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373 Willard Van Orman Quine: a exaltação da ‘nova lógica’ scientiæ zudia, São Paulo, v. 2, n. 3, p. 373-9, 2004 Willard Van Orman Quine: a exaltação da ‘nova lógica’ Sofia Inês Albornoz Stein Durante a década de 1930, verdadeiramente intensa em descobertas teóricas para Willard Van Orman Quine, ele dedicou-se primordialmente à pesquisa e redação de textos sobre lógica formal matemática. Sua tese de doutorado, como ele próprio a des- creve em sua autobiografia, vale ser lembrada pelos esclarecimentos de ‘confusões’ entre uso e menção de expressões no Principia mathematica de Russell & Whitehead (1910-13). Tais esclarecimentos eram, na época, bastante inovadores, dado que, no meio em que Quine pesquisava, ainda não era corrente a distinção entre uso e menção de expressões. A dissertação, orientada pelo próprio Whitehead, basicamente, pre- tendia mostrar que era possível derivar o Principia de oito axiomas, algumas regras de inferência e seis definições selecionados por Quine. Entretanto, a década de 1930 propiciou a Quine também a descoberta da obra de Rudolf Carnap e do pensamento dos membros do Círculo de Viena. Além de assistir a conferências de Schlick em Viena e comparecer a alguns encontros do Círculo, parti- cipou em cursos de Carnap e Philipp Frank em Praga – cidade para a qual havia se transladado Carnap em 1933 – e visitou seminários e conferências de Tarski, Les ´niewski e £ukasiewicz em Varsóvia. Nos anos que se seguiram, de volta aos Estados Unidos, trabalha como professor associado (Junior Fellow) em Harvard e, como ele próprio re- lata, lida principalmente com lógica. Em 1934, apresenta três conferências sobre o Logische Syntax der Sprache de Carnap (1934), nas quais transparece a profunda simpatia que nutria pela visão filosó- fica sintaticista e extensionalista carnapiana. No entanto, é certamente esta profunda empatia com a perspectiva extensionalista de Carnap, somada à sua própria valoriza- ção da análise lógica da linguagem ordinária, que o leva a rever distinções admitidas pela tradição empirista, como a distinção entre enunciados analíticos e sintéticos. Pa- radoxalmente, em vez de afirmar a diferença entre as sentenças mais abstratas e for- mais das linguagens formalizadas e as sentenças da linguagem ordinária, como é feito pelo empirismo clássico e por Carnap, Quine, enfatizando a importância do discurso scientiæ zudia, São Paulo, v. 2, n. 3, p. 373-9, 2004 documentos científicos

A Exaltação Da Nova Lógica

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Empirismo

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    Willard Van Orman Quine: a exaltao da nova lgica

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    Willard Van Orman Quine:a exaltao da nova lgica

    Sofia Ins Albornoz Stein

    Durante a dcada de 1930, verdadeiramente intensa em descobertas tericas paraWillard Van Orman Quine, ele dedicou-se primordialmente pesquisa e redao detextos sobre lgica formal matemtica. Sua tese de doutorado, como ele prprio a des-creve em sua autobiografia, vale ser lembrada pelos esclarecimentos de confusesentre uso e meno de expresses no Principia mathematica de Russell & Whitehead(1910-13). Tais esclarecimentos eram, na poca, bastante inovadores, dado que, nomeio em que Quine pesquisava, ainda no era corrente a distino entre uso e menode expresses. A dissertao, orientada pelo prprio Whitehead, basicamente, pre-tendia mostrar que era possvel derivar o Principia de oito axiomas, algumas regras deinferncia e seis definies selecionados por Quine.

    Entretanto, a dcada de 1930 propiciou a Quine tambm a descoberta da obra deRudolf Carnap e do pensamento dos membros do Crculo de Viena. Alm de assistir aconferncias de Schlick em Viena e comparecer a alguns encontros do Crculo, parti-cipou em cursos de Carnap e Philipp Frank em Praga cidade para a qual havia setransladado Carnap em 1933 e visitou seminrios e conferncias de Tarski, Lesniewskie ukasiewicz em Varsvia. Nos anos que se seguiram, de volta aos Estados Unidos,trabalha como professor associado (Junior Fellow) em Harvard e, como ele prprio re-lata, lida principalmente com lgica.

    Em 1934, apresenta trs conferncias sobre o Logische Syntax der Sprache deCarnap (1934), nas quais transparece a profunda simpatia que nutria pela viso filos-fica sintaticista e extensionalista carnapiana. No entanto, certamente esta profundaempatia com a perspectiva extensionalista de Carnap, somada sua prpria valoriza-o da anlise lgica da linguagem ordinria, que o leva a rever distines admitidaspela tradio empirista, como a distino entre enunciados analticos e sintticos. Pa-radoxalmente, em vez de afirmar a diferena entre as sentenas mais abstratas e for-mais das linguagens formalizadas e as sentenas da linguagem ordinria, como feitopelo empirismo clssico e por Carnap, Quine, enfatizando a importncia do discurso

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    documentos cientficos

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    comum, procura nele a mesma clareza que, supostamente, h nas linguagens formali-zadas. Disto emerge, ao longo de sua obra, por um lado, a afirmao da inseparabilidadeentre enunciados formais e empricos e, por outro lado, a afirmao da impossibilida-de de determinar o significado isolado de enunciados em geral.

    De 1936 a 1939, Quine ministra cursos de lgica matemtica inclusive no depar-tamento de matemtica de Harvard. O resultado desses cursos seu livro Mathematicallogic, de 1940. Segundo confessa Quine, ele ainda estava sob forte influncia do Princi-pia mathematica na poca e a sua hierarquia de definies, como no A system of logistic,era uma simplificao consciente daquelas do Principia (Quine, 1986, p. 20). Muitointeressante a observao feita por ele em sua autobiografia acerca de sua descober-ta, em 1940, na poca em que organizava Mathematical logic para publicao, de que oBegriffsschrift de Gottlob Frege (1879) seria o verdadeiro incio da lgica matemtica.Lemos em sua autobiografia:

    Minha celebrao de Frege em Lgica matemtica e na sala de aula deve ter ajuda-do a que pessoas comeassem a ver Frege como o pai da lgica moderna. Russello havia apresentado a ns h muito tempo, mas ns nos mantivemos inconscien-tes de quantas coisas boas de lgica haviam sido feitas por Frege. Eu acho que foipor meio de minhas observaes em letras menores [feitas no Mathematical logic]que Church ficou sabendo que sua operao de abstrao funcional estava em Fre-ge. De qualquer modo, ele retornou o favor trs anos aps, apontando para o fatode que minha noo de posio referencial assim como meu exemplo da Estrelada Manh e da Estrela da Tarde estavam em Frege. ber Sinn und Bedeutung deFrege havia me passado desapercebido e eu devo ter chegado ao exemplo por meiode Russell (Quine, 1986, p. 21).

    No prefcio a Mathematical logic, Quine afirma que seu livro permite queles queno tm treino em matemtica ou filosofia, mas que esto dispostos a um estudo srio,darem seus primeiros passos na lgica matemtica. O livro bastante abrangente.Comea com a apresentao de tabelas veritativo-funcionais para composies deenunciados com o uso de conectivos como a negao, a conjuno, a disjuno e a im-plicao e, algo que bastante tpico dos escritos de Quine, discute, por exemplo, juntoao estudo das tabelas de verdade e luz da distino entre uso e meno, o que a im-plicao ou o que a tautologia. Ou seja, Quine abre constantemente espao para areflexo filosfica acerca da lgica. A segunda parte do livro dedicada ao esclarecimen-to do que a quantificao, assim como a esclarecer qual a natureza da varivel, e aexibir a sua analogia ao pronome da linguagem ordinria (Quine, 1962 [1940], p. vi).Novamente, Quine enfatiza uma questo filosfica: a questo de como interpretar

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    smbolos lgicos ou de como relacionar linguagem formal e linguagem ordinria. Pre-cisamente essa questo ser trabalhada por Quine em inmeros escritos filosficosposteriores, principalmente quando trata de problemas ontolgicos. O livro apresentaainda mltiplas definies lgico-matemticos, tais como o de pertencer a, abstra-o, descrio, nome, identidade, relao e funo, alm de embrenhar-se emquestes mais ridas, como as antinomias lgicas, a definio de nmero natural e oteorema da incompletude da lgica e da aritmtica de Gdel. O prefcio d a perceber ofato de que Quine se encontrava, nos Estados Unidos, enquanto lgico, filsofo e pro-fessor, em um ambiente acadmico no qual a lgica matemtica estava apenas nos seusprimrdios, todavia, tambm nos mostra o grande cuidado com que Quine, em todosseus escritos, tratou dos temas lgicos e filosficos, sempre com muita clareza e pro-fundidade reflexiva.

    A necessidade de textos introdutrios lgica moderna levou Quine em 1941 aencaminhar para publicao, com base no Mathematical logic, o livro Elementary logic.No prefcio primeira edio, justifica a necessidade de tal publicao em grande par-te devido negligncia de livros de introduo lgica com as tcnicas modernas damesma, que so aquilo que propriamente permite lgica moderna suplantar osensinamentos dos antigos. Ignorar seu arsenal tcnico seria ignorar aquilo que a fazser revolucionria na histria da filosofia. Segundo ele, negligenciada principalmentea teoria da quantificao moderna, que em muito supera a silogstica tradicional. Quineafirma que as expresses analisadas e manipuladas na teoria da quantificao tm umpapel to fundamental em todo discurso que o domnio das linhas mestras dessa teoriadeveria ser certamente uma finalidade de qualquer curso introdutrio lgica (Quine,1966 [1941], p. vii). Novamente, alm de enfatizar a importncia da formalizao e dodomnio dos mecanismos lgicos de transformao, Quine chama a ateno do leitorpara a relao entre linguagem formal e linguagem ordinria:

    O objetivo do livro foi o de dar uma melhor compreenso das construes e racio-cnios lgicos bsicos presentes no discurso ordinrio. [...] Logo, muito daquiloque usualmente trabalhado na maquinaria simblica transferido, no presenteprocedimento, para o lado interpretativo da lgica. Este curso motivado poruma inclinao a trabalhar diretamente com a linguagem ordinria at que hajaum ganho significativo em afastar-se dela (Quine, 1966 [1941], p. viii).

    No mesmo ano de 1941, como relata Quine, os fatos marcantes da Segunda GuerraMundial, incluindo o bombardeio ao Hava pelos japoneses, pareciam ter tornado oseu trabalho em lgica sem importncia. Movido por essa sensao, em 1942, Quine secoloca disposio da Marinha, porm, na mesma poca, convidado a viajar ao Brasil

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    como professor visitante da Escola Livre de Sociologia e Poltica da Universidade deSo Paulo. Adia o ingresso na Marinha e permanece no Brasil de maio a setembro da-quele ano. Sobre a estada no Brasil, lembra:

    Em meses precedentes eu havia aperfeioado meu portugus, porque eu estavadecidido a lecionar em tal lngua. Eu escrevi minhas primeiras conferncias paraganhar confiana lingstica. Ento eu continuei a escrev-las por outra razo:eu tive a idia de que eu poderia ter mais impacto sobre filsofos e matemticosbrasileiros deixando a eles minhas conferncias em forma de livro. As confern-cias eram faladas no meu portugus incorreto, porm Vicente Ferreira da Silvame ajudou a corrigi-las antes de publicar. Quando deixei o Brasil, O sentido danova lgica estava nas mos do editor (Quine, 1986, p. 23).

    Ainda durante alguns anos aps seu retorno do Brasil, nos anos quarenta, Quinecontinua primordialmente trabalhando em artigos e livros que tratam de problemaslgicos. Em meio a estes, comeam aos poucos a ganhar realce problemas ontolgicos,concernentes ontologia de linguagens, aos objetos referidos por expresses lings-ticas. Resultado desses anos de pesquisa em lgica seu livro Methods of logic, publica-do em 1950, mesmo ano em que se torna professor titular em Harvard.

    No prefcio a O sentido da nova lgica, Quine (1996 [1944]) refere-se sua con-ferncia pblica O ressurgimento da lgica nos Estados Unidos proferida na UnioCultural Brasil-Estados Unidos em 30 de julho de 1942, e publicada em 1945, que oleitor pode conferir a seguir neste nmero. A conferncia uma apologia lgica mo-derna, um dos meios usados por Quine para divulgar aquilo que considerava revolu-cionrio e extremamente promissor em sua poca: as ferramentas simblicas da lgicamatemtica.

    Ele inicia a conferncia subdividindo a lgica, em sentido mais amplo, em teoriado conhecimento, de um lado, e lgica indutiva e dedutiva de outro. Em sentido estri-to, a epistemologia, que Quine define como aquela rea do saber que estuda os funda-mentos da psicologia e das outras cincias em geral, no estaria includa na lgica. Algica em sentido estrito tem por tarefa prtica o estabelecimento de regras destina-das a guiar e facilitar o raciocnio (Quine, 1945, p. 269). Difere da psicologia, quetambm estuda raciocnios, porque no est interessada nas cadeias causais entre fa-tos, raciocnios e comportamentos, mas sim nas estruturas lgicas de raciocnios.

    Com relao utilidade da lgica para as cincias exatas e naturais, vale ressaltarsua afirmao de que tanto a lgica indutiva quanto a dedutiva tm a tarefa prtica deguiar e facilitar o raciocnio. A indutiva pode mostrar como deve concretizar-se umaconjectura inteligente a partir de fatos concretos observados. Apresenta uma analo-

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    gia, que Carl G. Hempel (1981 [1966]) tambm utiliza anos mais tarde em seu livroPhilosophy of natural science:1 uma lei geral descreve fatos observados de forma anlogaa um teorema geomtrico que estabelece relaes entre pontos esparsos no espao; emambos os casos, seja no caso de relacionar fatos observados entre si, seja no caso deestabelecer relaes entre pontos espaciais, possvel imaginar, teoricamente, que sepossa criar um nmero infinito de leis gerais que estabeleam tal relao.

    Sobre a lgica dedutiva, que trata das conseqncias inexorveis de certos enun-ciados, sejam estes hipteses cientficas ou no, Quine comenta sua utilidade para oteste de hipteses, sem ainda desenvolver suas idias posteriores acerca do holismoepistemolgico:

    Este tipo de raciocnio [o dedutivo] caracterstico da matemtica. Mas desem-penha papel, tambm, nas cincias naturais, visto que mesmo uma lei conjetural,sugerida indutivamente por poucos dados, tem de ser examinada em relao asuas conseqncias. Se da hiptese podemos derivar, de maneira estritamentededutiva, um enunciado em conflito com fatos estabelecidos, j sabemos que sernecessrio abandonar a hiptese (Quine, 1945, p. 270).

    Quine, antes de dedicar-se, em sua conferncia, lgica moderna, faz um pe-queno prembulo, digno de ateno por parte de qualquer historiador da filosofia, so-bre a lgica aristotlica, no qual questiona a aplicabilidade prtica de tal lgica. Apesarde ter sobrevivido sem mudanas substanciais durante dois mil anos, sendo conside-rada inclusive, como por Immanuel Kant, uma cincia completa, essa lgica no apli-cvel anlise de raciocnios mais complexos. Por isso, segundo Quine:

    Os raciocnios complexos, para os quais um guia seria bem-vindo, tiveram deexecutar-se [ao longo da histria antiga, medieval e moderna] pela luz primrdia[sic] da razo. Dessa maneira, realizaram-se, em particular, os progressos vastosda matemtica. Contudo, os matemticos e outros raciocinavam assim sem repa-rar, em geral, na inadequao terica da lgica formal da poca, ou, ao menos,sem ocupar-se duma reforma ou extenso dessa lgica. Talvez j se tivessem acos-tumado a no pensar em lgica quando se tratava realmente de raciocinar (Quine,1945, p. 272).

    Quine justifica a necessidade de uma nova lgica no apenas pelos limites dalgica aristotlica em explicar raciocnios; a necessidade de uma nova lgica torna-se

    1 Vale observar que Quine, no prefcio a Elementary logic, de 1941, agradece a Hempel por sugestes dadas.

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    mais forte com os desenvolvimentos da matemtica das infinidades superiores, dosnmeros e classes infinitos. Acompanhar as sutilezas dos graus de infinidade estabe-lecidos por Cantor no dependia de intuio, apenas do uso rigoroso de regras vlidasde deduo. Em segundo lugar, os paradoxos matemticos tambm impulsionaram odesenvolvimento da lgica moderna segundo ele. S uma lgica sofisticada pode esta-belecer os fundamentos da matemtica e evitar o surgimento de paradoxos. Por lti-mo, Quine atribui necessidade de esclarecimento de idias dbias da matemtica oesforo de desenvolvimento de uma nova lgica levado a cabo por lgicos e filsofosdos sculos xix e xx.

    A segunda parte da conferncia dedicada descrio dos benefcios da lgicamatemtica para as cincias em geral. Ainda embalado pelas idias do logicismo deGottlob Frege e Bertrand Russell, Quine afirma a redutibilidade da matemtica lgi-ca. Segundo ele, s luz da formalizao lgica da matemtica que, por exemplo, re-sultados como o de Gdel sobre a incompletude dessa cincia puderam ser alcanados.O carter formal da nova lgica tambm motivou, segundo afirma, o surgimento doconvencionalismo em relao s verdades lgicas e matemticas. Estas no precisa-ram ser mais vistas como representaes de estruturas reais da mente ou do mundo;devido a seu carter formal e manipulvel abstratamente, puderam ser interpretadascomo convenes lingsticas que governam o uso de palavras. Quine atribui essaposio convencionalista tambm aos membros do Crculo de Viena, entre os quaiscoloca em lugar de destaque Rudolf Carnap. Por meio da nova lgica, segundo Quine,tambm podem ser esclarecidos problemas relativos semntica da linguagem, rela-tivos relao entre sinais e objetos. Ele vislumbra a possibilidade, apenas iniciadapor Tarski, de solues a questes de carter ontolgico, consideradas pelo empirismolgico como sem sentido.

    Ao encerrar sua conferncia, Quine apresenta um panorama de como surgiu e sedesenvolveu a nova lgica de meados do sculo xix at os seus dias. A propsito, co-menta a importncia de George Boole, atribui o ttulo de fundador da lgica modernaa Gottlob Frege e lista expoentes desta, como Whitehead, Russell, Hilbert, von Neu-mann, Gdel, Skolem, Charles Peirce, Alonzo Church, Tarski e Carnap. com entusias-mo que conclui afirmando sua crena de que as resistncias ainda existentes em suapoca nova lgica tendem a diminuir conforme esta vai se mostrando cada vez maisfrutfera, em especial nos Estados Unidos, que, devido aos conflitos mundiais, con-centrava um nmero considervel de celebridades na rea, entre as quais Gdel, vonNeumann, Tarski e Carnap.

    Vale notar afinal que, em nenhum momento de sua obra, Quine deixou de mostrarsua profunda admirao pelas possibilidades que a lgica moderna abrem cincia eao pensamento filosfico, admirao que podemos testemunhar em sua conferncia

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    de 1942. No deixa tampouco de utilizar-se de suas tcnicas, em especial daquelas dalgica de predicados de primeira ordem. Contudo, o que realmente fascina em Quine,fato fcil de ser constatado em uma anlise atenta de seus escritos, a forma comotransforma questes aparentemente formais em questes filosficas. Quine comeoucomo lgico, e, para nossa sorte, diferente daqueles que ele prprio critica ao final desua conferncia, que se interessavam mais pelos aparelhos simblicos do que pelosproblemas centrais, logra ver o que h de propriamente intrigante na lgica, a saber: adimenso filosfica dos seus smbolos.

    Sofia Ins Albornoz SteinProfessora Doutora do Departamento de Filosofia

    da Universidade Federal de Pelotas,

    doutora pelo Departamento de Filosofia

    da Universidade de So Paulo.

    [email protected]

    referncias bibliogrficas

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  • Quine passeando pelo Viaduto do Ch em So Paulo.

    Fotografia de 1942, ano em que proferiu a conferncia aqui publicada.