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compilações doutrinais VERBOJURIDICO ® A ÉTICA DEONTOLÓGICA E AS VÁRIAS FORMAS DE EXERCÍCIO DA PROFISSÃO ___________ Carlos Mateus ADVOGADO

A ÉTICA DEONTOLÓGICA E AS VÁRIAS … Deontologia Forense A ética deontológica e as várias formas de exercício da profissão A ética, a moral e a lei O valor subjacente à função

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compilações doutrinais

VERBOJURIDICO ® 

A ÉTICA DEONTOLÓGICA

E AS VÁRIAS FORMAS DE EXERCÍCIO DA PROFISSÃO

___________

Carlos Mateus

ADVOGADO

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Deontologia Forense

A ética deontológica e as várias formas de exercício da profissão

A ética, a moral e a lei

O valor subjacente à função de advogado na sociedade, em geral, e na administração

da Justiça, em particular, é o interesse público na prossecução do Direito.

A actividade de advocacia está sujeita a princípios éticos. Ética (do grego ethos, que

significa modo de ser, carácter, comportamento) é o modo de viver no quotidiano e na

sociedade.

A ética diferencia-se da moral, pois esta fundamenta-se na obediência a normas,

tabus, costumes ou mandamentos culturais, hierárquicos ou religiosos recebidos.

A moral trata de aspectos de condutas específicas, varia com o decorrer dos tempos e

de região para região, é uma conduta cultural de regra e uma questão de ordem

prática social.

A ética procura fundamentar o bom modo de viver pelo pensamento humano. É no

plano dos princípios, é permanente, é universal, deve ser a regra e é uma questão de

ordem teórica dos actos.

A ética, que está relacionada com o sentimento de justiça social, também não se

confunde com a lei, pese embora esta ter como base princípios éticos.

Ao contrário do que se passa no plano normativo legal, ninguém pode ser forçado,

pelo Estado ou por outros indivíduos, a cumprir as normas éticas, nem sofrer qualquer

sanção pela desobediência a estas; acresce que a lei pode ser omissa quanto a

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questões abrangidas no desígnio da ética ou não ser eticamente correcta para muitos

dos seus destinatários.

Se quero estar de bem comigo e com os outros – uma maneira de ser feliz – tenho de

previamente pensar quais serão as consequências das escolhas dos meus actos, do

meu modo de proceder e de estar em sociedade.

O comportamento ético tem a ver com a propriedade do carácter, o modo de ser de

um indivíduo, aquele que é considerado bom. Visa a realização das pessoas, de fazer o

que é certo, na procura da perfeição do ser humano.

O homem vive em sociedade, convive com outros homens e, portanto, cabe-lhe pensar

e responder à seguinte pergunta: “Como devo agir perante os outros?”.

Trata-se de uma pergunta fácil de ser formulada, mas difícil de ser respondida.

Como deve ser o comportamento público e profissional do advogado?

Antes de ser advogado, já o pretendente deve ser uma pessoa eticamente

irrepreensível, isto é, honesta, observadora dos deveres de justiça, da verdade e da

moral, honrada, recta, leal, cortês e sincera.

Estes valores adquirem-se ao longo da formação da personalidade, num progresso

gradual, complexo e único de cada indivíduo.

Pode escamotear-se a falta de ética na inscrição e durante o estágio, mesmo na

inscrição definitiva como advogado, mas ao longo da vida profissional acaba por vir ao

de cima, mesmo que as provas permaneçam camufladas acumulando teias de aranha,

durante algum tempo.

O advogado deve seguir o exemplo de Paulo Tarso, num esforço permanente de luta

contra o mal: Não faço o bem que quero, mas o mal que não quero – Romanos 7:19.

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O Bem é, desde Aristóteles, o conceito central da ética.

Para Kant, a única coisa que merece a denominação de bom é a boa vontade, definida

como uma vontade pura, sem qualquer determinação ou influência sensível. É uma

vontade desinteressada.

Kant apresentou algumas fórmulas, em termos de imperativo categórico (o dever de

toda pessoa de agir conforme os princípios que ela quer que todos os seres humanos

sigam, que ela quer que seja uma lei da natureza humana):

- O próprio imperativo categórico: "Age apenas segundo uma máxima tal que possas

ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal";

- O imperativo universal: "Age de tal modo que trates a humanidade, tanto na tua

pessoa como na do outro, sempre como um fim e nunca como um meio";

- O imperativo prático: “ O reino dos fins une os seres racionais, sob uma legislação

comum. A pessoa tem um valor e uma dignidade sem preço”.

Os advogados têm o seu próprio código de ética profissional, que é um conjunto de

normas de cumprimento obrigatório, derivadas essencialmente da ética, denominado

deontologia profissional, que por ter expressão normativa leva a que o seu

incumprimento faça incorrer o infractor em sanções disciplinares.

Por deontologia profissional (do grego: déon, déontos" que significa dever e "lógos"

que se traduz por discurso ou tratado), entende-se o conjunto de deveres, princípios e

normas que regulamentam o comportamento público e profissional do advogado.

A deontologia profissional é tratada no Estatuto da Ordem dos Advogados (Título III,

arts. 83.º a 108.º), nos Regulamentos aprovados pela Ordem, noutras ordenações de

leis e disposições legais avulsas. A título de exemplo, art. 9.º do Regulamento Nacional

de Estágio, os art. 154.º (conduta nos actos processuais), 266.º (princípio de

cooperação), 266.º-A (dever de boa fé processual) e 266.º-B (dever de recíproca

correcção) do Código de Processo Civil, o art. 326.º (conduta dos advogados e

defensores) do Código de Processo Penal, o art. 43.º, n.º 2 da Lei 34/04, de 29 de Julho

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(acesso ao Direito e aos Tribunais), os arts. 5.º, n.º 5, 60.º, 61.º e 62.º do Decreto-Lei

n.º 229/2004, de 10 de Dezembro (sociedade de advogados), Lei n.º 49/2004, de 24 de

Agosto (actos próprios de advogados e solicitadores), Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho

(Combate ao branqueamento de capitais) e o Código de Deontologia dos Advogados

Europeus.

Conforme dispõe o n.º 1 do art. 83.º do EOA, o advogado deve ter um comportamento

público e profissional adequado à dignidade e responsabilidade da função que exerce,

cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres consignados no presente Estatuto

e todos aqueles que a lei, os usos, costumes e tradições profissionais lhe impõem.

Os usos, costumes e tradições profissionais do advogado para serem atendidos,

maxime, para a sua violação ser considerada infracção disciplinar (art. 110.º do EOA),

não devem ser contrários aos princípios da boa fé, e só são aceitáveis quando a lei o

determinar e a Ordem dos Advogados os reconhecer como tal (art. 3.º do Código Civil).

A título de exemplo, o art. 110.º, n. 3 do EOA e o art. 1158.º, n.º 2 do Código Civil

atendem aos usos profissionais para a fixação da retribuição devida ao advogado.

Os actos da vida privada do advogado só podem provocar a reacção do poder

disciplinar da Ordem dos Advogados quando forem escandalosos, impliquem a

desconsideração pública, enodoem o carácter de quem as pratique e sejam

susceptíveis de lesar o bom nome da Ordem – Acórdão do Conselho Superior de

15.11.1962, publicado na R.O.A 23, página 182.

A honestidade, probidade, rectidão, lealdade, cortesia e sinceridade são obrigações

profissionais – art. 83.º, n.º 2 do EOA e Ponto 2.2 do Código de Deontologia dos

Advogados Europeus.

O advogado e o advogado estagiário estão, portanto, sujeitos a um conjunto de

deveres, e, no seu pressuposto, devem exercer a sua actividade de forma urbana e

independente, de modo a manter a confiança do cliente e a salvaguardar o segredo

profissional.

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A advocacia em prática isolada

A advocacia pode se exercida individualmente ou em grupo.

Há diferenças entre o exercício da profissão nas sedes dos Conselhos Distritais, ou nos

grandes centros urbanos, e na província.

Felizmente que a Ordem dos Advogados tem apostado em levar a formação jurídica

aos territórios mais interiores, através de iniciativas das suas delegações, o que

permite aos advogados manterem-se actualizados. Há muitos profissionais da área do

Direito (docentes, magistrados, conservadores, notários, advogados, técnicos

tributários, administradores de insolvência) dispostos a colaborar no conhecimento e

cultura jurídicas dos advogados.

Ser advogado em prática isolada torna mais difícil a escolha das causas por

preferências e especialização. O advogado não pode menosprezar a clientela que o

procura com os mais variados assuntos, por ser a sua fonte de rendimento.

Fora dos grandes centros urbanos ou empresariais, o advogado em prática isolada é,

salvo raras excepções, um generalista, ainda que obtenha o mestrado e pós-

graduações, o que o obriga a um maior investimento no conhecimento, equipamentos

e instalações. Por outro lado, o advogado do interior não beneficia da maior parte dos

protocolos que a Ordem dos Advogados celebra com outros prestadores de serviços,

principalmente no campo do lazer e da saúde.

O excesso de advogados concentrados em determinadas zonas, propicia o

aparecimento da concorrência desleal e a violação de alguns deveres deontológicos

considerados matriciais da profissão.

O advogado em prática isolada tem muitos encargos e as receitas dependem da

clientela, que em termos per capita, calha pouco a cada advogado ou muito a uns e

quase nada a outros. Um dos seus suportes financeiros é a colaboração no acesso ao

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direito e aos tribunais (vulgo apoio judiciário), a defender arguidos e a patrocinar

cidadãos mais carenciados economicamente, a troco de honorários prefixados em

portaria do Governo, cujo atraso no pagamento desequilibra o orçamento do

advogado.

Para evitar ou diminuir os encargos com a profissão, alguns advogados em prática

isolada, com o domicílio profissional em casa própria ou familiar, atendem os clientes

pelo telemóvel, nos cafés ou ao domicílio, sem se fazerem acompanhar das

ordenações legais e códigos necessários, logo hoje que há uma disenteria legislativa, o

que aumenta a responsabilidade civil do advogado pelo incumprimento dos deveres de

competência e de zelo.1

Já começa a ser comum ver jovens advogados a agruparem-se para o exercício da

profissão, ainda que em prática isolada de cada um, tendo em vista a repartição das

despesas (das instalações, funcionária, telefone, fax, internet, fotocopiadora) e

entreajuda no campo do conhecimento e prática jurídica.

Importante para quem exerce a profissão em prática isolada é formação contínua, o

domínio das novas tecnologias, a comunicação com os colegas, a troca de informações,

a participação em fóruns na net e as parcerias.

O advogado em prática isolada pode limitar a sua responsabilidade civil para com o

cliente.

A regra é que na prática isolada da advocacia, a responsabilidade civil do Advogado é

pessoal e ilimitada. Porém, permite a lei circunscrever o quantum indemnizatório a um

determinado montante.

O advogado com inscrição em vigor deve celebrar e manter um seguro de

responsabilidade civil profissional tendo em conta a natureza e âmbito dos riscos

1 Sobre o assunto, PAULO CORREIA, “Da Responsabilidade civil dos Advogados pelo incumprimento dos

deveres de competência e zelo”, na Revista do Ministério Público 119, Jul/Set 2009, pags. 149 e segts.

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inerentes à sua actividade, por um capital de montante não inferior ao que seja fixado

pelo Conselho Geral e que tem como limite mínimo 250.000 euros, sem prejuízo do

regime especialmente aplicável às sociedades de advogados – art. 99.º do EOA.

Quando a responsabilidade civil profissional do advogado se fundar na mera culpa, o

montante da indemnização tem como limite máximo o correspondente ao fixado para

o seguro referido no parágrafo anterior, se o advogado inscrever no seu papel

timbrado a expressão “responsabilidade limitada”. 2

Junto do Conselho Geral da Ordem dos Advogados funciona o Instituto de Apoio a

Jovens Advogados (IAJA), para os advogados que exerçam a profissão, há dez ou

menos anos, quer de forma liberal em regime de prática individual, quer integrados

em organizações societárias, regulares ou irregulares, com particular atenção aos

advogados que iniciem a vida profissional.

Existe também a Associação dos Jovens Advogados Portugueses (ANJAP), que tem por

finalidade contribuir para uma adequada integração e afirmação profissional dos

jovens advogados portugueses, inspirada na qualidade e prestígio da profissão de

advogado, comprometendo-se a zelar pelos direitos e interesses dos seus associados,

em estrita colaboração com a Ordem dos Advogados e com os demais parceiros

públicos e privados, da qual podem fazer parte os advogados com menos de 10 anos

de profissão.

Por seu turno, o Instituto dos Advogados em Prática Individual (IAPI), criado no âmbito

da Ordem dos Advogados, como estrutura de apoio para questões relevantes para os

advogados que exercem a profissão de forma liberal, visa incentivar a integração dos

advogados na Ordem, fazer propostas que conduzam à criação de condições

adequadas ao exercício da profissão de forma prestigiada, auscultar de forma regular a

situação deste grupo de advogados, provocar a reflexão e elaborar propostas de

soluções para os seus problemas.

2 Sobre o tema, pode ler-se o nosso estudo” A limitação da responsabilidade civil dos advogados em

prática isolada”, em www.verbojuridico.com (doutrina/Direito e processo civil/Responsabilidade civil).

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O advogado de Empresa

Os advogados de empresa pública ou privada são profissionais licenciados em Direito

com a inscrição na Ordem dos Advogados que exercem a advocacia em regime de

subordinação, em moldes diferentes da prática isolada ou societária.

Pode haver advogado e jurista de empresa. O EOA aplica-se apenas aos licenciados em

Direito inscritos na Ordem dos Advogados, em regime de contrato de trabalho, de

outsourcing e de avença.

O regime de incompatibilidades e impedimentos, aplicável a todos os advogados, tem

uma maior atenção relativamente aos advogados de empresa, sujeitando-se ao

disposto nos artigos 68.º e 76.º do EOA.

Cabe exclusivamente à Ordem dos Advogados a apreciação da conformidade com os

princípios deontológicos das cláusulas de contrato celebrado com advogado, por via do

qual o seu exercício profissional se encontre sujeito a subordinação jurídica, sendo

nulas as cláusulas de contrato celebrado com advogado que violem aqueles princípios.

Também são nulas quaisquer orientações ou instruções da entidade empregadora que

restrinjam a isenção e independência do advogado ou que, de algum modo, violem os

princípios deontológicos da profissão.

Todas as entidades públicas têm o especial dever de prestar total colaboração aos

órgãos da Ordem dos Advogados, no exercício das suas funções, e os particulares,

sejam pessoas singulares ou colectivas, têm do dever de colaborar com os órgãos da

Ordem dos Advogados, no exercício das suas atribuições – art. 8.º do EOA.

O Conselho Geral da Ordem dos Advogados pode solicitar às entidades públicas

empregadoras, que hajam intervindo em contratos com advogados, a entrega de cópia

dos mesmos, a fim de aferir da legalidade do respectivo clausulado.

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Quando a entidade empregadora seja pessoa de direito privado, qualquer dos

contraentes tem a faculdade de solicitar ao Conselho Geral parecer sobre a validade

das cláusulas ou de actos praticados na execução do contrato, o qual tem carácter

vinculativo, pedido de parecer esse que passa a ser obrigatório em caso de litígio entre

as partes.

Por outro lado, qualquer forma de provimento ou contrato, seja de natureza pública

ou privada, designadamente o contrato individual de trabalho, ao abrigo do qual o

advogado venha a exercer a sua actividade, deve respeitar a plena autonomia técnica e

de forma isenta, independente e responsável do advogado e todas as demais regras

deontológicas que constam do Estatuto da Ordem dos Advogados.

As incompatibilidades ou os impedimentos são declarados e aplicados pelo Conselho

Geral ou pelo conselho distrital que for o competente, o qual aprecia igualmente a

validade das estipulações, orientações e instruções a que se refere o parágrafo

anterior.

O advogado de empresa pode acumular a prática do exercício da advocacia, isolada ou

em sociedade, excepto se sofrer de incompatibilidades, impedimentos ou conflitos de

interesses, previstos nos arts. 76.º, 77.º, 78.º e 94.º do EOA.

Junto da Ordem dos Advogados funciona o Instituto dos Advogados de Empresa (IAE),

vocacionada para uma colaboração especializada ao Bastonário e ao Conselho Geral na

representação, enquadramento, qualificação e tratamento específicos da advocacia

exercida em regime de subordinação jurídica, pública ou privada, seja ou não em

regime de exclusividade.

O jurista de empresa, pode praticar alguns dos actos próprios de advogados, previstos

na Lei n.º 49/2004, de 24 de Agosto (lei dos actos próprios dos advogados e

solicitadores), no exclusivo interesse da entidade empregadora, que não é considerada

“terceiros”, na terminologia legal.

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Jurista é uma pessoa que conhece as leis e a ciência jurídica, podendo ser ou não

licenciado em Direito.

O jurista, como empregado, funcionário ou agente de pessoas singulares ou colectivas

públicas e privadas, no exercício da sua actividade subordinada e em exclusividade

para a sua entidade empregadora, pode aconselhar, elaborar contratos, praticar actos

preparatórios tendentes à constituição, alteração ou extinção de negócios jurídicos,

designadamente os praticados junto das conservatórias e cartórios notariais,

negociações tendentes à cobrança de créditos, exercer o mandato no âmbito de

reclamação ou impugnação de actos administrativos ou tributários. Só não pode

efectuar cobrança de dívidas para a entidade empregadora se esse for o objecto ou

actividade principal desta – art. 1.º, n.º 7 da Lei n.º 49/204, de 24 de Agosto.

Nos processos da competência dos tribunais administrativos é obrigatória a

constituição de advogado – art. 11.º do CPTA.

O jurista, licenciado em direito não inscrito na Ordem dos Advogados, pode ainda

exercer a representação jurídica nos tribunais administrativos. Sem prejuízo da

representação do Estado pelo Ministério Público nos processos que tenham por

objecto relações contratuais e de responsabilidade, as pessoas colectivas de direito

público ou os ministérios podem ser representados em juízo por licenciado em Direito

com funções de apoio jurídico, expressamente designado para o efeito, cuja actuação

no âmbito do processo fica vinculada à observância dos mesmos deveres

deontológicos, designadamente de sigilo, que obrigam o mandatário da outra parte.

A representação da Fazenda Pública nos tribunais tributários compete: na Secção de

Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, ao director-geral dos

Impostos e ao director-geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o

Consumo, que podem ser representados pelos respectivos subdirectores-gerais ou por

funcionários superiores das respectivas direcções-gerais licenciados em Direito; na

Secção de Contencioso Tributário dos tribunais centrais administrativos, ao

subdirector-geral dos Impostos e ao subdirector-geral das Alfândegas e dos Impostos

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Especiais sobre o Consumo, que podem ser representados por funcionários superiores

das respectivas direcções-gerais licenciados em Direito; nos tribunais tributários, aos

directores de finanças e ao director da alfândega da respectiva área de jurisdição, que

podem ser representados por funcionários licenciados em Direito das Direcções-Gerais

dos Impostos e das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo – arts. 53.º

e 54.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF). Quando estejam em

causa receitas fiscais lançadas e liquidadas pelas autarquias locais, a Fazenda Pública é

representada por licenciado em Direito ou por advogado designado para o efeito pela

respectiva autarquia.

Não existe ainda um regulamento de advogado da empresa, mas já é necessário,

devido às especificidades de quem trabalha por conta de outrem.

O EOA cuida do exercício da advocacia em regime de subordinação nos arts. 68.º e

76.º, nºs 3 a 5, em especial.

Por sua vez, o art. 116.º do Código do Trabalho preceitua que a sujeição à autoridade e

direcção do empregador não prejudica a autonomia técnica do trabalhador inerente à

actividade prestada, nos termos das regras legais ou deontológicas aplicáveis.

Na medida em que há advogados a prestar o seu serviço internamente a uma ou mais

empresas, distintas ou pertencentes ao mesmo grupo económico, e que podem não

exercer a advocacia externa ou, pelo menos, não o fazerem de forma exclusiva, há

necessidade de regulamentar mais pormenorizadamente a relação jurídica do

advogado de empresa, quer seja em regime de subordinação jurídica, outsourcing ou

avença.

A imposição de selos, arrolamentos, apreensão de documentos e busca em escritórios

de advogados gozam de especial tutela nos arts. 70.º e 71.º do EOA. No entanto, o

EOA não responde a questões que se podem levantar relativamente ao regime da

actividade de advogado em regime de subordinação, tais como:

- Qual a definição de escritório do advogado dentro da empresa?

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- E se o advogado tiver a seu cargo várias empresas, distintas ou dentro do mesmo

grupo económico, qual a definição de escritório?

- E se o advogado, nas mesmas circunstâncias do parágrafo anterior, trabalha a partir

de casa, do hotel ou de uma outros lugares alternativos?

- Há alguma justificação para tratar igual ou diferentemente o advogado que actua

dentro do departamento jurídico, daqueloutro que actua na área de negócios e da

gestão económica e financeira?

- O computador, telefones, documentos, instruções, informações escritas,

correspondência, e-mails, arquivo e comunicações na(s) empresa(s) onde o advogado

trabalha, mormente se não tiver instalações e/ou um departamento jurídico fixo, são

protegidos pelo segredo profissional e da devassa pelas autoridades policiais e

judiciárias?

- Como tratar e proteger os dados dos e-mails e documentos electrónicos que ficam

espalhados no(s) computador(es) e servidor(es) da(s) empresa(s)?

Questões diversas que o EOA, pensado para o exercício da actividade de advogado de

forma exclusiva em instalações fixas e determinadas, não responde de forma cabal, o

que cria dúvidas e insegurança jurídicas.

A sociedade de advogados

A associação de advogados pode acontecer de facto (irregular) ou segundo o regime

jurídico das sociedades de advogados, aprovado pelo DL 229/204, 10 de Dezembro

(RJSA).

As sociedades de advogados são sociedades civis em que dois ou mais advogados

acordam no exercício em comum da profissão de advogado, a fim de repartirem entre

si os respectivos lucros.

O exercício da prática da advocacia no regime societário está disciplinado no art. 203.º

do EOA e no regime jurídico das sociedades de advogados.

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O contrato de sociedade deve constar de documento particular, salvo quando haja

entrada de bens imóveis, caso em que deve constar de escritura pública ou documento

particular autenticado.

Pese embora o Decreto-Lei n.º 33/2011, de 7 de Março, ter liberalizado o montante do

capital social das sociedades comerciais por quotas, pelo que, nos termos do art. 201.º

do CSC, passou o montante do capital social a ser livremente fixado no contrato de

sociedade, isso não se aplica às sociedades de advogados, dado que o Decreto-Lei n.º

229/2004, de 10 de Dezembro, é uma lei especial para os advogados e a lei geral não

revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador (art. 7.º,

n.º 3 do Código Civil), para mais que as sociedades de advogados são civis e não

comerciais.

O capital social mínimo das sociedades de advogados é de (euro) 5000, a subscrever e

a realizar integralmente em dinheiro. Todos os sócios integram obrigatoriamente a

sociedade com participações de indústria (trabalho) e todos, alguns ou algum deles,

segundo o que for convencionado, também com participações de capital.

As sociedades de advogados devem optar, no momento da constituição, pelo regime

de responsabilidade ilimitada ou limitada por dívidas sociais, nas quais se inclui as

geradas por actos praticados ou por omissões imputadas a sócios, associados e

advogados estagiários, no exercício da profissão.

A prática societária pressupõe a dedicação exclusiva do advogado à sociedade. Os

advogados só podem fazer parte de uma sociedade de advogados e devem consagrar a

esta toda a sua actividade profissional de advogados. No entanto, qualquer dos sócios

pode exercer actividade profissional de advogado fora da sociedade, desde que

autorizado no contrato da sociedade ou em acordo escrito de todos os sócios.

De acordo com um estudo da Associação das Sociedades de Advogados Portuguesas

(ASAP), das 111 firmas participantes, 63% estão sedeadas na capital, tendo 84% até

cinco sócios.

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A sociedade de advogados permite distribuir os sócios por ordem de preferências dos

ramos e áreas do Direito e promove a especialização em determinadas matérias. Por

outro lado, a admissão de advogados como associados é exigente, por apostarem na

mais-valia do conhecimento de línguas e cultura jurídica comparada, mormente

currículo e experiência em determinadas áreas, mestrados e pós-graduações.

A nível fiscal, as sociedades de advogados estão sujeitas à transparência fiscal,

imputando-se a matéria colectável por elas gerada na esfera dos respectivos sócios ou

membros, sejam eles pessoas singulares ou colectivas.

Este regime contempla também os agrupamentos complementares de empresas (ACE)

e os agrupamentos europeus de interesse económico (AEIE), com sede ou direcção

efectiva em território português e que se constituam e funcionem nos termos legais.

O Instituto das Sociedades de Advogados (ISA) da Ordem dos Advogados tem por

objecto a prestação de uma colaboração especializada ao Bastonário e ao Conselho

Geral relativamente a todas as matérias específicas das Sociedades de Advogados.

Existe desde 2002 a Associação das Sociedades de Advogados de Portugal (ASAP),

criada para defender os interesses das sociedades de advogados portuguesas, da qual

podem fazer parte as sociedades de advogados registadas na Ordem dos Advogados.

Advogados de Empresa.

Os advogados da União Europeia que, no respectivo Estado, sejam membros de uma

sociedade de advogados podem exercer a sua actividade em Portugal com o seu título

profissional de origem no âmbito de uma sucursal ou agência dessa sociedade, desde

que tenham dado prévio conhecimento desse facto à Ordem dos Advogados e a

respectiva sociedade se encontre ali registada, em conformidade com o legalmente

estabelecido – art. 202.º do EOA.

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O defensor público

A Constituição da República Portuguesa prescreve o acesso ao direito e tutela

jurisdicional efectiva no art. 20.º, nºs 1 e 2.

O sistema de acesso ao direito e aos tribunais, vulgo Apoio Judiciário, destina-se a

assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição

social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o

exercício ou a defesa dos seus direitos – Lei 34/2004, de 29 de Julho, alterada pela Lei

47/2007, de 28 de Agosto.

Quem paga a consulta jurídica, o patrocínio e a defesa oficiosas é a Segurança Social,

mas quem indica o advogado é a Ordem dos Advogados, podendo o consulente,

patrocinado ou defendido pedir a sua substituição, justificadamente.

O actual sistema de apoio judiciário tem gasto ao Estado muito dinheiro. A título de

exemplo, só no ano de 2010, o Estado gastou em apoio judiciário mais de 56 milhões

de euros.

Começam a surgir defensores da substituição do apoio judiciário pela figura do

defensor público.

No fundo, o defensor público seria um licenciado em direito, com a missão de

defender os direitos e interesses dos cidadãos que não têm possibilidade económica

de recorrer aos serviços da advocacia privada.

O defensor público seria um género de jurista de empresa, licenciado em direito,

funcionário do Ministério da Justiça, a quem o Estado asseguraria formação e uma

retribuição condignas.

A opção entre o defensor oficioso e o defensor público promete estar na ordem do dia.

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Do ponto de vista de alguns advogados, a extinção do apoio judiciário, vai diminuir os

direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e violar o princípio constitucional da

igualdade dos cidadãos no acesso ao Direito e aos Tribunais, para além de

corresponder a uma diminuição de receitas, ainda que pagas em pouca quantidade e

tarde.

Para o Estado, a opção pelo defensor público pode significar uma poupança (visão

economicista), embora seja ainda preciso fazer contas ao número de defensores

púbicos necessários, às instalações, funcionários de apoio e equipamentos condignos.

Do ponto de vista dos cidadãos, a questão reside em saber se ficarão menos

protegidos pelo defensor público e se a instituição desta figura irá aumentar a

diferença entre os ricos, por um lado, que contratam os melhores advogados, e os

pobres, por outro, que têm de se sujeitar ao que há (que até podem ser bom litigantes,

com bons conhecimentos práticos e teóricos do Direito), pese embora na roda do

apoio judiciário não ser seguro que lhes seja nomeado um bom advogado, apesar de

ter sempre a faculdade de pedir a sua substituição, fundadamente.

O defensor público, ao exercer o patrocínio judiciário em representação das partes não

poderá guiar-se por um código deontológico diferente do dos advogados, mandatários

privados da contraparte.

Póvoa de Varzim, 2011-07-12