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A Evolução do Conceito de Átomo e os Primórdios da Química Moderna Michael Fowler Universidade de Virgínia Conceitos da Grécia Antiga Os primeiros pensadores de que há registo a formular uma teoria atómica foram dois gregos do século V a.C., Leucippus de Miletus (uma cidade que agora pertence à Turquia) e Demócrito de Abdera. As suas teorias tinham um ponto de partida naturalmente mais filosófico do que experimental. A ideia base era a de que se conseguirmos observar a matéria em escalas cada vez mais pequenas (e eles obviamente não conseguiam), iremos ver, por fim, átomos individuais - objetos que não podem ser divididos (essa era a definição de átomo). Tudo era constituído por estes átomos, que se moviam no vazio (vácuo). As diferentes propriedades físicas - cor, paladar, etc. - dos materiais ficavam a dever-se ao fato de os átomos terem diferentes formas e/ou arranjos ou orientações diferentes uns em relação aos outros. Tudo isto era baseado em suposições, mas o retrato físico que descrevem por vezes parece estranhamente preciso. Por exemplo, numa citação de Lucrécio, um contemporâneo de Júlio César sobre as ideias de Epícuro, um seguidor de Demócrito: Observa atentamente quando os raios de luz do Sol entram e iluminam os recantos escuros das casas ... verás que muitos, ao impulso de choques invisíveis, mudam de direção, e, repelidos, voltam para trás, para um lado, para outro, de todas as direções e em todo o lado. Deverás saber que este movimento inconstante se deve, todo ele, aos átomos*. Efetivamente, são os próprios átomos os primeiros a se moverem por si mesmos; vêm depois os corpos cuja composição é reduzida e que estão, digamos assim, mais perto de forças atómicas, que se movem impelidos pelos choques invisíveis destas últimas, e, por seu turno, põem em movimento os que são um pouco maiores. Assim o movimento passa desde os átomos e a pouco e pouco chega aos nossos sentidos, até que se movem aquelas mesmas coisas que podemos ver na luz do Sol, embora permaneçam invisíveis os choques que os causam. (*chamados de "elementos primordiais" por Lucrécio - a que vamos chamar "átomos", o significado é o mesmo.) Será possível que estes joves gregos possuíssem uma visão suficientemente apurada para conseguirem ver os Movimentos Brownianos? (Veja o ficheiro HTML anexo a este documento com a simulação do movimento Browniano.) Estes filósofos gregos acreditavam que os átomos estão em constante movimento, pelo menos para os gases e os líquidos. Por vezes, contudo, como resultado das suas formas fechadas, juntam-se firmemente, formando materiais como a rocha ou o ferro. Basicamente, Demócrito e os seus seguidores tinham uma ideia muito mecânica do universo. Pensavam que todos os fenómenos naturais podiam, por princípio, ser compreendidos pela interação, principalmente pelo movimento, entre os átomos. Esta visão não deixou espaço para a intervenção divina. A sua representação atómica incluía a mente e até a alma, que portanto não sobreviveria à morte. Esta era, de fato, uma alternativa às religiões populares da época, nas quais os deuses intervinham constantemente, frequentemente de formas pouco agradáveis, e a morte era para ser temida pois os castigos certamente se seguiriam. Poucos progressos foram feitos no que toca à teoria atómica, nos dois mil anos seguintes, em grande parte porque Aristóteles a desacreditou, e as suas visões prevaleceram até ao fim da Idade Média. Galileu

A evolução do conceito de átomo e os primórdios da química moderna

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Page 1: A evolução do conceito de átomo e os primórdios da química moderna

A Evolução do Conceito de Átomo e os Primórdios da Química Moderna

Michael Fowler

Universidade de Virgínia

Conceitos da Grécia Antiga

Os primeiros pensadores de que há registo a formular uma teoria atómica foram dois gregos do século V

a.C., Leucippus de Miletus (uma cidade que agora pertence à Turquia) e Demócrito de Abdera. As suas

teorias tinham um ponto de partida naturalmente mais filosófico do que experimental. A ideia base era a

de que se conseguirmos observar a matéria em escalas cada vez mais pequenas (e eles obviamente não

conseguiam), iremos ver, por fim, átomos individuais - objetos que não podem ser divididos (essa era a

definição de átomo). Tudo era constituído por estes átomos, que se moviam no vazio (vácuo). As

diferentes propriedades físicas - cor, paladar, etc. - dos materiais ficavam a dever-se ao fato de os átomos

terem diferentes formas e/ou arranjos ou orientações diferentes uns em relação aos outros.

Tudo isto era baseado em suposições, mas o retrato físico que descrevem por vezes parece estranhamente

preciso. Por exemplo, numa citação de Lucrécio, um contemporâneo de Júlio César sobre as ideias de

Epícuro, um seguidor de Demócrito:

Observa atentamente quando os raios de luz do Sol entram e iluminam os recantos escuros das casas ...

verás que muitos, ao impulso de choques invisíveis, mudam de direção, e, repelidos, voltam para trás,

para um lado, para outro, de todas as direções e em todo o lado. Deverás saber que este movimento

inconstante se deve, todo ele, aos átomos*. Efetivamente, são os próprios átomos os primeiros a se

moverem por si mesmos; vêm depois os corpos cuja composição é reduzida e que estão, digamos assim,

mais perto de forças atómicas, que se movem impelidos pelos choques invisíveis destas últimas, e, por

seu turno, põem em movimento os que são um pouco maiores. Assim o movimento passa desde os átomos

e a pouco e pouco chega aos nossos sentidos, até que se movem aquelas mesmas coisas que podemos ver

na luz do Sol, embora permaneçam invisíveis os choques que os causam.

(*chamados de "elementos primordiais" por Lucrécio - a que vamos chamar "átomos", o significado é o

mesmo.)

Será possível que estes joves gregos possuíssem uma visão suficientemente apurada para conseguirem ver

os Movimentos Brownianos? (Veja o ficheiro HTML anexo a este documento com a simulação do

movimento Browniano.)

Estes filósofos gregos acreditavam que os átomos estão em constante movimento, pelo menos para os

gases e os líquidos. Por vezes, contudo, como resultado das suas formas fechadas, juntam-se firmemente,

formando materiais como a rocha ou o ferro. Basicamente, Demócrito e os seus seguidores tinham uma

ideia muito mecânica do universo. Pensavam que todos os fenómenos naturais podiam, por princípio, ser

compreendidos pela interação, principalmente pelo movimento, entre os átomos. Esta visão não deixou

espaço para a intervenção divina. A sua representação atómica incluía a mente e até a alma, que portanto

não sobreviveria à morte. Esta era, de fato, uma alternativa às religiões populares da época, nas quais os

deuses intervinham constantemente, frequentemente de formas pouco agradáveis, e a morte era para ser

temida pois os castigos certamente se seguiriam.

Poucos progressos foram feitos no que toca à teoria atómica, nos dois mil anos seguintes, em grande parte

porque Aristóteles a desacreditou, e as suas visões prevaleceram até ao fim da Idade Média.

Galileu

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As coisas começaram a compor-se com o Renascimento. Galileu acreditava nos átomos, embora, como os

filósofos gregos, confundisse a ideia de indivisibilidade física com a de tamanho nulo, isto é,

representados como um ponto matemático. Não obstante, as suas ideias acerca deste assunto levaram-no a

problemas religiosos. A Igreja sentiu que a doutrina da transubstanciação - a crença de que o pão e o

vinho literalmente se tornam no corpo e sangue de Cristo - seria pouco plausível se tudo fosse feito de

átomos. Este era um eco da tensão criada dois mil anos antes entre átomos e religião.

A teoria atómica de Galileu não foi bem desenvolvida. Em determinadas passagens, fica-se com a

impressão de que os átomos eram infinitamente pequenos (Duas Novas Ciências, na versão inglesa Two

New Sciences, páginas 51 e 52), imaginou que a sucção devida ao vácuo entre as infinitamente pequenas

superfícies seria suficiente para manter um sólido unido, já que objetos mais pequenos originariam

proporcionalmente maiores superfícies. É claro que estava no caminho errado. (Ironicamente, após a

morte de Galileu, o seu discípulo, Torricelli, foi o primeiro a perceber que as forças de sucção eram o

resultado da pressão do ar devido ao peso da atmosfera.)

Newton

Uma perspectiva muito mais moderna sobre os átomos e as forças entre estes foi desenvolvida mais tarde,

por volta do século dezassete, por Isaac Newton, que escreveu (Ótica, Livro 3, Parte 1):

Questão 31. Não têm as pequenas partículas dos corpos certos Poderes, Virtudes ou Forças, através das

quais atuam à distância, não apenas sobre os raios de luz, que refletem, refratam ou difratam, mas

também umas nas outras ao produzirem uma grande parte dos Fenómenos da Natureza? Pelo que é bem

conhecido, os corpos atuam uns sobre os outros por ação da atração gravitacional, magnetismo, e

eletricidade; e estes exemplos mostram o teor e o curso da natureza e por isso não é improvável que

existam mais forças atrativas para além destas... Porque temos que aprender com os fenómenos da

natureza quais os corpos que se atraem mutuamente, e quais são as leis e as propriedades de tal atração,

antes de questionarmos a razão pela qual é exercida essa atração. A atração da gravidade, magnetismo e

eletricidade, exercem-se a distâncias bem percetíveis e por isso podem ser observadas pelos nossos

olhos, e podem existir outras que atuem a distâncias muito mais pequenas e que até ao momento

escaparam à observação, talvez a atração elétrica se faça sentir a distâncias muito pequenas, mesmo

sem ocorrer excitação por fricção.

De fato, apesar de as forças que ligam os átomos de uma molécula não poderem ser corretamente

compreendidas sem a mecânica quântica, muitas destas forças são forças elétricas de "curto alcance" -

forças entre corpos com carga elétrica total neutra, mas com distribuições distorcidas (não homogéneas)

da carga. Estas forças podem ser designadas como "atrações elétricas a curtas distâncias". Repare que

Newton deixa a porta aberta para outras forças de curto alcance, que foram finalmente descobertas na

década de 30 do século XX!

Newton prossegue, argumentando que assumir a existência de forças de atração entre partículas sugere

uma explicação muito natural para vários fenómenos físicos e químicos, tais como a deliquescência,

facilidade na destilação e a entalpia resultante de mistura:

Quando o Sal de Tátaro (carbonato de potássio) corre per Deliquim (é liquefeito), não ocorre isto por

atração entre as partículas do sal e as partículas da água que flutuam no ar na forma de vapor?... E por

que motivo, senão por esse Poder atrativo, a água que se destila sozinha por ação de um calor morno e

suave, não se destila do Sal de Tártaro sem sofrer um elevado aquecimento?... E quando a água e o Óleo

de Vitriolo (ácido sulfúrico) são colocados sucessivamente no mesmo recipiente e se tornam muito

quentes na mistura, não revela esse calor um grande movimento nas partes dos líquidos? E não prova

este Movimento que as Partes dos dois líquidos, ao se misturarem, se unem com violência, e por

consequência, correm uma para a outra com movimento acelerado?

Page 3: A evolução do conceito de átomo e os primórdios da química moderna

Evidentemente, Newton já tinha percebido que o aquecimento se deve a movimento molecular, e como

esse aquecimento é gerado quando moléculas diferentes que se atraem mutuamente são misturadas, de

modo que a sua energia potencial é transformada em energia cinética, à medida que chocam umas com as

outras.

Finalmente, não consigo resistir a citar Sir Isaac:

Questão 30.Não são os Corpos pesados e a Luz convertíveis um no outro, e não devem os Corpos grande

parte da sua atividade às partículas de luz que entram na sua composição?... A transformação de corpos

em luz, e de luz em corpos, é muito conforme ao curso da Natureza, que parece deliciar-se com estas

Transmutações...

(Obviamente, para além desta visão Newtoniana, não devemos perder o rumo: Newton não concordava

com a teoria cinética dos gases - ele imaginava que os átomos de um gás eram mais ou menos estáticos,

com os aumentos de pressão a resultarem da mútua repulsão entre átomos vizinhos. Também estava

convicto de que a luz era constituída por partículas, não ondas, ainda que em retrospetiva não fosse assim

tão errado.)

Pre-Química: Incluindo Newton e os Alquimistas

As impressionantes citações de Newton feitas acima, que nos levam a crer que ele estava no caminho

certo, não contam a história toda. Newton julgava que parte da química (especialmente a parte ligada à

física) podia ser explicada com base na mecânica dos corpúsculos, mas existia algo mais importante, um

espírito invisível, que era a base da vida ( e de alguma forma ligado ao mercúrio e a outros elementos).

Também achou ser esta a chave para a forma como Deus controlava o Universo - uma mera interação

mecânica entre corpúsculos não podia, na opinião dele, gerar uma tão rica variedade de seres vivos. E

Newton queria perceber como Deus controlava o Universo. Newton provavelmente passou mais tempo a

estudar alquimía do que a trabalhar nas suas leis da gravitação e do cálculo! De fato, Newton examinou

"toda a vasta e antiga literatura alquimista como nunca tinha sido examinada até então" de acordo com

um recente estudo (ver Never at Rest, Richard Westfall, página 290, na versão inglesa). Também utilizou

medidas quantitativas muito precisas em muitas das suas investigações. Não forneceu uma visão da

conservação da massa, como fez Lavoisier um século mais tarde, provavelmente porque Newton não teve

em conta os vários gases absorvidos ou emitidos, considerando-os como acidentais e pouco importantes

na ocorrência de reações químicas. Também porque talvez não cheirassem assim tão bem - uma receita

para preparar Fósforo que Newton copiou de Boyle começa com "Encher um Barril de Urina". É

suficiente. (Never at Rest, page 285).

Não que isto interesse muito no que toca ao desenvolvimento do conceito de átomo. Como fator positivo,

os alquimistas, na sua busca infrutífera para transformar chumbo em ouro (e encontrar o elixir da vida,

etc.) tornaram-se muito experientes no que toca a uma grande variedade de reações químicas, e por isso

descobriram as propriedades de muitas substâncias.

O ponto de vista dos alquimistas era baseado nos quatro elementos de Aristóteles, terra, ar, fogo e água,

mas acrescentaram aquilo a que chamaram princípios. Por exemplo, existia um princípio ativo no ar,

importante na respiração e na combustão. Havia um princípio acídico, e muitos outros. E depois havia o

phlogiston. Observando algo em chamas, parece óbvio que algo escapa do material. A isso chamavam

phlogiston. Após a descoberta de Boyle de que o metal se torna mais pesado durante a combsutão, foi

decidido que o phlogiston teria um peso negativo.

Page 4: A evolução do conceito de átomo e os primórdios da química moderna

Lavoisier

O primeiro grande passo em direção à química quantitativa moderna foi dado por Lavoisier, por volta do

final do século XVIII. Ele percebeu que a combustão era uma reação química entre o material que estava

a ser queimado e um componente do ar. Provocou reações em recipientes fechados para que pudesse

acompanhar as variações de quantidade dos reagentes envolvidos. Uma das suas grandes descobertas foi

que nas reações químicas, a massa final de todas os materiais envolvidos é exatamente igual à massa

inicial. Este foi o primeiro passo no caminho que nos leva a pensar a química em termos de átomos. Ele

também provou que a água pura não era transformada em terra pelo aquecimento, como se acreditava até

então - o resíduo seco resultante da ebulição da água já estaria no recipiente se a água fosse pura.

Lavoisier descobriu o Oxigénio. Foi o primeiro a perceber que o ar tem dois componentes (maioritários),

sendo que apenas um dele dá suporte à respiração, ou seja à vida, e à combustão. Em 1783, ao trabalhar

com o matemático Laplace, e com porquinhos-da-Índia, determinou quantitativamente que o animal

inspirava Oxigénio para formar o que agora designamos como Dióxido de Carbono (esta é a origem da

utilização de "porquinhos-da-Índia" como cobaias).

O que é um Elemento?

Lavoisier reforçou a pouca terminologia existente na altura: não havia uma definição consensual de

elementos, princípios ou átomos, apesar de um século antes Boyle ter sugerido que o termo elemento

fosse reservado a substâncias que não pudessem ser mais divididas quimicamente.

No seu Elementos de Química (1789) Lavoisier escreveu:

...se, por elementos nos referimos aos simples e indivisíveis átomos que constituem a matéria, é

extremamente provável que não saibamos nada acerca deles; mas se aplicarmos o termo elementos, ou

princípios dos corpos para exprimir o último ponto que a nossa análise é capaz de atingir, temos que

admitir como elementos todas as substâncias para as quais somos capazes, por qualquer meio, de reduzir

os corpos por decomposição. Não que tenhamos o direito de afirmar que estas substâncias que

consideramos como simples não possam ser constituídas por dois, ou até mais princípios (elementos);

mas já que estes princípios não podem ser separados, ou antes como até ao momento não descobrimos a

forma de os separar, são considerados por nós como substâncias simples, e é aconselhável supor que não

são constituídos por outros até que a observação e experimentação o provem.

Em resumo, Lavoisier deu início ao estudo da química moderna: insistiu em terminologia precisa e em

medições precisas, e sugeriu a classificação de substâncias em elementos e em compostos. Uma vez

colocado este programa em andamento, a interpretação do átomo não se fez esperar muito.

Infelizmente para a Química, cinco anos após a publicação do seu livro, Lavoisier foi guilhotinado. Na

França pré-revolucionária, a recolha de impostos era feita por privados, e Lavoisier era visto como um

impopular "cobrador de impostos". E poucos sobreviveram à revolução. Lavoisier foi também acusado de

atividades anti-patrióticas, já que se correspondia com estrangeiros. O fato de toda esta correspondência

trocada ser de natureza científica não impressionou os revolucionários, que faziam notar que "a República

não precisa de sábios", à medida que o levavam para a guilhotina.

Dalton

John Dalton (1766-1844) nasceu numa família pobre, próximo de Manchester, Inglaterra. Sustentou-se,

em certa medida, ao ensinar desde os 12 anos, quando deu início à sua pequena escola. Dalton escreveu A

New System of Chemical Philosophy, do qual se retirou o seguinte excerto:

Page 5: A evolução do conceito de átomo e os primórdios da química moderna

A Matéria, imaginada como divisível até um grau extremo, não é contudo infinitamente divisível. Isto é,

deve haver uma altura a partir da qual não se consegue continuar a dividir a matéria. A existência destas

derradeiras partículas dificilmente pode ser posta em causa, se bem que são provavelmente muito

pequenas para serem exibidas pelos microscópios, mesmo que estes venham a ser mellhorados. Escolhi a

palavra átomo para designar estas derradeiras partículas...

Ele assumiu que todos os átomos de um elemento eram iguais, e que átomos de um elemento não podiam

ser transformados em átomos de outro elemento “por nenhuma força que possamos controlar”. Assumiu

também que compostos com mais do que um elemento eram átomos compostos (moléculas):

Vejamos agora a derradeira partícula do ácido carbónico, um átomo composto. Apesar de este átomo

composto poder ser dividido, deixa de ser ácido carbónico, sendo transformado por tal divisão em

carvão (Carbono) e Oxigénio.

Ele também afirmou que todos os átomos compostos (moléculas) de um determinado composto são

idênticos e, para além disso: "a análise química e síntese não vão para além da separação das partículas

umas das outras, e da sua reunião. A criação ou destruição da matéria estão para lá da ação da

química".

Nessa época tornou-se claro que quando os elementos se combinam para formar um determinado

composto, essa combinação ocorre em racios de massa precisos. Por exemplo, quando o Hidrogénio reage

com o Oxigénio para formar água, uma grama de Hidrogénio combina-se com oito gramas de Oxigénio.

Esta regularidade é prevista pela teoria de Dalton, presumivelmente o átomo composto, ou molécula, de

água tem uma quantidade fixa de átomos de Hidrogénio e uma quantidade fixa de átomos de Oxigénio. É

claro que estas relações entre as massas não nos indicam as quantidades, já que não sabemos as massas

relativas para os átomos de Hidrogénio e de Oxigénio. Para progredirmos na nossa análise, algumas

suposições são necessárias. Dalton sugeriu uma regra de grande simplicidade: se dois elementos formam

apenas um composto, assume-se que o átomo composto (molécula) possui apenas um átomo de cada

elemento. Uma vez que a molécula de H2O2 ainda não tinha sido descoberta, ele assumiu que a água seria

HO. (Na realidade ele utilizou símbolos para representar os elementos, H era representado como um

círculo com um ponto no centro. Contudo, tal como atualmente fazemos, ele utilizava sequências destes

símbolos para representar uma molécula, não uma mistura macroscópica.) Ao relacionar dados de

diferentes reações, tornou-se evidente para Dalton que a sua simplificação não era necessariamente

correta, por volta de 1810 sugeriu que a molécula de água talvez fosse constituída por três átomos.

As Proporções Múltiplas de Dalton

Um dos argumentos mais fortes da teoria atómica de Dalton era a Lei das proporções Múltiplas. Por

exemplo, ele descobriu que o Carbono, quando combinado com o Oxigénio para formar um gás, levava a

dois cenários possíveis, dependendo das condições - num cenário, cada grama de Carbono era combinada

com precisamente o dobro de Oxigénio do existente no outro cenário. Ele associou corretamente estes

dados à formação de CO2 e CO, respetivamente.

As simples relações de Gay-Lussac: e uma Voltinha de Balão

Entretanto, em Paris, Joseph Louis Gay-Lussac investigou cuidadosamente a relação entre o volume de

Hidrogénio com o de Oxigénio, quando estes se combinam para formar água. Descobriu que o Oxigénio

se combinava com exatamente o dobro do seu próprio volume de Hidrogénio. Estas simples relações de

volume eram idênticas para outras reações entre gases e, para além disso, se o produto da reação fosse

também um gás, ocupava um volume que estaria relacionado com o dos gases combinados - por exemplo

dois volumes de Hidrogénio combinados com um volume de Oxigénio originam 2 volumes de vapor

(assumindo claro que a temperatura não desce abaixo do ponto de ebulição da água).

Page 6: A evolução do conceito de átomo e os primórdios da química moderna

Infelizmente, Dalton não acreditava nos resultados de Gay-Lussac. Dalton estava convencido de que

Newton tinha provado que os átomos de um gás eram grandes e elásticos, que preenchiam o espaço e com

diferentes tamanhos para diferentes átomos. Isto era difícil de conciliar com as simples relações entre os

volumes dos gases.

Gay-Lussac tinha coragem. Uma vez que era já claro que o Azoto era um pouco mais leve que o

Oxigénio, ele imaginou que a proporção de Oxigénio no ar diminuiria com o aumento da altitude. Para o

demonstrar, em 1802 embarcou num balão e viajou a 23000 pés (~7 Km) de altitude! Descobriu que a

mistura tinha essencialmente as mesmas caraterísticas do ar à superfície.

Hipótese de Avogadro

Em 1811, o físico italiano Amedeo Avogadro sugeriu que a representação dos átomos e moléculas de

Dalton podia ser conciliada aos resultados dos volumes obtidos por Gay-Lussac, se assumissemos que

iguais volumes de todos os gases, elementares ou compostos, contêm igual número de moléculas. É claro,

ele não fazia ideia do número de moléculas existente, mas a hipótese levou a que se fizessem muitas

previsões, mesmo sem se conhecer tal número.

Dalton também não gostou desta solução. Por um motivo: se um volume de Oxigénio combinado com

Hidrogénio forma dois volumes de água, parecia a Dalton que a moléculas de água tinham, cada uma,

metade de um átomo de oxigénio, se acreditarmos na hipótese de Avogadro. Dalton não acreditava que o

Oxigénio gasoso consistia em moléculas diatómicas, porque no seu entender os grandes átomos de

Oxigénio repelir-se-iam uns aos outros, motivo pelo qual um gás resiste à compressão. Então como se

podiam atrair para formar moléculas?

Regresso da Teoria Cinética

Apesar de o trabalho de Dalton ter dado um rumo à química e ter levado a muitas e frutíferas

investigações, a sua compreensão dos gases bloqueava o entendimento das reacções entre gases. As

grandes moléculas que ele imaginava tinham pequenos centros rodeados por uma atmosfera de

“calórico”, um fluido de calor, o mesmo que se sente a penetrar nos dedos quando tocamos algo quente. O

motivo pelo qual um gás expande durante o aquecimento, nesta teoria, era o de que o calórico se movia e

se prendia às atmosferas que envolviam as moléculas (Lavoisier também acreditava neste calórico).

Contudo, o trabalho de Rumford e de físicos posteriores demonstrou que o calor era melhor

compreendido como movimento molecular, e que não existia nenhum fluído - o calórico era apenas uma

ilusão. Isto tornou mais difícil acreditar nas ideias de Newton/Dalton. Apesar disto, o modelo cinético de

Bernoulli, de 1738, no qual moléculas muito pequenas de gás se moviam por entre os espaços vazios, não

foi amplamente debatido até meio século após a hipótese de Avogadro. É nessa altura que a nossa

representação moderna dos gases começa a surgir - os resultados de Dalton, Gay-Lussac e Avogadro

podiam ser conciliados de forma simples e consistente.

Elementos produzidos eletricamente

Volta inventou a pilha elétrica em 1800, e foi utilizada durante semanas para decomposição por eletrólise

da água nos seus elementos constituintes, Hidrogénio e Oxigénio. Mais surpreendente, quando uma

corrente elétrica passava por soda (Carbonato de Sódio) ou potassa (Carbonato de Potássio) - duas

substâncias que se julgavam elementos - substâncias metálicas surgiam nos cátodos. Novos elementos -

Sódio e Potássio - haviam sido descobertos. Obviamente, a eletrólise conseguia quebrar compostos até aí

resistentes à decomposição. O gás Cloro foi descoberto por Sir Humphry Davy, ao decompor por

eletrólise o ácido muriático (ácido clorídrico). O seu assistente Michael Faraday analizou

quantitativamente a eletrólise. Descobriu que quando a eletrólise depositava elementos num elétrodo,

necessitava sempre da mesma quantidade total de corrente elétrica (ou algum múltiplo inteiro) para

Page 7: A evolução do conceito de átomo e os primórdios da química moderna

depositar uma mole do elemento (isto é, o número de átomos correspondente ao número de Avogadro). O

verdadeiro significado deste resultado não foi totalmente compreendido até 1881, quando Helmholtz,

numa conferência em memória de Faraday, afirmou: "Se aceitarmos a hipótese de que as substâncias

elementares são compostas por átomos, não podemos evitar concluir que a eletricidade é também dividida

em porções elementares que se comportam como átomos de eletricidade".

Padrões de Elementos

No ano de 1800, 31 elementos eram conhecidos, Em 1860, esse número havia quase duplicado, para 60, e

as massas atómicas relativas, bem como muitas propriedades químicas, eram também conhecidas. Em

particular, ao analisar a formação de moléculas, um conceito emergente muito valioso era o de valência -

a ideia de que cada átomo tinha um determinado número de pequenos ganchos para que se pudesse

prender a ganchos similares de outros átomos. Alguns átomos exibiam diferentes valências quando em

diferentes compostos, mas muitos outros não. Em 1865, o químico Inglês J. A. R. Newlands procurou

estabelecer uma relação entre as propriedades químicas, incluindo a valência, e o peso atómico.

Os elementos mais leves conhecidos na altura, por ordem crescente do peso atómico, eram:

H, Li, Be, B, C, N, O, F, Na, Mg, Al, Si, P, S, Cl, K, Ca, Ti, … .

Newlands sugeriu que existia uma lei das oitavas - os elementos 1, 8, 15 eram muito parecidos, tal como

os elementos 2, 9, 16, e por aí fora. (O Hidrogénio é suficientemente anómalo para que não encaixe no

padrão de modo tão convincente como os outros elementos.) Os colegas de Newland não estavam

convencidos. Por um motivo, o padrão não parecia estender-se a muitos outros elementos além destes.

Um colega sugeriu a Newland que procurasse estes padrões ao ordenar os elementos da lista por ordem

alfabética, no lugar de os ordenar por peso atómico.

Alguns anos mais tarde, em 1872, o físico Russo Mendeleev desenhou a sua Tabela Periódica dos

Elementos, com oito colunas que refletiam as oitavas de Newland. Mendeleev teve a coragem de deixar

espaços vazios onde ele julgava que pudessem vir a ser descobertos novos elementos - de modo a que os

padrões periódicos do comportamento químico se repetissem ao longo da tabela. Como um exemplo

específico, ele previu que existisse um elemento de peso atómico aproximadamente 72, que se seguiria ao

Silício. Forneceu uma lista das propriedades esperadas nos compostos que dele resultassem, como a

densidade do tetraCloreto de Germânio de valor 1.9 e ponto de ebulição de 83º. As suas previsões para

outros compostos de Germânio foram igualmente precisas.

Estas descobertas conduziram à aceitação da validade do trabalho de Mendeleev por volta do final do

século. A grande surpresa era a necessidade de uma nova coluna, a dos gases inertes - He, Ne, Ar, Kr, Xe,

Rn! Este desenvovimento não agradou a Mendeleev, mas no final acabou por aceitá-lo.

Todos em desacordo

Vale a pena ter em mente que mesmo por volta de 1890 alguns dos mais eminentes químicos alemães não

aceitaram a ideia do átomo. Aqui fica uma nota de 1895 de Ostwald (Laureado com o Prémio Nobel da

Química em 1909): "A afirmação de que todos os fenómenos naturais podem ser, em última instância,

reduzidos a fenómenos mecânicos, não pode sequer ser levada em conta como uma hipótese de trabalho

útil: é simplesmente um erro. Este erro é claramente revelado pelo seguinte fato. Todas as equações da

mecânica têm a capacidade de admitir uma inversão temporal. Assim, num mundo puramente mecânico,

não pode existir um antes e um depois tal como temos no nosso mundo: a árvore poderia voltar a tornar-

se num rebento ou semente novamente... A irreversibilidade dos fenómenos naturais prova assim a

existência de processos que não podem ser descritos por equações mecânicas... (Pais, Subtle is the Lord,

página 83)

Page 8: A evolução do conceito de átomo e os primórdios da química moderna

Obviamente, este argumento leva-nos de volta à teoria cinética, à entropia e a Boltzmann, e tal como

referimos no final do documento sobre esse assunto, Ostwald foi uma das razões pelas quais Boltzmann

cometeu suicídio. Ainda assim, durante alguns anos, as ideias de Boltzmann foram amplamente aceites. O

átomo veio finalmente para ficar.

Livros que utilizei para preparar este documento:

Introduction to Concepts and Theories in Physical Science, Gerald Holton and Stephen Brush, Princeton,

1985.

The Project Physics Course: Text, Holt, Rinehart, Winston, 1972.

From Alchemy to Quarks, Sheldon Glashow, Brooks/Cole, 1993

Subtle is the Lord … , Abraham Pais, Oxford, 1982.

© Michael Fowler, Universidade de Virgínia

Casa das Ciências 2012

Tradução/Adaptação de Nuno Machado e Manuel Silva Pinto