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6 Estudos IAT, Salvador, v.4, n.2, p. 6-27, set., 2019. http://estudosiat.sec.ba.gov.br A FAMÍLIA E O SERVIÇO SOCIAL NA CONTRIBUIÇÃO DA FORMAÇÃO ESCOLAR DO ALUNO CIDADÃO Sara da Silva Araújo 1 RESUMO Com a reflexão sobre a ampliação das áreas de atuação do Serviço Social e a sua inserção no espaço educacional, este texto objetivou apresentar de maneira resumida, alguns dos estudos bibliográficos eleitos para discutir sobre a relação da família na formação do aluno cidadão e a atuação do serviço social nesta relação 2 . A inquietação para o estudo partiu da questão, qual o papel da família na educação e formação escolar dos filhos, qual o papel social do professor na formação de alunos- cidadãos e buscou identificar qual(is) a (as) contribuição(s) do serviço social no espaço escolar. Fundamentado em fontes bibliográficas, classificando e armazenando conteúdos no sentido de aproximação fiel das fontes pesquisadas através da leitura de alguns autores que já analisaram e publicaram assuntos sobre o objeto de estudo. O artigo explicita que, embora, a atuação do profissional de Serviço Social no espaço educacional ainda não esteja regulamentada em todo o país, com exceção de alguns Estados, como São Paulo e Rio de Janeiro, onde iniciativas legais, como Projetos de Leis, já foram aprovadas, o resultado deste estudo, afirma que é possível uma contribuição do Serviço Social na formação do aluno cidadão, na medida em que ao integrar-se com o espaço educacional, e ao incluir a família na dinâmica cotidiana do espaço escolar, favorece a constituição de equipes interdisciplinares capazes de pensar e projetar a formação de alunos cidadãos, em especial pela inclusão nos currículos da temática dos Direitos Humanos. Palavras chaves: Família. Educação. Aluno cidadão. Serviço Social INTRODUÇÃO “A consciência é, portanto, de início, um produto social e o será enquanto existirem homens”. Marx e Engels, 1989:26. A partir de 1988, com a redemocratização do Brasil e com a Constituição Federal há o reconhecimento de que todos os cidadãos são iguais perante a Lei em 1 Assistente Social 2 Este texto é parte da Monografia de Graduação apresentada ao Curso de Bacharelado em Serviço Social da Faculdade Regional da Bahia - UNIRB em 2011.

A FAMÍLIA E O SERVIÇO SOCIAL NA CONTRIBUIÇÃO DA …

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Estudos IAT, Salvador, v.4, n.2, p. 6-27, set., 2019. http://estudosiat.sec.ba.gov.br

A FAMÍLIA E O SERVIÇO SOCIAL NA CONTRIBUIÇÃO DA FORMAÇÃO ESCOLAR DO ALUNO CIDADÃO

Sara da Silva Araújo1

RESUMO

Com a reflexão sobre a ampliação das áreas de atuação do Serviço Social e a sua inserção no espaço educacional, este texto objetivou apresentar de maneira resumida, alguns dos estudos bibliográficos eleitos para discutir sobre a relação da família na formação do aluno cidadão e a atuação do serviço social nesta relação2. A inquietação para o estudo partiu da questão, qual o papel da família na educação e formação escolar dos filhos, qual o papel social do professor na formação de alunos-cidadãos e buscou identificar qual(is) a (as) contribuição(s) do serviço social no espaço escolar. Fundamentado em fontes bibliográficas, classificando e armazenando conteúdos no sentido de aproximação fiel das fontes pesquisadas através da leitura de alguns autores que já analisaram e publicaram assuntos sobre o objeto de estudo. O artigo explicita que, embora, a atuação do profissional de Serviço Social no espaço educacional ainda não esteja regulamentada em todo o país, com exceção de alguns Estados, como São Paulo e Rio de Janeiro, onde iniciativas legais, como Projetos de Leis, já foram aprovadas, o resultado deste estudo, afirma que é possível uma contribuição do Serviço Social na formação do aluno cidadão, na medida em que ao integrar-se com o espaço educacional, e ao incluir a família na dinâmica cotidiana do espaço escolar, favorece a constituição de equipes interdisciplinares capazes de pensar e projetar a formação de alunos cidadãos, em especial pela inclusão nos currículos da temática dos Direitos Humanos. Palavras chaves: Família. Educação. Aluno cidadão. Serviço Social

INTRODUÇÃO

“A consciência é, portanto, de início, um produto social e o será enquanto existirem homens”.

Marx e Engels, 1989:26.

A partir de 1988, com a redemocratização do Brasil e com a Constituição

Federal há o reconhecimento de que todos os cidadãos são iguais perante a Lei em

1 Assistente Social 2 Este texto é parte da Monografia de Graduação apresentada ao Curso de Bacharelado em Serviço Social da Faculdade Regional da Bahia - UNIRB em 2011.

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Estudos IAT, Salvador, v.4, n.2, p. 6-27, set., 2019. http://estudosiat.sec.ba.gov.br

Direitos e Deveres. Considera-se ainda a Declaração Universal dos Direitos

Humanos, que desde a década de 60 norteia o exercício da cidadania.

Nos anos 90, o Brasil aderiu ao modelo econômico neoliberal e abriu a

economia para a livre concorrência do mercado globalizado, assumindo com isto as

regras impostas por este modelo, tais como, a flexibilização das relações de

trabalho, o padrão de acumulação deste sistema que tem sido a

desrregulamentação das relações de trabalho e dos direitos sociais, bem como a

preocupação com a necessidade de redução dos gastos sociais no país (Iamamoto,

2003, p.23). Diante deste contexto, um cenário se forma e consequentemente há

uma interação do contexto político, econômico, social e cultural, fazendo com que

surjam novas realidades.

O Serviço Social, na contemporaneidade, segundo Iamamoto (2003, p.20), é

uma profissão que tem um trabalho em si a ser desenvolvido na sociedade, a partir

do entendimento de que há uma progressiva ação do Estado na vida social, e que

esta regulação não acontece sem conflito de classe. Sendo assim, o Serviço Social

atua e também é influenciado pela dinâmica da vida social, esta dinâmica envolve

poder, luta, confronto entre classes e segmentos sociais.

Outro aspecto que se apresenta na atualidade para o Serviço Social é a

questão social, entendida, segundo Iamamoto (2003, p. 25), como um conjunto das

expressões das desigualdades capitalistas e as mais variadas expressões cotidianas

que assumem na atualidade, as desigualdades sociais.

Seguindo nesta perspectiva, de um novo cenário político, econômico, social e

cultural, que desde a década de 90 se instalou no Brasil favorecendo o surgimento

da questão social no modo como ela se apresenta na atualidade. O Serviço Social,

enquanto categoria profissional tem se preocupado e se ocupado com formação do

cidadão consciente dos seus direitos e deveres.

Para tanto, o Serviço Social tem buscado se aproximar do espaço escolar, por

entender a necessidade de uma intervenção interdisciplinar neste espaço formativo.

Esta intervenção diz respeito, desde o acolhimento das famílias no espaço

educacional, a intervenção nas demandas sociais que surgem no interior das

escolas, passando também, pela contribuição curricular na formação para os

Direitos Humanos dos sujeitos cidadãos para o exercício da cidadania.

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Alguns estudos produzidos pelo CFESS (2001) têm apontado que o Serviço

Social escolar tem contribuído nesta aproximação entre família e escola. Porém,

suas ações não substituem as do profissional da educação, caracterizando-se pela

promoção do trabalho pedagógico interdisciplinar.

Para fazer a análise sobre o papel do professor na formação de alunos

cidadãos, e a contribuição do serviço social, se faz necessário a definição de alguns

conceitos, bem como situá-los no contexto histórico da democracia brasileira. Nesta

perspectiva, o ponto de partida é a LDB, 9394/96, e a partir dela as políticas, seus

programas, projetos e princípios educativos formulados pelo Ministério da Educação

para todo o país, especificamente o Programa de Educação para os Direitos

Humanos, instituído no sistema de ensino brasileiro, a partir de 2006.

Considerando tais políticas preocupadas com a formação da cidadania,

recorremos à Araújo (2007, p. 11) para situarmos o conceito de cidadania

oficialmente adotado. Assim sendo, entende-se que a cidadania assume contornos

mais amplos, que extrapolam o sentido de apenas compreender as necessidades

políticas e sociais, e assume como objetivo a busca por condições que garantam

uma vida digna às pessoas. Deve-se buscar compreender a cidadania também sob

outras perspectivas, por exemplo considerando a importância que o

desenvolvimento de condições físicas, psíquicas, cognitivas, ideológicas, científicas

e culturais exercem na conquista de uma vida digna e saudável para todas as

pessoas.

Também recorreu-se a Pequeno (2005, p.4) para apresentar uma outra

dimensão acerca da cidadania, mais ligada a pessoa do que a um processo social

mais amplo, neste sentido, consideramos que a cidadania é a condição social que

confere a uma pessoa o usufruto de direitos que lhe permitem participar da vida

política e social da comunidade no interior da qual está inserida. A esse indivíduo

que pode vivenciar tais direitos, é chamado de cidadão. Ser cidadão, nessa

perspectiva, é respeitar e participar das decisões coletivas a fim de melhorar sua

vida e a da sua comunidade.

Para abordar a questão da formação do aluno cidadão na atualidade

recorreu-se à história com a finalidade de entender a relação entre o papel da família

na formação do indivíduo e a evolução social deste papel, de indivíduo para cidadão

conforme se apresenta na atualidade.

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Segundo Santos (2008), o Serviço Social está sempre buscando a melhora, o

desenvolvimento, o crescimento das relações sociais, tendo sempre por objeto a

coletividade, integralidade e equipe. Ao atuar na área da educação, o profissional do

serviço social está interferindo na cultura, que é à base do desenvolvimento do

indivíduo. Os trabalhos desenvolvidos irão sempre enfocar na interdisciplinaridade,

buscando outros horizontes, visões ampliadas com o fim de superar a fragmentação

e limitação.

Concorda-se com Santos (2008), com relação à questão da inclusão social

ser de muita importância e as escolas em conjunto com o Serviço Social devem

estar aptas e atentas para as diversas formas de exclusão, buscando sempre

incentivar projetos de apoio, participação da família e trabalhos de grupo.

Neste sentido, o profissional do Serviço Social poderá ajudar nesta

mediação, na medida em que atuando junto com famílias e escola possa ser um

agente de articulação para a formação de alunos-cidadãos capazes de exercer o

exercício pleno da cidadania.

A FAMÍLIA NO BRASIL: ALGUNS CONCEITOS E TIPOLOGIAS

O povoamento do Brasil, anunciado desde a Carta de Pero Vaz de Caminha e

enviada ao Rei de Portugal, data do século XVI com a chegada dos portugueses e

dos negros africanos, sem esquecer, portanto, os índios que viviam e habitavam as

terras brasileiras, antes do período da colonização. Com a proclamação da

independência e com o desenvolvimento de um projeto político de emancipação

econômica para a nação brasileira, a imigração foi incentivada com a finalidade de

expansão do povoamento, para o crescimento das cidades, para a substituição do

trabalho escravo, dentre outras finalidades.

Historicamente, a família como instituição, transitou por diferentes conceitos e

concepções, desde o modelo de família tradicional burguesa, a família desagregada

dos escravos, até o modelo atual previsto na Constituição - a família monoparental.

Do ponto de vista social, ou seja, família como reprodução e manutenção da

sociedade, do ponto de vista da psicologia, a família como eixo estruturante da

formação humana, assim como, no âmbito jurídico, a família é constituída, com ou

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sem prole. A análise da instituição família, no Brasil, não pode desconsiderar o

nosso “pluralismo étnico e cultural” que carrega as marcas da colonização que se

assentou no regime escravista, pela exploração dos indígenas, africanos, europeus

e asiáticos. Falar de 500 anos de Brasil é falar de 500 anos de internacionalização

(KUHLMANN JR, 2003:469).

No início do século XVIII o modelo hegemônico de família contém as

características da família nuclear burguesa, formada por pai, mãe e filhos.

Entretanto, na Europa do século XIX a população mais pobre e mais numerosa vivia

com as crianças afastadas da casa dos pais, ou seja, a família era descontínua, não-

linear e não-homogênea a exemplo dos agregados da casa grande no período

patriarcal Brasileiro.

O foco estava na estrutura da família e não na qualidade das inter-relações,

ao se aceitar o modelo de família burguesa como norma e não como um modelo

construído historicamente aceita-se implicitamente seus valores, regras, crenças e

padrões emocionais, (SZYMANSKI, 2000, p.24).

Com a república, o Brasil, se posiciona do ponto de vista jurídico, quanto à

concepção de família. As Constituições brasileiras reconheciam um modelo de

família chamada de “legítima” a exemplo de 1934 no seu artigo 175, “a família é

constituída pelo casamento indissolúvel, sob proteção especial do Estado”. Assim,

da mesma forma, as Constituições de 1946, 1967 e 1969. Nesse período, o Código

Civil desconheceu completamente a família natural, pois a união de fato entre

homem e mulher, era reconhecida, apenas, pela jurisprudência dos tribunais.

Dispunha que o pátrio poder é exercido pelo marido, com a colaboração da mulher,

cabendo ao marido ainda, a chefia da sociedade conjugal; o direito de fixar o

domicílio da família; o direito de administrar os bens do casal e o direito de decidir

em caso de divergência (GENOFRE, 2000, p.98).

Do ponto de vista da concepção de família como reprodução e como esfera

específica da vida social, a análise da família a partir da dimensão social permite

esclarecer certa confusão histórica ligada ao termo “família”, que segundo Bilac

(2000, p.31), o termo família que é derivado de famulus (escravo doméstico) e foi

uma expressão inventada pelos romanos para designar um novo organismo social

que surge entre as tribos latinas, ao serem introduzidas à agricultura e à escravidão.

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Tendo o homem como chefe, mantendo sob seu poder a mulher, os filhos e um certo

número de escravos, com poder de vida e de morte sobre todos eles, assim,

A variabilidade histórica da instituição família desafia qualquer conceito geral de família. Ao mesmo tempo, a generalização do termo “família”, para designar instituições e grupos historicamente tão variáveis, termina por ocultar as diferenças nas relações entre a reprodução e as demais esferas da vida social (BILAC, 2000, p. 31).

Recorrendo aos estudos sociológicos realizados por Bilac (2000, p.31),

especificamente com relação às análises sociológicas realizadas por Durkheim, no

período de implantação da industrialização, quanto à necessidade de articulação das

relações de reprodução com as relações de produção, destaca-se que a reprodução

humana estará profundamente “colada” às outras instâncias da vida social, no

sentido de que uma mesma instituição se responsabiliza, por exemplo, pela

reprodução ao mesmo tempo em que se responsabiliza, também, pela política e pela

economia, organizando assim a participação dos membros da sociedade ou dos

diferentes grupos nas relações de produção e de reprodução devendo considerar

ainda o viés sexual na divisão social do trabalho.

A partir de 1988 o artigo 226 da Constituição, no parágrafo terceiro amplia-se

o conceito de família, reconhecendo a união estável entre o homem e a mulher

como entidade familiar. O reconhecimento da união estável, resultante de

concubinato mesmo sem prole passa a ter a proteção do Estado. Foi reconhecido

que sem prole há família. Também, foi a Constituição de 1988 que posicionou a

mulher em igualdade, em direito e obrigações e em direitos e deveres referentes à

sociedade conjugal. Neste sentido, família no Brasil passa a ser vista de modo

ampliado aceitando-se que à união estável entre pessoas do mesmo sexo ou do

sexo oposto, com ou sem filhos constituem-se família.

As teorias sobre família a partir de estudos têm apresentado os conceitos e

tipologias sobre famílias e a sua articulação no viver cotidiano, do ponto de vista

social, jurídico e psicológico. Observa-se, portanto, que estas definições não se

restringem ao campo de reflexão e ao tratamento que a psicologia tem dado a

família, embora os estudos de família a partir deste recorte são fundamentais para a

compreensão da complexidade desta instituição e as interrelações para dentro e

para fora de si. Concorda-se com a concepção psicanalítica de família de Szymanski

(2000, p. 23), onde a família é vista como o lócus potencialmente produtor de

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pessoas saudáveis, emocionalmente estáveis, ou como núcleo gerador de

inseguranças, desequilíbrios e toda sorte de desvios de comportamento.

Ao considerar que a primeira experiência do indivíduo se constrói no seio

familiar, e que o planejamento, ou a falta dele, na gravidez, transforma-se em

circunstâncias que permeia a vida de um ser, requer uma preparação da família para

exercer suas funções. Daí surge à necessidade do responsável, quer seja a família

natural quer seja a tutelada, por meio de adoção, conscientizar-se das suas

influências na formação das crianças e dos jovens. Até porque geralmente a família

revela-se como modelo, como fonte de padrões explícitos e como guia para adoção

de outros modelos de família (PAPALIA, OLDS, 2000, p.237; Apud SZYMANSKI,

2000, p. 25).

Por pelo menos três séculos, do século XVIII ao final do século XX aceitou-se

como verdade estabelecida, a relação familiar baseada na hierarquia, subordinação,

poder e obediência tendo a autoridade masculina no topo das relações, fixaram

também o mundo externo como espaço masculino e a casa, como feminino. Fora

desse contexto, as famílias são consideradas “incompletas” e “desestruturadas”.

Essas são as mais responsabilizadas por problemas emocionais, desvios de

comportamento do tipo delinqüêncial e fracasso escolar (SZYMANSKI, 2000, p.24).

Ainda neste entendimento da predominância do modelo da família nuclear,

estudos sobre a família tem destacado que a relação de família impregnada no

imaginário coletivo é a família nuclear, tendo como expectativa que a inserção no

mundo social se dá a partir dela. Entretanto, com a ampliação do conceito de família

têm se questionado na atualidade as afirmações do passado em que a família

monoparental está predestinada a ser desestruturada, incompleta e predestinada a

problemas emocionais e comportamento do tipo delinquencial. Neste sentido, os

estudos sobre família no viés psicológico estão buscando responder se é a

qualidade - equilíbrio financeiro, emocional e social - das relações dentro da família,

ou a quantidade, - completa ou incompleta -, que interferem nas relações dentro e

fora da família.

Considerando a análise de Saeti, (2000, p.40) a autora informa que pelo

senso comum, na família tudo parece que se dá de acordo com a natureza tendo em

vista ser esta que regula as atividades de base biológica como o sexo e a

reprodução humana, sendo assim, é a esfera da vida social mais naturalizada. Do

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ponto de vista psicológico, naturalmente, espera-se que a família dê a proteção e

responsabilize-se pela formação do cidadão, no senso comum, até mesmo a

responsabilização da qualidade de vida dos membros, é atribuída à família.

A maior expectativa é a de que ela produza cuidados, proteção, aprendizado dos afetos, e vínculos relacionais de pertencimento, capazes de promover melhor qualidade de vida aos seus membros e efetiva inclusão social na comunidade e sociedade em que vivem. No entanto, estas expectativas são possibilidades, e não garantias. A família vive num dado contexto que pode ser fortalecedor ou esfacelador de suas possibilidades e potencialidades (CARVALHO, 2000, p.13).

Do ponto de vista antropológico, por muito tempo, existiu a dificuldade de

romper com a identificação da família com a unidade biológica marido, mulher e

filhos. Saeti (2000, p.41), apoiada nos estudos de Lévi-Strauss (1967) sobre família,

afirma que foi decisivo para a desnaturalização da família, ao retirar da família

biológica o foco principal e voltar sua atenção para o sistema de parentesco como

um todo. Ainda nessa perspectiva, afirma que, o parentesco inclui não apenas os

laços de consanguinidade e de descendência, mas, também, os laços de aliança, o

que implica não apenas uma unidade familiar, mas duas que se comunicam através

do casamento. Para Strauss os laços de parentesco é fato social e não natural,

assim sendo, a família entra definitivamente no terreno da cultura.

Ultrapassando as visões biológica e psicológica da família como ponto de

partida e de chegada e como responsável única pela qualidade de vida e de inclusão

social, como se fosse possível responsabilizar esta esfera da vida social pelo

sucesso e pelo fracasso dos seus membros e, além do mais, vê-la circunscrita em si,

busca-se ampliar a análise da família a partir das interações com o Estado e com a

sociedade como produtora e reprodutora de relações sociais.

O campo da família é visto por Carvalho (2000, p.14) particularmente sensível

à crise política, social, econômica e do pensamento. A família precisa ser olhada no

movimento de organização-reorganização a fim de acabar com qualquer estigma e

preconceitos sobre formas familiares diferenciadas, tendo em vista que este

movimento mantém estreita relação com o contexto sócio cultural na qual este grupo

social está inserido.

Sendo assim, a família ao ser relacionada à política social e a existência de

um Estado social de direitos dos cidadãos promoveu o indivíduo a cidadão que

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podia trilhar sua vida apenas dependente do Estado e do trabalho, e não mais das

chamadas sociabilidades comunitárias e familiares.

O mesmo processo de vinculação família e Estado foi observado nos países

de Terceiro Mundo no período do chamado “milagres econômicos3”, período este,

que promoveu o progresso econômico e avanços da ciência e da tecnologia, embora

esta realidade não atingisse a maioria da população, o Estado e o trabalho foram os

responsáveis pelo desenvolvimento e pela promoção dos indivíduos em sujeitos de

direitos com liberdade e autonomia. O Estado ou mercado substituíram a família no

seu papel formador, surgiram nos discursos oficiais e nas políticas sociais desta

época os sujeitos “tia e tio”, como cuidadores das crianças e não mais os pais, tendo

em vista que eles precisavam se ausentar da família para trabalhar e participar do

crescimento econômico.

A família, no capitalismo, passou a se constituir em uma “unidade de

consumo”. Vista numa lógica instrumental, tem na sobrevivência, para os pobres, a

razão da constituição da família tanto para as urbanas quanto para as rurais. Os

aspectos simbólicos, tais como: afeto, vínculo parental, estrutura psicológica são

apenas variáveis dependente da vida material, são vistos como consequência de

uma lógica prática (SAETI, 2000, p.42).

Os anos 90 trazem mudanças profundas nas relações Estado e sociedade,

em que o Estado tutor do bem estar social e vetor de inclusão social deixou de ser

“terra firme”, tendo em vista a expansão das políticas neoliberais capitalistas, que ao

socializar o processo de produção do modelo, passou a socializar também a

reprodução do modelo, distribuindo-a por várias agências. O crescimento das

profissões assistenciais, educacionais e de saúde termina por tirar dos pais e da

família qualquer autoridade na reprodução. A autoridade se impõe de fora para

dentro e os efeitos são vários, tanto do ponto de vista sociológico quanto

psicanalítico (BILAC, 2000, p.33-34).

Com a expansão do capitalismo, o êxodo rural e o crescimento das cidades

pelos imigrantes, tem-se observado, segundo Mello (2000, p.54) que os

aglomerados familiares ampliam o conceito tradicional de família, pois, são

compostos pela família nuclear; família composta por várias famílias nucleares que,

3 Milagres Econômicos refere-se ao período de grandes mudanças econômicas ocorridas na América Latina, inclusive no Brasil, na década de 60, a partir do governo de Getúlio Vargas. ANDRADE, (2000, p. 20).

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por questões de sobrevivência, habitam juntas; a família que inclui parentes de

parentes e compadres sem laços consanguíneos. Para além da dependência afetiva

os aglomerados respondem aos esquemas de mútua dependência, dentro do limite

muito estreito da sobrevivência.

Para Saeti (2000, p. 43), na contemporaneidade, as mudanças ocorridas na

família são profundas e relacionam-se com a perda do sentido da tradição, afirma

que isto tem acontecido como em nenhuma outra época da História.

Assim, o amor, o casamento, a família, a sexualidade e o trabalho antes vividos a partir de papeis pré-estabelecidos, passam a ser concebidos como parte de um projeto em que a individualidade conta decisivamente e adquire cada vez maior importância social (SAETI, 2000, p.43).

A democratização da vida cotidiana e a emancipação da sociedade moderna

passa pela transformação da intimidade e o desenvolvimento da individualidade que

cada uma das pessoas na família pode propiciar. Neste sentido, em um projeto

igualitário de relacionamento entre o homem e a mulher envolve a definição dos

limites pessoais e a atenção às necessidades do outro. Respeitando-se os limites da

autonomia, podem ser modificadas as relações de autoridade, a divisão de papeis, a

cooperação financeira dentro de uma lógica que não é funcional nem instrumental,

mas fundamentalmente simbólico, “negociado segundo princípio da autonomia”

(GIDDENS 1993, p.213; Apud, SAETI, 2000, p.47).

O PAPEL SOCIAL DO PROFESSOR NA FORMAÇÃO DE ALUNOS CIDADÃOS

A partir do século XVIII até os nossos dias a escola tem ocupado um lugar

central na educação formal dos indivíduos, e especialmente nos últimos 60 anos a

partir da necessidade de atender aos pressupostos da Declaração Universal dos

Direitos Humanos, da redemocratização política brasileira, das agendas

internacionais para a formação do cidadão do século XXI, bem como, cabe também

à educação escolarizada, a formação para o exercício da cidadania.

Considerando tais políticas preocupadas especialmente com a formação da

cidadania, recorremos à Araújo (2007, p. 11) para situarmos o conceito de cidadania

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oficialmente adotado. Assim sendo, a cidadania assume contornos mais amplos, que

extrapolam o sentido de apenas atender às necessidades políticas e sociais, e

assume como objetivo a busca por condições que garantam uma vida digna às

pessoas. Deve-se buscar compreender a cidadania também sob outras

perspectivas, por exemplo, considerando a importância que o desenvolvimento de

condições físicas, psíquicas, cognitivas, ideológicas, científicas e culturais exerce na

conquista de uma vida digna e saudável para todas as pessoas.

Também recorreu-se a Pequeno (2005, p.02) para apresentar uma outra

dimensão acerca da cidadania, mais ligada a pessoa do que a um processo social

mais amplo, neste sentido, será considerado nesta análise que a cidadania é a

condição social que confere a uma pessoa o usufruto de direitos que lhe permitem

participar da vida política e social da comunidade no interior da qual está inserida. A

esse indivíduo que pode vivenciar tais direitos, é chamado de cidadão. Ser cidadão,

nessa perspectiva, é respeitar e participar das decisões coletivas a fim de melhorar

sua vida e a da sua comunidade.

A educação brasileira tem a obrigatoriedade de incluir nos seus currículos em

todos os níveis de ensino da educação básica os temas transversais que tratam da

formação do cidadão. Alguns destes temas são apresentados pelo Ministério da

Educação - MEC (2007), como sugestivos para comporem o currículo, tais como:

ética, cidadania, direitos humanos, diversidade, inclusão, direitos e deveres, entre

outros.

Neste sentido, cabe ao professor cumprir com as Diretrizes Curriculares

Nacionais para formar e informar os alunos cidadãos sobre o contexto social e

político nos quais estão inseridos, sem desconsiderar por tanto, que o contexto

econômico pode influenciar na formação e na convivência em sociedade desses

cidadãos.

Oficialmente, o Ministério da Educação, ao instituir o Plano Nacional de

Educação em Direitos Humanos, como instrumento integrante da Política de

Educação para os Direitos Humanos assume que:

A democracia, entendida como regime alicerçado na soberania popular, na justiça social e no respeito integral aos direitos humanos, é fundamental para o reconhecimento, a ampliação e a concretização dos direitos. Para o exercício da cidadania democrática, a educação, como direito de todos e dever do Estado e da família, requer a formação dos(as) cidadãos(ãs) (BRASIL, 2007; p. 24).

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A educação em direitos humanos é compreendida como um processo

sistemático e multidimensional que orienta a formação do sujeito de direitos,

articulando as seguintes dimensões (BRASIL, 2007; p. 25 a 27):

a) apreensão de conhecimentos historicamente construídos sobre direitos humanos

e a sua relação com os contextos internacional, nacional e local;

b) afirmação de valores, atitudes e práticas sociais que expressem a cultura dos

direitos humanos em todos os espaços da sociedade;

c) formação de uma consciência cidadã capaz de se fazer presente em níveis

cognitivo, social, ético e político;

d) desenvolvimento de processos metodológicos participativos e de construção

coletiva, utilizando linguagens e materiais didáticos contextualizados;

e) fortalecimento de práticas individuais e sociais que gerem ações e instrumentos

em favor da promoção, da proteção e da defesa dos direitos humanos, bem como da

reparação das violações.

Segundo o Ministério da Educação e o Ministério da Justiça (Brasil, 2007, p.

27), quando juntos formularam o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos,

reconhecem que, sendo a educação um meio privilegiado na promoção dos direitos

humanos, cabe priorizar a formação de agentes públicos e sociais para atuarem no

campo formal e não-formal, abrangendo os sistemas de educação, saúde,

comunicação e informação, justiça e segurança, mídia, entre outros.

Ainda segundo o mesmo documento, a educação é compreendida como um

direito em si mesmo e um meio indispensável para o acesso a outros direitos. A

educação ganha, portanto, mais importância quando direcionada ao pleno

desenvolvimento humano e às suas potencialidades, valorizando o respeito aos

grupos socialmente excluídos. Essa concepção de educação busca efetivar a

cidadania plena para a construção de conhecimentos, o desenvolvimento de valores,

atitudes e comportamentos, além da defesa socioambiental e da justiça social.

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A partir do compromisso assumido pelo Brasil, nos termos firmados no

Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos, a partir da Conferência

Mundial de Viena, para o MEC, a educação contribui também para:

a) criar uma cultura universal dos direitos humanos;

b) exercitar o respeito, a tolerância, a promoção e a valorização das diversidades

(étnico-racial, religiosa, cultural, geracional, territorial, físico-individual, de gênero, de

orientação sexual, de nacionalidade, de opção política, dentre outras) e a

solidariedade entre povos e nações;

c) assegurar a todas as pessoas o acesso à participação efetiva em uma sociedade

livre.

A implementação do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos visa,

sobretudo, difundir a cultura de direitos humanos no país. Essa ação prevê a

disseminação de valores solidários, cooperativos e de justiça social, uma vez que o

processo de democratização requer o fortalecimento da sociedade civil, a fim de que

seja capaz de identificar anseios e demandas, transformando-as em conquistas que

só serão efetivadas, de fato, na medida em que forem incorporadas pelo Estado

brasileiro como políticas públicas universais.

A educação em direitos humanos, ainda segundo o documento oficial,

(BRASIL, 2007; p. 32) deve ser promovida em três dimensões:

a) conhecimentos e habilidades: compreender os direitos humanos e os

mecanismos existentes para a sua proteção, assim como incentivar o exercício de

habilidades na vida cotidiana;

b) valores, atitudes e comportamentos: desenvolver valores e fortalecer atitudes e

comportamentos que respeitem os direitos humanos;

c) ações: desencadear atividades para a promoção, defesa e reparação das

violações aos direitos humanos.

O documento também apresenta os seguintes princípios norteadores da

educação em direitos humanos para a educação básica:

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a) a educação deve ter a função de desenvolver uma cultura de direitos humanos

em todos os espaços sociais;

b) a escola, como espaço privilegiado para a construção e consolidação da cultura

de direitos humanos, deve assegurar que os objetivos e as práticas a serem

adotados sejam coerentes com os valores e princípios da educação em direitos

humanos;

c) a educação em direitos humanos, por seu caráter coletivo, democrático e

participativo, deve ocorrer em espaços marcados pelo entendimento mútuo, respeito

e responsabilidade;

d) a educação em direitos humanos deve estruturar-se na diversidade cultural e

ambiental, garantindo a cidadania, o acesso ao ensino, permanência e conclusão, a

eqüidade (étnico-racial, religiosa, cultural, territorial, físico-individual, geracional, de

gênero, de orientação sexual, de opção política, de nacionalidade, dentre outras) e a

qualidade da educação;

e) a educação em direitos humanos deve ser um dos eixos fundamentais da

educação básica e permear o currículo, a formação inicial e continuada dos

profissionais da educação, o projeto político pedagógico da escola, os materiais

didático-pedagógicos, o modelo de gestão e a avaliação;

f) a prática escolar deve ser orientada para a educação em direitos humanos,

assegurando o seu caráter transversal e a relação dialógica entre os diversos atores

sociais.

A partir da explanação acima, sobre a educação pública no Brasil e sobre o

papel do professor diante da formação do aluno para o exercício da cidadania,

percebe-se a necessidade de por em prática, de operacionalizar o que está posto

em documentos oficiais. A educação para os Direitos Humanos no ambiente escolar

requer o envolvimento dos profissionais de educação, ao mesmo tempo em que

abre espaço para a atuação do profissional do Serviço Social. Assim, a equipe

interdisciplinar que se forma, precisa considerar também a importância de envolver a

família neste processo.

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À QUISA DE CONCLUSÃO: RELAÇÕES ENTRE O SERVIÇO SOCIAL COM A

EDUCAÇÃO

A inserção dos assistentes sociais na área de educação, segundo Almeida,

(2007, p. 19), não se constitui um fenômeno recente, sua origem remonta aos anos

iniciais da profissão, em sua atuação marcadamente voltada para o exercício de um

controle social sobre a família proletária, e em relação aos processos de

socialização e educação na classe trabalhadora durante o ciclo de expansão

capitalista experimentado no período de Getúlio Vargas.

Ainda de acordo com este autor, a notoriedade atual do Serviço Social, em

muito se deve a três tendências observadas no campo das políticas sociais a partir

dos anos de 1980: I – O enfrentamento da pobreza a partir de políticas públicas que

estabelece condicionalidades em relação à educação escolarizada; II – A interface

de diferentes políticas setoriais, em especial aquelas dirigidas aos segmentos

sociais em situação de vulnerabilidade social, tornando o acesso à educação

escolarizada um marco na afirmação dos direitos sociais de crianças e jovens e III –

O alargamento da compreensão da educação como direito humano, adensando as

práticas sociais organizadas em torno de diversos e abrangentes processos de

formação humana, criando uma arena de disputas ideológicas fortemente

mobilizadoras dos paradigmas educacionais em disputa no âmbito do Estado e da

sociedade civil como os de: empreendedorismo, empregabilidade e emancipação.

ALMEIDA, (2007, p. 18-19).

Nesta perspectiva, com a vinculação de políticas sociais e escolarização,

surgem novos desenhos de aproximação do Serviço Social com a área da

educação, que possibilitam a atuação do assistente social, tanto na dinâmica

escolar, coordenadorias, programas e projetos especiais, quanto no campo sócio-

jurídico, das políticas para a infância e para a adolescência, assistência social, de

esporte e lazer. ALMEIDA, (2007, p. 19)

Na atualidade, com a expansão do capitalismo neoliberal, outro aspecto que

se apresenta para o Serviço Social, é a questão social, entendida, segundo

Iamamoto (2003, p. 25), como um conjunto das expressões das desigualdades

capitalistas e as mais variadas expressões cotidianas que assumem na atualidade,

as desigualdades sociais. O enfrentamento pelo Estado brasileiro da realidade

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expressa pela questão social tem apontado no sentido de formular, aplicar e

expandir algumas políticas sociais, dentre elas a universalização da educação

básica.

O reconhecimento da presença de muitas expressões da questão social no

ambiente educacional, por exemplo, a utilização de drogas pelos alunos; as

estratégias de sobrevivência das famílias nos programas sociais; a perda de atrativo

social da escola como possibilidade de ascensão econômica; a gravidez na

adolescência; a expansão do voluntariado na educação, por si só, não constitui uma

justificativa para a inserção dos assistentes sociais nesta área (ALMEIDA, 2007, p.

07).

Para este autor, o enfrentamento da realidade expressa pela questão social

requer, na atualidade, não só a atuação dos assistentes sociais, porque não se

presume que tais problemas seriam exclusivos da atuação de um determinado

profissional, mas, necessita de um conjunto mais amplo de profissionais

especializados, mesmo que na área da educação.

Neste sentido, o professor não vem conseguindo dar conta, sozinho, de

muitos dos problemas que repercutem na escola, e que o processo de

enfrentamento da complexa realidade social não é de competência exclusiva de

nenhum profissional. Assim, a inserção dos assistentes sociais em processos de

trabalho na área da educação, determina um olhar sobre a escola para além das

suas dinâmicas institucionais mais visíveis, ou seja, como espaço de organização de

um trabalho coletivo.

Ainda segundo Almeida (2007, p.08), a inserção do profissional de Serviço

Social na educação deve expressar uma das estratégias de enfrentamento da

realidade na esfera educacional, seja como gestor de políticas sociais, seja dentro

da unidade escolar, ou seja, dentro de um conjunto mais amplo de profissionais

especializados formando assim, uma equipe interdisciplinar.

O professor não consegue acumular outras funções que a escola vem

assumindo como decorrência de seu lugar estratégico no campo das políticas

sociais. Destaca-se ainda, a tendência marcante na última década (2000 – 2010), de

articulação das políticas de enfrentamento da pobreza e garantia de renda mínima

com a política educacional, aumentando o fluxo de informações e responsabilidades

institucionais da escola.

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Com isto, Para Almeida, (2007, p. 09), a aproximação do Serviço Social com

a escola pública ou particular está relacionada em certa medida com o atendimento

às famílias e aos educandos, nas suas necessidades. Também, na atuação para a

formação ampla e cidadã, juntando-se a muitos educadores e entidades

educacionais, os quais investem para o processo de construção de uma nova

sociedade com o envolvimento dos Assistentes Sociais na dimensão educativa, com

participação e mobilização política, assim como, estarem inclusos nos processos de

luta e organização social na dimensão educativa.

O Conselho Federal de Serviço Social – CFESS (2001, p.23), concluiu a partir

de estudos realizados em todo o Brasil, através dos Conselhos Regionais de Serviço

Social – CRESS, sobre os problemas sociais que repercutem na escola. Aponta que,

tais problemas podem ser combatidos pelo assistente social. Os problemas sociais a

serem combatidos pelo assistente social na área da educação são:

- Baixo rendimento escolar;

- Evasão escolar;

- Desinteresse pelo aprendizado;

- Problemas com disciplina;

- Insubordinação a qualquer limite ou regra escolar;

- Vulnerabilidade às drogas;

- Atitudes e comportamentos agressivos e violentos.

Desde a década de noventa vem havendo discussões e mobilizações por

parte da categoria dos assistentes sociais em torno da implantação do Serviço

Social nas escolas da rede pública, de Ensino Fundamental e Ensino Médio, o qual

resultou em 22 de outubro de 2000, na cidade de São Paulo, em um Parecer

Jurídico. Neste Parecer Jurídico que está dentro do livro elaborado pelo CFESS

(2001), consta às atividades que serão desenvolvidas pelos profissionais do Serviço

Social nas Escolas de rede pública, seja ela de Ensino Fundamental ou Ensino

Médio, se este se tornar Projeto de Lei. As atividades a serem desempenhadas

pelos profissionais do Serviço Social nas escolas de rede pública são:

- Pesquisa de natureza sócio-econômica e familiar para caracterização da população

escolar;

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- Elaboração e execução de programas de orientação sócio-familiar, visando

prevenir a evasão escolar e melhorar o desempenho e rendimento do aluno e sua

formação para o exercício a cidadania;

- Participação, em equipe multidisciplinar, da elaboração de programas que visem

prevenir a violência; o uso de drogas e o alcoolismo, bem como que visem prestar

esclarecimentos e informações sobre doenças infecto-contagiosas e demais

questões de saúde pública;

- Articulação com instituições públicas, privadas, assistenciais e organizações

comunitárias locais, com vistas ao encaminhamento de pais e alunos para o

atendimento de suas necessidades;

- Realização de visitas sociais com o objetivo de ampliar o conhecimento acerca da

realidade sócio-familiar do aluno, de forma a possibilitar assisti-lo e encaminhá-lo

adequadamente;

- Elaboração e desenvolvimento de programas específicos nas escolas onde

existem classes especiais.

A iniciativa do Estado de São Paulo, para aprovar o projeto de Lei com a

inserção do Serviço Social no espaço educacional, certamente abrirá precedente

para que o CFESS juntamente com os CRESS, possam garantir que seja extensivo

aos outros Estados a mesma política. Assim, o debate atual tem como objetivo,

contribuir com o processo de discussão sobre a presença do Serviço Social na

Educação, produzindo significativos e desafiadores avanços permeados por

inúmeras incertezas, no que se refere à sua forma de inserção na Política Social da

Educação. Este é o desafio do serviço social na escola.

Para o processo de construção de uma nova sociedade, mais justa, mais

igualitária, que se aproxime do atendimento às necessidades das famílias, se faz

necessário a participação da sociedade civil, o exercício ativo da cidadania, a

mobilização, porque temos visto que o poder público no Brasil, necessita da pressão

social e da pressão internacional, para a formulação de políticas sociais de

atendimento à população, isto passa também, pelo empoderamento das famílias.

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