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1 A Escolha do Modo de Entrada no Mercado Externo e sua Relação com o Desempenho da Subsidiária: Evidências das Empresas Multinacionais Brasileiras Autoria: Augusto Cesar Arenaro e Mello Dias Propósito Central do Trabalho: Devido ao seu processo de internacionalização tardio, as MNEs de economias emergentes tendem a apresentar características distintas em relação a seus pares de países desenvolvidos (Luo & Tung, 2007). Ramamurti (2009) afirma que, apesar do aumento recente na quantidade de estudos sobre o tema, ainda não houve consenso se e como as MNEs de mercados emergentes diferem das MNEs de países desenvolvidos. Por este motivo, ele sugere que as pesquisas envolvendo MNEs de economias emergentes se concentrem em responder três perguntas: (1) Quais vantagens competitivas e capacidades as MNEs de economias emergentes alavancam nos mercados internacionais?; (2) Quais são os impactos de sua ascensão na dinâmica da indústria global?; e (3) Quais estratégias de internacionalização elas seguem, e por quê?. Em relação à última pergunta, Ramamurti (2009) afirma que são de particular interesse os estudos que tratam dos modos de entrada adotados pelas empresas nos mercados selecionados. Existe uma razoável quantidade de estudos que abordam os modos de entrada adotados pelas MNEs de países desenvolvidos. Porém, há poucas pesquisas sobre a internacionalização de MNEs de economias emergentes (Luo & Tung, 2007). De forma semelhante, também são escassas as pesquisas que avaliam os impactos dos modos de entrada no desempenho das subsidiárias internacionais de MNEs. Neste caso, os estudos envolvendo MNEs de países emergentes são praticamente inexistentes (Contractor, Kumar & Kundu, 2007). Esta pesquisa tenta superar estas limitações a partir do desenvolvimento de um modelo conceitual que integra diferentes abordagens teóricas de forma a produzir uma visão inédita e abrangente sobre a escolha do modo de entrada no mercado externo e seu impacto no desempenho das subsidiárias das MNEs brasileiras. Marco Teórico: Pan & Tse (2000) postulam que a escolha do modo de entrada pode ser analisada a partir de uma perspectiva hierárquica. Inicialmente, os gestores estruturam vários modos de entrada em uma hierarquia multinível e definem um conjunto de critérios de avaliação para cada nível. O primeiro nível refere-se aos modos de entrada sem e com capital próprio. Em uma segunda etapa, os gestores decidem qual o modo específico dentro da hierarquia escolhida deve ser considerado. Esta perspectiva se concentra na existência da internacionalização envolvendo capital próprio. Assim sendo, os modos de entrada podem ser vistos como sendo compostos por duas categorias principais: (1) não envolvendo capital próprio (exportações e arranjos contratuais); e (2) baseados em capital próprio (joint-ventures e operações próprias – investimentos greenfield / aquisições). Hennart (1988) vê de maneira distinta os modos de entrada que envolvem a utilização de capital próprio. Para ele, a principal diferença entre uma subsidiária de controle integral (WOS) e uma joint-venture (JV) reside no método escolhido para remunerar os parceiros. A característica fundamental do capital próprio, seja ele compartilhado em uma JV ou integral em uma WOS, é que os parceiros são remunerados ex- post a partir dos lucros do empreendimento, em contraste com os arranjos contratuais, onde os pagamentos são especificados ex-ante. A única diferença entre eles, portanto, reside no fato de que as JVs simbolizam uma internalização conjunta, enquanto as WOSs representam uma internalização individual. A partir desta perspectiva, Brouthers & Hennart (2007) adotam a posição de que as JVs podem incluir tanto investimentos greenfield compartilhados quanto aquisições parciais. Ou seja, são necessárias decisões distintas sobre o nível de propriedade (WOS vs. JV) e a forma de estabelecimento (aquisição vs. greenfield). Uma terceira importante decisão refere-se à escolha da atividade principal que a empresa exercerá no

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A Escolha do Modo de Entrada no Mercado Externo e sua Relação com o Desempenho da Subsidiária: Evidências das Empresas Multinacionais Brasileiras

Autoria: Augusto Cesar Arenaro e Mello Dias

Propósito Central do Trabalho: Devido ao seu processo de internacionalização tardio, as MNEs de economias emergentes tendem a apresentar características distintas em relação a seus pares de países desenvolvidos (Luo & Tung, 2007). Ramamurti (2009) afirma que, apesar do aumento recente na quantidade de estudos sobre o tema, ainda não houve consenso se e como as MNEs de mercados emergentes diferem das MNEs de países desenvolvidos. Por este motivo, ele sugere que as pesquisas envolvendo MNEs de economias emergentes se concentrem em responder três perguntas: (1) Quais vantagens competitivas e capacidades as MNEs de economias emergentes alavancam nos mercados internacionais?; (2) Quais são os impactos de sua ascensão na dinâmica da indústria global?; e (3) Quais estratégias de internacionalização elas seguem, e por quê?. Em relação à última pergunta, Ramamurti (2009) afirma que são de particular interesse os estudos que tratam dos modos de entrada adotados pelas empresas nos mercados selecionados. Existe uma razoável quantidade de estudos que abordam os modos de entrada adotados pelas MNEs de países desenvolvidos. Porém, há poucas pesquisas sobre a internacionalização de MNEs de economias emergentes (Luo & Tung, 2007). De forma semelhante, também são escassas as pesquisas que avaliam os impactos dos modos de entrada no desempenho das subsidiárias internacionais de MNEs. Neste caso, os estudos envolvendo MNEs de países emergentes são praticamente inexistentes (Contractor, Kumar & Kundu, 2007). Esta pesquisa tenta superar estas limitações a partir do desenvolvimento de um modelo conceitual que integra diferentes abordagens teóricas de forma a produzir uma visão inédita e abrangente sobre a escolha do modo de entrada no mercado externo e seu impacto no desempenho das subsidiárias das MNEs brasileiras. Marco Teórico: Pan & Tse (2000) postulam que a escolha do modo de entrada pode ser analisada a partir de uma perspectiva hierárquica. Inicialmente, os gestores estruturam vários modos de entrada em uma hierarquia multinível e definem um conjunto de critérios de avaliação para cada nível. O primeiro nível refere-se aos modos de entrada sem e com capital próprio. Em uma segunda etapa, os gestores decidem qual o modo específico dentro da hierarquia escolhida deve ser considerado. Esta perspectiva se concentra na existência da internacionalização envolvendo capital próprio. Assim sendo, os modos de entrada podem ser vistos como sendo compostos por duas categorias principais: (1) não envolvendo capital próprio (exportações e arranjos contratuais); e (2) baseados em capital próprio (joint-ventures e operações próprias – investimentos greenfield / aquisições). Hennart (1988) vê de maneira distinta os modos de entrada que envolvem a utilização de capital próprio. Para ele, a principal diferença entre uma subsidiária de controle integral (WOS) e uma joint-venture (JV) reside no método escolhido para remunerar os parceiros. A característica fundamental do capital próprio, seja ele compartilhado em uma JV ou integral em uma WOS, é que os parceiros são remunerados ex-post a partir dos lucros do empreendimento, em contraste com os arranjos contratuais, onde os pagamentos são especificados ex-ante. A única diferença entre eles, portanto, reside no fato de que as JVs simbolizam uma internalização conjunta, enquanto as WOSs representam uma internalização individual. A partir desta perspectiva, Brouthers & Hennart (2007) adotam a posição de que as JVs podem incluir tanto investimentos greenfield compartilhados quanto aquisições parciais. Ou seja, são necessárias decisões distintas sobre o nível de propriedade (WOS vs. JV) e a forma de estabelecimento (aquisição vs. greenfield). Uma terceira importante decisão refere-se à escolha da atividade principal que a empresa exercerá no

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mercado externo. Esta escolha, porém, tem recebido pouca atenção na literatura acadêmica (Buckley & Casson, 1998), fato este que pode ser explicado, pelo menos em parte, pela carência de dados adequados para a realização de estudos empíricos (Kleinert & Toubal, 2010). Devido a esta lacuna teórica, este estudo incorpora a escolha do tipo de atividade (produção ou distribuição) entre as decisões a serem tomadas pelas empresas quando o modo de entrada envolve a utilização de capital próprio. Bell (1996) postula que as abordagens teóricas ligadas ao domínio de negócios internacionais podem ser divididas em dois grandes grupos: abordagens estáticas e dinâmicas. As abordagens estáticas comparam diferentes estados, ao invés de processos, e procuram encontrar a melhor solução para determinado estado. Exemplos de abordagens estáticas são: (1) teoria do IDE de Hymer (1960); (2) teoria dos custos de transação (Hennart, 1982; Williamson, 1975, 1985); (3) teoria da internalização (Buckley & Casson, 1976; Rugman, 1981); (4) paradigma eclético de Dunning (Dunning, 1979, 1980, 1981, 1988); (5) visão baseada nos recursos (Barney, 1986; Wernerfelt, 1984); e (6) teoria institucional (North, 1990; Scott, 1995). Nas abordagens dinâmicas, em contrapartida, a internacionalização é vista como um processo sequencial. Estas abordagens procuram explicar e prever o envolvimento da empresa no mercado internacional ao longo do tempo. Exemplos de abordagens dinâmicas são: (1) modelo do ciclo de vida do produto (Vernon, 1966, 1979); e (2) modelo de internacionalização da escola de Uppsala (Johanson & Vahlne, 1977, 1990). Método de investigação se pertinente: Elementos de três diferentes abordagens teóricas foram considerados no processo de escolha dos antecedentes dos modos de entrada para o desenvolvimento do modelo conceitual: (1) visão baseada nos recursos, que se concentra nos recursos e capacidades que geram vantagem competitiva para as empresas; (2) teoria da internalização, que adiciona a relevância do mercado; e (3) teoria institucional, que aborda a importância da distância transnacional. As teorias selecionadas foram combinadas em um modelo unificado. Como estas abordagens teóricas diferem entre si em alguns aspectos importantes, tais como pressupostos e unidades de análise, uma integração completa se torna inviável. Portanto, um modelo eclético foi criado, o qual, por definição, utiliza apenas as partes das teorias consistentes entre si. As variáveis explicativas foram selecionadas de forma a abranger as três esferas de influência sobre a escolha do modo de entrada – fatores da empresa, fatores do mercado e distância transnacional, assim como o desempenho das subsidiárias. Os critérios utilizados para a seleção das variáveis foram baseados na sua importância para a explicação do fenômeno em análise, bem como em questões relativas à amplitude da cobertura teórica de cada esfera de influência e sua utilidade prática. A população-alvo foi constituída pelas subsidiárias internacionais das empresas industriais brasileiras (CNAE Seção “C”– códigos 10 a 33) com controle de capital nacional. A unidade amostral considerada foi a subsidiária operacional de produção ou de distribuição. Em função da inexistência de dados oficiais sobre a atuação das empresas brasileiras no exterior, optou-se pela construção de um banco de dados, que foi especialmente desenhado para os propósitos desta pesquisa. Os dados foram coletados em três etapas distintas: as duas primeiras executadas por meio de pesquisa documental e a terceira por meio de contatos pessoais com gestores das empresas. A amostra final apresentou 280 subsidiárias e contou com empresas de todos os segmentos industriais. A técnica estatística selecionada para a análise da escolha do modo de entrada (nível de propriedade, forma de estabelecimento e tipo de atividade) foi a regressão logística. No caso da análise do impacto do modo de entrada no desempenho da subsidiária, a técnica estatística escolhida foi a regressão múltipla OLS.

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Resultados e contribuições do trabalho para a área: Os resultados obtidos permitem que se façam algumas inferências sobre as estratégias de entrada das MNEs brasileiras no mercado internacional em relação a seus pares de outras economias emergentes e de países desenvolvidos. Quanto ao nível de propriedade, as MNEs brasileiras demonstram acentuada preferência pela utilização de WOSs em sua expansão internacional. Este resultado, entretanto, opõe-se ao estudo de Dunning, Kim & Park (2008) que concluiu que as MNEs de países emergentes tendem a optar por modos de entrada mais colaborativos e relacionados a redes (p.ex., alianças estratégicas). Quanto à forma de estabelecimento, as MNEs brasileiras demonstram maior preferência por investimentos greenfield. Este resultado, contudo, opõe-se ao estudo de Luo & Tung (2007) que observou que as MNEs de países emergentes tendem a utilizar aquisições como forma de compensar sua entrada tardia no mercado internacional. Quanto ao tipo de atividade, as MNEs brasileiras não demonstram clara tendência pela atividade de distribuição ou de produção em sua expansão no mercado internacional. Além disso, não foi possível realizar comparações com o padrão adotado pelas MNEs de outros países, devido à quase inexistência de pesquisas abordando este modo de entrada. Tomando-se como referência o estudo de Dunning, Kim & Park (2008), as estratégias de entrada das MNEs brasileiras no mercado externo mais se assemelham ao padrão utilizado pelas MNEs de países desenvolvidos nos anos 1960 do que àquele adotado pelas MNEs de outras economias emergentes nos anos 2000. Alguns autores (p.ex., Tolentino, 2000) sugerem que as MNEs oriundas de países ricos em recursos naturais tendem a diferir daquelas provenientes de países pobres nestes recursos. É possível que essa característica tenha peso na especificidade do caso brasileiro, visto que o Brasil se destaca por suas riquezas naturais, diferentemente de países como Coreia, Taiwan e, até certo ponto, a própria China. Além disso, trata-se não só de culturas distintas, como também de civilizações distintas, com regimes políticos distintos. Assim sendo, não deveria surpreender o fato de que empresas de diferentes economias emergentes não apresentem trajetórias semelhantes entre si. Em função dos resultados dos testes empíricos, algumas conclusões também podem ser extraídas sobre a relação entre modo de entrada e desempenho das subsidiárias. O primeiro resultado mostra que o desempenho das subsidiárias não apresentou relação significante com o nível de propriedade adotado (WOS ou JV). Assim sendo, pode-se afirmar que a escolha do nível de propriedade isoladamente não provoca impacto direto no desempenho das subsidiárias. Em contrapartida, o desempenho das subsidiárias apresentou uma relação positiva e significante com a forma de estabelecimento adotada. Este resultado indica que as subsidiárias estabelecidas por meio de aquisições obtiveram melhor desempenho do que aquelas que foram iniciadas a partir de investimentos greenfield. Entretanto, esta relação significante não foi encontrada em vários estudos anteriores. É provável que se trate tão somente de um reflexo das dificuldades enfrentadas pelas MNEs brasileiras para replicar com sucesso suas competências no exterior devido à sua reduzida experiência internacional. Os resultados indicam, ainda, que o desempenho das subsidiárias não apresentou relação significante com o tipo de atividade adotado (produção ou distribuição). Desta forma, pode-se afirmar que a escolha do tipo de atividade isoladamente não provoca impacto direto no desempenho das subsidiárias. Finalmente, a conclusão mais importante diz respeito ao resultado que aponta a existência de relação positiva e significante entre desempenho da subsidiária e alinhamento do modo de entrada (nível de propriedade + forma de estabelecimento + tipo de atividade) ao modelo eclético. Assim sendo, as subsidiárias cujos modos de entrada estão alinhados ao modelo tendem a obter, na média, melhor desempenho do que aquelas cujos modos de entrada não estão alinhados ao modelo. Este fato mostra a importância da correta escolha do modo de entrada para que as empresas possam obter êxito em sua expansão internacional.

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Referências bibliográficas: BROUTHERS, K. D.; HENNART, J. F. Boundaries of the firm: Insights from international entry mode research. Journal of Management, v.33, n.3, p.395-425, 2007. ; DUNNING, J. H.; KIM, C.; PARK, D. Old wine in new bottles: A comparison of emerging-market TNCs today and developed-country TNCs thirty years ago. In: SAUVANT, K. P. (ed.) The Rise of Transnational Corporations from Emerging Markets: Threat or Opportunity? Cheltenham: Edward Elgar, p.158-180, 2008. ; LUO, Y.; TUNG, R. International expansion of emerging market enterprises: A springboard perspective. Journal of International Business Studies, v.38, n.4, p.481-498, 2007. ; PAN, Y.; TSE, D. K. The hierarchical model of market entry modes. Journal of International Business Studies, v.31, n.4, p.535-554, 2000. ; RAMAMURTI, R. Why study emerging-market multinationals? In: RAMAMURTI, R.; SINGH, J. V. (eds.) Emerging Multinationals in Emerging Markets. Cambridge: Cambridge University Press, p.3-22, 2009.