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SONIA REGINA MARTIM A ESCOLA SECUNDÁRIA E A CIDADE: Osasco, anos 1950/1960 Doutorado em Educação: História, Política, Sociedade Pontifícia Universidade Católica de São Paulo São Paulo, 2006

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SONIA REGINA MARTIM

A ESCOLA SECUNDÁRIA E A CIDADE:

Osasco, anos 1950/1960

Doutorado em Educação: História, Política, Sociedade

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

São Paulo, 2006

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SONIA REGINA MARTIM

A ESCOLA SECUNDÁRIA E A CIDADE:

Osasco, anos 1950/1960

Tese de doutoramento apresentada à

Banca Examinadora da Pontifícia Univer-

sidade Católica de São Paulo, como exi-

gência parcial para obtenção do título de

Doutora em Educação: História, Política,

Sociedade, sob a orientação do Professor

Doutor Kazumi Munakata

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

São Paulo, 2006

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I

BANCA EXAMINADORA

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II

RESUMO

Este trabalho resgata a história da escola secundária em Osasco, que

nasceu em 1950, no período noturno do prédio em que funcionava o Grupo

Escolar Marechal Bittencourt, discutindo as relações que se estabeleceram en-

tre a escola, seus sujeitos e os movimentos sociais vivenciados à época. A au-

tora privilegiou o "movimento autonomista" de Osasco, que se desenrolou na

década de 50 até a instalação do município em 1962, e o "movimento estudan-

til" secundarista nos seus desdobramentos locais; o "movimento operário" foi

tratado apenas no âmbito das relações que este manteve com a escola, uma

vez que esse tema já foi alvo de vários estudos. Em síntese, procurou-se esta-

belecer as relações entre a escola conhecida, ainda hoje, como Ceneart e a

sociedade em que se insere.

Palavras-chave: Osasco; movimento autonomista; movimento estudantil; mo-

vimento operário; escola secundária

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III

ABSTRACT

This work reviews the Osasco's secondary school history, starting from

1950, in the night shift of the building where Grupo Escolar Marchal Bittencourt

was established, discussing the relationship between school, its subjects and

social movements experimented in those days. The author gives primacy to

Osasco's "autonomist movement" that developed in the 50's until the installment

of the municipality, in 1962, and secondary school "student movement" in its

local unfolding; "workmen movement" is dealt with only in the bounds of the re-

lations it maintained with school, for this theme has been the target of many

researches. Synthetically, the goal is to show the relationship between the

school today know as "Ceneart" and the society where it is inserted.

Keywords: Osasco; autonomist movement; student movement; workmen

movement; secondary school

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IV

In memoriam, a Ubirajara Coutinho,

que primeiro acreditou.

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AGRADECIMENTOS

Para que um trabalho de pesquisa se realize, precisamos contar com a

colaboração, o acompanhamento, o apoio, a atenção e o incentivo de diversas

pessoas, que, de uma forma ou de outra, nos apontam os caminhos que po-

demos e devemos percorrer.

Agradeço a todos aqueles que direta ou indiretamente me possibilitaram

a realização desta investigação.

Ao meu orientador, professor doutor Kazumi Munakata, por ter me acei-

tado na metade do caminho e ter conseguido me dar um novo rumo, por ter

tido paciência e tolerância e por ter me entendido e apoiado diante de todos os

percalços que vivenciei nesse período.

Aos professores do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educa-

ção: História, Política, Sociedade, especialmente ao ex-docente do Programa,

professor doutor Luiz Carlos Barreira, que iniciou esta busca comigo.

Aos funcionários do Ceneart, especialmente a diretora, professora Neiva

Pereira Cruz da Silva, a vice-diretora, professora Maria de Fátima Cardoso

Ramires, a ex-vice-diretora, Celly de Rosset Médici, e em particular às funcio-

nárias Jerusa Barbosa da Silva e Rosalina dos Santos, que facilitaram meu

acesso constante ao acervo daquela escola.

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A todos que contribuíram com suas memórias e deram muito de si na

descoberta e na apropriação dos diversos dados, especialmente a Eduardo

Rodrigues, à professora Helena Pignatari Werner, a João Gilberto Port, a Ga-

briel Roberto Figueiredo e a Francisco Rossi de Almeida.

Um agradecimento especial à amiga Márcia Duram, pelo acompanha-

mento na elaboração do texto e pelo apoio e incentivo em todos os momentos.

A meu filho Thales, que, apesar da pouca idade, soube compreender.

A minha mãe, pela cumplicidade.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO, 1

CAPÍTULO I: O COLÉGIO, 15

CRESCE A PERIFERIA DA CAPITAL: surgem novas camadas suburbanas, 16

O GINÁSIO ESTADUAL DE OSASCO: a escola para poucos se instala no su-búrbio, 22

O COLÉGIO ESTADUAL ANTONIO RAPOSO TAVARES: a difusão dos giná-sios traz consigo os colégios, 37

A INSTALAÇÃO DO PRÉDIO PRÓPRIO PARA O COLÉGIO, 47

CAPÍTULO II: O MOVIMENTO AUTONOMISTA, 54

FORMAÇÃO DA SOCIEDADE AMIGOS DO DISTRITO DE OSASCO (SADO): o primeiro plebiscito e a vitória do "não", 55

A ESCOLA SECUNDÁRIA E O MOVIMENTO AUTONOMISTA: o segundo ple-biscito, os sujeitos, a escola e o movimento, 69

UMA LONGA JORNADA PELO RECONHECIMENTO DO MUNICÍPIO: após a luta pelo reconhecimento da autonomia, o bairro vira cidade, 80

CAPÍTULO III: ESTUDANTES/OPERÁRIOS/POLÍTICOS/MILITANTES, 87

A INSTALAÇÃO DE UM ORGANISMO POLÍTICO ADMINISTRATIVO: a Prefeitu-ra e a Câmara de Vereadores, 88

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DA CONVIVÊNCIA ESCOLAR PARA AS ENTIDADES ESTUDANTIS:o Grêmio, a UEO e o CEO, 94

ESTUDANTES SECUNDARISTAS NA LUTA CONTRA A DITADURA, 104

CONSIDERAÇÕES FINAIS, 111

BIBLIOGRAFIA, 114

Anexo 1: Depoimento de Eduardo Rodrigues (8/7/04), 119

Anexo 2: Depoimento de Francisco Rossi de Almeida (29/8/05), 124

Anexo 3: Depoimento de Gabriel Roberto Figueiredo (7/9/05), 132

Anexo 4: Depoimento de Helena Pignatari Werner (19/5/04), 144

Anexo 5: Depoimento de João Gilberto Port (8/7/04), 188

Anexo 6: Livros do "Arquivo Morto" do Ceneart (1950-1960), 211

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INTRODUÇÃO

Este trabalho visa resgatar aspectos da história da educação secundária

na cidade de Osasco (SP), principalmente aqueles em que a escola e seus

sujeitos envolveram-se em ações de movimentos sociais, e procura avaliar as

implicações dessa combinação. Apesar dos esforços empreendidos nesta

pesquisa, tenho clareza que ainda restam lacunas; Espero que este trabalho

suscite interesse por novas pesquisas que complementem os espaços que,

porventura, permaneceram.

O Ceneart, estudantes e docentes

Em seu livro Abraços que sufocam, o jornalista osasquense Antonio

Roberto Espinosa, que foi militante das organizações Vanguarda Popular

Revolucionária (VPR), da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-

Palmares) e preso político durante quatro anos (1969-1973), usa a seguinte

frase para citar um companheiro: "[...] meu colega de Ceneart, de Cobrasma,

de Gcan 90 e de entusiasmos José Campos Barreto" (Espinosa, 2000:38).

Zequinha Barreto (como José Campos era conhecido), militante da VPR,

morreu ao lado do Capitão Lamarca em 1971. Foi colega de Espinosa nos três

importantes espaços de convivência dos jovens de Osasco nos anos 60:

• a primeira escola secundária pública instalada na localidade,

normalmente referida como "Ceneart", que antes se chamou

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Ginásio Estadual de Osasco (GEO), Ginásio Estadual Antonio

Raposo Tavares (Geart) e Colégio Estadual Antonio Raposo

Tavares (Ceart) e só recebeu oficialmente esse nome em 1965,

quando ali começou a funcionar o Curso Normal;

• a Cobrasma, importante indústria metalúrgica da região, onde

trabalhavam muitos jovens operários/estudantes, que foi palco de

uma greve de repercussão nacional em 1968, onde Zequinha foi

um dos líderes.

• o Grupo de Canhões Antiaéreos de 90 milímetros (GCAN 90), no

bairro de Quitaúna, que também abrigava a 2ª Companhia Leve

de Manutenção (CLM), o 4º Regimento de Infantaria (RI), o 17º

Batalhão de Caçadores da Força Pública, o Arsenal de Guerra e o

GCAN 40, quartéis onde muitos jovens da região prestaram o

serviço militar obrigatório.

Esse relato aponta e justifica a idéia de que o Colégio era um lugar onde

também ocorriam os colóquios políticos da época, entre os

amigos/estudantes/militantes. José Álvaro Moisés, ao examinar o envolvimento da

classe média osasquense em ações sociais "com o operariado local e demais

grupos", argumenta que esta se dava "pelo cotidiano de sua existência" (Moisés.

1978:382). Acreditamos que esse "cotidiano" a que se refere Moisés acontecia,

em grande parte, nas relações escolares, principalmente secundaristas.

Neste trabalho, destaco o movimento autonomista que, desde a década

de 50, lutou pela independência política do, então, bairro paulistano de Osasco,

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para o qual conseguiu a condição de município em 1962. Em alguns

momentos, esse movimento aparece engajado com o movimento operário,

fortemente articulado nos anos 60, e com o movimento estudantil, que no qual

se destacava a participação secundarista.

A idéia desta abordagem nasceu quando preparava minha dissertação

de mestrado, A escola primária em Osasco (1900/1949): da Escola Preliminar

Mixta da Estação de Osasco ao Grupo Escolar Marechal Bittencourt (cf.

Martim, 2001). Ao realizar a pesquisa em busca das fontes que me

possibilitassem conhecer a escola primária osasquense, deparei com o

processo nº 62.941/51, da Divisão de Ensino Secundário do Departamento

Nacional de Educação do Ministério da Educação e Saúde, que correu de 18

de março de 1951 a 8 de setembro de 1959 e instituiu o "Ginásio Estadual de

Osasco – GEO", que nasceu no período noturno do prédio inaugurado em 1949

para abrigar o Grupo Escolar Marechal Bittencourt. Percebi que seria

fundamental estender o estudo que vinha realizando para a escola secundária,

como forma de tornar o trabalho mais abrangente, além de me permitir explorar

outra realidade, não só da escola em Osasco, como também da própria cidade.

Pesquisei o arquivo do primeiro ginásio a se instalar no ainda bairro de

Osasco, em 1950. O exame dos inúmeros documentos (relação de livros em

anexo) existentes no arquivo morto da atual E. E. Antonio Raposo Tavares,

ainda conhecido como Ceneart, por vezes, nos levou à exaustão, tanto pela

quantidade, quanto pela falta de uma organização formal, mas se tornou

excepcionalmente gratificante quando encontramos relatos que dão concretude

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àqueles sujeitos que, até então, só existiam como nomes, sem materialidade,

nas diversas relações existentes.

Além de pesquisar prontuários de alunos, professores e funcionários que se

apresentam como sujeitos significativos desse trabalho, também colhi informações

no depoimento do professor Eduardo Rodrigues, osasquense que ingressou na

primeira série ginasial aos 14 anos de idade, em 1957, e até 1965 participou

intensamente das atividades desenvolvidas na escola e chegou a ocupar o cargo de

diretor do jornal O Bacamarte, editado pelo grêmio estudantil daquela unidade

escolar, periódico do qual gentilmente me forneceu dois exemplares.

Também entrevistei João Gilberto Port, filho de militar transferido de

Pirassununga para uma das unidades do quartel de Quitaúna, em Osasco, em

1953, quando transferiu seu filho para a escola secundária local. Port, que nos

revelou detalhes do período de instalação da escola secundária na cidade,

ingressou na 2ª série do Ginásio de Osasco no seu segundo ano de

funcionamento e permaneceu nessa escola até concluir o curso científico, em

1958. Ele desempenhou importante papel na vida social e política local. Além

de ter sido presidente do grêmio da escola e de participar ativamente da

campanha autonomista de Osasco, foi eleito vereador, pela UDN, nas primeiras

eleições realizadas na cidade, em 1962, sendo reeleito, já pelo MDB, em 1967.

Foi ainda vice-prefeito na administração do prefeito Guaçu Piteri (MDB), de

1977 a 1983 e deputado estadual, pelo PDS, de 1983 a 1987 Ocupou os

cargos de presidente da Fundação Instituto Tecnológico de Osasco (Fito) nos

anos de 1989 e 1990 e de secretário de Esportes da cidade em 1995.

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Entrevistei, também, Francisco Rossi de Almeida, que, no primeiro

semestre de 1954 cursou o 3º ano ginasial na escola secundário de Osasco e

depois se transferiu para o Ginásio de Agudos, onde concluiu o curso em 1955.

Em 1956, de volta a Osasco, Rossi formou-se em uma escola técnica de

contabilidade, em São Paulo e, em 1963, preparando-se para os exames de

ingresso na Faculdade de Direito, retornou ao Ceneart para freqüentar o curso

clássico. Em 1964, Rossi foi eleito presidente da União dos Estudantes de

Osasco (UEO), derrotando Gabriel Figueiredo, para quem havia perdido as

eleições no ano anterior e que representava as forças estudantis osasquenses

mais à esquerda naquele período. Em 1972, Rossi tornou-se prefeito da cidade

pela Arena. Em 1978, elegeu-se deputado federal, tendo ocupado a Secretaria

de Esportes e Turismo do estado de São Paulo, entre 1980 e 1981, na gestão do

governador Paulo Maluf. Foi deputado constituinte, pelo PTB, eleito em 1986, e

voltou a ser prefeito de Osasco entre 1988 a 1991. A partir de então, disputou,

sem sucesso, outras quatro eleições: para governador do estado, em 1994; para

prefeito de São Paulo, em 1996; novamente para governador do estado, em

1998; e mais uma vez para prefeito da cidade de São Paulo, em 2004.

Utilizo ainda o depoimento do dr. Gabriel Roberto Figueiredo, que

preferiu receber as perguntas e enviar as respostas por escrito, reunidas em

um texto intitulado Estudantes de Osasco, no qual incluiu pequeno histórico de

sua vida e sua trajetória política e profissional. Em 1954, Figueiredo mudou-se

com sua família para Osasco, onde seu tio, Fortunato Antiório, era dentista e

também lecionava Matemática no Ginásio local. Em 1957, ingressou no 1ª ano

ginasial dessa escola e, em 1960, foi transferido para o recém-instalado

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Ginásio Estadual de Presidente Altino, onde concluiu o curso ginasial em 1962.

Retornou ao Ceneart em 1963, para cursar o científico, até 1966. Esse médico

desempenhou importante papel no movimento estudantil osasquense dos anos

60, pois, além de militante do clandestino Partido Comunista Brasileiro (PCB),

presidiu a UEO e foi um dos fundadores do Circulo Estudantil de Osasco

(CEO), quando a UEO foi colocada na ilegalidade. Esteve preso no 4º RI de

Quitaúna, em abril de 1964. Figueiredo — hoje professor titular de psiquiatria

da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Campinas

(Puccamp) — foi candidato a prefeito de Osasco, em 1982, em uma das três

sublegendas do PMDB, partido que conquistou a maioria dos votos, elegendo o

prefeito Humberto Parro e derrotando Francisco Rossi, o qual disputava as

eleições como candidato único pela Arena. Figueiredo foi secretário de Saúde

de Osasco, presidente da Fundação de Saúde do Município de Osasco

(Fusam), de 1983 a 1985, e, em seguida, coordenador dos ambulatórios de

saúde mental do estado de São Paulo de 1985 a 1987, na gestão do

governador Franco Montoro. Em 2002, recebeu homenagem da Assembléia

Legislativa de São Paulo por sua trajetória de lutas em prol dos direitos

humanos. Atualmente, é membro da Câmara Técnica de Saúde Mental do

Conselho Regional de Medicina do estado de São Paulo (Cremesp).

Esse militante nos reforçou a premissa de que o movimento estudantil

em Osasco, no início dos anos 60, era essencialmente secundarista:

— O movimento estudantil secundarista, no meu tempo (1963/4),

em Osasco, foi decisivo. Estudantes universitários praticamente não

compunham o quadro de correlação de forças políticas. Foi sob minha

direção que a UEO historicamente adquiriu identidade secundarista. Sua

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direção não foi escolhida nos bastidores elitistas, mas legitimada numa

eleição extraordinária que envolveu todas as escolas existentes no

recém-criado município. E como não tínhamos escolas superiores na

cidade, os poucos universitários foram convocados ao voto democrático,

numa urna exclusivamente dedicada a eles. E os melhores, dentre os

universitários, despojaram-se da arrogância e acabaram aderindo à

nossa liderança. Entre eles, destaco Clovis Gloeden, Antonio Carlos

Masotti e, principalmente, Sérgio Zanardi. Os dois primeiros estudantes

de economia e o último de Direito (Gabriel Roberto Figueiredo,

depoimento por escrito concedido à autora em 7 de setembro de 2005).

Também entrevistei a professora de História Helena Pignatari Werner,

militante do movimento autonomista, catedrática da escola secundária de Osasco

entre os anos de 1954 e 1982 e ativa participante da política osasquense.

Mas meu primeiro contato com o Ceneart e seus sujeitos ocorreu com a

leitura e análise do processo nº 62.941/51, de 18 de março de 1951, data do

início da verificação para a instalação do Ginásio Estadual de Osasco. Nas

páginas desse documento, comecei a conhecer os avanços e os recuos

caracterizados claramente nos procedimentos de instalação não só do Ginásio,

mas também do Colégio em Osasco, que culminaram com a construção de um

prédio próprio para o Colégio e Escola Normal Estadual Antonio Raposo Tavares

(Ceneart), em 1963. Esse processo me possibilitou (re)construir grande parte do

período de formação e consolidação do ensino secundário em Osasco.

No caso das entrevistas, recorri à prática de elaborar perguntas de

maneira que o entrevistado se sentisse totalmente à vontade ao discorrer sobre

suas lembranças e adotei a lógica de que muitas das informações mais

importantes poderiam estar mais nas entrelinhas do que nas palavras do

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relator. Para analisar as entrevistas, assim como os documentos, considerei,

sobretudo, estes aspectos: a quem as informações se destinavam, qual a

posição social e de subordinação dos relatores e qual o enfoque utilizado —

uma vez que qualquer documento, por mais objetivo que pretenda ser ou

parecer, representa quase sempre a visão subjetiva e, portanto, parcial de

quem o elaborou. Sob a ótica de que, suspeita-se, os documentos escolares

não reproduzem literal e fielmente a realidade escolar, procurei, a partir desses

mesmos textos, fazer uma releitura, investigando aquilo que porventura se

ocultasse por detrás das aparências da realidade dada.

O ensino secundário

Para entender melhor a escola que é meu objeto de estudo, é preciso

lembrar que o ensino secundário no Brasil, durante longo período, resumia-se à

aplicação das chamadas "aulas avulsas" e a cursos preparatórios que

possibilitavam à elite o acesso aos cursos superiores.

Mesmo após a instalação em 1837 da primeira instituição de ensino

secundário oficial, o Colégio Imperial de Pedro II — que tinha por objetivo criar

um ciclo secundário organizado mediante seriação e disciplinas específicas e

com freqüência obrigatória, para servir de modelo à nação —, pode-se afirmar

que, durante todo o Império, este nível de ensino manteve-se como ciclo de

passagem. Com a proclamação da República e a criação de um projeto

civilizador, os republicanos afirmavam que haveria a preponderância

[...] das luzes e da razão sobre as trevas e a ignorância. "Alicerce das sociedades

modernas, garantia de paz, de liberdade, da ordem e do progresso social";

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elemento de regeneração da nação. Instrumento de moralização e civilização do

povo (Souza, 1998:26).

Para o Estado republicano, a educação está "atrelada à cidadania" e

a educação popular passa a ser considerada um elemento propulsor, um

instrumento importante no projeto prometéico de civilização da nação brasileira.

Nesse sentido, ela se articula com o processo de evolução da sociedade rumo aos

avanços econômico, tecnológico, científico, social, moral e político alcançados

pelas nações mais adiantadas, tornando-se um dos elementos dinamizadores

dessa evolução (Souza, 1998:27).

Todavia, apesar do discurso renovador, a escola secundária continua

sem um projeto sistemático.

A evolução do ensino secundário oficial na cidade de São Paulo encerra

características próprias que a distinguem dos rumos percorridos pelo sistema de

ensino elementar. No momento em que a escola primária começava a se estender

a significativa parcelas da população da Capital, nos primeiros trinta anos deste

século, a instrução secundária pública ainda lutava por introduzir um padrão de

ensino dotado de organização própria que servisse de modelo para a constituição

dos estabelecimentos particulares (Sposito, 1992:41).

A Reforma Francisco Campos, com o Decreto nº 19.890, de 18 de abril de

1931, e sua consolidação mediante o Decreto nº 21.241, de 4 de abril de 1932,

foi outra tentativa de sistematização do ciclo secundário. A nova regulamentação

tentava diminuir a possibilidade de o estudante obter qualificação sem freqüência

às aulas, pois implantava rotina obrigatória de provas e trabalhos escolares

durante todo o ano letivo, assim como exames finais no encerramento deste.

Quem não obtivesse média para aprovação ao final dos exames dependeria de

exame de segunda época, realizado em fevereiro do ano seguinte. No caso de

reprovação em dois anos letivos consecutivos, perdia-se o direito de matrícula

nos estabelecimentos de ensino secundários oficiais.

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Para Francisco Campos, a finalidade do ensino secundário seria

a formação do homem para todos os grandes setores da atividade nacional,

construindo no seu espírito todo o sistema de hábitos, atitudes e comportamentos

que o habilitem a viver por si mesmo e a tomar em qualquer situação as decisões

mais convenientes e mais seguras. Muito de propósito atribuo ao ensino

secundário a função de construir um sistema de hábitos, atitudes e

comportamentos, ao invés de mobiliar o espírito de noções e de conceitos

("Exposição de motivos", Decreto nº 19.890, de 18 de abril de 1931).

Campos dizia constatar o começo de uma época de transformação e de

mudança, que apresentava a cada dia novos e complexos aspectos, exigindo-

se "qualidades, hábitos, processos, atitudes e comportamento de espírito

capazes de inquirir, investigar, compreender e orientar no sentido de soluções

novas, próprias e seguras" ("Exposição de motivos", Decreto nº 19.890, de 18

de abril de 1931). Por isso, dizia ele, a educação de verdade

concentra o seu interesse antes sobre os processos de aquisição do que sobre o

objeto que eles têm em vista, e a sua preferência tende não para a transmissão de

soluções já feitas, acabadas e formuladas, mas para as direções do espírito,

procurando criar, com os elementos constitutivos do problema ou da situação de

fato, a oportunidade e o interesse pelo inquérito, a investigação e o trabalho em

vista da solução própria e adequada e, se possível, individual e nova ("Exposição

de motivos", Decreto nº 19.890, de 18 de abril de 1931).

A "Exposição de Motivos" apresentada por Francisco Campos não deixa

dúvidas de que essa reforma procurava imprimir um caráter mais prático e

menos erudito ao ensino secundário.

Não obstante a consolidação da Reforma Francisco Campos, "a

situação do ensino secundário mantinha-se, praticamente, inalterada diante da

esmagadora supremacia dos particulares que, em 1936, contavam quarenta

ginásio em atividade [no Estado de São Paulo]" (Sposito, 1992:44).

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No início da década de 40 do século passado, nova reforma foi implantada

com o Decreto-Lei nº 4.244, de 9 de abril de 1942, a Lei Orgânica do Ensino

Secundário, que, segundo o ministro Gustavo Capanema, tinha por finalidade:

1. Formar, em prosseguimento da obra educativa do ensino primário, a personalidade

integral dos adolescentes.

2. Acentuar e elevar, na formação espiritual dos adolescentes, a consciência patriótica e

a consciência humanística.

3. Dar preparação intelectual geral servindo de base a estudos mais elevados de

formação especial (“Exposição de motivos”, Decreto-Lei nº 4.244, de 9 de abril de 1942).

De acordo com o Decreto-Lei 4.244/42, o curso secundário ficou dividido

em dois ciclos distintos:

• o ginásio, com duração de quatro anos e abrangendo disciplinas

nas áreas de línguas (Português, Latim, Francês e Inglês), de

ciências (Matemática, Ciências Naturais, História Geral, História

do Brasil, Geografia Geral e Geografia do Brasil) e artes

(Trabalhos Manuais, Desenho e Canto Orfeônico);

• o colégio, com duração de três anos, subdividido em dois cursos

paralelos — o clássico, voltado para a formação intelectual e o

estudo aprofundado em filosofia e letras antigas, e o científico,

dedicado à formação abrangente nas ciências — e abrangendo

disciplinas nas áreas de línguas (Português, Francês, Inglês,

Espanhol, Latim e Grego; as duas últimas, exclusivas do curso

clássico), ciências e filosofia (Matemática, Física, Química, Biologia,

História Geral, História do Brasil, Geografia Geral, Geografia do

Brasil e Filosofia) e artes (Desenho, exclusiva do curso científico).

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Este é o modelo de escola secundária que será instalado em Osasco no

início dos anos 50.

Segundo Sposito (1992:45), é só a partir de 1945 que se inicia o

processo de expansão dos ginásios estaduais na cidade de São Paulo. Até

1933, havia apenas três ginásios públicos no estado de São Paulo: na Capital,

em Campinas e em Ribeirão Preto. A partir de 1945, sete novos ginásios foram

criados. Em 1950, chegou-se ao total de 12 ginásios estaduais paulistas.

O Ginásio Estadual de Osasco foi instituído pela Lei Estadual nº 607, de

1950, e o início de seu efetivo funcionamento data de 1952, quando

oficialmente existiam 23 ginásios no estado de São Paulo. Dessa informação,

inferimos que a instalação de um ginásio em Osasco fez parte de um processo,

dirigido pelo governo estadual, de expansão do ensino secundário.

Em 1958, ano em que começou a funcionar outro ginásio — o Ginásio

Estadual de Presidente Altino (Gepa) — na região do então bairro paulistano

de Osasco, o estado de São Paulo já registrava 91 ginásios criados pelo

governo estadual, conforme dados fornecidos por Sposito (1992:47). Essa

política de disseminação de ginásios estaria ligada às práticas populistas dos

governantes paulistas do período.

Esta pesquisa

O texto a seguir está dividido em três capítulos e vários subitens.

No Capítulo I, procuro mostrar a composição social do então bairro de

Osasco no final dos anos 40 e as transformações ocorridas durante a década

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de 50, quando se instalou a primeira escola secundária pública no local. Em

particular, exploro o percurso de consolidação das ações dessa escola até a

construção do seu prédio próprio.

No Capítulo II, dedico especial atenção ao movimento autonomista

osasquense, analisando esse processo desde sua origem, com a fundação da

Sociedade Amigos do Distrito de Osasco (Sado), em 1947, até a instalação do

município, em 1962. Ponho em destaque o papel que a escola e seus sujeitos

desempenharam nessa luta, ao mesmo tempo em que busco entender a

influência que esse movimento exerceu nas ações sociais vivenciadas pelos

jovens osasquenses da época.

No Capítulo III, examino o período de instalação do município de

Osasco, no início dos anos 60, e a nova configuração social que se revelou,

procurando desvendar as relações entre a escola e seus sujeitos e as ações

políticas desenroladas antes e após o golpe militar de 1964. Esclareço que,

apesar de adentrar pelo movimento operário, essa não é a ênfase de minha

análise, uma vez que, por ter sido palco de uma das mais importantes greves

operárias do Brasil, em 1968, esse tema foi objeto de vários estudos.

Para encerrar esta introdução, faço três observações.

Embora se configure como tantos outros ginásios do subúrbio, o Ceneart

parece-me peculiar. Acredito que o aprofundamento do exame das relações

entre essa escola secundária e os movimentos sociais seja de grande valia,

tanto para a história da escola, quanto da cidade.

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Neste estudo, procuro perceber os movimentos sociais como toda ação

coletiva de caráter contestador, no âmbito das relações sociais, que objetiva a

transformação ou a preservação da ordem estabelecida na sociedade e que,

deve ser observada com cuidado, pois,

[...] geralmente, [trata-se de] um fenômeno coletivo que se apresenta com uma

certa unidade externa, mas que, no seu interior, contém significados, formas de

ação, modos de organização muito diferenciados e que, freqüentemente, investe

uma parte importante das suas energias para manter unidas as diferenças

(Melucci, 2001:29).

Adoto a narrativa como forma de apresentação. Acredito que tal recurso

possibilita demonstrar com maior clareza os vários momentos desse "colar de

contas" que é a história do objeto de estudo.

Ao narrar algo o narrador vai encadeando casos como contas são presas a um fio

para formar o colar. A escolha dos casos e a ordem em que eles são encadeados

são potencialmente informativos sobre sentimentos ou convicções enraizadas, que

muitas vezes são difíceis de serem expressos claramente. Nem todos os eventos

vividos pelo narrador são incluídos na narrativa. Já os escolhidos poderiam ser

ordenados conforme se queira (Vaz, Mendes & Maués, 2001).

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CAPÍTULO I

O COLÉGIO

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CRESCE A PERIFERIA DA CAPITAL:

surgem novas camadas suburbanas

Até 1962, Osasco — um dos municípios que compõem a Região

Metropolitana de São Paulo (também chamada de Grande São Paulo) — não

passava de mais um bairro da periferia distante da capital paulista.

Seu processo de urbanização começou nos últimos anos do século XIX

e no início do século XX, decorrente em parte de um projeto de loteamento

executado pelo imigrante italiano Antonio Agu, no seu Sítio Ilha de São João

(Oliveira & Negrelli, 1992:7) — mais precisamente, quando, em 1895, esse

negociante construiu uma estação de alvenaria para a parada do trem na linha

férrea da Sorocabana que cruzava essas terras desde 1874 (Werner, 1981:49).

Além da estação de trem, que recebeu o nome de Osasco em

homenagem à sua terra natal, Agu participou de diversos investimentos na

localidade, como a transformação de uma olaria em fábrica de cerâmica

(arrendada ao barão francês Evaristhe Sansaud de Lavaud), a instalação de

uma fábrica de tecidos (com o italiano Fiorino Beltramo) e a instalação de uma

fábrica de papelão (em sociedade com o italiano Narciso Sturlini). Essa

combinação da estação ferroviária com as indústrias locais — que também se

beneficiavam da parada do trem — atraiu uma leva de imigrantes

(principalmente italianos) que, com a derrubada dos cortiços do centro da

cidade de São Paulo, buscavam comprar imóveis em prestações acessíveis,

mesmo que, como moradia, ficassem distantes do centro da capital.

Apesar de, no início do século XX, haver muitas habitações coletivas no

centro paulistano, a legislação municipal já estabelecia uma série de restrições

a esse tipo de ocupação. A lei de zoneamento urbano excluía casas para

operários e estabelecia uma série de exigências que inviabilizavam essas

habitações. Isso, de acordo com Rolnik (1999:36-37), levava os imigrantes a

procurar instalações em regiões mais periféricas da cidade. No cenário

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urbanizado e progressista que a elite cafeeira de São Paulo propunha-se a

criar, era preciso excluir os pobres, porque, sobretudo os que exibiam a

imagem fortemente estigmatizada do imigrante, representavam as doenças e a

imoralidade que deveriam ser rejeitadas (Rolnik, 1999:41). A equação era até

bem simples do ponto de vista da classe dominante: a fim de promover a

limpeza, bania-se a promiscuidade com a qual o imigrante era identificado.

Afinal, ele não se enquadrava na nova imagem proposta — moderna e

civilizada (cf. Rolnik, 1999:37).

É dentro desse contexto que irão proliferar os bairros populares na

periferia da cidade. Em geral, eram constituídos a partir de chácaras que,

depois de loteadas, passavam a compor pequenos núcleos urbanos. Nessas

áreas, as normas legais estabelecidas para a conformação dos lotes não eram

respeitadas, e bastava que a localidade dispusesse de alguma forma de

acesso à região central de São Paulo para que o investimento imobiliário fosse

garantido (cf. Rolnik, 1999:60). Assim surgiu o primeiro núcleo de habitantes da

vila que se forma em torno da Estação de Osasco.

Com o tempo, também se instalaram na região o Frigorífico Wilson (em

1915) e a fábrica de Fósforos Granada (em 1920). Além disso, lá foi implantado

(em 1922) o Complexo Militar de Quitaúna.

A conjunção desses dois fatores — o industrial e o militar— serviu para dar vida ao

comércio local; e, sobretudo, o operariado obrigou a expansão territorial dos

núcleos já existentes, pois, embora muitos operários residissem na capital, outros

muitos passaram a habitar na própria região. Esses novos contingentes

demográficos eram, em sua maioria, constituídos por italianos ou seus

descendentes diretos, o que teria ocasionado, em certa época, a formação de uma

"atmosfera" italiana em Osasco (Azevedo, dir., 1958:98).

Apesar de todo o desenvolvimento, a vila, em sua infra-estrutura, ainda

era muito precária. Até 1923, toda a iluminação era feita a lampião de

querosene. Não havia estradas pavimentadas e, além do trem, os meios de

transportes — carroças, charretes e cavalos — eram poucos e lentos. O

comércio local concentrava-se, quase todo, na Rua da Estação.

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Em 31 de dezembro de 1918, por força da Lei Municipal nº 1634,

Osasco foi elevada à categoria de distrito do município de São Paulo e passou

a contar com as primeiras instalações de repartições públicas, como o Cartório

de Paz. O fato desencadeou acirrada luta entre os líderes políticos locais pelo

domínio e pela ocupação desses espaços e cargos (cf. Martim. 2001:57-78). A

disputa culminou com o assassinato de João Baptista, filho de Julio de Andrade

Silva, um dos chefes políticos do distrito.

No final da década de 30, não se podia mais definir Osasco como um

bairro essencialmente italiano. Com as imigrações ocorridas após a I Guerra

Mundial e com as migrações que se deram internamente, os italianos, apesar

de ainda serem em maior número, compunham apenas 36,75% da população

local, em 1938 (cf. Martim. 2001:110). Além dos bairros de Presidente Altino,

que se estabeleceu em torno do Frigorífico Wilson, e Quitaúna, que se formou

ao redor das instalações militares, foi nesse período que começam a surgir

novas áreas habitadas nos arredores da região central, como Vila Mutinga,

Jardim Piratininga, Bela Vista e Km 18 (cf. Escritório de Planejamento Integral

de Osasco, 1986:20).

Conforme o Censo de 1940, Osasco contava com 15.258 habitantes.

Sua base econômica era a indústria, setor no qual se destacavam a

Companhia Cerâmicas Hervy (com 230 operários), a Fábrica de Tecidos

Beltramo (300 operários), o Frigorífico Wilson, a Fábrica de Papelão e a

Fábrica de Fósforos Granada, além de pequenas olarias (cf. Alexandre,

1939:22).

Só a partir da década de 40 constata-se incremento significativo da

população local, também composta a essa época por migrantes nordestinos,

que vinham buscar trabalho nas grandes indústrias que começavam a se

instalar na região, como a Eternit em 1941, a Cobrasma em 1944 e a Cimaf em

1946 (cf. Dias, 1995:49). Cabe ressaltar que a instalação de novos ramos de

produção industrial (que até então se restringia aos bens de consumo) não

ocorreu apenas em Osasco. Esse processo fez parte das transformações

econômicas vividas no Brasil durante a II Guerra Mundial, que impulsionaram o

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crescimento da produção industrial brasileira. O crescimento urbano, resultante

da intensa industrialização nas regiões periféricas da cidade de São Paulo,

criou sérios problemas, principalmente nos bairros que, antes, já não

dispunham de infra-estrutura adequada, como era o caso de Osasco.

Surgem novos loteamentos, quase sempre irregulares, em localidades

distantes da região central do bairro. Essa nova periferia não conta com

serviços de luz, água e transporte nem com os benefícios urbanos que

caracterizavam o centro ocupado pelos primeiros imigrantes — que, nesse

contexto urbano, ganham a condição de elite na localidade.

Diante das dificuldades decorrentes da precariedade dos meios de

transporte, a população dessa nova periferia ficava obrigada a se abastecer no

comércio local, ou seja, no comércio instalado no centro de Osasco, quase

totalmente controlado pelos descendentes dos primeiros habitantes.

É importante ressaltar que a essa elite — composta na maioria por

comerciantes, profissionais liberais e pequenos empresários, moradores na

região central de Osasco no final da década de 40 — não se integravam os

grandes empresários e proprietários das indústrias de grande porte que se

instalavam na região. A população osasquense, naquele período, era formada

por uma camada "[...] relativamente jovem, de origem heterogênea, migrantes

recentes, de condições econômicas humildes, devido seu baixo nível

educacional e profissional", e, nessas condições

mister é considerar as origens do próprio município, como extensão dos bairros de

periferia da Capital, a fim de compreender a estratificação social da população,

onde predomina a classe operária e a baixa classe média, representada por

comerciantes e funcionários públicos, com ausência quase completa de estratos

sociais com poder aquisitivo mais elevado (Rautner, 1974:132).

Em sua obra Subúrbio, José de Souza Martins afirma:

A história local não é necessariamente o espelho da História de um país e de uma

sociedade. A história local não é nem pode ser uma história-reflexo, porque se o

fosse negaria a mediação em que se constitui a particularidade dos processos

locais e imediatos e que não se repetem, nem podem se repetir, nos processos

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mais amplos, que com mais facilidade poderíamos definir como propriamente

históricos (Martins, 1992:12).

O autor argumenta que a história do subúrbio é local e cotidiana e,

portanto, "circunstancial". É na junção dos fragmentos da circunstância que se

encontra sua historicidade, ou seja, é "nessas mediações dos fragmentos [que

se encontra] o sentido do que não tem sentido [quando fragmentado]" (Martins,

1992:13/14). Dessa circunstancialidade resulta que a história dos subúrbios

produz em grande escala a história dos coadjuvantes. Em outras palavras, a

história dos

primeiros: o primeiro nascimento, o primeiro enterro, o fundador, o primeiro

alfaiate, a primeira parteira, o primeiro artesão a fazer caixões de defunto, o dono

do primeiro automóvel [em que, porém, esse "coadjuvante" ocupa o papel de]

inaugurador de uma era histórica, uma inovação social. Mas, no fundo,

inaugurador que inaugura o já inaugurado (Martins, 1992:14).

Osasco, na condição de região periférica ou suburbana da cidade de

São Paulo, não foge a essa premissa. Foram esses "primeiros" que se

acomodaram na região central do bairro, formaram a elite local e que, por

serem "os primeiros", ocuparam as terras centrais, região onde se desenvolveu

a atividade comercial e que se tornou mais valorizada.

O surgimento da indústria metalúrgica pesada contribuiu para tornar

Osasco importante como núcleo operário. Mas, aliado a outros fatores, o

crescimento industrial trouxe também o crescimento da população e, em

decorrência, os loteamentos irregulares e a carência de serviços urbanos, além

de modificações no mercado de trabalho relacionadas à aceleração da

industrialização. Para os trabalhadores, essas transformações refletiram-se em

migração de zonas rurais para zonas urbanas e carestia.

Foi também a partir da intensificação do ritmo de industrialização dos

anos 40 que as classes populares começaram a se organizar "através de

organismos elementares, como a Sociedade dos Amigos de Bairro,

Cooperativas de Consumo e Clubes de Recreação" (Moisés, 1978:182).

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À época, apesar das similitudes com as regiões periféricas da cidade de

São Paulo,

[se], por um lado, Osasco é semelhante, na sua constituição e crescimento, aos

demais bairros operários e subúrbios industriais de São Paulo, por outro lado, pela

ação e experiência concreta dos contingentes operários que para lá se dirigiram,

tornou-se um caso excepcional [porque] a concentração de novas indústrias e o

crescimento do bairro vêm acompanhados do Movimento Autonomistas gerador

de um localismo que perdurará até o fim dos anos sessenta, sobretudo nas lutas

dos seus trabalhadores-estudantes (Rizek, 1988:1-2).

Esse período marca a consolidação das esferas políticas associada às

práticas populistas, que necessariamente estavam ligadas às transformações

decorrentes do processo de industrialização e de um modelo de participação

política das massas. A propósito, Walmsley (1992:23) lembra que Adhemar de

Barros dera origem ao populismo paulista e já no início dos anos 40

demonstrava "seu talento para estabelecer um contato direto com a

população", mas também inaugurara "um estilo de administração marcado pelo

assumido desprezo em relação aos padrões éticos" que caracterizaria o

populismo — tanto o adhemarista, quanto o janista, das décadas de 40 e 50 —,

além da falta de clareza ideológica, uma vez que acordos políticos eram

sistematicamente rompidos e refeitos conforme as necessidades de momento.

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O GINÁSIO ESTADUAL DE OSASCO:

a escola para poucos se instala no subúrbio

O primeiro prédio público construído para servir de escola em Osasco foi

inaugurado pelo governador Adhemar de Barros, em 3 de agosto de 1949.

Destinava-se a abrigar o Grupo Escolar Marechal Bittencourt, que, desde 1925,

funcionava no velho casarão da rua Primitiva Vianco — construído pelo barão

Evaristhe Sansoud de Lavaud, em 1903, quando esse francês era sócio da Cia.

Cerâmica de Osasco — e que fora adaptado como instalação escolar quando

se unificaram as seções masculinas e femininas das Escolas Isoladas de

Osasco, o que resultou nas Escolas Reunidas de Osasco, provavelmente em

1922 (cf. Martim, 2001:82).

Durante quase três décadas, essa única escola pública local ocupou um

prédio de cinco salas, assim distribuídas: uma sala central com porta de

entrada pela frente e pelos fundos, o que permitia que fosse dividida por

armários, servindo a parte da frente como diretoria e a parte dos fundos como

sala de aula; e duas salas em cada lateral, de maneira que, vista pela lateral, a

planta do prédio lembrava o traçado de um jogo de amarelinha (dois cômodos

paralelos, um central, dois paralelos).

As condições de funcionamento desse prédio sempre foram precárias. A

sala central não dispunha de janelas. Os cinco banheiros, que se localizavam

nos fundos do terreno, ainda funcionavam em sistema de latrinas e fossa e

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serviam a todos os estudantes da escola — que, em 1949, funcionava em três

períodos, com média de 48,61 jovens por classe, contabilizando-se cerca de

730 alunos, mais professores e funcionários, para cinco sanitários (cf. Martim,

2001:130).

Diante das condições em que se encontravam as instalações dessa

escola, o prédio inaugurado em 1949 representava o início de uma nova

situação para a escola pública em Osasco. A edificação seguia o modelo de

prédios escolares do período, com planta em forma de U, sendo a parte central

do corredor da frente destinada às instalações administrativas (diretoria,

secretaria, gabinete dentário, biblioteca, sala dos professores e banheiro para

funcionários). Cada lateral comportava cinco salas, duas na parte frontal e três

nas laterais, num total de dez salas de aula, todas com amplas janelas a leste e

corredores a oeste. Nos fundos, um pátio com bebedouros, banheiros

(azulejados e com chuveiros) masculino e feminino e, em uma das

extremidades, um palco coberto, com coxia.

Logo após a inauguração do prédio, a Lei Estadual nº 607, de 2 de

janeiro de 1950, criou o Ginásio Estadual de Osasco. A exemplo de tantos

outros ginásios implantados naqueles tempos, este funcionaria no período

noturno do prédio que abrigava o Grupo Escolar durante o dia.

Duas medidas, nesses primeiros anos, possibilitaram ao Estado a disseminação

dos cursos ginasiais, inexistentes até 1945: os cursos noturnos e as secções. A

reiterada utilização desse recurso permitiu a oferta de maiores oportunidades de

acesso à escola ginasial pública, em poucas décadas, criando condições

favoráveis à gradual transposição do caráter seletivo que acompanhava a

formação secundária até esse momento (Sposito, 1992:47).

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Cabe lembrar que à época a escola secundária era vista como o marco

divisor entre a educação das elites e a educação popular, fato que só será

alterado a partir da Lei de Diretrizes e Bases de 1961 e que só desaparecerá

em 1971, com a Lei de Reforma do Ensino de Primeiro e Segundo Graus (cf.

Sposito, 1992:11).

A partir de 1945, "nas regiões urbanas das áreas mais desenvolvidas do

país", houve intenso crescimento de escolas secundárias oficiais, o que

imprimiu "a estes ramos de escolaridade e, por isso mesmo, ao sistema de

ensino como um todo, características inteiramente diversas" (Sposito, 1992:15),

transformando-se a instrução secundária em prolongamento da escolaridade

elementar e obrigatória.

Empreendida como tarefa do Estado, a expansão da rede ginasial ocorreu em

condições contraditórias, não só pela ausência de recursos que a realizassem de

modo satisfatório ou pela coexistência de orientações conflitantes nos setores

ligados à educação em São Paulo, como pela forte pressão das camadas

populares que a exigiam (Sposito, 1992:16).

A lei que criou o Ginásio Estadual de Osasco data de janeiro de 1950,

mas seu processo de instalação só começou em 18 de março de 1951, quando

o técnico de educação Joel Aguiar, da Secretaria da Educação de São Paulo,

enviou ofício à diretora de Ensino Secundário do Ministério da Educação, Lucia

Magalhães, no Rio de Janeiro, solicitando autorização para se realizar o

processo de verificação prévia do funcionamento condicional do curso, com a

proposta de que este se efetivasse ainda em 1951, com a transferência de

alunos de outros estabelecimentos, o que iniciou o processo nº 62.941/51.

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Em seu artigo 2º, a Lei nº 607/50 ressalvava que o funcionamento do

ginásio dependia de "oferta ao Estado, por parte do Município interessado, ou

por intermédio da população ou qualquer entidade ou pessoa, do respectivo

edifício, com toda a instalação e aparelhamento necessário, de acordo com a

legislação do ensino". O prédio a ser utilizado seria o do Grupo Escolar, e o

prefeito paulistano Armando de Arruda Pereira, pr meio do Ofício 444/51-A, de

8 de março de 1951, concedeu os demais materiais necessários (cf. processo

nº 62.941/51, f. 2).

Ao final de vários trâmites burocráticos, em 5 de julho de 1951, a titutlar

da Diretoria de Ensino Secundário emitiu o seguinte parecer: "Considerando o

adiantado do ano letivo, opino por que seja arquivado o presente processo.

Maria José O. Imperial, Chefe da SPAE" (processo nº 62.941/51, f. 8)

Mesmo diante de todas as dificuldades para a instalação do curso

ginasial, em 29 de janeiro de 1951 a Lei nº 968 já autorizava o estabelecimento

a funcionar como Colégio. À época, Osasco contava com dois

estabelecimentos particulares de ensino: o Colégio Nossa Senhora da

Misericórdia, destinado a meninas e fundado por freiras em 1943, que, em

dezembro de 1951, realizou os primeiros exames de admissão ao curso

ginasial, com a aprovação de 23 alunas, e em 1952 deu início a esse curso (cf.

Osasco, Câmara Municipal, requerimento nº 2.648, de 1983); e o Colégio

Técnico Duque de Caxias, para meninos, fundado em 8 de maio de 1950 (cf.

Município em Marcha, nº 85, 25/8/71), que oferecia o Curso Técnico de

Contabilidade. Percebe-se que só após a publicação da lei que criou o Ginásio

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Estadual em Osasco, em janeiro de 1950, surgiram opções de ensino

secundário em escolas particulares locais.

Em depoimento à autora, a professora Helena Pignatari Werner observa

que, até aquele período, somente continuavam seus estudos, além do curso

primário, "aqueles moradores da região central de Osasco, quer dizer, os filhos

da burguesia" — ou seja, a parcela da população que podia arcar com os

custos da mensalidade escolar e dispunha do tempo necessário para o trajeto

até a escola, que normalmente era feito de trem. A professora descreve como

foi sua própria vida escolar após concluir o curso primário, no Grupo Escolar de

Osasco:

— Depois eu fui para o Ginásio Perdizes, porque era o ginásio

mais próximo da Estação Barra Funda, e nós viajávamos pelo subúrbio,

descíamos na Barra Funda e íamos a pé até a Avenida Água Branca,

onde ficava o Ginásio Perdizes. Tinha a Vera, minha irmã, tinha o Jarbas

Milani, a esposa do Tidinho, que era Milani, não lembro o nome dela

agora. Era um grupo de adolescentes que tomava esse subúrbio toda

manhã, ia até Perdizes. [O curso] era no período da manhã, mas nós

tínhamos Educação Física e outras práticas à tarde. Era comum

ficarmos o dia inteiro em São Paulo, porque Osasco era subúrbio. Então,

nós fazíamos essa via crucis com muita disposição, gostávamos muito.

[Havia muitos que] também viajavam de Carapicuíba, Barueri.

Encontrávamos no trem, então, a amizade que nós tínhamos com a

família Guerra, por exemplo, que era de Barueri. Era amizade do trem, e

muito namoro aconteceu, e muito casamento aconteceu mais tarde,

entre Barueri e Carapicuíba, Osasco, Presidente Altino, porque a

turminha ia de trem. E quem viajava também pelo subúrbio eram os

filhos do chefe da estação de Carapicuíba, sr. Osmar. Um era o Tutu

(chamava-se Valdemar de Barros), o irmão dele mais velho, agora não

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me lembro o nome, porque é a geração da Vera. Tinha a geração que

tinha sido da Othélia e da Tecla, a geração da Vera e a minha geração

que eram os menores (Helena Pignatari Werner, entrevista concedida à

autora em 19/5/2004; Othélia, Tecla, Vera e Helena são irmãs, e Helena

é a caçula).

Ao final de 1951, reiniciaram-se os procedimentos a fim de instalar o

Ginásio Estadual de Osasco em 1952. Os cargos, tanto de professores, como

de funcionários — um diretor, um secretário, 13 professores (de Português,

Francês, Inglês, Matemática, Ciências, História, Geografia, Desenho, Canto

Orfeônico, Trabalhos Manuais masculinos e femininos, Educação Física

masculina e feminina) —, necessários ao funcionamento da escola foram

criados pelo governo estadual por meio do Decreto nº 20.984-B, de 29 de

novembro de 1951. Enfim, a 11 de fevereiro de 1952, foi designado o inspetor

João Penido Monteiro Sales para proceder à verificação prévia do Ginásio

Estadual de Osasco e para autorizar seu funcionamento condicional. Em 19 de

fevereiro do mesmo ano, Monteiro Sales teve autorização para conduzir os

exames de admissão ao Ginásio ((cf. processo 62.941/51. f. 12).

Durante os procedimentos das matrículas para o Ginásio em 1952, o

inspetor verificador impugnou os pedidos para as terceiras e quartas séries

ginasiais, "alegando falta de sala especial para Ciências Naturais, com paredes

revestidas de azulejo, com instalações especiais, etc.". A titular da Diretoria de

Ensino Secundário opinou pelo atendimento das solicitações, em caráter

condicional, por "haver precedentes desse tipo", e permitiu, assim, que se

mantivessem as matrículas em todas as séries do curso (cf. processo

62.941/51, f. 23/24).

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As condições materiais do Colégio

Ao referir-se a duas portarias do Ministério da Educação e Saúde, de

1932 e de 1946, Marília Sposito comenta:

A lista de itens a serem observados na classificação dos estabelecimentos [...] era

extremamente minuciosa. Além dos itens relativos às condições topográficas do

terreno, características e dimensões do prédio, salas de aula, pátios, etc., eram

inspecionados, também, o número e a qualidade do material didático existente em

cada estabelecimento. Atribuíam-se pontos pelo número de livros que a escola

possuísse nas bibliotecas (eram previstos escores até para o número de livros da

biblioteca de línguas), pelo volume de instrumentos e material de uso nos

laboratórios e, até, pelos recursos utilizados para aulas de Educação Física como

apitos, bolas, bastões, etc. (Sposito, 1992:52).

Segundo essa classificação, os ginásios recebiam a seguinte

categorização: "sofrível" de 1.200 a 1.400 pontos; "regular", de 1.401 a 1.500

pontos; "bom", de 1.601 a 1.800 pontos; e "excelente", de 1.801 a 2.000 pontos

(cf. Sposito, 1992:52). De acordo com esse critério, o Ginásio Estadual de

Osasco enquadrava-se na categoria de "regular", de acordo com a avaliação

apresentada pelo inspetor João Penido Monteiro Salles (ver Quadro 1, a seguir).

O Ginásio funcionaria em regime de externato para freqüência masculina

e feminina, no horário das 18:50h às 22:50h, porque, durante o dia, o Grupo

Escolar funcionava com 450 alunos em cada um dos três períodos – das 7:40h

às 10:40h, das 10:40h às 13:40h e das 13:40h às 17:40h (cf. processo

62.941/51, f. 37). Em nota, o Inspetor verificador informa ainda que, além do

Ginásio, funcionaria no período noturno o Curso de Educação para Adultos, com

80 alunos, e um curso do Serviço Social da Indústria (Sesi), com 60 alunos.

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Quadro 1 Avaliação do Ginásio Estadual de Osasco

apresentada pelo inspetor João Penido Monteiro Salles ELEMENTOS DA FICHA DE AVALIAÇÃO Coeficiente Nota Pontos Total % Divisão I: Locallzação (250 pontos) 1. Salubridade 4 10 40 40 2. Ausência de ruídos 2 10 20 20 3. Ausência de perigos 4 10 40 40 4. Causas perturbadoras da atenção 4 10 20 20 5. Natureza e permeabilidade do terreno 1 10 10 10 6. Regularidade de terreno 1 10 10 10 7. Área coberta para recreio e abrigo 2 5 10 10 8. Área livre 9 7 63 63 Total da Divisão I 213 85Divisão II: Edifício (300 pontos) 9. Disposição interna 9 10 90 90 10. Situação 3 10 30 30 11. Número de pavimentos 2 10 20 20 12. Material e conservação 7 10 70 70 13. Entradas 3 10 30 30 14. Escadas e corredores 6 10 60 60 Total da Divisão II 300 100Divisão III: Instalações (450 pontos) 15. Extintores de incêndio 5 2 10 10 16. Caixa d'água 9 10 90 90 17. Instalação para limpeza do prédio 4 9 36 36 18. Bebedouros 9 9 81 81 19. Lavatórios 9 9 72 72 20. Gabinetes sanitários 9 5 45 45 Total da Divisão III 334 74Divisão IV: Salas de Aula (500 pontos) 21. Número 3 00 00 00 22. Área 9 10 90 90 23. Forma 3 10 30 30 24. Isolamento 3 10 30 30 25. Quadros-negros 3 10 30 30 26. Pintura 3 10 30 30 27. Área de iluminação 9 10 90 90 28. Disposição das janelas 4 10 40 40 29. Acústica 4 10 40 40 30. Carteiras 8 10 80 80 31. Móveis diversos 1 10 10 10 Total da Divisão IV 470 94Divisão V: Salas Especiais (500 pontos) 32. Auditório 5 10 50 50 33. Biblioteca 6 00 00 00 34. Sala de Geografia 5 0,5 2,5 2,5 35. Sala de Línguas Vivas 4 00 00 00 36. Sala de Ciências 9 3 27 27 37. Sala de Desenho 7 00 00 00 38. Sala de Trabalhos Manuais 4 0,5 2,5 2,5 39. Sala de Professores 3 8 24 24 40. Sala de Administração 7 8 56 56 Total da Divisão V 162 32Total da Ficha Básica 1.479 Fonte: Processo 62.941/51, f. 27v.

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Essas atividades reduziam o número de salas disponíveis para o

estabelecimento do curso ginasial de dez para sete salas, classificadas

conforme o Quadro 2.

Quadro 2 "Capacidade

Limite máximo da matrícula para cada turno" Salas de Aula Área (m²) Capacidade (alunos)

Nº 1 56,60 45 50 Nº 2 56,60 45 50 Nº 3 56,60 45 50 Nº 4 56,60 45 50 Nº 5 56,60 45 50 Nº 6 56,60 45 50 Nº 7 56,60 45 50 Total 361,20 315 350

Fonte: Processo 62.941/51, f. 37.

Como se constata no processo 62.941/51, o número de alunos por sala de

aula, que era de 45 para o curso primário, altera-se para 50 alunos por sala no

curso ginasial. Dentre as doações efetuadas pela Prefeitura de São Paulo e

relacionadas na f. 2 daquele processo, verificamos a concessão de 150 carteiras.

Apesar de parecer criteriosa, essa situação vem confirmar as condições

descritas por Marília Sposito, ao relatar o distanciamento entre a legislação em

vigor e a realidade vivida nas escolas públicas do País.

Não obstante os documentos legais, introduzindo a classificação material dos

estabelecimentos, exprimissem mais um modelo de escola a ser alcançado do que

critérios reais que revelassem as condições de seu funcionamento, o

distanciamento entre esse modelo e a situação concreta da rede pública tornava-

se cada vez mais flagrante (Sposito, 1992:53).

Instalados em prédios de Grupos Escolares, os cursos noturnos, em

especial, tiveram dificuldades para cumprir os requisitos mínimos

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estabelecidos. Assim, gradativamente, o Ministério da Educação diminuía as

exigências que serviam de critérios para classificar as escolas secundárias do

País (cf. Sposito, 1992: 53-54).

Ainda de acordo com o relatório de verificação (cf. processo 62.941/51, f.

41), o Ginásio Estadual de Osasco, dirigido pela professora Araci Ferreira Leite

e mantido pelo estado, funcionaria de acordo com a legislação vigente,

ministrando as seguintes disciplinas: Português, Latim, Francês, Inglês,

Matemática, Ciências Naturais,História Geral e História do Brasil, Geografia

Geral e Geografia do Brasil, Trabalhos Manuais (seção masculina), Trabalhos

Manuais (seção feminina), Desenho, Canto Orfeônico, Economia Doméstica

(seção feminina), Educação Física (seção masculina), Educação Física (seção

feminina). O quadro de professores era assim formado (Quadro 3):

Quadro 3 "Corpo docente em exercício"

Série Matérias Nome do professor Nº de registro Visto da Secção de Registro

1ª, 2ª, 3ª Português Miguel Salles ? 1ª, 2ª, 3ª Matemática Carlos Catony 8984 Confere 1ª, 2ª, 3ª Desenho Cecília Maia de Carvalho 15862 Confere 1ª, 2ª, 3ª Francês Dagmar de Arnaldo Silva F 901 de 14/8/47 Confere 1ª, 2ª, 3ª História Helena Mendes de Castro 15863 Confere 1ª, 2ª, 3ª Geografia Ilka Bruck Lacerda 15607 Confere 1ª, 2ª, 3ª Trab. Jarbas Presa Avelar 15967 Confere 3ª Ciências Nelson da Silva Barros 11871 Confere 1ª, 2ª Inglês Gilberto Rizzo D 16281 Confere 1ª, 2ª, 3ª Latim Miguel Salles Proc. 20.037/52 ? Fonte: Processo 62.941/51, f. 39.

Ao final do relatório de verificação, encontramos relacionados os

materiais necessários e disponíveis para o funcionamento das atividades

administrativas e pedagógicas, assim como 15 fotografias (biblioteca, hall de

entrada, diretoria, secretaria, gabinete dentário, sala de aulas da parte lateral,

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corredor da parte interior do prédio, parte posterior do edifício, toalete para

alunas, jardim, horta e caixa d'água, pátio interno, pátio, toalete para

professoras, toalete para professores, banheiro com chuveiro para alunos) que

demonstram as condições das instalações recém-construídas, além da planta

do edifício.

No ofício que encaminha o relatório de verificação à Diretoria de Ensino

Secundário, no Rio de Janeiro, em 23 de abril de 1952, encontramos a

seguinte ressalva:

Este relatório não pôde ser enviado há mais tempo em virtude de ter ocorrido a

dispensa da Diretora que havia sido nomeada para o cargo, sem que até hoje

houvesse sido provido novamente. Está, assim, o estabelecimento sem diretor,

não tendo ainda sido nomeados todos os professores (processo 62.941/51, f. 76).

Mesmo assim, as aulas começaram em 19 de março de 1952, com

classes de primeira, segunda e terceira séries do curso ginasial, com a

seguinte grade curricular (Quadro 4):

Quadro 4 Grade curricular

Ginásio Estadual de Osasco 1952

1ª série 2ª série 3ª série Português Português Português

Matemática Matemática Matemática Desenho Desenho Desenho Geografia Geografia Geografia Francês Francês Francês

Latim Latim Latim História História História

Trabalhos Trabalhos — — Inglês Inglês — — Ciências

Fonte: Ginásio Estadual de Osasco, Livro de ponto de professores do ano de 1952.

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Naquele dia, o Livro de ponto dos professores apresenta os seguintes

dados (Quadro 5):

Quadro 5 Registro no Livro de ponto dos professores

Ginásio Estadual de Osasco 19 de março de 1952

Disciplina Séries Nome Português 1as. e 3as. — Matemática 1as., 2as e 3as Carlos Catony Francês 1as Manoel Luiz Moreau Inglês 2as e 3as — Trabalhos masculino 1as e 2as Jarbas Preza Avellar Ciências 3a. Nelson da S. Barros Educação Física, feminina — Educação Física, masculina — Preparadora Nísia Maciel Fonte: Ginásio Estadual de Osasco, Livro de ponto de professores do ano de 1952.

E também (Quadro 6):

Quadro 6 Registro no Livro de ponto dos professores

Ginásio Estadual de Osasco 19 de março de 1952

Assina como diretor Período Nome

De 19/03/52 a 04/04/52 Araci Ferreira Leite De 07/04/52 a 17/04/52 Fica sem assinatura De 18/04/52 a 16/05/52 Carlos Catony *

A partir de 19/05/52 até o final do ano Passa a ser Helena de Arruda Ramos Nota: * Professor de Matemática que assina como substituto. Fonte: Ginásio Estadual de Osasco, Livro de ponto de professores do ano de 1952.

Durante todo ano de 1952, observam-se constantes alterações no

quadro dos professores e na direção da escola, o que indica a precariedade do

quadro docente apontada no relatório de verificação do inspetor João Penido

Monteiro Salles.

Apesar das inconstâncias próprias de um período de instalação de

curso, observamos que houve a possibilidade de se desenvolverem atividades

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fora das salas de aulas. Em 11 de novembro 1952, verificamos o registro de

uma excursão ao Frigorífico Wilson, com o acompanhamento dos professores

Ilka B. Lacerda (Geografia), Luiz D. G. Araújo (Geografia) e Odila Ramos

(Trabalhos Manuais); em 25 de novembro, houve outra excursão ao Museu de

Arte, com o acompanhamento dos professores Cecília Maia de Carvalho

(Desenho), Gilberto Rizzo (Inglês) e Odila Ramos (Trabalhos Manuais).

Quanto à instabilidade do quadro docente da escola, relacionamos no

Quadro 7 todos os professores que passaram pela escola durante 1952.

Quadro 7 Professores

Ginásio Estadual de Osasco 1952

Disciplina Professor Miguel Salles M. A. Medeiros Português Amim Aidar Filho Carlos Catony Matemática Vera Giraldes

Desenho Cecília Maia de Carvalho Ilka B. Lacerda Geografia Luiz D. Araújo Dagmar de A Silva Francês Manoel Luiz Moreau Miguel Salles Latim M. A. Medeiros

História Helena Mendes de Castro Seção Masculina: Jarbas Preza Avellar Seção Feminina: Jacy Rolim Dias Trabalhos Manuais Odila Ramos

Inglês Gilberto Rizzo Nelson da Silva Barros Manoel Luiz Moreau Ciências Miguel Salles

Preparador Nísia Maciel Seção Feminina: Wandyra Villas Boas Seção Masculina: Durval da Silva Educação Física Zilda Alves Dória

Fonte: Ginásio Estadual de Osasco, Livro de ponto de professores do ano de 1952.

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Pelo Decreto Estadual nº 21.726, de 25 de setembro de 1952, o Colégio

Estadual de Osasco passou a denominar-se Colégio Estadual "Antonio Raposo

Tavares" (Ceart), fato registrado à f. 270 do processo 62.941/51.

Em 27 de maio de 1952 — a despeito de todas as dificuldades

apresentadas, embora o artigo 1º da Lei Estadual nº 968, de 29 de janeiro de

1951 (que autorizava o Ginásio Estadual de Osasco a funcionar como Colégio)

determinasse que o segundo ciclo só poderia entrar em funcionamento depois

de regularizada a autorização federal para o curso ginasial e antes mesmo de

concluído o processo de autorização do primeiro ciclo — a Secretaria de

Estado dos Negócios da Educação de São Paulo enviou à Diretoria de Ensino

Secundário do Ministério da Educação, no Rio de Janeiro, o ofício 328 no qual

informava que o governo paulista pretendia fazer funcionar o segundo ciclo do

Colégio Estadual de Osasco em 1953, em período diurno, e solicitava a

designação um inspetor federal para proceder à verificação do estabelecimento

(cf. processo 62.941/51, f. 95). O governo estadual demonstrava desconhecer

as reais condições de funcionamento dessa escola, já que, além do prédio

pertencer ao Grupo Escolar Marechal Bittencourt, ali funcionavam três períodos

de aulas do curso primário durante o dia.

Diante do exposto, o Ministério da Educação e Saúde encaminhou

resposta à Secretaria de Educação paulista, informando que solicitara

verificação prévia para funcionamento do curso colegial em 1953, em período

diurno, mas que o estabelecimento ainda não havia obtido autorização para o

funcionamento do primeiro ciclo, porque dependia da indicação do diretor. Além

disso, existiam ressalvas com relação à apresentação da lista de docentes,

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mas, por se tratar de estabelecimento estadual, havia certa tolerância quanto

aos prazos determinados. Contudo, enquanto não fosse regularizado o

funcionamento do primeiro ciclo, não poderia ser autorizado o segundo ciclo;

esse procedimento deveria ser executado posteriormente.

Finalmente, por meio da Portaria nº 895, de 30 de setembro de 1952, a

Diretoria de Ensino Secundário do Ministério da Educação e Saúde, concedeu

autorização para o funcionamento condicional do Ginásio Estadual de Osasco

(cf. Processo 62.941/51, f. 105).

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O COLÉGIO ESTADUAL ANTONIO RAPOSO TAVARES:

a difusão dos ginásios traz consigo os colégios

Com a autorização do funcionamento condicional para o curso ginasial —

apesar das ressalvas —, iniciou-se o processo de verificação prévia para a

instalação do segundo ciclo do Colégio Estadual "Antonio Raposo Tavares"

(Ceart). Em 22 de outubro de 1952, o Ministério da Educação e Saúde emitiu

comunicado que sugeria o encaminhamento do processo ao setor competente, "a

fim de designar inspetor para proceder à verificação prévia, para funcionamento

do 2º ciclo" (processo nº 62.941/51, f. 106). Em 16 de janeiro de 1953, o Ministério

solicitou ainda que o inspetor Alfredo Pereira de Queiroz, encarregado da

verificação, informasse "o nome do Diretor e do Secretário; a prova de direito ao

uso do prédio e o horário de funcionamento". Como até 2 de março o inspetor

ainda não havia tomado qualquer providência, foi substituído pelo inspetor Otavio

Teles Rudge Maia (cf. processo nº 62.941/51, f. 108).

Este segundo inspetor também não se pronunciou e, em abril de 1954, a

Diretoria de Ensino Secundário enviou correspondência ao inspetor regional,

solicitando esclarecimentos, o que resultou num documento de cobrança ao

inspetor Maia com o seguinte teor:

Solicito remessa urgente relatório verificação prévia segundo ciclo Ginásio

Estadual de Osasco sediado capital São Paulo fins funcionamento condicional pt

Esclareço vosso silêncio não dando conta serviços fostes designado está

prejudicando vida estabelecimentos foram confiados pt (processo nº 62.941/51, f.

116).

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A despeito de todos os trâmites, até novembro de 1954 o relatório de

verificação ainda não havia se concretizado. No dia 16 daquele mês, a

Inspetoria Federal propôs que, "não tendo sido elaborado o relatório de

verificação prévia do Colégio Estadual de Osasco até a presente data, e

havendo o inspetor designado solicitado licença, [...] seja indicado novo

inspetor" (processo nº 62.941/51, f. 128).

Foi designada a inspetora Maria Amália Fortes para proceder à

verificação. Em 11 de março de 1955, ela se manifestou nestes termos:

Tomo a liberdade de comunicar a V. S. que o Prof. Nilo de Magalhães Ribeiro, Diretor

do Ginásio e Colégio Estadual de Osasco "Antonio Raposo Tavares", avisou-me haver

perdido no ônibus da linha Aclimação uma pasta em que continha, além de outros

documentos, a "Ficha de Classificação" d’aquele estabelecimento que fui encarregada

de fazer. Dessa forma, solicito um prazo maior para a entrega da referida "Ficha" em

virtude do ocorrido. Maria Amélia Fortes Toledo (processo nº 62.941/51, f. 132).

Finalmente, em 28 de março de 1955, a inspetora encaminhou ofício à

Inspetoria Seccional de Ensino Secundário, enviando a "Ficha de

Classificação" e fazendo as seguintes observações:

O estabelecimento funciona em prédio próprio do Estado, em período noturno,

construído de acordo com todos os requisitos da moderna arquitetura e

pedagogia, sendo ocupado também, no período diurno, pelo Grupo Escolar

"Marechal Bittencourt". Quanto às salas destinadas ao ensino das disciplinas de

Ciências, Química e História Natural, as suas construções acham-se em

concorrência administrativa pelo Convênio Escolar da Prefeitura Municipal,

estando assentada a sua entrega dentro de 45 dias. Adianto, ainda, V. S. que, o

prédio próprio para o estabelecimento terá a sua construção iniciada dentro de um

mês (processo nº 62.941/51, f. 133).

Ao longo do exame do processo nº 62.941/51, constataremos não só que

as salas especiais não foram entregues no prazo determinado, como

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tampouco, durante toda a década de 50, se iniciou a construção de prédio

próprio. Mas é importante ressaltar que, apesar de todos os problemas

burocráticos, o curso científico já operava desde 1953, ano em que

funcionaram três salas de 1ª série ginasial (duas mistas e uma masculina),

duas classes de 2ª série ginasial (uma mista e outra masculina), uma classe de

3ª série ginasial mista, uma classe de 4ª série ginasial mista e uma classe de

1º ano científico misto — ao todo, oito salas de aula.

Naquele ano, a escola mantinha 238 alunos (171 homens e 67

mulheres) no período noturno — enquanto isso, na cidade de São Paulo, o

número de matrículas nos cursos noturnos (6.303) já havia ultrapassado o de

alunos dos cursos diurnos (5.739); nos cursos noturnos, os homens

representavam a maioria, com uma participação de 65%; nos diurnos, eram as

mulheres a maioria, com 61% de matrículas (cf. Sposito, 1992:57).

O horário de entrada dos alunos do Ceart era às 19:00h, com saída às

22:50h. Dada a sua localização em relação à infra-estrutura local no início dos

anos 50, conclui-se que o prédio do Colégio encontrava-se em um ponto

afastado do largo de Osasco, ou seja, da região central onde residia grande

parte da população do bairro.

Um trecho da entrevista concedida pela professora Helena Pignatari

indica o impacto que foi a instalação do Colégio, assim como as conseqüências

decorrentes de sua localização.

— Você tem que falar [do] impacto que foi o aparecimento dessa

escola no cenário. Quando a escola aparece no noturno, aquele lado do

alto da Igreja era tudo escuro, não havia iluminação elétrica. Isso é que

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vai explicar por que você vai encontrar mãe e filha na mesma sala, tio e

sobrinha, tio e sobrinho. Porque aquele caminho não era muito fácil, não:

era um caminho bastante perigoso, e a volta às 11 horas da noite —

como é que as meninas vão voltar a essa hora? Então, os pais vinham

buscar; na saída, tinha muito pai, muito tio, muita mãe, esperando, e

outros que ficavam fazendo hora e à toa, para esperar o filho,

resolveram entrar junto, como foi o caso da Rosinha Perini, que foi uma

aluna brilhante. E [no caso da] Rosali, também, eram mãe e filha ali, as

duas eram excelentes alunas (Helena Pignatari Werner, entrevista

concedida à autora em 19/5/2004).

Esse impacto atingiu o cotidiano osasquense:

— [Ser estudante secundarista dava] status junto aos jovens da

localidade. Quem não passava no exame de admissão do Ceart virava

pária local [...] ninguém dava prestígio — só se projetava na sociedade

entrando no Ginásio [...] as meninas só queriam namorar os meninos

que estivessem no Ginásio (Eduardo Rodrigues, entrevista concedida à

autora em 8/7/2004).

Para Rodrigues, a instalação do curso secundário local deu

oportunidade àqueles que "não tinham dinheiro" de se lançar na sociedade,

pois, ao se elevarem intelectualmente, ingressavam na elite: "— Só se

projetava na sociedade entrando no ginásio". O entrevistado relata ainda que

"no ginásio encontravam-se o filho do comerciante, do sapateiro, do operário, e

todos tinham por ideal o reconhecimento intelectual" (Eduardo Rodrigues,

entrevista concedida à autora em 8/7/2004), indicando que naquele espaço

prevalecia a lógica da busca por ascensão social via escolarização.

Confirmando a informação de que a "instalação de ginásios noturnos em

prédios de Grupos Escolares", trouxera profundas conseqüências sociais,

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[...] imprimindo um novo caráter à instrução secundária. Ao serem criadas maiores

possibilidades de acesso ao curso secundário, podendo ser incorporados como

alunos os jovens que trabalhavam em período diurno, os horizontes educacionais

de populações economicamente desfavorecidas tendem a se ampliar,

transformando-as em clientela interessada em disputar as vagas oferecidas por

essas unidades oficiais [mesmo que] as vagas existentes {fossem] poucas e os

exames de admissão filtrassem grande parte do contingente candidato às vagas

nas primeiras séries (Sposito, 1992:49).

De 1952 a 1958, o número de alunos da escola cresceu gradativamente.

Como a escola só contava com 10 salas de aula, a décima primeira classe —

que, segundo informou João Gilberto Port (entrevista concedida à autora em

8/7/2004), passou a existir a partir de 1955 (ver Quadro 8, a seguir) — foi

alojada na coxia (espaço que ficava atrás do palco) do teatro existente no pátio,

e ali passou a funcionar o 3º ano do curso científico, por ser a classe que

reunia o menor número de alunos.

Nas Tabelas 1 e 2 nos Quadro 8, observamos que, no período indicado:

a) dos alunos ingressantes no curso ginasial, 40% o concluem; b) dos alunos

ingressantes no curso ginasial, 28,7% passam para o curso colegial; c) dos

alunos ingressantes no ginasial, 7,5% concluem o curso colegial; e d) dos

alunos ingressantes no curso colegial, 26% o concluem.

Estes números confirmam o nível de seletividade empreendido, já que

menos de 10% daqueles que iniciam o secundário concluem o colégio.

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Tabela 1 Distribuição dos estudantes nas classes e número de classes, segundo anos

Colégio Estadual "Antonio Raposo Tavares" 1952-1958

Número de estudantes Curso ginasial Curso científico

Ano letivo

1º X 1º X 1º M 1º M 1º F 2º X 2º M 2º M 2º F 3º X 3º M 4º X 4º M 1º X 2º X 2º M 3º X Total Nº de

salas

1952 38* - - - - 19** - - - 15*** - - - - - - - 72 3

1953 38 - 39 27 - 35 25 - - 35 - 17 - 16 - - - 232 8

1954 25 19 21 - - 36 28 - - 28 - 25 - 12 9 - - 203 9

1955 31 29 20 - - 40 33 - - 33 29 24 - 29 - 12 6 286 11

1956 40 41 - - - 39 27 43 42 37 39 - 32 - 17 9 366 11

1957 38 - 30 - 38 40 39 - - 46 38 45 - 42 19 - 11 386 11

1958 43 - 44 - - 45 41 - - 43 42 41 33 30 37 - 16 415 11

Fonte: Livro de Atas de Resultados Finais, Arquivo do Ceneart. Legenda: X = misto; M = masculino; F = feminino. Notas: (*) Nove desistências.

(**) Três não compareceram ao exame. (***) Quatro não compareceram ao exame.

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Tabela 2 Distribuição dos estudantes por ano, segundo classes

Colégio Estadual "Antonio Raposo Tavares" 1952-1958

Número de estudantes Anos Anos e séries

1952 1953 1954 1955 1956 1957 1958 Misto 38 38 25 31 40 38 43

F 6 27 9 9 12 11 29 M 32 11 16 22 28 27 14

Misto - - 19 29 41 38 -F - - 7 17 13 21 - M - - 12 12 28 17 - Masculino - 39 21 20 - 30 44

1os G

Masculino - 27 - - - - -Subtotal 38 104 65 80 81 106 87

Misto 19 35 36 40 - 40 45F 7 19 18 30 - 23 22 M 12 16 18 10 - 17 23 Masculino - 25 28 33 39 39 41Masculino - - - - 27 - -

2os G

Feminino - - - - 43 - -Subtotal 19 60 64 73 109 79 86

Misto 15 35 28 33 42 46 43F 2 15 11 19 28 33 28 M 13 20 17 14 14 13 15 3os G

Masculino - - - 29 37 38 42Subtotal 15 35 28 62 79 84 85

Misto - 17 25 24 39 45 41 F - 7 9 3 12 16 25 M - 10 16 21 27 29 16

4os G

Masculino - - - - - - 33 Subtotal - 17 25 24 39 45 74

Misto - 16 12 29 32 42 30 F - 3 0 3 3 11 5 1º C M - 13 12 26 29 31 25

Subtotal - 16 12 29 32 42 30 Misto - - - - - 19 37

F - - - - - 1 9 M - - - - - 18 28 2º C

Masculino - - 9 12 17 - - Subtotal 0 0 9 12 17 19 37

Misto - - - 6 9 11 16 F - - - - - - 1 3º C M - - - 6 9 11 15

Subtotal - - - 6 9 11 16Total 72 232 203 286 366 386 415

Fonte: Livro de Atas de Resultados Finais, Arquivo do Ceneart. Legenda: G = curso ginasial; C = curso científico; M = estudantes de sexo masculino; F = estudantes de sexo feminino.

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Quadro 8 Distribuição dos estudantes por ano, segundo classes

Colégio Estadual "Antonio Raposo Tavares" 1952-1958

Anos Classes 1952 1953 1954 1955 1956 1957 1958

1º Ginasial 38 104 65 80 81 106 87 2º Ginasial 19 60 64 73 109 79 86 3º Ginasial 15 35 28 62 79 84 85 4º Ginasial - 17 25 24 39 45 74 1º Científico - 16 12 29 32 42 30 2º Científico - - 9 12 17 19 37 3º Científico - - - 6 9 11 16 Fonte: Livro de Atas de Resultados Finais, Arquivo do Ceneart.

Além de seletivo, notamos que as mulheres – sempre em menor número

no curso ginasial (ver Tabela 2) – tornam-se ainda mais raras no científico.

Tabela 3 Distribuição dos estudantes por ano, segundo sexo

Colégio Estadual "Antonio Raposo Tavares" 1952-1958

Anos 1952 1953 1954 1955 1956 1957 1958 Classes

N % N % N % N % N % N % N % 1º G F 6 15,8 27 26 16 24,6 26 32,5 25 31 32 30 29 33,3 M 32 84,2 77 74 49 75,4 54 67,5 56 69 74 70 58 66,7 Total 38 100 104 100 65 100 80 100 81 100 106 100 87 100 2º G F 7 37 19 31,5 18 28 30 41 43 39,5 23 29 22 25,6 M 12 63 41 68,5 46 72 43 59 66 60,5 56 71 64 74,4 Total 19 100 60 100 64 100 73 100 109 100 79 100 86 100 3º G F 2 13,3 15 43 11 39,3 19 30,6 28 35,4 33 39,3 28 33 M 13 86,7 20 57 17 60,7 43 69,4 51 64,6 51 60,7 57 67 Total 15 100 35 100 28 100 62 100 79 100 84 100 85 100 4º G F - - 7 41,2 9 36 3 12,5 12 31 16 35,5 25 33,8 M - - 10 58,8 16 64 21 87,5 27 69 29 64,5 49 66,2 Total - - 17 100 25 100 24 100 39 100 45 100 74 100 1º C F - - 3 18,8 0 0 3 10,3 3 9,4 11 26 5 16,6 M - - 13 81,2 12 100 26 89,7 29 90,6 31 74 25 83,4 Total - - 16 100 12 100 29 100 32 100 42 100 30 100 2º C F - - - - 0 0 0 0 0 0 1 5,3 9 24,3 M - - - - 9 100 12 100 17 100 18 94,7 28 75,7 Total - - - - 9 100 12 100 17 100 19 100 37 100 3º C F - - - - - - 0 0 0 0 0 0 1 6,3 M - - - - - - 6 100 9 100 11 100 15 93,7 Total - - - - - - 6 100 9 100 11 100 16 100 Fonte: Livro de Atas de Resultados Finais, Arquivo do Ceneart. Legenda: G = curso ginasial; C = curso científico; M = estudantes de sexo masculino; F = estudantes de sexo feminino.

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De 1953 a 1958, apenas uma mulher chegou a concluir o curso

científico, frente a 41 homens que chegaram à sua conclusão, o que aponta

para uma "vocação feminina" no período.

Ser mãe, esposa e dona de casa era considerado o destino natural das mulheres.

Na ideologia dos Anos Dourados, maternidade, casamento e dedicação ao lar

faziam parte da essência feminina; sem história, sem possibilidade de

contestação. A vocação prioritária para a maternidade e a vida doméstica seria

marca de feminilidade, enquanto a iniciativa, a participação no mercado de

trabalho, a força e o espírito de aventura definiriam a masculinidade. A mulher que

não seguisse seus caminhos estaria indo contra a natureza, não poderia ser

realmente feliz ou fazer com que outras pessoas fossem felizes. Assim, desde

criança, a menina deveria ser educada para ser boa mãe e dona de casa

exemplar. As prendas domésticas eram consideradas imprescindíveis no currículo

de qualquer moça que desejasse se casar. E o casamento, porta de entrada para

a realização feminina, era tido como ‘o objetivo’ de vida de todas as jovens

solteiras (Bassanezi, 1997:609).

É provável que esse desinteresse aparente das mulheres pelos estudos

tenha ligação com o fato de que a participação das mulheres no contingente de

trabalhadores das fábricas, dos escritórios e do comércio de Osasco, bairro

operário, normalmente ocorria enquanto eram solteiras e precisavam ajudar

nas despesas da casa, onde, de costume, os irmãos mais velhos ajudavam os

pais na manutenção dos mais jovens que ainda não podiam trabalhar. Ao se

casarem, a situação mudava.

Cresceu na década de cinqüenta a participação feminina no mercado de trabalho,

especialmente no setor de serviços de consumo coletivo, em escritórios, no

comércio ou em serviços públicos. Surgiram então mais oportunidades de

emprego em profissões de enfermeira, professora, funcionária burocrática,

médica, assistente social, vendedora, etc., que exigiam das mulheres uma certa

qualificação e, em contrapartida, tornavam-se profissionais remuneradas. Essa

tendência demandou uma maior escolaridade feminina que provocou, sem dúvida,

mudança no status social das mulheres. Entretanto, eram nítidos os preconceitos

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que cercavam o trabalho feminino nessa época. Como as mulheres ainda eram

vistas prioritariamente como donas de casa e mães, a idéia da incompatibilidade

entre casamento e vida profissional tinha grande força no imaginário social. Um

dos principais argumentos dos que viam com ressalvas o trabalho feminino era o

de que, trabalhando, a mulher deixaria de lado seus afazeres domésticos e suas

atenções para com o marido: ameaças não só à organização como também à

estabilidade do matrimônio (Bassanezi, 1997:624).

Em 1958, segundo Sposito (1992:72), instalou-se a segunda instituição

de ensino ginasial nas imediações da estação ferroviária de Osasco: o Ginásio

Estadual de Presidente Altino (Gepa). Presidente Altino era a designação de

antigo bairro de São Paulo que, com a emancipação, se tornara bairro das

imediações do centro da cidade de Osasco.

Os anos de 1957/1958, período em que se instalaram 61 ginásios em

diversos bairros e vilas da periferia paulistana, "pode ser configurado como a

gênese da expansão do ensino ginasial na cidade de São Paulo [criando-se]

condições favoráveis à gradual transformação do caráter seletivo que

acompanhava a formação secundária até esse momento" (Sposito, 1992:47).

Nesse período, Jânio Quadros era o governador do estado de São Paulo, e a

implementação daqueles estabelecimentos de ensino em áreas remotas da

cidade deve-se à ação deste político, "que não só ofereceu apoio irrestrito à

proliferação dessas escolas, como determinou a sua imediata instalação" —

ainda que com ordens à Secretaria de Educação para "escolher

procedimentos" que permitissem o início do funcionamento de equipamentos

escolares cuja criação e cuja regulamentação não estavam legalizadas (cf.

Sposito, 1992:61-63).

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A INSTALAÇÃO DO PRÉDIO PRÓPRIO PARA O COLÉGIO

Apesar do crescimento verificado na cidade, o Colégio Estadual Antonio

Raposo Tavares (Ceart) continuava instalado em dez salas de aula e, no

período noturno, uma décima primeira improvisada na coxia do palco do prédio

pertencente ao Grupo Escolar Marechal Bittencourt, que já se mostrava

acanhado para a crescente demanda.

Datado de 28 de junho de 1958, encontramos o seguinte comentário:

não [é] intenção da Prefeitura do Município da Capital construir as referidas

dependências [laboratório de Física e Química e gabinete de História Natural]

junto ao prédio ocupado provisoriamente por esse educandário, visto o estudo

definitivo da construção do edifício próprio destinado ao Colégio já estar concluído

e aguardando, apenas, os expedientes de praxe para a sua concretização

(processo nº 62.941/51).∗

Não obstante, em 6 de junho de 1959 — quase um ano depois — o

ofício nº 53/59, do diretor do Colégio, professor Onésimo de Moura Muzel,

informa que "o prédio para funcionamento deste Colégio não se encontra em

construção e nada existe até o momento que indique o seu início, que seja do

conhecimento desta direção" (processo nº 62.941/51).

Finalmente, em 20 de junho de 1959, no ofício nº 55/59, Muzel declara à

Inspetoria Seccional que tem

a grata satisfação de informar V.S. para os devidos fins que, conforme processo

19.114/58-DE, o prédio onde funciona o Colégio Estadual "Antonio Raposo

Tavares" em Osasco, foi incluído no plano 1959/1960, as seguintes obras: 10

salas de aula para o Ginásio; 2 Laboratórios; 1 Sala de trabalhos Manuais; demais

dependências, para instalação do Ginásio (processo nº 62.941/51).

Mas, no ofício de nº 80/59, ele observa que,

∗ As páginas finais do processo não estão numeradas. Por essa razão, os documentos são

referidos por meio de sua data.

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de acordo com a informação recebida da Chefia de Prédios, tomamos ciência de

que foi incluída no plano de 1959/1960 a construção de 10 salas, 2 laboratórios,

sala de Trabalhos Manuais e outras dependências, sem contudo se determinar o

tempo previsto para a sua conclusão. Quanto ao início das obras em apreço, que

serão realizadas em terreno próprio do Grupo Escolar, também nada recebemos a

respeito (processo nº 62.941/51)

Por meio de um exemplar de O Bacamarte (nome da arma empunhada

por Antonio Raposo Tavares no brasão da escola), "Órgão Oficial do Grêmio E.

A. Raposo Tavares", de abril/maio de 1962, constatamos que a essa época o

colégio ainda funcionava nas mesmas instalações do grupo escolar. Esse

jornal — que, conforme matéria de capa intitulada "A volta do O Bacamarte",

surgira em 1956 e publicara cinco edições até 1958 — reaparecia em

cumprimento a uma das propostas da plataforma apresentada pela direção do

Grêmio durante sua campanha eleitoral.

A partir da reportagem intitulada "3000 alunos poderão ser abrigados no

novo prédio do Ceart", constata-se que finalmente estava em construção o

prédio próprio para a escola secundária. Essa reportagem indica que o prédio

deveria ser inaugurado em setembro de 1962 e ocupava uma área de 4.007

metros quadrados de construção total, com 109 metros de frente. O novo

prédio, com 23 salas de aula e três salas de laboratório, quadra de jogos, pista

de corrida e um pequeno salão de festas, funcionaria em três períodos, assim

distribuídos: "De manhã o ginásio misto e colégio A e B e à tarde apenas o

ginásio feminino, normal e primário, bem como à noite ginásio misto, colégio A

e B." Da designação "colégio A e “B", deduzo que se tratava do curso colegial

científico e clássico, uma vez que até então só o curso científico funcionava na

instituição, pois não havia salas que comportassem o curso clássico. E, se, à

época, o colégio contava com cerca de 500 alunos, no ano seguinte (1963)

esse número poderia ser sextuplicado, resolvendo-se "o problema da falta de

vagas no curso secundário em Osasco".

A partir do "Livro de candidatos à transferência para o estabelecimento",

pode-se observar que, para o ano de 1962, havia um total de 251 alunos em

lista de espera de vaga naquela escola (ou seja, cerca de 50% do total corrente

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de alunos): "42 alunos para o 1º ginasial; 67 alunos para o 2º ginasial; 52

alunos para o 3º ginasial; 27 alunos para o 4º ginasial; 46 alunos para o 1º

científico; 10 alunos para o 2º científico; 7 alunos para o 3º científico."

Com o funcionamento do novo prédio, em 1963, o Ceart passou a

oferecer 41 classes, 16 no período diurno e 25 no noturno, assim distribuídas:

13 classes de 1a. série ginasial — 8 diurnas e 5 noturnas

09 classes de 2a. série ginasial — 4 diurnas e 5 noturnas

07 classes de 3a. série ginasial — 3 diurnas e 4 noturnas

04 classes de 4a. série ginasial — 1 diurnas e 3 noturnas

04 classes de 1a. série científico — todas noturnas

01 classes de 2a. série científico — noturno

01 classes de 3a. série científico — noturno

02 classes de 1a. série clássico — noturno ("Livro de ata de exames finais e de

2a. época").

Em chamada na primeira página de O Bacamarte nº 6, noticia-se que o

diretor Onésimo de Moura Muzel debatia a Lei de Diretriz e Bases da Educação

(LBD), publicada em 1961, e apresentava as mudanças decorrentes dessa nova

legislação. A página com a íntegra da matéria extraviou-se, mas, pela introdução

do artigo, parece tratar-se apenas de uma discussão sobre questões práticas de

aplicação da lei, nesse caso específico com comentários sobre "a mudança no

sistema [de avaliação] entre o ginásio antigo e o sistema atual".

Até o ano passado, a lei favorecia grandemente o aluno para sua aprovação, pois

as notas mensais tinham valor reduzido computando-se apenas dois décimos de

valor total. A segunda época, por exemplo, com peso cinco, possibilitava ao aluno

fechar média apenas com aquele exame, pois com nota oito obtinha os quarenta

pontos necessários para aprovação (jornal O Bacamarte no. 6, p 1).

A Lei nº 4.024, publicada em 1961, de maneira geral, não altera

substancialmente a estrutura de ensino secundário implantado desde a

Reforma Capanema; apenas estabelece a equivalência entre o cursos

secundário regular e o técnico e reduz o número de disciplinas, o que permite a

pluralidade de currículos em termos federais.

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O jornal O Bacamarte permite ainda conhecer as diversas atividades

desenvolvidas na escola, como peça de teatro escrita e apresentada pelos

próprios estudantes, espetáculo de música, excursões e atividades esportivas.

Traz também uma relação de aniversariantes dos meses de abril e maio, uma

crônica escrita por Eduardo Rodrigues ("O homem que queria atravessar a rua")

e a apresentação de um serviço de divulgação que funcionava todas as noites

das 18:00h às 19:00h e no intervalo das aulas. Uma coluna de "Mexericos" e

outra de "Fatos e boatos" apresentavam situações do cotidiano da escola, como

a informação de que "é proibido fumar no pátio é fato... mas que a turma fuma

TAMBÉM É FATO" (O Bacamarte, nº 6, p. 5, abril-maio de 1962).

O Grêmio informa que o colégio passaria a funcionar todos os domingos

pela manhã, "proporcionando aos sócios horas de distração, com jogos de

pingue-pongue, xadrez, dominó, dama e outros. Fará funcionar a quadra de

esportes, a fanfarra e o 'Serviço de Divulgação' estará transmitindo uma ótima

seleção musical" (O Bacamarte, nº 6, p. 2, abril-maio de 1962).

O jornal traz um anúncio sobre a realização de um "Baile à Caipira"

promovido pela comissão de formatura dos alunos do Ceart, com a presença

do conjunto musical de Roberto Ferri, em um clube local.

Pelos anúncios publicitários inseridos em duas edições (nº 6, de abril-

maio de 1962, e nº 7, de abril de 1963) de O Bacamarte, percebe-se que sua

publicação contava com o patrocínio do comércio local — lojas de calçados e

de tecidos, bazar de miudezas e artigos escolares, bazar de confecção, loja de

material esportivo, livraria, bonbonnière e padaria.

A edição seguinte, a nº 7, data de abril de 1963, quando a escola já

estava instalada em seu próprio prédio, próximo ao Mercado Municipal, no

centro de Osasco, e onde funcionavam 41 classes (16 no período diurno e 25

no noturno). Era uma "edição de despedida" da direção do Grêmio, pois em 15

de abril houvera eleição e a agremiação empossava nova diretoria.

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Capa de O Bacamarte

Apesar desse novo prédio estar capacitado para receber 3.000

estudantes, observa-se que, em seu primeiro ano de funcionamento, apenas

cerca de 1.600 alunos e alunas ali estudavam — um grupo bem participativo,

pois, no resultado das eleições para a direção do Grêmio, 1.503 votantes

compareceram às urnas, ou seja, cerca de 94% do corpo discente da escola.

Duas chapas concorreram ao pleito. A Unificação e Progresso (UP), encabeçada

pelo Sidney Lucas de Oliveira, do 1o. Clássico e a Dobradinha, encabeçada pelo

Irizon Amaral Arantes, do 1o. Científico. A segunda saiu vencedora por pequena

margem de votos. Nas 16 classes do período diurno o resultado foi o seguinte:

Unificação de Progresso (UP), 233 votos; Dobradinha, 381 votos; Nulos, 8 votos;

Brancos 2 votos. Nas 25 classes do noturno: Unificação e progresso (UP), 445

votos; Dobradinha 384 votos; Nulos, 31 votos; Brancos, 19 votos; TOTAL GERAL:

Unificação e Progresso (UP), 678 votos; Dobradinha 765 votos; Nulos, 39 votos;

Brancos 21 votos. No total de 41 classes a Unificação Progresso (UP) obteve 20

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vitórias contra 20 da Dobradinha e houve 1 empate em uma das classes (O

Bacamarte, nº 7, p. 3, abril de 1963).

Segundo a professora Helena Pignatari, nesses momentos de eleição do

Grêmio havia muita participação, não só de alunos, como de professores que

ajudavam no processo.

Nessa mesma edição de O Bacamarte, observa-se que o Grêmio mantinha

estreita ligação tanto com as questões internas da escola, quanto com as

questões relativas ao movimento estudantil para além dos muros do colégio. Na

página 3 do periódico, publica-se a reportagem "Dois professores, cinco

perguntas", na qual são entrevistados o professor de Português, Emir Macedo

Nogueira, e a professora de História, Helena Pignatari Werner. Na página 5,

encontra-se matéria escrita por Gabriel Roberto Figueiredo sob o título "Você

sabia o que é UEO?", em que o então aluno faz uma explanação sobre o tema e

convoca os colegas a participar das próximas eleições da entidade.

UEO, esta sigla tão pequena, mas de valor grandioso significa UNIÃO DOS

ESTUDANTES DE OSASCO. Uma entidade que deve representar as aspirações

do estudante osasquense. A finalidade da UEO é a unificação da classe estudantil

em torno de um ideal comum. Ela deve ser independente. Deve em nome da

classe estudantil empunhar uma bandeira de luta, cujas cores deverão ser a

justiça, o direito e a verdade. Na manutenção dos princípios democráticos a UEO

deve defender a livre manifestação do pensamento e tem por obrigação não criar

distinções entre estudantes, seja qual for seu credo, raça, religião ou ideologia. Na

luta pela defesa de seus princípios, a UEO precisa manter-se apolítica, isto é, não

tomar partido político e nem defender interesses de políticos, afim de não afetar

seu conceito de independência. Em defesa dos interesses fundamentais da classe

estudantil a UEO tem de lutar, associando-se aos grêmios e juntos, harmoniosos,

reivindicarem seus direitos às autoridades competentes e indicadas. Em síntese

isto é a UEO, entidade cuja diretoria os estudantes elegerão no próximo dia 5 de

maio de 1963. Como a UEO congrega estudantes de curso secundário e superior,

só estes poderão votar para eleger a nova diretoria. Para ter condição de votante

é necessário que o aluno apresente a caderneta escolar ou carteirinha de sócio do

grêmio ao qual pertence. É um dever cívico que os estudantes de Osasco terão no

próximo dia 5 de maio. Vamos comparecer em massa às urnas, demonstrando

assim o poderio da nossa classe. LEMBRE-SE, COLEGA, A UEO É VOCÊ. DÊ

VALOR A SI (O Bacamarte, nº 7, p. 5, abril de 1963).

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Na reportagem com os dois professores da escola, a preocupação com

questões relativas às relações democráticas apresenta-se a todo momento, o

que confirma o alto nível de discussão política estabelecido entre estudantes e

docente. Como exemplo desse debate, reproduzo a seguir duas passagens

das entrevistas.

Pergunta: Como o senhor encarou as eleições do grêmio? Professor Emir: Pode

parecer lugar-comum, mas o que as eleições do grêmio me sugerem é isto: um

espetáculo de democracia. Tive a honra de participar dos entendimentos relativos

ao tom que deveria ser imprimido à campanha. Posso testemunhar que ela foi

limpa, que os adversários se respeitaram e reprimiram excessos. Por isso, creio

que não houve vencedores nem vencidos, mas um grande vitorioso: a classe

estudantil. [...] Pergunta: Soubemos que a senhora visitou a cidade de Recife e

trouxe novidades de lá. O que nos diz? Professora Helena: Realmente, estive em

Recife para ver o que se faz por lá em matéria de educação e cultura. Em Recife

nunca se fala só em educação, fala-se sempre em educação e cultura, e isso é

feito de forma extraordinária. A viagem a Recife foi feita com o objetivo de

conhecer o mais profundamente possível o método Paulo Freire. O professor

Paulo Freire é um educador pernambucano que desenvolveu um método de

alfabetização pelo qual consegue alfabetizar adultos em 30 horas. — Impossível?

— Eu também achei impossível, e bem por isso banquei o São Tomé e fui ver isso

de perto. Realidade maravilhosa para uns e assustadora para outros. Conversei

longamente com o professor Paulo Freire, vi o método, senti os resultado e estou

aturdida até hoje. A vontade grande é trazer o método para São Paulo. Mas

como? É sobre isso que penso noite e dia, porque não se trata só de alfabetizar,

mas trata-se de dar cultura ao homem, politizar o homem, libertar o homem,

conhecer, criticar, julgar sozinho porque tem condições para isso. Vi também

outras coisas, como o Movimento de Cultura Popular – MCP, que está integrado

num fabuloso plano de educação em Recife, mas sobre isso falarei em outra

oportunidade (O Bacamarte, nº 7, p. 3, abril de 1963).

Em 1963, a professora Helena Pignatari participou de uma experiência com

o método de alfabetização Paulo Freire, com cerca de 200 alunos, na região do

Jardim Helena Maria – periferia de Osasco, num projeto promovido pelo Sede

Sapientae, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).

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CAPÍTULO II

O MOVIMENTO AUTONOMISTA

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FORMAÇÃO DA SOCIEDADE AMIGOS DO DISTRITO DE OSASCO (SADO):

o primeiro plebiscito e a vitória do "não"

A seguir, focalizo o momento de formação da Sociedade Amigos do

Distrito de Osasco (Sado) e a atuação desta entidade de referência para o

resgate da história do primeiro plebiscito pela autonomia do bairro de Osasco à

condição de município, em 1953.

Os dados aqui apresentados foram retirados, principalmente, dos "Livros

de Atas da Sociedade Amigos do Distrito de Osasco – SADO": "Livro de Atas

Número 1", que cobre o período de 10 de março de 1947 a 2 de março de 1950;

"Livro de Atas Número 2", de 2 de março de 1950 a 11 de março de 1950,

quando deixa de haver registro, que é retomado em 30 de janeiro de 1960 e

chega até 7 de maio de 1987; "Livro de Atas da Comissão Promovedora da

Autonomia de Osasco", relativo ao intervalo de tempo que foi de 21 de agosto de

1952 a 27 de dezembro de 1957.

O plebiscito de 1953 é quase sempre desprestigiado por aqueles que se

debruçam sobre a história do movimento emancipacionista da cidade, pois,

além de ter sido um pleito no qual se rejeitou a autonomia municipal, muitos

osasquenses o vêem como exercício para a realização do plebiscito de 1958,

que foi quando saiu vitoriosa a campanha pelo "sim" à instalação do município.

Segundo depoimentos colhidos nas entrevistas com João Gilberto Port,

que foi aluno do Colégio Estadual Antonio Raposo Tavares (Ceart) de 1953 a

1958, e com a professora Helena Pignatari Werner, que ministrou aulas de

História nessa escola de 1954 a 1982, esse primeiro plebiscito — o de 1953 —

foi de menor importância (para os vitoriosos do segundo pleito) e, de fato,

serviu para preparar a campanha para o segundo pleito.

Para Port, "não houve, efetivamente, mobilização [dos estudantes] por

ocasião do primeiro plebiscito" (entrevista concedida à autora em 8/7/2004).

Para Helena Pignatari — que em 1953 morava na Casa Universitária, no bairro

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do Paraíso, em São Paulo, pois cursava História e Geografia na Universidade

de São Paulo, com aulas, à época, na ra Maria Antonia, e vinha para Osasco

só nos fins de semana —, esse movimento teve como principal função

despertar os osasquenses para o problema, pois como ela mesma justifica, "a

conscientização vem depois, com o tempo. A conscientização, a tomada de

posição vem depois" (entrevista concedida à autora em 19/5/2004).

Ainda segundo a professora Helena Pignatari, outro obstáculo na

primeira campanha emancipacionista foi a falta de recursos financeiros, uma

vez que um processo dessa natureza necessita de fundos para que possa se

desenrolar. "Havia muita despesa nessa época. Tinha que viajar entende?...

Tinha que ir para o Rio de Janeiro e voltar. Tinha que estar em contato com os

deputados..." (Helena Pignatari Werner, entrevista concedida à autora em

19/5/2004), e, naquele momento, a campanha não contava com uma sólida

estrutura financeira. A professora Helena Pignatari também se refere ao

movimento como tendo sido encabeçado pela "burguesia de Osasco".

Neste ponto, vejo como fundamental entender como era a composição

dessa "burguesia" osasquense.

Como a própria professora relata, a elite local era formada por uma camada

de "comerciantes, negociantes, pequenos empresários, profissionais liberais...".

Para melhor entender os valores dessa elite local, recorro a parte da descrição

feita pela professora Helena Pignatari sobre uma de suas contemporâneas: "A

Maria Regina, que era a moça mais rica da cidade, era a filha do sr. Vasco, que

era o dono da farmácia." Essa representação permite avaliar o poder aquisitivo da

população local e o que representavam status e poder.

A fim de discutir e procurar soluções para os problemas do bairro, no dia

20 de março de 1947, um grupo de onze moradores da região central realizou

sua primeira reunião:

Na sala da frente do prédio número cincoenta e sete da Rua André Rovai, deste

Distrito de Osasco, da Capital de São Paulo, para o fim de fundarem um bloco

com a finalidade de trabalharem em prol de melhoramentos, benefícios e

progresso de Osasco,... as reuniões e os ideais do grupo seriam despidas de

qualquer cor política ou religiosa (Sado, "Livro de Atas Número 1", p. 1v).

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Cabe salientar que, de acordo com o Sumário de Dados do Município de

Osasco de 1986 (p. 32), em 1950, Osasco contava com 41.326 habitantes.

Portanto, em 1947, um grupo de onze residentes em região específica da

cidade não se qualificava como representante de toda a comunidade.

Como a entidade associativa estava em processo de formação, suas

reuniões ocorriam em salas cedidas ou na residência de algum membro do grupo.

Enquanto não havia estatuto, sua diretoria funcionava em caráter rotativo: ao final

de cada reunião, elegia-se a composição da mesa para o encontro seguinte. Não

havia mensalidade obrigatória, mas contribuições espontâneas. Em 1º de abril de

1947, na terceira reunião, o grupo passou se a denominar Sociedade Amigos do

Distrito de Osasco e, no dia 29 de junho de 1947, mesmo sem registro legal ou

estatuto, elegeu sua primeira diretoria, que tinha à frente o dentista Reinaldo de

Oliveira.

Na reunião de 17 de junho de 1947, ficou registrada a sugestão de que

fosse formulada uma solicitação "que dirigisse aos poderes competentes um

pedido para a instalação de um Ginásio em Osasco", demonstrando-se que a

luta da comunidade pela instalação de uma escola secundária no local já era

um fato. Ressalto que, nesta data, o bairro ainda não contava sequer com

prédio próprio para o grupo escolar, que funcionava num velho casarão da rua

Primitiva Vianco, sem as mínimas condições de ocupação.

No dia 2 de março de 1950, em reunião extraordinária realizada na rua da

Estação, 73A, residência e consultório do dr. Reinaldo de Oliveira, com a presença

de 14 associados, começaram os trabalhos para a elaboração de um estatuto para

a Sado, usando-se como modelo o da Sociedade Amigos de Pinheiros. Após as

devidas alterações, foi aprovado o Estatuto da Sociedade Amigos do Distrito de

Osasco, em que o artigo 1º indicava tratar-se de "sociedade civil sem fins políticos,

religiosos ou burocráticos" e o artigo 2º atribuía à entidade o objetivo de "estudar e

contribuir para solução de todos os problemas que direta ou indiretamente,

interessem ao desenvolvimento e melhoramento do Subdistrito de Osasco e

adjacências".

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Ao final dos trabalhos, foram eleitos por aclamação os membros da nova

diretoria da Sado, tendo como presidente o dr. Reinaldo de Oliveira e como

vice-presidente o empresário Antonio Braz Menck.

As reuniões da Sado prosseguiram, e continuou-se a tratar dos mais

diversos problemas: melhorias no sistema de transporte urbano, com críticas

ao monopólio representado pela Companhia Municipal de Transporte Coletivo

(CMTC); a falta de luz elétrica em muitos bairros, onde "crianças que carecem

de estudo, fazendo-o a luz de velas ou lampiões", além de problemas com a

companhia de gás; críticas à companhia telefônica, uma vez que, apesar de

Osasco pertencer à cidade de São Paulo, as ligações para o centro da capital

eram cobradas como interurbanos; ausência de parque infantil, de centro de

saúde, de empresa funerária, de serviço de guarda noturna, radiopatrulha,

corpo de bombeiros, etc.

Apesar de a entidade afirmar-se sem finalidade política, era significativa

em muitas dessas reuniões a presença de vereadores e deputados, como

intermediários das reivindicações da entidade; e mesmo com a

autoqualificação "sem vínculo político-partidário", era comum as discussões

enredarem-se nos posicionamentos partidários estabelecidos. Foi esse o caso

quando se decidiu fazer um convite ao governador Adhemar de Barros para

que visitasse Osasco e se designou um grupo suprapartidário para realizar o

convite e receber o governador. Os integrantes do Partido Social Progressista

(PSP), que alegavam ter exclusividade quanto a essas providências,

formularam independentemente tal convite e organizaram a recepção,

desconsiderando a decisão da entidade (Sado, "Livro de Atas Número 1", p.

1v).

No texto "A evolução de Osasco", produzido pela extinta autarquia

municipal Escritório de Planejamento de Osasco (EPO), encontra-se o seguinte

relato sobre a campanha pela emancipação, encabeçada em 1953 pela Sado:

Os descendentes dos primeiros imigrantes constituem as camadas médias da

sociedade local: são comerciantes, advogados, dentistas, médicos. Boa parte

deles pertenciam a famílias que tiveram uma participação mais tradicional em

Osasco, e serão também os primeiros a construir um projeto político para a

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cidade, baseado no ideal de autonomia político-administrativa. Primeiro fundam a

Sociedade Amigos de Osasco.... Através dela se inicia uma campanha para obter

o apoio popular à campanha da emancipação. A população em geral, composta

em parte pelos migrantes nordestinos e mineiros, com poucos anos de Osasco,

demora um pouco mas acaba apoiando o movimento. Prova disso é que foram

precisos dois plebiscitos para se conseguir um veredicto favorável à emancipação

(Escritório de Planejamento de Osasco, "A evolução de Osasco", s/d, texto

fotocopiado).

Em 21 de agosto de 1952, provavelmente sob o estímulo decorrente do

desmembramento, em 1948, de São Caetano do Sul do município de São

Bernardo do Campo e de Barueri do município de Santana de Parnaíba,

realizou-se a primeira reunião da Comissão Promovedora da Autonomia de

Osasco, com a presença de 42 pessoas, o que deu início à luta pela

emancipação político administrativa de Osasco.

Na segunda reunião dessa Comissão, constatamos a presença do

deputado Eumeno Machado (PTB), do vereador da capital, Altimar Ribeiro de

Lima, que também representava o deputado Diógenes Ribeiro de Lima (PSP),

e do subdelegado de polícia de Osasco, Mario Torres (Comissão Promovedora

da Autonomia de Osasco, "Livro de Atas", p. 2v). Nesta reunião, Reinaldo de

Oliveira, presidente da Sado, fez o seguinte depoimento:

Bem-vindos sejam, amigos, nesta hora da luta, nesta hora "H" em que vamos nos

lançar na maior campanha que Osasco jamais empreendeu [...] Com esta reunião

a Sociedade Amigos de Osasco vê a oportunidade de dar por cumprida a sua

finalidade, qual seja propugnar pelo bem coletivo o de dar início nesta campanha

sem o menor laivo de glória para si [...] Sendo como será esta campanha muito

trabalhosa a sua diretoria não se vê suficiente para arcar sozinha com tamanha

responsabilidade, mas, também não se exime de compartilhá-lo e até faz questão

e se sentirá honrada em pôr à disposição os seus recursos e o seu nome para o

que dela se faça útil (Comissão Promovedora da Autonomia de Osasco, "Livro de

Atas", p. 4v).

A despeito de a Sado haver declarado que não encabeçaria a campanha

pela autonomia de Osasco, na sua quarta reunião, em 26 de setembro de 1952,

Walter Negrelli expôs que estivera em São Caetano do Sul, que nesse município a

luta pela autonomia fora toda encabeçada pela Sociedade Amigos de São

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Caetano e sugeriu que também em Osasco a Sociedade Amigos de Osasco

liderasse a comissão emancipacionista. Assim, mesmo diante de alguns protestos,

a Sociedade passou a conduzir os trabalhos da Campanha pela Emancipação de

Osasco, e, depois de longa discussão sobre o valor a ser estipulado como

contribuição para os fundos destinados à realização de seus trabalhos, ficou

aprovado que a participação de cada um deveria ser espontânea.

Resolvidas essas primeiras questões de ordem, passou-se à formação das

comissões que ficariam responsáveis pelos trabalhos: Comissão Jurídica (15

membros), Comissão de Finanças (15 membros), Comissão de Propaganda (20

membros) e Comissão de Plebiscito (número ilimitado) — estando tais comissões

"sempre em concordância e sob a orientação direta da Sado".

Fato interessante ocorreu quando Manoel Fiorita sugeriu que "elementos

femininos" fossem incluídos nas comissões, "porquanto se vem notando a boa

vontade e esforço de senhoras e senhoritas, que talvez, por um lapso não

foram lembradas" [nas comissões]. O presidente da Sado respondeu, dizendo

que pretendia criar um Departamento Feminino na Sociedade, "onde serão

aproveitados todos estes notáveis valores", e que a Sado aceitava a

colaboração de todos. Fiorita esclareceu, todavia, "que apenas fez notar que

não constavam das comissões nomes de elementos femininos".

Estabeleceu-se que cada comissão seria autônoma, mas que seu

presidente prestaria contas ao presidente da Sado e que, embora as reuniões

das comissões fossem abertas a outros interessados, estes não poderiam "ter

a palavra em assuntos que digam respeito às comissões" (Comissão

Promovedora da Autonomia de Osasco, "Livro de Atas", p. 15v).

A 30 de outubro de 1952, realiza-se grande reunião com a presença dos

deputados Jânio Quadros (PDC), Scalamandré Sobrinho (PTB) e Hilário Torloni

(PRP), que se dispõem a prestar "esclarecimentos e ensinamentos para o

assunto". Walter Negrelli, presidente da Comissão de Finanças, enfatizou a

necessidade de numerário para a campanha, ao que foi apresentada a proposta

de abertura de "livros de ouro" para a coleta de contribuições, sendo um para a

indústria e o comércio e outro para a população em geral. Negrelli ponderou que

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seria prematuro procurar o apoio da indústria e do comércio, "porquanto ainda

[não havia] informes seguros sobre se estamos em caminho certo".

Da fala do deputado Scalamandré Sobrinho, destaque-se: "Todo o

[bairro] que tiver a sua renda razoável deve trabalhar pela sua independência,

criar a sua prefeitura, eleger o seu prefeito, seus vereadores que tomem conta

dos interesses do município." O deputado Jânio Quadros, por sua vez, assim

se manifestou:

Há cinco anos, quando eu era vereador, defendi com unhas e dentes a autonomia

de Osasco e Santo Amaro. Este movimento parece novo, mas, os anais que o

digam, já vem de longe. Os operários não moram no centro e vivem afligidos, a

população de uma cidade que cresce vertiginosamente e só acha tempo para tratar

da cidade e os bairros aristocráticos. Ficam o centro e estes bairros aristocráticos

sugando, chupando, a arrecadação em seus benefícios que brilham cada vez mais,

ficando à margem os demais bairros, distritos e subdistritos. Os projetos estão lá e

podem ser encontrados. A capital arrecada dois bilhões e gasta com pessoal 67%.

Ponha-se material e outras despesas e o que sobra para Osasco, Santo Amaro, São

Miguel, etc.? A formula é esta que estamos adotando, levem-na de vencida, que não

é deste nem daquele, PTB, PSP, UDN, etc., é de todos. A prefeitura, boa madrasta,

não abrirá mão dos seus enteados sem luta, tudo faz para que eles fiquem seus. O

governo é o governo presente, lixo, água, telefone, luz, esgoto, escolas e o governo

da família, com o apoio de Scalamandré e Torloni e outros colegas de parlamento e

ajuda do povo traremos a autonomia para Osasco. [E continua a ata do evento:]

Termina sua excia. salientando o nome da SADO que em boa hora reuniu esse

povo para a sua redenção que bem merece (Comissão Promovedora da Autonomia

de Osasco, "Livro de Atas", p. 20v).

Em 1952, Jânio Quadros cumpria sua curta legislatura (1951-1952)

como deputado estadual em São Paulo, já que em 1953 fora eleito prefeito da

capital. Segundo John French (apud Walmsley, 1992:31), sua trajetória

meteórica — de vereador (1947 a 1950), deputado estadual (de 1951 a 1952),

prefeito (de 1953 a 1955), governador (de 1955 a 1960) e presidente em 1961

—, resultou de um processo iniciado entre 1945 e 1947, momento em que a

classe trabalhadora passou a perceber a sua importância nas decisões

eleitorais e a se identificar como grupo que tem poder para interferir na arena

eleitoral, canalizando seus votos para partidos mais classistas, como o PCB e o

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PTB. Porém, "esse instante fugaz teria sido quebrado, segundo ele, pela

política antioperária e anticomunista de Dutra, que cassou a expressão pública

do Partido Comunista e por outro lado, pela conquista eleitoral do operariado"

(Walmsley. 1992:31/32), o que resultou numa nova relação de forças — mas

também não haverá o retorno à velha política anterior a 1930, pois a classe

média aprende a trabalhar com as novas realidades sociais e passará a dividir

os votos operários com os partidos tradicionais, o que lhe proporcionará criar

um novo espaço político.

Nesse contexto, vários políticos assumiram o modelo de comportamento

populista consagrado por Adhemar de Barros, e ocorreu a "descoberta por

parte dos políticos de classe média do eleitos enquanto 'morador'" (Walmsley.

1992:32). Jânio Quadros foi a figura mais expressiva dessa prática política. Por

ser um político sem tradição familiar e que não representava grandes grupos

econômicos, esteve muito mais à vontade no papel de representante das

massas. Seu expressivo contingente eleitoral percorria os bairros periféricos da

cidade de São Paulo, como Osasco e "é possível que este grupo que Michelle

Perrot chama de 'os mais deserdados' tenha se ligado mais estreitamente a

Jânio Quadros, justamente porque não estavam vinculados ao trabalhismo ou

ao comunismo" (Walmsley, 1992:37), pois, "em Jânio, todas as imagens

remetem a um determinado projeto de ordenação social que vê no Estado o

promotor do bem comum e que deve atuar, implacavelmente, na distribuição da

justiça" (Walmsley, 1992:42). É este Jânio que passa a advogar o direito da

autonomia e a criação de um organismo público que possa ser controlado pelo

morador local, nas regiões mais afastadas do centro da capital paulista, e que

vem na defesa de um plebiscito pela emancipação de Osasco.

Mas, quando do plebiscito, Jânio, que naquele momento era prefeito de

São Paulo, parece hesitar. O jornal O Emancipador, que se pretende o porta-

voz do grupo emancipacionista, lhe faz duras criticas.

O jornal surgiu como uma necessidade de dar resposta ao grupo favorável ao

"Não" no plebiscito que começava a surgir; o jornal tratava exclusivamente de

problemas relacionados com a situação das vilas que formavam o subdistrito além

de debater a atuação do prefeito de São Paulo, que já era Jânio Quadros. O jornal

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fazia oposição a Quadros, pois achava que o prefeito tinha um débito com o

subdistrito. Durante a campanha à prefeitura de São Paulo, Jânio prometera que,

eleito, apoiaria o movimento de autonomia para Osasco. A promessa era coerente

com a tônica da campanha do "Tostão contra o milhão" de Jânio, e com a idéia

exposta durante as concentrações de "integrar a periferia na cidade". Conduzido

por seus cabos eleitorais locais, Jânio tinha percebido, durante a campanha, a

necessidade de se referir ao movimento autonomista de Osasco. Entretanto, na

condição de prefeito, procurava adiar qualquer comprometimento com o

movimento, pois o desmembramento do subdistrito implicaria uma perda nas

arrecadações da prefeitura. Jânio ajudara a reconhecer a problemática da

periferia, mas agora se comportava como alguém que não estivesse obrigado

diante das populações suburbanas. O nascente movimento de Osasco iria

começar cobrando a posição do prefeito que mais tarde, quando governador,

mudaria a sua posição (Moisés, 1978:307).

Em outra grande reunião que, segundo a ata da Sado, ocupou

aproximadamente três quartos do grande salão de exibição do Cine Glamour

de Osasco, em 28 de novembro de 1952, foi notável a presença de deputados,

vereadores e autoridades dos mais diversos partidos políticos. Isto demonstra

que, apesar de apartidário, o movimento mostrava-se cada vez mais

encaminhado por parlamentares e representantes políticos locais.

Sempre por meio do exame das atas da Sado, toma-se conhecimento do

episódio em que o deputado Gilberto Chaves "aconselhou a todos os membros,

especialmente os lideres do movimento autonomista a manterem-se unidos aos

seus partidos e evitem animosidade [...] para que não fosse criado um

ambiente de inveja e desarmonia". Em ata do dia 2 de janeiro de 1953, pela

primeira vez, foi sugerido que se coletassem assinaturas junto às fábricas, mais

uma indicação de que o movimento caminhava à margem da maioria da

população operária.

No dia 10 de abril de 1953, compareceu o advogado Arruda Viana, que

tinha como incumbência esclarecer as diversas dúvidas que as comissões

levantavam quanto às exigências legais para que Osasco pudesse reivindicar

sua autonomia. Na reunião de 7 de outubro encontramos alguns comentários.

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Segundo o art. 1º, § 4º, letra "b" da Lei Estadual nº 2.081, de 27 de

dezembro de 1952, a localidade precisava contar com um mínimo de oito mil

habitantes; segundo atestado fornecido pela Inspetoria Regional de Estatística

Municipal, em 1950, Osasco tinha 41.679 habitantes. A renda mínima da região

deveria ser de Cr$ 600 mil; como a Prefeitura de São Paulo não havia

fornecido documento que comprovasse a renda arrecadada em 1952 ou a

renda orçada para 1953, os autonomistas juntaram fotocópias de recibos de

impostos de indústrias e profissões e imposto predial (a primeira cota paga por

algumas firmas de Osasco naquele exercício), o que atingiu a soma de Cr$

684.779,20, montante superior ao mínimo.

A Lei nº 2.081/52 exigia ainda que a região ficasse, no mínimo, a 12

quilômetros de distância de outro centro urbano (segundo o art. 110 daquela

lei, a zona urbana compreende as áreas de edificações contínuas das

povoações e as partes adjacentes diretamente servidas por algum destes

melhoramentos: iluminação pública, esgoto, abastecimento de água,

calçamento ou guias para passeio) e que houvesse solução de continuidade

entre o seu perímetro urbano e o do município a que pertencia. As informações

do Instituto Geográfico e Geológico indicavam o calçamento das ruas Erasmo

Braga e Euzébio Matoso, estando para ser calçado o trecho entre a rua

Euzébio Matoso e o bairro de Pinheiros, via Jaguaré, pela estrada de

Presidente Altino. A Estrada de Itu, numa das ligações entre Pinheiros e

Osasco servida pela linha da CMTC, era rua oficial em que a numeração

atingia os oito mil, quatrocentos e tantos ao cruzar com a rua Dona Primitiva

Vianco. Havia, ainda, mais duas ligações entre o distrito e a sede da capital,

além da ferrovia. Apresentaram-se, ainda, fotocópias de recibos de imposto

territorial rural incidente sobre propriedades situadas ao longo da Estrada de

Itu, entre a capital e Osasco, o que comprovaria em definitivo a solução de

continuidade existente entre os perímetros urbanos de ambas as localidades.

Descontinuidade existia, pois não havia melhoramentos públicos entre o

bairro de Pinheiros, via Jaguaré, e a rua Euzébio Matoso. "Salta a vista o largo

trecho, de mais de um quilômetro, ao longo da estrada de Presidente Altino,

sem uma casa sequer [...] Aliás, Osasco constituiu-se de longa data um núcleo

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demográfico de vida própria" (Livro da Comissão Promovedora da Autonomia

de Osasco. f. 36).

Como Osasco satisfazia as exigências legais, apresentou-se à

Comissão de Divisão Administrativa e Jurídica de São Paulo uma

representação com 371 assinaturas de eleitores de Osasco que reivindicavam

a criação do Município. Esse processo deu entrada na Assembléia Legislativa

em 22 de abril de 1953 e recebeu o seguinte parecer:

A Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo resolve: Artigo 1º – Determinar,

em cumprimento ao que estabelece o art. 73 da Constituição Estadual e de acordo

com o disposto na Lei nº 1, de 18 de setembro de 1947 (Lei Orgânica dos

Municípios), com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 2.081, de 27 de dezembro

de 1952, a realização de plebiscito de consulta à população do território

compreendido pelas atuais divisas do subdistrito de Osasco, município da capital,

comarca da capital, que se pretende seja elevado à município. Artigo 2º – Esta

Resolução entrará em vigor na data de sua aprovação, revogadas as disposições

em contrário. Sala das Comissões, em 2 de outubro de 1953. Hilário Torloni –

redator (Livro da Comissão Promovedora da Autonomia de Osasco. f. 36v).

Apesar de toda a vibração demonstrada nos relatos dessa última ata —

quando deputados presentes até pedem que comissões de moradores se

encaminhem à Assembléia Legislativa no momento de se votar a data do

plebiscito, dando "uma demonstração de pujança" —, encontramos também

manifestações sobre a necessidade de se "expor a questão da divulgação e

propaganda entre o povo, de maneira mais eficiente, concitando o mesmo a

dar sua adesão à causa da autonomia" (Livro da Comissão Promovedora da

Autonomia de Osasco. f. 37).

Essas considerações fazem refletir sobre a composição da Sociedade

Amigos do Distrito de Osasco e sobre o que se caracteriza como "povo" na fala

daqueles interlocutores. Apesar de haver significativo movimento em torno da

causa emancipacionista, estava circunscrevia-se principalmente à população

da região central de Osasco, junto àquela elite local formada de comerciantes,

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profissionais liberais, empresários e representantes políticos que viam na

emancipação mais uma forma de ascensão social e manutenção do poder

político de que desfrutavam. Esta afirmação fica mais clara no momento em

que João Gilberto Port relata, em entrevista, que a mobilização preparatória

para o segundo plebiscito iniciou-se

—... com reuniões realizadas nas casas do dr. Reinaldo de

Oliveira [dentista], do dr. Edmundo Burjato [médico],... do dr. Fortunato

Antiório [dentista], Rodolfo, e a sede maior sempre foi a casa do velho

Menck [empresário]. Ah, e a casa do Negrelli [engenheiro, funcionário de

uma metalúrgica local]. Estes eram, então os locais de aglutinação do

pessoal (João Gilberto Port, em entrevista concedida à autora em

8/7/2004).

Ou ainda quando a professora Helena Pignatari afirma em sua entrevista

que tanto os defensores do "sim", quanto os do "não" pertenciam à mesma

camada social, ou seja, como ela mesmo os define: "a burguesia de Osasco".

Na ata da reunião do dia 9 de novembro de 1953, destacamos a fala do

presidente da Sado, Reinaldo de Oliveira.

A segunda fase do movimento pró-autonomia está praticamente encerrada, pois já

conseguimos que a Assembléia Legislativa do estado determinasse a realização

do plebiscito [...] Disse a seguir que, entrados na última fase do movimento,

desejava o concurso de todos sem distinção por ser esta a fase em que o trabalho

será feito junto ao povo; durante a segunda fase, em que o trabalho foi apenas de

provas documentais e acertos com parlamentares, não foi necessário senão o

concurso de uns poucos, porém, doravante se torna imprescindível o esforço de

todos a fim de que possamos apresentar um plebiscito que seja a expressão

legítima do povo (Livro da Comissão Promovedora da Autonomia de Osasco. f.

37v).

Esta exposição leva a se questionar em que medida houve ou não

efetiva participação popular na organização, no andamento e na realização do

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plebiscito. Pode-se supor que a grande maioria da população osasquense

esteve à margem desse processo, sem a menor participação.

Reproduzo, a seguir, cópia de panfleto distribuído pelo grupo do "sim",

em 1953.

Apesar de toda a mobilização feita pelo grupo do "sim", o referendo

popular deu vitória ao "não" com uma vantagem de 105 votos.

Quando, no segundo semestre de 1953, a Assembléia Legislativa do estado

aprovou o pedido de realização do plebiscito, o PSP de Adhemar de Barros faria a

campanha contra o autonomismo. Argumentava-se que, com a emancipação,

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Osasco se tornaria "cidade do interior": os níveis do salário mínimo vigente (que

era o mesmo da capital até então) cairiam aos correspondentes do interior; além

disso, os produtos de consumo diário, como gêneros, roupas e cigarros, sofreriam

majoração de impostos e custariam mais (Moisés, 1978:312).

Os autonomistas alegaram que esse plebiscito fora fraudado.

O movimento em defesa da não autonomia de Osasco, tanto neste

primeiro plebiscito (em 1953), quanto na segunda consulta, ocorrida em 1958,

teve à frente o sr. Lacides Prado, dono do único cartório instalado no subdistrito

e que, segundo Helena Pignatari, antes de mais nada, temia perder seu

monopólio. Além dele, aglutinavam-se em torno do "não" alguns comerciantes

que viam a transformação do bairro em município como um retrocesso, na

medida em que, ao se tornar Osasco "cidade do interior", seus habitantes

perderiam o status de moradores da capital paulista, transformando-se em

"caipiras", e que esse processo acarretaria a desvalorização do seu patrimônio.

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A ESCOLA SECUNDÁRIA E O MOVIMENTO AUTONOMISTA:

o segundo plebiscito, os sujeitos, a escola e o movimento

A 7 de dezembro de 1957, transcorridos quase quatro anos da vitória do

"não" no plebiscito de 1953, reiniciaram-se os trabalhos da Comissão

Promovedora da Autonomia de Osasco. De acordo com a Lei nº 2.081/52,

consultas públicas sob forma de plebiscito para emancipação de municípios só

podiam ser feitas a cada cinco anos, para que o mandato dos novos prefeitos

das cidades emancipadas coincidisse com o mandato dos demais prefeitos

eleitos. Na reunião daquela data, registrada em ata, lembraram-se as

"diferentes falhas involuntárias que a experiência" do plebiscito anterior

mostrou e determinou-se que, como quatro anos antes, a Sociedade Amigos

do Distrito de Osasco (Sado) ficava encarregada de organizar e encaminhar à

Assembléia Legislativa a documentação necessária para que novo plebiscito

ocorresse em 1958.

Essa primeira ata exibe 85 signatários, demonstração de que,

diferentemente do sucedido em 1953, havia um grupo mais organizado à frente

dos trabalhos relativos à luta pela autonomia osasquense. Cabe destacar que

agora havia componentes específicos da década de 50, os quais fortaleciam a

idéia de manter na localidade os impostos recolhidos pelas empresas e pelos

moradores locais: novas e importantes empresas haviam chegado ao bairro,

além da instalação da Cidade de Deus, sede do Banco Brasileiro de Descontos

(Bradesco), em 1953. Afora essas mudanças, nesse período presenciaram-se

novas formas de inserção urbana da classe operária e novas práticas políticas

específicas do período populista — mas é inegável que foram sobretudo os

setores médios locais que se interessaram pela autonomia municipal, e a "sua

capacidade de envolver os setores assalariados e operários foi muito variável

ao longo do tempo" (Rizek, 1988:22).

A Sado, liderada pelo dentista Reinaldo de Oliveira, "vinculado à antiga

UDN" (Moisés, 1978:303), fomentava a idéia de que os moradores do bairro

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deveriam se organizar para defender seus interesses como cidadãos, já que

seus impostos ajudavam a construir "a fortaleza", isto é, a Prefeitura de São

Paulo, o que, segundo Rizek (Rizek, 1988:23), configurava a idéia marcante de

oposição "centro" versus "periferia". Note-se que, muito antes da retomada

oficial da luta pelos emancipadores, as manifestações em favor da autonomia

já ocorriam, organizadas pela Sociedade Amigos de Vila Yara (bairro do

subdistrito), a qual, já em 1956, promovia comícios "visando recolocar a idéia

da autonomia" (Moisés. 1978:319).

Nesta nova campanha, de 1958, verificamos que, se muitas das

lideranças autonomistas se mantêm, como Reinaldo de Oliveira (dentista),

Antonio Menck (negociante), Nelson Soares de Freitas (jornalista), Walter

Negrelli (engenheiro), novos atores entram em cena: Albertino de Souza Oliva,

advogado trabalhista e um dos fundadores da Frente Nacional do Trabalho,

vários comerciantes, alguns altos postos de direção de empresas e alguns

trabalhadores (Moisés. 1978: 320).

Gabriel Figueiredo, em entrevista à autora, observa que seria um

"reducionismo vulgar colocá-los [os trabalhadores], todos, num mesmo saco e

considerá-los massa de manobra da burguesia". Esse ex-aluno do Ceart, ex-

membro do Partido Comunista Brasileiro e ativista dos movimentos estudantil e

operário, argumenta que, embora o PCB não tivesse "empunhado com ardor a

bandeira dos emancipacionistas", em momento algum impedira que seus

militantes participassem desse "movimento da sociedade civil, liderado por

conhecidas figuras da burguesia", que, por outro lado, contava com a

participação de sindicalistas, metalúrgicos, ferroviários, comerciários e bancários.

A retomada do movimento teve bases mais populares que as ações de

1953. Buscou-se apoio em setores assalariados e operários da população.

Nesta diretriz, um novo jornal — A Vanguarda — mudará o tom que marcava a

campanha no início da década, adquirindo uma linguagem mais popular e

agressiva. Entretanto, o levantamento das reivindicações nos bairros e os

comícios em trens de subúrbio eram, fundamentalmente, formas de propagandear

o movimento, não de organizar a população. Ou seja, as lideranças da campanha

autonomista não se propunham criar laços mais orgânicos com os setores de

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baixa renda e com os trabalhadores de quem esperavam apenas um apoio

suficientemente genérico para que o processo continuasse sob o controle de

quem sempre estivera: os setores médios locais (Rizek, 1988:29).

Ao mesmo tempo em que o "sim" retoma sua luta, o grupo defensor do

"não" também se organiza. Entre seus líderes, encontramos Lacides Prado,

ligado ao grupo de Adhemar de Barros, dono do único cartório existente na

localidade e que, segundo as entrevistas concedidas à autora por Werner e

Port, o fazia muito mais por temer a concorrência nos negócios, que poderia

acontecer com a instalação do município, do que por convicções políticas.

Um dos fortes argumentos utilizados pelo grupo do "não" era o fato de

que o Matadouro de Carapicuíba, pertencente à Prefeitura de São Paulo e que

ficava na divisa de Osasco com Carapicuíba, demitiria todos os seus

funcionários com o evento da emancipação, já que, por lei, estes não poderiam

residir fora do município de São Paulo. Também cessariam os serviços de

transporte s da CMTC e sobreviria a desvalorização imobiliária.

Os opositores da autonomia trabalha[va]m o velho argumento segundo o qual,

com o desmembramento, Osasco deixaria de fazer parte da região administrativa

da capital de São Paulo para fins da determinação dos níveis de aumento do

salário mínimo. Naturalmente, este era um argumento de peso para uma

comunidade formada de população majoritariamente trabalhadora, especialmente

se se tiver em conta o fato de que parte substancial da classe operária de Osasco

era composta de trabalhadores não-qualificados que estavam situados nas faixas

inferiores de renda (Moisés, 1978:322).

Não se pode esquecer, ademais, que o movimento pelo "não" tinha a

vantagem de se beneficiar do aparato administrativo da Prefeitura paulistana.

Na véspera do plebiscito, tentando influir diretamente nos resultados da votação a

ser realizada dois dias mais tarde, a Prefeitura de São Paulo divulga uma nota

ameaçadora do prefeito Adhemar de Barros, enumerando os problemas que

surgiriam caso a população de Osasco e dos outros distritos decidissem pelo SIM: 1.

Os servidores da Prefeitura de São Paulo por lei não podem ter domicílio fora da

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área administrativa da Capital, sob pena de perda de cargo. Desta forma, 5 mil

pessoas que servem na área do matadouro de Carapicuíba estão ameaçadas de

ficarem desempregadas, e entre elas há grande número que são moradores de

Osasco; 2. Com a separação, cessará o serviço de ônibus da CMTC na linha

capital-Osasco, já que por força de lei municipal, essa companhia não pode atingir

áreas situadas fora do município de São Paulo; 3. Os impostos sofrerão majoração,

pois com a nomeação em massa de novos servidores públicos para o futuro

município, os encargos de instalação de novos prédios e instalações onde

funcionaria a prefeitura exigirá arrecadar mais recursos, suficientes para todas essas

medidas; 4. Ocorreria uma desvalorização geral dos imóveis no futuro município,

que passaria a ser considerado interior; 5. Cairiam os níveis do salário mínimo, pois

Osasco seria incluída entre as cidades do interior do estado (Moisés, 1978:325-326).

Enquanto isso, a Comissão Promovedora da Autonomia de Osasco

esforçava-se para esclarecer a população sobre os benefícios na instalação do

município. Argumentava-se que os impostos arrecadados em Osasco não mais

iriam para os cofres da capital, para depois apenas pequena parcela desses

recursos serem investidos em Osasco; que a comunidade passaria a gozar da

instalação de coletorias, delegacias, postos de saúde, cartórios, prontos-

socorros, além de se poder promover a ampliação da iluminação, buscar

empréstimos federais para saneamento básico, requerer instalação de posto do

Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários (Iapi), etc. Alegava-se

que, com a instalação da Prefeitura, seus titulares estariam mais próximos da

população, a qual poderia lembrá-los de suas promessas de campanha, e que

estes governantes sairiam da própria comunidade, promovendo, portanto, a

representação dos diversos bairros e vilas nas esferas das decisões políticas e

evitando os desvios das verbas ali arrecadadas. Com esse discurso, a elite

local justificava a criação de um espaço político próprio.

Segundo a professora Helena Pignatari, essa campanha foi muito mais

consciente que a campanha de 1953, e a discussão em torno das vantagens

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do "sim" foi levada com muito mais clareza, até porque se pode contar com

recursos financeiros que não existiram no primeiro plebiscito.

— O processo de emancipação só foi adiante quando o Reinaldo

convenceu o velho Menck a apoiar, e ele apoiou e financiou. Então, não

tinham mais problemas com advogados, viajar para o Rio de Janeiro,

pagar aquela papelada toda que tinha de ingressos de "coisarada" lá. A

parte econômica foi resolvida com a entrada do Menck, e ficou muito

mais fácil, daí pra frente (Helena Pignatari Werner, entrevista concedida

à autora em 19/5/2004).

A campanha pelo "sim" teve grande penetração nos meios estudantis e

efetivamente esteve presente nas discussões que ocorriam no interior da

escola. João Gilberto Port, como ex-presidente do Grêmio Estudantil, depõe:

— Eu me lembro perfeitamente quando me convidaram e eu, de

pronto, me propus a movimentar a classe estudantil em torno do

movimento autonomista. Passamos, então, a participar das reuniões e o

grupo foi crescendo [...] a participação da juventude estudantil na vitória

da emancipação foi muito significativa. E nós tivemos o condão de

termos atrás de nós como conselheiros [os professores] Emir Macedo e

Helena Pignatari, que realmente deram aquele embalo pra juventude

(João Gilberto Port, entrevista concedida à autora em 8/7/2004).

Esse relato confirma que, além dos estudantes, a campanha do "sim"

beneficiava-se da militância de docentes, como o professor Emir Macedo (de

Português), Helena Pignatari (de História), além de Fortunato Antiório (de

Matemática), pois a professora Pignatari disse fazer campanha "na escola, na

rua, em casa, com a empregada, com o jardineiro, com todo mundo, pra

explicar o que seria [a autonomia]" e dizia aos alunos:

— "Olha, minha gente, a luta pela emancipação significa isso,

aquilo e aquele outro". Um dos argumentos que eu defendi o tempo todo

era o fato de que muita gente de Osasco saía pra trabalhar em São

Paulo. Então, essa viagem diária, ida e volta, tal e coisa. Eu dizia: "se

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nós formos independentes, os empregos vão aparecer aqui no

município. Aqui surgirão os empregos, realmente, certo? Vai ter Câmara

— essa Câmara não vai precisar de gente pra datilografar? A parte

administrativa: você não vai ter o Secretário de Saúde? Os médicos, os

enfermeiros da cidade, vão pra onde? Vão pra cá." Então, ia explicando

que cada uma dessas secretarias iria absorver mão-de-obra de Osasco,

e nós teríamos empregos dentro da cidade. Esse era um argumento

fortíssimo (Helena Pignatari Werner, entrevista concedida à autora em

19/5/2004).

A professora ainda acrescenta:

— Havia um grupo de alunos, militantes, fazendo passeata. Por

exemplo: comício do "não" no Largo, na praça de Osasco. Um grupo de

alunos resolve bagunçar e eu falei: "Bagunçar não pode, o que vocês

podem é fazer uma passeata." "Ah, mas nós queremos cortar a Praça

inteirinha de ponta a ponta." Eu falei: "Então, vão fazer a passeata, e,

quando chegar ali, a turma toda atravessa, cantando o hino nacional, e

vai embora. Não pode bagunçar, não pode sair da linha, não pode sair."

(Helena Pignatari Werner, entrevista concedida à autora em 19/5/2004).

A escola secundária era muito dinâmica. O Ceart costumava abrir "suas

portas para atividades culturais e recreativas. Era comum também a formação

de grupos de estudos de fins de semana, sobretudo para os alunos do noturno

que precisavam colocar as matérias em dia, pois não tinham tempo durante a

semana" (Gabriel Roberto Figueiredo, depoimento escrito concedido à autora

em 7/9/2005). Segundo Eduardo Rodrigues, os professores do Ceart

influenciaram a sua geração e assim foram descritos por Figueiredo quando

perguntado sobre o papel destes na sua formação: "Dentre vários, vou citar

três pela influência maior: Josué Augusto da Silva Leite (História); Helena

Pignatari Werner (História) e Emir Macedo Nogueira (Português), cujo

relacionamento com os alunos foi descrito como “cordial, solidário, de

camaradagem". Essa relação fica patente no relato da professora Helena

Pignatari, quando ela afirma que os alunos costumavam freqüentar a sua casa

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e que chegou a passar "as férias de janeiro e fevereiro ensaiando peça de

teatro com alunos".

— Era sábado e domingo com os alunos. As férias inteiras. Não

se perdia contato, entende? No primeiro dia de aula, a inauguração. Era

peça, não é? Muitas peças — algumas sérias, que os alunos

bagunçaram e virou comédia em vez de tragédia, mas era essa a

ligação entre eles, a idéia de teatro, de autores. Tudo isso (Helena

Pignatari Werner, entrevista concedida à autora em 19/5/2004).

Helena Pignatari acrescenta que, nessa relação, ela e outros

professores da escola chegaram a ser padrinhos de casamento em vários

matrimônios que ocorreram entre alunos e alunas do colégio.

— Nós conhecíamos todos os alunos pelo nome. Nós sabíamos

dos namoricos e, como sabíamos dos namoros, nós sabíamos também

das brigas — que as alunas vinham, às vezes, chorando porque

brigavam com os namorados, brigavam umas com as outras. Nós

sabíamos tudo, eles contavam tudo para a gente; eles sabiam que não

tinha nenhum professor dedo-duro, que ninguém ia dar bronca, pelo

contrário, iam tentar entender a situação (Helena Pignatari Werner,

entrevista concedida à autora em 19/5/2004).

Sobre os textos que eram lidos, Figueiredo informa:

— Machado de Assis era fundamento. Depois vinha Graciliano

Ramos, Gonçalves Dias, Olavo Bilac, José de Alencar e outros. Dentre

os portugueses, Fernando Pessoa e padre Antonio Vieira marcaram

forte presença. Na literatura internacional clássica pelo menos três obras

são inesquecíveis: Os miseráveis, de Victor Hugo, Crime e castigo, de

Fiódor Dostoiévski, e Cândido, de Voltaire. Não constituíam leitura

obrigatória, mas foram estimuladas no científico. Para mim,

particularmente, que tive o privilégio de ingressar ainda jovem, aos 15

anos, no PCB, acabei sendo contemplado com leituras complementares

de Marx, Engels, Lênin, Goethe, Nietzsche, Gramsci, Sartre... Lembro-

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me que uma semana antes de prestar vestibular para a Faculdade de

Medicina, suspendi todos os meus estudos de Física, Química,

Matemática, Biologia, Português e outras matérias para ler,

intensamente, Assim falava Zaratustra (Gabriel Roberto Figueiredo,

depoimento escrito concedido à autora em 7/9/2005).

Reforçando essa conscientização empreendida na escola,

transcrevemos mais um trecho do depoimento da professora Helena Pignatari:

— Porque o aluno que vai votar... Uma das coisas, sérias, que

eles aprenderam dentro do Ceart era o voto. Isso não era na cadeira de

História, todas as cadeiras explicavam que, especialmente quando

chegava perto de eleição, conscientizar que o voto era uma coisa muito

séria. Não se falava em arma ainda, né? Que o voto era uma arma. Mas

que era muito sério, que tinha que pensar, que tinha que conhecer o

candidato que tal e coisa. Então eu acredito que muito aluno votou com

muita consciência no "sim" (Helena Pignatari Werner, entrevista

concedida à autora em 19/5/2004).

Às vésperas do plebiscito, os dirigentes do movimento emancipacionista

desdobram-se na ofensiva para obter a maioria dos votos na consulta popular

— como o voto não era obrigatório, cada adesão ganhava maiores proporções

—, fazendo veicular pela imprensa, pelo rádio e pelo serviço de alto-falantes

que ficava no largo da Estação as razões por que todos os cidadãos do

subdistrito deveriam comparecer e votar "sim" na consulta popular, além de

espalhar cartazes e faixas pelas principais ruas de Osasco.

Finalmente, a 21 e um de dezembro de 1958, o "sim" sagrou-se vitorioso

no segundo plebiscito.

Esse plebiscito foi reconhecidamente fraudado até pelos adeptos do

"sim", como declara Helena Pignatari, ao relatar o dia da votação nas

dependências do colégio.

— Havia a sala, e essa sala era cheia de janelas. Todas as salas

eram bem iluminadas, e nós pusemos a urna ali. E os votos? Do "sim", o

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papel era branco escrito "sim" em preto; o papel do "não" era preto

escrito em branco. Os envelopes eram os mais vagabundos que você

possa imaginar, baratinhos, baratinhos. Então, quando a pessoa punha

o voto, quem estava como fiscal da porta, contra a luz, via se o voto era

branco ou preto, e aí íamos contando. As urnas que receberam muitos

votos do "não" foram "socorridas". Por exemplo, na última hora, hora e

meia antes de terminar, deu um temporal naquela cidade que foi uma

coisa bárbara, foi um horror, sumiu todo mundo. Não apareceu mais

ninguém para votar, e aquele temporal danado lá fora. Nesse momento,

nós pegamos a lista dos ausentes, assinamos e colocamos tudo "sim".

Alguns [fizeram isso] com a conivência do presidente da banca. A minha

sala, por exemplo, foi sem a conivência do presidente da banca, que não

quis. Era a Nair Bellacosa — não deixou... [Mas] uma hora, ela teve que

ir ao banheiro, e nesse momento, então, nós fizemos uma festa na urna.

Muito voto "sim", tudo com a assinatura, entende? Nenhum defunto, não,

só os que estavam na lista (Helena Pignatari Werner, entrevista

concedida à autora em 19/5/2004).

Ou ainda no relato de Port:

— Esse também é um lado pitoresco. Como os autonomistas já

haviam tido uma lição em 53, que muitos disseram que a eleição foi

fraudada, etc., os autonomistas tiveram, desta feita, o cuidado de tomar

conta das mesas. Aliás, eu vou contar uma passagem — todos nós

sabemos, isso não é segredo nenhum, que se não tivesse fraude em 58,

também a emancipação seria muito difícil de ser conseguida, porque os

argumentos da época eram muito fortes contra a emancipação,

argumentos ridículos. Os Coutinho, pessoal do cartório, o Lacides Prado,

a Íris, né, então eles... Ah, como é que se chamava aquela senhora,

Maria Genta — Nossa Senhora, essa era uma praga né? No bom

sentido, eu estou dizendo... Então, esse pessoal realmente mobilizava.

Osasco era muito pequeno, e esse pessoal normalmente controlava bem

com essa argumentação de imposto, da condução, e isso realmente

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atrapalhava muito a nossa luta, mas, em 58, quando por ocasião da

realização do plebiscito. Como eu dizia, tivemos o cuidado de tomar

conta das mesas. Aliás, eu vou contar outra história muito interessante:

eu fui secretário de mesa e o presidente da mesa em que eu estava era

meu diretor do grêmio, tinha sido meu diretor do grêmio, o nome dele era

Severino, era um nortista, na época já tinha vindo uma grande migração

de nortistas para Osasco. E ele era o presidente e eu era o secretário,

eu era o presidente do grêmio e ele era o meu subordinado; lá, era o

presidente e eu era o secretário, e nós ficamos no hall de entrada do

Gepa, que era local de votação e situado à nossa frente. Havia uma

pessoa que não saía daquele posto, como se fosse um guarda. Na

época eu não o conhecia e depois se tornou um grande amigo, era

Antonio Salve, advogado. E nós tínhamos a missão realmente de

fraudar, e o Antonio Salve não tirava o olho da nossa mesa, até duas

horas da tarde. Imagina, a eleição começou acho que às oito ou nove

horas, eu não me lembro, e eu estava desesperado, porque nós

tínhamos que fazer maracutaia, e não tinha como. Quando chegou lá

pelas tantas, eu falei pro Severino: "Deixa eu conversar com esse rapaz

aí." Cheguei nele e falei: "Puxa, você está parado todo esse tempo aí...

Vamos até a padaria, vamos tomar um café." Aí fomos tomar o café, no

bate-papo com ele eu falei: "Escuta, me diz uma coisa, permita-me fazer

essa pergunta, eu estou vendo você aí parado esse tempo todo, não

abre mão, você é fiscal, qualquer coisa?" Ele vira pra mim e diz o

seguinte: "Olha, eu estou aqui para fiscalizar, sim, sabe por quê? Porque

em 53 nós fomos roubados na eleição e nós precisamos ganhar agora."

Eu falei: "Seu cretino, faz cinco horas que nós não fazemos nada por tua

causa." Bom, aí não precisa dizer mais nada, porque o que tinha que ser

feito foi feito. E, felizmente pra todos nós, realmente houve a fraude na

eleição, todo mundo do plebiscito sabe disso. Mas eu acho que foi uma

fraude no bom sentido, se podemos dizer assim (João Gilberto Port,

entrevista concedida à autora em 8/7/2004).

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Jornais de São Paulo chegaram a dizer que "até os mortos votaram em

Osasco", pois eleitores falecidos, cujos nomes ainda constavam das listas,

receberam assinaturas e tiveram seus votos válidos (cf. Oliveira, 1992:96).

Apesar da fraude, 6.677 eleitores participaram desse plebiscito. Foram

contados 3.922 votos pelo "sim", 2.671 votos pelo "não", 36 votos em branco e

42 votos nulos (cf. Moisés, 1978:289).

São números que nos parecem significativos, diante de outros que

ocorreram nos plebiscitos de 1958 — em Cajamar, vitória do "sim", com 389

votos; em Embu, vitória do "sim", com 261 votos; em Guaianazes, vitória do

"não", com 452 votos; em Itaquera, "não", com 902 votos; em Perus, "não",

com 760 votos; em Pirapora do Bom Jesus, "sim", com 339 votos: em São

Miguel Paulista, "não, com 3.209 votos; e em Taboão da Serra, "sim", com 78

votos (cf. Moisés, 1978) —, mas que merecem ser questionados, uma vez que

representavam "menos de 30% dos 21 mil eleitores do bairro naquele

momento" (Dias, 1995:54).

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UMA LONGA JORNADA PELO RECONHECIMENTO DO MUNICÍPIO:

após a luta pelo reconhecimento da autonomia, o bairro vira cidade

O processo para o reconhecimento da autonomia de Osasco foi singular,

pois demorou mais de três anos para se consolidar. Esse evento tornou a

autonomia osasquense diversa das várias que ocorreram no período, visto que,

apesar de o plebiscito ter sido referendado pela Assembléia Legislativa paulista

por meio da Lei nº 5.121, de 31 de dezembro de 1958, sancionada pelo

governador Jânio Quadros, o procedimento ocorreu sem que os deputados

examinassem o recurso que fora impetrado contra o plebiscito pelo então

prefeito da cidade de São Paulo, Adhemar de Barros, pelo deputado estadual

André Nunes Júnior (PTB) e pelo sr. Lacides Prado, sob a justificativa de que

muitas irregularidades impediam o reconhecimento da consulta popular.

Em parecer elaborado pelo jurista Miguel Reale no processo nº 20.568,

de 15 de junho de 1962, da Prefeitura do Município de São Paulo, encontramos

a seguinte informação:

Inconformado, o Chefe do Executivo Municipal impetrou mandato de segurança

(nº 92.801), que foi denegado pela E. Quarta Câmara Civil do Tribunal de Justiça,

sob os seguintes fundamentos:

a) remetendo o autógrafo à sanção, sem ter apreciado o recurso, a Assembléia,

implicitamente, o rejeitou;

b) a questão é meramente política, extravasando da órbita judiciária;

c) o resultado do plebiscito, sem embargo das sérias irregularidades que,

confessadamente, o inquinaram, deve, com a rejeição implícita do recurso, ser tido

como definitivo.

Pela Lei nº 5.121, as eleições para prefeito, vice-prefeito e vereadores

do novo município aconteceriam no momento em que ocorressem as primeiras

eleições municipais que se seguissem; o novo município seria administrado,

até sua instalação, pelo prefeito do município de que havia se desmembrado.

Diante do impasse que se estabeleceu, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE)

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sustou as eleições em Osasco e, a 19 de setembro de 1959, convocou a

população do distrito a "exercer seus direitos políticos, participando das

eleições de vereadores do Município da Capital" (processo nº 20.568),

realizadas em outubro de 1959. Mesmo depois que a Assembléia Legislativa

rejeitou o recurso impetrado pelo prefeito (resolução nº 322, de 18 de outubro

de 1960), por "inconsistência das razões alegadas", o TRE indeferiu o pedido

de que se realizassem eleições, por entender que o Supremo Tribunal Federal

decidira pela nulidade da lei que criava o município e que, assim sendo,

Osasco não era município e, portanto, não haveria eleições, uma vez que a

"simples rejeição de recurso não tem o mérito de revalidar uma lei nula"

(Acórdão nº 50.732). Desta forma, em 23 de março de 1961, a população foi

novamente conclamada pelo Tribunal Regional Eleitoral a votar nas eleições

para prefeito e vice-prefeito do município da Capital, argumentando-se que "só

através de outra lei regularmente votada e promulgada, e não de simples

resolução, ocorreria a desejada emancipação".

Parece-nos que, de fato, o sentimento emancipacionista tomou vulto a

partir da contestação do resultado do plebiscito, pois, a partir da vitória do

"sim", a sociedade política osasquense começou a se preparar para concorrer

nas eleições que se seguiriam, e o fato destas terem sido postergadas criou um

sentimento de fraqueza naqueles que pretendiam ocupar os cargos públicos,

eletivos ou não, que seriam criados.

Segundo Helena Pignatari, depois do plebiscito "a gente podia trabalhar

muito mais e explicar. Eu não digo convencer. Conscientizar e mostrar o que

significava emancipação e tudo mais".

Curiosamente, é exatamente a partir da Vitório fraudulenta de 58 que a

participação popular se tornou mais efetiva, com uma alteração na orientação do

movimento. Pode-se dizer que é a partir desta fase que se dá o movimento. Além

disso, nos anos 58-62 assiste-se o surgimento ou ascenso de outras mobilizações,

sobretudo sindicais e estudantis, que repercutem no âmbito local. Tal alteração

tem como índices a solidariedade dos estudantes ao "Sim", expressa em

passeatas e em uma greve de protesto contra a inversão do resultado do

plebiscito, a apelo das SAB’s do Jardim Helena Maria, Vila Iara e Bussocaba a

favor da emancipação, um número do jornal dos trabalhadores da Cobrasma

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dedicado à luta autonomista. Também é neste momento que, em Osasco, a

campanha pela emancipação assume, de forma clara, o caráter de luta contra a

prefeitura de São Paulo (Rizek, 1988:34).

Afinal, o Tribunal Federal julga improcedentes os recursos impetrados

contra o plebiscito (Acórdão de 16 de junho de 1961, relatado pelo

desembargador Barros Monteiro). Em seguida, o TRE designa a data de 7 de

janeiro de 1962 para a realização das eleições em Osasco, mas Prestes Maia,

então prefeito de São Paulo, entra com novo mandado de segurança, fazendo

com que as eleições fossem mais uma vez suspensas às vésperas de sua

realização.

Segundo o sr. José de Moura Leite, um dos maiores lutadores pela emancipação e

ex-chefe da Estação Ferroviária – "Depois de muita luta, passeatas etc como

protesto para libertar Osasco de São Paulo, os emancipadores conseguiram que

fosse marcada a primeira eleição para a escolha do primeiro prefeito e vereadores

de Osasco." Seria 7/1/62, mas depois de tudo preparado para o grande dia, os

osasquenses tristemente ouviram a terrível notícia na véspera, às 20 horas, do dia

6, pela Radio Difusora de São Paulo: "ATENÇÃO, ATENÇÃO, Osasco! Por ordem

do sr. Ministro Ribeiro da Costa, ficam canceladas as eleições de Osasco" ("A

emancipação vista pelos seus organizadores", Osasco, Secretaria de Educação e

Cultura, Biblioteca Municipal Monteiro Lobato, s/d., Movimentos sociais e políticos,

documento xerocopiado).

Os estudantes secundaristas, por sua vez, organizaram

uma caravana de estudantes e demais moradores para se dirigirem até a

Assembléia e exigir dos deputados um compromisso visando a rápida solução do

caso. Dessa manifestação resulta a criação oficial de um "Movimento Estudantil

em Prol da Autonomia de Osasco" (Moisés, 1978:345).

Esse processo de confirmação e suspensão das eleições contribuiu para

a revolta da população local, pois a essa altura já havia o desenrolar das

campanhas para prefeito, vice-prefeito e vereadores e, tanto os candidatos

como o próprio eleitorado, sentiram-se ultrajados com o descaso das

autoridades competentes.

Esse procedimento traz consigo a expansão de uma luta com

características de conquista popular, pois nos anos 60 são as manifestações

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estudantis e de trabalhadores que, "acabam por tentar se apropriar de parcelas

de um espaço político que não foi criado por seu próprio movimento" (Rizek,

1988:34), que deram a tônica ao movimento autonomista.

A partir dos anos 60,

as formas de ação foram bastante diversificadas e se articularam em pelo menos

duas "frentes": o movimento estudantil e o movimento dos trabalhadores,

sobretudo metalúrgico [pois] as lutas estudantis não tinham as mesmas

características das que se desenvolviam na cidade de São Paulo. Se havia

vínculos com o movimento dos estudantes universitários, por outro lado, o

movimento secundarista de Osasco, inclusive pela base social, estava em inter-

relação mais estreita com o movimento operário local e com a dinâmica da política

municipal desde o período que J. A. Moisés chamou de terceira fase do

movimento de emancipação (1958-1962). Pode-se, assim, perceber que a

institucionalização da União dos Estudantes de Osasco (U.E.O), em 1962, e o

movimento que nela resultou foram realizados pelos mesmos estudantes que

participaram do movimento autonomista, quase como uma interface do processo.

Essa conexão conferia à U.E.O um prestígio político, a nível local, maior do que

poderia angariar qualquer outra entidade de secundaristas. Assim, a entidade se

transforma em aparelho cobiçado por diversas lideranças (Rizek, 1988:34-35).

A mesma autora afirma ainda que haviam três forças políticas, que

atuavam, "ora através de disputas, ora através de alianças", de forma

significativa naquele momento em Osasco: "o PCB, hegemônico no movimento

sindical, as concepções do Padre Lebret na F.N.T. [Frente Nacional do

Trabalho] e a idéia de um movimento de massa que ganha as ruas para

pressionar os poderes públicos no movimento secundarista" (Rizek, 1988:35).

Confirmando a ênfase na composição secundarista do movimento

estudantil na luta autonomista, encontramos no depoimento de Gabriel

Figueiredo a afirmação de que "vários alunos secundaristas participaram da

luta pela emancipação". Ele acrescenta que a União dos Estudantes de Osasco

(UEO) "nasceu nas lutas emancipacionistas", tendo João Gilberto Port como

um de seus fundadores.

O próprio Port depõe, a respeito:

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— Fazíamos passeatas. Vou contar outra história muito

interessante: quando suspenderam as eleições, na véspera da eleição

— o prefeito de São Paulo da época era o falecido Prestes Maia —,

quando os estudantes souberam que a mulher dele, dona Maria Maia,

vinha a Osasco na casa da Maria Genta comemorar, foi uma noite inteira

de estudante procurando onde estava o carro dessa mulher, porque eles

queriam fazer represálias contra a primeira dama de São Paulo (João

Gilberto Port, depoimento concedido à autora em 8/7/2004).

A suspensão das eleições levou a inúmeros protestos: os comerciantes

fecharam suas portas em sinal de luto; o subdistrito cobriu-se de faixas pretas;

"intensifica-se novamente a prática de comícios e concentrações com o

objetivo de manter as bases de apoio informadas do andamento da batalha

judicial" (Moisés, 1978:346); no Largo de Osasco — nesse momento rebatizado

como "Praça da Independência" —, muitas pessoas ameaçaram rasgar seus

títulos de eleitor e foi acesa uma pira simbólica, com fogo trazido pelos

autonomistas da pira do Ipiranga.

Uma passeata é convocada pelos líderes autonomistas e, segundo "O Estado de

São Paulo", mobiliza mais de 5 (cinco) mil pessoas para virem até o centro de São

Paulo manifestar o seu protesto. A marcha dos manifestantes primeiro vai ao

Ibirapuera, onde estava o gabinete do prefeito; depois, dirige-se ao palácio dos

Campos Elísios, para reclamar o apoio que havia sido prometido pelo governador

da época, Carvalho Pinto, eleito pelo esquema de apoio do Janismo e, finalmente,

alcança as imediações da Assembléia Legislativa (Moisés, 1978:349).

Esse episódio foi assim descrito por Port:

— Nós, estudantes, nos posicionamos em frente ao antigo

Senadinho, que era a padaria do Portela, ali na João Batista, em frente

ao cine Glamour. Nós nos posicionamos ali e nós recolhemos, naquela

época, aproximadamente dois mil títulos de eleitor em protesto. Nós

íamos queimar esses títulos no Largo de Osasco. Não tenho a menor

dúvida de afirmar que, após a suspensão das eleições, às vésperas do

pleito — foi na véspera do pleito, porque a eleição seria no domingo e no

sábado à noite eu tinha ido a uma sessão de cinema no cine Estoril.

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Quando eu saí, o que estava acontecendo? Rodinhas aqui e no antigo

bar Bandeirante, e todos comentando: "Oh, acabou a eleição, não tem

eleição." Este fato realmente ajudou a incrementar o sentimento

autonomista. Aí o movimento cresceu muito. E tem uma certa

explicação. Você sabe, tem uma eleição, várias famílias lançam

candidatos. Bom, já que vai ter, muitas famílias, que eram inclusive

contra a autonomia, lançam candidato e, com a suspensão às vésperas,

aquilo provocou um ódio tão grande, que todo o movimento cresceu e

muito. E aí, se tivesse qualquer plebiscito lícito, nós ganharíamos fácil,

fácil. Com isso, cresceu o movimento, e aí foram praticamente o quê? A

eleição foi em 62: foram aí uns três anos de batalha. Nesses três anos,

os estudantes continuaram a participar. Nós fomos, fizemos,

participamos das caravanas à Assembléia, da passeata em São Paulo;

nós fizemos movimento na cidade novamente. Aí entrou o fechamento

do comércio, e aquele negócio todo. Os estudantes participaram

também [do enterro do "não"]. Foi todo o movimento, mas com a

participação dos estudantes... Fizemos caixão, né?! (João Gilberto Port,

depoimento concedido à autora em 8/7/2004).

O movimento foi ampliado e diversos telegramas foram enviados ao

Supremo Tribunal Federal como manifestação de apoio. Mas parece que o ato

mais relevante desse episódio foi o fato de milhares de eleitores terem

depositado seus títulos de eleitor no ponto de mobilização montado na padaria

do Portela, ou "Senadinho", como era conhecido. Esse protesto recebeu o

nome de "Movimento de reação contra a decisão do STF" e foi acompanhado

de um comício que se transformou numa grande manifestação política — com

a participação dos líderes autonomistas, dos candidatos a prefeito, como Hirant

Sanazar e Antonio Menk, e de representantes de partidos políticos —, na qual

foi levantada a importância de não se rasgar os títulos, já que o voto

representava a arma que a população tinha contra os poderosos.

Finalmente, em 17 de janeiro de 1962, o Supremo Tribunal Federal,

reunido em Brasília, ratificou a Lei nº 5.121 que criava o município de Osasco.

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Em 4 de fevereiro de 1962, ocorreram as eleições que escolheram os primeiros

prefeito, vice-prefeito e vereadores osasquenses.

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CAPÍTULO III

ESTUDANTES/OPERÁRIOS/POLÍTICOS/MILITANTES

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A INSTALAÇÃO DE UM ORGANISMO POLÍTICO ADMINISTRATIVO:

a Prefeitura e a Câmara de Vereadores

Durante o período das lutas emancipacionistas, na década de 50,

ocorreu vertiginoso crescimento industrial e populacional no bairro. A instalação

de novas industrias, além das já estabelecidas na localidade, atraiu um

contingente cada vez maior de migrantes para a região.

As principais empresas que lá chegaram naquele período, segundo

dados da Secretaria de Planejamento da Prefeitura Municipal de Osasco,

foram: em 1951, Adamas do Brasil, Lonaflex e Rilsan Brasileira; em 1952,

Benzenex Cia. Brasileira de Inseticidas; em 1954, Induselet S/A Ind de

Materiais Elétricos Charleroi e Industria Alves e Reis; em 1955, Osram do

Brasil; em 1957, Brown Boveri Materiais Elétricos; em 1959, Ford Motor do

Brasil; em 1960, White Martins; em 1961, Resisthal e Cersa Colas e Resinas.

Segundo Fontes (2002:55), esse crescimento foi um fenômeno em toda

a Região Metropolitana de São Paulo, que "nos anos 50 foi palco de um

acelerado e diversificado processo de industrialização e urbanização". O

mesmo autor acrescenta:

A região foi a principal responsável pela elevada taxa de crescimento industrial do

país. Entre 1945 e 1960, o setor secundário cresceu em média 9,5% ao ano,

constituindo-se um dos mais acentuados processos de industrialização no período em

todo o mundo. Em 1959, quase 50% de todo o emprego fabril do país estava

concentrado no estado de São Paulo. Adicionalmente, o crescimento industrial

paulista estimulou uma grande expansão do setor de serviços na região, ampliando

ainda mais a oferta de empregos e possíveis oportunidades (Fontes, 2002:55).

Esse crescimento atraiu inúmeros trabalhadores nordestinos, mineiros,

paranaenses e do interior de São Paulo, pois, "além dos salários, a expectativa

de receber os direitos trabalhistas, ausentes nas relações de trabalho na zona

rural, foi outro fator considerado importante pelos imigrantes" (Fontes,

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2002:56); ademais, contariam com todos os atrativos decorrentes da infra-

estrutura urbana, como educação e saúde.

O autor amplia a descrição desse processo:

Em resumo, a situação de miséria no campo, a concentração fundiária e o avanço

do latifúndio sobre as terras dos pequenos proprietários, assim como as alterações

das relações de trabalho, o alto índice de crescimento demográfico nordestino e as

periódicas secas seriam alguns dos fatores que imporiam a migração como última

saída ao trabalho rural. {Os migrantes], por sua vez, atraído pelos empregos e

maiores rendimentos da vida urbana, pela possibilidade de acesso aos direitos

sociais e trabalhistas negados no campo, bem como pela maior oferta de

educação e saúde, tornariam-se proletários, preenchendo, dessa forma, a

demanda por mão-de-obra do processo de industrialização (Fontes, 2002:65).

Esse contingente de trabalhadores vinha em busca de uma vida mais

digna, pois seus integrantes acreditavam que a vida em São Paulo seria mais

fácil em comparação com as condições de vida que levavam. Mas as

condições reais eram outras.

Além da quase inexistente experiência industrial, a geração de migrantes do pós-

guerra possuía índices bastante baixos de educação formal. Refletindo a extrema

debilidade do sistema educacional brasileiro no período, particularmente nas

regiões rurais, eram significativamente altas as taxas de analfabetismo entre os

migrantes nordestinos. Um levantamento de 1962 apontava um índice de mais de

60% de analfabetos dentre os trabalhadores daquela região que se transferiam

para São Paulo [...] Para além das dificuldades intrínsecas a um mercado de

trabalho que passava por intensas transformações, os migrantes nordestinos

defrontaram-se, em sua busca por emprego, com explicitas demonstrações de

preconceito e exclusão (Fontes, 2002:79-82).

A discriminação apontada por Fontes fica evidente em dois trechos do

livro Osasco: sua história, sua gente, escrito por Hirant Sanazar, osasquense

descendente de armênios que ocupou o cargo de primeiro prefeito da cidade.

Quando apresenta a imigração européia, Sanazar faz a seguinte descrição,

que apesar de longa, vale pelo conteúdo.

Os portugueses [eram] preferentemente comerciantes de bares, empórios e

panificadoras e sempre prosperaram em razão de seus costumes regrados e

persistentes. Trouxeram no sangue e no caráter os cânticos poéticos do maior

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literato da língua portuguesa, escritos no clássico "Os Lusíadas", de Luiz Vaz de

Camões, em cujo intróito exclama epicamente: "As armas e os barões

assinalados, que da ocidental praia lusitana..., em perigos e guerras esforçados

mais do que prometia a força humana, e entre gente remota edificaram Novo

Mundo, que tanto sublimaram". De verdade, em Osasco, como em todas as

searas, eles ajudaram a levantar uma grandiosa Comunidade e a encantam

sempre com sua lealdade de conduta e seriedade de propósitos. Em São Paulo

predominaram os italianos, embarcados em Gênova, na Lombardia e na Calábria

e aqui em Osasco se multiplicaram na área central, e jamais deixaram de cooperar

com o seu desenvolvimento, enquanto seus descendentes continuam a obra

primordial dos fundadores da Vila. [...] Mas como são economizadores por hábito e

zelosos trabalhadores, acabaram prosperando vertiginosamente e se tornaram

capitães de Industria na Capital de São Paulo. Os armênios, de modo muito

arrojado, se agruparam na Várzea de Presidente Altino loteada pela Cia. Cerâmica

Industrial, e, simultaneamente às construções de seus próprios lares, edificaram

sua Igreja Apostólica São João Batista e a sua Escola, de nome Externato José

Bonifácio. Desde logo, incrementaram o Escotismo, o esporte e os corais

musicais, e seu espírito coletivista esteve ligado à saudosa Pátria [...] Tem sido

admirável a integração dos armênios no seio da coletividade osasquense, com

visível miscigenação, de forma tal que, nos tempos atuais, desponta uma robusta

e generosa Sociedade armeno-brasileira e seus descendentes ocupam as mais

expressivas missões nas áreas da economia, comércio, ciências sociais, jurídicas

e vida pública. Os eslavos, como russos, poloneses e búlgaros, lituanos também

igualmente levantaram suas igrejas, haja vista a Batista de Presidente Altino e a

Ortodoxa do Jardim Agu. A maioria destes imigrantes se engajou no então

Frigorífico Wilson, de preferência nas suas câmaras frias, cujo rigor de

temperatura eles suportavam com naturalidade, além de outras empresas da

época. Os espanhóis não se ativeram especificamente a uma profissão, mas são

hábeis comerciantes e se integraram com aquele espírito alegre e envolvente,

talvez motivados pelos ideais do romantismo dos cavaleiros andantes, que

ricamente se lê do Dom Quixote de la Mancha, de Miguel Cervantes de Saavedra.

Os japoneses, seja como feirantes e ativos mercadores de produtos utilizados no

dia-a-dia, sempre se revelaram progressistas e serenos de comportamento.

Trabalham em silencio, traduzindo muito respeito e sentimento interior. É inegável

a contribuição permanente dos imigrantes dos continentes europeu e asiático, que

transferiram aos seus descendentes a tarefa progressista pelo bem geral, em

retribuição ao hospitaleiro acolhimento que receberam do governo, do povo e das

leis liberais do Brasil (Sanazar, s/d:44-47).

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Ao se referir aos migrantes brasileiros, o texto é bem menos elogioso.

Aqui chegaram embarcados nos toscos e humilhantes "paus-de-arara", caminhões

cobertos de lona, apinhados de adultos e crianças desnutridos, pálidos, de rostos

e mãos esturricados pelo sol e o pó das intermináveis estradas. Era uma longa e

homérica travessia destes brasis infindos. Apresentavam-se esfalfados pela

miséria, o desemprego, a doença, com olhares vazios projetados para o imenso

"nada", comendo e bebendo aqui e acolá em condições desumanas e

incrivelmente agressivas para com a sua dignidade. Eram os flagelados da vida

nômade, injusta e agreste. Seu destino? A grande a avassaladora Capital do

maior Estado do País, São Paulo e suas cidades satélites, notadamente Osasco, e

mais precisamente Presidente Altino, Rochdale, Helena Maria, Munhoz, Baronesa,

Santo Antonio, Roberto, Veloso, D’Avila e outros (Sanazar, s/d:64-65).

Pela forma enobrecedora como este autor se refere ao europeu e pela

maneira piedosa como descreve o migrante, fica patente a representação

preconceituosa que pairava sobre as relações sociais vigentes em Osasco no

momento da sua emancipação.

O relato de Sanazar mostra ainda como se dava a ocupação física da

cidade. Confirma que, na região central, com maior infra-estrutura urbana e de

ocupação mais remota, estavam instalados os descendentes dos primeiros

imigrantes, vindos do exterior; enquanto isso, ao migrante brasileiro restava a

ocupação mais periférica, onde proliferavam bairros precários como Rochdale,

Jardim Helena Maria, Jardim Munhoz, Jardim Baronesa, Jardim Santo Antonio,

Jardim Veloso, Jardim Roberto, Jardim D’Avila, Vila Ayrosa, Vila dos Remédios, etc.

O antigo subúrbio cresceu graças a ligação ônibus-trem, e uma série de

fatores alterou a estrutura da cidade.

O processo de crescimento demográfico de Osasco nunca foi tão intensificado

como no início dos anos 60, registrando-se nos primeiros 4 anos da década, uma

taxa de incremento anual de 10,8% contra 5,7% para o município de São Paulo.

Isto significa que a população aumentou aproximadamente 22.250 pessoas ao

ano. Assim, se em 1960 a população era de 114.000 pessoas, em 1964 esta cifra

se eleva para aproximadamente 205.000. Osasco, apesar da emancipação que

ocorre apenas na dimensão político-administrativa, estava estreitamente vinculada

a São Paulo. O novo município se compunha de um conjunto de bairros

desarticulados entre si que mantinham com os bairros paulistanos relações de

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dependência mais estreita do que com o seu próprio centro. Evidentemente, este

crescimento demográfico é um forte índice de que o antigo subúrbio ganhava

rapidamente uma nova função: a de cidade-dormitório. O que permite explicar este

novo caráter é menos um aumento quantitativo do parque industrial, e por

conseqüência da oferta de empregos, e mais a disponibilidade de terrenos a

preços acessíveis, o que permitia a muitas famílias de trabalhadores concretizar

um projeto cada vez mais arraigado em suas aspirações: instalar-se em casa

própria (Rizek, 1988:40).

Outro elemento que reforça esses dados é a constatação de que, entre

1962 e 1965, enquanto os empregos aumentam 1.000 por ano, a população

local cresce a uma cifra de 15.000 habitantes, o que altera de maneira notável

o espaço urbano em Osasco.

Alguns eixos comerciais do centro do município constituem uma oferta de

consumo típica dos bairros da periferia: vestuário, alimentos, materiais de

construção. Do ponto de vista da moradia, Osasco já era um mar de casas

autoconstruídas, onde se destacam a precariedade e a instabilidade que

permeavam as condições de vida da população (Rizek, 1988:42).

Foi nessa configuração física e social que, em 4 de fevereiro de 1962,

ocorreram as primeiras eleições municipais. Para este efeito, atuavam no

recém-criado município nada menos de 11 agremiações políticas: o Partido

Democrata Cristão (PDC), o Partido Liberal (PL), o Partido Republicano (PR),

o Partido de Representação Popular (PRP), o Partido Rural Trabalhista (PRT),

o Partido Socialista Brasileiro (PSB), o Partido Social Democrático (PSD), o

Partido Social Progressista (PSP), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), o

Partido Trabalhista Nacional (PTN) e a União Democrática Nacional (UDN).

Poe essas siglas quatro candidatos competiam pelo cargo de prefeito (Antonio

Menck, pelo PDC, Fuad Auada pelo PSP, Hirant Sanazar pelo PRT e Nicolau

Atra pelo PTB) e quatro para o de vice-prefeito (Albertino de Souza Oliva pelo

PSD, João de Oliveira,∗ Marino Pedro Nicoletti pela coligação PTN-PDC-UDN e

Roberto Pignatari pelo PTB).

Para essas eleições, conforme Reinaldo de Oliveira:

∗ Não consegui obter informações acerca do partido pelo qual Oliveira se candidatou.

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AUTONOMISTAS NÃO POSTULAVAM CARGOS POLÍTICOS: Havia um

compromisso entre nós [emancipadores] no qual acordávamos que não iríamos

postular cargos políticos. Nenhum de nós nos candidataríamos, mas apoiaríamos

como candidato a prefeito o Menck. E ele aceitou financiar a campanha, pois era,

na época, o homem mais rico de Osasco ("A emancipação vista pelos seus

organizadores", Osasco, Secretaria de Educação e Cultura. Biblioteca Municipal

Monteiro Lobato, s/d, Movimentos sociais e políticos, documento fotocopiado).

Além de Menck, candidato natural dos autonomistas e representante de

Jânio Quadros na política local, figuravam na disputa Auada, liderança política

de Adhemar de Barros em Osasco, e o advogado descendente de armênios

Sanazar, que já ocupava uma cadeira de vereador na Câmara de São Paulo,

onde representava pelo antigo bairro de Osasco.

Ao final do pleito, Sanazar se elegeu, tendo como vice o engenheiro

Nicoletti. As bancadas da Câmara Municipal de Osasco, integrada por 23

vereadores, ficaram assim constituídas: PDC, seis vereadores; PR, dois; PRT,

três; PSB, dois; PSD, três; PTN, quatro; e UDN, três.

Segundo o jornalista Antonio Júlio Baltazar, em sua coluna do jornal

Correio Paulista, de 17 de setembro de 2004, "todos apostavam suas fichas

nos candidatos Auada e Menck. O jovem Hirant era, na época, o que se

poderia chamar de 'grande zebra'". Mas, segundo a professora Helena

Pignatari, aquele resultado teve uma razão:

— O Hirant ganhou porque tinha mais traquejo político. Ele tinha

sido vereador em São Paulo, então ele conhecia os meandros todos. Na

eleição, ele já sabia como fazer uma campanha e os outros todos [eram]

neófitos (Helena Pignatari Werner, entrevista à autora em 19/5/2004).

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DA CONVIVÊNCIA ESCOLAR PARA AS ENTIDADES ESTUDANTIS:

o Grêmio, a UEO e o CEO

No início dos anos 60, os estudantes secundaristas de Osasco

desempenharam intensa atividade política, tanto que, como informou João

Gilberto Port em entrevista concedida à autora em 8/7/2004, a vitória de sua

candidatura à vereança na primeira eleição municipal, em 1962, só foi possível

porque pode contar com a participação e o apoio daquele segmento.

Em 1963, segundo Eduardo Rodrigues (também entrevistado pela

autora em 8/7/2004), a Câmara Municipal de Osasco chegou a ser paralisada a

partir de uma mobilização que teve início no Grêmio Estudantil do Ceart, contra

o aumento dos salários dos vereadores recém-empossados. Port descreve o

episódio da seguinte forma:

— [Foi] a primeira vez que houve na Câmara de vereadores um

grupo cuja maior preocupação era a fixação de subsídios e eu não

concordei com a hipótese e levei para os estudantes. Menina, fizeram

um movimento na porta da Câmara, que se via vereador saindo para

tudo quanto é lado (João Gilberto Port, entrevista concedida à autora em

8/7/2004).

Ele conclui, afirmando que, a partir dessa mobilização, "foi mantido [para

os vereadores] um salário razoável para a época".

Questionada se recordava esse fato, a professora Helena Pignatari

afirmou "— Nós cercamos a Câmara" e acrescentou:

— Aí começam a aparecer as lideranças políticas nas escolas.

Então isso era comentado. Mas na realidade quem morava em Osasco

era eu. E, na hora que os alunos cercaram a Câmara Municipal, o único

professor que estava ali comandando o pessoal era eu, porque eu

morava lá. E a sessão era à noite, então os professores da manhã e da

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tarde não participaram. Participaram os professores da noite, se

quisessem, mas a escola ficou vazia, eles foram embora. Eu morava lá,

fui com os alunos (Helena Pignatari Werner, entrevista concedida à

autora em 19/5/2004).

Um pesquisador desses eventos comenta:

Quando recém-instalada a Câmara Municipal, que muitos moradores viam como

seu órgão de representação, os vereadores eleitos, em uma de suas medidas

tomadas, decidem fixar os seus vencimentos em nível até duas vezes superiores

aos subsídios dos vereadores da Capital. Imediatamente se desencadeou uma

reação tão forte que os vereadores foram obrigados a voltar atrás na decisão e

adotar um regime de não remuneração durante toda a legislatura daquele ano. Em

menos de 24 horas, noticiada a primeira decisão da Câmara, estudantes e

populares, tendo Reinaldo de Oliveira entre eles, organizaram uma manifestação

que praticamente sitiou a Câmara durante uma de suas sessões, colocando os

vereadores em fuga, ocupando o prédio onde se realizavam os trabalhos do

legislativo e destruindo todo o recinto das reuniões, móveis, cadeiras, etc. Dessa

forma, diante de uma medida que consideraram contrária ao espírito do

movimento, um setor da massa que tinha sido mobilizado pelo movimento reage

através de uma iniciativa que demonstrava que os seus horizontes não se

limitavam às simples reivindicações imediatas nem aos limites do protesto urbano

(Moisés, 1978:353).

A União dos Estudantes de Osasco (UEO) nasceu com a cidade, em

1962, e sua origem foi descrita por Orlando P. Miranda.

A União dos Estudantes de Osasco foi institucionalizada em 1962 pelos mesmos

estudantes que haviam participado do movimento autonomista, e ainda sob sua

inspiração. Só havia ginásios no centro [Ceart] e em Presidente Altino [Gepa],

sendo, portanto, natural que o movimento dos estudantes surgisse como um

desdobramento da conquista da autonomia (Miranda, 1987:47).

Esclareça-se que, nesse relato, Miranda refere-se aos ginásios

estaduais, uma vez que mais duas outras escolas secundárias particulares

atuavam na região central da cidade: o Colégio Nossa Senhora da

Misericórdia, de clientela feminina, e o Colégio Técnico de Contabilidade

Duque de Caxias.

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Por sinal, essas duas escolas eram constantes rivais do Ceart nas

competições esportivas, e havia uma disputa ferrenha para decidir qual dos

três estabelecimentos mantinha a melhor fanfarra. A fanfarra do Ceart

constituía motivo de orgulho para a escola e era mantida pelo grêmio, que,

conforme a professora Helena Pignatari, se desdobrava para mantê-la: "— O

Grêmio mantinha a fanfarra, a roupa da fanfarra cada um tinha que cuidar da

sua, comprar a sua, que era cara."

Para além das disputas esportivas, havia intensa campanha junto aos

alunos e alunas dessas escolas quando das eleições para a UEO. Em 1963, a

direção da entidade foi disputada por lideranças vinculadas a posições de

esquerda de um lado e, de outro, Francisco Rossi de Almeida, que dispunha de

uma máquina bem montada e se manifestava por meio de um discurso em que

identificava seus opositores como comunistas.

A conexão autonomista desde logo emprestava ao movimento estudantil um

prestígio político institucional, e a UEO cedo tornou-se um aparelho cobiçado. Na

eleição de 1963, Gabriel, com suas correntes de apoio e sua plataforma

reformista, teve de enfrentar um estudante recém-matriculado, Francisco Rossi de

Almeida, que se dizia cristão e, com uma máquina bem montada, levou a

campanha para o plano ideológico. [...] Gabriel venceu, e bem, as eleições. Mas a

tônica da campanha demarcara definitivamente a União dos Estudantes como um

órgão político. A organização de jogos esportivos, o atendimento de problemas

específicos de estudantes locais, embora cuidados, constituíam uma dimensão

secundária da entidade, que atuava principalmente como força política no plano

local, no respaldo à atuação nacional de João Goulart, na conexão e na

organização do movimento estudantil em seu sentido mais amplo. Claro está que,

num primeiro momento, toda essa movimentação era inteiramente distante e

desconhecida do conjunto dos trabalhadores. Estava restrita ainda ao centro, à

política local, aos estudantes. Mas haveria pontos de conexão bastante próximos

(Miranda, 1987:47-48).

Confirmando a crescente importância política da UEO e o papel

desempenhado pelos estudantes na eleição de João Gilberto Port,

transcrevemos a seguir o depoimento de Gabriel Figueiredo:

— Em 1963, eu fui eleito presidente da UEO. Nossa chapa

chamava-se "Ação-63" e vencemos a chapa "Bandeirantes",

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encabeçada por Francisco Rossi. Em 1962, o movimento estudantil de

Osasco, apesar da UEO já existir, visto que nasceu nas lutas

emancipacionistas, tinha pouca expressão. Nesta época, e nas mãos

dos poucos universitários existentes na cidade, aglutinou-se em torno do

nome de João Gilberto Port e elegeu-o vereador. Port foi um dos

fundadores da UEO e chegou a cumprir vários mandatos como

vereador, chegando até à condição de vice-prefeito de Osasco (Gabriel

Roberto Figueiredo, em depoimento escrito concedido à autora em

7/9/2005).

A sede da UEO funcionava numa rua do centro de Osasco, a Rua

Antonio Agu, e ficava em cima do Bar Central, ponto de encontro dos

estudantes, ao lado do consultório do dentista e professor de Matemática

Fortunato Antiório, que também era tio do Gabriel Figueiredo e, segundo

Eduardo Rodrigues, cedia a sala anexa ao consultório, "talvez porque seu filho

também fosse operário/aluno do ginásio e convinha manter boas relações com

uma entidade que apoiava o governo federal". Em 1963, a UEO obteve um

terreno doado pela Prefeitura para que futuramente construísse sua sede.

A criação do município, em 1962, além de resultar no estabelecimento

de um organismo administrativo local, também acarretou a instalação de uma

sede própria para o Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, que, até então,

funcionava como uma seção do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo,

dirigida por Conrado Del Papa:

Conrado Del Papa, militante do Partido Socialista, chegou a Osasco como

delegado do Sindicato dos Metalúrgicos da capital para instalar e gerir a subsede

local. Veio no início dos anos 50 e durante toda essa década dirigiu a política

sindical, que consistia fundamentalmente na aplicação da linha mais geral do

sindicato paulistano. Assim, a ação operária não passava por mediações locais

nem tendia a se organizar lutas específicas. A participação concretizava-se em

São Paulo, com as delegações enviadas às assembléias da categoria, as

manifestações da classe, as passeatas de protesto, onde a representação

osasquense, em regra, aparecia como significativa (Miranda, 1987:52).

Miranda acrescenta:

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Com a autonomia, os sindicatos locais, Papa à frente, trataram de criar o Sindicato

dos Metalúrgicos de Osasco, desligando-se de São Paulo. Puderam ficar no

prédio da Rua Erasmo Braga (que mais tarde foi comprado do Sindicato de São

Paulo) e com algum equipamento (inclusive a lambreta, depois devolvida à

capital), mas tiveram cortada qualquer possibilidade de apoio financeiro. Enquanto

não auferiram recursos próprios pelo pagamento de contribuições e do imposto

sindical, a nova entidade foi virtualmente patrocinada pelo dono de um bar vizinho

ao Sindicato. Em 1963, superados os problemas legais e organizacionais, elegeu-

se a primeira diretoria. Papa tornou-se presidente, em chapa única de ampla

matriz, com o respaldo do Partido Comunista. A Frente [Nacional do Trabalho],

recém-organizada, representou-se na diretoria (através de Roberto, da

Manutenção) e participou de forma expressiva das eleições. A diretoria política,

naturalmente, permaneceu a mesma, voltada para o quadro de amplas alianças e

o chamamento à participação nas causas populares nacionais. Entretanto, o

sindicato passou a buscar de maneira mais intensa a solução dos problemas

específicos das indústrias de Osasco, e a se vincular aos problemas da cidade

(Miranda, 1987:53-54).

Outra entidade de luta que merece destaque nesse período é a Frente

Nacional do Trabalho (FNT), que, a partir de 1962, atuou ao lado do Sindicato

dos Metalúrgicos, representando a forma organizacional para a aplicação da

política operária da Igreja Católica e tendo como seu principal dirigente

Albertino de Souza Oliva, que já havia ocupado o cargo de chefe do

Departamento de Pessoal da Cobrasma e que havia "mudado de lado".

Albertino participou da campanha de Emancipação, retomou os estudos em Direito,

acompanhou os pensadores cristãos, freqüentou a Igreja e suas reuniões. Julgava-se

um bom cristão. Um dia disseram-lhe que não era, e ele ficou pensativo. Com o

tempo, os gritos se espaçaram, o sorriso aumentou, deixando de parecer sarcástico. A

empresa já não podia tê-lo como um executor silencioso de diretrizes superiores;

algumas reivindicações buscavam nele um canal representativo para a negociação.

Em 1962, com a formação da Frente, estimulou e advogou a formação da Comissão

de Empregados (a "Comissão dos Dez") para discutir diretamente os problemas com

a gerência. Um dia ele foi inquirido com propósitos que lhe pareceram claros sobre

quem seriam os autores, os cabeças de determinada reivindicação. Ele se negou a

responder. Mudara de lado e, após um curto exílio no Escritório Central de São Paulo,

foi demitido [da Cobrasma]. No dizer jocoso dos estudantes, o único caso comprovado

de um "estalo de Vieira" (Miranda, 1987:49).

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Nessas condições,

os três aparelhos — o sindical, o estudantil e a Frente —, adaptados à nova

realidade administrativa urbana, e em fase de instalação e expansão, representam

as diferentes concepções do movimento popular: o Sindicato, e com ele o Partido

Comunista [...]; a Frente e a Igreja [...]; finalmente, a entidade estudantil, [que]

recorre com freqüência às concentrações e passeatas, em geral com o objetivo de

pressionar os poderes públicos locais para fazer pesar sua opinião política

((Miranda, 1987:56).

Nas palavras de Gabriel Figueiredo:

— A partir de 1963, a relação estudantes-operários estreitou-se. A

bem da verdade, já vinham se estreitando desde a campanha para a

emancipação, em que, ao contrário do que muitos pensam e apregoam,

não foi uma campanha exclusiva da burguesia. Liderada por esta, sim,

mas exclusiva, não. E o próprio Partido Comunista Brasileiro, de forma

bem discreta, dela participou, porque entendeu nela uma capacidade de

mobilização de massa até então inexistente na história de Osasco.

Assim, em 1963, pouco antes do golpe, o PCB, que tinha a Secretaria

Geral do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e na presidência um

aliado fiel, me convida para compor a mesa de debates sobre "A luta da

Classe Trabalhadora", com a presença do então ministro do Trabalho,

Almino Afonso, na qualidade de presidente da União dos Estudantes de

Osasco (Gabriel Roberto Figueiredo, em depoimento escrito concedido à

autora em 7/9/2004).

Para Rizek (1988), o movimento estudantil secundarista de Osasco "não

foi o único berço" de uma "jovem vanguarda", que virá a ser conhecida como o

"grupo de Osasco" e que, em 1968, liderará uma das mais importantes ações

operárias dos anos 60, a greve da Cobrasma, "mas, sem dúvida, foi um ponto

de partida imprescindível":

O movimento estudantil local toma novo fôlego e cresce. É um período de intensa

mobilização que resultará na formação de uma associação regional — o Conselho

Regional dos Estudantes da Baixa Sorocabana. Criam-se grêmios estudantis em

todos os colégios. Entretanto, é preciso distinguir o caráter do movimento

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secundarista local das mobilizações de São Paulo, que acontecem em colégios com

uma tradição de "ensino crítico", como o Vocacional e o Colégio de Aplicação da

USP. Em Osasco, ao contrário, são escolas públicas com uma composição

marcadamente mais operária que dão impulso a este ascenso (Rizek, 1988:64-65).

Para as eleições da UEO, em 1964, ao final do seu mandato, Gabriel

Figueiredo indicou Helio Bohovsky à sua sucessão. De novo, a disputa foi

contra uma chapa encabeçada por Francisco Rossi.

Segundo Rossi:

— Nós tínhamos também uma postura de esquerda, mas éramos

taxados de direita, porque não entravamos naquele esquema mais

ligado ao Sindicato — liderado pelo Papão [Conrado Del Papa] que,

comentava-se, era do Partidão. O movimento de esquerda estudantil era

muito identificado com a esquerda mais estruturada que era o Partidão,

mas eu confesso que eu não tinha uma visão muito clara a cerca disso.

É comunista: eu tô fora (Francisco Rossi de Almeida, entrevista

concedida à autora em 29/8/2005).

E Eduardo Rodrigues acrescenta:

— O Rossi era funcionário do Bradesco. Conta-se uma história de

que, para se eleger, ele, que era bonitão e encantava as garotas, teria

insinuado junto às alunas do Colégio Misericórdia que estava muito

doente e que logo morreria e que, por isso, precisava vencer as eleições

da UEO, pois era seu último desejo — até onde é verdade ou

imaginação da oposição, não sabemos (Eduardo Rodrigues, entrevista

concedida à autora em 8/7/2004).

Questionado sobre as razões que o teriam levado a ganhar a eleição em

1964, no momento em que há indicações de que a esquerda estava muito forte

na região, Rossi argumenta:

— Tenho a impressão de que os estudantes esperavam alguma

coisa naquele momento — eu não me lembro quais foram as promessas

—, mas era muito difícil fazer alguma coisa, e tinha aquela coisa dos

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20%, que era o artigo 169 na Constituição, que, se não me engano,

determinava que tinha que se gastar 20% ou 25% no município, eu não

me lembro bem, e na época a Prefeitura de Osasco não investia. Eu

lembro que eu fiz uma campanha em cima disso, e a UEO não fez a

campanha como deveria (Francisco Rossi de Almeida, entrevista

concedida à autora em 29/8/2005).

Figueiredo, por sua vez, vê outros motivos para a vitória do adversário:

— Na eleição de Rossi, eu estava preso, incomunicável, no 4º

Regimento de Infantaria de Quitaúna. A vitória de Rossi se deu devido à

desmobilização do movimento estudantil impactado em grande parte

pela minha prisão. Eles estavam sem rumo e sem liderança. Foi neste

vácuo que Rossi deu grande impulso a sua pretendida carreira política

(Gabriel Roberto Figueiredo, em depoimento escrito concedido à autora

em 7/9/2005).

Como demonstração do grau de importância que o movimento estudantil

secundarista osasquense junto às forças políticas da época, há o fato de que

Gabriel Figueiredo foi o primeiro estudante a ser preso em território nacional,

naquele período (cf. Rizek, 1988: 84).

Com o golpe militar de 1964, quando Rossi era o presidente da União

Estudantil de Osasco, a UNE e suas subseções foram colocadas na ilegalidade,

dissolvendo-se a UEO. Rossi descreve esse episódio da seguinte forma:

— Resolvi fazer uma greve [...] O Marino era o prefeito e tinha

doado um terreno para construir a sede da União dos Estudantes. Como

o governo extinguiu as Uniões Estudantis, o Marino pega o terreno que

era nosso, que tinha até uma escola de madeira em cima, e doou para a

Força Pública. Quer saber de uma coisa? Vamos fazer um movimento

contra a doação para a Força Pública e vamos também fazer um

movimento contra a extinção das Uniões Estudantis. Fizemos uma

convocação dos estudantes e nos reunimos ali onde é o [supermercado]

Jumbo. Juntamos acho que uns 500 estudantes na porta do prédio que

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tinha sido doado pelo Marino, em regime de comodato, para a Força

Pública. Fizemos um barulho, e a Força Pública veio lá, com uns 200

soldados. Tinha muito soldado, eles vinham em caminhões, e foi todo

mundo caindo fora, todo mundo dando no pé, e só ficamos eu, o Edgar

Domingues e o Zé Maria, ficamos nós três. Chegou uma hora, eles

pegaram a gente e levaram lá para dentro, porque era um quartel

provisório e ficamos lá. Veio o Ubirajara Silveira, que era o comandante

da Polícia Militar [do Exército] do 16º Batalhão. Iam autuar a gente, mas

não autuaram, e daí a gente entrou para aquela "lista negra" de agitador.

Como estavam proibidas as Uniões Estudantis, foi formado o CEO, se

não me engano com o atual secretário da Cultura [de Osasco], o Roque

e ai voltou o Gabriel, aquela turma toda, e nessa altura eu fiquei com

medo mesmo, porque eles iam na minha casa, na Cidade de Deus, e

foram me pegar noite lá. Eu morava com a minha mão, eu não

trabalhava lá, mas meu irmão trabalhava, minha irmã trabalhava. Eles

encostaram lá, um dia, uma kombi na porta da minha casa, 1:30h da

manhã, e fizeram o maior barulho, minha mãe doente, eu fiquei

intimidado e pensei: "Vou parar com esse negócio." Me pagaram uma

vez, ali na Antonio Agu, me colocaram numa kombi, me levaram lá na

delegacia, eu passei a maior vergonha. O dia em que eles foram na

Cidade de Deus foi o dia em que cassaram o Juscelino. Aí eu parei.

Quando surgiu o CEO, eu dei graças a Deus. Passei todo o acervo

documental da UEO para eles — eu nem sei se existe isso ainda hoje. E

me afastei do movimento, porque eu fiquei muito intimidado. Eu estava

namorando, pensando em casar, constituir família, e eu não entrei, mas

por um triz que eu não entrei (Francisco Rossi de Almeida, entrevista

concedida à autora em 29/8/2005).

Com a extinção UEO em 1964, surge o Circulo Estudantil de Osasco

(CEO). Segundo Gabriel Figueiredo, o CEO emergiu "como modelo alternativo

de organização, sem estatuto e registro, funcionando praticamente na

clandestinidade", que, com a passar dos anos e a ação repressiva dos

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militares, foi aos poucos se dissolvendo, e seus membros se ligando a outras

atividades.

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ESTUDANTES SECUNDARISTAS NA LUTA CONTRA A DITADURA

Logo após o golpe militar de 1964, o governo municipal de Osasco sofreu

intervenção, com o pretexto de acusações de corrupção e subversão. Em 26 de

maio de 1964, o Exército ocupou o prédio da Prefeitura e acomodou uma

metralhadora na sacada do prédio instalado na rua Primitiva Vianco, próximo à

Estação Ferroviária (cf. Osasco,Secretaria de Educação e Cultura, Departamento

de Cultura, Seção de Memória e Documentação do Museu Dimitri Sansoud de

Lavaud, S/d, Resumo dos fatos históricos de Osasco: 1890-1983).

O prefeito e todos os 23 vereadores foram detidos no quartel de

Quitaúna e, contrariando a Lei Orgânica dos Municípios, os edis foram

libertados apenas para retornar à Câmara, votar a vacância do cargo de

prefeito e empossar o vice-prefeito.

O engenheiro Marino Pedro Nicoletti fora eleito vice-prefeito em eleições

nas quais não havia vinculação de votos entre os candidatos a prefeito e a vice.

Compusera chapa com seu sogro, Antonio Menck, derrotado nas eleições.

Nicoletti era funcionário do Instituto de Polícia Técnica e, "segundo suas palavras

manteve-se alheio a movimentação política, até que foi chamado a assumir a

prefeitura em 29/5/64" (cf. Resumo dos Fatos Históricos de Osasco 1890-1983

(Caderno de Memórias de Osasco, II.). Depois que tomou posse como prefeito,

logo nomeou um "assessor especial" indicado pelo II Exército, o coronel

Domingos Costa Hernandez.

Desenvolveu-se então intensa luta política entre os partidários do prefeito e do

vice-prefeito, e uma grande alternância dos mesmos no poder. Marino Pedro

Nicoletti governa a princípio, de maio de 1964 a janeiro de 1965. Hirant Sanazar

retorna de janeiro de 65 a julho de 65 e Marino Pedro Nicoletti retorna

definitivamente para governar de julho de 65 a janeiro de 1966. Certa feita, por

força de um mandato de segurança, Hirant sanazar governou por apenas 24

horas. A situação era tão estranha que os funcionários e munícipes jocosamente

perguntavam qual era o prefeito de plantão. A 19 de fevereiro de 1966 encerra-se

o mandato da Câmara Municipal e o Dr. Marino Pedro Nicoletti é convidado a

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assumir o cargo de interventor, ou seja: fazendo leis e executando-as. A partir daí

até a posse do novo prefeito eleito e da nova Câmara de Vereadores, Marino

governou auxiliado por um conselho composto por representantes dos clubes de

serviços e entidades de classe (Osasco,Secretaria de Educação e Cultura,

Departamento de Cultura, Seção de Memória e Documentação do Museu Dimitri

Sansoud de Lavaud, S/d, Resumo dos fatos históricos de Osasco: 1890-1983).

Rizek (1988:95) observa que, com a perseguição às antigas lideranças,

"é no movimento estudantil que a questão da redefinição do caráter dos

aparelhos e entidades aparecerá em primeiro lugar em Osasco" e afirma que o

movimento secundarista se rearticulou "mais rápido que o sindicato".

O jornal Primeira Hora, de 20 a 26 de outubro de 1990, em artigo pela

comemoração dos "40 anos de Ceneart", afirma que, "como principal escola da

cidade, [a instituição] agregava os que se dispunham a questionar a

repressão".

Após o golpe militar de 1964, que fechou todas as entidades estudantis, como seu

próprio grêmio e a UEO (União dos Estudantes de Osasco), as paredes do

CENEART transformaram-se em trincheiras libertárias. Estudantes do CENEART

construíram associações, por cursos, reconstruíram seu grêmio e lideraram a

fundação do CEO (Círculo Estudantil de Osasco). Organizaram salões de artes

plásticas, concursos de música, poesia e teatro, que continuaram a revelar novos

artistas (CENEART faz 40 anos pensando no passado, Primeira Hora, 20 a 26 de

outubro de 1990, p. 5).

As ações culturais desempenharam importante papel de mobilização

junto aos movimentos sociais, não só em Osasco, como em todo o Brasil — a

exemplo dos Centros Populares de Cultura (CPC), ligados à União Nacional

dos Estudantes (UNE), que, tendo por base de atuação o teatro de rua,

encenavam peças que tratavam dos acontecimentos do cotidiano e usavam

linguagem popular para atingir o grande público, além de promover cursos,

realizar filmes e documentários, exposições (gráficas e fotográficas) e festivais

de cultura popular, patrocinar gravação de discos e manter publicações. O

objetivo era "contribuir para o processo de transformação da realidade

brasileira, principalmente através de uma arte didática de conteúdo político"

(Paiva, 1973:233).

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Destacaram-se, também, os Movimentos de Cultura Popular (MCP) de

Recife:

A valorização das formas de expressão cultural do homem do povo e o estímulo ao

desenvolvimento de sua capacidade de criação funcionava no MCP, como a própria

condição de diálogo entre as intelectualidades e o povo: partia-se da arte para chegar

à análise e à crítica da realidade social. A intelectualidade participante devia libertar-se

de todo espírito assistencialista e filantrópico e, sem querer impor seus padrões

culturais, procurar aprender com o povo através do diálogo (Paiva, 1973:237).

Havia ainda o Movimento de Educação de Base (MEB), ligado a

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que,

tomando como base a idéia de que a educação "deveria ser considerada como

comunicação a serviço da transformação do mundo". Esta transformação, no

Brasil, era necessária e urgente, e, por isso mesmo, a educação deveria ser

também um processo de conscientização que tornasse possível a transformação

das mentalidades e das estruturas. A partir de então defendia-se o MEB como um

movimento "engajado com o povo nesse trabalho de mudança social",

comprometido com esse povo e nunca com qualquer tipo de estrutura social ou

qualquer instituição que pretendesse substituir o povo” (Paiva, 1973:24).

Encontram-se outras formas de expressão cultural o período, como o

Teatro de Arena e o Grupo Oficina, em São Paulo, e o Teatro Opinião, no Rio

de Janeiro, que encaravam o teatro como ferramenta política capaz de

contribuir para a mudança da realidade brasileira.

Em Osasco, por sua vez, a juventude também se mobilizou em torno das

questões culturais.

Todos lêem a crônica diária de Stanislaw Ponte Preta, sobrinho de Zulmira, a

sabia macrobiótica da Boca do Mato; primo de Altamirando e Rosamundo; a

família do Bom-Senso, do Senso Cínico, da lógica do cotidiano. Lalau, como

podem chamar-lhe os íntimos, pessoas de bom senso, erigiu-se em monumental

consciência crítica da ordem vigente, capaz de desvesti-la das aparências,

desmitificá-la, desmoralizá-la, apenas com as armas do senso comum, utilizado

com uma percepção aguda e um humor irresistível. O regime é, antes de tudo,

ridículo, diz a pena na sua luta contra a espada. E os estudantes, principalmente,

crescem com Lalau, identificam-se, se representam através dele. E também

Carlos Heitor Cony, a partir de "O Ato e o Fato". Mais ainda, Drummond, Manuel

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Bandeira, Boal, Guarnieri, os trabalhadores da música, Elis Regina. A cultura

parece aos jovens revestir-se de uma inquebrantável dignidade, pela qual se

superam, se apequenam, se desimportam as tiranias maiores. [...] Mais que nunca

é preciso contar, criar, reproduzir. Eurenides, Jesse, que queria ser "gangster",

Paulo Sérgio Machado, o que gostava de olhar as calcinhas das meninas no

recreio, produzem e publicam "O Bacamarte", jornal da escola. Bira escreve; Dudu

prefere o teatro; Marson e Afrânio compõem. E surgem textos lidos nos bares,

passados de mão em mão, depois guardados. Encenam-se peças, shows,

festivais de música. Há a questão do talento, da vocação, mas o ambiente

respalda, mostra receptividade, participa. Agir na cultura e transformar a estrutura

dos valores; é de certo modo, como estar vivo (Miranda, 1987:135).

Com o golpe militar e a intervenção nas entidades representativas dos

trabalhadores, o Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco enfrenta uma crise de

representatividade e legitimidade e passa a ter "apenas uma vida vegetativa,

funcionando como órgão assistencial". A maior expressão no movimento

operário local era a comissão de fábrica que atuava no interior da Cobrasma —

empresa da qual grande parte dos funcionários, além de operários, são

estudantes do período noturno do agora Ceneart, pois, com a instalação do

Curso Normal, em 1965, passou a denominar-se Colégio Escola Normal

Estadual Antonio Raposo Tavares.

A comissão de fábrica da Cobrasma, nascida a partir de diretrizes

propostas pela Frente Nacional do Trabalho (FNT), fora aceita pelos dirigentes

da empresa, os quais, antes do golpe militar, acreditavam que seria mais fácil

negociar com um grupo de empregados do que com as delegações de um

sindicato controlado pelo PCB. O que mais tarde se revelou o contrário, pois

permitiu uma forma de organização interna dos trabalhadores totalmente nova

para a realidade local. A partir dessa concessão, foi possível que a organização

operária se consolidasse "pela base", o que permitiu o desenvolvimento de um

movimento operário de características específicas. Essa estrutura

organizacional do operariado de Osasco foi fundamental no processo que

culminou com a greve da Cobrasma, em 1968.

Como o sindicato estava sob intervenção e muitos dos operários eram

também estudantes, tornou-se natural que as discussões sobre questões

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operárias se confundissem com as discussões estudantis e ocorressem nas

dependências da entidade estudantil que marcava sua resistência ao golpe, ou

seja, o Círculo Estudantil de Osasco (CEO). Tanto que, a nortear a elaboração

do programa proposto pela Chapa Verde que venceu as eleições para a

diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, em 1967, e voltou a dar a

este características de resistência estava "a preservação da unidade que vinha

sendo construída tanto na Cobrasma como no movimento secundarista", como

enfatiza Rizek (1988:116).

Em novembro de 1967, a significativa participação secundarista num

evento promovido contra o arrocho salarial chegou a gerar polêmica entre os

Sindicatos dos Metalúrgicos de São Paulo e de Osasco, quando José Ibrahim,

recém-saído do Ceneart, era presidente da entidade osasquense e, tanto na

comissão de fábrica da Cobrasma, como no próprio Sindicato, destacam-se

nomes vinculados às lutas promovidas pelo CEO, entidade estudantil que

resistia na cidade.

No contexto local, o movimento dos estudantes secundaristas

acabou por se constituir uma escola de militância e de prática política. Os

trabalhadores-estudantes alimentaram também, de forma compatível com a

conjuntura mais geral do seu movimento, uma outra visão de suas entidades

representativas, visão essa que supunha, como forma de viabilizá-las, sua

manutenção na clandestinidade desde a proibição de seus antigos canais de

representação e defesa. É necessário que se recorde que são estes mesmos

estudantes-operários que se integram ao movimento dos trabalhadores da

Cobrasma tentando mudar o caráter da Comissão, e que em função desse

processo posteriormente integram-se na direção do sindicato (Rizek, 1988:126).

É importante lembrar que toda essa mobilização política também foi

possível porque, nas eleições municipais de 15 de novembro de 1966, elegeu-

se prefeito o ex-líder estudantil do movimento emancipacionista, Antonio Guaçu

Dinaer Piteri, do MDB. Guaçu Piteri, como era conhecido, assumiu a Prefeitura

como opositor do regime militar e contou com o apoio expressivo do movimento

estudantil secundarista e do movimento operário local (Osasco,Secretaria de

Educação e Cultura, Departamento de Cultura, Seção de Memória e

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Documentação do Museu Dimitri Sansoud de Lavaud, S/d, Resumo dos fatos

históricos de Osasco: 1890-1983).

Além de Piteri, vários vereadores foram eleitos com o apoio dessas

forças. Seu vice, João Gilberto Port, como vimos, iniciara sua trajetória política

à frente do grêmio estudantil do Ceneart. Essa tendência persistiria até as

eleições para prefeito de 1969, quando foi eleito, também pelo MDB, o

professor José Liberatti.

O número de habitantes no município de Osasco mais do que dobrou

durante a década de 60, passando de 114.828, em 1960, para 283.073, em

1970 (Sumário de dados do município de Osasco. 1984. Escritório de

Planejamento Integral de Osasco (EPO). Autarquia Municipal. p. 46). O antigo

bairro transformava-se em grande cidade.

O Ceneart também cresceu grandemente nesse período, tanto que em

1967, de acordo com o "Livro de entrega das notas e faltas bimestrais" da

instituição escolar, ali funcionavam 64 classes, em seus três períodos (não

incluídas as classes do curso primário que funcionavam na escola): 10 classes

de 1ª série ginasial; 12 classes de 2ª série do curso ginasial; 12 classes de 3ª

série do ginasial; oito classes de 4ª série do ginasial; quatro classes de 1ª série

do curso científico; três classes de 2ª série do científico; duas classes de 3ª

série do científico; duas classes de 1ª série do curso clássico; duas classes de

2ª série do clássico; duas classes de 3ª série do clássico; duas classes de 1ª

série do curso normal; três classes de 2ª série do normal; duas classes de 3ª

série do normal.

E em 1968 já contava com 4.366 alunos (cf. CENEART faz 40 anos

pensando no passado, Primeira Hora, 20 a 26 de outubro de 1990, p. 5), apesar

do número de escolas secundárias também ter crescido na cidade. Mesmo

assim, no "Livro de candidatos à transferência para o estabelecimento" da

instituição, computamos 306 inscritos em 1967, 561 em 1968 e 669 em 1969.

Em Osasco, aquela década ficou marcada pelos elos que uniram o

movimento operário e movimento estudantil marcadamente secundarista e

suas peculiaridades — de forma tão íntima que, em alguns momentos, "mal se

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pode afirmar que os dois movimentos são externos um ao outro, tal é o grau de

imbricações e coincidências de atores" (Rizek, 1988:128).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao se examinar o processo de instalação da escola secundária em

Osasco, é importante considerar tanto as especificidades dessa instituição

naquele período, quanto as ações sociais que se desenrolaram na localidade e

deram características próprias a esses episódios.

Em termos de escola secundária, o pequeno número de ginásios

públicos existentes no início dos anos 50 — que gradativamente foram se

multiplicando — fez com que com que, ao final da década, fosse "inegável a

percepção das significativas transformações ocorridas no ensino oficial da

cidade de São Paulo em nível ginasial", embora "o número de escolas

secundárias públicas ainda [fosse] insuficiente para atender à procura que

assumia a cada dia maiores proporções" (Sposito, 1992:75). Aquela unidade

escolar mostrava-se insuficiente para atender a demanda e os exames de

admissão continuaram a excluir uma parcela de candidatos ao ginásio. Mas é

inegável que um contingente estudantil oriundo das camadas operárias da

sociedade local e que antes não tinha acesso à essa escola começa a poder

freqüentá-la, principalmente quando, em 1963, o prédio próprio foi inaugurado.

Apesar de toda a debilidade de infra-estrutura, esse conjunto de

operários/estudantes, que conheciam as dificuldades da vida do trabalho, teve

o privilégio de conviver com um seleto corpo docente que fora formado no

período em que essa função ainda era privilégio de poucos — pois o quadro de

professores da rede pública, em função do reduzido número de escolas, era

pouco extenso e seu processo de seleção podia ser mais rígido, como lembra a

professora Helena Pignatari Werner.

— No começo de 54, eu prestei um concurso público, em que nós

tínhamos uma prova escrita duríssima, uma prova oral em público e uma

aula didática. Então, essa prova foi feita na USP. A aula foi no Colégio

Pedro II, em São Paulo, ali naquele caminho que vai pra Mooca, onde

tem a Secretaria da Fazenda, descendo um pouco, antes da praça, ali

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tinha o Colégio Pedro II, estadual. Tudo isso com banca. Na prova oral,

nós sorteávamos, 24 horas antes, de uma lista de 40 questões — que

você tinha que preparar as 40, porque te davam 24 horas pra você fazer

uma dissertação sobre um assunto. Isso era público: você subia numa

espécie de um púlpito, expondo, durante 40 minutos, as suas questões,

para ser aprovado (Helena Pignatari Werner, entrevista concedida à

autora em 19/5/2004).

Entre tantos outros, vale destacar o privilégio que aqueles estudantes

tiveram de contar com profissionais do gabarito do professor Emir Macedo

Nogueira, o qual, além de docente de Português no período noturno, atuava

como jornalista no período diurno, chegou a ocupar o cargo de secretário de

Redação na Folha de S. Paulo, foi eleito presidente do Sindicato dos Jornalistas,

em 1981, e, segundo Eduardo Rodrigues "influenciou toda a sua geração".

No início do processo de expansão da escola secundária, que

definitivamente se consolidaria a partir dos anos 70, ainda se encontra a escola

que defende a expressão para a formação crítica.

O ensino público da época, contudo, era de primeira qualidade, superando

largamente as entidades particulares. Logo a disputa por uma vaga num colégio

estadual se transformaria numa verdadeira guerra [...] Desde o final dos anos 50 e

principalmente durante a turbulenta e criativa década de 60, o Ceneart juntou seu

nome à história de Osasco e sua fama ultrapassou os limites da cidade, atraindo

estudantes dos municípios vizinhos e da Capital (CENEART faz 40 anos pensando

no passado, Primeira Hora, 20 a 26 de outubro de 1990, p. 5).

O mesmo periódico, na mesma matéria, afirma que os professores do

Ceneart formaram "a primeira geração de artistas da então nascente cidade de

Osasco".

Junte-se a essas especificidades o fato de que o movimento

emancipacionista que se desenrolou entre 1953 e 1962 proporcionou um

espaço de envolvimento dos estudantes/operários osasquenses com as

questões políticas do lugar, familiarizando-os com a prática de atuar de forma

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participativa em ações sociais mais amplas. Isso leva a afirmar que, em alguns

momentos, mal se pode perceber um movimento social como externo ao outro.

Para concluir, se não consegui analisar a fundo todos os textos que

pretendia, nem todos os documentos que deveria, nem conversei com todos os

atores desse episódio, pois o tempo e solicitações inesperadas impediram-me

de realizar o projeto que almejava, tenho bem claro que estes obstáculos não

me atingem exclusivamente nem justificam as possíveis falhas. Contudo,

espero que este seja o ponto de partida para desenvolver outras pesquisas e

que as lacunas remanescentes possam ser preenchidas.

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Anexo 1 DEPOIMENTO DE EDUARDO RODRIGUES (nascimento: dez/42)

- Em 1957, entrou no 1o. ginasial noturno, ainda no prédio do Grupo

Escolar Marechal Bittencourt.

- acredita que neste momento já encontrou o grêmio funcionando na

escola.

- Professores que influenciaram a sua geração:

- Emir Macedo – professor de português no período noturno e jornalista

no período diurno:

• Chegou a ser Secretário de Redação da Folha de

São Paulo e

• Presidente do Sindicato dos Jornalistas

• Influenciou a movimentação dos estudantes em

torno do grêmio.

• Apesar de polido e reservado, tinha espírito de

liderança forte e era bastante esclarecido, além de

apresentar visão crítica (até por ser jornalista) dos

fatos.

- Hélio de Filosofia – Eduardo não tem certeza, mas parece que veio

transferido do interior por problemas políticos.

• as meninas do colégio suspiravam por ele, o que

causava a ira dos alunos que, apesar de admirá-lo,

o viam como um rival.

• era comunicativo e expansivo.

• casou-se com uma aluna (das mais cobiçadas) do

colégio.

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- Contou uma história do prof. Emir, bastante pitoresca:

... o portão do colégio fechava às 19 horas e depois disso ninguém mais

entrava.

Certo dia um aluno foi pego pelo inspetor (sr. Mane – apelido: Compostura)

ao pular o muro para entrar no colégio e foi levado para a diretoria onde

recebeu uma suspensão.

O professor Emir, que não costumava ser de espalhafatos, tomou as dores

do aluno e foi à diretoria onde argumentou com o diretor (Walter Silvio

Dominas), que não havia lógica aquela punição, uma vez que, pela primeira

vez um aluno pulava o muro para entrar na escola e não para sair.

- Além dos alunos do ginásio estadual, havia ainda secundaristas de dois

outros colégios particulares locais:

Colégio Nossa Senhora da Misericórdia (as meninas que

podiam pagar) fundado por freiras, em 1943, e que

formava normalistas (quem não podia pagar o Misericórdia

tinha que ir estudar o normal no Colégio Anhanguera, que

ficava na Lapa)

Colégio Duque de Caxias (os meninos que podiam pagar),

que formava técnicos em contabilidade.

- Ser estudante secundarista representava status junto aos jovens da

localidade.

- Quem não passava no exame de Admissão do GEART virava paria

local, ninguém dava prestígio.

- Só se projetava na sociedade entrando no ginásio.

- As meninas só queriam namorar os meninos que estivessem no ginásio.

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- Quem não tinha dinheiro, tinha que se projetar intelectualmente para

fazer parte da elite.

- No ginásio encontrava-se o filho do comerciante, do sapateiro, do

operário, e todos tinham por ideal o reconhecimento intelectual.

- As classes eram heterogêneas, pois as mais diferentes faixas etárias

estudavam juntas no noturno (de 11 a 40, 50 anos), mãe e filha

chegaram a estudar na mesma classe.

- No movimento pela emancipação de Osasco, que durou de 1953 a

1962, existe a participação dos estudantes da escola, muitas vezes

influenciados pelos professores ou por grande parte desses alunos que

já era bastante adulto para entender o que se passava na política local.

- A UEO é anterior ao CEO – parece que o CEO foi criado quando a UNE

caiu na ilegalidade e, portanto, caiu também as UEE’s,

Nessa época já existiam outros ginásios em Osasco: pelo

menos o GEPA já existia.

Em 63, o grêmio do CEART paralisou a Câmara de

Osasco contra o aumento dos salários dos vereadores

recém-empossados em Osasco.

Em 1963, o presidente era o Gabriel Figueiredo.

A sede ficava na Rua Antonio Agú, em cima do bar Central

(ponto de encontro dos estudantes).

A sede ficava ao lado do consultório dentário do Dr.

Fortunato Antiório, que cedia a sala para a UEO. Ele foi

professor de matemática do ginásio e fazia parte do Rotary

Club local e, ainda, tinha um filho que trabalhava na

Cobrasma durante o dia e à noite era estudante do ginásio

(José Antiório – apelido: Pingüim - é presidente do Rotary

Club ainda hoje).

Era período do governo Jango e a UEO apoiava o governo.

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A UEO sofria influência da célula do PC em Osasco (Papa,

Lino, Sergio Zanardi).

Por que um Rotariano (que não era PC, é claro) cederia

uma sala para a UEO?

Talvez porque seu filho também fosse operário/aluno do

ginásio e convinha manter boas relações com uma

entidade que apoiava o governo federal.

As eleições para a UEO eram disputadas e as chapas

faziam campanha tentando ganhar adeptos, além do

CENEART, nas outras escolas locais como: GEPA,

Misericórdia e Caxias.

Em 1964, no fim do mandato do Gabriel, que indica o Helio

Bahovski como candidato à sucessão, aparece como

oposição a essa chapa: Francisco Rossi de Almeida.

O Rossi era funcionário do Bradesco. Conta-se uma

história que para se eleger, ele, que era bonitão e

encantava as garotas, teria insinuado junto às alunas do

Colégio Misericórdia que estava muito doente e que logo

morreria e que, por isso, precisava vencer as eleições da

UEO, pois era seu último desejo - até onde é verdade ou

imaginação da oposição não sabemos.

Em 1966, Guaçu sai candidato a prefeito de Osasco e

recebe o apoio dos estudantes de Osasco e se elege.

- Com a UNE na ilegalidade nasce o CEO

Em 68, o presidente era o Eduardo, que já cursava a USP

e seu vice era o Zequinha Barreto (José Campos Barreto).

A cúpula do movimento estudantil em Osasco já estava na

universidade, mas ainda carregava origem secundarista e

mantinham elos com os secundaristas locais.

No governo Guaçu Piteri, a prefeitura pagava o aluguel do

CEO que ficava na Rua Antonio Agú, quase esquina com a

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Marechal Rondon, numa sala no primeiro andar de um

prédio comercial.

Roque participa do CEO (tinha origem no ginásio do

Helena Maria e depois o GEPA e CENEART).

Luizão foi liderança e veio do Julia Lopes de Almeida, no

Rochdale.

Do Caxias vieram: Antonio Salgueiro e João de Deus

Pereira Filho.

Antes disso, ainda quando UEO, já se buscava forças junto

às escolas particulares (Misericórdia e Caxias) e estaduais

que começam a funcionar.

68 – invasão do CEO pela repressão.

. Osasco já tinha 2 grandes escolas públicas (CENEART e GEPA), além das 2

particulares.

. Os jovens de Osasco normalmente trabalhavam como funcionários do

Bradesco ou das metalúrgicas (principalmente grupo Cobrasma).

. Essas duas frentes tinham 2 sindicatos fortes (metalúrgicos e bancários).

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Anexo 2 ENTREVISTA COM FRANCISCO ROSSI DE ALMEIDA, REALIZADA EM

29/08/05

- Concluiu o Curso Ginasial, em 1955, no G. E. de Agudos, tendo cursado

o 1o. semestre do 3o. ginasial no GEART, Osasco.

- No começo de 1956 mudou-se para Osasco.

- Primeiramente fez Curso Técnico de Contabilidade, em São Paulo.

Trabalhava no Bradesco, à tarde, e fazia curso técnico pela manhã. Nos

dois últimos anos trabalhava durante o dia, no Bradesco, e fazia o curso

à noite.

- Fez curso técnico de contabilidade seguindo os passos do pai, que

também foi contador e bancário, além de lecionar em curso preparatório

para concursos.

- Depois, em 1963, começou o Curso Clássico no CENEART, como

preparatório para ingressar na faculdade de Direito.

- No segundo Clássico prestou vestibular para a Faculdade de Direito e

entrou em São José dos Campos, abandonando o curso Clássico.

PERGUNTA - Havia atividades, na escola, no final de semana?

RESPOSTA - Não me lembro – se tinha eu não participava. Não participava,

seguramente, eu não participava.

PERGUNTA - Você diria que o Curso Clássico influenciou a sua cidadania?

RESPOSTA - Influenciou porque naquela época se discutia muito política

dentro da escola, a gente participava de muitos movimentos contra o governo,

contra o prefeito – e havia uma corrente de esquerda muito forte no CENEART

e eu não gostava muito dessa posição de esquerda radical, eu era mais

moderado e eu era taxado de direita, porque não fazia parte daquele

movimento estudantil que freqüentava o sindicato dos metalúrgicos.

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PERGUNTA - Você tinha alguma filiação partidária?

RESPOSTA - Não – eu tinha assim uma visão – talvez influenciada pelo

interior - contra o comunismo – eu tinha uma visão distorcida do que seria o

comunismo.

- Porque meu pai era do Partido Comunista e a gente sofreu muito dentro de

casa – eu não tenho muito clara essa participação dele, mas eu me lembro que

a gente comentava que ele era comunista e a minha mãe, o pessoal dentro de

casa detestava isso.

PERGUNTA - Qual era o seu grupo dentro da escola?

RESPOSTA - Eu liderava um grupo que tinha o Alexandre (não se lembrou do

sobrenome), o Lincon, que depois entrou na esquerda bem radical e o

Espinosa. Era um grupo mais moderado.

- Nós tínhamos também uma postura de esquerda, mas éramos taxados de

direita, porque não entravamos naquele esquema mais ligado ao sindicato -

liderado pelo Papão que, comentava-se era do Partidão.

PERGUNTA - Havia linha divisória entre o movimento operário e o movimento

estudantil ou era um movimento só?

RESPOSTA - O movimento de esquerda estudantil era muito identificado com

a esquerda mais estruturada que era o Partidão, mas confesso que eu não

tinha uma visão muito clara a cerca disso. É comunista: eu tô fora.

- Depois eu vi quanto equivoco cometi achando que era uma coisa e era outra.

O Papão era um idealista, era uma pessoa que lutava pelos direitos dos

operários, se posicionou contra o governo militar e eu tive aquela coisa de me

filiar pelo movimento estudantil – como o pessoal mais de esquerda se filiou ao

MDB, e como eram dois partidos, eu acabei me filiando à ARENA, pois nasceu

em mim o desejo de disputar as eleições em Osasco e eu fui parar na ARENA

– tive a maior dificuldade para ser candidato porque eu era tido como de

esquerda. Dentro da ARENA eu era tido como comunista. Tive a maior

dificuldade, não foi fácil conseguir a candidatura. Fizeram a intervenção na

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ARENA para que fosse o Enio Grup candidato, no meu lugar, e nós ganhamos

aquela convenção. Eles achavam que a gente era comunista – agitador.

PERGUNTA - Você tinha participação no Grêmio, na Fanfarra...?

RESPOSTA - Eu gostava da Fanfarra e tudo que eu podia fazer para ajudar a

Fanfarra – era o Helio Barrovisk que dirigia a Fanfarra – Tinha um pessoal legal

na Fanfarra, mas eu nunca tive vontade de participar porque era um regime

quase que militar a Fanfarra e o HB era severo – era quase que militar, tinha

que marchar era muito bem organizada e a Fanfarra do CENEART era

maravilhosa.

PERGUNTA - Você ganhou a presidência da UEO ou do CEO?

RESPOSTA - Da UEO. Eu disputei a eleição de 63, perdi para o Gabriel. Mas

aí o pessoal da esquerda, que era ligado ao sindicato, acabou tendo problemas

com o exército, eu não me lembro bem quem foi que criou caso com eles. Eles

tinham problemas, parece que foram presos, eu não me lembro bem e eu tinha

problemas com a Força Pública – era uma coisa interessante, porque o

exército não sei porque motivo foi para cima do pessoal do PC e como eu não

tinha vínculo com o PC a Força Pública veio para cima de mim. A ponto de ir à

minha casa, me levar para a delegacia, me deixar lá à noite. Uma coisa muito

interessante.

- Disputamos as eleições em 63 e perdemos por poucos votos e aí em 64

tornei a disputar a eleição e ganhamos estourado.

PERGUNTA - A que você atribui ter ganho a eleição em 64, quando temos uma

série de indicativos de que a esquerda estava muito forte na região?

RESPOSTA - Tenho a impressão de que os estudantes esperavam alguma

coisa naquele momento – eu não me lembro quais foram as promessas – mas

era muito difícil fazer alguma coisa e tinha aquela coisa dos 20%, que era o

artigo 169 na Constituição, que se eu não me engano, determinava que tinha

que se gastar 20% no município, eu não me lembro bem ou 25%, e na época a

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prefeitura de Osasco não investia. Eu lembro que eu fiz uma campanha em

cima disso e a UEO não fez a campanha como deveria.

PERGUNTA - Você teve algum apoio nessa campanha?

RESPOSTA - Não, eu tive o mesmo apoio – tinha o Bradesco que fazia

material para o Gabriel e fez para mim também – eu fui cobrar lá no Banco,

porque se ele fez para eles eu quero também.

PERGUNTA - A que você atribui o fato do Bradesco fazer esse material?

RESPOSTA - É uma coisa curiosa, na época eles ajudavam todo mundo. Se

aparecesse alguém pedindo alguma coisa lá, eles ajudavam – se aparecesse

um jornal, eles ajudavam – se fosse movimento estudantil, eles ajudavam – eu

senti que o Bradesco queria ter uma interação com a comunidade de Osasco.

- Porque a Cidade de Deus por ser dentro de Osasco – O Amador Aguiar

apoiava todo mundo, se você fosse lá pedir móveis, por exemplo, um

movimento de jovens, ele dava. Impressionante. Até hoje eu tenho uma

imagem muito boa do Bradesco. Eu soube que eles tinham feito o material para

o pessoal lá, pelo menos era o que se comentava na época – e deve ter feito

porque eles fizeram para mim também.

PERGUNTA - Onde você trabalhava nessa época?

RESPOSTA - Eu trabalhava, não me lembro, eu tive tanto emprego –

provavelmente, em 64, acho que eu trabalhava na Brown Boveri – precisaria

ver.

PERGUNTA - Como se deu essa passagem de UEO para CEO?

RESPOSTA - Quando eu tava como presidente da UEO, veio o governo e

dissolveu a União Estudantil. Resolvi fazer uma greve que desse uma

conotação, primeiro: O Marino era o prefeito e tinha doado um terreno para

construir a sede da União dos Estudantes, como o governo extinguiu as Uniões

Estudantis. O Marino pega o terreno que era nosso, que tinha até uma escola

de madeira em cima, e doou para Força Pública. Quer saber de uma coisa,

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vamos fazer um movimento contra a doação para a Força Pública e vamos

também fazer um movimento contra a extinção das Uniões Estudantis e

fizemos uma convocação dos estudantes e nos reunimos ali onde é o Jumbo.

Juntamos acho que uns 500 estudantes na porta do prédio que tinha sido

doado pelo Marino, em regime de comodato, para a Força Pública. Fizemos um

barulho e a Força Pública veio lá com uns 200 soldados, tinha muito soldado,

eles vinham em caminhões e foi todo mundo caindo fora, todo mundo dando no

pé e só ficamos eu, o Edgar Domingues e o Zé Maria, ficamos nós três.

Chegou uma hora eles pegaram a gente e levaram lá para dentro, porque era

um quartel provisório e ficamos lá. Veio o Ubirajara Silveira que era o

comandante da Polícia Militar, do 16.o Batalhão. Iam autuar a gente, mas não

autuaram e daí a gente entrou para aquela lista negra de agitador.

- Como estava proibida as Uniões Estudantis foi formado o CEO, se não me

engano com o atual Secretário da Cultura, o Roque e ai voltou o Gabriel –

aquela turma toda, e nessa altura eu fiquei com medo mesmo, porque eles iam

na minha casa, na Cidade de Deus, e foram me pegaram à noite lá.

- Eu morava com a minha mãe, eu não trabalhava lá, mas meu irmão

trabalhava, minha irmã trabalhava – eles encostaram lá, um dia, uma Kombi na

porta da minha casa, 1:30 da manhã e fizeram o maior barulho, minha mãe

doente, eu fiquei intimidado e pensei vou parar com esse negócio – me

pagaram uma vez ali na Antônio Agu, me colocaram numa Kombi, me levaram

lá na delegacia, eu passei a maior vergonha. O dia que eles foram à Cidade de

Deus foi o dia em que caçaram o Juscelino. Aí eu parei, quando surgiu o CEO,

eu dei graças a Deus.

- Eu passei todo o acervo documental da UEO para eles – eu nem sei se existe

isso ainda hoje. E me afastei do movimento, porque eu fiquei muito intimidado.

- Eu tava namorando pensando em casar, constituir família e eu não entrei,

mas por um triz que eu não entrei.

PERGUNTA - Esse movimento era majoritariamente secundarista ou ele já

tinha uma participação universitária?

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RESPOSTA - Totalmente secundarista – pelo que eu me lembro eu só via

secundarista, eu não via universitários – era um movimento eminentemente

secundarista – não tinha participação – Você quase não conhecia universitário

– era raro ver-se um universitário.

PERGUNTA - Havia muitos militares estudando no Colégio em função dos

quartéis da região – como era o relacionamento com os alunos?

RESPOSTA - Muitos vinham até uniformizados, mas eu não me lembro muito

bem como era – era normal.

PERGUNTA - Como era o relacionamento dos alunos com os professores?

RESPOSTA - Excelente. Tem alguns professores que a gente até forçava a

barra para estar com eles, por exemplo: eu ia à casa da Helena Pignatari, que

era uma pessoa muito culta, que fascinava a gente, mas ela não ia muito com a

minha cara, não. Ela já era uma pessoa marcadamente de esquerda e já

tinham me carimbado como uma pessoa de direita, eu notava que havia uma

resistência à minha presença lá, mas ia porque tinham umas pessoas com

quem eu tinha bom relacionamento e que eram familiares dela, então eles me

convidavam e eu ia.

PERGUNTA - Havia livros didáticos – quais eram as leituras que vocês faziam

na escola?

RESPOSTA - Estudava-se francês, inglês, latim – eu sou um devorador de

livros – eu aprendi a ler no ginásio e depois me apaixonei pela leitura.

PERGUNTA - Qual era a qualidade dessas leituras?

RESPOSTA - Excepcional, literatura de autores franceses, ingleses, coisa de

altíssimo nível – não era livrinho, não – eu lia muito um negócio chamado

Tesouro da Juventude. Porque meu primo tinha uma condição financeira boa,

tinha essa coleção e o tempo que eu morei com eles e depois eu ia lá para

pesquisar nesse Tesouro da Juventude – não tinha essa coisa de enciclopédia

Barsa de fácil acesso como é hoje. A gente lia os prêmios nobeis de literatura.

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PERGUNTA - E a vida com a comunidade, em relação aos bailes, às festas,

teatro, cinema, qual era a relação da escola com tudo isso?

RESPOSTA - Tudo tava dentro da escola, nascia dentro da escola – o Clube

Paulistinha – depois a UMO – União da Mocidade Osasquense. Tinha origem

na escola. Dentro da Escola. A escola era forte.

PERGUNTA - Como era a relação na escola entre os alunos filhos dos

operários e os demais?

RESPOSTA - Uma coisa excepcional, porque não tinha diferença – ninguém

enxergava essa diferença. Podia até ter gente rica, nunca a gente identificou

ninguém rico dentro da escola. Todos alunos, simplesmente alunos. Ninguém

queria saber se era da família tal e isso já tinha no interior, onde os filhos das

famílias mais ricas da cidade estavam na escola pública. Tinha a escola

particular e quem queria ser professor ia para a escola normal. Todo mundo

sabia quem era quem, mas todo mundo se tratava igual.

PERGUNTA - Você tinha 23 anos quando entrou no Clássico, já tinha feito um

curso técnico e com certeza tinha colegas de classe com menos idade, como

se dava essa convivência?

RESPOSTA - Havia uma coisa muito interessante, nós só notávamos quando a

pessoa tinha mais de 30 anos, que era considerada velha. O relacionamento

era igualzinho, porque as meninas saíam do ginásio com 14, 15 anos e

entravam no Clássico com 16 anos – para 23 anos – sete anos – diferença

nenhuma. A gente não achava que havia uma diferença. Tanto que eu fiz

grandes amizades naquela época com mulheres e havia amizades sinceras. Eu

tinha algumas amizades femininas e eu as tinha como minhas irmãs.

PERGUNTA - E na militância, havia muitas mulheres?

RESPOSTA - Elas eram meio tímidas na política estudantil – era mais coisa

para homem – era uma ou outra que participava.

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PERGUNTA - Você teve alguma participação no movimento de emancipação?

RESPOSTA - Não, eu fui apenas um espectador. Eles me convidavam para ir

ao cineminha da igreja e eu ia, mas até hoje eu não me lembro se fui contra ou

a favor. Eu era apenas um mero observador. Não era uma coisa que me

afetava porque eu tinha uma vida assim, primeiro eu morava na Cidade de

Deus, depois eu morei ali na Campesina. – Eu trabalhava em São Paulo – me

lembro, eu morava em São Paulo, nessa época.

PERGUNTA - Você vê alguma importância do movimento secundarista junto

aos movimentos sociais da década de 50/60?

RESPOSTA - Importância tremenda. O movimento estudantil secundarista era

muito articulado, tinha boas lideranças. Pessoal muito articulado, inteligente,

criativo. Hoje somos todos amigos, nós queríamos todos a mesma coisa, só

queríamos chegar lá de maneira um pouco diferente.

- Outra coisa, os professores eram excepcionais, eles estão marcados na

memória desses estudantes, a Helena Pignatari, o professor Emir, o professor

Alcyr Porciúncula, têm outros que agora a memória não ajuda a lembrar, mas

havia outros professores excepcionais. Tinha a professora Laura, excepcional,

ela me despertou o gosto pela literatura clássica. Eram professores fantásticos,

gênios.

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Anexo 3 - DEPOIMENTO DE GABRIEL ROBERTO FIGUEIREDO

ESTUDANTES DE OSASCO

- Respostas às questões de Sonia Regina Martim solicitadas a Gabriel Roberto

Figueiredo

PERGUNTA - Quem fazia curso secundário antes da instalação do GEO –

Ginásio Estadual de Osasco?

RESPOSTA - Quando cheguei em Osasco, em 1954, o GEO já existia, há

cerca de 2 anos, se não me engano.

PERGUNTA - Com que objetivo fazia-se o secundário? Quais eram as

expectativas de quem concluía o colégio?

RESPOSTA - O objetivo de fazer o curso secundário era o de se qualificar para

o mercado de trabalho, sobretudo técnico de nível médio. Ingressar na

Universidade ainda não era ambição maior.

PERGUNTA - Houve envolvimento dos alunos do ginásio na luta pela

instalação do município?

RESPOSTA - Sim, os estudantes secundaristas de Osasco, dentre os quais

me incluo, participaram ativamente dos movimentos emancipacionistas. João

Gilberto Port, mais tarde vereador e vice-prefeito da cidade, foi a liderança

maior deste segmento.

PERGUNTA - Como foi seu envolvimento com o plebiscito de 58 e a luta que

se segue? Segundo Moises, a orientação do PC era a de que essa era uma

luta de burgueses e que, portanto, não deveria envolver seus membros – é

verdade?

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RESPOSTA - Os comunistas de Osasco participaram do movimento. Sergio

Zanardi, ao lado de Lino Ferreira dos Santos foram seus principais ativistas.

Conrado del Papa, que transitava muito bem entre o PSB e o PCB, assim como

o líder ferroviário Reginaldo Valadão também pontuaram... A liderança do

movimento, no entanto, estava sendo conduzida por empresários,

comerciantes e profissionais liberais. Dentro desta liderança encontrava-se

alguns simpatizantes do PCB. O principal deles era o ilustre médico Edmundo

Burjato, que chegou a participar de algumas reuniões do Partido na sua sede

clandestina, pois era ilegal antes mesmo do golpe militar, situada na Avenida

João Batista, esquina com a rua do Mercado Municipal. Dr. Edmundo também

contribuiu para as finanças do partido. Eu, particularmente, com 15 anos de

idade participei do movimento e foi neste contexto e no contexto metalúrgico

(eu já era funcionário da CIMAF), que fui cooptado, por Sergio Zanardi, para as

fileiras do Partido Comunista Brasileiro.

PERGUNTA - Como foi o envolvimento dos alunos do CENEART na luta pela

emancipação?

RESPOSTA - Vários alunos secundaristas participaram das lutas pela

emancipação de Osasco.

PERGUNTA - Os alunos tinham atividades nos finais de semana: - como eram

essas atividades? - Quem os acompanhava?

RESPOSTA - As escolas abriam suas portas para atividades culturais e

recreativas. Era comum também a formação de grupos de estudos de fins de

semana, sobretudo para os alunos do noturno que precisavam colocar as

matérias em dia, pois não tinham tempo durante a semana.

PERGUNTA - Como a escola influenciou na sua cidadania?

RESPOSTA - Do ponto de vista institucional acredito que a minha família de

origem, a escola e o trabalho me conferiram a consciência de cidadania. Minha

militância no PCB estruturou esta consciência. Lamento quando vejo jovens

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nos dias de hoje sem militância e, portanto, sem causa. O mundo alienado das

drogas e da violência social tem tudo a ver com isso.

PERGUNTA - Quem eram os professores e qual o papel/importância destes na

formação política dos alunos?

RESPOSTA - Dentre vários, vou citar três pela influência maior: Josué Augusto

da Silva Leite (História); Helena Pignatari Werner (História) e Emir Macedo

Nogueira (Português).

PERGUNTA - Como era o relacionamento entre alunos e professores e/ou

professores/ professores?

RESPOSTA - Relacionamento cordial, solidário, de camaradagem.

PERGUNTA - Como era o relacionamento entre os alunos?

RESPOSTA - Relacionamento de amizade e companheirismo. Competição,

ciúme e inveja eram sentimentos perceptíveis. Também ora, estamos tratando

de seres humanos.

PERGUNTA - Havia livros didáticos? Quais?

RESPOSTA - José Cretella Júnior (Latim), Osvaldo Sangiorgi (Matemática) e

Hadock Lobo (História) foram os que mais me marcaram.

PERGUNTA - Que livros e/ou textos eram utilizados em aula?

RESPOSTA - Machado de Assis era fundamento. Depois vinha Graciliano

Ramos, Gonçalves Dias, Olavo Bilac, José de Alencar e outros. Dentre os

portugueses Fernando Pessoa e Padre Antonio Vieira marcaram forte

presença. Na literatura internacional clássica pelo menos três obras são

inesquecíveis: "Os miseráveis", de Victor Hugo; "Crime e Castigo" de Fiódor

Dostoiévski e Cândido, de Voltaire, não se constituíam leitura obrigatória, mas

foram estimuladas, no científico.Para mim, particularmente, que tive o privilégio

de ingressar ainda jovem, aos 15 anos, no PCB, acabei sendo contemplado

com leituras complementares de Marx, Engels, Lênin, Goethe, Nietzsche,

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Gramsci, Sartre... Lembro-me que uma semana antes de prestar vestibular

para a Faculdade de Medicina, suspendi todos os meus estudos de física,

química, matemática, biologia, português e outras matérias para ler,

intensamente, "Assim falava Zaratustra".

PERGUNTA - Como era seu relacionamento com os professores, com o

Grêmio, Fanfarra, UEO, etc?

RESPOSTA - Meu relacionamento com estes grupos sempre foi bom e

produtivo. Da UEO inclusive fui eleito presidente em 1963, em acirrada disputa

eleitoral com Francisco Rossi de Almeida, que alguns anos depois seria eleito

prefeito de Osasco e que a partir de então emergiu para uma carreira política

até hoje destacada.

PERGUNTA - Quando surgiu a UEO e quando e porque ela foi substituída pelo

CEO? Onde ficavam? Quem e como se pagava o aluguel?

RESPOSTA - A UEO (União dos Estudantes de Osasco) foi extinta em 1964,

alguns meses após o golpe militar. O CEO (Círculo Estudantil de Osasco),

surge como modelo alternativo de organização, sem estatutos e registro,

funcionando praticamente na clandestinidade. A UEO tinha como sede um

cômodo cedido pelo professor de matemática do CENEART e conceituado

cirurgião dentista de Osasco, militar da reserva, Fortunato Antiório, um dos

principais líderes do movimento emancipacionista. Este cômodo fazia parte de

uma área onde funcionava seu consultório privado, na rua Antonio Agú. No

andar de baixo havia um bar muito freqüentado pelos estudantes do noturno,

após as aulas. Chamava-se "Bar Central". Fortunato Antiório tinha simpatia

pelos estudantes e, além disso, era casado com minha tia, Maria Figueiredo

Antiório, irmã do meu pai. Penso que esta simpatia e este parentesco foram

decisivos para ele ceder, gratuitamente, o cômodo para a sede da UEO.

Também, momentos decisivos da participação estudantil nos movimentos

políticos e sociais da primeira metade da década de 1960, tiveram suas

resoluções saídas de grandes discussões no Bar Central.

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PERGUNTA - Como se deu a extinção do CEO?

RESPOSTA - Por ocasião da extinção do CEO eu já estava praticamente na

clandestinidade. Já havia sido preso duas vezes, na segunda com preventiva

decretada e aguardando julgamento em liberdade devido a graves erros

técnicos e éticos cometidos pelos militares responsáveis pelo IPM (Inquérito

policial militar) e que para minha sorte envolvia figuras importantes tais como o

ex-prefeito de Osasco Hirant Sanazar, o próspero dono do Bradesco, Amador

Aguiar, entre outros. A bem da verdade acredito, hoje, que os erros cometidos

pelos militares moralizadores da época foram mais éticos do que técnicos. Eu

já não morava mais em Osasco. Minha família mudou-se para a região do

Horto Florestal, na zona norte da capital. Cheguei a Ter contatos esporádicos

com Orlando Miranda, José Campos Barreto, Eduardo Rodrigues e Nilton

Landa sobre o CEO. Na minha memória o CEO foi se dissolvendo e seus

membros se ligando a outras atividades. Penso que antes mesmo de 1968 o

CEO já havia declinado. E de todos os companheiros e camaradas deste

período, ainda retorna na minha mente, como um "flash-back", o jovem poeta

Barreto, estudante do GEPA (Ginásio Estadual de Presidente Altino), alguns

anos depois assassinado no sertão baiano ao lado do seu compatriota Carlos

Lamarca.

PERGUNTA - Como você explica a derrota para o Rossi na eleição do CEO? –

(pág 94 da Saliba tem uma explicação – será que é valida?).

RESPOSTA - O Francisco Rossi de Almeida, se não me engano, nunca

disputou eleição para o CEO. Ele foi eleito presidente da UEO em 1964, logo

após o golpe militar. Foi candidato de chapa única. Na eleição de Rossi eu

estava preso, incomunicável, no 4º Regimento de Infantaria de Quitaúna. A

vitória de Rossi se deu devido à desmobilização do movimento estudantil

impactado em grande parte pela minha prisão. Eles estavam sem rumo e sem

liderança. Foi neste vácuo que Rossi deu grande impulso a sua pretendida

carreira política e alguns anos depois elegeu-se prefeito. Aproveito também

este depoimento para lembrar que apesar da minha trajetória ideológica ter

sido contrastante com a de Rossi, NÃO TENHO NENHUM INDÍCIO DE QUE

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ELE ME "DEDOU" PARA OS MILITARES, COMO FOI AMPLAMENTE

DIVULGADO. FUI PRESO PORQUE EU ERA FIGURA PÚBLICA E OCUPAVA

UMA FUNÇÃO INDESEJÁVEL PELA DITADURA. PENSO QUE É INJUSTO

ATRIBUIR AO ROSSI ESTE COMPORTAMENTO DE DELATOR. ELE JÁ

SABE DESTA MINHA OPINIÃO, POIS CONVERSAMOS PESSOALMENTE A

RESPEITO.

PERGUNTA - Qual foi sua atuação e dos alunos nas eleições de 62?

RESPOSTA - Em 1963 eu fui eleito presidente da UEO. Nossa chapa

chamava-se "Ação-63" e vencemos a chapa "Bandeirantes", encabeçada por

Francisco Rossi. Em 1962, o movimento estudantil de Osasco, apesar da UEO

já existir, visto que nasceu nas lutas emancipacionistas, tinha pouca expressão.

Nesta época, e nas mãos dos poucos universitários existentes na cidade,

aglutinou-se em torno do nome de João Gilberto Port e elegeu-o vereador. Port

foi um dos fundadores da UEO e chegou a cumprir vários mandatos como

vereador, chegando até à condição de vice-prefeito de Osasco.

PERGUNTA - Qual foi sua atuação e dos alunos na manifestação contra o

aumento dos salários dos vereadores?

RESPOSTA - Liderei as manifestações contra o aumento dos salários dos

vereadores. Não achava justo, e entendia estar representando a indignação

pública, inconformada de que a primeira preocupação dos edis de um nascente

município fosse a de aumentar os seus próprios salários. Junto com meus

companheiros estudantes e sindicalistas promovemos greves e movimentos

populares.

PERGUNTA - Como era a relação entre escola-sindicatos-sindicalistas?

RESPOSTA - A partir de 1963 a relação estudantes-operários estreitou-se. A

bem da verdade elas já vinham estreitando-se desde a campanha para a

emancipação, onde ao contrário do que muitos pensam e apregoam que foi

uma campanha exclusiva da burguesia. Liderada por ela sim, mas exclusiva

não. E o próprio Partido Comunista Brasileiro, de forma bem discreta, dela

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participou, porque entendeu nela uma capacidade de mobilização de massa

até então inexistente na história de Osasco. Assim, em 1963, pouco antes do

golpe, o PCB que tinha a Secretaria Geral do Sindicato dos Metalúrgicos de

Osasco e na presidência um aliado fiel, me convida para compor a mesa de

debates sobre "A luta da Classe Trabalhadora", com a presença do então

Ministro do Trabalho, Almino Afonso, na qualidade de presidente da União dos

Estudantes de Osasco.

PERGUNTA - Como era a relação entre a escola e a vida social da

comunidade? (bailes, festas etc).

RESPOSTA - Era comum festas, bailes e atividades esportivas.

PERGUNTA - Como eram as relações entre a escola e vida cultural de

Osasco? (teatro/cinema).

RESPOSTA - Teatro e cinema eram objetos de freqüentes discussões.

PERGUNTA - Havia muitos alunos em faixas etárias diferentes freqüentando

as aulas? Como era esse relacionamento?

RESPOSTA - Nos cursos noturnos alguns poucos alunos chegavam a ser de

10 a 15 anos mais velhos.

BREVE RESGATE HISTÓRICO DE GABRIEL FIGUEIREDO

Saí de Ribeirão Preto para São Paulo, mais propriamente para o

subúrbio de Osasco, em janeiro de 1954, com 11 anos de idade. Já havia

concluído o curso primário no Grupo Escolar Fábio Barreto, em Ribeirão.

Meu pai era bancário e minha mãe do lar. Transferido pelo Banco de

São Paulo S/A para a capital, meu pai, funcionário de carreira, decidiu vir com

a família para Osasco. Viemos assim em cinco, visto que meus irmãos mais

novos, Walter e Marina, engrossavam

a prole.

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A vinda para Osasco não foi por acaso, visto que no bairro morava uma

irmã de meu pai, Maria Figueiredo Antiório, casada com um dos poucos

dentistas existentes no pedaço, Fortunato Antiório e que parece terem lhe dado

apoio para se instalar.

Poucas semanas após nossa chegada, meu pai já havia alugado uma

pequena casa e ainda que de forma precária nos instalamos e uma nova vida

começou.

Ao chegar em Osasco tive um transtorno de adaptação com perturbação

de conduta e demorei quase 5 anos para me acertar. Neste período fui um

púbere e adolescente rebelde, agressivo, de pouca fala. Ainda assim,

contribuía para a renda familiar trabalhando como engraxate, guardador de

bicicletas em feiras-livres, entregador de encomendas das Casas

Pernambucanas e office-boy de uma loja comercial chamada "Sport Spada".

Isto tudo no período de 11 a 14 anos, quando então o trabalho do menor já era

autorizado e tirei minha primeira carteira profissional. Meus estudos foram

prejudicados por estes primeiros anos tumultuados e só consegui, de fato,

começar a ser produtivo na escola em 1960, no Ginásio Estadual de Presidente

Altino (GEPA).

Nesta época do GEPA, entre 1960 e 1962, quando concluí o ginásio, eu

já trabalhava como metalúrgico. O primeiro emprego foi na Companhia

Industrial e Mercantil de Artefatos de Ferro (CIMAF) entre 1958 e 1961 e

depois na Companhia Brasileira de Material Ferroviário (COBRASMA) até 1963

de onde fui demitido devido às repercussões das minhas atividades políticas.

Também, em 1963, atrasei novamente minha carreira de estudante para me

dedicar à política estudantil. Desisti do primeiro ano do colegial (Científico) para

esta finalidade. Em 1963 só fiz política. Não tinha emprego e larguei a escola.

Mais uma vez tive a compreensão e a amizade dos meus pais. O velho

Figueiredo era um bancário, assalariado, sindicalista e simpatizante dos

comunistas. Dona Dirce, um pouco mais preocupada e cautelosa, vivia me

alertando para não cometer exageros e completava a baixa renda familiar

sentada na sua Elgin costurando camisas para fábricas de roupas. Minhas

economias, produto da minha indenização da Cobrasma, ajudaram na

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manutenção na atividade exclusivamente política. Em abril de 1964 minha

situação era dramática, pois além de já não dispor mais de recursos

financeiros, estava preso e incomunicável no 4º RI de Quitaúna.

Na escola, tanto no ginásio quanto no científico, a maioria dos meus

colegas tinham mais ou menos a mesma condição sócio-econômica. Éramos

todos estudantes do noturno e neste período quase não estudavam filhos de

famílias abastadas. No período da noite era uma relação praticamente de

iguais.

O movimento estudantil secundarista, no meu tempo (1963/4), em

Osasco, foi decisivo. Estudantes universitários praticamente não compunham o

quadro de correlação de forças políticas. Foi, sob minha direção, que a UEO

historicamente adquiriu identidade secundarista. Sua direção não foi escolhida

nos bastidores elitistas, mas legitimada numa eleição extraordinária que

envolveu todas as escolas existentes no recém criado município. E como não

tínhamos escolas superiores na cidade, os poucos universitários foram

convocados ao voto democrático, numa urna exclusivamente dedicada a eles.

E os melhores, dentre os universitários, despojaram-se da arrogância e

acabaram aderindo à nossa liderança. Entre eles destaco Clovis Gloeden,

Antonio Carlos Masotti e, principalmente, Sérgio Zanardi. Os dois primeiros

estudantes de Economia e o último de Direito.

Entre os secundaristas havia estudantes de várias categorias

profissionais. No período noturno todos trabalhavam durante o dia e estudavam

a noite. Até militares, soldados (conhecidos como récos), cabos e sargentos.

Atuavam pouco, quase nada, nos Grêmios. Alguns deles, eu soube e conheci,

foram perseguidos pela ditadura. Quanto às mulheres, elas eram, na sua

maioria, sem emprego remunerado. Algumas ajudavam os pais no comércio,

outras eram funcionárias públicas da recente cidade de Osasco. Ainda estava

para explodir o papel da mulher no mercado de trabalho.

Por fim, a importância da escola secundária para os movimentos sociais

de 50/60 merece um aprofundamento maior que uma simples resposta. Não dá

para ser sintético. É o espírito analítico que se impõe. Para todos os efeitos fica

aberta a tese de que o cidadão, estudante secundarista ou não, teve, entre 50

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e 64, um acesso maior à participação e à organização e isto o tornou,

potencialmente, mais capacitado a promover as necessárias transformações

que a sociedade requer, apesar de algumas decepções vividas nestes últimos

tempos.

ESCLARECENDO TEXTOS

1) José Álvaro Moises afirma que, seguindo orientação do Partido (que

valia para todas as lutas pela emancipação que se desenrolavam na

periferia de São Paulo), também, em Osasco, o PC não tem significativa

participação na luta dos autonomistas. Isso é fato?

2) No entanto, o PC tem uma histórica relação com as SAB’s, como era a

relação entre PC/SADO e a luta que se desenrola de 58 a 62?

3) José Álvaro Moises cita um líder comunista chamado: André Nunes

Filho, “que mais tarde se notabilizaria em Osasco por sua oposição ao

movimento de protesto urbano daquele subdistrito”. Você conheceu essa

pessoa? - (pág 279)

RESPOSTA - A afirmação de J.A.Moisés procede na medida em que

realmente o PCB não empunhou com ardor a bandeira emancipacionista.

Participou, é verdade, conforme já expressei anteriormente. O que não acredito

é que esta participação pouco significativa tenha se dado pelo desprezo que a

direção do PCB tinha pelas lutas da burguesia. Não me lembro, de em nenhum

momento, ter recebido qualquer tipo de observação dos comunistas da época

que aquele movimento não deveria contar com apoio. Era um movimento da

sociedade civil, liderada por conhecidas figuras da burguesia, dentre as quais,

algumas delas, como já falei, eram simpatizantes e até colaboradores do

PCB.A presença de sindicalistas, metalúrgicos, ferroviários, comerciários e

bancários neste movimento me parece que deve ser bem mais estudado e

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aprofundado. É de um reducionismo vulgar colocá-los, todos, num mesmo saco

e considerá-los massa de manobra da burguesia.

Não conheci André Nunes Filho, a menos que ele tivesse um "nome de

guerra" que eu possa localizar documental ou mnemicamente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O movimento estudantil de Osasco, entre 1962 e 1964, confundia-se

com o movimento operário. As bandeiras de luta giravam em torno das

reivindicações para melhor qualidade do ensino, acesso democrático à

educação, atividades esportivas e culturais, apoio às reformas de base

propostas pelo governo de João Goulart, ampliação da organização do

movimento para toda a região através da criação do Conselho Regional de

Estudantes da Baixa Sorocabana (CREBS), e, finalmente, de uma posição

definida contra o imperialismo norte-americano. Havia, pois um projeto, um

programa. Não era um movimento espontaneista, alienado. Era

ideologicamente alimentado pelos movimentos de esquerda, onde o PCB e o

PSB marcavam presença. Também muitos estudantes ativos e participantes da

época não eram filiados a nenhum partido político, o que evidentemente não os

tornava mais puros e muito menos alienados.

SUMÁRIO DE TRAJETÓRIA POLÍTICA E PROFISSIONAL

GABRIEL ROBERTO FIGUEIREDO é médico graduado pela Faculdade de

Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, em 1973. Especializou-se

como médico residente em psiquiatria pelo Hospital das Clínicas da Faculdade

de Medicina da Universidade de São Paulo. Referendou seu título de

especialista pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Doutor em

medicina pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de

Medicina - com a tese "A evolução do hospício no Brasil". Autor de livro,

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capítulos de livros e de vários trabalhos científicos publicados em revistas

indexadas. Apresentou trabalho de pesquisa médico-social em Portugal,

França, Bélgica, Itália, Holanda e Estados Unidos. Neste último país o trabalho

foi apresentado em Washington pelo co-autor o médico e pesquisador Nelson

Carozo.

Foi secretário da saúde de Osasco e presidente da Fundação de Saúde

do Município de Osasco (FUSAM) de 1983 a 1985. O prefeito era Humberto

Parro.

Foi coordenador dos ambulatórios de saúde mental do Estado de São

Paulo de 1985 a 1987. O governador era André Franco Montoro.

Recentemente, em 2002, recebeu homenagem da Assembléia

Legislativa de São Paulo, pela sua trajetória de lutas em prol dos direitos

humanos.

Exerceu atividades docentes na Faculdade de Saúde Pública da

Universidade de São Paulo (USP) e na Faculdade de Fonoaudiologia da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) entre 1977 e 1982.

Desde 1991 é professor de psiquiatria da Faculdade de Medicina da

Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). A partir de

1996, na carreira acadêmica, alcançou o topo, como Professor Titular desta

Universidade.

Atualmente é membro da Câmara Técnica de Saúde Mental do

Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP).

Exerce clínica psiquiátrica em consultório privado na cidade de São

Paulo, na Rua Fradique Coutinho 1945, bairro Vila Madalena.

São Paulo, 7 de setembro de 2005

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Anexo 4

ENTREVISTA COM A PROFESSORA HELENA PIGNATARI WERNER

Praia Grande, 19 de maio de 2004

Sonia - Primeiro, eu queria que você me dissesse seu nome completo, data de

nascimento e local.

Helena - Helena Pignatari Werner, nasci em 12 de maio de 1929, em Osasco.

PERGUNTA - Você me autoriza a usar as informações da entrevista no meu

trabalho de doutorado.

RESPOSTA - Sim, pode usar as minhas declarações para sua tese de

doutoramento.

Sonia - Obrigada.

PERGUNTA - queria começar pela sua formação; queria saber onde você

estudou, e quem, em Osasco, fazia ginásio, no período em que você fez. A sua

formação primária é o Grupo Escolar Marechal Bittencourt?

RESPOSTA - Não, é o Grupo Escolar de Osasco.

Sonia - Ah! Era de Osasco, tá, certo.

RESPOSTA - Depois eu fui para o Ginásio Perdizes, porque era o ginásio mais

próximo da Estação Barra Funda, e nós viajávamos pelo subúrbio, descíamos

na Barra Funda e íamos a pé até a Avenida Água Branca onde ficava o Ginásio

Perdizes, tinha a Vera, minha irmã, tinha o Jarbas Milani, a esposa do Tidinho

que era Milani, não lembro o nome dela agora; era um grupo de adolescentes

que tomava esse subúrbio toda manhã.

PERGUNTA - O ginásio era só na parte da manhã ou era o dia inteiro, como

era o horário?

RESPOSTA - Era no período da manhã, mas nós tínhamos Educação Física e

outras práticas à tarde. Era comum ficarmos o dia inteiro, em São Paulo,

porque Osasco era subúrbio. Então, nós fazíamos essa via crucis com muita

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disposição, gostávamos muito.

PERGUNTA - Ia bastante gente, em grupos?

RESPOSTA - Muita gente, muita gente, porque também viajavam de

Carapicuíba, Barueri,

PERGUNTA - Vocês se encontravam no trem?

RESPOSTA - Encontrávamos no trem, então, a amizade que nós tínhamos

com a família Guerra, por exemplo, que era de Barueri, era amizade do trem, e

muito namoro aconteceu e muito casamento aconteceu mais tarde, entre

Barueri e Carapicuíba, Osasco, Presidente Altino, porque a turminha ia de

trem. Tinha um namoradinho que era o Alceu, era o filho do Delegado e quem

viajava também pelo subúrbio, eram os filhos do chefe da estação de

Carapicuíba, Sr. Osmar: um era o Tutu -- chamava-se Valdemar de Barros -- o

irmão dele mais velho, agora não me lembro o nome, porque é a geração da

Vera. Tinha a geração que tinha sido da Othélia e da Tecla, a geração da Vera

e a minha geração que eram os menores.

PERGUNTA - E de Osasco, iam meninos e meninas juntos?

RESPOSTA - Juntos, juntos.

PERGUNTA - Quem de homem ia?

RESPOSTA - O Jarbas Milani, que eu me lembre assim, o Alceu Augusto

Gregório, Rubens Nicolete. Mas é posterior, mas também é mais ou menos da

mesma época, a Naide, a irmã da Nice Odália,.

Todas essas pessoas faziam parte daqueles moradores da região Central de

Osasco, quer dizer, nós éramos filhos da burguesia. Comerciantes,

negociantes, pequenos empresários, os Filhos de médicos, dentistas,

profissionais liberais.

Quem começou a viajar depois foi a Maria Regina, que era a moça mais rica da

cidade, era a filha do Sr. Vasco, que era o dono da Farmácia.

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PERGUNTA - Ela era a mais rica de Osasco?

RESPOSTA - Porque tinha carro, a Maria Regina ia para a escola de carro

voltava de carro, aquilo não existia. Meu pai tinha a indústria de cerâmica em

Carapicuíba, mas nunca teve carro. Outras que realmente tinham dinheiro, mas

não estavam praticamente em Osasco, eram as filhas do Menck, a Cida e a ...

elas estavam no Internato, no Colégio Santa Inês, que é para onde eu fui.

Quando eu estava com quinze anos, eu fui paro Colégio Santa Inês. No

Ginásio das Perdizes, eu fiz o que eles chamavam do curso propedêutico. Era

uma formação para ser técnica em contabilidade e depois, aos quinze anos,

terminado o ginásio, eu fui para o Internato Colégio Santa Inês, naturalmente

porque as filhas do Menck, que eram do dinheiro mesmo em Osasco foram

estudar lá e meu pai não ia ficar por baixo. Então quando chegou a vez do

internato eu fui para lá e aí eu fiz o curso de técnica em contabilidade.

PERGUNTA - O curso técnico dava direito à universidade? Pelo que eu sei a

legislação era bem restrita.

RESPOSTA - Aí é que foi o problema. Quando chegou a época de faculdade,

todos esperaram que eu fosse pra uma GV, fazer economia, fazer

administração, mas eu tinha horror disso. Eu já comecei o propedêutico por

que? Para não viajar sozinha de trem. A Vera fazia o propedêutico, meu pai me

pôs junto com a Vera e eu fiz o curso que o meu pai quis, e não o meu, né? E

aí já tinha o propedêutico, vou fazer o quê? Eu queria fazer Humanas, eu

queria fazer o colegial, mas eu não tinha condições de colegial porque eu não

tinha o ginásio tradicional.

Sonia - Porque o colégio técnico era restritivo.

RESPOSTA - Ele era restritivo. Formada, frustradíssima, porque eu não queria

fazer outra coisa, eu queria fazer História. Geografia e História. Aí quando eu

fui fazer a minha inscrição na USP, eles disseram: ‘ah, mas só pode fazer

Geografia e História’ Única cadeira que deixavam um técnico de contabilidade

fazer na faculdade era Geografia e História. Para mim, a felicidade. E esse lado

é o lado da felicidade, agora, tem o lado da tristeza: quando eu fui fazer a

minha matrícula, que eu queria estudar na USP, é claro. Além de tudo era

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gratuito e era a melhor faculdade de São Paulo. Por outro lado, todos aqueles

pracinhas que tinha servido a guerra tinham o direito de fazer matrícula sem

vestibular, em 48, pracinha não fazia vestibular, se inscrevia direto. Então veja

você, como foi mais difícil esse vestibular, porque a concorrência dos pracinhas

não foi brincadeira, Não.

- Eu não quero misturar muitas coisas. São informações que vêm na minha

memória.

PERGUNTA - Mas são informações que me interessam, eu gostaria mesmo de

conversar abertamente, sem restrição, sem fechar questão, porque é desse

bate-papo que nascem informações que eu desconheço e essas informações

são importantes para gente construir.

RESPOSTA - Então consegui, entrei na faculdade, mas o curso era Geografia

e História. Eu sou formada em Geografia também. Então é Geografia e

História, eram treze matérias, um massacre.

Isso ali na Cidade Universitária, na Maria Antônia, no prédio que foi destruído

no golpe de 64. Foi incendiado... Os reacionários do Mackenzie acabaram com

a USP ali.

PERGUNTA - Quer dizer que para você fazer o ginásio, fazer o curso técnico,

você não trabalhava?

RESPOSTA - Não.

PERGUNTA - Até terminar a faculdade você não trabalhou?

RESPOSTA - Não trabalhei. Quando eu estava fazendo a faculdade, eu resolvi

sair de Osasco e fui morar na Casa Universitária. Existia a Casa Universitária,

primeira Casa Universitária.

PERGUNTA - Onde que ficava?

RESPOSTA - No Paraíso. Essa casa foi criada da seguinte forma: havia, num

quarteirão, a residência do Cardeal, metade do quarteirão era a residência do

Cardeal, na outra ponta era a residência da família Maluf, no meio, entre essas

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duas propriedades, existia o prostíbulo e, no governo do Lucas Nogueira

Garcez e a dona Carmelita, a pedido do Bispo e da família Maluf, foi desativado

o prostíbulo. Fizeram uma reforma, a dona Carmelita se entusiasmou em

transformar aquilo numa Casa Universitária, que seriam vizinhos decentes para

os dois lados e então montou e cuidava da casa. Era um casarão muito velho,

mas foi muito bem organizado.

PERGUNTA - E moravam homens e mulheres?

RESPOSTA - Não, só moças. Moças do interior. Que moças? Filhas dos

fazendeiros, Filhas de grandes capitais e eu fiquei na Casa Universitária, então

durante o meu curso na USP.

PERGUNTA - E seu pai nunca se opôs?

RESPOSTA - A família foi contra, foi um escândalo, porque falavam muitas

coisas. Entre outras coisas, diziam que eu fui embora com um homem rico e

tal...

PERGUNTA - Em Osasco?

RESPOSTA - É, em Osasco falam barbaridades e só calaram a boca quando

eu voltei como dona da cadeira de História. Efetiva da cadeira de História.

Então, aí é uma coisa mudou: ‘Não é que ela estava estudando mesmo?’

PERGUNTA - Você terminou a faculdade em que ano?

RESPOSTA - 53. Começo de 54, eu prestei um concurso público, onde nós

tínhamos uma prova escrita, duríssima e uma prova oral, em público e uma

aula didática. Então foi feita essa prova na USP, a aula foi no Colégio Pedro II,

em São Paulo, ali aquele caminho que vai pra Mooca, onde tem a Secretaria

da Fazenda, descendo um pouco, antes da praça, ali tinha o Colégio Pedro II,

estadual. Tudo isso com banca. A prova oral nós sorteávamos 24 horas antes,

de uma lista de 40 questões, que você tinha que preparar as 40 porque aí, te

davam 24 horas pra você fazer uma dissertação sobre um assunto. Isso era

público, você ia numa espécie de um púlpito expondo, durante 40 minutos, as

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suas questões, para ser aprovado.

PERGUNTA - Quer dizer, você tinha uma outra formação, era uma formação

realmente para assumir um status.

RESPOSTA - Claro, efetivo, efetivo era muito complicado e depois, para tomar

posse da sua cadeira era de acordo com a sua classificação. Então, podiam

ser, sei lá quantos, na época uns 200, eu estava em 17º lugar. Mas foi curioso,

porque na minha turma de faculdade, nós tínhamos uma aluna excepcional, era

Maria Tereza Jher da USP, casada com um professor, um doutor

importantíssimo da USP, ela era brilhante, mas era nervosa, então foi uma

surpresa muito grande eu ficar na frente da Maria Tereza. Isso aí não tinha

cabimento, ela só tirava 9 e 10, que não era exatamente o meu caso. Então, foi

uma surpresa. Mas veja você: em 17º lugar eu acabei indo parar na última

estação da douradense, na cidade de Dourado. Lá eu tomei posse, como

efetivo na minha cadeira. Agora, o que existia e não existe mais era a famosa

permuta. Quando um professor de São Paulo queria ir para o interior, ele

permutava, eu permutei com um professor meu. Ele era dono da cadeira de

Osasco e ele propôs a permuta, então ele foi para o interior e eu vim pra

Osasco.

PERGUNTA - Manoel Nunes Dias?

RESPOSTA - Isso. Você já tinha essa história da permuta?

Sonia - É, eu já fiz um levantamento na documentação da escola, isso se deu

em março de 55. Por permuta você trocou com Manoel Nunes Dias.

RESPOSTA - Casei em 54, voltei de viagem de núpcias e fui tomar posse da

minha cadeira. Aí, era muito longe isso, era Maria Fumaça ainda, você tinha

que usar guarda-pó.

PERGUNTA - Mas você foi lá, assumiu e já fez a permuta?

RESPOSTA - Não, eu assumi e fui pedindo licença. Se eu podia me afastar

três meses, mais três meses e tal. Enquanto eu negociava com Manoel Nunes

Dias, eu fui procurando não tomar posse da cadeira, quer dizer, eu tomei

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posse, mas fiquei afastada até conseguir a permuta, quando eu consegui a

permuta, eu fui para o Ceneart, e lá fiquei até me aposentar.

PERGUNTA - Então, em 53, quando houve o primeiro plebiscito para a

autonomia de Osasco, você não estava em Osasco, ou você já participou deste

primeiro plebiscito?

RESPOSTA - Participei porque a minha família era a favor da emancipação,

então quando havia alguma coisa assim, meu pai exigia que eu fosse para

Osasco, eu saía da casa universitária e passava o fim de semana em Osasco -

época de votação, ele me avisava e eu corria para votar. E, então, em 53, eu

participei, mas distante.

PERGUNTA - Nessa eleição de 53 você diria que houve alguma participação

dos alunos do Ginásio. Porque você vê, o ginásio estava começando, era o

segundo ano de funcionamento do ginásio. Ele tinha o que? Acho que primeiro

e segundo ginasial só, não tinha 3º e 4º ainda.

RESPOSTA - Eu ainda não estava no ginásio.

PERGUNTA - Mas você não se lembra se a escola chegou a participar ou não.

RESPOSTA - Eu tenho impressão que não. A conscientização vem depois,

com o tempo. A conscientização, a tomada de posições vem depois.

PERGUNTA - Eu gostaria que você explicasse porque eu nunca entendi direito,

essa eleição de 53, ela é muito pouco discutida.

RESPOSTA - Essa eleição, entre outras coisa, quem era cabeça disso tudo era

o Dr. Reinaldo Oliveira, ele que foi realmente a cabeça. Mas acontece que esse

grupo que iniciou esse primeiro movimento da emancipação não tinham

respaldo econômico e havia muita despesa nesta época. Tinha que viajar para

o Rio de Janeiro, tinha que estar em contato com os deputados e tudo mais.

Tinha gente do “não” muito importante, o cartório era do “não”.

PERGUNTA - Sim, mas tanto o “sim” quanto o “não” era formado por pessoas

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da elite osasquense. A cúpula.

RESPOSTA - A cúpula sim. Mas o povo foi começando a tomar conhecimento.

PERGUNTA - Sim, mas a origem do “sim” e do “não” está na mesma camada

da sociedade.

RESPOSTA - Está. Você vê, o “sim” era o Dr Reinaldo que era um dentista

conceituado e o não tinha o cartório, pessoal do cartório, que era a família

Carvalho, uma potência dentro da cidade, o Cartório, os Coutinho eram do

“não”. Ate gozei muito a cara do Toninho, alias, eu e o Toninho, politicamente

nunca nos entendemos. O Klaus não entendia o que a gente tanto conversava,

mas era uma amizade que não tinha nada a ver com política nem nada, ele era

um reacionário de marca e eu querendo as revoluções do mundo.

PERGUNTA - Então você tem, na mesma origem da sociedade, o “sim” e o

“não” e aí uma outra coisa também que eu me questiono com relação ao

movimento emancipacionista, porque havia uma alteração de lados, de

repente, no de 53 o Jânio era contra porque era prefeito de São Paulo e os

partidários do Jânio em Osasco eram do “Não”, em 58, quando houve o

plebiscito, o Jânio....

RESPOSTA - Era o Ademar, hein? Era o Ademar de Barros.

PERGUNTA - O Ademar estava como prefeito?

RESPOSTA - Ademar era prefeito de São Paulo e não queria desmembrar

Osasco.

PERGUNTA - E o Jânio estava no governo do estado?

RESPOSTA - No Governo do Estado.

PERGUNTA - E o Jânio era a favor do “sim”, então.

RESPOSTA - Era porque, ele era amigo do velho Menck.

PERGUNTA - Aí você tem o velho Menck, amigo do Jânio, que tinha sido

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contrário.

RESPOSTA - O processo da emancipação só foi adiante quando o Reinaldo

convenceu o velho Menck a apoiar e ele apoiou e financiou. Então não tinham

mais problemas como advogados, viajar para o Rio de Janeiro, pagar aquela

papelada toda que tinha de ingressos de “coisarada” lá, a parte econômica foi

resolvida com a entrada do Menck e ficou muito mais fácil daí pra frente.

PERGUNTA - E como é que se explica esses partidários do Jânio? Em 53

eram “não”? Em 58 eram “sim”.

RESPOSTA - Porque o Jânio começa a freqüentar Osasco.

PERGUNTA - Em 53 ele era do não.

RESPOSTA - Em 53 ele era do não, mas depois ele foi conquistado pelo velho

Menck. Certo?

PERGUNTA - Não pode ter uma outra explicação, do tipo, em 53 não lhe

convinha como prefeito de São Paulo perder os impostos de Osasco e em 58,

como era o Ademar que estava na prefeitura, era o Ademar que perdia.

RESPOSTA - Claro, mas foi isso que aconteceu, porque na época da

emancipação, como eu estava muito a frente disso tudo, o Ademar de Barros

faz o que? Ele tira o emprego da minha irmã e do Roberto Pignatari, a minha

irmã na escola e o Roberto Pignatari no mercado, era fiscal do mercado. A

sobrinha do velho Menck também perdeu a cadeira, a Elide. Quando eu soube

que isso aconteceu, minha irmã veio lá aos prantos, não tive duvida, marquei

uma audiência com o Ademar de Barros e fui conversar com ele. Ele me

recebeu e eu falei o senhor não pode fazer isso, falei: - papai foi correligionário

seu, trabalhou a vida inteira, a minha irmã é adhemarista roxa, fica lá

trabalhando e procurando votos para o senhor, o Roberto, que é meu primo, e

a Elide...“Como é que em uma penada vai todo mundo para rua?” O desespero

da minha irmã, o desgosto, não dá. Aí o Adhemar ainda argumentou comigo.

“Não, porque...”. Eu falei “Não, o senhor não faz estrada, porque aqueles

ônibus que estão chegando lá de Barueri naquela buraqueira toda, aquilo é um

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horror e nem Iluminação certa nós temos na cidade.” Eu desanquei, né? Ele

disse “Olha, eu vou dizer uma coisa pra você: Se todos os meus inimigos

fossem como você, seria muito bom pra mim, pelo menos você chegou aqui e

despejou tudo.” Eu falei: “Olha Dr Adhemar, é que o senhor é prefeito. Quando

o senhor for Governador, o senhor vai me dar razão e aí toda aquela linha lá do

meu pai, da minha irmã e tal, vão votar no senhor, mas eu sou a caçula da

família...” “É a rebelde, né?” Eu falei “Sou, sou a rebelde da família.” Aí ele

chamou o secretario e falou “Olha, a irmã que vota em mim, o primo que

também é Pignatari, que é do meu correligionário lá, o Antonio Pignatari

voltam, mas a filha do chefe da oposição da emancipação, essa não volta.” Aí

eu ainda não consegui colocar de volta. Quem mais? Eu acho que era... a

Marina Melli também tava nesse rolo ai. Eu sei que o Adhemar foi muito

decente comigo. Ele colocou todo mundo de volta e disse: “Não, Menck não.”

PERGUNTA - É, houve também uma troca de lado entre as pessoas de

Osasco, entre o “sim” e o “não”.

RESPOSTA - Não, eu não acho que houve uma troca de lado, eu acho que

houve uma conscientização.

PERGUNTA - Pessoas do “não” que vieram para o “sim”. Agora do “sim” que

foram pro “não” não.

RESPOSTA - Não. Porque com a conscientização, ele diziam que tudo iria ficar

mais caro, desde sabonete, tudo que fosse seria mais caro, os impostos seriam

mais caros, tudo ia passar a ser caipira. Então eram os argumentos que nessa

altura dos acontecimentos eu já estou lecionando no Geart, né?

PERGUNTA - Sim, isso já é pós-plebiscito de 58.

RESPOSTA - Aí a gente podia trabalhar muito mais e explicar. Eu não digo

convencer. Conscientizar e mostrar o que significa emancipação e tudo mais.

PERGUNTA - Vamos falar um pouquinho do plebiscito de 58. No plebiscito de

58 você foi ativa, militante.

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RESPOSTA - Ativa O Klaus tem as fotografia em frente à Assembléia.

PERGUNTA - Você teve uma proximidade com o partidão, ou pelo menos são

informações que me chegaram.

RESPOSTA - Mas não, nunca pertenci a partidão. É, tive amigos que eram do

partidão, mas eu nunca fui. O primeiro partido que eu cheguei a pertencer foi o

Partido Socialista Brasileiro quando eu fui candidata a vereadora.

PERGUNTA - Em que ano? Por São Paulo ou por Osasco?

RESPOSTA - Por Osasco.

PERGUNTA - Então já é 62?

RESPOSTA - É. Foi quando eu estava já preparando minha campanha e o

material de propaganda de campanha, tudo isso, quando o Klaus ficou doente,

ele teve uma infecção a vírus no pulmão, foi terrível e o medico colocou por um

cano o remédio lá e tal e falou que daí pra frente ele teria que ficar pelo menos

15 dias num lugar completamente isolado num lugar sem poeiras, sem nada.

Eu falei: “Mas onde eu vou arrumar isso?” Ele disse: no mar e nós viajamos

para a Europa de navio.

PERGUNTA - Você fazia campanha dentro da escola.

RESPOSTA - Fazia: na escola, na rua, em casa, com a empregada, com o

jardineiro. Tudo mundo, para explicar o que seria.

PERGUNTA - Como os alunos recebiam essa tua posição militante, sendo

professora. Nesse viés que eu gostaria de ver.

RESPOSTA - Eu estou explicando, certo? Falo: Olha, minha gente, a luta pela

emancipação significa isso, aquilo e aquele outro e um dos argumentos que eu

defendi o tempo todo era o fato de que muita gente de Osasco saia pra

trabalhar em São Paulo, então essa viagem diária, ida e volta, tal e coisa. Eu

dizia: Se nós formos independentes, os empregos vão aparecer aqui no

município, aqui surgirão os empregos, realmente, certo? Vai ter Câmara – essa

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Câmara vai precisar de gente para datilografar, tal... A parte administrativa.

Você não vai ter o secretario de saúde? Os médicos, os enfermeiros da

cidade, vão para onde? Vão pra cá, então explicando que cada uma dessas

secretarias iria absorver mão de obra de Osasco e nós teríamos então

empregos dentro da cidade, esse era um argumento fortíssimo.

PERGUNTA - E a campanha dentro da escola? Ela realmente aconteceu, havia

mobilização dos alunos. Porque eu já cheguei a ouvir de emancipador coisa

tipo assim: “Ah, os alunos não fizeram nada, eles queriam era fazer bagunça.”

RESPOSTA - Não, não era assim, porque o aluno que vai votar... Uma das

coisas, sérias, que eles aprenderam dentro do Geart era o voto e isso não era

na cadeira de Historia, todas as cadeiras explicavam, especialmente quando

chegava perto de eleição, conscientizar que o voto era uma coisa muito seria.

Não se falava em arma ainda, né? Que o voto era uma arma, mas que era

muito serio, que tinha que pensar, que tinha que conhecer o candidato que tal e

coisa. Então eu acredito que muito aluno votou com muita consciência no “sim”.

PERGUNTA - E campanha? Houve campanha do tipo fazer passeata...

RESPOSTA - Ah, havia um grupo de alunos militantes fazendo passeata, por

exemplo: comício do “não” no Largo, na praça de Osasco, um grupo de alunos

resolve bagunçar e eu falei: bagunçar não pode, o que vocês podem é fazer

uma passeata.. “Ah, mas nós queremos cortar a praça inteirinha de ponta a

ponta.” Eu falei: então vão fazer a passeata e quando chegar ali a turma toda

atravessa cantando o hino nacional e vai embora. Não pode bagunçar, não

pode sair da linha, não pode sair...

PERGUNTA - Atravessar o comício do outro cantando o hino nacional não é

bagunça?

RESPOSTA - Não, ai era bonitinho, aí ia embora. Então esse foi a única

interferência do “não” direta. Mas o grosso mesmo foi na hora de votar na urna,

porque a votação foi feita no Geart, no ginásio. Então, havia a sala e essa sala

era cheia de janelas, todas salas eram bem iluminadas e nós pusemos a urna

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ali. E os votos do “sim”, o papel era branco escrito sim em preto e o papel do

“não” era preto escrito não em branco. Os envelopes eram os mais

vagabundos que você possa imaginar, baratinhos, baratinhos, então quando a

pessoa punha o voto, quem estava como fiscal da porta, contra aquela luz, via

se o voto era branco ou era preto e iamos contando. As urnas que receberam

muitos votos do “não” foram socorridas.

PERGUNTA - O que você chama de socorridas?

RESPOSTA - Por exemplo, na ultima hora, hora e meia antes de terminar, deu

um temporal naquela cidade que foi uma coisa bárbara, foi um horror, sumiu

todo mundo, não apareceu mais ninguém para votar e aquele temporal danado

la fora. Nesse momento, nós pegamos a lista dos ausentes, assinamos e

colocamos tudo “sim” - alguns com a conivência do presidente da banca -. Na

minha sala, por exemplo, foi sem a conivência do presidente da banca, que não

quis, que era Nair Bellacosa e não deixou.

PERGUNTA - Mas como vocês fizeram sem a conivência dela?

RESPOSTA - Era o dia inteiro, né? A tarde inteira sentada ali, nós começamos

a mandar guaraná para Nair e ela tomou bastante guaraná, chegou uma hora

que ela teve que ir ao banheiro, e nesse momento, então, nós fizemos uma

festa na urna, muito voto “sim”, tudo com a assinatura, entende? Nenhum

defunto não. Só os que estavam na lista.

PERGUNTA - Mas muitas urnas foram impugnadas. O grande argumento para

a luta de 4 anos, de 58 a 62, era de que os mortos tinham votado.

RESPOSTA - É, os que não apareceram na hora do temporal. Uma das

pessoas que ajudava e comandava tudo isso era o Walter Auada. O Walter

Auada que era ligadão com o Ademar, mas o Ademar já é Governador. O

Walter era outro bom vivant, mas era amigo, né? Da direita, extrema direita.

Então eu tinha amigos do partidão, o Partido Socialista Brasileiro foi o que eu

fui candidata. Única vez na vida e depois disso, é PT. Eu nunca pertenci ao

partidão, isso aí é intriga da oposição.

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PERGUNTA -Mas você tem muitos amigos que foram e acho que é em função

disso que, na realidade, acaba apontando que você tenha sido.

RESPOSTA - É, mas o partidão nunca teve o prazer da minha presença.

PERGUNTA - Vamos por um pouco da escola e em outras questões, por

exemplo, a escola tinha muita atividade nesse período, pelo que eu vi.

RESPOSTA - Você tem que falar, o impacto que foi o aparecimento dessa

escola no cenário: qando a escola aparece noturno, ela foi instalada como

noturno, aquele lado todo do alto da Igreja era tudo escuro, não havia

iluminação elétrica, então isso é que vai explicar porque você vai encontrar

mãe e filha na mesma sala, tio e sobrinha, tio e sobrinho, porque aquele

caminho não era muito fácil não, era um caminho bastante perigoso e a volta

11 horas da noite, como é que as meninas vão voltar a essa hora?

PERGUNTA - Lá de cima da estrada de Itu até o largo.

RESPOSTA - Então vinham os pais vinham buscar, na saída tinha muito pai,

muito tio, muita mãe, esperando, e outros que ficavam fazendo hora e à toa

para esperar filho, resolveram entrar junto, como foi o caso da Rosinha Perini,

que foi uma aluna brilhante e a Rosali também, eram mãe e filha ali, as duas

eram excelentes alunas.

PERGUNTA - As duas estudavam na mesma classe?

RESPOSTA - Comigo, nenhuma melhor do que a Lígia Barros, ela é

Presidente da APAE em Osasco. A Lígia Barros foi fantástica, ela nunca tirou

uma nota diferente de dez em História, três anos de Colegial. Então a Lígia foi

fantástica. Outro aluno brilhante que eu tive chamava-se Orlando Geisel, o filho

do General Geisel de Quitaúna, Ernesto Geisel, o Presidente da República, o

filho dele, foi meu aluno. Brilhante! Brilhate!

Os rapazes, filhos dos militares estudavam no Ginásio de Osasco e vinham no

mesmo caminhão, e o Orlando Geisel vinha também, era um menino

excepcional, excepcional! Ele só tirava dez. Então, um dia ele chegou e pediu

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se ele poderia falar com a classe, ele era bom, o menino era bom e tinha bom

caráter, mas mal visto pelos colegas porque ele era o filho do Coronel, e tal e

coisa -- é pó de arroz, é isso e aquilo -- e um dia ele se cansou e eu,

inadvertidamente, ele pediu se eu poderia dar os últimos dez minutos da aula

que ele queria conversar com a classe. Pois não, e dez minutos antes, eu disse

para a classe, eu vou me retirar porque o Orlando quer conversar com vocês e

a classe fica com ele e fui embora, era a última aula. No dia seguinte, eu sou

chamada na diretoria porque a coisa ficou feia lá dentro da sala, ele desafiou

quem dizia que ele era florzinha, pó-de-arroz e tal e coisa, ele afastou a mesa e

falou, bom, eu não posso brigar com todos, mas então venham um por um e

vamos ver no braço aqui, como é que vai ser: deu um quiprocó, no final ficaram

amigos dele, porque acharam que era peitudo, raçudo e entende?

PERGUNTA - Isso era valorizado.

RESPOSTA - Era valorizado ele desafiou sozinho, não é? E o diretor me

chamou porque ficou sabendo da história toda e tal. Brilhante o aluno. Eu tive

um desgosto imenso, muito grande, tinha acabado de nascer a Susi, eu tinha

voltado para casa, tinha tido uma filha e estava afastada da escola, a Susi tinha

um mês, não sei, quando chegou uma aluna e me contou que o Orlando Geisel

tinha morrido. Eu perdi até o leite, chorei dois dias de desgosto de saber que

aquele moço tinha morrido. Ele foi atropelado pelo trem naquela passagem que

vai para Quitaúna, não esperou, achou que dava tempo para atravessar de

bicicleta e não deu.

Sonia - Essa aí é uma história que eu não conhecia.

RESPOSTA - Foi uma coisa horrível, tanto é que eu fiquei apavorada quando o

Prof. Emir foi, em nome dos professores fazer uma visita, o Geisel tratou muito

mal, foi muito seco, falou que isso acontece. Então, quando ele chegou à

Presidência, na época do golpe militar, eu falei agora é que a coisa vai ficar feia

mesmo, porque o filho maravilhoso, morreu, a filha era um pouco deficiente e a

mulher ficou louca, então, hás de ver o que vamos ter na Presidência da

República. Aí foi outro dia que eu chorei feito uma doida. Então a história desse

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moço aí foi muito, muito triste. E falando nisso tudo, eu quero dizer o seguinte:

“Então todos aqueles que gostariam de estudar e não puderam – porque as

escolas eram particulares e eram em SP – puderam ir pra escola e foram, e

foram adultos. Então eu, quando chego em classe encontro meus colegas de

infância, os meus parceiros do baile, dos matines do Floresta, na sala de aula,

como meus alunos. E aí, um pouco daquela fama de eu ser muito austera,

muito antipática, muito isso, muito aquilo é que não era brincadeira você pegar

alunos da sua idade ou mais velhos que você. Então o pulso tinha que ser

firme, não dava pra muita brincadeira, se bem que de fim de semana minha

casa vivia cheia de alunos.

PERGUNTA - É você era a única de Osasco.

RESPOSTA - Eu era a única de Osasco.

PERGUNTA - Quer dizer, os outros, mesmo que fossem jovens, eram pessoas

que não eram conhecidas dos alunos. Você, além de ser da mesma faixa

etária, era da comunidade, era conhecida deles. RESPOSTA - Essa coisa, pelo menos depois eu fiquei sabendo. Minha irmã

que me dizia: A turma lá disse que você é muito brava. Mas não era, era uma

questão de ou você se impõe ou não impõe. Mas eu adorei dar aula no

CENEART, nossa mãe, foi a melhor coisa da minha vida. Eu entrei no começo

da minha carreira e terminei minha carreira lá - foi tão gratificante - poucas

pessoas tiveram essa felicidade.

PERGUNTA - Em 81 você pediu a aposentadoria e se aposentou em 82.

RESPOSTA - É.

PERGUNTA - Você ficou de 54 a 82.

RESPOSTA - Certo. E com muito prazer. Só piorou depois de 64, porque em

64 eu sou presa como subversiva e as coisas ficam complicadas.

PERGUNTA - Essa sua prisão se deu em função da sua militância na cidade

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ou em função da sua atuação na escola, ou ambas?

RESPOSTA - Ambas as coisas. Bom, o que eu queria contar antes de chegar

nisso era o seguinte: na escola, todos que puderam entrar e se inscrever para

estudar foram. Os que já estudavam em São Paulo acabaram se matriculando

no ginásio de Osasco porque não precisavam mais viajar pelo subúrbio, iam a

pé pra escola, voltavam a pé, era uma tranqüilidade para os pais. Esses eram

naturalmente os filhos da burguesia e chegaram na escola e encontraram

quem? Os operários, não é? Um operário, por exemplo, da cerâmica de

Osasco, hoje doutor Figueiredo. Ele era operário da cerâmica, ele era aluno lá,

como era o Barreto e como eles, muitos, e mais aparece a raça negra dentro

da escola.

PERGUNTA - Havia discriminação?

RESPOSTA - E vão se conhecendo ali. O que aconteceu foi o seguinte: eu

acho que um elemento importantíssimo, importantíssimo para a

conscientização e a formação e a lucidez desses jovens todos foi o esporte,

porque o que aconteceu? Eles eram muito bons em futebol, tinham um time de

futebol que não era brincadeira. Eles eram bons em vôlei, eu sei que num

campeonato de vôlei, um dos melhores faltou, foi uma complicação, acho que

perderam o jogo, ficaram zangados e alguém sugeriu aos alunos que fosse à

casa dele saber o que estava acontecendo, e os alunos foram, e chegaram lá,

era uma casa paupérrima, o colega deles desesperado, aos prantos, que a

filhinha dele tava morrendo. Ele era pai, o jogador que faltou. Aí os alunos

entraram em contato com a pobreza, a infelicidade do colega, a doença da

criança e sem dinheiro para o medico, remédio, coisa nenhuma. Aí que entra

então os meninos da burguesia, quem era filho de medico já foi se mexer, já

arrumaram para internar a criança, para arrumar remédio, para pedir para os

pais. Aí que vai haver a integração entre a burguesia e o proletariado de

Osasco, eles se integraram perfeitamente. O proletariado cresceu na medida

que teve que mudar ate seu linguajar, para conversar dentro de sala de aula e

com os outros. Aula de português era o mais importante, provavelmente, para

eles. E o Emir, não tem, é impar, não tem. Os burgueses viram que a realidade

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da vida era outra, porque eles têm ali, na classe, ao lado deles, os problemas

dos pobres. E com isso, houve integração. Vão estudar juntos, vão fazer o

trabalho que você desse, eles tinham que se reunir, né? Se bem que nem

existia muito esse negocio de trabalho em grupo não. Mas sempre um ajuda o

outro, que tem o livro, já aproveita, sabe que o outro não tem dinheiro para

comprar, já empresta. Alguns melhores em uma matéria, alguns melhores em

outras, e com isso houve a integração. E daí, minha filha, com aquele corpo

docente do Ceneart, tinha que abrir a cabeça de todo mundo mesmo. Era em

tudo: Geografia não entrava só geografia, era Geografia humana, geografia

econômica, ia abrindo a cabeça. Historia então, sai da frente, porque sempre

tem que saber da situação política, econômica e social de cada região e outra

coisa, eu nunca entrava em sala de aula para dar aula de História sem mapa.

É, minhas aulas sempre com mapa, porque se eu estou falando dessa região

ou daquela região eles têm que saber onde é que está, ainda mais quando eu

comecei a ficar só mais assim com o colegial, 3º colegial, imperialismo,

fascismo, nazismo, que foi a minha especialidade depois da faculdade. Meus

alunos conheciam a África, conheciam a Ásia, não é? Imperialismo... Quando

aparecia uma Guerra do Vietnã, um aluno meu não precisava procurar num

Atlas para saber onde era, ele já tinha informação.

PERGUNTA - Naquela entrevista que você deu para o Bacamarte em 63, há

uma questão do Grêmio perguntando como você dava suas aulas, se você

tinha mudado alguma coisa no seu programa, adaptado alguma coisa, que

você começava a dar atualidade, porque você trabalhava com jornal e tudo

mais. Eu gostaria que você me falasse um pouco do material que você usava,

como você começou a falar em mapa. Se havia livro didático, que livro didático

era esse?

RESPOSTA - Havia, o meu livro era o Burns “Historia e Civilização” do Burns.

PERGUNTA - Hoje, o Burns é um livro considerado pesado. Porque é um livro

de texto...

RESPOSTA - É factual.

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Sonia - Ele não é um livro analítico.

RESPOSTA - Não é interpretativo, não é analítico. É. Mas se você não

conhece os fatos, se você não tem uma seqüência lógica dos fatos, se você

não sabe, você não conhece os fatos, você não sabe como você vai atravessar

da época medieval para a moderna, você não sabe como você sai da moderna

para entrar na contemporânea: essa evolução, Como é que você vai evoluir a

máquina e a sociedade...

PERGUNTA - Mas por exemplo, o Burns é um livro caro. É hoje. Para a época,

os livros deveriam ser mais caros.

RESPOSTA - Era caro, era caro.

PERGUNTA - Os alunos compravam?

RESPOSTA - Compravam. Mesmo os mais pobrezinhos, tanto eles faziam e

ganhavam também, e a biblioteca...

PERGUNTA - A biblioteca funcionava? Isso é uma coisa que me interessa.

RESPOSTA - A biblioteca funcionava e tinha vários volumes do Burns na

biblioteca. Quem não tiver pode sentar lá e ler o Burns sossegadinho - tem. Os

alunos que estudaram pelo Burns não acham o Burns pesado, por que? Mudou

a mentalidade. Como é que eles conhecem tanto de historia? Porque depois

que você conhece o factual, minha filha, a analise e a interpretação dos textos,

outros quaisquer que cheguem à sua mão, você sabe do que você ta falando,

do período que você ta falando, o que aconteceu naquela época. Você vai ta

fazendo uma analise...

PERGUNTA - Todas as disciplinas utilizavam livro didático?

RESPOSTA - Olha, eu não lembro. Bom, continuar falando do material

didático: o Burns. Quando eu falo para você que a Ligia Barros foi a que só

tirou 10 comigo. Eu dizia para os alunos: “Esse fim de semana vocês prestam

atenção, se tiver alguma coisa ligada com a matéria, ou lembrar alguma coisa

da matéria, tomem nota. Canal tal, tal hora passou tal filme assim e assim,

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lembrei disso, disso e disso. Se vocês tiverem um almoço com os avos,

perguntem para os avós como era, entende? De onde eles vieram, qual é a

origem, como é que chegaram em Osasco, especulem os avós, fiquem

sabendo da vida de vocês mesmos, da família”. Na segunda feira, eu

perguntava para a classe: “Alguém tem alguma coisa para contar?” “Ah, eu

tenho. Passou um filme assim, era sobre a revolução francesa tal, toda aquela

matéria que a senhora deu e...” Entende? Ou aquele jornal que nós lemos

apareceu todo aquele mapa lá da Ásia, que a gente não conhecia direito e tal.

Falou alguma coisa, eu conversei com meu avô. O meu avô diz que passou a

Primeira Guerra na Europa. ... .Aí ele me conta e tal. Cada um que levanta,

vem lá na frente e conta alguma coisa, eu punha um + na caderneta, na frente

do nome. Cada + desse significava meio ponto na média, tinha aluno com 6, 7

avaliações, chega a ter 780 alunos, todos os meus alunos no mínimo 3, 4

avaliações, mas por que? Para ele começar a ligar historia com os fatos. Isso

foi muito bom. Por isso que eu falo da Barros, porque eu fiquei devendo nota

pra ela. Ela só tirava 10.

PERGUNTA - Além de ser um lugar de estudo, a escola era um ponto de

encontro.

RESPOSTA - Era.

PERGUNTA -Principalmente depois que abriu o prédio novo. Você tinha

fanfarra, você tinha vôlei, você tinha basquete, você tinha futebol, você tinha,

por exemplo, aos domingo tinha uma sessão de cinema que o grêmio passava,

pelo menos eu li num Bacamarte, os alunos se organizavam, a escola abria,

quem ficava com os alunos?

RESPOSTA - Os professores participavam.

PERGUNTA - Os professores iam no sábado e domingo para a escola?

RESPOSTA - Iam, iam, iam. O ano de 54 para 55, as férias de janeiro e

fevereiro, eu passei em casa, ensaiando peça de teatro com alunos.

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PERGUNTA - Isso era uma coisa constante?

RESPOSTA - Então, mas era sábado em domingo com os alunos. As férias

inteiras. Não perdia-se contato, entende? Então, no primeiro dia de aula, a

inauguração. Era peça, não é? Muitas peças, algumas sérias, que os alunos

bagunçaram e virou comedia em vez de tragédia, mas era essa a ligação entre

eles, a idéia de teatro, de autores. Tudo isso.

PERGUNTA - Havia muita peça de teatro na escola? Pelo que eu tenho

percebido, os alunos escreviam, o alunos montavam, os alunos encenavam.

RESPOSTA - Depois de 54 eu fiz a primeira né? Passei lá dois meses com os

alunos e tal, daí pra frente eles entenderam que poderiam escrever as peças e

levarem. Um queria ser diretos, o outro queria ser maquiador, outro queria ser

isso, aquilo e foram.

PERGUNTA - O Bira escreveu varias peças.

RESPOSTA - Escreveu, então, eles passaram a escrever, eles passaram a

representar. Aí eles cuidavam, o grêmio cuidava.

PERGUNTA - Havia funcionário designado para abrir a escola, para fiscalizar?

RESPOSTA - A Dona Ana morava do lado da escola, né?

PERGUNTA - Dona Ana Gaban?

RESPOSTA - É.; Então era só chegar lá: “Dona Ana!”. E os meninos, quando

era de confiança, ela dava a chave, tal. Mas tinha que limpar, né? Deixa limpo,

porque não vai deixar pra dona Ana limpar, né? Que ela era adorada pelos

alunos, então eles não deixavam nada para ela não. A escola era deles, essa

que é a verdade.

Nós conhecíamos todos os alunos pelo nome, nós sabíamos dos namoricos e

como sabíamos dos namoros, nós sabíamos também das brigas, que as

alunas vinham, às vezes, chorando porque brigou com o namorado tal e coisa.

Brigavam uma com a outra. Nós sabíamos tudo, eles contavam tudo para a

gente; eles sabiam que não tinha nenhum professor dedo-duro, que ninguém ia

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dar bronca, pelo contrário, ia tentar entender a situação. Então, algumas

coisas eram engraçadas, por exemplo: que é minha amiga até hoje, a Deneide

Horst, chegou a conhecer? Eles moram nos Estados Unidos hoje, e eles

começaram a namorar no ginásio, aí no Colegial eles brigaram, acabaram com

tudo, então, eu não sei o que aconteceu, vieram me falar que eles brigaram e

eu estou dando a minha aula, ela está sentada aqui e ele estava sentado ali e

conversando, ele era muito sério, família alemã, muito séria, mas naquele dia

ele estava conversando, estava bravo com alguma coisa, aí eu falei e na

bronca: cavalheiro, por favor, sente-se aqui e coloquei ele sentado atrás da

namorada que ele estava brigado.

PERGUNTA - Ah! Então era cupido?

RESPOSTA - É e ainda era cupido. E aí ele sentou atrás dela, começou a

passar o dedinho nas costas, puxar o cabelinho e com isso eles voltaram e eu

fui madrinha do casamento e essas coisas todas aconteciam.

PERGUNTA - Isso quando era lá em cima no prédio do Grupo Escolar?

RESPOSTA - É.

PERGUNTA - Quando mudou para o prédio novo houve uma limitação, porque

o número de alunos cresceu muito.

RESPOSTA - Aí cresceu muito.

Continuação da entrevista com a Professora Helena Pignatari Werner, no

dia 17 de junho de 2004. PERGUNTA - Esta é a relação dos livros enviados pelo Estado para a

formação da biblioteca, quando do processo de estabelecimento do curso

Colegial. E ela me parece ser uma biblioteca muito rica e uma biblioteca com

poucos livros didáticos, eu diria, ela é, muito mais, uma biblioteca com livros

clássicos.

RESPOSTA - Sim, mas acontece, os livros didáticos, eu tenho a impressão

que havia um certo monopólio de editores e de autoras, por exemplo, o

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Joaquim Silva, de História Geral, ninguém se atrevia a dar uma aula sem

consultar o Joaquim Silva. Mais tarde, eu vou modificar essa situação toda só

lá no CENEART, com o Colegial e para chegar no Colegial nós tivemos 4 anos,

começa fazendo primeiro o ginasial.

PERGUNTA - Mas essa lista é de mais ou menos 54/55, ela não é do princípio

do Ginásio, ela já é do Segundo processo, do processo do Colégio.

RESPOSTA - Porque História, comigo, até o Ginásio tudo bem, dava para

tolerar o que o Estado mais ou menos exigia.

PERGUNTA - Exigia?

RESPOSTA - Exigia, não era assim que você usa o autor que você quiser não.

E, aí eu modifiquei, foi quando no Colegial eu comecei a usar Burns.

PERGUNTA -É, por exemplo, a biblioteca não tem o Burns, tinha vários

exemplares ou não?

RESPOSTA - Tinha. Tinha porque o Burns era caro e o Burns era mais caro, e

outro problema, eram dois volumes. Então, só o segundo volume que pegava

moderna e contemporânea.

PERGUNTA - Qual o uso que os alunos realmente traziam dessa literatura?

Havia o hábito do aluno ir à biblioteca para ler? O aluno que trabalhava o dia

inteiro?

RESPOSTA - O aluno que trabalhava o dia inteiro, só vai fazer pesquisa, mas

você não pode esquecer que aquele ginásio estava aberto sábado e domingo.

PERGUNTA - E a biblioteca também?

RESPOSTA - Ficava aberta.

PERGUNTA - E havia um Bibliotecário?

RESPOSTA - Era só pedir que tinha condições. Não um Bibliotecário para

atender, mas os alunos tinham acesso, querendo - porque sempre havia

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disputas de vôlei. Então, os alunos tinham acesso. A minha filha, por exemplo,

quando ela fez o Ginásio, a mais velha, a Susi, ela era muito tímida, então no

intervalo ela ia para a Biblioteca e lia livros e livros e livros e livros, até eu

descobrir que a menina não ia para o pátio e que eu tinha um problema dentro

de casa. Então, era freqüentada, sim, a Biblioteca e havia pesquisa, quer dizer,

no ginásio nem tanto, mas no Colegial eles eram obrigados a consultar.

PERGUNTA - Havia o hábito de tirar obras clássicas para leitura de lazer ou

não, ou eram só aqueles livros indicados pelo professor?

RESPOSTA - Não, não podia levar o livro para casa, consulta só dentro da

escola.

PERGUNTA - Como um aluno vai ler um Dom Quixote na Biblioteca da escola?

RESPOSTA - Pois é, só aos pedacinhos e muito tempo mais tarde é que eu

descobri isso, porque a minha filha, quando gostava do livro largava todo o

recreio e ia lá para acabar de ler o livro. Ela nunca tirou um livro para levar para

casa.

PERGUNTA - Fale-me um pouco do cotidiano das aulas, havia interesse dos

alunos, eram aulas produtivas, o aluno do noturno chegava cansado? Qual era

o aproveitamento, como você sentia isso?

RESPOSTA - O aluno do noturno realmente chegava muito cansados - deixa

eu explicar o sucesso do Ceneart: o professor dava tudo, as aulas eram muito

ativas, entende? A exposição era sempre muito interessante, muito curiosa, os

alunos ficavam hipnotizados pelas aulas, resumos na lousa, perguntas,

conversa entre eles, era aberta, a aula era aberta, eles podiam perguntar à

vontade, podiam discordar entre eles e depois você precisava ver o que era

uma aula do Professor Emir, o que era uma da Laura. A aula da Laura, o dia

que eu dava sabatina, eu ficava na porta, porque a Laura dava aula na sala

vizinha, eu ficava ouvindo as aulas de Espanhol da Laura, que eram fabulosas!

Então, corpo docente levava, realmente, aquilo para a frente.

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PERGUNTA - E como era a relação entre os professores da escola, havia uma

troca entre os professores sobre assuntos a abordar, havia alguma forma de

haver interdisciplinaridade ou não?

RESPOSTA - Não. Não como se entende hoje, mas era uma coisa mais

espontânea. Por exemplo, eu chegava na Laura e falava: Laura, você está

dando tal autor que eu ouvi a sua aula, porque ela falava muito alto - ela falou:

é, realmente eu estou dando. Aí eu falei: está batendo com o que eu estou

dando em História, então, você puxa para História que eu puxo para esse

autor.

PERGUNTA - Então não havia uma coisa programada, era uma coisa que saía

das discussões em sala de aula.

RESPOSTA - Não, era espontâneo dos professores. O Emir, então, embarcava

em tudo, porque ele pegava História, ele pegava Literatura, ele pegava o

Espanhol e era uma maravilha!

PERGUNTA - Como era a relação dos alunos da escola, dos professores da

escola, por exemplo, com as instituições internas da escola, como o Grêmio e a

fanfarra? E com a UEO.

RESPOSTA - Era um contato maravilhoso.

PERGUNTA - Vocês tinham acesso?

RESPOSTA - Nós tínhamos, nossa, o Grêmio, então, dia de eleição, aquela

participação toda, os professores estavam lá, ajudavam na eleição e havia

muita participação dos professores.

PERGUNTA - Havia disputa ou era uma coisa normalmente fechada?

RESPOSTA - Feroz. Feroz a disputa.

PERGUNTA - Havia várias chapas?

RESPOSTA - Havia, mas geralmente se destacavam duas, então eram as

rivais e aquilo era disputa feroz.

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PERGUNTA - Há alguma característica que pode ser destacada dessas

chapas rivais partidariamente ou não?

RESPOSTA - Não, era coisa deles, deles alunos. Podia, por exemplo: a turma

maravilhosa do futebol. O futebol foi fabuloso, fantástico e a turma do vôlei, por

exemplo. Então se dividia assim, né? Aqueles que estavam mais unidos saía

um candidato deste e aquele saía um candidato daquele. E no fim era oba-oba,

viu? Não ficavam depois inimigos durante o ano.

PERGUNTA - Então, por exemplo, o pessoal do futebol ganhava, por acaso,

hipoteticamente, e aí havia benefícios para o futebol? Quando o pessoal do

vôlei ganhava havia benefícios para o vôlei, ou não?

RESPOSTA - Não, não, isso não havia. O que havia muito e tanto faz ganhar

grego ou troiano, era fanfarra. A fanfarra era preciosidade. era a menina dos

olhos do Grêmio.

PERGUNTA - O Grêmio mantinha a fanfarra?

RESPOSTA - O Grêmio mantinha a fanfarra, a roupa da fanfarra cada um tinha

que cuidar da sua, comprar a sua, que era cara.

PERGUNTA - Não havia nenhuma forma de sustentar isso?

RESPOSTA - Não, não havia.

PERGUNTA - Então só o aluno que podia comprar a roupa da fanfarra é que

podia participar da fanfarra?

RESPOSTA - É e alguns, que eram bons, tinham sempre o amigo que podia

ajudar. No caso das minhas meninas, então, chega em casa e diz ‘Olha,

Fulana, não vai entrar porque não tem roupa’. Falei: ‘Como não vai entrar

porque não tem roupa? Vamos dar um jeito nisso.’ E a gente acabava

providenciando.

PERGUNTA - E os instrumentos?

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RESPOSTA - Os instrumentos a gente exigia do Estado.

PERGUNTA - E o Estado fornecia?

RESPOSTA - Forneceu alguns e depois começamos a cobrar da prefeitura,

dos políticos, começando com o Hirant. Então, quer apoio político? Olha,

precisamos disso, disso, disso e a gente ia em todos os políticos: o ganhador, o

perdedor, o eleito, o não eleito...

PERGUNTA - Havia uma disputa muito acirrada na comunidade local entre

fanfarra do Ceneart, do Caxias e do Misericórdia. Havia inclusive um concurso

no sete de setembro? É isso?

RESPOSTA - Não, não havia um concurso.

PERGUNTA - Porque me parece que havia sempre uma que se destacava

mais.

RESPOSTA - Ah, sim.

PERGUNTA - Como é que sabiam quem ganhou este ano? Como é que era

tirado isso?

RESPOSTA - Ah, não lembro. Havia uma disputa feroz entre essas três

fanfarras e era uma maravilha - muito boas. Então, sete de setembro valia por

isso tudo aí, né?

PERGUNTA - Isso é uma coisa que eu queria saber: quem é que ganhava?

Porque tinha que ter um júri, não sei, nunca soube de haver júri em sete de

setembro.

RESPOSTA - Mas, na verdade, esse era o esforço dos alunos, dos

professores, uma parte da comunidade. Mas, muita coisa era boicotada nas

férias, a gente acaba se tocando disso muito tempo depois. Infelizmente não foi

detectado na hora que aconteceu. Por exemplo, os professores, nós

pensávamos: tínhamos que botar esses alunos para aprender um pouco de

mecânica, um pouco de carpintaria, por um torno, aprender a trabalhar em

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torno. Porque eles têm habilidade para isso e tal e é mais uma coisa importante

para eles, e, a duras penas, lá vou eu, de fábrica em fábrica a pedir um torno, a

pedir uma fresa e as fábricas doaram. Então a comunidade tinha feito essa

doação. Aí, eu queria, eu particularmente queria, que quem fosse ensinar fosse

o operário que trabalhava no torno. O chefe do torno. E entrei em contato com

a fábrica que se dispôs. Eu falei: ‘Olha, esse operário fica meio período na

escola conosco e o outro meio período ele volta pra fábrica. Vocês emprestam.

Estava conversado, mas acontece que o Estado e a burocracia passou a

alegar que eles não tinham diploma, não poderiam dar aula. Porque eles não

eram habilitados e aí nós acabamos nas mãos de professores de trabalhos

manuais. Aí a professora de trabalhos manuais acaba arrumando um fogão,

que foi a maior elevação... o importante, entende? Com o fogão ensina a

cozinhar, fazer pão. É, isso foi importante, não é?(ironicamente) E outras

coisas que nós queríamos, nada. Eis que, um belo dia depois das férias, nós

chegamos em março, toda a ala que era usada para a mecânica, para o torno

tinha desaparecido, estava desmontado. Transformaram aquilo em outra coisa.

Quem lá em cima? Você vai querer saber é a delegacia. A delegacia fez isso

por conta de quem? Provavelmente pela Secretaria da Educação e tudo aí já

tinha...

PERGUNTA - Isso quando? Em que ano, mais ou menos?

RESPOSTA - E tudo isso aí já tinha uma visão política da coisa.

PERGUNTA - Quando, mais ou menos, isso?

RESPOSTA - Quando que eles montaram tudo? Não sei. No começo dos anos

60. Não lembro, não lembro.

PERGUNTA - Por exemplo, havia uma rixa entre colégios, que saía brigas no

portão do Ceneart, não tinha essa de briga no portão do Caxias?

RESPOSTA - Mas aí também entrava muito namorinho, quem pegou

namorada de quem e tal. Então, criavam esse tumulto.

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PERGUNTA - Essa rixa era uma rixa de fanfarra, era uma rixa de namorados

ou era uma rixa de colégios?

RESPOSTA - É, é. Ou de clubes, né? Quem era do Floresta contra quem era

do Atlético. Que era um absurdo, né? Era um absurdo total. Porque no final, o

Atlético tinha a cabeça muito mais aberta do que o Floresta.

PERGUNTA - Claro. Porque era um clube de operário, né?

RESPOSTA - Não, era um clube aonde moças e moços iam sozinhos. Floresta

não, ia pai, mãe, tia, avó, ficava todo mundo sentado naquelas cadeiras,

vigiando as meninas.

PERGUNTA - E com a UEO? Vocês participavam?

RESPOSTA - Nós dávamos todo o apoio aos alunos, todo o apoio. Os

professores davam. Agora, o que havia bravo internamente, era um grupo que

era a maioria dos professores, o Emir, Laura, eu, Porciuncula, Cibele... Nós

tínhamos muito choque com a direção. Vários diretores. Começou com o Nilo e

aí foi. Nós tínhamos choque com os diretores, né? Isso não era fácil de

superar. Então, de vez em quando a coisa ficava muito feia.

PERGUNTA - Numa certa medida, nós precisamos ver também em que

medida essa diretoria não era pressionada pela Secretaria da Educação.

RESPOSTA - O que ajudou bastante, por exemplo, eu vou dar um exemplo

das nossas lutas com a direção, né? O trem que trazia o pessoal de

Carapicuíba, Barueri, tal e coisa, não tinha um horário um horário britânico, né?

Você sabe como era o trem lá em Osasco, ele podia chegar 15 minutos, meia

hora depois. O horário era esse, mas o diretor mandou que fechasse o portão

exatamente na hora e o aluno não podia chegar atrasado e nós ficamos

indignados. Os professores já se sublevaram ali porque era um absurdo o que

estava acontecendo. Conseguimos na primeira etapa que eles entrassem para

a segunda aula, mas nós não queríamos, queríamos que, chegou atrasado,

chegava um bando no mesmo trem, por que não entra? Não é? O que ajudou

muito foi quando apareceu a União de Pais e Mestres, quando os pais, alguns

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raros pais que vinham sistematicamente chegaram, e nós, professores

estávamos na frente de briga com a direção.

Por exemplo, a Rina Muso, italiana, que tinha dois filhos lá, ela ficou do nosso

lado. Aí ela se levantou e falou para o diretor que aquilo lá era um absurdo e

ele perguntou se o filho dela vinha de Carapicuíba, Barueri e tal. Ela falou:

‘Não, mas poderia vir, eu moro em Presidente Altino, meu filho poderia tomar

um trem e vir de trem até aqui, em vez de vir a pé.’ E aí o outro pai, então os

pais, às vezes pressionavam a direção e nós conseguimos, então, que os

alunos que chegavam atrasados por causa do horário do trem pudessem entrar

sistematicamente e todos eram conhecidos. Todo mundo sabia quem desceu

de tal trem, que horas, mora aonde, sai de Barueri, de Carapicuíba, todos

sabiam disso, porque todos os alunos eram conhecidos. Nós conhecíamos os

alunos pelo nome.

PERGUNTA - Eram poucos.

RESPOSTA - Não era tão pouco assim. Não era tão pouco. Porque isso já

acontece quando o Ceneart está lá em baixo.

Então, era uma escola muito grande, mas do período ainda conhecia os

alunos. Principalmente os que tinham migrado do prédio antigo. Conheciamos

pelo nome, nós sabíamos onde moravam e, assim, havia uma ligação muito

grande.

PERGUNTA - Houve uma manifestação de alunos, uma manifestação popular

em Osasco, em 64, por causa do aumento de salário dos vereadores, você se

lembra desse fato?

RESPOSTA - Sim, nós cercamos a Câmara.

PERGUNTA - De quem foi a iniciativa? Foi dos alunos, foi de algum político. Eu

quero saber como se deu essa organização.

RESPOSTA - Aí começam a aparecer as lideranças políticas nas escolas,

então, isso era comentado, mas na realidade quem morava em Osasco era eu

e, na hora que os alunos cercam a Câmara Municipal, o único professor que

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estava ali comandando o pessoal, eu, porque eu moro lá. E a sessão era à

noite, então os professores da manhã e da tarde não participaram, participaram

os professores da noite, se quisessem, mas a escola ficou vazia, eles foram

embora. Eu moro lá, eu vou com os alunos, não é? Aí começa a pichação, né?

E mesmo o que se falava em classe, entende? Havia a Ciência, dava aula de

Ciências, explicava sexo assim, na maior, não é? A mentalidade burguesa da

cidade se horrorizou, achando que estávamos levando os filhos para o mau

caminho. Aula de História, justamente para manter acesa aquela turma que

está cansada, contar lá das amantes do imperador, contar coisas assim, que

pareciam um pouco escandalosas na época e isso tudo vai indispondo a

mentalidade burguesa tacanha contra os professores e de preferência contra

mim, porque eu moro na cidade. E o próprio comportamento na cidade, né? A

professora vai a baile, a professora vai a barzinho, vai a boates, pula carnaval,

era uma coisa de falta de respeito...

PERGUNTA - Era uma coisa que não estaria dentro do padrão moral que se

esperasse de um professor.

RESPOSTA - O grau de liberdade que eu tinha, especialmente dentro do meu

casamento, incomodou muita gente. E havia o comportamento meu,

especificamente, altamente condenável. Por exemplo: numa festa importante,

sei lá, uma festa no clube, coisa importante, vai ser a festa muito grande, muito

boa, o baile vai ser muito bom, etc, etc. As desquitadas, como é que vão? Vão

sozinhas para o baile. Aí chega ‘Ai, Lenita, posso ficar na sua mesa?’ Claro que

pode. ‘Ai, Lenita, posso ficar na sua mesa?’ Claro que pode. Resultado: ficava

eu, o Klaus, o Toninho Coutinho e três ou quatro desquitadas, cinco, às vezes,

na mesa. Isso incomodava muita gente.

PERGUNTA - É isso que eu queria um pouco que você falasse da escola e da

vida cultural. Quer dizer que essa coisa de você ser da cidade e dar aula na

escola, em muitos aspectos favorecia o seu entrosamento com os alunos,

favorecia uma série de coisas que você podia fazer no seu cotidiano de

moradora local, como professora e como companheira desses alunos, por

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outro lado, você era mais vigiada, você sofria um policiamento maior, quer

dizer, havia o comportamento dentro da vida social da cidade, dos outros

professores não se tinha notícia.

RESPOSTA - O meu aparecia mais, porque eu morava na cidade. Por

exemplo, o campeonato de futebol, quando apareceram os interescolar. Esse

campeonato de futebol era muito importante. porque o Ceneart tinha jogadores

fabulosos, o Galianinho é que pode contar essa história, o Port pode contar, ele

sabe melhor do que eu. E daí qualquer dia eu quero tirar diferença com esse tal

de Sílvio Luís, comentarista esportivo, entende? Pela sujeira que ele aprontou

naquele ano. Isso foi ano acho que de 58. 1958, que aconteceu isso. Quem

são os adversários do futebol? Dante Alighieri, São Luís, Mackenzie, Porto

Seguro, entende?

PERGUNTA - Escolas grandes de São Paulo.

RESPOSTA - E o Ceneart. Era dos ricos de São Paulo e nós, Estado. E o

nosso time era bom demais. Era bom demais. E o Sílvio Luís que organizou

isso, propondo não só a taça, mas que o jogo, a finalíssima, iria passar na

televisão, que era uma coisa na época, né? Imagina.

Sonia - A televisão tinha acabado de surgir

RESPOSTA - É. Então ia aparecer na televisão, resultado, meu bem: o

Ceneart foi batendo uns e outros e outros e outros e outros e quando chegou a

hora do vamos ver, nós batemos o São Luís e fomos campeões. Cadê Sílvio

Luís? Sumiu, desapareceu, não teve taça, não teve medalha, não teve coisa

nenhuma, entende? E muito menos a televisão. Esqueceram o tal do

campeonato, mas quem pode te contar isso com detalhes é o Port.

Sonia - O Port é a minha próxima entrevista.

RESPOSTA - E pergunte ao Port porque que a dona Helena tem tanta raiva do

Sílvio Luís. Eu falei, qualquer dia eu escrevo um artigo para desmascarar esse

cara aí. Então, e os professores iam aos jogos, nós íamos atrás dos alunos.

Tinha jogo no domingo de manhã, quer dizer, você trabalha a semana inteira,

sábado era difícil sábado que não tivesse casamento de aluno.

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PERGUNTA - É, os alunos casavam quando ainda estavam no ginásio, no

colégio.

RESPOSTA - É, aí começa a casar. Aluno, então, todo sábado, casamento.

Domingo de manhã, nós tínhamos futebol.

PERGUNTA - Além disso, eu via também, a vida cultural da cidade girava

muito em torno das atividades do colégio, porque eu me lembro que haviam

bailes pró-formatura o segundo semestre todo do ano, praticamente. E era o

grande evento do final de semana, não era?

RESPOSTA - Era, era. A matinê sempre foi cheia.Sempre estava cheia a

matinê do domingo.

PERGUNTA - E era pró-formatura, normalmente.

RESPOSTA - Muitas vezes faziam pró-formatura e nós estamos aonde, os

professores? Então veja você que o professor estava com o aluno de segunda

a segunda, entende? Não é essa história hoje dá aula, sai correndo e vai pra

casa. Aliás, saí correndo tem uma coisa genial, os alunos, às vezes, depois das

provas, terminadas as provas, estão cansados, é o noturno, estão cansados,

querem sossego, eles inventaram, no começo, lá em cima. Tinha muito

eletricista entre eles, eles davam um jeitinho e apagavam a luz da escola. Eles

cortavam. Esperava-se não sei quanto tempo e suspendia-se as aulas. Nós

professores íamos para a pizzaria e era aí nesses grandes apagões dos alunos

que nós íamos para a pizzaria, comer pizza, tomar cerveja, bater papo,

conversar. Então, é que rodava muito papo entre os professores. Acho que era

o Prado que nós íamos e lá nós ficávamos, tomando cerveja, comendo pizza e

batendo papo, tratando de tudo. Então, nessa convivência toda eu acho que

fez a diferença também, né? E não esqueça que os nossos alunos saem do 3º

colegial em dezembro, janeiro prestavam vestibular e eram os primeiros

lugares, Direito, Medicina e Engenharia, eram do Ceneart.

PERGUNTA - E como se mantinha esse contato desses alunos que saiam do

ginásio com os alunos que permaneciam no ginásio. Porque é uma coisa que

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me provoca algumas duvidas, você tinha uma UEO atuante, você tinha o CEO,

quando o UEO entrou na ilegalidade, e essas entidades, elas são mantidas em

grande parte por estudantes secundaristas, até porque você não tem tanto

universitário quanto você tem hoje. A maioria dos estudantes das uniões de

estudantes são estudantes secundaristas.

RESPOSTA - Foi quando apareceu depois a UMES. Um diretor do CENEART,

que foi um desastre, Como é que chamava, a mão direita do Rossi...

Sonia - Nélio?

RESPOSTA - O Nélio. Era um ditador, né? Ele era um ditador dentro daquela

escola. Inclusive pegou o microfone, um dia, proibindo os alunos de se

inscreverem na UMES, de participar da UMES, que aquilo era subversivo, era

isso e era aquilo. Eu entrei em classe, peguei o giz dobrado e escrevi bem

grande na lousa: UMES. Vocês sabem o que é isso?

PERGUNTA - Mas isso já é bem depois, né?

RESPOSTA - É, já dei endereço, já deixei tudo escrito na lousa, para eles

entrarem em contato que aquele era a representação deles. Como é que o

diretor vai proibir que o aluno entre para a UMES. Isso ai foi já no finalzinho da

minha carreira. Porque durante a ditadura militar não podia fazer.

PERGUNTA - Você teve a UEO e o CEU até 68, por ai.

RESPOSTA - Nem sei se agüentou tanto. O medo era muito grande, né?

PERGUNTA - Como era a relação da escola com entidades do tipo ROTARY,

LIONS, que são entidades mais formais, digamos, elitistas da cidade. Você

tinha muitos alunos que eram filhos dessa nata que compunha essas

agremiações, convivendo ao mesmo tempo com os sindicalistas.

RESPOSTA - Os que ficaram ligados aos pais e ao clube, ao LIONS por

exemplo, e foi lá no Rotary, que tinha... Como é que chama a juventude do

Rotary? Na realidade, quem fez parte da juventude Lions ou Rotary...Eram os

mais reacionários. Eu, por exemplo, pertencia ao Lions. As minhas filhas

fugiam que nem o diabo da cruz, não queriam nem ouvir falar daquele jantar,

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daquelas coisas, elas tinham outra orientação, outra cabeça e eu estava no

Lions...

PERGUNTA - E com os sindicatos? Eu esto pegando as associações de

ambos os lados. As associações da elite, Rotary e Lions, por exemplo eu tenho

uma informação que a sala que sediava a UEO ficava do lado do gabinete do

Professor Antiório. E que ele pagava o aluguel.

RESPOSTA - Ah, não sei. O filho dele era o presidente?

PERGUNTA - Não, era o Gabriel Figueiredo.

RESPOSTA - Ah, era o Gabriel. É sobrinho dele.

PERGUNTA - Mas o Gabriel era uma pessoa diferente do Pinguin.

RESPOSTA - Outra linha, outra linha. O Pinguin hoje em dia ta no PT, né?

PERGUNTA - É? Não sei. Mas, você tem de uma lado, as instituições mais

organizadas da elite, que é o Rotary e Lions, de outro lado você tem as

instituições classistas.

RESPOSTA - Você não pode esquecer que boa parte desses alunos do

noturno são operários e eles são ligados aos seus sindicatos e todos esses

sindicatos eram muito ligados ao Ceneart.

PERGUNTA - Havia espaço para se discutir sindicalismo dentro da escola?

RESPOSTA - Isso se fazia em aula de Historia, Português...ou na fabrica. Mas

eles discutiam bastante na sala do grêmio, viu? No grêmio existia uma certa

divisão ideológica.

PERGUNTA - Ah, sim. Então essa, digamos, esse era um assunto que tava

mais presente nas discussões do Grêmio.

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RESPOSTA - Do grêmio e da sala de aula também, por que não? Porque eu vou

explicar o que é sindicalismo, o que é corporativismo, o que é anarquismo, o que é

comunismo, o que é... ?

PERGUNTA - Nas eleições de 62, é uma eleição meio esquisita em Osasco,

porque você tem o movimento autonomista, e tem lideres janistas e líder

ademartista, que é o caso do Fuad e do Menck. Certo? Ambos são pessoas de

destaque, são lideranças políticas, partidários distintas, e que de uma maneira

concreta bancaram financeiramente o movimento autonomista...

RESPOSTA - Pelo velho Menck.

PERGUNTA - E na eleição ganha um 3º. Sai uma tangente a essas duas

fortes tendências, que foi o Hirant. Como você explica isso e se os estudantes

da escola participaram dessa campanha?

RESPOSTA - Não.

PERGUNTA - Como se deu essa eleição. Esperava-se que com os dois

caciques, digamos, que um dos dois ganhasse.

RESPOSTA - É, o Hirant ganhou porque ele tinha mais traquejo político, ele

tinha sido vereador em São Paulo. Então ele conhecia os meandros todos, né?

Na eleição, ele já sabia como fazer uma campanha e os outros eram todos

neófitos.

PERGUNTA - Ah, então ai foi uma coisa de experiência de campanha?

RESPOSTA - Ah, foi.

PERGUNTA - Uma prática de eleição?

RESPOSTA - Na minha opinião, né?

PERGUNTA - E os estudantes, dentro da escola, havia uma preferência por

candidatos?

RESPOSTA - Bom, o titulo de eleitor saía aos 21 anos. Porque a hora que

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esse povo começa a ter idade para ter titulo de eleitor as coisas vão se

modificando dentro da cidade, não é? Ai nós começávamos a ter alunos

vereadores, ex-alunos vereadores. Tivemos vários prefeitos saídos do

Ceneart, o Parro, o Rossi.

PERGUNTA - O Guaçu não foi aluno do Ceneart?.

RESPOSTA - Acho que não.

PERGUNTA - Ele é anterior. É, mas o Guaçu foi eleito com apoio estudantil, da

UEO.

RESPOSTA - Foi, foi.

PERGUNTA - Uma das fortes frentes de campanha do Guaçu foi a UEO, não

foi?

RESPOSTA - Foi.

PERGUNTA - Quando ele volta da pós-graduação dele.

RESPOSTA - Que ele foi bolsista? Pelo Ponto 6.

PERGUNTA - Não sei, o que é ponto 6? O que que é ponto 6, eu não sei?

RESPOSTA - É, é o acordo Brasil – EUA. Nos mandávamos bolsistas e o

Brasil abria arquivos pessoais. Tanto é que nos EUA existem arquivos de

liderança do Brasil, nem aqui existe, nem o DOPs tem o que os americanos

têm. Foi baseado nessas bolsas ai.

PERGUNTA - É, e o Guaçu foi fazer sociologia.

RESPOSTA - Nesse acordo.

PERGUNTA - Eu não sabia qual era a origem da bolsa.

RESPOSTA - Mas ainda nessa época, até 64, nós tínhamos uma coisa muito

boa dos EUA, que era a Aliança para o Progresso. Aliança para o Progresso

não tem nada a ver com todas as outras organizações americanas que vieram

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para o Brasil. A Aliança era seríssima, estudava sério, era limpa, honesta,

clara, transparente, e foi a Aliança para o Progresso que me ajudou a fazer o

material para a alfabetização Paulo Freire.

PERGUNTA - Eu tenho 3 grandes assuntos que eu gostaria de saber: o

primeiro, eu queira saber, da sua atuação, você foi diretora do departamento de

cultura.

RESPOSTA - Isso foi no tempo do Hirant, primeira prefeitura. Eu fui a primeira

secretaria... Secretaria, não. Que não havia secretaria, havia Diretoria de

Educação e cultura, imposta pela Câmara. Porque os vereadores eleitos então,

tinham a nossa assinatura. Ex-alunos do Ceneart e amigos próximos. Tanto

que o presidente vai ser Orlando Calazans. Tinha o Putkammer, olha, vários

alunos nossos estavam ali e essa câmara então, se reuniu e falou não: por ser

uma postura de esquerda, nós queremos educação e cultura, que a esquerda

na época achava que com cultura podia fazer muita coisa. Mas eu fui podada

de todas as formas que você pode imaginar, também neófita no assunto, não

sabia trabalhar com a burocracia, que o Hirant conhecia muito bem, sabia

trabalhar muito bem, da câmara de SP.

PERGUNTA - A prefeitura era nova, tudo era novo.

RESPOSTA - O que eles fizeram. Com o Moioli, todo aquele pessoal do

Hirant, toda a verba da educação comprando livros de direito, porque livro era

educação. Então compraram a biblioteca de direito. Com a verba da educação.

E eu ó. Mal assessorada, quer dizer, juridicamente, né, nem lembrei disso, até

ser obrigada a pedir demissão porque não havia condições de trabalhar.

Funcionários de confiança impostos. Então ficou uma situação insuportável e ai

eu pedi demissão.

PERGUNTA - Queria que você me falasse um pouco, qual era a expectativa

desse aluno, do aluno do Ceneart da década de 50, mais claramente.

RESPOSTA - Uma expectativa de que, de emprego?

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PERGUNTA - Em todos os sentidos. Para que fazer ginásio, para que fazer

colégio?

RESPOSTA - Os grandes alunos, realmente, eles sempre pensavam, em se

formar e depois ter um trabalho na coletividade da sociedade, entende?

PERGUNTA - Fazer-se homem publico?

RESPOSTA - Ajudar ao próximo, sendo excelente profissional, certo? Tanto é

que você vai ver quem era o amigão dos patrões e depois deu uma virada era

o Albertino. Ele vai trabalhar mesmo com sindicato tal, e o próprio Gabriel,

quando eu fui à formatura dele, eu tive a maior decepção da minha vida

quando vi que ele era um psiquiatra. Ai eu falei: “Esperava tudo de você,

menos isso.” Ele falou: “Claro, a senhora estava esperando que eu fosse um

clinico geral.” Mas a psiquiatria também vai atender a classe que a senhora

espera.

Sonia - E ele foi um excelente Secretario de Saúde.

RESPOSTA - Foi. E era um excelente psiquiatra. Médicos: o Dionísio, um

excelente medico que se perdeu na política, ele era assistente do Zerbini. Você

quer ver outro maravilhoso? O Angelo Melli, esse sim deveria ser o prefeito de

Osasco um dia, né? Porque tem uma visão de planejamento.

Sonia - É, é uma pessoa que estudou urbanismo. Passou a vida dele

estudando urbanismo.

RESPOSTA - Então você vê, muitos médicos. O Klaus, que é fotografo das

grandes firmas multinacionais em Osasco, quando chega na direção para

conversar, primeira coisa: “Como vai Dona Helena, minha professora, como é

que está?” Quer dizer, os meus alunos são diretores das multinacionais.

PERGUNTA - Esses alunos que foram fazer ginásio e colégio nos anos 50,

anos 60 tinham expectativa, é obvio, de melhorar de vida, de atingir um status

social, de ter uma ascensão social. E isso foi possível.

RESPOSTA - Foi possível.

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PERGUNTA - O que não se pode dizer do ginasiano de hoje.

RESPOSTA - Não.

PERGUNTA - Do secundarista de hoje. Quer dizer, a escola secundaria dos

anos 50, e anos 60, apesar de não ser mais aquela escola em que você se

formou, ela ainda cumpriu o papel de possibilitar a ascensão social.

RESPOSTA - Claro, sim. Mas aí, minha filha, é a diferença, a aproximação que

nós tínhamos dos nossos alunos desapareceu. Desapareceu, porque a

pressão do sistema foi muito grande. Uma das piores coisas que aconteceu foi

o supletivo, o supletivo tirou o operário de dentro da sala de aula e as escolas

perderam todo o seu caráter político e ficaram medíocres. Entende? Os

salários foram aviltados, dos professores, então os professores não têm mais

tempo para ficar com seus alunos, eles têm duas ou três escolas por dia. É

uma loucura sobreviver sendo professor e a miséria que o professor ganha

hoje em dia. E nos tínhamos possibilidade, então, de ficar com o aluno, nos

tínhamos possibilidade de ir aos casamentos, de ir ao jogo de futebol, à disputa

de vôlei, essa era uma grande diferença. Considerando que depois de

formados, eram amigos, freqüentavam a casa, iam lá convidar para o batizado

dos nenês e nós continuávamos essa amizade. Eu tenho amigo que mora nos

EUA, até hoje ele vem me visitar, os Horst, dois brilhantes alunos. A Rosali é

minha amiga até hoje, a Rosinha, a mãe dela, são amigos que ficaram, que

ficaram pra vida toda. Toninho Coutinho, como é que começou minha amizade

com Toninho Coutinho? Como professor e aluno.

PERGUNTA - Quer dizer, nesse primeiro momento em que começa a

expansão da escola secundaria nos anos 50 e anos 60 elas ainda cumprem o

papel de formar o homem de formação integral, eu diria.

RESPOSTA - Sim.

PERGUNTA - O homem para a profissão, o homem para a sociedade, o

homem para a vida social, para a vida política e para a profissional.

RESPOSTA - Esse período todo, esse período todo, desde 54... Foram uns 10

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anos de gloria, né? 54 – 64. Foi esse o momento em que o proletariado vai

conviver com o burguês, é esse o momento que o proletariado passa a

freqüentar o clube burguês, a festa burguesa, o casamento burguês e é esse o

momento em que o burguês passa a conhecer a periferia, passa a conhecer a

festinhas e os churrasquinhos mais pobrezinhos, mas muito alegres, com muita

música. Há essa troca de informações e vivência, que isto foi considerado

subversivo, então, nós colocávamos uma subversão da ordem, da ordem

social, claro. Casar filho de burguês com o filho do proletariado foi uma coisa

espontânea, mas maravilhosa..

Sonia - Mas agrediu...

RESPOSTA - Agrediu o sistema, tanto é que o Golpe de 64 vai imediatamente

começar a desmontar a participação do proletariado dentro das escolas. Criam

o supletivo, quem tiver mais de 18 não pode entrar...

Sonia - Essa da formação do supletivo, eu acho uma brilhante conclusão.

RESPOSTA - Não, mas é a realidade.

Sonia - Eu nunca tinha analisado por esse viés.

RESPOSTA - Muita gente me acusa, diz “Não, você fala contra o supletivo,

você não imagina ....” Imagino que fez bem a muitas pessoas, a Dra. Julia

Tonato, como é que ela se formou? Ela fez supletivo. Mas ela era brilhante.

Então esse supletivo foi bom para ela porque comeu etapas para ela fazer

medicina, e o resto? O resto é uma mediocridade aí que Deus me livre.

Operário que consegue condição de ter cultura.

PERGUNTA - Bom, e também porque hoje o secundaria mudou o seu caráter.

RESPOSTA – Totalmente

PERGUNTA - E ele não tem mais o caráter que ele tinha na sua instalação, no

momento em que inicia sua expansão lá na década de 50.

RESPOSTA - Você vê a importância da escola? Como a escola é importante. A

menos que ela seja desmantelada com foi, mas quando era risonha e franca

nós conseguimos muita coisa.

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PERGUNTA - Há uma coisa ainda que me interessa ter dados, sobre o

processo de alfabetização Paulo Freire que você levou pra Osasco. Como se

deu, quem trabalhou com isso, de onde vinha a verba. Como você chegou ao

método Paulo Freire, o que te levou a?

RESPOSTA - O que me levou foi o seguinte: Eu era professora do Séde

Sapiense, e o Séde Sapiense tinha por costume levar as alunas Norte – Sul,

Leste – Oeste desse país. Então todas as férias havia uma excursão das

alunas de tal forma que quando elas saíssem da faculdade, elas tivessem

conhecido o sul, o norte, o leste e o oeste do Brasil.

PERGUNTA - Você era professora na Historia?

RESPOSTA - Eu era professora de Historia na Puc. No Séde Sapiense.

PERGUNTA - No curso de História.

RESPOSTA - História, dava História Moderna, depois passei a dar moderna e

contemporânea. O meu foco é contemporânea. Numa dessa viagens, eu fui

acompanhar as alunas - eram 2 padres, 2 freiras, o Klaus e eu. Ah, um dos

padres era o padre Dario Bevil’aqua, o outro, o padre Benedito que hoje é

bispo em Sorocaba, se não me engano e nós saímos de Santos de navio.

Então nós tomamos o Ita para o norte: tinha o Itaeté, Itararé, eram 3 Ita, por

isso que era o Ita para o norte. Acontece que o Ita que nós estávamos que era

o Itararé saiu do porto e, no caminho, entra em greve. Nós éramos 22 moças

naquele navio. O Navio era pequeno. 22 moças, a tripulação mais nós que

éramos uns 8 professores e tal e essa greve era coisa de terror, porque não me

pagam mais ... não faziam mais nada. O navio estava uma imundice só.

Quando a marinha de guerra tomou conta do navio. Chegou uma hora foram

obrigados a parar, eu não lembro onde foi que eles pararam, acho que foi em

Vitória e a Marinha tomou conta. Aí minha filha, foi uma beleza de viagem

quando chegou a marinha de guerra, aqueles oficiais maravilhosos. As

moças...22 lindas, lindas. A noiva do José Serra estava no navio, a irmã dela é

a Sula casada com o Nahas, as filhas de grandes fazendeiros, grandes

capitalistas, entende?

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PERGUNTA - Era uma elite.

RESPOSTA - Era uma elite, era classe A e aparecem aqueles oficiais, coisa

maravilhosa. Aí imediatamente ficou tudo limpo, maravilhoso e as meninas, né,

passarinho. Porque só tinha homem bonito naquele navio. Foi uma viagem

muito boa, mas quando chegou ao Recife, entrega o navio ou não entrega?

Então houve uma disputa entre a guarda costeira que fazia o Ita, que era dona

do Ita, e a Marinha de Guerra, que tinha tomado posse do navio e com isso nós

paramos em Recife. Chegou na parada em Recife, falei “Bom, vou andar por ai

e ver o que está acontecendo por aqui.” E fui especular como era a educação,

isso, aquilo, aquele outro. Aí encontro um amigo e ele diz “Você tem que vir

comigo lá num bairro porque eles passam filmes ao ar livre” Tudo americano.

Tem que ver o que os americanos estão fazendo lá. Aí eu fui lá para o

subúrbio, aquele povo mais simples, no subúrbio pernambucano, gente muito

pobre. Numa praça uma bela duma tela, com um caminhão muito bem

montado e eles estavam passando filmes, por exemplo, de aviação. Aqueles

aviões fazendo manobras no ar e a moçada naquela praça “Oh, e tal” e

maravilhados com aquilo e batendo palmas e eu querendo saber qual era o

objetivo, qual era o recado dos americanos tinham ali, mas afinal era a Aliança

para o Progresso. Não era nada de coisa assim mais agressiva, entende?

Eram grupos que aproveitavam para estabelecer contato, um pouco de cultura,

tentavam até alfabetizar e naturalmente, tem toda uma ala em Pernambuco,

em Recife, que estavam adiantadíssimos, davam um baile em São Paulo. Eles

estavam montando a radio Recife. Como Angola. Não é? E essa rádio estava

ali para começar. Quando eu cheguei que disseram tem uma palestra sobre

não sei o que, la fui eu. Quando eu chego lá, já tinha professor, diretor, um

monte de gente me esperando. Eu falei “Eu sou simplesmente a professora de

historia, estou acompanhando as meninas.” “Não, a senhora é irmã de Décio

Pignatari, ele é o nosso colaborador, ele escreve no nosso jornal, escreve na

nossa revista, ajudou a nossa montagem e nós estamos contando ainda com o

trabalho do Décio.” Esse trabalho tem um nome que, com a prisão de 64 eu

esqueci muita coisa viu? Ai, não lembro. Com isso, eu fui assistir porque

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disseram “Olha, faculdade daqui, uma vez por semana, é o aluno que da aula.

Para todos e para os professores e hoje é aula do aluno e é de história.” Os

professores sentados lá e o aluno deu uma aula brilhante , entende? Um

cabedal que sai da frente. Eu fiquei maravilhada com aquilo. Maravilhada. Aí,

conversa aqui, conversa aqu, mas preciso conversar com o Paulo Freire. Paulo

Freire esta alfabetizando em 40 horas. Eu falei: “Pelo amor de Deus, o que que

é isso?” 40 horas, alfabetiza em 40 horas... fiquei doida. Falei, ah, quero ver.

Acabei indo, fui a casa do Paulo Freire, batemos papo e tal e coisa, mas ele

contava, mais encantada eu ia ficando. E desesperei, né? Só falava nisso. Só

falava nisso.

- Em 1963 a professora Helena Pignatari Werner participou de uma experiência com o método de alfabetização Paulo Freire, com cerca de 200 alunos na região do Jardim Helena Maria – periferia de Osasco -, num projeto promovido pelo Sede Sapiense, da PUC/SP.

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Anexo 5 ENTREVISTA COM JOÃO GILBERTO PORT – ALUNO DE CENEART DE 53 a 58

Osasco, 8 de julho de 2004

Sonia: Em primeiro lugar, eu gostaria que você me desse seu nome, sua data

de nascimento e confirmasse se eu estou autorizada a usar as informações

que você vai me passar, para o meu trabalho de pesquisa sobre a escola

secundária em Osasco.

Port: João Gilberto Port, nascido em 02/10/38, na cidade de Pirassununga. E

você, Sônia, está plenamente autorizada a fazer uso das declarações que eu

vou fazer nesse instante.

Sonia: Obrigada.

PERGUNTA - Então, você é uma pessoa que estudou de 53 a 58, quer dizer,

você pega praticamente o princípio da escola. Você entra no segundo ano de

funcionamento dessa escola... Havia todas as salas ocupadas já, por exemplo,

ou não?

RESPOSTA - Havia sim.

PERGUNTA - Quer dizer que já tinha 1o, 2o, 3o e 4o ginasial?

RESPOSTA - Perfeito.

PERGUNTA - Já em 53?

RESPOSTA - Já em 53.

PERGUNTA - Utilizando as dez salas?

RESPOSTA - As dez salas

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PERGUNTA - É isso que me preocupa um pouco, porque logo em seguida vai

ser aberto o científico nesse mesmo espaço físico. Quer dizer, você teve que

diminuir o número de classes de ginásio, você se lembra disso?

RESPOSTA - É eu confesso que eu não me lembro bem disso não. Eu só me

lembro que, por exemplo, nós tivemos que usar uma sala acessório, uma

pequena saleta atrás do palco.

PERGUNTA -Que era a coxia?

RESPOSTA - A coxia... Exatamente, para abrigar o 3o científico, no último ano.

Isso eu me lembro perfeitamente, eu terminei o curso lá

PERGUNTA - Quando você veio pra Osasco, você já veio com o ginásio em

funcionamento?

RESPOSTA - Perfeito.

PERGUNTA - Me diz uma coisa, com que objetivos você foi fazer o ginásio? O

que você esperava da escola secundaria? Quais eram seus anseios? Bom,

porque não era comum as pessoas fazerem, poucas pessoas faziam ginásio

até então não era?

RESPOSTA - Pois bem, primeiro porque a escola pública da época realmente

tinha um nível muito superior aos dos dias de hoje. Segundo, que a minha

origem é de Pirassununga e eu tendo pai militar e mãe professora, o meu pai

foi transferido para Osasco, para aqui para Quitaúna e nós viemos, Portanto,

de Pirassununga, onde eu tive a oportunidade de estudar numa escola

excelente também que era o Instituto de Educação de Pirassununga.

PERGUNTA - Era estadual?

RESPOSTA - Estado, eu fiz a 1a e a 2a série lá. Vindo para cá evidentemente

os recursos também da família, uma família de 5 filhos, não era grande, mãe

professora e pai militar, então nós procuramos nos interar a respeito da escola

pública.

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PERGUNTA - E filho de militar, nesse contexto, tem preferência?

RESPOSTA - Tem preferência porque foi transferido, tanto é verdade que eu

consegui minha vaga em função desta facilidade que a lei conferia pelo fato de

ser filho de militar.

Foi, então fui, é iniciei a 3a série no CEART, antigo CEART, hoje CENEART e

pude verificar, dentro desse contexto da própria transformação da cidade de

Osasco, como poucos tinham a felicidade de freqüentar uma escola e pude

verificar também a miscigenação no corpo discente logo que eu cheguei;

porque realmente houve uma integração. Ah, o filho do industriário, do operário

em si com a chamada elite da cidade que também optou pelo colégio público.

Nós tínhamos na época o Duque de Caxias também, um ginásio.

PERGUNTA - Era uma escola técnica.

RESPOSTA - Era uma escola técnica e particular e nós tínhamos também,

quando cheguei, se não me falhe a memória, nós tínhamos o GEPA, lá em

Presidente Altino.

PERGUNTA - O GEPA é de 1958 como ginásio, antes ele era só um grupo

escolar.

RESPOSTA - Ah, era grupo escolar então não. Nós tínhamos o Misericórdia.

PERGUNTA - O Misericórdia, onde as meninas iam fazer o normal?

RESPOSTA - É, onde as meninas iam fazer o normal.

É eu me lembro exatamente desses três estabelecimentos: o Duque de Caxias, como escola técnica, o CEART e o Misericórdia e a miscigenação era tanta que até tem um fato pitoresco, naquela época, grande parte dos estudantes, não vou dizer a totalidade, mas a sua imensa maioria, numa cidade carente ainda. PERGUNTA - Nem era uma cidade, era um bairro.

RESPOSTA - Num distrito carente como Osasco, todos trabalhavam durante o

dia e se locomoviam para a escola à noite, em sua imensa maioria, de bicicleta.

Tanto é verdade que o pátio interno do Bittencourt, que durante o dia era Grupo

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Escolar Marechal Bittencourt, externamente era aquele manancial de bicicleta,

todas encostadas...

PERGUNTA - Você trabalhava?

RESPOSTA - Eu trabalhava, trabalhava e estudava.

PERGUNTA - Onde você trabalhava?

RESPOSTA - Na época, se não me engano, eu passei por duas empresas de

Osasco antes de ir para a Bron Boveri, mas a Bron Boveri foi posterior, foi em

60. Ah, eu passei pela Adamas do Brasil e passei pela, pela antiga fábrica de

tecidos de Tatuapé, a Santista e eu passei pela Eternit também... Ah, é jovem

ainda então não se adaptava num lugar; mudava paro outro.

PERGUNTA - É e ainda não tinha uma carreira formada.

RESPOSTA - Não, não tinha. É, tanto é verdade que trabalhava e estudava

como a grande maioria.

PERGUNTA - O ano que você entrou foi o ano do primeiro plebiscito, o

plebiscito que o não venceu, certo?

RESPOSTA - Perfeito.

PERGUNTA - Há muito pouca informação na documentação sobre Osasco

sobre esse plebiscito. Me parece que ele é assim alguma coisa que foi feito

meio na tentativa de seguir alguns plebiscitos que tinham dado certo, em

algumas regiões como acho que São Bernardo, como Barueri, que acho que

foram num primeiro momento. Então quer dizer, em 53, você tem uma tentativa

de Osasco, de se emancipar e como não deu, eu não sei se fala pouco nele

porque o não ganhou, ou porque ele não tenha atingido um espaço muito

grande na política local. Eu gostaria de saber, você estava em Osasco nesse

ano já, você se lembra desse plebiscito, você se lembra se havia mobilidade ou

não?

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RESPOSTA - Como a escola estava começando também não havia uma

formação de lideranças na escola, eram todos muito jovens, muito meninos

ainda na época.

PERGUNTA - mas havia gente com mais idade.

RESPOSTA - não já havia, mas não houve efetivamente. Eu me lembro do

Clóvis, do Sérgio Zanarde, todos já falecidos, que foram nossos precursores lá,

não é. Só que não houve, efetivamente, uma mobilização por ocasião do

primeiro plebiscito, que segundo nos consta também foi um plebiscito

controlado pelo cartório. Pelo não. E deve ter havido fraudes também

entendeu? E, infelizmente eu acho que esse processo retardou o

desenvolvimento de Osasco, vamos dizer assim, o fato da autonomia ter sido

derrotada, em 53, atrasou em cinco anos o desenvolvimento de Osasco.

PERGUNTA - Me diz uma coisa, você acha que depois que o não venceu, em

53, isso acendeu a chama da emancipação, isso mexeu com os brios dos...

RESPOSTA - Você sabe perfeitamente que a emancipação, ela era feita dentro

daquela lei qüinqüenal, então nós que perdemos em 53 e nós só poderíamos

ter uma outra em 58. Eu tenho a impressão que logo após não houve

mobilização, nós tínhamos a Sociedade Amigos de Osasco. Que era

controlada pelo Dr. Reinaldo de Oliveira né?. E que já teve uma participação

importante por ocasião do primeiro em 53. Mas aí houve praticamente um

período de cinco anos de refresco né, porque aí dentro de cinco anos não se

podia fazer nada. A verdade é o seguinte, o movimento forte mesmo começou

em 57. Por que isso? Porque aí começou uma mobilização preparatória para o

plebiscito com reuniões realizadas nas casas de Reinaldo de Oliveira, do velho

Menck, do dr. Edmundo Burjato, com a participação do Zé Marques... O Zé

Marques Rezende, o próprio pai do Antiório, Fortunato Antiório...As sedes das

reuniões mesmo eram a casa do Burjato, a casa do Rodolfo, a casa do

Reinaldo, e a sede maior sempre foi a casa do velho Menck . Ah, e a casa do

Negreli. Estes eram, então, os locais de aglutinação do pessoal.

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PERGUNTA - E os alunos?

RESPOSTA - Bom, aí eu vou chegar lá...Bem, na época, permita-me dizer

isso, eu já exercia uma forte liderança no meio estudantil, a ponto tal que eu fui

conduzido a presidência do grêmio.

PERGUNTA - Em que ano você foi presidente do grêmio? Você se lembra?

RESPOSTA - Eu acho que foi em 57. É, 57, quando eclodiu o movimento;

então, eu que vim duma cidade do interior, que na época reunia em seu

contexto aproximadamente 35 mil habitantes, hoje a população mais que

dobrou, mas uma cidade com receita pequena, toda urbanizada, jardinada,

toda calçada; cheguei em Osasco, e a primeira impressão que eu tive foi de um

impacto altamente negativo, eu não me envergonho de dizer, porque era

jovenzinho, eu chegava a chorar de tristeza, vendo uma cidade, um distrito,

que amassava o barro quando chovia, comia uma poeira danada na estiagem;

esgoto a céu aberto no centro da cidade e todas as suas travessas, e aquilo

me doía muito.

Então, realmente dava muita tristeza verificar aquela situação do Distrito e nós

sabíamos perfeitamente que Osasco, uma cidade tipicamente industrial

captava grandes recursos para a prefeitura de São Paulo e o retorno era

mínimo, mínimo. E sorte que, eu não posso precisar agora quem é que foi

o...vamos dizer assim, o meu padrinho, a pessoa que teria me convidado para

participar do movimento autonomista, eu não sei se foi o...

PERGUNTA - Isso como presidente do grêmio, na condição, quer dizer, já

como representante dos estudantes?

RESPOSTA - Como presidente do grêmio.

Eu não posso precisar se teria sido Walter Negreli, se teria sido Reinaldo, mas eu me lembro perfeitamente que quando me convidaram eu, de pronto, me propus a movimentar a classe estudantil em torno do movimento autonomista. E passamos, então, a participar das reuniões, o grupo foi crescendo. PERGUNTA - E essas reuniões se davam dentro da escola?

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RESPOSTA - Também, mas mais nas residências de Burjato, Negreli. Mesmo

porque os filhos deles participaram.

PERGUNTA - E esses filhos, eles também eram alunos?

RESPOSTA - Também eram alunos, evidentemente. No início, a verdade é

que formou-se, em torno da autonomia, um movimento, eu não vou dizer

elitizado porque na época poucos tinham essa condição de ser elitizado, mas

vamos dizer assim, uma classe média.

PERGUNTA - Uma classe que tinha um certo poder político em Osasco.

RESPOSTA - É, no início foi assim, mas aí começou-se a recrutar pessoas,

tudo a ponto tal que o movimento cresceu tanto que eu nunca deixei de afirmar:

a participação da juventude estudantil na vitória da emancipação foi muito

significativa e nós tivemos o condão de termos atrás de nós, como

conselheiros, Emír Macedo Nogueira, Helena Pignatari, que realmente deram

aquele embalo para a juventude e, eu fiquei muito feliz na época, veja bem eu

não quero personalizar nada, estou apenas traduzindo a realidade.

PERGUNTA - A Helena Pignatari, por exemplo, que eu já entrevistei, ela era a única professora de Osasco. RESPOSTA - Ela era a única de Osasco, era a única. PERGUNTA - Certo, ela era militante do movimento autonomista...

RESPOSTA - Não, ela não era a única de Osasco não hein, tinha o Alcir

Pornciúncula

Sonia: Mas o Alcir veio de fora e passou a morar em Osasco no momento em que ele assumiu as aulas. Port: Perfeito.

Sonia: Ele não é uma pessoa nascida em Osasco, por exemplo, essa é a diferença. Ele veio morar em Osasco no momento em que ele assumiu a condição de professor em Osasco. Port: Bom, a grande realidade é a seguinte: é que na época, se nós fizermos

uma análise fria, osasquences natos, na juventude eram poucos, eram poucos.

A maioria veio de outros lugares e escolheu Osasco para radicar a família.

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Então, a participação realmente foi muito importante porque o movimento

cresceu, nós começamos a organizar passeatas pela cidade com cartazes,

cartolina, tudo que nós fazíamos ou na casa do Negreli, ou na casa do Burjato,

ou lá no velho Menck, ou no Reinaldo né. Pra você ter uma idéia, na época, por

exemplo Antiório estava começando, era um menino, estava fazendo o ginásio,

era um moleque.

PERGUNTA - O Pingüim?

RESPOSTA - O Pingüim, mas na época estava lá os filhos do Burjato, o Vitor,

o Edmundo, os filhos do Negreli, o Nicola. Ah, nós tínhamos os filhos do

Reinaldo, do Buzone. Nós tínhamos os netos do velho Menck, o Márcio.

O movimento começou a crescer e tomou conta do CEART. Tomou conta do

meio da juventude e aí nós procuramos buscar apoio com o Caxias, logo veio

uma turma do Caxias participar do movimento e realmente ganhou força.

Ganhou força a ponto tal que os estudantes, eu não sei se eu posso chegar aí

já, na época da emancipação propriamente dita...

Sonia: Pode, pode sim...

Port: Os estudantes, além de organizar essas passeatas, chegaram a fechar o comércio. PERGUNTA - Isso na luta para reconhecimento?

RESPOSTA - Quando a eleição foi suspensa.

PERGUNTA - Ah, a eleição já para prefeito?

RESPOSTA - Não, primeiro nós tivemos o plebiscito, o plebiscito foi

questionado.

PERGUNTA - Então, o plebiscito se deu dentro da escola?

RESPOSTA - Exato.

PERGUNTA - Ele aconteceu no prédio do Bittencourt?

RESPOSTA - Não, não só lá. Nós tivemos votação no Floresta, tivemos

votação no GEPA.Nós tivemos em vários locais e como, ah esse é um lado

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pitoresco também, e como os autonomistas já tiveram uma lição em 53, que

muitos disseram que a eleição foi muito fraudada etc, os autonomistas tiveram,

desta feita, o cuidado de tomar conta das mesas. Aliás, eu vou contar uma

passagem, todos nós sabemos, isso não é segredo nenhum. Todos nós

sabemos que se não fosse realmente, se não tivesse fraude em 58, também a

emancipação seria muito difícil de ser conseguida porque os argumentos da

época eram muito fortes contra a emancipação, argumentos ridículos, por

exemplo, na época nós tínhamos o papa-fila. O pessoal dizia: não, se ganhar, a

prefeitura de São Paulo tira o papa-fila; o imposto vai ficar mais caro, o pessoal

do cartório trabalhando à beça nisso. Os Coutinho, pessoal do cartório, o

Lacides Prado, a Íris, então eles...ah, como é que chamava aquela senhora,

Maria Genta. Nossa senhora essa era uma praga. No bom sentido eu estou

dizendo...Então esse pessoal realmente mobilizava. Osasco era pequeno, tanto

é verdade que o nosso primeiro prefeito foi eleito com dez mil votos, quer dizer,

Osasco era muito pequeno e esse pessoal normalmente controlava bem com

essa argumentação de imposto, da condução e isso realmente atrapalhava

muito a nossa luta mas, em 58, quando por ocasião da realização do plebiscito,

como eu dizia, nós tomamos o cuidado de tomar conta das mesas. Aliás, eu

vou contar outra história muito interessante, eu fui secretário de mesa e o

presidente da mesa que eu estava era meu diretor do grêmio, tinha sido meu

diretor do grêmio, o nome dele era Severino, era um nortista, já na época já

tinha vindo uma grande migração de nortistas para Osasco e ele era o

presidente e eu era o secretário, eu era o presidente do grêmio e ele era o meu

subordinado, lá era o presidente e eu era o secretário e nós ficamos no hall de

entrada do GEPA, que era local de votação e situado à nossa frente, não saía

daquele posto como se fosse um guarda, estava uma pessoa que na época eu

não conhecia e que depois se tornou um grande amigo, era Antonio Salve,

advogado. E nós tínhamos uma missão realmente de fraudar e o Antonio Salve

não tirava o olho da nossa mesa até 2 horas da tarde. Imagina, a eleição

começou acho que as 8 ou 9 horas eu não me lembro, e eu tava desesperado

porque nós tínhamos que fazer maracutaia e num tinha como. Quando chegou

lá pelas tantas eu falei pro Severino, deixa eu conversar com esse rapaz aí.

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Peguei e falei, cheguei nele e falei: Poxa você está parado todo esse tempo

aí...Vamos, vamos até a padaria, vamos tomar um café. Aí fomos tomar o café,

no bate papo com ele eu falei, escuta me diz uma coisa, permita-me fazer essa

pergunta, eu estou vendo você aí parado esse tempo todo, num abre mão,

você é fiscal, qualquer coisa? Ele vira pra mim e diz o seguinte, olha eu estou

aqui para fiscalizar sim, sabe por que? Porque em 53 nós fomos roubados na

eleição e nós precisamos ganhar agora. Eu falei, seu cretino, faz 5 horas que

nós não fazemos nada por tua causa. Bom, aí não precisa dizer mais nada

porque o que tinha que ser feito foi feito. E felizmente, pra todos nós, realmente

houve a fraude na eleição, todo mundo do plebiscito, todo mundo sabe disso,

mas eu acho que foi uma fraude no bom sentido, se podemos dizer assim.

PERGUNTA - Se é que fraude pode ser boa, essa foi?

RESPOSTA - Esta foi porque, realmente, nos dias de hoje a gente vê a

transformação que sofreu a cidade e basta fazer uma comparação, por

exemplo, com São Miguel Paulista que tentou várias vezes e não conseguiu se

emancipar. Veja a diferença hoje de Osasco para São Miguel, Guaianazes, etc.

A diferença é muito grande. Então, eu acho que foi um mal menor, um mal

necessário e pelo qual nós corremos todos os riscos, porque depois deu

inquéritos, tivemos que prestar depoimentos, mas felizmente acabou

terminando em pizza.

PERGUNTA - Mas na prática vocês faziam passeata, vocês faziam reuniões?

RESPOSTA - Fazíamos passeatas. Vou contar outra história muito

interessante: quando suspenderam as eleições, a véspera da eleição, o

prefeito de São Paulo da época era o falecido Prestes Maia; quando os

estudantes souberam que a mulher dele, dona Maria Maia, veio a Osasco na

casa da Maria Genta comemorar, foi uma noite inteira de estudante procurando

onde estava o carro dessa mulher porque eles queriam fazer represálias contra

a primeira dama de São Paulo.

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E outro fato muito importante, quando houve esta suspensão das eleições, nós

estudantes, liderados por nós, na época participou também o falecido

Zequinha...O Zé Barros de Silva.

PERGUNTA - O Zequinha que era repórter?

RESPOSTA - Isso, isso...e participou junto com o Orlando Calazans que veio

colaborar... Nós nos posicionamos de frente a antigo Senadinho, que era uma

padaria, ali na João Batista em frente ao cine Glamour, do Portela. Nós nos

posicionamos ali e nós recolhemos, naquela época, aproximadamente dois mil

títulos de eleitor em protesto. Nós íamos queimar esses títulos no Largo de

Osasco. E eu não tenho a menor dúvida de afirmar que após a suspensão das

eleições, as vésperas do pleito, foi na véspera do pleito, porque a eleição seria

no domingo, e no sábado à noite eu tinha ido a uma sessão de cinema no cine

Estoril, quando eu saí o que estava acontecendo: rodinhas aqui e no antigo bar

Bandeirante e todos comentando: “Oh acabou a eleição; não tem eleição”.

Este fato realmente ajudou a incrementar o sentimento autonomista.

PERGUNTA - Quer dizer, a dificuldade passou a ser algo que valorizava a luta.

RESPOSTA - Exatamente, e aí o movimento cresceu muito. E tem uma certa

explicação. Você sabe, tem uma eleição, várias famílias lançam candidatos.

Bom, já que vai ter, muitas famílias que eram inclusive contra a autonomia,

mas lançam candidato e com a suspensão às vésperas, aquilo provocou um

ódio tão grande que todo o movimento cresceu e muito. E aí, se tivesse

qualquer plebiscito lícito nós ganharíamos fácil, fácil. E com isso cresceu o

movimento e aí foram praticamente o que, a eleição foi em 62, foram aí uns

três anos de batalha.

PERGUNTA - De 58 a 62, quatro anos.

RESPOSTA - Não, a eleição foi em fevereiro de 62. Então, foram três anos.

Nesses três anos os estudantes continuaram a participar. Nós fomos, fizemos,

participamos das caravanas a Assembléia, da passeata em São Paulo; nós

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fizemos movimento na cidade novamente, aí que entrou o fechamento do

comércio e aquele negócio todo.

PERGUNTA - E esse enterro do não, quem foi que fez? Esse, de carregar

caixão?

RESPOSTA - Os estudantes participaram também.

PERGUNTA - Participaram, mas foi todo o movimento?

RESPOSTA - Foi todo o movimento, mas com a participação dos estudantes...

Fizemos caixão, né?!

PERGUNTA - Muitos estudantes já saíram candidatos em 62?

RESPOSTA - Não, que eu me lembre, por exemplo, no CEART, nós tínhamos

uma pessoa que queria ser candidata de qualquer maneira, mas acabou saindo

isolado porque o grupo, o grosso do movimento... Olhe, a minha influência

naquela época, eu não gosto de falar isso porque parece personalismo, mas é

a realidade e eu tenho que falar. Como eu não tinha condição de fazer um

cursinho, eu terminei o científico em 58, exatamente na época do plebiscito. Na

época, o diretor do CEART chamava-se Nilo Machado, Nilo, não não é

Machado, Nilo não sei das quantas era o nome dele.

Professor Nilo. Bom, vamos dizer professor Nilo, esse era o diretor. E eu como

tinha muita dificuldade e na época eu queria fazer Engenharia, que não tinha

nada a ver com o meu dom, no fim eu fui fazer advocacia mesmo que era ramo

político né?!. E eu fui procurar o professor Nilo e fiz um pedido, e o meu

prestígio era tão grande na escola que pra você ter uma idéia, que os próximos

quatro presidentes do grêmio do CEART, depois que eu saí de lá foram

indicados por mim.

PERGUNTA - Quer dizer, você estava fora da escola...

RESPOSTA - Não, eu não estava fora...Agora, eu vou explicar o porquê. Eu fui

conversar com o professor Nilo e disse pra ele: “Professor, eu não tenho

condições de fazer um cursinho, e na época o grande cursinho que todo mundo

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queria era o Anglo Latino, lá na rua Tamandaré, e como eu não tenho

condição, então eu vim aqui pedir pro senhor o seguinte, que o senhor me

permita fazer, assistir aula como ouvinte”. Ele falou como assim e eu disse ah,

eu faço o meu horário, eu quero fazer Matemática, Física e Química.

PERGUNTA - Assistir as aulas do científico de novo?

RESPOSTA - De novo; fazer uma espécie de reciclagem. E ele concordou.

Então eu fiz o meu horário, então aconteceram coisas interessantes, assim

como eu pegar aula de Matemática no 1o, na primeira aula e, depois, ir na

segunda aula no 2o e também em Física e Química. E isso me possibilitou ter

uma participação ativa na política da época no colégio.

Foram quatro: Irizon, Verter Baster, Alexandre e Rômulo Fazanaro

PERGUNTA - Esses são os presidentes do grêmio?

RESPOSTA - Esses foram os presidentes após a minha saída.

PERGUNTA - Em 57, era você e em 58?

RESPOSTA - houve outra eleição e o que aconteceu foi que eu comecei a

apoiar candidatos. Olha, agora não me pergunte a ordem porque eu não sei.

Nós elegemos, por nosso apoio, os quatro próximos presidentes de grêmio

após a minha saída do cargo. O que demonstrava, inequivocamente, a força

que a gente tinha no colégio. E aí veio a outra parte, os estudantes, com a

fixação das eleições, houveram por bem de escolher um candidato para

representar a categoria, a classe... E não precisa dizer mais nada, que o nome

natural que fluiu foi o meu...

PERGUNTA - Você foi candidato em 66?

RESPOSTA - Não, em 62, na primeira candidatura e neste fato a participação

dos estudantes foi muito grande, tanto é verdade que eu vou te contar outra

história pitoresca; duas pessoas, já falecidas, eram candidatos... A nossa

campanha, para você ter uma idéia, eu costumava dizer, na época, que

estudante você pegava pelo pé e virava de cabeça para baixo e não caia um

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centavo, todos estavam absolutamente duros. Então, a questão era como fazer

uma campanha, eu era um homem com pouquíssimos recursos, então como

fazer? Aí começou um movimento com coisas de casa, tudo fantástico e

começavam as sugestões, então vamos pegar papel de açougue, vamos

recolher nos açougues tudo e a gente carimba o número e vamos jogar por aí.

E foi grande parte da campanha assim. É evidente que eu ganhei algumas

ajudas de algumas pessoas, inclusive dos próprios autonomistas, eu fui pedir e

eles fizeram alguns santinhos, aquela história toda, mas no restante não

tínhamos material suficiente.

Bom, no dia da apuração das eleições – esse fato também é pitoresco – eu não

tinha condições para ir, a primeira apuração foi feita no ginásio do Pacaembu.

E como em 1960, quando era para ser a eleição e não foi, eu estava apoiando

um candidato, que eu era namorado duma parente dele, que era o Machado;

eu pedi ao Machado, em 62, que me desse uma carona pra me levar até o

ginásio porque eu queria acompanhar a apuração. E no carro foram três

pessoas; sentado à frente o Machado, dirigindo o carro, ao lado dele o falecido

Zé Moreira Leite e o Gilberto Port quietinho no banco de trás, caronista né?! Aí

os dois foram conversando durante o trajeto, aí vira um e fala assim: não

porque eu fui chefe da estação, os ferroviários me ajudaram muito e eu tenho

certeza absoluta que eu vou ser eleito e papapá. E eu ouvindo a conversa. Aí o

outro disse assim: não, mas eu também investi muito na campanha, você sabe

a família minha é muito grande, trabalhamos muito, eu também acho que dá

pra chegar lá.

De repente, como que se por um toque de mágica os dois viraram pra mim,

acho que perceberam que eu tava quietinho ali atrás, não me lembro qual deles

que virou e afirmou: você é muito menino ainda, a sua vez vai chegar, você

está começando agora e tem força aí no meio da meninada, então a sua vez

vai chegar...Eu falei é, realmente, eu tive um apoio muito difícil, eu não tinha

dinheiro.

Veio a apuração, o duro foi a volta, viu Sônia, porque nenhum dos dois se

elegeu e eu fui o quarto mais votado da cidade...

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PERGUNTA - Como era o relacionamento entre alunos e professores? E de

que maneira isso interferiu na trajetória de todos os alunos, inclusive na sua?

RESPOSTA - Eu, com toda franqueza, eu era o líder do movimento e tudo isso

pode ser comprovado com todos os autonomistas... E eu trocava muito idéias,

não vou dizer com todos os professores, de uma forma geral, porque a maioria

não tinha vinculo com Osasco, só vinha aqui para dar aula, mas aqueles que

realmente absorveram a causa eu sempre destaco, que foram os meus

padrinhos de casamento, a Helena Pignatari e o Emir. Eu trocava muito idéias

com eles e eles, durante as aulas, comentavam da necessidade do movimento

ser vitorioso.

PERGUNTA - O Emir também?

RESPOSTA - O Emir também. Quantas vezes eu fui ao Caxingui na

previdência onde moravam o seu Emir e a D. Tereza, meus padrinhos, pra

trocar idéias com eles, pra pedir orientações, conselhos e realmente, eu achei

a participação deles fundamental.

PERGUNTA - E esse relacionamento com os professores era geral, ocorria

com todos os alunos?

RESPOSTA - Sim, sim, tanto é verdade que o Emir foi padrinho de um monte

de pessoas. Ele era um ídolo pros estudantes, só tinha um defeito... era

mentiroso...

PERGUNTA - Me diz uma coisa, na época, pelo que eu tenho pesquisado

sobre a escola, havia muitas atividades no final de semana, sábado e domingo,

essas atividades era o grêmio quem preparava normalmente?

RESPOSTA - Perfeitamente. Ah, veja bem, você sabe talvez porque eu ganhei

toda uma projeção dentro do colégio, porque não é fácil, é aquilo que eu lhe

falei, fazer quatro sucessões depois que eu saí. Mas, é porque o grêmio tinha

uma atividade muito grande, realizava excursões, campeonatos internos e nós

eramos freqüentadores assíduos de excursões ao Morro Grande...Nós íamos

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com o grêmio, nós fizemos excursão para Santos, Sorocaba; jogos, enfim havia

uma participação muito grande da classe.

PERGUNTA - E dentro da escola, no sábado e domingo, o que vocês faziam?

RESPOSTA - Campeonatos internos.

PERGUNTA - Havia teatro, havia filme?

RESPOSTA - Havia, havia sim, participação em teatro.

PERGUNTA -: O Dudu escrevia muita peça de teatro?

RESPOSTA - É o Dudu.

PERGUNTA - O Bira também escreveu peça de teatro?

RESPOSTA - O Bira também.

PERGUNTA - No sábado e domingo havia uma atividade constante na escola.

Quem cuidava da escola?

Port Quem cuidava como?

Sonia: Quem abria a escola, quem ficava com os alunos?

RESPOSTA - Ah, agora nós vamos chegar lá. Eu não posso deixar nunca de

mencionar algumas figuras fantásticas: Dona Ana Gaban, ah uma figura

folclórica que sofreu muito com os estudantes que era o Manuel Compostura.

Sofreu muito, como nós judiávamos daquele senhor, meu Deus do céu!! Você

sabe que quando a gente não queria ter aula a gente parava o colégio né?!

Nós tínhamos um fusível que colocava no relógio ali perto do palco e pufti!!

Estourava tudo, ficava sem luz no colégio... Terrível né?! Eu vou lhe contar

outra história muito interessante da época; geralmente, os causadores de tudo

era o pessoal do 3o científico, eram os donos da escola. Toda vez que se

chegava no 3o científico, era algo como: “nós somos os donos”... Aquele pátio

interno ficava talhado de bicicletas, só que as bicicletas chegavam a ficar de

quatro em quatro; uma atrás da outra. Geralmente, o 3o científico matava a

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última aula e sabe o que fazia, mudava todas as posições das bicicletas...

Chegavam a pendurar bicicletas nas árvores, não precisa dizer mais nada né?!

Sonia: Adolescente é adolescente em qualquer época. Port: Ah, em qualquer época. Mas então, a atividade no colégio era muito grande. PERGUNTA - Mas quem cuidava do colégio?

RESPOSTA - Quem cuidava? Nós tínhamos quem morava lá, que era, agora

deixa ver se eu me lembro...

PERGUNTA - Morava dentro da escola?

RESPOSTA - Morava ali ao lado. Tem a quadra de esportes; no fundo da

quadra, lá tinha a casa do zelador, que na época era dona Alice, falecida já, e o

seu Nenê.

PERGUNTA - E eles abriam e ficavam?

RESPOSTA - Abriam a escola, evidentemente, e nós, o grêmio, eramos

responsáveis por todas as atividades. Mas eles abriam a escola, quer dizer,

tinha acesso fácil porque eles também moravam lá.

PERGUNTA - Vamos entrar um pouco mais na questão da escola, você acha

que o ginásio e o científico lhe possibilitaram aquilo que você esperava?

RESPOSTA - Sim, sem sombra de dúvida. Primeiro porque eu acho que nós

não ficavamos a dever nada às melhores escolas públicas do país. Nós

tínhamos um corpo docente de alta qualidade, que colaborou e muito com essa

juventude. Então, sem sombra de dúvida essa qualidade no ensino, daquela

época, não ficava devendo nada as melhores escolas do país. Tanto é verdade

que muitos alunos conseguiram até ir para uma faculdade sem necessidade de

cursinho, pelo alto nível de ensino.

PERGUNTA - Você fez Direito?

RESPOSTA - Eu fiz Direito.

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PERGUNTA - Onde você fez?

RESPOSTA - Mackenzie. Mas eu fiz depois que me elegi vereador, tanto é que

quando eu terminei o curso eu já estava casado.

E outras particularidades que eu ia lhe dizer também sobre o movimento

estudantil, e cá entre nós, que eu tive participação nisso, é que a primeira vez

que houve na Câmara de Vereadores um grupo cuja maior preocupação era

com a fixação de subsídios e eu não concordei com a hipótese e levei pros

estudantes, menina, fizeram um movimento na porta da Câmara, que se via

vereador saindo pra tudo quanto era lado.

PERGUNTA - Que foi aquela coisa do aumento de salário dos vereadores?

RESPOSTA - Foi um negócio violentíssimo...

Sonia: E que os vereadores voltaram atrás?

Port: Ah, sim, foi mantido um salário razoável para a época, porque inclusive, eu não sei bem se foi bem do aumento, ou já da fixação viu, porque o município estava se instalando, estava emprestando imóveis né?! Parece que foi mais da fixação... PERGUNTA - Me dá mais algumas informações: vocês tinham livro didático?

Quais eram os textos que vocês trabalhavam em sala? Você se lembra ou

não?

RESPOSTA - Não, isso aí eu não lembro não ...

PERGUNTA - A biblioteca tinha muitos livros?

RESPOSTA - Tinha.

PERGUNTA - Vocês tinham o hábito de ir a biblioteca retirar esses livros, ler?

Havia os livros que se precisava para estudar na biblioteca, ou não?

RESPOSTA - Isso eu não me lembro...

PERGUNTA - As aulas, como eram as aulas, o cotidiano das aulas em si? Com

os professores, os alunos, havia interesse, não havia?

RESPOSTA - Ah, não há dúvida.

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PERGUNTA - Os alunos vinham cansados, eram alunos do noturno, alunos

que trabalhavam?

RESPOSTA - Sim, mas mesmo assim havia um interesse muito grande,

mesmo porque as aulas, como eu disse, eram de alto nível. E quem não se

interessava estava frito, porque o curso era difícil.

É, estudar no CENEART não era mole não. Ou levava a sério, ou ficava

no caminho. Eu fiquei, eu fiquei no 1o científico... Deixa eu me lembrar essa

passagem: por meio ponto, eu fui pedir pro professor, até hoje eu me lembro,

tem um falecido padrinho meu que era meu colega de escola, ele passou e eu

fiquei; e ele presenciou uma conversa minha com o professor de Geografia,

durante dois anos ele ficou tirando sarro da minha cara por causa disso.

PERGUNTA - Porque você ficou por meio ponto?

RESPOSTA - Por meio ponto e eu pedindo pro professor assim: “Pô professor,

por meio ponto eu não passo”... Ele vira para mim e diz “E daí, Geografia é

uma matéria como outra qualquer, por meio ponto você não passa não.”

PERGUNTA - Me diz, no período em que você esteve à frente do grêmio, a

fanfarra já existia?

RESPOSTA - Já...

PERGUNTA - Sempre existiu?

RESPOSTA - Sempre existiu. A fanfarra inclusive era a menina dos olhos e era

uma excelente fanfarra com participação ativa na vida da cidade. Inclusive, nós

homenageamos a fanfarra dando o nome de um jovem que fazia parte do

grêmio também, falecido, o Laerte Rizarde.

PERGUNTA - Quem mantinha essa fanfarra? Essa fanfarra era ligada ao

grêmio, era ligada a direção da escola?

RESPOSTA - Não; eu acho que era ligada ao grêmio.

PERGUNTA - E essa coisa de uniforme, instrumento?

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RESPOSTA - Ah, isso eu não me lembro de como nós adquiríamos. Se foi

patrocínio, sinceramente eu não me lembro. Isso aí seria bom você ouvir, se

você tiver oportunidade, com relação a fanfarra, o Hélio Bohovski. O Hélio foi

da fanfarra, então ele conhece muito melhor do que eu esses meandros aí da

fanfarra.

PERGUNTA - Me fala um pouco da relação da escola com a vida social da

cidade, do bairro no caso, os bailinhos, o cinema, os namoricos... Agora é hora

da fofoca, é a hora do social...

RESPOSTA - É, como eu disse, a escola começou a sofrer um processo de

miscigenação, então nós tínhamos lá os filhos dos operários paupérrimos e

tínhamos também uma certa castazinha dominante de Osasco. E nesta

castazinha dominante de Osasco foram formados dois clubes onde os

estudantes se reuniam em bailinhos, um deles chamava-se Saci e era

originário da equipe dos Negreli, dos Burjato, dos Barros e o outro era o

Paulistinha. O Paulistinha sobreviveu e até hoje, de vez em quando, eles fazem

bailes de reencontro.

PERGUNTA - E esses clubes tinham sede ou não?

RESPOSTA - Não, eles faziam nas casas, nas residências. Então, eram dois

clubezinhos, vamos dizer assim, que mobilizavam, na parte social, os jovens

daquela época.

PERGUNTA - E os operários iam, os alunos?

RESPOSTA - Iam, iam sim, alguns né?! Não tinha uma participação, como eu

disse para você, era meio fechadinho, mas na época o grande atrativo de onde

se reunia a maioria dos estudantes era o Floresta.

PERGUNTA - E instituições como o Rotary, o Lions?

RESPOSTA - Não, não me lembro.

PERGUNTA - Havia alunos de faixas etárias bem diferentes...

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RESPOSTA - Sim, sim.

PERGUNTA - E também por causa do exame de admissão, é isso?

RESPOSTA - E também, eu acho, que pela novidade viu, pela novidade

porque muitos que não tiveram oportunidade de estudar, com o advento da

escola publica, do CEART, então começou a haver maior procura. Nós tivemos

lá Armando Matias Braza, veterano, Ângelo Treti, que eu acabei de falar,

falecido, que era o dono dos Esportes São José, e tantos outros já, vamos

dizer assim, coroas, que estudaram nessa época lá no CEART. Então, houve

realmente uma participação de pessoas de mais idade.

PERGUNTA - Você esteve mesmo nessa escola no primeiro momento, na

primeira década, de 53 a 58, que é um período um pouco difícil da gente

encontrar pessoas que tenham vivido presentemente isso...

RESPOSTA - O Barbosa Coelho estudou nessa época e poderia te dar

subsídios também... O Barbosa, deixa eu ver quem mais; o Ângelo faleceu,

você conhece o Armando Matias Brás, advogado?

Sonia: Não.

PERGUNTA - Tem alguma coisa que você gostaria de completar, mais alguma

informação?

RESPOSTA - Bom, eu só queria completar da seguinte maneira, com a minha

eleição eu tinha um compromisso com os estudantes e naquela época, eu

sempre costumo dizer que eu não me conformo até hoje, é você pegar a

Constituição Brasileira e ver o seguinte, que os poderes públicos são

harmônicos, constituídos do Legislativo, do Judiciário e do Executivo. Eu acho

isso hoje uma grande balela, porque muitas vezes há muita atenção ao poder

Legislativo que passou a ser o vilão de tudo, vamos dizer assim, mas acontece

que o poder Legislativo hoje está com a atividade muito restrita porque ao

legislador não é dada condições de apresentar projetos que aumente a

despesa ou diminua a receita, então, passou a ser um poder dependente do

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Executivo; é isso que eu quero dizer, só que na minha época, no meu primeiro

mandato, nós ainda podíamos legislar.

PERGUNTA - Tanto porque Osasco estava para ser construído

administrativamente.

RESPOSTA - Mas naquela época então era dada a condição. Assim, para

você ter uma idéia, todos os grêmios tiveram subvenções.

PERGUNTA - A subvenção vinha através da prefeitura, estado?

RESPOSTA - Através de projeto de lei nosso, na Câmara. CENEART teve,

Caxias teve. Aí entra talvez aquilo que você me perguntou e eu não lembro

bem; recursos até para fanfarra, vinha tudo através da subvenção do

município.

Segundo, um dos grandes benefícios que nós pudemos dar a classe estudantil

foi que nós criamos as bolsas de estudo do município, que sem sombra de

dúvida beneficiou muitos.

PERGUNTA - Essa bolsa de estudos fazia o quê, ela dava material?

RESPOSTA - Não; recebia em cheque, para escola, era para pagar a escola.

PERGUNTA - Ah, para Universidade?

RESPOSTA - Universidade e escolas particulares também. Muitos estudavam

em escolas particulares ainda né?! Então foram criadas as bolsas de estudo

que atenderam a uma leva muito grande de estudantes. E uma das coisas que

eu mais lamento até hoje foi que nós fizemos a lei que criou a Casa do

Estudante, que na época poderia parecer sem sentido, mas nós estavamos

pensando no futuro. Você imagina hoje Osasco, muita gente vêm estudar e

trabalhar aqui, mas não mora nessa cidade, assim, poderia estar desfrutando

da Casa dos Estudantes, até por razões econômicas. Qual o objetivo da Casa

dos Estudantes? Alojamento, biblioteca.

E foi dado o terreno onde hoje está construído o Barateiro - em frente ao

Floresta. Era o antigo terreno... Nós conseguimos, até tinha uma parte do

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terreno que era do município, foi lançado até pedra fundamental e tudo, e

depois acabaram desativando e dando outra destinação.

Então, são feitos assim que eu acho que colaboraram muito na época, somente

a bolsa de estudo, por exemplo, eu achei que ajudou muito...

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Anexo 6

LIVROS DO ARQUIVO MORTO DO CENEART ANOS 1950/1960

No. Nome Inicio Final

Extensão Marechal Bittencourt - 247 assinaturas Inventário do material do colégio 1951 1956 Termo de compromisso 1952 1955 Atas dos exames de admissão 1953 Cópias de títulos de nomeação – administrativo 1953 1956 Atas das reuniões pedagógicas 1953 1975 Registro de inscrições em concurso de remoção de professores 1953 1976 Termos de visitas de autoridades escolares 1953 1973 Ata de resultados finais 1953 1959 Alunos candidatos à transferência para a escola – vindos de outros

estabelecimentos 1954 1963

Atividades extra-curriculares 1954 1966 Ata dos exames de 2a. época 1954 1957 Ata dos exames especiais 1954 1975 Livro de notas 1955 Livro de notas 1955 Inventário de material 1955 Exames orais 1955 1956 Registro de títulos e portarias – administrativo 1956 1963 Exames orais 1956 1957 Ocorrência dos alunos 1956 1958 Inventário 1957 1958 Exames orais 1957 1958 Exames de 2a. época 1957 1959 Inventário do material do colégio 1957 1964 Controle de certificados – ginásio 1958 1961 Controle de certificados científico 1958 1961 Controle de certificados – exame de admissão 1958 1961 Provas orais 1959 1960 Termo de compromisso de funcionários e professores 1959 1968 Exames de 2a. época 1959 1962 Exames orais 1960 1961 Exames de adaptação 1961 1961 Termos de visitas – autoridades estaduais 1961 1967 Exames de 2a. época 1962 1963 Matriculas 2as séries 1963 Matriculas 3as. Séries – manhã 1963 1966 Atas dos resultados finais (por classe) 1963 1964

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Curso primário anexo – matriculas 1963 1968 Exames de admissão 1964 1965 Matriculas 2as séries 1964 Matriculas 1a. série 1964 1964 Solenidades – visitantes exposições 1964 1980 Matriculas – manhã 1965 1969 Matriculas – 2as. Séries manhã 1965 1967 Curso primário anexo – matriculas 1965 1966 Autorização para lecionar no curso Normal 1965 1965 Controle de entrega de notas e faltas bimestrais pelo prof 1965 1967 Curso primário anexo – matrículas 1965 1969 Curso primário – anexo 1965 1969 Conselhos de classe 1965 1966 Conselhos de classe – noturno 1965 1966 Matriculas do Normal 1965 1968 Curso primário anexo 0- atas da caixa escolar 1965 1967 Notas finais do curso normal 1966 1969 Órgão de Cooperação escolar – entrega de material para os alunos 1966 1967 Conselhos de classe – manhã 1966 1966 Conselhos de classe 1966 1966 Notas finais do curso normal 1966 1967 Candidatos à transferências para o estabelecimento 1966 1969 Conselho de classe 1967 1968 Curso primário anexo – Atas da APM 1967 1971 Chamada dos alunos do curso primário 1967 1969 Curo primário anexo 1968 1971 Matriculas secundário 1968 1969 Matriculas científico 1968 1968 Solenidades do colégio 1968 1971 Curso prima’rio anexo – matriculas 1968 1971 Matriculas normal 1968 1969 Inscrições – exames de admissão 1968 1971 Atas de reuniões de pais e profs e estatuto do Banco Escolar 1968 1968 Notas finais do curso normal 1969 1970 Curso Primário anexo – notas 1969 1975 matrícula 1969 1971 Matriculas ginásio 1969 1969 Curso primário anexo – matriculas 1969 1971 Protocolo 1969 1977