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RODRIGO EDUARDO QUADRANTE A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO MESTRADO EM DIREITO PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO 2007

A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

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Page 1: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

RODRIGO EDUARDO QUADRANTE

A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO

ELETRÔNICO

MESTRADO EM DIREITO

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

2007

Page 2: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

2

RODRIGO EDUARDO QUADRANTE

A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO

ELETRÔNICO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de mestre em Direito das Relações

Sociais, sob a orientação do (a) Prof.(a), Doutor (a) – Suzana Maria Pimenta Catta Preta

Federighi.

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

2007

Page 3: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

3

BANCA EXAMINADORA

__________________________________

__________________________________

__________________________________

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4

AGRADECIMENTOS

À minha esposa Fernanda, pelo amor, cuidado e

paciência.

À Prof. Suzana Maria Pimenta Catta Preta Federighi,

pela amizade, incentivo, exemplo e orientação.

Page 5: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

5

SUMÁRIO

I. RESUMO p. 1

II. INTRODUÇÃO p. 3

III. A ORDEM CONSTITUCIONAL, O DIREITOPRIVADO E O CÓDIGO DO CONSUMIDOR p. 17

a. A livre iniciativa e o estado liberal p. 19b. A intervenção do Estado, o Direito Privado e ocontrato p. 24c. A intervenção do Estado, o Direito Privado e aresponsabilidade civil p. 28d. A responsabilidade civil e a sociedade de massas p. 30e. A evolução da responsabilidade civil e a culpapresumida p. 31f. A responsabilidade civil objetiva p. 33

IV. A INTERNET COMO INSTRUMENTO DEACESSO AO CONSUMO DE MASSA p. 37a. A desconfiança do consumidor como óbice aoamadurecimento do consumo eletrônico e ao acesso aoconsumo p. 41b. A expectativa de consumo e a sociologia jurídica p. 45c. As medidas adotadas pela Comunidade EconômicaEuropéia contra os problemas da desmaterialização docontrato, da contratação à distância e dadespersonalização das relações sociais de consumo p. 49

V. O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA, OPRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA E O PRINCÍPIODA CONFIANÇA APLICADOS AO COMÉRCIOELETRÔNICO p. 61a. O princípio da boa-fé objetiva p. 63b. O princípio da transparência p. 73c. O princípio da confiança p. 78

Page 6: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

6

VI. A ORDEM ECONÔMICA E O MARKETINGCOMO FERRAMENTA DO COMÉRCIOELETRÔNICO p. 87a. A função social do marketing eletrônico p. 92b. A diferença entre o marketing, a publicidade e apropaganda p. 95c. Os erros na definição de publicidade e a publicidadeinstitucional p. 100

VII. A PUBLICIDADE E O PRINCÍPIO DAVINCULAÇÃO DA MENSAGEM PUBLICITÁRIA p. 102a. A teoria da declaração da vontade, a mensagempublicitária e a confiança despertada no mercado deconsumo p. 106b. O artigo 30 do Código de Defesa do Consumidor e opré-contrato p. 110c. A oferta, a publicidade e o mercado de consumo p. 117

VIII. A PUBLICIDADE ENGANOSA E O DEVER DEINFORMAÇÃO p. 123a. A informação e seu processamento psicológico p. 125b. O dever de informar e o sistema jurídico p. 128c. O dever de informar como fonte de obrigação p. 132d. A mensagem publicitária enganosa e o erro p. 138e. A publicidade enganosa e a responsabilidade civildecorrente do art. 35 do Código do Consumidor p. 140

IX. A CONDUTA SOCIAL TÍPICA, AINFORMAÇÃO E A MARCA p. 144a. A conduta social típica p. 144b. A influência das marcas sobre os consumidores, ainformação e o princípio da confiança p. 147

X. CONCLUSÃO p. 156

XI. BIBLIOGRAFIA p. 160

Page 7: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

7

I. RESUMO

O presente trabalho, para obtenção do grau de mestre em

Direito das Relações Sociais, tem por tema “A expectativa de

consumo no Comércio Eletrônico”.

O tema escolhido é fruto da observação do fenômeno do

consumo de massa e de seu desenvolvimento no ambiente da

Internet. O trabalho se baseará nos dados publicados pelo Ibope,

pela Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor do Estado de

São Paulo e pelo Instituto de Defesa do Consumidor, os quais

demonstram os problemas mais comuns enfrentados pelos

consumidores ao adquirirem bens e serviços através da Internet.

Hoje, resta claro que a desconfiança dos consumidores no

meio eletrônico é a maior barreira ao desenvolvimento do

Comércio Eletrônico, devendo-se destacar que a divulgação

correta de informações se mostra o melhor instrumento ao combate

desta desconfiança. Assim, o presente trabalho abordará a

aquisição de produtos e serviços através da Internet, abordando a

desconfiança do consumidor eletrônico e a influência da

informação nesta complexa relação, sob a luz do nosso Código de

Defesa do Consumidor e das demais legislações mundiais sobre o

tema.

Page 8: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

8

ABSTRACT

The purpose of this paper is to achieve a Master’s Degree in Social

Relations Law, and is entitled “The expectation of consumption in E-

Commerce”.

The selected theme is the result of the observation of the mass

consumption phenomenon, as well as of its development on the Internet. The

paper will be based on the data issued by IBOBE (Brazilian Institute of Public

Opinion and Statistics), by Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor do

Estado de São Paulo (Foundation for Consumer Protection and Defense of the

State of São Paulo) and by Instituto de Defesa do Consumidor (Institute for

Consumer Defense). These data reflect the problems most commonly faced by

consumers when they are purchasing goods and services on the Internet.

Today, it is clear that the consumers’ mistrust towards the electronic

media is the strongest obstacle to the development of the E-Commerce. It

should be clear that the correct disclosure of information has proven to be the

best instrument in fighting this mistrust. This paper will, therefore, approach

the purchase of goods and services on the Internet, by analyzing the electronic

consumer’s distrust as well as the influence of the information in this complex

relationship, in the light of our Consumer Defense Code, and other

international laws on the matter.

Page 9: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

9

II. INTRODUÇÃO

O objetivo do presente trabalho é analisar o fenômeno da

expectativa de consumo gerada pela publicidade veiculada nos

meios de comunicação e pelo fascínio exercido pelas marcas

existentes no mercado de consumo. Abordará as escolhas do

consumidor sobre o quê e como consumir, sendo certo que tais

escolhas começam antes mesmo da própria aquisição de um

produto ou serviço, e baseiam-se nas suas experiências passadas e

na expectativa de mudança do seu presente, após o consumo dos

produtos ou serviços adquiridos.

O presente trabalho iniciou-se com o estudo dos dados

divulgados pela Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor do

Estado de São Paulo, para que fossem destacados os três setores de

maiores reclamações por parte dos consumidores. Assim, ao se

analisar os dados dos anos de 2002, 2003 e 2004, restou claro que

as empresas de telefonia, planos de saúde e as instituições

financeiras encabeçaram o ranking das reclamações da Fundação

de Proteção e Defesa do Consumidor do Estado de São Paulo.1

A Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor do Estado

de São Paulo, em Relatório de Atendimento Geral referente ao ano

de 2002, concluiu que no ano em questão 45% (quarenta e cinco

por cento) das reclamações referiam-se ao setor de serviços e 24%

Page 10: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

10

(vinte e quatro por cento), ao setor financeiro.2 O relatório não

detalhou os problemas existentes nos setores de serviços e

financeiro, tampouco as razões que motivaram as referidas

reclamações.

A Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor do Estado

de São Paulo, em Relatório de Atendimento Geral referente ao ano

de 2004, concluiu que, em relação às reclamações recebidas, 39%

(trinta e nove por cento) delas referiam-se a problemas com

empresas de telefonia, 19% (dezenove por cento) a problemas com

instituições financeiras e 9% (nove por cento) a empresas de plano

de saúde.3 Logo, pode-se concluir que os consumidores que

adquiriram serviços de empresas de telefonia, planos de saúde e

instituições financeiras tiveram maiores problemas do que aqueles

que adquiriram produtos e serviços de empresas de outros setores

da nossa economia. Portanto, a primeira pergunta que se pode

fazer é: qual é a semelhança entre as reclamações dos

consumidores de produtos ou serviços do setor financeiro, de

planos de saúde e de telefonia?

O Relatório de Atendimento Geral do ano de 2004, ao tratar

das reclamações decorrentes do setor de telefonia, dividiu-as

conforme segue: (18%) correspondentes a reclamações referentes a

serviços de telefonia propriamente ditos; Tele Aparelho Celular

1 www.procon.sp.gov.br2 www.procon.sp.gov.br/atendimento.20023 www.procon.sp.gov.br/atendimento.2004

Page 11: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

11

(18%) e Tele Seguro (3%).4 Isso devido à Fundação de Proteção e

Defesa do Consumidor do Estado de São Paulo ter percebido que

uma parte das reclamações referia-se a serviços de telefonia

prestados aos consumidores e outra parte, aos próprios produtos

comercializados pelas empresas de telefonia.

O referido relatório do ano de 2004 concluiu, ao analisar os

serviços de telefonia propriamente ditos, que “o maior número de

reclamações permanece ocorrendo na área de telecomunicações, não só por

força de um enorme déficit de informações ali ainda verificado mas,

também, por informações prestadas ao consumidor sem a clareza

necessária, quando da contratação de planos, promoções ou, ainda, ante as

solicitações de serviços e produtos que não se confirmam ou não se

cumprem quando efetivamente prestados ou entregues”.5

E mais: o relatório, ao analisar as reclamações na área de

produtos, ainda concluiu que os aparelhos celulares (Tele

Aparelho Celular) são os líderes das reclamações de produtos

comercializados, eis que “o público, levado pela publicidade e pelas

grandes promoções, adquire o aparelho sem observar seus manuais, que

muitas vezes não estão claros, no que se refere aos recursos e à

prestabilidade do produto, associados aos serviços das operadoras. Apesar

de muitas vezes constar do manual que alguns serviços dependem da

operadora, o consumidor, levado pelo anúncio publicitário, pela forma de

pagamento aparentemente atraente ou até mesmo pela empolgação, acaba

adquirindo um produto que não é exatamente o pretendido”.6

4 www.procon.sp.gov.br/atendimento.20045 www.procon.sp.gov.br/atendimento.20046 www.procon.sp.gov.br/atendimento.2004

Page 12: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

12

Como se vê, o Relatório de Atendimento Geral de 2004

demonstra que os consumidores de produtos ou serviços do setor

de telefonia são levados, ao exercerem a sua escolha, pela

publicidade veiculada no mercado de consumo. A escolha do

consumidor de produtos ou serviços de telefonia, como se pode

observar através das informações do Relatório de Atendimento

Geral de 2004, não se baseia em dados racionais, pois os produtos

e serviços são adquiridos, sem que os consumidores observem seus

manuais, sendo certo que tais manuais não possuem informações

claras e precisas sobre o bem ou o serviço adquirido. O relatório

ainda deixa claro que os consumidores adquirem produtos ou

serviços com base em critérios emocionais que, por sua vez, não

levam a uma escolha madura e racional por parte do consumidor.

O Relatório de Atendimento Geral referente ao ano de 2003,

ao analisar as reclamações que dizem respeito às empresas do

setor financeiro, concluiu que a maior parte das reclamações que

foram atendidas refere-se a golpes e fraudes ocorridos no interior

de estabelecimentos bancários, em especial, nos terminais

eletrônicos. O relatório observa que “os consumidores mais lesados

são, no geral, aposentados, que, em razão da dificuldade de operar os

terminais eletrônicos, acabam tornando-se vítimas preferenciais dos

golpistas. Contribui para atuação dos golpistas o fato de que algumas

instituições financeiras praticamente impõem a seus clientes o uso dos

caixas eletrônicos convencionais". 7

7 www.procon.sp.gov.br/atendimento.2003

Page 13: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

13

Bem se vê que o Relatório de Atendimento Geral de 2003 dá

especial importância às fraudes e golpes ocorridos nos terminais

eletrônicos. Tais golpes se dão, em especial, com consumidores

mais velhos, os quais possuem pouca prática com os meios

eletrônicos. Tem-se, entretanto, que as empresas do setor

financeiro não tomaram quaisquer medidas preventivas,

informativas ou educativas, para que tais golpes deixassem de

ocorrer.

Depreende-se assim que as empresas do setor financeiro dão

pouca importância às características dos seus consumidores, em

especial, daqueles de mais idade, quando se trata da qualidade da

informação veiculada no mercado de consumo. Esses

consumidores deveriam receber informações dirigidas ao seu

grupo social no que tange à utilização dos terminais eletrônicos,

pois, se assim as empresas do setor financeiro o fizessem, os

problemas de golpes nos terminais eletrônicos, certamente, seriam

reduzidos.

No tocante às demais reclamações, o Relatório de

Atendimento Geral do ano de 2003 conclui que “permanece

inalterada a qualidade da prestação de serviços por parte dos bancos, não

havendo, de forma prática, nenhuma melhora significativa relativamente a

questões de falta de clareza nas cobranças das tarifas, da não entrega de

cópias de contratos aos correntistas e o envio de cartão sem prévia

solicitação”.8

8 www.procon.sp.gov.br/atendimento.2003

Page 14: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

14

A Fundação de Proteção e Defesa dos Consumidores do

Estado de São Paulo, através de pesquisa realizada em novembro

de 2002 a outubro de 2003, também observou que 44% (quarenta e

quatro por cento) das pessoas que registraram reclamações

referentes a cartões de crédito não receberam o contrato de

aquisição do serviço.9 No entanto, a pesquisa demonstra que 70%

(setenta por cento) dos entrevistados que registraram ocorrências

na fundação em questão confessaram não terem recebido o

contrato de aquisição do serviço, mas que acreditavam ter

conhecimento sobre seu funcionamento.10

Todavia, a realidade é bem diferente da que os consumidores

entrevistados alegam, visto que a maior parte das reclamações

refere-se a “problemas quanto à cobrança indevida e duplicidade de

cobrança na fatura (25%), quanto aos procedimentos no caso de perda,

roubo, furto ou extravio do cartão (23%) e quanto aos encargos de

refinanciamento e/ou atraso no pagamento das faturas (19%)”.11 Ora, os

consumidores se enganam quanto ao conhecimento acerca do

funcionamento do cartão de crédito, mas a maior parte dos

problemas decorre, justamente, do próprio funcionamento do

serviço, encargos na hipótese de financiamento, perda ou roubo do

cartão.

O relatório ainda demonstra que as empresas do setor

financeiro dão pouca importância às formas da informação aos

9 www.procon.sp.gov.br/infpressassfintaxasestaveis1perfil.shtml10 www.procon.sp.gov.br/infpressassfintaxasestaveis1perfil.shtml11 www.procon.sp.gov.br/ infpressassfintaxasestaveis1perfil.shtml

Page 15: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

15

consumidores, como, por exemplo, o envio dos contratos de

aquisição dos seus serviços e a própria instrução (educação)

quanto às formas de utilização dos mesmos. Com efeito, o

relatório demonstra que grande parte dos consumidores não

recebeu os contratos de aquisição do produto, sendo certo que

grande parte das reclamações refere-se à utilização dos serviços,

taxas cobradas e clareza dos extratos fornecidos. Logo, a

veiculação da informação e a sua clareza são de grande valia à

realização das legítimas expectativas do consumidor e ao

desenvolvimento de um mercado maduro de consumo, pois se os

consumidores possuíssem as informações necessárias, tais

reclamações deixariam de existir.

A Fundação de Proteção e Defesa dos Consumidores do

Estado de São Paulo, através do Relatório de Atendimento Geral

do ano de 2004, ainda observa que os principais problemas

referentes às empresas de planos de saúde decorrem da negativa de

cobertura aos conveniados, alteração da rede credenciada, recusa

de atendimento em razão da existência de doenças preexistentes e

ao reajuste das parcelas mensais em razão da mudança de faixa

etária. As reclamações apresentadas têm fulcro em vícios de

informação, mesmo sendo certo que tais informações foram

prestadas ao consumidor antes, durante e depois da contratação do

serviço.12 Todavia, pode-se observar que as reclamações em

questão têm origem em vícios de informação após a contratação,

ou seja, no momento da execução dos serviços. Isso porque a

Page 16: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

16

alteração da rede credenciada, a negativa de certas coberturas em

razão de doenças preexistentes são vícios de informação gerados

durante a execução dos serviços, fato que diferencia essa

modalidade de reclamação daquelas decorrentes do setor de

telefonia e do setor financeiro.

As pesquisas formuladas pela Fundação de Proteção e Defesa

do Consumidor do Estado de São Paulo demonstram que as

reclamações apresentadas durante os anos de 2002, 2003 e 2004,

em geral, têm como origem vícios na divulgação das informações

acerca dos serviços prestados antes, durante e depois da sua

contratação. A falta de clareza das informações prestadas em uma

publicidade veiculada nos meios de comunicação, o

desconhecimento do conteúdo de um contrato em razão da omissão

do fornecedor no tocante ao seu envio, a omissão de informações

quanto às supostas coberturas de um plano de saúde, a omissão na

divulgação do descredenciamento do médico da família do

convênio são desvios que decorrem de vícios na divulgação das

informações, no momento da formação da livre escolha do

consumidor e durante o trato negocial.

Observa-se, entretanto, que os consumidores, ao deixarem de

se preocupar com o recebimento dos contratos que lastreariam o

seu direito frente ao fornecedor de serviços, acreditam em outros

fatores maiores do que o próprio contrato celebrado, quais sejam:

12 Conf. www.procon.sp.gov.br/atendimento.2004

Page 17: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

17

a publicidade veiculada no mercado de consumo, a marca dos

fornecedores e a confiabilidade despertada pelos mesmos.

A confiabilidade despertada pela empresa é algo intangível e

está diretamente ligada à expectativa gerada no consumidor antes e

durante o trato negocial, eis que a crença na lisura da empresa

afastará, na visão do consumidor, qualquer eventual problema

quanto ao conteúdo de um contrato de prestação de serviços que

não lhe foi entregue, eventual dificuldade de compreensão ou

clareza no extrato bancário que lhe foi enviado pelo correio, ou o

descredenciamento do médico da família do convênio médico. A

confiabilidade despertada pela empresa, quer através da sua marca,

quer através das suas publicidades, é elemento fundamental à

formação da livre escolha do consumidor e à frustração de suas

expectativas, as quais se formaram objetivamente através das

informações prestadas aos consumidores, sendo certo que a

frustração dessa credibilidade ensejou grande parte das

reclamações analisadas pela Fundação de Defesa e Proteção dos

Consumidores do Estado de São Paulo.

O consumo é um processo dinâmico, que se inicia com a

consciência das expectativas do consumidor e termina com a

avaliação da pós-compra.13 O estudo do comportamento do

consumidor pode se basear em elementos positivos, se pudermos

acreditar que o consumo seja guiado pela razão; pode se basear em

13 Ver a esse respeito, Ernesto M. Giglio, O comportamento do consumidor, p. 7 e Christiane Gade,Psicologia do consumidor e da propaganda, p. 2.

Page 18: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

18

elementos emotivos, se pudermos acreditar que o consumo seja

guiado por elementos conscientes e inconscientes, ou pode se

basear em elementos sociais, se pudermos acreditar que o consumo

seja guiado pela influência do grupo.

A análise do mercado de consumo, conforme leciona o ilustre

Prof. PHILIP KOTLER, pode se dar através da percepção de

fatores culturais, sociais, pessoais e, em especial, psicológicos. O

fator cultural é o determinante fundamental nos desejos e no

comportamento de um indivíduo, eis que o conjunto de valores,

percepções e preferências de um indivíduo decorrem da sua vida

familiar e do seu ambiente cultural.14

O fator social, por sua vez, é reflexo da influência do grupo

sobre o indivíduo, sendo certo que se diferencia do fator cultural,

em razão da existência de vários grupos sociais dentro de um

grupo de indivíduos que possuem a mesma cultura. Ora, em um

grupo de indivíduos que possuem a mesma cultura, existem vários

outros grupos, como, por exemplo, o grupo familiar, o grupo de

trabalho e o grupo de amigos do clube. Assim, embora todos os

indivíduos desse grupo tenham a mesma cultura, eles podem não

participar do mesmo grupo, visto que alguns indivíduos do

trabalho não participam do mesmo grupo familiar, o que gera

diferenças sociais, ainda que não sejam diferenças culturais.15

14 Philip Kotler, Administração de Marketing, p. 161.

Page 19: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

19

O fator pessoal baseia-se em características do indivíduo,

posto que as decisões do comprador são influenciadas pela sua

idade, estágio do ciclo de vida, ocupação, situação econômica,

estilo de vida, personalidade e auto-estima.16

O fator psicológico de consumo é influenciado por quatro

elementos, quais sejam: motivação, percepção, aprendizagem e

atitudes. O ilustre Prof. PHILIP KOTLER esclarece que “uma

pessoa tem muitas necessidades em determinado momento. Algumas

necessidades são fisiológicas. Elas surgem de estados fisiológicos de

tensão como fome, sede, desconforto. Outras são psicológicas. Surgem de

situações psicológicas de tensão como a necessidade por reconhecimento,

estima e posse. A maioria das necessidades psicológicas não é intensa o

suficiente para motivar a pessoa a agir imediatamente sobre elas. Uma

necessidade torna-se um motivo quando surge em nível suficiente de

intensidade. Um motivo (ou impulso) é uma necessidade que está

pressionando suficientemente para levar a pessoa a agir. A satisfação da

necessidade reduz o sentimento de tensão”.17

O indivíduo motivado, consoante às lições do ilustre

professor, está pronto para agir. No entanto, a ação do indivíduo

depende da sua percepção do ambiente. A percepção pode ser

definida como “o processo pelo qual uma pessoa seleciona, organiza e

interpreta as informações para criar um quadro significativo do mundo. Ela

15 Ernesto M. Giglio, ob. cit., p. 10. “Conf.” Margaret Mark e Carol Pearson, O herói e o fora-da-lei: Comoconstruir marcas extraordinárias usando o poder dos arquétipos, p. 23.16 Philip Kotler, ob. cit., p. 167.17 Philip Kotler, ob. cit., p. 170.

Page 20: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

20

não depende somente do estímulo físico, mas também da relação do

estímulo com o ambiente e as condições interiores do indivíduo”.18

Como se vê, as expectativas estão intimamente ligadas à

percepção dos indivíduos motivados acerca dos serviços e

produtos veiculados no mercado de consumo, onde as informações

veiculadas permitem que eles selecionem no mercado as

possibilidades de satisfação das suas necessidades, caso adquiram

determinado produto ou serviço. Logo, pode-se concluir que

grande parte das reclamações analisadas pela Fundação de Defesa

do Consumidor do Estado de São Paulo está ligada aos vícios de

informação que geraram percepções equivocadas dos

consumidores, as quais frustraram as expectativas objetivas de

satisfação de suas necessidades.

Em razão do exposto acima, o presente trabalho terá como

objeto de estudo o comportamento dos consumidores na aquisição

de produtos e serviços através dos meios eletrônicos, em especial,

da Internet. A escolha do ambiente de estudo se deu pela

desmaterialização das relações sociais no comércio eletrônico, eis

que os consumidores contratam serviços e adquirem produtos no

ambiente eletrônico sem a materialização de um contrato, o que,

ao que parece, gerou inúmeras reclamações na Fundação de Defesa

dos Consumidores do Estado de São Paulo.

18 Philip Kotler, ob. cit., p. 172.

Page 21: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

21

As informações prestadas no ambiente eletrônico são aquelas

veiculadas pelos próprios fornecedores nas suas publicidades. A

forma de contratação dos serviços ou produtos se dá através de um

simples toque no mouse do computador, o que torna mais latente a

crença dos consumidores na marca do fornecedor, na sua

publicidade e na lisura dos fornecedores no mercado de consumo.

Hoje, é certo que a Internet se transformou em um enorme

“shopping virtual” que mistura trabalho, consumo e

entretenimento no chamado “mundo eletrônico”. As percepções

dos consumidores se misturam na Internet, visto que os portais de

notícias misturam informações cotidianas publicadas em jornais,

entretenimento em salas de jogos e “bate papo” e veiculam ofertas

de bens e serviços. O consumidor, neste ambiente, é motivado ao

consumo, é influenciado pela divulgação de novos produtos,

serviços e marcas, ainda que tenha acessado a rede tão- somente

para alcançar o portal de uma empresa, ou para mero

entretenimento.

A importância do objeto de estudo deste trabalho ainda se dá

pela Internet ser um fenômeno de unificação de culturas e

desenvolvimento da sociedade. Na realidade, a publicidade

veiculada através da Internet permite a comunicação dos

consumidores de vários países entre si, através da sua

caracterização como parte de um grupo social que consome

determinado tipo de produto ou serviço, ainda que os indivíduos

Page 22: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

22

desses grupos possuam culturas diferentes.19 Hoje, existe uma

verdadeira guerra das indústrias exportadoras de cultura, em

especial, das indústrias culturais do ocidente contra as culturas

locais de todos os países.

As barreiras existentes à exportação de uma cultura

internacional são as próprias culturas internas dos países, políticas

internas e leis, as quais não submetem a Internet às suas

influências. Isso porque a Internet permite que consumidores de

outros países acessem portais brasileiros e adquiram produtos e

serviços de empresas brasileiras, sendo certo que o mesmo ocorre

com os nossos consumidores. Logo, o objeto de estudo deste

trabalho será a análise da influência da publicidade veiculada

através da Internet no processo decisório do consumidor, sendo

certo que essa influência está intimamente ligada às expectativas

de satisfação das suas necessidades, e ao direito de o consumidor

receber informações corretas que levarão à satisfação dessas

necessidades.

19 Conf. Dominique Quessada, O poder da publicidade na sociedade consumida pelas marcas. Como aglobalização impõe produtos, sonhos e ilusões, p.13.

Page 23: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

23

III. A ORDEM CONSTITUCIONAL, O DIREITO PRIVADO E

O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

O Código Civil de 1916 sofreu forte inspiração do Código

Napoleônico, sendo este baseado nos princípios que nortearam a

Revolução Francesa, quais sejam, Liberdade, Igualdade e

Fraternidade. A liberdade e a igualdade - princípios que nasceram

da burguesia francesa à época da Revolução - com o passar das

décadas, tiveram o seu significado deturpado pela Revolução

Industrial e pela evolução da sociedade de massas. Com efeito, “o

enunciado do princípio de que todos são iguais perante a lei nos dá conta de

sua inconsistência, visto que a lei é uma abstração, ao passo que as

relações sociais são reais”.20 As diferenças sociais, econômicas e

culturais dos indivíduos não eram levadas em consideração no

momento da aplicação desses princípios, fato que gerou inúmeras

ilegalidades, bem como o abuso do poder econômico e a imposição

da vontade do mais forte, no momento da celebração dos tratos

privados.

O ilustre Prof. CHAÏM PERELMAN observa que “o esforço dos

juristas, em todos os níveis e em toda a história do direito, procurou

conciliar as técnicas do raciocínio jurídico com a justiça ou, ao menos, à

aceitabilidade da decisão. Quando o resultado é inadmissível por esta ou

aquela razão, é que o jurista é levado a introduzir uma distinção, que talvez

tivesse omitido ao estabelecer as premissas de seu raciocínio”.21

20 Eros Roberto Grau, A Ordem Econômica na Constituição de 1988, p.16.21 Chaïm Perelman, Lógica jurídica, p.13.

Page 24: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

24

Assim, as imperfeições do liberalismo, associadas à

incapacidade de auto-regulação dos mercados e à dificuldade de o

povo aceitar as decisões baseadas no direito da época,

transformaram o Direito Privado, pois o Estado passou a ter uma

nova função, ou seja, o Estado passou a ter a função de regular, ou

melhor, tentar regular a atividade econômica.22

A regulamentação dos mercados que o liberalismo acreditava

ser decorrente do livre jogo de interesses não alcançou os efeitos

almejados pelos seus defensores, justamente pela composição dos

interesses daqueles que, hipoteticamente, se enfrentariam no

mercado. A concorrência entre as empresas não gerou a

regulamentação de preços e das condutas de mercado e, em alguns

casos, ocorreu justamente o contrário, pois se legitimou o abuso

econômico sobre os indivíduos que compunham o Estado, as

práticas levianas de mercado, além do cartel de um pequeno grupo

de empresas, que passaram a controlar o mercado e a impor as suas

regras. Assim, caberia ao Estado limitar os abusos dos exploradores

do mercado, em especial, das empresas voltadas ao mercado de

consumo.

Como bem leciona o Prof. MAURO CAPPELLETTI, “ los

derechos sociales de libertad corresponde, en efecto, la obligación del

Estado de remover los obstáculos de orden económico y social que se oponen

a la libre expansión moral y política de la persona humana. Mientras con los

derechos tradicionales se tiende a salvaguardar la libertad del ciudadano de

22 Ver a esse respeito, Norberto Bobbio, A era dos direitos, p. 24.

Page 25: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

25

la opresión politica, con los nuevos derechos sociales se tiende, en cambio, a

salvaguardarla de la opreción económica. El fin es ele mismo, esto es, la

defensa de la libertad individual, pero los medios son diversos, porque,

mientras para satisfacer los derechos sociales el Estado debe emplearse

activamente para destruir el privilegio económico y para ayudar al

necesitado a liberarse de la necesidad”.23

O Estado, conforme o exposto acima, deve responder aos

abusos praticados pelo mercado, eis que é seu dever então intervir e

regulamentar a livre iniciativa, as condutas mercadológicas, toda

vez que essas condutas implicarem abuso de direito, para que seja

garantida a sobrevivência digna de seus súditos, o acesso sadio ao

consumo, preservando-se, conseqüentemente, o próprio capitalismo

liberal.

a) A livre iniciativa e o Estado liberal

A Constituição italiana, de 1947, trouxe, de forma expressa,

pela primeira vez, a possibilidade de o Estado intervir na Ordem

Econômica, consoante se percebe pela leitura do seu art. 41º, ao

dispor que “L`iniziativa econômica privata è libera. Non può svolgersi in

contrasto com l`utili tà sociale o in modo da recare danno alla sicurezza, alla

libertà, alla dignità umana. La legge determina i programmi e i controlli

opportuni perché l´attività econômica pubblica e privata possa essere

indirizzata e coordinata a fini sociali”.

Resta claro, pelo texto acima exposto, que o Estado italiano

23 Mauro Cappelletti, Proceso, Ideologias, Sociedad, p. 123.

Page 26: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

26

poderá intervir na economia para coordenar as práticas da iniciativa

privada, as quais deverão alcançar os fins sociais legítimos e a

dignidade da pessoa humana.

Deve-se notar, por oportuno, que a Constituição brasileira, de

1988, trouxe dispositivo muito semelhante, ao dispor, através do seu

art. 170, que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho

humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna,

conforme os ditames da justiça social.. .”

O ilustre Prof. EROS ROBERTO GRAU, ao analisar o art. 170

da nossa Constituição, leciona que “a nossa Constituição optou pelo tipo

liberal do processo econômico, que só admite a intervenção do Estado para

coibir abusos e preservar a livre concorrência de quaisquer interferências,

quer do próprio Estado, quer do embate econômico que pode levar à

formação de monopólios e ao abuso do poder econômico visando ao aumento

arbitrário dos lucros". 24

Logo, o ilustre professor concluiu que as empresas são livres

para explorar o mercado, entretanto essa liberdade não é irrestrita.

No entanto, a limitação ao princípio da livre iniciativa pode ser

considerada inconstitucional?

Como se sabe, a limitação da livre iniciativa dar-se-á nas

hipóteses de afronta à dignidade da pessoa humana, à justiça social

e à defesa do consumidor. Há quem tenha defendido a existência de

24 Eros Roberto Grau, ob. cit., p. 171.

Page 27: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

27

normas constitucionais inconstitucionais,25 principalmente na

Alemanha, como se poderia, nesse caso, pensar que a limitação da

livre iniciativa o seria. O fundamento dessas alegações basear-se-ia

na existência de normas superconstitucionais26, as quais estariam

acima de outras normas, em razão do seu caráter intimamente ligado

ao Direito Natural. Tais normas vedariam as ofensas à vida e à

liberdade dos indivíduos, razão pela qual elas estariam acima das

demais normas constitucionais.

Sucede, no entanto, que tais assertivas são despidas de razão,

posto que as normas da nossa Constituição devem ser analisadas em

seu conjunto, para que se alcance a sua harmonização. Elas,

consoante lições do ilustre Prof. PAULO BONAVIDES,27 não são

inconstitucionais entre si, mas o que pode existir são interpretações

que, aparentemente, desarmonizem as normas constitucionais,

interpretações que permitam o seu suposto confronto. Logo, a

desarmonia não residiria nas normas constitucionais in abstrato ,

mas na desarmonização das interpretações dessas normas.

O exercício da interpretação das normas nada mais é do que a

adaptação da norma aos fatos existentes dentro do seu momento

histórico, elegendo-se o fim perseguido pela norma através de

critérios valorativos e principiológicos. Nesse caso, o operador do

direito elege os princípios e os valores que devem prevalecer frente 25 Ver a esse respeito, Otto Bachof, Normas Constitucionais Inconstitucionais?, p. 67. Ver, de maneiradiversa, Paulo Bonavides, A constituição aberta. Temas políticos e constitucionais da atualidade, p. 27.26 Conf. Oscar Vilhena Vieira, A constituição e sua reserva de Justiça. Um ensaio sobre os limitesmateriais ao poder de reforma, p. 135.

Page 28: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

28

aos fatos existentes.

O Prof. CLAUS WILHELM CANARIS, por oportuno, explicou

a possibilidade da existência de valores e princípios contraditórios

entre si e a impossibilidade de normas contraditórias dentro de um

sistema jurídico, eis que “no que respeita, em primeiro lugar, à ausência

de contradições, é seguro, como geralmente se reconhece, que se deve negar

uma contradição entre duas normas, em todas as circunstâncias, tendo a

metodologia jurídica desenvolvido um instrumentarium que, em caso extremo

através da aceitação de uma lacuna de colisão, o possibilite. Contudo, isso

só funciona para verdadeiras contradições de normas, enquanto que as

contradições de valores e de princípios não se deixam evitar sem excepções;

por conseqüência, o postulado da ausência de contradições só se alcança

num sistema de normas e não, também, num sistema de valores ou de

princípios”.28

Portanto, a suposta inconstitucionalidade in abstrato das

normas constitucionais não é possível no nosso sistema jurídico,

mas não se pode afastar a possibilidade da existência de

interpretações eventualmente contraditórias frente aos fatos

existentes na sua concretude.

O art. 170 da nossa Constituição, por oportuno, estipula o

princípio da livre iniciativa como base da nossa ordem econômica e

financeira, sendo certo que tal princípio é um desdobramento do

princípio da liberdade.29 Todavia, o princípio da livre iniciativa é

27 Conf. Paulo Bonavides, ob. cit., p. 283.28 Claus Wilhelm Canaris, Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito, p. 40.29 Conf. José Joaquim Gomes Canotilho, Estudos sobre direitos fundamentais, p. 25.

Page 29: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

29

limitado ao princípio da defesa do consumidor, o que demonstra que

o mesmo artigo que estipula a livre iniciativa a limita.

Como bem leciona o ilustre Prof. CHAÏM PERELMAN,“nenhuma regra de direito, assim como nenhum valor, é absoluta, e que

sempre haverá situações em que uma regra, seja qual ela for, deverá ser

limitada, e em que um valor, qualquer que seja sua importância, deverá

ceder diante de considerações preponderantes na ocorrência”.30

Ainda no mesmo sentido, é o entendimento do Prof. CLAUS

WILHELM CANARIS ao concluir que “os princípios não valem sem

excepção e podem entrar entre si em oposição ou em contradição; eles não

têm a pretensão da exclusividade; eles ostentam o seu sentido próprio apenas

numa combinação de complementação e realização, de uma concretização

através de sub-princípios e valores singulares, com conteúdo material

próprio. Os princípios não valem sem excepção e podem entrar em oposição

ou em contradição entre si”.31

Logo, ao se analisar o princípio da livre iniciativa, deve-se

perceber que o próprio artigo que lhe consagra restringe sua

aplicação em ofensa ao princípio da defesa do consumidor, sendo

certo que a sua restrição só ocorre nos casos expressos nos seus

incisos.

Com efeito, o Estado não poderia deixar de harmonizar o

exercício da livre iniciativa com os demais princípios da nossa

Constituição, como, por exemplo, os princípios fundamentais do seu 30 Chaïn Perelman, ob. cit., p. 129.

Page 30: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

30

art. 5º, ou seja, a limitação da livre iniciativa, quando esta afronte à

justiça social, à vida e à defesa do consumidor. Isso porque a livre

iniciativa deve ser adotada, sem submeter os fracos ao domínio

daqueles superiores economicamente, sem comprometer a vida dos

indivíduos que compõem o nosso Estado, inclusive devendo

procurar promover a justiça social e a dignidade.

b) A intervenção do Estado, o Direito Privado e o contrato

O Direito Privado, em razão da possibilidade de interferência

do Estado nos tratos privados, também sofreu algumas

transformações, pois o acordo de vontades também deve ser

norteado pelos princípios da dignidade da pessoa humana, da justiça

social e da igualdade32, sendo, por isso, limitado aos referidos

princípios, nos moldes do art. 421 do Código Civil do Brasil, do art.

1322 do Código Civil italiano, e 305 do Código Civil alemão.

O contrato, conforme as lições do Prof. ENZO ROPPO,33 é

instrumento de circulação de riquezas, acesso ao consumo, e, como

tal, o Estado deve coibir a livre iniciativa exercida de forma

abusiva, atípica, para que ela não promova a circulação de riquezas

e, em conseqüência, a estipulação de contratos e o acesso ao

consumo, de forma divorciada do princípio da dignidade da pessoa

humana, do princípio da justiça social e do princípio de igualdade.

31 Claus Wilhelm Canaris, ob. cit., p. 88.32 Conf. Leon Duguit, Las Transformaciones del Derecho Público y Privado, p. 171.

Page 31: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

31

O Direito Privado, como se percebe, não deve servir ao

domínio de grupos economicamente abastados sobre os demais

grupos sociais, tampouco deve servir como instrumento ilícito de

obtenção de riqueza. Ora, os tratos privados sempre privilegiaram o

grupo economicamente mais forte, eis que a igualdade da “era

moderna” - é formal e não real - fato que transformou o Direito

Privado em um instrumento de repressão, de injustiças e divorciado

do princípio da dignidade da pessoa humana.

Ora, como as normas do Direito Privado permitiam a

circulação de riquezas de forma leviana e abusiva - baseadas no

abuso do poder econômico e nas atipicidades da livre iniciativa -,

tínhamos normas do Direito Privado em desconformidade com o

Estado Democrático de Direito, do fim social do Direito Privado,

pois a atipicidade, certamente, não era a vontade do povo, que

outorgou o poder de mandato a um determinado grupo de

representantes políticos, no momento da eleição das suas regras de

Direito Privado.34

Diante dos problemas existentes à época, o Estado passou a

fiscalizar a circulação de riquezas e, por conseqüência, o acesso ao

consumo, com o fim de garantir a sua correta destinação, dentro dos

princípios da dignidade da pessoa humana, igualdade real e justiça

social, para que deixasse de ser um Estado propulsor de

desigualdades, injustiças, enfim, um Estado que não garantisse os

33 Conf. Enzo Roppo, O contrato, p. 13.34 Conf. Georges Ripert, O Regime democrático e o Direito Civil moderno, p. 9 e Heloisa Carpena, Abusodo direito nos contratos de consumo, p. 31.

Page 32: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

32

princípios democráticos de uma sociedade justa e proba!35

O Prof. ENZO ROPPO, ao analisar os problemas decorrentes

da massificação das relações sociais, ainda observou que “na época

liberal (época na qual se formou a moderna teoria do contrato), o problema

fundamental da disciplina contratual consistia, pois, em assegurar que as

relações entre os contraentes se desenrolassem de modo racional e correto

do ponto de vista da lógica do mercado".36

A Prof.ª HELOÍSA CARPENA, ao analisar o problema do

abuso do direito e a possibilidade da intervenção estatal, concluiu

que “o intervencionismo (estatal) não busca afastar a noção de liberdade

contratual, procura, sim, garanti-la, preservando a principal função do

contrato, qual seja, servir de instrumento de segurança das expectativas”.37

Ainda no mesmo sentido são as considerações de KARL

ENGISCH, ao declarar que “o próprio Direito, portanto, f ixa os fins e

exige a sua realização de uma forma tão incondicional, dum modo

exactamente tão categório como a moral. Resulta, pois, como conseqüência

desta concepção, que, na interpretação e na aplicação dos imperativos

jurídicos, devemos entender (compreender) estes como meios para alcançar

os fins que o Direito considera bons”.38

A lógica do mercado, no entanto, não visava à defesa da

dignidade da pessoa humana, do consumidor, mas, sim, aos lucros

daqueles que exploravam o mercado de consumo. O contrato não

35 Enzo Roppo, ob. cit., p. 13.36 Enzo Roppo, ob. cit., p. 223.37 Heloísa Carpena, ob. cit., p. 31.38 Karl Engisch, Introdução ao pensamento jurídico, p. 51.

Page 33: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

33

pode, por ser instrumento de trocas, de acesso ao consumo e de

circulação de riquezas, servir à exploração do homem pelo próprio

homem, consagrar o enriquecimento injusto de um dos contratantes

em detrimento do outro39, pois, caso isso ocorra, ter-se-á a execução

de um contrato imoral, divorciado do racional, do probo e da lógica

do mercado.40 Em suma, o “correto” é um juízo de valor

intimamente ligado à idéia do “justo”, ao valor social da circulação

de riquezas, ao fim social do acesso ao consumo, à dignidade da

pessoa humana e à justiça social.

O Prof. NORBERTO BOBBIO, ao enfrentar o problema da

justiça, observa que “o problema da justiça é o problema da

correspondência ou não da norma aos valores últimos ou finais que inspiram

um determinado ordenamento jurídico. O problema se uma norma é justa ou

não é de um aspecto do contraste entre o mundo ideal e mundo real, entre o

que deve ser e o que é: norma justa é aquela que deve ser, norma injusta é

aquela que não deveria ser”.41

Portanto, conclui-se que o contrato justo é aquele que

representa aquilo que é licito se esperar da outra parte da relação

contratual, algo que nos faria crer que a conduta adotada no

mercado de consumo é correta. Assim, caso o fornecedor não se

porte de forma justa no mercado, desrespeitando o princípio da

dignidade da pessoa humana, e promovendo o acesso ao consumo, à

circulação de riquezas divorciada dos princípios citados, o Estado

39 Conf. Georges Ripert, ob. cit., p. 44.40 Artigo 226 do Código Civil Alemão (BGB) – O exercício de um direito é inadmissível, se ele tiver por fim,somente, causar um dano a um outro. – tradução livre41 Norberto Bobbio, Teoria da norma jurídica, p. 46.

Page 34: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

34

estará autorizado a intervir e regular os tratos privados em benefício

dos seus súditos e, em especial, dos consumidores.

c) A intervenção do Estado, o Direito Privado e a responsabilidade

civil

O séc. XIX pode ser conhecido como o século das grandes

codificações, pois, à época, além do Código Napoleônico, também

foi promulgado o Código Civil alemão. Todavia, em razão das

evoluções tecnológicas dos séculos XX e XXI, estes poderão ser

chamados de séculos dos novos direitos42, já que os códigos

envelheceram, não mais sendo capazes de dispor sobre todas as

obrigações decorrentes dos avanços tecnológicos.43

Os operadores do Direito, por sua vez, passaram a buscar

novas saídas, para adequar o desequilíbrio causado pela “sociedade

de massas”, pois é certo que as teorias tradicionais já não surtiam

os efeitos esperados por toda a sociedade.

A multiplicação dos acidentes nas fábricas e nos meios de

transportes acompanhou a evolução científica, em que pesem os

benefícios que a ciência proporcionou à humanidade naquela época.

O interessado não lograva êxito em receber indenização pela morte

de um parente ou pela lesão sofrida no exercício da sua atividade

fabril, visto que a prova da culpa do empresário era quase 42 Ver a esse respeito, Rubén S. Stiglitz y Gabriel A. Stiglitz, Contratos por adhesión, clausulas abusivas yprotección al consumidor, p. 3.

Page 35: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

35

impossível.44 Logo, não se encontravam, no Direito da época, os

ideais de justiça social e dignidade da pessoa humana, eis que o

Direito já não conseguia se materializar.

Os professores RUBÉN S. STIGLITZ e GABRIEL A.

STIGLITZ, ao analisarem o mercado de consumo da época,

concluíram que “el mercado revela una serie de patologias desde el punto

de vista axiológico, producto de la adopcion de mecanismos a veces no muy

trasparentes en el circuito que trascurre entre la procucción y el consumo de

bienes y servicios. La creación artificial de necesidades masivas,

popularizadas mediante fórmulas publicitarias de inmensa potencialidad

para condicionar psicológicamente al consumidor havia el acrecentamiento

de su propensión a la adquisicion. La conformación de un marco falseado de

confianza en la empresa, que obstaculiza la percepción de la situacion real

de conflicto estructural de intereses, mediante sistemas persuasivos de venta

o técnicas crediticias de facil acceso pero generadoras de un insalvable

endeudamiento sin salida".45

Os operadores do Direito, na busca do justo, probo e digno,

perceberam que a teoria da responsabilidade civil tradicional não

alcançava mais os ideais de justiça, que norteavam as normas do

Estado moderno, impondo, a toda evidência, alterações para

proteger as vítimas dos danos causados pelas inovações da

sociedade industrial.

Como se sabe, a culpa selecionava os danos propagados

delimitando o ressarcimento, em clara demonstração da concepção

43 Conf. Sérgio Cavalieri Filho, O direito do consumidor no limiar do século XXI, p. 97.44 Conf. Roberto Senise Lisboa, Responsabilidade civil nas relações de consumo, p. 25.45 Rubén S. Stiglitz y Gabriel A. Stiglitz, ob. cit., p. 3.

Page 36: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

36

voluntária e individualista do Direito da época.46 Isto porque, se um

indivíduo praticasse um ato contrário às normas jurídicas então

vigentes sem, contudo, ser provada a sua culpa – ou até mesmo dolo

– não lhe poderia ser imputada a obrigação de indenizar, ainda que

o dano tivesse sido efetivamente sofrido por outrem.

Portanto, depreende-se que todo o risco da atividade

empresarial era carreado à sociedade, e não ao empresário. Essa

concepção, como se verá, mostrou-se cada vez mais inadequada à

proteção do indivíduo durante o processo de massificação das

relações sociais.47

d) A responsabilidade civil e a sociedade de massas

A responsabilidade civil, de forma simplista, consiste na

obrigação de o ofensor reparar os danos causados ao ofendido ou

aos seus bens, assim a fonte dessa obrigação é a conduta anti-social

do causador do dano. Todavia, a mola propulsora da

responsabilidade subjetiva seria a moral do agente no momento da

execução da conduta ilícita, podendo-se entender que, ao se perder

esse critério subjetivo, estaríamos atribuindo um risco injusto ao

empresário.48 Neste ponto, assume relevância a questão da culpa e

do dolo.

46 Conf. Guido Alpa, Responsabilità della Impresa e Tutela del Consumatore, pág. 31147 Conf. Arystóbulo de Oliveira Freitas, Responsabilidade Objetiva no Código de Defesa do Consumidor,p.104.48 Conf. Georges Ripert, A Regra moral nas obrigações civis, p. 217.

Page 37: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

37

Esses dois requisitos da conduta ilícita e lesiva foram, até o

séc. XVIII, os limitadores da obrigação de reparação de danos,

fazendo com que nem todas as ofensas dessem causa à

correspondente reparação do dano ao ofendido. Contudo, a

utilização dos bens por uma massa indeterminada de pessoas alterou

bruscamente a sorte da teoria da responsabilidade civil baseada na

culpa. Ora, o consumidor, na maioria das vezes, não adquire o

produto do seu fabricante, mas, sim, de um comerciante. Mas não é

só. Os fornecedores de produtos ou serviços, com a Revolução

Industrial, passaram a oferecer seus produtos ou serviços a um

número indeterminado de consumidores, o que fez com que os

defeitos de seus produtos atingissem inúmeros indivíduos que

sequer poderiam ser determinados.

Assim, diante da dificuldade de esses adquirentes

demonstrarem a culpa dos fornecedores de produtos ou serviços,

bem como os danos que essas empresas poderiam causar à sociedade

toda, quais seriam as obrigações com que essas empresas deveriam

arcar?

e) A evolução da responsabilidade civil e a culpa presumida

A partir da metade do séc. XVIII, começaram a surgir os

primeiros trabalhos doutrinários, trazendo à baila o início da

objetivação da responsabilidade, diluindo, cada vez mais, a

importância da culpa na configuração da responsabilidade civil. A

Page 38: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

38

dificuldade da comprovação da culpa do agente fez nascer a Teoria

da Culpa Presumida. Tal teoria, através do sistema de presunção,

faz com que não haja necessidade da demonstração da culpa do

responsável do dano, visto que a culpa seria presumida, em

decorrência de uma determinada norma jurídica. Em outras palavras,

uma lei específica instituiria a responsabilidade civil do agente,

através da presunção da culpa.

Como se percebe, a presunção iuris tantum da culpa acarreta a

inversão do ônus da prova, sendo certo que a referida teoria, através

dos artigos 516, 517, 1339 e 1532, foi amparada pelo Código Civil

de 1916. Todavia, ainda que exista a referida presunção, não se

excluiu a análise subjetiva da conduta do agente, facilitando-se, tão-

somente, o acesso da vítima à Justiça, em virtude da dispensa da

prova da culpa do agente “por presunção” . Depreende-se, de forma

clara, que a análise da culpa do agente ainda persistiu, contudo, o

ônus da demonstração da inexistência de culpa caberia ao agente

que praticou o ato ilícito e, não, à vítima.

Tem-se, no entanto, que os operadores do Direito buscavam

uma responsabilidade maior do que aquela que era aplicada às

empresas que exploravam o mercado, visto que o risco da atividade

empresarial deveria ser arcado pelas empresas e, não, pelos

indivíduos que compunham a sociedade de massa. Ou seja, os

operadores do Direito buscavam o fim da socialização dos riscos da

atividade empresarial, passando o referido risco àqueles que

auferissem lucro com a exploração do mercado de consumo. Assim,

Page 39: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

39

a responsabilidade civil objetiva – ou sem culpa – foi a saída

encontrada por esses operadores do Direito.

f) A responsabilidade civil objetiva

A responsabilidade civil objetiva funda-se na justiça

distributiva e na solidariedade dos diversos setores da atividade

profissional, especialmente naqueles em que o desenvolvimento

tecnológico se demonstre mais acentuado.49 Isto significa que a

responsabilidade civil objetiva nasce, com mais força, naqueles

segmentos em que se pode proporcionar danos a outrem, pelo risco

que suas atividades ofereçam à vida, à saúde e à segurança.50

A concepção individualista do Direito dispõe que o indivíduo

vem em primeiro lugar, sendo certo que o Estado – a sociedade –

viria em segundo.51 Todavia, essa concepção não serve para regrar

a Teoria da Responsabilidade Civil, posto que a norma deve buscar

um fim social. O fim social perseguido pela norma jurídica nada

mais é do que a certeza de que o Direito tutela o bem-estar social,

divorciando-se dos meandros do sistema da culpa, o qual já não

encontra mais seu fim social na sociedade de consumo.

Assim, para que as necessidades decorrentes da sociedade de

consumo sejam tuteladas de forma satisfatória, criou-se uma

Teoria de Responsabilidade Civil, que levaria em consideração 49 Conf. Clovis do Couto e Silva, A obrigação como processo, p.3450 Conf. Roberto Senise Lisboa, ob. cit., p. 39.

Page 40: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

40

tão-somente a conduta objetiva do agente, ou seja, a referida

responsabilidade civil não levaria em conta a existência da culpa –

ou dolo – mas, sim, a existência de um dano, de um ato ilícito e do

nexo causal entre os dois eventos.52

Ressalte-se, por oportuno, que uma das diferenças existentes

entre a responsabilidade civil subjetiva e a responsabilidade civil

objetiva reside, justamente, no ato ilícito. Com efeito, o ato ilícito

na responsabilidade civil subjetiva seria um ato ilícito por

natureza, enquanto que a responsabilidade civil objetiva seria

decorrente de um ato ilícito por resultado.

Nesse passo, deve-se notar que as obrigações decorrentes das

relações de consumo seriam obrigações de fim, sendo a

responsabilidade civil objetiva uma de suas maiores expressões.

Ora, o referido sistema de responsabilidade civil não busca as

razões subjetivas – culpa ou dolo – do fornecedor na relação

jurídica de consumo, mas, sim, os deveres de conduta desse

fornecedor no mercado de consumo.53

Como se vê, ainda que o produto ou o serviço traga riscos à

vida, à saúde e à segurança, o fornecedor decidiu explorá-lo para

auferir algum tipo de vantagem, devendo, por tal razão, arcar com

o ônus da sua atividade empresarial.54

51 Conf. Norberto Bobbio, A Era dos Direitos, p.6052 Artigos 12 e 14 do Código de Defesa do Consumidor.53 Inciso 1º do art. 12 do Código de Defesa do Consumidor.54 Ubi emonumentum, ibi onus

Page 41: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

41

As expectativas do consumidor, por sua vez, nada mais são

do que a certeza de que o produto consumido é seguro, e não traz

nenhum risco à vida. Essa é a obrigação do fornecedor, ou seja, a

de suprir as expectativas do consumidor, não lhe gerando nenhum

dano. É, em suma, a certeza de que o sistema normativo defende

um fim social, sendo evidente que tal fim nada mais é do que a

dignidade da pessoa humana.55

A defesa desse fim social – dignidade da pessoa humana –

não poderia se curvar frente a qualquer elemento subjetivo, ou

mesmo, à alegação de ignorância sobre vícios do produto ou

serviço. Como já dito, a responsabilidade civil objetiva não leva

em consideração os elementos subjetivos do agente que praticou o

ato ilícito, não podendo, por tal razão, levar em consideração a

ignorância do fornecedor. Portanto, percebe-se que o art. 23 do

Código de Defesa do Consumidor é uma das maiores

demonstrações de que a Teoria do Risco foi coroada no Código do

Consumidor, sendo tal artigo uma decorrência da sua existência.56

Assim, nota-se que a responsabilidade civil objetiva está

intimamente ligada à Teoria do Risco.57

Como bem leciona o ilustre Prof. CAIO MÁRIO PEREIRA,“o conceito de risco que melhor se adapta às condições de vida social é o

que se fixa no fato de que, se alguém põe em funcionamento qualquer

atividade, responde pelos eventos danosos que esta atividade gera para os

55 Conf. Leon Duguit, ob. cit., p.180.56 Conf. Zelmo Denari, Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, p.198.57 Conf. Alvino Lima, Culpa e Risco, p. 190.

Page 42: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

42

indivíduos, independentemente de determinar se em cada caso,

isoladamente, o dano é devido à imprudência, à negligência, a um erro de

conduta. Fazendo abstração da idéia de culpa, mas atentando apenas no

fato danoso, responde civilmente aquele que, por sua atividade ou por sua

profissão, expõe alguém ao risco de um dano”.58

Percebe-se, de forma clara, que o fornecedor responde pelos

riscos do seu produto ou serviço, ao colocá-lo no mercador de

consumo, pois o risco da exploração do mercado de consumo

pertence à empresa que decidiu explorá-lo.59 Contudo, o que seria

colocar um produto no mercado de consumo?

O ilustre Prof. ZELMO DENARI entende que colocar um

produto no mercado de consumo é “introduzi-lo no ciclo produtivo-

distributivo, de uma forma voluntária e consciente”.60 Assim, a empresa

poderá deixar de arcar com os danos decorrentes do produto, se

comprovar que não o colocou no mercado.61

Todavia, ao que parece, tal excludente só ocorreria nas

hipóteses de furto ou de roubo do produto, visto que os referidos

atos demonstrariam que o explorador do mercado de consumo não

tinha a intenção de colocá-los no próprio mercado de consumo,

naquele determinado lapso temporal.

58 Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade Civil, p.271.59 Inciso 3º do art. 12 do Código de Defesa do Consumidor. Ver de maneira diversa, Maria Paz GarcíaRubio, Los riesgos de desarrollo en la responsabilidad por daños causados por los productosdefectuosos: su impacto en el derecho español, p. 67.60 Zelmo Denari, ob. cit., p. 169.61 Inciso 3º do art. 12 do Código de Defesa do Consumidor.

Page 43: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

43

IV. A INTERNET COMO INSTRUMENTO DE ACESSO AO

CONSUMO DE MASSA

A Internet, hoje, é um instrumento de acesso ao consumo, ao

entretenimento e à unificação da cultura mundial. Através dela,

pode-se acessar diversas home pages de variados fornecedores de

produtos e serviços, além de ela também possibilitar a obtenção de

informações sobre bens ou serviços.

O IBOPE, por meio da publicação de seu Almanaque Ibope,

informa que 12.200.000 (doze milhões e duzentos mil) usuários

brasileiros acessaram a Internet em dezembro de 2005, sendo certo

que houve um aumento aproximado de 12 % (doze por cento) no

número de usuários, quando se comparam esses dados aos do

mesmo mês do ano de 2004.62

Ademais, o IBOPE ainda observa que os usuários navegaram

na Internet, em média, 13h34min. (treze horas e trinta e quatro

minutos) durante o mês de dezembro de 2004, sendo certo que

ocorreu um aumento de 34% (trinta e quatro por cento) no tempo 62 http://www.almanaqueibope.com.br/asp/busca_docInfo.asp

Page 44: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

44

médio de navegação dos usuários no mês de dezembro de 2005, o

qual passou, então, a corresponder a 17h59min. (dezessete horas e

cinqüenta e nove minutos).63

O tempo médio de acesso dos usuários brasileiros à Internet é

o maior do mundo, o que significa que os consumidores brasileiros

ficam mais tempo expostos a publicidades e a práticas

mercadológicas dos fornecedores, no ambiente eletrônico. Com

efeito, os usuários brasileiros acessam a Internet, em média,

16h54min. (dezesseis horas e cinqüenta e quatro minutos) ao mês,

enquanto que os franceses, 15h40min. (quinze horas e quarenta

minutos) , os japoneses 15h35min. (quinze horas e trinta e cinco

minutos) , os americanos 14h46min (quatorze horas e quarenta e

seis minutos). e os espanhóis 14h41min. (quatorze horas e

quarenta e um minutos).64

O IBOPE, conforme pesquisa divulgada pelo IBOPE /

NETRATINGS65, observou os hábitos dos usuários brasileiros:

20,5% (vinte vírgula cinco por cento) deles passam seu tempo de

acesso à Internet em comunidades e sites de comunicação; 11,3%

(onze vírgula três por cento), em acessos a e-mail; 10,5% (dez

vírgula cinco por cento), em acessos a portais de interesse geral;

6,2% (seis vírgula dois por cento), em acesso a sites de

63 http://www.almanaqueibope.com.br/asp/busca_docInfo.asp64 http://www.almanaqueibope.com.br/asp/busca_docInfo.asp65 http://www.ibope.com.br/asp/busca_docInfo.asp

Page 45: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

45

instituições financeiras e 4,7% (quatro vírgula sete por cento), em

acessos a ferramentas de busca.

O maior tempo gasto entre os usuários americanos e os

espanhóis é, certamente, o tempo de acesso aos seus e-mails. Os

usuários americanos, conforme pesquisa divulgada pelo IBOPE /

NETRATINGS66, acessam os seus e-mails 7,7% (sete vírgula sete

por cento) do seu tempo mensal de acesso, ao passo que os

usuários espanhóis acessam os seus, 10,9% (dez vírgula nove por

cento) do seu tempo mensal de acesso. Os americanos acessam

portais de interesse geral 6,6% (seis vírgula seis por cento) do seu

tempo mensal de acesso à Internet, ao passo que os usuários

espanhóis acessam esses portais 6,9% (seis vírgula nove por

cento) do seu tempo mensal de acesso à Internet.

Os portais de interesse geral e os portais de instituições

financeiras, certamente, influenciam a conduta objetiva dos

consumidores brasileiros, eis que esses portais influenciam os seus

usuários através das publicidades neles veiculadas. Essas

publicidades são formas de informação sobre determinados bens

ou serviços que induzem os seus usuários ao consumo, geram

percepções sobre esses bens ou serviços e, em um segundo

momento, geram as suas próprias expectativas de consumo.

Os dados apurados pelo IBOPE demonstram que os usuários

66 http://www.ibope.com.br/asp/busca_docInfo.asp

Page 46: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

46

brasileiros acessam a Internet por mais tempo durante o mês do

que os usuários americanos e espanhóis. Logo, o que se verifica é

algo muito diferente do que se poderia supor. Com efeito, os

usuários brasileiros acessam por mais tempo a Internet do que os

usuários americanos e espanhóis, cidadãos de países em que o

capitalismo é mais desenvolvido do que no Brasil, o que pode nos

levar a crer que os usuários brasileiros, ao acessarem a Internet,

estão mais suscetíveis às publicidades, às marcas, aos estímulos e

percepções gerados por esse instrumento do que os usuários de

outros países.

Isto não significa que o volume de vendas e compras na

Internet por usuários americanos e espanhóis seja inferior ao

volume de vendas e compras na Internet por usuários brasileiros,

pois o amadurecimento do capitalismo desses países e o grau de

escolaridade da sua população faz com que existam mais usuários

acessados à Internet, ainda que em tempo inferior ao dos usuários

brasileiros.

Os dados ora trazidos à baila têm como objetivo demonstrar

o aumento da importância da Internet no mercado de consumo

brasileiro, em razão da sua transformação em um veículo que

permite o acesso ao consumo. E como já dito, o acesso ao

consumo é a única forma de manter a dignidade dos indivíduos que

compõem a nossa sociedade, visto que as formas de subsistência

Page 47: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

47

através da coleta e caça, em grande parte das sociedades

modernas, não é mais possível. Assim, o presente trabalho

analisará a Internet como forma de acesso ao consumo digno, justo

e probo, nos moldes do art. 170 da nossa Constituição Federal.

a) A desconfiança do consumidor como óbice ao

amadurecimento do consumo eletrônico e ao acesso ao consumo

A Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico, recentemente,

divulgou estudo que demonstra que somente 12% (doze por cento)

dos consumidores brasileiros que acessam a Internet adquiriram

produtos e serviços.67 O referido estudo ainda demonstra que 71%

(setenta e um por cento) dos usuários compradores de produtos e

serviços na Internet têm idade entre 25 (vinte e cinco) a 49

(quarenta e nove) anos e renda superior a 13 (treze) salários

mínimos.68

Logo, o que se pode concluir é que o comércio eletrônico

propriamente dito, capaz de ensejar o acesso ao consumo através

da Internet, ainda é muito tímido no mercado brasileiro. No

entanto, qual seria a razão de números tão inexpressivos, quando

se compara a quantidade de horas que o usuário brasileiro

permanece conectado à Internet?

67 http://camara-e.net/_upload/perfil_e-consumidor.pdf68 http://camara-e.net/interna.asp?tipo=3&valor=40

Page 48: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

48

O Prof. RICARDO LORENZETTI, ao enfrentar o tema em

recente trabalho sobre o comércio eletrônico, observa que “os

consumidores não têm segurança quanto à utilidade e à qualidade do bem

se não o utilizaram, em razão disso se diz que estes são“bens de

experiência” ou produtos para experimentar, porque não se saberá se o

livro ou jornal é bom antes de tê-lo. Para neutralizar este aspecto, a marca

e o prestígio têm uma grande importância e, com isso, a proteção da

imagem, da marca e da reputação. Neste sentido, já se observou que o

ponto central da criação de valor na web é a confiança, uma vez que o

usuário não tem meios empíricos ou sensíveis para verificar, mas pode

confiar no prestígio de uma marca ou na fiabilidade de um comportamento

repetido”.69

Os consumidores, ao adquirirem bens através da Internet,

devem “confiar na aparência, na imagem, no som, na informação, no

click, na presença de um ser humano ou de uma pessoa jurídica

organizadora, em qualquer um dos computadores interligados no mundo.

Confiança no meio eletrônico, na entrega, nos dados, na contratação, no

armazenamento, na possibilidade de perenizar o negócio jurídico e de seu

bom fim! Confiança na realização das expectativas legítimas do consumidor

também nos negócios jurídicos do comércio eletrônico é a meta"! 70

Ao que parece, a desconfiança dos consumidores, hoje, é a

grande barreira ao acesso ao consumo através da Internet. No

69 Ricardo L. Lorenzetti, Comércio Eletrônico, p. 60.70 Cláudia Lima Marques, Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor. Um estudo dosnegócios jurídicos de consumo no comércio eletrônico, p. 47.

Page 49: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

49

entanto, quais seriam os elementos que ensejariam essa

desconfiança, no momento de escolher a Internet como o veículo

de materialização do acesso ao bem ou serviço pretendido? As

razões que motivam a desconfiança do consumidor, ao que parece,

residem no próprio negócio jurídico eletrônico, que possui

características especialíssimas, quais sejam, a despersonalização, a

desterritorialização, desumanização da relação social de consumo

e a desmaterialização do meio contratual.

A despersonalização do contrato se dá em razão de o

fornecedor, agora, ser um ofertante profissional automatizado e

globalizado, presente em uma cadeia sem fim de intermediários,

um fornecedor sem cara, sem sede, que fala todas as línguas, e já

não possui mais nacionalidade.71

A desumanização do negócio jurídico na Internet decorre da

conduta dos agentes. Como se sabe, os fornecedores veiculam

publicidades na Internet, e os consumidores, em grande parte das

vezes, apenas aderem à publicidade veiculada através de um

simples click. A linguagem dos fornecedores na Internet se dá

através de publicidades, desenhos, sons, ícones, marcas, banners e

outras manifestações unilaterais de vontade, as quais se encontram

com outra manifestação unilateral de vontade do consumidor, ou

seja, um simples click. Não existe um diálogo entre o fornecedor e

71 Conf. Cláudia Lima Marques, ob. cit., p. 62.

Page 50: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

50

o consumidor sobre a relação de consumo, mas tão-somente

manifestações unilaterais de vontade que fazem nascer uma

obrigação de consumo.

A ilustre Prof.ª CLÁUDIA LIMA MARQUES esclarece que“o contrato eletrônico é concluído sem forma física, desmaterializada, são

bits e códigos binários. A linguagem do contrato também é diferente, é

virtual em um primeiro momento e semi-escrita num segundo. (. . .) Neste

primeiro momento, todas estas impressões criam a confiança do

consumidor. Em um segundo momento, as condições gerais do contrato

impostas pelo fornecedor aparecem em uma janela sob a forma escrita e

poderão ser baixadas". 72

O negócio jurídico eletrônico ainda é atemporal e

desterritorializado. Os fornecedores veiculam publicidades, na

Internet, que os obrigam ao seu cumprimento, em razão do

princípio da vinculação da mensagem publicitária. Tem-se,

entretanto, que o fornecedor e o consumidor, na maioria das vezes,

não fecham o negócio ao mesmo tempo e, ainda que o pudessem

fazer, normalmente não residem no mesmo país. O que há, na

prática, é a veiculação de uma publicidade por parte do fornecedor

e a adesão, através de um simples click, por parte do consumidor.

As partes, em alguns casos, sequer residem no mesmo país, sequer

se submetem às mesmas leis, o que gera insegurança e

desconfiança por parte do consumidor.

72 Cláudia Lima Marques, ob. cit., p. 81.

Page 51: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

51

Como se vê, o acesso ao consumo através da Internet é uma

relação jurídica complexa, em razão da desmaterialização, da

desterritorialização do contrato e da desumanização das partes

envolvidas na relação de consumo. Assim, a saída ao problema

acima exposto, certamente, reside em instrumentos que protejam o

consumidor, promovam e garantam a sua confiança nos meios

eletrônicos.

b) A expectativa de consumo e a sociologia jurídica

Como se sabe, a desconfiança nasce do receio de

desapontamento ou de frustração das expectativas criadas dentro

do mundo significativo do indivíduo, que lhe oferece uma série de

possíveis experiências e ações, em que pese o seu limitado

potencial interno de percepção, assimilação de informações e ação

consciente.73 A Sociologia Jurídica, ao analisar os problemas

decorrentes da quebra da expectativa dos indivíduos, define que a

conduta de um indivíduo deve se pautar naquilo que se pode

esperar objetivamente dele e dos demais indivíduos que compõem

a sua sociedade.

73 Conf. Niklas Luhmann, Sociologia do direito II, p. 52.

Page 52: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

52

NIKLAS LUHMANN, autor de vários livros sobre Sociologia

Jurídica, observa que existem estruturas de assimilação de

experiências sociais que buscam afastar o indivíduo dos

desapontamentos das expectativas geradas no ambiente social.

Com efeito, ele assevera que “sobre essa situação existencial

desenvolvem-se estruturas correspondentes de assimilação da experiência,

que absorvem e controlam o duplo problema da complexidade e da

contingência. Certas premissas da experimentação e do comportamento,

que possibilitam um bom resultado seletivo, são enfeixadas constituindo

sistemas, estabilizando-se relativamente frente a desapontamentos. Elas

garantem uma certa independência da experimentação com respeito a

impressões momentâneas, impulsos instintivos, excitações e satisfações,

facilitando assim uma seleção continuada também ao longo do tempo, tendo

em vista um horizonte de possibilidades ampliado e mais rico em

alternativas. As comprovações e as satisfações imediatas são em parte

substituídas por técnicas de abstração de regras cientificamente úteis, e de

seleção de formas adequadas de experimentação e de autocertificação. A

esse nível do comportamento seletivo podem ser formadas e estabilizadas

expectativas com relação ao mundo circundante. Seu efeito seletivo é ao

mesmo tempo inevitável e vantajoso, motivando assim a retenção de tais

estruturas, mesmo frente a desapontamentos". 74

Bem se vê que NIKLAS LUHMANN acreditava que o

indivíduo, guiado pelas condutas sociais, cria uma premissa de

experimentação e de comportamento, para reduzir as

possibilidades de frustração das suas expectativas, devendo-se

destacar que seriam as condutas sociais reiteradas dos indivíduos

74 Niklas Luhmann, ob. cit., p. 46.

Page 53: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

53

que ordenariam as premissas desse sistema. As expectativas

sociais, por oportuno, não se restringem às expectativas de

conduta de um indivíduo com outro que compõe uma sociedade,

mas também com as expectativas que o outro indivíduo terá da

atuação do primeiro indivíduo.

O agir social e o nascimento das expectativas teriam uma

dupla relevância, eis que “uma ao nível das expectativas imediatas de

comportamento, na satisfação ou no desapontamento daquilo que se espera

do outro; a outra em termos de avaliação do significado do comportamento

próprio em relação à expectativa do outro. (. . .) Essa função última tem seu

centro de gravidade no plano reflexivo da expectativa sobre expectativas,

criando aqui segurança em termos de expectativas, à qual se segue, apenas

secundariamente, a segurança sobre o comportamento próprio e a

previsibilidade do comportamento alheio. É muito importante, para a

compreensão do direito, ter uma visão clara dessa diferença. Isso porque a

segurança na expectativa sobre expectativas, seja ela alcançada por meio

de estratégias puramente psíquicas ou por normas sociais, é uma base

imprescindível de todas as interações, e muito mais importante que a

segurança na satisfação de expectativas”.75

O que ora se pode indagar é o que seria a expectativa da

expectativa de um indivíduo? A explicação poderia se dar pelo

exemplo da estipulação do horário de visita de um doente em um

hospital. Com efeito, os parentes dos doentes têm a expectativa de

que podem fazer visitas em um determinado horário, mas não

Page 54: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

54

podem, em um outro. Assim, a primeira expectativa residiria na

segurança de que os parentes dos doentes podem visitá-los em um

determinado horário. A segunda expectativa, a qual se pode

chamar de expectativa da expectativa de um indivíduo, é que

nenhum doente esperará seu parente fora desse horário, ou seja, os

doentes não podem esperar que seus parentes os visitem fora do

horário estipulado. Portanto, a segunda expectativa nada mais é do

que a previsibilidade de que o doente e o médico não esperarão o

parente do doente fora do horário de visitas.

Como se vê, a expectativa imediata reside no comportamento

que um indivíduo pode esperar do outro na relação social das

partes, ao passo que o comportamento mediato dos indivíduos é a

previsibilidade da relação social dos indivíduos que compõem a

sociedade, baseando-se naquilo que é lícito se esperar da

expectativa do outro sobre os seus atos.

A expectativa de consumo estudada como fato sociológico é

fenômeno de grande importância ao seu estudo no comércio

eletrônico. Isso porque a primeira expectativa do consumidor

residirá no alcance do fim esperado com a aquisição de produtos e

serviços através da Internet. A segunda expectativa do consumidor

– expectativa da expectativa – residirá na sua expectativa de que o

fornecedor sempre o trate como parte vulnerável dentro do

75 Niklas Luhmann, ob. cit., p. 52.

Page 55: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

55

mercado de consumo eletrônico e, em certos casos, também como

parte hipossuficiente. Nesse momento, pode-se observar que a

segunda expectativa de consumo sempre levará em conta a

expectativa de o consumidor ser tratado como parte vulnerável e

hipossuficiente dentro do mercado de consumo.

c) As medidas tomadas pela Comunidade Econômica Européia

contra os problemas da desmaterialização do contrato, da

contratação à distância e da despersonalização das relações

sociais eletrônicas

A falta de confiança dos consumidores na aquisição de

produtos e serviços através da Internet não é um fenômeno novo.

Isto porque os estudos sobre o tema se iniciaram com o problema

da contratação à distância, e com os problemas decorrentes dos

veículos que permitem esse tipo de contratação, na qual o

consumidor não tem contato físico com o bem adquirido, nem

mesmo com a empresa fornecedora dos bens.

A dificuldade encontrada pelo consumidor na aquisição de

bens através de contratos à distância refere-se à formação da sua

escolha. Sabe-se que o processo de escolha dos consumidores se

divide em quatro estágios, sendo o primeiro aquele que se refere

ao levantamento das expectativas dos consumidores, o segundo o

Page 56: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

56

que se refere à percepção de estímulos exteriores, o terceiro

aquele que se refere ao levantamento das possíveis alternativas

dos consumidores e o quarto, o que se refere ao julgamento do

consumo.76

Logo, como os consumidores não têm contato com o produto

que será adquirido, ou mesmo, com o próprio fornecedor de

produtos e serviços, as suas expectativas de consumo, as suas

percepções, as suas análises basear-se-ão tão-somente nas

informações prestadas pelo fornecedor, fato que demonstra a

importância do dever de informação do fornecedor nesse tipo de

contratação.

A Diretiva 97/7/CE do Parlamento Europeu, de 20 de maio de

1997, a qual se refere à contratação à distância, no parágrafo nono

da EXPOSIÇÃO DOS SEUS MOTIVOS, declara que a utilização

de técnicas de comunicação à distância não deve conduzir a uma

diminuição da informação prestada ao consumidor. E mais, a

Diretiva em questão, na mesma EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS,

através do seu parágrafo décimo terceiro, considera que “a

informação divulgada por algumas tecnologias eletrônicas tem

freqüentemente caráter efêmero, na medida em que não é recebida em

suporte durável, que é deste modo, necessário que o consumidor receba por

escrito, em tempo útil, as informações necessárias para a correta execução

do contrato”.

76 Conf. Ernesto M. Giglio, ob. cit., p.198.

Page 57: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

57

A Diretiva 97/7/CE, através dos seus artigos 4º e 5º, ainda

estipula as informações prévias que devem ser prestadas aos

consumidores, quando estes adquirirem produtos e serviços de um

fornecedor à distância. O fornecedor deverá informar ao

consumidor, em tempo útil e antes da celebração do contrato, as

características essenciais do bem ou do serviço que será adquirido

pelo consumidor, o seu preço, as modalidades de pagamento, as

despesas da sua entrega no domicílio e o prazo de validade do

preço e da oferta.

Nem se fale, por sua vez, que a Diretiva 97/7/CE não foi

recepcionada pelas normas internas dos países que compõem a

Comunidade Européia, visto que o próprio Código de Defesa do

Consumidor da Itália, no seu art. 50, define o contrato à distância

como “il contratto avente per oggetto beni o servizi stipulato tra um

professionista e um consumatore nell ambito di um sistema di vendita o di

prestazione di servizi a distanza organizzato dal professionista che, per

tale contratto, impiega esclusivamente una o più tecniche di comunicazione

a distanza fino allá conclusione del contratto, comprese ala conclusione del

contratto stesso”.

O art. 50 do Código de Defesa do Consumidor da Itália, por

sua vez, ainda dispõe quanto às informações que o fornecedor

deverá fornecer ao consumidor que contratar à distância, nos

mesmos moldes da Diretiva 97/7/CE, ao declarar que “in tempo

utile, prima della conclusione di qualsiasi contratto a distanza, il

Page 58: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

58

consumatore deve ricevere le seguenti informazioni: (a) identità del

professionista e, in caso di contratti che prevedono il pagamento

anticipato, l’indirizzo del professionista; (b) caratteristiche essenziali del

bene o del servizio; (c) prezzo del bene o del servizio comprese tutte lê

tasse e lê imposte;(d) spese di consegna . . .”

Portanto, nota-se que a Diretiva 97/7/CE foi recepcionada

pelo Código de Defesa do Consumidor da Itália, tendo este dado

especial importância à formação da expectativa de consumo e à

percepção do consumidor ao designar os elementos objetivos que o

fornecedor deverá divulgar, se quiser que seus consumidores

adquiram seus produtos e serviços à distância.

Com efeito, as informações prestadas de forma objetiva pelo

fornecedor, certamente, formarão as expectativas dos

consumidores quanto à possibilidade de satisfação das suas

necessidades e de seus desejos, caso adquiram o produto ou o

serviço ofertado, razão pela qual, nos contratos à distância, o

legislador comunitário tratou de forma específica e peculiar a

prestação de informações por parte dos fornecedores de bens e

serviços.

A Diretiva 2002/65/CE, de 23 de setembro de 2002, que trata

da comercialização à distância de serviços financeiros, é ainda

mais severa quanto à necessidade da clara e veraz informação

quanto aos riscos e às características desse tipo de contratação. O

Page 59: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

59

seu art. 3º trata da informação prévia que deverá ser prestada ao

consumidor, a qual formará sua expectativa e percepção acerca dos

produtos e serviços fornecidos pela instituição financeira. O mais

curioso é que o inciso 2º do art. 3º da Diretiva 2002/65/CE

determina que “a instituição financeira informe o preço total devido pelo

consumidor ao prestador pelo serviço financeiro, incluindo o conjunto das

comissões, encargos e despesas inerentes e todos os impostos pagos através

da prestação”. 77

Como se vê, a Diretiva 97/7/CE e a Diretiva 2002/65/CE,

ainda que não tratem especificamente da contratação através da

Internet, nos guiam ao cerne do problema da contratação à

distância, qual seja, a desumanização e a desmaterialização das

relações sociais de consumo.

Ora, a contratação realizada através da Internet também é

feita à distância, de forma desumanizada e desmaterializada, visto

que o consumidor não manuseia os produtos antes de adquiri-los,

não os testa, antes de comprar. As expectativas e percepções dos

consumidores formam-se tão-somente através das informações

prestadas pelo fornecedor, sem qualquer contato com o fornecedor,

eis que a modalidade desse tipo de contratação impede que o

consumidor alcance suas expectativas e percepções, de outra

forma. Assim, nota-se que o legislador comunitário, antes mesmo

77 Ver a esse respeito, o art. L 311-4 do Código de Defesa do Consumidor da França.

Page 60: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

60

de tratar o problema da contratação eletrônica, já havia outorgado

grande importância às informações prestadas aos consumidores, na

hipótese de contratação à distância.

A Comunidade Econômica Européia, através da Resolução do

Conselho 1999/C23/01, de 19 de janeiro de 1999, a qual trata,

especificamente, do comércio eletrônico, no parágrafo quinto da

EXPOSIÇAO DE MOTIVOS, deliberou que a confiança dos

consumidores constitui uma condição indispensável para que estes

aceitem a sociedade da informação, e dela participem.

Ademais, a Resolução do Conselho 1999/C23/01, de 19 de

janeiro de 1999, da Comunidade Econômica Européia, através do

parágrafo 6º das EXPOSIÇÕES DE MOTIVOS, ainda considerou

que “para instaurar essa confiança, é necessário facultar, relativamente

às novas tecnologias, um nível de proteção equivalente ao existente nas

transações tradicionais, através da aplicação dos princípios existentes na

política dos consumidores aos novos produtos e serviços disponíveis na

sociedade de informação, notadamente: (a) transparência e o direito a

receber informações suficientes e f iáveis antes e, nos casos adequados,

depois da transação, incluindo em especial a identidade autenticada do

fornecedor e as informações necessárias para provar a autenticidade de

cada elemento de uma transação”.

Page 61: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

61

Logo, nota-se que a Resolução do Conselho da Comunidade

Econômica Européia 1999/C23/01 dá, nos mesmos moldes das

Diretivas 97/7/CE e 2002/65/CE, grande importância às

informações prestadas aos consumidores, à transparência e à

lealdade da conduta dos fornecedores no mercado de consumo,

estabelecendo, implicitamente, que a transparência, a veracidade e

a clareza dessas informações poderão motivar a confiabilidade dos

consumidores na cadeia eletrônica de consumo criada pelo

fornecedor.

A Diretiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu, de 8 de

junho de 2000, por sua vez, estabeleceu os parâmetros ao exercício

do comércio eletrônico dentro da comunidade européia. A Diretiva

em questão, através do seu art. 5º, estipula que “além de outros

requisitos de informação constantes do direito comunitário, os estados-

membro assegurarão que o prestador do serviço faculte aos destinatários

do seu serviço e às autoridades competentes um acesso fácil , direto e

permanente, pelo menos, às seguintes informações: (a) nome do prestador;

(b) endereço geográfico em que o prestador se encontra; (c) elementos de

informação relativos ao prestador de serviços, incluindo o seu endereço

eletrônico, que permitam contatá-lo rapidamente e comunicar direta e

efetivamente com ele”.78

Como se vê, o art. 5º da Diretiva 2000/31/CE estipula a

obrigação de o fornecedor se identificar, informar de forma clara o

78 Ver, de maneira semelhante, o artigo 10º da Diretiva 2000/31/CE.

Page 62: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

62

valor do produto ou serviço adquirido, as formas de pagamento, o

conteúdo e a forma do contrato que será celebrado. O referido

artigo é semelhante aos artigos 4º e 5º da Diretiva 97/7/CE e ao

art. 50 do Código de Defesa do Consumidor da Itália, eis que

todos esses artigos estipulam, de forma objetiva, os elementos que

o fornecedor deverá informar ao consumidor, se quiser oferecer

bens e serviços à distância, ou através da Internet.

O legislador brasileiro, por sua vez, também não poderia

deixar de observar a importância das relações de consumo no

âmbito do comércio eletrônico. Hoje, o Projeto de Lei nº

4906/2001, que dispõe sobre o valor probante do documento

eletrônico e da assinatura digital, e que regula a certificação

digital e institui normas para as transações de comércio eletrônico,

dá boa solução, ainda que muitos critiquem a sua necessidade, aos

problemas que decorrem do comércio eletrônico.79

O Projeto de Lei n. 4906/2001, através do seu art. 30, dispõe

que "aplicam-se ao comércio eletrônico as normas de defesa e proteção do

consumidor vigentes no País".

79 Ver, de maneira semelhante: o Projeto de Lei nº 1483/1999 foi substituído pelo Projeto de Leinº 4906/2001. Em apenso aos Projetos de Lei nº 1483/1999 e 4906/2001, está apenso o Projeto de Leinº 1598/1999.

Page 63: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

63

Inicialmente, pode-se perceber, ainda que o referido Projeto

de Lei dê boa solução a parte dos problemas existentes na Internet,

que o artigo acima é desnecessário, visto que as normas

decorrentes do Código de Defesa do Consumidor têm força de Lei

Complementar, pois regulam o art. 170 da Constituição Federal, e

decorrem do art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias da nossa Constituição. Nesse mesmo sentido, é o

pacífico entendimento dos nossos tribunais, conforme segue:

“Consumidor. Aplicação de legislação consumerista. Codexque prevalece quando em conflito com a Convenção deVarsóvia, uma vez que se trata de norma hierarquicamentesuperior e posterior. O Código de Defesa do Consumidor,quando em conflito com a Convenção de Varsóvia temprevalência sobre ela, considerando tratar-se de leihierarquicamente superior – editada nos termos do art. 5,XXXII, da CF – e posterior – editada em 11.09.1990 e comvigência em 13.03.1991 – enquanto a Convenção ingressou noordenamento jurídico nacional em 24.11.1931”.80

Bem se vê não haver choque entre lei ordinária, no caso

trazido como paradigma à Convenção de Varsóvia, com o Código

de Defesa do Consumidor, pois o Código de Defesa do

Consumidor é lei hierarquicamente superior, e editada após a

adoção da Convenção de Varsóvia, no nosso sistema jurídico. Ora,

a interpretação do nosso sistema jurídico jamais poderá colocar em

choque lei ordinária com lei complementar, a qual tem sua origem

e aplicabilidade em decorrência da nossa Constituição, fato que

80 RT 809/330.

Page 64: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

64

nos leva a crer que o aresto acima deu boa solução a eventual

conflito entre essas normas.

Observa-se, entretanto, que o Projeto de Lei n. 4906/2001

segue os mesmos passos da Diretiva 2000/31/CE do Parlamento

Europeu, eis que declara, nos mesmos moldes do art. 3º da referida

Diretiva, a obrigatoriedade da aplicação das normas de consumo

ao comércio eletrônico. Como dito, essa disposição não é

necessária, em razão da própria natureza hierárquica do Código de

Defesa do Consumidor do Brasil, o qual tem natureza de lei

complementar, sendo, portanto, hierarquicamente superior ao

referido Projeto de Lei, o que não ocorre nas legislações européias

e, por conseqüência, origina o dever de o comércio eletrônico

respeitar as normas de defesa do consumidor europeu.

Em segundo lugar, tem-se que o dever de informação por

parte do fornecedor, nos mesmos moldes dos artigos 5º e 10º da

Diretiva Européia 2000/31/CE do Parlamento Europeu, é disposto

no art. 31 do Projeto de Lei n. 4.906/2001.

O art. 31 do Projeto de Lei n. 4.906/2001 dispõe que “a oferta

de bens, serviços ou informações por meio eletrônico deve ser realizada em

ambiente seguro, devidamente certificado, e deve conter claras e

inequívocas informações sobre: I – nome ou razão social do ofertante, III –

domicílio ou sede do ofertante, V – número de telefone e endereço

Page 65: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

65

eletrônico para contato com o ofertante, bem como instruções precisas para

o exercício do direito de arrependimento”.

Ora, nota-se que o Projeto de Lei n. 4906/2001 estipula, de

forma objetiva, os deveres de informação do fornecedor

eletrônico, restando claro que o mesmo ocorre nos artigos 4º e 5º

da Diretiva 2000/31/CE. Sabe-se que a informação é elemento de

grande importância ao desenvolvimento do comércio eletrônico,

pois dará ensejo às legítimas expectativas dos consumidores no

ambiente eletrônico, o que demonstra a preocupação correta do

nosso legislador ao cumprimento do dever de informação e à

necessidade desse dever por parte do fornecedor.

Assim, conclui-se que a desconfiança do consumidor é uma

grande barreira ao crescimento do comércio através da Internet e à

transformação da Internet em uma ferramenta de acesso ao

consumo, sendo certo que a grande arma dos fornecedores contra

essa barreira é a veiculação transparente, veraz e clara das

informações necessárias à formação das percepções dos

consumidores, as quais motivarão as suas legítimas expectativas.

Page 66: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

66

V. O PRINCÍPIO DA BOA- FÉ OBJETIVA, O PRINCÍPIO DA

TRANSPARÊNCIA E O PRINCÍPIO DA CONFIANÇA

APLICADOS AO COMÉRCIO ELETRÔNICO

As Diretivas da Comunidade Econômica Européia 97/7/CE,

2002/65/CE e, em especial, a Diretiva 2000/31/CE demonstram

que as medidas adotadas pela Comunidade Européia buscam a

confiança do consumidor nos meios eletrônicos, sendo tais

medidas muito semelhantes àquelas adotadas nas contratações

realizadas à distância, através dos meios tradicionais. Observa-se,

no entanto, que todas essas diretivas dão especial importância à

divulgação das informações prestadas através da Internet81 e à

transparência dos fornecedores na sua veiculação.

As diretivas acima citadas são normas de conduta que devem

ser adotadas pelos membros da Comunidade Econômica Européia,

e que buscam introduzir valores ao sistema normativo vigente nos

países que compõem a Comunidade Econômica Européia. Logo,

devemos estudar a busca da confiança do consumidor, a boa-fé dos

exploradores do mercado de consumo, a transparência da conduta

adotada através da Internet, como valores perseguidos pelo

legislador comunitário, no momento da criação das normas

inseridas no sistema jurídico europeu.

81 Ver a esse respeito, os artigos 30 e 31 do Projeto de Lei n. 4906/2001.

Page 67: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

67

O comportamento de uma pessoa, conforme leciona a ilustre

Prof.ª CHRISTIANE GADE, “é a manifestação externa de processos

psicológicos internos, de respostas aos estímulos que são processados e

transformados em informações aprendidas e memorizadas. Os estímulos

também são geradores de motivação, fazendo com que os consumidores

desejem as coisas. E a partir das informações do que é aprendido e sentido,

das emoções, é que se desenvolvem as atitudes, opiniões e a intenção de

ação de compra”. 82

As assertivas da ilustre professora, ainda que tratem o

processo de escolha do consumidor como um processo psicológico,

trazem importantes elementos ao nosso estudo, visto que

demonstram que as informações veiculadas na Internet são

aprendidas, memorizadas, geram estímulos, expectativas e

percepções, sendo certo que esses fatores, em um segundo

momento, influenciam o comportamento de consumo de um

indivíduo.

Portanto, o que motiva o dever de os fornecedores adotarem

condutas transparentes e de boa-fé no mercado de consumo

eletrônico é o grande poder que as publicidades, as informações

veiculadas no mercado de consumo e as condutas objetivas dos

fornecedores despertam nos comportamentos de consumo da nossa

sociedade, quer através da sua influência psicológica sobre os

82 Christiane Gade, ob. cit., p. 27.

Page 68: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

68

processos de decisão, quer através da sua influência sobre os

elementos racionais que motivaram a escolha dos consumidores.

Assim, como a proteção dos consumidores frente às práticas

acima expostas é medida fundamental à proteção das legítimas

expectativas de consumo no comércio eletrônico, nada mais

cabível do que se estudar os princípios que inseriram valores nas

diretivas adotadas pela Comunidade Econômica Européia, os quais

também poderão nortear o comércio eletrônico brasileiro.

a) O princípio da boa-fé objetiva

O princípio da boa-fé é um dos princípios que norteiam o

Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor. Todavia, o

Código Civil contempla tanto o princípio da boa-fé subjetiva

quanto o princípio da boa-fé objetiva, sendo que o primeiro deles

não é contemplado pelo Código de Defesa do Consumidor.

A diferença entre os referidos princípios acima expostos

reside no fato de que o princípio da boa-fé subjetiva leva em conta

a intenção do indivíduo ao executar o ato, ao passo que o princípio

da boa-fé objetiva leva em conta tão-somente a conduta do

indivíduo, totalmente despida de qualquer elemento interno.83

83 Conf. Maria Cristina Cereser Pezzella, O Princípio da boa fé objetiva no Direito Privado alemão ebrasileiro, p. 199.

Page 69: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

69

A Prof.ª JUDITH MARTINS COSTA, ao analisar as

diferenças entre boa-fé objetiva e boa-fé subjetiva, conclui que “a

expressão boa fé subjetiva denota estado de consciência, ou convencimento

individual de obrar (a parte) em conformidade ao direito (sendo) aplicável,

em regra, ao campo dos direitos reais, especialmente em matéria

possessória. Diz-se subjetiva justamente porque, para a sua aplicação, deve

o intérprete considerar a intenção do sujeito da relação jurídica, o seu

estado psicológico ou íntima convicção. (. . .) A boa fé subjetiva denota,

portanto, primariamente, a idéia de ignorância, de crença errônea, ainda

que escusável, acerca da existência de uma situação regular, crença (e

ignorância) que repousam seja no próprio estado da ignorância, seja numa

errônea aparência de certo ato. (. . .) A boa fé objetiva qualifica, pois, uma

norma de comportamento legal. É norma nuançada – mais propriamente

constitui um modelo jurídico – na medida em que se reveste de variadas

formas, de variadas concreções, denotando e conotando, em sua

formulação, uma pluridiversidade de elementos entre si interligados numa

unidade de sentido lógico". 84

A Prof.ª MARIA CRISTINA CERESER PEZZELA, de forma

simplista, diferencia a boa-fé objetiva da boa-fé subjetiva, eis que“a boa fé subjetiva é a consciência ou a convicção de se ter um

comportamento conforme ao direito ou conforme à ignorância do sujeito

acerca da existência do direito do outro. Já a boa fé objetiva permite a

concreção de normas impondo que os sujeitos de uma relação se conduzam

de forma honesta, leal e correta”.85

O Prof. ANTONIO MENEZES CORDEIRO explica, ao

analisar a conduta objetiva dos indivíduos de boa-fé, que “o

84 Judith Martins Costa, A boa fé no Direito Privado, p. 412.85 Maria Cristina Cereser Pezzella, ob. cit., p. 199.

Page 70: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

70

comportamento das pessoas deve respeitar um conjunto de deveres

reconduzidos, num prisma juspositivo e numa ótica histórico-cultural, a

uma regra de actuação de boa fé. As incursões anteriores permitiram

detectar esses deveres – e logo o aflorar dessa regra no período pré-

negocial, na constância de contratos válidos, em situações de nulidades

contratuais e na fase posterior à extinção de obrigações”.86

Como se sabe, os princípios possuem eficácia mediata e

indireta sobre o sistema jurídico, dependendo de normas jurídicas

e de interpretações jurisprudenciais para sua aplicação.87 Com

efeito, o inesquecível Prof. CLAUS WILHELM CANARIS

lecionava que “os princípios necessitam, para a sua realização, da

concretização através de subprincípios e de valorações singulares com

conteúdo material próprio. De facto, eles não são normas e, por isso, não

são capazes de aplicação imediata, antes devendo primeiro ser

normativamente consolidados ou normativizados”.88

Ora, se os princípios não possuem aplicação imediata e

dependem de uma norma para sua aplicação, então qual a função

dos princípios? Novamente, o Prof. CLAUS WILHELM CANARIS

dá uma boa explicação à pergunta, eis que “através deste último

(princípio), garante-se que a ordem do Direito não se dispersa numa

multiplicidade de valores singulares desconexos, antes se deixando

reconduzir a critérios gerais relativamente pouco numerosos; e com isso

fica também demonstrada a efectividade da segunda característica do

conceito de sistema, da unidade”.89

86 António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, Da boa fé no direito civil, p. 633.87 Ver, de forma diversa, o art. 7 do Código de Defesa do Consumidor.88 Claus Wilhelm Canaris, Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito, p. 9689 Claus Wilhelm Canaris, ob. cit., p. 22.

Page 71: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

71

Bem se vê que os princípios dão unidade ao sistema jurídico,

o qual se desordenaria, caso deixasse de lado os valores inerentes

aos princípios e se apoiasse tão-somente na validade jurídica do

próprio sistema.

O princípio da boa-fé, por sua vez, transformou-se em norma

no nosso Código Civil, através do art. 422, o qual dispõe que “os

contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato,

como em sua execução, os princípios de probidade e boa fé”.

No mesmo sentido, o art. 1337 do Código Civil da Itália,

dispõe que “Le parti, nello svolgimento delle trattative e nella formazione

del contratto, devono comportarsi secondo buona fede”. 90

E mais, o art. 242 do Código Civil da Alemanha, de forma

semelhante, determina que “o devedor está obrigado a executar a

prestação como a boa fé, em atenção aos usos e costumes, o exige”. 91

Tal princípio, que é adotado por todos os sistemas jurídicos

dos países ocidentais, traduz-se como o dever de conduta que,

razoavelmente, se espera da pessoa em uma relação jurídica,

quando analisada através do seu aspecto objetivo.92 A boa-fé

objetiva é, nesses termos, o princípio orientador das condutas

90 Ver a esse respeito, os artigos 1.366 e 1.375 do Código Civil da Itália e Rodolfo Sacco, La buona fede,nella teoria dei fatti giuridici di diritto privato, p. 14.91 Ver a esse respeito, o art. 1.198 do Código Civil da Argentina e o artigo 227 do Código Civil de Portugal.92 Conf. Inciso III do art. 6º , 31º , 36º e 37º do Código de Defesa do Consumidor do Brasil, alínea d, inciso1º do artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor da Espanha, artigo 3º do Código de Defesa doConsumidor Português e artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor da Argentina.

Page 72: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

72

sociais, estando estritamente ligada ao princípio da razoabilidade,

dele, facilmente, deduzindo-se o comportamento que as partes

devem pautar.93

A questão do princípio da boa-fé objetiva como mola

propulsora das condutas sociais foi esclarecida por LUIS DÍEZ-

PICAZO PONCE DE LEÓN, eis que o mesmo conclui que “una de

las consecuencias del deber de obrar de buena fe y de la necesidad de

ejercitar los derechos de buena fé, es la exigência de um comportamiento

coherente. La exigencia de un comportamiento coherente significa que,

cuando una persona, dentro de una relación juridica, ha suscitado en otra

con su conducta una confianza fundada, conforme a la buena fe, en una

determinada conducta futura, según el sentido objetivamente deducido de la

conducta anterior, no debe defraudar la confianza suscitada y es

inadmisible toda actuación incompatible con ella. La exigencia juridica del

comportamiento coherente está de esta manera estrechamente vinculada a

la buena fe y a la protección de la confianza”. 94

Ora, como já dito, a expectativa de consumo é a percepção de

que o consumidor alcançará a satisfação das suas necessidades ao

adquirir o produto ou o serviço oferecido no mercado, o que

guarda íntima semelhança com a explicação exposta acima. Isso

porque a expectativa de coerência dos atos presentes e futuros do

fornecedor gera a confiança depositada nele, bem como a crença

de que ele irá adotar uma conduta de boa-fé, a qual, em última

instância, protegerá os consumidores dentro do mercado de

93 Conf. Clovis V. do Couto e Silva, ob. cit., p.31.94 Luis Díez-Picazo Ponce de León, La doctrina de los propios actos, Un estudio crítico sobre lajurisprudencia del tribunal supremo, p. 142.

Page 73: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

73

consumo.95 Logo, as expectativas geradas no mercado de consumo

decorrem das condutas objetivas dos fornecedores, as quais devem

se pautar de acordo com o princípio da boa-fé objetiva.

O Código de Defesa do Consumidor, através do seu art. 4º,

dispõe que: “A Política Nacional das Relações de Consumo tem por

objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua

dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a

melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia

das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: III –

harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e

compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de

desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os

princípios nos quais se funda a ordem econômica, sempre com base na boa

fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores”. 96

O Min. RUY ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR, ao estudar a

questão do princípio da boa-fé objetiva e a Política Nacional de

Defesa do Consumidor, concluiu que “tal política deverá atender

entre outros, ao princípio da harmonização dos interesses dos participantes

das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor

com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a

viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica, sempre com

base na boa fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.

(. . .) Isso porque a boa fé não serve tão-só para defesa do débil, mas

também atua como fundamento para orientar interpretação garantidora da

ordem econômica, compatibilizando interesses contraditórios, onde

95 Maria Cristina Cereser Pezzela, ob. cit., p. 211.96 O Princípio da boa- fé objetiva aparece nos artigos 6º, 46º, 51º e 54º do Código de Defesa doConsumidor.

Page 74: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

74

eventualmente poderá prevalecer o interesse contrário ao do consumidor,

ainda que a sacrifício deste, se o interesse social prevalente assim o

determinar. (. . .) O artigo 4º do código se dirige para o aspecto externo e

quer que a intervenção na economia contratual, para harmonização dos

interesses, se dê com base na boa fé, isto é, com a superação dos interesses

egoísticos das partes e com a salvaguarda dos princípios constitucionais

sobre a ordem econômica através de comportamento fundado na lealdade e

na confiança”.97

O princípio da boa-fé objetiva é, certamente, elemento que

deve levar harmonia ao mercado de consumo, em razão dos

possíveis choques entre a livre iniciativa e os interesses dos

consumidores, o que nos leva a crer que qualquer política adotada,

quer seja pelo fornecedor, quer seja pelo Estado, deve respeitar o

princípio da boa-fé objetiva, o qual deverá ser exercido nos

moldes do art. 170 da Constituição Federal, sob pena de a política

adotada estar em desarmonia com o próprio sistema de consumo.

O princípio da boa-fé objetiva, o qual nos importará no

presente trabalho, pode ser estudado através da análise de quatro

deveres de conduta social, quais sejam, o dever de lealdade, o

dever de cooperação mútua, o dever de assistência técnica e o

dever de informação.

Inicialmente, tem-se que o dever de lealdade é aquele que

obriga o fornecedor a cumprir com as expectativas do consumidor,

97 Ruy Rosado de Aguiar Júnior, A boa fé na relação de consumo, p. 22. Ver a esse respeito, HeloísaCarpena, Abuso do direito nos contratos de consumo, p. 75.

Page 75: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

75

geradas no momento em que o fornecedor veiculou a sua

publicidade no mercado de consumo, ou celebrou um contrato com

o consumidor.98

O Prof. JORGE CESA FERREIRA DA SILVA dispõe que “os

deveres de lealdade são aqueles que adstringem as partes a não praticar

atos, comissivos ou omissivos, anteriormente à conclusão do contrato,

durante a vigência dele ou até após a sua extinção, que venham a frustrar

as expectativas corporificadas no contrato ou nele legitimamente

sustentadas”. 99

O Prof. GERALDO DE FARIA DA COSTA, ao analisar o

dever de lealdade, observou fato curioso no Direito francês, eis

que “na França, a autoridade judiciária, nos termos do art. 312-13 do

Code de la Consommation, combinado com os art. 1244-1 e 1244-3 do Code

Civil pode conceder um "prazo de graça” (délai de grace) a todo devedor

que, em razão de circunstância independentes de sua vontade, como a

doença ou o desemprego, experimentem dificuldades em pagar suas dívidas.

O texto legal permite ao juiz de instância suspender a execução das

obrigações do tomador podendo decidir que durante o “délai de grace”,

sobre as somas devidas não incidirão juros. O credor não poderá demandar

a resolução do contrato durante a vigência do benefício”. 100

O Direito francês, como se pode observar, dá especial

atenção ao dever de lealdade na adoção de condutas dentro do

mercado de consumo. Sabe-se que o dever de lealdade está ligado

98 Geraldo de Faria Martins da Costa, Superendividamento. A proteção do consumidor de crédito emdireito comparado brasileiro e francês, p 65.99 Jorge Cesa Ferreira da Silva, A boa fé e a violação positiva do contrato, p.113.100 Geraldo de Faria Martins da Costa, ob. cit., p.65.

Page 76: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

76

ao fim contratual, pois sua finalidade, como no caso dos juízes

franceses, é proteger o vínculo contratual, as legítimas

expectativas das partes, ainda que ocorram fenômenos alheios à

vontade das mesmas. Logo, a suspensão momentânea da execução

de um contrato, em razão de dificuldades passageiras do

consumidor, decorrentes de uma doença ou de perda do emprego,

seria a maior expressão da aplicação do dever de conduta em

benefício da própria manutenção do vínculo contratual existente

entre as partes.

Percebe-se, portanto, que esse dever nada mais é do que a

obrigação de o fornecedor se vincular a condutas sociais que

geram expectativas nos consumidores, tais como, a vinculação

deste à mensagem publicitária veiculada nos meios de

comunicação, à vedação à prática de veiculação de publicidades

abusivas e enganosas, além da vedação de o fornecedor lesar a

vida, ou o patrimônio do consumidor.

Em segundo lugar, tem-se o dever de as partes cooperarem

mutuamente para os fins do contrato. O Prof. JORGE CESA

FERREIRA DA SILVA, ao analisar o dever de cooperação,

depreende que esses deveres “estabelecem que ambas as partes têm o

dever de auxiliar a realização das atividades prévias necessárias à

consecução dos fins do contrato, assim como de afastar todas as

dificuldades para tal consecução, estando este afastamento ao alcance das

partes. Esses deveres recebem forte influência dos deveres de prestação, já

que, orientando-se pelo fim do contrato, encontram neles as suas balizas

Page 77: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

77

fundamentais”.101

Em terceiro lugar, tem-se o dever de assistência técnica, o

qual, como o próprio nome indica, significa que o fornecedor

ficará sujeito ao reparo de eventuais vícios ou defeitos que o seu

produto ou serviço possua. Tais vícios ou defeitos deverão ser

reparados, para que seja alcançada a intenção almejada pelo

consumidor, no momento da celebração do contrato. Logo, tal

dever nada mais seria do que a garantia conferida ao consumidor

de que o produto ou serviço adquirido alcançará o fim almejado,

ainda que o fornecedor tenha que reparar eventuais defeitos nesse

produto.

Em quarto lugar, tem-se o dever da informação. De forma

superficial, pois o referido dever será estudado de forma

aprofundada nos próximos capítulos, é o dever de o fornecedor

prestar todas as informações necessárias ao correto consumo de

produtos ou serviços. Esses deveres, nos moldes dos estudos do

Prof. JORGE CESA FERREIRA DA SILVA, são “aqueles que

obrigam as partes a se informarem mutuamente de todos os aspectos

atinentes ao vínculo, de ocorrências que, com ele tenham certa relação e,

ainda, de todos os efeitos que, da execução, possa advir. São, portanto,

deveres que visam a permitir que as partes tenham, na medida do possível,

a exata dimensão das condicionalidades específicas da relação, podendo

com isso melhor projetar seus próprios futuros”.102

101 Jorge Cesa Ferreira da Silva, ob. cit., p. 114.

Page 78: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

78

Portanto, o princípio da boa-fé objetiva é norma de conduta

que deve ser adotada pelos fornecedores no mercado de consumo,

sob pena de agirem em desacordo com a Política Nacional de

Defesa dos Consumidores. O presente trabalho, no entanto, não se

aterá ao dever de cooperação mútua, assistência técnica e lealdade,

pois as expectativas dos consumidores nascem das informações

veiculadas no mercado de consumo, sendo certo que essas

informações são as responsáveis pela geração das legítimas

expectativas dos consumidores, e de suas condutas no mercado de

consumo.

b) O princípio da transparência

O princípio da transparência, por sua vez, decorre do dever

de os fornecedores adotarem condutas claras, verazes e probas no

mercado de consumo, que sejam condizentes com as expectativas

dos consumidores.

A Prof.ª CLÁUDIA LIMA MARQUES, ao analisar o

princípio da transparência, assevera que “transparência significa

informação clara e correta sobre o produto a ser vendido, sobre o contrato

a ser firmado, significa lealdade e respeito nas relações entre fornecedor e

consumidor, mesmo na fase pré-contratual, isto é, na fase negocial dos

contratos de consumo. (. . .) O CDC regulará, assim, inicialmente aquelas

102 Jorge Cesa Ferreira da Silva, ob. cit., p. 115.

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79

manifestações do fornecedor tentando atrair o consumidor para a relação

contratual, tentando motivá-lo a adquirir seus produtos e usar os serviços

que oferece. Regula, portanto, o código, a oferta feita pelo fornecedor,

incluindo aqui também a publicidade veiculada por ele. O fim destas

normas protetoras é assegurar a seriedade e a veracidade destas

manifestações, criando uma nova noção de oferta contratual.. .”103

O Prof. CHRISTOPH FABIAN, ao analisar o princípio da

transparência, observa que “a transparência é um princípio que

demanda como resultado clareza sobre o conteúdo da relação de consumo.

Neste sentido, a transparência descreve um modo de informar, isto é,

informar de forma clara. A transparência rege em primeiro lugar as

relações contratuais, mas a relação de consumo abrange também a relação

não contratual entre o fabricante e o consumidor". 104

O Prof. SERGIO CAVALIERI FILHO, por sua vez,

compreende que “a transparência, em última instância, é o dever que tem

o fornecedor de dar informações claras, corretas e precisas sobre o

produto a ser vendido, o serviço a ser prestado, ou sobre o contrato a ser

firmado. Vamos encontrar esse princípio repetido em vários dispositivos do

Código de Defesa do Consumidor – art. 6º , III, 31, 54, inciso 3. Isso está a

evidenciar que nos contratos de consumo não cabe subterfúgios, o antigo

dolus bonus. (. . .) Hoje, como já assinalado, os papéis se inverteram e é o

fornecedor que tem o dever de informar, dever esse que persiste não só na

fase pré-contratual, quando as informações são fundamentais para a

103 Cláudia Lima Marques, Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relaçõescontratuais, p. 595.104 Christoph Fabian, O dever de informar no Direito Civil, p.68.

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80

decisão do consumidor, mas até na fase pós contratual, como se vê do

artigo 10, inciso 1º do Código de Defesa do Consumidor". 105

O princípio da transparência está intimamente ligado ao

processamento das informações veiculadas no mercado de

consumo pelos consumidores. Com efeito, os consumidores são

expostos a vários estímulos sensoriais no mercado de consumo, os

decodificam, adotam condutas objetivas baseadas nesses

estímulos, e adquirem expectativas acerca das condutas adotadas

pelos fornecedores. A transparência das condutas dos fornecedores

ajudará na materialização das expectativas dos consumidores,

razão pela qual a probidade, a veracidade das condutas sociais dos

fornecedores fará nascer as expectativas dos consumidores e, em

um segundo momento, gerará obrigações por ofensa ao princípio

da transparência.

O princípio da transparência, ao que parece, busca a

coerência da conduta do fornecedor no mercado de consumo, pois

o obriga a cumprir aquilo a que se propôs no mercado. Isto porque

os fornecedores devem agir de forma clara, veraz e, acima de tudo,

contribuir para a satisfação das necessidades dos consumidores, o

que, repita-se, nada mais é do que materializar as suas

expectativas. Ora, se uma conduta não é transparente, não pode ser

entendida como coerente.

105 Sergio Cavalieri Filho, ob. cit., p.102.

Page 81: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

81

A coerência da conduta dos fornecedores, conforme as lições

de LUIZ DÍEZ-PICAZO PONDE DE LEÓN, nada mais é do que“la confianza suscitada por los actos, que impone una coherencia lógica al

comportamiento del autor, no es solo la confianza en una “aparientia

iuris”. Evidentemente el creador de una apariencia jurídica está, en

princípio, obligado por la buena fe, a permitir que los terceros que

confiaron en esa apariencia, la utilicen para sus propios fines y no puede

destruirla o pretender su ineficacia en daño de ellos. Pero la protección de

la confianza y, por tanto, la exigencia de coherencia va, en rigor, más

lejos. Todo el que suscita no sólo una apariencia jurídica, sino una

expectativa seria de una conducta futura, debe ser consecuente con la

expectativa suscitada”. 106

O autor, ao que parece, mistura a conduta social típica do

agente, o princípio da boa-fé, a aparência de veracidade e a

coerência da atitude adotada pelo autor com a expectativa da outra

parte da relação jurídica. No presente caso, o princípio da

transparência ajuda-nos a esclarecer as assertivas acima, visto que

a transparência da conduta dos fornecedores deverá legitimar as

expectativas dos consumidores, em harmonia com o princípio da

boa-fé, eis que os fornecedores geram uma aparência de conduta

social coerente no mercado, a qual tem sua percepção captada

pelos consumidores, que, assim, geram o dever de o fornecedor

cumprir a sua conduta social, ainda que tenha agido sem a

transparência necessária ao fiel cumprimento da obrigação.

106 Luis Díez-Picazo Ponce de León, ob. cit., p. 142.

Page 82: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

82

O legislador do Código de Defesa do Consumidor cuidou de

tornar o princípio da transparência norma jurídica, ao dispor, no

caput do seu art. 4º, que “A política Nacional das Relações de Consumo

tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o

respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses

econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a

transparência e harmonia das relações de consumo...”

O art. 4º do Código de Defesa do Consumidor influenciou

vários outros artigos do nosso código, em especial, aqueles que

tratam da publicidade e da oferta veiculada no mercado de

consumo. Com efeito, a clareza, a precisão e a veracidade da

informação são direitos que decorrem do princípio da

transparência, e também foram regrados pelo art. 31 do Código de

Defesa do Consumidor. O princípio da transparência também fez

com que o código abraçasse o princípio da vinculação da

mensagem publicitária, através do art. 31 do Código de Defesa do

Consumidor, eis que a declaração de vontade publicitária é

suficiente, e vincula o fornecedor independente da sua vontade

interna, fazendo com que a conduta dos fornecedores seja mais

transparente no mercado de consumo.

c) O princípio da confiança

Page 83: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

83

O princípio da confiança surge nas relações eletrônicas como

elemento fundamental à manutenção do comércio eletrônico.107

Com efeito, os consumidores, ao contratarem através da Internet,

aderem à publicidade, ou à oferta veiculada na rede mundial, sem

qualquer diálogo com o fornecedor, baseando-se tão-somente nas

informações, sensações e percepções que foram geradas.

As lições do ilustre Prof. GERSON LUIZ CARLOS

BRANCO, por sua vez, demonstram que “a transformação do contrato

pelo impacto social tem por conseqüência a proteção da confiança não

apenas para tutela da aparência ou das situações de confiança geradas em

razão da divergência entre a vontade e a declaração, mas

fundamentalmente para tutela dos efeitos do contrato, com a finalidade de

proteger as expectativas legítimas em relação às prestações e à segurança

das relações jurídicas. (. . .) A sociedade de consumo, forçada pela

necessidade de construir um consenso que preserve aqueles que têm menor

força no processo democrático passou a valorizar a confiança como um

bem dotado de autonomia, baseada em métodos de decisão que também

preservem as minorias. ( . . .) o princípio da confiança tem sua grande

atuação na tutela do direito do consumidor, pois sua incidência objetiva

torna o mercado um local seguro onde possa haver harmonia e lealdade nas

relações entre consumidores e fornecedores e onde não se necessite sempre

desconfiar do outro”. 108

107 Ver, nesse sentido, a Diretiva 2000/31/CE, art. 3º108 Gerson Luiz Carlos Branco, A proteção das expectativas legítimas derivadas das situações deconfiança, p. 195.

Page 84: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

84

Os consumidores, de acordo com a Prof.ª CLÁUDIA LIMA

MARQUES, devem “confiar na aparência, na imagem, no som, na

informação, no click, na presença de um ser humano ou de uma pessoa

jurídica organizadora, em qualquer um dos computadores interligados no

mundo. Confiança no meio eletrônico, na entrega, nos dados, na

contratação, no armazenamento, na possibilidade de perenizar o negócio

jurídico e de seu bom fim! Confiança na realização das expectativas

legítimas do consumidor também nos negócios jurídicos do comércio

eletrônico . . .”109

O Prof. RICARDO LUIS LORENZETTI, de forma

complementar, ainda dispõe que “al contratar por internet no hacemos

una indagación sobre la solvencia del oferente, del servidor, el

funcionamiento de las claves, el sistema de seguridad en las transacciones,

y otros aspectos. (. . .) la confianza es la expectativa que surge dentro de

una comunidad de comportamento normal, honesto y cooperativo, basada

en normas comunes, compartidas por todos los miembros de dicha

comunidad. (. .) la confianza es un mecanismo de reducción de la

complejidad social, porque la existencia de variables tan abstractas,

distantes, y complicadas, sólo puede ser tratadas en base a la

confianza”.110

Como se vê, a confiança é um princípio que deve nortear

toda relação eletrônica, visto que a complexidade das informações

no meio eletrônico, a sedução exercida pela publicidade e a

109 Cláudia Lima Marques, Confiança no Comércio Eletrônico e a proteção do consumidor: um estudodos negócios jurídicos de consumo no comércio eletrônico, p. 46.110 Ricardo Luis Lorenzetti, La oferta como apariencia y la aceptación baseada en la confianza, p. 14.

Page 85: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

85

segurança gerada pelas condutas antecedentes do fornecedor geram

expectativas no sentido de que as necessidades dos consumidores

serão satisfeitas, caso adquiram bens ou serviços que lhes sejam

oferecidos.

As percepções geradas pelos estímulos sensoriais e por

informações prestadas geram a confiança de que o fornecedor

adotará uma determinada conduta, e de que os produtos ou

serviços adquiridos atingirão um determinado fim. Logo, o sistema

jurídico deve proteger a confiança que o consumidor deposita no

mercado de consumo, sob pena de comprometimento das legítimas

expectativas do consumidor.

Por ora, o presente trabalho trata da confiança como um

princípio, eis que busca apurar neste capítulo a inclusão valorativa

dos princípios no sistema de consumo em questão. Todavia, não se

deve restringir a confiança somente a um princípio, eis que “a

confiança é um fato, é um valor e também uma estrutura normativa, quando

considerada como princípio jurídico”.111

O princípio da confiança não está expresso no nosso Código

de Defesa do Consumidor, todavia “um dos maiores reflexos da teoria

da confiança no direito do consumidor são as disposições do art. 30 do

CDC, segundo o qual as informações derivadas da publicidade integram o

Page 86: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

86

contrato em razão das justificadas expectativas criadas por tal ato, assim

como, o declarante deve responder pela confiança que o contratante nele

depositou ao contratar. (. . .) é exigido que a publicidade obedeça a padrões

éticos e que os fornecedores respondam juridicamente pelos efeitos

econômicos que resultaram de tal atividade. Para fazer frente à

necessidade de uma responsabilidade que estivesse à altura das respectivas

benesses, o Código de Defesa do Consumidor qualificou a publicidade como

um instrumento que induz a confiança do consumidor e por tal razão

atribuiu à publicidade a estrutura e eficácia de negócio jurídico”.112

Os nossos tribunais, por sua vez, já reconhecem o princípio

da confiança, e o ligam ao dever de o fornecedor informar o

consumidor, através da publicidade veiculada no mercado, de

forma clara e veraz, conforme segue:

“Consumidor. Relação de consumo. Empresa que promove a

redução do peso do produto que comercializa há vários anos,

sem dar adequada informação sobre a mudança. Violação ao

princípio da confiança. Afronta ao disposto no art. 31, caput,

da Lei 8.078/90.

Ementa oficial: A empresa que promove a redução do peso do

produto que comercializa há vários anos, sem dar adequada

informação aos consumidores, viola o princípio da confiança

e o art. 31, caput, do CDC .

111 Gerson Luiz Carlos Branco, ob. cit., p. 180.112 Gerson Luiz Carlos Branco, ob. cit., p. 195.

Page 87: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

87

(. . .) A meu sentir a redução da quantidade de sabão em pó,

mantendo-se, no entanto, o mesmo padrão de embalagem

anteriormente comercializada, confunde o consumidor.

Em razão da utilização da embalagem de 1kg durante vários

anos, a redução, da forma que se deu no caso em questão,

leva o consumidor a adquirir o produto (900g) acreditando

que a embalagem contém mais produto do que tem. Adquire o

consumidor 900g pensando estar adquirindo 1kg e que a

embalagem de 900g mantém o mesmo padrão da embalagem

anteriormente comercializada, inclusive quanto ao tamanho e

fórmula”.113

Bem se vê que a empresa que produziu o sabão em pó

afrontou o princípio da confiança, ao reduzir a quantidade de

sabão existente na embalagem, sem modificar, ou ainda, informar

de forma clara a redução da quantidade de sabão existente dentro

da embalagem. A manutenção da mesma embalagem, cor e nome

do produto fez com que os consumidores o adquirissem, sem

observar que estavam adquirindo menos produto, fato que motivou

a quebra do princípio da confiança por parte do fornecedor.

No tocante ao comércio eletrônico propriamente dito, tem-se

que a Diretiva 2000/31/CE, através do parágrafo 7º da sua

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS, declara que “a fim de garantir a

segurança jurídica e a confiança do consumidor, é essencial que a presente

113 RT 842/284

Page 88: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

88

diretiva estabeleça um quadro geral claro, que abranja certos aspectos

legais do comércio eletrônico no mercado interno”.

Ora, tal diretiva, na realidade, prevê a desconfiança do

consumidor nos meios eletrônicos, ainda que o consumidor

brasileiro, conforme levantamento realizado pelo

IBOPE/NETRATINGS, permaneça 16h54min mensais conectado à

Internet.114 A razão da desconfiança dos consumidores decorre da

desumanização e da desmaterialização da relação de consumo

havida entre as partes, eis que o consumidor não tem contato físico

com o fornecedor, tampouco com os bens ofertados, sendo certo

que as partes da relação sequer dialogam sobre os detalhes da

operação de consumo.

Logo, caberá à legislação e aos fornecedores que se utilizam

do mercado de consumo eletrônico garantir a existência de

mecanismos que gerem a confiança dos consumidores nesse

mercado e, caso tal expectativa não seja cumprida, obriguem o

fornecedor a cumpri-la nos moldes a que se comprometeu.

O princípio da confiança, por sua vez, ainda gera deveres de

conduta por parte dos fornecedores. Esses deveres nada mais são

do que a obrigação secundária de os fornecedores não frustrarem

as expectativas depositadas pelos consumidores.

Page 89: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

89

Os deveres de conduta são uma ampliação da obrigação

contraída pelas partes, eis que o devedor deve não só cumprir a

obrigação primária, mas também uma obrigação de conduta

secundária. Assim, “os deveres laterais podem ser definidos, a título

aproximativo, como todos aqueles deveres decorrentes do fato jurígeno

obrigacional cujo escopo não seja, diretamente, a realização ou a

substituição da prestação”.115

Esses deveres secundários de conduta, os quais decorrem do

princípio da confiança, podem, conforme as lições da Prof.ª

CÉLIA WEINGARTEN, gerar a responsabilidade do fornecedor

pela quebra da conduta antecedente da empresa.116

Em outras palavras, a Prof.ª CÉLIA WEINGARTEN acredita

que “la doctrina de los actos propios viene a completar el esquema como

nueva fuente en la configuración del contenido contractual, para abarcar

las razonables expectativas objetivamente esperadas por el consumidor.

Los derechos de los consumidores se ven de esta forma revalorizados, más

objetivos, conforme a las expectativas típicas de la relación

socioeconómica y la finalidad perseguida y las circunstancias que rodean

la celebración (oferta y publicidad del empresario). Estas constituyen el

conjunto de conductas empresariales dinámicas que contribuyen a formar

en el consumidor una determinada representación mental objetiva, respecto

114 http://www.almanaqueibope.com.br/asp115 Jorge Cesa Ferreira da Silva, ob. cit., p. 75.

Page 90: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

90

del contenido del contrato, al cual se integran como es andar de calidad y

seguridad de los bienes y servicios”.117

Sucede, no entanto, que a quebra da expectativa do

consumidor poderia ensejar a responsabilidade do fornecedor e o

cumprimento da mensagem publicitária nos moldes da sua

veiculação, conforme dispõe o art. 35 do Código de Defesa do

Consumidor. Todavia, o princípio da confiança, ao que parece,

estaria implícito no nosso Código de Defesa do Consumidor, sendo

forçoso entender-se que seria possível obrigar um fornecedor ao

cumprimento obrigatório de uma publicidade, pela simples quebra

da sua conduta antecedente. Por esta razão, as conclusões da

ilustre professora argentina, certamente, seriam desnecessárias ao

sistema jurídico brasileiro, visto que o simples descumprimento da

publicidade veiculada no mercado de consumo - e não da complexa

conduta antecedente do fornecedor - já obrigaria o fornecedor à

reparação do dano, sendo essa complexa construção doutrinária,

no tocante à publicidade veiculada no mercado, desnecessária ao

nosso sistema jurídico.

Pode-se, por todo o exposto, entender que o princípio da

confiança está presente no nosso Código de Defesa do

Consumidor, nos artigos 30, 31 e 35, eis que os mesmos obrigam o

116 “Célia Weingarten, Derecho en expectativa del consumidor. Aplicación de la doctrina de los propiosactos, p. 50.117 Célia Weingarten, ob. cit., p. 55.

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91

fornecedor a cumprir a declaração existente na informação e na

publicidade veiculada, sendo desnecessário aplicar-se a doutrina

dos atos próprios em razão do nosso próprio sistema, de forma

expressa, dar uma solução adequada à quebra das expectativas

legítimas dos consumidores.

Page 92: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

92

VI. A ORDEM ECONÔMICA E O MARKETING COMO

FERRAMENTA DO COMÉRCIO ELETRÔNICO

O marketing pode ser definido como um processo social, pelo

qual os indivíduos e os grupos obtém o que necessitam e o que

desejam através da criação, oferta e troca de valor com outros.118

Como se percebe pela definição acima, a “necessidade” e o

“desejo” são elementos propulsores das “trocas” de produtos e

serviços, assim, vê-se que a necessidade e o desejo dos

consumidores são elementos centrais ao exercício do marketing.119

O ilustre Prof. PHILIP KOTLER define a “necessidade humana

como um estado de privação de alguma satisfação básica”120, sendo certo

que, dentre outras coisas, as pessoas necessitam, para a sua

sobrevivência, de alimentos, vestuário, abrigo, segurança e de

sentimentos de posse e auto-estima. O ilustre professor ainda

conclui que “estas necessidades não são criadas pela sociedade ou pelas

empresas, elas existem na delicada textura biológica e são inerentes à

condição humana”.121

O Prof. PHILIP KOTLER ainda define os desejos “como a

carência por satisfações específicas para atender as necessidades mais

profundas.”122 Assim, ele explica que um indivíduo necessita de um

118 Conf. Philip Kotler, ob. cit., p. 36.119 Conf. Vidal Serrano Nunes Júnior, Publicidade comercial: Proteção e limites na Constituição de 1988,p. 26.120 Philip Kotler, ob. cit., p. 25.121 Philip Kotler, ob. cit., p. 25.122 Philip Kotler, ob. cit., p. 25.

Page 93: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

93

alimento e deseja um hambúrger, ou necessita de estima e compra

uma Mercedes Benz.123 Embora ele aborde as necessidades dos

consumidores sob aspectos econômicos e psicológicos, percebe-se

que ele designa grande importância aos aspectos sociais e culturais

dos consumidores. Isto porque ele acredita que “os desejos humanos

são continuamente moldados por instituições sociais como a igreja, a escola,

as empresas e os meios de comunicação. (. . .) os especialistas de marketing

não criam necessidades, elas já existiam antes deles. Os especialistas de

marketing, junto com outros influenciadores da sociedade, despertam

desejos”.124 Logo, o marketing seria uma atividade de busca das

necessidades já existentes nos consumidores, para que sejam

geradas demandas, possibilidades de novos produtos e,

inequivocamente, o lucro.

A Associação Americana de Marketing define o marketing

como “the process of planning and executing the conception, pricing,

promotion and distribution of ideas, goods and services to create exchanges

that satisfy individual (customer) and organizational objectives. The

marketing concept is a business philosophy that defines marketing as a

process intended to find, satisfy, and retain customers while the business

makes a profit . Central to both of theses definitions is the role of the

costumer's relationship to the product, whether that product is a good,

service or idea”.125

A definição anteriormente citada complementa a definição do

Prof. KOTLER, posto que define os critérios de marketing tomando

123 Philip Kotler, ob. cit., p. 26124 Philip Kotler, ob. cit., p. 27.125 Jonh Burnett and Sandra Moriarty, Introduction to Marketing Communication, p. 31.

Page 94: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

94

como parâmetro o acesso ao consumo e ao consumidor, que pode ser

fiel ao fornecedor, se estiver satisfeito com o produto ou o serviço

adquirido, sendo esta definição complementar àquela do Prof.

Kotler, a qual se baseia em critérios de geração de demanda.

O marketing baseia-se em quatro elementos, sendo eles: (a) o

preço; (b) o ponto de venda; (c) a promoção e (d) o produto. Os dois

primeiros elementos são os mais simples de se conceituar, eis que o

preço é a vantagem alcançada pelo proprietário do bem – ou

executor do serviço – com a troca efetuada com o consumidor, ao

passo que o ponto de venda é o ambiente físico em que os produtos

são expostos ou vendidos.

No entanto, como o presente trabalho analisará o marketing

digital, é certo que não haverá a análise do ponto de venda, pois os

bens e serviços serão comercializados por via digital, em um

ambiente desmaterializado e desterritorializado.

Ademais, é muito simplista entender-se que o produto ou

serviço possa ser conceituado através da forma tradicional, ou seja,

o bem material ou imaterial adquirido através do processo de troca.

Isto porque o Código de Defesa do Consumidor ampliou o

entendimento tradicional, para que o produto ou o serviço sejam

vistos como o benefício que o bem deve - ou deveria – trazer ao

consumidor.

Page 95: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

95

Como leciona o ilustre Prof. FERNANDO GHERARDINI

SANTOS, “as pessoas não compram o que o produto é, mas o que elas

querem que ele seja, isto é, compram um benefício consubstanciado em um

produto. Por isto, produto é, sempre, uma combinação de dois aspectos: um

tangível e um intangível, pois vem a ser algo (tangível) somado à sua

capacidade de satisfazer as necessidades e desejos humanos”.126 (intangível)

A capacidade de satisfazer as necessidades e desejos humanos

é uma expectativa que decorre das informações que os consumidores

adquirem no mercado de consumo, as quais motivaram a percepção

de que a aquisição de um determinado produto poderá modificar o

futuro. Essas informações são adquiridas através do processamento

das percepções e do aprendizado do consumidor.

A percepção, conforme leciona a ilustre Prof.ª CHRISTIANE

GADE, é “definida como sensações acrescidas de significados. Por meio

dos processos perceptivos as experiências sensoriais são integradas ao que

já existe armazenado de experiências anteriores para se obter significado.

Implica interpretar estímulos e, para tanto, relacionar componentes

sensoriais externos com componentes significativos internos.”127 O

aprendizado, por sua vez, é 'definido como modificações de respostas em

função da experiência'. Isto significa que certas respostas que o indivíduo

aprendeu a dar ao sentir certos estímulos podem se modificar de acordo com

o que este indivíduo experimentar. A maior parte dos comportamentos

humanos é aprendida”.128

126 Fernando Gherardini, Direito do marketing, p. 25.127 Christiane Gade, ob. cit., p. 29.128 Christiane Gade, ob. cit., p. 61.

Page 96: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

96

Portanto, nota-se que as percepções trazem estímulos

exteriores aos consumidores, sendo certo que esses estímulos são

armazenados à bagagem de vida que os consumidores já possuem.

Esta bagagem nada mais é do que aquilo que o consumidor aprendeu

durantes todos os anos da sua vida. Logo, o objetivo dos

fornecedores é informar os consumidores sobre a existência dos

seus produtos ou serviços, os quais podem modificar o presente dos

consumidores e gerar novas expectativas de consumo, fazendo com

que esses consumidores modifiquem os seus hábitos e aprendam a

consumir determinados produtos, para alcançar a satisfação das suas

necessidades.

A promoção é qualquer forma de comunicação ligada à

divulgação de um produto ou serviço ao público consumidor, e a

informação é que motivará as expectativas de satisfação das

necessidades dos consumidores. As informações gerarão percepções

e o aprendizado de novas formas de satisfazer velhas ou novas

necessidades, com o intuito de modificar os hábitos de consumo,

facilitar a venda de produtos ou serviços e, mais especificamente,

promover o acesso dos consumidores ao mercado de consumo.

Assim, como ora se estuda o acesso ao consumo através da

Internet, tem-se que as promoções que nos interessam serão aquelas

que se dão através de publicidades veiculadas na rede mundial. E

mais: como já se ressaltou nos capítulos anteriores, as promoções

veiculadas na Internet são impessoais, desumanizadas,

desmaterializadas, identificando-se somente o emissor da

Page 97: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

97

mensagem, sendo certo que tal mensagem é transmitida a um

número indeterminado de indivíduos. Assim, será analisada a

promoção digital tão-somente como publicidades veiculadas na

Internet, deixando-se de lado as possibilidades de promoções

enviadas por e-mails ou outras formas eletrônicas.

a) A função social do marketing eletrônico

A análise da publicidade eletrônica, que motivará o

aprofundamento do estudo acerca das legítimas expectativas dos

consumidores, em razão das informações prestadas no mercado de

consumo, iniciar-se-á com a análise da função social do marketing,

ainda que este não seja objeto do presente trabalho.

Como já exposto, o marketing nada mais é do que o conjunto

de atividades humanas que tem por objetivo facilitar e consumar

relações de troca, as quais visam satisfazer as mais inexplicáveis

necessidades humanas. Sabe-se que a atividade do marketing se dá

nas empresas que exploram o mercado de consumo, a livre

iniciativa, sendo certo que essas empresas, nos moldes do art. 170

da nossa Constituição, devem respeitar o consumidor e o mercado

de consumo.

As empresas, assim como a propriedade privada, devem

respeitar um fim social maior do que os benefícios que estas possam

trazer aos seus acionistas ou administradores (função social

individual). Isto porque os seus acionistas e administradores devem

Page 98: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

98

administrar a empresa em benefício da sociedade, e jamais em

benefício próprio.129 Com efeito, a obtenção de lucro do empresário

jamais poderá afrontar os interesses sociais, devendo, na hipótese de

choque, prevalecer o interesse social.130

A Prof.ª MARIA CRISTINA CERESER PEZZELLA, ao

estudar o fenômeno do marketing, o princípio da boa-fé e o

princípio da transparência, observou que “foi o Código de Defesa do

Consumidor a primeira lei a tratar da boa fé objetiva que, assim, encontrou

repercussão concreta no ordenamento contemporâneo brasileiro não se

limitando à introdução do princípio no artigo 4º, III (cláusula geral da boa

fé). Para controlar o abuso contratual, no artigo 51, IV, perfaz uma

trajetória mais ampla, pois tipifica várias hipóteses legais de deveres que, se

não tivessem sido previstos na lei, incluir-se-iam, entretanto, no âmbito de

concreção da boa fé objetiva. A fim de facilitar a atividade jurisdicional,

muitos dos deveres decorrentes da boa fé objetiva mereceram, no Código de

Defesa do Consumidor, previsão legal específica, permitindo que a

fundamentação das decisões judiciais se baseie diretamente na lei. E é por

esta razão que as decisões tomadas em primeiro grau e por nossos tribunais

hoje podem ser formuladas não só com a doutrina aqui exposta, melhorando

a qualidade das soluções em juízo proferidas. (. . .) Pois os métodos atuais de

marketing são utilizados para forçar psicologicamente a aceitação do

consumidor adquirente, que disporá do prazo de reflexão de sete dias,

conforme dispõe o artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor, para

desfazer o negócio. Há ainda a possibilidade de, ultrapassado este prazo,

discutir-se todos os abusos constantes nestes contratos com base em vários

artigos do Código de Defesa do Consumidor, por exemplo, os arts. 6º, 46º,

51º, 54º e seus parágrafos que, aliás, nada mais são do que a expressão

129 Eros Roberto Grau, ob. cit., p. 206.

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99

t ipificada da boa fé objetiva e, por isso, resultam da efetiva proteção

daqueles que porventura possam ter sido lesados e não tenham usufruído do

período de reflexão estabelecido no artigo 49 do Código de Defesa do

Consumidor”.131

Como se vê, a ilustre professora estudou o marketing exercido

em desarmonia com a sua função social, concluindo que o princípio

da boa-fé e seus desdobramentos seria instrumento suficiente para

recolocar o marketing exercido de forma abusiva em harmonia com

o nosso sistema de consumo.

A função social do marketing, como ocorre com a função

social do contrato, refere-se à "fattispecie", e não encontra

definição precisa na lei.132 Assim, caberá ao julgador adaptar e

interpretar o princípio à sociedade objeto do momento histórico em

que a decisão for proferida.133

Tal assertiva, como bem preceitua o Prof. FERNANDO

GHERARDINI SANTOS, não é descabida, eis que “o marketing (a)

leva a conhecimento do público, através do composto promocional, a imensa

gama de produtos existentes no mercado; (b) proporciona um tipo de

concorrência extremamente interessante ao consumidor, uma vez que lhe

oferece diferentes opções de produtos a preços baixos; (c) produz uma

segmentação de mercado, pela qual as empresas decidem acerca da política

de produto a ser adotada; (d) finalmente, pelo merchandising, coloca os

130 Ver, de maneira semelhante, Fernando Gherardini Santos, Direito do Marketing: uma abordagemjurídica do marketing empresarial, p.123.131 Maria Cristina Cereser Pezzella, ob. cit., p. 221.132 Fernando Gherardini Santos, ob. cit., p. 125.133 Conf. Cláudio Luiz Bueno de Godoy, Função Social do Contrato: os novos princípios contratuais,p.129.

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100

produtos certos, pelo preço certos, nos locais certos”.134 Logo, se o

marketing for exercido de forma abusiva, levará ao conhecimento

dos consumidores informações incompletas, falsas, as quais viciarão

a escolha, motivarão condutas equivocadas e frustrarão as legítimas

expectativas dos consumidores.

A função social do marketing, como se observa, é vital à

sociedade contemporânea, posto que permite o acesso do

consumidor ao mercado de consumo e a uma sobrevivência digna.

Todavia, o marketing não deve ser exercido em benefício de um

pequeno grupo que tenha por objetivo os próprios interesses, o

próprio lucro, mas deve ser exercido em benefício da sociedade, já

que promove a circulação de riqueza e o acesso ao consumo.

b) A diferença entre o marketing, a publicidade e a propaganda

O marketing é o gênero do qual a publicidade é uma das suas

espécies, sendo certo que ele “elege um objetivo de mercado, em função

do qual são definidos o produto, o preço, o modo de promoção e de

comercialização. A publicidade vem depois, num conjunto de apoio, ao lado

da promoção de vendas, dos eventos e patrocínios, das relações públicas e do

pessoal de vendas. E o seu papel principal é influenciar o comportamento do

público visado. Integrada desse modo ao processo de marketing, ela é

definida como uma forma de comunicação persuasiva, destinada a obter uma

resposta positiva de um alvo de mercado pré-definido”.135

134 Fernando Gherardini Santos, ob. cit., p. 126.

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101

A definição de publicidade, nos moldes do art. 8º do Código

Brasileiro de Auto-Regulação Publicitária corresponde a “toda

atividade destinada a estimular o consumo de bens ou serviços, bem como,

promover instituições, conceitos ou idéias.”

O Prof. ANTÔNIO HERMAN DE VASCONCELLOS E

BENJAMIN, por sua vez, define publicidade como “toda a informação

dirigida ao público com o objetivo de promover, direta ou indiretamente,

uma atividade econômica”.136

Em um sentido muito semelhante é o art. 1º, inciso 4º do

Código de Defesa do Consumidor do Chile, ao dispor que“publicidade es la comunicación que el proveedor dirige al público por

cualquier médio idôneo al efecto, para informarlo y motivarlo a adquirir o

contratar un bien o servicio”.

A Diretiva da Comunidade Econômica Européia 84/450, de 10

de setembro de 1984, estabelece que publicidade é “toda forma de

comunicação feita no âmbito de uma atividade comercial, industrial,

artesanal ou liberal, com o fim de promover o fornecimento de bens ou de

serviços, compreendidos neste conceito os bens imóveis, os direitos e as

obrigações".

O Código de Defesa do Consumidor da Itália, através do seu

art. 20, define a publicidade como “qualsiasi forma di messaggio che sai

diffuso in qualsiasi modo, nell’esercizio di um attività commerciale,

135 Adalberto Pasqualotto, Os efeitos obrigacionais da publicidade no Código de Defesa do Consumidor,p. 28.136 Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentadopelos Autores do Anteprojeto, p. 265.

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102

industriale, artigianale o professionale allo scopo di promuovere la vendita

di beni mobili o immobili, la costituzione o il trasferimento di diritti ed

obblighi su di essi oppure la prestazione di opere o di servizi”.

As três definições anteriores, como se vê, não fazem qualquer

menção expressa à influência que a publicidade exerce sobre o

consumidor, o que parece ser, sua maior finalidade. Esta influência,

como já exposto, busca modificar os hábitos de consumo de um

indivíduo e gerar novas expectativas, através das informações

veiculadas no mercado de consumo.

O Prof. VIDAL SERRANO NUNES JÚNIOR, ao analisar a

influência da publicidade no mercado de consumo, observa que “a

publicidade comercial, utilizando técnicas argumentativas, que tocam a

sensibilidade e as emoções dos indivíduos, tende a criar novas necessidades,

forjadas sob as vestes de hábitos de consumo, não raro impulsionadas por

desejos latentes do indivíduo que pouca ou nenhuma correlação mantém com

o próprio produto consumido. Depois de 'fixado' o novo hábito de manter o

consumidor satisfeito, a publicidade comercial teria o propósito de manter o

consumidor satisfeito, levando-o a estabelecer uma relação de fidelidade com

o produto”.137

O Prof. PAULO JORGE SCARTEZZINI GUIMARÃES, ao

analisar a influência da publicidade sobre o consumidor, observou

que “não há hoje qualquer dúvida sobre a influência que a publicidade gera

sobre o consumidor, fazendo com que adquira produtos ou serviços sob

pressões internas (usos e costumes) e externas (informações inadequadas),

137 Vidal Serrano Nunes Júnior, Publicidade comercial: proteção e limites na Constituição de 1988, p. 32.

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103

que deformam o contrato de consumo, tornando-o não mais um ato

voluntário, mas sim um ato condicionado”. 138

O Prof. ALBERTO DO AMARAL JÚNIOR, ao analisar a

influência da publicidade sobre a sociedade atual, concluiu que “a

importância da publicidade e a sua extraordinária relevância para a

efetividade dos sistemas legais contemporâneos permitem falar na existência

de um quarto tipo de racionalidade, cujo objetivo é motivar os destinatários

para a adoção de determinado comportamento. As ciências sociais têm

procurado distinguir entre poder e influência como formas de controle

social. O poder incide sobre o comportamento dos indivíduos que são

constrangidos a agir de determinada maneira. A força física, o impedimento

legal e a ameaça de sanção caracterizam o seu exercício. A influência, por

sua vez, atua no pano das escolhas individuais, procurando-se determinar o

seu sentido e direção. A influência é exercida por intermédio do estímulo, da

persuasão e do desencorajamento. A publicidade é com certeza uma forma de

influência visando à obtenção do controle social. Ela altera a comunicação

entre os sujeitos, pois a sua finalidade básica é a busca do consenso”.139

O Prof. ADALBERTO PASQUALOTTO, por sua vez, define a

publicidade como “toda comunicação de entidades públicas ou privadas

inclusive as não personalizadas, feita através de qualquer meio, destinada a

influenciar o público em favor, direta ou indiretamente, de produtos ou

serviços, com ou sem finalidade lucrativa. São dois elementos nucleares do

conceito: 1) a finalidade de influenciar o público, 2) o favorecimento, direto

e indireto, de produtos e serviços". 140

138 Paulo Jorge Scartezzini Guimarães, A publicidade ilícita e a responsabilidade civil das celebridadesque dela participam, p. 100.139 Alberto do Amaral Júnior, O princípio da vinculação da mensagem publicitária, p. 46.140 Adalberto Pasqualotto, ob. cit., p. 25.

Page 104: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

104

Ora, não há como se discordar das assertivas do Prof.

ADALBERTO PASQUALOTTO, visto que a finalidade da

publicidade é influenciar o comportamento dos consumidores

através da mensagem publicitária, motivar a demanda de produtos e

serviços e o surgimento de expectativas que modificarão, na visão

do consumidor, o seu presente. A sua função persuasiva e a sua

influência sobre o comportamento de consumo é notada na grande

maioria dos trabalhos cujo tema é a publicidade.

Como bem lecionam os ilustres professores RUBÉN S.

STIGLITS e GABRIEL A. STIGLITZ, “si la publicidad, en esencia, es

información, y si su objeto es la persuasión a cuyo efecto la sociedad

industrial se vale de todas las variables que ofrece la estructura de

comunicación de masas que la tecnologia ha generado, con efecto

multiplicador, y si está demonstrado el influjo que la publicidad ejerce sobre

sus destinatarios, es fundamental que se ordene juridicamente el sistema

informativo atendiendo prioritariamente al principio de veracidad a los fines

de que el consumidor no vea relativizado su poder de elección”.141

Logo, a publicidade, em um primeiro momento, tem a função

de informar o consumidor através da mensagem publicitária e, em

um segundo momento, motivar suas percepções, expectativas e

influenciar o seu comportamento no mercado de consumo. Portanto,

o caráter persuasivo da publicidade é a sua maior finalidade.

141 Rubén S. Stiglits y Gabriel A. Stiglitz, ob. cit., p. 35.

Page 105: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

105

Por fim, cumpre notar que o caráter comercial da publicidade

a diferencia da propaganda, posto que a primeira tem por objetivo

informar os consumidores sobre as características de um

determinado produto e persuadi-los sobre as qualidades desse

produto, levando-os a se lembrar da sua existência, enfim, gerar

demandas,142 sempre com o fim de potencializar a atividade

econômica da empresa, potencializar o acesso do indivíduo ao

consumo, ao passo que a propaganda tem um objetivo ideológico,

religioso, ou mesmo, social.143

c) Os erros nas definições de publicidade e da publicidade

institucional

As definições trazidas pelo Código de Defesa do Consumidor

chileno e aquela trazida pela Diretiva da Comunidade Econômica

Européia 84/450 não possuem a exatidão conceitual necessária ao

estudo do fenômeno da publicidade. Isto porque não é correto

afirmar-se que toda publicidade tem como elemento central uma

oferta, pois existem publicidades institucionais, que promovem um

produto ou serviço de forma indireta, mediata, através da marca do

seu fabricante ou da sua conduta institucional no mercado.

Com efeito, “a publicidade institucional anuncia a própria empresa

e não um produto. Seu objetivo é alcançado a mais longo prazo, beneficiando

muitas vezes produtos ou serviços que sequer foram produzidos pela empresa.

Nela não existe a preocupação com a venda do produto em si, não há

142 Conf. Philip Kotler, ob. cit., p. 540.

Page 106: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

106

preocupação de levar o mercado a comprar uma determinada quantidade de

produto. A preocupação é com a marca e não com o produto”.144

Conclui-se, portanto, que o Prof. ANTÔNIO HERMAN DE

VASCONCELLOS E BENJAMIN, com a sua costumeira sapiência,

tomou o cuidado de não definir a publicidade como oferta direta de

produtos e serviços no mercado, pois, ao dispor que a informação

promoveria de forma direta e indireta a atividade econômica,

abarca, inquestionavelmente, a possibilidade da propaganda

institucional, o que não ocorre com o Código de Defesa do

Consumidor do Chile e a Diretiva da Comunidade Econômica

Européia 84/450.

143 Conf. Vidal Serrano Nunes Júnior, ob. cit., p. 15.144 Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, ob. cit., p. 271.

Page 107: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

107

VII. A PUBLICIDADE E O PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO DA

MENSAGEM PUBLICITÁRIA

Como se sabe, não há o dever legal de um empresário veicular

a publicidade do seu produto, ou mesmo, de promovê-lo através de

outras práticas de marketing. O que há, consoante dispõe o inciso

III do art. 6º do Código de Defesa do Consumidor, é a obrigação de

os fornecedores e prestadores de serviços informarem, de forma

clara e correta, os consumidores acerca das características dos bens

e serviços colocados no mercado de consumo, para que sejam

motivados ao consumo por percepções e expectativas corretas.145

A fonte obrigacional da vinculação publicitária não é a

vontade publicitária, mas, sim, a declaração publicitária. O Código

de Defesa do Consumidor reduziu o papel da importância do

elemento da vontade no momento da formação do contrato, da

veiculação de uma publicidade no mercado de consumo, assim a

vontade subjetiva do fornecedor não é levada em conta no momento

da formação do contrato. O que se deverá levar em conta é,

justamente, a confiança na declaração da vontade dos fornecedores,

afastando-se, por completo, qualquer reserva mental por parte dos

próprios fornecedores.

A Prof.ª MARIA CRISTINA CERESER PEZZELLA, ao

estudar a diferença entre a teoria da vontade e a teoria da declaração

da vontade, explica que “a teoria da vontade, defendida por Savigny,

Page 108: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

108

engendrava a invalidade do negócio sempre que fosse verificada uma

divergência entre a vontade interna e a declaração, desprezando quaisquer

outros requisitos. A teoria da declaração afirma sua essência na declaração,

ou melhor, no que foi exteriormente manifestado, residindo aí sua distinção

para com a teoria da vontade, onde o fundamental é a vontade do declarante.

Esta teoria comporta várias modalidades”.146

A razão da escolha do legislador pela teoria da declaração da

vontade, e não pela teoria da vontade, pode se explicar pelo

comportamento psicológico dos consumidores no mercado de

consumo. O comportamento de consumo baseado em elementos

psicológicos pode ser definido como “uma manifestação externa de

processos psicológicos internos, de respostas aos estímulos que são

processados e transformados em informações aprendidas e memorizadas". 147

A Prof.ª CHRISTIANE GADE, ao analisar o processamento da

informação e a formação do comportamento dos consumidores,

concluiu que “o processo de informação e percepção passam por etapas

nas quais tanto as variáveis e características do indivíduo percebedor como

as do estímulo a ser percebido são de relevância. A percepção deriva de

processos de exposição, atenção e interpretação seletivos.”

Como se vê, as informações transmitidas através da mensagem

publicitária motivam a percepção e a interpretação da realidade pelo

consumidor, as quais, somadas às suas experiências anteriores,

guiarão o seu comportamento de consumo e as suas próprias

145 Conf. Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, ob. cit., p. 263.146 Maria Cristina Cereser Pezzella, ob. cit., p. 202.147 Christiane Gade, ob. cit., p.27.

Page 109: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

109

expectativas de consumo. Nesse passo, o que se percebe é que a

mensagem publicitária irreal, confusa e incompleta motivará uma

percepção e uma expectativa irreal acerca do produto ou serviço

adquirido, visto que as informações captadas e aprendidas pelo

consumidor, nestas hipóteses, estarão divorciadas da realidade do

bem adquirido.148

O art. 30 do Código de Defesa do Consumidor dispõe que“toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por

qualquer forma ou meio de comunicação, com relação a produtos e serviços

oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela

se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado”.

O legislador, como se vê, não poderia adotar uma teoria de

vinculação do fornecedor com base nas suas intenções subjetivas,

mas, sim, em sua declaração propriamente dita, a qual motivou as

percepções, as expectativas e as condutas do consumidor no

mercado de consumo. Mas, caso essas mensagens publicitárias

motivem a percepção e a interpretação erradas do consumidor,

caberá ao fornecedor o dever de arcar com as imperfeições da

mensagem publicitária veiculada e, até mesmo, cumpri-la dentro dos

moldes declarados. Nesse sentido, é o entendimento dos nossos

tribunais, conforme segue:

“Consumidor. Propaganda enganosa. Caracterização.

Fornecedor que garantiu que os imóveis comercializados

seriam financiados pela Caixa Econômica Federal.

148 Conf. Carlos Alberto Goulart Ferreira, Direito civil constitucional, p. 103.

Page 110: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

110

Necessidade de submeter a assinatura do contrato de compra e

venda nos exatos termos da oferta apresentada.

Emenda oficial: O Código de defesa do consumidor dispõe que

toda informação ou publicidade, veiculada por qualquer forma

ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços

oferecidos ou apresentados, desde que suficientemente precisa

e efetivamente conhecida pelos consumidores a que é

destinada, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se

utilizar, bem como integra o contrato que vier a ser celebrado.

Se o fornecedor, por meio de publicidade amplamente

divulgada, garantiu que os imóveis comercializados seriam

financiados pela Caixa Econômica Federal submetem-se a

assinatura do contrato de compra e venda nos exatos termos da

oferta apresentada.

Dada a força vinculativa da oferta divulgada pelo recorrido,

aplica-se ao caso em análise o art. 35, I, do CDC nos termos

do pedido formulado pelos recorrentes na petição inicial.

Deverá o recorrido financiar o restante do saldo devedor dos

imóveis adquiridos nas mesmas condições e prazos de

financiamento concedidos pela CEF, inclusive no que diz

respeito ao plano de equivalência salarial, desde que os

mutuários preencham os requisitos estabelecidos pela CEF,

entre esses o de possuir renda compatível com o

financiamento” .149

Bem se vê que a oferta veiculada pelo fornecedor, a qual

informava que os imóveis seriam financiados pela Caixa Econômica

149 RT 818/176

Page 111: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

111

Federal, obriga o fornecedor ao seu cumprimento, razão pela qual,

na hipótese de recusa do banco em financiar o consumidor, deverá o

fornecedor financiá-lo nos mesmos padrões que o banco o faria.

Assim, pode-se concluir que os tribunais aplicam amplamente a

teoria da declaração da vontade e a obrigatoriedade de o fornecedor

cumprir com aquilo que veiculou no mercado de consumo.

a) A teoria da declaração da vontade, a mensagem publicitária e a

confiança despertada no mercado de consumo

A publicidade tem como sua principal característica a função

persuasiva, a qual, exercida de forma divorciada do princípio da

transparência e do princípio da boa-fé, poderá gerar inúmeros

problemas no mercado de consumo.

Como explica o Prof. ANTÔNIO HERMAN DE

VASCONCELLOS E BENJAMIN, “na raiz da força obrigatória da

mensagem publicitária está o reconhecimento pelo Direito do poder de

influência desse instrumento promocional nas decisões dos consumidores: a

publicidade cria expectativas – legítimas – que precisam ser protegidas. O

princípio da vinculação publicitária, portanto, é uma reação direta ao

potencial persuasivo das técnicas de marketing, que transformam e ampliam,

profundamente, a feição da oferta e do consentimento clássico”.150

Portanto, nada mais justo do que o fornecedor ser obrigado a

cumprir o que foi objetivamente veiculado na sua publicidade, razão

pela qual o Código de Defesa do Consumidor elegeu a teoria da

150 Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamim, ob. cit., p. 233.

Page 112: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

112

declaração da vontade.

O ilustre Prof. ORLANDO GOMES, com a sua costumeira

sapiência, explica que do confronto analítico da teoria da vontade

com a teoria da declaração nasceu a teoria da confiança. Com efeito,“constitui a teoria da confiança abrandamento da Erklarungstheorie – teoria

da declaração - que concede prelazia da declaração sobre a vontade sob o

fundamento de que o direito deve visar antes à certeza do que à verdade.151

Também denominada teoria do crédito social, empresta valor à aparência da

vontade, se não é destruída por circunstâncias que indiquem má-fé em quem

acreditou ser verdadeira.152 Havendo divergência entre a vontade interna e a

declaração, os contraentes de boa fé, a respeito dos quais tal vontade foi

imperfeitamente manifestada, têm direito a considerar firme a declaração

que se podia admitir como vontade efetiva da outra parte, ainda quando esta

houvesse errado de boa fé ao declarar a própria vontade. Enquanto, pois,

tem um dos contratantes razão para acreditar que a declaração corresponde

à vontade do outro, há de se considerá-la perfeita, por ter suscitado a

legítima confiança em sua veracidade”.153

O fornecedor vincula-se à vontade declarada na publicidade

veiculada, em razão da confiança que o mercado de consumo

deposita nele e na sua publicidade, em razão das percepções e

interpretações que a sua publicidade gerará, ainda que a referida

publicidade não expresse a intenção do empresário no momento da

sua criação. 151 Art. 116 do Código Civil alemão – uma declaração não é nula pela circunstância de que o declarante,intimamente, reservou-se não querer o declarado. A declaração é nula, se ela foi proferida ante um outro, eeste conhecia a reserva.152 Art. 122 do Código Civil alemão – Se uma declaração de vontade, de acordo com o art. 118, for nula, oucom fundamento nos artigos 119 e 120, for impugnada, terá o declarante, se a declaração devida forenunciada ante um outro, de indenizar a este, ou senão a qualquer terceiro, a dano que o outro ou o terceirosofreu pela circunstância de que confiou na validade da declaração, contudo, não além da importância dointeresse que o outro, ou o terceiro, tinha na validade da declaração. – tradução livre

Page 113: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

113

Assim, para que os consumidores não tenham as suas probas

expectativas frustradas, as quais nasceram de publicidade veiculada

de forma irregular e de respectivas percepções e interpretações

equivocadas, o fornecedor deverá cumpri-la nos moldes da sua

veiculação, sob pena de responder pelo seu cumprimento forçado,

ou mesmo, por uma indenização, nos moldes do art. 35 do Código

de Defesa do Consumidor.

Ressalte-se que a teoria da declaração também é adotada pelo

Código de Defesa do Consumidor da Argentina, através do seu art.

8º, o qual dispõe que “las precisiones formuladas en la publicidad o en

anuncios prospectos, circulares y otros medios de difusión obligan al

oferente y se tienen por incluidas en el contrato con el consumidor”.

O Prof. JUAN M. FARINA, ao comentar o referido artigo,

deixa claro que " la confianza y expectativas que genera la oferta al

público requieren particular protección, en vista del grado de certidumbre

que ella puede suscitar en el consumidor – según la confiabilidad o seriedad

de quien hace tales ofertas – y por suponer éste la franca intención del

comerciante de vincularse jurídicamente”.154

Os nossos tribunais, por sua vez, também aplicam a teoria da

declaração da vontade, e não a teoria da manifestação da vontade,

nas publicidades veiculadas no mercado de consumo, conforme

segue:

153 Orlando Gomes, Transformações Gerais do Direito das Obrigações, p. 14.154 Juan M. Farina, Defesa del consumidor y del usuário, p. 176.

Page 114: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

114

“Consumidor. Publicidade enganosa. Hipótese em que o art. 60

da Lei 8.078/90 impõe o dever de contrapropaganda. Ação civil

pública. Pedido pelo representante do Ministério Público, de

aplicação da proibição de veicular a publicidade sob pena de

multa. Circunstância em que o requerido constitui um minus em

relação ao que a lei prevê.

Ostenta-se enganosa a publicidade que, em página inteira de

jornal, na parte superior, supermercado lista produtos e preços

e, na inferior, com destaque, anuncia garantia total extra,

seguido de texto com destaque ainda maior, dizendo que a

pessoa ganha grátis o produto se encontrá-lo com preço mais

baixo junto à concorrente do que o praticado pelo anunciante,

como tal entendido aquele do jornal, e não o da loja sujeito a

manipulação instantânea para frustrar o direito do consumidor.

De outra parte, não há o que falar em obrigação de pagar

apenas a diferença entre o preço do anunciante e o do

concorrente, invocando texto que, embora na mesma

publicidade, revela promoção diversa. Na realidade, face à

clareza da mensagem no sentido de ganhar grátis o produto, o

anunciante fez um desafio a todas as pessoas sob promessa de

recompensa, prevista inclusive na legislação civil comum, qual

seja, a prestação de um serviço consistente em encontrar um

produto, integrante de uma lista, com preço mais baixo na rede

de concorrentes. Para fazer jus ao produto, não era preciso

comprá-lo. Bastava encontrá-lo com menor preço na rede de

concorrentes. Desde o momento em que pessoas fizeram a

pesquisa e encontraram produtos com menor preço e o

anunciante negou-se a entrega grátis a pretexto de apenas

cobrir a diferença a quem comprasse, e o preço praticado para

Page 115: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

115

fins de parâmetro não ser aquele publicado no jornal, e sim o da

loja sujeito a prestigiação, restou evidenciada, pelo suficiente

potencial de enganosidade, tratar-se de publicidade enganosa.

(. . .)

Não é possível admitir, como quer o réu, que a expressão

“ganha grátis” o produto não significa dispensa total de

pagamento, ou seja, que o vocábulo grátis não significa grátis e

que produto não significa o produto mas uma diferença de

preço. Descabe adentrar no movediço terreno das subjetividades

ou das intenções de quem promoveu a publicidade, se a intenção

ao ser usada a palavra grátis não era que significasse grátis, e

sim outra coisa, se a intenção ao ser usado o vocábulo produto

não era que significasse produto, e sim diferença de preço”.155

Bem se vê que o fornecedor se vincula à mensagem –

declaração - publicitária e não à vontade publicitária, eis que a

mensagem publicitária gera a confiança do consumidor no

fornecedor e as legítimas expectativas por parte do consumidor

acerca da satisfação das suas necessidades, fato que obriga o

fornecedor a cumprir aquilo que declarou no mercado de consumo,

sob pena de responder pelo cumprimento obrigatório da publicidade,

ou responder por perdas e danos.

b) O art. 30 do Código de Defesa do Consumidor e o pré-contrato

As partes, ao iniciarem as tratativas de um futuro negócio 155 RT 821/360

Page 116: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

116

jurídico, aproximam-se, trocam informações e adotam condutas

honestas e probas, as quais concorrerão à celebração do futuro

contrato.156 O pré-contrato, nesse cenário, é um contrato em si

mesmo, que estabelece uma relação obrigacional entre as partes,

com o fim de se estabelecer um contrato futuro.157

Como bem explica o Prof. ENZO ROPPO, “as partes já

definiram os termos essenciais da operação econômica que tencionam

realizar, mas não querem passar de imediato a atuá-la juridicamente, não

querem concluir, desde já, o contrato produtor dos efeitos jurídico -

econômicos próprios da operação, preferem remeter a produção de tais

efeitos para um momento subseqüente, mas, ao mesmo tempo, desejam a

certeza de que estes efeitos se produzirão no tempo oportuno, e por isso não

aceitam deixar o futuro cumprimento da operação à boa vontade, ao sentido

ético, à correição recíproca, fazendo-a, ao invés, desde logo matéria de um

vínculo jurídico. Estipulam, então, um contrato preliminar, do qual nasce

precisamente a obrigação de concluir, no futuro, o contrato definitivo”.158

A grande questão que nasceu do estudo do pré-contrato é o

tipo de responsabilidade civil que nasceria com a ruptura das

relações existentes entre as partes, ou melhor, a existência de uma

ruptura do trato comercial na fase pré-contratual. Isto porque a fase

pré-contratual nas relações de consumo é marcada por publicidades,

pela veiculação da marca das empresas no mercado de consumo,

sendo rara a celebração de um pré-contrato entre fornecedor e

156 Conf. Luiz Guilherme Loureiro, Teoria Geral dos Contratos no novo Código Civil, p. 283.157 Conf. Regis Fichtner Pereira, A responsabilidade civil pré-contratual, p. 108.158 Enzo Roppo ob. cit., p. 103.

Page 117: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

117

consumidor na fase pré-contratual.159

A responsabilidade pré-contratual, cumpre notar, “somente tem

lugar quando de fatos ocorridos durante o desenrolar das negociações com a

finalidade de estabelecimento da relação jurídica contratual, surgem danos a

um dos contraentes”.160 As divergências entre a doutrina e a

jurisprudência sobre a natureza jurídica da responsabilidade civil

decorrente da ruptura da fase pré-contratual foram inúmeras, pois

parte acredita que a responsabilidade em questão seria contratual e

parte acredita que a responsabilidade seria extracontratual.

Na Itália, a grande maioria dos autores entende que a

responsabilidade seria extracontratual.161 Isto porque o Código Civil

da Itália, através do seu art. 1337, dispõe que “le parti, nello

svolgimento delle trattative e nella formazione del contratto, devono

comportarsi secondo buona fede”. Logo, o dever de atuar na fase pré-

contratual de boa-fé estaria estipulado de forma expressa no sistema

jurídico italiano, implicando a sua ofensa no dever de o infrator

indenizar o ofendido.

O Prof. REGIS FICHTNER PEREIRA, ao analisar o sistema

jurídico italiano e o brasileiro, entendeu que “a violação do artigo

1337 do Código Civil i taliano, que trata do dever de boa fé imposto às partes

durante as negociações para conclusão do contrato, constitui, para a maioria

da doutrina, uma aplicação do princípio do neminem laedere, sob o

fundamento de que o prejuízo causado por um comportamento contrário à

159 Conf. Renata Mandelbaum, Contratos de adesão e contratos de consumo, p. 171.160 Regis Fichtner Pereira, ob. cit., p. 109.

Page 118: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

118

boa fé é dano injusto, no sentido da disposição geral em matéria de ilícito

extracontratual. (. . .) No Brasil, a doutrina majoritária reconhece o caráter

extracontratual da responsabilidade pré-contratual". 162

No entanto, como o presente estudo não se aprofundará no

problema da natureza jurídica da ruptura das relações pré-

contratuais, caberá verificarmos a solução dada pelo legislador

brasileiro em face de possíveis confrontos entre consumidores e

fornecedores na fase pré-contratual.

A Prof. DORA SZAFIR, ao analisar o sistema de defesa dos

consumidores dos países que compõem o Mercosul, aponta

eventuais problemas decorrentes da natureza jurídica da

responsabilidade civil pré-contratual nas legislações da Argentina e

do Uruguai, visto que “el deber extracontratual se vincula a un derecho

absoluto, la obligación preexistente en la responsabilidad contractual se

relaciona con un derecho relativo. (. . .) La distinción adquiere relevancia en

virtud de que los regimenes jurídicos de ambos tipos de responsabilidad son

diferentes, en especial si tenemos en cuenta que en Uruguay no existe ley del

consumidor que unifique el régimen de las responsabilidades, y en Argentina

se vetó en la ley 24.240 el artículo relativo a la misma. En Brasil, el punto

pierde transcendencia, por existir un régimen de responsabilidad del

proveedor específico en el derecho del consumidor, y debe considerarse que

es comprensivo de los daños emergentes de la etapa precontractual, y

contractual, lo que a mi entender es preferible”.163

As dificuldades de se caracterizar o tipo de responsabilidade

161 Regis Fichtner Pereira, ob. cit., p. 214.162 Regis Fichtner Pereira, ob. cit., p. 237.163 Dora Szafir, El consumidor en el derecho comunitário: proyecto de protocolo de defensa delconsumidor del Mercosur, p. 54.

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119

civil decorrente da ruptura das tratativas pré-contratuais, como se

nota, trará problemas aos consumidores do Uruguai e da Argentina,

os quais terão dificuldades em materializar seus direitos, em razão

da complexidade do sistema de consumo desses países, o que não

ocorre no Brasil.

O art. 30 do nosso Código de Defesa do Consumidor,

entretanto, deixa claro que o legislador brasileiro reduziu a

importância da fase pré-contratual nas relações de consumo, visto

que todas as informações e publicidades, ou seja, elementos

existentes na fase pré-contratual, serão integradas ao contrato,

gerando obrigações para o fornecedor que as veicular no mercado de

consumo.164

Neste sentido, foi o entendimento do Superior Tribunal de

Justiça, em acórdão proferido pela eminente Min.ª Nancy Andrighi,

no julgamento do Recurso especial n. 363.939-MG, conforme segue:

“Consumidor. Recurso especial. Publicidade. Oferta. Princípio

da vinculação. Obrigação do fornecedor.

O Código de defesa do consumidor dispõe que toda informação

ou publicidade, veiculada por qualquer forma ou meio de

comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou

apresentados, desde que suficientemente precisa e efetivamente

conhecida pelos consumidores a que é destinada, obriga o

fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar, bem como

164 Conf. Rogério Ferraz Donnini, Responsabilidade pós-contratual no novo Código Civil e no Código deDefesa do Consumidor, pág. 46.

Page 120: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

120

integra o contrato que vier a ser celebrado.

Constatado pelo eg. Tribunal a quo que o fornecedor, através de

publicidade amplamente divulgada, garantiu a entrega do

veículo objeto de contrato de compra e venda firmado entre o

consumidor e uma de suas concessionárias, submete-se ao

cumprimento da obrigação nos exatos termos da oferta

apresentada.

A recorrida, mediante ampla divulgação publicitária, levou ao

conhecimento de todos os consumidores informações acerca da

venda de veículos Palio pelo sistema “on line”.

As práticas comerciais abrangem as técnicas e métodos

utilizados pelos fornecedores para fomentar a comercialização

dos produtos e serviços destinados ao consumidor. Acabam,

pois, por alimentar a sociedade de consumo. Entre essas se

encontra o marketing, que além dos mecanismos de incentivo às

vendas, compreende também a publicidade.

Na medida em que, na sociedade de consumo, as relações

jurídicas travadas ascendem do nível pessoal ao social,

inserindo em seu contexto interesses comuns, se tomou

imperiosa a intervenção do Estado nessas relações de modo a

compatibilizar o exercício do marketing pelo fornecedor com a

defesa do consumidor.

A publicidade realizada pelo fornecedor tem o objetivo de

divulgar seus produtos e/ou serviços e ofertá-los aos

consumidores. A oferta, nesse caso, difere da oferta a que faz

alusão o art. 1080 do Código Civil. Porquanto destinada à

Page 121: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

121

sociedade de consumo, fez-se necessário atribuir à publicidade

certo valor contratual, ainda que não fosse instrumento do

contrato e tivesse mero conteúdo indicativo.

Atento à possibilidade de que a veiculação desvirtuada da

publicidade viesse a prejudicar os consumidores, o legislador

assegurou a tutela da sociedade de consumo através do preceito

legal esculpido no art. 30 do Código de Defesa do Consumidor.

No caso sub examine, o eg Tribunal a quo reconhecera a

declaração recorrida no sentido de garantir a entrega do

veículo, independentemente de qualquer fato atinente às

relações jurídicas operadas entre os consumidores e suas

concessionárias.. .

Posta a situação nesses termos, ainda que a recorrida deva

submeter-se ao cumprimento forçado da obrigação, em virtude

de publicidade pela qual garantiu a entrega do veículo, o

recorrente deve efetuar o pagamento do saldo devedor do

contrato para que tenha direito ao recebimento do bem objeto

da avença”.165

Bem se vê que a fornecedora de veículos, através do acórdão

acima exposto, foi obrigada a entregar o bem prometido em

publicidade veiculada no mercado de consumo, eis que o

consumidor confiou na sua declaração veiculada no mercado, ainda

na fase pré-contratual. Com efeito, a relatora entendeu que a

publicidade veiculada no mercado de consumo compôs o futuro

165 Superior Tribunal de Justiça, Recurso especial n. 363.939-MG, rel. Min.ª Nangy Andrighi, j. 04 dejunho de 2002.

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contrato celebrado entre as partes, sendo certo que a fornecedora,

através da publicidade veiculada, garantia a entrega do bem, desde

que fosse paga a quantia sugerida pela montadora. Assim, como o

consumidor aderiu à oferta implícita na publicidade veiculada no

mercado de consumo, a montadora foi obrigada ao seu cumprimento,

desde que o consumidor terminasse de adimplir o pagamento das

parcelas vencidas.

Portanto, percebe-se que não existirá, como visto em outros

sistemas jurídicos, a necessidade de o consumidor brasileiro provar

a existência de fatos pré-contratuais que motivaram as suas

percepções, geraram expectativas e sua conduta, visto que todos os

elementos que seriam considerados pré-contratuais no Direito Civil

se integrarão à relação de consumo, à publicidade, ao contrato, e

obrigarão o fornecedor nos exatos termos do veiculado no mercado

de consumo.166

c) A oferta, a publicidade e o mercado de consumo

O nosso Código de Defesa do Consumidor, através do seu art.

30 e seguintes, modificou profundamente a vinculação das partes,

caso a oferta seja realizada no mercado de consumo. A ilustre Prof.ª

RENATA MANDELBAUM, ao explicar as mudanças produzidas

pelo Código de Defesa do Consumidor, aduz que “temos uma nova

noção de oferta, a publicidade tida como verdadeira oferta, esta aliada a um

novo dever de informar. O produtor, ao ofertar seus produtos através de

166 Alberto do Amaral Júnior, O princípio da vinculação da mensagem publicitária, p. 41.

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publicidade, tem para com o consumidor o dever de informar a este sobre as

qualidades do produto e as condições do contrato e sobre os produtos”.167

Observa-se ainda que a ilustre professora trata a publicidade

como mera oferta, o que sabemos não ser correto, em razão da

existência da publicidade institucional. O caráter obrigacional da

publicidade, independentemente da aceitação do consumidor,

obrigará o fornecedor ao seu cumprimento incondicional.

O Prof. ALBERTO DO AMARAL JÚNIOR, ao analisar o

fundamento jurídico que motivaria a responsabilidade civil do

fornecedor pela veiculação de uma publicidade, explica que “o

fundamento jurídico da obrigação do fornecedor reside nas expectativas que

venha a criar em virtude da exibição da mensagem publicitária. O

consumidor, que teve a sua escolha determinada pela publicidade, precisa ter

a confiança de que a oferta reflete a vontade efetiva do fornecedor. Trata-se,

em última instância, de evitar o exercício abusivo do direito à publicidade,

que poderia converter-se em meio de influência das escolhas dos

consumidores sem qualquer responsabilidade para o fornecedor”.168

Como já dito, a declaração da mensagem publicitária obriga os

fornecedores aos seus efeitos, posto que ela gera percepções e

expectativas de que o consumidor alcançará a satisfação de suas

necessidades, caso adquira um produto ou serviço oferecido no

mercado de consumo.

O Prof. ADALBERTO PASQUALOTTO, ao tratar a questão da 167 Renata Mandelbaum, ob. cit., p. 172.

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natureza jurídica da publicidade, conclui que “considerando a

publicidade apenas como oferta, o tratamento que mais freqüentemente lhe é

dispensado é o de declaração unilateral de vontade”.169

A oferta ou proposta, consoante disposto no art. 427 do

Código Civil, é a declaração inicial de vontade direcionada à

realização de um contrato.170 O proponente não fica obrigado a

efetuar a prestação principal, até que o aderente manifeste a sua

aceitação, ou ainda, se o contrário não resulte dos termos da oferta.

A preocupação com o vínculo obrigacional que nasceria com a

veiculação de uma oferta ou a declaração de uma proposta sempre

foi objeto de grandes discussões na doutrina.

O ilustre Prof. CLOVIS BEVILAQUA expõe que “a elaboração

do contracto transpõe o mundo mental com a proposta, offerta ou promessa,

embora se lhe sigam outros momentos internos realizados no espírito do

solicitado. E, se a proposta é a força phychica embóra, que vae determinar

uma serie de movimentos por parte do solicitado, movimentos que podem ir

até alterar o estado de seu patrimônio, é obvio que não deve ser recuada,

arbitrariamente, da parte de quem a faz”.171 Ora, o inesquecível Prof.

CLOVIS BEVILAQUA demonstra que a força obrigacional da oferta

nasce da crença de que a oferta veiculada no mercado é válida, e

poderá, caso seja aceita pela outra parte, gerar seus efeitos no

mundo jurídico.

168 Alberto do Amaral Júnior, ob. cit., p. 50.169 Adalberto Pasqualotto, ob. cit., p. 61.170 Cláudia Lima Marques, ob. cit., p. 599.171 Clóvis Bevilaqua, Direito das obrigações, p. 167.

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125

O nosso Código Civil, por sua vez, também tratou das ofertas

feitas ao público, as quais guardam semelhança com as ofertas

veiculadas no mercado de consumo, e são regradas pelo art. 31 do

Código de Defesa do Consumidor.

O ilustre Prof. PONTES DE MIRANDA, ao tratar sobre as

ofertas feitas ao público, conclui que os seus pressupostos são a

promessa e a publicidade do ato da promessa, sendo certo que ele dá

especial atenção ao elemento da publicidade do ato, pois “as

promessas ao público somente se tornam prefeitas com a publicidade”.172

As diferenças das propostas feitas ao público dentro e fora do

mercado de consumo residem na sua finalidade, visto que existem

ofertas voltadas ao público consumidor (varejo) e ofertas voltadas

ao público dos comerciantes (atacado), sendo as últimas

regulamentadas pelo art. 429 do Código Civil.173

A oferta feita ao público equivale à proposta, quando esta

tenha estipulado os requisitos essenciais do contrato, tendo deixado

o Código Civil de fixar quais seriam os seus requisitos

indispensáveis. Diferente da oferta pública regulada pelo Código

Civil, tem-se a oferta feita ao público realizada no mercado de

consumo, eis que “os contornos da oferta publicitária, na forma traduzida

pelos estatutos e doutrinas recentes de proteção do consumidor, divergem

profundamente daqueles da policitação clássica. (. . .) seu grau mínimo de

precisão ou completude é reduzido. Já não se exige que traga todos os termos

172 Francisco Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, p. 149.

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essenciais do contrato particularmente referências à coisa e ao preço”.174

Como se vê, não há necessidade de que a oferta pública feita no

mercado de consumo traga todos os elementos necessários à sua

caracterização, bastando trazer tão-somente os elementos que

convençam o consumidor de que se trata de uma oferta veiculada no

mercado de consumo.175

A oferta pública regulada pelo Código Civil, diferente do que

ocorre com aquelas alcançadas pelo Código de Defesa do

Consumidor, é passível de revogação pela mesma via da sua

divulgação, desde que esta possibilidade tenha sido estipulada na

sua veiculação, nos moldes do parágrafo único do art. 429 do

Código Civil.

A oferta veiculada no mercado de consumo, por sua vez, não

tem a mesma sorte. Com efeito, ela é irrevogável, não dependendo

da vontade unilateral do fornecedor para cessar a sua

responsabilidade.176

Conforme leciona a ilustre Prof.ª CLÁDIA LIMA MARQUES,“ser irrevogável significa, no sistema do CDC, que o ato criado não

desaparecerá do mundo jurídico por vontade unilateral do fornecedor, uma

vez criado, é válido, terá efeitos, pelo menos o da vinculação. Sofrerá os

efeitos do contrato, se aceitação já ocorreu, ou os de seu ato il ícito de ter

prejudicado, quebrado a confiança, da outra pessoa que acreditou na sua

173 Cláudia Lima Marques, ob. cit., p. 601.174 Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, ob. cit., p. 241.175 Conf. Renata Mandelbaum, ob. cit., p. 92.176 Ver, de maneira diversa, Jorge José Lawand, Teoria geral dos contratos eletrônicos, p.134.

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oferta inicial”.177

Cumpre notar, por oportuno, que o Código de Defesa do

Consumidor da Argentina, através do seu art. 7º, dispõe que “la

revocación de la oferta hecha pública es eficaz una vez que haya sido

difundida por medios similares a los empleados para hacer la conoce”.

Logo, o Código de Defesa do Consumidor da Argentina

permite a revogação da oferta pública realizada no mercado de

consumo, desde que realizada pelos mesmos meios da oferta

pública, o que, à primeira vista, poderá gerar conflitos entre as

normas de defesa do consumidor brasileiras e as argentinas.

O nosso Código de Defesa do Consumidor, ao que nos parece,

deu a melhor saída ao problema da revogação da oferta realizada no

mercado de consumo, eis que a oferta deve ser irrevogável. Isto

porque o consumidor, ao adotar um determinado comportamento de

consumo, captou percepções, sensações e informações decorrentes

da oferta veiculada no mercado de consumo, e confiou na oferta do

fornecedor. Esta confiança, certamente, gerou seus atos, não

podendo o fornecedor, de forma unilateral, revogar a oferta e

frustrar as legítimas expectativas do consumidor geradas pela sua

oferta e desmerecer a confiança depositada naquilo que foi

veiculado.

177 Cláudia Lima Marques, ob. cit., p.602 .

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VIII. A PUBLICIDADE ENGANOSA E O DEVER DE

INFORMAÇÃO

A publicidade, como já dito, é “toda informação dirigida ao

público com o objetivo de promover, direta ou indiretamente, uma atividade

econômica”.178 Logo, percebe-se que a publicidade tem sua origem na

informação veiculada no mercado de consumo, e seu fim é

influenciar o comportamento dos indivíduos no mercado de

consumo.

Sucede, no entanto, que a publicidade veiculada no mercado

não é livre, eis que a existência de direitos absolutos leva ao abuso

de direito e ao domínio do mais fraco pelo mais forte, o que é

vedado no sistema de defesa do consumidor brasileiro. Assim, o

nosso Código de Defesa do Consumidor identificou dois tipos de

anomalias nas publicidades, vedando, dessa forma, as publicidades

abusivas e as publicidades enganosas.

A publicidade abusiva, conforme o inciso segundo do art. 37

do Código de Defesa do Consumidor, é aquela “discriminatória de

qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição,

se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança,

desrespeite valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a

se comportar de forma prejudicial ou perigosa à saúde ou segurança”.

A publicidade enganosa, nos moldes do inciso primeiro do

178 Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, ob. cit., p. 265.

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129

artigo 37 do nosso Código de Defesa do Consumidor, é “qualquer

modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou

parcialmente falsa, ou, qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de

induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características,

qualidades, quantidades, propriedades, origem, preço e quaisquer outros

dados sobre produtos e serviços”.

O presente trabalho, como já dito, tratará da expectativa dos

consumidores no comércio eletrônico, já tendo destacado que a

informação prestada no mercado é o elemento objetivo que gera as

expectativas de consumo, razão pela qual atear-se-á tão-somente às

anomalias referentes às publicidades enganosas, deixando de lado as

anomalias referentes às publicidades abusivas.

A Diretiva 450/84 da Comunidade Econômica Européia define

que é enganosa “toda publicidad que, de cualquier manera incluida su

presentación, induce en erro o puede inducir en erro a las personas a las que

se dirige o afecta, y que debido a su carácter engañoso, puede afectar su

comportamiento economico o que, por estas razones, perjudica o es capaz de

perjudicar a su competidor”. 179

O Prof. ADALBERTO PASQUALOTTO, ao analisar a

publicidade enganosa, conclui que “se põe em evidência seis aspectos

relevantes: I) a técnica enganosa (qualquer modalidade de informação ou

comunicação de caráter publicitário), II) o vício de mensagem (enganosidade

ou falsidade), III) extensão do vício (inteira ou parcialmente), IV) a conduta

do agente (ação ou omissão), V) o efeito da conduta (indução em erro) e VI)

179 Dora Szair, ob. cit., p. 62.

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130

o objeto do engano”.180

As publicidades podem ser enganosas por comissão ou

omissão. O Prof. ANTÔNIO HERMAN DE VASCONCELLOS E

BENJAMIN explica que “na publicidade enganosa por comissão, o

fornecedor afirma algo capaz de induzir o consumidor em erro, ou seja, diz

algo que não é. Já na publicidade enganosa por omissão, o anunciante deixa

de afirmar algo relevante e que, por isso mesmo induz o consumidor em erro,

isto é deixa de dizer algo que é”.181

Nesse contexto, ganha importância a técnica enganosa, a qual,

obrigatoriamente, está ligada à informação veiculada no mercado.

Observa-se, no entanto, que a técnica enganosa da publicidade pode

se dar através da apresentação de um catálogo eletrônico de

produtos, através do site de um fornecedor, dentre outras práticas.

Esta informação enganosa ou falsa gera uma crença equivocada por

parte do consumidor, a qual frustrará as suas expectativas legítimas

e, em última instância, obrigará o fornecedor a cumprir com o

prometido no mercado de consumo, ou indenizar o consumidor pelo

dano experimentado.

a) A informação e seu processamento psicológico

A informação é um dos pilares ao estudo e ao amadurecimento

do mercado de consumo, pois é certo que a falta de informação

correta e veraz é a grande vilã das anomalias existentes no mercado

180 Adalberto Pasqualotto, ob. cit., p. 117.181 Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, ob. cit., p. 289.

Page 131: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

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de consumo.

O processamento das informações, conforme leciona a Prof.ª

CHRISTIANE GADE, divide-se em três momentos, a saber: a

captação dos estímulos, a interpretação e, por fim, o processamento

das informações.182

A captação dos estímulos sensoriais se dá através do olfato,

visão, audição e gustação. Os sentidos dos consumidores são a porta

de entrada ao processamento das informações, pois eles captam as

sensações exteriores, transformam essas sensações em percepções e,

talvez, essas percepções é que venham a ser decodificadas,

armazenadas e transformadas em preferências de consumo. Os

fornecedores buscam a atenção e o estímulo dos consumidores

através da Internet, de várias formas. Com efeito, é muito comum o

uso de cores e sons para transmitir mensagens e estímulos através

da Internet, como, por exemplo, os sons relaxantes em portais de

hotéis de praia ou ainda a utilização de sons e cores fortes em

portais de jogos eletrônicos.183

Os estímulos ambientais são levados ao cérebro para sua

decodificação, sendo certo, porém, que grande parte deles já é

bloqueada, antes mesmo de chegar ao cérebro. Nesse contexto, a

atenção ganha importância no processamento das informações, pois

ela se dá quando as sensações decorrentes da estimulação dos

182 Conf. Christiane Gade, ob. cit., p. 30.183 Conf. Christiane Gade, ob. cit., p. 37.

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receptores sensoriais são levadas ao cérebro, sem qualquer

interrupção, para serem decodificadas e processadas.184

No entanto, a atenção dos consumidores é seletiva, o que

bloqueia e interrompe os estímulos externos, com grande facilidade.

Tal seletividade se dá pelos mais variados motivos, como, por

exemplo, a falta de necessidade do produto ou serviço veiculado

através de uma publicidade, a ignorância da sua utilidade, ou ainda,

a existência de uma defesa psicológica do consumidor sobre certos

assuntos.

Os estímulos e percepções externas, portanto, podem ser

bloqueados por inúmeros elementos interiores e exteriores - fatos

que impedirão a decodificação, o processamento e a sua

interpretação por parte do consumidor. A interpretação, por sua vez,

é o processo de decodificação e identificação dos estímulos

exteriores, sendo certo que esse processo é o que atribui significado

às percepções e aos estímulos exteriores captados pelo indivíduo.

O processo de decodificação e atribuição de significado às

percepções e aos estímulos exteriores também é influenciado por

fatores individuais dos consumidores, como, por exemplo,

características, necessidades, ou ainda, a sua predisposição mental

para organizar um mundo significativo.185 E mais: o processo de

decodificação e atribuição de significado implica a formação de

184 Conf. Christiane Gade, ob. cit., p. 32.185 Conf. Christiane Gade, ob. cit., p. 45.

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crenças, a partir das características dos estímulos e do contexto

situacional, pelas quais o consumidor conclui se as expectativas de

satisfação das suas necessidades serão ou não supridas, na hipótese

de aquisição dos produtos ou serviços oferecidos através de uma

oferta ou de uma publicidade veiculada na Internet.

Portanto, o processamento das informações recebidas, quer

através de percepções, quer através de estímulos sensoriais, é o

elemento que motivará a conduta dos consumidores no mercado de

consumo. E essas informações, as quais motivarão a crença de que a

oferta ou a publicidade é veraz e confiável, são os elementos que,

repita-se, ensejarão a crença de que o consumidor alcançará a

satisfação das suas necessidades com a aquisição dos produtos e

serviços veiculados na Internet, fato que atribui grande importância

às informações veiculadas no mercado de consumo e, em

conseqüência, à necessidade de uma especial proteção às

informações veiculadas pelos fornecedores nesse mercado.

b) O dever de informar e o sistema jurídico

A preocupação com a veiculação correta da informação é tão

vital à manutenção do mercado de consumo, que grande parte dos

sistemas de proteção dos consumidores tem esse dever como

princípio básico. Isto porque há necessidade de os consumidores

confiarem no mercado de consumo, pois, do contrário, a descrença

no mercado de consumo motivaria a sua própria ruína.

Page 134: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

134

O inciso XIV do art. 5º da Constituição do Brasil, assim como

o art. 42 da Constituição da Argentina, declaram como direito

fundamental dos cidadãos a prestação de informações adequadas,

corretas e verazes.186

A Constituição do Brasil, através do inciso XIV do seu art. 5 e

do inciso V do seu art. 170, determina a obrigatoriedade de o

fornecedor informar ao consumidor os elementos necessários ao

correto acesso ao consumo, pois, caso o fornecedor deixe de

informar os dados necessários à correta relação social entre as

partes, o Estado poderá intervir na relação, para equilibrá-la e evitar

o abuso econômico por parte do fornecedor.

O nosso Código de Defesa do Consumidor, através do seu art.

31, dispõe que “a oferta e apresentação de produtos ou serviços devem

assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua

portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição,

preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como

sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores”.

De forma semelhante, ainda dispõe o art. 4º do Código de

Defesa do Consumidor da Argentina que “quienes produzcan, importen,

distribuyan o comercialicen cosas o presten servicios, deben suministrar a

los consumidores o usuários, en forma cierta y objetiva, información veraz,

detallada, eficaz y suficiente sobre las características esenciales delos

mismos”.

186 Art. 42 da Constituição argentina – Los consumidores y usuarios de bienes y servicios tienen derecho, enla relación de consumo, a la proteción de su salud, seguridad e intereses econômicos, a una informaciónadecuada y veraz, a la liberdad de elección y a condiciones de trato equitatico y digno.”

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135

O inciso 3º do art. 5º do Código de Defesa do Consumidor da

Itália, de forma semelhante ao art. 31º do nosso código, dispõe que“Le informazioni al consumatore da chiunque provengano, devono essere

adeguate alla tecnica di comunicazione impiegata ed espresse in modo chiaro

e comprensibile, tenuto anche conto delle modalità di conclusione del

contratto o delle caratteristiche del settore, tali da assicurare la

consapevolezza del consumatore”.

O art. 8° do Código de Defesa do Consumidor de Portugal, por

sua vez, dispõe que “o fornecedor de bens ou prestador de serviços deve,

tanto nas negociações como na celebração de um contrato, informar de forma

clara, objectiva e adequada o consumidor, nomeadamente, sobre

características, composição e preço do bem ou serviço, bem como sobre o

período de vigência do contrato, garantias, prazos de entrega e assistência

após o negócio jurídico”.

O Projeto de Lei 4906/2001, o qual trata do comércio

eletrônico, através do seu art. 31, ainda determina os elementos

necessários à correta informação do consumidor eletrônico. O art.

do Projeto de Lei n. 4906/2001 segue os mesmos passos da Diretiva

2002/65/CE, a qual também trata do comércio eletrônico, visto que

os artigos 5º e 10º da Diretiva, assim como o art. 31 do Projeto de

Lei, estipulam, de forma objetiva, os elementos que deverão ser

informados aos consumidores eletrônicos sobre a correta oferta e

veiculação da publicidade.

O Prof. ANTÔNIO HERMANN DE VASCONCELLOS E

BENJAMIN, ao tratar da questão, conclui que “o Estado intervém para

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136

assegurar, em face da falha de funcionamento do mercado, que os

consumidores recebam informações adequadas que os habilitem a exercer, de

maneira consciente e livre, suas opções de consumo. A informação deve ser

correta (verdadeira), clara (de fácil entendimento), precisa (sem

prolixidade), ostensiva (de fácil percepção) e em língua portuguesa”.187

A Prof.ª CLÁUDIA LIMA MARQUES, ao tratar do dever de

informação, observa que o dever de informar decorre do princípio

de transparência, eis que “transparência significa informação clara e

correta sobre o produto a ser vendido, sobre o contrato a ser firmado,

significa lealdade e respeito nas relações entre fornecedor e consumidor,

mesmo na fase pré-contratual, isto é, na fase negocial dos contratos de

consumo. Efetivamente, o mandamento da transparência é um dos grandes

instrumentos de proteção da confiança, imposto pelo CDC nos contratos

entre fornecedores e consumidores”.188

O dever de informação, conforme conclui o Prof. PAULO

LUIZ NETTO LÔBO, é “direito à prestação positiva oponível a todo

aquele que fornece produtos e serviços no mercado de consumo”.189 Os seus

requisitos, conforme expõe o ilustre professor, seriam adequação,

suficiência e veracidade. A adequação deriva do respeito ao meio de

informação utilizado e seu conteúdo, eis que os meios devem ser

compatíveis com o produto ou serviço oferecido e com o tipo de

consumidor que se quer alcançar. Ademais, a suficiência refere-se à

completude e à integralidade das informações, bem como a

veracidade refere-se à sua realidade com as características do 187 Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, ob. cit., p.245.188 Cláudia Lima Marques, Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor: um estudo dosnegócios jurídicos de consumo no comércio eletrônico, p. 243.189 Paulo Luiz Netto Lôbo, A informação como direito fundamental do consumidor, p. 69.

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137

produto ou serviço apresentado.

O Prof. ANTÔNIO CARLOS EFING, ao analisar o dever de

informação, observa que “os arquivos de consumo, fontes precípuas de

informações apresentam íntima ligação com este princípio, que normatiza

não somente a responsabilidade do fornecedor na divulgação destas

informações, mas também os direitos do consumidor de obtê-las, e mais,

encontrá-las sem disparidades com a realidade. (. . .) A educação caminha

junto com a informação, e estas almejam a efetiva proteção e defesa do

consumidor. Desta forma, quanto mais desenvolvido o sistema educacional,

mais possibilidades de se concretizar o fim pretendido por estes institutos. À

medida que a sociedade de consumo passa a ser informada, suas chances de

defesa e obtenção de tutela aumentam em proporção igual ou superior”.190

Portanto, observa-se que o dever de informar, quando

analisado através da oferta e da publicidade, está intimamente

ligado ao princípio da transparência e ao princípio da confiança, eis

que informações claras e verazes, ou seja, informações que

alcancem o seu verdadeiro fim, ensejarão a transparência da relação

entre o fornecedor e o consumidor e, ao final, ensejarão a confiança

deste no primeiro e no mercado de consumo.

c) O dever de informar como fonte de obrigação

O nosso Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, traz o

dever de informar no inciso III do art. 6º e nos seus artigos 12º, 14º,

18º, 30º e 31º. O dever de informar ainda consta nos artigos 4º , 5º e

190 Antônio Carlos Efing, Bancos de dados e cadastro de consumidores, p. 91.

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138

6º do Código de Defesa do Consumidor da Argentina, no art. 2º do

Código de Defesa do Consumidor da Espanha, artigos 3º, 6º , 7º e 8º

do Código de Defesa do Consumidor de Portugal e no art. 5º do

Código de Defesa do Consumidor da Itália.

A informação, objeto de estudo do presente trabalho, é

oferecida em dois momentos principais. Há, em primeiro lugar, uma

informação que precede o nascimento da relação de consumo –

publicidade – ou acompanha o bem de consumo. Em segundo lugar,

existe a informação passada no momento da formalização do ato de

consumo, isto é, no instante da contratação.191

As informações devem ser prestadas de forma correta

(verdadeira), clara (de fácil entendimento), precisa (sem

prolixidade), ostensiva (de fácil percepção), enfim, de forma a

possibilitarem a livre escolha do consumidor e o nascimento das

suas expectativas quanto ao fim que será alcançado ao término da

relação de consumo.

Nesse sentido, é o art. 31 do nosso Código de Defesa do

Consumidor, ao dispor que “a oferta e apresentação de produtos ou

serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e

em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade,

composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros

dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos

consumidores”.

191 Conf. Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, ob. cit., p. 243.

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139

O art. 8º do Código de Defesa do Consumidor de Portugal, por

sua vez, dispõe que “o fornecedor de bens ou prestador de serviços deve,

tanto nas negociações como na celebração de um contrato, informar de forma

clara, objectiva e adequada o consumidor, nomeadamente, sobre

características, composição e preço do bem ou serviço, bem como sobre o

período de vigência do contrato, garantias, prazos de entrega e assistência

após o negócio jurídico”.

O Código de Defesa do Consumidor traz a obrigatoriedade de

o fornecedor informar o consumidor em diversos momentos da

relação jurídica, sendo a omissão do fornecedor um possível defeito

nos produtos ou serviços oferecidos (defeitos de concepção e de

produção) ou ainda uma prática comercial abusiva. O dever de

informar, e as conseqüências da omissão deste dever estão, em

grande parte, dispostas nos inúmeros artigos do nosso Código de

Defesa do Consumidor.

Todavia, há quem acredite que existem obrigações de informar

que não estão dispostas nas normas do Código de Defesa do

Consumidor, pois tratar-se-iam de obrigações secundárias aos tratos

comerciais, as quais têm uma relação secundária com a obrigação

principal.

O exemplo que interessa ao nosso trabalho são os deveres de

informação e esclarecimento, os quais “obrigam as partes a se

informarem mutuamente de todos os aspectos atinentes ao vínculo, de

ocorrências que, com ele tenham certa relação e, ainda, de todos os efeitos

que, da execução, possam advir. São, portanto, deveres que visam a permitir

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140

que as partes tenham, na medida do possível, a exata dimensão das

condicionalidades específicas da relação, podendo com isso melhor projetar

seus próprios futuros”.192

Aqueles que acreditam que nem todos os deveres de

informação estariam abarcados no nosso Código de Defesa do

Consumidor concluem que existem deveres secundários de

informação mais amplos do que aqueles dispostos no Código de

Defesa do Consumidor. Isto porque poderia existir a ofensa ao dever

de informação, mesmo após o cumprimento da obrigação de

consumo – entendendo-se obrigação de consumo em estrito “sensu”,

ou seja, o pagamento pelo produto/serviço fornecido e o consumo

total do bem/serviço. Um bom exemplo poderia ocorrer com um

remédio fornecido ao mercado de consumo que curasse um

determinado órgão do ser humano, provocando efeitos secundários

mortais, sendo certo que tal conhecimento só tivesse sido obtido

após 2 (dois) anos da utilização desse medicamento no mercado.

Como bem leciona o Prof. ROGÉRIO FERRAZ DONNINI, “o

Código de Defesa do Consumidor, ao prever, de maneira expressa, pela

primeira vez em nosso ordenamento jurídico, a denominada boa fé objetiva,

possibilitou, indubitavelmente, que nos contratos de consumo, mesmo após a

sua extinção, seja responsabilizado aquele que transgrediu os deveres

acessórios ou anexos por qualquer ato imanente ao pacto firmado, o que se

caracteriza a responsabilidade pós-contratual”.193

192 Jorge Cesa Ferreira da Silva, ob. cit., p. 106.193 Rogério Ferraz Donnini, Responsabilidade pós-contratual no novo Código Civil e no Código de Defesado Consumidor, p. 102.

Page 141: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

141

Ora, existem vários consumidores que sequer podem provar

que consumiram esse medicamento inadequado, todavia o

fornecedor deverá informar ao mercado de consumo a constatação

obtida após 2 (dois) anos de uso do medicamento, e responder pelos

danos causados pelo produto fornecido.

O nosso sistema jurídico anterior ao Código de Defesa do

Consumidor e ao Código Civil editado em 2002 determinava que a

obrigação jurídica só poderia nascer do acordo das vontades ou por

força de lei. O sistema jurídico à época era fechado, não se

permitindo a sua ampliação fora do espectro da vontade e da lei.

O aumento do alcance do vínculo obrigacional se tornou lei no

sistema jurídico da Itália, em 1942. O Código Civil italiano, de

forma diferente do nosso antigo sistema de Direito Civil, dispõe no

seu art. 1173 que “le obbligazioni derivano da contratto, o da ogni altro

atto o fatto idoneo a produrle in conformità dell’ordinamento giuridico”.

Nota-se, através da análise do referido artigo, que o sistema

jurídico da Itália permite que qualquer ato ou fato jurídico idôneo a

produzir um efeito poderia gerar uma obrigação de indenizar,

ganhando importância às condutas sociais das partes como fonte de

obrigação no sistema jurídico italiano.

Todavia, percebe-se que o Código Civil de 1916 adotou à

época o sistema obrigacional fechado, abrindo-se tão-somente após

a promulgação do Código Civil de 2002. Isto porque o novo Código

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142

Civil, através do art. 422, estipulou a cláusula geral da boa-fé, a

qual permitiu que as obrigações secundárias fossem amparadas pelo

sistema atual.

Tem-se, no entanto, que o Código de Defesa do Consumidor é

um sistema aberto, no qual se permite a responsabilidade do

fornecedor decorrente de uma conduta social atípica, no caso, a

ofensa ao dever de informação. Todavia, a nosso ver, parece que o

Código de Defesa do Consumidor, ainda que permita a

responsabilidade do fornecedor baseada em afronta a deveres

secundários do consumidor, exauriu grande parte dos deveres e

conseqüências da afronta ao dever de informar, incluindo, em

grande parte dos casos, o dever de informação como obrigação

primária, e não secundária à relação jurídica.

Com efeito, a informação é princípio básico à correta

exploração do mercado de consumo, nos moldes do inciso IV do seu

art. 5º, é direito básico do consumidor, nos moldes do inciso III do

seu art. 6º, gera obrigações no campo da responsabilidade civil

objetiva, nos moldes dos artigos 12º e seguintes e, no campo da

oferta e publicidade, obriga o consumidor ao veiculado no mercado

de consumo e integra o futuro contrato, nos moldes dos seus artigos

30º, 31º e 35º, além de proibir a veiculação de publicidades

abusivas e enganosas, nos moldes do art. 37º do Código de Defesa

do Consumidor.

Logo, o que se pode concluir é que o Código de Defesa do

Page 143: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

143

Consumidor é um sistema aberto, no qual se admite a

responsabilidade do fornecedor pela ofensa ao dever secundário de

informação, entretanto, ainda que o código permita a

responsabilidade do fornecedor por ofensa a deveres secundários do

consumidor, nos parece que grande parte dos deveres de informação

(ativo) e do combate às omissões e anomalias frente a esse dever

(passivo), estão dispostos no Código de Defesa do Consumidor

como deveres primários, os quais geram obrigações em razão dos

seus artigos, e estão diretamente ligados ao cumprimento da

obrigação principal, sendo, em alguns casos, a própria obrigação

principal.

d) A mensagem publicitária, a publicidade enganosa e o erro

Como já dito, os fornecedores não se vinculam ao consumidor

pela vontade da mensagem publicitária, mas, sim, pela declaração

dessa vontade. Isto porque os consumidores devem confiar naquilo

que foi veiculado no mercado, afastando-se a vontade subjetiva do

fornecedor no momento da veiculação da mensagem publicitária.

A publicidade enganosa nasce de uma ação ou omissão do

fornecedor capaz de induzir o consumidor a erro, eis que as

informações veiculadas não correspondem à realidade do produto ou

do serviço oferecido, fato que motivará uma expectativa errada e,

certamente, a insatisfação do consumidor quanto às suas

necessidades.

Page 144: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

144

O Prof. ADALBERTO PASQUALOTTO, ao estudar a

publicidade enganosa, observou que “o desmembramento de todos os

elementos integrativos do artigo 37, parágrafo primeiro, põe em evidência

seis aspectos relevantes: 1) a técnica enganosa ( qualquer

modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário); 2) o

vício da mensagem (enganosidade ou falsidade); 3) a extensão do vício

(inteira ou parcialmente); 4) a conduta do agente (ação, omissão ou qualquer

outro modo); 5) o efeito da conduta (indução em erro) e 6) o objeto do

engano (natureza, características, qualidade, propriedades, origem, preço e

quaisquer outros dados sobre produtos e serviços)”.194

O Prof. FERNANDO GHERARDINI SANTOS, ao analisar a

necessidade do elemento indutivo ao erro, concluiu que “o conceito

de publicidade enganosa, a despeito de enfrentar uma inevitável tautologia,

corresponde à espécie de publicidade que engana a seus destinatários,

podendo induzi-los em erro, ou seja, apresentando um potencial de desviar a

vontade de consumo. Não se exige, portanto, a efetiva indução em erro do

consumidor, mas a mera potencialidade para tanto”.195

O Código de Defesa do Consumidor da Itália, através do seu

art. 20, define a publicidade enganosa como “qualsiasi pubblicità che

in qualunque modo, compresa la sua presentazione sia idonea ad indurre in

errore le persone fisiche o giuridiche alle quali è rivolta o che essa

raggiunge e che, a causa del suo carattere ingannevole, possa pregiudicare il

loro comportamento economico ovvero che, per questo motivo, sia idonea

ledere un concorrente”.

Deve-se notar que o erro disposto na publicidade enganosa ou 194 Adalberto Pasqualotto, ob. cit., p. 116.

Page 145: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

145

a sua potencialidade está intimamente ligado à expectativa de

consumo dos indivíduos que compõem o mercado de consumo, pois

é a informação equivocada que levará à escolha errada dos

consumidores e frustrará as suas legítimas expectativas.

Com efeito, os consumidores captam percepções e

informações no mercado de consumo, processam essas informações

e adotam condutas objetivas nesse mercado, sendo certo que essas

condutas não alcançarão o fim esperado pelo consumidor, em razão

de as publicidades enganosas não condizerem com a realidade do

produto ou serviço oferecido. Logo, se as percepções e informações

captadas são falsas - o que ocorre nas publicidades enganosas -,

motivarão expectativas frustradas de consumo, eis que essas

expectativas jamais se materializarão, em razão da sua

desconformidade com a realidade do produto oferecido no mercado

de consumo.

e) A publicidade enganosa e a responsabilidade civil decorrente do

artigo 35 do Código de Defesa do Consumidor

A responsabilidade civil objetiva decorrente do art. 35 do

Código de Defesa do Consumidor baseia-se no descumprimento do

princípio da vinculação da mensagem publicitária pelo fornecedor, o

qual está intimamente ligado à teoria da declaração da vontade.

A expectativa de consumo, como já dito, é formada pelas 195 Fernando Gherardini Santos, ob. cit., p. 210.

Page 146: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

146

informações veiculadas no mercado de consumo, as quais são

transmitidas através de publicidades e ofertas veiculadas pelos

fornecedores. Essas informações formam uma mensagem

publicitária que é captada e processada pelos consumidores e que,

ao final, poderá induzi-los a adquirir determinado bem ou serviço,

caso estejam convencidos de que o bem ou o produto satisfarão as

suas necessidades.

Como bem leciona o ilustre Prof. ANTÔNIO HERMAN DE

VASCONCELLOS E BENJAMIN, “a parceria entre o Direito e a

comunicação mercadológica com o consumidor evoluiu de uma proteção

extracontratual (fragi) para uma tutela (efetiva) na fase da formação do

contrato e, a partir desta, para um regime especial de execução do

documento contratual. É nessa última concepção que as mensagens

mercadológicas, em particular a publicidade, ganham força obrigatória,

transformando-se a comunicação publicitária em autêntico serviço

informativo em benefício dos consumidores”.196

Observa-se que o art. 35 do Código de Defesa do Consumidor

deu efetividade à responsabilização do fornecedor, caso deixe de

cumprir a mensagem publicitária veiculada no mercado de consumo,

eis que o referido artigo dispõe que “se o fornecedor de produtos ou

serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o

consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha: I – exigir o

cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou

publicidade; II – aceitar outro produto ou prestação de serviços equivalente;

III – rescindir o contrato, com direito à restituição da quantia eventualmente

antecipada, monetariamente atualizada e a perdas e dano”.

Page 147: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

147

A tutela efetiva dos danos decorrentes do descumprimento da

mensagem publicitária é marco importantíssimo às relações de

consumo, pois se permitiu que o consumidor, ao seu livre arbítrio,

buscasse o seu direito de forma efetiva, quer através de

cumprimento obrigatório, quer através de pagamento de indenização

ou aceitação de outro produto ou serviço equivalente.

Ao se analisar o sistema jurídico da Argentina, não se

vislumbra um sistema de responsabilidade civil objetiva semelhante

ao brasileiro no que se refere à tutela específica do consumidor pelo

descumprimento da mensagem publicitária. O Código de Defesa do

Consumidor argentino, ainda que seu art. 8º trate dos efeitos da

publicidade nos contratos de consumo, não traz uma tutela efetiva

na hipótese do descumprimento da mensagem publicitária. Com

efeito, o referido código, através do seu art. 40º, adota a

responsabilidade civil objetiva, ainda que não determine o

cumprimento forçado da obrigação, ou a possibilidade de escolha do

consumidor quanto ao cumprimento da obrigação inadimplida, na

hipótese do descumprimento da mensagem publicitária.

O Código de Defesa do Consumidor da Itália, através do seu

art. 26, estipula as conseqüências administrativas da veiculação da

publicidade enganosa, todavia não dá solução semelhante ao art. 35

do Código de Defesa do Consumidor do Brasil. A solução dada pelo

nosso Código de Defesa do Consumidor, ao que parece, é melhor do 196 Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, ob. cit., p. 252.

Page 148: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

148

que aquelas dadas pelos Códigos de Defesa do Consumidor da

Argentina e da Itália, visto que a tutela específica na hipótese do

descumprimento da mensagem publicitária, a qual obriga o

fornecedor a cumprir a declaração da mensagem publicitária,

garante de forma efetiva o cumprimento da obrigação do fornecedor.

Portanto, percebe-se que o nosso Código de Defesa do

Consumidor dá boa solução ao problema do descumprimento da

mensagem publicitária veiculada na Internet, visto que o

consumidor terá apenas que demonstrar que adquiriu o produto ou o

serviço através da Internet e o vício existente na mensagem

publicitária, para que o fornecedor seja obrigado, nos moldes do art.

35 do nosso Código de Defesa do Consumidor, ao cumprimento da

mensagem publicitária.

Page 149: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

149

IX. A CONDUTA SOCIAL TÍPICA, A INFORMAÇÃO E A

MARCA

a) A conduta social típica

As condutas dos fornecedores no mercado de consumo

repetem-se várias vezes durante o trato negocial com os

consumidores. Com efeito, os consumidores, hoje, podem comprar

um ingresso de cinema, produtos de limpeza, livros, comidas,

roupas e jornais, através da Internet, bastando, para tanto, uma

senha de um cartão de crédito ou outra forma de pagamento.

O Prof. CLÓVIS V. DO COUTO E SILVA iniciou o estudo

acerca das condutas sociais típicas como fonte de obrigação no

sistema jurídico brasileiro, ainda sob a vigência do Código Civil de

1916. Ele assevera que “a lei tipifica diferentes atividades dos

particulares, que se tornaram usuais, comuns, no curso dos tempos. A

estrutura desses negócios, recolhidos pela legislação, passou a denominar-se

típica. (. . .) Assim, à margem dos seus tipos legais, estabeleceram-se o que se

poderiam denominar de sociais, por obra e influência de práticas reiteradas,

tipos esses ainda não recebidos e normados convenientemente. Resultado de

práticas continuadas, de costumes, esses t ipos têm a cogência peculiar ao

poder da sociedade. (. . .) Essa afirmativa importa em reconhecer haver outros

elementos de fixação no mundo social, além do Direito. Todos esses

elementos atuam sobre a atividade dos indivíduos processando-se uma

estruturação, um tipificar-se de condutas, na qual a vontade individual, em

virtude da objetivação decorrente da incidência daqueles fatores sociais, vai

passando para o segundo plano. (. . .) São atos absolutamente necessários à

vida humana. Ninguém poderá pensar em anulá-los desde que se realizem

Page 150: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

150

dentro de moldes normais e adequados, sob a alegação, por exemplo, de

incapacidade de uma das partes”.197

Como se pode observar através das assertivas do Prof.

CLÓVIS V. DO COUTO E SILVA, existem atos e fatos sociais

reiterados que geram conseqüências no mundo jurídico, não

podendo o nosso sistema jurídico deixar de observar esses

fenômenos e dar-lhes conseqüências jurídicas.198

Os estudos do Prof. CLÓVIS V. DO COUTO E SILVA

basearam-se na Sociologia Jurídica estudada por NIKLAS

LUHMANN, eis que a expectativa do consumidor nascerá da

expectativa de uma determinada conduta por parte do fornecedor e

da expectativa de que o fornecedor o trate como indivíduo

vulnerável e hipossuficiente.199

Nesta hipótese, os comportamentos das empresas, conforme

observa a Prof.ª CELIA WEINGARTEN, geram deveres e

obrigações decorrentes das suas condutas no mercado de consumo,

eis que as referidas condutas no mercado de consumo geram

expectativas por parte dos consumidores.200

Ora, a indicação do número e da senha de um cartão de crédito

em um site de uma empresa de venda de livros gera,

inquestionavelmente, o fechamento da compra pelo pagamento do 197 Clóvis V. do Couto e Silva, ob. cit., p. 93.198 Clóvis V. do Couto e Silva, ob. cit., p. 95.199 Conf. Niklas Luhmann, ob. cit., p. 54.

Page 151: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

151

valor do livro, ou ainda a indicação da senha em um site de um

banco gera a expectativa de acesso às informações do saldo e do

valor dos investimentos existentes na conta corrente do consumidor.

Logo, as condutas típicas do fornecedor e do consumidor – que se

repetem reiteradamente – geram efeitos no mundo jurídico.

Nesse contexto, a expectativa de consumo ganha importância,

visto que as condutas sociais são exercidas, em razão da expectativa

de que a outra parte adote condutas que satisfaçam às expectativas

que motivaram a conduta anterior. Ou seja, a conduta de uma

empresa, ao veicular uma publicidade de um livro no seu site, e

informar o seu preço, induz à expectativa de que o pagamento do

preço do produto, através da informação do número de um cartão de

crédito e de sua senha, implicará a compra do livro.

A Prof.ª CELIA WEINGARTEN explica que “los actos

antecedentes de la empresa tienen un importante valor motivador de

conductas, dado que el hombre se mueve por motivaciones, y la principal

motivación es la expectativa que supera la incertidumbre, especialmente en

el ámbito económico, para romper con la complejidad del mercado, creando

un marco favorable a su acesso, evitando los riesgos innecessários. (. . .) Los

actos antecedentes como comportamiento dinámico de la empresa determinan

bajo qué condiciones un consumidor realizará el intercambio económico,

porque la conducta empresarial antecedente crea expectativas y garantiza su

cumplimiento, que se materializan en obligaciones jurídicas, convirtiéndose

en fuente de seguridad”.201

200 Celia Weingarten, ob. cit., p. 6.

Page 152: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

152

Ainda no mesmo sentido, conclui a ilustre professora que“cuando una empresa opera con un comportamiento continuo (actos propios

dinámicos), está generando un valor más, que representa uno de los activos

más valiosos que las empresas tienen. (. .) El consumidor no puede obtener

información óptima (no es fácil acceso, o puede ser muy costosa); por eso,

para el contratante (consumidor o subconsumidor) es de suma importancia la

trayectoria de la empresa, evaluada por medio de sus actos. (. .) Cuando un

consumidor compra varias veces un producto y encuentra que su calidad es

siempre la misma (actos propios), puede suponer (expectativa razonable) que

en el futuro será igual (por aplicación de la teoría de los actos propios)”.202

Portanto, a conduta social típica da empresa seria a sua

conduta reiterada no mercado de consumo, a qual gerará a

expectativa do consumidor de que os atos passados da empresa –

veracidade da informação prestada através de uma publicidade e

aquisição de bens em razão desta – se repetirão novamente nas

demais relações de consumo futuras que haverá entre as partes. A

quebra dessas expectativas, geradas pelas condutas reiteradas dos

fornecedores, por si só, daria ensejo ao dever de os fornecedores

indenizarem os consumidores lesados.

b) A influência das marcas sobre os consumidores, a informação e

o princípio da confiança

As condutas da empresa no mercado de consumo geram

expectativas nos consumidores, principalmente, quando esses

consumidores já tiveram experiências anteriores com a empresa. É 201 Celia Weingarten, ob. cit., p. 21.

Page 153: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

153

certo, hoje, que grande parte dos produtos são padronizados, quer na

sua apresentação, quer no seu nível tecnológico e de segurança,

razão pela qual a publicidade e a marca da empresa são seu grande

diferencial competitivo no mercado de consumo.

Deve-se ressaltar, por oportuno, que o comportamento do

consumidor é guiado por percepções, as quais são adquiridas através

de publicidades veiculadas no mercado de consumo. Essas

percepções são apreendidas, decodificadas e se transformam em

juízos de valor, que têm a função de modificar o comportamento do

consumidor. Logo, se os comportamentos dos consumidores já

foram influenciados por empresas e marcas existentes no mercado,

as quais ficaram armazenadas em sua memória de forma positiva,

será mais fácil essas empresas modificarem os hábitos de consumo

desses consumidores do que outras empresas que sequer são

conhecidas no mercado de consumo.

A Prof.ª CÉLIA WEINGARTEN alega que “la marca define la

elección de un consumidor; es una promesa de que colmarán sus

expectativas. Los nombres de marcas conocidas otorgan información al

consumidor sobre la calidad de un producto o servicio, gerándole mayor

confianza y la certeza de que siempre encontrará dichas cualidades. (. .) Para

una empresa, la buena reputación de su marca ayuda a mantener su

prestigio, agrega valor a sus productos o servicios y constituye no de los

activos intangibles mas importantes, por los menores costos de marketing

requeridos para impulsar productos asociados. (. .) La marca reconocida le

permite a la empresa facilitar la introducción en el mercado de nuevas líneas

202 Celia Weingarten, ob. cit., p. 43.

Page 154: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

154

o variedades de productos. (. .) La marca opera como aval de calidad, pues

transfiere gran parte de sus atributos a los otros productos”.203

O Código de Defesa do Consumidor da Argentina, através do

seu art. 42, dispõe que “si el daño al consumidor resulta del vicio o

riesgo de la cosa o de la prestación del servicio, responderán el productor,

el fabricante, el importador, el distribuidor, el proveedor, el vendedor y

quien haya puesto su marca en la cosa o servicio.”

Ora, o Código de Defesa do Consumidor da Argentina, de

forma diferente do nosso Código do Consumidor, deu especial

importância à marca da empresa, eis que qualquer empresa da cadeia

de consumo, incluindo aquele que somente colocou a sua marca no

produto, responderá pelos danos causados ao consumidor.204 Isto

decorre da influência da marca sobre o processo de decisão do

consumidor, eis que uma marca já experimentada pelo consumidor,

a qual goza de uma boa impressão, terá mais possibilidade de ter

seu produto adquirido do que uma marca que sequer é notória no

mercado de consumo.

O nosso sistema de consumo, ao que parece, abarcou a

influência da marca de forma implícita, eis que, ao dar especial

tratamento à informação veiculada no mercado de consumo,

alcançou de forma indireta a influência das marcas sobre o processo

de decisão do consumidor. E mais, o nosso sistema de consumo, ao

203 Celia Weingarten, ob. cit., p. 33.204 Ver a esse respeito, Carlos Molina Sandoval, Derecho de consumo y franchising. Defensa delconsumidor, p. 375.

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155

proibir publicidades enganosas e práticas desleais, também abarcou

a influência da marca sobre o processo de decisão do consumidor e

a responsabilidade do explorador dessa marca, quando esta afrontar

os princípios básicos do consumidor, e se promover publicidades

tidas como enganosas.

Ora, sabe-se que toda marca transmite um valor, uma

experiência ao consumidor através de sensações, informações ou

publicidades, sendo certo que qualquer marca busca persuadir o

consumidor à aquisição de um produto ou serviço. Logo,

poderíamos concluir, inicialmente, que existe uma mensagem

publicitária por trás de toda marca, uma mensagem publicitária que

diferencia a empresa das demais, a qual gera um comportamento dos

consumidores daquela marca, que lhes diferencia de outro grupo de

consumidores, uma expectativa de satisfação das suas necessidades,

ao adquirirem os bens dessa marca e, ainda, uma postura desse

consumidor frente ao mundo.205

O Superior Tribunal de Justiça, através do julgamento do

Recurso Especial n. 63.981/SP, o qual teve o Ministro Sálvio de

Figueiredo Teixeira, da Quarta Turma, analisou a influência da

marca no processo de decisão dos consumidores e, ao final, concluiu

que as marcas exercem grande influência sobre o consumidor, ainda

que sejam marcas internacionais e, caso essas marcas sejam

exploradas por uma empresa com sede ou filial no Brasil, a

205 Ver a esse respeito, Margaret Mark e Carol Pearson, O herói e o fora-da-lei, p. 70 e Dominique Quessada,ob. cit., p. 34.

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156

representação da marca no Brasil poderá arcar com os danos

causados, ainda que os produtos sejam adquiridos no exterior,

conforme segue, in verbis:

“Direito do consumidor. Filmadora adquirida no exterior.

Defeito da mercadoria. Responsabilidade da empresa nacional

da mesma marca. (Panasonic). Economia globalizada.

Propaganda. Proteção do consumidor. Peculiaridades da

espécie. Situação a ponderar nos casos concretos. Nulidade do

acórdão estadual rejeitada, porque suficientemente

fundamentado. Recurso conhecido e provido.

Se a economia globalizada não tem mais fronteiras rígidas e

estimula e favorece a livre concorrência, imprescindível que as

leis de proteção do consumidor ganhem maior expressão em

sua exegese, na busca do equilíbrio que deve reger as relações

judiciais dimensionando-se inclusive, o fator risco, inerente à

competitividade do comércio e dos negócios mercantis,

sobretudo quando em escala internacional, em que presentes

empresas poderosas, multinacionais, com filiais em vários

países, sem falar nas vendas, hoje, efetuadas pelo processo

tecnológico da informática e no forte mercado consumidor que

representa em nosso país. O mercado do consumidor, não há

como negar, vê-se hoje “bombardeado” diuturnamente por

intensa e hábil propaganda, a induzir a aquisição de produtos,

notadamente os sofisticados de procedência estrangeira,

levando em linha de conta diversos fatores, dentre os quais, e

com relevo, a respeitabilidade da marca. Se empresas

nacionais se beneficiam de marcas mundialmente conhecidas,

incumbe-lhes responder também pelas deficiências dos

produtos que anunciam e comercializam, não sendo razoável

Page 157: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

157

destinar-se ao consumidor conseqüências negativas dos

negócios envolvendo objetos defeituosos”.

O acórdão acima demonstra o amadurecimento do Superior

Tribunal de Justiça quanto à análise das relações existentes no

mercado de consumo. Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça

condenou filial de empresa estrangeira por produto comprado fora

do Brasil, eis que a relação do consumidor com a empresa

estrangeira, com a sua marca, se iniciou no Brasil, através da

exploração, veiculação e exposição da marca, a qual motivou a

aquisição de produto dessa multinacional exploradora da marca fora

do Brasil.

Assim, como a empresa brasileira se aproveita da marca

internacional, a divulga, a explora no Brasil, nada mais justo do que

essa empresa responder também pelos acidentes de consumo de

brasileiros que adquiriram produtos no estrangeiro, levados ao

consumo por informações e publicidades dessa marca veiculadas no

Brasil.

O que se pode indagar é a fonte normativa que permitiria a

punição do explorador da marca no nosso sistema de consumo. O

acórdão ora analisado, por oportuno, baseou-se nos direitos básicos

de defesa do consumidor, na proibição da veiculação de uma

publicidade enganosa, na proibição da prática de métodos

comerciais coercitivos ou desleais, conforme disposto no inciso IV

do art. 6º do nosso Código de Defesa do Consumidor.

Page 158: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

158

Todavia, ainda que o referido acórdão tenha se baseado nos

direitos básicos do consumidor, tem-se a influência da marca tanto

sobre o processo de decisão quanto sobre o comportamento do

consumidor, sendo certo que essa influência também está ligada às

informações que são transmitidas ao consumidor na fase pré-

contratual. Tais informações formam as legítimas expectativas do

consumidor, razão pela qual a exploração da marca também estaria

implicitamente ligada aos artigos 30 e 35 do nosso Código de

Defesa do Consumidor.

O art. 30 do nosso Código de Defesa do Consumidor, através

da veiculação de uma marca, vinculará o fornecedor ao consumidor,

eis que as informações, a exposição do consumidor a uma marca, ao

valor que se busca alcançar com a aquisição de produtos de

determinada marca e à confiabilidade que essa marca exerce sobre o

consumidor, influenciará o seu comportamento, razão pela qual o

referido artigo alcança de forma implícita as condutas sociais do

fornecedor, e a expectativa gerada pela sua marca.

As informações e percepções transmitidas pelo fornecedor

através da sua marca geram expectativas objetivas aos

consumidores, sendo certo que o art. 35 do Código de Defesa do

Consumidor trata da responsabilidade civil objetiva do fornecedor,

ao quebrar as legítimas expectativas dos consumidores e afrontar o

princípio da confiança.

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159

Como bem declara o Prof. ANTÔNIO HERMAN DE

VASCONCELLOS E BENJAMIN, “a teoria da confiança confere

supremacia à declaração sob o fundamento de que o direito deve visar antes

à certeza do que à verdade, mais ainda quando uma das partes – aquela que

confiou – é particularmente vulnerável, como o consumidor”.206

Logo, se o fornecedor afronta o princípio da confiança, o qual

é pilar da vinculação do fornecedor à declaração da mensagem

publicitária, em razão da sua recusa ao cumprimento das

expectativas nascidas das informações transmitidas através da

apresentação do seu produto, publicidade ou mesmo da sua marca,

este se sujeitará à responsabilidade civil objetiva, nos moldes do

art. 35º do Código de Defesa do Consumidor, podendo ainda

cumprir as expectativas geradas nos mesmos moldes do veiculado

no mercado de consumo.

Nesse contexto, o princípio da confiança ganha importância no

mercado de consumo, visto que a confiança dos consumidores nas

mensagens, informações e percepções transmitidas pelos

fornecedores geram a expectativa de que a aquisição de

determinados produtos satisfarão às suas necessidades. Essas

expectativas estão diretamente ligadas à confiança depositada pelos

consumidores na marca do fornecedor, nas suas informações,

apresentações e publicidades, sendo certo que a quebra da confiança

depositada pelos consumidores no fornecedor implicará a frustração

das suas expectativas e o dever de o fornecedor cumprir com a

206 Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, ob. cit., p. 256.

Page 160: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

160

mensagem publicitária veiculada no mercado, nos moldes do art. 35

do Código de Defesa do Consumidor.

Por derradeiro, pode-se caracterizar nas indagações acima

expostas a desconformidade da mensagem publicitária com a

realidade da marca e do produto, o que, em última instância, poderá

caracterizar os atos de exploração da marca como publicidade

enganosa. Com efeito, a indução ao erro no exercício através da

veiculação da informação, a qual caracteriza a publicidade

enganosa, pode se dar através de qualquer forma de informação,

restando claro que a veiculação de uma marca no mercado de

consumo também pode ser entendida como uma forma de

informação.

Assim, a desconformidade da mensagem publicitária existente

de forma implícita em uma marca com a realidade dos seus produtos

poderá ensejar a caracterização da existência de uma publicidade

enganosa, ensejando a condenação do explorador dessa marca,

conforme já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, à reparação

objetiva dos danos experimentados pelo consumidor, nos moldes do

art. 35 do Código de Defesa do Consumidor.

Page 161: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

161

X. CONCLUSÃO

Por todo o exposto no presente trabalho, observou-se que a

expectativa de consumo é gerada por informações veiculadas no

mercado de consumo, quer através de uma oferta, quer de uma

publicidade, ou mesmo, de uma marca. As expectativas de

consumo nascem das percepções captadas pelos consumidores no

mercado, são processadas e apreendidas e, ao final, geram

determinados comportamentos dos consumidores.

Os consumidores são movidos no mercado de consumo pela

satisfação das suas necessidades, sendo a informação percebida no

mercado de consumo o instrumento utilizado à geração dessas

expectativas, as quais, se materializadas, satisfarão as

necessidades dos consumidores.

Os consumidores, ao adquirirem produtos através do

comércio eletrônico, não têm contato físico com os produtos

adquiridos, tampouco com o fornecedor desses bens e serviços,

fato que gera grande desconfiança nesse meio de aquisição de bens

e serviços. Nos meios eletrônicos, os consumidores têm tão-

somente a crença na informação veiculada e a confiança na

probidade de seus fornecedores. Nesse contexto, a informação, a

transparência, a marca, a publicidade e as atitudes das empresas do

Page 162: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

162

mercado de consumo ganham grande importância, pois essas

“informações” serão vitais à confiança dos fornecedores no

mercado de consumo eletrônico.

As Diretivas européias sobre o fornecimento de produtos à

distância e sobre o comércio eletrônico demonstram a preocupação

do legislador comunitário com a seriedade da veiculação das

informações, com a veracidade e clareza dessas informações, com

a necessidade de transparência das empresas que se utilizam desse

tipo de comércio e, sobretudo, com a vedação de práticas abusivas

e publicidades enganosas por parte daqueles que veiculam seus

produtos e serviços através da Internet.

O nosso Código de Defesa do Consumidor já abarcou grande

parte dos problemas que decorrem do comércio eletrônico

realizado através da Internet. Isto porque o nosso código deu

especial importância à veiculação da informação de forma clara e

veraz, à vinculação do fornecedor à oferta na fase pré-contratual, à

vedação à veiculação de publicidades enganosas por ação ou

omissão e, caso qualquer dever secundário fuja da aplicação

desses artigos, o que não se acredita, o princípio da boa-fé, o

princípio da transparência e da confiança certamente darão ao

julgador a liberdade necessária ao correto juízo de valor sobre as

questões levantadas pelos consumidores.

Page 163: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

163

Não se deve esquecer que, hoje, o Poder Judiciário já aplica

de forma desacanhada e mais amadurecida os princípios gerais do

Código de Defesa do Consumidor, eis que a própria edição do

Código Civil, de 2002, fez nascer nos nossos julgadores a

necessidade de releitura dos princípios clássicos dos séculos

passados.

Ademais, pode-se dizer que o nosso Código de Defesa do

Consumidor é diploma avançado e suficiente às questões e

desafios traçados pelas evoluções tecnológicas, em especial,

aquelas trazidas pela Internet. Não se vê, até o presente momento,

problema referente às relações de consumo que não possa ser

resolvido pelo Código de Defesa do Consumidor, mas tão-somente

pelo Projeto de lei n. 4.906/2001.

Portanto, os problemas gerados pela desconfiança dos

consumidores na aquisição de bens e serviços já é matéria tratada

pelo nosso Código de Defesa do Consumidor, o qual busca o

consumo amadurecido dos indivíduos que compõem o mercado e o

exercício da livre iniciativa, sem os abusos corriqueiros das

economias liberais.

Page 164: A EXPECTATIVA DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

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