1997, p. 23), estaria livre de toda e qualquer perturbação. O homem que

vivesse esses ensinamentos adquiriria a paz de espírito e a eudaimonía definitiva, ou

seja, viveria como um deus entre os homens, porque se tornaria imune à corrupção do

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mundo. A rigor, Epicuro propôs um novo ideal educativo e de vida social ao organizar

um programa de vida que os seus discípulos deveriam viver para alcançar a eudaimonía.

Considerações finais

Pode-se concluir que a proposta educativa de Epicuro tinha como preocupação

fundamental apontar os elementos essenciais para o homem grego livre encontrar a

felicidade e a paz de espírito diante de uma sociedade em crise. A sua proposta foi um

diferencial no período helenístico, pois procurou preencher o vazio existencial do

homem grego e de certa forma apontou um direcionamento para sociedade que se

organizava.

A sua filosofia e o seu ideal educativo não tinha uma preocupação teórica e

especulativa como às clássicas, mas apresentava-se essencialmente como um modo de

viver e de se portar diante da existência cotidiana. Freqüentar a escola de Epicuro exigia

uma mudança radical na foram de viver, que não se dava apenas no nível teorético, mas

no nível interior e no relacionamento com o outro (amigo) e com as coisas mais simples

da vida (comer, beber, etc). Assim, a educação não consistia apenas em ensinar uma

visão teórica sobre uma determinada realidade abstrata, mas ensinar a arte de viver e de

relacionar-se com as coisas concretas, visando consolidar um novo estilo de vida e de

existência.

Por isso, o ideal educativo de Epicuro constitui-se uma novidade na sociedade

Antiga, pois se apresentou de uma forma particularmente contraditória, na medida em

que, criticava os ideais da educação clássica e helenística que tinha preocupações

universalistas. Portanto, na contramão das exigências da sociedade e da própria tradição

clássica, propôs o total afastamento das questões “mundanas” e conclamou ao

recolhimento e a interioridade que considerava o essencial para uma vida feliz.

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