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1 A Emergência de Padrões Fonológicos: A Aquisição dos Ditongos Decrescentes Orais do PB Aline Rodrigues Benayon Dissertação de Mestrado em Lingüística apresentada à Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Lingüística da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Orientadora: Profª. Drª. Christina Abreu Gomes. Rio de Janeiro 2006

A Emergência de Padrões Fonológicos: A Aquisição dos ...DEFESA DE DISSERTAÇÃO BENAYON, Aline Rodrigues. A Emergência de Padrões Fonológicos: A Aquisição dos Ditongos Decrescentes

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A Emergência de Padrões Fonológicos: A Aquisição dos Ditongos Decrescentes Orais do PB

Aline Rodrigues Benayon

Dissertação de Mestrado em Lingüística apresentada à Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Lingüística da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Orientadora: Profª. Drª. Christina Abreu Gomes.

Rio de Janeiro

2006

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Aline Rodrigues Benayon

A Emergência de Padrões Fonológicos: A Aquisição dos Ditongos Decrescentes Orais do PB

Dissertação de Mestrado em Lingüística apresentada à Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Lingüística, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Lingüística. Orientadora: Profª. Drª. Christina Abreu Gomes.

Rio de Janeiro

2006

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DEFESA DE DISSERTAÇÃO

BENAYON, Aline Rodrigues. A Emergência de Padrões Fonológicos: A Aquisição dos Ditongos Decrescentes Orais do PB. Rio de Janeiro, UFRJ, Faculdade de Letras, 2006. Dissertação de Mestrado em Lingüística.

BANCA EXAMINADORA Professora Doutora Christina Abreu Gomes- UFRJ Orientadora Professor Doutor Carlos Alexandre V. Gonçalves - Programa de Letras Vernáculas - UFRJ Professora Doutora Myrian Azevedo de Freitas - UFRJ Professora Doutora Maria da Conceição de Paiva - UFRJ Professora Doutora Cláudia Nívia Roncarati de Souza - UFF Defendida a Dissertação: Conceito: Em: / /2006

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A Deus,

pela vida.

A meu pai, exemplo maior de sabedoria e persistência.

A minha mãe,

que, com apoio irrestrito e amor incondicional, me transmitiu a força necessária para essa vitória.

Dedico esta dissertação com todo amor.

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AGRADECIMENTOS

À professora doutora Christina Abreu Gomes, orientadora admirável, pelo incentivo e confiança constante e, sobretudo, pela seriedade profissional. À professora doutora Cláudia Nívea Roncarati de Souza por ter lançado e semeado em mim a semente do apreço à pesquisa. A Vitor, meu amor, pela paciência a minhas crises de mau-humor, compreensão nos momentos de ausência e pelas alegrias proporcionadas. A meus irmãos Fabrício e Eduardo, grandes amigos, pela presença e ajuda nas “brigas” com o computador. A minhas amigas Natália Lopes Ramos Maia e Márcia Cristina Pontes Vieira, companheiras desta jornada, pelos sonhos e lutas compartilhados. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior – CAPES, pelo apoio financeiro durante a realização desta pesquisa.

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“A sciencia humana não nasceu do cérebro d’um só homem: um inventou-a, outros engrandeceram-n’a e ainda outros vulgarisaram-n’a; os progressos da sciencia são sempre lentos e são obras dos séculos. E, por assim dizer, um edifício que tem sempre falta d’alguma coisa; é uma obra que nunca está complecta. Não obstante isto, há sempre necessidade de augmentar e engrandecer a sciencia, seja qual for a sua natureza, seja qual for o seu fim, principiando pelos ponctos em que outros a deixaram.” (Francisco José Monteiro Leite – Subsídios para o estudo da Língua Portugueza, 2ª ed. Porto, Livraria Portuense de Clavel & C.- Editores, 1882, p.XII)

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BENAYON, Aline Rodrigues. A Emergência de Padrões Fonológicos: A Aquisição dos Ditongos Decrescentes Orais do PB. Rio de Janeiro, UFRJ, Faculdade de Letras, 2006. Dissertação de Mestrado em Lingüística.

Resumo

O objeto deste estudo é a aquisição de núcleos silábicos complexos, especificamente de ditongos decrescentes orais do português brasileiro a partir dos postulados da Fonologia de Uso (Bybee, 2001) e da Fonologia Probabilística (Pierrehumbert, 2003).

A dissertação dividiu-se em três etapas: verificação da proposta de Bonilha (2003), desenvolvida dentro da teoria da otimalidade, que propõe um ranqueamento de restrições fonéticas e silábicas para aquisição dos ditongos; análise das freqüências de tipos de ditongos e do status morfológico das palavras na aquisição e análise da variabilidade entre [ey] ~ [e] e [ay] ~ [a]. Para tal, constitui-se uma amostra da fala de crianças em idade pré-escolar, que foi dividida em oito faixas etárias (2; 2:3; 2:7; 3; 3:3; 3:7; 4; 4:6).

Os dados apontam os seguintes resultados: a aquisição dos diversos tipos de ditongos não é explicada apenas por aspectos fonológicos, mas também pela freqüência de itens lexicais; os ditongos com freqüência de token alta, como /aw/ e /ew/ são adquiridos primeiro que os de freqüência mais baixa; o status morfológico das palavras parece influenciar a aquisição de certos ditongos. Assim, [єj] presente na forma plural dos substantivos terminados em – el, (anel, papel), possivelmente, depende da aquisição desse plural. Já em relação ao estudo da variação, observou-se que o uso da forma monotongada é quase categórico. Daí, postula-se que as redes de conexões de /ey/ e /ay/ em contexto variável são fracas, já que as crianças mais novas ainda não adquiriram um número considerável de itens lexicais que o possuem, impossibilitando a generalização deste padrão. As crianças mais velhas aumentam o uso da forma ditongada, o que possibilita dizer que mais itens foram adquiridos, tornando as conexões mais fortes a ponto de ocorrer o reforço desse ditongo. Há evidências de que as crianças adquirem a distribuição dos contextos de ocorrência das variantes, incluindo as restrições fonotáticas e os contextos variáveis da fala dos adultos. Palavras-chaves: AQUISIÇÃO, FONOLOGIA PROBABILÍSTICA, FONOLOGIA DE USO E VARIAÇÃO.

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BENAYON, Aline Rodrigues. A Emergência de Padrões Fonológicos: A Aquisição dos Ditongos Decrescentes Orais do PB. Rio de Janeiro, UFRJ, Faculdade de Letras, 2006. Dissertação de Mestrado em Lingüística.

Abstract

The object of this study is the acquisition of complex syllabic nucleous, specifically of decreasing vocal diphthong of the Brazilian Portuguese from the postulates of the Usage- based fonology (Bybee, 2001) and of the Probabilist Fonology (Pierrehumbert, 2003).

The dissertação was divided in three stages: verification of the proposal of Bonilha (2000), developed inside of the theory of the otimalidade, that considers a hierarchy of phonetic and syllabic restrictions for acquisition of the diphthongs; analysis of the frequencies of types of diphthong and of the morphologic status of the words in the acquisition and analysis of the variability between [ey] ~ [e] e [ay] ~ [a]. For such, one representative sample of speaks of the child was constituted.

Results point the following results: the acquisition of the diverse types of diphthong is not explained only by fonologycs aspects, but also by the frequency of itens lexical; the diphthong with high frequency of token, as /aw/ and /ew/ are acquired first that of frequency the lowest one; the morphologic status of the words seems to influence the acquisition of certain diphthongs. Thus, /εj/ presents in the plural form of the substantives finished in - el, (anel, papel), possibly, depends on the acquisition of this plural one. Already in relation to the study of the variation, it was observed that the use of the monotongada form is almost categorical. From there, one claims that the nets of connections of [ey] e [ay] in changeable context are weak, since the lexical children new had still not acquired a considerable number of itens that they possess it, disabling the generalization of this standard. The children oldest increase the use of the ditongada form, what she makes possible to say that more itens had been acquired, becoming the connections strongest the point to occur the reinforcement of this diphthong. The monothongs, however, also are generalized from the use and, therefore, they would be represented. Keywords: ACQUISITION, PROBABILISTIC PHONOLOGY, USED PHONOLOGY, VARIATION

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SINOPSE

Aquisição dos ditongos decrescentes orais. Modelos Multirepresentacionais - Fonologia de Uso e Fonologia Probabilística. Freqüências de tipo e de ocorrência. Aquisição da variação estruturada.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO---------------------------------------------------------------------------------- 11 2. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS -------------------------------------------------------------- 14 2.1 Introdução 2.2 A contextualização dos Modelos Multirepresentacionais

2.3 As propostas dos Modelos Multirepresentacionais 2.3.1 Os pressupostos teóricos dos Modelos Multirepresentacionais

2.4 Principais confrontos com os postulados do Gerativismo 2.5 A Aquisição da variação estruturada

2.5.1 A fala das crianças: um reflexo da variação estruturada da comunidade adulta

2.5.2 Resultados obtidos pelos primeiros trabalhos sobre a variação lingüística da criança

2.5.3 O papel do input lingüístico na aquisição da variação 2.5.4 Child Direct Speech- CDS

2.6 Considerações finais

3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ---------------------------------------------------------------48

3.1 Introdução 3.2 A proposta de Mattoso Câmara Jr. 3.3 A proposta de Leda Bisol

3.3.1 Fonologia não- linear 3.3.1.1 Teoria Autossegmental 3.3.1.2 Teoria da sílaba 3.3.2 Ditongos decrescentes segundo Bisol

3.4 Discussão sobre as representações dos ditongos decrescentes 3.5 Abordagens variacionistas sobre os ditongos decrescentes orais 3.6 Aquisição dos ditongos decrescentes orais

3.6.1 Pressupostos básicos da T.O 3.6.2 A proposta da T.O em relação à aquisição

3.7 Os estágios de aquisição dos ditongos decrescentes orais 3.7.1 Estágio I 3.7.2 Estágio II 3.7.3 Estágio III 3.7.4 Estágio IV

3.8 Escala aquisitiva dos ditongos 3.9 Considerações Finais

4. METODOLOGIA, OBJETIVOS E HIPÓTESES DE PESQUISA -------------------94

4.1 Metodologia e Amostras 4.2 Objetivos e hipóteses

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5. ANÁLISE DOS DADOS ----------------------------------------------------------------------- 105

5.1 Introdução 5.2 Aquisição dos ditongos decrescentes orais categóricos

5.2.1 Freqüência de tipo na comunidade de fala adulta 5.2.2 Freqüência de ocorrência na comunidade de fala adulta

5.3 Aquisição dos núcleos complexos 5.3.1 Freqüência de tipo 5.3.2 Freqüência de ocorrência

5.4 Aquisição dos ditongos variáveis [ey] e [ay] 5.4.1 A realização variável da semivogal [y] na fala das crianças

5.5 Considerações finais

6. CONCLUSÃO ------------------------------------------------------------------------------135 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS-----------------------------------------------------141 8. ANEXOS-----------------------------------------------------------------------------------------150

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Introdução

Os modelos fonológicos da Lingüística Moderna baseiam-se na visão da

categoricidade do sistema lingüístico. Na verdade, postula-se que a representação fonológica

do conhecimento implícito dos falantes é única e categórica. Somente através da noção de

regras, processos ou restrições, um conjunto de representações fonéticas relaciona-se a uma

única representação lingüística. Até mesmo os trabalhos dentro da teoria da variação, que

formula a proposição de que a variação é inerente ao sistema, adotaram, de forma implícita ou

explícita, a concepção de representação única ao entender a “regra variável” ou variação

lingüística como um processo, tal qual o gerativismo postulou.

Em contrapartida, essas pesquisas no campo da variação, mesmo por via processo,

também têm fornecido evidências, juntamente com a contribuição de estudos da área da

psicologia e da aquisição, que apontam para uma natureza probabilística da organização da

estrutura lingüística, uma vez que identificam as tendências de ocorrência de variantes

correlacionadas a aspectos lingüísticos e sociais.

Diante disso, esta pesquisa adota as proposições da multirepresentacionalidade das

formas lingüísticas e do gerenciamento probabilístico da organização do sistema lingüístico, a

partir dos pressupostos da Lingüística Probabilística – Probabilistic Linguistic-

(Pierrehumbert, 2003) e dos Modelos baseados no Uso – Usage based models - (Bybee, 2001)

que concebem a estrutura lingüística como plástica e dinâmica.

O objeto deste estudo é a aquisição dos ditongos decrescentes orais. Aquisição por se

julgar que o desenvolvimento lingüístico da criança reflete mais claramente a organização

probabilística do sistema, principalmente, o papel da freqüência de uso de palavras

(freqüência de ocorrência) e de padrões lingüísticos (freqüência de tipo) na estruturação da

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gramática interna do falante. Além disso, esta pesquisa considera também a postulação de que

se a variação estruturada é inerente ao sistema, essa variabilidade deve ser adquirida desde os

primeiros anos de vida. A esses estudos convencionou-se a chamar de aquisição da variação

estruturada.

Os ditongos orais decrescentes do português brasileiro foram amplamente estudados

sob diversas óticas teóricas. Esses estudos se delinearam, basicamente, de acordo com três

vertentes principais: Teoria Autossegmental, através da discussão sobre as representações

fonológica e fonética (Bisol, 1989, 1992, 1994 e Gonçalves, 1995, 1997); Sociolingüística e

sua análise sobre uso variável de [ey], [ay] e [ow] (Paiva, 1986, 2003, Paladino Neto, 1990) e

Teoria da Otimidade (Bonilha, 2003, 2004), focalizando o processo aquisitivo dos núcleos

complexos.

Esta dissertação está organizada da seguinte forma: no capítulo II, abordamos os

pressupostos teóricos que servirão para a fundamentação da análise e interpretação dos

resultados. Esse capítulo subdivide-se em duas seções principais: a primeira focaliza

especificamente os postulados dos Modelos Multirepresentacionais; a segunda, por sua vez,

volta-se para os postulados dos estudos sobre aquisição da variação estruturada.

No capítulo III, encontra-se a síntese dos trabalhos mais relevantes sobre os ditongos

decrescentes orais. No quarto capítulo, definimos as amostras constituídas e utilizadas e os

procedimentos metodológicos adotados no tratamento dos dados.

O quinto capítulo constitui o cerne desta dissertação. Esse capítulo divide-se em duas

partes principais: aquisição dos ditongos decrescentes orais categóricos, cujo enfoque volta-se

para o estudo das freqüências de ocorrência e de tipo, e aquisição dos ditongos decrescentes

orais variáveis, que tem como objetivo principal verificar como se dá a aquisição de [ey]~[e]

e [ay]~[a]. No capítulo VI, faremos uma retomada dos pontos mais salientes dos resultados

encontrados anteriormente, correlacionando-os com os pressupostos teóricos pertinentes.

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Cremos na relevância de um trabalho desta natureza, uma vez que ele pode contribuir,

empiricamente, para observarmos a relevância real dos novos postulados estabelecidos dentro

da lingüística e, conseqüentemente, ampliar o conjunto de trabalhos já realizados nesta linha.

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Capítulo II

Pressupostos Teóricos

2.1 Introdução

Este capítulo aborda os pressupostos dos Modelos Multirepresentacionais,

especialmente os da Teoria de Exemplares (Pierrehumbert, 2003) e os do Modelo baseado no

Uso (Bybee, 2001), a fim de destacar as contribuições dessas propostas à compreensão do

comportamento dos sistemas sonoros das línguas. Posteriormente, discutem-se os principais

confrontos entre esses postulados e os do Gerativismo. Na segunda parte deste capítulo, serão

abordados os resultados pertinentes encontrados nos estudos sobre a aquisição da variação

estruturada.

2.2 A contextualização dos Modelos Multirepresentacionais

O primado da categoricidade do sistema ou da invariância da gramática data do

estruturalismo lingüístico. A partir da dicotomia langue e parole, houve a vinculação entre

sistema e homogeneidade, e estrutura e sincronia. Assim, a lingüística saussuriana definiu a

homogeneidade do sistema lingüístico como pré-requisito para a análise lingüística.

Em sintonia com Sausurre, “la langue” seria o próprio sistema lingüístico, visto que

conteria todas as regras fonológicas, morfológicas, sintáticas e semânticas que determinariam

o emprego dos sons, das formas e das relações sintáticas necessárias para a comunicação.

Com base nessa visão, defendeu-se uma separação de tudo que seria interno e, portanto,

pertencente ao sistema, daqueles que seriam os fatores externos, histórico-culturais, que

condicionariam, de certa forma, esse sistema (Lopes, 1977:77).

Na verdade, a língua constituiria um conceito social (Saussure, 1993:22), na medida

que seria determinada não somente por um indivíduo, mas pelo grupo social a que esse

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indivíduo pertence, sendo, então, considerada como um conjunto de convenções necessárias

adotadas por esse corpo social para que a comunicação seja possível. Dessa forma, por a

língua ser um bem coletivo, já estaria pré-estabelecida a cada indivíduo de uma comunidade

específica.

Considerando que todos os falantes de uma sociedade possuem em suas consciências um

conjunto de palavras e de regras gramaticais, cada indivíduo tem a liberdade de escolher as

formas que melhor o servem durante o ato comunicativo. Aparece, então, o conceito de

“parole” (fala ou discurso) que é definida como a manifestação individual e concreta da

langue em cada situação comunicativa (Lopes, 1977:77).

A dicotomia “langue”, sistema lingüístico, e “parole”, possíveis usos da língua,

estabeleceu uma profunda lacuna entre esses dois termos lingüísticos, fato este que se refletiu

nos estudos e pesquisas baseados nessa perspectiva. Para o estruturalismo, ao se separar a

língua da fala, separa-se ao mesmo tempo o que é social do que é individual e, também, o que

é essencial do que é acessório e mais ou menos acidental. (Cf.: Saussure, 1993: 22). A língua,

distinta da fala, era considerada como um objeto suscetível de estudo isolado, já que por ter

natureza homogênea e ser um contrato social, o falante não pode modificá-la. Isso a opõe à

fala, que seria heterogênea. Dessa forma, enraizaram-se as postulações de que a língua é

invariável e a de que a fala está aberta a todos os tipos de variações. Assim, os lingüistas

poderiam depreender a língua homogênea através da análise de um ou dois informantes ou até

de si próprio. Por outro lado, os dados da fala poderiam somente ser obtidos examinando o

comportamento dos indivíduos ao usarem efetivamente a língua. Vale lembrar que esse tipo

de pesquisa foi marginalizado completamente.

O estudo da língua, entendida como um sistema homogêneo e invariável disponível a

todo falante que é membro de uma sociedade, recebeu ímpeto novo na teoria Gerativa que re-

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enfatizou a dicotomia de Saussure ao opor competência - conhecimento abstrato das regras da

língua ao desempenho - seleção e execução destas regras.

Chomsky, na década de 50, postulou que a gramática do indivíduo teria a função de

gerar todas e somente as orações de uma determinada língua, através da aplicação de uma

sucessão de regras abstratas (Cf.: Novaes, 1996). Daí, pode-se dizer que uma gramática

gerativa é a projeção de um dado conjunto de orações que constituem uma língua específica,

sendo essencial para uma descrição lingüística, a explicitação dessas regras e as suas

condições de operacionalidade. Vale destacar que estudos posteriores (princípios e

parâmetros) determinaram que a forma dessas regras é regida por princípios gerais, que por

sua vez, são considerados comuns a todas as línguas e biologicamente determinados (inatos)

(Cf.: Lyons, 1972: 27-29).

Sabe-se que esse conhecimento representado no cérebro dos indivíduos que conhecem

(falam/entendem) uma língua, permitindo a produção de sentenças bem formadas é chamado

de competência lingüística. A essa noção se opõe aquela de desempenho lingüístico que, por

sua vez, seria o uso que o falante faz de seu conhecimento lingüístico. Essa dicotomia

desempenha um papel crucial nesta teoria, uma vez que é através dela que se explicariam as

ocorrências de orações agramaticais (ou mal-formadas), no sentido de que esses casos são

apontados como erros de desempenho, isto é, erros feitos na aplicação das regras. A gramática

gerativa claramente estabelece como seu objeto de estudo a competência lingüística, vista

como homogênea e invariável.

Desenvolveu-se, no início da década de 60, a Teoria da Variação ou Sociolingüística

Variacionista, como reação do primado da categoricidade, com o objetivo de explicar a

mudança lingüística e a variabilidade encontrada na língua em uso pelos falantes de uma

comunidade de fala.

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Entende-se por variação ou regra variável, a alternância de duas ou mais formas

lingüísticas consideradas equivalentes, as chamadas variantes. Podemos encontrá-las na

fonologia, como em peixe/ pexe (ditongo e vogal simples), na morfologia, como nos casos de

pego/pegado (particípio duplo), eles estudam/ eles estuda (com concordância nominal ou não)

e na sintaxe, como nos exemplos Os estudantes vieram ver a peça. No entanto, saíram

desiludidos/ Os estudantes vieram ver a peça. No entanto, eles saíram desiludidos (sujeito

nulo/ sujeito pleno) e Chegaram as visitas/ as visitas chegaram (ordem verbo-sujeito e

sujeito- verbo). A correlação entre variação e mudança foi traduzida na máxima: mudança é

variação, embora nem toda variação seja processo de mudança (Cf. Gomes & Cristófaro-

Silva, 2004).

Vale lembrar que o conceito de variação sempre existiu tanto no Estruturalismo quanto

na Gramática Gerativa, mas, na primeira teoria, a variação era encontrada somente na parole e

as variantes eram tratadas como pertencentes a sistemas diferentes ou apenas como um caso

de “variação livre” do mesmo sistema, isto é, como um fato aleatório, sem nenhum fator

atuando sobre elas. No gerativismo, por sua vez, os fenômenos variáveis ocorriam devido à

aplicação de regras opcionais, ocorrendo somente nas estruturas de superfície, ou melhor, na

atuação do desempenho. A sociolingüística, por sua vez, amplia o papel da variação,

postulando que esta é inerente ao sistema lingüístico e que a heterogeneidade encontrada na

fala é estruturada (cf.: Labov, 1972). Essa formulação, então, rompeu a correlação entre

homogeneidade e estrutura.

É claro que ao se propor a heterogeneidade do sistema lingüístico, não se estava

afirmando que todos os elementos lingüísticos são variáveis. Haveria uma série de formas

categóricas que ocorria, indubitavelmente, sempre do mesmo modo e nos mesmos contextos,

devido a certas regras ou condições. Até mesmo a heterogeneidade não foi considerada

aleatória (como postulou o estruturalismo), mas sim regida por vários fatores que favorecem

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ou não o uso de uma ou outra forma da língua. Tais fatores, chamados de variáveis

independentes, podem ser internos ao sistema lingüístico ou externos a ele, como idade, sexo,

nível sócio-econômico e escolaridade.

Essa teoria, no entanto, apesar de, desde do início, afirmar que a variação é inerente

ao sistema lingüístico, não formulou uma arquitetura de gramática, isto é, não se questionou

como essa variação estaria representada e como o processo de mudança funcionaria na mente

humana. Na verdade, a sociolingüística, de certa forma, ficou dependente da correlação com

as teorias que tratam da organização mental da língua (Cf.: Cristófaro- Silva & Gomes, 2004).

Através desse breve histórico, observamos um aspecto curioso. O gerativismo,

interessado em desvendar a organização e estruturação lingüística na mente humana, fixou seu

olhar para o lado categórico e invariável da língua, desprezando, totalmente, o que o

desempenho poderia mostrar. Por outro lado, a sociolingüística, empenhada em provar que a

heterogeneidade pertencia não só à fala, mas também à língua, voltou-se para o estudo dos

usos variáveis, da mudança lingüística, dos preconceitos sociais imbutidos em alguns

fenômenos variáveis e do multilingüismo, desconsiderando a importância de se pensar como a

variação estaria representada na mente humana.

As pesquisas sociolingüísticas, no entanto, ao identificarem as tendências de

ocorrência de variantes relacionadas a aspectos estruturais e não-estruturais, forneceram,

juntamente com contribuições da psicolingüística, evidências para a proposição de uma

gramática probabilística que daria conta não só das formas categóricas, mas também da

variação na representação do conhecimento lingüístico, a partir de representações múltiplas (e

não mais únicas) de caráter gradual (e não mais discreto) inferidas do uso (Cf.: Cristófaro-

Silva & Gomes, 2004).

Parece-nos, então, importante analisarmos a real relevância da natureza probabilística

e multirepresentacional da organização do conhecimento lingüístico e incorporá-la aos

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estudos variacionistas. Na próxima seção, veremos como a variação sai do plano da fala e

entra no plano do conhecimento lingüístico, ao apresentarmos detalhadamente os postulados

das propostas multirepresentacionais.

2.3 As propostas dos Modelos Multirepresentacionais

Esta seção explicitará e discutirá as bases de uma vertente teórica que vem se

delineando nos estudos lingüísticos em oposição à visão da categoricidade do sistema

lingüístico. Os pressupostos teóricos a serem apresentados se caracterizam pela influência de

várias áreas da lingüística e da psicologia e, portanto, não constituem uma teoria fechada,

completa e suficiente em si. Essas propostas, então, relacionam-se a diversos rótulos, como

por exemplo, Lingüística Probabilística (Probabilistc Linguistics) ou Modelo baseado no Uso

(Usage- based model). Essas duas linhas compartilham a concepção de

multirepresentacionalidade das representações lingüísticas e a de dinamicidade das estruturas

lingüísticas.

Vimos, na seção anterior, que os novos modelos desenvolveram-se com o intuito de

formular uma arquitetura de gramática que conteria, além das formas categóricas, os usos

variáveis. Dessa forma, o seu real objetivo é explorar a natureza da relação entre os usos das

formas lingüísticas e suas armazenagens e processamentos na mente humana (Cf.: Bybee,

2001: 1). Na verdade, o interesse para tal proposta originou-se da seguinte formulação: se os

falantes lidam a todo o momento com a variação1, tanto na produção quanto na compreensão,

sem que isso interfira na comunicação, é porque, de alguma forma, tem-se uma representação

mental que permite esse fato. Como seria, então, esse conhecimento lingüístico? Vale

relembrar que as teorias anteriores – estruturalismo e gerativismo - trabalham com a máxima

1 Entendida, aqui, como um termo amplo que inclui tanto variações de processamento e percepção quanto em seus sentidos social e interacional, ou seja, a variação fundamentada em Labov.

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da categoricidade2, isto é, com a visão de que a gramática interna do falante é invariável. Se a

representação mental, no entanto, fosse categórica, teríamos, realmente, as variações na fala e

as diferentes manifestações do discurso? Assim, para o novo pressuposto defendido neste

trabalho, é preciso romper com a noção da homogeneidade absoluta do sistema lingüístico, a

fim de se analisar as verdadeiras contribuições dos usos da fala na estruturação mental.3

Para uma postulação de arquitetura de gramática, os modelos propostos recorreram a

evidências encontradas nos estudos desenvolvidos na área da psicologia, como por exemplo, o

modelo de exemplares. Pesquisas sobre percepção e categorização mostram que os seres

humanos categorizam entidades lingüísticas4 e não- lingüísticas através da comparação de

traços compartilhados entre os seus membros, que serão mais centrais ou mais marginais de

acordo com o número e a natureza desse compartilhamento de traços. Há, então, uma idéia de

gradiência, já que os membros da categoria não precisam possuir todos os traços possíveis

(Cf. Bybee, 2001: 3). Pode-se dizer, então, que o resultado dessas pesquisas aponta para uma

nova visão de língua, visto que se opõe à noção de que as categorias lingüísticas são discretas,

isto é, baseadas na presença ou ausência dos traços.

Vale destacar que o modelo de exemplares, introduzido primeiramente na psicologia

como um modelo de categorização, foi estendido, posteriormente, para a área da Lingüística.

Johnson e Mullenix (1997), responsáveis por essa transposição, postularam que, na

representação mental do falante/ouvinte, as palavras seriam categorizadas sem que as

informações previsíveis fossem extraídas, o que permitiria que ocorrências memorizadas

fossem submetidas a mais de uma categorização. Dentro dessa proposta, Pierrehumbert (2001,

2003), que vem contribuindo de forma significativa para o fortalecimento da teoria de

2 Sem dúvida há um grande valor na distinção entre as representações mentais e as atividades sociais, pois permitiu o desenvolvimento da lingüística e a formulação de vários postulados pertinentes. 3 Vale mencionar que a Lingüística Cognitiva apresenta alguns pressupostos semelhantes ao do Modelo de Exemplares. 4 As entidades lingüísticas podem ser as classes gramaticais tal como o gênero, as classes verbais, as funções gramaticais, como sujeito e tópico e entidades fonéticas.

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exemplares, considera que as categorias lingüísticas seriam representadas na mente por uma

nuvem de ocorrências memorizadas dessas categorias e, portanto, muitas ocorrências seriam

variantes. Assim, se o conhecimento lingüístico envolve categorias variáveis, suas

representações devem ser probabilísticas.

A organização mental, por sua vez, consistiria em um mapa cognitivo, em que

memórias de instâncias semelhantes estariam próximas e memórias de instâncias diferentes

estariam distantes (Cf.: Pierrehumbert, 2001: 3). A cada item a ser categorizado, haveria a

comparação de suas propriedades às propriedades de cada exemplar. Daí, há a postulação de

que as categorizações ocorreriam de acordo com os itens já existentes. Além disso, a

freqüência desempenharia um papel importantíssimo no armazenamento de exemplares, uma

vez que as palavras mais freqüentes seriam representadas por mais exemplares e, portanto,

possuiriam nuvens de exemplares mais densas.

Outro fator que contribuiu e reforçou o desenvolvimento do pensamento teórico

descrito aqui foi o avanço de modelos computacionais capazes de reproduzir um

comportamento probabilístico da mente, utilizando um paralelo processo distributivo. Em tais

modelos, denominados conexionistas, a estrutura mental (no sentido de organização) não é

fornecida, isto é, não é inata, mas recebe suas formas da natureza do input, ou seja, das formas

encontradas no uso. Muitos pesquisadores, então, como Langacker (1987) e Ohala & Ohala

(1995) propõem que a armazenagem da percepção lingüística deve ser como a armazenagem

das outras percepções mentais. Além desse fator, tem-se o desenvolvimento da noção de

emergência dos sistemas complexos, vista como a criação gradual de uma estrutura (entendida

como forma) através da aplicação repetida de certas propriedades simples e de natureza

independente (Cf.:Lindblom et al., 1984: 185-186).

Através dessas contribuições ao estudo lingüístico e de resultados empíricos

pertinentes de várias pesquisas, estabeleceu-se os pressupostos teóricos dos modelos

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multirepresentacionais. Na subseção seguinte, apresentaremos, então, o construto teórico

desenvolvido de acordo com a proposta das representações lingüísticas múltiplas.

2.3.1 Os pressupostos teóricos dos Modelos Multirepresentacionais

A seguir, serão expostos os princípios básicos dos Modelos Multirepresentacionais.

Para tal, tomaremos como base a exposição de Bybee (2001: 6) em relação ao Modelo

baseado no Uso.

1) A experiência afeta a representação: o uso e os padrões de produção e percepção afetam a representação da memória.

Para essa vertente teórica, se realmente há uma relação potencial entre a estruturação

mental e os usos lingüísticos, certamente é possível que o modo como a língua é usada afete o

modo como ela é representada cognitivamente e, então, o modo como ela é estruturada (Cf.:

Bybee, 2001:5). Assim, postula-se que a freqüência com que certas palavras e frases são

usadas (token frequency- freqüência de ocorrência) e a freqüência com que certos padrões

lingüísticos ocorrem repetidamente (type frequency- freqüência de tipo) afetam a natureza da

representação.

A freqüência de ocorrência se refere a quantas vezes uma unidade, normalmente uma

palavra, ocorre em uma amostra oral ou escrita. Há dois efeitos fundamentais ocasionados por

ela: o primeiro refere-se a mudança foneticamente motivada que progride mais rapidamente

nas palavras mais freqüentes. Isto é, quanto mais uma palavra é usada, mais chances ela tem

de ser modificada. O outro se relaciona com a categorização dos itens lexicais na mente, já

que as palavras mais freqüentes são mais resistentes a mudanças que ocorrem por

generalização. Isto quer dizer que quanto mais uma palavra é usada, mais facilmente será

acessada na mente, mais forte será sua armazenagem e, portanto, mais difícil de ser atingida

por uma mudança de nivelamento analógico. Um exemplo deste segundo efeito pode ser

observado no estudo de Bybee (1995) relativo à flexão verbal irregular do inglês. A autora

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observou que os verbos irregulares mais freqüentes serão mais resistentes a mudanças, como

broke, enquanto os menos freqüentes tendem a se regularizar, como os casos de weep

(weeped/wept) e creap (creaped/ crept).

A freqüência de tipo se refere à freqüência de dicionário (léxico) de um padrão

particular, como por exemplo, sufixos, marca de plural e ditongos. O efeito desta freqüência

recai diretamente na produtividade de determinados padrões lingüísticos, no sentido de que

quanto mais freqüente for um padrão, maior a sua probabilidade de aplicação a novos itens no

léxico. Guillaume (1973, apud Bybee, 1995), por exemplo, observou que as inovações de

formas verbais criadas por crianças francesas no período aquisitivo envolvem mais o uso da 1ª

conjugação se comparado a fala dos adultos. Através da contagem dos verbos coletados da

amostra, postulou-se que as crianças não generalizaram a forma verbal mais freqüente, mas a

classe que tinha a mais alta freqüência de tipo. Além disso, na fala dos adultos, a 1ª

conjugação é a mais usada para flexionar novos verbos.

2) A representação mental dos objetos lingüísticos tem a mesma representação mental de outros objetos não - lingüísticos.

Uma postulação básica é que os processos e princípios cognitivos e psicológicos que

governam a língua não são específicos para a língua, mas são em geral os mesmos que

governam outros aspectos da cognição humana e do comportamento social. Nossa enorme

capacidade de memória, controle motor, habilidade de categorizar experiências e de fazer

inferências podem ser bem afinadas para a língua, mas são todos claramente usados em outros

domínios. Vale destacar que essa visão baseou-se em pesquisas na área da psicologia, como

as de Eleanos Rosh (apud Bybee, 2001), cujas idéias foram trazidas para a Lingüística

(Cf.: Langacker, 1987; Ohala & Ohala, 1995). A Lingüística, no entanto, deve aplicar-se a

métodos estabelecidos e dados lingüísticos para compreender a língua como um sistema

emergente resultante das capacidades cognitivas gerais dos humanos, interagindo, a partir de

muitos exemplos do uso da língua, com a substância da língua (fonética e semântica).

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3) A categorização é baseada na identidade e similaridade fonética e/ou semântica

A estruturação mental seria explicada através de redes de conexões estabelecidas entre

as unidades lingüísticas - palavras e agrupamentos (chunks)5- armazenados no léxico. Ao

serem armazenados, portanto, eles não seriam apenas listados, mas categorizados de acordo

com as similaridades ou identidades fonéticas (forma) e semânticas (significado). Essa

proposição é sustentada por resultados de experimentos sobre acesso lexical, como o de

Pisoni et al (1985), que mostraram um maior sucesso na identificação de uma palavra com

ruído, se a palavra precedente (apresentada sem ruído) é foneticamente similar. Essa expansão

de ativação permite propor, justamente, que as similaridades entre as palavras são organizadas

lexicalmente em um espaço próximo. Bybee (1985) apresenta uma representação visual

bidimensional, na qual as relações de identidade são representadas por linhas de conexão:

s ε n d

l ε n d

tr ε n d

bl ε n d

b ε n d

Figura 2.1: conexões lexicais de [εnd]em send, lend, trend, blend, bend. (Bybee, 2001: 22)

Com esta ilustração, visualizamos uma rede associativa em que a ativação de um item

na mente se expande para os outros itens conexos por tais linhas. As conexões lexicais podem

ser tanto fonológicas quanto semânticas, porém quando as palavras são relacionadas por

conexões paralelamente fonológicas e semânticas, as relações resultantes são morfológicas:

5 Entende-se chunks como combinações freqüentes de palavras que são também categorizadas. No português, por exemplo, expressões como: “Tudo bem?”, “Bom dia!”, “ Como vai?” podem ser armazenadas inteiras.

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spleId [past]

spIld [past]

spəIld [past]

bænd [past]

rænd [past]

Figura 2.2: conexões fonológicas e semânticas da marca de passado em played, spilled, spoiled, banned, rammed. (Bybee, 2001: 23)

Vale destacar que, para essas redes de relações se formarem, não seria necessário o

compartilhamento de todos os traços similares, mas apenas de alguns, o que permite que cada

item lexical pertença a vários esquemas de categorização concomitantemente. Com isso,

teríamos a noção de gradiência na arquitetura de gramática, já que uma mesma conexão

apresentaria um contínuo que iria dos traços prototípicos (exemplares) até os marginais

(Cf.: Pierrehumbert, 2003).

4) As generalizações sobre formas não são separadas da representação dessas formas, mas emergem diretamente delas. Elas são conseqüências das relações de similaridade fonética e semântica estabelecidas entre as formas armazenadas.

Embora as palavras armazenadas no léxico não sejam desmembradas em seus vários

constituintes, a estrutura morfológica emergiria das conexões feitas em função das

similaridades fonológicas e semânticas dos itens (Cf.: Bybee, 1995). Dessa forma, na proposta

de organização em redes, as relações morfológicas dão origem à estrutura interna. As linhas

de conexão, portanto, permitem que raízes e afixos, por exemplo, emerjam naturalmente das

associações feitas apropriadamente. Isto significa dizer que as raízes e afixos nunca são

extraídos das palavras em que eles ocorrem e, conseqüentemente, que não há separação de

componentes morfológicos, nem lista de morfemas na gramática, embora formações novas e

produtivas sejam possíveis dentro do modelo proposto.

Na verdade, diz-se que a gramática é emergente, porque a partir da armazenagem de

um determinado número de itens lexicais relacionados de acordo com as similaridades e da

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alta freqüência com que eles são usados, ocorrerá a fortificação das conexões existentes entre

eles e, com isso, a generalização de um padrão lingüístico.

Além da estrutura morfológica, ocorreriam as generalizações dos padrões fonológicos

e, também, sintáticos. As estruturas fonológicas e sintáticas emergiriam de fatos de co-

ocorrência no uso da língua. Assim, a repetição de determinadas seqüências fonológicas nos

itens lexicais armazenados permitiria relações de identidade e similaridade e, então, a

generalização de segmentos, sílabas, como por exemplo, CV (consoante + vogal) e unidades

rítmicas. (Cf.: Bybee, 2001: 31) O mesmo ocorre no nível sintático, já que palavras que

normalmente ocorrem juntas, como por exemplo, nomes e seus determinantes, ou verbos e

seus objetos começariam a comportar-se como constituintes. Quanto mais freqüentes forem

suas co-ocorrências, mais firmes esses constituintes se tornam (Cf.:Jurafsky, Bell, Gregory &

Raimond, 2001).

Com esses pressupostos, podemos verificar, então, que as conexões retratadas na

figura 2.1 correspondem a generalização de que [єnd] é uma possível rima de sílaba:

[$__єnd$]. Na rede vista em 2.2, por sua vez, ocorre a generalização da marca de passado do

verbo regular: [[verbo]ed].

Dessa forma, postula-se que a partir da interação entre a substância da língua (forma e

significado) e o uso real das unidades lingüísticas, haveria uma organização em conjuntos de

conexões baseados em similaridades fonéticas e semânticas, denominados como redes

associativas, em que estariam categorizados tanto os usos invariáveis quanto os variáveis. As

diferenças da quantidade de formas lingüísticas e a freqüência, no entanto, processariam

diferenças nas próprias conexões, no sentido de que quanto mais itens lexicais uma conexão

tiver, mais forte se tornará e mais facilmente será acessada pelos falantes. Se uma conexão,

porém, possui poucos itens lexicais, mais fraca será a sua conexão e mais difícil será o seu

acesso. Do mesmo modo, palavras mais freqüentes apresentam conexões mais fortes e são

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mais acessadas que as com freqüência baixa. A conseqüência desse comportamento será que

um padrão lingüístico emergirá nas conexões fortes e tenderá a se generalizar e ser aplicado a

novos itens lexicais ou em itens pertencentes a conexões fracas.

5) A organização lexical permite generalizações e segmentações em vários graus de abstração e generalidade

É evidente o papel crucial que o léxico desempenha nas teorias

multirepresentacionais, pois a categorização dos itens em redes de conexões e a emergência

dos padrões lingüísticos são realizadas dentro dele. Assim, pode-se dizer que é o léxico que

gerencia as categorias gramaticais, não havendo uma separação entre ele e a gramática. As

unidades lingüísticas tais como morfemas, segmentos, ou sílabas, por sua vez, emergiriam das

relações de identidade ou similaridade que organizam as representações.

Postular, no entanto, que a organização lexical se dá em redes associativas implica

postular também que a armazenagem é altamente redundante, uma vez que as unidades

lingüísticas são armazenadas com suas propriedades previsíveis e não previsíveis (Cf.: Bybee,

2001: 22). As propriedades previsíveis são, por exemplo, aquelas inferidas por um processo

de alofonia. A ocorrência da africada, por exemplo, é previsível, no português brasileiro,

quando seguida de vogal alta anterior. De acordo com a fonologia tradicional, portanto, a

africada, neste contexto fonético, não faria parte da representação mental do falante.

Langacker (1987) e Ohala & Ohala (1995) sugerem que as representações mentais são

maximamente redundantes, já que se as propriedades previsíveis forem removidas dos

objetos, estes ficariam irreconhecíveis para os seres humanos, ou seja, deixariam de ser

unidades cognitivas autônomas. Vale ressaltar que as redes de conexões permitem que

palavras, em alguns casos, sejam armazenadas múltiplas vezes de acordo com os contextos de

usos.

Nos modelos de rede, as palavras são armazenadas inteiras, sejam elas

monomorfêmicas ou polimorfêmicas. Ao retornar às figuras 2.1 e 2.2, nota-se que as

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generalizações de [єnd] e da marca de passado regular ocorreram sem que houvesse

decomposição de palavras. Assim, esses padrões não possuem uma representação cognitiva

independente das formas em que participam.

Além disso, as conexões são multidimensionais e “fazem” e “se desfazem” de acordo

com as similaridades dos itens lexicais em foco (Cf.: Pierrehumbert, 2003). Dessa forma, as

redes de conexão podem descrever o mesmo padrão sob diferentes níveis de generalidade. Na

verdade, para as redes de relações se formarem não é necessário o compartilhamento de todos

os traços similares, mas apenas de alguns, o que permite que cada item lexical pertença a

vários esquemas de categorização concomitantemente. Com isso, temos a noção de gradiência

na arquitetura de gramática. Essa noção exerce um importante papel nos novos modelos, já

que caracteriza as categorizações das unidades lingüísticas. O tamanho da associação entre

itens com traços idênticos ou similares pode variar de acordo como o número e a natureza

desses traços. Gonnerman (1999), por exemplo, reporta que a extensão das relações entre os

itens lexicais reflete o grau de similaridade semântica e fonológica entre as palavras. Além

disso, as categorizações das unidades lingüísticas possuem uma estrutura prototípica e se

apresentam em um continuum, já que há membros qualificados como mais centrais e outros

como mais marginais.

6) O conhecimento gramatical é um conhecimento procedural

A partir da diferenciação entre conhecimento declarativo (proposicional) e o

procedural (cf.: Anderson, 1993; Boyland, 1996, apud Bybee, 2001), Bybee (2001) postula-se

que o conhecimento lingüístico é em parte declarativo (no sentido de que os falantes podem

citar os significados das palavras, por exemplo), mas, em grande parte, é procedimental. Um

falante nativo pode formar uma sentença aceitável automaticamente, contudo não pode

explicar como isto é feito ou listar quais são as propriedades da oração aceitável. Pensar em

construções gramaticais como unidades processuais traz conseqüências profundas para nossa

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visão de fonologia, por exemplo. A Fonologia, então, se tornaria uma parte do procedimento

de produção e decodificação de construções, em lugar de um sistema puramente abstrato.

Cabe ressaltar que a Lingüística Probabilística compartilha todos os pressupostos

explicitados e enfatiza o comportamento probabilístico do sistema lingüístico. O termo

probabilístico é entendido como a interferência na representação mental da freqüência com

que determinadas formas lingüísticas ocorrem. Assim, de acordo com o uso, o falante

armazenaria uma gramática probabilística (e não invariável) preparada para “lidar” com a

variação.

Com essa síntese das características principais dos Modelos Multirepresentacionais,

observamos um confronto com certos postulados da Lingüística. De acordo com Cristófaro

Silva & Gomes (2004: 14), “em diversas frentes têm surgido trabalhos que buscam revisitar

as premissas clássicas da lingüística. Embora aparentemente tais propostas pareçam um

tanto quanto“ hereges”, elas têm oferecido resultados surpreendentes.” Na verdade, não

podemos menosprezar um novo pensamento só porque poderá causar rupturas com tudo que

se estudou até hoje. Em vez disso, temos que estudar e pesquisar os dados lingüísticos, a fim

de vermos a real relevância dessas novas propostas.

2.4 Principais confrontos com os postulados do Gerativismo

Nesta seção, veremos os confrontos principais entre os postulados das teorias vigentes

e os dos modelos multirepresentacionais. Sendo o objeto deste estudo os ditongos

decrescentes orais - fenômeno fonológico já amplamente discutido nas teorias, como

estruturalismo, gerativismo e sociolingüística, faz-se necessário rediscutir a questão de acordo

com postulados da Fonologia de uso (Usaged- based phonology, Bybee, 2001, 2003) e da

Fonologia Probabilística (Pierrehumbert, 2003). Dessa forma, pretende-se explanar com mais

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relevância os aspectos do componente sonoro, apesar dos novos postulados serem aplicados a

toda área da gramática.

É evidente que há várias dicotomias entre as premissas do pensamento lingüístico

moderno (pós - estruturalista) e os postulados da fonologia de uso e da probabilística.

Destacaremos, no entanto, três principais oposições (Cf.: Cristófaro Silva & Gomes, 2004:

13- 14):

(1ª) O conhecimento lingüístico é inato e gerenciado pela gramática universal versus

O conhecimento lingüístico é baseado no uso (experiência) e é gerenciado probabilisticamente

em vários alinhavos de redes;

(2ª) Representações lingüísticas excluem informações redundantes e operam como

categorias discretas versus Representações lingüísticas contêm informações redundantes que

contribuem no processo de categorização de unidades graduais;

(3ª) As representações lingüísticas são simples e o mapeamento complexo. As regras

são responsáveis por vincular as representações fonológicas únicas às realizações fonéticas

versus As representações são complexas e o mapeamento é simples. Todos os traços

previsíveis permanecem nas representações.

Sabe-se que, nos modelos tradicionais, a linguagem é concebida como inata e

dissociada do uso. Um dos principais objetivos da teoria gerativa, por exemplo, é o

estabelecimento das propriedades da Gramática Universal, isto é, a especificação dos

mecanismos lingüísticos que permitem aos usuários de uma determinada língua a produção e

compreensão de todas as sentenças gramaticais. Tal objetivo foi traçado justamente por se ter

a visão de que a mente humana possui um dispositivo biológico específico para a linguagem

e, portanto, um mecanismo lingüístico já fornecido.

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De acordo com a Fonologia de Uso e a Fonologia Probabilística, no entanto, a

organização lingüística na mente não seria pré-estabelecida, mas sim formada a partir do uso

e, conseqüentemente, a gramática interna de uma língua também. Na verdade, esses

pressupostos não negam o inatismo e a existência de uma gramática e nem defendem a noção

de “tábula rasa”. É fato reconhecido, por exemplo, que a capacidade da linguagem e certas

propriedades mentais, como a categorização, são inatas. A proposta em si recai na

determinação do que realmente seria inato e do que seria afetado pelo uso. Com isso, o

objetivo é olhar mais para o input, a fim de se encontrar respostas para o desenvolvimento

lingüístico (Cf.: Mathews, Liven, Theakston & Tomasello, 2004).

Uma indagação que recai sobre o postulado de uma estrutura lingüística formada a

partir do uso é a de que essa proposta não explica as semelhanças estruturais entre as línguas.

Bybee (2001:34), no entanto, sugere que as semelhanças entre as línguas podem ser atribuídas

a propriedades universais do trato vocal e da estocagem neural.

Cabe, aqui, entendermos como o processo aquisitivo é visto nos modelos

multirepresentacionais. Segundo a Fonologia de Uso e a Fonologia Probabilística, as

estruturas lingüísticas não seriam dadas previamente, mas seriam adquiridas a partir da

generalização dos itens lexicais estocados de acordo com as similaridades ou identidades

fonética e semântica. Na verdade, um padrão lingüístico emergirá a partir de uma certa

quantidade de itens lexicais categorizados em rede de conexões6 (Cf.: Tomasello, 2004).

Assim, Pine (1997) postula que a gramática é adquirida gradualmente, ou seja, é construída

aos poucos. Studdert- Kennedy (1998) e Lindblom (1992), por exemplo, argumentam que é o

aumento no número de itens lexicais armazenados que leva a criança a organizar a articulação

necessária para a emergência de vogais e consoantes.

6 A questão recai, no entanto, em uma indagação: Quantos itens lexicais precisam ser armazenados para que haja a emergência de uma estrutura gramatical?

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A gramática, portanto, é entendida como emergente, no sentido de que ela não seria

fornecida pela gramática universal, mas sim construída gradualmente a partir do input. As

crianças inferem a estrutura gramatical dos itens lexicais armazenados no léxico. Assim, no

período aquisitivo, a emergência da gramática relaciona-se ao tamanho do léxico. Aliás, essa

relação explicaria a diferenciação entre a fala da criança e a fala do adulto, já que este

apresentaria um léxico bem maior que aquelas (Cf.: Farkas & Macwhinney, 2004). Mathews,

Liven, Thekston & Tomasello (2004) afirmam, ainda, que se a aquisição se processa a partir

da categorização das palavras em redes de conexões, as freqüências de tipo e de ocorrência

vão exercer um papel importante nesse período. Esses autores, por exemplo, atestaram que as

crianças novas generalizaram a ordem canônica do verbo e seus complementos de acordo com

a freqüência dos verbos e de seus constituintes.

Então, assim como no gerativismo, a existência da gramática e sua aquisição, a partir

de certas propriedades mentais, é postulada nos modelos multirepresentacionais. O que

modifica é a forma de entendê-los.

O segundo confronto está, de certa forma, relacionado à ramificação entre a fonética e

a fonologia feita pelas teorias vigentes. De maneira geral, essas vertentes admitem que a

fonética trata da gradualidade e dos detalhes das categorias sonoras e que a fonologia, por sua

vez, trata das categorias discretas e de sua organização no sistema sonoro. Destarte, à fonética

– vinculada aos dados da fala - cabe estudar o caráter físico dos sons, considerando diferenças

mínimas de articulação. Já, à fonologia - vinculada à língua - interessa analisar a língua como

um sistema de oposições e relações. Para a visão tradicional, no entanto, o objeto de estudo da

lingüística é o conhecimento internalizado do falante e, dessa forma, a fonologia é a área de

investigação seguida. Na fonologia estruturalista, a preocupação principal era determinar os

sons opositivos, os fonemas, e os não-opositivos, os alofones, de uma determinada língua.

Para que tal determinação fosse possível, os fonemas foram tratados como representações

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lingüísticas discretas e dissociadas entre si, isto é, sem qualquer redundância. Assim, a

gradualidade fonética foi radicalmente excluída da análise estruturalista. Essa proposta se

manteve na teoria gerativa com a noção de traços distintivos.

A fonologia vista como uma área independente e puramente abstrata vem sendo

questionada, assim como a sua separação estrita com a fonética. Muitos estudiosos, como

Ohala (1993, 1995), Docherty et al. (1997) e Albano (2001), têm demonstrado que o estudo

fonético experimental fornece grandes resultados interessantes que permitem questionar os

limites vigentes entre fonética e fonologia.

Para os novos modelos, a representação fonológica é múltipla, uma vez que todas as

ocorrências de uso percebidas seriam categorizadas e armazenadas na mente, isto é, a variação

estaria estocada na mente. (Cf.: Pierrehumbert, 2003). Além disso, Johnson e Mullenix (1997)

sustentam que a variabilidade fonética, tratada, nos modelos tradicionais, como uma “fonte de

ruído indesejável” na fala, pode ser considerada como uma fonte informativa para o ouvinte,

fornecendo, por exemplo, dados quanto à idade, ao sexo, ao grupo social, ao dialeto do falante

e assim por diante. Na verdade, os modelos multirepresentacionais consideram que o ouvinte

não necessita excluir a variabilidade para construir uma forma canônica e abstrata na

memória. As palavras são armazenadas com o detalhe fonético e podem ser categorizadas

mais de uma vez, associadas a formas fonéticas diferentes. Um questionamento feito a essas

novas propostas é o de que a armazenagem de todas as propriedades dos sons (previsíveis ou

não) requer uma capacidade de memória bem ampla. Bybee (2001:21) argumenta, no entanto,

que as palavras são armazenadas de forma eficiente nas redes de conexões e não em uma lista

desestruturada. Além disso, a pesquisadora destaca que experimentos em psicolingüística têm

evidenciado que a memória humana é bem maior do que se postulava anteriormente (Bybee,

2001: 51-52). Pierrehumbert (2001:142), por sua vez, observa que ocorrências foneticamente

próximas não processadas na percepção são categorizadas como a mesma ocorrência.

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Além disso, estudos sobre aquisição têm evidenciado que o conhecimento fonético e a

percepção de fonemas são adquiridos gradualmente. Hazen & Barret (2000), por exemplo,

mostram que a categorização de fronteiras de pares mínimos do inglês, como coat e goat,

ocorre gradualmente entre os 6 e 12 anos de idade. Assim, vogais e consoantes, no processo

aquisitivo, não seriam discretos. Na verdade, Pierrehumbert (2003) sugere que as unidades

fonológicas são atualizadas através da experiência.

A terceira ruptura diz respeito ao pressuposto clássico da proposta tradicional, no qual

as representações lingüísticas seriam simples e o mapeamento, complexo. Já, nas novas

propostas, a armazenagem mental seria complexa e constituída em redes.

De acordo com os modelos lingüísticos vigentes, a representação fonológica se

relaciona à representação fonética por meio de processos, regras ou restrições (no caso da

teoria da otimidade). Na verdade, postula-se que as representações fonológicas sofrem

alterações sistemáticas, através da aplicação de regras, criando-se, assim, as representações

fonéticas. Tem-se, então, a visão de que há somente uma única representação fonológica

categórica para cada padrão lingüístico ou item lexical. A distribuição de fonemas, por

exemplo, seria uma evidência para a representação fonológica única, já que somente os

fonemas estariam presentes nesta representação. As novas propostas, no entanto, ao

incorporar a experiência no gerenciamento do conhecimento lingüístico, propõem uma

organização probabilística, em que a representação seria múltipla.

Um dos pontos centrais das novas propostas - fonologia de uso (Bybee, 2001) e

fonologia probabilística (Pierrehumbert, 2003) - diz respeito ao fato de que as representações

não são vistas como categóricas. Os postulados teóricos formulados e as evidências

encontradas pelas diversas pesquisas têm indicado dois aspectos relevantes da representação

lingüística: a sua natureza e as unidades de representação. Propõe-se que o falante não abstrai

do input variável (fala) uma representação única e categórica, ao contrário, desenvolve um

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sistema em que a freqüência do uso possui uma função crucial. Como conseqüência dessa

postulação, defende-se a idéia de que a faculdade da linguagem é probabilística. (Cf.:

Pierrehumbert, 2003). Além disso, propõe-se que, em oposição ao caráter categórico e

discreto da competência lingüística, as entidades seriam alternantes e os julgamentos dos

falantes estariam em um continuum de características similares. As informações redundantes

permitiram, então, uma noção de gradualidade.

As principais implicações dos Modelos Multirepresentacionais referem-se aos

postulados da representação múltipla, da eliminação de processos e ainda à proposição de

unidades gradientes.Vale ressaltar que Oliveira (2003:51) formulou um quadro em que

expressa de forma contundente as diferenças cruciais entre a proposta tradicional7 e a visão

das novas propostas:

Proposta tradicional Modelos Multirepresentacionais

Representação mental minimalista Representação mental detalhada

Separação entre fonética e fonologia Inter-relação entre fonética e fonologia

Visão da fonologia como uma gramática formal, com a utilização de variáveis abstratas

Consideração de que a fonologia da língua envolve a distribuição probabilística de variáveis

Efeitos da freqüência refletidos na produção em curso e não armazenados na memória de longo termo

Efeitos de freqüência armazenados na memória de longo termo

Julgamento fonotático categórico: uma seqüência ou é considerada bem formada ou é impossível de ocorrer na língua

Efeitos gradientes nos julgamentos categóricos

Léxico separado da gramática fonológica Palavra como locus da categorização

Os Modelos Multirepresentacionais, ao formularem uma nova organização lingüística

e uma nova proposta de arquitetura de gramática, apresentam diferenças substanciais em

relação aos modelos tradicionais. Tais rupturas repercutem nos estudos de variação e mudança

lingüística, assim como nos de aquisição. Na próxima seção, explicitaremos o novo olhar

7 Entende-se por proposta tradicional, principalmente, a Lingüística Estruturalista e a Gerativista. A Lingüística Cognitiva, portanto, não se enquadra nesta nomeclatura.

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dado ao processo aquisitivo da linguagem, cujas proposições estão em sintonia com a dos

Modelos Multirepresentacionais.

Foulkes (2005), por exemplo, ao rever os resultados das pesquisas sobre variação

sócio-fonética nos adultos ingleses e as evidências fornecidas pelos estudos sobre aquisição

da variação estruturada, sugere que as representações cognitivas das palavras conjugam

informações lingüísticas e extralingüísticas e que tais informações estariam nos primeiros

estágios de aquisição. A partir disso, defende que os Modelos Multirepresentacionais são os

mais adequados, uma vez que oferecem uma arquitetura de gramática capaz de explicar como

as informações da estrutura sonora e da variação podem ser armazenadas e acessadas nos

processos de produção e percepção de fala.

2.5 A Aquisição da variação estruturada

Nesta seção, apresentaremos os postulados principais dos estudos sobre aquisição da

variação estrutura, explicitando a literatura acerca desse tema, assim como os resultados

importantes encontrados pelas pesquisas realizadas recentemente.

2.5.1 A fala das crianças: um reflexo da variação estruturada da comunidade adulta

Os trabalhos que investigam a aquisição lingüística de fatores variáveis por crianças

em idade pré-escolar procuram, principalmente, delinear respostas para as seguintes

indagações: (a) como as crianças dão conta do input variável? (b) de que maneira a mudança

vista na comunidade de fala adulta se reflete na fase aquisitiva? e (c) qual seria a importância

do input dos pais (input primário) no desempenho das crianças? (Cf.: Foulkes, 2002)

Sabe-se que a abordagem teórica variacionista caracteriza-se por romper com a noção

da homogeneidade do sistema lingüístico, defendida por estruturalistas e gerativistas e por

apresentar uma nova concepção de língua associada à idéia de heterogeneidade ordenada.

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Assim, a língua passa a ser concebida como uma estrutura inerentemente variável e a variação

como passível de descrição sistemática, em função de restrições lingüísticas e não-lingüísticas

(cf.: Labov, 1972).

Essa hipótese da heterogeneidade estruturada do sistema lingüístico e do caráter

sistemático da variação sempre foi o fundamento essencial da linha sociolingüística. Em 40

anos, pesquisas têm comprovado essa hipótese em casos tanto de mudança lingüística quanto

de variação estável. Esses estudos, entretanto, se concentram no sistema lingüístico de

falantes adultos, sendo rara a inclusão de falantes com menos de nove anos (Cf.:Roberts,

1997:352). Dessa forma, durante esse período pouca atenção foi dada a questão da variação

na aquisição.

É interessante mencionar que os estudos da variação lingüística e mudança não

enfocaram, desde início, a fala das crianças, justamente, por se acreditar que eram os adultos

que dominavam por completo o sistema lingüístico e suas variações (a língua uma vez

adquirida, torna-se mais estável), sendo as crianças vistas como “aquisitores” da língua de sua

comunidade e não como “contribuidores” para a manutenção e mudança das estruturas

lingüísticas (cf.: Roberts, 2002:333). Assim, Labov (1972) baseava-se na idéia de que embora

os fatores dialetais fossem aprendidos na infância, era na adolescência que a variação social

era demonstrada.

A questão instigante e discutida neste trabalho, no entanto, surge da própria postulação

da variação inerente ao sistema (Cf.: Weinreich, Labov & Herzog, 1968), isto é, se a variação

é tratada como parte do sistema lingüístico, deverá, portanto, ser adquirida juntamente com as

estruturas categóricas (Chambers, 1995). Segundo Roberts (2002:334), a fala das crianças

pode ser vista como respostas para algumas questões da variação e mudança na comunidade

de fala adulta, visto que as fundações lingüísticas dos adolescentes e adultos são os modelos

de fala armazenados na infância, durante o processo de aquisição.

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Dessa forma, os estudos sobre a aquisição da variação estruturada incluem a criança

como um participante que adquire modelos variáveis influenciados socialmente antes da

adolescência e que pode até ser atuante no processo de mudança lingüística.

Vale destacar que não é fácil desenvolver pesquisas nesta área da variação lingüística

da criança, visto que, nas entrevistas, há uma certa dificuldade em coletar dados em crianças

muito jovens, assim como obter gravações muito longas de uma mesma criança. Esses dados,

por sua vez, devem ser em grande quantidade, já que muitos são ininteligíveis e, portanto,

desprezados na análise e devem ser coletados em um curto período de tempo para minimizar

os efeitos da maturação. Um outro desafio para o pesquisador é distinguir a variação

socialmente motivada daquilo que é desenvolvido naturalmente (Cf.:Roberts, 2002: 336), isto

é, cabe ao lingüista identificar quais estruturas estão realmente recebendo um significado

social e quais fazem parte do processo natural de aquisição (variação desenvolvimental).

Todos esses problemas, porém, são contornáveis e não devem ser vistos como obstáculos para

o progresso desse tipo de estudo.

2.5.2 Resultados obtidos pelos primeiros trabalhos sobre a variação lingüística da criança

Os primeiros trabalhos variacionistas que incluíram crianças como participantes do

processo de variação lingüística foram os de Fischer (1958) e o de Romaine (1978) que

constataram que a aquisição da variação social é realmente possível em crianças. O primeiro

pesquisador estudou a variação das formas –ing e –in de acordo com variáveis sociais (sexo e

personalidade) e variáveis estilísticas (tópicos conversacionais) em crianças de 3 a 10 anos de

idade. Os resultados sugerem, então, que todas essas crianças adquirem fatores socialmente

variáveis. As variações estilísticas, no entanto, foram encontradas somente em meninos já

com 10 anos. Essa pesquisa, entretanto, não separou as crianças por faixas etárias, sendo

impossível afirmar se as crianças mais novas compartilham desses resultados.

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Romaine, por sua vez, estudou crianças, já em idade escolar (6 a 10 anos), em sua

pesquisa sobre a variável /r/ em final de palavras no inglês-escocês. A autora, além de ter

encontrado variação de gênero, idade e estilo, concluiu que as crianças também atuam no

processo de mudança lingüística, uma vez que meninas participam de uma mudança acima do

nível de consciência, favorecendo a variante de prestígio e os meninos participam da mudança

abaixo do nível de consciência, favorecendo a variante de menor prestígio (Cf.: Roberts,

2002:337). Esse último achado confirmaria as tendências observadas na comunidade da fala

adulta, no que diz respeito ao papel de homens e mulheres na mudança lingüística (Cf.:

Weinreich, Labov & Herzog, 1968).

Kovac & Adamson (1981) foram os primeiros a olhar para a variação da fala das

crianças em fase pré – escolar. Devido a isso, foram também os primeiros a atentar para a

diferenciação entre a variação desenvolvimental e a dialetal. Ao estudarem o apagamento do

infinitivo “be” em crianças afro-americanas e euro-americanas de 3, 5 e 7 anos, constataram

que, para as crianças euro-americanas, a ausência do infinitivo “be” faz parte do

desenvolvimento natural. Para as afro-americanas, entretanto, o apagamento de “be” varia de

acordo com a classe sócio-econômica, visto que crianças pertencentes à classe trabalhadora

adquiriram o apagamento primeiro que as de classe média. Levando-se em conta que a

comunidade de fala adulta apaga sistematicamente o “be” e que alguns contextos lingüísticos

e sociais favorecem mais essa regra que outros, os pesquisadores observaram que os dois

grupos de crianças afro-americanas apagam o “be” em torno dos 3 anos de idade, mesmo não

tendo, ainda, um domínio completo das variáveis internas encontradas nos falantes adultos.

Isto sugere dizer que os fatores internos e externos que condicionam o apagamento são mais

difíceis de serem adquiridos que a própria regra variável.

Vale destacar também o trabalho de Guy & Boyd (1980), que encontraram variação

sistemática na idade, em suas análises referentes ao apagamento de (-t e -d) nos verbos

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irregulares do inglês, como lost, told e slept. Assim como o apagamento de “be”, o

apagamento de (-t e –d) é amplamente estudado nos dialetos da língua inglesa. É um

fenômeno de redução do encontro consonantal em final de palavras influenciado pelo status

gramatical de –t e –d, pelo segmento seguinte ao grupo consonantal e por variáveis sociais,

como gênero, classe social e etnia. Os autores concluíram que a aquisição do apagamento de

(-t e –d) nos verbos irregulares é um longo processo e, por isso, dividiram os falantes (dos 4

aos 65 anos) em três estágios de curso de desenvolvimento: (a) nas crianças mais novas, não

houve a produção da oclusiva, permitindo a postulação de que (-d e –t) não estariam presentes

nas representações básicas das formas. Em outras palavras, pode-se dizer que as crianças

tratavam esses verbos como se a marca de passado estivesse na mudança da vogal; (b) as

crianças mais velhas e os adolescentes analisam os verbos irregulares como sendo,

essencialmente, iguais às palavras monomorfêmicas (ex: mist, cent) e apagam, então, o

segmento final com a mesma freqüência que o fazem com os itens lexicais monomorfêmicos.

Vale ressaltar que os falantes desse estágio, entretanto, reconhecem que os verbos irregulares

no passado possuem alterações finais; (c) os adultos demonstram em sua análise que os

verbos irregulares constituem uma classe morfológica separada das palavras

monomorfêmicas. O mais interessante, entretanto, é o fato de que esse último estágio não foi

alcançado por todos os falantes até a idade adulta. O que contesta a postulação de que os

adultos adquirem por completo o sistema lingüístico, permitindo a formulação de que é

possível que a aquisição possa continuar até a fase adulta.

2.5.3 O papel do input lingüístico na aquisição da variação

Os trabalhos mais recentes na área da variação lingüística da criança enfocam,

especificamente, crianças na idade pré-escolar (aquelas que ainda não tiveram contato com a

escrita e, portanto não formalizaram por completo quais estruturas são estigmatizadas) e,

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normalmente, as dividem em grupos de faixas etárias diferentes. A fala dos pais das crianças

analisada é vista como um material que serve de comparação com os dados fornecidos pela

criança e mais, freqüentemente, como o input lingüístico primário.

Levando-se em conta a discussão feita pelos lingüistas acerca dos dados da fala que as

crianças recebem, principalmente, da dos pais, vale destacar que, historicamente, a variação

no input não era vista pela comunidade lingüística como algo necessário para o estudo da

aquisição. Além disso, devido a um resquício da visão gerativista, o input era visto mais

freqüentemente como algo de qualidade degenerada. Até mesmo, as primeiras pesquisas sobre

os dados transmitidos pelos pais, como a de Ferguson (1977, apud Roberts, 2002), enfocavam

mais as características do input do que retratavam a questão da variação.

Novos olhares voltados para a variação no input, no entanto, forneceram grandes

contribuições e resultados. Assim, Labov (1989) e outros pesquisadores notaram, através de

suas inúmeras pesquisas sobre a comunidade de fala adulta, que o input lingüístico que a

criança recebe é variável e isso pressupõe dizer que o output (produção da língua da criança)

também é. Essa última afirmação, no entanto, deve ser amplamente discutida, visto que ainda

há um longo caminho para a demonstração da verdadeira relação entre o input e o resultante

sistema lingüístico da criança. Sabe-se, no entanto, que os fatores de aquisição da língua são

claramente governados socialmente e especificados dialetalmente, sendo um objetivo

primordial das pesquisas dessa área examinar se as crianças bem novas reproduzem essa

variação estruturada do input dos pais ou não (Cf.: Roberts, 2002: 338).

Por exemplo, Roberts (1997a) examinou o apagamento de –t e –d em grupos

consonantais que se encontram em final de palavras, em 16 crianças do sul da Filadélfia entre

3 e 4 anos de idade. Seu objetivo era analisar os níveis de domínio das crianças em relação as

variáveis fonológicas, gramaticais e sociais.

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Levando-se em conta que a comunidade adulta apaga os segmentos (-t e –d) de acordo

com variáveis sociais, gramaticais e fonológicas, a pesquisadora notou que crianças novas, na

faixa etária de três anos, tinham, na maior parte, dominado os condicionamentos fonológicos

(especificamente, os segmentos seguintes), que favorecem ou não, o apagamento de –t e -d,

igualmente como ocorrem na comunidade adulta. Vale destacar que o segmento seguinte

“pausa” é marcado socialmente, visto que varia por área geográfica (há uma regra para pausa

em Filadélfia e outra em Nova York) e, mesmo assim, está sendo adquirida. Neste ponto,

Roberts (1997a) discutiu a distinção entre processos de aquisição natural e os de aquisição da

variação. Assim, os segmentos seguintes, como obstruintes e vogais, podem fazer parte de um

processo natural baseado na facilidade de articulação, fato este que não ocorre com a pausa

seguinte. Assim, ela concluiu que a aquisição é mais que um processo universal sendo

aplicado, já que formas com significado social também são adquiridas.

Em relação às variáveis gramaticais (status gramatical das palavras), percebeu-se que

as crianças estão de acordo com o padrão adulto quando apagam mais o –t e –d em palavras

monomorfêmicas que em verbos regulares no tempo passado. Isso significa dizer que as

crianças já adquiriram as variáveis gramaticais para o apagamento de –t e –d. Essa

similaridade entre as crianças e os adultos acaba, entretanto, com a análise dos verbos

irregulares, na qual as crianças apresentam um comportamento semelhante ao das categorias

monomorfêmicas (ou seja, apagam –t e –d) e os adultos mostram uma análise dos verbos

irregulares parecida com a dos verbos regulares. A partir disso, a pesquisadora postulou que

as crianças não imitam simplesmente as formas encontradas no input, mas estão também

formulando as suas regras.

Finalmente, para as variáveis sociais, ela observou uma significante diferença em

função do sexo das crianças no apagamento de –t e –d. As meninas estariam cancelando mais

os segmentos finais que os meninos, contrariando os estudos da comunidade de fala adulta

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que postulavam que as mulheres utilizavam mais as formas padrões que os homens (Labov,

1969).

2.5.4 Child Direct Speech- CDS

Os sociolingüistas, para estudarem mais especificamente o input primário que as

crianças recebem e as formulações e respostas que elas fazem a partir desse input, passaram a

analisar o discurso direto entre pais, mais especificamente mães e as crianças. (Child Direct

Speech- CDS). A partir daí, Labov (1990) observou uma certa similaridade entre a produção

específica da fala de crianças da Filadélfia a das suas mães e postulou que essas crianças

encontram-se em situações que são freqüentemente dominadas por influências femininas. Isso

implica dizer que há um certo favorecimento para formas lingüísticas comandadas por

mulheres precederem uma mudança, enquanto aquelas comandadas por homens são

desfavorecidas.

Roberts (1997 b) examinou a hipótese de Labov novamente, utilizando crianças da

mesma região em idade pré-escolar e percebeu que as mudanças comandadas por mulheres

estão, de fato, sendo adquiridas mais efetivamente pelas crianças que as feitas por homens.

Além disso, notou que as crianças que possuíam pais nativos da Filadélfia adquiriram com

grande eficácia as mudanças, permitindo concluir que o input é importantíssimo para as

crianças, pelo menos no que se refere à aquisição das variáveis influenciadas socialmente.

Folkes (1999:3), voltado para a análise do discurso direto para criança (a partir deste

ponto, será colocado apenas CDS), ressaltou que muitos aspectos da estrutura lingüística

podem ser modificados na fala que é endereçada para as crianças. Dessa forma, tendências de

simplificar o vocabulário e a sintaxe, reduzir o tamanho das sentenças, fazer muitas

repetições, adaptar palavras para a estrutura não marcada CV e falar lentamente e

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pausadamente são recorrentes na fala dos adultos para as crianças e têm o objetivo de facilitar

o processo de aquisição da língua.

A partir disso, postulou-se que esses ajustes lingüísticos feitos pelos adultos estão

centrados em duas funções do CDS, categorizadas pelos tipos de simplificação e classificadas

por Garnica (1977: 81, apud Folkes, 1999) como analítica e social. A primeira inclui as

simplificações, como falar lentamente e usar repetições, que auxiliam a criança a analisar o

material lingüístico que recebeu, situando as palavras no fluxo do discurso fluente e

permitindo a aquisição de certas unidades lingüísticas. Já, a segunda função é definida como

um instrumento “para iniciar e manter a comunicação”, ou seja, é usada para envolver a

atenção da criança.

Essa visão de que as estruturas do CDS constituem um corpus simplificado e claro é

bastante questionável. Muitos pesquisadores, como Newport, Gleitman & Gleitman (1977,

apud Folkes, 1999) analisaram várias estruturas sintáticas usadas no CDS e constataram que

alguns aspectos não são tão menos complexos que a dos adultos. As estruturas,

aparentemente, complexas que os adultos selecionam possuem apenas um objetivo: facilitar a

comunicação em jogo. Logo, não se pode afirmar que o CDS é mais simples que a fala entre

adultos.

Com esses resultados, torna-se possível admitir que os adultos ao adaptarem suas

estruturas no CDS querem permitir, primariamente, a comunicação com as crianças, que ainda

não possuem um conhecimento lingüístico completo. Na verdade, os adultos não estão

totalmente cientes do fato de que o CDS pode ajudar efetivamente no processo aquisitivo

(Cf.: Folkes, 1999: 4).

É interessante mencionar também que as propriedades do CDS podem variar de

acordo com a faixa etária das crianças e com o sexo tanto das crianças quanto dos pais. Em

relação à idade, é evidente que as estruturas utilizadas no CDS desaparecem gradualmente dos

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repertórios dos pais, a partir do desenvolvimento das crianças e é, justamente, por esse

motivo, que se pode afirmar que a fala dos pais para as crianças mudam com o tempo.

Garnica (1977) sugeriu que as funções analíticas e sociais também se transformam com o

amadurecimento da fala dos adultos para as crianças, porém diz que os aspectos do CDS que

favorecem as funções sociais tendem a desaparecer mais cedo do que as outras, devido ao fato

de que as crianças mais velhas estão aptas a manter a atenção na interação comunicativa.

Com respeito aos efeitos ocasionados devido ao sexo dos adultos no CDS, há um

número grande de pesquisas mostrando que pais e mães se comportam diferentemente quando

interagem com as crianças. Greif (1980), por exemplo, notou que mães usavam mais voz

passiva para suas crianças que os pais, que, por sua vez, preferiam narrar suas informações.

Snow (1995) apresentou um resultado bastante interessante, já que percebeu em seu trabalho

que homens, em geral, parecem fazer poucos ajustes nos seus modelos de fala.

Em relação ao sexo das crianças, percebe-se também que há algumas distinções feitas

pelos pais no endereçamento da fala para meninas ou para meninos. Gleason, Perlman, &

Evans (1994) demonstraram que o uso dos diminutivos dos pais, como doggie, é mais

freqüente para filhas que para filhos. Já, Reese, Haden & Fivesh (1996) viram que mães

fazem maiores distinções que pais dependendo se estão conversando com meninas ou

meninos.

A pesquisa de Folkes et al. (1999) sobre variação fonológica no CDS ilustra as

grandes contribuições que um estudo voltado para o discurso entre pais e crianças pode

fornecer para o avanço das descobertas sobre a aquisição da variação estruturada. Esse

pesquisador analisou a realização variável de (t) em vários contextos fonológicos, como a

posição intersonorizante em meio de palavra (ex: water, winter e bottle) e a posição pré-

vocálica em final de palavras (ex: get in e hat on). Vale destacar que esse autor levou em

consideração falantes adultos e crianças de 2 a 4 anos de Tyneside, cidade do norte da

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Inglaterra, justamente, por ser uma comunidade que apresenta um dialeto local que difere

marcadamente em muitos aspectos do dialeto padrão, sendo possível ver como essa

variabilidade estruturada na comunidade adulta está presente na fala das crianças.

Os resultados encontrados pelos pesquisadores revelam três modelos principais:

primeiro, notou-se que existem diferenças substanciais na escolha da variante dependendo se

o endereçamento da fala é para um adulto ou para uma criança. Assim, a fala para a criança

geralmente contém mais [t], variante padrão, e menos variantes vernaculares que a fala entre

adultos. Depois, observou-se que a escolha da variante em CDS é determinada pelo sexo da

criança. Dessa forma, a fala para meninas, geralmente, possui mais a forma [t] do que a fala

direcionada para meninos, que, por sua vez, apresentam mais formas vernaculares. Por último,

viu-se que a idade da criança tem um efeito significativo, visto que as variantes vernaculares

aumentam na fala das crianças mais velhas. É interessante mencionar que Folkes notou

também que os adultos homens fazem poucas modificações em sua fala, se comparado com

adultos mulheres, semelhante ao que foi observado por Snow (1995).

Em relação aos resultados dos fenômenos segmentais, viu-se que eles podem diferir

marcadamente em comparação com a fala entre adultos. Em todos os contextos analisados, o

CDS se caracterizou pela redução das formas não-padrões e estigmatizadas. Assim, houve um

índice baixo de glotais na posição intersonorizante, da mesma forma que a freqüência de [t]

no contexto pré-vocálico também foi inferior a da fala entre adultos . A redução no uso dessas

formas implica dizer, então, que, no CDS, houve um aumento no uso das formas que são

padrão, ou que não carregam uma avaliação negativa.

As primeiras indicações das pesquisas apresentadas, neste trabalho, apontaram que,

desde a fase pré-escolar, as crianças já refletem em suas falas as variantes associadas a

variação estruturada na comunidade de fala adulta. Dessa forma, pode-se postular que a

aquisição da variação se dá junto com a da maioria das formas categóricas. Os estudos

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voltados para a fala dos pais (Child Directed Speech- CDS), importantes para o controle do

input primário, demonstraram que os valores sociais atribuídos às variantes já estão sendo

transmitidos às crianças no período de aquisição.

Durante os 40 anos de desenvolvimento das pesquisas realizadas na área da teoria

variacionista (Labov, 1972, 1994 e 1996), os trabalhos se concentraram na investigação das

comunidades de fala adultas com o objetivo de explicar a variação e a mudança lingüística. O

resultado disso tem sido uma ênfase nos efeitos das variáveis geográficas, sócio-econômicas,

e sexo na variação, ficando o efeito idade restrito aos falantes relacionados ao período mais

ativo do desenvolvimento lingüístico.

Pretende-se, então, ampliar ainda mais o rico campo da sociolingüística, estendendo a

hipótese da heterogeneidade estruturada para os membros mais jovens da comunidade. Para

que isso ocorra, entretanto, é preciso compreender que a aquisição é um processo que leva em

conta não só as formas categóricas, mas também os padrões lingüísticos variáveis.

2.6 Considerações finais

Neste capítulo, foram expostos os princípios teóricos dos Modelos

Multirepresentacionais – o Modelo de Exemplares e o Modelo baseado no Uso. Além disso,

foram explicitados as proposições e os achados dos trabalhos relativos à aquisição da variação

estruturada. Estes pressupostos constituem o fundamento teórico da presente dissertação. Sob

a perspectiva dos Modelos Multirepresentacionais, será verificada a importância da freqüência

de tipo e de ocorrência na aquisição de estruturas fonológicas. Dentro da aquisição da

variação, será observada a importância das crianças em idade pré- escolar na aquisição de

fenômenos variáveis.

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Capítulo III

Revisão bibliográfica: Os ditongos decrescentes orais sob a ótica do Estruturalismo e dos Modelos Gerativistas.

“[O ditongo] é um aspecto precário da língua portuguesa [...].” (Câmara Jr., 1970: 55)

3.1 Introdução

Nesse capítulo, serão apresentadas e discutidas as principais propostas de estudos

sobre os ditongos decrescentes orais do português brasileiro. Para tal, resenharemos,

inicialmente, a perspectiva de Mattoso Câmara (1970, 1977) e, posteriormente, discutiremos o

status fonológico dos ditongos, baseando-nos nas considerações e confrontos de Leda Bisol

(1989, 1992, 1994) e Gonçalves (1995, 1997). Enfocaremos, ainda, as pesquisas

sociolingüísticas de Paiva (1986, 2003) e Paladino Neto (1990), a fim de identificarmos os

condicionamentos estruturais e sociais das variações [ey] ~ [e], [ay] ~ [a] e [ow] ~ [o]. Por

último, explicitaremos como a aquisição dos ditongos é compreendida sob as premissas da

teoria da otimidade (Bonilha, 2003).

3.2 A proposta de Mattoso Câmara Jr.

Como se sabe, o estudo dos ditongos está ligado a princípios que regem a constituição

da sílaba, assim antes de entrarmos no cerne da discussão, é válido tecermos considerações

sobre as estruturas silábicas.

Camara Jr. (1970: 53) defende a idéia de que “a sílaba é a estrutura fonêmica

elementar” e não o fonema, como muitos postulavam, e afirma também que a sílaba seria uma

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divisão espontânea e largamente notada na fonologia (segunda articulação)8. Esse autor,

entretanto, não chega a desenvolver um estudo propriamente dito do molde silábico do

português, como afirma Collischonn (1999: 107) no livro Introdução a estudos de fonologia

do português brasileiro.

Na verdade, Mattoso (1970: 53) adquire um ponto de vista fonético, levando em conta

várias vertentes, tais como: o efeito auditivo (sílaba sonora), a força expiratória (sílaba

dinâmica), o encadeamento articulatório na produção contínua dos sons vocais (sílaba

articulatória), a tensão muscular durante essa série de articulações (sílaba intensiva) e até o

jogo da musculatura peitoral. A partir disso, postula que a sílaba seria formada de um aclive -

movimento de ascensão, de um ápice - centro silábico e de um declive – movimento

decrescente.

Além disso, pode-se dizer que a estrutura da sílaba é dependente do ápice,

normalmente, constituída por vogal (já que é bastante sonora e possui maior força expiratória,

articulação mais aberta e tensão muscular firme) e do aparecimento ou não da fase crescente e

da fase decrescente em volta de suas margens. Vale destacar que o aclive é constituído por

uma ou duas consoantes e que o declive é constituído pelas consoantes /S/, /r/9, /l/, /N/ e pelas

semivogais /j, w/. Diante disso, o autor apresenta quatro tipos silábicos: a sílaba simples (V);

a sílaba complexa crescente (CV); a sílaba complexa decrescente (VC) e, ainda, a sílaba CVC.

Nota-se que as primeiras constituem sílabas abertas, por terem como coda uma vogal e as

duas últimas, as sílabas fechadas, por terem como coda uma consoante.

Em relação aos ditongos, Mattoso Camara Jr. (1970: 54) instiga uma interessante

discussão sobre os alofones assilábicos /j/ e /w/, como em pei-to e pau-ta, uma vez que,

8 Este autor baseava-se na dupla articulação da linguagem (Cf: Martinet: 1960:17), que consiste no fundamento de que a enunciação lingüística é composta de uma seqüência vocal, passível de análise, até seus elementos indivisíveis e uma correspondência entre os grupos vocais e significações. Levando-se em conta que a função primordial da língua é a comunicação, tem-se nessa correspondência a “primeira articulação”. Já, a “segunda articulação” é a das seqüências vocais consideradas em si mesmas. (Cf: Câmara Jr., 1970: 23). 9 Estamos levando em consideração, neste caso, o arquifonema vibrante.

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apesar de funcionarem como elementos marginais (C), possuem, inegavelmente, certa

natureza de pico silábico (V). Dessa forma, surge o problema da representação de tais sílabas,

que podem ser analisadas como CVC ou CVV. Este problema, entretanto, é bem mais amplo,

já que essas representações podem ser vistas como sílabas fechadas ou como sílabas abertas.

A partir de dados lingüísticos concretos do português brasileiro, a estrutura CVV foi

considerada a mais coerente10, como cita Câmara Jr. (1970:54):

a facilidade com que se passa em português de um ditongo a um monotongo (/ou/ pronunciado /ô/, por exemplo, fora do registro formal mesmo dentro do dialeto social dito ‘culto’); a variação livre da divisão silábica na seqüência átona de qualquer vogal e vogal alta (vai-da-de ou va-i-da-de) ou mesmo a fácil passagem de /i/ assilábico a /ê/ e /u/ assilábico a /ô/ (como no vocativo infantil “papaê!”) justificam a segunda opção [CVV]”.

O autor aponta também para um questionamento relativo à descrição da estrutura

silábica do português: os ditongos, realmente, existem nessa língua? E reconhece, por sua vez,

a possibilidade da interpretação dos ditongos sempre como hiatos. A resposta para isso

estaria, segundo Câmara Jr. (1970: 55), na existência ou não de pares opositivos. Assim,

apresenta casos como rio /riu/ (substantivo ou 1ª pessoa do singular do presente do indicativo)

versus riu /riu / (3ª pessoa do singular do pretérito perfeito) no Rio de Janeiro e a oposição

entre o presente do subjuntivo de arruar e os verbos da 3ª conjugação do presente do

indicativo, como constitui, além da oposição com nome próprio Rui ( arrui X a Rui).

Em seu Dicionário de Lingüística e Gramática (1986: 101), Câmara Jr. também

afirma que o conceito de ditongo é dependente de uma oposição distintiva com vogal simples,

como em pai ou pau versus pá. Assim, quando falta essa oposição, a pronuncia ditongada da

vogal equivale a vogal simples (ditongo monofonêmico). Em contrapartida, diz que quando

duas vogais em hiato podem ser pronunciadas em uma mesma sílaba, surge um ditongo

inesperado que se opõe ao ditongo propriamente dito, como no caso de vai-da-de ou va-i-da-

de citado acima. 10 Vale destacar que em Problemas de Lingüística descritiva, Câmara Jr. analisou as sílabas com ditongo como travadas.

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Através dos exemplos, foi confirmada a existência do ditongo no português em,

somente, certas áreas, como a do Rio de janeiro, sendo ausente em outras regiões, como Rio

Grande do Sul e Lisboa. A partir dessa constatação, o autor (1970: 56) mencionou: [O

ditongo] “é um aspecto precário da língua portuguesa [...]”.

Após essa sucinta explanação sobre a proposta de Câmara Jr, vale mencionar que esse

autor aceita 11 tipos de ditongos decrescentes no português (só quando um dos elementos

vocálicos é tônico), tais são eles: /ai/- pai; /au/-pau, paulada; /èi/-papéis (só diante de /S/); /

èw/- céu, /êi/-lei, leitura; /iu/-riu; /òi/-mói, dói; /oi/- boi, coitado; /ôu/- vou, sou, doutor; /ui/- fui,

cuidado e /òu/- sol. Cita, também, os três nasais: /ay(n)/ (mãe), /ou(n)/ (põe) e /aw(n)/ (são,

órfão).

3.3 A proposta de Leda Bisol

Esta secção discutirá, novamente, a questão da posição ocupada pela semivogal dos

ditongos, a fim de se possa fazer contrapontos entre a proposta de Mattoso Câmara Jr. e a de

Leda Bisol. Até este ponto, vimos que Câmara Jr. postulou que os ditongos podem ser vistos

como uma estrutura VC e, portanto, constituir uma sílaba travada ou como VV, fazendo parte

de uma sílaba aberta. Esse autor, ao analisar dados do português, escolheu a segunda

alternativa como a melhor.

Para um melhor entendimento futuro da visão autossegmental em relação aos

ditongos decrescentes, serão expostas as principais características e os conceitos gerais dessa

teoria fonológica não-linear, no que diz respeito aos traços distintivos e à teoria da sílaba.

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3.3.1 Fonologia não- linear

3.3.1.1 Teoria Autossegmental

Essa teoria, cujo marco inicial costuma ser atribuído a Goldsmith (1976), surgiu do

estudo de línguas tonais com a proposta de analisar o segmento como um conjunto de traços

hierarquicamente ordenados, se contrapondo, então, com a visão clássica que começou a

segmentar os sons de forma exaustiva e que postulava a idéia de que os segmentos estavam

linearmente ordenados e determinados por meio de colunas de traços não especificados (Cf.:

Bisol, 1992: 268-269). A teoria autossegmental mostrou também que fenômenos

suprassegmentais devem ser vistos através de uma análise multilinear e não mais linear (Cf.:

Clements, 1991).

Segundo Matzenauer (1999: 45), a fonologia autossegmental considerava a

possibilidade da segmentação ser independente de partes dos sons das línguas, diferenciando-

se, assim, dos modelos lineares que trabalhavam apenas com segmentos completos e com

matrizes de traços. Essa primeira postulação, por sua vez, está intrinsecamente ligada a

outros dois aspectos defendidos pela teoria retratada neste momento, tais são eles:

a) Não se tem mais a visão de que cada segmento possui o seu conjunto de

traços caracterizadores (visão bijectiva), implicando na extensão dos traços

além ou aquém dos segmentos (espraiamento e assimilação de traços) e no

fim da relação entre segmentos e seus traços (isto significa dizer que o

apagamento de um segmento não resulta necessariamente no

desaparecimento de todos os seus traços, por exemplo);

b) O segmento passou a ser visto como possuindo uma estrutura interna, com

uma hierarquização entre os traços que constituem os segmentos da língua,

culminando na visão de que esses traços podem tanto funcionar

isoladamente, como em conjunto.

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A partir dessas novas propostas, a Fonologia Autossegmental começou a analisar os

segmentos em camadas, conhecidas como “tiers”, uma vez que permitiria a divisão das partes

do som, tornando-as independentes. Na verdade, esse tipo de análise possibilitaria que uma

regra pudesse ser operada em determinado tier, isto é, nasal, ou contínuo ou aberto, por

exemplo.

Com o objetivo de representar concretamente essa visão da hierarquia entre os traços

fonológicos e a de que esses traços funcionam tanto isoladamente como em “conjuntos

solidários” (Matzenauer, 1999: 47), surgiu a geometria dos traços. (Clements, 1985, 1989,

1991).

Em relação a essa geometria, Matzenauer (op.cit) diz que os segmentos são

estruturados com uma organização interna que, por sua vez, apresenta nós hierarquicamente

ordenados. Vale mencionar que há tanto nós terminais, que são os traços fonológicos em si,

quanto nós intermediários, que são as classes dos traços. Isso ficará visualmente mais fácil

com a ilustração que se segue abaixo:

3.1 Diagrama arbóreo de Clements e Hume, 1995, p.249)

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Nota-se, nesta representação, que se tem um nó r, que é chamado de raiz e que

corresponde ao próprio segmento. Há também os nós A, B, C e D, que correspondem aos nós

de classe e que dominam os nódulos terminais a, b, c, d, e, f, g. Esses últimos são os traços

fonológicos (nós terminais). As linhas, que aparecem ligando os nós, são conhecidas como

linhas de associação. Vale lembrar, ainda, que o nó de raiz é dominado por uma unidade

abstrata de tempo (X), conhecida como linha esqueletal ou prosódica.

É interessante mencionar que, segundo Clements ( 1985, 1991 apud Matzenauer,1999:

46), os traços que constituem os segmentos de um vocábulo são adjacentes e formam um

plano geométrico tridimensional, possibilitando a diferenciação de cada tier. Na verdade, a

cada dois tiers adjacentes é formado um plano.

Uma questão importante para a discussão dos ditongos é a possibilidade de definição

dos segmentos independentemente de sua complexidade, através da análise da relação entre

unidade temporal (X) e o nó de raiz (r). Dessa forma, têm-se 5 representações possíveis para

os segmentos:

a) X Essa representação corresponde a das vogais ou

consoantes simples, já que apresenta apenas uma unidade

de tempo ligado a um nó de raiz;

b) X X Esta representa as vogais longas ou as consoantes

geminadas, visto que possui duas unidades de tempo

ligadas apenas a um nó de raiz;

c) X Essa configuração está relacionada aos segmentos de

contorno (consoantes africadas e as plosivas pré e pós-

nasalizadas), pois tem uma unidade de tempo ligada a

dois nós de raiz;

r r

r

r

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d) X Ο

(apagamento) e) X r (epêntese)

Essas formulações apresentam a visão da fonologia não linear, já que os exemplos (b)

e (c) representam ligações múltiplas ao invés da relação um - para - um entre a unidade de

tempo e o nó de raiz. As representações (d) e (e), por sua vez, apresentam elementos

flutuantes.

Outro aspecto a ser mencionado é o de que, na verdade, as representações possuem

também a função de facilitar a expressão das classes naturais – classes de segmentos

relacionados que são especificadas através dos traços distintivos e na qual as regras se

aplicam. Dessa forma, a geometria de traços assume o princípio de que as regras fonológicas

constituem uma única operação - desligamento de linhas de associação ou espraiamento de

traços, a fim de que se busque a representação da naturalidade das regras fonológicas e dos

grupos de traços. O princípio expresso proporciona a conseqüência de que apenas conjuntos

de traços que possuam um nó de classe em comum possam funcionar juntos em regras

fonológicas (cf.:Matzenauer, 1999:48).

É interessante mencionar que os segmentos ganharam uma nova visão e,

conseqüentemente, novas definições quando deixaram de ser vistos como conjunto de traços

desordenados. Dessa forma, reconhecem-se três tipos: o segmento simples, que se caracteriza

por apresentar um nó de raiz e um traço de articulação oral; o complexo, no qual possui um nó

de raiz e, no mínimo, dois traços de articulação oral, e o segmento de contorno, cuja

representação é feita através de dois nós de raiz ligados a uma unidade de tempo (X),

Tanto a representação (d) quanto a representação (e)

apresentam unidades segmentais não associadas, isto

é, “flutuantes” (Matzenauer, 1999: 48). São nessas

ocorrências que uma regra terá que atuar para que

ocorra uma associação dos nós ou os seus

apagamentos, como é o caso dos ditongos variáveis.

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contendo seqüências de diferentes traços. Além disso, se comporta com valor positivo ou

negativo de acordo com seus segmentos vizinhos.

3.3.1.2 Teoria da sílaba

A noção de sílaba foi inserida e aceita, tardiamente nos estudos lingüísticos, como

uma unidade fonológica, uma vez que, anteriormente, as discussões giravam em torno do

status fonológico da sílaba e não na natureza e no papel desempenhado por ela na fonologia

das línguas do mundo.

A teoria da sílaba que será vista, neste trabalho, é baseada na estrutura silábica que

possui ataque (onset) e rima, a qual por sua vez compreende núcleo e coda (Cf.: Selkirk,1982,

apud Collischonn, 1999: 92):

3.2 Estrutura silábica proposta por Selkirk, 1982

Nota-se, através da figura, que a sílaba possui uma estrutura interna, na qual seus

elementos encontram-se hierarquicamente ordenados. Vale mencionar que, para essa proposta

de sílaba, a relação entre a vogal do núcleo e a consoante da coda é mais estreita do que entre

esta vogal e a consoante do ataque.

Outro aspecto importante a ser discutido é o da distinção entre sílabas leves e sílabas

pesadas. Para que tal fato seja diferenciado, levaremos em conta a constituição das sílabas.

Dessa forma, pode-se afirmar que as noções de ataque e rima são crucias para esse

entendimento.

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Segundo Collischonn (1999: 95), rimas constituídas apenas por uma vogal são

consideradas leves, enquanto rimas que contêm consoante e consoante, vogal e consoante ou

vogal e vogal longa são pesadas. Na verdade, essa definição significa dizer que a

diferenciação entre as sílabas referidas está relacionada ao fato da rima ser ramificada ou não.

Vale destacar que o ataque não é relevante para o peso silábico. Existe, entretanto, a proposta

de que as sílabas constituem unidades de peso, chamadas de mora (µ) (Hyman, 1985).

Segundo essa análise, uma sílaba pesada teria duas moras e uma sílaba leve, uma mora

apenas.

É interessante destacar também que cada língua apresenta um determinado número de

segmentos em cada constituinte da sílaba, no sentido de quantos segmentos são possíveis no

ataque e na rima, por exemplo. Para expressar essas determinações, tem-se o chamado molde

silábico. Assim, pode-se afirmar que esse molde tem a função de prever as estruturas

possíveis de sílabas em uma determinada língua. Nem todas as sílabas, entretanto, existentes

em uma determinada língua aparecem no inventário fornecido pelo molde silábico e, portanto,

outros mecanismos são necessários (Cf.: Collischonn, 1999: 99).

Essas condições adicionais, conhecidas como filtros, servem para restringir as

seqüências de segmentos no interior de cada constituinte, não permitir seqüências de

consoantes em ataque e proibir segmentos idênticos, por exemplo.

Em relação à divisão de uma seqüência de segmentos em sílabas (no sentido de se

saber quando um elemento fica na posição de ataque ou na de coda, por exemplo), pode-se

dizer que há duas abordagens principais: a de regras e a de condições. A primeira postula que

a silabação é feita por meio de regras ordenadas de criação de estruturas silábicas, na qual

primeiramente, ocorre a regra de criação do núcleo, depois a do ataque e, por último, a da

coda. A segunda, por sua vez, considera a silabação como um processo automático que

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obedece a condições universais - seqüência de sonoridade e licenciamento prosódico - e

paramétricas - molde silábico e filtros (Cf.: Bisol, 1999: 101).

Uma das condições universais é a seqüência de sonoridade, cuja função é relacionar a

sonoridade de um segmento com a posição que ele ocupa no interior da sílaba. Assim, afirma-

se que o elemento mais sonoro sempre ocupará o núcleo de sílaba e, em contrapartida, os

elementos menos sonoros ocuparão as margens da sílaba. Além disso, a seqüência de

elementos que está no ataque ou na coda possui sonoridade crescente em direção ao núcleo.

Pode-se dizer, então, que a escala de sonoridade é a seguinte: vogal (3) > líquida (2) > nasal

(1) > obstruinte (0) (cf.: Collischonn, 1999: 101). Observa-se, então, que a vogal apresenta

expressiva sonoridade e, portanto, é o principal elemento para ser núcleo de sílaba, enquanto a

obstruinte é a última da escala e, nunca, poderá ocupar a posição de núcleo.

Vale destacar que essa condição permite silabar corretamente as palavras, porém não

exclui todas as silabações incorretas, precisando, assim, de outros artifícios, como filtros e

princípios, que interfiram no processo de divisão silábica.

Outra condição universal de boa formação é o princípio do licenciamento prosódico

(cf.: Collischonn, 1999: 103). Tal princípio postula que as estruturas prosódicas são

organizadas hierarquicamente e, dessa forma, uma unidade prosódica de um certo nível deve

estar sempre relacionada a estruturas superiores. A fim de ilustração, se considerarmos a

hierarquia prosódica como: segmento - sílaba - pé - frase fonológica - enunciado, poderemos

afirmar que, de acordo com esse princípio, um segmento terá que estar associado na

representação fonológica a, pelo menos, um nó silábico. A sílaba, por sua vez, deverá estar

associada a um pé e assim sucessivamente.

O mais importante, entretanto, é a conseqüência que esse princípio suscita, uma vez

que é através dele, que a teoria da sílaba postula que a seqüência fonológica sempre será

dividida em sílabas, o que significa dizer que todo segmento deverá estar ligado a uma sílaba

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(cf.: Collischonn, 1999: 104). Assim, para os casos em que um segmento não é associado a

um nó silábico devido à sua qualidade ou à sua posição, violando, assim, o licenciamento

prosódico, existem dois mecanismos de ajuste, que impedem a violação: a epêntese e o

apagamento.

A epêntese é o acréscimo de um segmento para evitar que um outro segmento fique

desassociado e o apagamento, por sua vez, ocorre no próprio elemento desassociado. Dessa

forma, esses mecanismos têm a função de ajustar a estrutura silábica, a fim de que não haja a

violação do princípio do licenciamento prosódico.

A partir dessas idéias fundamentais retratadas nesta secção, têm-se os alicerces

necessários para entrarmos na análise de Leda Bisol sobre os ditongos decrescentes.

3.3.2 Ditongos decrescentes segundo Bisol

Segundo a interpretação de Bisol (1989), nos ditongos decrescentes, a semivogal

ocuparia a posição de consoante, ficando, conseqüentemente, na coda da sílaba. Dessa forma,

elementos, como [j] e [w], por exemplo, comutam com consoantes também em posição de

coda, como no par opositivo mar e mau.

Nota-se, então, que as propostas dos dois autores comparados divergem em relação à

posição que o glide ocupa na estrutura silábica. Vale relembrar que, para Câmara Jr. (1982), a

semivogal é de natureza vocálica e, portanto, ocupa com a vogal silábica o núcleo da sílaba.

Assim, para esse autor, o glide não comuta com a consoante em coda final, mas sim com a

vogal simples, como em leu/ lê.

Um outro contraponto que deve ser feito é o do questionamento da existência dos

ditongos no português. Viu-se, na secção 3.2, que Mattoso Câmara (1970: 55) indaga se,

realmente, haveria ditongos na língua portuguesa e, através de uma análise de pares

opositivos, postula que há o ditongo propriamente dito, no qual se opõe com a vogal simples e

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o ditongo monofonêmico, cuja pronúncia equivale a da vogal simples. Bisol (1994: 125), por

sua vez, também, irá distinguir os ditongos em verdadeiros e falsos.

A autora parte do pressuposto de que o verdadeiro ditongo possui duas vogais na

forma subjacente, sendo que a segunda vogal irá se consonantizar por silabação. Vale ressaltar

que a formação do glide é uma instância particular do processo de silabação- regra que se

aplica no início da derivação. Já o ditongo falso ocuparia uma só representação no nível

prosódico ou esqueletal e, por isso, apresenta variação com a vogal simples (ou com o

monotongo). Normalmente, este tipo de ditongo aparece diante das consoantes palatal e

vibrante. Observa-se, então, que, sobre essa questão, os dois autores concordam que há dois

tipos diferentes de ditongos: um, com uma semivogal com características incontestáveis e

outro, com uma semivogal que ora se manifesta, ora não.

Na próxima secção, essa proposta de Bisol (1989, 1992, 1994) será aprofundada, a fim

de que se possa discutir as representações subjacentes e de superfície dos ditongos

decrescentes, confrontando-a com a idéia de Gonçalves & Costa (1995).

3.4 Discussão sobre as representações dos ditongos decrescentes

Este seção irá se basear na noção de que um conjunto de representações, no caso

fonéticas (estruturas superficiais), se relaciona a uma única e abstrata representação

fonológica (forma subjacente). Assim, essa visão defende a idéia de que somente os fonemas

estão presentes na representação lingüística. Vale mencionar, ainda, que a conexão entre essas

duas representações se dá por meio de aplicações de regras ou processos que modificam, de

alguma maneira, a forma subjacente.

Em relação à representação dos ditongos, há duas propostas fundamentais, a de Bisol

(1989, 1992, 1994) e a de Gonçalves & Costa (1995), nas quais discutem se haveria uma

vogal simples na estrutura subjacente, aparecendo o ditongo somente na estrutura superficial

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devido a processos assimilatórios em determinados contextos ou se haveria um ditongo na

forma subjacente e uma vogal simples na estrutura superficial, visto que ocorreria um

cancelamento da semivogal.

A abordagem teórica em que Bisol (1989: 186) e Gonçalves & Costa (1995: 113) se

fundamentam é a teoria da sílaba, uma das linhas da fonologia autossegmental (Goldmith,

1976), na qual, como vimos anteriormente, a sílaba é considerada como um objeto multi-

dimensional de seqüências de segmentos organizados hierarquicamente:

3.3 Seqüência dos segmentos da sílaba organizados hierarquicamente (Bisol, 1989: 186).

A partir da figura 3.3, vê-se que há três estruturas delineadas: (a) a estrutura linear, que

corresponde à linha da sílaba. Neste nível, há a regência do princípio de sonoridade do

seqüenciamento, que indica que os segmentos se organizam em ascendência de sonoridade em

direção ao núcleo da rima; (b) a estrutura hierárquica, que vai da linha da rima à prosódica.

Na segunda parte central da sílaba, os constituintes imediatos, o onset e a rima, estão ligados

diretamente à linha da sílaba e a unidades X, representados em algumas análises por C e V. É

interessante mencionar, aqui, que a sílaba possui mais dois constituintes, o núcleo e a coda,

que também se associam a uma ou mais posições da camada X; e (c) a estrutura

autossegmental, que compreende a linha melódica, onde os traços fonéticos superordenados

especificam –se (Cf.: Bisol, 1992: 280-281).

°

onset rima

X X

linha (tier) da sílaba linha (tier) da rima linha (tier) prosódico linha (tier) melódico [traços] [traços]

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Para a fonologia autossegmental, a relação entre as representações subjacentes

(fonologia) e as representações superficiais (fonética) é feita através de processos

derivacionais. Nesses processos, as formas fonológicas sofrem alterações devido à aplicação

de regras. As regras, por sua vez, obedecem a princípios que atuam em diversos níveis, a fim

de que as estruturas sejam bem formadas (princípio de boa formação).

Segundo Bisol (1989: 189), no português, haveria duas classes de ditongos: o ditongo

pesado, o verdadeiro, associado a duas posições na linha da rima e o ditongo leve, associado a

uma só posição. O primeiro constitui uma sílaba complexa, visto que possui rima ramificada e

tende a ser preservado, já o segundo constitui uma rima simples e tende a ser perdido.

Seguem-se, abaixo, as representações desses dois ditongos:

(a) (b)

verdadeiro ditongo (pesado) falso ditongo (leve)

3.4 Representações das estruturas subjacentes dos ditongos verdadeiros e falsos (Bisol, 1989: 190).

Postula-se, então, que os ditongos verdadeiros são invariantes, como em pauta

[‘pawta], reino [‘ηeynu], irmão [iη‘mãw] e céu [‘sΕw] e estão representados na estrutura

subjacente por duas vogais ligadas a uma posição da rima, como um autêntico ditongo. Em

oposição, os ditongos leves ora se manifestam, ora não e possuem na estrutura subjacente

apenas uma vogal, formando-se o glide em nível mais próximo à superfície. São exemplos

deste tipo de ditongo as seguintes palavras: peixe [‘peyΣi ~ ‘peΣi], homem

[‘omẽy ~ ‘omĩy ~ ‘omi], feira [‘feyΡa ~ ‘feΡa] e caixa [‘kayΣa ~ ‘kaΣa]. Vale mencionar que

R

X X

[...] [...]

R

X

[...] [...]

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esse último tipo de ditongo é criado no tier melódico por processos assimilatórios (Cf.: Bisol,

1994: 123).

Para a distinção dessas duas representações, o principal argumento defendido pela

autora (1989: 190) é o de que o verdadeiro ditongo forma pares mínimos com a vogal simples,

sendo um ditongo fonológico, como em lei/lê, laudo/lado, caule/ cale. Enquanto, o falso

ditongo alterna com a vogal simples, mas não causa diferença de sentido, sendo, portanto, um

ditongo meramente fonético, como se pode ver em beira [‘beyΡa ~ ‘beΡa], eixo [‘eyΣu ~

‘eΣu], baixa [‘bayΣa ~ ‘baΣa] e imagem [i ‘maΖey ~ i ‘maΖi].

Para comprovar sua hipótese, Bisol (1989: 191) analisou alguns contextos fônicos dos

ditongos decrescentes, como por exemplo, as semivogais que ora aparecem ora não antes da

consoante palatal. Há, ainda, os casos em que um glide homorgânico desenvolve-se

sistematicamente junto a uma vogal nasal em fim de vocábulo.

O glide antes da palatal pode ser apagado (peixe: [‘peyΣi ~’peΣi], baixo [‘bayΣu ~

‘baΣu]) ou acrescido (vexame: [ve’Σami ~vey’Σami], faxina [fa’Σina ~fay’Σina]) sem afetar o

sentido da palavra, não formando pares mínimos e sendo, portanto, um falso ditongo. Uma

possível justificativa para a afirmação de que todo ditongo seguido de palatal possui uma só

vogal na estrutura subjacente é o fato de que o glide origina-se através de um processo

assimilatório de espraiamento dos traços vocálicos da palatal, uma consoante complexa.

Dessa forma, a semivogal seria sempre uma conseqüência da palatal. Vejamos esse

espraiamento do traço da palatal:

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3.5 Espraiamento do traço da palatal (Bisol, 1989: 192).

No caso de [‘peyΣi ~ ‘peΣi], por exemplo, a consoante palatal e a vogal [e]

compartilham alguns traços, como por exemplo [- posterior], fazendo aparecer um glide entre

os dois segmentos, a fim de que possa ligar as duas sílabas. Se as duas posições da sílaba

estiverem conectadas, tem-se o glide, se não estiverem, uma só vogal se manifesta.

Ainda a respeito desse segmento seguinte, Bisol (1994: 126-127) afirma que não há

como interpretar inserção do glide de um lado e apagamento de outro, em se tratando de

ambiente similar. Essa seria mais uma evidência forte que a leva a admitir que as palavras que

têm ditongo antes de palatal possuem estrutura subjacente de uma vogal só e acrescenta que:

Admitir que todos os casos [...] possuam ditongo na forma mais interna e que o glide apaga variavelmente, embora seja uma análise possível, complicaria a descrição do léxico e teria de contar com alguma motivação estrutural para o apagamento do glide. Disso desconhecemos qualquer indício.

Em relação ao desenvolvimento de um glide junto a uma vogal nasal em fim de

vocábulo, como em homem [omẽy ~ omĩ], jovem [Ζovẽy ~ Ζovĩ], coragem [koraΖẽy ~

koraΖĩ], garagem [garaΖẽy ~ garaΖĩ] e viagem [viaΖẽy ~ viaΖĩ], a autora (1989: 197) afirma

que, nessa posição, há um ditongo leve que alterna com uma vogal só em palavras não

monossilábicas. Trata-se, portanto, de um ditongo nasal [ey] de caráter fonético.

Seguindo os princípios da teoria autossegmental, a vogal nasal seria uma seqüência

VC subjacente, onde C é uma nasal não especificada. Além disso, essa seqüência VC teria

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duas posições na linha prosódica. Através da regra de desligamento, a nasal seria absorvida,

tornando-se um auto-segmento flutuante que, posteriormente, se ligará à última sílaba. No

caso específico do ditongo [ey], a nasal flutuante seria associada à coda da rima e o glide

criado seria o resultado de mútuo processo assimilatório: a nasal daria nasalidade à vogal e

esta ditaria a qualidade da semivogal (cf.: Bisol: 198-199).

Dessa forma, não haveria necessidade de regra específica de apagamento de glide para

dar conta da variante de uma só vogal. A semivogal final de palavras como [‘omẽy] seria

resultado de um processo assimilatório, formando, assim, um ditongo leve com a vogal nasal.

Gonçalves & Costa (1995: 116) também classificam os ditongos do português em dois

tipos básicos: legítimos e ilegítimos, levando em conta para essa classificação o status

fonêmico e a recorrência no léxico.

Os legítimos compreendem aqueles que possuem uma sílaba pesada, visto que a rima

é constituída de núcleo e semivogal /vogal e coda/, podendo a coda aparecer ou não na

estrutura superficial, dependendo dos fatores fonológicos ou não-fonológicos a que está

condicionada. Nestes ditongos, ocorreria uma regra de cancelamento dos assilábicos [y] ou

[w].

Em oposição, os ilegítimos são aqueles que surgem na estrutura superficial através de

regras fonológicas de inserção de glides nas seguintes condições: (a) entre vogais, para

desfazer hiatos em final de palavras, como em côa [‘kowa] e idéia [i’dΕya]; (b) entre vogal e

consoante fricativa palatal, como mês [meyS] e (c) entre vogal e travamento consonântico

nasal em final de palavras, como homem [omẽy].

Essa análise diverge da de Bisol somente no que se refere à distinção entre ditongos

verdadeiros e falsos com base exclusivamente no critério da variação presença/ ausência dos

glides (Cf.: Bisol, 1992). Para Gonçalves & Costa (1995), tanto os ditongos invariáveis

quanto os variáveis, respectivamente, verdadeiros e falsos de acordo com Bisol, constituem

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os ditongos rotulados de legítimos devido a quatro argumentos. Tais são eles (Cf.: Gonçalves,

1997: 166):

1) Bisol admite uma regra de inserção de glide nos chamados falsos ditongos,

regra essa que deriva o ditongo na estrutura de superfície. No entanto, é

difícil postular uma regra de tal porte, visto que acarretaria pouca economia

na descrição dos ditongos, haja vista o fato de os contextos em que poderia

operar serem diferentes (diante da fricativa palatal e nasal bilabial, entre

outros). Por essa razão, haveria necessidade de se criarem várias regras para

descrever o mesmo processo;

2) Seria mais coerente formular um processo oposto nos denominados ditongos

ilegítimos – o cancelamento dos glides em contextos específicos, como

fizeram as análises multivariacionais- em face de considerarem o ditongo (e

não a vogal simples) o elemento subjacente.

3) As palavras com variação entre presença e ausência de semivogal

constituem uma amostra bastante pequena, já que somente os ditongos

[ay],[aw], [ey] e [ow] alternam com vogais simples, sendo, o universo

invariável muito maior.

4) Até nos casos dos ditongos variáveis, há muitas palavras que mantêm o

ditongo inalterado, como em “baita” em oposição à “baixo” e “treinar”, entre

outros. Isso mostra que o processo de cancelamento das semivogais é, até

certo ponto, sensível ao contexto fonológico ou, mesmo, à categoria

gramatical dos itens.

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3.5 Abordagens variacionistas sobre os ditongos decrescentes orais

Esta seção tem como objetivo principal descrever os resultados pertinentes das

propostas variacionistas de interpretação para os ditongos decrescentes orais. Para tal,

enfocaremos os trabalhos de Paiva (1986, 2003) e Paladino Neto (1990), uma vez que estes

pesquisadores aplicaram o modelo de análise quantitativa ao estudo da realização variável das

semivogais [y] e [w] em Amostras da cidade do Rio de Janeiro, a fim de identificar os

condicionamentos estruturais e sociais dessa variação. A primeira utilizou a Amostra Censo

(falantes não universitários) e o segundo autor, a Amostra NURC (falantes universitários).

Estes trabalhos também servem para caracterizar o comportamento da comunidade de fala em

que estão inseridas as crianças em período aquisitivo.

As pesquisas aqui mencionadas partem do pressuposto de que ocorre “redução” do

ditongo ou “cancelamento” de glide nos ditongos. Assim, assumem, implicitamente, a posição

de que o elemento subjacente é o ditongo e não a vogal simples. Dos dez ditongos11

decrescentes do português, apenas quatro são passíveis de redução – [ay], [ey], [ow] e [aw].

Destes, somente, os três primeiros foram estudados nas duas análises variacionistas aqui

enfocadas. Vale destacar que a redução de cada tipo de ditongo variável é explicada

separadamente, visto que os contextos estruturais possuem alcance diferente. A redução de

[ay], por exemplo, possui um ambiente estrutural favorável mais restrito que a redução do

ditongo [ey]. Esta, por sua vez, não é possível em todos contextos fonéticos, já que há

ambientes estruturais favorecedores e também ambientes bloqueadores. Todas as ocorrências

do ditongo [ow], contrariamente, são passíveis de redução.

Levando-se em conta a diferença entre [ay] e [ey], de um lado, e [ow], de outro,

apontaremos, primeiramente, os resultados encontrados para a variação dos ditongos com a

semivogal anterior. Os estudos de Paiva (1986) e de Paladino Neto (1990) encontraram dois

11 Que são os ditongos [ay], [aw], [Εy], [ey], [iw], [ y], [oy], [ow], [uy] e [ w] citados por Câmara Jr.

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fatores lingüísticos relevantes para a variação desses ditongos: o contexto fônico seguinte e a

tonicidade.

Em relação ao [ay], constatou-se que a semivogal é cancelada somente quando

seguida de fricativa palatal surda. No que diz respeito ao ditongo [ey], o tepe e as fricativas

palatais são, respectivamente, os elementos favorecedores na eliminação da semivogal. A

oclusiva dental e as fricativas alveolares, no entanto, atuam na preservação da forma

ditongada. Além dessas, as consoantes laterais e africadas e as vogais parecem ser

“bloqueadores” da monotongação, já que os ditongos se mostraram categóricos no sentido de

presença da semivogal (Cf. Paiva, 1986: 170). Segundo Gonçalves (1997: 174), as vogais

funcionam como “freios” para a monotongação devido à tendência, na Língua Portuguesa, em

se evitar o hiato. Assim, por exemplo, em casos como ´caseia´ se ocorresse a supressão da

semivogal, forma-se-ia um hiato, estrutura evitada desde a fase arcaica. Dessa forma, a

variação [ey ~ e] ocorre preponderantemente diante de tepe, fricativas palatais e nasal bilabial.

Paiva (2003), em seu estudo sobre a monotongação de [ey] em tempo real, analisou,

através de um intervalo de 20 anos, o comportamento lingüístico de indivíduos e da

comunidade. Os resultados relativos aos condicionamentos estruturais da alternância [ey]/[e]

nos indivíduos (estudo painel) e na comunidade de fala (estudo tendência) indicam uma

avançada implementação da monotongação no ambiente da vibrante simples, por um lado, e

significativo recuo no ambiente de fricativa palatal, como se pode observar nas tabelas

abaixo:

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Amostra 80 (I) Amostra 00 (I) Modo/ponto de

articulação Freq. PR Freq. PR

Vibrante simples 98% 0,69 97% 0,66

Fricativa alveolar 0% - 0% -

Fricativa palatal 76% 0,31 66% 0,10

Oclusiva dental 0% - 0% -

Oclusiva velar 30% 0,01 67% 0,31

Nasal bilabial 71% 0,08 70% 0,34

Nasal alveolar 100% - 30% 0,09

Tabela 3.1: Efeito do segmento seguinte sobre a monotongação de [ey]. Estudo painel (Paiva, 2003:41).

Os resultados referentes às Amostras de fala dos indivíduos recontatados indicam a

continuação do forte efeito da vibrante alveolar sobre a redução do ditongo. Algumas

alterações nos demais contextos estruturais, no entanto, podem ser observadas no intervalo de

tempo considerado. Na Amostra 00 (I), a nasal bilabial e as oclusivas velares (com pesos

relativos aproximados) suplantam o contexto da fricativa palatal, que, por sua vez, era um

importante favorecedor da monotongação na Amostra 80. O segmento nasal alveolar,

contexto categórico de monotongação no corpus Censo, também reduz seu efeito nas

entrevistas entre 1999 e 2000, com peso relativo de apenas 0,09. Vale ressaltar que é

necessário ponderarmos os resultados associados aos segmentos nasais, devido ao número

muito baixo de dados e aos segmentos oclusivos velares, pela alta incidência da palavra

“manteiga”. Nas ocorrências de outras palavras, a consoante velar parece bloquear a

monotongação. Mantidas essas reservas, pode-se perceber uma redução nítida no efeito dos

segmentos fricativos palatais na Amostra 00 (I). O peso relativo deste segmento indica que se,

realmente, há uma efetiva mudança no comportamento lingüístico do indivíduo, ela se dá no

contexto das fricativas palatais.

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Amostra 80 (C) Amostra 00 (C) Modo/ponto de

articulação Freq. PR Freq. PR

Vibrante simples 97% 0,99 99% 1,00

Fricativa alveolar 7,69% 0,15 0% -

Fricativa palatal 93% 0,93 74,44% 0,14

Oclusiva dental 3% 0,09 0% -

Oclusiva velar 53% 0,89 100% -

Nasal bilabial 21% 0,22 30,76% 0,57

Nasal alveolar 37,5% 0,42 11,11% 0,12 Tabela 3.2: Efeito do segmento seguinte sobre a monotongação de [ey]. Estudo Tendência

(Paiva, 2003: 45)

Nota-se que há um paralelismo entre os percentuais apontados na análise dos

indivíduos e as estatísticas encontradas na comunidade de fala. No que se refere ao contexto

de vibrante simples, o estudo da comunidade reafirma a implementação praticamente

categórica da variante monotongada na Amostra 00 (c), à qual se associa peso relativo de

1.00. Também quanto aos segmentos nasais, destaca-se a convergência dos dois tipos de

estudos, indicando aumento da importância relativa da nasal bilabial e redução do efeito da

nasal alveolar. A tendência de declínio da variante monotongada no contexto de fricativas

palatais é reafirmada, já que, na década de 80, esses segmentos contribuíam com .56 para a

variação entre [ey] ~ [e] e, no final da década de 90, sua contribuição cai para .27.

Além do contexto fônico seguinte, Paladino Neto (1990) e Paiva (1986) constataram

também que o fator tonicidade parece ser um favorecedor da monotongação, já que o

ambiente tônico parece suscitar o uso apenas da vogal base, muito embora os ditongos [ay] e

[ey] sejam cancelados também em sílabas átonas. Paiva (1986) ainda destacou, em seu

trabalho, outro elemento condicionador para [ey], a organização da estrutura morfológica do

vocábulo. Através dessa variável, a autora pôde separar os dados da supressão da semivogal

que ocorrem na raiz das palavras daqueles que ocorrem nos sufixos, especialmente -eiro. Com

isso, alcançaram-se os seguintes resultados (Paiva, 1986: 171):

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Tipo de ditongo Supressão na raiz Supressão no sufixo

[ay] 42% 58%

[ey] 33% 67% Tabela 3.3: Organização da estrutura morfológica do vocábulo e a monotongação

Os percentuais desta tabela indicam que há uma tendência maior em se reduzir os

ditongos quando estes ocorrem em sufixos. Segundo a autora, no entanto, tal resultado se

interpela com a variável contexto fônico seguinte, visto que o tepe, consoante mais relevante

para a monotongação, encontra-se no sufixo -eiro. Paiva postula, então, que a supressão

praticamente categórica de [y] desse ambiente mórfico é decorrente do contexto fonético

constituído pela consoante vibrante, cujo peso isoladamente é mais forte do que qualquer

outra variável. É interessante mencionar que esse fator de organização da estrutura

morfológica do vocábulo não foi aplicado ao ditongo [ay].

No que diz respeito a variáveis externas, os trabalhos referidos evidenciaram pouca

atuação desses fatores. Isto significa dizer que a faixa etária, o sexo e a classe social dos

falantes parecem influenciar minimamente na escolha das alternativas forma monotongada e

forma ditongada. À exceção desse resultado, o trabalho de Paiva (1986: 174) indicou a

relevância de uma variável stricto sensu: o nível de escolarização. Vejamos seus resultados

em relação ao ditongo [ey]:

Escolaridade Freq. P.R

primário 94% .99

ginásio 89% .79

2º grau 83% .56

Tabela 3.4: Efeito da variável nível de escolarização sobre a monotongação de [ey]

Nota-se que o peso relativo mais alto (.99) para a monotongação aparece associado ao

nível de escolaridade mais baixo (primário), decrescendo, consideravelmente, no nível

ginasial (.79) e no nível do segundo grau (.56). Assim, é possível afirmar que, conforme os

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falantes aumentam a escolaridade, o uso da forma monotongada diminui. Essa variável

também forneceu resultados interessantes na análise entre crianças e adultos, uma vez que a

redução dos ditongos, no primário, parece ser mais expressiva nas crianças do que nos

adultos. Há, ainda, uma diferença entre os falantes adultos de nível colegial e os dos outros

níveis, enquanto que, entre as crianças, essa diferença se dá entre as quatro primeiras e quatro

últimas séries.

O ditongo [ow], por sua vez, parece se reduzir independentemente de qualquer

variável de natureza lingüística e extralingüística. Assim, pode-se dizer que o cancelamento

do glide [w] é um fenômeno quase inteiramente sistematizado. Naro (1973, apud Paiva 1986)

afirmou que “a mudança de ou > o está quase completa em quase todos os dialetos do

português, tanto brasileiros, quanto europeus”. O ditongo [ey], como vimos anteriormente,

apresenta uma tendência à maior estabilização.

3.6 Aquisição dos ditongos decrescentes orais

Esta seção visa apresentar o trabalho de Bonilha (2003) sobre a aquisição dos ditongos

orais decrescentes no português do Brasil dentro da perspectiva da T.O (teoria da otimidade),

além de analisar os pontos positivos e negativos dessa teoria e introduzir os conceitos do

estudo da freqüência e o da multirepresentacionalidade.

Vale ressaltar que não é interesse deste trabalho apenas criticar e invalidar a teoria da

otimidade, mas sim procurar evidências e subsídios que indiquem o quão importante e

necessária é a inserção das novas propostas da fonologia probabilística (Pierrehumbert, 2003)

e da Fonologia de Uso (Bybee, 2001) na ampla discussão dos ditongos decrescentes.

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3.6.1 Pressupostos básicos da T.O

A teoria da otimidade caracterizou-se, dentro do escopo do gerativismo, por substituir

as regras, responsáveis por transformar as representações subjacentes em formas de

superfície, pelas restrições violáveis, responsáveis pela escolha do output.

Segundo Collischonn & Schwindt (2003:18), haveria três vantagens principais no

trabalho com as restrições ao invés das regras, que são: (a) economia descritiva, visto que as

abordagens baseadas em regras também necessitam de restrições, duplicando, assim, o papel

das regras e as baseadas em restrições, por sua vez, não fazem essa duplicação; (b)

universalidade, no sentido de que regras são específicas de cada língua e restrições são

universais e (c) uniformidade de análise, já que as regras possuem diversas categorias

(princípios, regras propriamente ditas e restrições) que servem para justificar a violabilidade

de estruturas supostamente “invioláveis”, enquanto as restrições da T.O são todas violáveis, o

que confere a essa teoria uma análise mais uniforme.

Um outro aspecto importante dessa teoria, ressaltado pelos autores referidos, é o de

que os outputs (diferentes possibilidades das formas que aparecem na estrutura superficial)

não são gerados através da aplicação cumulativa de processos, mas são selecionados pelas

restrições dentre um conjunto de outputs pré-definidos. Além disso, todas as restrições atuam

em conjunto e não uma após a outra, como ocorre com as regras. Esses contrapontos

possibilitam afirmar que as abordagens que exigem muitos níveis derivacionais intermediários

requerem um grau de abstração muito grande, o que as torna complexas demais do ponto de

vista de sua aquisição. A T.O, por sua vez, por eliminar a possibilidade de qualquer

ordenamento de regras, tem caráter mais restrito do que as teorias derivacionais.

Na perspectiva da teoria da otimidade, a fonologia de uma língua é um ranking de

restrições, cuja função é comparar os diferentes outputs possíveis, chamados de candidatos.

Na verdade, essa teoria identifica e caracteriza a gramática de uma determinada língua,

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através de uma hierarquização particular das restrições universais violáveis (Cf.: Matzenauer,

2003: 55). É interessante mencionar que essa hierarquia de restrições é determinada pelos

“conflitos”, no sentido de que duas restrições ou mais podem fazer exigências contrárias, que

serão resolvidas pela dominação de uma restrição sobre a outra. É, a partir disso, que se pode

dizer que as restrições são violáveis.

Diante de um conjunto de candidatos a output, um, o melhor de todos, será

selecionado como candidato ótimo. Na verdade, este candidato é escolhido por satisfazer

melhor o ranking hierárquico de restrições. Collischonn & Schwindt (2003: 21) ressaltam que

o candidato ótimo não é perfeito, já que também viola restrições, porém ganha dos outros

outputs por violar as restrições menos importantes na hierarquia.

As principais restrições são de dois tipos: as de marcação e as de fidelidade. As

primeiras caracterizam aquelas que estão ligadas à constituição da sílaba em si, como por

exemplo, onset- as sílabas devem ter apenas um ataque, no complexonset – ataques de sílabas

não contêm mais de uma consoante e nocoda- as sílabas não devem apresentar coda. Em

contrapartida, as segundas referem-se à exigência de manter, no output, algumas propriedades

presentes no input. As restrições DepI/O, que milita contra a inserção de segmentos, e a

MaxI/O, que proíbe o cancelamento, são exemplos desse último tipo.

Segundo Bernhardt & Stemberger (1998, apud Bonilha, 2003: 83), haveria outra

distinção entre esses dois tipos de restrições. As de fidelidade seriam motivadas pelas

necessidades do ouvinte, exigindo, assim, que todo material lexical esteja presente na

produção. As de marcação, por sua vez, seriam licenciadas pelas necessidades do falante,

requerendo uma redução no custo da produção de determinado alvo lingüístico. Vale

mencionar também que esta última está associada à busca pela facilidade na produção de

segmentos e, portanto, restrições referentes à proibição da produção de estruturas complexas

estarão ranqueadas mais acima na hierarquia no início da aquisição fonológica.

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Até este ponto do trabalho, já foram retratados quatro pressupostos básicos da teoria

da otimidade. Viu-se que as restrições são universais (Universalidade) e violáveis

(Violabilidade), isto é, as generalizações fonológicas não precisam ser invariavelmente

verdadeiras. Outro pressuposto é o da Otimidade, no qual um candidato a output será ótimo,

se, comparado com todos os outros candidatos, violar as restrições não-dominantes em um

ranking hierárquico. Por último, há o pressuposto da Falácia da Perfeição, segundo o qual não

há output que satisfaça a todas as restrições, já que essas últimas são conflituosas entre si.

Assim, até o melhor candidato a output pode violar alguma restrição (Cf.: Collischonn &

Schwindt, 2003: 26).

Algumas considerações, portanto, já podem ser debatidas e até questionadas. Apesar

de se reconhecer que a teoria da otimidade trouxe benefícios e resoluções para a análise de

fenômenos fonológicos, se compararmos com as teorias baseadas em regras, postula-se que a

T.O “deixa a desejar” na informação sobre o caráter gradual das restrições, isto é, além dos

rankings (hierarquia de restrições que varia entre as línguas), não há nada que aponte

objetivamente para uma diferença substancial de grau de universalidade entre uma restrição e

outra. Assim, por exemplo, como se deve distinguir uma restrição que traduza, realmente, um

princípio universal e uma restrição que traduza uma condição fonotática, já que ambas são

universais e violáveis? (Cf.: Collischonn & Schwindt, 2003: 27).

Dessa forma, pode-se dizer que a T.O apresenta um problema referente ao

ranqueamento das restrições. Como explicar o fato de que algumas restrições operam na

maioria das línguas, enquanto outras parecem atuar em línguas particulares? Na verdade, não

se pode afirmar, em hipótese nenhuma, que todas as restrições sejam gerenciáveis pelos

mesmos princípios universais. Há, ainda, outro aspecto que reforça esse problema, o da

distinção entre as hierarquizações, no sentido de que algumas restrições devem ser

escalonadas obrigatoriamente, já que isso afeta, consideravelmente, a seleção das formas de

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saída e outras não, sendo sua hierarquização irrelevante (Cf.: Cristófaro- Silva & Gomes,

2004: 9).

3.6.2 A proposta da T.O em relação à aquisição

Em relação à aquisição de estruturas silábicas, pode-se dizer que, seguindo a

perspectiva da teoria da otimidade, essa seria, fundamentalmente, a aquisição da

hierarquização das restrições universais violáveis e conflitantes. Assim, de acordo com

Matzenauer (2003; 57), um output da criança em fase de aquisição da fonologia de uma

língua pode ser diferente do output do adulto devido à violações de restrições e não por

aplicações de regras. Há, também, a possibilidade de diferir do output do adulto pela

determinação de uma hierarquia de restrições distinta daquele determinado pela gramática da

língua em questão, ou seja, por um inadequado controle do conjunto de restrições necessárias

e pertinentes.

Na verdade, haveria três fases principais da aquisição. Na primeira, a criança não teria

nenhuma noção da hierarquia de restrições de sua língua, escolhendo, então, um candidato

que não é ótimo. Dessa forma, no estado inicial da aquisição, haveria uma hierarquia com

todas as restrições universais possíveis, sendo que, neste estágio, as restrições de marcação

ainda dominariam as de fidelidade. Na segunda, a criança começa a demover as restrições,

mas ainda não apresenta uma hierarquia sólida e, novamente, não escolherá o candidato

ótimo. Já, na terceira fase, depois de contínuas demoções, a criança, enfim, selecionará o

melhor dos candidatos. De acordo com isso, Matzenauer (2003: 65) afirma que “esse seria o

caminho e o tempo da aquisição”.

Antes de começarmos a explanação propriamente dita da aquisição dos ditongos

decrescentes orais, é válido fazermos a seguinte ressalva: sabe-se que a T.O postula que as

restrições são fornecidas pela gramática universal e, portanto, são inatas. Essa questão, no

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entanto, é largamente debatida pelos próprios seguidores da teoria da otimidade, já que alguns

defendem o inatismo das restrições (Prince & Smolensky, 1997) e outros questionam esse

inatismo (Burzio, 1996, Steriade, 2000). Esse confronto de idéias enfraquece os alicerces

dessa teoria, visto que põe em cheque a sua proposta maior de investigar a Gramática

Universal (Cf. Cristófaro- Silva & Gomes, 2004: 9).

Nota-se, entretanto, que alguns pontos cruciais da teoria da otimidade ainda não foram

expostos, pois se julgou melhor explicitá-los paralelamente com os estágios de aquisição dos

ditongos decrescentes, a fim de que se tenha um melhor entendimento.

3.7 Os estágios de aquisição dos ditongos decrescentes orais

Antes de se entrar no cerne da discussão, vale destacar que a maioria das pesquisas

(Bonilha, 2003 e Matzenauer, 2003, por exemplo) na linha da teoria da otimidade sobre a

aquisição das estruturas silábicas, aponta para a produção precoce dos ditongos decrescentes.

Dessa forma, para a explanação dos estágios de aquisição dos ditongos, será levada em conta

a proposta de Bonilha (2003) que considera que a estrutura VG (vogal e glide) emerge em um

estágio anterior à estrutura VC (com coda final).

De acordo com Bonilha (2003: 83), os estágios de aquisição dos ditongos decrescentes

podem ser especificados, de forma simples, através de três restrições de marcação, Onset, Not

Complex Nucleus (o núcleo deve apenas conter uma vogal curta) e Nocoda, e de duas

restrições de fidelidade, que são Max-IO e Dep-IO.

Essa determinação das restrições, porém, não é um quadro totalmente estabelecido e

fechado, uma vez que a T.O permite a produção de novas restrições devido ao fato de que,

ainda, não se tem um conjunto estanque das restrições universais.12 No entanto, essa criação

ilimitada de restrições é problemática, visto que não se sabe quais são os termos que definem 12 Segundo Bonilha ( 2003), “há um número de restrições que são firmes candidatas a pertencer ao conjunto universal que se define em restricciones”, porém não é interesse das pesquisas atuais delimitar esse quadro das restrições. Isso será feito através do avanço das pesquisas e do desenvolvimento da teoria.

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as restrições que surgem, podendo, assim, alargar consideravelmente sua abrangência. Dessa

forma, essa indeterminação das restrições poderia até ser comparada com as inúmeras

quantidades de regras.

Além da especificação das restrições necessárias para o estudo dos ditongos, é de

crucial importância o conceito do algoritmo de aprendizagem. Para demonstrar como a

criança alcança os estágios da aquisição e quais são as hierarquias intermediárias envolvidas

nesse processo, a teoria da otimidade desenvolveu o chamado algoritmo de aprendizagem

(Tesar & Smolensky, 1996), cuja função é desenvolver gradualmente a hierarquia, através do

reordenamento de restrições. De acordo com Matzenauer (2003: 58), nesse processo, o

princípio central aplicado é o da demoção, no qual uma restrição somente pode ser movida

para uma posição mais baixa na hierarquia. Na verdade, é por ensaio e erro, que as hierarquias

estratificadas vão sendo construídas.

Passemos, então, para a análise dos estágios de aquisição dos ditongos decrescentes de

acordo com Bonilha, op. at:

3.7.1 Estágio I

Primeiramente, vale ressaltar que, para a teoria da otimidade, as gramáticas são

aprendidas pela dedução da hierarquia de restrições, através dos dados do output. Assim, a

formulação dos estágios é feita de acordo com a análise da fala das crianças13. Segundo

Bonilha (2003: 84), o primeiro estágio da aquisição apresentaria a seguinte hierarquia:

{onset, Not Complex Nucleus, Nocoda}>>14 {Max-IO, Dep-IO}

Nota-se que na hierarquia inicial, as restrições de marcação dominam as de fidelidade

e, por isso, só é possível a formação de estrutura silábica do tipo CV. Dessa forma, pode-se

dizer que não é necessária a demoção de nenhuma restrição de marcação para a criança

13 Bonilha (2003) analisou 86 crianças, com idade entre 1:0 e 2:5:29 (anos:meses:dias) 14 Este símbolo, no formalismo da teoria da otimidade, representa a relação de dominância entre as restrições

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produzir estruturas CV. Segue-se abaixo o tableau15 referente à palavra asa (/aza/), a fim de

ilustrarmos essa postulação (Bonilha, 2003: 85):

/aza/ NotComplex Nucleus

Nocoda onset Dep-IO Max-IO

za.za * za *

a. za *! Tableau (1): Aquisição da estrutura CV.

O tableau (1) confirma o fato de que, com essa determinada hierarquia, o candidato

escolhido como ótimo será aquele que apresenta a estrutura CV, mesmo que o input apresente

uma estrutura V, como é o caso de /aza/. Isso ocorre, porque essa forma-alvo viola a restrição

de marcação dominante onset, na qual proíbe que uma sílaba fique sem ataque, enquanto as

formas /za.za/ e /za/ violam, respectivamente, Dep-IO e Max-IO.

O primeiro estágio da aquisição, portanto, caracteriza-se por apresentar mais uma

fase: a da demoção da restrição onset . Segundo Matzenauer (2003: 62), as sílabas com onset

vazio aparecem logo nas primeiras produções das crianças que têm como língua, o português.

A hierarquia mostrada em (1), então, seria inadequada, já que não é capaz de explicar as

sílabas do tipo V. Isso faz com que as crianças descartem essa possibilidade, já que há

violação de uma restrição que ocupa uma alta posição no ranking. Abaixo, encontra-se o

tableau (2), com a seguinte hierarquia (Bonilha, 2003: 86):

/aza/ NotComplex Nocoda Dep-IO Max-IO Onset

za.za *!

Za *!

a.za * Tableau (2): Aquisição da estrutura V.

Observa-se, então, que o candidato escolhido como ótimo é igual a forma do input, já

que com as restrições de fidelidade dominando onset, as estruturas V são permitidas.

15 tabela que contém, na horizontal, as restrições por ordem de dominância e, na vertical, os outputs (representações de superfície) possíveis, a partir de um dado input (representação subjacente).

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Dessa forma, a teoria da otimidade postula que essa demoção permite tanto a

produção da estrutura silábica CV, quanto a da estrutura silábica V. Na verdade, a restrição

onset possuiria duas funções na hierarquia que compõe a G.U: a primeira seria assegurar a

produção das sílabas CV nas línguas que não permitem onset vazio, ficando em uma

hierarquia alta e a segunda seria garantir a produção da sílabas CV e V nas línguas que as

admitem, sendo, então, demovida para além das restrições de fidelidade (cf.: Bonilha, 2003:

86).

Antes de se explicitar o segundo estágio da aquisição, é válido se fazer a seguinte

indagação: Como a criança deduzirá que estruturas do tipo V requerem a demoção de onset?

De acordo com os postulados da T.O, os candidatos a outputs são criados livremente

por um componente chamado GEN. Em paralelo, há um outro componente - CON, que

contém o conjunto universal das restrições não ranqueadas. Além desses dois, há um terceiro,

o EVAL, que contém todos os comandos para a comparação entre os candidatos a outputs em

relação à hierarquia de restrições. Vale mencionar que estes três elementos seriam universais,

sendo que o produto gerado por GEN e a hierarquia definida por EVAL seriam particulares

para cada língua (cf.: Collischonn & Scwindt, 2003). Levando-se em conta esses conceitos,

essa teoria determinou que a criança, através da análise de pares de candidatos subótimos16 e

ótimos criados por GEN, demoverá a restrição onset para produzir a estrutura silábica V.

No entanto, julga-se que essa postulação e esses conceitos são, de certa forma, muito

abstratos, fazendo com que as representações de entrada (input) sejam consideradas, também,

como entidades abstratas. Em relação a isso, Cristófaro- Silva & Gomes (2004:9) destacam

que

a T.O postula representações potenciais e assume que tais representações tenham sido geradas por GEN e avaliadas por EVAL. Tanto GEN quanto EVAL são instrumentos teóricos que permitem a postulação de representações abstratas e sem motivação inerente ao sistema. Nos moldes do gerativismo, nos deparamos na T.O com representações altamente abstratas que são postuladas sem motivação explícita.

16 Termo utilizado nos estudos de Bonilha (2003,2004).

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Em relação aos pares de candidatos subótimo/ ótimo que deverão ser analisados, pode-

se dizer que, a partir da sua hierarquia atual de restrições, o candidato subótimo é um dos

candidatos a output que será selecionado pela criança. Vale mencionar que, se esse candidato

for igual ao elemento encontrado no input, a forma produzida pela criança, então, será igual a

da forma do adulto e não será necessário o confronto dos pares de candidatos.

Segundo Tesar & Smolensky (1996, apud Bonilha 2003: 87), a quantidade de pares

informativos utilizados para análise pode demonstrar a complexidade de uma estrutura, isto é,

quanto mais complexa for uma forma, maior quantidade de pares precisarão ser analisados.

Isso ocorreria, porque essas estruturas exigiriam um grande número de demoções até que a

forma alvo fosse encontrada. Nota-se que entramos, novamente, na questão discutida acima:

O GEN, responsável pela criação dos candidatos a output, gera livremente e ilimitadamente

esses candidatos, principalmente em estruturas mais complexas, sem que haja algum critério

coerente.

A criança, ao analisar o par informativo subótimo-candidato perdedor e ótimo-

candidato vencedor, verá quais restrições foram violadas por cada um e só, a partir daí, será

possível a aplicação da demoção de restrições. Esse processo ocorrerá para que as restrições

violadas pelo candidato “supostamente” ótimo sejam dominadas por, pelo menos, uma

restrição violada pelo candidato subótimo. Assim, levando-se em conta o mesmo exemplo da

palavra asa, temos dois pares opositivos:

(1) za.za < a.za,

(2) za < a.za.

Observa-se, então, que, no primeiro par, o candidato subótimo viola a restrição

Dep-IO, pois possui um segmento adicional em relação à forma do input. Em contrapartida, o

candidato ótimo viola onset, visto que apresenta ataque vazio. Segundo a teoria da otimidade,

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é, a partir dessa análise, que a criança deduz que tal restrição de marcação deve ser dominada

pela restrição de fidelidade.

Como a demoção de onset já foi aplicada completamente, a análise do segundo par

torna-se desnecessária (no sentido que não trará contribuições para a atual hierarquia da

criança). Na verdade, esse par mostraria que onset, violada pelo candidato ótimo, deve ser

dominada por Max-IO, violada pelo candidato subótimo, porém, nessa fase, essa restrição de

marcação já ocupa uma posição abaixo das de fidelidade. Esse par, portanto, é considerado

como não informativo.

Pode-se dizer, então, que, para essa análise de Bonilha (2003), o primeiro estágio da

aquisição caracteriza-se pela produção das estruturas VC e V e pela seguinte hierarquia:

{NotcomplexNucleus,Nocoda}>>{Max-IO, Dep-IO}>>{onset}.

3.7.2 Estágio II

Este é o estágio em que a estrutura VG será adquirida. De acordo com a primeira fase

de aquisição, a criança possui somente a capacidade de produzir as estruturas CV e V17.

Assim, quando ela se depara com um dado, como /papai/, o candidato escolhido como ótimo

não será igual a forma do input (Bonilha, 2003: 89):

/papai/ NotComplex Nocoda Dep-IO Max-IO Onset

pa.paj *!

pa.pa *

pa.pa.pi * Tableau (3): Aquisição da estrutura VG.

Observa-se que o candidato julgado como melhor foi aquele que violou a restrição

ranqueada em posição mais baixa - Max-IO. Em oposição, a forma alvo /pa.paj/ foi rejeitada

por violar a restrição de marcação dominante. Vale mencionar que NotcomplexNucleus

17 Nota-se que essas estruturas possuem núcleos não- ramificados, enquanto a estrutura VG possui núcleo ramificado. Daí, a restrição notcomplexnucleus ser tão importante neste estágio.

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impede que núcleos ramificados sejam produzidos, assim ela precisará ser demovida para que

estruturas do tipo VG possam ocorrer.

Antes, porém, da aplicação do processo de demoção, a criança deverá proceder à

análise dos seguintes pares informativos:

(1) pa.pa < pa.paj

(2) pa.pa.pi < pa. Paj

No primeiro par, o candidato subótimo, pa.pa, viola a restrição Max-IO, enquanto o

candidato potencialmente ótimo, pa.paj, viola a restrição Not Complex Nucleus. Dessa forma,

constata-se que essa restrição de marcação deve ficar ranqueada abaixo da restrição de

fidelidade, para que o candidato vencedor seja igual à forma alvo. O segundo par, por sua vez,

é não informativo.

A partir da análise do par informativo, postula-se que, para a produção da forma

[pa.paj], seja necessário um ranqueamento em que as restrições de fidelidade dominem a

restrição de marcação em jogo, conforme o tableau (4) mostra (Bonilha, 2003: 89):

/papai/ Nocoda Dep-IO Max-IO Onset Notcomplex

pa.paj *

pa.pa *!

pa.pa.pi *! Tableau (4): Aquisição da estrutura VG.

É interessante mencionar que, após somente a demoção de duas restrições de

marcação, onset e NotcomplexNucleus, a criança já é capaz de produzir as seguintes

estruturas: CV, V, VG.

Segundo a teoria da otimidade, o algoritmo da aprendizagem é o responsável por

auxiliar a criança na dedução do ranqueamento pertinente (Cf.: Bonilha, 2003: 89). Ora, esse

é um conceito teórico que serve para reforçar a idéia central dessa teoria: o desenvolvimento

gradual da hierarquia de restrições. Assim, a postulação de que esse algoritmo guia, de certa

forma, a criança, torna a análise da aquisição das estruturas silábicas um tanto abstrata.

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Passemos, então, para o estágio seguinte.

3.7.3 Estágio III

Neste estágio, será produzida a estrutura VC (vogal + consoante em coda). Para que

essa forma seja adquirida, serão necessárias, mais uma vez, análises de pares informativos e

demoções de restrições de marcação.

Esses processos, no entanto, são bem mais complexos que os das outras fases, já que

além da restrição Nocoda, seria fundamental a demoção de outras restrições, como as AlinP e

AlinS18 e as Codasil, CodaVibr e Codanas19 , para que a estrutura silábica com coda do português

do Brasil seja adquirida. Em relação à análise dos pares informativos, o mesmo problema

ocorre, visto que a grande quantidade de restrições envolvidas exige uma análise de vários

pares de candidatos subótimos/ ótimos (Cf.: Bonilha, 2003: 91).

Retoma-se, neste ponto, a questão discutida, na subseção 3.6.1, de que o conjunto de

restrições não é fechado, sendo sempre permitida a inserção de novas restrições quando uma

determinada análise necessita. Isso acarreta no fato de que quanto mais complexa for uma

estrutura, mais restrições, pares informativos e demoções serão necessários, fazendo com que

a análise dessa estrutura se torne um trabalho árduo e complicado.

Apesar disso, para esse estágio, foi proposta a seguinte hierarquia: {Max-IO, Dep-

IO}>>{NotComplexNucleus, Onset, Nocoda}. Nota-se que as restrições de fidelidade estão

dominando todas as de marcação. Com isso, pode-se dizer que quando o estágio III é

adquirido, a criança estaria apta a produzir estruturas do tipo VC e CVVC. A fim de

exemplificação, segue-se o tablaeu (5), referente a palavra seis (Bonilha, 2003: 91):

18 Essas restrições militam para que a coda final seja adquirida antes da coda medial 19 Restrições de condições de Coda: Codasil- a coda deve ser um elemento sibilante, CodaVibr- a coda deve ser um elemento vibrante e Codanas19- - a coda deve ser um segmento nasal. (Bonilha, 2003:91)

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/seis/ Dep-IO Max-IO Onset Notcomplex Nocoda

ses *! *

sej *! *

sejs * * Tableau (5): Aquisição da estrutura CVVC.

Observa-se, então, que o output [sejs] foi selecionado como candidato ótimo, já que

violou as restrições de marcação- NotComplexNucleus e Nocoda, ranqueadas abaixo das

restrições de fidelidade. Em contrapartida, os outros dois candidatos, sés e sej, violam a

restrição dominante Max-IO.

Veremos, no entanto, que a postulação dessa hierarquia não corresponde aos dados

fornecidos pelo corpus das crianças analisado por Bonilha (2003).

3.7.4 Estágio IV

Bonilha (2003:92), ao analisar seus dados, apontou para o fato de que a realização, no

estágio III, de uma estrutura silábica do tipo CVVC é, relativamente, baixa. Na verdade, de

48 possibilidades da produção de CVVC, 28 ocorrências apresentaram essa estrutura, o que

representa 58, 3%. O percentual restante de 30,3% foi composta somente por realizações das

estruturas CVV e CVC.

Viu-se, no entanto, que, a partir da hierarquia de restrições da fase III, a criança já

seria capaz de produzir as estruturas do tipo CVVC, isto é, sílabas com ditongos e codas.

Dessa forma, acreditava-se que os dados analisados deveriam atingir um percentual superior

aos 58, 3% encontrados.

A solução encontrada por Bonilha (2003) para solucionar esse índice relativamente

baixo, é acrescentar a atuação de mais uma restrição: Not ComplexNucleus & Nocoda20.

Vejamos, então, o tableu (6) (Bonilha, 2003: 92):

20 Percebe-se que essa nova restrição é a conjunção da restrição Nocoda com a Not complex Nucleus. Para a teoria da otimidade, esse fato é chamado de conjunção local de restrições e se caracteriza pela união de duas

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/seis/

NotComplex Nucleus &

Nocoda

Dep-IO Max-IO Onset NotComplex Nucleus

NOCODA

Sés * * Sej * *

Sejs *! * * Tableu (6): Aquisição da estrutura CVVC.

Observa-se que o candidato que deveria ser selecionado como ótimo, [sejs], viola a

restrição dominante, NotComplexNucleus & Nocoda, fazendo com que a criança logo o

elimine e não produza estruturas do tipo CVVC. Os outros dois candidatos, por sua vez,

violam a restrição de fidelidade, Max-IO, que está ranqueada abaixo da nova restrição de

marcação, e são selecionados como os melhores.

É interessante destacar que o fato de dois candidatos serem considerados ótimos

implica na variação entre as duas formas no momento da produção da fala. De acordo com os

postulados da teoria da otimidade, os fenômenos variáveis na fala adulta ocorrem devido a

três possibilidades: inputs múltiplos, ranqueamentos variáveis e gramáticas em competição.

Já, a variação encontrada na fala da criança é proveniente da possibilidade de se ter mais de

um candidato ótimo.

Apesar da proposta de inclusão da variação em seus postulados, a T.O não leva em

conta a variabilidade inerente aos sistemas lingüísticos e a possibilidade de se ter mais de uma

forma fonética relacionada apenas uma representação fonológica (idéias essas defendidas pela

sociolingüística), já que em todas as suas análises é escolhido um único candidato ótimo.

O próximo passo da análise do estágio IV é proceder ao levantamento das restrições

violadas por cada um dos elementos dos pares informativos criados por GEN:

(1) sés < sejs

(2) sej < sejs

No primeiro par, o candidato subótimo viola as restrições Max-IO e Nocoda, enquanto

o candidato potencialmente ótimo viola NotComplexNucleus, Nocoda e [NotComplexNucleus restrições em posições baixas no ranking hierárquico, formando uma outra que ocupará uma posição mais alta (Cf.: Collischonn & Scwindt, 2003: 42).

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&Nocoda]. No segundo par, a forma [sej] viola Max-IO e NotComplexNucleus, já a forma-

alvo viola também NotComplexNucleus, Nocoda e [NotComplexNucleus &Nocoda]. Neste

caso, um outro procedimento deverá ser feito: o cancelamento de marcas.

Esse processo caracteriza-se pelo cancelamento das restrições que são violadas por

ambos os elementos dos pares. Dessa forma, no par (1), deve-se eliminar a restrição Nocoda e

no par (2), a restrição NotComplexNucleus. A demoção de restrições, para que possa ocorrer a

aquisição da estrutura silábica do tipo CVVC, pode, enfim, ser aplicada.

Ao analisar o par informativo sés < sejs, a criança constata que a restrição

NotcomplexNucleus &Nocoda deve ser dominada pela restrição Max-IO, a fim de que o

candidato [sejs] possa ser escolhido como o melhor. Assim, essa restrição de marcação será

demovida para além das restrições de fidelidade. A última hierarquia de restrições, portanto,

será:{Dep-IO, Max-IO}>> {Onset, NotComplexNucleus, Nocoda, [NotComplexNucleus

&Nocoda}.

É pertinente mencionar que, para teoria da otimidade, o conceito de marcação é

bastante importante, já que serve para atestar o fato de que até uma restrição de marcação

hierarquizada em uma posição muito baixa possuirá um caráter universal (pois essas

restrições serão obedecidas quando as circunstâncias as permitem.21). Esse conceito também é

demonstrado na T.O de acordo com o ordenamento das demoções de restrições durante a

aquisição, assim as estruturas silábicas seriam mais ou menos marcadas de acordo com o

estágio em que as demoções ocorreriam.

Isso viria comprovar, segunda essa teoria, o caráter universalmente não-marcado da

estrutura CV (caráter mais abrangente), pois para sua produção não precisaria de nenhuma

demoção de restrição. Constataria, também, o aspecto não-marcado da estrutura VG em

relação à estrututa VC, já que a demoção da restrição correspondente a VG ocorre em um

21 Isso é chamado de emergência do não-marcado.

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estágio anterior a demoção da restrição que permitirá formas com consoante na coda. A partir

dessa visão, Kager (1999, apud Bonilha, 2003: 90) diz que “uma estrutura complexa só será

considerada evidentemente marcada em relação a sua constituição simples”.

É inegável o fato de que a teoria da otimidade trouxe postulações pertinentes e

resultados interessantes. Dessa forma, Cristófaro-Silva & Gomes (2004: 1) destacam que o

caráter violável das restrições enfraquece, de certa forma, a visão da categorização das

operações fonológicas, visto que apresenta a possibilidade de formas lingüísticas inesperadas

emergirem (vale destacar que essas formas são vistas como marginais no léxico). Há, no

entanto, dois problemas a serem destacados, o da opacidade e o da variabilidade.

No decorrer da explicitação dos estágios dos ditongos decrescentes, notou-se a falta

de transparência que as formas de saída (outputs) podem possuir. Esse problema, que se

convencionou a ser chamado de opacidade, se refere ao fato de que representações

intermediárias, muitas vezes, não podem ser inferidas pela forma fonética. Para a teoria da

otimidade, os candidatos /za.za/ e /pa.pa.pi/ que correspondem, respectivamente, aos inputs

/asa/ e /papai/, podem ser selecionados de acordo com o escalonamento das restrições

relevantes. Essas supostas formas de saída, no entanto, apresentam um certo distanciamento

da forma alvo, além de não serem atestadas na fala das crianças. Assim, pode-se afirmar que

os casos de opacidade transmitem um caráter abstrato a algumas representações lingüísticas.

3.8 Escala aquisitiva dos ditongos

O trabalho de Bonilha (2003), referente à aquisição dos ditongos orais decrescentes do

português, analisa um corpus de dados longitudinais e transversais de 86 crianças com idade

entre 1 ano e dois anos e cinco meses. A distribuição dessas crianças, por sua vez, é feita em

15 faixas etárias, sendo cada uma constituída por seis crianças (3 meninas e 3 meninos). Vale

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ressaltar que, por problemas ligados à produção lexical reduzida nas primeiras faixas, alguns

informantes foram descartados.

Em relação à organização dos dados, o trabalho retratado observou todas as produções

realizadas por cada um dos sujeitos. É importante salientar, no entanto, que não foram

consideradas produções repetidas de uma mesma palavra em uma só criança, a não ser que

tenha ocorrido alguma variação na forma produzida.

A partir disso, essa análise baseou-se em 11 tipos de ditongos orais, que constituem as

variáveis dependentes. Tais são eles:

[ay]- papai [εy]- anéis [ y]- mói

[aw]- mau [εw]- céu [iw]- riu

[ey]-lei [oy]- oi [uy]- fui

[ew]-seu [ow]-sou

Ao se observar esses exemplos fornecidos por Bonilha (2003), nota-se, à primeira

vista, que há tipos de ditongos mais freqüentes, como por exemplo, [ay], [ey] e [ow] e outros

menos freqüentes, como [εy], [εw] e [ y]. Percebe-se, também, que determinados ditongos

parecem ser mais específicos, no sentido de que ocorrem, particularmente, em certas palavras.

Esse é o caso do ditongo [εy], que aparece nas formas de plural das palavras terminadas em

– el, como em coquetel/coquetéis, bordel/bordéis, pastel/pastéis e pincel/pincéis. Vale

ressaltar que são, por esses aspectos, que o presente estudo promove a idéia de que o papel da

freqüência de tipo e o da de ocorrência é importantíssimo para a discussão dos ditongos.

Em relação às variáveis independentes, foram levadas em conta pela autora as

seguintes premissas:

1-Classificação do ditongo em fonético ou fonológico

2- Vogal base do ditongo quanto ao ponto de articulação: coronal,dorsal ou dorsal

labial.

3-Vogal base do ditongo quanto à altura: baixa, alta, média baixa ou média alta.

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4- Glide que compõe o ditongo quanto ao ponto de articulação: coronal ou dorsal.

5- Características quanto ao ponto de articulação na combinação de dois segmentos

que compõe o ditongo: coronal+coronal, dorsal+coronal, dorsal labial + coronal, coronal+

dorsal, dorsal+ dorsal.

6- Tonicidade da sílaba do ditongo decrescente: tônica, pretônica e postônica

Nota-se que todas essas variáveis independentes são constituídas e baseadas somente

em características fonológicas. Defenderemos, no entanto, que a discussão dos ditongos orais

decrescentes vai além do plano meramente fonológico. Dessa forma, defende-se a inserção de

variáveis de caráter morfológico, para que se possa analisar o status morfológico das palavras

que contém os diversos tipos de ditongos.

A fim de se concretizar a emergência do estudo de freqüência nos ditongos, veremos

os resultados obtidos por Bonilha (2003) e a “camuflagem” gerada por alguns índices

percentuais, que dificulta a real análise do fenômeno lingüístico discutido:

[ay] [aw] [εy] [εw] [ y] [ey] [ew] [oy] [uy] [iw] FE O/P % O/P % O/P % O/P % O/P % O/P % O/P % O/P % O/P % O/P % 1 1/2 50 6/6 100 * * * * * * * * * * * * * * 1/1 1002 4/5 80 5/6 83,3 * * * * * * * * * * 2/2 100 * * * * 3 6/7 85,7 18/22 81,8 * * * * * * 0/1 0 * * * * * * * * 4 8/11 72,7 16/19 84,2 * * * * * * 1/1 100 2/2 100 * * * * 1/3 33,35 6/6 100 13/14 92,8 * * 2/3 66,6 * * 0/1 0 3/5 60 1/1 100 * * 6/6 1006 1/4 25 8/10 80 * * 0/1 0 * * 1/2 50 1/1 100 * * 0/1 0 0/2 0 7 19/22 86,3 15/18 83,3 * * 2/2 100 2/2 100 9/13 69,2 4/6 66,6 6/7 85,7 * * 7/8 87,58 9/10 90 15/16 93,7 * * 2/3 66,6 3/3 100 4/8 50 3/3 100 5/6 83,3 * * 9/10 90 9 15/15 100 10/11 90,9 1/1 100 6/6 100 1/1 100 5/10 50 6/6 100 6/7 85,7 * * 10/12 83,3

10 9/12 75 15/19 78,9 * * 1/1 100 1/1 100 2/4 50 5/5 100 2/3 66,6 * * 6/10 60 11 17/17 100 17/18 94,4 * * 6/6 100 1/1 100 5/11 45,4 7/7 100 2/2 100 1/2 50 9/9 10012 16/17 94,1 15/17 88,2 * * 3/3 100 3/3 100 14/23 60,8 15/16 93,7 8/8 100 * * 16/16 10013 2/2 100 4/4 100 * * 1/1 100 1/1 100 0/3 0 * * 1/1 100 * * 1/3 33,314 4/4 100 0/1 0 * * 1/1 100 * * 7/9 77,7 7/7 100 6/11 54,5 1/1 100 1/3 33,315 7/8 87,5 7/8 87,5 0/1 * 2/2 100 2/2 100 12/15 80 3/3 100 5/5 100 * * 4/4 100

3.5 Tabela extraída de Bonilha (2003: 72)

Através da tabela, Bonilha (2003) extraiu os seguintes resultados:

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1) Em relação à seqüência de segmentos, as crianças adquirem, primeiramente,

os ditongos formados pela vogal baixa, uma vez que os ditongos [aw] e [ay]

apresentam altos índices de produção. Posteriormente, ocorre a aquisição

dos ditongos formados com vogais médias baixas [εw] e [ j], que

apresentam, também, um significativo índice de realização.

2) Os ditongos constituídos pelas vogais médias altas como vogal base, [ew],

[ey], [oy], têm estabilização mais tardia, assim como os constituídos por

vogais altas, [uy] e [iw].

3) Os ditongos [ey] e [oy] apresentariam uma aquisição problemática, já que o

primeiro teria 58,8% de ocorrência (foi realizado em 60, das 102

possibilidades) e o segundo já começa a ser produzido na faixa etária de 1

ano 1 e 1 mês, porém, nas crianças de 1 ano e 5 meses, sua produção é muito

baixa, aumentando somente a partir de 1 ano e 6 meses.

Esses resultados, no entanto, nos mostram também que os tipos de ditongos pouco

freqüentes são adquiridos tardiamente, além de apresentarem uma baixa produtividade. Dessa

forma, o ditongo [εy] aparece apenas duas vezes nas faixas etárias de 1 ano e oito meses e de

dois anos e quatro meses, respectivamente, sendo que, nessa última, ele não foi produzido. No

caso do ditongo [εw], a aquisição começa na faixa etária de 1 ano e 4 meses e sua realização é

de apenas 26 ocorrências. Vale destacar, também, os ditongos [ j] que, segundo a tabela, é

adquirido somente na faixa de 1 ano e 7 meses e apresenta apenas 14 ocorrências e [uy] que é

adquirido na faixa etária de 1 ano e 5 meses e é produzido apenas 2 vezes.

Se compararmos com os tipos de ditongos mais freqüentes, como [ay] e [ey], por

exemplo, observamos uma diferença substancial, já que o primeiro é adquirido, logo, nas

crianças de 1 ano, apresentando 124 ocorrências e o segundo, aparece, inicialmente, nas

crianças de 1 ano e 2 meses, ocorrendo 60 vezes. Assim, através dessa pré-análise, vimos que

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a freqüência de tipo é importante para o estudo da aquisição dos ditongos, uma vez que

determina a produtividade e, conseqüentemente, as faixas etárias em que os diversos ditongos

irão emergir.

Vale ressaltar que o estudo da freqüência de ocorrência também é válido, pois, a partir

dele, poderemos observar a freqüência das palavras em que os ditongos aparecem, isto é, será

possível controlarmos a ocorrência de um ditongo pouco freqüente em palavras recorrentes na

língua, não permitindo que esse fato prejudique a análise propriamente dita dos ditongos

decrescentes orais. Além disso, a freqüência de ocorrência pode auxiliar no estudo da

monotongação, já que se sabe que os ditongos em palavras freqüentes são mais suscetíveis à

redução fonológica.

É incontestável que o trabalho de Bonilha (2003) nos fornece resultados consistentes e

interessantes, porém propomos neste novo estudo uma ampliação desses resultados, pois

como a própria autora mencionou “a freqüência de determinadas estruturas parece ter

significativa influência na aquisição das mesmas [ditongos] ”.

3.9 Considerações Finais

Este capítulo foi, basicamente, dividido em três partes principais: a primeira, que

explicita as propostas de Mattoso Câmara Jr. e Leda Bisol e que discute as representações

fonológicas dos ditongos; a segunda, que disserta sobre o fenômeno variável dos ditongos

[ey], [ay] e [ow] e a terceira que retrata o processo aquisitivo dos ditongos sob a ótica da

teoria da otimidade.

Viu-se que as propostas de Câmara Jr. E Bisol divergem em relação à posição que o

glide ocupa na estrutura silábica. Para o primeiro (1982), a semivogal é de natureza vocálica

e, portanto, ocupa com a vogal silábica o núcleo da sílaba. Em contrapartida, para a segunda

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autora, a semivogal ocuparia a posição de consoante, ficando, conseqüentemente, na coda da

sílaba.

Em relação ao confronto das idéias referentes às representações dos ditongos, não

observamos uma oposição propriamente dita, mas se notou algumas divergências. Para Bisol,

os chamados ditongos falsos são representados por apenas uma vogal simples na estrutura

subjacente, aparecendo o ditongo somente na estrutura de superfície, devido a processos

assimilatórios. Já Gonçalves & Costa reconhecem que, em alguns casos, a vogal simples não é

o elemento subjacente, e sim o ditongo, tornando-se uma vogal simples somente na estrutura

fonética, devido a um cancelamento da semivogal.

As pesquisas sociolingüísticas indicaram que a alternância [ey]/[e] e [ay]/[a] parece ser

independente de suas características sociais. Por outro lado, as restrições lingüísticas parecem

operar sobre o fenômeno, especialmente o contexto fônico seguinte.

Por fim, foi explicitada a escala aquisitiva proposta por Bonilha (2003,2004) sob a

ótica da teoria da otimidade. Assim, buscou-se encontrar os alicerces para o desenvolvimento

de um estudo da freqüência de tipo e da freqüência de ocorrência nos ditongos orais

decrescentes.

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95

Capítulo IV

Metodologia, objetivos e hipóteses de pesquisa

4.1 Metodologia e Amostras

De acordo com as pesquisas sociolingüísticas (Cf.: Paiva, 1986, 2003; Paladino Neto,

1990;), sabe-se que há ditongos decrescentes orais categóricos- [ew], [εw], [εy], [oy], [ y],

[uy], [iw]- e variáveis- [ay], [ey], [aw], [ow]. Os ditongos [ay] e [ey] são condicionados por

fatores lingüísticos, principalmente pelo contexto fônico seguinte. Assim, o primeiro é um

fenômeno variável, no dialeto carioca, somente diante de fricativa palatal surda. O segundo

apresenta um comportamento categórico diante de vogais, laterais e africadas e, também, de

fricativa alveolar e oclusiva dental. Por outro lado, é variável se diante de vibrante simples,

fricativas palatais surda e sonora, oclusiva velar e nasal bilabial. Além disso, esses dois

ditongos ao aparecerem em posição final de palavras22 e ao funcionarem como desinência

verbal não são suscetíveis à monotongação. O ditongo [ow], por sua vez, é reduzido em todos

os ambientes fonéticos e posições, sendo um processo de mudança quase completo no

português do Brasil, mantendo-se apenas nas formas em que a lateral alveolar se vocalizou,

como em “gol”, “soltar” e “toldo” ou em alguns nomes próprios, como “Douglas” e

“Moura”23.

A partir dessas evidências, esta pesquisa dividiu-se em duas etapas principais: a

análise da aquisição dos ditongos decrescentes orais categóricos e a da aquisição dos ditongos

decrescentes orais variáveis. Vale destacar que Bonilha (2003, 2004) também analisou

separadamente a aquisição dos ditongos categóricos e variáveis. Na primeira, aplicaremos,

mais especificamente, o estudo da freqüência de tipo e de ocorrência nos dados, a fim de 22 A supressão do glide em final de palavras pode até ocorrer, como por exemplo, na palavra “Hockey”, porém a sua freqüência é baixa (Cf.: Gonçalves, 1997). 23 Vale destacar que mesmo em nomes próprios a redução é possível e variável como em Moura (Mora) e Ouro Preto (Oro Preto).

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conferir a real importância do estudo da freqüência na aquisição e organização das estruturas

fonológicas. Na segunda, por sua vez, enfocaremos os postulados dos estudos sobre a

aquisição da variação estruturada.

Nos ditongos categóricos, o estudo da freqüência de tipo e de ocorrência desenvolvido,

nesta pesquisa, não segue a análise sociolingüística strito sensu. Na verdade, como um dos

objetivos deste estudo é a comparação de seus resultados com os encontrados por Bonilha

(2003) em seu trabalho sobre a aquisição baseada na hierarquia de restrições silábicas, achou-

se pertinente fazer o mesmo tipo de contagem dos dados. Assim, para a freqüência de tipo,

consideramos apenas as produções de palavras não repetidas num mesmo falante, a não ser

que tenha ocorrido alguma variação (decorrente da aquisição) na forma produzida. As

palavras repetidas, no entanto, não foram desconsideradas, mas incluídas no estudo da

freqüência de ocorrência. Já, nos ditongos variáveis, todas as produções, repetidas ou não, de

cada criança foram levadas em conta, visto que somente dessa forma é possível checarmos,

realmente, a realização variável de [ey] e [ay].

Vale ressaltar ainda três aspectos metodológicos importantes. Não foram

considerados, nesta pesquisa, os ditongos formados a partir da vocalização do /l/ pós-vocálico

como em papel e jornal. O estudo desses ditongos e seus plurais correspondentes envolvem

questões que fogem aos objetivos deste trabalho. O ditongo /ow/ também foi desprezado da

análise por sofrer redução categórica. O ditongo /aw/, apesar de alternar, em alguns casos,

com a vogal simples [o], foi interpretado, aqui, como categórico, uma vez que, na amostra

constituída, comportou-se como tal. Incluímos, na análise do ditongo /uy/, as palavras muito

(s) e muita (s), mesmo que apareça aí um ditongo nasal, pois apresentaram uma freqüência de

ocorrência bem alta em relação a outros itens lexicais, como por exemplo, “cuidado”. Por

isso, acredita-se que esses dois itens acrescentam e, também, contribuem para os resultados

finais da análise.

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Segundo Tomasello & Stahl (2004), os estudos dedicados à aquisição da linguagem

devem atentar-se, também, para a fala da comunidade adulta, já que esta é o input que a

criança recebe. Espera-se, portanto, que as crianças apresentem um comportamento

lingüístico semelhante. Dessa forma, os resultados encontrados, a partir da análise da fala dos

adultos, propiciam um melhor entendimento dos achados encontrados na fala das crianças.

Devido a isso, antes da análise dos dados de aquisição, fez-se necessário um estudo sobre o

comportamento da comunidade adulta.

Para o estudo das freqüências, esta pesquisa utilizou a Amostra Censo que foi

constituída pelos pesquisadores do Projeto de Estudos sobre o Uso da Língua (PEUL/UFRJ),

na década de 80. Tal Amostra compreende 64 informantes da cidade do Rio de Janeiro e é

estratificada de acordo com três fatores sociais: sexo (masculino e feminino), faixa etária (7 a

14, 15 a 25, 26 a 49 e mais de 50 anos) e escolarização (primário, ginásio e segundo grau).

Para que este tipo de estudo fornecesse resultados válidos, dentro de um determinado grau de

certeza, utilizou-se o programa computacional concappv 4, capaz de fornecer as listas dos

itens lexicais com os diversos tipos de ditongos, assim como a freqüência de cada palavra da

Amostra. Em contrapartida, o estudo do comportamento variável da comunidade adulta

baseou-se em pesquisas sociolingüísticas já realizadas, como foi visto no terceiro capítulo

desta dissertação.

Para análise da fala das crianças, iniciou-se a constituição de um corpus

representativo, denominado Amostra AQUIVAR24. Para que tal amostra fornecesse resultados

fidedignos e confiáveis, foi necessário o estabelecimento de critérios a serem seguidos antes e

durante as entrevistas. As crianças obrigatoriamente deveriam ser nascidas no Rio de Janeiro

e, caso tivessem se afastado da cidade por um período, o prazo aceitável de ausência foi de

seis meses. Crianças que tivessem irmãos já em fase escolar, também, deveriam ser evitadas,

24 As entrevistas foram realizadas por mim e Márcia Cristina Pontes Vieira sob a orientação da Professora Doutora Christina Abreu Gomes (PEUL/UFRJ).

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98

para minimizar qualquer influência da alfabetização. Os pais, por sua vez, foram controlados

através de uma ficha social, que continha informações sobre origem regional, escolaridade,

faixa de renda, hábitos culturais e de lazer e tempo de convivência com o filho.

As entrevistas foram divididas em duas partes principais. A primeira refere-se a uma

conversa informal entre a criança e o entrevistador, que, por sua vez, se baseou em um roteiro

pré-estabelecido. As perguntas, de um modo geral, eram direcionadas aos hábitos e vivências

das crianças e, por isso, eram relacionadas a: brincadeiras preferidas com os pais e com os

amigos; passeios mais divertidos, como praia e shopping; festas de aniversários; presentes

que ganharam ou que gostariam de ganhar no Natal; cotidiano em casa e na escola;

relacionamentos com avós, tias e professoras; algum tipo de esporte; programas preferidos de

televisão; músicas conhecidas e assim por diante. Além disso, foram utilizados livros de

histórias infantis, a fim de que as crianças as recontassem e vários jogos de entretenimento,

para que as crianças falassem da forma mais natural possível.

A segunda refere-se à nomeação de figuras, que consiste na identificação de desenhos

pelas crianças. O objetivo desta etapa foi o direcionamento da produção de itens lexicais que

possuem ditongos ou de realização variável ou categórica. Esta segunda parte teve importante

função, já que permitiu o levantamento de dados que dificilmente seriam produzidos

espontaneamente, como os ditongos / y/ - dodói, bóia, jóia e /εy/ - anéis, papéis, idéia. Além

disso, é um modo melhor de se controlar e abarcar o fenômeno lingüístico a ser estudado.

Vale destacar, no entanto, que a criatividade infantil foge de qualquer controle e, por isso,

muitas figuras não foram identificadas corretamente, perdendo o seu propósito, ou ainda

porque as crianças não conheciam aqueles itens lexicais.

O procedimento das entrevistas possibilitou, portanto, o levantamento de dados de

produção natural e induzidos. Apesar do esforço de se tentar adaptar as entrevistas para as

crianças, no sentido de tentar diverti-las e não cansá-las, houve algumas dificuldades. A falta

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de uma relativa intimidade entre os entrevistadores e as crianças, especialmente as mais

novas, gerou uma inibição por parte das crianças, o que prejudicou bastante algumas

entrevistas. O desinteresse em relação a algumas brincadeiras não permitiu o desenvolvimento

das propostas antes elaboradas. O tempo relativamente curto para a constituição da Amostra

não permitiu que algumas entrevistas fossem refeitas.

Além disso, as crianças falam bem menos e se cansam bem mais rápido que os

adultos, preferem brincar a falar e, muitas vezes, pronunciam palavras ininteligíveis ou

inexistentes, que, nesse caso, foram desprezadas na análise. Diante disso, houve um esforço

em estipular a duração das entrevistas em aproximadamente duas horas e, por isso, muitas

foram realizadas em dois dias ou mais. É claro que o intervalo entre as entrevistas deveria ser

o menor possível para se evitar a maturação das crianças. Vale destacar, no entanto, que nem

todas as entrevistas conseguiram a duração estipulada, seja pela indisponibilidade de horário

dos pais ou pela rejeição da criança em falar novamente.

Durante o período de um ano (2004), doze crianças foram entrevistadas e divididas de

acordo com oito faixas etárias: 2; 2:3; 2:7; 3; 3:3; 3:7; 4; 4:625. A essas entrevistas, somaram-

se mais oito, feitas anteriormente como projeto piloto da Amostra AQUIVAR e coordenadas

pela Professora Doutora Christina Abreu Gomes. Essas últimas, no entanto, não tiveram o

controle e a indução da produção dos ditongos orais decrescentes.

Reconhece-se, no entanto, que, apesar do trabalho sério da constituição da Amostra

AQUIVAR, as entrevistas não forneceram a quantidade esperada de dados relativos aos

ditongos decrescentes orais tanto categóricos quanto variáveis. O número relativamente baixo

de dados não permitiu uma análise decisiva e resultados conclusivos. Isto não impediu, no

entanto, que a análise desta pesquisa proporcionasse insights interessantes, abrindo caminhos

para um estudo futuro.

25 Anos: meses

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4.2 Objetivos e hipóteses

No capítulo anterior, vimos o tratamento dado à aquisição dos ditongos orais

decrescentes sob a ótica da teoria da otimidade, uma das teorias fonológicas da gramática

gerativa. O presente trabalho, então, parte da proposta de Bonilha (2003) de uma hierarquia de

restrições para a aquisição dos ditongos e propõe, de acordo com pressupostos da Fonologia

de Uso e da Fonologia Probabilística, um estudo sobre a aquisição tanto dos ditongos de uso

categórico quanto os de uso variável. Para tal, foram estabelecidos três objetivos principais, os

quais são:

(1) Verificar a proposta de Bonilha (2003) referente a um

ranqueamento baseado apenas em restrições fonético-

fonológicas para aquisição dos ditongos decrescentes orais em

contextos categóricos;

(2) Verificar se as freqüências de tipo e de ocorrência, assim como o

status morfológico dos diversos tipos de ditongos interferem no

processo aquisitivo;

(3) Verificar como se dá a aquisição da variabilidade entre [ey] ~ [e]

e [ay] ~[a] no período aquisitivo estudado.

Segundo os Modelos Multirepresentacionais, a freqüência de tipo e a de ocorrência

exercem um importante papel na estabilização e manutenção das representações lingüísticas.

Vale lembrar que, para esses modelos, as palavras armazenadas no léxico relacionam-se entre

si via rede de conexões baseadas nas similaridades fonéticas e semânticas. Quando o conjunto

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destas palavras aumenta, a conexão torna-se forte, ocorrendo, assim, a emergência de um

padrão estrutural, descrita como esquema.

A freqüência de tipo exerce um papel importante na produtividade, entendida como o

alcance que um determinado padrão estrutural possui para ser estendido a outras formas.

Assim, quanto mais itens forem abarcados por um esquema, mais força ele ganha e mais

disponível ele se torna para aplicação a outros itens. Os tipos mais freqüentes, então,

apresentam conexões lexicais e esquemas fortes, enquanto os tipos menos freqüentes possuem

conexões fracas, sendo mais suscetíveis à regularização (Cf.: Bybee, 1995). A evidência para

a ampla determinação da freqüência de tipo na produtividade pode ser atestada também

durante o processo aquisitivo. Beckman & Edwards (2000) analisaram imitações de palavras

novas por crianças e notaram que as seqüências fonológicas familiares foram produzidas com

mais exatidão que as seqüências não-familiarizadas. Outros estudos sobre aquisição

fonológica, como os de Ferguson & Farwell (1975) e Macken (1979), indicam que as crianças

desde cedo adquirem algumas sílabas e até palavras com freqüência alta de modo mais

eficiente que fonemas ou oposições fonêmicas. Diante dessas constatações, Solé (2003: 2)

afirma em seu trabalho que:

It is well Known that language acquisition is dependent on exposure to language input and that more frequent forms are acquired earlier, identified earlier, and produced accurately earlier.

A freqüência de ocorrência, por sua vez, possui importância primária nos graus

variados de força das palavras armazenadas. Itens com alta força lexical exibem uma

autonomia que os faz resistentes a mudanças e os predispõe a uma certa independência

semântica. A força das conexões lexicais também pode ser afetada por esta freqüência.

Palavras que têm alta freqüência de ocorrência apresentam autonomia lexical maior e tais

palavras, então, formam conexões fracas com outros itens. Assim, itens que possuem alta

freqüência no input poderão ser adquiridos em seus próprios termos, enquanto itens com

baixa freqüência de ocorrência são adquiridos de acordo com conexões estabelecidas com os

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itens já existentes. Formas com alta freqüência de ocorrência podem ser adquiridas por rotina,

mas as formas com baixa freqüência são adquiridas mais facilmente se elas forem

relacionadas a outras formas similares. A freqüência de ocorrência será mais autônoma e

provavelmente não será analisada como participante de esquemas, isto é, não irá participar da

produtividade dos esquemas (Cf.: Bybee, 1985). Derwing and Baker (1980) forneceram

evidências de que a freqüência dos itens lexicais prediz a ordem da aquisição de diferentes

plurais alomórficos, o que ilustra o papel da freqüência de ocorrência na aquisição. Os

resultados sugerem que a freqüência da seqüência ou palavra reforça a armazenagem na

memória de longo termo.

A partir dessas postulações, foram desenvolvidas as duas primeiras hipóteses desta

pesquisa:

(1) A aquisição dos diversos tipos de ditongos não é explicada apenas

por aspectos fonológicos, mas também pela freqüência de tipo e de

ocorrência;

(2) Freqüência de tipo: os tipos de ditongos mais freqüentes, como /ey/,

/aw/ e /ay/, se generalizam primeiro que os de freqüência mais

baixa, isto é, aparecem estáveis logo nas faixas etárias iniciais.

Outro aspecto a ser analisado neste trabalho é o tratamento dado aos níveis do sistema

lingüístico. No gerativismo, que concebe a gramática como formada por vários módulos que

possuem funções específicas, há a separação dos componentes do sistema em léxico, sintaxe e

sistemas de desempenho articulatório-perceptual (forma fonética) e conceptual-intencional

(forma lógica) (Cf.: Chomsky, 1995). Em contrapartida, na Sociolingüística, a postulação de

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grupos de fatores que procuram identificar a correlação de variantes a aspectos de diferentes

naturezas permite apontar para a interface dos diversos níveis ou módulos de gramática. Na

variação fonológica, por exemplo, se observa a correlação de uso de variantes a aspectos

relativos à natureza do item lexical, como a freqüência (Oliveira, 1995, Viegas, 2005). A

partir disso, nos Modelos Multirepresentacionais (Pierrehumbert, 2003), a fonologia, a

morfologia e até a sintaxe estariam organizados de forma estruturada no léxico. Daí,

formularmos a terceira hipótese:

(3) O status morfológico de alguns tipos de ditongos deve influenciar a

aquisição dessas determinadas estruturas;

De acordo com Bybee (2001), as estruturas fonológicas emergiriam a partir de fatos de

co-ocorrência encontrados no uso da língua. Dessa forma, itens lexicais que apresentam as

mesmas seqüências fonéticas, como por exemplo, consoante, vogal e semivogal, estariam

relacionados em uma rede de conexões, de onde se generalizaria um padrão fonológico, no

caso, sílaba com o núcleo complexo: CVV. Quando, porém, as palavras armazenadas são

relacionadas por conexões paralelamente fonológicas e semânticas, as relações resultantes são

morfológicas. Assim, se os itens lexicais estiverem relacionados de acordo com a similaridade

fonológica - sílaba com núcleo complexo – e com a similaridade semântica - marca de

passado -, emergirá, por exemplo, uma desinência verbal. Vale lembrar que as palavras

armazenadas no léxico são participantes de mais de uma conexão simultaneamente. Logo,

vários itens que constituem as conexões baseadas na identidade fonológica e semântica,

também estariam presentes nas conexões baseadas na identidade fonológica.

O ditongo /iw/, por exemplo, parece ter um uso bastante freqüente como desinência

verbal, visto que serve para indicar a que conjugação o verbo pertence e a que pessoa do

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discurso se refere (vogal temática i + desinência número-pessoal u: terceira conjugação e

terceira pessoa do singular), como em saiu, caiu, fugiu e riu. Esse ditongo, então, faz parte da

morfologia verbal do português. Sendo assim, a generalização desse padrão fonológico pode

estar relacionada com generalização do /iw/ como desinência verbal.

O mesmo deve ocorrer com o ditongo /εy/, presente na forma plural dos substantivos

terminados em –el, como em papel, anel, pastel. Logo, esse ditongo faz parte da morfologia

nominal do português. Sua aquisição, portanto, deve ser, de alguma forma, dependente da

aquisição dessa marca de plural.

Em relação à aquisição da variação estruturada, sabe-se que o estudo referente à fala

das crianças mudou o seu foco: em vez de tratá-la como algo imperfeito, passaram a vê-la

como a emergência do sistema lingüístico do adulto. Isto, com certeza, proporcionou um

importante impacto nas pesquisas sobre aquisição da linguagem. É claro que o avanço nessa

linha de trabalho só foi possível com o volume precedente de pesquisas sobre a comunidade

de fala adulta, o que permitiu a comparação entre a fala emergente da criança e o modelo

adulto. Há evidências contundentes da variação na fala dos adultos, devido a pesquisas

sociolingüísticas e evidências menores, todavia em expansão, da habilidade das crianças em

adquirirem essa variação logo nos primeiro anos de vida. Pesquisas atestaram, por exemplo,

que as crianças na pré-escola demonstraram uma aquisição dos fenômenos variáveis, assim

como dos condicionamentos fonológicos, gramaticais e lexicais de tais variações. (Labov,

1995, Roberts 1996, 1997,). Diferenças ocasionadas pelos gêneros também foram notadas

(Foulkes et al. 1999, Roberts 1997a). A partir disso, postulou-se a quarta hipótese:

(4) Nos contextos variáveis dos ditongos [ay] e [ey], espera-se que o

uso da forma monotongada seja mais freqüente, já que também é a

forma mais usada na comunidade de fala adulta.

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105

Vale relembrar que, na proposta de Pierrehumbert (2003), o conhecimento implícito da

língua envolve categorias variáveis cujas representações são probabilísticas.Com isso, as

variantes ditongo e vogal base estariam representadas de acordo com a freqüência de uso. A

pesquisadora ainda afirma que, nas teorias de fonética e fonologia, existem vários níveis de

abstração. No presente trabalho, pretende-se observar dois desses níveis: o das representações

das formas fonéticas das palavras no léxico, onde todas as possibilidades de ocorrência seriam

armazenadas e o nível mais abstrato das representações das estruturas fonológicas. As

estruturas fonológicas, portanto, não emergiriam diretamente da fala, mas das formas

fonéticas já armazenadas.

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106

Capítulo V

Análise dos dados

5.1 Introdução

Este capítulo dedica-se, a partir dos postulados dos Modelos Multirepresentacionais, à

análise dos dados fornecidos pela Amostra AQUIVAR/PEUL em relação à aquisição dos

ditongos decrescentes orais categóricos e variáveis.

5.2 Aquisição dos ditongos decrescentes orais categóricos

Esta seção refere-se à análise dos resultados encontrados relativos à aquisição dos

ditongos decrescentes orais em contexto categórico, sejam eles padrões estritamente

fonológicos ou sejam eles padrões constituintes da morfologia verbal e nominal. De acordo

com o objetivo desta pesquisa, fazer-se-á um estudo das freqüências de tipo e de ocorrência

na fala das crianças, a fim de se analisar a relação potencial entre a estruturação/organização

do sistema lingüístico e os usos e padrões de produção.

5.2.1 Freqüência de tipo na comunidade de fala adulta

Antes de entrarmos na análise propriamente dita da aquisição dos ditongos em

contexto categórico, fez-se necessário o estudo das freqüências na comunidade de fala adulta,

para que possamos estabelecer as correlações pertinentes entre o comportamento das crianças

e dos adultos. A seguir, o gráfico 5.1 apresenta a freqüência de tipo dos ditongos orais

decrescentes na Amostra Censo:

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107

40,5

20,2

13,310,2

5,8 4,32,4 2,2

0,8 0,3

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

(%)

[ej] [aw] [aj] [oj] [ew] [ui] [ɔj] [εj] [εw] [iw]Ditongos

Freqüência de Tipo

Gráfico 5.1: Freqüência de tipo na Amostra Censo

Tabela de ditongos categóricos

Ditongos [ey] [aw] [ay] [oy] [ew] [uy] [ y] [εy] [εw] [iw]

Freqüência 299/738 149/738 98/738 75/738 43/738 32/738 18/738 16/738 6/738 2/738 (%) 40,5 20,2 13,3 10,2 5,8 4,3 2,4 2,2 0,8 0,3

Vale relembrar que a contagem realizada, para este estudo, considerou apenas a

entrada das palavras com os diversos tipos de ditongos na Amostra, isto é, não foram levadas

em conta as ocorrências repetidas.

Os resultados foram organizados de maneira a indicar a gradação da freqüência de tipo

entre os ditongos. O ditongo [ey] é o mais freqüente, uma vez que ocorreu 299 vezes no total

de 738 palavras que apresentaram os diversos tipos de ditongos, o que representa 40,5%. Em

seguida, tem-se o ditongo [aw], com 20, 2% (149/738) das ocorrências e os ditongos [ay] e

[oy], que demonstraram uma freqüência considerável, com os percentuais de 13,3% (98/738)

e 10, 2% (75/738), respectivamente.

Após o ditongo [oy], nota-se uma acentuada diminuição da freqüência de tipo. Pode-se

falar, então, de um segundo grupo constituído pelas freqüências mais baixas: o ditongo [ew],

que foi encontrado apenas em 43 palavras de um total de 738 (10, 2%) e [uy], que apresenta

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somente 4,3% de ocorrência. Assim, pode-se dizer que esses dois ditongos são constituintes

de um número de itens lexicais inferior aos do primeiro grupo, apresentando, portanto, uma

freqüência de tipo baixa. E finalmente, aparecem os ditongos [ j] e [εy], que ocorreram

apenas 18 e 16 vezes, respectivamente, apresentando os percentuais baixos de 2,4 e 2,2 e os

ditongos [εw] e [iw], que apresentam os índices de uso mais baixos, com ocorrências

inferiores a 1%.

Essa análise nos permite postular que os ditongos mais freqüentes, [ey], [aw], [ay] e

[oy] estariam organizados em redes de conexões lexicais fortes, já que abarcam um número

razoável de itens lexicais. As crianças, portanto, durante o processo aquisitivo, devem

generalizar primeiramente esses tipos de ditongos. Em contrapartida, os ditongos menos

freqüentes, [ew] e [uy] e ainda [ y], [εy] , [εw] e [iw] que não ocorrem em muitos itens

lexicais, possuiriam redes de conexões mais fracas e, por isso, seriam generalizados

posteriormente.

Em relação aos ditongos que fazem parte da morfologia verbal, poderíamos dizer que

três tipos de ditongos parecem atuar ativamente como desinência verbal, /ey/, /ew/ e /iw/,

conforme se observa no gráfico que se segue:

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65,0

15,7 14,3

3,01,4 0,5 0,2

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

70,0

(%)

[ej] [ew] [iw] [uj] [aj] [ɔj] [oj]

Freqüência de Tipo

Gráfico 5.2: Freqüência de tipo dos ditongos constituintes da morfologia verbal

Tabela de status morfológico do ditongo (desinência verbal) Ditongos [ey] [εw] [iw] [uy] [ay] [ y] [oy]

Freqüência 286/440 69/440 63/440 13/440 6/440 2/440 1/440 (%) 65 15,7 14,3 3 1,4 0,5 0,2

O ditongo [ey] é o mais freqüente também como desinência verbal, já que ocorreu em

65% dos casos. Assim, as conexões baseadas nas similaridades fonológicas e semânticas deste

padrão morfológico parecem ser fortes devido a quantidade de 286 palavras em um total de

440 na amostra analisada. Este ditongo, então, apresenta uma freqüência de tipo altíssima em

ambos os casos: quando é um padrão fonológico e quando também é um constituinte

morfológico. Neste caso, a generalização do ditongo [ey] não deve depender especificamente

da generalização da desinência verbal.

Se observarmos, no entanto, o ditongo [iw], veremos que sua freqüência de tipo como

constituinte da morfologia verbal é relativamente alta (14,3%), o que contrasta com a

freqüência de tipo bem baixa (0,3%) em relação ao seu status meramente fonológico em

monomorfemas. Então, as conexões baseadas nas identidades fonológica e semântica,

responsáveis pela generalização da desinência verbal, devem ser mais fortes que aquelas que

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abarcam o ditongo fonológico. A tendência indicada pelo estudo da freqüência na Amostra

Censo de que o uso do ditongo [iw] parece ser praticamente específico em verbos reforça a

postulação de que tal comportamento deve influenciar a aquisição do ditongo [iw], já que as

crianças não devem adquirir apenas o ditongo [iw], mas, simultaneamente, o ditongo como

parte da morfologia verbal.

Em relação ao status morfológico do ditongo como marca de plural, observamos

fenômeno semelhante:

81,8

7,6 6,1 4,5

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

70,0

80,0

90,0

(%)

[aj] [ej] [ɔj] [aw]

Freqüência de Tipo

Gráfico5.3: Freqüência de tipo dos ditongos constituintes da morfologia nominal

Tabela de status morfológica do ditongo (marca de plural) Ditongos [ay] [εy] [ j] [aw]

Freqüência 54/66 5/66 4/66 3/66 (%) 81,8 7,6 6,1 4,5

O ditongo [ay] parece ter uma freqüência bem expressiva como marca de plural, uma

vez que ocorre 54 vezes das 66 ocorrências, o que representa 81,1%. Apesar dessa alta

freqüência, [ay] também apresenta uma freqüência como padrão fonológico relativamente

alta. Assim, não podemos determinar se a aquisição desse ditongo pode estar relacionada com

o seu status morfológico.

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O ditongo [εy], por sua vez, ocorre como marca de plural apenas 5 vezes em um total

de 66 dados (7,6 %). Mesmo não sendo um índice expressivo, apresenta uma freqüência

maior que a encontrada na análise dos ditongos com status meramente fonológico, cuja

porcentagem foi de 2,2 (16/738). Neste caso, não podemos afirmar que o uso do ditongo [εy]

como marca de plural seja específico, como fizemos com o ditongo [iw], porém os resultados

permitem a postulação de que a aquisição [εy] pode ser dependente da generalização de seu

status morfológico. No entanto, essa questão não foi verificada nesta etapa da pesquisa.

5.2.2 Freqüência de ocorrência na comunidade de fala adulta

Segue-se abaixo um quadro com as duas palavras mais freqüentes de cada tipo de

ditongo26, a fim de conjugarmos os resultados encontrados no estudo da freqüência de tipo

com o estudo da freqüência de ocorrência:

Palavras Freqüência de ocorrência Veio 289 Jeito 264

Causa 255 Paulo 157 Pai 978

Maior 384 Coisa 2.340

Depois 1.198 Eu 18.799

Meu 2.203 Muito 3.585 Muita 706 Niterói 32

Jóia 15 Idéia 83 Méier 41 Céu 53

Chapéu 8 Psiu 10 Piu 2

Tabela 5.1: Freqüência de ocorrência dos diversos tipos de ditongos

26 A ordem das palavras foi estabelecida de acordo com a freqüência de tipo: do mais freqüente para o menos freqüente.

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Verifica-se que os itens lexicais que possuem os tipos de ditongos mais freqüentes -

/ey/, /aw/ e /ay/ - parecem não apresentar uma freqüência de ocorrência alta – veio (289),

causa (255) e pai (978), se comparados aos itens mais freqüentes, como coisa (2.340), depois

(1.118), eu (18.799), meu (2.203) e muito (3.585). Assim, pode-se dizer que esses itens

lexicais possuem baixa autonomia lexical, no sentido de que devem ser armazenados de

acordo com as relações existentes entre eles, nas redes de conexões. O ditongo /ew/, por sua

vez, que apresenta uma freqüência de tipo baixa, possui uma freqüência de ocorrência

altíssima, o que nos permite postular que os pronomes eu e meu apresentam autonomia lexical

alta, formando conexões fracas com os outros itens existentes. Tal fato parece ocorrer também

com muito, que apesar de possuir um tipo de ditongo pouco freqüente, apresenta, na Amostra

Censo, uma freqüência de ocorrência relativamente alta.

A correspondência entre esses dois estudos na comunidade adulta nos mostrou que a

relação entre a freqüência dos tipos de ditongos e a freqüência dos itens lexicais que

apresentam tais ditongos não é paralela. Esse resultado pode influenciar, de algum modo, a

aquisição dos ditongos, visto que os itens lexicais com freqüência de ocorrência alta,

independente da freqüência do ditongo, não precisam ser participantes das redes de conexões

e, conseqüentemente, podem ser adquiridas por rotina.

5.3 Aquisição dos núcleos complexos

A partir desta seção, então, entramos no cerne da pesquisa: o estudo da freqüência de

tipo e de ocorrência na aquisição dos ditongos decrescentes orais categóricos.

5.3.1 Freqüência de tipo

Estudos sobre a fonologia da criança, como os de Bates & Goodman (1997) e de

Beckman (2004), questionaram a postulação gerativista de que a aquisição ocorreria a partir

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de um curso maturacional característico, no qual os componentes gramaticais emergiriam de

acordo com uma programação fixa e ordenada: fonologia, seguida pela semântica (léxico),

com o surgimento do componente gramatical somente em crianças de aproximadamente dois

anos de idade. Na verdade, a fase da produção de palavras isoladas (que seria comandada pelo

hemisfério direito do cérebro) não estaria relacionada com a fase da emergência da gramática

produtiva (comandada pelo hemisfério esquerdo) (Chomsky, 1975: 53). Vale destacar que tal

proposição é decorrente do pensamento do lingüista Roman Jakobson, que propôs dois

períodos distintos e separados de produções vocálicas: o balbucio e a fala significativa (Cf.:

Stoel- Gammon & Cooper, 1984).

Em contrapartida, os autores propõem que há uma estreita ligação entre o

desenvolvimento da gramática e o crescimento lexical. Bates & Goodman (1997:9), por

exemplo, atestaram que o desenvolvimento dos 16 aos 30 meses de duas crianças normais da

mesma faixa etária pode apresentar um comportamento extremo. A criança que possuía um

vocabulário de 272 palavras aos 30 meses demonstrou um desenvolvimento gramatical mais

atrasado que a criança que possuía um vocabulário de 315 palavras aos 17 meses. A partir

disso, os autores afirmaram que o progresso da gramática das crianças é diretamente

proporcional a suas habilidades lexicais, o que explicaria o fato das crianças alcançarem o

“nível de gramática” em idades diferentes dentro desse período de desenvolvimento. Vihman

(1985), por sua vez, encontrou resultado semelhante ao atestar que o início da regularização

verbal em crianças novas correlaciona-se ao número de verbos presentes no vocabulário.

Somando-se a esses trabalhos, Pine (1997) e Tomasello (2004) postulam, dentro da

perspectiva dos Modelos Multirepresentacionais, que as estruturas lingüísticas seriam

adquiridas a partir da armazenagem de uma quantidade de itens lexicais suficiente para tornar

a rede de conexões forte e permitir, assim, a emergência de um padrão.

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Nos nossos resultados encontrados no estudo de freqüência de tipo da comunidade

adulta, observou-se que os ditongos mais freqüentes, [ey], [ay], [aw] e [oy], são constituintes

de um número de itens lexicais bem mais elevado que os de freqüência baixa. Isso nos

permitiu postular que as crianças, a partir de uma determinada faixa etária, também,

apresentariam, nesses ditongos mais freqüentes, um número maior de palavras no

vocabulário, o que permitiria a generalização destes.

A partir da Amostra AQUIVAR, foram coletados 771 dados, considerando todos os

tipos de ditongos e todas as ocorrências repetidas e não repetidas. Vejamos, então, os

resultados relativos à freqüência de tipo das crianças. Para tal estudo, é necessário

considerarmos a ocorrência de palavras diferentes. Assim, as tabelas que se seguem retratam a

ocorrência da produção de palavras não repetidas. As porcentagens, por sua vez, indicam a

realização categórica ou não e, portanto, a estabilização da aquisição de cada tipo de ditongo.

Além disso, as tabelas foram organizadas decrescentemente de acordo com a freqüência de

tipo que os ditongos apresentaram na comunidade de fala adulta, a fim de podermos ter graus

de comparação. Optou-se por esse procedimento de organização e análise para ser possível a

comparação dos resultados obtidos nessa pesquisa com os de Bonilha (2003, 2004), que

adotou esse mesmo procedimento metodológico para a análise de seus dados de aquisição.

Para essa análise, não foram considerados os casos em que ditongos funcionam

também como status morfológico de marca verbal ou de plural. Levou-se em conta os

ditongos posicionados no final e na estrutura interna das palavras.

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[ey] [aw] [ay] [oy] Possibilidade Possibilidade Possibilidade Possibilidade Idade Ocorrência

% Ocorrência

% Ocorrência

% Ocorrência

%

2 2/3 67 2/2 100 1/2 50 0/2 0

2,3 3/4 75 2/2 100 2/4 50 2/3 67

2,7 4/5 80 2/2 100 2/3 67 2/2 100

3 6/6 100 2/2 100 2/3 67 3/4 75

3,3 9/9 100 3/3 100 4/4 100 3/5 60

3,7 6/7 86 3/3 100 6/6 100 2/3 67

4 8/8 100 4/4 100 7/7 100 3/4 75

4,6 9/9 100 4/4 100 8/8 100 6/6 100 Tabela 5.2: Freqüência de tipo na fala das crianças

Observa-se, então, que o ditongo [ey], nas três faixas etárias iniciais, não foi produzido

categoricamente. Nas crianças de dois anos, o [ey] foi produzido em 67% dos casos devido a

sua não- realização em areia ([a.‘Ρe.a]). Nas fases seguintes, apresentou, respectivamente, a

ocorrência de 75% e 80%, já que foi observada a alternância de produção nas palavras sereia

([se.‘re.a]) e leite ([‘li.tΣi). A partir dos 3 anos, no entanto, o ditongo é realizado em 100%

dos casos, com exceção nos 3 anos e 7 meses, em que houve a não produção de [ey] na

palavra Mickey ([‘mi.cki])27. Nota-se, no entanto, que a realização categórica parece ocorrer,

juntamente, com o aumento gradual da freqüência de tipo.

O ditongo [ay], também, não é plenamente realizado nas quatro faixas iniciais. Na

primeira, a palavra papai, foi realizada como [pa.‘pa.i] e, por isso, [ay] apresentou um índice

de 50% de ocorrências. Nos 2 anos e 3 meses, a percentagem de 50% se deve a dupla

produção de [ba.la.la.‘Ρi.na] (bailarina). A ocorrência de 67%, nas faixas de 2 anos e 7 meses

e três anos, explica-se pelas produções [pa.pa.‘ga.Ρi.Υ] e /ba.Ρa.‘li.na/ (bailarina),

respectivamente. Esse ditongo estabiliza-se apenas a partir da faixa etária de 3 anos e três

meses. Nota-se que a realização categórica deste ditongo incide também somente nas últimas

faixas etárias.

27 Que parece se encaixar na ressalva feita por Gonçalves (1997) para a palavra Hockey.

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O ditongo [oy], por sua vez, apresenta 100% de realização apenas na faixa dos 2 anos

e 7 meses e na última faixa etária, onde parece ocorrer um pequeno aumento no número de

itens lexicais. Nas outras faixas anteriores, temos a não realização em coisa ([‘ko.za]),

biscoito ([bi.‘ko.tΥ] e [bi.‘to.tΥ]), coisinhas ([ko.‘si.Νas]), dois ([‘doΣ]) e depois ([‘de.poΣ]).

O ditongo [aw], por sua vez, demonstrou categoricidade de realização em todas as faixas

etárias.

Esses resultados nos mostram, em primeira instância, que os ditongos com freqüência

de tipo alta na comunidade adulta - /ey/, /ay/, /oy/ e /aw/- parecem não apresentar uma

estabilização durante o processo aquisitivo, com exceção deste último, visto que, nas

primeiras faixas etárias, não apresentaram categoricidade. Notou-se, entretanto, a

estabilização destes ditongos nas faixas etárias posteriores, onde parece ocorrer aumento

relativo dos itens lexicais que possuem tais ditongos. Vale ressaltar, no entanto, que no caso

do ditongo [oy] tal aumento não é tão expressivo quanto nos outros dois. Passemos, agora,

para os ditongos considerados poucos freqüentes, apresentados a seguir nas tabelas 5.3 e 5.4:

[ew] [uy] [ y] Possibilidade Possibilidade Possibilidade % Idade Ocorrência

% Ocorrência

% Ocorrência

2 2/2 100 1/1 100 - - 2,3 2/2 100 2/2 100 1/1 100 2,7 1/1 100 1/1 100 - - 3 3/3 100 3/3 100 2/2 100

3,3 4/4 100 3/3 100 1/1 100 3,7 3/3 100 3/3 100 1/1 100 4 3/3 100 2/2 100 - -

4,6 5/5 100 3/3 100 1/1 100 Tabela 5.3: Freqüência de tipo na fala das crianças

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[εy] [εw] [iw] Possibilidade % Possibilidade PossibilidadeIdade Ocorrência Ocorrência

% Ocorrência

%

2 - - 2/2 100 - - 2,3 - - 1/1 100 - - 2,7 - - - - - - 3 - - 2/2 100 - -

3,3 - - 3/3 100 - - 3,7 - - 3/3 100 - - 4 - - 2/2 100 - -

4,6 - - 3/3 100 - - Tabela 5.4: Freqüência de tipo na fala das crianças

As tabelas dos ditongos com baixa freqüência (/ew/, /uy/, /(y/) e baixíssima freqüência

(/εw/) nos mostram um fenômeno inverso ao visto nos ditongos freqüentes. Todos, sem

exceções, apresentaram comportamento categórico desde as crianças mais novas. Isto

significa que esses ditongos, em crianças a partir de 2 anos de idade, parecem estar totalmente

estabelecidos. Nota-se, também, que não podemos dizer que houve um aumento do

vocabulário, como foi feito anteriormente, pois esses ditongos possuem ocorrências

semelhantes entre todas as faixas etárias. Vale destacar, no entanto, que a quantidade de itens

lexicais produzidos é baixa e, portanto, não podemos analisar profundamente os efeitos reais

da freqüência de tipo.

Os ditongos [εy] e [iw] não ocorreram, em palavras monomorfêmicas, em nenhuma das

faixas etárias da amostra. Vale lembrar que esses ditongos apresentaram freqüência

baixíssima de tipo na comunidade adulta. O ditongo [εy], como marca de plural também não

foi produzido, mesmo nos dados em que ele deveria ocorrer:

(a) Cr 18- E: Quem é [...] que que é aquilo ali que você pegou da bolsa?

I: papéuzinhos pra você!

(b) Cr18- E: O que é isso?

I: o anéus da tia Dani

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Esse resultado parece revelar que o ditongo [εy] possui uma aquisição tardia se

comparado aos outros tipos de ditongos considerados também pouco freqüentes. Sabe-se que

a marca de plural de nomes terminados em lateral é usualmente confundida entre as formas

[ws] e [ys] tanto na comunidade de fala adulta quanto na fala de crianças. Além disso, pode

ocorrer a ausência da marca de plural durante o processo aquisitivo (Cf. Cristófaro- Silva et

al, 2005). Por isso, acredita-se que a aquisição desse ditongo como marca morfológica seja

tardia. É claro, entretanto, que precisaríamos de um estudo específico sobre esse assunto. A

aquisição do ditongo fonológico /εy/, portanto, deve estar associada à aquisição tardia da

marca de plural.

Em contrapartida, o ditongo [iw], correlacionado à marca de passado verbal, ocorreu

em todas as faixas etárias e foi produzido categoricamente em todos os casos, como podemos

ver na tabela abaixo:

[iw] Possibilidade Idade Ocorrência

%

2 8/8 100 2,3 9/9 100 2,7 5/5 100 3 12/12 100

3,3 17/17 100 3,7 14/14 100 4 19/19 100

4,6 22/22 100 Tabela 5.5: Freqüência de tipo do ditongo [iw] como marca verbal

Observa-se, então, que a freqüência de tipo é relativamente alta desde as faixas etárias

iniciais, aumentando consideravelmente nas 4 últimas faixas. Parece-nos, então, que as

conexões baseadas na identidade tanto fonológica quanto morfológica desse padrão

lingüístico já são fortes o suficiente para a emergência desse ditongo como marca de passado

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119

verbal. Isso nos permite propor que a aquisição do ditongo /iw/ deve ser dependente da

aquisição da marca de passado verbal que, por sua vez, parece ser adquirida bem cedo.

Os dados fornecidos pela amostra representativa da fala da criança - Amostra

AQUIVAR – aparentemente parecem contrariar a hipótese inicialmente postulada de que os

tipos mais freqüentes tenderiam a se generalizar mais cedo, por apresentar um número de

itens lexicais maior que os de freqüência mais baixa e, portanto, redes lexicais mais fortes. Na

verdade, ao observarmos as três primeiras tabelas, podemos perceber que a freqüência de tipo

é bem distribuída nos diversos ditongos e equilibrada nas faixas etárias, apresentando apenas

uma pequena diferenciação no [ey] a partir dos 3 anos, no [ay] aos 3 e 7 meses e no [oy]

somente na última fase. Uma possível explicação para essa homogeneidade dos dados é a de

que as crianças, neste período de desenvolvimento, ainda estão em processo de expansão de

vocabulário. Na verdade, dentro dos postulados dos Modelos Multirepresentacionais, a

freqüência de tipo só desempenha um papel importante na produtividade e na generalização

de estruturas lingüísticas quando é possível estabelecer quais formas são mais freqüentes e

quais são menos freqüentes; quais possuem um número de itens lexicais alto e quais

apresentam um índice de palavras relativamente baixo no léxico adquirido. Em outras

palavras, a freqüência de tipo não é abstraída diretamente do input, mas do léxico

armazenado. O comportamento das crianças entrevistadas, no entanto, parece demonstrar que

ainda não ocorreu totalmente tal definição, uma vez que se trata de um período de expansão

lexical. Esta postulação pode ser reforçada por outro aspecto: nota-se que a categorização e

estabilização dos ditongos [ey], [ay] e [oy] parecem ocorrer juntamente com o relativo

aumento do número de itens lexicais produzidos, isto é, a partir das faixas entre 3 anos e 3 e 7

meses, dependendo do ditongo. Isso pode indicar, então, que a freqüência de tipo começa a

determinar a aquisição dos ditongos decrescentes orais a partir somente de uma quantidade

específica de palavras no léxico que, por sua vez, reforçaria as conexões antes mais fracas.

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120

Como explicaríamos, então, as ocorrências categóricas dos ditongos menos freqüentes?

Vejamos, agora, os resultados do estudo de freqüência de ocorrência.

5.3.2 Freqüência de ocorrência

Para o estudo da freqüência de ocorrência28, elaborou-se uma tabela que leva em

conta, em primeira instância, todas as possibilidades de realização dos ditongos, isto é, foram

contabilizados todos os itens lexicais com os determinados ditongos, incluindo as repetições

(ver P - possibilidade, na tabela). Seguindo essa mesma contagem, consideraram-se também

todas as ocorrências de produção realizadas categoricamente ou não (ver O – ocorrência, na

tabela). Além disso, encontram-se as porcentagens dos índices de produção dos dados. Esta

tabela, no entanto, apresenta também o número de palavras diferentes dentre as repetições, no

sentido de que as palavras foram contadas apenas 1 vez.

O número de repetições dos itens lexicais é a freqüência das palavras na Amostra, ou

seja, é a freqüência de ocorrência, mesmo que sem a especificação de cada item lexical e suas

ocorrências. O número de palavras diferentes é a freqüência de tipo, pois olha especificamente

para entrada das palavras que possuem os determinados ditongos no léxico. Na verdade, para

os pressupostos dos Modelos Multirepresentacionais, a fortificação das redes de conexões

lexicais só é possível pela armazenagem de itens lexicais distintos. A emergência do padrão

lingüístico, portanto, só ocorrerá após a armazenagem de uma quantidade específica de itens

lexicais distintos. Assim, a correlação entre o número de repetições e o número de palavras

diferentes nos permitirá observar a concentração dos tipos de ditongos por itens lexicais e a

interligação entre freqüência de tipo e freqüência de ocorrência. . Na verdade, este estudo

pretende dar conta dos casos em que as palavras de determinados tipos de ditongos foram

sempre as mesmas para todas as crianças. Vejamos as duas tabelas abaixo:

28 Encontra-se anexada, no fim da dissertação, a tabela que especifica cada item lexical que apareceu na amostra, assim como as suas ocorrências de realização.

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[ey] [aw] [ay] [oy]

Idade O / P

Nº de palavras

diferentes % O / P

Nº de palavras

diferentes% O / P

Nº de palavras

diferentes% O / P

Nº de palavras

diferentes%

2 4/5 3 80 2/2 2 100 7/8 2 87 0/3 2 0 2,3 7/8 4 87 2/2 2 100 11/14 4 78 7/9 3 77 2,7 6/6 4 100 2/2 2 100 9/10 3 90 2/2 2 100 3 7/8 5 87 2/2 2 100 12/13 3 92 7/8 4 87

3,3 13/13 7 100 3/3 3 100 13/13 4 100 10/11 5 91 3,7 16/17 9 94 6/6 3 100 19/19 6 100 5/6 3 83 4 15/15 8 100 7/7 4 100 26/26 7 100 5/6 4 83

4,6 17/17 9 100 12/12 4 100 28/28 8 100 26/26 6 100 85/89 95 36/36 100 125/131 95 62/71 87

Tabela 5.6: Correlação entre freqüência de tipo e freqüência de ocorrência na Amostra AQUIVAR

Nesta primeira tabela, notamos que os ditongos [ey], [ay] e [oy], no decorrer do

processo aquisitivo, apresentam uma distribuição equilibrada entre o número de repetição de

palavras e o número de itens lexicais diferentes, como podemos destacar, mais facilmente, na

última faixa etária: no ditongo [ey], temos 17 ocorrências em 9 itens, no [ay], tem-se 28 dados

em 8 palavras e no ditongo [oy], 26 em 6. Isto permite dizer que não há uma alta concentração

desses ditongos em poucos itens lexicais.

[ew] [uy] [ y] [εw]

Idade O / P

Nº de palavras diferente

s

% O / P Nº de

palavras diferentes

% O / P Nº de

palavras diferentes

% O / P Nº de

palavras diferentes

%

2 30/30 2 100 5/5 1 100 - - - 5/5 2 100 2,3 23/23 2 100 8/8 2 100 2/2 1 100 3/3 1 100 2,7 10/10 2 100 4/4 1 - - - - - - - 3 34/34 3 100 9/9 3 100 7/ 7 2 100 4/4 2 100

3,3 39/39 3 100 20/20 3 100 3/3 1 100 6/6 3 100 3,7 25/25 3 100 11/11 2 100 5/5 1 100 7/7 3 100 4 46/46 3 100 15/15 2 100 - - - 7/7 2 100

4,6 79/79 5 100 23/23 3 100 1/1 1 100 13/13 3 100 286/286 100 95/95 100 18/18 100 45/45 100

Tabela 5.7: Correlação entre freqüência de tipo e freqüência de ocorrência na Amostra AQUIVAR

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Nos ditongos menos freqüentes – [ew], [uy], [oy], [εw] e também o ditongo [aw]-,

observamos uma relação inversa: há, especialmente no ditongo [ew], uma distribuição

concentrada entre as repetições e as palavras diferentes. Assim, notamos, desde a faixa dos

dois anos de idade até a faixa dos quatro anos, repetições bem altas (2anos: 30 repetições para

2 palavras diferentes; 3 anos: 34 repetições em 3 itens distintos, 3 e 3 meses- 39 repetições, 4

anos- 46 repetições e 4 e 6 meses- 79 repetições), porém concentrados em pouquíssimos itens

lexicais – os pronomes eu, meu e seu. No ditongo [uy], a produção concentra-se nas palavras

muito e muita. O ditongo [ y], na palavra dodói, o [εw], em céu e o ditongo [aw], nas

palavras mau e pau. Podemos dizer, então, que esses itens lexicais possuem uma freqüência

de ocorrência alta.

A freqüência de ocorrência, portanto, nos fornece indícios mais fortes. Se

considerarmos os itens lexicais em que ocorrem individualmente, os ditongos [ey], [ay] e [oy]

apresentam uma freqüência de ocorrência baixa, pois a incidência das palavras é equilibrada,

não havendo nenhum item lexical que se destaque em termos de ocorrência. Os ditongos [ y],

[ew], [εw] e [uy], por sua vez, apresentam uma freqüência de ocorrência alta, pois se

concentram apenas em determinadas palavras conforme foi visto.

De acordo com os postulados dos Modelos Multirepresentacionais, nosso estudo de

freqüência de ocorrência permite a postulação de que os itens lexicais em que se encontram os

tipos de ditongos mais freqüentes possuem baixa autonomia lexical e, portanto, devem estar

intrincados nas redes de conexões lexicais. Assim, cada palavra nova será armazenada de

acordo com os esquemas estabelecidos entre os itens já existentes. Então, no processo

aquisitivo, a emergência de [ey], [ay] e [oy] parece ser dependente da armazenagem de um

determinado número de itens lexicais nas conexões. Daí, se explicar o fato desses ditongos

não apresentarem realização categórica nas primeiras faixas etárias.

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Na nossa amostra, os itens lexicais que abarcam os ditongos menos freqüentes e o

[aw], por apresentarem uma freqüência de ocorrência bem alta, possuem relativa autonomia

lexical. Isto significa dizer que essas palavras não necessariamente precisam estar

relacionadas com as outras nos esquemas. Na verdade, elas formam conexões fracas com os

outros itens lexicais existentes. Isto nos permite postular que esses itens lexicais devem ser

adquiridos como tais. Com isso, não se pode afirmar que a generalização desse padrão

fonológico ocorreu completamente, mas que se manifesta em função das palavras que foram

adquiridas.

Vimos, no capítulo III, a proposta de Bonilha (2003) que relacionou o processo de

aquisição dos ditongos orais decrescentes de acordo com as seqüências de segmentos que

compõem a estrutura VG. Assim, a aquisição dessas estruturas parece iniciar com a vogal

baixa na posição de pico silábico seguida do glide dorsal- [aw]. Posteriormente, se daria a

aquisição do ditongo [ay]. Emergindo um pouco mais tarde, apareceriam os ditongos

formados pelas vogais médias baixas. E, finalmente, os ditongos constituídos pelas vogais

médias altas como vogal base, [ew], [ey] e [oy], apresentariam uma estabilização mais tardia,

bem como os constituídos pelas vogais altas [uy] e [iw]. Vale destacar que Bonilha

considerou a aquisição completa e estável quando se alcançou a produção significativa dos

ditongos com índices superiores a 80%. Logo, a escala de Bonilha para a aquisição dos

ditongos seria a seguinte:

Baixa [ay] - [aw]

Média-baixa [εw] - [εy] - [ y]

Média-alta [ey] - [ew] - [oy]

Alta [iw] - [uy]

Idade

Possibilidade Ocorrência % Possibilidade

Ocorrência % Possibilidade Ocorrência % Possibilidade

Ocorrência %

1:0 - 1:1 7/8 87,5 0 * 0 * 1/1 100 1:1 - 1:2 9/11 81,8 0 * 2/2 100 0 * 1:2 - 1:3 24/29 82,7 0 * 0/1 0 0 * 1:3 - 1:4 24/30 80 0 * 3/3 100 1/3 33,3 1:4 - 1:5 19/20 95 2/3 66,6 4/8 50 6/6 100 1:5 - 1:6 9/14 64,2 0/1 0 2/3 66,6 0/3 0 1:6 - 1:7 30/40 85 4/4 100 20/26 76,9 7/8 87,5 1:7 - 1:8 24/26 92,3 5/6 83,3 13/17 76,4 9/10 90 1:8 -1:9 25/26 96,1 8/8 100 17/23 73,9 10/12 83,3

1:9 - 1:10 24/31 74,4 2/2 100 9/12 75 6/10 60

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1:10 - 1:11 34/35 97,1 7/7 100 14/20 70 9/10 90 1:11 - 2:0 31/34 91,1 6/6 100 37/47 78,7 16/16 100 2:0 - 2:2 6/6 100 2/2 100 1/1 100 1/3 33,3 2:2 - 2:4 4/5 80 1/1 100 21/27 77,7 2/4 50 2:4 - 2:6 14/16 87,5 4/5 80 20/23 86,9 4/4 100

Tabela 5.8: Possibilidades de realização e ocorrências dos ditongos quanto à altura da vogal base. Bonilha (2004:118)

Ao compararmos esses resultados com os da presente pesquisa, o que foi possível

devido ao mesmo tipo de contagem dos dados, observamos que os ditongos [ey] e [oy]

parecem, realmente, possuir uma aquisição tardia, uma vez que suas produções, na Amostra

AQUIVAR, demonstraram índices inferiores a 80% nas três primeiras faixas e até a penúltima

fase, respectivamente. O ditongo [ay], no entanto, também apresentou instabilidade durante o

processo aquisitivo, já que a produção é inferior a 80% até os três anos de idade, contrastando,

então, com os dados de Bonilha (2004), que indicaram a alta produção desse ditongo desde as

primeiras idades. Essa diferença nos resultados enfraquece, de certo modo, a hipótese de que a

aquisição ocorreria apenas devido ao ponto de articulação e altura da vogal base, já que o

ditongo constituído pela vogal baixa, na Amostra AQUIVAR, não foi um dos primeiros a se

estabilizar, conforme Bonilha havia constatado. Vale destacar também que, nos resultados de

Bonilha, esses três ditongos na faixa dos 2 anos já estariam estabilizados, o que não ocorreu

em nossa amostra, que analisou crianças a partir, justamente, dos 2 anos de idade.

Em relação à aquisição dos ditongos constituídos pelas vogais média- baixa como

voga base - [εy], [εw] e [ y], observamos que nas duas pesquisas tais ditongos apresentam

produções categóricas. É importante ressaltar que a ocorrência desses ditongos, na amostra de

Bonilha (2003, 2004), assim como na Amostra AQUIVAR, é bem baixa, como a própria

pesquisadora (2004: 119) afirma:

A baixa quantidade de possibilidades de produção apresentada, provavelmente, está relacionada ao universo lexical ainda restrito das crianças, uma vez que as palavras ‘chapéu’ e ‘dodói’ constituem 91,4 % da realização dos ditongos formados por vogais médias baixas. O ditongo [εy], em todos os casos analisados, teve apenas duas possibilidades de produção, com 1 realização.

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Diante disso, a presente pesquisa chama atenção para o fato de que é duvidoso afirmar

que tais ditongos já foram adquiridos, sem levar em consideração a baixa freqüência de tipo

desses ditongos, como Bonilha (2004: 199) afirmou:

O ditongo [εw] apresentou índices inferiores a 80% em apenas 3 faixas etária, aos 1:4, 1:5 e 1:7 [...]. Já o ditongo [ y] produzido a partir de 1:6- apresentou 100% d realização em todas as faixas etárias em que foi realizado, o que demonstra uma aquisição plenamente estabilizada.

O estudo das freqüências de tipo e de ocorrência nos mostrou que esses três ditongos -

[εy], [εw] e [ y], apesar de possuírem freqüência de tipo baixa, apresentam uma freqüência

de ocorrência alta. É claro que este resultado é válido para a Amostra AQUIVAR, porém não

podemos afirmar tal fato para a amostra de Bonilha, já que não há uma contagem específica

que leve em conta o número de repetições das palavras. Vimos que, para os modelos

Multirepresentacionais, os itens lexicais que possuem freqüência de ocorrência alta podem ser

adquiridos como tais e, por isso, esses ditongos não necessariamente foram adquiridos

completamente. Tal resultado não permite que formulemos uma nova escala de aquisição dos

ditongos orais decrescentes, mas nos indica que as freqüências parecem interferir na

emergência dessas estruturas lingüísticas. Além disso, abre caminhos para trabalhos futuros,

como por exemplo, estudar a freqüência de ocorrência nos ditongos [εy], [εw] e [ y] e [ew],

no sentido de fazer uma listagem que considere desde as palavras mais freqüentes até as

menos freqüentes, a fim de se observar as produções realizadas das crianças e, com isso, ver

se a aquisição realmente é estável desde as primeiras faixas etárias e em todos itens lexicais.

Bonilha considerou a aquisição do ditongo [iw] tardia, já que não considerou os casos

em ele ocorre como marca de passado verbal, porém vimos que esse ditongo como status

morfológico ocorre desde os dois de anos de idade e apresenta categoricidade de uso. Isso

reafirma a importância da correlação entre os níveis da gramática, especificamente fonologia

e morfologia.

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5.4 Aquisição dos ditongos variáveis [ey] e [ay]

Esta seção dedica-se à análise dos resultados referentes à aquisição dos ditongos [ey] e

[ay] em seus contextos variáveis. Vale lembrar que o primeiro ditongo apresenta um contexto

seguinte bem amplo para sua variação: [Ζ], [Σ], [Ρ], [γ] e [ν], como por exemplo, em beijo

[´βεΖΥ] ~ [´βεyΖΥ], peixe [´πεΣi] ~ [´πεyΣi], cadeira [ka´dera] ~ [ka’deyra], manteiga

[man´tega] ~ [man´teyga], treinar [tre´na] ~ [trey´na]. O ditongo [ay], por sua vez, varia

quando seguido apenas por [Σ], como em baixa [‘baΣa] ~ [‘bayΣa]. Levando-se sempre em

conta o comportamento da comunidade de fala adulta, veremos como as crianças, durante o

período aquisitivo, dão conta da variação lingüística.

5.4.1 A realização variável da semivogal [y] na fala das crianças

Vimos, no capítulo III, que diversas pesquisas (Cf.: Paiva, 1986, 1996ª, 1996b; Bisol

1989, 1994, Paladino Neto, 1990) atestaram que a realização variável da semivogal [y] nos

ditongos decrescentes [ey] e [ay] é um fenômeno largamente disseminado no português

brasileiro. Tais trabalhos buscaram também identificar, com base em diferentes amostras de

fala adulta, os condicionamentos estruturais e sociais dessa variação. Vejamos, então, como

ocorre tal variação na fala das crianças.

Esta pesquisa, a partir da Amostra AQUIVAR, coletou 134 dados do ditongo [ey] e

48 dados de [ay]. O gráfico e a tabela abaixo apresentam os indicativos do comportamento

das crianças em idade pré-escolar da Amostra AQUIVAR em relação à alternância entre as

variantes ditongada e monotongada [ey] ~[e]:

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127

100 100 100 100 100

86,685

91,6

75

80

85

90

95

100

(%)

2 2,3 2,7 3 3,3 3,7 4 4,6Idades

Monotongação de [ej]

Gráfico 5.4: Monotongação de [ey] na fala das crianças

Tabela de Monotongação de [ey] Idades 2 2;3 2;7 3 3,3 3,7 4 4;6

Ocorrências 15/15 11/11 12/12 17/17 19/19 14/16 17/20 22/24

(%) 100 100 100 100 100 87,5 85 91,6

Esta tabela considerou todas as produções realizadas pelas crianças, isto é, palavras

repetidas ou não. Observa-se, então, que a realização somente da vogal base é categórica nas

cinco primeiras faixas etárias (2, 2;3, 2;7, 3 e 3;3). Nas três últimas (3;7, 4; 4;6), por sua vez,

ocorre uma pequena diminuição desse índice devido à baixa produção do ditongo [ey]. Assim,

na faixa dos 3 anos e 7 meses, das 15 possibilidades de produção, 13 ocorrências foram com a

vogal base, com apenas duas exceções:

(a) Cr 12- E: muito bem, e aqui Bia?

I: bicoto

E: Biscoito? É um feijão

I: é feijão

(b) Cr12- E: O que você tá cozinhando aí pra mim?

I: feijão com molango

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As crianças na faixa dos 4 anos de idade produziram o monotongo em 85% dos casos,

já que apresentaram 3 ocorrências de uso do ditongo [ey] do total de 20 dados:

(a) Cr 13- - E: O que eles estão fazendo?

I: beijando.

(b) Cr 13- E: E isso aqui?

I: queijo

(c) Cr13- E: Vem aqui!

I: vo pegar a cadeila

Por fim, na faixa dos 4 anos e 6 meses, 22 das 24 produções foram com a vogal base, o

que representa 91, 6% dos casos. As duas ocorrências com o ditongo foram as seguintes:

(a) Cr 15- E: Isso daqui é o que? I: queijo (b) Cr15- E: hum, que mais? I: aí tavam correndo, aí caiu, caiu láaaa na lareira, o lobo

Vale destacar que não houve dados com as nasais bilabial e dental como contexto

fônico seguinte. Os dados que foram produzidos com a vogal base ocorreram em quatro

contextos fônicos, como mostra a tabela a seguir:

Idade Contexto fônico seguinte

[Ζ] [Σ] [Ρ] [g]

2 anos 3/3 5/5 7/7 -

2;3 1/1 4/4 6/6 -

2;7 2/2 2/2 8/8 -

3 anos 3/3 5/5 7/7 2/2

3;3 2/2 6/6 10/10 1/1

3;7 3/4 5/5 6/7 -

4 2/4 6/6 9/9 2/2

4;6 4/5 8/8 10/11 -

Tabela 5.9: Dados produzidos com vogal base divididos de acordo com os contextos fônicos seguintes

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Observamos, então, que dentre os contextos variáveis, o tepe é o mais amplo. Isto

significa dizer que houve um número maior de produções de palavras que apresentam esse

contexto variável. Depois, seguem-se as fricativas palatal surda e sonora, respectivamente. O

contexto fônico seguinte [g] ocorreu apenas 5 vezes na palavra manteiga. Esses dados

explicam a produção quase categórica da vogal base encontrada na Amostra AQUIVAR, já

que os contextos fônicos [Ρ] e [Σ] são, na comunidade adulta, os que mais favorecem a

implementação da monotongação, conforme os resultados de Paiva (2003: 45) indicam:

Modo/ponto de

articulação

Amostra 80 (c) Amostra (00)

Freq. PR Freq. PR

Vibrante simples alveolar

897/925 = 97% 0,99 903/910 = 99% 1,00

Fricativa alveolar

5/65 = 7.69% 0,15 0/22=0% -

Fricativa palatal 339/366 = 93% 0,93 233/313 = 74,4% 0,14

Oclusiva velar 8/15 = 53% 0,89 0/10 = 100% -

Nasal bilabial 4/19 = 21% 0,22 4/13 = 30,76% 0,57

Nasal alveolar 3/8 = 37,5% 0.42 1/9 = 11,11% 0,12 Tabela 5.10: Uso da variante monotongada por contexto estrutural. Estudo tendência

É interesse ressaltar que o contexto fônico fricativa palatal, no intervalo de 20 anos,

apresentou uma diminuição no efeito sobre a redução do ditongo na comunidade adulta, já

que o peso relativo caiu de 0.93 na Amostra 80 para 0.14 na Amostra 00. Paralelamente a

isso, nota-se que das 7 ocorrências de produção do ditongo [ey], na Amostra AQUIVAR, 5

apareceram diante de fricativa palatal.

O gráfico 5.5 e a tabela a seguir mostram o comportamento das crianças referentes à

alternância entre as variantes ditongada e monotongada de [ay] ~[a]:

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100 100 100 100 100 100

87,581,8

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

(%)

2 2,3 2,7 3 3,3 3,7 4 4,6Idades

Monotongação de [aj]

Gráfico 5.5: Monotongação de [ay] na fala das crianças

Tabela de Monotongação de [ay]

Idades 2 2;3 2;7 3 3,3 3,7 4 4;6

Ocorrências 5/5 5/5 3/3 4/4 6/6 6/6 7/8 9/11 (%) 100 100 100 100 100 100 87,5 81,8

Nas faixas etárias que compreendem as crianças de 2 a 3 anos e 7 meses, o ditongo

[ay] não foi realizado em nenhuma das 11 possibilidades de produção, enquanto, nas duas

últimas, aparece em três casos:

(a) Cr13- E: Você tem irmão?

I: Ele é baixo assim ó

(b) Cr15- E: salvaram os maus? Tinham que deixá eles morrerem. Não é? É mau tem

que morrer.

I: é mas o mau... o mau não tava morrendo aí caiu láaaa embaixo aí bateu

num [arve dura] aí apareceu um bicho azul gandão aí eles caíram láaaa embaixo.

Vale destacar que o número de dados relativos à alternância de [ay]/[a] é bem menor

que os da alternância entre [ey] ~ [e], por apresentar um contexto seguinte mais restrito para

sua variação.

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131

Bonilha (2004:122) também encontrou resultado semelhante em sua análise, visto que,

em seu corpus, o ditongo [ey] não foi produzido em nenhuma das 159 possibilidades de

produção e o ditongo [ay] não foi realizado em nenhuma das 11 possibilidades. Sua amostra,

no entanto, compreende crianças de até dois anos e quatro meses. Em nossa amostra, crianças

nessa faixa de idade também não produziram os ditongos. Somente, a partir de 3 anos e 7

meses para [ey] e de 4 anos para [ay], é que tais ditongos ocorreram. Vale destacar também

que essa pesquisadora, mesmo ao analisar os ditongos variáveis, utilizou a contagem sem

considerar a repetição das palavras.

Esses resultados da aquisição dos ditongos variáveis [ey] e [ay], se é que se pode

realmente falar de variação nessa fase, nos permite reforçar a evidência encontrada em

diversos estudos sobre aquisição da variação estruturada de que a criança parece ser um

participante que adquire modelos variáveis. Na verdade, a criança reflete o input lingüístico

variável que recebe. Na comunidade de fala adulta, a realização dos ditongos diante de

fricativas palatais e vibrante simples alveolar também é muito baixa, conforme indicam os

resultados de Paiva (1986, 2003), já mencionados no capítulo III.

Como o comportamento da comunidade de fala adulta apresenta um baixo índice da

forma ditongada nos contextos variáveis, as crianças parecem estar dando preferência à

variante mais freqüente do input, isto é, ao núcleo simples (CV). Dessa forma, a freqüência da

estrutura complexa CVV é muito baixa nesses contextos e, conseqüentemente, sua

generalização será mais difícil de ocorrer nesse período, já que suas conexões seriam

abarcadas por poucos itens lexicais sendo, portanto, muito fracas.

Durante o processo aquisitivo, observou-se que, conforme as crianças tornam-se mais

velhas, ocorre a produção da forma ditongada. Isso pode ser explicado pelo fato de que mais

itens lexicais com os ditongos foram adquiridos, permitindo, assim, o reforço do padrão CVV

em contexto variável. É claro, no entanto, que nos contextos categóricos, o núcleo complexo

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CVV ocorre desde as primeiras faixas etárias, conforme foi visto na seção anterior. Nota-se

que nas fases em que ocorreram as produções dos ditongos, houve também um aumento do

número de itens lexicais produzidos, o que permite dizer que ocorreu uma expansão de

vocabulário de acordo com o que pode ser observado na tabela 5.2 da página 94. Esta

postulação, no entanto, precisaria de uma quantidade de dados maior para que fosse mais

elucidativa.

Para o modelo de exemplares, tanto os ditongos (núcleo complexo- CVV) quanto a

vogal base (núcleo simples- CV), nos contextos variáveis, estão armazenadas no léxico de

acordo com os níveis de abstração do conhecimento implícito da língua. A forma ditongada e

a vogal base estariam armazenadas no nível abstrato das representações fonéticas das

palavras. Segundo Pierrehumbert (2003), este nível daria conta da probabilidade de ocorrência

nas formas das palavras. Isto significa dizer que a armazenagem do núcleo complexo e do

núcleo simples, nesse nível de abstração, ocorreria a partir da recorrência de uso. Vale

lembrar que a freqüência dos ditongos é bem mais baixa que a da vogal base e, por isso, a

armazenagem do núcleo simples parece ocorrer primeiro que a dos ditongos. Assim, esses

dois padrões emergiriam na gramática fonológica (outro nível de abstração) a partir do nível

das representações fonéticas e não diretamente da fala. Como o núcleo CV é bem mais

freqüente que o núcleo CVV e sua armazenagem anterior a dos ditongos, sua generalização

também parece ocorrer primeiro. O que não impede a generalização posterior do núcleo

complexo CVV. Estes indícios podem se somar às evidências encontradas em diversos

trabalhos sobre a multirepresentacionalidade das representações fonológicas (Cf.: Beckman,

2004; Pierrehumbert, 2000), cuja postulação é a de que, na aquisição da linguagem, o

inventário de estruturas fonológicas é construído gradualmente, baseado em padrões

recorrentes do sistema.

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Nos modelos fonológicos de base gerativa, haveria apenas uma representação

fonológica única ligada a mais de uma representação fonética através de regras, processos ou

restrições. Para Bisol (1994), a diferença entre ditongos fonológicos e ditongos fonéticos não

reside na estrutura silábica, pois ambas constituem um núcleo complexo. A diferença,

portanto, estaria apenas na forma subjacente. Bonilha (2004) afirma que a categoricidade da

produção da vogal base [e] e [a] corrobora a idéia de que os ditongos fonéticos são

constituídos por apenas uma vogal na forma subjacente, já que as crianças jamais realizam

esses ditongos, mesmo quando são seguidos por segmentos que não poderiam desencadear o

apagamento ou a inserção.

Dentro da perspectiva dos Modelos Multirepresentacionais, a diferença entre os

ditongos categóricos e os variáveis não pode recair na distinção da forma subjacente, que

dependendo da sua estrutura, favorecerá a regra de apagamento ou de inserção da semivogal

nas representações fonéticas. Para os novos modelos, os ditongos categóricos, os ditongos

variáveis e também a vogal base estariam probabilisticamente armazenados nos níveis de

abstração da gramática. A discussão, então, nos parece sair do âmbito da representação

fonológica dos ditongos em direção à constituição do núcleo complexo. Os dados de nosso

corpus mostram o uso categórico da vogal base em crianças de até três anos e três meses para

[ey] e três e sete meses para [ay] e um uso quase categórico nas idades posteriores. Esses

resultados nos permitem formular a seguinte indagação: Será que, realmente, os ditongos

variáveis podem ser entendidos como núcleo complexo durante essa fase do processo

aquisitivo? Na verdade, postula-se que o núcleo simples, nos contextos variáveis, se

generaliza primeiro que o núcleo complexo na aquisição e, após esse período, poderá se

firmar como representação central. O núcleo complexo, no entanto, emergirá posteriormente

devido a sua baixa, mas existente recorrência no input, apresentando, então, uma

representação periférica.

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Outro resultado interessante a ser ressaltado é o de que, em Paiva (2003), as vogais e

laterais, como constituintes do contexto seguinte, bloqueiam o uso da vogal base [e], ou seja,

são segmentos responsáveis pela realização do ditongo categórico [ey] na comunidade de fala

adulta. Na presente pesquisa, no entanto, há um índice alto de produção da vogal base diante

de vogais e laterais devido à alternância entre [l] e [Ρ] e à não produção de [Ρ] , como por

exemplo, em: dinhelo, travesselo, cadela, bombelo e geladea. Vejamos os resultados no

quadro abaixo:

Idades 2 2;3 2;7 3 3,3 3,7 4 4;6

Ocorrências 3/7 3/6 5/8 4/7 7/10 4/7 4/9 7/11 (%) 42,8 50 62,5 57,1 70 57,1 44,4 63,3

Tabela 5.11: monotongação de [ey] diante de vogais e lateral na Amostra AQUIVAR

Nota-se que a preferência das crianças pelo núcleo simples (CV) diante de lateral e

vogal, contextos estes que não seriam variáveis, no dialeto carioca, ocorre em todas as faixas

etárias. Além disso, as taxas percentuais indicam que tal fenômeno é incidente. Vale destacar

que Bonilha (2004: 123), também, encontrou tais dados. Para a pesquisadora, no entanto, a

não - realização do ditongo [ey] em contexto que inibiria a monotongação pode constituir-se

em uma evidência de que os ditongos fonéticos são constituídos por apenas uma vogal na

forma subjacente. Ao tentarmos conjugar esse resultado com os pressupostos do modelo de

exemplares (Pierrehumbert, 2003), postulamos que tais ocorrências podem constituir-se em

mais uma evidência de que a vogal base e o ditongo variável estariam representados na

gramática fonológica, já que as crianças parecem adquirir a alternância entre essas duas

formas. Isso pode ser considerado como uma evidência de que as crianças estão adquirindo a

variação e gradualmente os contextos fonológicos que favorecem ou desfavorecem a

produção da vogal base.

Na verdade, esses dados podem servir de evidência para o fato de que não existe uma

“regra” variável sendo adquirida, e sim que as crianças estão armazenando os contextos de

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distribuição das formas. Além disso, a ocorrência de CV para o ditongo CVV em contextos

em que não há "redução" para os adultos mostra que as crianças estão adquirindo os contextos

de distribuição das relações/restrições fonotáticas das seqüências de sons.

5.5 Considerações finais

Neste capítulo, vimos a aquisição dos ditongos orais decrescentes categóricos e

variáveis. O estudo das freqüências de tipo e de ocorrência nos ditongos categóricos nos

mostrou que os tipos de ditongos mais freqüentes- [ey], [ay] e [oy]- apresentaram uma

aquisição estável a partir da expansão do vocabulário, isto é, do aumento de itens lexicais

produzidos pelas crianças. Isto nos permitiu postular, dentro dos pressupostos dos Modelos

Multirepresentacionais, que esses ditongos emergem das relações entre as palavras nas

conexões lexicais, mas para que isso ocorra, precisa-se de uma certa quantidade de palavras

intrincadas em tais conexões.

Os tipos de ditongos menos freqüentes – [ew], [εw], [ y], [uy] e também [aw]-

demonstraram categoricidade. Tal comportamento foi explicado através do estudo da

freqüência de ocorrência. Os itens lexicais que possuem tais ditongos apresentaram uma

freqüência de ocorrência relativamente alta, o que nos permitiu formular que nesses casos não

necessariamente ocorreu a aquisição dos ditongos, mas sim das próprias palavras.

Destacamos, então, que a escala de aquisição apresentada por Bonilha (2003, 2004) deve ser

analisada com ressalvas, já que não podemos afirmar que a aquisição dos tipos de ditongos

menos freqüentes se dá por completo desde as crianças mais novas, justamente por eles

estarem concentrados em poucos itens lexicais.

Em relação à aquisição dos ditongos variáveis, observou-se que as crianças realmente

adquiriram a variação existente entre [ey] ~[e] e [ay] ~[a]. Na verdade, parece-nos que as

crianças dão preferência à variante mais freqüente do input: o núcleo simples (CV). De acordo

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com a proposta de arquitetura de gramática do Modelo de Exemplares, tanto os ditongos

quanto a vogal base serão armazenadas no léxico. A representação do núcleo simples, no

entanto, seria central e a representação do núcleo complexo seria periférica devido a sua baixa

recorrência no input. Os dados permitiram também a proposição de que as crianças

armazenam os contextos de distribuição das formas lingüísticas.

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VI- Conclusão

Ao longo desta dissertação, analisamos a aquisição dos ditongos orais decrescentes

categóricos e variáveis a partir dos pressupostos teóricos dos Modelos Multirepresentacionais

e dos estudos sobre aquisição da variação estruturada. Neste capítulo, procedemos a uma

revisão dos pontos resenhados mais pertinentes e dos resultados obtidos, destacando as

correlações entre eles.

A aquisição dos ditongos orais do português do Brasil foi analisada dentro do escopo

da teoria da otimidade que se caracterizou por substituir as regras pelas restrições violáveis.

Essa substituição, no entanto, não interferiu na visão de que a representação do input

(representação fonológica) é única e categórica. Os outputs (diferentes possibilidades das

formas que aparecem na estrutura superficial) não são gerados através da aplicação

cumulativa de processos, mas são selecionados pelas restrições dentre um conjunto de outputs

pré-definidos. De acordo com Bonilha (2003, 2004), a aquisição dos ditongos estaria

relacionada a variáveis independentes baseadas somente em características fonológicas: o

ponto de articulação e a altura da vogal base. Os ditongos com vogais baixas seriam

adquiridos primeiro, em seguida seriam os com vogais médias baixas, depois, os com vogais

médias altas e por fim, os com vogais altas. De acordo com isso, a autora propõe a seguinte

escala de aquisição: [ay] → [aw] → [εw] → [εy] → [ y] → [ey] → [ew] → [oy] → [iw] →

[uy].

De acordo com os postulados dos Modelos Multirepresentacionais, esta pesquisa

procurou analisar as influências das freqüências de tipo e de ocorrência na aquisição dos

ditongos orais decrescentes categóricos. A freqüência de tipo seria determinante no processo

aquisitivo, pois as formas lingüísticas freqüentes apresentariam conexões lexicais fortes e,

portanto, seriam adquiridas primeiro que as de freqüência baixa. Quanto mais itens forem

abarcados por um esquema, mais força ele ganha, permitindo assim a emergência de um

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padrão fonológico. (Cf.:Beckman & Edwards, 2000). A freqüência de ocorrência, por sua vez,

possui importância nos graus de força das conexões lexicais, no sentido de que palavras com

alta freqüência de ocorrência apresentam autonomia lexical maior, formando conexões fracas

com outros itens. Isto significa dizer que itens que possuem alta freqüência no input poderão

ser adquiridos em seus próprios termos, enquanto itens com baixa freqüência de ocorrência

são adquiridos de acordo com conexões estabelecidas com os itens já existentes.

Em relação à aquisição dos ditongos variáveis, procuramos conjugar nossos resultados

encontrados através da análise dos dados da Amostra AQUIVAR com as evidências

fornecidas pelos estudos sobre aquisição da variação estruturada, procurando reforçar a

proposição de que as crianças adquirem o input variável da comunidade de fala adulta. Além

disso, buscamos correlacionar tais resultados com a proposta do Modelo de Exemplares

(Pierrehumbert, 2003) relativa a formas multirepresentacionais e aos níveis abstratos de

representações.

Esta pesquisa levou em consideração os resultados encontrados pelas pesquisas

sociolingüísticas do dialeto carioca (Cf.: Paiva, 1986, 2003; Paladino Neto, 1990) para

determinar quais ditongos orais decrescentes se comportam como categóricos e quais são

variáveis. Sabe-se que os ditongos [ay] e [ey] são condicionados por fatores lingüísticos,

principalmente pelo contexto fônico seguinte. O ditongo [aw], apesar de alternar, em alguns

casos, com a vogal simples [o], foi interpretado como categórico. A partir disso, este trabalho

estabeleceu dois focos distintos de análise: como categóricos, os ditongos [ew], [εw], [εy],

[oy], [ y], [uy], [iw], [aw], [ay], exceto diante de [Σ], e [ey] diante vogais, laterais, africadas,

fricativa alveolar e oclusiva dental e como variáveis, os ditongos [ay] diante de fricativa

palatal e [ey] diante de vibrante simples, fricativas palatal, oclusiva velar e nasais bilabial e

alveolar.

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O estudo da freqüência de tipo nos ditongos categóricos nos mostrou que os ditongos

mais freqüentes na comunidade adulta - [ey], [ay] e [oy] apresentaram uma aquisição instável

nos primeiros estágios (até 2 anos e 7 meses, 3 anos e 4 anos, respectivamente). A

estabilização pareceu ocorrer a partir da expansão do vocabulário. Este resultado encontra-se

de acordo com o postulado dos Modelos Multirepresentacionais de que os padrões

lingüísticos mais freqüentes emergem das relações entre as palavras nas conexões lexicais

baseadas na similaridade fonológica. Para tal, é necessário um número considerável de itens

lexicais intrincados em tais conexões. Isto nos permitiu postular que nas primeiras faixas

etárias, as conexões seriam fracas, já que abarcam poucos itens lexicais com esses ditongos. A

partir do relativo aumento de itens lexicais produzidos pelas crianças, as conexões se

fortaleceriam, ocorrendo assim a emergência dessas estruturas.

Os tipos de ditongos menos freqüentes na comunidade adulta – [ew], [εw], [ y], [uy] e

também [aw]- demonstraram categoricidade e, portanto, uma aquisição estável desde as

primeiras faixas etárias. Tal comportamento pode ser explicado através do cruzamento do

estudo das freqüências de tipo e de ocorrência. Os itens lexicais que possuem tais ditongos

apresentaram uma freqüência de ocorrência alta, já que há uma alta concentração de [ew],

[εw], [ y], [uy], [aw] em poucos itens lexicais: eu, meu, muito, dodói, céu, mau,

respectivamente. Esse resultado também está em sintonia com os Modelos

Multirepresentacionais e nos permitiu formular que, nesses casos, não necessariamente

ocorreu a aquisição desses ditongos, mas sim a aquisição das próprias palavras, já que estas

possuiriam autonomia lexical.

Diante desses resultados, a presente pesquisa chama atenção para o fato de que a

escala de aquisição formulada por Bonilha (2003, 2004) deve ser vista com ressalvas. É

radical afirmar que os ditongos [ew], [εw], [ y], [uy], [aw] já foram adquiridos por completo

desde os estágios iniciais de aquisição, sem levar em consideração a baixíssima freqüência de

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tipo desses ditongos. O estudo das freqüências de tipo e de ocorrência nos mostrou que esses

ditongos apesar de possuírem freqüência de tipo baixa, apresentam itens lexicais com

freqüência de ocorrência alta, que parece interferir diretamente no processo aquisitivo. Na

verdade, as produções categóricas dos ditongos concentradas sempre nas mesmas palavras

não podem ser entendidas como “provas” para a confirmação de que tais ditongos já foram

adquiridos por completo, ou seja, que tenham sido abstraídos como um tipo silábico da língua,

uma vez que é possível que tenha ocorrido a aquisição das palavras. Assim, nossos achados

não permitem que formulemos uma nova escala de aquisição dos ditongos orais decrescentes,

mas nos indicam que as freqüências parecem interferir na emergência dessas estruturas

lingüísticas.

Em relação à aquisição dos ditongos variáveis, observou-se que as crianças parecem

adquirir a variação existente entre [ey] ~[e] e [ay] ~[a]. Na verdade, as crianças dão

preferência à variante mais freqüente do input: o núcleo simples (CV). A freqüência da

estrutura complexa CVV é muito baixa nesses contextos e, conseqüentemente, sua

generalização é mais difícil de ocorrer nesse período, já que suas conexões seriam abarcadas

por poucos itens lexicais sendo, portanto, muito fracas. Durante o processo aquisitivo,

observou-se que conforme as crianças tornam-se mais velhas, ocorre a produção da forma

ditongada. Isso pode ser explicado pelo fato de que mais itens lexicais com os ditongos foram

adquiridos, permitindo, assim, o reforço das conexões relativas ao padrão CVV em contexto

variável. Notou-se também que nas fases em que ocorreram as produções dos ditongos, houve

um aumento do número de itens lexicais produzidos, o que permite dizer que ocorreu uma

expansão de vocabulário.

De acordo com a proposta de arquitetura de gramática do Modelo de Exemplares,

tanto os ditongos quanto a vogal base serão armazenadas no léxico de acordo com os níveis

de abstração do conhecimento implícito da língua. (Pierrehumbert, 2003) A armazenagem do

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núcleo complexo e do núcleo simples no nível das representações fonéticas ocorreria a partir

da recorrência de uso. Sendo a freqüência dos ditongos bem mais baixa que a da vogal

simples, a armazenagem do núcleo simples parece se dar primeiro. Como sua armazenagem é

anterior a dos ditongos, sua generalização, já no nível abstrato das representações fonológicas,

ocorre primeiro. A emergência do núcleo complexo seria posterior. A representação do núcleo

simples, no entanto, seria central e a representação do núcleo complexo seria periférica devido

a sua baixa recorrência no input.

Esta pesquisa saiu do âmbito da discussão sobre a representação fonológica dos

ditongos e propôs uma discussão relativa à constituição do núcleo complexo. Os dados da

Amostra AQUIVAR mostraram o uso categórico da vogal base em crianças de até três anos e

três meses para [ey] e três e sete meses para [ay] e um uso quase categórico nas idades

posteriores. Esses resultados nos permitem refletir se os ditongos variáveis, durante todas as

fases do processo aquisitivo, podem realmente ser entendidos como núcleo complexo. Além

disso, os altos índices de produções da vogal simples diante de vogais e laterais, contextos

fonológicos que bloqueiam a monotongação na comunidade adulta, como nas palavras

dinhelo (dinheiro), travesselo (travesseiro), cadela (cadeira), geladea (geladeira), podem servir

de evidência para o fato de que não existe uma “regra variável” sendo adquirida, e sim que as

crianças estão armazenando contextos de distribuição das formas.

Esta pesquisa é o início de um longo caminho a ser percorrido. Acredita-se que analisar a

relevância da natureza probabilística e multirepresentacional da organização do conhecimento

lingüístico, assim como o comportamento das crianças diante do input variável é de grande

importância para a Lingüística, especialmente para a Sociolingüística. Tal trabalho, no

entanto, exige confrontos com os postulados da Lingüística e resultados que confirmem e

reforcem tais visões. Para a fala das crianças, por sua vez, é preciso constituir uma Amostra

com um número substancial de informantes, a fim de que sejam fornecidos dados suficientes

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para resultados conclusivos. Apesar dessas dificuldades, esta pesquisa proporcionou

resultados interessantes, abrindo caminhos para um estudo futuro.

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