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MARCELO FETZ DE ALMEIDA A VALORIZAÇÃO DA BIODIVERSIDADE E DO CONHECIMENTO TRADICIONAL ASSOCIADO NA ECONOMIA INFORMACIONAL Universidade Federal de São Carlos São Carlos - 2005

A explorao da biodiversidade e do conhecimento tradicional ... · 9 através de técnicas originadas na engenharia genética, ... conhecimento tradicional e tribal em atos de bioprospecção

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MARCELO FETZ DE ALMEIDA

A VALORIZAÇÃO DA BIODIVERSIDADE E DO CONHECIMENTO TRADICIONAL ASSOCIADO NA ECONOMIA INFORMACIONAL

Universidade Federal de São Carlos São Carlos - 2005

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MARCELO FETZ DE ALMEIDA

A VALORIZAÇÃO DA BIODIVERSIDADE E DO CONHECIMENTO TRADICIONAL ASSOCIADO NA ECONOMIA INFORMACIONAL

Monografia apresentada como exigência para a obtenção do grau de bacharel em Ciências Sociais à comissão julgadora da Universidade Federal de São Carlos, sob a orientação do Prof. Dr. Marcelo Coutinho Vargas.

Universidade Federal de São Carlos São Carlos - 2005

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SUMÁRIO PGs

INTRODUÇÃO...............................................................................................................................5

CAPÍTULO I - O desenvolvimento tecnológico - Ênfase no conhecimento e informação...........12

I. Sociedade e inovação tecnológica.............................................................13

II. As especificidades do novo desenvolvimento tecno-científico.................17

III. A descrição histórica da mudança Paradigmática.....................................22

IV. As especificidades dos produtos informacionais.......................................25

CAPÍTULO II - Biotecnologia, biodiversidade e propriedade intelectual.....................................30

I. Uma pequena revisão da história da biotecnologia...................................31

II. A problemática da biodiversidade.............................................................36

III. Biotecnologia, engenharia genética e biodiversidade...............................37

IV. A informacionalização da vida e patentes.................................................40

CAPÍTULO III - A biodiversidade brasileira: Biogrilagem, patentes e acesso ao material

genético................................................................................................................43

I. A biodiversidade no Brasil......................................................................44

II. Histórico do desenvolvimento do aparato legislativo ambiental brasileiro..................................................................................................48

III. A biogrilagem..........................................................................................51

IV. Patentes e propriedade intelectual sobre insumos biológicos..................56

V. Instrumentos de acesso à biodiversidade.................................................62

1.1 A convenção sobre a diversidade biológica......................................62

1.2 A medida provisória n°2.186-16, de agosto de 2001 e o acesso à biodiversidade....................................................................................69

CAPÍTULO IV - A valorização do conhecimento tradicional associado na economia

Informacional......................................................................................................73

I. A valorização do conhecimento tradicional na pesquisa biotecnológica..........................................................................................74

II. Conhecimento tradicional X conhecimento moderno..............................80

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III. A exploração do conhecimento tradicional associado à biodiversidade..........................................................................................85

CAPÍTULO V - A proteção do conhecimento tradicional associado à biodiversidade.................90

I. As especificidades do conhecimento tradicional frente às formas de

proteção da propriedade intelectual..........................................................91

II. As tentativas de proteção do conhecimento tradicional associado.............94

1.1 A convenção sobre a diversidade biológica e a problemática da exploração do conhecimento tradicional...........................................98

1.2 A medida provisória n° 2.186-16, de agosto de 2001......................103

CAPÍTULO VI - Dois exemplos: O uso da biodiversidade e do conhecimento tradicional - A

exploração do curare e a pesquisa sobre plantas medicinais no Vale do

Ribeira..............................................................................................................108

I. Uma breve descrição dos exemplos.......................................................109

II. O patenteamento do curare....................................................................111

III. Extração alternativa: A pesquisa sobre ervas medicinais no Vale do Ribeira...................................................................................................116

CAPÍTULO VII - Conclusões......................................................................................................122

I. Sobre a questão da biodiversidade.......................................................123

II. Sobre a exploração do conhecimento tradicional associado................130

REFERÊNCIAS...........................................................................................................................136 Documentos........................................................................................................142 Sites Visitados....................................................................................................143

LISTA DE QUADROS.

I. Quadro 1. diferenciações entre conhecimento moderno e o tradicional................................................................................84

I. Quadro 2. Patentes internacionalmente reconhecidas...........113

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Introdução

Vivenciamos uma quantidade inumerável de inovações e aperfeiçoamentos tecnológicos

nos planos científico, produtivo e social. Como aconteceu em vários momentos do desenrolar

histórico social, a tecnologia, mais uma vez, demonstra a capacidade do homem se adaptar e

transformar o meio social e físico no qual desenvolve suas atividades sociais. A tecnociência e as

redes sócio-técnicas de produção tecnológica, ao mesmo tempo em que determinam e são

determinadas pelo universo social, simbólico, humano e não humano, permitem a reinvenção de

categorias sociais que permeiam a produção discursiva da realidade, inventando e reinventando,

assim, práticas e significados de forma constante, dinâmica e, a cada dia, mais veloz e com maior

eficiência. Com isso, as revoluções tecnológicas verificadas no decorrer de nossa história, como

as duas Revoluções Industriais, inserem-se dentro de um novo universo social, através do qual

obtém significados a partir de um sistema simbólico decodificador das ações que constituem a

realidade dos objetos técnicos e não técnicos, ou seja, das coisas significantes à pratica da vida

social. Diferentemente das chamadas Revoluções Industriais, a velocidade de aquisição, invenção

e reinvenção tecnológica, seja por descobertas e aperfeiçoamentos, são as principais

características do chamado paradigma informacional, ou simplesmente economia informacional.

“O que era, já foi”. Esta simples frase representa plenamente esta nova dinâmica, onde a

busca por aperfeiçoamentos e criações tecnológicas, ou seja, o processo de destruição criadora,

descrito por Josef Schumpeter, assume claramente relativa importância para a realização de

projetos e inserção de inovações científicas e técnicas. Contudo, a radicalização da modernidade,

atualmente vivenciada e estudada por sociólogos, como Anthony Giddens, possibilita a realização

de Pesquisa e Desenvolvimento para além da esfera econômica, estabelecendo-se modificações

tecnológicas em diferentes esferas sociais e culturais. Este processo, de interação entre diferentes

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áreas sociais no estabelecimento e concretização de projetos tecnológicos e científicos é

exemplificado por Manuel Castells através da cidade digital holandesa e por Bruno Latour com o

projeto francês de desenvolvimento de um trem urbano de superfície.

Há várias interpretações sobre a reestruturação econômica operada no sistema mundial

capitalista e as decorrentes mudanças sócio-culturais ocorridas nas últimas décadas do século

passado, que parecem voltar-se para um novo regime de acumulação e novos padrões de

regulação política e organização social. A sociedade pós-industrial teorizada por Alain Touraine e

Daniel Bell entre o final dos anos 60 e o início dos 70; a condição “pós-moderna" discutida por

François Lyotard e David Harvey nos anos 80; ou ainda, a era da globalização e da modernidade

reflexiva e a “sociedade informacional”, analisadas respectivamente por Anthony Giddens e

Manuel Castells nos anos 90, todos estes esquemas interpretativos das macro-tendências da

sociedade contemporânea parecem convergir quanto à centralidade da crescente valorização

econômica, política e social do conhecimento.

Uma área, em específico, chama-nos particular atenção: o processo de decodificação de

informações e a conseqüente virtualização da matéria viva biológica com potencial valor de

exploração econômica. Este procedimento técnico e científico típico na engenharia genética e nas

ciências biotecnológicas alimenta inúmeros debates éticos, políticos, econômicos e sociais, como

nas discussões sobre bioética e nas várias Convenções e Cúpulas Internacionais realizadas sobre

questões relacionadas o acesso e uso da riqueza biológica. Temos, portanto, uma configuração

macro-social que fornece base empírica para uma re-significação simbólica e material da

biodiversidade. Esta re-configuração insere a questão ambiental em diversos planos, pulverizando

a problemática em questões multi-focais relacionadas a vários agentes sociais, políticos e

econômicos, isto é, torna-se uma questão estrutural dentro da sociedade moderna.

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A inclusão da biodiversidade como matéria-prima informacional para o desenvolvimento

científico e tecnológico no modelo de economia informacional originou, sem dúvidas, aplicações

de extrema utilidade para a pratica social, representando uma produção cultural característica da

nova ordem social moderna. Observamos aplicações em inúmeras áreas científicas, industriais,

médicas e farmacêuticas, no setor de serviços, entre várias outras aplicações, conquistadas pelo

aperfeiçoamento da fronteira tecno-científica.

Contudo, esta série de inovações possui lados negativos e contraditórios. A valorização da

biodiversidade como matéria-prima para a ciência moderna, na tentativa de se obter informações

úteis à aplicação econômica, possibilita a criação de um verdadeiro mercado da exploração

ambiental, o que favorece o gradativo aumento da depredação do meio ambiente. Aliado ao

processo de valorização da matéria viva pela sociedade da informação, ocorre, simultaneamente,

o aumento das pesquisas que têm nela seu objeto. Porém, um novo dilema se abre: com

tamanha infinidade de espécies existentes na natureza, qual delas poderá ter potencial

econômico? A resposta para tal pergunta é encontrada em populações que possuem uma íntima

relação com a biodiversidade: as chamadas populações tradicionais.

Devido ao grande contato com a biodiversidade, uma considerável gama de

conhecimentos foi conquistada empiricamente por populações tradicionais e tribais. Este acúmulo

de conhecimento valoriza-se tal qual a biodiversidade, sendo o conhecimento tradicional

utilizado na indicação de insumos que possam vir a ser utilizados nas pesquisas biotecnológicas,

fornecendo o uso social de determinado organismo biológico. Este procedimento reduz a

probabilidade de erro no ato de bioprospecção, facilitando o trabalho de pesquisa de campo de

pesquisadores, laboratórios e fundações de pesquisa.

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A utilização do conhecimento tradicional associado à biodiversidade possibilita, portanto,

a redução nos custos de pesquisa através da otimização no tempo de coleta e análise da matéria

viva. No entanto, a valorização do conhecimento verificada no atual modelo econômico e

científico possui suas particularidades: existe uma seletividade no processo de valorização do

conhecimento, isto e, a partir de uma padronização moral institui-se o conhecimento digno de

reconhecimento e crença. A partir disto, origina-se um sistema de verdades padrão para a

sociedade moderna ocidental, excluindo-se assim, modelos simbólicos diferenciados de

construção da realidade social, como é o caso do saber detido por populações tradicionais e

tribais. Esta crença social em apenas um modelo de aquisição de conhecimentos, entre outros

fatores, é pressuposto para a criação de modelos diferenciados de apropriação privada de saberes,

como são as patentes, mecanismo reducionista não universal através do qual é realizada a

institucionalização da dominação de um grupo social sobre o outro explicitando legalmente os

diferencias de poder e significação do valor social da produção cultural de diferentes sistemas

classificatórios de comunidades e grupos distintos.

A partir destas colocações iniciais, este trabalho objetiva analisar esta nova estrutura

social e econômica que permeia a exploração do material genético e do conhecimento tradicional

no processo de desenvolvimento e aperfeiçoamento técnico, científico e tecnológico realizado na

área biotecnológica, utilizando-se como principal objeto de estudo os atos de bioprospecção e

pesquisa onde seja possível verificar a interação de agentes sociais com distintos sistemas de

verdade.

Em nosso primeiro capítulo, dissertamos sobre a revolução das tecnologias da informação

realizando um relato histórico e conceitual sobre suas principais características. Já no segundo

capítulo, observaremos o processo de decodificação informacional e virtualização da matéria viva

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através de técnicas originadas na engenharia genética, relacionando-a a construção do paradigma

informacional. Ainda neste capítulo, estabelecemos uma breve discussão sobre a aplicação do

mecanismo de propriedade intelectual às tecnologias da vida. Para tal, focamos o instrumento de

patentes, assim como sua incapacidade de representação universal de categorias classificatórias

diferenciadas.

A partir do terceiro capítulo, voltamos nosso olhar para a situação brasileira quanto ao

tráfego de insumos biológicos e ao acesso e uso do conhecimento tradicional. Neste capítulo,

nosso objeto principal de estudo são as relações econômicas e sociais que permeiam a produção

tecnológica e científica que originam problemas acerca da biodiversidade brasileira, como a saída

ilícita de insumos através da biogrilagem e os mecanismos de proteção da propriedade intelectual

aplicados ao comércio global de insumos. Neste mesmo capítulo, inserimos a discussão sobre as

regras de acesso e uso da biodiversidade brasileira observados na Convenção sobre a Diversidade

Biológica (CDB), realizada no Rio de Janeiro durante o ano de 1992, e a Medida Provisória,

número 2.186-16 de agosto de 2001, criada posteriormente a esta convenção como uma tentativa

de se colocar em ação os mecanismos discutidos e elaborados durante a CDB.

Em nosso quarto capítulo, analisamos questões concernentes à exploração do

conhecimento tradicional e tribal em atos de bioprospecção. Este capítulo busca mostrar como as

práticas sociais da economia informacional “valoriza” o conhecimento tradicional, seus métodos

e a conseqüente exploração predatória deste conhecimento. Para realizar esta tarefa, examinamos

as principais diferenças entre as duas formas de conhecimento envolvidas na interação entre

diferentes agentes sociais em pesquisas de cunho biotecnológico: o conhecimento científico e o

tradicional, ou etnoconhecimento. No capítulo seguinte, estudamos os mecanismos de proteção

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legal discutidos e elaborados, durante a CDB, para questões relacionadas ao acesso e uso do

conhecimento tradicional, assim com a mesma Medida Provisória citada anteriormente.

Como exemplos empíricos para nosso estudo, dissertamos no sexto capítulo sobre o

patenteamento do curare, composto produzido a partir de ervas e veneno de cobra utilizado em

práticas sociais por várias tribos indígenas brasileiras. Neste ponto, discutimos a exploração

predatória de um conhecimento tribal, pois inexistiu o pressuposto da divisão eqüitativa de bens

provenientes da exploração compartilhada de conhecimentos. Nosso segundo exemplo, uma

pesquisa sobre ervas medicinais no Vale do Ribeira realizada pela Unesp (Universidade Estadual

Paulista) juntamente com a UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), exemplificando uma

tentativa de realizar o que chamamos de abordagem transcultural compartilhada em pesquisas

biotecnológicas, tipo ideal (assim como a exploração predatória) que representa a possibilidade

de uma repartição universal de ganhos, seja de cunho científico, social ou ambiental entre todos

os agentes envolvidos na realização do ato de bioprospecção em pesquisas biotecnológicas.

Nossa conclusão enfatizar as principais questões discutidas nos capítulos anteriores, a

partir dos quais realizaremos uma análise conjunta dos principais fatos e argumentos descritos na

elaboração de toda a pesquisa. Enfim, trata-se de um estudo que busca uma análise representativa

da inserção do Brasil no processo de globalização trazido pela sociedade da informação, focando

a dinâmica de valorização do conhecimento e do desenvolvimento tecnológico a partir da análise

de um objeto de suma importância para o desenvolvimento econômico e social do Estado

Brasileiro. Com o olhar voltado para as relações sociais que permeiam o acesso e uso da

biodiversidade e do conhecimento tradicional, ou seja, da riqueza biológica e da riqueza social

buscamos estabelecer pontos fundamentais para a construção de políticas públicas e econômicas

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úteis ao licenciamento de pesquisas científicas e tecnológicas e à inclusão de grupos minoritários

em processos macro-sociais.

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Capítulo I.

O desenvolvimento tecnológico - Ênfase no conhecimento e informação.

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I. Sociedade e inovação tecnológica

As últimas décadas do Século XX caracterizaram-se por uma enorme saga de

transformações, inovações e aperfeiçoamentos tecnológicos e científicos aplicáveis a vários

setores de produção, desenvolvimento, pesquisa e serviços. Determinantes e determinadas por um

conjunto de fatores e agentes sociais, as novas tecnologias refletem o constante domínio do

homem sobre a natureza, além de refletir características culturais representativas da ordem

temporal e espacial da modernidade enquanto situação momentânea para estabelecimento de

pressupostos simbólicos e cognitivos para ordenamento de práticas sociais e discursivas.

Este processo de aceleração e aprimoramento discursivo, possibilitando um acréscimo à

separação entre palavra e coisa – virtualização dos objetos e construção de um discurso sobre a

realidade pautado no cientificismo teórico onde o ordenamento da ordem material e natural

rompe com o meio físico em si, aspecto condizente com a atual re-significação simbólica de

ordens sociais vigentes até então - fortalece-se nas últimas três décadas do século XX,

principalmente nos EUA. Esta Revolução baseada na mudança do pressuposto social e técnico de

aperfeiçoamento científico e tecnológico, o qual acarreta modificações fundamentais na própria

ordem capitalista, opera, entre outros fatores, a transição do modelo industrial tradicional,

baseado na produção tangível empírica, para o modelo de acumulação e desenvolvimento que

possui como pressuposto fundamental a obtenção de conhecimento e informação, isto é, baseado

na abstração simbólica ordenada por uma sociabilidade causal onde a ação social se estabelece e

se constitui a partir do estabelecimento de uma finalidade racional operacionalizada a fim de

atender a necessidade de eficiência, produtividade e viabilidade.

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Para além destas modificações, observa-se a superação do modelo de produção e

administração idealizado por Taylor e Ford, onde os pressupostos de padronização produtiva são

constantemente substituídos pelo modelo gerencial fundamentado na flexibilização produtiva e

administrativa denominado pelos nomes de pós-Fordista ou Toyotista. Com maior eficiência, a

flexibilização produtiva atende melhor às transformações sociais atendendo com maior eficiência

a demanda de produtos e serviços, como isso obtém constante aceitação, já que representa as

atuais práticas sociais vigentes na sociedade moderna, ou seja, trata-se de um produto de uma

determinada ordem social (Harvey, 1996).

De acordo com Castells (1999):

“O próprio capitalismo passa por um processo de profunda reestruturação caracterizado por maior flexibilidade de gerenciamento; descentralização das empresas e sua organização em redes tanto internamente quanto em suas relações com outras empresas; considerável fortalecimento do papel do capital vis-à-vis o trabalho, com o declínio concomitante da influência dos movimentos de trabalhadores; [...] aumento da concorrência global em um contexto de progressiva diferenciação dos cenários geográficos e culturais para a acumulação e a gestão de capital (pp. 39-40).”

Nota-se, portanto, um constante processo de reestruturação da organização produtiva do

capital, das relações de trabalho e das relações sociais, possibilitadas por uma re-significação

abstrata da realidade apreensível, tornando a nova ordem política, social e econômica produto de

uma determinada ordem simbólico-social, estruturada e estruturadora das relações de

sociabilidade entre instituições, agentes e indivíduos, ou seja, uma produção reflexiva. Desta

forma, esta nova dinâmica de inovação, desenvolvimento e aperfeiçoamento técnico, tecnológico

e científico transcende a esfera econômica sendo determinada e determinante de um conjunto

macro-social de agentes e instituições que se relacionam diretamente na construção da atual

ordem capitalista. Trata-se, sobretudo, de uma rede-sociotécnica de produção que imerge em uma

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ordem tecnocientífica. Assim, a obtenção de novas tecnologias e processos modifica e modificará

as ordens política, social e econômica da mesma forma que uma modificação em uma destas três

instâncias acarretará, consequentemente, em mudanças na forma de aquisição, aplicação e

desenvolvimento de novas técnicas. Neste mesmo raciocínio, teremos um sistema de verdade

como pressuposto para a criação simbólica do significado das tecnologias criadas, da mesma

forma como esta “criação destrutiva” insere-se harmonicamente dentro desta ordem social moral

e simbólica.

Castells (1999) denomina este momento histórico como novo paradigma da tecnologia da

informação. De acordo com o autor, este conceito deve-se ao aumento da interação entre as

diferentes culturas e economias; a compressão do espaço e tempo; a organização em rede, tanto

da sociedade quanto das empresas, na qual as modificações atuam em um plano multi-focal.

Dentro do novo paradigma, alguns aspectos são de relevante importância: as novas tecnologias

atuam sobre a informação e não apenas sobre a tecnologia e os efeitos das novas tecnologias são

percebidos nos vários setores sociais, ou seja, constrói-se tecnologias reflexivas e de alta

disseminação no espaço. Além disto, a pesquisa e desenvolvimento, diferentemente da

construção de Schumpeter, podem ocorrer em outras esferas sociais, isto é, não se restringem

somente a concorrência entre agentes atuantes exclusivamente na esfera econômica.

Porém, a tecnologia não define a sociedade. O que realmente ocorre, e este deve ser o

cerne da questão a ser levantada neste trabalho, é o processo de constante interação entre homem,

tecnologia e meio ambiente. A sociedade busca constantemente inovações que possam lhe

proporcionar melhores condições de vida, aumento da qualidade de vida, assim como conforto e

comodidade para as pessoas. Sendo assim, a tecnologia é um fator intrínseco à sociedade,

podendo ser observado no processo de avanço tecnológico das duas revoluções anteriores esta

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busca por estes quesitos. Desta forma, através da relação entre os vários agentes constituintes

deste tripé - homem, tecnologia e meio ambiente – busca-se estabelecer uma espécie de consenso

que possibilite a concretização de projetos científicos e tecnológicos e sua validação e

legitimação social.

O aperfeiçoamento e criação tecnológica são, portanto, características intrínsecas à

sociedade, não seu determinante. Para uma melhor caracterização podemos observar dois

momentos de suma importância para a dinâmica de produção tecnológica: a primeira e segunda

Revolução Industrial. Nos dois processos observa-se o desenvolvimento e a aplicação de novas

tecnologias, assim como melhoras constantes nos conhecimentos dos processos técnicos e

científicos. A primeira Revolução Industrial caracterizou-se, principalmente, pelo advento e uso

de tecnologias, tais como o motor a vapor, a fiandeira, e, principalmente, pelo processo de

substituição da produção artesanal por métodos manufaturados propiciados pelo uso de

máquinas. A segunda revolução, por sua vez, caracterizou-se pelo desenvolvimento da

eletricidade, introdução do motor à combustão interna, pela indústria química e introdução de

tecnologias de comunicação, com o é o caso do telégrafo e da invenção do telefone. Verifica-se,

conseqüentemente, a introdução e a aceleração da produção, inovação e aperfeiçoamento de

tecnologias. Novamente, como Castells (1999) afirma:

“Foram, de fato, ‘revoluções’ no sentido de que um grande aumento repentino e inesperado de aplicações tecnológicas transformou os processos de produção e distribuição, criou uma enxurrada de novos produtos e mudou de maneira decisiva a localização das riquezas e do poder no mundo, que, de repente, ficaram ao alcance dos países e elites capazes de comandar o novo sistema tecnológico (pp.71)”.

Assim como o novo paradigma informacional, as modificações ocorridas na primeira e na

segunda Revolução Industrial são fatos históricos caracterizados pela introdução de novas

tecnologias, configurando uma espécie de relação harmônica entre os vários agentes sociais

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constituintes desta nova ordem cultural, isto é, configura-se certa coesão entre fatores humanos e

não humanos no quadro de significação simbólica possibilitando, desta forma, a decodificação e

criação de novas práticas sociais estruturadas e estruturantes das novas técnicas, tecnologias e

processos produtivos e administrativos. Shapiro (1999) assim descreve as duas primeiras

revoluções:

“À medida que o século se encerrava, o mundo diminuía. O público rapidamente ganhava acesso a tecnologias de comunicação notavelmente mais rápidas (pp. 13)”

Neste fragmento, o autor afirma a existência de um processo de diminuição de fronteiras,

ou seja, da redução do espaço e tempo entre países, culturas, populações e a aceleração do

processo de desenvolvimento, inovação e criação tecnológica através da difusão social – espacial

e temporal - de tecnologias. Referindo-se, agora, ao processo de desenvolvimento ocorrido na

primeira e segunda Revolução Industrial, surge uma questão fundamental: sendo o novo

paradigma informacional fundamentado no desenvolvimento tecnológico e na redução do espaço

e tempo social, assim como nas primeiras revoluções, no que diferiria, portanto, o atual modelo

dos demais em relação ao desenvolvimento de tecnologias? Esta é, com certeza, uma questão

importantíssima a ser discutida.

II. As especificidades do novo desenvolvimento tecno-científico.

Como visto acima, existem vários fatores de convergência entre os processos de

desenvolvimento tecnológico observados em diferentes momentos históricos, já que os casos

caracterizam-se fortemente pelo desenvolvimento de novos conhecimentos e processamento de

informação, elementos vitais para a concretização social de qualquer processo técnico, científico

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e tecnológico, já que falamos de uma conjuntura de tecnociência onde inúmeros agentes atuam na

criação e aperfeiçoamento em C&T.

Castells (1999) define o atual modelo de desenvolvimento tecnológico com o conceito de

economia informacional. Vivenciaríamos, de acordo com este autor, um período histórico de

modificações estruturais nos chamados meios de produção: de uma base econômica

fundamentada na produção de insumos materiais para uma outra estruturada no constante

processo de inovação, criação e aperfeiçoamento tecnológico e científico fundamentado a

aquisição de conhecimento e informação. O conceito de tecnologia, de acordo com o mesmo

autor, é definido como “o uso de conhecimentos científicos para especificar as vias de se fazerem

às coisas de uma maneira reproduzível (Castells, 1999, pp.49)”, ou seja, conhecimento e

inovação tecnológica fundem-se em um conjunto complexo de fatores sociais para além da

própria esfera econômica de desenvolvimento de C&T. Ainda de acordo com este conceito, o

paradigma informacional teria como pressuposto a intangibilidade do saber, em outras palavras, a

operacionalização econômica e social do valor contido no conhecimento e na informação.

Podemos afirmar, desta forma, que ocorre uma transformação no conceito de valor trabalho,

sendo este modelo substituído pela produção tangível com base, fundamentalmente, na aquisição

e operacionalização de conhecimentos. De acordo com Pereira da Silva (1995), trata-se da

substituição do valor trabalho pelo então chamado valor conhecimento, pressuposto para o

desenvolvimento produtivo em setores com alto valor tecnológico agregado.

A partir destas especificações podemos falar, portanto, em um processo de

desenvolvimento tecnológico caracterizado pela constante dinâmica de aquisição e

operacionalização de conhecimento e informação, os quais podem ser reproduzidos e

disseminados com maior facilidade em escala global, sendo, assim, um dos fatores de

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fundamental importância para construção de um mercado global. Os principais vetores deste

modelo econômico, de acordo com Castells (1999), seria a microeletrônica, a computação, a

telecomunicação/radiodifusão, a optoeletrônica e, até mesmo, a engenharia genética. Sem mais, a

partir da década de setenta e oitenta, torna-se perceptível o desenvolvimento de novas técnicas e

tecnologias fundamentadas pelo constante processo de aquisição de conhecimento e informação,

ou seja, modifica-se a base produtiva tradicional sendo que o maior contingente de inversão de

capitais é dado no plano de desenvolvimento científico e tecnológico.

Realizando uma breve comparação entre o atual modelo de produção econômica com os

verificados nas duas primeiras revoluções industriais, o principal aspecto diferenciador do atual

modelo seria a velocidade em que ocorre o chamado feed back de aperfeiçoamento da aplicação,

geração de conhecimentos e desenvolvimento tecnológico. Nesta nova estrutura, a chamada

“destruição criadora” é fundamentada em técnicas chamadas learn by doing (aprender fazendo),

ou seja, um modelo produtivo constantemente permeado por pesquisa e desenvolvimento (P&D),

porém, rompe-se com a idéia de produção centrada no empresário empreendedor capitalista

schumpeteriano, pois a criação tecnológica pode ocorrer fora da esfera econômica, como é o

exemplo da Cidade Digital holandesa.

A interatividade entre produtor e consumidor, favorecendo uma relação horizontal entre

agentes sociais e agentes de desenvolvimento tecnológico, pesquisadores e cientistas,

característica do novo paradigma, fundamenta, além da própria configuração social que considera

a harmonia entre agentes de múltiplas orientações, a lógica denominada estoque zero da chamada

economia de escopo (Harvey, 1995). A interação entre os processos sociais e produtivos é de

suma importância para a dinâmica de criação, desenvolvimento e recriação da informação;

porém, a lógica fundamental, propiciada tanto por uma necessidade social quanto por uma

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necessidade técnica, tecnológica e científica, orientadora de práticas sociais e produtivas seria, no

plano produtivo, a velocidade de transformação, constante superação e desenvolvimento de novas

tecnologias; no plano social, seria a aceleração do tempo, redução do espaço geográfico e a

efemeridade das relações e práticas sociais. Assim, temos um complexo sistema que se auto-

sustenta, não sendo possível estabelecer uma relação causal entre, por exemplo, produção

econômica e relações culturais e sociais. Temos diferentemente desta tese, uma ordem multi-

causal, onde a desarmonia a não coesão entre as várias partes institucionais e agentes sociais

determinam o sucesso ou insucesso de determinada técnica, tecnologia ou fato científico.

Assim, a dinâmica, a velocidade e a efemeridade na introdução de novas tecnologias e

práticas sociais seriam as principais características do chamado paradigma informacional. Desta

forma, a frase “o que era, já foi” pode ser tomada como uma metáfora do desenvolvimento

tecnológico e da introdução e obsolescência de práticas sociais. A transição do valor trabalho

para o valor conhecimento seria o principal fator a instituir esta dinâmica, sendo um fator

estruturado e estruturador das novas relações econômicas e sociais.

Lastres (2002), em seu artigo “Desafios e oportunidades da era do conhecimento”,

caracteriza o novo paradigma informacional da seguinte forma:

“No novo padrão técnico econômico nota-se a crescente intensidade e complexidade dos conhecimentos desenvolvidos e a acelerada incorporação de conhecimentos nos bens e serviços produzidos e comercializados. Destaca-se, sobretudo, a maior velocidade, confiabilidade e baixo custo de transmissão, armazenamento e processamento de enormes quantidades de conhecimentos codificados e de outros tipos de informação (pp. 60)”.

Diferentemente dos processos clássicos tradicionais, a dinâmica de difusão de tecnologias

no novo paradigma ocorre com grande dinamismo e velocidade através da chamada lógica de

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rede. Todavia, esta rede é estritamente seletiva, fato que explica a existência de países em

situação de total ou de parcial “desconexão” com as economias e culturas inseridas no novo

paradigma, como é o exemplo de grande parte dos países Africanos marginalmente situados no

modelo baseado na aquisição de conhecimento. Trata-se, sobretudo, de uma lógica fundamentada

um uma ação com relação a fins específicos, ou seja, sociedades que ainda não atendem a

racionalidade técnica, orientada para o desenvolvimento científico e tecnológico de certa espécie,

estão automaticamente excluídas do relacionamento inter-global. Desta forma, trata-se de uma

padronização nas formas de pensar e modificar a ordem natural, estabelecendo um modelo

“ideal” de práticas sociais.

Os componentes base para o desenvolvimento em escala global do paradigma

informacional são constituídos, basicamente, de processos e tecnologias aplicadas à geração,

processamento e transmissão de informações e conhecimentos que possuem potencial valor

econômico. Resumidamente, podemos colocar as tecnologias e técnicas derivadas da

microeletrônica, computação e telecomunicações como campos chave para o desenvolvimento e

sustentação do modelo econômico atual. Inter-relacionados entre si, estas três áreas angariaram a

base de estruturação para a aquisição, tratamento e operacionalização de informações e

conhecimentos complexos. Além do próprio tratamento da informação, o barateamento e difusão

destas tecnologias entre o grande público, como em laboratórios, pequenas empresas e no uso

pessoal, reflete a aceitação das novas tecnologias por parte de uma série inumerável de agentes e

instituições sociais. Assim, o barateamento da tecnologia possibilitou a disseminação e sua

popularização por vários setores da sociedade, permitindo sua inserção de forma decisiva na vida

de grande parte da população mundial.

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III. A descrição histórica do processo de mudança paradigmática

De acordo com Castells (1999), a década de setenta data o início da 3° Revolução

Industrial. Durante este período foram obtidos o maior contingente de inovações tecnológicas que

servem de base para o desenvolvimento e implantação do chamado paradigma informacional e,

consequentemente, a possibilidade de difusão das tecnologias informacionais por vários setores,

agentes e instituições sociais. Vale lembrar que é neste período que se encontra a gênese da

engenharia genética, fato histórico que será discutido no decorrer deste trabalho.

No plano espacial, a gênese da revolução informacional ocorre nos Estados Unidos da

América. Posteriormente, dissemina-se por vários países europeus e asiáticos, especialmente o

Japão. Devido a amplitude de fatores e sua rápida difusão pelo globo, busca-se, cada vez mais, a

interpretação do paradigma informacional a partir de fatores globais, sendo a discussão pautada,

geralmente, dentro da chamada lógica de organização em rede, isto é, trata-se de centrar o estudo

da criação e modificações conseqüentes dentro de uma óptica horizontal onde a maior parte dos

países atua simultaneamente para a construção do novo paradigma. O principal pressuposto para

o desencadeamento e disseminação da lógica informacional é colocado por Castells a partir da

idéia de meios de inovação (1999). Nos Estados Unidos, os meios de inovação, coesão entre

vários agentes sociais que possibilitam, sistemicamente, o desencadeamento do processo

revolucionário, pode ser encontrado e verificado no local denominado Vale do Silício, ou seja,

neste local existia a estrutura humana e não humana, tecnocientífica, base para o início do

processo de mudança paradigmática.

No Vale do Silício, portanto, existia uma estrutura coesa e harmônica entre vários agentes

sociais, tais como centros de pesquisa e de formação de pesquisadores; empresas dispostas a

integrarem o processo do aprender fazendo; e, por último, fator sine-qua-non, foi o papel

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exercido pelo Estado na promoção do desenvolvimento das tecnologias da informação, através de

investimentos e criação de fundos, criando-se uma estrutura de pesquisa e desenvolvimento na

área de ciência e tecnologia. Temos, assim, o Estado americano como fator crucial promovedor

de investimentos de grande porte, tanto no setor público quanto privado, correlacionando agentes

e instituições de pesquisas, universidades e empresas instituindo, desta forma, a gênese da

mudança de paradigma econômico e social, fundamentando a cadeia produtiva enquanto

investimento fundamental na aquisição e aplicação de informação e conhecimentos de alto

potencial econômico e mercadológico. Para além desta questão, temos um conjunto de fatores

atuando na dinâmica de ação do próprio Estado norte americano, em outras palavras, observa-se

uma alteração na lógica operacional do Estado tornando-o efetivo como esfera empreendedora de

grande porte, podendo sustentar investimento que, geralmente, não poderia ser realizado por

agentes tradicionais na economia. Com isso, temos o Estado como um fator de relativa

importância para a construção dos meios de inovação necessários ao desencadeamento do

processo de revolução informacional.

Considerando a mudança paradigmática como uma relação complexa entre vários agentes

sociais, torna-se necessário o estudo e verificação da lógica de ação dos agentes sociais que

existem fora da esfera de P&D em C&T. Na sociedade americana verifica-se um ambiente social

propício ao desencadeamento da mudança paradigmática, onde o processo de inovação,

aprendizado e conseqüente criação de núcleos de inovação, permitiram uma ação social dinâmica

e benéfica à difusão da informação tecnológica, ou seja, um ambiente formado por instituições de

pesquisa aliadas ao setor empresarial e corporativo respaldadas por práticas sociais que

permitiam a decodificação da dinâmica fugaz de inovação tecnológica. Em outras palavras, temos

uma sociedade que constrói uma estrutura de ação e de práticas sociais centradas na efemeridade,

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na mudança e na dinâmica das relações sociais dentro de um mundo veloz e fugaz. Com isso, a

velocidade de inovação no campo tecnológico encontra-se escrita nas práticas sociais, sem

estabelecer, porem, uma relação causal, mas uma completa coesão e reciprocidade, permitindo a

harmônica decodificação da reestruturação e re-significação que ocorrida no plano tecnológico.

De certa forma, o setor de P&D e C&T soube operacionalizar processualmente as práticas sociais

ao mesmo tempo em que a sociedade como um todo instituiu simultaneamente as novas

produções cientificas e tecnológicas. Temos, então, que o surgimento dos meios de inovação foi

favorecido pelo caráter empreendedor da sociedade americana, sendo um pressuposto essencial

para seu desencadeamento, pois na ausência deste fator, como no caso japonês, por exemplo,

onde o Estado foi o precursor fundamental para criação dos meios de inovação, tendo de suprir a

ausência da variável social, o processo de mudança paradigmática foi prejudicado. Com isso, a

implantação do modelo informacional durou, aproximadamente, vinte anos para sua aceitação e

entendimento social, diferentemente do ocorrido nos EUA.

A informação é, destarte, o fator chave do novo paradigma informacional. É possível

distinguir o novo modelo econômico pela observação de algumas características, tais como: a

penetrabilidade dos efeitos das novas tecnologias na sociedade como um todo; a lógica de redes;

a flexibilidade em todos os processos que a constituem; convergência de tecnologias específicas

em um sistema altamente integrado. Esta característica teria, como sub-produtos, as alianças

estratégicas e os projetos de cooperação entre empresas, governos e terceiro setor, que

estabeleceriam uma estrutura sob a qual ocorreria uma constante colaboração na geração da

informação (Castells, 1999).

Por fim, todas estas transformações refletem-se no modo dos indivíduos pensarem e

agirem. Criam-se novas instituições que representam a nova estrutura dentro da sociedade. Uma

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transformação desta magnitude afeta, com absoluta certeza, todas as esferas existentes em

qualquer sociedade, sua cultura, sua economia, suas ideologias e estruturas políticas.

IV. As especificidades dos produtos informacionais.

O atual desenvolvimento técnico-científico, como anteriormente verificado, transformou

e, como é se trata de um processo dinâmico e inacabado, ainda transforma todas as esferas de

nossa sociedade, ditando tendências e modifica as relações sociais em vários planos, seja no

plano social, político ou econômico, através da compressão do espaço e tempo.

Com o avanço da fronteira científico-econômica, ocorrido após a década de setenta, novos

produtos, assim como diferentes formas de se obter e de se desenvolver produtos e tecnologias,

foram obtidos a partir dos novos mecanismos de tratamento da informação, seja ela de

informação simbólica, por meio da comunicação inteligente entre máquinas ou por máquinas,

como na microeletrônica e na informática; seja ainda da informação da matéria viva por

intermédio da engenharia genética, base das biotecnologias avançadas (Albagli: 1998, p.7). Este

último tipo de informação, fundamental para o cerne do problema desta pesquisa, terá atenção

especial no próximo capítulo.

Com a mudança no conteúdo de valor dos produtos a partir da transferência do valor

trabalho para o valor conhecimento, molda-se um outro formato econômico. Como Demo (2000)

afirma:

“De um lado, temos o desenvolvimento sem precedentes do conhecimento como base emancipatória desta sociedade [...] e o processo galopante de informação pode ser reconhecido como seu carro chefe, porque condensa os mais evidentes impactos teóricos e práticos do conhecimento. [...] Por outro

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lado, porém, é mister observar que outra mola mestra comparece à cena, que é a competitividade econômica baseada na produção e uso intensivos de conhecimento, revelando que a dinâmica desta sociedade do conhecimento é feita de modo preponderantemente pelo mercado neoliberal; em termos teóricos, estaríamos vivendo agora a 'mais-valia relativa', como assinala Marx, fundada em ciência e tecnologia, ou seja, a produtividade econômica é alimentada essencialmente, não mais pela força física do trabalhador, mas por sua inteligência (p.38)”.

Esta transferência na base de valor, assim como o constante avanço tecnológico aliado à

enorme competitividade possibilitada pela organização em rede da sociedade e da economia,

alterou vários pontos e características dos produtos elaborados pelas indústrias que se encontram

inseridas no novo paradigma informacional.

Criando-se novos métodos de obtenção de produtos, a indústria de tecnologia avançada

passa a investir constantemente na produção de tecnologia e conhecimento, virtualizando o

produto, pois, a partir do momento que se passa a vender tecnologia e não mais o produto final

em si, o maior valor encontra-se nas características intangíveis do produto (no conhecimento) e

não mais no produto concreto, no produto tangível em si.

Assim, os novos produtos possuem características próprias, diferentes da velha indústria

de produtos tangíveis. Dentre estas características, Galvão (1999: 67-71) enumera sete

especificidades dos produtos informacionais, a saber: 1) o produto informacional pode não estar

imbuído de qualidades tangíveis; 2) a distribuição destes produtos não requer contato direto entre

fornecedor e comprador; 3) o valor dos produtos não possui referencial em suas características

tangíveis, mas no seu conteúdo informacional; 4) diferentemente dos produtos tradicionais, os

produtos baseados em informação e conhecimento podem ser replicados com grande facilidade a

um baixo custo; 5) o produto informacional pode ser utilizado inúmeras vezes sem que se

deprecie ou perca seu valor; 6) somente os detentores dos direitos de propriedade sobre estes

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trabalhos podem transacioná-los de maneira legal; e por último, 7) os distribuidores dos produtos

informacionais podem, facilmente, adicionar valor ao processo de distribuição do mesmo.

Atualmente, considerando-se as inovações trazidas pelas modernas tecnologias aplicadas

à indústria, aliados ao processamento digital nas tecnologias responsáveis pela digitalização de

todo tipo de informação, as novas características dos produtos proporcionaram uma maior

facilidade da comercialização de produtos informacionais, além, é claro, do constante aumento

deste mercado em todo o mundo. A adaptação do mercado e da sociedade a este novo

procedimento tecnológico, considerando-se a íntima relação entre tecnologia e sociedade,

permitiu a reprodução e o avanço deste novo paradigma com a possibilidade de atuação em uma

enorme variedade de finalidades.

Um ponto de vital importância para a manutenção do crescimento, no mercado de

produtos considerados intangíveis, encontra-se na necessidade de se estabelecer regras de

propriedade intelectual e de propriedade sobre a informação e, desta forma, garantir o retorno

econômico de uma determinada pesquisa ou da inversão de uma quantidade alta de capital no

desenvolvimento de conhecimento industrial.

O mercado de informação cresce de forma espantosa em todo o globo. De acordo com

dados do WITSA - World Information Technology and Services Alliance, os setores envolvidos

com as tecnologias de informação e comunicação representam cerca de 6% do PIB global no ano

de 1997 e cresciam cerca de 27% mais rápido do que a economia mundial em seu conjunto.

Observamos que o gasto, de acordo com a mesma instituição, em desenvolvimento tecnológico

em todo o mundo, no ano de 1997, foi de aproximadamente US$ 1,8 trilhões, o que representa

um crescimento de 40% em relação a 1992 (Fonte: Galvão, 1999).

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Vemos que o comércio voltado para o uso de tecnologias, baseado nos processos de

digitalização da informação, mostra-se um mercado de grande potencial de crescimento, o que

ratifica sua posição de revitalizador do capitalismo. Como afirmara o próprio Castells (1999),

restava ao capitalismo tornar-se informacional ou sucumbir econômica e politicamente.

Vários são os produtos criados pelo avanço das tecnologias de informação, considerando

que os de maior valor comercial são aqueles de expressivo investimento em alta tecnologia. Um

dos produtos que geram maior discussão em plano global refere-se às chamadas "tecnologias da

vida", ou seja, tecnologias que lidam com a manipulação da informação da matéria viva. Vários

setores sociais, como governos e Ong's, fomentaram as principais discussões, muitas delas em

convenções internacionais, como é o caso da Convenção sobre Diversidade Biológica - CDB.

A biotecnologia, através da engenharia genética, é um processo industrial e tecnológico de

obtenção de informação retirada da matéria viva - tecidos, plantas, genes, ou seja, insumos

humanos, animais ou vegetais - na busca de beneficiação genética para a aplicação em

agricultura, desenvolvimento de remédios, terapias e em processos de aplicação industrial em

geral, entre outros. Está incluída dentre as sete características do produto informacional, descrito

por Galvão (1999) e, desta forma, podemos claramente imaginar o quanto este mercado cresce

em termos globais, assim como suas potencialidades de crescimento e desenvolvimento, atuando,

juntamente com os mecanismos de proteção legal da propriedade intelectual, mediante o

requerimento de patentes como forma de garantir o retorno econômico dos gastos em pesquisa e

desenvolvimento - P&D.

Os principais laboratórios e institutos de pesquisa biotecnológica, como Reprogenesis,

Life Sciences, Osíris therapeutics, BioHibrid Technologies, ReGen Biologics, Acorda (Castells,

1999), entre outros, encontram-se, majoritariamente, em países ricos localizados, em sua maior

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parte, ao norte do equador. Estas diferenças, tanto políticas, econômicas e sociais, geram

espetaculares gastos para os países mais pobres, pois, além de não possuírem capital para

realizarem grandes pesquisas nesta área, sofrem com o pagamento pela utilização destas

tecnologias, sendo obrigados a recolher royalties aos países detentores destas tecnologias.

O desenvolvimento das tecnologias é protegido pelos mecanismos de proteção de

propriedade intelectual, sendo o uso e exploração da tecnologia exclusiva aos laboratórios em que

foram desenvolvidos. Este assunto será discutido, com maior profundidade, no decorrer de nosso

trabalho, enfatizando-se a problemática relação entre a produção de biotecnologias através de

recursos derivados da biodiversidade, assim como o constante uso e exploração do chamado

conhecimento tradicional associado.

A revolução das tecnologias de informação transformou, em todos os planos, a sociedade

mundial. Avançamos vários estágios no desenvolvimento de produtos e processos com a

obtenção de novas tecnologias. Vários processos foram desenvolvidos. Porém, como pode ser

observado em qualquer uma das duas outras revoluções tecnológicas, fatores negativos podem ser

detectados e, nesta nova revolução, isso não é diferente.

Desta forma, desenvolvendo-se novas tecnologias, novos problemas surgem, novos

obstáculos devem ser enfrentados e, quem sabe, supera-los. Este é o caso das biotecnologias;

indiscutivelmente, não podemos deixar de observar os avanços que as tecnologias da vida

trouxeram para a sociedade, tanto na melhora da qualidade de vida, alimentação, conforto, entre

outros. Mas, mais do que olharmos com vislumbre para estes avanços cabe a nós estudá-los e

analisar os problemas provenientes deste novo campo que surge para nos desafiar. Vários são os

problemas. Neste trabalho focalizaremos dois deles: o acesso e a utilização da biodiversidade e a

exploração do conhecimento tradicional de populações locais e povos indígenas.

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Capítulo II.

Biotecnologia, biodiversidade e propriedade intelectual.

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I. Breve revisão da história da biotecnologia.

A palavra tecnologia, de acordo com suas raízes etimológicas, significa tratado ou

discurso (logya) das artes (thecné). Do étimo grego thecné e do seu equivalente latino ars-artis

derivam técnica e arte e, de acordo com Abbagnano (1982, p.77) "todo conjunto de regras

capazes de dirigir uma atividade humana qualquer". Pelo dicionário Aurélio, define-se tecnologia

como um "conjunto de conhecimentos, especialmente princípios científicos, que se aplicam a um

determinado ramo de atividade". Assim, biotecnologia é o conhecimento voltado para o

entendimento de processos que se relacionam com a vida.

Os estudos que utilizam métodos biotecnológicos, no decorrer da história humana, podem

remontar, como Castells (1999) descreve, há tempos arcaicos, como, por exemplo, na Babilônia

antiga, em 6000 a.C., com a elaboração de estudos sobre a fermentação.

Avançando séculos na história da humanidade, os processos que envolvem o

desenvolvimento das tecnologias da vida referem-se a um período mais próximo, contemporâneo

à nossa sociedade. Deste modo, faremos um breve resumo do desenvolvimento dos métodos da

engenharia genética e da biotecnologia provenientes da revolução das tecnologias de informação,

observando-se, de forma mais precisa, o progresso tecnológico que este marco histórico

possibilitou a toda sociedade.

A revolução nas tecnologias de informação trouxe uma possibilidade sem parâmetros para

a utilização e acúmulo de informações sobre a vida, enfatizando-se no desenvolvimento de novos

processos para a indústria moderna, além de dar novo fôlego à biotecnologia em geral.

No ano de 1953, na Universidade de Cambridge, EUA, a dupla de cientistas Francis Crick

e James Watson realizaram uma das maiores descobertas do século, quando ambos cientistas

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descobriram em suas pesquisas o que mais tarde seria chamado de estrutura básica da vida: a

dupla hélice do DNA (Castells, 1999).

Porém, foi após a década de setenta, através de métodos oriundos da engenharia genética,

que se torna possível à combinação e a re-combinação genética do DNA, método este que

permitiu a aplicação acumulada de conhecimentos pela comunidade científica, inaugurando um

novo marco para as ciências da vida em todo o mundo.

Com a descoberta deste novo método científico, tornou-se apenas uma questão de tempo

para que outras descobertas e aplicações tomassem corpo. Em 1973, por exemplo, verificou-se a

possibilidade da clonagem de organismos vivos com a descoberta do método para clonagem

genética. Em 1975, “pesquisadores de Harvard isolaram o primeiro gene de mamífero, a partir da

hemoglobina de coelho, e, em 1977, o primeiro gene humano foi clonado (Castells: 1999, pp.

93)”.

O novo campo aberto pelas tecnologias da vida, e o seu potencial de aplicação sobre

inúmeros campos, como medicina, agroindústria e indústria alimentícia, como é o caso dos

alimentos transgênicos, fez com que ocorresse uma espantosa corrida para a abertura de

laboratórios e centros de pesquisas.

Contudo, um avanço desta magnitude que não possuí precedentes em toda a história

humana, com capacidade de infinitas formas de lucratividade, fez com que o frenesi ocorrido na

década de setenta se tornasse na construção de um grande fracasso. Uma enorme quantidade de

capital fora investido por grandes laboratórios na tentativa de se obter lucros e, da mesma forma,

uma quantidade imensa de capital foi perdida nesta sagaz cede de lucro. Isso pode ser

exemplificado através da criação e da enorme valorização das ações na bolsa Nasdaq - bolsa

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norte americana voltada para o mercado de tecnologia. Esta valorização, entretanto, foi fictícia,

gerando enorme transtorno para seus investidores.

As constantes notícias de fracassos geraram efeitos negativos para a continuidade do

desenvolvimento de novas pesquisas e da descoberta, pela biotecnologia e engenharia genética,

de novas aplicações. Esta sucessão de fracassos fez com que este setor enfrentasse um período

retração em seu crescimento durante quase toda a década de oitenta, sobretudo na difusão das

aplicações.

Em 1988, novamente em Harvard, cientistas obtiveram notáveis feitos: a clonagem de um

rato e a aquisição de sua patente. Em 1989, “pesquisadores da Universidade de Michigan e

Toronto descobriram o gene responsável pela fibrose cística, abrindo caminho para a terapia

gênica (Castells: 1999, pp. 93)”.

Já no ano de 1997, cientistas do Rose Institute em Edimburgo anunciaram a clonagem da

ovelha que se tornou o animal mais famoso em todo o mundo: a ovelha Dolly. No ano de 1998,

em artigo publicado na revista Nature, cientistas descrevem a possibilidade da clonagem de

clones, possibilitando à produção seqüencial de organismos.

Todos estes avanços feitos pela ciência nos últimos anos, como os métodos de clonagem

de seres vivos, vários debates sobre o assunto surgiram na sociedade, meio acadêmico, Igrejas,

governos, entre outros. A clonagem de organismos permite a padronização e a conseqüente perda

da diversidade entre as várias espécies, o que torna estes organismos suscetíveis de destruição

pelo mesmo organismo ou praga, ou seja, faz com que o ambiente perca seu equilíbrio natural

obtido em anos de evolução. Como Albagli (2003: pp.3) afirma: “a diversidade da vida é

elemento essencial para o equilíbrio ambiental, já que, sob a perspectiva ecológica, quanto maior

for a simplificação dos ecossistemas, maior a sua fragilidade”.

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Um dos maiores atrativos econômicos para a realização de pesquisas nesta área se

encontra na aplicação médica com o desenvolvimento de terapias gênicas. Podemos verificar este

tipo de uso nas famosas células tronco, também chamada célula totipotente, pois possuem

capacidade de regenerar vários tipos de tecidos e órgãos humanos, já que se adaptam ao tipo de

tecido em que for implantada.

Outro foco de grande investimento econômico encontra-se na identificação de substâncias

contidas em plantas e o conseqüente desenvolvimento de medicamentos. Aqui, o pesquisador

retira da biodiversidade os próprios insumos a serem usados nas pesquisas, isolando o princípio

ativo de um insumo, como plantas e animais, e, a partir destas informações, desenvolve remédios

e terapias que se utilizam destas informações. Este tipo de pesquisa, assim como a problemática

que a envolve, será discutido de forma específica nos próximos tópicos desta pesquisa.

Portanto, a chance de se encontrar uma substância economicamente útil, através da

pesquisa e isolamento do princípio ativo de plantas e animais, até mesmo de humanos, leva

cientistas a transformarem-se não em meros pesquisadores, mas sim em verdadeiros empresários,

trabalhando para grandes empresas que atuam em duas frentes: a descoberta do princípio ativo e

no desenvolvimento de mecanismos de propriedade intelectual. Nesta caminhada, relacionando o

mercado com a questão da biodiversidade e das populações chamadas tradicionais, o

desenvolvimento destes mecanismos ignora a importância da manutenção do valor intrínseco da

biodiversidade e do conhecimento tradicional e busca proteger, acima de tudo, o interesse do

capital e dos grandes laboratórios, centros e corporações que somente objetivam o lucro.

Este novo campo de pesquisas faz com que verdadeiras batalhas sejam travadas entre

laboratórios e centros de pesquisa, como é o caso do seqüenciamento do genoma humano, para os

quais vários laboratórios buscam estabelecer patentes sobre as inúmeras informações

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encontradas, mesmo que não encontrem a função e a utilidade de tal informação. Deste modo,

tenta-se estabelecer a propriedade intelectual para que, futuramente, descubra-se à função e a

utilidade de tal informação que possa ser utilizada economicamente para o desenvolvimento de

terapias e/ou medicamentos. Esta problemática, que versa sobre a diferenciação entre inovação e

descoberta, ocorre de igual maneira para o uso dos insumos da biodiversidade.

O advento da engenharia genética possibilitou que cientistas trabalhassem com

substancias cada vez menores e de forma muito mais complexa. Conseqüentemente a este novo

modelo de pesquisa e elaboração de aplicações, novos problemas desenvolveram-se. Como

Castells (1999) afirma:

“Para o sociólogo, essas batalhas comerciais não representam apenas mais um exemplo da ambição humana. Elas sinalizam um ritmo acelerado na difusão e no aprofundamento da revolução genética. O progresso da engenharia genética cria a possibilidade de ação com os genes, tornando a espécie humana capaz não apenas de controlar alguma doença, mas de identificar predisposições biológicas e nelas intervir, portanto alterando potencialmente o destino genético (pp. 95)”.

Alterar o destino genético de uma espécie é, com absoluta certeza, uma expressão que

descreve perfeitamente a capacidade desenvolvida pela engenharia genética. Com a junção de

capital, pesquisa e proteção legal, através instrumentos de propriedade intelectual, as críticas e

discussões sobre este modelo de exploração econômica ganham, cada vez mais, força, e, quanto

mais se analisa esta problemática, melhor podemos observar o aumento dos problemas trazidos

com a exploração da matéria viva.

Claramente, deve-se ressaltar as inúmeras possibilidades e benefícios trazidos por este

ramo científico-econômico, pois apenas parte das pesquisas é realizada de forma ilícita. Nossa

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crítica assenta-se sobre a exploração ilegal, tanto da biodiversidade quanto do saber tradicional,

não sobre o desenvolvimento da ciência que trabalha em benefício do homem e da sociedade

como um todo.

II. A problemática da biodiversidade.

As novas tecnologias destacam, em seu núcleo central, formas originais de tratamento da

informação, assim como sua conseqüente aplicação nos vários processos produtivos. Dentre estas

aplicações, vê-se a emergência da aplicação da informação da matéria viva, através da engenharia

genética, como componente de vital importância para o novo momento do desenvolvimento

tecnológico. Neste caso em específico, temos a diversidade biológica1 como principal fonte de

matéria-prima para a promoção do avanço neste campo. Assim, o recurso natural é transformado

de recurso natural em recurso informacional.

No caso particular da biodiversidade, observamos a existência de uma defasagem entre os

países, cujas diferenças neste campo resultam em disputas e embates no plano econômico e no

plano da propriedade intelectual.

Enquanto ao sul do equador localiza-se o maior contingente da biodiversidade mundial,

ao norte do mesmo encontram-se os países que mais investem na produção e disseminação de

novas tecnologias. Este processo torna as regiões ricas em biodiversidade, geralmente regiões

pobres, exceto a Austrália rica em biodiversidade e considerada uma nação desenvolvida,

extremamente visada pelos laboratórios de pesquisas. Assim, o controle sobre a informação e sua

1 De acordo com a Convenção sobre Diversidade Biológica, diversidade biológica significa a variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte; compreende, ainda, a diversidade dentro de espécies, entre espécies e ecossistemas.

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aplicação através de tecno-ciências, tornam-se motivos de calorosas discussões no plano

econômico internacional.

Estas disputas permeiam, principalmente, dois campos: o controle do acesso aos insumos

biológicos e, de igual forma, os chamados conhecimentos tradicionais associados de

comunidades locais e indígenas. Ambos problemas estão diretamente relacionados e sofrem com

a apropriação privada através dos mecanismos de propriedade intelectual.

III. Biotecnologia, engenharia genética e biodiversidade.

A problemática acerca da biodiversidade, como matéria prima para a biotecnologia,

remonta, principalmente, à década de oitenta, quando se observa o processo de amadurecimento

da discussão sobre os impactos ambientais originados pelo modelo econômico vigente no mundo,

modelo de desenvolvimento que insere constantes inovações tecnológicas nocivas ao meio

ambiente. O amadurecimento da questão ambiental pode ser visto no aumento das convenções

internacionais que envolvem vários setores da sociedade, como governos, Organizações

Internacionais e ONG’s2.

O processo de extinção e deterioração de ecossistemas acelera-se de forma surpreendente

devido às práticas humanas predatórias ao meio ambiente, impulsionadas pelas modernas

sociedades industriais, fato este que supera em muito o processo natural e dinâmico verificado

2 A atuação de Ong’s no cenário político ambiental deve ser considerada como um fator importantíssimo para o aumento da discussão, assim como o aumento qualitativo dos temas discutidos. Encontrando-se de forma mais presente nas várias regiões que sofrem com os impactos ambientais. As Ong’s permitiram uma melhor inclusão do local ao plano global, oferecendo a possibilidade da sociedade civil participar e intervir na construção de um regime que a represente de forma mais completa. O aumento das Convenções e o estabelecimento de normas nos tratados desenvolvidos pelas mesmas, fortemente influenciados pela sociedade civil, obtêm, desta forma, um aparato de resistência à ordem econômica mundial.

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nas teses de Darwin. Estima-se que o número de plantas e ecossistemas em processo de extinção

seja hoje centenas, ou até milhares de vezes superior ao existente no passado.

O conceito de biodiversidade abarca um enorme número de insumos, que envolvem toda a

vida orgânica em diferentes níveis. Corresponde à variabilidade da vida, tanto de espécies quanto

de habitats.

A biodiversidade é fator de vital importância à manutenção da vida, pois, quanto mais

simplificado for um ecossistema, maior será sua fragilidade. A biodiversidade é, também, fator de

adaptabilidade à humanidade, através do processo de fornecimento de insumos, como alimentos

diversificados, que sustentam a base do desenvolvimento humano na terra.

No decorrer dos últimos anos, observa-se a emergência de dois pontos de discussão

fundamentais acerca da biodiversidade, pontos estes que motivaram as contendas sobre a

conservação da biodiversidade. O primeiro versa sobre o aumento da percepção científica e social

sobre os ecossistemas e da necessidade de sua manutenção para o aumento, ou pelo menos

estabilização, de uma qualidade de vida melhor para a humanidade. De acordo com Albagli

(2003), trata-se, nitidamente, de um ponto de vista otimista e idealista, pois interpreta a

biodiversidade em seu valor intrínseco, reconhece a biodiversidade como uma riqueza natural da

humanidade, consideração que vai de encontro com o atual modelo de desenvolvimento

econômico e estabelece uma espécie de dicotomia entre esta interpretação e a visão economicista

da biodiversidade.

O outro ponto, mais realista por sinal, encontra-se na motivação econômica existente na

modificação do paradigma técnico econômico, estruturado a partir das bases industriais, para um

informacional. Assim, a manipulação da informação genética é chamariz para o desenvolvimento

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e acúmulo de capital para países e empresas em todo o mundo. Destarte, a biodiversidade assume

o papel de mera matéria-prima para as informações biotecnológicas.

Percebe-se que o valor é observado na potencial aquisição da informação contida no

insumo biológico, tendo a vida, em si, perdido o sentido, e, a mesma, interpretada de uma forma

meramente utilitarista, com a informação biotecnológica sendo justificativa não da conservação

da vida e manutenção da diversidade de forma intrínseca, mais sim na manutenção da diversidade

como forma de resguardar o potencial econômico contido na possibilidade da descoberta de

utilidade econômica na informação existente na biodiversidade. De acordo com Santos (2003):

“A tecnociência e o capital global não estão interessados nos recursos biológicos - plantas, animais e humanos. O que conta é o seu potencial para reconstruir o mundo, porque potencial significa potência no processo de reprogramação e recombinação. Levando a instrumentalização ao extremo, tal estratégia considera tudo o que existe ou existiu como matéria-prima a ser processada por uma tecnologia que lhe agrega valor. Nesse sentido, a única 'coisa' que conta na nova ordem é o que pode ser capturado da realidade e traduzido numa nova configuração. A única ‘coisa’ que conta é a informação (pp.84)”.

Neste novo modelo organizacional, a natureza passa da base material das sociedades

industrializadas para fontes de experimentação e do desenvolvimento das ciências e novas

tecnologias, originando produtos extremamente sofisticados e de grande valor agregado,

tornando-se extremamente atrativos para o setor econômico moderno. O tripé deste modelo é,

portanto, a informação decodificada, conhecimento e inovação.

Este novo paradigma possibilitou os avanços científicos e tecnológicos que permitem a

manipulação da vida a nível genético, atribuindo novos significados à biodiversidade, o que

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amplia de forma espetacular o interesse econômico sobre este segmento a partir do momento em

que agrega valor à biodiversidade, matéria-prima da informação genética.

O constante desenvolvimento do conhecimento proporciona, como todos nós podemos

verificar, melhoras na qualidade de vida das populações, como são os novos medicamentos,

tratamentos, terapias e produtos industriais; de um outro lado, ocupa o centro de uma nova forma

de acúmulo de capital e modifica o significado da biodiversidade. A natureza torna-se um enorme

capital natural a céu aberto. Portanto, não se valoriza a vida em si, mais sim a informação contida

nela. Sem mais, a biodiversidade, hoje, passou de uma problemática ambiental-ecológica para um

fator técnico-científico, ou seja, um problema político econômico.

IV. A informacionalização da vida e a questão das patentes;

Podemos definir o conceito de Biotecnologia como qualquer técnica que se utilize de

organismos vivos - ou partes de organismos - com algum dos seguintes objetivos: produção ou

modificação de produtos; aperfeiçoamento de plantas ou animais e descoberta de

microorganismos para usos específicos. A partir da década de setenta, inaugura-se um novo

conceito biotecnológico - o moderno - com a possibilidade da criação de organismos transgênicos

ou OGM - Organismos Geneticamente Modificados.

Devido à sua grande aplicação na indústria farmacêutica, na agricultura, medicina,

alimentos, entre outros, este ramo da ciência ganha grande ênfase pelos seus atrativos

econômicos e promete elevados ganhos com os novos produtos oriundos dos novos métodos de

manipulação e produção.

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Este campo de pesquisas representa um enorme mercado a ser conquistado em nosso

século. Tratando-se de um interesse tão grande, os mecanismos de apropriação privada da

informação e do conhecimento tornam-se fatores cruciais para a garantia do sucesso econômico

neste ramo. Estamos falando dos mecanismos de propriedade intelectual.

O sistema de patentes no ramo biotecnológico cresce a cada dia e admite um novo

significado, o que o transforma em mero defensor do investimento na produção e descoberta de

novas informações. Assim, a vida reduz-se a moléculas e segmentos cada vez menores que

podem ser patenteados, ou seja, passível de apropriação particular. Este quadro favorece a

restrição da cooperação científica e intercâmbio de informação em escala mundial. Desta forma, a

ciência, que deveria estar a serviço do homem, está a serviço das grandes indústrias com

capacidade de realizar investimentos de grande quantidade de capital para a pesquisa

biotecnológica, através de métodos oriundos da engenharia genética.

Em 1991, nos EUA, registraram-se mais de 300 patentes sobre o genoma de organismos

que ainda não tinham sua função identificada, fomentando discussões no plano internacional,

preanunciando uma grande disputa entre os laboratórios (Castells, 1999). Devido à necessidade

da alta inversão de capital, somente grandes laboratórios possuem a capacidade econômica de

manutenção e realização de pesquisas neste ramo da biotecnologia, sendo o processo de patentes

uma espécie de defesa e segurança da elaboração de processos, de forma a assegurar o retorno

financeiro para o laboratório investidor. Este artifício levantou inúmeras questões, como a de

quem deveria possuir o direito legal e se alguém teria propriedade sobre a informação existente

no DNA humano, entre outras várias substâncias biológicas, e quem deve possuir acesso a esta

informação.

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Com esta nova organização, temos o seguinte quadro organizacional: os que detêm

liderança na produção científica e tecnológica avançada são também aqueles que almejam ter

livre acesso aos recursos genéticos e biológicos e conhecimentos tradicionais associados. Os que

possuem o inverso, ou seja, a biodiversidade e o conhecimento tradicional associado, buscam

manter a soberania e o controle sobre tais recursos.

Um dos principais pontos de confluência, entre os dois posicionamentos estratégicos,

encontra-se no controle da “ponte”, ou seja, na via de acesso à informação estratégica que pode

agregar valor econômico ao insumo genético (Albagli, 1998). Assim, observamos não só o

aumento da elaboração de mecanismos de acesso à biodiversidade, mas também do acesso ao

chamado conhecimento tradicional associado, conhecimento que obtém reativa importância na

identificação de substâncias úteis a laboratórios que buscam a assimilação de insumos que podem

ser aproveitados economicamente.

Passemos a discutir, primeiramente, a questão da problemática do acesso e da exploração

da biodiversidade, assim como os mecanismos de defesa desta.

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Capítulo III.

A biodiversidade brasileira: Biogrilagem, patentes e acesso ao material genético.

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I. A biodiversidade no Brasil.

O desenvolvimento de problemas ambientais em território brasileiro, não é novidade para

ninguém. Desde tempos coloniais, de forma mais clara e discutida por ambientalistas e cientistas

a partir da década de oitenta, o Brasil sofre com o constante aumento da degradação ambiental, o

que acarreta, como principais conseqüências, no aumento da degradação ambiental e conseqüente

perda de biodiversidade dos ecossistemas.

Além, é claro, dos prejuízos intrínsecos decorrentes da própria degradação ambiental,

outro problema permeia esta situação. Com o acelerado processo de desenvolvimento

tecnológico, como dito no segundo capítulo deste trabalho, a biodiversidade deixa de ser somente

um problema ambiental, pois passa a ser tratada como um problema de ordem econômica, ou

seja, de acordo com suas potencialidades mercadológicas, a diversidade biológica é considerada

como foco de interesses econômicos a partir da possibilidade da obtenção de informações úteis

para o desenvolvimento de produtos baseados na matéria viva, sendo este, portanto, seu principal

atrativo mercadológico.

A riqueza existente nas florestas tropicais é surpreendente, assim como o aumento do

interesse econômico sobre seus recursos, o que contribui para o aumento da sua degradação.

Como afirma Myers (Apud Santos, 2003):

“Embora cobrindo apenas 6% da superfície do planeta, estima-se que elas contêm pelo menos 70% e possivelmente 90% das espécies a terra. [...] Em apenas 4% de extensão da floresta tropical e 0,2% da superfície terrestre do planeta, no mínimo 15% das espécies vegetais da terra estão ameaçadas de extinção em torno do ano 2000, ou logo depois (pp.16)”.

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O processo de constante degradação passou a chamar a atenção de vários setores sociais,

o que levou vários países a tomarem medidas de restrição ao acesso e uso da biodiversidade na

tentativa de se reduzir o aumento do processo de degradação ambiental. Muitas destas medidas

podem ser entendidas através da lógica conservacionista ao tentar impedir, sob qualquer forma, o

acesso humano a ecossistemas em estado natural.

O Brasil é considerado como um país detentor de uma riqueza ambiental inestimável,

como demonstra Santos (2003):

“Ora, dentre os países que abrigam florestas tropicais, o Brasil ocupa, com larga dianteira, o primeiro lugar; por isso mesmo lidera o grupo dos treze países de megadiversidade (pp.17)”.

Portanto, comparativamente aos demais países do mundo, o Brasil encontra-se em uma

posição privilegiada e detém em seu território uma imensa faixa de florestas tropicais. Entre as

florestas de maior diversidade biológica a nível mundial, tem-se, como exemplo de grande

representatividade, de acordo com Santos (2003):

“A chamada Amazônia legal brasileira [...] tem uma superfície de aproximadamente cinco milhões de km2, ou seja, 60% do território nacional. Desse total, 38% são cobertos por florestas densas e 36% por florestas não densas; 14% são cobertos por vegetação aberta, como cerrados e campos naturais, sendo o restante (12%) ocupado por vegetação secundária e atividades agrícolas. A Amazônia é, portanto, uma região de dimensões continentais - a metade do tamanho da Europa (pp.17)”.

Deste modo, pode-se observar uma enorme riqueza biológica em apenas uma das florestas

brasileiras, dentro de uma faixa territorial que se compara à metade de toda a Europa. Porém, o

que se vê em território nacional não é o bom emprego deste patrimônio, e sim uma relativa

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inoperância, tanto de sua manutenção quanto em seu aproveitamento científico, através da

realização de pesquisas de cunho biotecnológico.

Sofrendo não apenas com o processo de integração da Amazônia ao estilo de depredação

que rege o modelo de desenvolvimento econômico industrial e tecnológico, o Brasil, com a

valorização das matas pelas novas biotecnologias aliadas a métodos de engenharia genética, passa

a padecer com o processo de constante assalto à sua biodiversidade por laboratórios de pesquisa

que vêem na riqueza natural uma possibilidade de sucesso econômico.

Com o avanço da fronteira científico-tecnológica, ocorrido no final do século XX,

observa-se a elevação no número de apreensões, de animais, plantas, insumos biológicos em

geral, bem como de prisões por crimes relacionados à exploração ilícita da biodiversidade

nacional. A fraca capacidade de controle, tanto pela extensão das florestas nacionais quanto pela

própria ineficiência dos meios de fiscalização, que praticamente torna impossível o adequado

policiamento das matas brasileiras por parte do governo, como, aliás, ocorre na maioria dos

países em desenvolvimento que possui grande contingente de riqueza biológica, o que, por sua

vez, faz com que as matas destes países sejam objetos de fácil apropriação pelos “piratas da

floresta”.

A não participação dos países em desenvolvimento na produção de tecnologia avançada

em cenário mundial, e a virtual carência da matéria-prima necessária ao desenvolvimento destas

novas tecnologias nos países que investem grande quantidade de capital em pesquisa

biotecnológica, aliados à carência de mecanismos eficientes para controlar a saída de insumos

biológicos dos países em desenvolvimento, faz com que 90% do material com possibilidade de

ser tratado cientificamente, pelo método biotecnológico de engenharia genética, seja retirado

gratuitamente e levado para ser tratado em países desenvolvidos (Barbosa, 2002).

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Como Correa (Apud Barbosa, 2002) afirma:

“Cientistas de países desenvolvidos coletam, para fins científicos, sementes, tubérculos e outros recursos genéticos necessários para a reprodução de espécies vegetais. Em seus países, recolhem tais recursos aos chamados “bancos de germoplasma”, introduzem modificações e alterações de todo o tipo, obtêm patentes e as fazem aplicar em escala mundial. A amaranta, por exemplo, flor originariamente Peruana, foi melhorada a partir de processos biotecnológicos no exterior, forçando peruanos a pagarem royalties para serem oferecidas em buquês às namoradas peruanas (pp. 1-2)”.

Tal conjunto de fatos resulta no aumento da degradação ambiental, com um prejuízo

diário estimado em 16 milhões de dólares3, além da perda do controle pelos países em

desenvolvimento sobre sua própria biodiversidade. Em contrapartida a este prejuízo, observamos

o aumento da riqueza de pesquisadores e laboratórios multinacionais, como é o caso da empresa

de Biotecnologia Monsanto. Assim, temos o acúmulo de poucos contrastando com o prejuízo de

muitos outros.

De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)4 a biodiversidade brasileira

tem valor potencial estimado em US$ 2 trilhões. Este potencial econômico poderia ser melhor

aproveitado por vários setores da sociedade brasileira, desde setores de criação tecnológica e

científica, como para a subsistência de várias comunidades que dependem da utilização de

insumos naturais existentes nos inúmeros ecossistemas.

A exploração da biodiversidade brasileira contribui para que o país sofra com um enorme

prejuízo econômico; em uma análise de maior profundidade, pode-se verificar que o país perde,

de igual forma, na dilapidação do patrimônio cultural nacional, pois se entendermos a

3 Fonte: "Isto É" , n° 1773, p. 92-98, 24/09/2003. 4 Fonte: IZIQUE, Claudia. “Conhecimento Proibido: Pesquisadores Querem Rever Regras que Limitam o Acesso ao Patrimônio Genético”. Revista Pesquisa Fapesp, São Paulo, n° 87, p. 19-21, Maio. 2003.

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biodiversidade como atuante no processo de formação da identidade cultural e social das ditas

populações tradicionais, sua degradação, possivelmente, poderá refletir em uma provável

deformação desta identidade cultural (Albagli, 1999).

II - Histórico do desenvolvimento do aparato legislativo ambiental brasileiro.

O aparato institucional brasileiro, de 1934 a 1988, possui como origens externalidades de

pensamentos, ou seja, fatores que não foram construídos a partir de bases ambientalistas

nacionais, ou seja, construções que não tinham relação direta com as demandas sociais com

relação direta à questão ambiental brasileira.

Esta legislação não possuiria, portanto, nenhum caráter ambientalista, sendo voltada

diretamente para a construção de um modelo econômico denominado desenvolvimentista,

modelo este adotado pelo Estado brasileiro durante a maior parte do século XX. Como

Drummond (1999) afirma:

“Se entendemos o ambientalismo como uma preocupação específica da sociedade com a qualidade do mundo natural, expressa em leis, políticas e órgãos governamentais especificamente dedicados a essa qualidade, fica claro que a maior parte do período entre 1934 a 1988 no Brasil nada teve de ambientalista. Pelo contrário, o período foi desenvolvimentista, no pior sentido que o termo pode ter para quem se preocupa com o ambiente natural (pp.127-128)”.

Esta afirmação torna claro um argumento. Se esta for à base de análise relativa à questão

ambiental, todo o aparato legal que surge na esfera política brasileira não é dotado de cunho

ambiental, mas, de acordo com o autor, voltado totalmente para as relações que buscam viabilizar

o desenvolvimento econômico, para o qual o meio ambiente é somente um instrumento a ser

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transformado pelo homos economicus5 . Assim sendo, estas leis representam este ponto de vista,

baseado na exploração desenfreada dos recursos naturais pelo homem.

Neste campo de análise, podemos observar que as principais leis existentes na legislação

brasileira estão diretamente ligadas à exploração econômica que ocorrera durante o período

colonial. Assim, as primeiras leis que possuem ligação com questões ambientais são aquelas que

tratavam das terras públicas, do pau Brasil e das praias. Observando estas leis, fica

completamente explícita a base econômica que foi desenvolvida no Brasil colônia: o uso da terra

para o plantio e exploração de minerais, o próprio pau Brasil que fora o primeiro produto a obter

valor no mercado internacional, e as praias, locais estes de importância para todas as transações

econômicas do período em questão. Analisando-as, não restam dúvidas quanto ao fato desta

regulamentação estar a favor do uso econômico destes espaços e insumos.

De 1934 a 1988, a legislação brasileira ganha boa diversificação, abarcando várias

questões. Entre elas podemos verificar a criação do Código de Águas e o Código de Florestal.

Ambos nascem a partir de um enfoque produtivista. O primeiro visava à regulamentação dos

insumos minerais e hídricos. Porém, esta lei não impediu a exploração dos mesmos por parte de

várias empresas. O código florestal, “acabou tendo alguns efeitos preservacionistas apesar de seu

caráter elevadamente produtivista (Drummond: 1999, pp. 133)”.

Analisando o desenvolvimento do direito ambiental brasileiro, fica claro que, realmente,

as leis possuíam base voltada para o uso econômico da estrutura ambiental brasileira. Porém, é

possível constatar que, ocorre, conseqüentemente, uma seqüência de outras leis, como é o caso do

5 Devemos lembrar que este conceito expressa as principais características que compõem o homem econômico de nossa sociedade. Este homem seria composto de três características que definem todo o campo de suas ações, em todas as esferas da sociedade: este homem é racional, egoísta e sempre busca a maximização de seu lucro.

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novo Código Florestal, a lei de proteção dos animais, que acompanharam as anteriores. Assim,

podemos falar em uma explosão de leis preservacionistas em nosso país.

Desta forma, tornou-se necessário à criação de órgãos que fiscalizassem estas atividades,

que passaram a possuir estruturas regulamentares no direito brasileiro. Destarte, podemos

ressaltar o surgimento de órgãos fiscalizadores e reguladores que possuíam no meio ambiente seu

objeto de trabalho. Entre estes órgãos, podemos citar o IBDF (Instituto Brasileiro de

Desenvolvimento Florestal) que, entre outros, passou a gerenciar e administrar parques e reservas

nacionais, assim como a criação de vários organismos que colaboravam com esta estrutura, como

é o caso do SEMA e outros, que, mais tarde, dariam origem ao IBAMA.

No final de 1981, surge a política nacional de meio ambiente. Sua principal função era

“preservar, melhorar e restaurar os níveis de qualidade ambiental apropriado à vida. Ela tinha a

ambição de tornar o desenvolvimento socioeconômico compatível com a qualidade ambiental e

ao equilíbrio ecológico (Drummond: 1999, pp.141)”. Assim, podemos claramente falar na gênese

da idéia de desenvolvimento sustentável, já que um dos seus preceitos era a relação racional entre

exploração econômica e manejo ambiental na busca de uma relação de menor degradação.

Sucintamente, é desta forma que podemos descrever a construção da legislação ambiental

brasileira. Uma elaboração fraca quanto à base ambientalista. O Brasil é detentor de uma das

legislações mundialmente mais avançadas no trato da questão ambiental, contudo sua grande

parte desta legislação não foi construída para este fim.

O Estado brasileiro se antecipou às demandas sociais, que se surgem naturalmente na

sociedade a partir da ligação entre ideologia e da necessidade de representação destas idéias no

plano legal. Esta atitude torna a legislação ambiental não representativa para as demandas sociais

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e obtém, em sua maior parte, baixo nível de adesão e legitimidade no quesito do respeito ao

patrimônio genético.

No novo momento histórico que vivenciamos, em que a biodiversidade é valorizada

economicamente pelas tecnologias avançadas, o Brasil encontra-se legalmente defasado, pois

suas ações não são concordantes com sua situação de provedor mundial de insumos biológicos. A

experiência histórica nos leva a crer que inúmeros problemas ainda estão por vir.

As desigualdadaes mundiais existentes entre os detentores de tecnologia e os detentores

de insumos biológicos colocam o território brasileiro em situação de perigo, já que a história

demonstra a falta de instrumentos que representem as necessidades sociais de proteção da

biodiversidade.

III. A biogrilagem6.

Devido à enorme extensão das florestas brasileiras, a elaboração e atuação de uma

fiscalização eficaz sobre a saída de insumos da biodiversidade é quase que impossível. Vimos,

anteriormente, que mesmo ocorrida à elaboração do aparato legislativo brasileiro a partir de um

enfoque utilitarista do meio ambiente, houve avanços na preservação da biodiversidade brasileira.

Com o avanço das técnicas científicas, a partir das novas biotecnologias, a biodiversidade

passou a ser entendida como uma fonte de recursos para a pesquisa científica, em detrimento do

valor intrínseco existente na natureza.

O Brasil, como um dos países de maior biodiversidade no planeta, passa a ser

mundialmente visado pela indústria biotecnológica. Esta valorização da biodiversidade brasileira,

pela nova sociedade do conhecimento, acaba por trazer uma série de problemas e um enorme

6 Tradução feita a partir do termo em inglês biosquatting.. Este termo será melhor discutido no decorrer do trabalho.

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prejuízo que é amargado diariamente, fato este aliado à inexperiência brasileira em lidar com uma

situação nova como esta.

Um destes novos problemas a ser enfrentado pela política ambiental brasileira refere-se à

retirada ilícita, por vários centros de pesquisa e laboratórios internacionais, de insumos biológicos

do meio ambiente brasileiro.

O Brasil, historicamente, sofre com a exploração da biodiversidade sem que nada seja

obtido em troca, como ocorrido no período de descobrimento: o primeiro produto a obter valor no

mercado internacional foi o pau Brasil, pois fornecia a possibilidade de se obter dele um corante

de cor vermelha, processo este que já era dominado por várias tribos indígenas. Com o avanço da

fronteira técnico científica, no final do século XX, todo e qualquer insumo biológico passou a

deter um valor econômico “abstrato”7 e uma possibilidade de aplicação na indústria tecnológica.

A obtenção destes insumos em território brasileiro, na maioria das vezes, é feita de forma

ilícita, ferindo a legislação ambiental brasileira, o que acarreta em uma grande série de problemas

para o país. Os insumos são retirados de forma ilegal, levados ao exterior onde sofrem o

tratamento das novas tecnologias; têm seu material genético útil selecionado, melhorado algumas

vezes e patenteado. A partir das informações contidas no material genético da planta, animal,

semente, etc, é desenvolvido uma série de produtos com alto valor agregado e, posteriormente,

comercializados em escala mundial.

Com a possibilidade de se patentear à informação útil para a fabricação de produtos, cria-

se o mercado de royalties, onde os países que se interessarem pelo uso de uma tecnologia 7 A descrição, deste valor econômico abstrato, deve-se à potencialidade econômica existente na possibilidade de se utilizar à informação genética existente em determinado insumo biogenético. É abstrato, pois, é uma informação virtual e não um objeto tangível. Esta informação pode auxiliar no tratamento de doenças, desenvolvimento de medicamentos e em vários processos industriais. A obtenção da informação genética é feita a partir da decodificação desta informação: através da engenharia genética, do estudo de sua utilidade e a partir de sua conseqüente aplicação industrial.

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patenteada deverão pagar por este uso. Assim, em muitos casos, como nos medicamentos

hipertensivos, o Brasil, por sua própria incompetência, recolhe milhares de dólares para

laboratórios no exterior para utilizar-se dos medicamentos, processos industriais, tecnologias em

geral que foram desenvolvidos, em muitos casos, a partir de matérias-primas nacionais.

O termo normalmente usado para designar a obtenção ilícita de material genético é o de

"biopirataria". Porém, este termo não é mais utilizado mundialmente e cede lugar a outro, que, de

acordo com Nuno Carvalho, chefe da seção recursos genéticos, biotecnologia e conhecimentos

tradicionais associados, da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Ompi), mais

realista. Em entrevista à revista fapesp, em fevereiro de 2003, quando questionado sobre o porquê

da Ompi adotar o termo biogrilagem (biosquatting) em vez de biopirataria (biopiracy), Nuno

Carvalho (Fapesp, Fev. 2003) afirma:

“O termo biopiracy foi cunhado há alguns anos para designar os atos não autorizados de utilização comercial e de obtenção de direitos de propriedade intelectual - sobretudo de patentes - a partir de recursos genéticos e de conhecimentos tradicionais associados. O problema é que esta palavra implica duas noções equivocadas. Em primeiro lugar, a pirataria é, e sempre foi, um ato ilegal. Ora, nem todos os atos designados por pirataria são necessariamente ilegais. [...] o segundo equivoco é de natureza mais particular: a palavra 'pirataria', desde o invento do acordo Trip’s8, aplica-se para designar alguns tipos de infração dos direitos de autor (pp.84)”.

Primeiramente, devemos ressaltar alguns pontos sobre o problema em questão. O termo

pirataria, de acordo com o dicionário Aurélio, é sinônimo de roubo. Piratear algo seria como

cometer um roubo. Porém, na ausência de uma legislação específica sobre o assunto, legislação

esta que estabeleça claras regras para o acesso e restrição do acesso aos recursos genéticos, o ato

de retirar um espécime, seja uma planta, um animal ou semente, levá-lo para o exterior,

8 Direito de propriedade intelectual relacionado ao comércio (Trade-related intellectual property rights).

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identificar um componente ativo e sintetizá-lo, através dos tratamentos de engenharia genética, e,

posteriormente, patenteá-lo, poderá não ser considerado como um ato ilegal.

Mesmo com a existência de leis que normalizem o acesso e uso de insumo biológico, o

processo referido acima, pode ser ilegal para o país de onde foi retirada a amostra, mas não para o

país em que será identificada, isolada, sintetizada e patenteada. Por outro lado, os atos de

biopirataria podem não se restringir apenas à retirada ilícita de um insumo biológico de um país

para o outro, mas pode também existir o processo de "biopirataria" quanto a marcas, logos e

patentes em geral, agindo sobre outras áreas da propriedade intelectual. Já o termo biogrilagem

não estaria restrito aos atos de coleta não autorizados de insumos biológicos e abarcaria toda a

problemática de legitimação ou não da obra produzida. Como Nuno Carvalho (Fapesp, Fev.

2003), novamente, afirma:

“Sugere-se que a qualificação mais apropriada para esses atos seria a de biosquatting, que poderia ser traduzida por biogrilagem. Squatting significa a reivindicação de terras que pertencem a outrem ou que são de domínio público. Também designa simplesmente 'invasão' ou 'ocupação' de propriedade imóvel e não são necessariamente ilegais, pois pode haver lacunas na lei que acabam por legitimar a ocupação privada de terras públicas (pp.84)”.

O novo termo reconhecido pela Ompi é, com certeza, mais completo se comparado ao

termo "pirataria", pois amplia o conceito para a área em que ele realmente deve atuar, que é no

ramo da propriedade intelectual. Reconhece, portanto, a diversidade genética como propriedade

dos países detentores de tal biodiversidade.

Assim, o principal problema alusivo ao uso dos insumos biológicos deve estar localizado

no próprio controle feito pelo Estado, através de um instrumento funcional de fiscalização que

dificulte a saída ilícita de material genético para fora do país. Enquanto isso não ocorre,

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“O ‘valor acrescentado’ num campo é construído sobre o 'valor roubado' no outro campo. Assim, o desenvolvimento da tecnologia se traduz em erosão da biodiversidade e criação da pobreza (Shiva Apud Santos, pp 52)”.

A riqueza contida nas florestas tropicais, como vimos, é uma riqueza difícil de ser

estimada. Entretanto, o que podemos advertir é que ela anda para um caminho do qual não há

volta: a inovação biotecnológica depende dos insumos contidos os ecossistemas. Além das

questões sobre o acesso à biodiversidade, como afirma o Código Florestal9 em seu primeiro

artigo:

“As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem”.

E o primeiro artigo do Código da Fauna10:

“Os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedades do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha”.

Afirmam que devem ser respeitada as regulamentações e as limitações impostas por lei e

que as florestas, assim como a fauna, são patrimônios nacionais. Os dois dispositivos são

amplamente desrespeitados pela biogrilagem, ato que fere a soberania nacional quanto à nossa

própria biodiversidade.

9 Lei Federal n° 4.771, de 15 de setembro de 1965. 10 Lei Federal n°5.197, de 3 de janeiro de 1967.

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Um outro fator que nos chama a atenção refere-se às limitações ditas no primeiro artigo

do Código Florestal, mencionando-se à apropriação privada de insumos biológicos. Como se trata

de um objeto público, a apropriação privada de insumos pode ser entendida de forma prejudicial

ao processo de defesa da biodiversidade, frente ao novo momento de valorização dos insumos

biológicos. Ao invés de promover a proteção, sua interpretação pode beneficiar e dificultar a

autuação daqueles que dilapidam e exploram a biodiversidade de forma ilícita.

Com estas considerações, passemos, portanto, a discutir a propriedade intelectual, assim

como as patentes.

IV. Patentes e propriedade intelectual sobre insumos biológicos.

O sistema de patentes foi criado com o intuito de incentivar pesquisas científicas e como

forma de preservar o investimento realizado na produção de novos produtos, processos que

necessitam de altas inversões de capital para sua obtenção. As patentes possuem como principal

função recompensar o investimento, através da concessão de uma garantia de exclusividade de

exploração mercadológica da invenção por um certo período de tempo.

De acordo com Sálvio (2000):

“Patentes são concedidas como meio de proteção a uma invenção, como nos casos de plágio e cópia indevida, por um determinado período de tempo, de modo a que o inventor possa recuperar seus investimentos. Funciona, também, como meio de incentivo à criação de inovações. Os dois principais argumentos econômicos para a existência do sistema de patentes são: a divulgação do know-how técnico e a indução do capital de risco para processos de invenção, pesquisa e desenvolvimento11(pp.24)”.

11 Traduzido por mim.

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De tal modo, patentes são concedidas para inovações tecnológicas de todo ou parte de um

seqüenciamento genético, assim como para genes e processos de obtenção e isolamento de

substâncias úteis para a produção de medicamentos, alimentos, entre várias outras funções.

Diferencia-se da propriedade física, corpórea, pois a patente refere-se à informação

contida no organismo, o que afeta o acesso ao mesmo e à pesquisa sobre esta informação, a partir

do momento que estabelece uma espécie de direito privado sobre o organismo, com o direito de

uso garantido através do pagamento de royalties ao “pseudo autor”.

Em 1871, na França, foi outorgada, pela primeira vez, uma patente para um organismo

vivo, mais precisamente de uma levedura livre de germes patogênicos aperfeiçoado em

laboratório por Louis Pasteur. Em 1980, nos EUA, considerado o marco inicial do patenteamento

de organismos, estabeleceu-se a patentealidade de organismos e suas aplicações funcionais.

A partir deste período, o número de patentes passou a crescer vertiginosamente na área de

engenharia genética. Este procedimento pode ser visto através da criação de acordos e a partir do

endurecimento e da tentativa de padronização dos mecanismos de proteção intelectual em todo o

mundo, como é visto no acordo Trip’s elaborado pela organização mundial do comércio - OMC.

Hoje, como nos mostra Albagli (1999),:

“Utilizam-se [...] diferentes formas de proteção legal à propriedade intelectual relativamente à matéria viva, tais como patentes de seqüências de DNA, patentes de microorganismos, patentes de cultivares e de animais transgênicos, além de proteção de cultivares e de direitos do melhorista [sic] ( p.9)”.

As patentes concedidas para seqüências de DNA possibilitam o patenteamento de cada

característica de um determinado ser vivo, de forma independente, permitindo que cada

fragmento de molécula de DNA seja objeto não de uma, mas várias patentes. Mesmo com as

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variadas críticas com relação ao patenteamento de seqüências de DNA, este tipo de propriedade

privada ganha espaço no direito, existindo, entre outros fatores, a possibilidade do depósito de

patentes de genes humanos, a partir de seu uso em pesquisas e determinados fins terapêuticos.

Estas seqüências - as de DNA - são as de maior interesse para a indústria, considerando

que nem toda molécula de DNA é decodificada pelas células, ou seja, apenas algumas partes do

genoma darão origem a uma proteína. Assim, é nestas seqüências que se encontram a chave para

as doenças genéticas, fato que desperta o interesse da indústria de medicamentos.

Patentes para microrganismo, sejam de origem animal ou vegetal, “podem ser concedidas

à sua seqüência de DNA ou ao microorganismo per se, geralmente - mas nem sempre - de modo

associado a um processo de geração de determinado produto (Albagli: 1999, pp.9)”. Já para o

depósito de patentes para cultivares, não se concede para características isoladas, mas para todo o

conjunto da variedade viva.

A possibilidade de se patentear seres vivos, seja de parte ou de sua totalidade, favoreceu o

aumento das discussões éticas, originando uma série de críticas acerca da forma como o atual

mecanismo de propriedade intelectual reconhece tal feito. Destarte, dificuldades acabaram por

surgir no processo de patenteamento de um organismo ou molécula particular.

Uma das maiores dificuldades reside na diferenciação entre um organismo natural e um

modificado (sintético) e quanto à inventividade do processo, pois, quando se trata de um processo

biogenético novo, muitas vezes ele pode ser considerado como uma mera descoberta. Existem

debates que afirmam que, no desenvolvimento das pesquisas em engenharia genética, não se

realiza um invento verdadeiro, mas sim, obtêm-se descobertas, já que os pesquisadores não

fariam nada mais do que recombinações genéticas, ou o isolamento de substâncias já existentes

na própria natureza.

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Uma segunda dificuldade na aplicação da lei de propriedade intelectual nas áreas

biológicas e biotecnológicas, como afirma Abagli (1999):

“Consiste no atendimento ao requisito de plena descrição do objeto da patente, em particular quando se trata da descrição de todo ou de parte de um ser vivo (pp.9)”.

Este problema, por sua vez, refere-se à dificuldade de se descrever um objeto do qual

ainda não se obteve um conhecimento detalhado a ponto de sistematizar sua informação para a

solicitação de uma patente. Colocado isto, fica comprometida a possibilidade de reprodução do

invento.

A dificuldade da descrição do objeto de patente, inibindo a possibilidade de sua fácil

reprodução em escala industrial, leva-nos a um terceiro problema. Como a biotecnologia, nos dia

de hoje, encontra-se em um processo dinâmico de inovações tecnológicas, o evento de se

patentear uma seqüência em que seu objetivo não possa ser descrito com facilidade, prejudica o

próprio avanço da pesquisa em engenharia genética, fato este que contraria aspectos funcionais

do patenteamento, como o fomento à pesquisa em engenharia genética.

Possibilitando-se o patenteamento de seqüências genéticas sem que suas funções sejam

determinadas, instaura-se um monopólio, ainda que temporário sobre sua reprodução e

comercialização, com a cessão deste direito a partir do recolhimento de royalties para o

"inventor", sobre a utilização de tal gene ou genes, ou seja, sobre o material genético essencial ao

avanço da pesquisa e do conhecimento científico nesta área. Deste modo, rompe-se com um dos

fatores necessários ao depósito de uma patente, que é o de utilidade industrial, ou do gene

associado a um determinado processo industrial, patenteando-se o material genético e não

somente sua função.

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Várias são as dificuldades no reconhecimento da propriedade privada sobre organismos

ou partes de organismos. Aliados a estes fatores, observamos a existência da discussão que

envolve não somente os fatores técnicos para o depósito de uma patente na área de biologia, mas

de fatores políticos e morais que mobilizam diferentes grupos de interesse. A diversidade de

questão leva a numerosas discussões, exatamente por possibilitar inúmeros pontos de vista.

Com o desenvolvimento do mercado de insumos biológicos, estas discussões tendem a

crescer dentro de toda a sociedade, assim como deve ocorrer o aperfeiçoamento destes

mecanismos de propriedade intelectual. Como observa Albagli (1999):

“Dado o caráter cada vez mais estratégico que assumem as novas biotecnologias, o fluxo internacional de informações nessas áreas deve estar, na opinião de especialistas, sob o controle político dos países de maior desenvolvimento científico-tecnológico, ocorrendo de modo desfavorável aos países em desenvolvimento (pp.10)”.

A afirmação da autora é totalmente apropriada. Com o aumento das discussões sobre estes

assuntos em plano internacional, observa-se, com até grande facilidade, o endurecimento do

sistema de patentes e a tentativa de imposição de um sistema mundial que padronize globalmente

a questão da propriedade intelectual sobre insumos biológicos.

Este processo é facilmente verificado, por exemplo, na Rio-92, quando foi realizada a

Convenção sobre a Diversidade Biológica - CDB. Convenção que buscou a confrontação de

vários pontos de vista acerca do acesso à biodiversidade, ao conhecimento tradicional e a questão

do patenteamento de insumos biológicos.

Na convenção, os países de alto desenvolvimento tecnológico, que possuem considerável

carência de variedades biológicas, sustentaram a tese do livre acesso ao material genético,

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argumentando que a biodiversidade deveria ser compreendida de forma comunitária. Como

Santos afirma, “plantas e animais seriam res nullis, e que a biodiversidade é res communis”12.

De outro lado, encontravam-se países ricos em biodiversidade que sustentavam a tese de

que o acesso à biodiversidade deve ser regulamentado por acordo elaborado pelo país detentor da

riqueza biológica, argumentando que o mesmo possui base no direito de soberania do Estado

sobre os recursos naturais existentes em seu território.

O impasse prevaleceu e culminou na não ratificação do acordo por um dos países, os

EUA, que defendem a padronização do sistema de patentes na tentativa de impor sua forma de

reconhecimento da propriedade intelectual a todas as nações. Este impasse pode ser interpretado

como a tentativa de imposição política e econômica sobre a questão do acesso à biodiversidade.

Analisando-se as divergências entre os países no quesito biodiversidade, vê-se a

existência de disparidades, as mesmas desigualdades que são vistas na área social, econômica e

política. A tentativa de imposição de um modelo, benéfico aos países detentores de tecnologia, é

uma forma de perpetuar todas as outras formas de imposição que constantemente são vistas na

área de economia e política. A resistência dos países, que detêm a biodiversidade, em aceitar os

mecanismos salientados pelos produtores de inovação tecnológica é totalmente legítima, pois esta

é uma forma de defender a soberania do próprio Estado frente a uma política dita padronizada e

igualitária, porém extremamente prejudicial à sociedade e ao meio ambiente destes países.

12 Res nullis e res communis são termos do direito romano que serviam para designar as coisas que não tinham donos e eram sem valor, ou seja, não possuíam valor de troca. Res communis é referente ao todo o conteúdo, ao contido como um todo. Já o conceito de res nullis, refere-se a toda parte sem valor e sem dono contida no todo, ou seja, o res nullis é uma parte do res communis. Assim, aplicando o conceito ao problema em questão, teríamos a biodiversidade como o todo, ou seja, o res communis. As plantas, animais e sementes, entre as outras partes formadoras da biodiversidade estariam enquadradas no conceito de res nullis. Com este argumento, países desenvolvidos e com alta inversão de capital em pesquisas biotecnológicas reivindicavam o livre acesso ao material biológico dos países que possuíam o mesmo, argumentando que a biodiversidade, como um todo, assim como suas partes, deveriam ser interpretadas como patrimônio comum da humanidade, fato este que agride a soberania do estado sobre o material biológico contido em seu território, na plataforma continental e na zona econômica exclusiva dos países que buscam defender a manutenção da soberania sobre seus insumos.

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V. Instrumentos de acesso à biodiversidade.

1.1 - A Convenção sobre a Diversidade Biológica.

A valorização da biodiversidade como matéria-prima para o desenvolvimento dos novos

processos de alta inversão tecnológica em engenharia genética, aliados às disparidades ocorridas

entre os países detentores da riqueza biológica e os que detêm o capital para o financiamento de

pesquisas nesta área, tornaram necessário à criação de instrumentos de regulação deste mercado.

Em um levantamento realizado pela Conservation International, no ano de 1997, observa-

se que, dos 17 países identificados entre os detentores da megadiversidade, apenas dois eram

países desenvolvidos, EUA e a Austrália (Santos, 2003). Como a maior parte das pesquisas que

utilizam engenharia genética ocorre em países desenvolvidos, cria-se um impasse na questão do

uso do material genético13 entre os países detentores de tecnologia e os detentores de

biodiversidade.

Na busca de equilíbrio para o atual mercado, principalmente após a década de setenta com

a introdução de métodos de manipulação gênica com o auxílio da engenharia genética, surge a

Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB), que ocorre no ano de 1992 no Rio de Janeiro,

Brasil, na busca de se tornar viável o convívio entre tecnologia e biodiversidade.

Os principais temas abordados pela CDB dizem respeito à soberania sobre a diversidade

biológica, a divisão dos benefícios oriundos da utilização das matrizes biológicas no

desenvolvimento de produtos e novas tecnologias, na busca de uma racional regulamentação do

acesso à biodiversidade. Trata-se da tentativa de desenvolver um regime global da

13 Material genético significa todo material de origem vegetal, animal, microbiana ou outra que contenha unidades funcionais de hereditariedade.

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biodiversidade, um regime que possa acompanhar o atual processo de globalização vigente na

sociedade, como afirma Inoue (2004):

“O regime global de biodiversidade abrange vários temas inter-relacionados, considerando que a CDB representou a convergência de diversos grupos de movimentos que têm tratados de dimensões diferentes da biodiversidade, como áreas protegidas, recursos genéticos, biotecnologia, conhecimento tradicional, espécies domesticadas, entre outros. Trata-se de um regime altamente politizado (pp.3)”.

O debate é altamente politizado, pois se trata de um tema altamente estratégico no

desenvolvimento de novas tecnologias no cenário econômico mundial. O que está em jogo é,

realmente, o controle sobre a biodiversidade não como fonte de vida, da consideração de um

valor intrínseco existente na diversidade biológica, mas sobre a informação contida nos recursos

biogenéticos, matéria-prima para a engenharia genética.

O tom da colocação política dos países demonstra a existência de posições e interesses

divergentes entre países que se relacionem dentro deste debate, o que evidência o caráter

utilitarista e economicista deste novo método de se "defender a natureza": discute-se o acesso aos

insumos biológicos, a manutenção da biodiversidade para fins tecnológicos, o sistema de patentes

e o conhecimento tradicional, extremamente explorado pelo atual regime, fato este que será

analisado no decorrer do trabalho.

Por diversas razões, entre elas as naturais e geográficas, as regiões equatoriais que

dispõem de um enorme manancial de recursos genéticos14 que podem conter informações e

componentes utilizáveis comercial e industrialmente nas áreas farmacêutica, alimentícia, 14 Recurso genético de acordo com a Convenção de Diversidade Biológica, significa material genético de valor real ou potencial. Aqui, claramente, percebe-se o objeto a ser regulamentado por esta convenção: trata-se da nova interpretação realizada sobre o material genético, enfatizando-se sua potencialidade de utilização econômica, a partir da decodificação da informação biológica existente dentro do material genético de plantas, animais, etc.

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química, alimentar, entre outros, passam a sofrer com a valorização de seu material biológico e,

conseqüentemente, com a exploração ilícita deste material. Com a Convenção sobre a

Diversidade Biológica, ocorre um debate mundial sobre as questões de acesso, propriedade e

soberania sobre material genético existente em cada país.

Líderes no desenvolvimento de tecnologias que têm como matéria-prima insumos

biológicos, os EUA foram os principais rivais à tentativa de elaboração de um documento que

amenizasse o problema em questão. Partindo do princípio de que a biodiversidade deve ser

compreendida como um patrimônio comum da humanidade, os EUA entraram em impasse com

as nações que buscam uma maior participação, ou melhor, algum tipo de participação no

processo de inovação biotecnológica, assim como a busca da defesa da soberania sobre os

insumos existentes dentro de seus territórios.

Considerando o valor econômico existente nos insumos biológicos, observando-se as

perdas ocorridas por vários países que tem sua biodiversidade explorada, a CBD buscou amenizar

esta situação. De acordo com Nuno Carvalho (Fapesp, 2003):

“Por isso a convenção da diversidade biológica fala em partilha dos benefícios e não propriamente na sua apropriação (pp.19)”.

A divisão eqüitativa dos benefícios, assim como os outros objetivos, aparecem de forma

clara no primeiro artigo:

“Os objetivos desta convenção, a serem cumpridos de acordo com as disposições pertinentes, são a conservação da diversidade biológica, a utilização sustentável de seus componentes e a repartição justa e eqüitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos, mediante, inclusive, acesso adequado aos recursos genéticos e a transferência adequada de tecnologias pertinentes, levando em conta todos os direitos sobre tais recursos e

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tecnologias, e mediante financiamento adequado (Araújo e Capobianco, 1996, pp. 57)15”.

Já no artigo de número 15, que versa sobre o acesso aos recursos genéticos, a convenção

reconhece a soberania do Estado sobre os insumos biológicos existentes em seu território:

“Em reconhecimento dos direitos soberanos dos Estados sobre seus recursos naturais, a autoridade para determinar o acesso a recursos genéticos pertence aos governos nacionais e está sujeita à legislação nacional (Ribeiro, 2001, pp. 123)”

Este dispositivo legal representa um ganho sem precedentes para os países detentores de

riqueza biológica16, principalmente para aqueles que não se encontram dentre os desenvolvidos.

O reconhecimento da soberania gerou várias contestações, principalmente por parte dos

EUA, pois contraria a tese de livre acesso ao patrimônio genético de outras nações. Considere

que, institucionalizando-se o livre acesso a estes recursos, deveria ocorrer uma reciprocidade

entre as partes: “se os recursos genéticos fossem 'patrimônio global', também deveriam sê-lo os

frutos decorrentes da própria existência e transformação do patrimônio genético (Santos, 2003,

p.45)”.

Portanto, estamos falando do acesso à biodiversidade atrelado a um processo de

transferência de tecnologia, já que um forneceria o insumo e o outro aplicaria a tecnologia sobre

o mesmo insumo, ou seja, existiria uma cooperação entre as partes envolvidas em um processo

15 Expressões destacadas por mim. 16 De acordo com a Convenção sobre Diversidade Biológica, país de origem de recursos genéticos significa o país que possui esses recursos genéticos em condições in situ.

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que visaria a conservação e o uso sustentável da biodiversidade17. O acesso e transferência de

tecnologia estão contidos no artigo 16 da CDB:

“Cada parte contratante, reconhecendo que a tecnologia inclui a biotecnologia, e que tanto o acesso à tecnologia quanto sua transferência entre as partes contratantes são elementos essenciais para a realização dos objetivos desta convenção, compromete-se, sujeito ao disposto neste artigo, permitir e/ou facilitar a outras partes contratantes acesso a tecnologias que sejam pertinentes à conservação e utilização sustentável da biodiversidade biológica ou que utilizem recursos genéticos e não causem dano sensível ao meio ambiente, assim como a transferência dessas tecnologias”

“O acesso à tecnologia e sua transferência a países em desenvolvimento, a que se refere o parágrafo 1 acima, devem ser permitidos e/ou facilitados em condições justas e as mais favoráveis, inclusive em condições concessionais e preferenciais quando de comum acordo [...]. No caso de tecnologia sujeita a patentes e outros direitos de propriedade intelectual, o acesso à tecnologia e sua transferência devem ser permitidos em condições que reconheçam e sejam compatíveis com a adequada e efetiva proteção dos direitos de propriedade intelectual”

“Cada aparte contratante deve adotar medidas legislativas, administrativas ou políticas, conforme o caso, para que as partes contratantes, em partículas as que são de países em desenvolvimento, que provêem recursos genéticos, tenham garantido o acesso à tecnologia que utilize esses recursos e a sua transferência, de comum acordo, incluindo tecnologia protegida por patentes e outros direitos de propriedade intelectual, quando necessário [...], de acordo com o direito internacional e conforme os parágrafos 4 e 5 abaixo”

“Cada parte contratante deve adotar medidas legislativas, administrativas ou políticas, conforme o caso, para que o setor privado permita o acesso à tecnologia a que se refere o parágrafo primeiro acima, seu desenvolvimento conjunto e sua transferência em beneficio das instituições governamentais e do setor privado de países em desenvolvimento, e a esse respeito deve observar as obrigações constantes nos parágrafos 1, 2 e 3 acima”

“As partes contratantes, reconhecendo que patentes e outros direitos de propriedade intelectual podem influir na implementação desta convenção,

17 A utilização sustentável de recursos, de acordo com a convenção de diversidade biológica, significa a utilização de componentes da diversidade biológica de modo e em ritmo tais que não leve, no longo prazo, à diminuição da diversidade biológica, mantendo, assim, seu potencial para atender às necessidades e aspirações das gerações presentes e futuras.

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devem cooperar a esse respeito em conformidade com a legislação nacional e o direito internacional para garantir que esses direitos apóiem e não se oponham aos objetivos desta convenção”18.

Analisando os escritos acima, observamos que a CDB não deve ser implantada de forma

individualizada. Não bastaria para um país apenas assinar a convenção, ratificando-a, pois devem

ocorrer modificações no relacionamento político e comercial entre as partes contratantes. A

elaboração de um aparato legal, que vise à proteção dos recursos provenientes da biodiversidade

contra seu uso predatório por países que somente possuem o aparato tecnológico para efetuar sua

exploração econômica, não deve ser efetuada isoladamente pelos países em desenvolvimento, já

que tanto a produção de tecnologia e o fornecimento de material genético passam a ser cotados

em pé de igualdade.

A CDB busca, também, tornar o patenteamento de recursos genéticos acessível aos países

em desenvolvimento. A alínea cinco deixa isso bem claro, ao afirmar que deve existir uma

cooperação íntima entre produtor e fornecedor, para qual a propriedade intelectual passaria a

respeitar a legislação nacional e o direito internacional, flexionando-se para que ocorra uma

espécie de divisão no uso da tecnologia desenvolvida.

Como uma das maiores obrigações da CDB, a adoção de mediadas legislativas,

administrativas ou políticas, por parte de cada país, conforme o caso, é uma tentativa facilitar de

acesso às biotecnologias desenvolvidas pelo setor privado, a partir da elaboração de mecanismos

de transferência de tecnologia do setor privado em benefício das instituições governamentais e do

setor privado de países em desenvolvimento. Afirma, ainda, que a legislação internacional e

nacional não deve ser oposta, mas sim complementares umas às outras, apoiando-se mutuamente.

18 op. cit. p.60-61.

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Como podemos verificar que a Convenção sobre a Diversidade Biológica, funciona como

um instrumento apaziguador, que deve ser aprimorado por cada país, através da criação de

instrumentos legais que tornem operacionais os preceitos legais da convenção.

Esses instrumentos devem ser construídos de forma a representar o aumento da interação

entre os produtores de tecnologia e fornecedores de matéria-prima biológica, a partir de uma

norma que respeite cada uma das partes contratantes. Desta forma, a CDB pode ser vista não

como um instrumento de maior funcionalidade na flexibilização da propriedade intelectual e

ampliação do acesso à biodiversidade, mas sim como uma espécie de pedra bruta que deve ser

lapidada de acordo com as necessidades de cada país, respeitando, é claro, as desigualdades

existentes entre os mesmos.

Portanto, a maior parte das medidas deve ser tomada em plano local, através do

desenvolvimento de políticas administrativas embasadas no conteúdo da convenção. Voltando ao

fato da convenção ser apenas a primeira entre as várias medidas, Inoue afirma (2004):

“Em relação à conservação e uso sustentável da biodiversidade, os ‘elementos balizadores’ abrangem os princípios e objetivos da CDB e de outros tratados internacionais conservacionistas; além desses, fazem parte normas informais, valores, visões e o conhecimento cientifico aplicado na forma de conceitos e medidas, que pautam as decisões e ações dos atores. Mais especificadamente, os elementos balizadores fornecem alguns parâmetros e perímetros para a atuação dos atores quanto à conservação e o uso sustentável. Esses influenciam e moldam decisões e ações sendo parte da 'moldura' do regime global de biodiversidade (pp.6)”.

Analisando a CDB como um destes elementos balizadores, ela seria um ponto de

concordância básica entre os contratantes, em que os demais aparatos legais seriam elaborados a

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partir de uma base comum. A partir desta base, aparatos legais teriam de ser construídos em

comum acordo, visando à inclusão de todos no processo de exploração do material biogenético.

No Brasil, este aparato pode ser encontrado na medida provisória n° 2.186-16, de agosto

de 2001, medida que fornece validade, em plano local, aos objetivos descritos por esta

convenção. A MP regulamenta o acesso à biodiversidade e ao conhecimento tradicional

associado.

1.2: A MP n°2.186-16 e o acesso à biodiversidade.

A partir do modelo de acesso ao material genético elaborado na Convenção sobre a

Diversidade Biológica, assim como à assinatura do Brasil e em respeito ao artigo 16 da mesma,

criou-se à necessidade de estabelecer medidas no plano local para tornar a convenção operacional

em território nacional.

A medida provisória dispõe sobre os bens, os direitos e as obrigações relativas ao acesso a

componente do patrimônio genético existente em território nacional, acesso ao conhecimento

tradicional associado ao patrimônio genético, à repartição justa e eqüitativa dos benefícios

derivados da exploração de insumos do patrimônio genético e acesso à tecnologia e transferência

de tecnologia para a conservação e utilização da diversidade biológica.

Podemos claramente observar que a medida foi elaborada a partir do molde definido na

CDB, o que reforça o argumento de Inoue (2004) quando afirma que os tratados devem ser

compreendidos como elementos balizadores que modelam a criação de medidas no plano

legislativo, administrativo e político, ou seja, que as medidas tomadas em plano global - a partir

das convenções e tratados - tornem-se efetivas, em plano local, a partir do respeito e instauração

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de uma melhor relação entre as partes contratantes, como forma de respeitar as diferenças

existentes, principalmente entre os fornecedores de material genético e aqueles que desenvolvem

tecnologia a partir deste material genético.

Como órgão fiscalizador, a medida institui o Cgen - Conselho de Gestão do Patrimônio

Genético - como competente para: autorizar o envio de remessa de amostra de componente do

patrimônio genético para o exterior; credenciamento e descredenciamento de instituições;

fornecer anuência a contratos, entre outros aspectos. O Cgen é composto por uma comissão

formada por vários órgãos, como o Ministério do Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia, Justiça,

Cultura, Relações Exteriores, IBAMA, CNPq, Embrapa, Funai, INPI - Instituto Nacional de

Propriedade Intelectual, entre outros órgãos.

Na tentativa de evitar a proliferação das ações de biogrilagem (Fapesp, n° 87, Maio de

2003),

“A MP submeteu às mesmas regras e fiscalização tanto a pesquisa científica como a exploração comercial. Além disso, conferiu a um único órgão - o CEGen regulamentado pelo decreto 3.945, de setembro de 2001 - a competência para julgar projetos científicos, ‘sem, no entanto, dotá-lo de corpo técnico, científico ou de estrutura para analisar centenas de processos’, como diz Carlos Alfredo Joly, coordenador do programa biota/FAPESP (pp. 20)”.

Assim, a MP paralisou várias pesquisas nas áreas de conhecimento que envolve coleta de

insumos da biodiversidade brasileira. Ninguém nega a necessidade de se defender a

biodiversidade brasileira. Como observa José Rubens Pirani, em entrevista à revista FAPESP,

“no caso da MP, há um equívoco no foco, a biopirataria não esta na universidade ou no ambiente

de pesquisa. Nós, cientistas, temos endereço e existência pública”, e Joly complementa: “A MP

colocou a ciência sob suspeita (Fapesp, n° 87, Maio de 2003, pp. 21)”.

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Vários estudos de mestrado e doutorado foram paralisados com a edição da MP, alguns

estudos até perderam seu financiamento. É de suma importância a construção de medidas legais

que sirvam de defesa à utilização desenfreada da biodiversidade brasileira, entretanto, a medida

prejudica a pesquisa biotecnológica brasileira, fato negativo para a inserção brasileira na

sociedade da informação.

Com o desenvolvimento da nova sociedade do conhecimento, obtivemos uma valorização

grandiosa da biodiversidade, o que representa uma enorme potencialidade econômica para vários

países inclusos no novo paradigma. Porém, é necessário, da mesma forma, ser cauteloso na

elaboração de medidas deste tipo, pois as mesmas podem não agir no cerne da questão, que é a

exploração ilícita de insumos da diversidade genética brasileira, não na ciência como um todo.

Nem todos que trabalham para o desenvolver da ciência são exploradores ilegais. Um número

imenso de aplicações já foi desenvolvido dentro da engenharia genética, cuja contribuição para a

humanidade é incontestável, não há necessidade de bloquear este desenvolvimento, mas, sim,

buscar a defesa da soberania e da ciência nacionais.

A elaboração de medidas deve, portanto, respeitar a ciência e não desconfiar de todos os

seus representantes - cientistas, pesquisadores, estudantes. As medidas devem ser tomadas para

agir diretamente na exploração indébita da biodiversidade, de forma a não prejudicar o

desenvolvimento da ciência brasileira, como é o caso da medida provisória 2.186-16.

O desenvolver do aparato científico tecnológico, para a sociedade do conhecimento, é o

diferencial entre aqueles que se encontram no ápice e na base de um triangulo. Prejudicar a

ciência no século do desenvolvimento científico é como abdicar de se encaixar no novo

paradigma da informação e do conhecimento.

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72

A fronteira do conhecimento exige um aparato que propicie o avanço tecnológico. É claro

que este avanço deve respeitar parâmetros sociais, políticos e econômicos, harmonizando as

necessidades de cada sociedade. Porém, o que se observa no Brasil é um descaso em relação aos

setores de desenvolvimento social e tecnológico, contribuindo para a estagnação do

desenvolvimento científico e educacional, além de favorecer o aumento da biogrilagem.

Apesar destas medidas serem um avanço na aplicação legal, na tentativa de se melhorar a

relação entre ciência , tecnologia e biodiversidade, ainda há muito a se fazer. Uma possível

tentativa para se aperfeiçoar o aparato legal, encontra-se na nova lei de biossegurança que foi

aprovada pelo congresso nacional brasileiro. A lei de biossegurança busca, principalmente,

atribuir critérios específicos para a pesquisa a nível genético, como é o caso da realização de

pesquisas com células tronco.

Enfim, a medida provisória não bloqueia o assalto à biodiversidade brasileira, já que não

atua no cerne da questão, que é a retirada ilícita de insumos, contudo, dificultou o

desenvolvimento científico brasileiro, indispensável à adaptação da sociedade brasileira ao novo

paradigma informacional.

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73

Capítulo. IV.

A valorização do conhecimento tradicional associado na economia informacional.

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I. A valorização do conhecimento tradicional pela pesquisa de cunho biotecnológico.

As inovações na área de biotecnologia trazidas pela pesquisa a nível genético,

possibilitada pela introdução de métodos de engenharia genética, em acordo com o novo

paradigma informacional que alterou a ordem econômica vigente a partir da valorização do

conhecimento, trouxeram, como vimos nos capítulos anteriores, uma série de modificações

tecnológicas e sociais. A biodiversidade deixou de ser um problema ambiental e passa a ser

utilizada como matéria-prima para o acúmulo de capital na produção de produtos de tecnologia

de ponta, ou seja, um problema de cunho econômico.

Destarte, possuir acesso ou não ao material genético torna-se fator estratégico para a

inovação e avanço tecnológico. Entretanto, devido à imensa variabilidade da vida encontrada nas

regiões ditas megadiversas e à enorme faixa territorial em que se localizam, assim como o

desconhecimento sobre aquilo que se está à procura, fazem com que a descoberta e identificação

de insumos, passíveis de utilização econômica, constitua-se em um trabalho extremamente árduo

e caro.

Desta forma, um grande e novo problema surge para pesquisadores que têm nas plantas,

sementes, animais, entre outros insumos, seus objetos de investigação. Assim, a seguinte

problemática passa a existir: como encontrar, naquela grande quantidade de material genético,

aquele insumo que contenha a informação necessária para o desenvolvimento de uma tecnologia

ou de um produto de sucesso no mercado? Esta pergunta é, com certeza, fator problema para a

realização destas pesquisas.

Como a pesquisa a nível genético é extremamente cara, a redução no tempo de pesquisa

de campo transforma-se em ponto estratégico. Esta redução pode ser obtida através de várias

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formas; uma destas maneiras encontra-se na utilização de conhecimentos de comunidades, tribos

indígenas e populações tradicionais desenvolvidos de forma associada à biodiversidade.

No Brasil, e em muitos outros países ricos em diversidade biológica, o conhecimento

destas populações enfrenta um processo de constante valorização, pois a aplicação econômica

proveniente dos métodos científicos (principalmente biotecnológicos) trazidos a partir da

revitalização do capitalismo ocorrido nos últimos anos, seja por laboratórios ou por centros de

pesquisa, que possuem na biodiversidade seu objeto de apreciação e estudo, alcançam cada vez

maior sucesso no mercado. Este conhecimento associado à biodiversidade, por parte de

populações tradicionais e tribos indígenas, é chamado de conhecimento tradicional ou local, ou

ainda, "etnoconhecimento".

A biodiversidade pode ser associada à diversidade cultural - línguas, crenças, expressões

artísticas entre outros - sendo recíprocas as influencias entre ambas. Assim, haveria uma relação

de convergência entre biodiversidade e sócio-diversidade (diversidade cultural e produtiva de

grupos sócio-econômicos). Torna-se cada vez mais reconhecido o papel que determinadas

sociedades possuem, principalmente as ditas tradicionais, na conservação e no uso sustentável do

meio ambiente. Essas comunidades apresentam um estilo de vida no qual a relação com a

diversidade de vida biológica, à sua volta, influencia e molda suas relações sociais. Estas

populações vivem em constante interação com a natureza, utilizando-a como forma de

subsistência, não a agredindo, ou seja, de modo sustentável ao meio ambiente (Albagli, 2003).

Obviamente, este relacionamento benéfico para ambas às partes é discutível, pois, a partir

de uma lógica conservacionista, a presença humana em qualquer ecossistema é vista como fator

de depredação ambiental. Desta forma, adeptos à corrente radical preservacionista defendem a

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não presença de qualquer ser humano em determinados ecossistemas (VIOLA, Eduardo J. &

LEIS, Hector, 1996).

A utilização do conhecimento das comunidades tradicionais (povos indígenas,

seringueiros, agricultores, ribeirinhos, entre outros), sobre recursos naturais como ponto de

partida para pesquisas que podem levar ao patenteamento de produtos e processos, é uma das

questões que compõe o quadro de polêmicas sobre o tema.

Os recursos biológicos, muitas vezes presentes em terras indígenas e de populações

tradicionais, são coletados, por pesquisadores ou laboratórios que passam a estudar o potencial

farmacológico e tecnológico de determinado insumo, assim como a tradicional utilização de ervas

feita por populações e tribos. Como discutido em seminário do Instituto Sócio-Ambiental:

“O grande valor do conhecimento genético é justamente o conhecimento tradicional associado a ele, pois no universo de espécies como da Amazônia, por exemplo, é necessário saber o caminho das pedras para poder achar algo válido para a pesquisa19”.

Esta utilização reduz o tempo e o custo de pesquisa de forma considerável. Serve de

indicador de substâncias economicamente úteis, do mesmo modo como são formas empíricas de

demonstração do uso e função de determinado insumo vegetal ou animal. Considere a enorme

quantidade de insumos biológicos existentes na natureza e o pequeno conhecimento técnico

sobre estes organismos. A partir disto, o conhecimento tradicional valoriza-se por realizar uma

espécie de pré-estudo sobre a biodiversidade existente, da mesma forma que indica sua função e

utilidade.

19 op. cit.

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Também chamado de etno-conhecimento, o conhecimento tradicional encontra-se

enraizado em grande parte da sociedade brasileira (índios, caboclos, negros, caiçaras, etc).

Fortemente relacionado com a formação sócio-econômica do Brasil, onde se observa a existência

de vários ciclos econômicos sobrepostos uns aos outros, de acordo com necessidades externas,

esta formação favoreceu uma maior dispersão geográfica da população em território brasileiro.

Estas pequenas aglomerações populacionais permaneceram nos interstícios da exploração

econômica, lócus de produção para sua subsistência, ou seja, não acompanharam o desenrolar

dos ciclos econômicos de forma contínua.

As comunidades locais desenvolveram formas de vida diferenciadas das existentes. Não

alicerçadas, por exemplo, na propriedade privada das coisas, como afirma Arruda (1996, p.80),

além de terem desenvolvido uma série de conhecimentos sobre vários processos. Constituíram-

se, portanto, como formas culturais diferenciadas e de grande riqueza, modos de vida que

favorecem a conservação de várias espécies animais, característica esta favorável à manutenção

da biodiversidade.

O etnoconhecimento pode ser entendido simplesmente como sabedoria popular, como

todo conhecimento que nações indígenas brasileiras adquiriram sobre o ritmo da natureza, o ciclo

de reprodução dos animais, o uso de plantas medicinais, a utilização de determinadas espécies da

fauna e flora para uso na habitação, alimentação, medicina, etc. Esta série grandiosa de

conhecimentos demonstra a riqueza cultural destas populações, assim como a capacidade de

adaptação ao meio em que vivem. Além disto, este íntimo contato com a natureza explicita a

identidade destes povos. Portanto, a exploração da natureza não somente leva à degradação da

biodiversidade, mas também favorece a deterioração das características culturais de vários povos

distribuídos em território brasileiro.

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Vários são os termos utilizados para se denominar o conhecimento destas populações,

como nos mostra Rahman (2000):

“A literatura técnica utiliza-se de vários termos para designar o conceito de ‘conhecimento tradicional’, tais como: ‘conhecimento tradicional ecológico’, ‘conhecimento tradicional ecológico de sistemas de manejo’, ‘conhecimento local’; ‘conhecimento Indígena’, ‘conhecimento da comunidade’, ‘conhecimento de populações rurais’ e ‘conhecimento de colonos’. Mesmo que existam certas distinções entre os mesmos, estes termos referem-se, freqüentemente, à mesma coisa20 (pp.3)”.

Em nosso trabalho, o conceito que mais utilizamos é o de população tradicional e de

conhecimento tradicional associado à biodiversidade. Entretanto, outros nomes são empregados

para designar estes povos e os seus conhecimentos. Adotamos esta conceituação porque é a mais

comum, por exemplo, na Convenção sobre a Diversidade Biológica e, também, por ser esta a

forma que o governo brasileiro denominou na elaboração de instrumentos de defesa do

conhecimento destas populações.

O Brasil possui grande variedade de culturas e de modos de vida que podem ser

considerados como tradicionais, de acordo com Diegues (1996):

“As populações e culturas tradicionais não indígenas são, de uma forma geral, consideradas ‘camponesas’ [...] são fruto de intensa miscigenação entre o branco colonizador, o português, a população indígena nativa e o escravo negro. Elas incluem os ‘caiçaras’ que habitam o litoral de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná; os caipiras dos estados do Sul; os habitantes de rios e várzeas do norte e nordeste (os varjeiros as comunidades pantaneiras e ribeirinhas do pantanal mato-grossense; os pescadores artesanais, como os jangadeiros do litoral nordestino; as comunidades de produtores litorâneos açorianos de Santa Catarina, etc. (pp.281)”.

20 Traduzido por mim.

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Verifica-se que as populações tradicionais são povos que levam uma vida extremamente

simples, se comparada à atual vida das cidades modernas, destacando-se, principalmente, pelo

constante contato e pela dependência em relação à natureza. Quanto aos povos indígenas, o autor

não os incluiu no conceito de população tradicional, pois, tribos indígenas são largamente

estudadas e possuem suas características culturais e econômicas, assim como seus

conhecimentos, difundidos teoricamente (principalmente na Antropologia). Esta afirmação é

verdadeira quando observamos as conquistas obtidas pela comunidade indígena no Brasil, como

o Estatuto Indígena, a demarcação de reservas, entre outros. Esta diferenciação cultural não

ocorre, ainda, com comunidades tradicionais não indígenas.

O estilo de vida particular desenvolvido por estes povos, assim como o constante contato

que essas populações tiveram com a biodiversidade ao longo dos anos, fizeram com que fosse

acumulado um abrangente conhecimento sobre funções de muitas espécies florestais,

conhecimento este adquirido de forma empírica. A inter-relação destes grupos com a

biodiversidade, assim como a dependência existente entre ambos, fez com que esses grupos

desenvolvessem, também, uma série de características culturais próprias. Como nos mostra

Diegues (1996):

“Com o isolamento geográfico relativo, essas populações desenvolveram modos de vida particulares que envolvem uma grande dependência dos ciclos naturais, um profundo conhecimento dos ciclos biológicos e dos recursos naturais, tecnologias patrimoniais, simbologias, mitos e até uma linguagem específica, com sotaques e inúmeras palavras de origem indígena e negra (pp.281)”.

Com a aceleração da degradação ambiental, observa-se, de igual forma, a redução ou até

mesmo o total desaparecimento destas comunidades, tanto de suas práticas quanto de seus

conhecimentos; deste modo, além da perda na biodiversidade, o processo contribui para a perda

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de diversidade cultural de vários grupos. A variedade cultural destes povos encontra-se

diretamente relacionada com o ambiente em que foi desenvolvida, assim, uma modificação neste

"equilíbrio" social e ecológico favorece a perda de várias características sociais e culturais.

A partir do momento em que se passa a explorar a biodiversidade nestas localidades, a

redução desta riqueza deve ser compreendida não somente como um processo de fragilização do

meio ambiente, mas também como um enfraquecimento cultural dessas comunidades, de modo

que a perda da identidade existente, entre os vários povos tradicionais e indígenas com o meio

que os cerca, pode ser relacionado com a redução da biodiversidade.

Portanto, o conjunto destas populações e de seus conhecimentos encontra-se

constantemente ameaçado sob vários aspectos, o que pode impedir a perpetuação e transmissão

deste conhecimento através das gerações sob três formas principais. Primeiro, falar na

possibilidade de extinção dessas populações, assim como de sua cultura peculiar, não pode mais

ser considerado como uma inferência desprovida de significado.Um segundo aspecto, relaciona-

se com o fato do conhecimento científico e das tecnologias modernas sobreporem-se ao

conhecimento tradicional, ao invés de trabalharem de forma conjunta. A terceira forma, mais

grave e prejudicial do ponto de vista ambiental, ético e econômico, é a biogrilagem, que além de

ser relativamente ilegal e prejudicial à conservação ambiental, pode levar, também, á redução da

diversidade cultural.

II. Conhecimento tradicional X conhecimento moderno.

Aqui devemos realizar uma pequena ressalva para tornar claros dois tipos de

conhecimentos existentes no mundo contemporâneo: o conhecimento científico (ou moderno) e o

conhecimento dito tradicional.

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O "conhecimento tradicional" constitui-se de práticas, conhecimentos empíricos, crenças e

costumes, passados de pais para filhos, das comunidades tradicionais que vivem em contato

direto com a natureza; ou seja: é o resultado de um processo cumulativo, informal e de longo

tempo de formação. Constitui-se, assim, patrimônio comum do grupo social e possuem caráter

difuso, pois não pertence a este ou aquele indivíduo, mas a toda comunidade.

De acordo com Rahman (2000):

“Resumindo-se as várias definições existentes, o conceito 'conhecimento tradicional' pode ser interpretado, principalmente, como um tipo de conhecimento tácito que evoluiu dentro de uma comunidade local e é passado de uma geração à outra21 (pp. 3)”.

Este modelo de conhecimento baseia-se na constante interação com o meio, ou seja,

adquirido a partir do direto contato com a natureza. Este conhecimento acumula-se com o passar

do tempo, sendo adquirido e repassado para as demais gerações. Trata-se mais do que uma série

de conhecimentos, pois fazem parte do caráter cultural destas sociedades, do desenvolvimento de

tradições com as quais se identificam, reproduzindo-os como forma de manterem vivas estas

características e, também, como meio de subsistência para várias populações e tribos. A

manutenção destas tradições não é somente importante para a manutenção de sua riqueza

cultural, mas também é necessária para a própria forma de utilização do meio, empregando-o

para subsistência e manutenção da vida.

No conhecimento tradicional não existe nenhuma espécie de prova científica que garanta

que o conhecimento seja verdadeiro. A funcionalidade deste conhecimento baseia-se na prática

do dia-a-dia, na relação de subsistência existente com o meio. As várias experimentações 21 Traduzido por mim.

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realizadas durante o desenrolar do tempo contribuíram para a aquisição de uma riquíssima série

de conhecimentos e para o desenvolvimento de processos de obtenção de produtos. Tribos

indígenas antes mesmo da colonização; povos tradicionais a partir do desenvolvimento

econômico brasileiro.

A constante interação com a biodiversidade é uma das principais necessidades que

proporcionaram a elaboração de quantidade tão extensa de conhecimentos. Não existe nenhuma

forma científica de comprovação da efetividade de tal conhecimento. Contudo, sua

funcionalidade pode ser verificada na aplicação direta, no emprego e no uso de determinada

planta, animal, semente, cipó, com objetivos medicinais, para caça e pesca, na produção de

corantes, alimentos, enfim dos várias utilidades.

Com relação ao conhecimento científico, observamos uma série de importantes diferenças

entre ambos a serem verificadas. O conhecimento científico é extremamente objetivo,

formalizado, podendo ser codificado e transferido com extrema facilidade. Este modelo é

enraizado na experimentação científica, na elaboração matemática e objetiva, embasado no

constante processo de racionalização científica existente.

O modelo científico demonstra toda a construção do objeto de investigação: não se trata

somente da finalidade imbuída em determinada planta ou organismo, não é somente sua função

que importa. Trata-se de expressar toda a cadeia que envolve o papel de determinado organismo:

o porquê de sua funcionalidade, assim como os agentes que trabalham para o estabelecimento da

função de determinado organismo. E como seu método é extremamente formalizado, pode ser

facilmente reproduzido. Comparando ambos conhecimentos, Rahman (2000) afirma:

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“O conhecimento científico é uma forma de saber explícito ou ‘codificado’ que pode ser transmitido através de uma linguagem sistemática e formal. Por outro lado, o conhecimento tradicional é de caráter tácito de uma comunidade local ou indígena, coletivo e pouco específico, e, se comparado aos parâmetros do conhecimento científico, difícil de ser formalizado e comunicado. As populações locais ou indígenas adquirem este conhecimento de forma empírica, ou seja, de forma ativa em suas criações e formas de organização, sendo conseqüência de sua experiência. Assim, a pequena parte do conhecimento (tradicional) que pode ser expresso por palavras e números representa, apenas, ‘a ponta do iceberg’ de todo o conhecimento detido por estas populações22 (pp.4)”.

A expressão “ponta do iceberg” resume bem as maiores diferenças entre ambos os

conhecimentos: o conhecimento tradicional, quando comparado aos atuais métodos científicos,

realmente parece representar, somente, o topo de um iceberg, pois não descreve todo o aparato

técnico necessário para sua inclusão no rol dos conhecimentos imbuídos de metodologias

particulares, como é o caso do conhecimento científico que seria extremamente formalizado e

detalhado.

Portanto, quando um conhecimento tradicional é utilizado em uma pesquisa

biotecnológica, serve apenas de fonte indutiva, fornecendo uma função, ou seja, demonstra a

"finalidade" e não todas as partes que compõem a construção e atuação de determinado insumo

ou componente da biodiversidade. A partir desta fonte, elabora-se um estudo com o objetivo de

identificar toda a cadeia do processo, o princípio ativo, sua classificação e sua estrutura química.

A partir de uma série de estudos e testes, obtém-se a função completa de determinado organismo,

seja ele vegetal ou animal. Comparando ambas formas de conhecimento, Rahman (2000)

estabelece a seguinte tabela de diferenciações23:

22 Traduzido por mim. 23 Idem.

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Quadro 1. Principais diferenças entre o conhecimento moderno e o tradicional

Conhecimento Tradicional Conhecimento Científico

Conhecimento Tácito (Subjetivo)

Conhecimento da Experiência (corpo)

Saber Empírico (aqui e agora)

Saber Analógico (prática)

Conhecimento Explícito (objetivo)

Saber Racional (mente)

Saber Sucessivo (aqui e depois)

Saber Digital (teórico)

Fonte: Rahman, 2000, pp.4

Apesar de diferentes, ambos devem ser considerados como formas de conhecimento.

Mesmo partindo de princípios diferentes, e do conhecimento tradicional ser visto como mais

simples24, comparado ao científico, ambos são extremamente úteis para a pesquisa

biotecnológica. Porém, o que se observa em relação ao uso do etnoconhecimento na pesquisa de

engenharia genética, é a espoliação deste conhecimento pelo científico, sendo aquele explorado e

largamente utilizado como espécie de “esboço” de pesquisa, servindo apenas para baratear um

estudo tecnológico.

O etnoconhecimento é constantemente valorizado por laboratórios e centros de pesquisa,

que o utilizam, muitas vezes, de forma ilícita e degradante. Raramente se observa, em pesquisas

científicas que partem de princípios do etnoconhecimento, a redução das desigualdades, assim

como a repartição dos benefícios oriundos da utilização do conhecimento tradicional. Esta

24 A afirmação de o conhecimento tradicional é mais simples em comparação ao científico é discutível. Lévi-Strauss levanta esta questão em um de seus trabalhos (O pensamento Selvagem), no qual o conhecimento "selvagem" é construído a partir de critérios complexos e metódicos, como o científico. A partir de conceituações da filosofia da ciência, o conhecimento tradicional pode ser visto como de base indutiva, a partir da demonstração da premissa máxima, premissa esta da qual as demais seriam obtidas. Enfim, deve-se levantar a questão hegemônica do conhecimento: o conhecimento científico é mais valorizado do que o tradicional, contudo não pode ser visto como "mais complexo".

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exploração é explícita em território brasileiro, o que traz perdas, não somente econômicas, mas

sociais e culturais. Assim, a biogrilagem age tanto sobre a biodiversidade quanto sobre as

populações tradicionais e tribos indígenas, que detém o tão valorizado conhecimento tradicional

associado à biodiversidade.

III. A exploração do conhecimento tradicional associado à biodiversidade.

A partir da constante valorização deste conhecimento, observa-se a utilização do

conhecimento tradicional como um mero “atalho”, ou seja, como forma de facilitar a pesquisa

biogenética.

Deste modo, o desenvolver de vários produtos de relativo sucesso econômico, que

possuem em sua base conhecimento tradicional, como é o caso da andiroba - carapa guianensis

aubi - usada pelos povos da Amazônia como repelente a insetos, contra a febre e como

cicatrizante, que tem patente registrada pela Rocher Ives Vegetales nos EUA, Europa e Japão

para a produção de cosméticos e remédios que utilizam seu extrato; da Ayahusca - Banisteriopsis

caapi -, cipó alucinógeno utilizado há quatro séculos em cerimônias religiosas de 300 tribos

indígenas e em rituais do Santo Daime, patenteado pela empresa americana International Plant

Medicine Corp.; e ainda do curare, mistura de ervas guardada em sigilo pelos índios e utilizada

na ponta de flechas como veneno para imobilizar a presa, patenteada pelos EUA na década de 40

e é usado na produção de relaxantes musculares e anestésicos cirúrgicos25.

Destarte, o conhecimento tradicional não pode ser visto somente como um acessório de

pouca importância para o dito conhecimento científico. Vários foram os produtos desenvolvidos a

partir da utilização da matriz tradicional. Os exemplos somente ilustram que a possibilidade da

25 Fonte: Revista Isto É, 24/09/2003. Pg. 95.

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coexistência entre ambos os conhecimentos deve ser discutida e, mais do que isso, deve ser

respeitada a importante função do etnoconhecimento para a inovação tecnológica.

Apesar da exploração realizada por laboratórios e centros de pesquisa científica que se

utilizam do conhecimento tradicional, observa-se que muitas destas populações se dispõem a

participar e fornecer seu conhecimento, já que algumas comunidades tradicionais e tribos

procuram, na figura de representantes, laboratórios, pesquisadores e centros de pesquisa na

tentativa de obter algo em troca de seus conhecimentos26. Esta atitude abre caminho para a

possibilidade de diálogo entre ambas as partes envolvidas na realização de pesquisas.

Entretanto, este procedimento (a utilização do etnoconhecimento em pesquisas científicas)

deve observar princípios para que tenha credibilidade científica, política e econômica,

notadamente no que diz respeito ao destino dos benefícios auferidos. Assim, devem respeitar: o

princípio da eqüidade distributiva, que é aquele pelo qual os benefícios devem ser partilhados

com todos os participantes, sobretudo o país proprietário da biodiversidade explorada; o princípio

da participação pública, que garante a participação mais ampla possível da população envolvida

em todos os seus segmentos; e, finalmente, o princípio da compensação, pelo qual a comunidade

fornecedora da matéria-prima ou do conhecimento deve receber compensações em dinheiro ou

em bens.

Mecanismos para mediar a exploração da biodiversidade e do conhecimento tradicional já

existem na legislação brasileira, como vimos no capítulo anterior. O difícil reside na elaboração

de mecanismos que agradem a “gregos e troianos”, pois, como se trata de um objeto muito

26 Esta atitude não é comum. Geralmente o que ocorre é o envio, por laboratórios e centros de pesquisa, de pessoas, pesquisadores ou não, para localidades, onde residam populações de caráter tradicional ou de tribos indígenas, na tentativa de se obter informações úteis que possam a ser utilizadas para o desenvolvimento de produtos e de novas tecnologias. Este processo geralmente leva ao desenvolvimento de um novo produto, entretanto, o conhecimento tradicional utilizado não é reconhecido nem a populações que participante obtém alguma vantagem nesta participação.

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pessoal, como o de dividir o seu conhecimento com um laboratório, ou centro de pesquisa, etc, há

a possibilidade de que não ocorra o respeito aos princípios acima descritos, nem a prova da

existência legal do conhecimento tradicional (em catálogos, como feito pela Índia), o que

auxiliaria para se caracterizar o procedimento como de origem ilícita.

Além de ser um problema econômico, a exploração do conhecimento tradicional por

laboratórios e centros de pesquisa, na tentativa de obter-se informações úteis economicamente,

encontra-se associado à utilização da biodiversidade. Este uso favorece a degradação do meio

ambiente, geralmente nas imediações do local em que vivem as populações locais e indígenas.

Devido à dependência em relação à biodiversidade, vinculo este que contribui para a

formação da identidade destas populações, a retirada de uma quantidade grande de material

biológico leva ao esgotamento deste ecossistema, prejudicando o desenvolvimento e reprodução

do estilo de vida e cultural desses povos. A perda desta identidade cultural, na relação homem

natureza, potencializa a depredação ambiental, pois, reconhecendo a importância destes povos

para a manutenção da biodiversidade, perder esta característica cultural, de cunho subsistente e

sustentável, dificulta a reprodução desta relação, torna-os, até mesmo, nocivos à preservação

ambiental. Porém, respeitando-se o parâmetro legal, a utilização do conhecimento tradicional

pode servir de grande utilidade para as comunidades locais.

O desenvolvimento científico ocorrido nas últimas décadas, valorizou todas as formas de

conhecimento. Estar inserido neste novo paradigma é fator estratégico para o desenvolvimento de

qualquer país. Reconhecer a necessidade do desenvolvimento do conhecimento é tão importante

como conservar o existente. Por mais "simples" que seja o conhecimento obtido, ele ainda é um

conhecimento.

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Não se deve estabelecer uma diferenciação tão grande, criar um verdadeiro abismo entre

duas formas de conhecimento. Por mais diferentes que possam ser, ainda assim podem agir de

forma complementar, não somente objetivando encontrar a função de determinado insumo, mas,

sim, de forma reconhecida e institucionalizada, tanto no plano político como por parte de toda a

sociedade.

Entretanto, observa-se uma verdadeira disputa na busca deste conhecimento que, por um

lado, é extremamente valorizado e, pelo outro, é discriminado, reduzido perante os métodos

científicos. Países líderes na produção de conhecimento científico buscam no conhecimento

tradicional uma economia de tempo e de dinheiro na elaboração de pesquisas. Após a obtenção

deste insumo e de explorado o conhecimento tradicional, cientistas patenteiam suas “descobertas”

e as comercializam em escala global, sem que exista nenhuma espécie de divisão eqüitativa dos

benefícios oriundos da pesquisa transcultural.

Ninguém nega os avanços conquistados pelo desenvolvimento científico. Contudo, o

enfoque voltado para o conhecimento fez com que vários setores sociais fossem inseridos de

forma desigual no processo de valorização do conhecimento. Entre eles estão incluídas estas

populações, povos simples, porém com um enorme arcabouço cultural e com um importante

papel na conservação ambiental.

A exploração do conhecimento tradicional é fato discutido por vários segmentos sociais,

econômicos e políticos. Observamos a ocorrência de vários avanços sobre esta questão nos

últimos anos. A Convenção sobre a Diversidade Biológica, realizada no Rio de Janeiro em 1992,

buscou estabelecer métodos de acesso aos recursos biológicos, como vimos no capitulo três, mas

também buscou regulamentar o acesso e o uso do conhecimento tradicional associado à

biodiversidade.

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A assinatura desta convenção, favoreceu o desenvolvimento e reconhecimento da

importância, social e econômica, do conhecimento tradicional para a pesquisa científica. A MP

n°2.186-16, discutida no capítulo três, também objetiva mediar o uso do conhecimento

tradicional, fornecendo poderes às populações para escolherem sobre a utilização, assim como a

forma de uso de seu conhecimento em pesquisas científicas. Porém, estes dispositivos são muito

recentes e possuem pouca funcionalidade no controle da exploração, tanto do conhecimento

tradicional quanto da biodiversidade. Ainda existe a necessidade de se efetuar várias correções,

adaptando estes mecanismos à realidade destas populações. Contudo, indubitavelmente, são

avanços conquistados.

A exploração do conhecimento tradicional é realizada de forma semelhante à ocorrida

com a biodiversidade. Como os mecanismos de fiscalização são ineficientes, existe o processo de

tentativa de imposição de regras que beneficiam somente a países lideres em tecnologia, o que,

em tese, facilita a exploração em território estrangeiro. Mesmo com a CDB, ainda verifica-se a

ocorrência da exploração do conhecimento tradicional, pois, os parâmetros para determinar o

acesso e uso, assim como da soberania sobre o conhecimento tradicional, ainda são relativamente

obscuros. Contudo, é um avanço de grande expressividade.

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Capítulo V.

A proteção do conhecimento tradicional associado à biodiversidade.

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I. As especificidades do conhecimento tradicional frente às formas de proteção de propriedade intelectual.

A partir da construção da exploração sobre a biodiversidade, em aspectos relacionados à

produção de conhecimento através da manipulação da matéria viva, ocorre um choque entre dois

tipos de conhecimento: entre o conhecimento científico, caracterizado pela experimentação e

sistematização racional, como verificado no capítulo anterior, com o conhecimento tradicional,

proveniente de populações que vivem em economia de subsistência; conhecimento este

empiricamente conquistado pelo direto contato destas populações com a biodiversidade.

O mercado de produtos farmacêuticos derivados de conhecimentos tradicionais,

principalmente os medicinais, representam, talvez, ganhos de bilhões de dólares anuais, sendo

que, na maioria das vezes, tais populações não obtêm sua devida parte nos ganhos e, quando são

ressarcidos, é de forma ínfima. Na maioria dos casos, esta exploração danifica o meio ambiente

onde vivem estas populações, originando impactos tanto no plano ambiental quanto cultural, pois,

estas populações, possuem grande dependência em relação ao meio no qual vivem.

Observa-se que são cada vez mais freqüentes notícias do patenteamento, pelos grandes

laboratórios, indústrias e centros de pesquisa, de produtos derivados da biodiversidade e do

etnoconhecimento, encontrados e identificados através da colaboração de povos tradicionais,

como ribeirinhos, sertanejos e tribos indígenas. Geralmente, este procedimento encontra-se fora

da norma legal, aspecto este que favorece o aumento dos danos às sociedades que dependem do

acesso a estes insumos.

O que se vê no processo de intersecção de ambos os tipos de conhecimento, é que o

conhecimento científico é dotado de uma série de mecanismos, devido a suas características e por

ser, atualmente, caracterizado como forma de saber hegemônico, o que possibilita a sua recriação

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e defesa através de leis patentearias, as quais autorizam a apropriação individual, por determinado

período de tempo, por parte de uma pessoa ou corporação.

Porém, vários processos de solicitação de patentes, principalmente na área de pesquisa

biotecnológica, provêm do conhecimento tradicional, difícil de ser defendido pelas atuais regras

mercadológicas. Verifica-se um processo de subordinação de um conhecimento sobre o outro na

realização de pesquisas científicas, favorecendo a sujeição do conhecimento tradicional frente ao

científico. Esta exploração é facilmente verificada nos mecanismos de defesa particular do

conhecimento científico, os quais levam a uma espécie de "desvalorização legal" do saber

conquistado por povos tradicionais e indígenas.

Portanto, com o desenvolvimento deste mercado, especialmente na área biotecnológica,

ocorre à necessidade de se estabelecer medidas regulamentares para mediar o uso do

conhecimento tradicional, assim como para o acesso aos insumos genéticos, conforme já

analisado. A Organização Mundial do Comércio - OMC, em uma destas tentativas, designa a

necessidade de todos os países possuírem leis específicas sobre o reconhecimento de patentes, ou

seja, que os países elaborem legislação específica sobre a questão da propriedade intelectual.

Portanto, estas regras devem estar em consonância com as dos demais Estados.

Existem grupos que consideram que os conhecimentos indígenas e tradicionais devem ser

legalmente protegidos da mesma forma tal qual uma produção ou invenção industrial o é, já que,

hoje em dia, muitas das formas de conhecimento podem ser protegidas através do mecanismo de

patentes. Porém, esta questão possui alguns problemas: com relação aos critérios, somente pode

ser patenteada uma invenção, ou seja, uma criação original que deve possuir uma utilidade

industrial. Ora, a questão da inovação não pode ser aplicada ao dito conhecimento tradicional,

pois o mesmo não se enquadra dentro desta especificidade.

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O que ocorre, normalmente, é uma empresa ou laboratório, através do uso do

conhecimento tradicional, como o aplicado sobre uma planta, e, depois de identificado o seu

DNA e isolado o princípio ativo de um composto, patenteá-lo em um outro marco tecnológico,

que não é o tradicional e, sim, o chamado conhecimento científico, enquadrando-o como uma

inovação tecnológica ou um processo industrial. Outro método é, a partir do conhecimento

tradicional, desenvolver uma aplicação comercial, além da utilizada pelos povos tradicionais, e,

desta forma, agregar ao processo uma novidade. Assim, patenteiam o que é novo e utilizam o que

é tradicional. Resultado: os povos tradicionais não conseguem nenhuma forma de proteção a

partir deste método, pois não "caberiam" no sistema atual de patentes.

A lei de patentes atualmente vigente, é um instrumento de corte muito bem definido, não

sendo, portanto, flexível a ponto de reconhecer um direito como o conhecimento tradicional nos

termos de propriedade particular. Temos de lembrar que este conhecimento é comum a um

número extenso de comunidades e tribos, e não pode ser caracterizado como sendo de origem

privada, fato este que dificulta seu reconhecimento pelo atual mecanismo de patente.

Quanto à defesa do conhecimento tradicional, que pertence a uma coletividade, não pode,

de forma alguma, ser enquadrado a partir de termos específicos e individuais. Não há a

possibilidade de registrá-lo como inovação industrial, que zela exatamente por este procedimento

de individualizar uma autoria. A tentativa de se possibilitar o patenteamento de tal conhecimento

poderia favorecer disputas entre várias comunidades ou tribos indígenas, o que não seria de forma

alguma benéfico para o desenvolvimento e reprodução de seus estilos de vida. Destarte, patentes

de conhecimentos coletivos seria versar em uma idéia que, além de dificilmente poder ser

aplicada, de acordo com as regras patenteárias vigentes, poderia levar a um desastre cultural das

comunidades tradicionais e tribos indígenas.

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Temos um enorme problema na conceituação do conhecimento tradicional como bem

jurídico, pois, o mesmo, não se enquadra no conceito de sujeito individual, já que tal

conhecimento é detido por uma série de grupos e sociedades. Trata-se do que o direito chama de

direito difuso, ou interesse difuso.

Quando um objeto ou conhecimento relaciona-se com uma grande quantidade de sujeitos,

ou quando este objeto é um fator importante para vários indivíduos, não se pode enquadrá-lo nos

parâmetros estabelecidos pelo direito individual27. O conhecimento tradicional seria um direito

difuso, ou seja, é um objeto - o conhecimento - detido por um enorme grupo de pessoas, nas mais

variadas formas de organização social e tribal. Portanto, a tentativa de se estabelecer patentes

sobre o conhecimento tradicional seria de difícil aplicação, pois a realização do cumprimento das

normas específicas, que possibilitariam tornar este tipo de conhecimento um bem jurídico, seria

dificultada pelas características coletivas do etnoconhecimento de comunidades locais e

indígenas.

II. As tentativas de proteção do conhecimento tradicional associado.

Tanto localmente como internacionalmente, abre-se espaço para a discussão dos direitos

das comunidades tradicionais e nativas acerca de seus conhecimentos e práticas, assim como o

debate sobre a concessão de um estatuto jurídico próprio. Três pontos principais permeiam estas

discussões: 1) o papel histórico de conservação ambiental realizada por estas populações,

buscando-se, portanto, resguardar seus conhecimentos e práticas; 2) a valorização do 27 Devemos lembrar que não existem apenas duas categorias no direito para conceituar a propriedade dos bens. Além do direito privado e do direito difuso, outras categorias existem, como: bem público, bem comum e bens livres. Estas categorias servem para conceituar aquilo que não pertence somente a uma pessoa, ou para conceituar aquilo que não pertence a "ninguém". De uma forma mais completa, esta caracterização remete-se a uma discussão anteriormente realizada - vide nota 17 - quanto aos conceitos de res nullis e res comminis.

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conhecimento tradicional associado, tendo o acesso (ao insumo) cada vez mais vinculado ao seu

componente intangível (o conhecimento); 3 - assegurar a repartição eqüitativa dos ganhos

econômicos e tecnológicos da pesquisa biotecnológica.

Deve-se consolidar a idéia de que, o conhecimento tradicional, necessita ser visto como

uma criação intelectual destes povos e não como uma herança comum da humanidade e entregar,

a estas populações, a outorga de seu uso, aspecto que atribuiria poder de decisão e controle sobre

as formas de apropriação e utilização.

Existem inúmeras discussões sobre como se estabelecer à defesa do etnoconhecimento.

Alguns afirmam que este conhecimento deveria ser defendido pela mesma lei patenteária atual.

Este fato, anteriormente discutido, levaria a uma individualização do conhecimento, fato este não

condizente com o aspecto coletivo das comunidades tradicionais e tribos indígenas.

O fato complica-se, ainda mais, quando se observa que muitas comunidades que

comungam destes conhecimentos encontram-se dispersas por enormes faixas territoriais, o que

torna praticamente impossível à determinação de um grupo específico, como é o caso, por

exemplo, do curare, anticoagulante usado por inúmeras tribos da Amazônia.

O estabelecer de um parâmetro como este, até serviria como forma de defesa do

conhecimento acumulado por estes grupos. Contudo, a propriedade privada sobre algo que não

possui autoria específica, nem um grupo específico, torna-se de muito difícil realização. Além

disto, o depósito de uma patente como está seria facilmente contestada, pois o mesmo

conhecimento é verificado em inúmeras comunidades e encontra-se disperso em grandes faixas

territoriais. Por fim, estabelecer critérios embasados na propriedade privada do conhecimento,

poderia ocasionar uma concorrência entre muitos grupos, fato que não seria benéfico para

nenhuma destas populações.

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Outros defendem a total impossibilidade de se estabelecer uma apropriação individual

sobre os processos obtidos através da utilização de tais conhecimentos, restringindo-os sobre as

invenções derivadas de tais conhecimentos. Também existe a possibilidade de se constituir um

método de maior participação destas comunidades no processo de intersecção de seus

conhecimentos, com os ditos conhecimentos científicos, podendo, desta forma, criar formas de

negociação entre ambas as partes.

Uma outra forma discutida seria a elaboração de um ramo do direito que representasse as

formas como estas populações desenvolvem seus conhecimentos, ou seja, de acordo com sua

cultura, defendendo uma produção intelectual de caráter coletivo. Seria uma espécie de direito

sui-generis, voltado exatamente para esta problemática. Este modelo sui generis seria:

“um sistema alternativo [...] distinto dos regimes de proteção dos direitos de propriedade intelectual (Fapesp, junho 2002, pp. 16-17)”.

Este sistema permitiria o reconhecer jurídico de tal conhecimento, sistema este que seria

estabelecido a partir do respeito às características sociais e culturais das comunidades

tradicionais. A partir deste mecanismo, esta forma de conhecimento poderia vir a ser estipulado a

partir de um modelo de propriedade difusa, o que impediria sua patenteabilidade por laboratórios

e/ou indústrias.

A Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) levanta, pelo menos, três

motivos para o reconhecimento legal do conhecimento tradicional: 1) o reconhecimento legal do

conhecimento tradicional “permitiria a sua proteção contra atos distorsivos ou ofensivos, mesmo

que seus titulares não tivessem a intenção de comercializá-los diretamente”28; 2) um sistema de

28 Nuno Carvalho em entrevista à revista Fapesp. Fevereiro de 2003, n° 84. p. 19.

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proteção claro e efetivo aumentaria a segurança e a previsibilidade das relações jurídicas, as quais

beneficiariam as populações detentoras do conhecimento e a sociedade como um todo, reduzindo

de forma considerável as incertezas e desconfianças acerca da bioprospecção; 3) este sistema

permitiria o registro dos conhecimentos pelas populações detentoras do mesmo, possibilitando a

exploração econômica e conseqüente capitalização empresarial da comunidade.

Nuno Carvalho (Fapesp, 2003), levanta duas possibilidades de se proteger o

conhecimento tradicional:

“Por um lado, existe a chamada proteção defensiva, ou seja, medidas que são tomadas com vistas única e exclusivamente a evitar que terceiros se apropriem dos conhecimentos tradicionais. Assim, listas de nomes e de símbolos indígenas com vistas a evitar os registros de marcas, como fizeram os Estados Unidos. [...] Outros são as bases de dados de conhecimentos tradicionais, como a dos conhecimentos medicinais ayuvérdicos, da Índia, estabelecido de forma que os examinadores de patentes possam a levar em conta os conhecimentos tradicionais já divulgados publicamente e que, portanto, fazem parte do estado de técnica e constituem anterioridade a pedidos de patentes. [...] De outra parte, existe a proteção 'positiva', ou seja, a aquisição de direitos proprietários sobre os conhecimentos tradicionais. Há a possibilidade de se utilizar mecanismos pré-existentes de propriedade intelectual: o direito de autor, para algumas expressões dos conhecimentos tradicionais, como as artes folclóricas; as patentes, para algumas invenções tradicionais; as marcas, para nomes e símbolos; os desenhos industriais, para símbolos, figuras, etc (pp.19-20)”.

Obviamente, existem vários entraves para a funcionalidade dos dois mecanismos descritos

pelo chefe da seção de Recursos Genéticos, Biotecnologia e Conhecimentos Tradicionais da

OMPI. Quanto à proteção defensiva, existe um número imenso de conhecimentos e nomes que

ainda não foram catalogados, sendo uma pequena parte destes conhecimentos, em geral os que já

foram utilizados em processos industriais, conhecidos. Estabelecer um método como este seria

uma medida apenas teórica e pouco funcional.

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Quanto à defesa positiva, além dos próprios entraves jurídicos existentes, a propriedade

intelectual geralmente é desconhecida pela maioria das comunidades indígenas e locais. Uma

elaboração legal como esta teria de ser acompanhada por campanhas de conscientização destas

populações, o que seria custoso, pois a distribuição territorial das mesmas é muito dispersa, além

de ser grande o número de comunidades tradicionais existentes em território nacional .

Com o crescimento da importância econômica da utilização do conhecimento tradicional,

considerando os interesses econômicos e sociais existentes entre os países do norte e do sul em

relação ao acesso e uso do valorizado conhecimento tradicional, observa-se o aumento das

discussões sobre os meios de se instituir regras comuns para estabelecer critérios legais que

regulamentem a questão. Temos, por exemplo, discussões na OMC, OMPI, ONU - FAO e

UNCTAD. Além destes órgãos, ressalta-se a existência de conferências mundiais na tentativa de

organizar o mercado de insumos biológicos úteis a biotecnologia.

A convenção de maior expressividade, com relação a esta problemática, é a Convenção

sobre Diversidade Biológica - CDB, realizada no ano de 1992, no Rio de Janeiro. Já discutimos

esta convenção no terceiro capítulo, porém não a analisamos em relação ao processo de

exploração do conhecimento tradicional associado.

1.1 - A convenção sobre a diversidade biológica e a problemática da exploração do conhecimento tradicional.

A CDB, realizada durante a Eco-92, no Rio de Janeiro, deve ser entendida como uma

tentativa de se estabelecer um tratado internacional que vise à regulamentação do acesso à

biodiversidade e da utilização de etnoconhecimento, de populações tradicionais e tribais, nas

pesquisas científica e biotecnológica.

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Considerando os novos instrumentos tecnológicos desenvolvidos com a biotecnologia e

com a engenharia genética, a CDB buscou ao máximo regularizar a matéria em questão de forma

representativa, já que considera a biodiversidade a nível genético, tecnologia esta que

potencializou transformações no campo do saber, mudanças nos processo de obtenção de

produtos e para o desenvolvimento de tecnologias, entre outras aplicações.

Entre vários fatores, tratou: da conservação ambiental aliada ao uso sustentável dos

recursos; condicionou o acesso aos recursos genéticos à transferência de tecnologia. Transformou

a biodiversidade em patrimônio soberano do país que detém biodiversidade em seu território. A

CDB reconhece direitos e deveres, ou seja, incorpora a importância da manutenção e conservação

dos conhecimentos tradicionais. Busca a proteção dos interesses das populações que os possuem,

assim como atribui critérios para a repartição dos benefícios derivados do uso do conhecimento

das populações tradicionais e indígenas.

Em seu preâmbulo, a CDB reconhece a importância dos conhecimentos e práticas

tradicionais no uso sustentável da biodiversidade; condiciona o uso do conhecimento tradicional

à repartição justa e eqüitativa dos benefícios resultantes de pesquisas científicas e tecnológicas. A

divisão se daria de forma amigável entre as partes envolvidas no processo de obtenção de

produtos e/ou tecnologias.

A alínea j do oitavo artigo da CDB estabelece, (Araújo & Capobianco, 1996):

“Em conformidade com a legislação nacional, respeitar, preservar e manter o conhecimento, inovações e práticas das comunidades locais e populações indígenas com estilos de vida tradicionais relevantes [sic] à conservação e à utilização sustentável da diversidade biológica e incentivar sua mais ampla aplicação com a aprovação e participação dos detentores desse conhecimento, inovações e práticas, e encorajar a repartição eqüitativa dos benefícios oriundos da utilização desse conhecimento, inovações e práticas (pp.59)”.

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Elabora-se um instrumento que pode ser visto como meio de estímulo da participação de

populações locais e tradicionais, com institutos de pesquisa e indústrias, para a realização

pesquisas tecnológicas. O citado artigo confere poderes às comunidades de optarem

positivamente ou negativamente, quanto à utilização de seus conhecimentos, assim como os

coloca como beneficiários da aplicação de seus conhecimentos no processo de desenvolvimento

de produtos e tecnologias.

Realmente, observa-se colaboração das comunidades, já que algumas comunidades

possuem sérias necessidades sociais e econômicas e, através do contato com ONG’s e outras

organizações sociais, facilitam e se interessam pela utilização de seus conhecimentos nas

pesquisas. Desta forma, a necessidade de um instrumento normativo claro e eficiente é de suma

importância para a defesa dos interesses destas populações, pois, muitas vezes, o processo de

utilização de seus conhecimentos termina com sua indevida exploração. Cabe a sociedade como

um todo e, principalmente à esfera política, buscar, não somente o desenvolvimento de novos

métodos legais, mas, também, na aplicação do dispositivo legal existente, investindo-se no

aperfeiçoamento dos mecanismos de fiscalização, assim como na mediação jurídica do uso de tal

conhecimento.

O artigo de número quinze da CDB, afirma que o processo de utilização, da

biodiversidade e do conhecimento tradicional, deve ser realizado dentro dos parâmetros

estipulados na CDB. Desta forma, como este artigo se fundamenta em dois outros, o 16 e o 19,

que versam sobre o acesso à tecnologia, transferência tecnológica e sobre a distribuição dos

benefícios oriundos da pesquisa biotecnológica, as partes contratantes, sobre o auspício do

Estado, deve fundamentar-se em parâmetros claros que beneficiem tanto o governo do país,

detentor do material genético, quanto da população que forneceu o etnoconhecimento sobre

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determinado insumo. Aspecto preocupante deste artigo, encontra-se na possibilidade da

intervenção do Estado, tornando-o, da mesma forma que a população envolvida na pesquisa,

beneficiário na utilização comercial e tecnológica dos benefícios conquistados.

Observamos, portanto, a existência de deficiências, o que aumenta as incertezas acerca da

funcionalidade deste mecanismo. A partir do momento em que o governo de determinado país se

torna participante do processo de concessão da utilização do etnoconhecimento, as comunidades

tradicionais perdem, sobre seu próprio conhecimento, parte do poder de escolha. Esta medida,

contraditória por sinal, demonstra um dos pontos negativos da CDB, pois não estabelece

parâmetros claros o suficiente para regulamentar a problemática em questão. Contudo, fomenta a

discussão, o que, conseqüentemente, levará a gradativas melhorias de sua redação.

As medidas elaboradas na CDB refletem-se em vários setores da sociedade, o que

aumenta a discussão sobre a questão da pesquisa tecnológica com uso de etnoconhecimento.

Algumas destas discussões chegou, até mesmo, a afirmar que a convenção possui certo tom

economicista. Uma concepção como esta é errônea, pois, a partir do momento que a convenção

transforma a biodiversidade em um patrimônio de determinado Estado e atribui às comunidades

tradicionais a outorga sobre o uso de seus conhecimentos, não busca resolver um problema de

caráter econômico a partir de um “remédio” econômico.

Contudo, deve-se ressaltar que a ciência evolui de forma considerável nas últimas

décadas, e esta evolução é benéfica por demais para toda a sociedade. Desta forma, deve ser

construída uma medida regulamentar que atenda as necessidades do mercado de inovações

tecnológicas. O Estado, desta forma, deve encontrar formas de aliar avanço tecnológico

(fundamental para o novo processo pós-industrial) com avanço social. Portanto, o texto da

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convenção, apesar de possuir defeitos, deve ser visto como um avanço na busca da benéfica

interação entre os envolvidos na pesquisa tecnológica.

Vale lembrar que o patrimônio genético em questão também se encontra atrelado ao

interesse público, sendo o Estado responsável, assim como a sociedade, por fiscalizar as práticas

e objetivar a benéfica utilização para todos os entes envolvidos e, ainda, oferecer às comunidades

tradicionais a proteção, não somente da biodiversidade e do meio ambiente que as cercam, mas

também garantir manutenção do seu estilo de vida e de suas características culturais. Desta

forma, buscar proporcioná-los o aparato e condições para sua sobrevivência física, econômica e

cultural.

Muito mais importante do que estabelecer uma divisão dos lucros obtidos na pesquisa, o

objetivo deverá alicerçar-se na manutenção da economia e na melhora da qualidade de vida de

povos indígenas e tradicionais. Deste modo, objetivar, pelo menos, a manutenção da economia de

subsistência de parte destas populações, além de defender os interesses destas populações, caso

queiram participar cedendo seus conhecimentos. Faz-se, portanto, necessária à manutenção deste

vínculo social, econômico e cultural. É muito importante, realmente, instituir critérios para a

divisão dos benefícios, mesmos sendo eles de difícil aplicação, mas a manutenção da relação com

o meio ambiente e a opção de escolha entre colaborar ou não com laboratórios, indústrias,

instituições de pesquisa, é um prêmio, trazido pela CDB, para a manutenção da autonomia destes

povos.

A CDB é apenas um modelo que deve vir acompanhado de regras estipuladas

internamente por cada participante. No Brasil, este apêndice da Convenção foi elaborado a partir

de uma medida provisória, ainda durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, no ano de

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2001. Esta MP, que atualmente possui status de lei, busca dar funcionalidade às regras instituídas

na CDB.

1.2 - A medida provisória n° 2.186-16.

Criada a partir dos pressupostos elaborados pela Convenção sobre a Diversidade

Biológica, a MP n° 2.186-16 busca regulamentar, em território nacional, o acesso e formas de

utilização da biodiversidade e do conhecimento tradicional associado, instituindo critérios para a

utilização deste conhecimento em pesquisas.

A MP, em seu sétimo capítulo, elabora algumas definições acerca dos termos em

discussão, sendo eles:

“comunidade local29: grupo humano, incluindo remanescentes de quilombos, distinto por suas condições culturais, que se organiza, tradicionalmente, por gerações sucessivas e costume próprios, e que conserva suas instituições sociais e econômicas30”.

“Conhecimento tradicional associado31: informação ou prática individual ou coletiva de comunidade indígena ou de comunidade local, com valor real ou potencial, associada ao patrimônio genético32”

A segunda definição, considerando que a medida busca regulamentar o conhecimento

tradicional com possibilidade de aplicação econômica, ou seja, não inclui características de

sentido mais amplo, como características culturais como forma de conhecimento, línguas,

crenças, etc. Entretanto, o foco real desta lei é atribuir critérios legais para uma área de

29 Itálico meu. 30 BRASIL. Presidência da republica. Casa civil: subchefia para assuntos jurídicos. Medida provisória n° 2.186-16, de 23 de agosto de 2001. Capítulo II: das definições, Artigo 7°, quarto parágrafo. 31 Itálico meu. 32 Op. cit. Segundo parágrafo.

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convergência do conhecimento científico com o tradicional, ou seja, regulamentar uma

exploração que possa vir a ser realizada por indústrias e centros de pesquisa tecnológica, sobre o

conhecimento das populações tradicionais e tribos indígenas. Assim, objetiva a defesa dos

interesses destes grupos sociais na utilização de seus conhecimentos para pesquisas de cunho

tecnológico

A definição de população local também foi elaborada para a mesma finalidade. Desta

forma, não aborda uma descrição com maiores detalhes do estilo de vida, economia e estrutura

social das comunidades tradicionais e tribais. Deste modo, observamos que a definição cita uma

forma de organização tradicional, porém, não define parâmetros para a caracterização deste

modelo organizacional, apenas afirma a existência de um estilo de vida tradicional e não o

caracteriza com maiores detalhes.

O acesso ao etnoconhecimento é definido da seguinte maneira:

“Acesso ao conhecimento tradicional associado33: obtenção de informação sobre conhecimento ou prática individual ou coletiva, associada ao patrimônio genético, de comunidade indígena ou local, para fins de pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico ou bioprospecção, visando sua aplicação industrial ou de outra natureza”34.

A definição, acima exposta, descreve de forma mais completa a problemática em que o

dispositivo será empregado. Portanto, o conhecimento tradicional é observado a partir de seu uso

e aplicação nos vários processos tecnológicos. O corte instituído neste parágrafo possui uma

relação de maior intimidade com a esfera econômica, aspecto este que, de maneira geral,

33 Itálico meu. 34 Op. cit.. Capítulo II: das definições, Artigo 7°, quinto parágrafo.

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favoreceu a melhor redação do artigo, pois se insere em uma das principais problemáticas em

questão: a possível exploração econômica do etnoconhecimento.

A MP objetiva combater a exploração ilícita do conhecimento tradicional, assim como

outras ações lesivas incorretamente firmadas entre as partes contratantes no processo de pesquisa.

A prevenção encontra-se aliada, por parte das populações locais, ao reconhecimento da soberania

sobre seus conhecimentos. Descrito no primeiro inciso do oitavo artigo, afirma o direito de

escolha de liberar ou não, por parte da população que o detém, a utilização do conhecimento

tradicional.

Contraditoriamente no capítulo de número quatro, intitulado “Das competências e

atribuições institucionais”, cria-se, no âmbito do Ministério do Meio Ambiente, o Conselho de

Gestão do Patrimônio Genético - CGEn -, que deve ser presidido pelo representante do Ministério

do Meio Ambiente. O CGEn é competente, entre outros fatores, para deliberar sobre:

“autorização especial de acesso ao conhecimento tradicional associado35 à instituição nacional, pública ou privada, que exerça atividade de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas e afins, e à universidade nacional, pública ou privada, com prazo de duração de até dois anos, renovável por iguais períodos36”.

Esta instrução, portanto, contradiz o primeiro inciso do oitavo artigo, o qual reconhecia o

direito de decisão das populações indígenas e tradicionais sobre o uso de seus conhecimentos.

Esta MP parece-nos incoerente em alguns aspectos. Além de estabelecer critérios

obscuros na constituição da legalidade sobre o uso do conhecimento tradicional, como vimos

acima, na alínea b do primeiro parágrafo do artigo quatorze, do mesmo capítulo acima analisado, 35 Itálico meu. 36 Op. cit.. Capítulo IV: Das competências e atribuições institucionais. Artigo 11, quarto parágrafo, alínea d.

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volta a atribuir poderes de escolha às populações detentoras de conhecimento tradicional. De

acordo com este dispositivo, o conselho de gestão somente poderia emitir requerimento, a

terceiros, “mediante anuência prévia dos titulares da área, ou seja, da população detentora do

conhecimento em questão”37.

Avançando ao sétimo capítulo, “Da repartição dos benefícios”, a medida provisória versa

sobre os sujeitos beneficiados no processo de uso do conhecimento tradicional. De acordo com

este artigo, os benefícios obtidos com a utilização de etnoconhecimento, por instituição nacional

ou sediada no exterior, “serão repartidos, de forma justa e eqüitativa, entre as partes contratantes,

conforme dispuser o regulamento e a legislação pertinente38”.

A divisão eqüitativa poderá constituir-se da divisão dos lucros; pagamento de royalties;

acesso e transferência de tecnologia; licenciamento, livre de ônus, de produtos e processos e,

ainda, da capacitação de recursos humanos. O contrato de divisão de benefícios deverá qualificar,

de forma clara, as partes contratantes e será elaborada de forma tripartite, entre o proprietário da

área pública ou privada, ou o representante da população indígena ou tradicional, a instituição

nacional autorizada a efetuar o acesso e a instituição destinatária.

O grande problema existente na constituição da divisão de benefícios, entre instituições de

pesquisa e populações tradicionais, encontra-se na carência de órgãos de fiscalização, pois todo o

processo de análise e concessão centraliza-se apenas em um órgão - o CGEn. A quase certeza de

impunidade fortalece, portanto, a exploração ilícita do conhecimento tradicional. As penas

instituídas na constatação de irregularidades no contrato são razoavelmente altas, mas

dificilmente são aplicadas.

37 Op. cit. Capítulo II: das definições, Artigo 14, primeiro parágrafo, alínea b. 38 Op. cit..Capítulo VII: Da repartição dos benefícios, artigo 24.

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107

Com a valorização do conhecimento tradicional para fins de pesquisa tecnológica, é

extremamente necessário que se crie uma legislação que institua métodos para a correta utilização

deste conhecimento e, a partir disto, estabelecer uma espécie de apoio legal para a pesquisa

científica. Além de instituir um apoio legal para o avanço tecnológico, possibilita a realização de

pesquisas que possibilitem avanços em alguns setores da sociedade, como para a manutenção da

economia de subsistência de algumas populações tradicionais.

Com os avançados métodos de biogrilagem existentes no território brasileiro, a MP,

apesar de possuir vários defeitos, é um bom instrumento de regulamentação do processo de

utilização do conhecimento de populações tradicionais e de tribos indígenas. Além de instituir

critérios para a pesquisa tecnológica, serve de fomento para que outras atitudes sejam tomadas.

Sua redação é uma demonstração de que a matéria está em plena discussão, tanto no congresso

nacional como em outros setores que possuem ativa participação política. Em suma, é mais um

avanço conquistado para a afirmação legal do etnoconhecimento.

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Capítulo VI.

O uso da biodiversidade e do conhecimento tradicional - Dois exemplos

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109

I. Uma breve descrição dos exemplos;

As constantes inovações tecnológicas trazidas pelos métodos biotecnológicos, que

acompanham a evolução da sociedade da informação, assim como a fragilidade legal dos

mecanismos de proteção à biodiversidade e do conhecimento tradicional, expõe, de maneira

perigosa, a riqueza cultural e natural brasileira, colocando-as em situação de extrema atenção

perante os atos de biogrilagem.

O Brasil detém aproximadamente 23% de toda a biodiversidade mundial, e com um

processo de colonização que favoreceu o desenvolvimento de grupos populacionais que têm na

natureza sua principal fonte de subsistência econômica e de identificação cultural, juntamente

com inúmeras tribos indígenas remanescentes, possui um enorme leque de conhecimentos

empíricos de caráter tradicional ou local, valorizado, atualmente, por indústrias, centros de

pesquisa e laboratórios multinacionais como meio de baratear custos de pesquisa.

Esta valorização proporcionou o aumento da procura dos conhecimentos destas

populações, objetivando-se descobrir novos insumos úteis economicamente. Porém, esta

valorização ocorre de maneira exploratória, muitas vezes não ocorrendo relações justas entre

laboratórios e populações, que fornecem seus conhecimentos para a realização de pesquisas e

conseqüente desenvolvimento de produtos.

A carência de fiscalização e a resistência de alguns países em reconhecer legalmente o

conhecimento tradicional, torna o Brasil um alvo fácil para a exploração "ilícita"39, tanto da

39 Conceituar a utilização da biodiversidade e do conhecimento tradicional como ilícito, remete-nos a uma discussão anteriormente realizada. Como este uso é feito, possivelmente, em dois países, caracterizar algo como ilegal é uma tarefa de difícil realização. O ato pode ser ilícito para a legislação do país de onde a amostra ou etnoconhecimento foi retirado, todavia, para o país receptor, este procedimento pode ser tido como atitude legal e reconhecida internamente. Desta forma, torna-se complicado estabelecer a biogrilagem como ato ilícito sem que exista uma padronização legal a favor da população ou do país fornecedor da amostra biológica.

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biodiversidade como do etnoconhecimento. Vários são os exemplos da utilização de nossa

riqueza biológica e das informações úteis das populações tradicionais. Esta exploração não se

restringe somente ao Brasil, já que também ocorrem em países asiáticos, africanos, caribenhos e

sulamericanos.

Entre os vários casos que poderiam ser relatados neste trabalho, foram selecionados dois

exemplos que demonstram possibilidades alternativas para a utilização da biodiversidade e do

conhecimento tradicional: o patenteamento do curare, veneno utilizado por inúmeras tribos

indígenas brasileiras, e a extração alternativa de ervas medicinais, ocorrida no Vale do Ribeira

(SP), em que pesquisadores e população obtiveram ganhos com a interação de seus

conhecimentos.

Tais exemplos representam modos alternativos de utilização da biodiversidade e do

conhecimento tradicional associado, na medida em que o primeiro demonstra a exploração ilícita

de um conhecimento tradicional - o de tribos indígenas - sobre um composto largamente utilizado

por inúmeras tribos localizadas, em sua maioria, ao norte do território brasileiro e, a partir deste

conhecimento, foi solicitada e reconhecida a patente sobre a utilidade deste composto. Já o

segundo exemplo, descreve uma pesquisa que colheu bons resultados. Com a utilização

conhecimento tradicional associado dos moradores do Vale do Ribeira sobre algumas ervas

utilizadas para fins medicinais, a pesquisa obteve, como resultados, o aumento da conservação de

plantas utilizadas por vários moradores, além de favorecer o desenvolvimento do conhecimento

científico sobre funções medicinais e bioquímicas de um determinado organismo.

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II. O patenteamento do curare.

O Curare tem sido utilizado por vários séculos nas florestas tropicais da América do Sul

como um veneno extremamente forte, empregado na ponta de flechas. O nome provém de

palavras de língua indígena: woorari, woorali, urari, que significam veneno. Como é utilizado

por várias tribos, é extremamente difícil saber sua real origem.

O pesquisador Walter Raleigh e diversos outros exploradores da América do Sul,

relataram o uso de curare entre os índios, que teria sido divulgado inicialmente pelo geógrafo

Alexander Von Humboldt, em 1807. Na verdade, o curare é uma designação genérica de um

número variado de preparados, que incluem vários elementos, com maior incidência do veneno

mortal encontrado nas folhas da Strychnos toxífera ou S. guianensis e da Menispermaceae,

especialmente a Chondrodendron tomentosum ou Sciadotenia toxífera40.

O método usual de preparo é combinar folhas jovens de Strychnos e de Menisperms com

outros fragmentos de folhas e, até mesmo, veneno de cobras ou de formigas. Esta mistura é

fervida em água de dois a três dias, evaporada posteriormente para tornar-se uma pasta escura e

espessa com um gosto amargo.

A morte por curare é causada por asfixia, uma vez que os músculos esqueléticos ficam

relaxados e então paralisados. Contudo, o veneno somente funciona se inoculado diretamente ao

sangue. Portanto, o envenenamento de animais não gera efeitos nocivos, caso se oralmente

ingerido. Seus vapores não são venenosos, embora alguns nativos acreditassem que o fossem.

Em 1811, Benjamin Brodie (Friedland, 2000) notou que, durante o envenenamento por

curare, o coração continuava a bater, mesmo quando a respiração cessava, o que significa que a 40 Fonte: Http://www.ambientebrasil.com.br/composer.php3?base=./biotecnologia/index.html&conteudo=./biotecnologia/artigos/biopirataria1.html

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função cardíaca não é bloqueada pelo curare. O horror do envenenamento por curare encontra-se

no fato de a vítima permanecer consciente do que está acontecendo, o que a faz sentir

progressivamente a paralisia sem nada poder fazer.

Os principais elementos químicos do curare são alcalóides, que afetam a transmissão

neuromuscular. Entre os muitos alcalóides presentes no curare, o mais comum é a curarina e a

tubocurarina. Isolada em 1897, obtida em forma cristalina a partir de 1935, é comercializada com

os nomes de Tubarine, Metubine Iodine, Tubadil, Mecostrin, Atracurium (produzido pela

Wellcome) e Vecuronium (produzido pela Organon). As empresas Wellcome, Abbot e Lilly

(EUA) detêm patentes de relaxantes musculares e anestésicos cirúrgicos com base no curare.

Nesse caso, certamente não houve repartição de benefícios pela utilização deste conhecimento

tradicional associado à biodiversidade.

O curare, contudo, começaria a ser utilizado como um anestésico apenas em 1943, quatro

anos depois que seu princípio ativo, o d-tubocurarine, ter sido isolado. Estas drogas são

empregadas como relaxantes musculares de músculos esqueléticos durante cirurgias,

principalmente em cirurgias cardíacas e "cirurgias de peito aberto", como forma de controlar

possíveis convulsões.

Várias foram às solicitações de patentes que possuem ligação com o etnoconhecimento

sobre o curare, sendo as principais:

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113

Quadro 2. Patentes internacionalmente reconhecidas.

Registrado por: Registrado onde:

Data de depósito:

Título: Número:

Albert Boehringer, Ilse Liebrecht Geb.

Boehringer; Ernst Boehringer; Julius

Liebrecht

Inglaterra 1939-08-11 Method of producing purified toxiferine, the active principle of

calabash-curare41.

GB511186

Wilhelm Konz, Heinrich Wieland

EUA 1942-09-29 Toxiferine, the active principle of calabash-curare, and method of

purifying the same42

US2297272

Squibb & Sons INC. EUA 1946-03-26 Method of producing curare preparations suitable for

therapeutic use43.

US2397417

Squibb & Sons INC. EUA 1949-02-08 Standardization Of Therapeutic Curare Preparations44.

US2461278

Lilly Co El EUA 1952-01-08 Methylation Of Curare45. US2581903

Glaxo Wellcome Inc. EUA 28/03/1995 Neuromuscular Blocking Agents46 US5,556,978

N.V. Inpharm (Oud Turnhout, Be

EUA 28/10/1997 Process To Prepare Pharmaceutical Compositions

Containing Vecuronium Bromide And Compositions Produced

Thereby47

US 5,681,573

N.V. Inpharm (Oud Turnhout, Be

EUA 08/08/1995 Process To Prepare Pharmaceutical Compositions

Containing Vecuronium Bromide And Compositions Produced

Thereby48

US5,681,573

Massachusetts General Hospital (Boston, Ma)

EUA 03//07/1978 Neuromuscular Blocking Agents49 US4,192,877

Fonte: http://www.biopirataria.org/patentes_curare.php, 2005.

41 Método de produzir toxiferine purificado, o princípio ativo do calabash-curare. 42 Toxiferine, o princípio ativo do calabash -curare, e método de purificar o mesmo. 43 Método de produzir composto curare adequado para fim terapêutico. 44 Padronização de preparos terapêuticos do curare. 45 “Methylação” do curare. 46Agentes de bloqueio neuromuscular. 47 Processo de preparo de compostos farmacêuticos, combinados, contendo Vecuronium Bromide. 48 Idem. 49 Agentes de bloqueio neuromuscular.

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A apropriação privada do curare demonstra a fragilidade do conhecimento tradicional,

assim como a problemática de pesquisa tecnológica que envolva o uso de etnoconhecimento,

perante o atual sistema de patentes. Desta forma, torna explícita a dificuldade de se controlar atos

de biogrilagem que são auxiliados pela legislação de patentes internacional, a qual inibi a fácil

caracterização de determinado ato como ilícito. Entretanto, a patente do curare está sendo

contestada por cerca de oito tribos distintas, já que tal conhecimento é difundido entre várias

tribos do norte brasileiro, de acordo com Viveiros de Castro (Araújo & Capobianco, 1996).

Em desacordo com os princípios estabelecidos na CDB e na MP n°2.186-16, de agosto de

2001, que regulamenta os meios de acesso da biodiversidade e das formas de uso conhecimento

tradicional associado à biodiversidade em território brasileiro, a exploração do curare não

promoveu a suposta divisão eqüitativa dos benefícios oriundos das inovações tecnológicas,

originados em pesquisas baseadas em etnoconhecimento de comunidades tradicionais.

O exemplo do curare serve perfeitamente para demonstrar a dificuldade de se estabelecer

critérios de proteção legal do etnoconhecimento sobre biodiversidade, já que as práticas e

conhecimentos envolvidos são utilizados por uma série de tribos da Amazônia. Desta forma, falar

na criação de uma patente indígena do curare poderia gerar uma desestabilização destas

comunidades, levando a uma espécie corrida por seu reconhecimento privado. Sendo isto

possível, a patente seria facilmente contestada por outra tribo, e assim sucessivamente, aspecto

este que impediria que a patente fosse estabilizada e reconhecida, além de impossibilitar a

descrição de sua autoria particular.

Tratando-se de uma autoria comum a uma série de tribos, o curare somente poderia ser

enquadrado de forma legal a partir de parâmetros de "direito difuso", não sendo possível, sob

nenhum argumento, reconhecer uma autoria individual sobre o curare, pois o mesmo é utilizado

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por várias tribos, não só dentro do território brasileiro como em tribos que habitam localidades

fora da fronteira brasileira.

As enormes disparidades entre os líderes de produção tecnológica e os detentores de

biodiversidade e de etnoconhecimento, aliados ao processo de valorização da biodiversidade e do

conhecimento tradicional para fins industriais, contribuem para o aumento das discussões sobre

parâmetros legais relacionados com esta questão. Na CDB, é reconhecida a soberania do país

detentor sobre sua biodiversidade. Contudo, este artifício não foi suficiente para deter a

dilapidação do meio ambiente e do patrimônio cultural das populações tradicionais.

A exploração do curare, assim como a dificuldade em se reconhecer legalmente o

etnoconhecimento de várias comunidades tradicionais e de tribos indígenas, demonstra a mais

dura face da exploração da biodiversidade e do conhecimento tradicional. Os meios de se

proteger o conhecimento tradicional ainda são pouco difundidos mundialmente. Uma

demonstração disto é a própria biogrilagem, já que pode ser uma atitude ilícita para um país,

contudo lícita para outro. Além disto, de acordo com Rocha ( 2003):

“Os países ricos relutam em reconhecer o conhecimento tradicional de povos nativos como propriedade intelectual. Em compensação, defendem as patentes sobre genes e princípios ativos encontrados na natureza. Na pratica, vale quem for mais rápido no gatilho em registrar marcas e patentes no exterior (pp. 95)”.

Estas desigualdades, entre as várias nações do globo, somente favorecem o aumento da

ilegalidade e a exploração desenfreada do conhecimento tradicional e da biodiversidade. O curare

é um exemplo clássico desta falta de critérios. E indiscutível o avanço da medicina,

principalmente na área anestésica, obtido com a utilização do princípio ativo desta composição.

Porém, deve se pensar na origem de tais benefícios, que se encontra no etnoconhecimento de

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várias tribos, que o desenvolveram de forma pioneira. O avanço da ciência poderia ser feito de

forma benéfica à população envolvida na pesquisa, e não só para aqueles que se utilizam deste

conhecimento como forma de sucesso econômico.

O reconhecimento de patentes favorece o avanço científico, todavia, somente age sobre o

conhecimento científico. A função da patente é assegurar um investimento econômico realizado

por uma corporação, indústria, etc. A redução no risco de investimento proporcionado pelo

sistema de patentes, com absoluta certeza, premia a inovação tecnológica, benéfica a toda a

sociedade, contudo, trabalha somente sobre a óptica científica, e, como não é um sistema flexível,

não é de grande ajuda para o desenvolvimento social e econômico das populações participantes

na realização de pesquisas tecnológicas.

Um dos maiores avanços nesta questão encontra-se no reconhecimento, pela OMPI, do

conhecimento tradicional. Desta forma, a quebra de uma patente poderá basear-se no uso

tradicional de um processo, como feito já realizado na Índia.

III. Extração alternativa: A pesquisa sobre ervas medicinais no Vale do Ribeira.

O projeto intitulado “Estudo etnofarmacológico na floresta tropical atlântica e triagem

farmacoquímica de espécies nativas com atividade analgésica e antiulcerogênica”, coordenado

por Luiz Cláudio Di Stasi, pesquisador da Unesp de Botucatu, demonstra a possibilidade da

coexistência pacífica entre conhecimento científico, conhecimento tradicional, manutenção da

biodiversidade e, ainda, para a manutenção da economia de subsistência de comunidades

tradicionais.

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O projeto desenvolvido ao longo de quatro anos na Mata Atlântica do Vale do Ribeira,

sudeste do estado de São Paulo, no qual pesquisadores paulistas e catarinenses “descobriram

novas formas de explorar as plantas medicinais e, assim, contribuíram para evitar o

desaparecimento de algumas espécies (Fapesp, 2002, pp.50)”. A pesquisa colaborou, desta forma,

para avanços no campo da ciência e para o melhor aproveitamento dos insumos, pela população

do Vale do Ribeira, que os utilizam, através de conhecimento tradicional associado, para

finalidades econômicas e medicinais.

A pesquisa baseou-se, por um lado, em entrevistas com moradores, com o objetivo de

realizar um levantamento do uso de determinadas plantas existentes na mata atlântica com

propriedades medicinais. Por outro, envolveu análises químicas e testes em animais de

laboratório. Os estudos,

“demonstraram que três plantas podem ser usadas no lugar da Espinheira Santa (Maytenus ilicifolia) - alvo de uma coleta predatória iniciada há 20 anos, quando a Central de Medicamentos (Ceme), um órgão hoje extinto pelo Ministério da Saúde, atestou a eficácia dessa espécie contra a úlcera, gastrite, indigestão e artrite, como parte de um programa de pesquisas de plantas medicinais brasileiras. [...] Os pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Federal de Santa Catarina (UFSC) mostraram também que uma trepadeira conhecida como Tuiuiá (Wilbrandia ebracteata) pode ser empregada para tratar úlceras e problemas digestivos, como já sabiam os moradores da região (Fapesp, 2002, pp.50)”.

Esta planta - o tuiuiá - é utilizada pelos moradores como forma de tratamento de várias

enfermidades ligadas ao sistema digestivo. Através de sua raiz – “na verdade um caule

diferenciado chamado rizoma (Fapesp, 2002, p.50)” - os moradores elaboram uma solução

medicinal, ou mesmo vendem as plantas como forma de atividade econômica. Porém, a pesquisa

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trouxe grandes benefícios a esta população, pois seus resultados acabaram por ajudar

economicamente os moradores, assim como para a preservação da planta:

“Diferentemente do que pensavam os habitantes do Vale do Ribeira, a melhor parte da planta não é a raiz, que apresenta efeitos tóxicos, mas a folha, que tem a mesma ação farmacológica sem toxidade, como mostraram os testes de laboratório (Fapesp, 2002, pp.50)”.

O modo com que os moradores utilizavam-se da planta era realizado, portanto, de forma

equivocada, pois para seu emprego era necessário extrair totalmente a planta. A pesquisa,

portanto, colaborou para a redução da degradação ambiental, a parti do uso racional da planta. De

acordo com Di Stasi, (Fapesp, 2002) do Instituto de Biociências da Unesp de Botucatu:

“[...] a venda do rizoma elimina a planta, enquanto a folha, não. [...] Sugerimos novas formas de exploração econômica e colaboramos para a conservação dessa espécie (pp.50)”.

A partir da junção de ambos conhecimentos - científico e tradicional - moradores e

pesquisadores obtiveram ganhos de grande relevância, tanto para a elaboração de novos

medicamentos como para a preservação da espécie, de relativa importância para a economia do

grupo de moradores do Vale do Ribeira. A utilização sustentável de tais insumos permite também

a manutenção da identidade cultural dos moradores com a biodiversidade local, através de novos

métodos que permitiram uma maior otimização dos insumos existentes na região.

Entre os anos de 1996 e 2000, foram realizadas cerca de 200 entrevistas com os

moradores residentes na região do Vale do Ribeira, como o objetivo de catalogar seus

conhecimentos e, desta forma, aumentar o conhecimento sobre a utilização medicinal das ervas.

As entrevistas ocorreram, principalmente, em três cidades do sudeste paulista: Eldorado, Sete

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Barras e Jucupiranga. Os moradores entrevistados envolviam-se de alguma forma com as plantas

medicinais da região: eram usuários, coletores ou benzedeiras.

As entrevistas serviram de aparato técnico para a comprovação real da funcionalidade

destas ervas. Como resultado, duas publicações foram obtidas junto às revistas Phytomedicine e

Fitoterapia. Esta apresentou “um levantamento preliminar de 290 remédios feitos com 114

espécies de plantas e indicados para cerca de 628 usos medicinais (Fapesp, 2002, pp.50)”. Um

livro também foi publicado: “Plantas medicinais na Amazônia e na mata atlântica”, pela editora

Unesp, onde é comparada “a diversidade das plantas dos dois ecossistemas50 e [...] as

similaridades entre os usos populares (Fapesp, 2002, pp.50)”.

Outro estudo obteve publicação no Journal of Ethnopharmacology. Este, por sua vez,

tratava da:

“comprovação de que três plantas estudadas - Maytenus aquifolium, Sorocea bomplandii e Zolernia ilicifolia - podem substituir a Espinheira Santa verdadeira, por exibirem ação farmacológica similar (Fapesp, 2002, pp.50)”.

O método de trabalho utilizado nessa pesquisa, com absoluta certeza, é de um feitio ímpar

e de grande utilidade não somente para a ciência, mas também para o grupo de moradores. De

acordo com o coordenador da pesquisa, que trabalha na região desde 1986:

“Testamos uma estratégia de ação sobre o ecossistema da Mata Atlântica para estudar produtos da floresta potencialmente úteis como medicamentos e associar o interesse de melhorar a qualidade de vida da população do Vale do Ribeira e conservar o ambiente (Fapesp, 2002, pp.51)”.

50 Mata Atlântica e Amazônia.

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A abordagem dos pesquisadores permitiu grandes avanços para a população local e, ao

mesmo tempo, contribui para avanços científicos e sociais:

“Os pesquisadores desenvolveram uma abordagem abrangente, que começou com entrevistas com os habitantes locais, passou pelos testes farmacológicos, toxicológicos e de controle de qualidade, e seguiu até o impacto da exploração desses recursos sobre a Mata Atlântica, com indicações de estratégias de manejo sustentável e de exploração racional dos recursos naturais (Fapesp, 2002, pp.51)”.

A manutenção da biodiversidade é de suma importância para a manutenção da identidade

cultural desta população, além de permitir a conservação do estilo de vida e do modo de

exploração econômica por um período maior de tempo. Uma pesquisa como esta, encontra-se

totalmente de acordo com os pressupostos mencionados na CDB, bem como na medida

provisória n°2.186-16 que regula o uso do conhecimento tradicional e do acesso à biodiversidade.

Dizer que a pesquisa é de cunho economicista não é totalmente errado, pois o que se

busca é a composição de novos medicamentos e de substâncias economicamente úteis51.

Contudo, o desenvolvimento tecnológico é intrínseco à nossa sociedade, obstruí-lo é hipocrisia. O

correto é demonstrar que é possível a conivência entre as várias formas de conhecimento.

A pesquisa no Vale do Ribeira obteve sucesso em várias áreas, além, é claro, de inovações

tecnológicas. Realizada em conjunto com vários atores, permitiu ganhos em vários setores, como

no âmbito econômico, social, cultural, científico e ambiental. Como comenta Di Stasi (Fapesp,

2002):

51 Além disto, grande parte dos avanços científicos, conquistados nas últimas décadas, deve-se a este caráter econômico. Assim, aliar capital e ciência proporcionou grandes inovações tecnológicas. O que deve ser observado de forma negativa é o desrespeito às regras que regulamentam a utilização do conhecimento tradicional e da biodiversidade. Exceto isso, quando se utiliza corretamente o etnoconhecimento e a biodiversidade, as inovações tecnológicas não devem ser vistas de forma negativa.

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“O uso múltiplo dos recursos florestais permite a redução da exploração de determinadas espécies, como o palmiteiro e a espinheira-santa, reduz os riscos de extinção e de desequilíbrio ambiental, ao mesmo tempo em que garante a exploração sustentável dos recursos florestais pelos habitantes da região (pp.51)”.

A colaboração de ambas as partes serve como exemplo a ser seguido pelos outros setores

da sociedade. Deve-se lembrar, também, que a biogrilagem pode ser entendido como uma forma

de exploração ilícita do conhecimento tradicional e da biodiversidade. Normalmente, não se

encontra dentro de universidades ou dentro de institutos renomados de pesquisa, pois os mesmos

possuem várias razões para cumprir, de forma correta, as regras. Atitudes ilícitas são encontradas

em pequenos setores que não respeitam o conhecimento tradicional, pois estes somente buscam

dificultar o reconhecimento legal do etnoconhecimento, fato este que facilitaria a aplicação de

sanções por parte da OMPI e da legislação dos países.

As inovações tecnológicas apresentaram novas interpretações do conhecimento e da

biodiversidade. Ambos passaram a ser constantemente valorizados. Contrariamente a este

processo de valorização do conhecimento, encontra-se a exploração do etnoconhecimento e da

biodiversidade. A biodiversidade deixou de ser um problema de caráter ambiental, e passa a ser

compreendido a partir de parâmetros econômicos. O conhecimento tradicional, por sua vez,

valoriza-se também, e, desde que seja utilizado de forma correta, representa boas possibilidades

para a melhoria da qualidade de vida das populações locais e indígenas detentoras de

etnoconhecimento.

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Capítulo VII.

Conclusões.

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I. Sobre a questão da biodiversidade.

A sociedade da informação, com absoluta certeza, fornece novo significado e

interpretações acerca da problemática da biodiversidade. A modificação de parâmetros ocorre em

acordo com as inovações introduzidas no campo científico, principalmente mudanças inseridas

pelos novos métodos da engenharia genética.

A engenharia genética trouxe grandes novidades para a ciência, possibilitando a

realização de pesquisas em nível genético. Assim como estes novos métodos, sua aplicação

comercial obtém enorme sucesso e desperta interesses em vários setores da indústria. Portanto, o

desenvolvimento de novos métodos favorece a valorização da biodiversidade, sua principal

matéria-prima.

A valorização da biodiversidade deve-se, conseqüentemente, a modificações na sociedade

que foram trazidas pela ênfase dada ao conhecimento, uma das principais características da nova

sociedade da informação: o valor conhecimento.

A mudança de enfoque, do valor trabalho para o valor conhecimento, transformou várias

esferas da sociedade. Através das novas aplicações da engenharia genética na indústria, a

biodiversidade passa a ser vista não somente como questão meramente ecológica: a

biodiversidade torna-se, desta forma, matéria-prima para o desenvolvimento do conhecimento

através do acúmulo de informações, tornando-se um problema de caráter econômico e sócio-

cultural.

A biodiversidade como um problema econômico é, talvez, uma das maiores novidades

que a sociedade da informação realiza dentro das questões de âmbito ambiental. Esta nova

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interpretação da biodiversidade como sendo um objeto econômico é questão chave para o

aumento da dilapidação dos recursos naturais nos países em desenvolvimento.

A riqueza biológica é, desta forma, um bem escasso. Assim sendo, sua valorização pela

estrutura de mercado, aliada ao processo de globalização vigente no mundo, tornam a riqueza

biológica um objeto extremamente valorizado pela pesquisa científica a ser conquistado.

Claramente, verificam-se desigualdades na distribuição geográfica da biodiversidade, sendo

grande parte dos países ao norte do globo, onde se localiza a grande maioria das nações líderes

em tecnologia de ponta, relativamente desprovida desta matéria-prima.

Desigualdades também são verificadas com relação à distribuição geográfica do

desenvolvimento tecnológico: ao norte, encontram-se os países que realizam grandes

investimentos em pesquisa e desenvolvimento de produtos de alta tecnologia. Assim, em sua

estrutura produtiva, o conhecimento é mais valorizado que o trabalho e o investimento em

pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias, se comparado com os países em

desenvolvimento com grande contingente de riqueza natural, é muito superior.

Estas disparidades entre desenvolvimento, investimento tecnológico e a disponibilidade

ou não de biodiversidade tornaram o debate sobre o acesso a esta riqueza extremamente

acalorado e, até mesmo, podem ser caracterizados como verdadeiros embates entre países. Estas

afirmações são constatadas no relativo aumento das discussões em convenções interacionais,

como na CDB, e em organizações industriais e comerciais, como OMPI e OMC.

As discussões travadas entre os países demonstraram, em sua grande parte, o tom das

novas aplicações comerciais: claramente, a discussão tende para a análise economicista deste

objeto, a riqueza biológica, buscando-se estabelecer novos parâmetros para sua exploração

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comercial. Este posicionamento não interpreta a biodiversidade como uma riqueza natural, uma

riqueza intrínseca, mas como matéria-prima com potencial de aplicação econômica e industrial.

Os embates, desta forma, centraram-se principalmente no acesso, uso e propriedade do

material genético passível de uso econômico.

Quanto ao acesso, o principal tema centrou-se na questão da soberania acerca da

biodiversidade. Países de grandes inversões de capitais na produção de tecnologia, como é o caso

dos Estados Unidos, defendem o livre acesso à biodiversidade, argumentando que a mesma é um

patrimônio da humanidade e não do país onde ela reside. Contrariamente a este pensamento,

países detentores da riqueza biológica defendem a soberania sobre a sua biodiversidade, a partir

da criação de mecanismos nacionais e internacionais para regulamentar sua utilização e

exploração comercial.

A necessidade de se estabelecer critérios claros para a utilização econômica da

biodiversidade a nível internacional, é uma questão de extrema necessidade. Os critérios hoje

existentes permitem uma enorme flexibilização para esta utilização, fato este benéfico para a

saída ilegal de material genético. Esta exploração ilícita existe e é conhecida pelos países e pelos

órgãos internacionais. A OMPI, por exemplo, modificou o termo biopirataria para o de

biogrilagem, pois a pirataria somente diz respeito a atos ilícitos por natureza, o que não é

necessariamente verdade se analisada a relação entre os países, pois algo que é visto como

incorreto por um país pode ser um uso legal para outro. Esta modificação demonstra a dificuldade

de regulamentar a matéria em questão, pois, como o aumento no processo de globalização,

incoerências internacionais podem gerar dificuldades para a constatação de um procedimento

como ilegal, como é o caso da saída de material genético de um país para outro.

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Com tudo isso, a retirada de material biogenético pode ser visto como sendo ilícita, por

exemplo, para o país de onde o insumo foi retirado, contudo, o mesmo não acontece no país para

onde a amostra será levada, não sendo constatado, portanto, como crime. Esta falta de

padronização favorece, desta forma, a exploração ilícita da biodiversidade, aspecto negativo para

os países em desenvolvimento ricos em biodiversidade.

Esta padronização é, até certo ponto, desejada pelos países. Entretanto, esta uniformização

é buscada pelos países líderes no desenvolvimento de biotecnologias como forma de os beneficiar

comercialmente. Esta questão leva-nos ao segundo problema anteriormente levantado: o uso e a

apropriação privada do insumo genético.

Observa-se que os países de alto desenvolvimento tecnológico influenciam a definição

das regras ou de medidas, desta forma, buscam métodos que favoreçam suas necessidades. Por

exemplo, o direito de propriedade intelectual é altamente empregado, sendo um dos principais

mecanismos do direito utilizada para regulamentar a pesquisa na área industrial. Como meio de

defender e impulsionar o avanço tecnológico, utiliza-se o mecanismo de patente. Como a patente

é de grande importância também para a área biotecnológica, este mecanismo é altamente

influenciado pelos países de grande inversão de capital em pesquisas biotecnológicos,

objetivando a defesa de seus interesses.

A patente garante ao autor da pesquisa, ou ao seu grupo, o monopólio, por um certo

período de tempo pré-determinado, de exploração comercial do invento. Porém, verifica-se a

extrapolação deste mecanismo, pois o mesmo passa a ser usado não somente como forma de

assegurar o direito de exploração sobre um invento, mas também como forma de assegurar a

exploração de um determinado insumo biológico. Ora, não podemos, sob nenhum argumento,

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caracterizar como uma invenção o isolamento do princípio ativo de um organismo ou gene.

Portanto, o que se realiza não são inventos e sim meras descobertas.

Caracterizar algo que não passa de uma descoberta como um invento trouxe

conseqüências que podem ser ditas até mesmo como desastrosas. O patenteamento de descobertas

permitiu a apropriação privada da vida, servindo somente ao interesse daqueles que detém

posições privilegiadas dentro do mercado tecnológico. Juntamente como o mecanismo de

patentes, a apropriação legal da vida é auxiliada pelo recolhimento de royalties. Apesar de ser um

mecanismo importante para o desenvolvimento industrial e científico, o depósito de patentes e o

recolhimento de royalties tornou a ciência mais cara, dificultando a utilização de organismos já

patenteados por laboratórios ou indústrias e que necessitam, portanto, de pagamentos para sua

utilização. Desta forma, concentra a pesquisa biotecnológica em grandes centros que podem

realizar tamanho investimento.

Observa-se que o desenvolvimento dos meios de proteção legal acompanha as

necessidades daqueles que se encontram inseridos, conectados, no modelo baseado no

conhecimento, restando àqueles que estão desconectados ou parcialmente inseridos no novo

paradigma informacional se defender. Portanto, no caso brasileiro, em específico, observa-se

dificuldades em se reconhecer à importância da biodiversidade como patrimônio hegemônico,

estando o Brasil à mercê das tentativas de imposição realizadas pelas nações desenvolvidas.

Assim, é sobreposto ao interesse brasileiro às necessidades das nações que produzem

conhecimento em grande escala.

A CDB foi uma das principais tentativas de se regulamentar o mercado de insumos

biológicos. Um dos preceitos desta convenção é à criação de um mecanismo local para

regulamentar o funcionamento de CDB. No Brasil, conseqüentemente, foi elaborada a medida

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provisória n° 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, juntamente com o decreto n° 3.945, de 28 de

setembro de 2001, como meio de regulamentar a matéria em questão.

Como dito anteriormente, a elaboração de instrumento para regulamentar este mercado é

totalmente necessário. Porém, a exploração ilícita sobrepõe-se a qualquer lei ou legislação que a

normalize. Assim, esta medida acabou por colocar todos na "berlinda" ou seja, todos aqueles que

realizam pesquisa nas quais se utilizem de insumos retirados da biodiversidade brasileira,

passaram por enormes transtornos. Várias pesquisas, teses de doutoramento, enfim, um grande

número de trabalhos acabou sendo interrompidos por esta norma.

A medida institui um órgão - o Cgen - que centraliza a fiscalização da exploração e da

pesquisa com material biogenético. Esta concentração atrapalha o desenvolvimento científico

brasileiro, não sendo eficiente o suficiente para atender a demanda de pedidos - um pedido de

liberação de pesquisa pode demorar meses para ser atendido -, além de se sobrepor a outros

conselhos de pesquisa, como o CNPq.

Esta medida acaba por não atuar no cerne da questão: a exploração ilícita da

biodiversidade. Esta exploração não se encontra em universidades ou em instituições de pesquisa

- como pode ser constatado no segundo exemplo demonstrado no VI Capítulo, onde duas

universidades (Unesp e UFSC) atuam de forma conjunta na tentativa de se preservar uma espécie

e melhorar a qualidade de vida da população que depende economicamente e culturalmente desta

espécie, o que não é visto no exemplo do curare, onde várias patentes foram concedidas sem que

existisse o respeito às medidas instituídas na CDB e na MP n°2.186-16.

Em suma, a medida não cria problemas para aqueles que possuem más intenções. Assim

sendo, o correto seria o investimento na fiscalização e no contingente de pessoas imbuídas de

fiscalizar a saída ilegal do material genético brasileiro. Porém, o que observamos é uma medida

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que possui reduzida funcionalidade para a redução da biogrilagem. Vale lembrar que, após a

saída do material genético do país, torna-se extremamente difícil caracterizar o ato como um

crime.

Finalmente, a sociedade da informação, como a descreve Castells, promove uma

modificação excludente na estrutura capitalista. Esta exclusão pode ser verificada na dificuldade

de determinado país, que não se encontra na vanguarda do desenvolvimento tecnológico,

ascender ao modelo informacional. O novo paradigma valoriza a natureza como um bem de valor

econômico, porém, mais do isso, valoriza o conhecimento que se deriva do bom estudo e da

aplicação dos resultados obtidos. Da mesma forma que o Brasil foi inserido no capitalismo

mundial de forma desigual e dependente, devido à necessidade do mercado externo, atingir a

posição de produtor de conhecimento vis-a-vis à posição de fornecedor de insumos biológicos é

uma tarefa extremamente árdua.

Esta dificuldade de inserção acompanha o desenvolvimento histórico do capitalismo no

Brasil. Interpretando a sociedade do conhecimento como um movimento de renovação do

capitalismo, a exploração da biodiversidade brasileira se dá de forma igual às demais explorações

verificadas em território nacional. Estar inserido dentre as nações com o capitalismo

informacional implantado significa possuir o poder da palavra, ou seja, a capacidade de

influenciar decisões é relativamente alta. Assim, para aqueles que estão do lado de fora, ou

parcialmente inseridos no novo paradigma, cabe questionar e dificultar a exploração indevida de

algo que hegemonicamente lhe pertence, a CDB é um bom exemplo desta resistência. Em relação

ao processo de dificultar esta exploração a Índia, por exemplo, encontra-se em uma posição

muito superior à brasileira, catalogando seus insumos para futuramente, caso exista a

necessidade, contestar a apropriação ilegal de algum insumo retirado de sua biodiversidade.

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II. Sobre a exploração do conhecimento tradicional associado.

A dinâmica industrial da sociedade da informação, como referido anteriormente, valoriza

o desenvolvimento do conhecimento. O modelo informacional, desta forma, promove o

conhecimento e o coloca à frente do valor trabalho, ou seja, a principal base do pós-

industrialismo é a produção de conhecimento como meio de inovação tecnológica e industrial.

Assim, em muitos setores industriais, a destruição criativa tem sua base no saber, aspecto este

que pode ser considerado como uma concorrência criativa dentro do mercado, como no de

produção de inovações biotecnológicas.

Com o desenvolvimento de novos métodos de pesquisa e produção, como é o caso da

engenharia genética e conseqüente valorização econômica da matéria viva, este campo de

pesquisa volta-se para a descoberta de organismos que possam ser úteis no processo de

desenvolvimento de produtos, ou seja, insumos que possam ser aproveitados economicamente de

alguma forma.

Neste contexto, observa-se que a riqueza natural encontrada em lugares megadiversos

(como é o caso do Brasil por exemplo), é constantemente valorizada pelos processos industriais

de pesquisa tecnológica. Como se trata de uma riqueza biológica de grande proporção, o campo

para realização destes estudos é extremamente vasto. Além disto, a utilidade de muitos insumos

biológicos ainda é desconhecida, aspecto que dificulta o processo de constante inovação da

indústria biotecnológica. Desta forma, o conhecimento tradicional associado à biodiversidade

torna-se um importante meio para viabilizar pesquisas biotecnológicas, pois demonstra possíveis

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utilidades para alguns insumos, o que proporciona um relativo barateamento para a análise de

insumos biológicos.

Estas duas funções do etnoconhecimento são, portanto, de suma importância para o

desenrolar do trabalho de pesquisa, pois demonstram sua função e a comprovação de sua eficácia.

Estes dois pontos tornam-se atrativos para a ciência, voltada para a aplicação econômica dos

resultados obtidos com a pesquisa, já que o tempo pode ser interpretado como capital aplicado,

ou melhor, quanto maior o tempo de pesquisa maior será o gasto despedido com a realização do

estudo.

Em território nacional, focos populacionais de populações que detém etnoconhecimento

são facilmente observados. Além de comunidades tradicionais, existem tribos indígenas

remanescentes que também possuem conhecimentos sobre vários processos biológicos e naturais,

como o uso medicinal de ervas, a utilização de compostos paralisantes nas caças, conhecimentos

sobre ciclos biológicos, entre vários outros.

A dinâmica industrial da sociedade da informação, como referido anteriormente, valoriza

o conhecimento. Entretanto, enfatiza o conhecimento científico, dotado de características que

possibilitam sua reprodução em ambiente ex-situ (em ambiente de laboratório), gerado através de

testes e da comprovação científica da funcionalidade de determinado composto. Assim,

colocando ambos os conhecimentos em escala, o conhecimento tradicional encontra-se

subordinado ao conhecimento científico, sendo o etnoconhecimento utilizado na realização de

pesquisas, todavia, não é reconhecida sua devida importância para a inovação científica.

O método científico possibilita uma fácil decodificação e reprodução da informação

descoberta. Além desta característica, o conhecimento científico é o modelo de conhecimento

hegemônico e, desta forma, é empregado com o auxílio de vários mecanismos de proteção legal

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da propriedade intelectual, o que não ocorre com o conhecimento dito tradicional, conquistado

empiricamente a partir da intensa relação dos agentes sociais com a natureza. Portanto, apesar da

nova dinâmica tecnológica promover a valorização do conhecimento, o parâmetro para esta

valorização é muito bem definido, aspecto que, se não o exclui totalmente da dinâmica

tecnológica, dificulta o reconhecimento legal do conhecimento tradicional.

É, de tal modo, uma valorização restritiva do conhecimento. Assim sendo, os mecanismos

envolvidos na regulamentação da matéria em questão tendem a estar em acordo com as

necessidades dos países líderes na produção e inovação tecnológica. Destarte, o

etnoconhecimento insere-se na dinâmica de inovação produtiva em situação desconfortável, pois,

ao mesmo tempo em que é valorizado por representar reduções nos gastos de pesquisa, não é

reconhecido por todos os atores envolvidos na realização de determinado estudo, aspecto que

dificulta sua regulamentação por todos os países, além de contribuir para utilização ilegal de tal

conhecimento.

A partir desta relação desigual entre ambos tipos de conhecimento, laboratórios e centros

de pesquisa biotecnológica utilizam-se, em vários momentos, da base tradicional para a

realização de pesquisas de caráter científico. Este procedimento pode ser entendido como uma

exploração das populações que detém etnoconhecimentos sobre biodiversidade, sem que estas

recebam qualquer benefício pela utilização de seus conhecimentos.

Por não possuírem a mesma proteção existente para os métodos de pesquisa científica, as

comunidades tradicionais têm seus saberes explorados para o desenvolvimento de novas

tecnologias e produtos, inovações que conquistam facilmente sucesso no mercado. Porém, a

participação destas comunidades restringe-se somente à indicação do insumo e de sua utilidade,

sendo utilizado o etnoconhecimento com potencial econômico. Como a capacidade produtora

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destas populações é desconsiderada pelas empresas, além da carência existente na proteção legal,

dificilmente participam da divisão de lucros e benefícios auferidos na produção tecnológica.

Geralmente, estas comunidades conseguem somente o status de fornecedor de insumos às

grandes empresas e corporações.

A dificuldade em se reconhecer os direitos e a devida participação das populações

tradicionais reside, principalmente, na resistência realizada por países líderes em produção

tecnológica que, em muitos casos, utilizam-se de etnoconhecimento e patenteiam as "inovações"

obtidas nas pesquisas. Um exemplo disto é a elaboração de patentes, que funciona plenamente em

acordo com as necessidades de mercado, para as inovações em biociência e produção de

conhecimento derivado de conhecimento tradicional. Apesar da OMPI aceitar o conhecimento

tradicional como argumento para quebra de patentes. O caso do curare, do qual foram

desenvolvidos vários compostos a partir do etnoconhecimento indígena, principalmente no

campo de medicina anestésica, foi patenteado sem que existisse a suposta participação da

comunidade tradicional, que neste caso seria de origem indígena, demonstra a fragilidade desta

estrutura.

Muito se tentou fazer no sentido de atribuir limite legal para a utilização do conhecimento

tradicional. Esta questão é, de forma geral, discutida no âmbito das relações internacionais

através de convenções, como a CDB, em organizações comerciais, como OMPI e OMC, e ainda,

por inúmeras ONG´s espalhadas por todo mundo. O tratamento mais efetivo nesta tentativa

encontra-se, realmente, na Convenção sobre Diversidade Biológica. A CDB elabora uma

valorosa tentativa no intuito de se proteger o conhecimento das comunidades tradicionais.

A CDB recomenda a criação de uma legislação própria a ser elaborada por cada

signatário, a fim de buscar uma adequação internacional à matéria em questão. No Brasil, por

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exemplo, esta atitude foi realizada através da medida provisória n° 2.186-16, de 23 de agosto de

2001, juntamente com o decreto n° 3.945, de 28 de setembro de 2001.

A medida provisória é somente uma aplicação das diretrizes trazidas pela CDB, que

define formas de utilização do conhecimento tradicional associado, bem com da participação de

comunidades tradicionais na pesquisa, que fariam jus a uma divisão eqüitativa dos benefícios

resultantes da inovação e produção tecnológica.

A medida provisória, em acordo com a CDB, concede às comunidades tradicionais e

tribos indígenas o direito de escolha sobre o emprego de seu conhecimento para a realização de

pesquisas tecnológicas. A União seria o principal mediador entre a população tradicional e o

laboratório, ou centro de pesquisa, interessado na utilização de etnoconhecimento. Desta forma, a

MP busca dificultar a exploração ilegal de populações tradicionais e, com isso, proporcionar

maior segurança e sustentação legal para a pesquisa. Assim, evita uma possível exploração da

comunidade tradicional, além do Estado se beneficiar com a transferência da tecnologia obtida na

pesquisa.

Observa-se certo tom utilitarista na elaboração dos parâmetros desta medida provisória.

Fala-se em divisão eqüitativa de bens, porém nem toda pesquisa consegue sucesso

mercadológico. Uma boa alternativa a esta medida, por exemplo, é o método de pesquisa

aplicado no Vale do Ribeira, São Paulo, onde pesquisadores e habitantes obtiveram relativos

ganhos na realização de um projeto que não visava somente a aplicação comercial dos resultados:

foi conquistada a conservação de uma espécie e o relativo aumento da qualidade de vida da

população que, desta espécie, fazia uso.

A intersecção de ambos tipos de conhecimento pôde ser conquistada, como no demonstra

o exemplo desta pesquisa em específico. Repartir ganhos não representa somente dividir lucros.

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Cientistas obtiveram a participação da população local (o que geralmente acontece), já que a

maioria da população que detém conhecimento tradicional associado aceita colaborar com a

maioria dos pesquisadores. Esta participação acabou sendo benéfica tanto para o campo

cientifico-tecnológico quanto para a utilização econômica que a população fazia da planta.

A exploração do conhecimento tradicional por laboratórios e centros de pesquisa acarreta,

ainda, outros problemas: uma possível perda de identidade cultural. A relação da população

tradicional com a biodiversidade é extremamente importante para a reprodução de sua economia

e cultura. A exploração de seus conhecimentos e a conseqüente depredação ambiental,

conseqüência da exploração comercial, faz com o que o etilo de vida e de economia sofra

algumas modificações. Desta forma, se a utilização de seus conhecimentos ocorrer de forma

ilícita e desenfreada, a identidade cultural destas populações poderá ser alterada negativamente

Além de promover padronizações na forma de reprodução do conhecimento, a exploração

do conhecimento tradicional acima referida, poderá levar à extinção de algumas culturas sociais,

assim como da identidade de muitos povos. Desta forma, poderá promover, como já acontece em

relação às formas de conhecimento, uma padronização cultural.

Enfim, como Castells afirma, o paradigma informacional é seletivo e excludente. A

exclusão verifica-se na não inserção econômica e cultural de um conhecimento e de uma cultura

que depende do etnoconhecimento, não somente para a sua sobrevivência econômica, mas para a

continuidade de sua cultura e de seu estilo de vida.

A CDB e o conseqüente desenvolvimento da MP n°2.186-16, apesar de possuírem

algumas imperfeições, podem ser entendidos como avanços de grande expressividade para a

proteção ao etnoconhecimento. Assinada por inúmeros países, exceto os EUA, a convenção é um

instrumento de grande valia em plano internacional, além de fomentar discussões em vários

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setores da sociedade. A partir do relativo aumento nestas discussões, espera-se que outros

mecanismos sejam desenvolvidos e que, principalmente as medidas criadas em plano local, sejam

aperfeiçoadas com o objetivo de proteger, de forma igualitária ao científico, o etnoconhecimento

em pesquisas que envolvam vários países.

Como muitas comunidades e tribos indígenas vivem em situação precária, a

regulamentação do uso de seus conhecimentos através da CDB e de mecanismos locais de

proteção ao etnoconhecimento, a pesquisa tecnológica legalmente construída pode ser uma ótima

alternativa para a economia de subsistência destas comunidades, o que favoreceria um

considerável aumento na qualidade de vida destas comunidades. Desta forma, a junção de

conhecimento científico e tradicional torna-se um procedimento benéfico para todos os

envolvidos no processo de inovação tecnológica.

Quanto à área comercial, a OMPI possibilita a quebra de patentes para as comunidades ou

Estados que comprovarem o ilegal uso de etnoconhecimento em pesquisas. A Índia, por exemplo,

possui um cadastro dos saberes de populações tradicionais. Desta forma, caso exista algum

entrave, este cadastro poderá ser utilizado como argumento para solicitar a quebra de patentes.

O cadastro de conhecimentos surge como uma boa alternativa para a proteção do

conhecimento de populações tradicionais e tribais, pois o mesmo, além de ser reconhecido pela

OMPI , deve ser elaborado para este fim. Assim, apesar de não resolver completamente o

problema das comunidades tradicionais, é uma medida de enorme expressividade e de grande

valia para o bloqueio da exploração ilícita do etnoconhecimento.

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Sites visitados:

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