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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE SÃO JOSÉ CURSO DE DIREITO A EFICÁCIA DAS SANÇÕES DETERMINADAS PELA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA NO CASO DE DESCUMPRIMENTO DO DIREITO DE PROTEÇÃO CONSULAR ALESSANDRA PEDRAZZI VALENTINI São José, julho de 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE SÃO JOSÉ CURSO DE DIREITO

A EFICÁCIA DAS SANÇÕES DETERMINADAS PELA CORTE

INTERNACIONAL DE JUSTIÇA NO CASO DE DESCUMPRIMENTO DO DIREITO DE PROTEÇÃO CONSULAR

ALESSANDRA PEDRAZZI VALENTINI

São José, julho de 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE SÃO JOSÉ CURSO DE DIREITO

A EFICÁCIA DAS SANÇÕES DETERMINADAS PELA CORTE

INTERNACIONAL DE JUSTIÇA NO CASO DE DESCUMPRIMENTO DO DIREITO DE PROTEÇÃO CONSULAR

ALESSANDRA PEDRAZZI VALENTINI

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor Dr. André Lipp Pinto Basto Lupi

São José, julho de 2008

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à minha mãe Tânia, pelo carinho,

compreensão e incentivo que deu a mim durante esta

caminhada. Mãe, foste o conforto e a palavra de coragem

nos momentos em que eu mais precisei.

Ao meu pai Celoir, com quem eu aprendi valores

elementares da vida, entre eles a importância do estudo

para a construção de um futuro próspero. Pai, és, para

mim, um grande exemplo de trabalho e empenho.

Ao meu irmão Marco Antônio, por quem eu tenho um

carinho muito grande. Marco, acredito que, em breve,

alcançaremos nossos objetivos.

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AGRADECIMENTO

Ao meu Orientador André Lupi,

As dificuldades não foram poucas. Os desafios foram muitos. Os obstáculos, muitas

vezes, pareciam intransponíveis. Em algumas situações, o desâmino, por achar que eu não iria

conseguir, quis contagiar. Mas agora, ao olhar para trás, percebo que todo o esforço não foi

em vão. As horas de leitura, em inglês, para quem pouco sabia, o nervosismo no momento das

apresentações nos seminários e congressos, a insegurança de não conseguir produzir um bom

trabalho, me fizeram ser, hoje, uma pessoa mais forte e competente. É por isso que te

agradeço. Obrigada por sempre acreditar na minha capacidade, por sempre incentivar os meus

estudos, por proferir palavras de entusiasmo e conforto. Agradeço pelos excelentes

apontamentos e correções, que sem dúvida, contribuíram para o aperfeiçoamento deste

trabalho. Deixo registrado a minha admiração pelo professor competente que és e a grande

satisfação de ter sido tua orientanda.

Agradeço também ao professor Luiz Magno, pela oportunidade que me oferecestes

quando eu ainda estava no início do curso: a participação no Grupo de Estudos de Direito

Constitucional foi um grande aprendizado para mim.

Agradeço ao querido Conrado, pelo carinho, conforto, amor e amizade durante toda a

faculdade. Sou feliz por ter dividido tantos momentos ao teu lado. Obrigada pelo apoio que

me destes na elaboração deste trabalho. Obrigada ainda pelas correções, discussões e a ajuda

na elaboração do resumo em língua inglesa. Após esses anos juntos, sentirei saudades.

Ao Stenio, pela companhia nas tardes no Centro de Estudos Internacionais (CEI),

congressos, viagens, lanches no bar e conversas. Desejo, Stenio, que você obtenha êxito em

todos os teus projetos.

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À minha amiga Andreza, pelo companheirismo e laços de amizade construídos na

faculdade.

À minha amiga Raquel pelo coleguismo durante as tardes de estágio no Núcleo de

Prática Jurídica (NPJ). Raquel, sem dúvidas, o caso Guebi ficará na história! Boa sorte na tua

caminhada e não esqueças do carinho que tenho por ti.

Aos demais amigos e colegas que colaboraram para que estes quase cinco anos se

tornassem memoráveis.

Enfim, agradeço à Universidade do Vale do Itajaí pelo suporte financeiro oferecido

pelo Probic, que contribuiu para a realização desta monografia.

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“[...] os que madrugam no ler, convém madrugarem

também no pensar. Vulgar é o ler, raro o refletir. O saber

não está na ciência alheia, que se absorve, mas,

principalmente, nas idéias próprias, que se geram dos

conhecimentos absorvidos, mediante a trasmutação, por

que passam, no espírito que os assimila. Um sabedor não é

um armário de sabedoria armazenada, mas transformador

reflexivo de aquisições digeridas”.

RUI BARBOSA

Oração aos moços. Discurso proferido em 1920 aos bacharelandos da Faculdade de Direito de São Paulo.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a

coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer

responsabilidade acerca do mesmo.

São José, julho de 2008

Alessandra Pedrazzi Valentini Graduanda

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ROL DE ABREVIATURAS OU DE SIGLAS

CPC Código de Processo Civil

CDI Comissão de Direito Internacional

CVRC Convenção de Viena sobre Relações Consulares

CIDH Corte Interamericana de Direitos Humanos

CIJ Corte Internacional de Justiça

EC Emenda Constitucional

EUA Estados Unidos da América

OC Opinião Consultiva

ONU Organização das Nações Unidas

OEA Organização dos Estados Americanos

PL Projeto de Lei

STJ Superior Tribunal de Justiça

STF Supremo Tribunal Federal

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ROL DE CATEGORIAS

Direito de Proteção Consular

O direito de proteção consular está previsto no artigo 36 da Convenção de Viena sobre

Relações Consulares e assegura a prerrogativa ao nacional, que for preso, detido ou

encarcerado em um país estrangeiro, de comunicar-se com o consulado de seu país.

Separação dos poderes

O princípio da separação do poderes busca estabelecer um sistema de equilíbrio

harmônico e autônomo dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, evitando assim a

concentração de poderes. Segundo esse princípio cada uma das funções do Estado seria de

responsabilidade de um poder. Todavia a separação dessas funções não é absoluta, isto é, o

sistema de freios e contrapesos estabelece o controle de um poder sobre o outro.

Eficácia

“A eficácia, se refere, pois à aplicação ou execução da norma jurídica, ou por outras

palavras, é a regra jurídica enquanto momento da conduta humana. [...] Eficácia refere-se aos

efeitos ou conseqüências de uma regra jurídica. (REALE, Miguel. Lições preliminares de

direito. 23.ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 113-114).

Na presente monografia, este termo será utilizado para analisar se as decisões

proferidas pela Corte Internacional de Justiça alcançam as finalidades as quais se destinam,

isto é, a reparação de uma violação no âmbito internacional.

Decisão internacional

Decisão internacional é aquela proferida por cortes internacionais, decorrente de um

litígio entre Estados, ou entre Estados e Organizações Internacionais.

Federalismo “O federalismo representa a existência de duas esferas de poder político: uma federal,

concentrada na União, e outra estadual, assegurando-se a cada Estado o poder de agir com

autonomia, organizando seu próprio governo e escolhendo seus governantes, estabelecendo

suas prioridades, tendo suas próprias fontes de renda, exercendo seu poder legislativo e,

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afinal, desempenhando as atribuições de sua competência sem nenhuma possibilidade de

interferência da União” (DALLARI, Dalmo de Abreu. O Estado Federal. São Paulo: Ática,

1986. p. 22).

Prequestionamento A regra do prequestionamento exige, para conhecimento das razões do impetrante ou

recorrente, que a matéria alegada na instância superior já tenha sido analisada nas instâncias

inferiores.

Responsabilidade Internacional

Ocorre a responsabilidade internacional quando um Estado comete um ato

internacionalmente ilícito. De acordo com o artigo 2º do Projeto da Comissão de Direito

Internacional das Nações Unidas sobre Responsabilidade Internacional dos Estados, são

elementos de um ato internacionalmente ilícito: quando a conduta do Estado consistir em uma

ação ou omissão atribuível ao Estado, consoante o Direito Internacional e quando constistir

em uma violação de uma obrigação internacional.

Cortes Internacionais

Cortes internacionais são órgãos judiciários criados por tratados internacionais que

possuem jurisdição, nos limites e para as matérias fixadas no tratado, para resolver demandas

que envolvam Estados e Organizações Internacionais.

Devido Processo Legal

“Em matéria de Direito Processual, o princípio de devido princípio legal, ou adequado

processo legal (due of law) corresponde ao requisito de certas formalidades processuais

(obrigatoriedade de citação e oportunidade de defesa), que o Direito Inglês consagrou [...]”

(SOARES, Orlando. Introdução ao Estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1991. p.

389).

Sanção A sanção é uma conseqüência jurídica estatuída numa norma que se impõe a quem

infringir determinada regra. Para José de Oliveira Ascenção "(...) é uma conseqüência

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desfavorável normativamente prevista para o caso de violação de uma regra, e pela qual se

reforça a imperatividade desta." (ASCENÇÃO, José de Oliveira, O Direito, Introdução e

Teoria Geral. 11.ed. p. 55.)

No Direito Internacional as sanções são determinadas por cortes internacionais e

decorrem do descumprimento de uma norma internacional.

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SUMÁRIO

RESUMO........................................................................................................p. 13 ABSTRACT...................................................................................................p. 14 INTRODUÇÃO.............................................................................................p. 15 CAPÍTULO 1 AS DECISÕES DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA SOBRE O ARTIGO 36 DA CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE RELAÇÕES CONSULARES 1.1 O DIREITO DE PROTEÇÃO CONSULAR............................................p. 18 1.2 A IMPORTÂNCIA DO DIREITO DE PROTEÇÃO CONSULAR.........p. 21 1.3 A INTERPRETAÇÃO DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS SOBRE O DIREITO DE PROTEÇÃO CONSULAR...............p. 24 1.4 CASOS SUBMETIDOS À CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA SOBRE O DIREITO DE PROTEÇÃO CONSULAR....................................p. 27

1.4.1 Caso Breard: Paraguai vs. EUA................................................................p. 28

1.4.2 Caso La Grand: Alemanha vs. EUA..........................................................p. 30

1.4.3 Caso Avena: México vs. EUA...................................................................p. 32

CAPÍTULO 2 A IMPLEMENTAÇÃO DAS DECISÕES DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA PELO JUDICIÁRIO ESTADUNIDENSE 2.1 CASOS DA SUPREMA CORTE DOS EUA...........................................p. 37 2.1.1 Sanchez-Llamas vs. Oregon...................................................................p. 38 2.2 ANÁLISE DOS ARGUMENTOS SUSTENTADOS POR ALGUMAS AUTORIDADES DOS EUA PARA A NÃO IMPLEMENTAÇÃO DA DECISÃO DA CIJ..........................................................................................p. 43

2.2.1 Federalismo............................................................................................p. 43

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2.2.2 Prequestionamento.................................................................................p. 45 2.2.3 Separação dos Poderes...........................................................................p. 48 CAPÍTULO 3 AS CONSEQÜÊNCIAS DA NÃO IMPLEMENTAÇÃO DAS DECISÕES DA CIJ PELAS CORTES INTERNAS DOS EUA 3.1 A OBRIGATORIEDADE DE CUMPRIMENTO DA DECISÃO INTERNACIONAL: MECANISMOS PREVISTOS NO DIREITO INTERNO PARA A SUA IMPLEMENTAÇÃO..............................................................p. 54 3.2 RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO POR DESCUMPRIMENTO DE UMA DECISÃO JUDICIAL INTERNACIONAL........................................................................................p. 63 3.3 MECANISMOS COERCITIVOS PREVISTOS NO DIREITO INTERNACIONAL NO CASO DE NÃO IMPLEMENTAÇÃO DA DECISÃO PELOS ESTADOS..........................................................................................p. 65 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................p. 72 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................... p. 74

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RESUMO

A Convenção de Viena sobre Relações Consulares (CVRC) assegura, em seu artigo 36, o

direito, aos estrangeiros que se encontram detidos, presos ou encarcerados em um país

estrangeiro, de se comunicaram com seu consulado e também estabelece direitos aos Estados,

pois permite que eles concedam aos seus nacionais assistência adequada e eficaz. Esse direito

é conhecido como o direito de proteção consular. Sua aplicação é importante pois assegura ao

estrangeiro o respeito ao princípio da não discriminação e o direito de ser julgado com

observância dos meios que lhe permitam pleno acesso à justiça, respeitando-se o princípio do

devido processo legal. Mas, apesar da importância de sua aplicação, diversos países

descumprem-no. Em virtude dos freqüentes casos de violação, três Estados (Paraguai,

Alemanha e México) apresentaram reclamações na Corte Internacional de Justiça (CIJ) contra

os EUA por violação do artigo 36 da CVRC. A CIJ julgou-as procedentes e determinou que

os EUA procedessem à revisão e reconsideração das sentenças condenatórias que foram

proferidas em desacordo com as obrigações presentes na Convenção. Entretanto, os tribunais

estadunidenses negaram aplicação às decisões na maioria dos casos. Fizeram-no por motivos

diversos, dentre os quais, a exigência de prequestionamento, o princípio da separação dos

poderes e a questão do federalismo. Assim, percebe-se grandes dificuldades de

implementação das sanções determinadas pela CIJ e, como conseqüência, um recorrente

descumprimento das normas do Direito Internacional, o que ocasiona a Responsabilidade

Internacional do Estado. A presente monografia objetiva, portanto, analisar a eficácia das

decisões proferidas pela CIJ no caso de descumprimento do direito de proteção consular.

Neste sentido, busca compreender os mecanismos previstos no direito interno para a

implementação dessas decisões e em caso de não cumprimento voluntário pelos Estados,

serão analisadas as medidas disponíveis no Direito Internacional objetivando o respeito aos

comandos exarados nas sentenças internacionais.

Palavras chave: Proteção Consular. Sentença internacional. Eficácia. Direito Internacional.

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ABSTRACT

The Vienna Convention on Consular Relations (VCCR), in its Article 36, ensures the right to

foreigners who are detained, arrested or imprisoned in a foreign country to communicate with

their consulate. It also grants rights to the States, allowing them to concede adequate and

efficient assistance to their nationals. This right is known as right of consular protection. Its

enforcement is important because it protects the non-discrimination principle and the due

process of law principle. However, despite the importance of its enforcement, several

countries do not obey it. Due to frequent cases of violation, three States (Paraguay, Germany

and Mexico) have presented claims in the International Court of Justice (ICJ) against the

USA, because of the latter’s violation of the Article 36 of VCCR. The ICJ affirmed the rights

from the Article 36 and ordered the USA to review and reconsider the sentences of conviction

that were pronounced in disagreement with the US obligations before the Convention.

However, USA Courts have denied execution to these decisions in most of the cases. They did

it for several reasons, like the procedural default rule, the principle of separation of powers

and concerns about federalism. Hence, it can be noted great difficulties in implementing the

sanctions determined by the ICJ, and as a result a repeating nonperformance of the

International Law rules, which calls for International Responsibility. The present work,

therefore, aims to analyze the efficacy of the ICJ’s decisions in cases of nonperformance of

the right of consular protection. In this sense, it seeks to understand the mechanisms

established in Domestic Law to enforce these decisions and, in case of voluntary

nonperformance by States, it will be analyzed the available measures in the International Law

to ensure respect to commands established in International Decisions.

Keywords: Right of Consular Protection. International Sentences. Efficacy. International Law.

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INTRODUÇÃO

O Direito Internacional, como um conjunto de regras destinadas, sobretudo, à

pacificação das relações entre os Estados, é um importante ramo do direito a ser estudado. No

Brasil, ao contrário de outros países que possuem ampla produção e grupos específicos de

pesquisas nessa área, diversas matérias carecem ainda de estudos aprofundados; uma delas é a

que concerne a proteção dos estrangeiros. Eles estão amparados pela Convenção de Viena

sobre Relações Consulares e possuem a prerrogativa de contatar e receber ajuda dos cônsules

de seu país. Em virtude do descumprimento desse direito, a Corte Internacional de Justiça

analisou três reclamações e aplicou sanções ao país demandado. Neste sentido, a presente

monografia propõem-se a analisar a eficácia dessas sanções no caso de descumprimento do

direito de proteção consular.

O tema é pertinente porque esses casos que serão analisados no trabalho são os únicos

casos submetidos à apreciação da Corte Internacional de Justiça que envolvem o

descumprimento do direito de proteção consular. Sua importância também pode ser percebida

pois o tema é pouco estudado, apesar de ser de extrema importância para a proteção e respeito

dos direitos dos extrangeiros. Neste sentido, o trabalho contribuirá para uma maior divulgação

e entendimento do direito de proteção consular. Pode-se afirmar, por fim, que a monografia

permite analisar que problemas semelhantes, como os enfrentados pelos Estados Unidos da

América, poderiam ser vislumbrados no Brasil, já que esse país também é signatário da

Convenção de Viena sobre Relações Consulares. Dessa forma, como signatário, poderá vir a

sofrer demandas na Corte Internacional de Justiça por descumprimento do direito de proteção

consular com a incumbência de implementar as decisões.

O trabalho divide-se em três capítulos. No primeiro capítulo, estudar-se-á em que

consiste o direito de proteção consular e qual a importância de sua aplicação. Essa

prerrogativa está prevista no artigo 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares e

objetiva proteger os direitos dos estrangeiros quando estes forem presos, detidos ou

encarcerados no exterior. Além disso, o mesmo artigo prescreve direitos aos representantes do

Estado, pois permite que o governo tenha acesso aos seus cidadãos, para que ele possa

promover proteção aos direitos individuais de seu compatriota e auxiliá-lo em sua defesa.

Serão apresentados ainda, neste capítulo, três casos em que os Estados Unidos foram

demandados na Corte Internacional de Justiça (órgão judiciário das Nações Unidas) por

descumprimento do direito dos estrangeiros. O Paraguai, a Alemanha e o México

interpuseram reclamações na Corte Internacional de Justiça. Objetivam o reconhecimento,

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pela Corte, da violação cometida pelos EUA à norma contida na Convenção e como

conseqüência, a aplicação de medidas para reparar essa ofensa.

No segundo capítulo, o trabalho buscará identificar, tendo em vista as decisões que

foram proferidas pelo órgão judiciário das Nações Unidas, os problemas encontrados pelas

cortes internas estadunidenses para a implementação da sentença internacional. Serão

analisados dois casos, interpostos por nacionais mexicanos, que, baseados na decisão emitida

pela Corte, pretendiam a revisão de seus processos judiciais, julgados sem observância do

direito de proteção consular. Entretanto, os poderes internos estadunidenses negaram, na

maioria dos casos, aplicação às decisões. A principal dificuldade enfrentada foi à existência

de regras internas, tais como a exigência de prequestionamento, que impede a revisão dos

processos se os réus não suscitaram a questão na primeira instância do processo. O princípio

da separação dos poderes e a questão do federalismo também foram obstáculos para o

cumprimento das decisões.

E por fim, no terceiro capítulo, tendo em vista a obrigatoriedade de implementação,

pelos próprios Estados, das decisões internacionais, serão examinados os mecanismos

internos previstos no direito norte-americano e de outros países para aplicação dos comandos

fixados pelos tribunais internacionais. Essa análise buscará demonstrar a importância da

relação existente entre o Direito Interno e o Direito Internacional no que tange ao processo de

implementação das sentenças. Por outro lado, em caso de não cumprimento das decisões

internacionais verificar-se-ão, por meio da Responsabilidade Internacional, as conseqüências

que o desrespeito a uma decisão internacional pode produzir ao país descumpridor. E, diante

da não observância dessas decisões, serão estudadas as medidas de coerção previstas no

Direito Interestatal para compelir os Estados a respeitar os comandos fixados nas sentenças.

Este trabalho provoca a discussão sobre a eficácia do Direito Internacional. Trata-se de

analisar, a partir das dificuldades de implementação das decisões da CIJ pelos poderes

internos estadunidenses, a força e o poder coercitivo das normas e decisões internacionais.

Neste sentido, pode-se indagar: qual a eficácia das sanções proferidas pela CIJ no caso de

descumprimento do direito de proteção consular, diante da ausência, no Direito Interestatal,

de mecanismos coercitivos independentes dos Estados? Neste sentido, ele também permite

revisar o debate acerca do caráter jurídico do Direito Internacional, analisado por renomados

autores como Hans Kelsen e Herbert Hart.

A discussão é pertinente porque o Brasil, nos últimos anos, tem ratificado uma série

de tratados, principalmente sobre direitos humanos. Como signatário destes tratados, tem o

dever de respeitar as normas neles estabelecidas. Em caso de descumprimento, pode ainda

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sofrer sanções. Como já dito, o Brasil também poderá ser demandado por descumprimento do

direito de proteção consular e terá assim a tarefa de implementar a decisão proferida. É

necessário dessa forma, estudar os obstáculos enfrentados pelos EUA porque problemas

semelhantes poderiam ser encontrados pelo poder interno brasileiro, já que adota algumas

normas internas semelhantes às estadunidenses. Do mesmo modo, é importante estudar, se

não cumprida a decisão, quais as conseqüências a que o Brasil estará submetido.

A pesquisa contribuirá ainda para que o Brasil possa não apenas cumprir as suas

obrigações frente a esta convenção mas também defender os interesses de seus nacionais que

se encontram no exterior, buscando promover a proteção aos direitos humanos. Objetiva-se,

ao analisar os problemas expostos, oferecer uma contribuição para o aperfeiçoamento desse

importante conjunto de regras jurídicas internacionais.

O método de abordagem utilizado nesta monografia foi o indutivo, no qual as análises

das características dos fenômenos particulares serviram de base a conclusões de caráter

genérico. Para tanto, foram analisados casos da Corte Internacional de Justiça e da Corte

Suprema dos EUA e a partir dessa análise constatou-se que as decisões proferidas pela Corte

Internacional não eram plenamente eficazes. A técnica utilizada para a obtenção dos dados foi

a pesquisa bibliográfica e documental, por meio da consulta à decisões judiciais, principais

periódicos especializados com comentários às decisões e livros de autores renomados. Quanto

à análise e interpretação dos resultados, a pesquisa teve caráter qualitativo e buscou oferecer

uma apreciação global sobre as conclusões que a investigação propiciou.

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1 AS DECISÕES DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA SOBRE O ARTIGO 36 DA CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE RELAÇÕES CONSULARES

1.1 O DIREITO DE PROTEÇÃO CONSULAR

É crescente o número de pessoas que viajam para o exterior em busca de emprego,

negócios e turismo. Em alguns casos, estes estrangeiros podem ser presos ou detidos devido a

alguma conduta ilegal lá praticada. Estrangeiros detidos no exterior estão em uma situação de

desvantagem, especialmente porque podem não conhecer bem o idioma do país em que se

encontram e seus direitos legais perante o sistema jurídico do país onde estão. Isso pode

significar dificuldades no momento de exercer sua defesa processual, influenciando

significativamente no julgamento. Nesses casos, a oportunidade de falar com o posto consular

pode ser decisiva para uma efetiva defesa. A possibilidade do estrangeiro detido de entrar em

contato com as repartições consulares do país do qual é nacional é conhecida como o direito

de proteção consular. Tal oportunidade está prevista em normas de Direito Internacional, mais

especificamente na Convenção de Viena sobre Relações Consulares e no costume1.

A Convenção de Viena sobre Relações Consulares (CVRC) é a norma mais importante

que regula as atribuições e funções relativas aos cônsules. No entanto, tal Convenção foi

assinada apenas em 1963. Anteriormente, as relações consulares eram reguladas por acordos

bilaterais entre os Estados e também pelo costume, que consiste na prática reiterada de

determinados atos pelos Estados e Organizações Internacionais2. Nesse contexto, os Estados,

movidos pela necessidade de maior transparência em suas relações bilaterais, bem como,

motivados pela urgência em garantir uma proteção mais adequada aos nacionais no exterior,

resolveram codificar e uniformizar, na forma de um tratado multilateral, as regras costumeiras

e os tratados bilaterais que tratavam sobre as relações consulares. A Comissão de Direito

Internacional (CDI) da Organização das Nações Unidas (ONU) ficou encarregada desse

papel, qual seja, “codificar” as normas do Direito Internacional em matéria de relações

consulares e diplomáticas. Para realizar tal objetivo, a Assembléia Geral da ONU convocou,

1 URIBE, Victor M. Consul at Work: Universal Instruments of Human Rigths and Consular Protection in the Context of Criminal Justice. Houston Journal of International Law, v. 19, 1996-1997. p. 375-376. 2 Os Estados Unidos da América, por exemplo, antes da ratificação da Convenção de Viena, eram signatários de vinte e oito tratados bilaterais que asseguravam o direito de o consulado americano ser informado da prisão de um nacional seu e também o direito do cônsul de prestar-lhe ajuda. Ver: URIBE, Victor M. Consul at Work: Universal Instruments of Human Rigths and Consular Protection in the Context of Criminal Justice, p. 387.

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em 24 de abril de 1963, em Viena, uma conferência internacional e nesta ocasião foi assinada

a CVRC3.

A CVRC foi ratificada pela maioria dos Estados da atualidade e entrou em vigor no

âmbito internacional4 em 19/03/1967. Nesta data, mais de 160 países já haviam ratificado o

tratado5. No Brasil, a referida Convenção foi aprovada pelo Congresso Nacional (Decreto

Legislativo 6/67) e promulgada pelo Decreto nº 61.078 de 26/07/1967 (sendo que o depósito

do instrumento de ratificação, junto ao Secretário Geral das Nações Unidas, foi feito em

11/05/1967). Tal Convenção representa uma consolidação de usos e costumes importantes nas

relações internacionais, na forma de normas escritas e impositivas aos Estados-partes, com o

escopo de estabelecer prerrogativas que contribuam para o desenvolvimento das relações

consulares. A ratificação da Convenção de Viena significou uma grande contribuição para a

consolidação da norma internacional reguladora do acesso do cônsul ao nacional detido, com

a possibilidade de visitá-lo e sobretudo fornecer-lhe assistência jurídica6.

O objetivo da Convenção, conforme disposto em seu preâmbulo, é assegurar o eficaz

desempenho funcional das repartições consulares e contribuir para o desenvolvimento de

relações amistosas entre os países, independentemente de seus regimes constitucionais e

sociais. Para alcançar tais objetivos, o artigo 5º da CVRC estabelece algumas atribuições às

repartições consulares. Entre elas, para o objeto do presente trabalho, destacam-se:

a) proteger, no Estado receptor, os interesses do Estado que envia e de seus nacionais, pessoas nacionais, pessoas físicas ou jurídicas, dentro dos limites permitidos pelo direito internacional; b) prestar ajuda e assistência aos nacionais, pessoas físicas ou jurídicas, do Estado que envia; c) representar os nacionais do país que envia e tomar todas as medidas convenientes para sua representação perante os tribunais e outras autoridades do Estado receptor, de conformidade com a prática e os procedimentos em vigor neste último, visando conseguir, com as leis e regulamentos do mesmo, a adoção de medidas provisórias para a salvaguarda dos direitos e interesses destes nacionais, quando, por estarem ausentes ou por qualquer outra causa, não possam os mesmos defendê-los em tempo útil.

7

3 SOARES, Guido Fernando Silva. Órgãos dos Estados nas Relações Internacionais: formas de diplomacia e as imunidades. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 78-79. 4 O artigo 77 da CVRC estabelece que “a presente Convenção entrará em vigor no trigésimo dia que se seguir à data em que seja depositado junto ao Secretário-Geral das Organização das Nações Unidas o vigésimo segundo instrumento de ratificação ou adesão” (CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE RELAÇÕES CONSULARES. In: SALIBA, Aziz Tuffi (Org.). Legislação de Direito Internacional. 2 ed. São Paulo: Rideel, 2007. p. 779). 5 TRAINER, Kelly. The Vienna Convention on Consular Relations in the United States Courts. The Transnational Lawyer, v. 13, 2000. p. 232. 6 URIBE, Victor M. Consul at Work: Universal Instruments of Human Rigths and Consular Protection in the Context of Criminal Justice, p. 388. 7 “Os conceitos ligados a funções consulares, dizem respeito, na terminologia da Convenção de Viena de 1963, ao relacionamento bilateral entre em ‘Estado que envia’ e ‘um Estado receptor’”. (SOARES, Guido Fernando Silva. Órgãos dos Estados nas Relações Internacionais: formas de diplomacia e as imunidades, p. 81). Segundo

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20

Salienta-se que as funções constantes no artigo 5º da CVRC não são exaustivas,

devido às variadas atribuições conferidas às repartições consulares8. Essas atribuições

conferem certas prerrogativas aos nacionais que não se encontram no seu país de origem, com

o intuito de ajudar-lhes nas eventuais dificuldades que possam enfrentar, por exemplo, na

obtenção de documentos e até mesmo em caso de detenção do nacional, objetivando

salvaguardar seus direitos e interesses9.

Para reforçar as atribuições citadas acima e, sobretudo, para garantir maior proteção

aos nacionais no exterior, a CVRC prevê em seu artigo 36 uma dupla proteção: tanto ao

Estado, de ter acesso aos seus nacionais, quanto ao estrangeiro que se encontra detido, de

poder comunicar-se com o consulado de seu país10:

ARTIGO 36

1. A fim de facilitar o exercício das funções consulares relativas aos nacionais do Estado que envia: a) os funcionários consulares terão liberdade de se comunicar com os nacionais do Estado que envia e visitá-los. Os nacionais do Estado que envia terão a mesma liberdade de se comunicarem com os funcionários consulares e de visitá-los; b) se o interessado lhes solicitar, as autoridades competentes do Estado receptor deverão, sem tardar, informar a repartição consular competente quando, em sua jurisdição, um nacional do Estado que envia for preso, encarcerado, posto em prisão preventiva ou detido de qualquer outra maneira. Qualquer comunicação endereçada à repartição consular pela pessoa detida, encarcerada ou presa preventivamente deve igualmente ser transmitida sem tardar pelas referidas autoridades. Estas deverão imediatamente informar o interessado de seus direitos nos termos do presente sub-parágrafo; c) os funcionários consulares terão direito de visitar o nacional do Estado que envia, o qual estiver detido, encarcerado ou preso preventivamente, conservar e corresponder-se com ele, e providenciar sua defesa perante os tribunais. Terão igualmente o direito de visitar qualquer nacional do Estado que envia encarcerado, preso ou detido em sua jurisdição em virtude de execução de uma sentença. Todavia, os funcionários consulares deverão abster-se de intervir em favor de um

Emily Harrill, “nesse contexto, o estado que envia é o país do qual o nacional, que se encontra no estrangeiro, é cidadão, e o estado receptor é aquele no qual o estrangeiro está localizado fisicamente”. (HARRILL, Emily D. Exorcising the Ghost: Finding a Right and a Remedy in Article 36 of the Vienna Convention on Consular Relations. South Carolina Law Review, v. 55, 2003-2004. p. 573). Por exemplo, se um nacional brasileiro for preso na Itália, o Estado que envia será o Brasil e o Estado receptor será a Itália. 8 BROWLIE, Ian. Princípios de Direito Internacional Público. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 382. 9 É importante salientar que existem diferenças entre as atribuições destinadas aos cônsules e aos diplomatas. O cônsul, como já salientado, tem a função de prestar assistência aos nacionais residentes no exterior e a turistas que venham a ter dificuldades durante viagens a países estrangeiros. Diferencia-se do diplomata, já que este representa o Estado perante outros Estados e desenvolve relações políticas, econômicas e sociais entre eles. 10 HARRILL, Emily D. Exorcising the Ghost: Finding a Right and a Remedy in Article 36 of the Vienna Convention on Consular Relations, p. 569. “A controvérsia resulta da linguagem do Artigo 36 da Convenção, a qual, de acordo com algumas cortes e alguns estudiosos, cria um acréscimo de direito ao indivíduo. Isso é digno de nota porque a maioria dos tratados não cria direitos individuais; ao invés disso, tratados funcionam como acordos entre soberanos e como tais são geralmente apenas reforçados pelos governos nacionais. No entanto, o artigo 36 da Convenção de Viena é diferente e estabelece que se um indivíduo é detido em decorrência do cometimento de uma infração em um país estrangeiro, o detento tem o direito de comunicar-se com o consulado oficial de sua nacionalidade”.

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nacional encarcerado, preso ou detido preventivamente, sempre que o interessado a isso se opuser expressamente. 2. As prerrogativas a que se refere o parágrafo 1º do presente artigo serão exercidas de acordo com as leis e regulamentos do Estado receptor, devendo, contudo, entender-se que tais leis e regulamentos não poderão impedir o pleno efeito dos direitos reconhecidos pelo presente artigo.11

Como se vê, esse mesmo artigo, em seu parágrafo 1º, alíneas a, b e c, confere proteção

para os estrangeiros que se encontram detidos, presos ou encarcerados em um país

estrangeiro. Tal proteção possui duas vertentes: o direito à proteção consular e o direito de

assistência consular. A primeira assegura a prerrogativa do preso de ser informado, sem

demora, de seu direito de comunicar-se com seu consulado e ainda o direito de que essa

comunicação seja transmitida, igualmente sem demora, à repartição consular. A segunda

vertente prescreve direitos ao Estado, ou seja o direito de prestar assistência consular, pois

permite que o governo tenha acesso aos seus cidadãos, para que ele possa promover proteção

aos direitos individuais de seu compatriota e auxiliá-lo em sua defesa12.

1.2 A IMPORTÂNCIA DO DIREITO DE PROTEÇÃO CONSULAR

O direito de proteção consular é muito importante pois proporciona ao estrangeiro

detido meios mais amplos para exercer sua defesa processual. Isso porque o cônsul, quando

presta assistência ao seu nacional, pode fazer tudo o que achar necessário, dentro dos limites

legais, para garantir tal defesa. Pode, por exemplo, obter provas no Estado que envia, contatar

a família do nacional para que esta auxilie com o fornecimento de informações importantes e

além disso pode contratar advogado qualificado para defendê-lo13. Assim, percebe-se que o

direito de proteção consular está diretamente relacionado com outros direitos fundamentais,

tais como o devido processo legal, que abrange a ampla defesa e o direito ao contraditório.

Sua importância parece ficar mais evidente quando o país no qual o estrangeiro encontra-se

detido adota a pena de morte, uma vez que a deficiência na defesa processual pela ausência de

um tradutor ou de explicações acerca das diferenças dos sistemas jurídicos do Estado que

envia e do Estado receptor, pode levar a uma injusta condenação e conseqüentemente à perda

da vida.

11 CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE RELAÇÕES CONSULARES: In: SALIBA, Aziz Tuffi (Org.). Legislação de Direito Internacional, p. 769. 12 HARRILL, Emily D. Exorcising the Ghost: Finding a Right and a Remedy in Article 36 of the Vienna Convention on Consular Relations, p. 574. 13 TRAINER, Kelly. The Vienna Convention on Consular Relations in the United States Courts, p. 234.

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O direito de proteção consular assume ainda mais importância se for levado em conta

o grande número de pessoas que deixam seus países em busca de emprego e melhores

condições de vida no exterior. Segundo Celso Lafer, no Brasil, por exemplo, o número de

pessoas que emigram é alto:

Atualmente, segundo estimativas oficiais, cerca de 1,8 milhão de brasileiros residem no exterior. Regra geral, buscam em outros países oportunidades de trabalho e melhoria econômica. É o caso de brasileiros que vivem nos Estados Unidos (aproximadamente 700 mil), no Japão (quase 270 mil), no Paraguai (por volta de 300 mil), na Europa (em Portugal, na Itália, na Alemanha, as cifras são 90 mil, 76 mil, 56 mil).14

Esses estrangeiros encontram-se, assim, em uma condição vulnerável, como já dito,

pois na maioria das vezes não conhecem bem o idioma do país onde se encontram e,

sobretudo, não conhecem seus direitos no país receptor. O direito de proteção consular

permite, dessa forma, que o Estado preste, de maneira efetiva, ajuda e assistência aos seus

nacionais no exterior. Importantes estudiosos defendem e ressaltam a importância da

comunicação consular:

É essencial para proteger contra um possível mau trato aos prisioneiros, e para facilitar a apresentação de uma efetiva defesa para aqueles que possivelmente enfrentam sérias acusações, em uma linguagem que não entendem, sob um sistema jurídico com o qual eles não estão familiarizados.15

A aplicação do direito de proteção consular proporciona ao estrangeiro detido respeito

ao princípio da não discriminação16, no caso entre nacionais e estrangeiros. A assistência

consular garante ao estrangeiro melhores condições de obter uma ampla defesa em seu

processo. Repete-se, para frisar, que os agentes consulares desenvolvem um papel muito

importante no decorrer do processo penal instaurado contra o estrangeiro, por exemplo, na

14LAFER, Celso. Proteção de nacionais no exterior. Disponível em: <http://www.mre.gov.br/portugues/noticiario/nacional/selecao_detalhe.asp?ID_RESENHA=44035>. Acesso em: 20 mar. 2007 (publicação sem número de página). 15 TRAINER, Kelly. The Vienna Convention on Consular Relations in the United States Courts, p. 234. Tradução livre. No original: “essential to guard against the possible mistreatment of prisoners, and to facilitate the presentation of an effective legal defense by those possibly facing serious charges in a language they do not understand under a legal system with which they are unfamiliar”. 16 O princípio da igualdade jurídica está previsto em normas internacionais e também é adotado, no ordenamento interno, por boa parte dos países. O artigo 24 do Pacto de São José da Costa Rica, por exemplo, prevê que todas as pessoas são iguais perante a lei e têm, portanto, direito, sem discriminação, a igual proteção da lei. Da mesma forma, o artigo 7º da Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece que todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção a igual proteção da lei. Igualmente, o artigo 14 do Pacto Internacional sobre Direitos civis e políticos determina uma série de medidas que devem ser adotadas pelos países com a finalidade de possibilitar a pessoa acusada uma efetiva defesa em seu processo. Destaca-se, para o objeto desse trabalho, o direito do acusado ser informado, sem demora, numa língua que compreenda e de forma miniciosa as razões de sua prisão, de dispor do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa. Ainda, o direito de ser assistido gratuitamente por um intérprete, caso não compreenda a língua utilizada no seu julgamento.

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obtenção de provas atenuantes que se encontram no território do qual este é nacional, além de

contribuir para o próprio conforto e bem-estar do preso, já que os cônsules podem obter

contato com os familiares do acusado. O respeito ao direito de proteção consular é um ponto

de equilíbrio entre aqueles que se encontram presos em um país do qual não são nacionais, e

que por este fato possuem maiores dificuldades de defender-se, e os nacionais do país, que na

maioria das vezes já conhecem seus direitos, o funcionamento da justiça local, bem como o

idioma de seu país:

A presença de condições de desigualdade reais obriga a adotar medidas de compensação que contribuam para reduzir ou eliminar os obstáculos e deficiências que impeçam ou reduzam a defesa eficaz de seus próprios interesses. Se não existirem essas medidas de compensação, amplamente reconhecidas em diversas vertentes do procedimento, dificilmente se poderia dizer que quem se encontra em condições de desvantagem desfruta de um verdadeiro acesso à justiça e se beneficia de um devido processo legal em condições de igualdade com quem não enfrenta essas desvantagens17.

O direito de proteção consular tem relação com o princípio do devido processo legal.

Esse princípio está presente no ordenamento interno da maioria dos Estados, e inclusive

previsto em diversos documentos internacionais, tais como o Pacto Internacional sobre

Direitos Civis e Políticos e a Declaração Universal dos Direitos Humanos18. Este princípio

protege o acusado contra toda e qualquer situação que o inferiorize ou impeça de fazer valer

as suas razões19. Nos EUA tal princípio é conhecido como due process of law e “se concretiza

para a parte a partir do momento que ela tenha acesso ao Judiciário e possa se defender

amplamente”20.

Assim, segundo tal princípio, a pessoa que é detida em um país estrangeiro não deve

sofrer prejuízos em sua defesa processual por conta de tal situação, ou seja, ela tem o direito

de defender-se utilizando dos meios que lhe permitam ampla defesa. Mas, como o réu que é 17 Citação retirada da OC nº 16/99, na qual a Corte Interamericana de Direito Humanos afirmou ter o direito de proteção consular relação com o princípio do devido processo legal. Tal Opinião Consultiva será abordada adiante no presente trabalho. Cf: CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Opinião Consultiva n. 16/99 de 01 de outubro de 1999. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_16_esp.pdf >. Acesso em: 15 jan. 2007. p. 57. Tradução livre. No original: “ La presencia de condiciones de desigualdad real obliga a adoptar medidas de compensación que contribuyan a reducir o eliminar los obstáculos y deficiencias que impidan o reduzcan la defensa eficaz de los propios intereses. Si no existieran esos medios de compensación, ampliamnete reconocidos en diversas vertientes del procedimiento, difícilmente se podría decir que quienes se encuentran en condiciones de desventaja disfrutan de un verdadero acceso a la justicia y se benefician de un debido proceso legal en condiciones de igualdad con quienes no afrontan esas desventajas”. 18 O artigo 9º da Declaração Universal dos Direitos Humanos determina que ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado. No artigo seguinte, está previsto que toda pessoa tem direito a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ela. 19 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 19.ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 226. 20 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, p. 226.

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detido em um país estrangeiro, sem mesmo conhecer o idioma daquele país, nem mesmo seus

direitos, pode se defender amplamente sem sofrer nenhum prejuízo? É esta a função do direito

de proteção consular, isto é, garantir ao acusado maiores possibilidades de obter uma ampla

defesa:

A oportuna assistência consular pode ser determinante no resultado de um processo penal, porque garante, entre outras coisas, que o detido estrangeiro adquira informação sobre seus direitos constitucionais e legais no idioma de seu país e de forma acessível, que receba assistência legal adequada e que conheça as conseqüências jurídicas do delito imputado a ele.21

Neste sentido, pode-se afirmar que o direito de proteção consular é importante porque

promove o respeito a outros direitos igualmente relevantes, tais como a ampla defesa e o

contraditório. Os Estados signatários da Convenção devem aplicá-lo não apenas porque estão

obrigados a cumpri-lo sob o ponto de vista da responsabilidade internacional, mas porque tal

direito destina-se a proteger direitos fundamentais da pessoa humana, objetivo este idealizado

em diversos tratados de proteção de direitos humanos.

1.3 A INTERPRETAÇÃO DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS SOBRE O DIREITO DE PROTEÇÃO CONSULAR

O direito de proteção consular foi objeto de um parecer solicitado pelo México à Corte

Interamericana de Direitos Humanos22. Tal país solicitou, àquela Corte, em 9 de dezembro de

1997, uma Opinião Consultiva (conhecida como a Opinião Consultiva n. 16/99) relativa às

garantias judiciais mínimas e ao princípio do devido processo legal em casos de condenações

judiciais de estrangeiros à pena de morte, sem notificação das autoridades consulares. De

maneira mais precisa, o México buscava saber se a Corte considerava o direito de proteção

21 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Opinião Consultiva n. 16/99 de 01 de outubro de 1999, p. 6-7. Tradução livre. No original: “ la asistencia consular oportuna puede ser determinante em el resultado de um proceso penal, porque garantiza, entre otras cosas, que el detenido extanjero adquiera información sobre sus derechos constitucionales y legales em su idioma y em forma accesible, que reciba asistencia legal adecuada y que conozca las consecuencias legales del delito que se le imputa”. 22 A Corte Interamericana de Direitos Humanos é o órgão estabelecido pela Convenção Americana de Direitos Humanos, tem sede em São José, na Costa Rica. É composta por 7 juízes nacionais de Estados-membros da Organização dos Estados Americanos (OEA). A Corte possui competência consultiva e contenciosa. A competência consultiva está prevista no artigo 1, 2 de seu Estatuto e no artigo 64.1 da Convenção Americana e consiste na interpretação das disposições da Convenção Americana além de outros tratados relativos a proteção de direitos humanos nos Estados Americanos. Qualquer membro da OEA (parte ou não na Convenção) pode solicitar uma opinião consultiva à Corte. Ver: ARAÚJO, Nádia de. A influência das opiniões consultivas da Corte Interamericana de direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro. Revista CEJ, n. 29, Brasília, abr.-jun. 2005. p. 65.

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consular, previsto no artigo 36 da CVRC, como um direito humano e quais seriam as

conseqüências de sua inobservância pelos Estados.

A consulta foi motivada porque diversos nacionais mexicanos foram sentenciados a

morte em dez entidades federativas dos Estados Unidos sem terem sido informados

oportunamente pelo Estado receptor do seu direito de comunicar-se com as autoridades

consulares de seu país23. Tal fato, causou, segundo o México, sérias dificuldades na defesa

dos estrangeiros, pois estes não tiveram o auxílio da repartição consular para sanear-lhes

possíveis desvantagens, como a ignorância de seus direitos. O México sustentou que:

[...] os primeiros momentos da detenção marcam de maneira determinante a sorte que corre o réu; nada pode suprir uma oportuna intervenção consular nestes momentos, porque é quando o réu requer maior assistência e orientação, em razão de que em muitas ocasiões não conhece o idioma do país em que se encontra, ignora seus direitos constitucionais no Estado receptor, não sabe se tem a possibilidade de obter assistência judiciária gratuita e não conhece o devido processo legal.24

É importante ressaltar que todos os países que se manifestaram sobre a OC 16/99 (com

exceção dos EUA), afirmaram que o artigo 36 da CVRC tem o objetivo de proteger os direitos

humanos dos estrangeiros detidos, que sua aplicação é muito importante para a defesa do

preso e sua inobservância constitui violação das garantias judiciais mínimas consagradas no

Direito Internacional. O Paraguai, por exemplo, afirmou:

O não cumprimento das disposições do artigo 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares, referente à comunicação com os nacionais do Estado que envia, é uma violação dos direitos humanos dos acusados estrangeiros porque afeta o devido processo, e, em casos de aplicação da pena capital, pode constituir uma violação do direito humano por excelência: o direito à vida.25

Por outro lado, os Estados Unidos, em sua defesa perante a Corte, discordaram das

opiniões formuladas pelos outros países (Paraguai, México, Costa Rica, Guatemala,

Honduras, etc.) e afirmaram que o objetivo da CVRC não é criar um direito humano

23 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Opinião Consultiva n. 16/99 de 01 de outubro de 1999, p. 2. 24 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Opinião Consultiva n. 16/99 de 01 de outubro de 1999, p. 17-18. Tradução livre. No original: “[...] los primeros momentos de la detención marcan de manera determinante la suerte que corre el reo; nada puede suplir una oportuna intervención consular en esos momentos, porque es cuando el reo requiere mayor asistencia y orientación, en razón de que en muchas ocasiones no conoce el idioma del país en que se encuentra, ignora sus derechos constitucionales en el Estado receptor, no sabe si tiene la possibilidad de que se le brinde asistencia jurídica gratuita y no conoce el debido proceso legal”. 25 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Opinião Consultiva n. 16/99 de 01 de outubro de 1999, p. 9. Tradução livre. No original: “el incumplimiento de la dispoción del artículo 36 da la Convención de Viena sobre Relaciones Consulares, referente a la ‘comunicación con los nacionales del estado que envía’, es una violación de los derechos humanos de los acusados extranjeros porque afecta el debido proceso y, en casos de aplicación de la pena capital, puede constituir una violación del ‘derecho humano por excelencia: el derecho a la vida’”.

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individual, mas regular as relações entre os Estados, não entre Estados e indivíduos. Além

disso, segundo eles, o preâmbulo da CVRC estabelece que seu propósito não é beneficiar

particulares e sim garantir um eficaz desempenho das repartições consulares, e isto evidencia-

se se observada a prática e os trabalhos preparatórios da CVRC26:

A Convenção citada [Convenção de Viena] não é um tratado de direitos humanos, nem um tratado concernente à proteção destes, mas sim um tratado multilateral do tipo tradicional, concluído em função de um intercâmbio recíproco de direitos, para o beneficio mútuo dos estados contratantes [...] o propósito da Convenção de Viena é o estabelecimento de normas que regulem as relações entre Estados, não entre Estados e indivíduos, e que seu preâmbulo declara que seu propósito não é beneficiar particulares, mas garantir aos postos consulares o eficaz desempenho de suas funções [...].27

Sustentaram ainda que é improvável que os cônsules possuam disponibilidade para

prover assistência a todos os nacionais detidos em países estrangeiros. Dessa forma, seria

ilógico, segundo os EUA, pensar que a notificação consular seja um dos requisitos do devido

processo legal, tal como o México pretende ver declarado pela Corte. Ademais, de acordo

com os EUA, é errado afirmar que todo estrangeiro desconhece o idioma, os costumes e seus

direitos no Estado receptor. Portanto, a assistência consular não é um direito essencial para o

cumprimento pleno dos direitos processuais fundamentais28.

A Corte, na OC, pronunciou-se sobre o argumento levantado pelos EUA de que o

objetivo da CVRC não é conceder direitos aos indivíduos, e constatou que seu propósito de

fato é conceder direitos e privilégios de caráter funcional aos cônsules. No entanto, afirmou

que um tratado pode dispor sobre direitos humanos, independentemente de qual seja seu

objeto principal29. Assim, mesmo que o objetivo principal da CVRC seja regular as funções

das repartições consulares, isso não exclui a possibilidade de tal Convenção também conter

normas que confiram direitos fundamentais aos particulares.

26 Os EUA afirmam que “os trabalhos preparatórios da Convenção de Viena sobre Relações Consulares demonstram que a inclusão do direito do detido estrangeiro de ter contato com o cônsul de seu Estado de nacionalidade foi corolário do direito do cônsul de comunicar-se com um detido de sua nacionalidade no Estado receptor”. Cf. também: HARRILL, Emily D. Exorcising the Ghost: Finding a Right and a Remedy in Article 36 of the Vienna Convention on Consular Relations, p. 570. 27 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Opinião Consultiva n. 16/99 de 01 de outubro de 1999, p. 11. Tradução livre. No original: “la Convención citada no es un tratado de derechos humanos, ni un tratado multilateral del tipo tradicional, concluido en función de un intercambio recíproco de derechos, para el beneficio mutuo de los Estados contratantes.[...] el propósito de la Convención de Viena sobre Relaciones Consulares es el establecimiento de normas de derecho que regulen las relaciones entre Estados, no entre Estados e individuos, y que en su Preámbulo se declara que su propósito ‘no es bebeficiar a particulares, sino garantizar a las oficinas consulares el eficaz desempeño de sus funciones en nombre de sus Estados respectivos”. 28 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Opinião Consultiva n. 16/99 de 01 de outubro de 1999, p. 23-24. 29 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Opinião Consultiva n. 16/99 de 01 de outubro de 1999, p. 42-43.

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Assim, a CIDH concluiu que o artigo 36 da Convenção de Viena sobre Relações

Consulares reconhece ao estrangeiro detido direitos individuais, que tal direito faz parte dos

direitos humanos e que o mesmo tem relação com o princípio da não discriminação. Ela

afirmou ainda que a inobservância do direito de assistência consular afeta as garantias do

devido processo legal e que a imposição da pena de morte sem o respeito ao artigo 36 da

CVRC constitui uma violação ao direito de não ser privado da vida arbitrariamente30. Por fim,

a CIDH salientou, conforme o entendimento da autora Nádia de Araújo, que todos os Estados

parte da Convenção de Viena sobre Relações Consulares devem respeitar o direito de

proteção consular, independentemente de sua organização interna31.

A Corte também interpretou o termo “sem demora”, contido no artigo 36 da CVRC, e

entendeu que, ante a falta de precisão do texto da CVRC, a notificação consular deverá ser

feita no momento em que o estrangeiro for detido e principalmente antes que este preste

declarações às autoridades do país receptor, já que o propósito de tal dispositivo é garantir ao

cidadão uma defesa eficaz32.

1.4 CASOS SUBMETIDOS À CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA SOBRE O DIREITO DE PROTEÇÃO CONSULAR

Apesar da importância do efetivo exercício dos direitos previstos no artigo 36 da

CVRC, diversos Estados descumprem os preceitos listados neste dispositivo. A inobservância

do direito de proteção consular deve-se, em muitos casos, a falta de conhecimento das

autoridades e principalmente à dificuldade de identificação da nacionalidade, sobretudo

quando há muitos imigrantes ilegais no país.

Em decorrência da inobservância do direito de proteção consular, três Estados,

Paraguai, Alemanha e México, apresentaram reclamações na Corte Internacional de Justiça

(CIJ) contra os Estados Unidos, pois as autoridades americanas não oportunizaram aos

estrangeiros detidos nos EUA o direito de contatarem com as autoridades consulares de seus

países. De acordo com o artigo 1º do Protocolo Adicional da Convenção de Viena, a CIJ, órgão

judiciário da ONU, é o foro competente para julgar questões referentes à aplicação e

interpretação da Convenção de Viena. 30 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Opinião Consultiva n. 16/99 de 01 de outubro de 1999, p. 63. 31 ARAÚJO, Nádia de. A influência das opiniões consultivas da Corte Interamericana de direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro, p. 67. 32 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Opinião Consultiva n. 16/99 de 01 de outubro de 1999, p. 50.

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1.4.1 Caso Breard: Paraguai vs. EUA

O Paraguai apresentou um caso à Corte Internacional de Justiça, em 1992, porque as

autoridades do Estado da Virgínia prenderam um nacional paraguaio, Angel Francisco Breard,

e condenaram-no à pena de morte, por homicídio, sem terem informado a ele sobre seu direito

de contatar com as autoridades consulares, conforme determina o artigo 36 da CVRC33.

As autoridades paraguaias só tiveram conhecimento da detenção de Breard quatro anos

mais tarde, em 1996. Segundo o Paraguai, as autoridades americanas tinham conhecimento da

nacionalidade do paraguaio, pois apreenderam em seu apartamento seu passaporte. O

Paraguai baseou suas alegações nos artigos 5 e 36 da CVRC.

O Paraguai sustentou que Breard tomou várias decisões questionáveis ao longo do

processo penal instaurado contra ele, e que o mesmo ocorreu sem tradução. Alegou ainda que

o paraguaio não entendeu as diferenças fundamentais existentes entre o sistema de justiça

penal do Paraguai e dos Estados Unidos34.

Os Estados Unidos, por sua vez, argumentaram que Breard teve toda assistência

necessária para produzir sua defesa ao longo do processo penal, que ele entendeu bem o

inglês, que a assistência consular não iria alterar o resultado do procedimento instaurado

contra ele e que, portanto, Breard não foi prejudicado pela falta de notificação às autoridades

consulares35.

O Paraguai intenta uma série de medidas diplomáticas e judiciais perante o sistema

interno estadunidense com o objetivo de modificar a sentença penal imposta a Breard e de

assegurar que ele não fosse executado. No entanto, os Estados Unidos, devido a regras de seu

sistema judiciário, não aceitaram a alegação de violação da CVRC. Uma das regras citadas

pelos EUA, que impediu a análise de violação do direito de proteção consular, é a regra do

prequestionamento (procedural default). Tal regra, adotada pelo sistema legal norte-

americano, impede a revisão da condenação se o réu não suscitou a questão na primeira

instância do processo.

33 INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE. Case concerning the Vienna Convention on Consular Relations (Paraguay vs. United States of America). Disponível em: <http://www.icj-cij.org/docket/index.php?p1=3&p2=3&code=paus&case=99&k=08>. Acesso em: 28 jan. de 2007. p. 1. 34 INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE. Case concerning the Vienna Convention on Consular Relations (Paraguay vs. United States of America), p. 2. 35 INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE. Case concerning the Vienna Convention on Consular Relations (Paraguay vs. United States of America), p. 4.

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29

Em 1993 foi imposta a sentença de morte a Breard. O Paraguai solicitou à Corte, dias

antes da data marcada para sua execução, que indicasse medidas provisórias para garantir que

Breard não fosse morto antes da decisão do caso. O Paraguai argumentou que:

Considerando as graves e excepcionais circunstâncias deste caso, e dado o supremo interesse do Paraguai na vida e liberdade de seus nacionais, medidas cautelares urgentes são necessárias para proteger a vida do nacional paraguaio e a capacidade dessa Corte de ordenar a reparação a que o Paraguai faz jus: restituição em espécie. Sem as medidas cautelares requeridas, os Estados Unidos executarão o Sr. Breard antes que essa Corte possa considerar os méritos das reivindicações do Paraguai, e o Paraguai será para sempre privado da oportunidade de ter o status quo ante restaurado na ocorrência de um julgamento em seu favor.36

A Corte deferiu então, conforme solicitara o Paraguai, a medida provisória. Esta

determinava aos EUA a adoção de providências para garantir que Breard não fosse executado

antes que a CIJ analisasse o mérito do caso. Determinou ainda que os EUA deveriam informar

à Corte sobre todas as disposições tomadas para a implementação de tal ordem37. A Secretária

de Estado dos EUA, Medeline Albright, diante da decisão da Corte, enviou uma carta ao

Governador da Virgínia, James Gilmore, requisitando a não execução de Breard. No entanto,

o Governador recusou tal ordem por considerar que ela não era obrigatória38.

Depois de várias tentativas frustradas, Breard foi então executado, em 14 de abril de

1998. Posteriormente à execução, o Paraguai apresentou seu memorial,

no qual solicitou à CIJ que julgasse e declarasse que os EUA estão internacionalmente

impedidos de aplicar regras de seu sistema interno, como a regra do prequestionamento

(procedural default), que impeçam a revisão e reconsideração dos processos penais que foram

julgados sem observância do artigo 36 da CVRC. Solicitou também que a Corte declarasse

que os EUA, em virtude da violação das obrigações internacionais assumidas, promovessem a

“restitututio in integrum”, ou seja, o restabelecimento da situação anterior à detenção e

julgamento de Breard. No entanto, considerando a execução de Breard o Paraguai solicitou

36 INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE. Case concerning the Vienna Convention on Consular Relations (Paraguay vs. United States of America), p. 2. Tradução livre. No original: “Under the grave and exceptional circumstances of this case, and given the paramount interest of Paraguay in the life and liberty of its nationals, provisional measures are urgently needed to protect the life of Paraguay’s national and the ability of this Court to order the relief to which Paraguay is entitled: restitution in kind. Without the provisional measures requested, the United States will execute Mr. Breard before this Court can consider the merits of Paraguay’s claims, and Paraguay will be forever deprived of the opportunity to have the status quo ante restored in the event of a judgment in its favour.” 37 INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE. Case concerning the Vienna Convention on Consular Relations (Paraguay vs. United States of America), p. 6. 38 TRAINER, Kelly. The Vienna Convention on Consular Relations in the United States Courts, p. 248.

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que a Corte indicasse uma forma alternativa de reparação. Por fim, requereu que a CIJ

determinasse aos EUA a obrigatoriedade da garantia de não repetição desses atos ilegais39.

Diante do não cumprimento das medidas determinadas pela CIJ e da execução do

nacional paraguaio, os EUA enviaram uma carta ao Paraguai desculpando-se pelo fato. Em 2

de novembro do mesmo ano, o Paraguai solicitou a retirada do caso da pauta da CIJ, o que

ocorreu em 10 de novembro de 1998.

1.4.2 Caso La Grand: Alemanha vs. EUA

Em 2 de março de 1999, a Alemanha instaurou um processo na CIJ contra os EUA por

violação do artigo 36 da CVRC. O caso foi motivado porque as autoridades americanas

prenderam dois nacionais alemães, Karl e Walter La Grand, em 7 de janeiro de 1982. Os

irmãos foram acusados de tentativa de assalto seguida de homicídio, em um banco, no

Arizona. Em 1984, eles foram julgados e sentenciados à morte, sem terem sido informados do

direito de assistência consular, previsto na CVRC40.

Segundo a Alemanha, as autoridades americanas tinham conhecimento da

nacionalidade dos irmãos, porém o posto consular alemão só tomou conhecimento do caso em

1992, pelos próprios irmãos, que vieram saber de seus direitos através de outros meios. Os

Estados Unidos argumentaram que os La Grand não haviam informado que eram nacionais

alemães e que, inclusive, Walter La Grand teria afirmado ser um nacional norte-americano41.

Os EUA, em sua defesa, alegaram que a Corte não era competente para a análise da

demanda, pois a questão levantada pela Alemanha baseia-se na proteção diplomática, que não

está dentro dos limites de jurisdição da CIJ, uma vez que não diz respeito à aplicação e

interpretação da CVRC:

A Convenção de Viena trata de assistência consular [...] não trata de proteção diplomática. Legalmente, existe uma infinidade de diferenças entre o direito do cônsul de assistir o nacional de seu país que está encarcerado, o que é completamente diferente da questão se o Estado pode defender os direitos de seu nacional por meio da proteção diplomática. O primeiro está dentro dos limites de jurisdição da Corte, de acordo com o Protocolo Opcional; o segundo não [...].42

39 INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE. Case concerning the Vienna Convention on Consular Relations (Paraguay vs. United States of America, p. 2. 40 INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE. LaGrand case (Germany vs. United States of America), p. 7-8. 41 INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE. LaGrand case (Germany vs. United States of America), p. 13. 42 INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE. LaGrand case (Germany vs. United States of America), p. 11. Tradução livre. No original: “the Vienna Convention deals with consular assistance... it does not deal with diplomatic protection. Legally, a world of difference exists between the right of the consul to assist an incarcerated national of his country, and the wholly different question whether the State can espouse the claims

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De acordo com os EUA, a Alemanha considera a CIJ como uma corte de apelação

criminal, o que não é aceito no Direito Internacional. Outro argumento sustentado pelos EUA

diz respeito ao não esgotamento dos recursos internos. Segundo esse país, os La Grand não

utilizaram todos os recursos internos disponíveis na legislação americana para garantir seus

direitos. Ademais, segundo eles, o cônsul poderia ter levantado a questão durante o processo.

Os EUA alegaram ainda que quando uma pessoa deixa de processar outra, por exemplo, em

uma corte nacional, antes de ter utilizado outros remédios possíveis, sua pretensão é barrada

tanto nas cortes estaduais como também inadmissível nos tribunais internacionais, por não ter

esgotado os recursos internos, ou os remédios locais43.

Porém, a partir do momento em que as autoridades alemãs tiveram conhecimento da

detenção dos irmãos La Grand, passaram a interpor medidas judiciais no sistema legal norte-

americano, com a finalidade de obter a revisão dos processos, sob a alegação da falta de

notificação consular, isto é, o desrespeito a uma obrigação internacional, prevista no artigo 36

da CVRC. No entanto, tais medidas não foram apreciadas. Tanto a Suprema Corte norte-

americana como a Corte do Estado do Arizona rejeitaram as medidas, com base na regra do

prequestionamento (procedural default)44. De acordo com os EUA, tal regra:

É uma regra federal que, antes que um réu acusado pela justiça criminal estadual possa obter assistência em uma corte federal, a reivindicação precisa ser apresentada a uma corte estadual. Se um réu acusado pela justiça estadual tentar levantar uma nova questão em um procedimento federal de habeas corpus, o acusado pode o fazer demonstrando a causa e o dano sofrido. A causa é um impedimento externo que impede o réu de levantar sua pretensão, e o dano sofrido deve ser claramente evidente. Uma importante finalidade dessa regra é assegurar que as cortes estaduais tenham a oportunidade de apreciar questões de acordo com as condenações estaduais antes que as cortes federais intervenham.45

A Suprema Corte do Estado do Arizona decidiu que Karl seria executado em 24 de

fevereiro de 1999 e Walter em 3 de março de 1999. Nos meses de janeiro e fevereiro várias

intervenções diplomáticas foram feitas pela Alemanha para adiar a execução dos irmãos. A

of its national through diplomatic protection. The former is within the jurisdiction of the Court under the Optional Protocol; the latter is not […]”. 43 INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE. LaGrand case (Germany vs. United States of America), p. 8. 44 INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE. LaGrand case (Germany vs. United States of America), p. 8. 45 INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE. LaGrand case (Germany vs. United States of America), p. 8. Tradução Livre. No original: “is a federal rule that, before a state criminal defendant can obtain relief in federal court, the claim must be presented to a state court. If a state defendant attempts to raise a new issue in a federal habeas corpus proceeding, the defendant can only do so by showing cause and prejudice. Cause is an external impediment that prevents a defendant from raising a claim and prejudice must be obvious on its face. One important purpose of this rule is to ensure that the state courts have an opportunity to address issues going to the validity of state convictions before the federal courts intervene”.

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Alemanha enviou um pedido de clemência, em 23 de fevereiro, em nome de para Karl La

Grand, que foi rejeitado pelos EUA. Um dia depois, a Corte Superior do Arizona rejeitou uma

petição interposta em favor do outro irmão. Depois de várias tentativas, Karl foi executado em

24 de fevereiro de 199946.

Em 2 de março, um dia antes da data marcada para execução de Walter, a Alemanha

solicitou à Corte que indicasse medidas provisórias para garantir que Walter não fosse

executado antes que a Corte analisasse o mérito da demanda. No mesmo dia, o Ministro das

Relações Exteriores da Alemanha enviou uma carta à Secretária de Estado dos EUA para que

ela ordenasse ao Governador do Estado do Arizona, a suspensão da execução de Walter La

Grand até a decisão do caso pela CIJ47.

A Corte, em 3 de março de 1999, indicou medidas provisórias, com respaldo nos

artigos 41 e 75, parágrafo 1, do seu Estatuto. Tais medidas determinavam aos EUA a não

execução do nacional alemão enquanto o caso não fosse decidido pela CIJ e ainda a sua

transmissão, pelos EUA, ao governador do Estado do Arizona. No entanto, os EUA não

cumpriram a ordem determinada pela CIJ pois entenderam que ela não é obrigatória e não

constitui um remédio judicial fundamental. Walter foi executado.

Em junho de 2001, a CIJ, após analisar o mérito da demanda, concluiu que os EUA

violaram a obrigação internacional prevista no artigo 36 da CVRC, e que tal artigo confere

um direito individual ao estrangeiro, de ser informado do seu direito de contatar com as

autoridades consulares de seu país. Decidiu ainda que a regra do prequestionamento

(procedural default) não pode impedir a revisão judicial dos processos e que em face da

violação do direito de proteção consular, os EUA deveriam revisar e reconsiderar os

processos judiciais, por meios de sua escolha48.

1.4.3 Caso Avena: México vs. EUA

O caso Avena apresenta muitos pontos em comum com os casos Breard e La Grand e

representa um avanço na análise do tema. O México apresentou a demanda na CIJ, em 9 de

janeiro de 2003, contra os EUA, por violação do artigo 36 da CVRC, pois 54 nacionais

46 INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE. LaGrand case (Germany vs. United States of America), p. 9. 47 INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE. LaGrand case (Germany vs. United States of America), p. 9. 48 WEILAND, Sandra. The Vienna Convention on Consular Relations: Persuasive Force of Binding Law? Denver Journal of International Law and Policy, v. 33, n. 4, 2004-2005, p. 682.

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mexicanos49 haviam sido presos, julgados e condenados e estavam no corredor da morte,

espalhados em 10 estados norte-americanos, sem terem sido informados de seu direito de

proteção consular50.

Na mesma data o México também solicitou a indicação de medidas provisórias. Em 5 de

fevereiro do mesmo ano, a CIJ indicou essas medidas para garantir que César Roberto Fierro

Reyna, Roberto Moreno Ramos e Osvaldo Torres Aguilera (todos nacionais mexicanos) não

fossem executados antes da decisão do caso pela CIJ. Determinou ainda que os EUA deveriam

informar à Corte todas as providências adotadas para o cumprimento da decisão51.

O México pretendia, neste caso, que a Corte declarasse que os EUA violaram a

obrigação internacional contida no artigo 36 da CVRC, em relação a 54 nacionais mexicanos e

que, assim, violaram tanto o direito dos nacionais de terem acesso aos cônsules de seu país

como o direito do México de prestar assistência a seus compatriotas. Requereram ainda

declarações de que os EUA violaram o artigo 36.2 da CVRC por não dar efeito à revisão e

reconsideração dos processos julgados sem observância do direito de proteção consular. E ainda

o México solicitou à Corte que impusesse aos EUA a obrigação de restaurar o “status quo

ante”, ou seja, que os EUA anulassem as sentenças dos 54 nacionais mexicanos52.

Primeiramente, a Corte enfrentou a objeção formulada pelos EUA a respeito de sua

competência. O México baseou-a no artigo 1º do Protocolo Facultativo e também no artigo 36.1

do Estatuto da CIJ. No entanto, os EUA, como nos demais casos, contestaram a jurisdição da

Corte alegando que a análise das questões relativas ao tratamento que o sistema de justiça penal

estadunidense fornece aos nacionais mexicanos não compete à CIJ.

A segunda objeção enfrentada pela Corte diz respeito ao pedido do México de revisão

ou anulação das penas e sentenças dos nacionais mexicanos. O México buscou obter da Corte

um remédio mais preciso e claro, se comparado com o Paraguai e a Alemanha, para a violação

49 Salienta-se que a demanda iniciou-se com 54 nacionais mexicanos, no entanto, em 20 de janeiro o México informou à Corte a retirada da petição de medidas provisórias em relação a 3 nacionais. Isso porque três dos 54 condenados foram beneficiados com uma decisão do governador do Illinois, que determinou a substituição da pena de morte desses mexicanos para a pena de prisão perpétua. Como o objetivo das medidas provisórias requeridas pelo México era a obstaculização das execuções, enquanto a Corte não tivesse analisado o mérito da demanda, não havia necessidade de requer para esses três nacionais mexicanos, pois estes já tinham sido beneficiados pela decisão do governador. Cf. REQUENA CASANOVA, Millán. La protección efectiva de los derechos consulares en el plano judicial: a propósito de la sentencia Avena (México c. Estados Unidos de América). Revista Española de Derecho Internacional, v. LVI-2004, n. 2, Julio-Diciembre. p. 779. 50 REQUENA CASANOVA, Millán. La protección efectiva de los derechos consulares en el plano judicial: a propósito de la sentencia Avena (México c. Estados Unidos de América), p. 779. 51 INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE. Case concerning Avena and other Mexican nationals (México vs. United States of America). Disponível em: <http://www.icj-cij.org/docket/index.php?p1=3&p2=3&code=mus&case=128&k=18>. Acesso em: 25 mar. 2007. p. 8. 52 INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE. Case concerning Avena and other Mexican nationals (México vs. United States of America), p. 10.

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do direito de proteção consular. Segundo os EUA, a pretensão do México significava uma

intromissão em sua jurisdição doméstica, tornando a CIJ uma espécie de tribunal de apelação

das decisões judiciais internas53.

Outro argumento utilizado pelos EUA para a inadmissibilidade da demanda é que o

México pretendia exercer a proteção diplomática sem haver esgotado os recursos internos54,

tal como exige o direito consuetudinário, e ainda que a demanda foi apresentada muito

tardiamente pelo México. Além disso, segundo os EUA, o México também não respeita, em

sua prática interna, a obrigação de notificar as autoridades consulares. A isso chama-se

reciprocidade, isto é, o Estado respeita determinadas regras porque em outro Estado recebe

esse mesmo tratamento.

No entanto, a Corte rechaçou todos os argumentos de inadmissibilidade levantados

pelos EUA e decidiu que eles violaram a obrigação de informar aos estrangeiros mexicanos

de seu direito de assistência consular. Decidiu também que os EUA haviam violado a

obrigação constante no artigo 36.1, a) em 49 casos, assim como, o parágrafo c) do mesmo

artigo em 34 casos55.

A CIJ analisou o argumento do México de que os EUA desrespeitaram também a

norma contida no artigo 36.2 da CVRC, isto é, a aplicação da doutrina do prequestionamento

(procedural default) que impede a revisão das sentenças e condenações. De acordo com tal

artigo, os países não devem adotar regras e leis internas que impeçam o pleno efeito dos

direitos de proteção e assistência consular56. Em sua defesa, os EUA alegaram que seu

sistema interno permitia a correção dos erros processuais por meio do processo judicial penal,

ou ainda extrajudicialmente com o pedido de graça, por exemplo.

Constatada a violação do direito de proteção consular, a CIJ passou à análise das

conseqüências jurídicas advindas de tal violação, assim como às modalidades de reparação. O

México pretendia que a Corte declarasse que os EUA deveriam adotar todas as medidas

necessárias para restaurar o “status quo ante”, isto é, que houvesse anulação das sentenças e

um novo julgamento dos nacionais mexicanos. A CIJ concluiu que os EUA deveriam permitir

53 REQUENA CASANOVA, Millán. La protección efectiva de los derechos consulares en el plano judicial: a propósito de la sentencia Avena (México c. Estados Unidos de América), p. 781. 54 Apenas 3 nacionais mexicanos, Fierro Reyna, Moreno Ramos e Torres Aguilera haviam esgotados todos os recursos internos. 55 INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE. Case concerning Avena and other Mexican nationals (México vs. United States of America), p. 57-58. 56 ARTIGO 36.2. As prerrogativas a que se refere o parágrafo 1º do presente artigo serão exercidas de acordo com as leis e regulamentos do Estado receptor, devendo, contudo, entender-se que tais leis e regulamentos não poderão impedir o pleno efeito dos direitos reconhecidos pelo presente artigo. Ver em: SALIBA, Aziz Tuffi (Org.). Legislação de Direito Internaciona, p. 769.

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a revisão e reconsideração das sentenças dos mexicanos que foram privados dos seus direitos

previstos na CVRC57. O México solicitou também a Corte que determinasse qual seria o

meio mais adequado para a revisão e reconsideração dos processos, já que, diferentemente do

caso La Grand, a Corte declarou que os EUA eram livres para decidir qual o meio mais

adequado para implementação da decisão da CIJ. Dessa forma, o CIJ declarou que o processo

judicial seria o meio mais adequado para satisfazer as modalidades de reparação determinadas

na sentença.

O México solicitou à CIJ, tal como já tinha solicitado à Corte Interamericana de

Direitos Humanos, que interpretasse se o artigo 36 da CVRC é um direito humano

fundamental e se sua inobservância teria por efeito viciar por completo os processos penais

dos cidadãos envolvidos. A CIJ, no entanto, não se pronunciou sobre a matéria e apenas

afirmou que “nem o objeto e finalidade, nem os trabalhos preparatórios da mesma [CVRC]

davam base suficiente para afirmar a pretensão segundo a qual o não cumprimento dos

direitos consulares teria por efeito viciar qualquer procedimento penal interno”58. Como

afirma Millán Requena:

Resulta decepcionante que a Corte de Haia [CIJ] siga amparando-se em sua condição de tribunal interestatal para negar-se a confirmar no plano judicial mais elevado a linha evolutiva apontada por outros órgãos das Nações Unidas sobre a natureza do direito de receber assistência consular, pois se bem que a Convenção de Viena não é um instrumento sobre direitos humanos ele não é óbice para que determinados direitos individuais que ela contém sejam reconhecidos também como direitos humanos.59

Após a decisão do caso pela CIJ o presidente Bush ordenou os Estados a procederem à

revisão das sentenças dos mexicanos que não foram notificados do seu direito previsto na

CVRC, como determinado pela CIJ. Em março de 2005, o presidente Bush retirou os EUA do

57 INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE. Case concerning Avena and other Mexican nationals (México vs. United States of America), p. 48. 58 INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE. Case concerning Avena and other Mexican nationals (México vs. United States of America), p. 49. Tradução livre. No original: “The Court would, however, observe that neither the text nor the object and purpose of the Convention, nor any indication in the travaux préparatoires,

support the conclusion that Mexico draws from its contention in that regard”. 59 REQUENA CASANOVA, Millán. La protección efectiva de los derechos consulares en el plano judicial: a propósito de la sentencia Avena (México c. Estados Unidos de América), p. 789. Tradução livre. No original: “Resulta decepcionante que la Corte de la Haya siga amparándose en su condición de tribunal interestatal para negarse a confirmar en el plano judicial más elevado la línea evolutiva apuntada por otros órganos de las UN sobre la naturaleza del derecho a recibir asistencia consular, pues si bien el Convenio de Viena no es un instrumento sobre derechos humanos ello no es óbice para que determinados derechos individuales que en ella se contienen sean reconocidos también como derechos humanos”.

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Protocolo Adicional que dava jurisdição à CIJ para julgar os casos de violação do direito de

proteção consular60.

Assim, percebe-se que, embora a aplicação do direito de proteção consular seja

importante para a proteção dos estrangeiros, os Estados, na maioria das vezes, decumprem-no.

Em decorrência desse descumprimento, a CIJ julgou os casos submetidos pelo Paraguai,

Alemanha e México e considerou que os EUA violaram o direito previsto no artigo 36. A

Corte também analisou a questão da sua competência para a apreciação das demandas, além

de fazer menção às regras internas dos EUA que impossibilitam o cumprimento das decisões

proferidas pela Corte, decisões estas que determinaram aos EUA a revisão das sentenças dos

nacionais que foram privados do seu direito de comunicação consular.

Neste sentido, pode-se afirmar que as decisões proferidas pela Corte são importantes

para reforçar a obrigatoriedade das normas internacionais e ressaltar a importância do

cumprimento do artigo 36 da CVRC. Embora essas sentenças só tenham aplicação para os

Estados envolvidos na demanda, elas servem de direcionamento para os casos futuros.

Portanto, tendo em vista as decisões proferidas pela Corte, no capítulo seguinte serão

analisadas as dificuldades encontradas pelos EUA para proceder a revisão dos processos dos

nacionais. Serão discutidas ainda as principais dificuldades alegadas por algumas autoridades

estadunidenses para a não implementação dessas decisões.

60 WEILAND, Sandra. The Vienna Convention on Consular Relations: Persuasive Force of Binding Law?, p. 675-676. É importante destacar que a CIJ declarou que a decisão proferida no caso Avena, embora trata apenas de casos de nacionais mexicanos, não impede que as conclusões alcançadas possam ser aplicadas a outros nacionais que se encontrem em situação parecida nos EUA. Scheron Pizzol, em artigo intitulado “A influência das decisões da Corte Internacional de Justiça para o direito de comunicação consular”, sob a orientação do Professor Dr. André Lupi, bem argumentou que “[...] não obstante saber-se que a decisão da Corte só faz efeito sobre o caso concreto e não se irradia a outras situações, pode-se dizer que a decisão cria precedentes de peso e abre caminhos jurídicos que passam a ser inquestionáveis”. (PIZZOL, Scheron. A influência das decisões da Corte Internacional de Justiça para o direito de comunicação consular. In: BRANT, Leonardo Nemer Caldeira (Org.). Revista Eletrônica de Direito Internacional (on line). Belo Horizonte: CEDIN, v. I, 2007. Disponível em: <http://www.cedin.com.br/revistaeletronica/>. Acesso em: 20 abr. 2008. p. 22).

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2 A IMPLEMENTAÇÃO DAS DECISÕES PELO PODER JUDICIÁRIO ESTADUNIDENSE

No capítulo anterior explicou-se no que consistia o direito de proteção consular, assim

como, destacou-se a sua importância para a proteção dos direitos individuais dos estrangeiros.

Constatou-se que, apesar da importância da aplicação desse direito, alguns Estados

descumprem-no. Foi, pois, em virtude do descumprimento do direito assegurado na CVRC

que os EUA foram demandados na CIJ. Os três casos descritos no capítulo anterior, até então

os únicos casos de descumprimento do direito de proteção consular submetidos à apreciação

da CIJ, revelam as principais controvérsias alegadas pelos países como a competência, o

objeto e finalidade da CVRC, entre outras. A CIJ julgou os três casos e em todos reconheceu,

como já exposto, a violação do artigo 36 pelos EUA, assim como determinou, a revisão

judicial dos processos dos estrangeiros condenados sem observância de tal direito.

O objeto da presente monografia é a análise da eficácia dessas sanções que foram

proferidas pela CIJ. Por tal motivo, passar-se-á agora ao exame da implementação dessas

decisões pelas cortes internas estadunidenses. De um modo geral, serão analisadas as

dificuldades encontradas pelos órgãos internos para implementar as decisões, sobretudo os

argumentos sustentados para justificar a impossibilidade de cumprimento das determinações

emitidas pela CIJ.

2.1 CASOS DA SUPREMA CORTE DOS EUA

Diante da análise dos três casos submetidos à julgamento na CIJ, percebe-se um

avanço no seu entendimento a respeito do direito de proteção consular. No caso Breard, o

primeiro deles, a CIJ reconheceu que a violação do direito previsto no artigo 36 da CVRC é

uma ameaça aos direitos individuais do estrangeiro acusado, e que tal violação exige

reparação. Em La Grand, o segundo, a CIJ explicitou a necessidade de revisão e

reconsideração dos processos dos acusados detidos que foram privados do seu direito de

acesso consular. Já em Avena, o último dos casos, a CIJ determinou que a revisão dos

processos dos mexicanos condenados à morte devia ser judicial. Posteriormente a esta última

decisão da CIJ, alguns nacionais mexicanos interpuseram medidas judiciais nas Cortes

internas estadunidenses objetivando a revisão e reconsideração de suas sentenças, uma vez

que não foram informados de seus direitos previstos na Convenção.

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Serão analisados a seguir dois casos, que abrangem três requerentes, interpostos nas instâncias

judiciárias norte-americanas com o objetivo de efetivar as decisões proferidas pela CIJ, isto é,

ter suas sentenças revisadas e reconsideradas. Cumpre esclarecer que existem outros casos de

nacionais mexicanos referidos no caso Avena, que também recorreram às Cortes internas

estadunidenses com o mesmo objetivo. No entanto, como os argumentos sustentados em

todos eles são bastante semelhantes, optou-se pela análise desses dois. Isso porque o objeto de

estudo desse trabalho é a eficácia das sanções proferidas pela CIJ. Em ambos os casos, as

corte internas negaram aplicação à sentença proferida, ou seja, não levaram a efeito à revisão

dos processos dos estrangeiros. A partir disso então, analisar-se-ão os argumentos sustentados

pelas cortes internas e algumas autoridades norte-americanas para a não implementação das

decisões internacionais.

2.1.1 Sanchez-Llamas vs. Oregon

O caso Sanchez Llamas envolve dois requerentes: Moises Sanchez Llamas, nacional

mexicano e Mario Bustillo. Sanchez-Llamas foi preso em dezembro de 1999, após uma troca

de tiros com a polícia. Ele não foi informado do seu direito de comunicar-se com as

autoridades consulares de seu país. Após sua detenção, a polícia interrogou-o com a

assistência de um intérprete. Sanchez-Llamas proferiu uma série de declarações

incriminadoras. Antes do julgamento, ele tentou retirá-las dos autos sob alegação de que elas

foram feitas involuntariamente e que as autoridades não lhe informaram sobre seu direito

previsto no artigo 36 da CVRC. A Corte do Estado do Oregon denegou o pedido. O caso foi

para julgamento e Sanchez-Llamas foi condenado a 20 anos e meio de prisão. Ele apelou,

argumentando novamente o descumprimento do artigo 36 da CVRC e requerendo a supressão

de suas declarações. A Corte de Apelação de Oregon manteve a sentença. Após mais um

recurso, a Suprema Corte de Oregon também confirmou a sentença e afirmou que “o artigo 36

não cria direitos de acesso ou notificação consular que possam ser exigidos pelos indivíduos

detidos em um procedimento judicial”61.

O segundo peticionário, Mario Bustillo, foi com diversos outros homens a um

restaurante em Springfield, Virgínia, na noite de 10 de dezembro de 1997. Na saída do

restaurante, um cidadão chamado James Merry foi agredido na cabeça com um taco de 61 SUPREME COURT OF THE UNITED STATES. Moises Sanchez-Llamas vs. Oregon. Disponível em: <http://www.supremecourtus.gov/opinions/05pdf/04-10566.pdf>. Acesso em: 12 set. 2007. p. 5. Tradução livre. No original: “ that article 36 does not create rights to consular access or notification that are enforceable by detained individuals in a judicial proceeding”.

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39

beisebol. Ele morreu vários dias depois. Diversas testemunhas identificaram Bustillo como o

assaltante. A polícia prendeu-o na manhã seguinte ao ataque, sob a acusação de assassinato.

As autoridades estadunidenses nunca o informaram que ele podia notificar o consulado de

Honduras sobre sua detenção62.

No julgamento, a defesa sustentou a teoria de que teria sido outro homem, conhecido

como Sirena, o autor dos golpes que vitimaram James Merry. Duas testemunhas de defesa

confirmaram que Bustillo não era o assassino. A Justiça não considerou o argumento de

Bustillo e condenou-o a 30 anos de prisão. Ele apelou, mas a sentença foi confirmada.

Interpôs então um habeas corpus na Corte do Estado da Virgínia sob o fundamento de que as

autoridades não haviam lhe informado do seu direito de notificação consular e que se ele

tivesse sido auxiliado pelas autoridades consulares de seu país poderia ter localizado Sirena

antes do seu julgamento63. A Corte do Estado da Virgínia negou o habeas corpus, baseado na

regra do prequestionamento, ou seja, a falta de alegação da matéria (direito de notificação ao

consulado) na primeira instância.

Sanchez Llamas e Mario Bustillo, após terem todos os recursos julgados

desfavoráveis, interpuseram, na Suprema Corte norte americana, um writ of certiorari64

. A

Suprema Corte admitiu os recursos e analisou, basicamente, três questões: se o artigo 36 da

CVRC garante direitos individuais que podem ser invocados pelos indivíduos em processos

judiciais; se a supressão de evidências é um remédio apropriado para a violação do artigo 36

da CVRC; e se, de acordo com as regras procedimentais dos Estados Unidos, pode ser

conhecida uma alegação baseada no artigo 36 da CVRC não suscitada nas instâncias

inferiores (aplicação da regra do prequestionamento).

Quanto à primeira questão a Corte afirmou que a Convenção de Viena garante aos

indivíduos direitos que podem ser reivindicados nos tribunais. Embora algumas Cortes

estadunidenses discutam se os indivíduos podem ou não levantar direitos previstos em

tratados, a Suprema Corte reconheceu, tempos atrás, que, em que pese os tratados destinarem-

se a regular as relações entre Estados, eles podem conter certas cláusulas que confiram

direitos individuais aos cidadãos65.

62 SUPREME COURT OF THE UNITED STATES. Moises Sanchez-Llamas vs. Oregon, p. 5. 63 SUPREME COURT OF THE UNITED STATES. Moises Sanchez-Llamas vs. Oregon, p. 6. 64 A Suprema Corte é o terceiro grau da Justiça Federal e é composta por 8 ministros e um presidente. A competência da corte é originária e recursal. A recursal é exercida através de dois recursos: o writ of certiorari,

algo semelhante ao nosso recurso extraordinário e o appeal. Sobre o tema, conferir: SOARES, Guido Fernando Silva. Common Law: Introdução ao Direito dos EUA. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. 65 SPRINGROSE, Linda Jane. Strangers in a Strange Land: The Rights of Non-Citizens Under Article 36 of the Vienna Convention on Consular Relations. Georgetown Immigration Law Journal, v. 14, 1999-2000. p. 189.

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No que diz respeito à segunda questão, a Corte constatou que a Convenção não

estabelece um remédio específico para a violação do artigo 36 da CVRC e que as Cortes dos

Estados devem basear-se no próprio tratado para aplicar uma sanção. Assim, caso fosse

aplicada a supressão de evidências, devido ao não cumprimento do artigo 36 da CVRC,

resultaria, de acordo com o entendimento da Suprema, em um aumento das obrigações

previstas na Convenção de Viena. A Suprema Corte argumentou ainda que a supressão de

evidências só é aplicada para aqueles casos em que há violação da quarta e quinta emendas66

da Constituição dos EUA. Dessa forma, a supressão seria um remédio desproporcional para a

violação do artigo 36 da CVRC67. Ademais, de acordo com a Suprema Corte, o artigo 36

apenas reforça o que diversas outras leis e regras constitucionais já protegem (tais como a

quinta e sexta emendas que protegem contra a auto-incriminação e garantem o respeito ao

devido processo legal) dessa forma, seria desnecessária a supressão de evidências. Assim,

nem a Convenção de Viena nem os precedentes dos EUA determinam a supressão das

declarações feitas por Sanchez-Llamas no decorrer do processo penal instaurado contra ele no

judiciário norte-americano.

A terceira questão analisada pela Suprema Corte diz respeito à aplicação da regra do

prequestionamento (“procedural default”). Segundo tal regra, o peticionante, para ter a sua

pretensão analisada nas instâncias superiores, deve ter suscitado tal alegação anteriormente na

instância inferior. Isto é, se o réu pretende ter analisada a violação do direito de proteção

consular não pode alegar tal matéria apenas nos tribunais de apelação (segundo grau de

jurisdição), deve já tê-la levantado na primeira instância (isto é, nas cortes estaduais ou nos

juízos de primeiro grau). Bustillo argumentou que a regra do prequestionamento não pode ser

aplicada pelas cortes internas estadunidenses no caso de violação do artigo 36. Ele sustentou

que a CVRC, no mesmo artigo, dispõe que as leis do Estado receptor não poderão impedir o

pleno efeito do direito de proteção consular. A aplicação da regra do prequestionamento,

segundo ele, impede qualquer desses efeitos, uma vez que nem permite ao estrangeiro ter seu

direito analisado pelas Cortes, porque tal direito não foi levantado em momento adequado,

66 A quarta emenda determina que: “O direito do povo à inviolabilidade de suas pessoas, casas, papéis e haveres contra busca e apreensão arbitrárias não poderá ser infringido; e nenhum mandado será expedido a não ser mediante indícios de culpabilidade confirmados por juramento ou declaração, e particularmente com a descrição do local da busca e a indicação das pessoas ou coisas a serem apreendidas”. Já a quinta emenda dispõe que “ninguém será detido para responder por crime capital, ou outro crime infamante, salvo por denúncia ou acusação perante um Grande Júri, exceto em se tratando de casos que, em tempo de guerra ou de perigo público, ocorram nas forças de terra ou mar, ou na milícia, durante serviço ativo; ninguém poderá pelo mesmo crime ser duas vezes ameaçado em sua vida ou saúde; nem ser obrigado em qualquer processo criminal a servir de testemunha contra si mesmo; nem ser privado da vida, liberdade, ou bens, sem processo legal; nem a propriedade privada poderá ser expropriada para uso público, sem justa indenização”. 67 SUPREME COURT OF THE UNITED STATES. Moises Sanchez-Llamas vs. Oregon, p. 7-13.

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quanto mais ter tal direito efetivamente aplicado ou garantido68. E ainda, Bustillo afirmou que

a própria CIJ, que é competente para interpretar e resolver as disputas entre os Estados

signatários, afirmou que a Convenção de Viena impede, implicitamente, a aplicação da regra

do prequestionamento para o artigo 36. Assim, “os Estados Unidos são obrigados a sujeitar-se

à Convenção, tal como interpretada pela CIJ”69.

De acordo com a Suprema Corte, em que pese o entendimento da CIJ seja digno de

merecer consideração, os EUA não são obrigados a acatá-lo, uma vez que cabe ao Poder

Judiciário norte-americano dizer o que é lei no país. Os EUA afirmaram que nada na estrutura

ou nos propósitos da CIJ sugere que as suas interpretações pretendam ser vinculantes para as

cortes norte-americanas. Contudo, lembra-se que em 28 de fevereiro de 2005, o Presidente

Bush emitiu uma declaração na qual sustentou que os EUA cumprirão suas obrigações

internacionais sob a decisão da CIJ no caso Avena por meio das Cortes dos Estados que darão

efeito á decisão70.

A Suprema Corte disse que os EUA não estão impedidos de aplicar suas regras

internas, como a do prequestionamento, pois de acordo com o artigo 36(2) da CVRC, os

direitos previstos no artigo 36(1) serão exercidos de acordo com as leis e regulamentos do

Estado receptor. Logo, a regra do prequestionamento poderia ser aplicada também ao direito

de proteção consular71.

Assim, a Suprema Corte concluiu que, para Sanchez-Llamas, a supressão de

evidências não é um remédio adequado para a violação do artigo 36 da CVRC e, para

Bustillo, que a regra do prequestionamento pode ser aplicada pelas Cortes norte-americanas72,

ao afirmar que “nós concluímos, portanto, [...] que os direitos previstos no artigo 36 da

Convenção de Viena podem ser condicionados à mesma regra do prequestionamento que é

geralmente usada para outros casos federais”73.

Assim como o caso Sanchez-Llamas, outros estrangeiros que foram privados de seu

direito de assistência consular ingressaram com petições na Suprema Corte norte-americana,

com o objetivo de obter a revisão e reconsideração de seus processos, como fora decidido pela

CIJ no caso Avena. Osvaldo Torres foi condenado pelo Estado de Oklahoma, sem ter sido

68 SUPREME COURT OF THE UNITED STATES. Moises Sanchez-Llamas vs. Oregon, p. 16. 69 SUPREME COURT OF THE UNITED STATES. Moises Sanchez-Llamas vs. Oregon, p. 18. Tradução livre. No original: “the United States is obligated to comply with the Convention, as interpreted by the ICJ”. 70 SUPREME COURT OF THE UNITED STATES. Moises Sanchez-Llamas vs. Oregon, p. 20. 71 SUPREME COURT OF THE UNITED STATES. Moises Sanchez-Llamas vs. Oregon, p. 22. 72 SUPREME COURT OF THE UNITED STATES. Moises Sanchez-Llamas vs. Oregon, p. 24. 73 SUPREME COURT OF THE UNITED STATES. Moises Sanchez-Llamas vs. Oregon, p. 25. Tradução livre. No original: “We therefore conclude, […] that claims under Article 36 of the Vienna Convention may be subjected to the same procedural default rules that apply generally to other federal-law claims”.

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informado de seu direito de proteção consular, por duplo homicídio ocorrido durante um

assalto na cidade de Oklahoma74. A Corte de Apelação Criminal de Oklahoma confirmou a

sentença. Torres ingressou com um habeas corpus na Corte do Distrito Federal, sustentando,

entre outras coisas, que as autoridades não lhe informaram do seu direito de comunicação com

o consulado de seu país e que o consulado mexicano não foi informado de sua prisão75. A

Corte rejeitou o pedido de Torres baseada na regra do prequestionamento, isto é, afirmou que

Torres não ventilou seu direito à notificação consular na Corte do Estado de Oklahoma, e

mais, não demonstrou o prejuízo sofrido pela falta de notificação. Torres interpôs então um

certiorari na Suprema Corte norte-americana, requerendo a revisão das decisões da Corte de

Apelação e da Corte do Distrito Federal. O nacional mexicano argumentou o conflito

existente entre a decisão da Corte do Décimo Circuito e a decisão proferida pela CIJ76. De

acordo com o entendimento de Torres, a CIJ interpretou, no caso La Grand, que os EUA não

podiam aplicar regras internas, como a regra do prequestionamento, que obstaculizam a

análise de violação de normas internacionais, tais como, a falta de notificação consular77. Os

juízes Breyer e Stevens da Suprema Corte norte-americana votaram para dar provimento ao

recurso de Torres. Stevens afrmou que “aplicar a regra do prequestionamento [...] para o

direito previsto no artigo 36 não é apenas uma direta violação da Convenção de Viena, mas é

também manifestamente incorreto”78. No entanto, a Suprema Corte, por maioria de votos,

negou provimento ao recurso de Torres.

74 WEILAND, Sandra. The Vienna Convention on Consular Relations: Persuasive Force of binding law?, p. 682. 75 SUPREME COURT OF THE UNITED STATES. Osbaldo Torres vs. Mike Mullin. On the Writ of certiorari to the United States Courts of Appeals for the tenth circuit. Nº 03-5781. Decided November 17, 2003. Disponível em: <http://www.supremecourtus.gov/opinions/03pdf/03-5781breyer.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2008. p. 2. 76 SUPREME COURT OF THE UNITED STATES. Osbaldo Torres vs. Mike Mullin, p. 2. 77 No caso Torres foi levantada a mesma discussão já explicada no caso Sanchez Lllamas e Bustillo quanto a possibilidade ou não da aplicação da regra do prequestionamento para os casos de violação do direito de proteção consular. Cf. página 41-43 deste trabalho. 78 SUPREME COURT OF THE UNITED STATES. Torres vs. Mullin 540 U.S. ___, 124 S.Ct 919, 157 L.Ed.2d 454 (2003). Disponível em: <http://slomanson.tjsl.edu/OsbaldoTorres.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2008 (publicação sem número de página). Tradução livre. No original: “Applying the procedural default rule [failure to make this request at or before trial] to Article 36 claims is not only in direct violation of the Vienna Convention, but it is also manifestly unfair”.

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2.2 ANÁLISE DOS ARGUMENTOS SUSTENTADOS POR ALGUMAS AUTORIDADES DOS EUA PARA A NÃO IMPLEMENTAÇÃO DA DECISÃO DA CIJ

2.2.1 Federalismo

O federalismo, criado pelos norte-americanos no final do século XVIII, é uma forma

de governo que possui características muito peculiares. A união de Estados em uma federação

pressupõe a existência de uma base jurídica, qual seja, a Constituição Federal, que atribui aos

Estados suas competências. Esse é um dos pontos centrais da organização federativa, uma vez

que é indispensável que haja um equilíbrio entre os poderes constitucionalmente conferidos,

ou seja, não há uma relação de subordinação dos Estados-membros à União, nem desta aos

Estados-membros, assegurando-se, assim, a autonomia de cada centro de poder. A

distribuição de competências entre a União e os Estados deve ser feita na própria

Constituição, “para não haver o risco de que a perda ou a redução excessiva das autonomias

rompa o equilíbrio federativo ou mesmo anule a federação, criando um Estado que, na

realidade, seja unitário pela centralização do poder”79.

Como regra geral, à União são atribuídas competências para as matérias de interesse

geral, que importam a todo o conjunto federativo. Alexander Hamilton, James Madison e

John Jay em O Federalista, uma coletânea de artigos publicados nos jornais de Nova Iorque

com o intuito de defender a ratificação da Constituição dos EUA80, observaram que há

restrições ao poder dos Estados-Membros, previstas na própria Constituição norte-americana,

79 DALLARI, Dalmo de Abreu. O Estado Federal. São Paulo: Ática, 1986. p. 18. 80 Os Estados Unidos da América viviam uma situação muito delicada nessa época. A passagem do sistema confederativo para o federativo provocou uma série de inseguranças e incertezas no campo político, econômico e social. Representantes do governo criticavam veementemente a proposta de Constituição dos Estados Unidos, pois ela criaria um governo destruidor dos direitos e liberdades dos cidadãos. Tal preocupação justificava-se pelo fato de que os EUA foram durante muitas décadas explorados pelos ingleses que utilizavam as colônias norte-americanas para obter lucro e poder. Tal condição foi desfeita em 1776 com a declaração de independência dos EUA. Com a independência, os norte-americanos livraram-se da condição de subordinação à qual estavam submetidos e passaram a desfrutar de uma série de direitos e liberdades. Organizaram-se em um sistema confederativo, onde cada estado era totalmente independente para regular seu poder e estabelecer suas leis. No entanto, forma de repartição de poderes começou a apresentar uma série de problemas, entre os quais, a ausência de um governo nacional eficiente capaz de regular os interesses gerais do povo e garantir sua segurança. Passou-se a discutir então a mudança do sistema confederativo para um sistema federativo. Esse último caracterizava-se pela criação de um governo central e pela união mais íntima dos Estados como forma de assegurar a tranquilidade interna aos Estados. No entanto, essa mudança gerou protestos. O povo e representantes de alguns Estados temiam que aquela mesma condição de subordinação imposta pelos ingleses voltasse à tona, devido a criação de um governo central forte. O objetivo de Madison, Hamilton e Ray em “O Federalista” foi justamente o de defender o federalismo e a ratificação da nova consituição norte-americana. In: HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, John. O Federalista. Trad. Heitor Almeida Herrera. Brasília: Universidade de Brasília, 1984. p. 20-25.

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como por exemplo, a proibição de participação em tratados, a emissão de moeda, entre

outras81. Enquanto a União preocupa-se com assuntos de interesse geral, os Estados-membros

possuem competência para tratar dos assuntos locais. Importante notar que, de acordo com a

10ª Emenda à Constituição, se uma competência não está claramente definida na Constituição

(se pertencente ao Estado ou à União), ou se não há a previsão de tal competência, entende-se

que a mesma pertence aos Estados-membros82. Desta forma, percebe-se que não uma relação

de subordinação entre o governo federal e os governos estaduais. O que há é uma divisão de

competências entre os dois governos e, uma vez delimitadas tais competências, o governo

central não pode interferir nas decisões dos governos locais:

O federalismo representa a existência de duas esferas de poder político: uma federal, concentrada na União, e outra estadual, assegurando-se a cada Estado o poder de agir com autonomia, organizando seu próprio governo e escolhendo seus governantes, estabelecendo suas prioridades, tendo suas próprias fontes de renda, exercendo seu poder legislativo e, afinal, desempenhando as atribuições de sua competência sem nenhuma possibilidade de interferência da União.83

Dessa forma, no federalismo, cada Estado é competente, nos termos da Constituição,

para editar suas próprias leis, organizar seus poderes locais, administrar seus recursos, sem a

ingerência da União84. No tocante ao Direito Internacional, é importante esclarecer,

primeiramente, que quando um país ratifica um tratado internacional, tal tratado passa a ser

obrigatório em seu território. Não importa para o Direito Internacional que o país adote o

sistema federativo ou unitário, o que interessa é a observância e o cumprimento das normas

internacionais pelo país. O não cumprimento de tais normas gera a responsabilidade

internacional do Estado, independentemente de qual autoridade pública tenha provocado o

ilícito. As decisões proferidas pelas cortes internacionais, decorrentes da violação de normas

internacionais, são dirigidas à União, órgão máximo que representa o Estado nas relações

internacionais. E aí que surge um instigante problema, que decorre da competência ou não da

União em impor o cumprimento das decisões internacionais aos Estados. Assim, parece

imperioso questionar: se cada Estado, no sistema federalista, possui autonomia para aplicar

suas leis, sem haver a interferência da União, como obrigá-lo a cumprir com a decisão da CIJ,

já que tal decisão é dirigida à União? Declarações como a do governador do Texas ilustram 81 HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, John. O Federalista, p. 371. A seção 10 da constituição dos EUA estabelece que nenhum Estado poderá participar de tratado, aliança ou confederação; conceder cartas de corso; cunhar moeda; emitir títulos de crédito; autorizar, para pagamento de dividas, entre outros. 82 DALLARI, Dalmo de Abreu. O Estado Federal, p. 19. 83 DALLARI, Dalmo de Abreu. O Estado Federal, p. 22. 84 Salienta Celso Bastos que “Pelo sistema federal americano os Estados são independentes constitucionalmente. Eles têm a liberdade de agir de maneira própria, dentro dos padrões constitucionais nacionais”. (BASTOS, Celso. Por uma nova federação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 23).

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essa problemática: “O governador do Texas, Rick Perry, afirmou que a Corte Internacional de

Justiça não tem jurisdição no Texas”85. Isto é, os governos locais dos Estados não se vêem

obrigados a cumprir com as decisões externas. As autoridades dos EUA, principalmente os

governadores de Estado, como o do Texas, e até mesmo o presidente Bush, insistem em

afirmar que a decisão da CIJ ultrapassa o alcance e autoridade da CIJ, e além disso interfere

no sistema de justiça penal do país86.

Neste sentido, conclui-se que o federalismo interferiu na aplicação das decisões da CIJ

pelas cortes internas estadunidenses. Como já explicado, as decisões proferidas por tal Corte

são dirigidas ao Poder Executivo, que responde pela nação, isto é, é o Presidente da República

quem possui competência para assinar tratados, mediante consentimento do Senado, logo

também é sua prerrogativa fazer com que todos os Estados cumpram as normas e decisões

internacionais a que estão submetidos. Quando uma decisão internacional estabelece medidas

que devam ser satisfeitas pelo próprio Poder Executivo, ou seja, de competência do

Presidente, tais como a concessão de indulto, por exemplo, parece não haver maior óbice, pois

o governo federal não precisará interferir na competência dos Estados Membros.

Já quando a decisão recai além da competência do governo federal, declarações de

autoridades, como governadores de Estado, juízes das cortes estaduais e da Suprema Corte

demonstram que os Estados consideram-se independentes para aplicar suas leis. Segundo eles

a CIJ não pode funcionar como um tribunal de revisão das decisões do judiciário local. Por

fim, nos casos analisados, transparece essa problemática, ou seja, os Estados responsáveis

pela revisão dos processos dos estrangeiros privados do direito de proteção consular entendem

que a decisão da CIJ não é obrigatória e que declarações como a do presidente Bush87, não

denotam uma obrigação legal, pois não têm força de lei.

2.2.2 Prequestionamento

A regra do prequestionamento (conhecida nos Estados Unidos como procedural

default) tem origem com a Lei Judiciária (Judiciary Act) norte-americana, de 24 de setembro

de 1789. Esta Lei possibilitou recurso das decisões das cortes estaduais para a Corte Suprema,

que recebeu o nome de writ of error. Segundo o entendimento dos Estados Unidos, é preciso

85 APUD WEILAND, Sandra. The Vienna Convention on Consular Relations: Persuasive Force of Binding Law?, p. 685. 86 WEILAND, Sandra. The Vienna Convention on Consular Relations: Persuasive Force of Binding Law?, p. 683. 87 O Presidente Bush, como já explicitado anteriormente neste trabalho, emitiu uma declaração na qual sustentou que os estados deveriam cumprir com as decisões proferidas pela CIJ e revisar, dessa forma, os processos dos nacionais referidos no caso Avena.

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que “a questão federal tenha sido suscitada e resolvida pelo Tribunal do Estado. Não basta,

pois, alegá-la no writ of error”88.

Dessa forma, para que o tribunal conheça de recurso interposto, a matéria alegada

neste recurso, deverá obrigatoriamente já ter sido analisada nas instâncias inferiores. Baseada

nessa regra, a Corte Suprema dos EUA entendeu que os cidadãos estrangeiros que foram

privados de seu direito de assistência consular não teriam direito de revisão judicial, pois o

descumprimento do artigo 36 da CVRC não fora discutido nas cortes estaduais, ou seja, a

matéria não poderia ser analisada, pois ela não fora prequestionada em momento oportuno.

Isto é, “nas cortes federais, a revisão do habeas corpus é denegada quando um recorrente

suscita um direito baseado no artigo 36 que não tenha sido levantado durante o procedimento

no nível estadual”89.

Nos casos apresentados à CIJ, os dois países (Alemanha e México) sustentaram que os

EUA não poderiam aplicar a regra do prequestionamento, pois a aplicação de tal regra

implicaria em uma violação das normas internacionais (um delas é o artigo 36. 2 da CVRC,

que estabelece que as leis internas dos países não podem impedir a aplicação do direito de

proteção consular), por impedir que os nacionais privados de seu direito de assistência

consular, obtivessem a revisão dos seus processos. Os EUA, por sua vez, sustentaram que a

regra do prequestionamento é uma regra de uso geral das cortes estaduais e está baseada na

jurisprudência da Suprema Corte. Assim, os Estados norte-americanos provocados a

implementar a sentença da CIJ afirmam que não podem desconsiderar as decisões da Suprema

Corte na aplicação da regra do prequestionamento90.

Os Estados Unidos argumentam que quando um peticionário não levanta um tema

perante um tribunal, priva a Corte de analisá-lo, e que os EUA, devido a razões de soberania,

têm o direito de examinar toda reclamação antes que ela chegue a um tribunal internacional.

Esse argumento foi sustentado pelos EUA no caso Moreno Ramos, encaminhado à Comissão

Interamericana de Direitos Humanos91. Moreno Ramos, nacional mexicano, interpôs uma

88 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 7.ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2001. p. 213. 89 SIMMA, Bruno; HOPPE, Carsten. From LaGrand and Avena to Medellin – A Rocky Road Toward Implementation. Tulane Journal of International and Comparative Law, v. 14, n.1, Winter 2005. p.32. Tradução livre. No original: “In federal courts, habeas corpus review is denied when an appellant raises a claim based on article 36 that had not been raised during the proceedings at the state level”. 90 SIMMA, Bruno; HOPPE, Carsten. From LaGrand and Avena to Medellin – A Rocky Road Toward Implementation, p. 32. 91 COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Relatório nº 61/03 Petição 4446/02. Roberto Moreno Ramos vs. Estados Unidos da América, 10 de outubro de 2003. Disponível em: <http://www.iachr.org/annualrep/2003port/EEUU.4446.02.htm>. Acesso em: 05 mar. 2008 (publicação sem número de páginas). A Comissão afirmou que “Os EUA estão submetidos à jurisdição da Comissão desde 19 de

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petição perante a Comissão alegando que os EUA violaram seus direitos previstos nos artigos

I, II, XVIII, XXV e XXVI da Declaração Americana de Direitos Humanos, devido à

transgressão de normas processuais penais, além de o privarem do direito de acesso a

notificação consular. Moreno Ramos é um dos 54 nacionais mexicanos, referidos no caso

Avena, que aguardam a execução no corredor da morte. Ele foi condenado, pelo Estado do

Texas, pelo homicídio de sua esposa e dois filhos. Os EUA, em sua defesa perante a

Comissão, alegaram que a petição era inadmissível, uma vez que o nacional mexicano não

apresentara tal alegação no tribunal do Estado:

A este respeito, o Estado argumenta que os tribunais internacionais não estão destinados a substituir os órgãos nacionais de resolução de casos, e que a omissão do Sr. Moreno Ramos de formular suas reclamações no sistema nacional quando teve a oportunidade de fazê-lo foi um obstáculo fatal para a admissibilidade de sua petição.92

Além disso, os EUA defendem que a sentença da Corte Internacional de Justiça e o

texto da CVRC não impõem a eles a obrigação de modificar sua legislação interna para

possibilitar a revisão das sentenças dos estrangeiros privados de seu direito de notificação

consular. No entanto, o Paraguai, contrapondo a este argumento dos EUA, sustentou, no caso

Breard, que o artigo 36.2 da CVRC estabelece que o direito de proteção consular será

exercido de acordo com as leis e regulamentos do Estado receptor, contudo tais leis e

regulamentos não poderão impedir o pleno efeito dos direitos reconhecidos pelo presente

artigo. Desta forma, percebe-se que há um conflito entre a legislação interna estadunidense e

as regras de Direito Internacional. Embora a CIJ ordene a revisão dos processos daqueles

estrangeiros privados do seu direito de proteção consular, algumas normas do direito interno

não possibilitam tal revisão. Resta evidente que há “um árduo caminho para

implementação”93 das decisões da Corte, sendo necessária até uma alteração legislativa94.

junho de 1951, data em que depositaram o instrumento de ratificação da Carta da OEA”. A Comissão declarou que tem competência para analisar as alegações expostas pelo nacional mexicano, afastando todos os argumentos de ilegitimidade formulados pelos EUA, tais como, a impossibilidade de análise do caso pela duplicidade de procedimento (devido ao caso Avena, interposto perante a CIJ), o não esgotamento dos recursos internos e a carência de jurisdição para examinar reclamações referentes a CVRC. 92 COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Relatório nº 61/03 Petição 4446/02. Roberto Moreno Ramos vs. Estados Unidos da América, 10 de outubro de 2003. 93 SIMMA, Bruno; HOPPE, Carsten. From LaGrand and Avena to Medellin – A Rocky Road Toward Implementation, p. 51-54. 94 HALBERSTAM, Malvina. LaGrand and Avena Establish a Right, But Is There a Remedy? Brief Comments on the Legal Effect of LaGrand and Avena in the U.S. ISLA Journal on International and Comparative Law, v. 11, 2004-2005. p. 418-419.

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2.2.3 Separação dos Poderes

O princípio da separação dos poderes foi historicamente estudado por autores como

John Locke e Montesquieu. O estudo da separação dos poderes tinha como foco o

estabelecimento de um sistema de equilíbrio harmônico e autônomo dos poderes Legislativo,

Executivo e Judiciário. Aristóteles, em sua obra Política, já demonstrava preocupação pelo

fato de se atribuir a apenas uma pessoa a delegação de todo o poder. Mas foi na obra de

Montesquieu que tal princípio adquiriu relevância constitucional, uma vez ele foi

recepcionado pelos Estados liberais como verdadeiro dogma. O objetivo de Montesquieu, ao

consolidar o estudo da separação dos poderes, era desenvolver um mecanismo capaz de

assegurar a liberdade individual, diminuindo o poder estatal, revestindo, assim, a Constituição

de um efetivo caráter limitador do Estado moderno95.

O princípio da separação dos poderes assume grande importância para os Estados, pois

a idéia de Estado Democrático de Direito está associada à idéia da separação dos poderes. A

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, estabelece, em seu artigo 16, que

“a sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos, nem estabelecida a

separação dos poderes, não terá Constituição”96. A Constituição Francesa de 1848 chega a

declarar que a separação dos poderes é a primeira condição de um povo livre.

Tal princípio, nos Estados Unidos, se materializou nas Constituições das ex-colônias

inglesas de 1787. Assim, os artigos 1º ao 3º da Constituição norte-americana tratam dos

Poderes Legislativo, Executivo e, por fim, Judiciário97. Explica Antonio Riccitelli que:

Em uma leitura mais acurada dos textos em referência, seguindo os artigos mencionados, que não há a menor possibilidade de interferência ou transferência de um Poder para o outro, nem mesmo em situações consideradas parciais ou provisórias.98

95 RICCITELLI, Antonio. Direito Constitucional: teoria do Estado e da Constituição. 4.ed. São Paulo: Manole, 2007. p. 47. 96 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 14.ed. São Paulo: Malheiros. p. 110. 97 A Suprema Corte dos Estados Unidos, ao se pronunciar sobre o princípio da separação dos poderes sustentou: “Que todos os poderes confiados ao governo, estadual ou nacional, estão divididos em três grandes departamentos, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Que das funções apropriadas a cada um desses ramos do governo será investido um corpo separado de funcionários públicos, e que a perfeição do sistema exige que as linhas que separam e dividem esses departamentos devam ser ampla e claramente definidas. Também é essencial para o funcionamento bem-sucedido desse sistema que às pessoas às quais foi confiado o poder em cada um desses ramos não seja permitida a intromissão nos poderes confiados aos outros, mas que cada um deva, por meio da lei de sua criação, limitar-se ao exercício dos poderes apropriados ao seu próprio departamento e a nenhum outro”. (KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. Tradução Luís Carlos Borges. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 385. Grifou-se). 98 RICCITELLI, Antonio. Direito Constitucional: teoria do Estado e da Constituição, p. 50.

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No Brasil, assim como nos EUA, ao contrário do que sustentara Riccitelli na passagem

acima citada, essa separação parece não ser absoluta, pois há, em determinadas situações99,

interferências de um poder sobre o outro, a fim de se estabelecer um sistema de freios e

contrapesos:

Há interferências, que visam ao estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos, à busca do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o desmando de um em detrimento do outro [...].100

Madison, em o Federalista, afirma que não há uma divisão absoluta de poderes, de tal

modo que é possível perceber a superioridade do legislativo, que está pouco suscetível a

limitações precisas, permitindo que se intrometa nos outros ramos governamentais. Vera

Grillo comenta que “Eis o modo temeroso com que Madison via o crescimento do Poder

Legislativo, então forte e sem barreiras, a se intrometer nos outros dois poderes e a se

fortalecer cada vez mais”101.

Ao interpretar Montesquieu, Duguit explica que o próprio autor jamais teria pensado

que os órgãos investidos das três funções do Estado seriam absolutamente independentes. De

acordo com o pensamento de Montequieu, os poderes Executivo e Legislativo deveriam ter

uma ação recíproca, isto é, viver em íntima colaboração102. É fundamental, pois, que haja um

equilíbrio, pois não basta que se estabeleça uma função para cada poder, é necessário que um

poder limite a esfera de poder do outro.

Ante as explicações acima expostas, o princípio da separação dos poderes constitui

óbice à aplicação da decisão da CIJ de revisão dos processos dos estrangeiros que foram

julgados sem observância do direito de proteção consular. Isso porque a decisão da CIJ é

dirigida ao Poder Executivo, que representa a União, de tal sorte, que caberia a ele impor o

cumprimento da decisão ao Poder Judiciário, ou seja, o Poder Executivo teria que interferir na

esfera de atuação do Judiciário, obrigando-o a cumprir com a decisão internacional. Tal

determinação, resta evidente, constituiria uma violação ao princípio da separação dos poderes,

pois não cabe ao Poder Executivo impor a revisão ao Judiciário103.

99 Tal interferência poder ser observada, por exemplo, quando a própria Constituição Federal prevê a interferência do Poder Executivo no Legislativo, quando o Presidente da República adota Medida Provisória. 100 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 111. 101 GRILLO, Vera de Araujo. A separação dos poderes no Brasil: Legislativo x Executivo. Blumenau: FURB; Florianópolis: UNIVALI, 2000. p. 33. 102 GRILLO, Vera de Araujo. A separação dos poderes no Brasil: Legislativo x Executivo, p. 23. 103 Salienta-se que a revisão dos processos pelo Judicário depende de impulso das partes.

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Diante da análise dos argumentos sustentados pelos EUA para o não cumprimento da

decisão da CIJ faz-se necessário o estudo das conseqüências advindas do não cumprimento

das decisões internacionais, a relação existente entre o direito interno e o Direito Internacional

no tocante a implementação dessas sentenças e os mecanismos que os países dispõem para

exigir o seu cumprimento, quando o Estado responsável não a cumpre espontaneamente. Tais

temas serão abordados no capítulo seguinte.

Constata-se, assim, que, embora os EUA tenham aceitado a jurisdição da CIJ para

resolver litígios decorrentes da inobservância de alguma regra prevista na CVRC, parece não

haver meios concretos de implementação das decisões, já que existem regras internas

estadunidenses, tais como o federalismo, o prequestionamento e o princípio da separação dos

poderes, que obstaculizam o cumprimento da decisão, o que de certa maneira, instiga a

reflexão da eficácia do Direito Internacional, já que não há meios coletivamente organizados

para impor as decisões internacionais. A questão ganha maior relevância quando se constata

que problemas semelhantes como os enfrentados pelos EUA poderiam ser vislumbrados no

Brasil, já que este país também adota em sua legislação interna, a regra do prequestionamento

e o princípio da separação dos poderes.

Em que pese o Brasil não tenha sido demandado na CIJ por violação do direito de

proteção consular, as cortes brasileiras também analisaram o alcance e aplicação desse direito.

Evidencia-se que são casos de proteção consular, mas que não envolvem sentenças da CIJ.

Contudo, eles serão examinados para que se possa compreender como as Cortes internas

brasileiras interpretam o artigo 36 da CVRC e ainda investigar se elas aplicam-no

adequadamente ou não. O Brasil, assim como os EUA, é signatário da Convenção de Viena e

está igualmente obrigado a dar efeito aos direitos ali previstos. A violação desses direitos

pode submetê-lo a uma demanda internacional perante a CIJ e conseqüentemente a uma

condenação, que deverá ser cumprida. Neste sentido, o Brasil também enfrentaria dificuldades

para implementação das decisões internacionais.

O STJ enfrentou o tema na análise do recurso ordinário em habeas corpus interposto

por Olaf Henrik Unkel104. Olaf, nacional alemão que estava vivendo no Brasil há mais de 3

anos e meio, com filhos e esposa, foi condenado pela prática da conduta descrita no artigo 12

da Lei n. 6.368/76, uma vez que a polícia apreendeu no interior de seu apartamento grande

104 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso ordinário em Habeas Corpus n. 4582-5 (95.023670-2). Rio de Janeiro. Sexta turma. Relator Min. Adhemar Maciel. Julgado em 19 de setembro de 1995. Disponível em: <http://www.stj.gov.br >. Acesso em: 25 fev. 2008 (publicação sem número de páginas).

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quantidade de pasta de cocaína105. Olaf, nas razões do recurso alegou que não falava

português e que não teve o auxílio de intérprete (somente durante a fase do inquérito policial),

embora no auto de prisão em flagrante constava que ele falava português e dispensava a

comunicação com familiares e o consulado. Alega, pois, violação de seus direitos

constitucionais. O STJ conheceu do recurso e no mérito negou provimento. O referido

tribunal sustentou que, nas palavras do relator, “não me impressiona a argumentação do

recorrente/impetrante de que o paciente não fala o português”, isso porque, explica o relator, é

estranho ele não saber se comunicar no idioma se já convivera com uma brasileira durante 4

anos e além do mais, pelo fato de ter sido encontrado pela polícia, em um bar, de madrugada,

circunstâncias estas que evidenciam que o estrangeiro tinha conhecimento do idioma

nacional.

Como teve seu recurso improvido no STJ, Olaf interpôs habeas corpus no STF. No

STF, levantou uma série de argumentos em sua defesa, entre eles, a falta de notificação do

consulado alemão e a ausência de intérprete, o que teria prejudicado sua defesa processual. O

tribunal negou todos os argumentos sustentados pelo estrangeiro. Quanto à notificação

consular, apenas afirmou, em uma passagem do relatório que “ademais, depondo em Juízo,

alguns policiais afirmaram haver sido o fato comunicado ao Consulado Alemão, o que foi

negado pela referida repartição consular”106 . Percebe-se assim, que o STF não enfrenta a

questão da falta de notificação consular, pois, mesmo reconhecendo que houve violação do

artigo 36 da CVRC, não estabeleceu uma conseqüência para tal fato. André Lupi afirma que:

O acórdão chama a atenção por referir-se expressamente à falta de notificação ao consulado da prisão do réu e deste fato não tirar nenhuma conseqüência, não obstante ele indicar uma clara violação ao artigo 36 da CVRC.107

O STF também enfrentou a questão do direito de proteção consular no pedido de

extradição formulado pelo governo da Itália em desfavor do nacional belga Marcel Van Den

Berg, condenado pelo Tribunal Judicial de Pádua, a uma pena de 7 anos de prisão pela prática

105 Artigo 12 da Lei 6.368/76: Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Pena: Reclusão, de 3 a 15 anos, e pagamento de 50 a 360 dias-multa. A lei citada foi revogada pela Lei nº 11.343 de 2006. 106 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Habeas Corpus n. 74.333. Rio de Janeiro. Segunda Turma. Relator Min. Maurício Corrêa. Julgado em 26 de novembro de 1996 (publicação sem número de páginas). 107 LUPI, André L. P. B. . La Aplicación del Derecho Internacional por los Tribunales Brasileños. In: Ricardo Velásquez Ramírez; Humberto Bobadilla Reyes (Org.). Justicia Constitucional, Derecho Supranacional e integración en el Derecho Latinoamericano. Lima: Grisjley, 2007, v. 1. p. 314.

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de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes108. Em sua defesa, o estrangeiro, preso

preventivamente para fins de extradição, requereu a intimação do consulado da Bélgica a fim

de que o mesmo se pronunciasse a respeito da extradição. O Procurador-Geral da República,

Claudio Fonteles, manifestou-se e afirmou que “no que diz respeito à intimação do

Consulado da Bélgica, nada há que justifique a presente ação, uma vez que é possível à

República Italiana requerer a extradição de nacional de terceiro Estado”109. Isso porque a

Bélgica não possui interesse processual no caso.

Na decisão do pedido de extradição, o relator, Ministro Joaquim Barbosa, analisou a

questão da intimação das autoridades consulares belgas com mais cuidado. O Ministro

sustentou que o Brasil é parte na CVRC, e, assim, está obrigado a informar a todo estrangeiro

que se encontra detido no Brasil, que este possui a prerrogativa de solicitar a assistência de

autoridade consular de Estado do qual é nacional. Afirmou ainda que “a doutrina

internacionalista, bem como a maciça jurisprudência de tribunais internacionais, têm

enfatizado que existe um direito humano à solicitação de assistência consular”110. Concluiu,

dessa forma, que o nacional belga deve ser informado, à luz do artigo 36 da CVRC que possui

o direito de solicitar a comunicação de sua prisão às autoridades consulares belgas.

No entanto, conforme pode-se analisar nos autos do pedido de extradição, constam

documentos que indicam que as autoridades diplomáticas e consulares belgas já tinham

conhecimento da prisão do extraditando. Inclusive constam nos autos documentos que

comprovam tal alegação, pois o Consulado Geral da Bélgica emitiu um comunicado à Polícia

Federal requerendo a transferência do nacional para uma outra prisão, pois ele estaria sendo

ameaçado e estaria com a saúde frágil. E além disso, quando informado do seu direito de

assistência consular, Marcel Van Der Berg não demonstrou interesse na comunicação de sua

prisão, pois segundo ele o pedido de extradição não é legal, pois ele já cumpriu a pena pelo

mesmo crime na Holanda. O Supremo Tribunal Federal negou o pedido de extradição de

Marcel porque os consulados belga e italiano não enviaram a documentação que fora

solicitada pelo STF para o julgamento do pedido.

No Brasil, portanto, conclui-se que as Cortes enfrentaram superficialmente o tema do

direito de proteção consular. Em que pese tenham reconhecido, ao menos um caso, que houve

falha em notificar as autoridades consulares, sem demora, da detenção de um nacional seu em

108 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Extradição nº 954-1/120- República Italiana. Extraditando Marcel Van Den Berg. Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Julgado em junho de 2006. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 20 fev. 2008. p. 3. 109 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Extradição nº 954-1/120- República Italiana, p. 327. 110 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Extradição nº 954-1/120- República Italiana, p. 2.

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território brasileiro, não preocuparam-se em estabelecer algum tipo de conseqüência

decorrente de tal fato, mesmo sabendo que tal atitude constitui uma clara violação ao artigo

36 da CVRC.

Já nos EUA, percebe-se que algumas cortes estaduais têm relutado em cumprir com a

decisão proferida pela CIJ. Mesmo com recomendação expressa do Presidente Bush para que

elas efetuassem a revisão dos processos dos nacionais mexicanos, algumas não acataram a

decisão da CIJ. Isso deve-se pelo fato de que os Estados, quando organizados em um sistema

federativo, possuem autonomia para organizar seu Poder Judiciário e para aplicar as leis

penais e processuais penais no limite de sua jurisdição, sem que haja a interferência de outros

poderes ou mesmo a interferência da União. Nota-se, então, a existência de um conflito entre

o Direito Internacional e a autonomia dos Estados. Outro problema que pode ser apontado é

quanto à separação dos poderes, uma vez que a decisão da CIJ é dirigida ao Poder Executivo,

ou seja, não cabe a ele impor ao Poder Judiciário a revisão dos processos dos nacionais

mexicanos, sob pena de ferir o equilíbrio de poderes.

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3 AS CONSEQÜÊNCIAS DA NÃO IMPLEMENTAÇÃO DAS DECISÕES DA CIJ PELAS CORTES INTERNAS DOS EUA

3.1 A OBRIGATORIEDADE DE CUMPRIMENTO DA DECISÃO INTERNACIONAL: MECANISMOS PREVISTOS NO DIREITO INTERNO PARA A SUA IMPLEMENTAÇÃO

Como já exposto, os EUA ratificaram, em 1969, a Convenção de Viena sobre

Relações Consulares e o Protocolo Adicional, que dá jurisdição à Corte Internacional de

Justiça para analisar disputas que envolvam a referida Convenção. Como parte nela, tal país é

compelido a cumprir com as obrigações ali expostas. Em virtude do descumprimento do

direito de proteção consular a Corte Internacional de Justiça determinou a revisão, pelas

Cortes estadunidenses, dos processos daqueles nacionais privados do direito de comunicação

consular.

As decisões proferidas pela Corte Internacional de Justiça são obrigatórias para as

partes litigantes, conforme preceitua o artigo 59 do seu estatuto. Suas sentenças são também

definitivas e inapeláveis, de acordo com o artigo 60 do mesmo Estatuto. Dessa forma, o

Estado que foi condenado por um tribunal internacional por violação de regras internacionais,

deve proceder ao cumprimento da decisão emitida, sob pena de incidir novamente em uma

violação internacional, isto é, por desrespeitar uma norma de Direito Internacional e por não

cumprir a decisão internacional. A isso chama-se dupla responsabilidade internacional, que

será analisada com mais clareza no tópico seguinte. Os EUA incorreram, portanto, nos casos

em que não cumpriram a decisão da CIJ, em uma dupla responsabilidade internacional. Neste

sentido, André de Carvalho explica:

A decisão internacional constitui obrigação internacional de resultado, ficando o Estado livre para escolher os meios internos para fazer cumprir o conteúdo da decisão judicial internacional. Cabe a cada Estado a escolha dos meios de implementar a deliberação internacional. Caso não a implemente, descumpre-se obrigação internacional secundária de cumprimento, em boa-fé, das decisões

internacionais de responsabilidade internacional do Estado.111

As corte internacionais, após apurar a violação a determinada norma internacional,

emitem sanções que deverão ser respeitadas pelo Estado demandado. No entanto, quando as

111 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos: análise dos sistemas de apuração de violações dos direitos humanos e a implementação das decisões no Brasil, p. 311 (grifo do autor).

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instâncias internacionais proferem suas decisões elas não determinam qual a autoridade de

direito interno será responsável pela implementação da decisão e nem determinam a forma

segundo a qual ela produzirá efeitos. Cabe, dessa forma, a cada Estado a escolha dos meios

para implementar a sentença internacional:

[...] o Estado em si é condenado a reparar a violação ao direito protegido, sendo irrelevante ter sido o agente causador da conduta um determinado órgão, Poder ou mesmo autoridade, cabendo ao próprio Direito interno a busca de soluções jurídicas para o melhor adimplemento do conteúdo da deliberação internacional.112

Assim, pode-se concluir que a eficácia do sistema legal internacional está diretamente

ligada ao êxito de execução das decisões internacionais, que por sua vez dependem dos regras

processuais internas de cada país. A sentença internacional, embora goze de executividade,

necessita do auxílio colaborativo do Estado-parte para acatar suas ordens, sendo que “a

condição jurídica do poder de execução não está sujeita, portanto, ao ‘império’ ou à

‘autoridade’ da decisão, mas aos mecanismos internos que permitem realizar os

pronunciamentos”113.

As decisões internacionais devem, então, ser implementadas voluntariamente pelo

Estado demandado, de acordo com os mecanismos internos previstos em seu ordenamento

para o cumprimento das determinações requeridas pelas Cortes. A maioria dos países não

possui uma regulamentação específica que discipline a forma de cumprimento de tais

decisões, o que dificulta ou até mesmo impossibilita a observância dos comandos

determinados.

Todavia, a falta de regulamentação não é por si só responsável pelo não cumprimento

das sentenças internacionais. Como já abordado nesse trabalho, muitas vezes a decisão

proferida pela Corte conflita com o direito interno do país responsável pela implementação,

ou seja, a existência de regras do direito interno impede a implementação da decisão, como

por exemplo, a regra do prequestionamento. Neste sentido, é importante salientar que o artigo

27 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados dispõe claramente que uma parte não

pode invocar normas de seu direito interno para justificar o descumprimento de um tratado114.

112 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos: análise dos sistemas de apuração de violações dos direitos humanos e a implementação das decisões no Brasil, p. 311-312. 113 MAEOKA, Erika. A Corte Interamericana de Direitos Humanos e os desafios do processo de execução das sentenças internacionais. In: MENEZES, W. Estudos de Direito Internacional. Anais do 5º Congresso Brasileiro de Direito Internacional. Curitiba, 2007, v. IX. p. 556. 114 Artigo 27 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados: “uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o descumprimento de um tratado [...]” (In: SALIBA, Aziz Tuffi (Org.). Legislação de Direito Internacional, p. 799).

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No mesmo sentido, tem-se a regra de Direito Internacional, conhecida como pacta sun

servanda (os pactos devem ser cumpridos) expressa no artigo 26 dessa mesma Convenção,

que estabelece que os pactos (ou tratados), uma vez firmados pelos Estados devem ser

cumpridos por estes de boa-fé115. Quando um Estado ratifica um tratado, como por exemplo a

CVRC, e reconhece a jurisdição da CIJ para julgar as disputas que envolvam normas de

referido tratado, os Estados litigantes devem cumprir a sentença imposta, pois essa obrigação

decorre do próprio tratado. O artigo 59 do Estatuto da CIJ estabelece que a sentença é

obrigatória para as partes litigantes e para o caso concreto. No entanto, em muitos casos, as

sentenças internacionais não são cumpridas pelos Estados-partes devido a uma série de

questões, inclusive questões políticas e econômicas.

Muitos países não possuem um procedimento apropriado para a execução das

sentenças internacionais, o que dificulta, e por vezes, impossibilita a implementação das

decisões. Os Estados Unidos não possuem um procedimento especial para cumprimento das

decisões internacionais, o que, na maioria dos casos, causa uma recusa nas esferas domésticas

para implementação116. Quando uma Corte interna dos Estados Unidos tem a tarefa de

implementar uma decisão internacional, ela sempre acaba por exercer a revisão dessa

sentença. Isso porque a Corte terá que examinar se a decisão foi emitida por autoridade

competente, se o poder encarregado de aplicar a decisão também é competente. O resultado

desse processo de revisão, segundo Schreuer, pode ser a implementação da decisão, a rejeição

da implementação da decisão ou ainda a implementação da decisão de forma modificada117.

Algumas leis estadunidenses têm desenvolvido estabelecido procedimentos para

regular o processo de revisão. Os motivos e os instrumentos de revisão são bem limitados e

existe uma forte tendência de separar o procedimento de revisão do procedimento de re-

avaliação do mérito da decisão internacional original. Mesmo assim, esse procedimento de

revisão das decisões internacionais pode vir a causar algumas conseqüências para o Direito

Internacional. Schreuer comenta nesse sentido que:

Um generoso e ilimitado exercício dessas funções de revisão pelos juízes nacionais está sujeito a introduzir um forte elemento de instabilidade nos tratados internacionais. Um julgamento ou sentença que é submetida a um exame de mérito

115 SALIBA, Aziz Tuffi (Org.). Legislação de Direito Internacional, p. 799-800. Os artigos 46 ao 53 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados ressaltam as hipóteses em que um Estado não está obrigado a cumprir o tratado. Entre elas, cita-se: se o representante de um Estado sofrer corrupção (art. 50), se o tratado for assinado sob coação exercida sobre representantes de um Estado (art. 51), quando o tratado estiver em conflito com uma norma imperativa de Direito Internacional Geral (art. 53), entre outros. 116 SCHREUER, Christoph. The Implementation of International Judicial Decisions by Domestic Courts. International and Comparative Law Quartely, v. 24, 1975. p. 154-155. 117 SCHREUER, Christoph. The Implementation of International Judicial Decisions by Domestic Courts, p. 153.

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por uma Corte doméstica (possivelmente por uma parte interessada, antes da decisão ter efeito) perderá muito do seu valor. Além das considerações sobre o mérito ainda pairam graves dúvidas sobre se um órgão de um Estado – embora judicial – afetado pelo litígio internacional possui competência para proceder a revisão material do seu resultado.118

Por outro lado, o autor explica que será impossível excluir totalmente o método de

revisão, pois as Cortes estaduais precisam examinar se os requisitos básicos de validade do

julgamento e da sentença estão presentes. O mais importante, nesse contexto, é, então, a

definição da linha existente entre o estabelecimento dos requisitos necessários de análise para

implementação da decisão e o exame do seu mérito119. No entanto, o autor explica que:

Essa distinção entre revisão material e um exame das condições necessárias para a execução torna-se ainda mais difícil pelo fato de que a recusa para levar a cabo a decisão judicial internacional, baseada em bases um tanto técnicas como competência, procedimento ou imunidade, pode de fato ser motivada por considerações de mérito.120

A necessidade das Cortes internas de fazer um exame dos requisitos formais da

sentença internacional para sua implementação, como a competência, o procedimento, entre

outros, acaba, muita vezes, invalidando a sentença internacional, isto é, o Estado resolve, após

analisar os requisitos da decisão, não cumprir a decisão. Isso demonstra mais uma vez a

necessidade da existência de mecanismos internos bem definidos para a sua implementação.

Alguns Estados, no âmbito de competência da CIDH, buscaram regulamentar o

procedimento interno de execução das sentenças internacionais, como Honduras e

Colômbia121. Outros Estados como Costa Rica e Venezuela, prevêem em suas constituições o

118 SCHREUER, Christoph. The Implementation of International Judicial Decisions by Domestic Courts, p. 153-154. Tradução livre. No original: “ A generous and unrestrained exercise of these functions of review by the national judge is liable to introduce a strong element of instability into international transactions. A judgment or award which is subject to an examination on the merits by a domestic court, possibly of an interested party, before it is put into effect, will lose much of its value. Apart from considerations of finality there must be grave doubts whether an organ, albeit a judicial one, of a State affected by the international litigation is the right body to materially review its outcome”. 119 SCHREUER, Christoph. The Implementation of International Judicial Decisions by Domestic Courts, p. 154. 120SCHREUER, Christoph. The Implementation of International Judicial Decisions by Domestic Courts, p. 154. Tradução livre. No original: “This distinction between material review and an examination of the necessary preconditions for execution is made even more difficult by the fact that a refusal to carry out the international judicial decision based on somewhat tecnical grounds like competence, procedure or immunity may in fact be motivated by considerations of substance”. 121 O Estado de Honduras no artigo 15 de sua Constituição estabelece que “[...] Honduras proclama como inevitáveis a validade e execução obrigatória das decisões tomadas por corte ou árbitro internacional (HONDURAS. Constituição de Honduras. Disponível em: <http://www.sipiapa.com/portugues/projects/laws-hon4.cfm>. Acesso em: 10 maio 2008. O Estado da Colômbia “estabelece na Lei 288/96 procedimentos específicos para fins de indenização dos prejuízos das vítimas de violação de Direitos Humanos em razão das determinações dos organinismos internacionais de direitos humanos”. Já o Estado do Peru no artigo 40 da Lei 23506/82 (Lei de Habeas Corpus e Amparo) estabelece que “as resoluções dos organismos internacionais de proteção dos direitos humanos não requerem, para sua validade e eficácia, reconhecimento, revisão, nem exame prévio, e a Corte Suprema recepcionará tais resoluções, dispondo sobre sua execução e cumprimento, em

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dever de cumprimento das decisões internacionais122. No entanto, tais leis não acabaram com

a dificuldade e não supriram a falta de um procedimento adequado para a implementação das

decisões. A lei colombiana (Lei 288/96), por exemplo, é restrita às obrigações de dar quantia

certa, de tal modo que as demais obrigações de fazer ou não-fazer ficam sem um meio

apropriado para implementação. André de Carvalho Ramos explica que o conteúdo das

obrigações de fazer ou não fazer pode ser o mais diverso possível. A CIDH, por exemplo,

exigiu do Peru, no caso Tomayo, a soltura de preso, mesmo após o trânsito em julgado do

feito. No caso Aloeboetoe, a Corte determinou ao Suriname a construção de posto médico e

escolar, para melhor reparar os danos causados aos índios saramaca123. De fato, a falta de

regulamentação própria gera uma série de dificuldades para a implementação das decisões

internacionais, sendo necessária uma maior aproximação entre o Direito Processual interno e

o Direito Internacional, bem como a criação de leis que estabeleçam regras bem definidas

para a efetivação de tal procedimento.

No caso do Brasil, um Projeto de Lei (PL 3.214/00), proposto pelo Deputado Federal

Marcos Rolim, tramitou perante o Congresso Nacional. Tal Projeto de Lei destinava-se a

regulamentar o processo de implementação, no ordenamento jurídico brasileiro, das decisões

proferidas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. No entanto, ele fora arquivado124.

O projeto buscava regulamentar, principalmente125:

a) as decisões da Comissão e da Corte produzem efeitos jurídicos imediatos no âmbito do ordenamento jurídico interno brasileiro (afastando, assim, a necessidade de homologação da decisão pelo Supremo Tribunal Federal, exigível em caso de sentença estrangeira);

conformidade com as normas e procedimentos internos vigentes sobre execução de sentença”. (PIOVESAN, Flávia. Implementação das obrigações, standards e parâmetros internacionais de direitos humanos no âmbito intragovernamental e federativo (publicação sem número de página). 122 O Estado Venezuelano estabelece em sua Constituição, de 1999, artigo 31, que “El Estado adoptará, conforme a procedimientos establecidos en esta Constitución y la ley, las medidas que sean necesarias para dar cumplimiento a las decisiones emanadas de los órganos internacionales [...]” (VENEZUELA. Constituición de la República Bolivariana de Venezuela de 1999. Disponível em: <http://pdba.georgetown.edu/Constitutions/Venezuela/ven1999.html>. Acesso em: 15 abr. 2008 (publicação sem número de página). 123 RAMOS, André de Carvalho. A execução das sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Brasil. In: SOARES, Guido Fernando Silva. et. al. (Org.). Direito Internacional, Humanismo e Globalidade. São Paulo: Atlas, 2008. p. 462. 124 Por meio de contato realizado com o Deputado Federal Marcos Rolim, contatou-se que o Projeto de lei fora arquivado devido ao término de seu mandato como parlamentar. O Deputado esclareceu que sempre que um parlamentar não é reeleito, todos os seus projetos de lei são arquivados na legislatura seguinte. Qualquer outro parlamentar pode, no entanto, solicitar o desarquivamento, situação na qual o projeto retoma sua tramitação no ponto onde parou. Marcos Rolim afirmou ainda que “infelizmente, ninguém parece ter se interessado pela matéria. Com o projeto, minha pretensão era que houvesse uma integração mais orgânica do Estado brasileiro ao sistema internacional de proteção aos direitos humanos”. Contato realizado por e-mail em 28 de abril de 2008. 125 PIOVESAN, Flávia. Implementação das obrigações, standards e parâmetros internacionais de Direitos Humanos no âmbito intragovernamental e federativo, p. 6.

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b) as decisões de caráter indenizatório estarão sujeitas à execução direta contra a Fazenda Pública Federal, sendo que o valor indenizatório respeitará os parâmetros internacionais; c) o cabimento de ação regressiva da União contra o Estado, as pessoas físicas ou jurídicas, privadas ou públicas, responsáveis direta ou indiretamente pelo ilícito.

Flávia Piovesan, ao comentar sobre projeto, explica que:

[...] foi apresentada emenda substitutiva ao projeto, prevendo a necessidade de homologação pelo Supremo Tribunal Federal das decisões da Corte, com o argumento de que seriam “sentenças estrangeiras” proferidas por “órgão jurisdicional alienígena”, sob pena de afronta aos princípios da autonomia e exclusividade da jurisdição e soberania. Daí a resistência formada em relação ao projeto.126

Outra questão referente ao projeto de lei citado merece comentários. Ele afasta a

necessidade de homologação127 das decisões internacionais pelo Supremo Tribunal Federal

(agora Superior Tribunal de Justiça, por força da alteração promovida pela EC nº 45/2004 -

artigo 105, I, i da Constituição Federal128), exigível em caso de sentença estrangeira. É

necessário esclarecer que as sentenças proferidas por tribunais internacionais diferenciam-se

das sentenças proferidas por tribunais estrangeiros. Mazzuoli esclarece que:

Sentenças proferidas por “tribunais internacionais” não se enquadram na roupagem de sentenças estrangeiras a que se referem os dispositivos citados. Por sentença estrangeira deve se entender aquela proferida por um tribunal afeto à soberania de determinado Estado, e não a emanada de um tribunal internacional que tem jurisdição sobre os Estados129.

Por outro lado, José Carlos de Magalhães explica que a sentença internacional consiste em:

[...] ato judicial emanado de órgão judiciário internacional de que o Estado faz parte, seja porque aceitou a sua jurisdição obrigatória, como é o caso da Corte Interamericana de Direitos Humanos, seja porque, em acordo especial, concordou

126 PIOVESAN, Flávia. Implementação das obrigações, standards e parâmetros internacionais de Direitos Humanos no âmbito intragovernamental e federativo, p. 5. 127 “Homologar significa tornar a sentença estrangeira semelhante (em seus efeitos) a uma sentença aqui proferida, utilizando-se como ‘modelo’ para a homologação a sentença proferida pelo judiciário nacional. Por meio da homologação a sentença estrangeira passa a estar apta a gerar efeitos no país que a homologa. A homologação não cria eficácia interna para as sentenças estrangeiras, mas faz com que ela tenha seus efeitos estendidos ao território do Estado onde se pretende que ela opere”. (MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direito Internacional Público. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2006. p. 111). O artigo 483 do CPC estabelece que “a sentença proferida por tribunal estrangeiro não terá eficácia no Brasil senão depois de homologada pelo Supremo Tribunal Federal (grifou-se). Da mesma forma, o art. 484 determina que “a execução far-se-á por carta de sentença extraída dos autos de homologação e obedecerá às regras estabelecidas para a execução da sentença nacional da mesma natureza. 128 Artigo 105, I, CF: Compete ao Superior Tribunal de Justiça: [...] i) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias. Grifou-se. 129 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direito Internacional Público, p. 113-115 (grifo do autor).

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em submeter à solução de determinada controvérsia a um organismo internacional, como a Corte Internacional de Justiça.130

Assim, no entendimento de Mazzuoli e também de José Carlos de Magalhães, as

sentenças internacionais não precisam ser homologadas pelo Superior Tribunal de Justiça,

cabendo ao Estado cumprí-la, como faria com decisão de seu Poder Judiciário. Não cabe,

pois, a aplicação da regra prevista no artigo 483 do Código de Processo Civil que dispõe que

“a sentença proferida por tribunal estrangeiro não terá eficácia no Brasil senão depois de

homologada pelo Supremo Tribunal Federal” (leia-se Superior Tribunal de Justiça). Ao

afirmar que as sentenças proferidas por cortes internacionais não necessitam de homologação

para produzirem efeitos no ordenamento jurídico interno brasileiro, Mazzuoli explica que:

O Supremo Tribunal Federal [agora Superior Tribunal de Justiça] não tem competência constitucional, e tampouco legal, para homologar sentenças proferidas por tribunais internacionais, que decidem acima do pretenso poder soberano estatal, e têm jurisdição sobre o próprio Estado. Pensar de outra maneira é subversivo dos princípios internacionais que buscam reger a comunidade dos Estados em seu conjunto, com vistas à perfeita coordenação dos poderes dos Estados no presente cenário internacional de proteção de direitos.131

Não obstante o arquivamento do PL mencionado, em 2004, o Deputado José Eduardo

Cardoso apresentou, à Câmara dos Deputados, outro projeto de lei (PL 4.667/04) que

estabelece efeitos jurídicos imediatos, no âmbito do ordenamento brasileiro, a todas as

decisões dos organismos internacionais de proteção aos direitos humanos. O autor esclarece

que originariamente o projeto fora apresentado pelo ex- Deputado Marcos Rolim. Ele ressalta

a importância do projeto porque, apesar do Brasil ter ratificado diversas convenções relativas

aos direitos humanos, as decisões proferidas pelos organismos internacionais não são

cumpridas de imediato pelo Estado132. O Projeto prevê que as decisões que forem de caráter

indenizatório, constituir-se-ão em títulos executivos judiciais e estarão sujeitas à execução

direta contra a Fazenda Pública Federal. Estabelece ainda a possibilidade de ação regressiva

da União contra as pessoas físicas ou jurídicas, pública ou privadas, responsáveis direita ou

indiretamente pelos atos ilícitos que ensejaram a decisão de caráter indenizatório. O PL ainda

130 MAGALHÃES, José Carlos de. O Supremo Tribunal Federal e o Direito Internacional: uma análise crítica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 102. 131 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. As sentenças proferidas por tribunais internacionais devem ser homologadas pelo Supremo Tribunal Federal? Disponível em: <http://www.juspodivm.com.br/novodireitocivil/ARTIGOS/convidados/att0369.pdf>. Acesso em: 10 maio 2008. 132 Na justificação do PL, o deputado afirma que: “O Poder Executivo manifesta interesse no cumprimento das decisões dos organismos de proteção, seja no âmbito regional ou global, porém alega a inexistência de legislação ordinária nacional destinada a disciplinar a matéria” (CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei 4.667/04. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/prop_detalhe.asp?id=273650>. Acesso em: 02 maio 2008).

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está em trâmite na Câmara dos Deputados. Os Deputados, até o momento, consentiram com o

Projeto.

A aprovação desse PL significaria um grande avanço na solução dos problemas

enfrentados pelos tribunais locais referente à implementação das decisões internacionais. A

falta de legislação específica impossibilita, muitas vezes, o cumprimento das decisões

proferidas por órgãos internacionais133, o que por conseqüência prejudica a imagem externa

do país (o país passa a ser visto como violador de regras internacionais e o mais grave, de

direitos humanos), pois ele não consegue cumprir as normas internacionais e além do mais,

coloca em dúvida a eficácia do Direito Internacional, uma vez que tal sistema não dispõe de

mecanismos coletivos organizados capazes de obrigar o cumprimento de suas decisões.

Em face da ausência, na maioria dos países, de uma legislação específica para a

implementação das decisões e com o objetivo de criar uma importante alternativa para as

vítimas, na ausência de cumprimento espontâneo da sentença pelo Estado demandado, a

Convenção Americana sobre Direitos Humanos criou um dispositivo inovador para a

implementação das decisões internacionais de caráter indenizatório. Dispõe o artigo 68.2 da

Convenção:

ARTIGO 68.2. A parte da sentença que determinar indenização compensatória poderá ser executada no país respectivo pelo processo interno vigente para a execução de sentenças contra o Estado.134

Assim, no Brasil, se a sentença internacional que determinar o pagamento de

indenização à vítima não for cumprida voluntariamente pelo Estado, esta tem a possibilidade

de exigir o seu cumprimento no Judiciário, mediante o processo de execução contra a Fazenda

Pública Federal, conforme dispõe o artigo 100 da Constituição Federal:

133 No ano passado a autora desta monografia participou do Congresso Brasileiro de Direito Internacional, realizado na cidade de Curitiba/PR. Neste evento, ela teve a oportunidade de conversar com o Advogado da União, Marcelo Brito Queiroz, que trabalhou no caso Damião Ximenes Lopes. Neste caso, o Brasil fora demandado na Corte Interamericana de Direitos Humanos e condenado por violação do direito à vida e à integridade pessoal de Damião Lopez, portador de doença mental, pelas condições degradantes e desumanas decorrentes de sua hospitalização, para tratamento psiquiátrico na Casa de Repouso Guarapes (que operava no âmbito do sistema público de saúde do Brasil, chamado Sistema Único de Saúde), onde acabou falecendo, após três dias de internação. Por ocasião dessas violações, o Brasil fora condenado ao pagamento de indenização pecuniária à família de Damião. (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Ximenes Lopes vs. Brasil. Sentença de 4 de julho de 2006. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_149_por.pdf>. Acesso em: 18 abr. 2008). Marcelo de Brito afirmou que as autoridades responsáveis pela implementação da decisão tinham dúvidas como agir, o que evidencia sérios problemas no tocante a implementação das decisões internacionais, decorrentes, sobretudo, da falta de legislação que estabeleça mecanismos e as formas de cumprimento de tais medidas. Nesse caso, a decisão fora cumprida por meio da edição de Decreto Presidencial que autorizou o pagamento do montante a que o Brasil fora condenado na decisão. 134 SALIBA, Aziz Tuffi (Org.). Legislação de Direito Internacional, p. 163-164.

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Art. 100. À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

A parte pode então provocar o Judiciário para requerer a execução de título executivo

judicial135 (sentença internacional) contra a Fazenda Pública. Cabe, pois, ao juiz nacional (do

domicílio do autor, em regra) a execução dessa decisão que deverá ser feita de acordo com os

artigos 100 da CF, 730 e 731 do CPC, isto é, por meio da execução de título executivo contra

a Fazenda Pública. Tal modalidade de execução “realiza-se por meio de simples requisição de

pagamento, feita entre o Poder Judiciário e Poder Executivo, conforme dispõem os arts. 730 e

731 do Código de Processo Civil”136. Alguns doutrinadores sustentam que a sentença

internacional de cunho indenizatório deve ser considerada como um débito de natureza

alimentícia, isto é, constitui uma ordem própria para pagamento, sem a necessidade de

respeitar a ordem de precatórios, tão morosa no direito brasileiro137. Créditos de natureza

alimentícia seriam aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas

complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas

na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado. Neste sentido, o PL

4.667/04 estabelece que o crédito terá natureza alimentícia.

A análise, pois, dos mecanismos previstos nas legislações internas dos países a

respeito da implementação das decisões internacionais é importante para a compreensão das

deficiências que podem ser encontradas no sistema jurídico internacional. O estudo das

dificuldades ou até mesmo da impossibilidade de implementação das decisões proferidas por

tribunais internacionais deixa, de certa maneira, transparecer um problema que reside no fato

da inexistência de um mecanismo coletivo organizado, superior aos Estados, que seja capaz

de impor o cumprimento de seus julgados. Se por um lado o Direito Internacional estabelece

que as decisões proferidas por cortes internacionais são obrigatórias aos Estados envolvidos

na demanda, por outro, o próprio sistema jurídico internacional dispõe que as decisões devem

ser cumpridas voluntariamente e de boa-fé pelos Estados.

135 RAMOS, André de Carvalho. A execução das sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Brasil, p. 461. 136 JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil: processo de execução e cumprimento de sentença, processo cautelar e tutela de urgência. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 358. 137 MEDEIROS, Luiz Afonso Costa de. A Implementação das Sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Brasil. Brasília, 2007. Disponível em: <http://www.uca.portalabipti.org.br/portais/direitoshumanos/execucao_sentencas>. Acesso em: 02 maio 2008.

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É preciso salientar que o Direito Internacional evoluiu para garantir um certo grau de

sanções contra os Estados que desrespeitam as normas internacionais, sem violar o princípio

da soberania e desestabilizar as relações internacionais. No entanto, em muitas situações,

esses mecanismos não são aplicados devido a outros fatores envolvidos, como os fatores

políticos e econômicos. No tópico seguinte, serão analisadas, tendo em vista a não

implementação das decisões pelos países, as conseqüências que podem ser aplicadas aos

Estados que não efetivam as medidas determinadas nas sentenças internacionais.

3.2 RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO POR DESCUMPRIMENTO DE UMA DECISÃO JUDICIAL INTERNACIONAL

A responsabilidade internacional ocorre toda vez que um Estado, seja por ação ou

omissão, deixa de observar alguma norma internacional138. Os EUA, devido à inobservância

do artigo 36 da CVRC, foram responsabilizados internacionalmente. A conseqüência

decorrente da apuração da responsabilidade internacional, neste caso, foi a obrigatoriedade de

revisão, pelas Cortes estadunidenses, dos processos daqueles nacionais privados do direito de

comunicação consular. Além disso, devido a não implementação, na maior parte dos casos,

das decisões que foram proferidas pela Corte Internacional de Justiça, este país incidiu em

uma nova responsabilidade internacional. Dito de outro modo, os EUA incorreram em uma

dupla responsabilidade internacional: por violação de regras internacionais e pelo não-

cumprimento em boa-fé de decisão internacional.

A responsabilidade internacional do Estado pode ser constatada através de duas

formas: de modo unilateral ou coletivo. A primeira é quando o Estado ofendido afirma ter

ocorrido uma violação de seu direito e exige reparação. André de Carvalho Ramos explica

que “desse modo, o próprio Estado analisa o pretenso fato internacionalmente ilícito

cometido e requer reparação ao Estado ofensor, podendo, se não atendido, sancionar

unilateralmente esse Estado”139. O mecanismo coletivo, por sua vez, é aquele em que um

órgão (criado por tratados internacionais), composto por pessoas independentes e imparciais,

138 De acordo com o artigo 3º do projeto de artigos da Comissão de Direito Internacional, existe fato internacionalmente ilícito do Estado quando: a) um comportamento consistindo numa ação ou omissão é atribuível em conformidade com o Direito Internacional ao Estado e b) que este comportamento constitua uma violação de uma obrigação internacional. (DIHN, Nguyen; et. al. Direito Internacional Público. Tradução Vítor Marques Coelho. 4.ed. 1992. p. 682). André de Carvalho Ramos explica ainda que “a responsabilidade internacional do Estado é, de regra, apresentada como sendo uma obrigação internacional de reparação em face de violação prévia de norma internacional”. (RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos: análise dos sistemas de apuração de violações dos direitos humanos e a implementação das decisões no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 7). 139 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos: análise dos sistemas de apuração de violações dos direitos humanos e a implementação das decisões no Brasil, p.39.

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analisa os fatos e decide se o Estado dito infrator deve ser responsabilizado

internacionalmente por violação de determinada norma internacional. Esta é a diferença

existente entre a autocomposição e a heterocomposição. Na primeira, o próprio Estado

interessado analisa a violação das normas internacionais, enquanto no segundo, a apuração da

violação e a conseqüentemente aplicação da sanção são feitas por terceiros, nomeadamente

por cortes internacionais.

A conseqüência jurídica advinda do reconhecimento da responsabilidade internacional,

pelos órgãos internacionais, gera o dever de reparação pelo Estado violador da norma.

Segundo a doutrina internacionalista, existem três modalidades de reparação: a restituição, a

indenização e a satisfação. Nesse sentido, é importante a análise dos artigos 34 ao 37 do

Projeto da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas sobre a Responsabilidade

Internacional para a compreensão dessas modalidades de reparação140.

A primeira delas consiste na busca do estado anterior à violação (também conhecida

como restitutio in integrum), isto é, busca-se apagar as conseqüências do ato ilícito como se

ele nunca tivesse existido. Embora tal modalidade de reparação seja a mais satisfatória, sua

aplicação às vezes se torna muito difícil, devido à impossibilidade de reconstrução da situação

anterior à violação141. O Projeto da Comissão estabelece que esse tipo de reparação não será

aplicado quando for materialmente impossível ou quando acarretar um ônus totalmente

desproporcional com relação ao benefício que derivaria de restituição ao invés da indenização

(artigo 35)142.

A segunda forma de reparação consiste na conversão dos danos morais e materiais

sofridos em um montante pecuniário. O Projeto esclarece que a indenização deverá cobrir

140 PROJETO DA COMISSÃO DE DIREITO INTERNACIONAL DAS NAÇÕES UNIDAS. In: SALIBA, Aziz Tuffi (Org.). Legislação de Direito Internacional. 2.ed. São Paulo: Rideel, 2007. p. 541. 141 Cite-se, como exemplo, algum caso de violação do devido processo legal, no qual o indivíduo teve seu direito de ampla defesa violado, e devido à falta de defesa eficaz foi condenado e executado. Em tal situação é impossível trazer a vida do indivíduo de volta, de tal sorte, que a restituição não teria como ser aplicada. A primeira vez que a Corte Interamericana de Direitos Humanos conseguiu aplicar a restitutio in integrum foi no caso Loyaza Tamayo v. Peru. María Elena Loyaza Tamayo foi presa, torturada e condenada irregularmente pelo Estado Peruano pelo delito de terrorismo. A Corte Interamericana de Direitos Humanos, após a análise da demanda, constatou que o Peru havia violado vários dispositivos da Convenção, entre eles o direito à liberdade pessoal, à integridade física e às garantias judiciais. Como María Tamayo ainda encontrava-se viva, a Corte procurou estabelecer o estado anterior à violação. Para tanto, determinou a libertação da vítima além da obrigatoriedade de aplicação de um “projeto de vida”. Tal projeto consistiu na adoção de medidas para que a vítima pudesse retomar sua vida “normal”, com dignidade e respeito. Assim, a Corte determinou a reincorporação da vítima ao serviço público docente, à garantia de seu direito à jubilação, e à adoção de medidas para que nenhum efeito decorrente de tal situação seja aplicado no processo civil. (ANDRADE, Isabela Piacentini de. A execução das sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Revista Brasileira de Direito Internacional. v. 03. 1º sem/2006. Disponível em: <http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/dint/article/view/6566/4691>. Acesso em: 22 mar. 2008). 142 SALIBA, Aziz Tuffi (Org.). Legislação de Direito Internacional, p. 541.

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qualquer dano suscetível de mensuração financeira, incluindo lucros cessantes, na medida de

sua comprovação (artigo 36.2). Já por meio da satisfação, busca-se principalmente um pedido

formal de desculpas pelo prejuízo causado por aquele ato143. A satisfação pode consistir em

um reconhecimento da violação, uma expressão de arrependimento, uma desculpa formal ou

outra modalidade apropriada. Como exemplo de outras modalidades, cite-se, por exemplo, a

determinação da construção de obras em homenagem à(s) vítima(s)144.

Destarte, a análise da Responsabilidade Internacional do Estado é importante para

reafirmar a juridicidade das normas internacionais e ressaltar a obrigatoriedade de seu

cumprimento. Em caso de desrespeito às normas, os países podem ser condenados a uma ou

mais formas de reparação, como as mencionadas neste tópico, o que pode ser prejudicial para

a imagem externa do país, isto é, ele pode passar a ser visto pelos seus pares internacionais

como um país que viola as normas internacionais e isto poderá gerar instabilidades até mesmo

políticas e econômicas.

3.3 MECANISMOS COERCITIVOS PREVISTOS NO DIREITO INTERNACIONAL NO CASO DE NÃO IMPLEMENTAÇÃO DA DECISÃO PELOS ESTADOS

Em caso de não cumprimento voluntário da decisão internacional pelo país

demandado, alguns tratados internacionais prevêem medidas de coerção que visam à

implementação forçada da decisão. As decisões proferidas pela Corte Internacional de Justiça,

não implementadas espontaneamente pelo Estado, são passíveis de aplicação de medidas,

decididas pelo Conselho de Segurança, com o objetivo de garatir-lhes eficácia. O artigo 94.

2. da Carta da ONU dispõe que:

143 ANDRADE, Isabela Piacentini de. A execução das sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos, p. 149. 144 Essa medida foi determinada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso 19 Comerciantes v. Colômbia, relativo a detenção, desaparecimento e execução de 19 comerciantes por um grupo paramilitar que agiu sob o comando do exécito colombiano. A Corte, após proceder a análise de violação de diversos direitos humanos cometidos pela Colômbia, determinou, entre outras medidas, a construção de um monumento em homenagem às vítimas. Nas palavras da Corte: “La Corte estima que el Estado debe erigir un monumento en memoria de las víctimas. Este Tribunal considera necesario que la elección del lugar en el cual se erija el monumento sea acordada entre el Estado y los familiares de las víctimas. En dicho lugar, mediante una ceremonia pública y en presencia de los familiares de las víctimas, Colombia deberá poner una placa con los nombres de los 19 comerciantes y la mención expresa de que su existencia obedece al cumplimiento de la reparación ordenada por la Corte Interamericana. Esta medida también contribuirá a despertar la conciencia para evitar la repetición de hechos lesivos como los ocurridos en el presente caso y conservar viva la memoria de las víctimas”. (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso 19 Comerciantes vs. Colombia. Sentencia de 5 de julio de 2004. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_109_esp.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2008. p. 123.)

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Se uma das partes num caso deixar de cumprir as obrigações que lhe incumbem em virtude de sentença proferida pela Corte, a outra terá direito de recorrer ao Conselho de Segurança que poderá, se julgar necessário, fazer recomendações ou decidir sobre medidas a serem tomadas para o cumprimento da sentença.145

O Conselho de Segurança é um dos órgãos principais da ONU, juntamente com a

Assembléia Geral, a Corte Internacional de Justiça e os demais Conselhos. É composto de

quinze membros das Nações Unidas entre eles, 5 permanentes, a citar, China, França, Rússia,

Reino Unido e os Estados Unidos. A principal função do Conselho de Segurança é a

manutenção da paz e da segurança internacionais e para isso ele possui atribuições

compatíveis com tais finalidades. Uma das atribuições previstas é a competência que tem para

decidir sobre a adoção de medidas com o intuito de forçar o Estado ao cumprimento de

decisão internacional. Essas alternativas estão elencadas no artigo 41 da Carta da ONU, que

assim dispõe:

ARTIGO 41 O Conselho de Segurança decidirá sobre as medidas que, sem envolver o emprego de forças armadas, deverão ser tomadas para tornar efetivas suas decisões e poderá convidar os Membros das Nações Unidas a aplicarem tais medidas. Estas poderão incluir a interrupção completa ou parcial das relações econômicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos, postais, telegráficos, radiofônicos, ou de outra qualquer espécie e o rompimento das relações diplomáticas.146

Contudo, as decisões do Conselho de Segurança deverão, nos termos do artigo 27.3.,

ser aprovadas pelo voto afirmativo de nove membros, inclusive os votos afirmativos de todos

os membros permanentes. Isto é, se o Conselho de Segurança determinar a interrupção das

relações econômicas, por exemplo, visando a execução de uma decisão proferida pela CIJ,

China, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos deverão obrigatoriamente ser

favoráveis a essa medida.

O emprego de medidas coercitivas objetiva, segundo a Organização das Nações

Unidas:

[...] exercer pressão sobre um Estado ou entidade para que cumpram com os objetivos fixados pelo Conselho de Segurança sem necessidade de recorrer ao uso da força. As sanções oferecem, pois, ao Conselho de Segurança um importante instrumento para fazer cumprir suas decisões [...].147

145 SALIBA, Aziz Tuffi (Org.). Legislação de Direito Internacional, p. 715.

146 SALIBA, Aziz Tuffi (Org.). Legislação de Direito Internacional, p. 707. 147 CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS. Comitês de Sanções do Conselho de Segurança: informação geral. Disponível em: <http://www.un.org/spanish/sc/committees/>. Acesso em: 13 maio 2008. Tradução livre. No original: “El empleo de sanciones obligatorias tiene por objeto ejercer presión sobre un Estado o entidad para que cumplan con los objetivos fijados por el Consejo de Seguridad sin necesidad

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Percebe-se assim, que esse mecanismo previsto na Carta da ONU com o objetivo de

fazer os Estados cumprirem as decisões proferidas por sua Corte judiciária, pode não ser, em

alguns casos, levado a efeito, devido a pressões políticas, sobretudo se as medidas

determinadas pelo Conselho de Segurança forem dirigidas contra um membro permanente do

Conselho de Segurança.

No âmbito da Organização dos Estados Americanos, a Corte Interamericana de

Direitos Humanos possui o encargo de fiscalizar a execução de seus julgados. Esse

mecanismo de supervisão implica na solicitação de informações ao Estado sobre as medidas

tomadas para o cumprimento da decisão, assim como, objetiva ouvir as observações da

comissão e das vítimas ou seus representantes148. A partir do momento em que o tribunal

disponha dessas informações, pode apreciar se houve cumprimento da sentença e orientar as

ações dos Estados para esse fim, além de informar à Assembléia-Geral, conforme dispõe o

artigo 65 do Pacto. O artigo 65 do Pacto estabelece que a Corte elaborará um relatório anual e

enviará à Assembléia-Geral com indicação dos casos em que um Estado não tenha cumprido

as suas sentenças149.

Neste sentido, a Corte emite periodicamente resoluções com o objetivo de

supervisionar o cumprimento de suas decisões. Em um caso bem recente, em março de 2008,

a Corte emitiu uma resolução para marcar uma audiência privada, com o propósito de obter

informações do Estado sobre o cumprimento das sentenças emitidas nos casos submetidos à

Corte e escutar as observações da Comissão e das vítimas150. Em 2006, a Corte

supervisionava 75 casos pendentes de cumprimento por parte dos Estados condenados. O

outro mecanismo previsto, a denúncia do Estado faltoso à Assembléia-Geral, quase não foi

utilizado até o momento151. A Corte tentou empregá-lo pela primeira vez, para pressionar

de recurrir al uso de la fuerza. Las sanciones ofrecen, pues, al Consejo de Seguridad un importante instrumento para hacer cumplir sus decisiones [...]”. 148 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Informe Anual da Corte, 2006. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/docs/informes/20062.pdf>. Acesso em: 16 maio 2008. p. 50. 149 ARTIGO 65: “A Corte submeterá à consideração da Assembléia-Geral da Organização, em cada período ordinário de sessões, um relatório sobre as suas atividades no ano anterior. De maneira especial, e com as recomendações pertinentes, indicará os casos em que um Estado não tenha dado cumprimento a suas sentenças”. (SALIBA, Aziz Tuffi (Org.). Legislação de Direito Internacional, p. 163). 150 Cf CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Resolução da Presidência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. 28 de março de 2008. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/docs/supervisiones/Fermin_28_03_08.pdf>. Acesso em: 17 maio 2008. 151 “Em 29 de junho de 2005, a Corte promulgou uma Resolução na qual ela estipula que, a partir do momento em que se decida pela denúncia do Estado faltoso à Assembléia, não se continuará a solicitar-lhe informações sobre o cumprimento da sentença. Se o Estado não apresentar posteriormente comprovação da observãncia das questões em aberto, a Corte continuará a incluí-lo a cada ano no seu Informe à Assembléia-Geral. (ANDRADE, Isabela Piacentini de. A execução das sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos, p. 156).

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Honduras a respeitar as sentenças proferidas nos casos Velasquez Rodriguez e Godinez Cruz.

A discussão era o adimplemento completo do comando exposto na sentença, pois Honduras

fora condenada a pagar indenização às vítimas, no entanto, pagou os valores determinados,

mas com atraso, o que lhe obrigava a pagar também juros decorrentes desse atraso. Honduras

se negava, porém, a pagar esses valores:

A Corte havia preparado uma resolução detalhada apontando o descumprimento de Honduras, a qual deveria ser apresentada no seu relatório anual à Assembléia Geral. Entretanto, devido a fortes pressões exercidas por esse país, a informação nunca foi apresentada oficialmente. Apesar disso, Honduras acabou pagando o que devia algum tempo depois.152

O objetivo da inclusão do Estado faltoso no relatório da Assembléia Geral é o de

exercer pressões políticas, já que os esforços de supervisão das decisões feitos pela Corte, em

alguns casos, são insuficientes para obrigar o Estado a cumprir com as determinações

impostas. Tendo em vista a falta de aparatos coercitivos da Corte para executar as decisões

internacionais, uma forma de obrigar os Estados a cumprir com tais decisões é pressioná-lo,

causando-lhe constrangimentos diante da comunidade internacional.

Nesse contexto, sustenta-se que a falha em cumprir com os direitos consagrados nos

tratados internacionais enseja a Responsabilidade Internacional do Estado. Assim, as cortes

internacionais desenvolvem um papel muito importante na constatação e, conseqüentemente,

na punição do Estado violador. Da mesma forma, o papel das Cortes torna-se relevante na

medida em que promovem a defesa e salvaguarda de direitos quando as instituições nacionais

se mostram falhas e omissas na proteção de direitos, principalmente, de direitos humanos.

As decisões emitidas pelas Cortes devem, devido ao seu caráter obrigatório, ser

implementadas de boa-fé pelos Estados. Esse mecanismo de implementação depende da

cooperação entre os organismos internacionais e as partes envolvidas na demanda. É preciso,

pois, que haja um estudo sob o prisma da relação existente entre o Direito Internacional e

direito interno, já que são os Estados os responsáveis pelo cumprimento da decisão, segundo

os mecanismos internos previstos em suas legislações153.

Por outro lado, a não implementação das decisões voluntariamente pelos paises,

permite resgatar um antigo debate presente no Direito Internacional que é quanto ao caráter

jurídico das normas internacionais, ou seja, questionar se elas possuem realmente força e

coerção capazes de obrigar os Estados a respeitá-las, devido sobretudo à ausência de um 152 ANDRADE, Isabela Piacentini de. A execução das sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humano, p. 156. 153 SCHREUER, Christoph. The Implementation of International Judicial Decisions by Domestic Courts, p. 159.

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órgão superior a eles. O objetivo desse trabalho não é o de esgotar esse debate, nem mesmo

encontrar uma solução para para essa problemática, mas apontar um exemplo de porque essa

questão é levantada, isto é, a eficácia do Direito Internacional pode ser questionada no

momento em que os EUA se recusam a implementar as decisões proferidas pela CIJ.

Esse fato deixa transparecer a fragilidade do sistema legal internacional,

principalmente devido à inexistência de mecanismos coercitivos capazes de obrigar o

cumprimento de suas próprias decisões. Flávia Piovesan entende que “o grande desafio do

Direito Internacional sempre foi o de adquirir ‘garras e dentes’, ou seja, poder e capacidade

sancionatórios”154. A inexistência desses mecanismos no Direito Internacional provocou a

discussão, entre renomados autores, sobre a eficácia do sistema jurídico interestatal. Esses

autores, já no século XX, discutiam os problemas advindos da falta de uma entidade superior

aos Estados, ou seja, analisavam se o Direito Internacional é realmente um direito, tal como o

é o direito interno. Esse estudo desenvolvido séculos atrás permite afirmar uma conclusão

bem simples: que, apesar da evolução do Direito Internacional nos últimos anos,

principalmente devido à criação de instituições organizadas com o objetivo de resolver as

contovérsias, a questão da eficácia do Direito Internacional ainda não foi resolvida e continua

a gerar muitos debates no campo internacional.

Um desses autores foi Hans Kelsen (1881-1973). Ele é considerado um dos maiores

juristas do século XX e deixou uma vasta obra, dentre suas publicações destaca-se a Teoria

Pura do Direito. Nesta obra, Kelsen destina um capítulo específico para o estudo do Direito

Internacional, no qual afirma que a principal diferença entre o Direito Interestatal e o direito

interno, incide no grau de centralização ou descentralização155. O autor explica mais

detalhadamente em outra obra sua, intitulada “Teoria Geral do Direito e do Estado”, que a

centralização da aplicação do direito, resulta do fato de [...] “existirem órgãos judiciários

centrais competentes para estabelecer o delito e ordenar e executar a sanção”156. Ele afirma,

ainda, que:

É igualmente por meio do grau de centralização que o Estado se distingue da comunidade jurídica inter ou supra-estatal constituída pela ordem jurídica internacional. O Direito internacional, comparado com o direito nacional, é uma

154 PIOVESAN, Flávia. Implementação das obrigações, standards e parâmetros internacionais de direitos humanos no âmbito intragovernamental e federativo. Disponível em: <http://www.internationaljusticeproject.org/pdfs/Piovesan-speech.pdf>. Acesso em: 14 abr 2008 (publicação sem número de página). 155 KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 357-358. 156 KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. Trad. Luís Carlos Borges. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 463.

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ordem jurídica mais descentralizada. Ele apresenta o mais elevado grau de descentralização encontrado no direito positivo.157

Devido a esse alto grau de descentralização, ou seja, à ausência de qualquer poder

constituído e de meios coletivamente organizados para obrigar os Estados a cumprir com suas

obrigações, Kelsen afirma que “ [...] o Direito Internacional geral é um Direito Primitivo,

como se evidencia, dentre outros modos, pela sua carência absoluta de um órgão particular

encarregado de aplicar normas jurídicas a um caso concreto”158. O autor admite a existência

de sanções no Direito Internacional, no entanto, elas são aplicadas individualmente pelos

Estados e podem consistir em guerras e retaliações.

Outros autores, como Anthony D’Amato, sustentam que existem sanções, porém estas

não são impostas pela força. Sua idéia é a de que o descumprimento por um Estado de normas

internacionais gera uma espécie de “crédito” a favor do Estado lesado159. O conceito que

subjaz a essa explicação é a noção estrita de reciprocidade, também levantada como fator de

motivação para que os EUA cumprissem as decisões da CIJ sobre proteção consular160.

Por outro lado, Hart admite que faltam sanções ao Direito Internacional, entretanto,

sustenta que a lei não precisa ser definida em termos de coerção:

Mas apenas porque estas verdades evidentes, que valem para os indivíduos, não valem para os Estados e o pano de fundo factual do direito internacional é tão diferente do direito interno, não existe uma necessidade semelhante de sanções (por mais desejável que possa se que o direito internacional se deva apoiar nelas), nem existe uma expectativa semelhante do seu uso seguro e eficaz.161

Hart discute ainda uma das mais perplexas afirmações, segundo ele, a de que, face à

ausência de um poder superior para impor as sanções, as regras de Direito Internacional não

seriam impositivas, ou seja, obrigatórias aos Estados. Segundo ele, quando os Estados não

acatam as regras do Direito interestatal, não o fazem sob o argumento de que não são

obrigatórias, pelo contrário, fazem-se esforços para escamotear os fatos, além do mais,

quando uma regra é violada, há não só os pedidos de indenização, mas as represálias e as

medidas retaliatórias. Dessa forma, Hart conclui que “a prova da existência de regras

157 KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado, p. 463. 158 KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado, p. 481. 159 D’AMATO, Anthony. Is International Law Really Law? Northwestern Law Review, v. 79, 1985. p. 1293-1314. 160 Cf. REQUENA CASANOVA, Millán. La protección efectiva de los derechos consulares en el plano judicial: a propósito de la sentencia Avena (México c. Estados Unidos de América). Revista Española de Derecho Internacional, v. LVI-2004, n. 2, Julio-Diciembre, p. 777-792. De fato, as autoridades estadunidenses manifestaram esse gênero de preocupação em alguns pronunciamentos oficiais. Cf. WEILAND, S. Ob. cit. 161 HART, Herbert L. A. O Conceito de Direito. Trad. A. Ribeiro Mendes. 4.ed. São Paulo: Livraria dos Advogados, 2005. p. 235. No mesmo sentido: BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica. Trad. Williams Gonçalves. São Paulo: Universidade de Brasília, 2002. p. 153.

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vinculativas em qualquer sociedade consiste simplesmente no facto de que são pensadas,

referidas e funcionam como tal”162.

Dessa forma, percebe-se que a estrutura jurídica do sistema internacional provoca

discussões entre renomados autores. Questiona-se o papel e a eficácia do Direito Internacional

como meio regulador da conduta dos Estados no plano internacional. O que merece ser

ressaltado é que embora não haja no Direito Internacional mecanismos capazes de impor o

respeito as suas normas ou decisões, os Estados preocupam-se em cumprí-las. Não é racional

que algum país queira ser demandado internacionalmente, em virtude do descumprimento de

suas obrigações, porque os Estados têm interesse em evitar a aplicação de sanções, para não

perder a sua credibilidade internacional. Note-se, inclusive, que algumas autoridades

estadunidenses manifestaram seu temor em relação ao efeito que o desacato à ordem da CIJ

poderia causar sobre o país e sobre o direito dos cidadãos americanos de comunicaram-se com

as autoridades de seu país, quando estiverem forem presos no exterior163. Ademais, os EUA,

após as acusações de violação do direito de proteção consular, fizeram amplas campanhas,

com a distribuição de panfletos, para divulgar esse direito aos estrangeiros e ás autoridades

estadunidenses, como forma de evitar novas violações a CVRC.

Por fim, pode-se afirmar que, apesar do alto índice de consentimento dos Estados com

as decisões proferidas por cortes internacionais, a falta de um poder para assegurar o seu

cumprimento revela um ponto frágil do Direito Internacional. É devido a ausência desse poder

que muitos autores criticam o poder sancionatório e coercitivo do Direito Internacional. Em

decorrência da estrutura do sistema jurídico interestatal, é preciso que o Direito Internacional

desperte interesses substanciais nos Estados para que estes se convençam da importância do

respeito às normas e sentenças internacionais, já que serão eles os responsáveis pelo

cumprimento das decisões.

162 HART, Herbert L. A. O Conceito de Direito, p. 247. 163 AMNESTÍA INTERNACIONAL. La ejecución de Ángel Breard- Las disculpas no bastan. Disponível em: <http://web.amnesty.org/library/Index/ESLAMR510271998>. Acesso em: 25 maio 2008.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os estrangeiros, quando presos em um país do qual não são nacionais, devem, de fato,

ter a oportunidade de se comunicarem com o posto consular de seu país. Não apenas porque o

direito de proteção consular decorre de uma obrigação legal, imposta por um tratado

internacional, mas também porque esse direito tem relação com os direitos humanos. O direito

de proteção consular garante aos estrangeiros que estão em uma situação de desvantagem –

porque, na maioria das vezes, não conhecem o idioma e seus direitos legais no país onde estão

presos – o respeito a princípios muito importantes, como o contraditório e a ampla defesa.

Sobretudo nos processos penais, cujos crimes envolvem a pena de morte, o Estado deve

garantir e proporcionar aos réus amplas oportunidades de defesa, pois caso contrário estaria

privando a vida do indivíduo de forma arbitrária. Neste sentido, o direito de proteção consular

assume importância porque busca amenizar esse desequilíbrio entre nacionais e estrangeiros.

O auxílio prestado pelos cônsules aos seus nacionais tem a finalidade de defendê-los contra

arbitrariedades e ilegalidades que possam ocorrer durante todo o andamento processual.

A violação desse direito pode ocasionar uma série de dificuldades e conseqüências

aos estrangeiros, como pôde ser constatado nos casos emitidos à Corte Internacional de

Justiça. De fato, as decisões proferidas pela Corte no caso de descumprimento do direito de

proteção consular não foram plenamente eficazes. Elas pretendiam alcançar uma solução para

aqueles nacionais que foram privados do direito assegurado na Convenção de Viena sobre

Relações Consulares. No entanto, o país responsável pelo cumprimento das decisões alegou

dificuldades para implementá-las e, em muitos casos, não conseguiu efetivar as determinações

impostas pela Corte. Percebe-se que os óbices encontrados pelos EUA não foram meras

desculpas para não acatar as ordens da Corte, mas foram dificuldades substanciais. A revisão

processual tal como foi determinada, esbarrou em regras internas estadunidenses, como o

prequestionamento, o princípio da separação dos poderes e a questão do federalismo, o que

não permitiu a adoção das decisões.

Mesmo que as decisões do órgão judiciário das Nações Unidas não tenham sido

inteiramente eficazes, elas merecem considerações pois ressaltam a importância e a

obrigatoriedade de cumprimento do direito de proteção consular. Essas decisões, embora

tenham aplicação apenas para os casos e as partes envolvidas na demanda, servem de

orientação para os casos futuros de violação aos direitos dos estrangeiros.

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No entanto, o descumprimento das decisões pelos Estados Unidos não coloca em

dúvida o papel da Corte Internacional de Justiça. Ao contrário, a Corte tem mobilizado um

grande volume crescente de casos de controvérsias internacionais, o que demonstra o

reconhecimento da comunidade internacional da função indispensável que ela é chamada a

desempenhar na construção da paz entre os Estados. Por sua vez, o que é posto em xeque é a

eficácia do sistema internacional como um todo. Isso porque não há mecanismos coletivos,

independentes dos Estados, capazes de impor aos Estados o cumprimento das normas e

decisões internacionais, isto é, o Direito Internacional não possui agentes para seu

cumprimento, exceto os próprios Estados.

Isto não quer dizer que não há sanções na esfera internacional para os países que

descumprem as suas normas e decisões. É preciso salientar que as sanções existem, no

entanto, elas são aplicadas pelos próprios Estados, por meio, por exemplo, de guerras e

retaliações. Algumas organizações internacionais prevêem ainda a adoção de medidas mais

enérgicas para forçar os Estados a respeitar as suas decisões, como é o caso das Nações

Unidas. Todavia, pôde-se perceber que, devido a questões políticas e econômicas, tais

medidas não são, na maioria dos casos, aplicadas.

Sendo assim, como o cumprimento das decisões internacionais depende dos próprios

Estados, e se a ineficácia das decisões sobre o direito de proteção consular deveu-se,

principalmente, ao conflito entre normas internas e normas internacionais, é imperioso que

haja uma maior aproximação entre o Direito Interno e o Direito Internacional. Neste sentido,

também é importante a criação pelos países de mecanismos internos que regulem as regras e

formas para implementação das decisões internacionais, pois é no cumprimento espontâneo

das obrigações assumidas em tratados internacionais que se alicerça a ordem jurídica

internacional e assegura-se os ideais de segurança, justiça e paz.

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REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS

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