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1
A FILOSOFIA E SEUS INTERPRETES
EDIÇÃO TOTALMENTE REVISTA, ATUALIZADA E CORRIGIDA
DR. DANIEL SOTELO
GOIANIA
JANEIRO DE 2015
2
ÍNDICE
DEDICATÓRIAS................................................................................................
AGRADECIMENTOS....................................................................................
PREFACIO....................................................................................................
QUADRO HISTÓRICO.................................................................................
CAPÍTULO I ORIGEM E NASCIMENTO DA FILOSOFIA............................
1.1 ORIGEM E NASCIMENTO DA FILOSOFIA.......................................
1.2 O NASCIMENTO DA FILSOOFIA......................................................
1.3 A FILOSOFIA E O MITO.....................................................................
1.3.1 O conceito de Mito....................................................................
1.3.1.1 A mitologia em Homero e Hesíodo...........................
1.3.2 O Orfismo..................................................................................
1.3.2.1 A era da fuga.............................................................
1.3.2.2 Certo tipo de cosmogonia..........................................
1.3.2.3 O mito e o logos..........................................................
CAPÍTULO II PLATÃO...............................................................................................
2.1 PLATÃO VIDA E OBRA.....................................................................................
2.1.1 A vida de Platão...........................................................................................
2.1.2 Filosofia de Platão.........................................................................................
2.1.2.1 O problema de Platão................................................................................
2.1.2.2 O ser e o saber: ontologia e conhecimento...........................................
2.1.2.3 Deus, o universo e o Homem
2.1.2.4 Moral e Política............................................................................................
2.2 RESUMO........................................................................................................
2.3 TEXTOS PLATÔNICOS.....................................................................................
2.3.1 Platão: Teeteto................................................................................................
2.3.2 Platão: O Sofista............................................................................................
2.3.3 Platão: A Republica......................................................................................
2.3.4 A Republica...................................................................................................
3
2.3.5 Livro VII.........................................................................................................
CAPÍTULO III ARISTÓTELES DE ESTAGIRA............................................................
3.1 ARISTÓTELES - VIDA E OBRA........................................................................
3.1.1 Vida de Aristóteles..........................................................................................
3.2 A Obra de Aristóteles........................................................................................
3.3 Filosofia de Aristóteles......................................................................................
3.3.1 A física de Aristóteles.............................................................................
3.3.2 A astronomia..........................................................................................
3.3.3 A metafisica e a Antropologia.................................................................
3.3.4 O conhecimento.....................................................................................
3.3.5 A ontologia: o ser....................................................................................
3.3.6 A lógica...................................................................................................
3.3.7 A teoria do conhecimento.......................................................................
3.3.8 A ética......................................................................................................
3.3.9 A política e a Retórica..............................................................................
3.3.10 A poética e a crítica literária...................................................................
3.4 Resumo...........................................................................................................
3.4.1 A escola Aristotélica..................................................................................
3.5 Textos Aristotélicos............................................................................................
3.5.1 Aristóteles: A Metafísica............................................................................
CAPITULO IV RENÉ DESCARTES.........................................................................
4.1 Vida e Obra de Descartes..................................................................................
4.2 Pensamento de Descartes.................................................................................
4.3 Resumo..............................................................................................................
4.3.1 Escola Racionalista...................................................................................
4.4 Textos Cartesianos............................................................................................
4.4.1 Renê Descartes: Meditações Metafísicas................................................
CAPÍTULO V EMANUEL KANT..................................................................................
5.1 Vida e Obra de Kant..........................................................................................
4
5.2 A Filosofia de Kant.............................................................................................
5.3 Moral em Kant....................................................................................................
5.3.1 A Estrutura da Moralidade....................................................................
5.3.2 Moralidade e Felicidade.........................................................................
5.3.3 Da Moral à metafisica...........................................................................
5.4 Resumo..............................................................................................................
5.4.1 Escola Idealista......................................................................................
5.5 Textos Kantianos...............................................................................................
5.5.1 Prefácio à 2ª edição................................................................................
5.5.2 Introdução..............................................................................................
5.5.3 Ética Transcendental.............................................................................
5.5.3.1 O espaço da estética.......................................................................
5.5.3.2 O tempo da estética.......................................................................
5.5.4 Lógica Transcendental..........................................................................
5.5.4.1 Primeira divisão da logica transcendental.....................................
5.5.4.2 A analítica dos conceitos.................................................................
5.5.4.3 Juízos..............................................................................................
5.5.4.4 Categorias......................................................................................
CAPÍTULO VI GEORG WILHELM FRIEDRICH HEGEL ............................................
6 FRIEDRICH HEGEL: VIDA E OBRA....................................................................
6.1 Vida e obra.........................................................................................................
6.2 Filosofia de Hegel..............................................................................................
6.3 Textos Hegelianos.............................................................................................
6.3.1 Friedrich Hegel: Fenomenologia do Espírito...............................................
6.3.2 Prefacio: Fenomenologia d Espirito............................................................
CAPÍTULO VII INTRODUÇÃO À FENOMENOLOGIA E SEUS EXPOENTES..
7.1 ESTUDOS SOBRE A FENOMENOLOGIA.........................................................
7.1.1 As várias faces da fenomenologia................................................................
7.2 A biografia de Edmund Husserl..........................................................................
5
7.2.1 O pensamento diferente de Edmund Husserl...............................................
7.3 A fenomenologia de Edmund Husserl conforme Denis Huisman.....................
7.3.1 A crise da cultura.........................................................................................
7.3.2 A divisão do saber......................................................................................
7.3.3 Os problemas contemporaneos.................................................................
7.3.4 Volta às origens do pensar........................................................................
7.3.5. Retorno à intuição......................................................................................
7.3.6 A experiência da vida.................................................................................
7.3.7 A intenção.................................................................................................
7.3.8 A consciencia...........................................................................................
7.3.9 Superar o conflito sujeito/objeto................................................................
7.3.10 O mundo entre parentesis......................................................................
7.3.11 A vida.....................................................................................................
7.3.12 intersubjetividade..................................................................................
7.3.13 Reaver o viver......................................................................................
7.4 O que é fenomenologia?.............................................................................
7.5 A origem da Fenomenologia.......................................................................
7.6 As outras fenomenologias.......................................................................
7.6.1 A fenomenologia de Maurice Merleau Ponty.......................................
7.7 A fenomenologia de Gaston Bachelard........................................................
7.8 A fenomenologia de Paul Ricoeur..............................................................
7.9 A fenomenologia de Martin Heidegger...........................................................
7.10 A Fenomenologia e a educação......................................................................
7.11 A fenomenologia em Emanuel Levinas.......................................................
7.11.1 Vida e obra de Emanuel Levinas........................................................
7.11.2 O pensamento de Emanuel Levinas.....................................................
7.11.2.1 a ética é ótica....................................................................................
7.11.2.2 A ética e infinito...............................................................................
7.11.2.3 A ética do Rosto...............................................................................
6
7.11.2.4 A ética da alteridade........................................................................
7.11.2.5 A alteridade e a ética em Emanuel Levinas...................................
CAPÍTULO VIII AS FILOSOFIAS DA HISTÓRIA...............................................
8.1 Os precursores da Filosofia da História......................................................
8.2 Friedrich Hegel...........................................................................................
8.3 Karl Marx........................................................................................................
8.4 Antonio Gramsci…………………………………………………………………..
8.5 Gyorg Lukacs…………………………………………………………………….
8.6 Jean Paul Sartre…………………………………………………………………
8.7 As filosofias críticas da História…………………………………………………
8.8 A filosofia o estruturalismo........................................................................
7
DEDICATÓRIAS
Aos meus pais que deixaram a Espanha e migraram para o Brasil na década de
1920. Aqui fixaram residência e constituíram uma família. Dedico a todos meus familiares
que atravessaram o Atlântico e se radicaram no Brasil. Treze filhos compostos de oito
homens e cinco mulheres, sendo eu o décimo terceiro filho. Dedico este livro aos meus
alunos de todos os cantos por onde passei no interior de São Paulo, São Carlos, no Rio
de Janeiro e agora em Goiânia e interior de Goiás. Aos meus irmãos que faleceram:
Ângelo, Hermínio, Antônio, Felix, José. Aos irmãos vivos. A José o mais velho de todos e
Romão, o irmão do meio. Às minhas irmãs com carinho. Aos meus filhos com carinho e
agora também para os meus netos de uma nova geração.
8
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos que me ajudaram a pensar e raciocinar, nos diversos lugares por
onde passei. Os meus antigos mestres da teologia e da filosofia e das Ciências da
Religião e nos seminários onde lecionei Grego e Hebraico, e disciplinas de teologia e de
filosofia. Em São Paulo, Interior de São Paulo, no Rio de Janeiro e agora em Goiás e no
interior de Goiás.
9
PREFÁCIO
O tema já enuncia que posso dizer sobre os meus filósofos prediletos. Os filósofos
são pensadores que demarcam a história da filosofia e a história do pensamento
filosófico. Eles foram escolhidos por estes motivos e por seus pensamentos. Eles
sobressaem sobre os demais filósofos. Eles são os filósofos que demarcaram as suas
épocas cm seus pensamentos principais e de uma história da forma do pensar. São
filósofos que demarcam teorias, épocas, filosofias e são criadores de pensamentos e
modelos de pensar. Criaram ciências que receberam os seus nomes. Eles marcaram
muitas pessoas, vários pensadores e a mim também, por isso são meus filósofos
prediletos.
Este livro ainda foi pensado em 1984, muitos anos atrás quando comecei a dar
aulas de filosofia. Neste ano sai de São Carlos onde dava aulas e cheguei ao Rio de
Janeiro ode fui acolhido no Instituto Metodista Bennett “Cesar Dacorso Filho”. Havia
nascido a primeira Danielle e que cuidava dela enquanto escrevia esta obra. Nesta época
dava aula de Filosofia, Teologia, História de Israel, Antigo Testamento e Novo
Testamento, Grego e Hebraico.
Precisava de um manual para usar com os alunos. Esta foi a minha alternativa
preparar um curso para os alunos. Nesta época lecionava em curso de Administração,
Arquitetura, Direito e Teologia. Este curso completa 28 anos. Coloquei textos e
comentários de textos sobre os filósofos prediletos. Acrescentei alguns textos sobre
fenomenologia. Paul Ricoeur sempre ligado a mim pela hermenêutica e Emanuel Levinas
ligado à filosofia do rosto, os quais foram meus companheiros de filosofia utilidade.
O livro foi dividido em sete capítulos: o primeiro sobre as origens e o nascimento da
filosofia. O segundo sobre a obra, vida e pensamento de Platão. O terceiro sobre
Aristóteles de Estagira, vida, obra e pensamento. O quarto sobre Descartes, vida, obra e
pensamento. O quinto sobre Emanuel Kant, vida, obra e pensamento. O sexto sobre
Georg Wilhelm Friedrich Hegel, vida, obra e pensamento. E por fim, um capítulo sobre
fenomenologia: Edmund Husserl, Gaston Bachelard, Martin Heidegger, Maurice Merleau
Ponty, Emanuel Levinas e Paul Ricoeur.
10
EPÍGRAFES
“Já estou cheio de me sentir vazio”. Renato Russo.
“O sonho de todo verdadeiro educador é atingir o coração do educando”. Irene de
Carvalho.
“Filosofar é um ato natural de todo ser humano”.
“O homem é o único animal que sabe que vai morrer”.
“Não se ensina filosofia, mas se alimenta o desabrochar de uma recusa secreta,
uma necessidade de recuo, e encontrar um caminho produtivo para um
estranhamento atávico”. Jose Arthur Gianotti.
“Chamemos de hermenêutica ao conjunto de conhecimento e de técnicas que
permitem fazer falar os signos e descobrir se sentido; chamemos de semiologia a
conjunto de conhecimentos e de técnicas que permitem distinguir onde estão os
signos, definir o que os institui como signos, conhecer seus liames e as leis de eu
encadeamento: o século XVI superpôs semiologia e hermenêutica na forma da
similitude. Buscar o sentido é trazer à luz o que se assemelha. Buscar a lei dos
signos é descobrir as coisas que são semelhantes. A gramatica dos seres é a sua
exegese. E a linguagem que eles falam não narra outra coisa senão a sintaxe que
os liga”. Michel Foucault
11
QUADRO HISTÓRICO DOS FILÓSOFOS E DOS PENSAMENTOS
HISTÓRIA DATAS FILÓSOFOS ESCOLAS E
DOUTRINAS
640 – 546 a. C Tales de Mileto Físicos que
procuram o primeiro
princípio, a matéria,
as coisas primeiras.
FILOSOFIA ANTES DE CRISTO
Os pré-socráticos 576 – 480 a. C Heráclito de Éfeso O real é o puro vir-
a-ser.
570 – 480 a. C. O real se reduz a
números ou a
combinação de
números.
549 – 420 a. C. Parmênides de
Eléia
O vir-a-ser é pura
aparência – o ser é
imóvel. Panteísmo.
490 -? Zenão de Eléia O vir-a-ser é pura
aparência – o ser é
imóvel. Panteísmo.
460 – 371 a. C. Demócrito Atomismo e
materialismo.
500 – 428 a. C. Anaxágoras Espiritualismo, o
mundo é governado
por uma
12
inteligência.
480 – 411 a. C Protágoras Sofística, ceticismo
e fenomenismo.
485 – 380 a. C Górgias
491 a. C O direito deriva da
força.
470 – 399 a. C Sócrates Método filosófico e a
virtude.
435 -? Aristipo de Cirene Hedonismo.
440 -? Antístenes Cinismo
Os socráticos 430 – 347 a. C Platão de Atenas Realismo ontológico
e as teorias das
idéias.
382 – 322 a. C Aristóteles de
Estagira
Realismo
moderado, e as
teorias do conceito.
Os pós-socráticos 360 – 270 a. C. Pirro Ceticismo universal.
340 – 264 a. C. Zenão de Citium Estoicismo
341 – 269 a. C. Epicuro Materialismo, moral
do prazer, ataraxia.
214 – 129 a. C Carnéades Nova academia,
probabilismo.
330 – 270 a. C. Euclides de
Alexandria
Geometria.
287 – 212 a. C. Arquimedes Ciencia
experimental.
13
Filosofia Romana 95 – 20 a. C. Lucrécio Atomismo,
materialismo.
? – 125 a. C. Epíteto Estoicismo.
FILÓSOFOS DEPOIS DE CRISTO
Filosofia Romana 0 – 170 d. C Sexto Empírico Ceticismo
205 – 270 d. C Plotino Neoplatonismo
205 – 274 d. C. Manes Maniqueísmo
354 - 430 d. C. Agostinho de
Tagaste
Neoplatonismo
cristão
Árabes e Judeus 980 – 1037 d. C. Avicena Aristotelismo
1126 – 1198 d. C. Averrois Averroismo,
panteísmo
emanentista.
1135 – 1204 d. C. Maimônides Sincretismo de
Aristotelismo e
judaísmo.
Cristianismo 870 – 875 d. C. Scoto Erígena Neoplatonismo
1050 – 1120 d. C. Roscelino Nominalismo
1079 – 1142 d. C. Abelardo Conceitualismo
1033 – 1280 d. C. Santo Anselmo Realismo
1206 – 1280 d. C. Santo Alberto
Magno
Aristotelismo
14
Escolástica 1225 – 1274 d. C. Santo Tomás de
Aquino
Aristotelismo e
cristianismo
1221 – 1274 d. C. São Boaventura Agostinianismo
? – 1283 d. C. Siger de Brabantes Averroismo
1265 – 1306 d. C. Duns Scoto Voluntarismo
? – 1322 d. C Pedro Auriol Empirismo
1295 – 1350 d. C. Guilherme de
Occam
Nominalismo
1360 d. C. Nicolau de Auticourt
1260 – 1237 d. C. Mestre Eckhart Misticismo
neoplatônico
? – 1465 d. C. Nicolau de Cusa Neoplatonismo
FILOSOFIA NA ÉPOCA MODERNA
Séculos XV a XVI ? – 1588 d. C. Telésio Aristotelismo
1540 – 1600 d. C. Giordano Bruno Averroismo
1533 – 1592 d. C. Michel Montaigne Ceticismo
1598 – 1612 d. C. Suarez Neotomismo
Século XVII 1561 – 1626 d. C. Francis Bacon Empirismo
1588 – 1679 d. C Thomas Hobbes Filosofia Política
1632 – 1704 d. C. John Locke Filosofia Política
1632 – 1662 d. C. Blaise Pascal Filosofia e Religião
1613 – 1680 d. C. La Rochefoucauld Máximas Morais
1596 – 1650 d. C. Rene Descartes Cartesianismo e
15
idealismo
1632 – 1677 d. C. Baruch Spinoza Panteísmo
1638 – 1715 d. C. Malebranche Ontologia
1646 – 1716 d. C. Leibniz Idealismo
1627 – 1704 d. C. Isaac Newton Ciência
Século XVIII 1685 – 1753 d. C. George Berkeley Imaterialismo
1647 – 1706 d. C Bayle Ceticismo
1715 – 1780 d. C. Maurice Condilac Empirismo
sensualista
1711 – 1776 d. C. David Hume Fenomenismo
1709 – 1715 d. C. La Mettrie Materialismo
1715 – 1771 d. C. Helvetius
1694 – 1747 d. C. Hultcheson Moral da
benevolência
1723 – 1790 d. C Adam Smith Liberalismo
econômico
1694 – 1747 d. C. Quesnay Economia
1676 – 1832 d. C. Say
1689 – 1775 d. C. Montesquieu Filosofia do Direito
1712 – 1778 d. C Jean Jacques
Rousseau
Teoria do contrato
social
1743 1794 d. C. Teoria do Progresso
1724 – 1804 d. C. Emanuel Kant Idealismo
Século XIX - XX 1775 – 1814 d. C. Fichte Idealismo
16
1775 – 1814 d C. Schelling Idealismo
1770 1834 d. C. Georg Wilhelm
Friedrich Hegel
Fenomenologia
1801 – 1852 d. C. Gioberti Ontologia
1797 – 1855 d. C. Rosmini
1788 – 1860 d. C. Arthur
Schopenhauer
Pessimismo
1776 – 1841 d. C. Herbart Intelectualismo
1817 – 1881 d. C. Lotze
1815 – 1903 d. C. Renouvier Neocriticismo
1832 – 1919 d. C. Lachelier Idealismo
1754 – 1821 d. C. J de Maistre Tradicionalismo
1754 – 1840 d. C Bonald
1782 – 1854 d. C. Lammenais
1797 – 1863 d. C. A de Vigny Estoicismo e moral
de honra
1775 – 1836 d. C. Maine de Biram Filosofia das
ciências
1792 – 1867 d. C. Cousin Ecletismo
1829 – 1875 d. C. Lange Materialismo
1844 – 1900 d. C. Friedrich Nietzsche Imoralismo
1813 – 1878 d. C. Ruskin Estetica
1819 – 1900 d. C. C Bernard Métodos das
ciências
experimentais
1861 -? Maurice Blondel Filosofia da ação
1859 – 1940 d. C. Henri Bérgson Filosofia da Intuição
17
1784 – 1873 d. C. John Stuart Mil Utilitarismo
1820 – 1903 d. C. Herbert Spencer Evolucionismo
1744 -1829 d. C. Lamarck Transformismo
1809 – 1882 d. C. Charles Darwin Ciência
1809 -? Vries Mutacionismo
1801 – 1850 d. C. Bastiat Liberalismo
econômico
1809 – 1865 d. C. Proudhon Socialismo
1808 - 1883 Karl Marx Comunismo
1825 – 1864 d. C. Lassale Socialismo
1799 – 1857 d. C. Augusto Comte Sociologia,
Positivismo
1858 – 1917 d. C. Emile Durkheim Positivismo
sociológico
1832 – 1920 d. C. William James Pragmatismo
1856 – 1940 d. C. Sigmund Freud Psicanalise
1913 Edmund Husserl Fenomenologia
1874-1928 Max Scheler Antropologia
1864-1920 Max Weber Sociologia
1883-1969 Karl Jaspers Existencialismo
1889-1976 Martin Heidegger Ontologia
1885-1971 Gyorg Lukacs Materialismo
1882-1950 Nicolai Hartmann Fenomenologia
1874-1945 Ernest Cassirer Antropologia
1884-1962 Gaston Bachelard Fenomenologia
1908-1961 Maurice M. Ponty Fenomenologia
18
1905-1980 Jean Paul Sartre Fenomenologia
1893-1947 Karl Manheim Sociologia do
conhecimento
1881-1973 Hans Kelsen Direito
1891-1937 Antônio Gramsci Materialismo
1903-1969 Theodor Adorno Escola de Frankfurt
1865-1977 Ernest Bloch Escola de Frankfurt
1898-1979 Herbert Marcuse Escola de Frankfurt
1900-2001 Hans Georg
Gadamer
Hermenêutica
1926-1982 Michel Foucault Psicanalise
1913-005 Paul Ricoeur Fenomenologia e
hermenêutica
1906-1995 Emanuel Levinas Alteridade
1929-2005 Juergen Habermas Cultura e
Sociedade
1901-1981 Jacques Lacan Psicanalise
19
CAPÍTULO I A ORIGEM E O NASCIMENTO DA FILOSOFIA
1.1A ORIGEM DA FILOSOFIA
- A palavra Filosofia vem de uma raiz etimológica do grego: 1.
- Philo - 2 - vem de philia: amizade, amor fraterno, respeito entre os iguais.
- Sofia - 3 - vem de sophos: sabedoria, conhecimento, saber, conhecer,
sábio.
- Filosofia também significa: amizade pela sabedoria, amor pelo conhecimento,
amor e respeito pelo saber. Isto indica um estado de espírito da pessoa que ama, que
deseja estima, procura e respeita o conhecimento.
- Atribui-se ao filósofo grego Pitágoras de Samos4 a invenção da filosofia, o uso do
termo filósofo, porém é de Tales de Mileto o uso mais próximo que possuímos na
atualidade.
- A sabedoria plena e completa pertence aos deuses, mas que os homens podem
desejá-la ou amá-la, tornando-se filósofos.
- No pensamento chinês – O universo inteiro é feito da oposição entre qualidades
atribuídas a dois sexos diferentes.
- No pensamento grego – faz-se a distinção entre as qualidades sensoriais que nos
aparecem e a estrutura invisível da Natureza.
1Consultar o livro de PETERS, F. E. Termos filosóficos gregos, Fundação Calouste Gulbenkian,
Lisboa, 1983. Filosofia em grego – amigo da sabedoria. Este conceito é apenas etimológico. O conceito é
mais abrangente.
2 Em grego amigo. Pelo relato tradicional grego Pitágoras foi o primeiro a usar o termo filosofia e
doto apalavra com um sentido fortemente religioso e ético, que melhor expressa a opinião do filósofo
exposta por Sócrates no Fédon 62c – 69e. Em Aristóteles perdeu o sentido pitagórico e filosofia tornou-se
agora um sinônimo de episteme no sentido de uma disciplina intelectual que procura as causas. Em
Aristóteles o qual menciona a “filosofia primeira” ou uma “teologia” que tem como objeto não as coisas
mutáveis como a física ou “filosofia segunda”. A divisão da filosofia no seu início era a: física, ética, logica.
3 Sabedoria em grego. O significado original da palavra liga-a a artesanato Ver Homero em liada,
XV, 412; Hesíodo em Trabalhos, 651; Aristóteles. (Ética a Nicomaco VI, 1141a). A época de Heródoto
abrangia o tipo mais teórico. Em Pitágoras tem o sentido de sabedoria. Em Platão há uma distinção implícita
entre a verdadeira Sophia que é o objeto principal de filosofia (Fedro, 278 d) e que como phronesis se liga a
episteme o verdadeiro conhecimento.
4 O criador da filosofia no sentido que conhecemos até os dias atuais.
20
1. 2 O NASCIMENTO DA FILOSOFIA
- A filosofia nasceu no final do século VII a. C. e no início do século VI a. C., nas
colinas gregas da Ásia Menor.
- O primeiro filósofo a usar estes termos com o sentido que temos hoje foi Tales de
Mileto5.
- O principal conteúdo da filosofia no seu nascimento foi: cosmologia6 – cosmos –
mundo organizado e logia – pensamento racional.
- As principais características da filosofia em seu nascimento foram:
- Uma tendência à racionalidade;
- Ou a tendência a oferecer respostas conclusivas aos problemas;
- Ela fazia exigências de que o pensamento apresente regras de funcionamento –
justificativa de idéias.
- Recusa de explicações pré-estabelecidas;
- Tendências à generalização.
O filósofo não é movido por interesses comerciais, mas faz das idéias e dos
conhecimentos uma habilidade para vencer competidores, mas é movido pelo desejo de
observar, contemplar, julgar e avaliar as coisas, pelo desejo de saber.
O que perguntavam os primeiros filósofos na antiguidade?
- Por que os seres nascem e morrem?
- Por que semelhantes dão origem a semelhantes?
- Por que tudo muda?
- Por que a doença invade os corpos?
- Por que o uno se multiplica?
- De onde vêm as coisas?
5 Físico e filósofo que viveu antes de Cristo. Pitágoras era m físico, matemático, e um grande
pensador filosófico. Ele afirmava que “o começo é a metade do todo”. Os pitagóricos inventaram os homoia
“similitudes”.
6 A cosmologia é o estudo do cosmo, do mundo. Do grego cosmos e logia. Há uma tradição deque
primeiro a descrever o universo como um cosmos foi Pitágoras, mas a noção de universo está em
Anaximandro, Anaxímenes como ordem deste universo ou o universo como ordem. Mas em Empédocles
tem uma relação correlata do homem como microcosmos do universo já apareciam em Demócrito. Os
pitagóricos tiveram a intuição original como uma teoria do universo. O universo era um cosmos porque
podia ser reduzido à matemática (harmonia) dado que a arché de todas as coisas eram os números
(arithmos) em Metafisica de Aristóteles 985b.
21
- Para onde vamos?
- Como saber e como conhecer?
- O que é o ser e o não-ser?
- Existe um ser superior, um demiurgo?
- Os deuses dão origens a todas as coisas?
A religião, as tradições e os mitos explicavam todas essas coisas, mas suas
explicações já não satisfazem mais os filósofos.
Tente responder estas perguntas anteriores destes filósofos.
1.3A FILOSOFIA E O MITO7
1.3.1 O Conceito de mito8
No começo da filosofia grega há algo em si de não filosófico, que é o mito. É a
fé da comunidade nas grandes questões do mundo e da vida, dos deuses e homens, que
dá ao povo a matéria do seu pensamento e do seu agir. Recebem-na da tradição popular,
irrefletida, crente e cegamente. Consoante bem nota Aristóteles de Estagira, o amigo do
mito é, apesar disso e a certa luz, também um filosofo. Por isso que, no mito, preocupa-se
ele com problemas que vão ser, por sua vez, objeto da Filosofia. Donde vem o mencionar
Aristóteles, de bom grado, quando se refere aos pressupostos de uma questão filosófica e
a busca de sua solução, também as opiniões dos “primitivos”, que foram os primeiros a
“teologizar”.
1.3.1.1 A Mitologia em Homero e Hesíodo
A palavra mito vem aqui logo à tona nas obras de Homero9 e Hesíodo10, com seus
ensinamentos sobre a origem dos deuses (teogonias11) e a produção do mundo
(cosmogonias). Assim, conforme a mitologia em Homero, devemos procurar a causa
7 Mito é um relato de uma realidade. Na antropologia moderna o mito é uma descrição de uma
realidade não só do indivíduo, mas de uma tribo ou sociedade. A palavra grega Mythos sempre esta em
contraste com logos, um relato racional, analítico e verdadeiro. O Mythos está relacionado com a teogonia
e a cosmogonia.
8 O mito não é concebido mais como uma imaginação ou mentira, mas uma verdade. Na
antropologia o mito está cheio de significados.
9 Grande escritor antes de Cristo. Escreve uma grande obra de folego denominada de Ilíada.
10 Outro grande escritor deste período.
11 Criação dos deuses e de todas as coisas.
22
primeira de todo devir nas divindades do mar, o Oceano e Tetis, e também na água, nas
quais os deuses costumam jurar, e que o poeta e escritor denominam de Estígio. Em
Hesíodo aparecem o Caos, o Éter e o Eros como os princípios primeiros de tudo. Mas, as
origens do mal, a questão da responsabilidade e da culpa, do destino e da necessidade,
da vida e da morte, e dos semelhantes estão presentes no mito. Sempre se manifesta aí
um pensamento total e completamente imaginoso, visionado pelos claros olhos do poeta,
em caso particular e concreto, intuitivamente, para depois universalizar a intuição, e
transferi-la, e transporta-la para a vida e o mundo em geral, explicando assim a totalidade
do ser e do devir.
1.3.2 O Orfismo12
No século VI a. C. desceu para a Grécia, das montanhas da Trácia, uma nova
mitologia. O seu ponto central é ocupado pelo deus Dioniso; o seu sacerdote é Orfeu13, o
cantor e taumaturgo trácio. Friedrich Nietzsche14 fez mais tarde de Dioniso o símbolo da
vida e da fé na vida, em todas as suas alturas e profundezas. O deus do vinho Dioniso15
era também, na realidade, um deus da vida, sobretudo da fecundidade da natureza, e era,
nos bacanais, honrado com entusiásticos modelos muito vulgares.
1.3.2.1 A era a fuga do mundo
A dogmática dos teóricos do orfismo era, contudo coisa totalmente diferente de
uma afirmação vital. Devemos, antes, considerá-lo como uma vaga mistura de ascese e
mística, culto das almas e esperanças no além, coisas todas muito estranhas ao povo de
Homero. Agora, já a alma não é sangue, mas espírito; oriunda de outro mundo; exilada
nesta terra, como castigo por uma culpa original; encadeada ao corpo, deve passar por
uma longa peregrinação até a liberdade dos sentidos. Vida para a purificação completa da
sensível era uma serie de proibições de alimentos, como a carne e as favas. Pequenas
peças de laminas de ouro, enterradas com os mortos, testemunhavam que a sua alma
provinha “pura dos puros” e que “libertou-se do penoso ciclo das reencarnações”. A
doutrina do Orfismo sobre o destino das almas, depois da morte, espelha-se nos grandes
mitos escatológicos, nos diálogos platônicos de: Górgias, Fédon, e Republica. Os
12 Religião da fertilidade na Grécia Antiga.
13 Autor lendário de hinos, cânticos e poesias.
14 Filósofo alemão que escreveu em formas de aforismos.
15 Dioniso era um dos deuses grego.
23
dogmas do orfismo já possuíam, também, uma filosofia bem elaborada teologia e
cosmogonia.
1.3.2.2 Certo tipo de Cosmogonia
Ensinava que no princípio existiu o Caos e a Noite. No Caos devemos
compreendê-lo literalmente como o vácuo abissal ou o precipício. A Noite gerou um ovo, o
ovo cósmico, donde nasceu o amor (Eros) alado. “E este, consórcio com o abismo
escuro, alado e noturno, no vasto Tártaro, deu origem ao nosso gênero, e o trouxe fora,
para a luz. Não tinha o gênero dos mortais, antes de ser produzido à unidade pelo amor;
quando, porém, ele uniu uma parte com outra, surgiu o Céu, e o Oceano e a Terra, e o
gênero imortal de todos os deuses”. Segundo uma fonte mais recente, a origem primitiva
do Cosmos foi um dragão com cabeça de touro e de leão; no meio, porém, tinha um rosto
de um deus, e nos ombros, asas. É conhecido como o deus do tempo eternamente jovem.
O dragão produziu uma tríplice seminação: o Éter úmido, o Abismo ilimitado e escuro e a
nebulosa Escuridão; e, além disso, de novo, um ovo cósmico.
Tudo isto é intuição de todo fantasiosa e poética. Tem-se visto na mitologia órfica
uma forma da tradição oriental. Em particular o dualismo de corpo e alma, do aquém e do
além, e, em geral, uma forma de vida em fuga do terreno, “uma gota de sangue
estrangeiro” na Grécia. A terra original destas corrupções pode, na realidade, ter sido a
Índia, onde tais idéias aparecem cerca do século VIII a. C., nos Upanishads16, escritos
exegéticos dos escritos de Vedas. Também se encontram na religião de Zoroastro, no
planalto do Irã, como resulta dos antigos Gathas do Zendavesta. Estas idéias teriam sido
então, sempre um patrimônio espiritual ariano.
1.3.2.3 O Mito e o Logos17
Muito mais importante, porém, que a questão da origem é a sobrevivência dessas
concepções. Aristóteles de Estagira18 disse, com razão, a propósito do mito, que ele não
constituía ciência, porque esses “teólogos” arcaicos apenas reproduziam as doutrinas
tradicionais sem apresentarem nenhumas provas. A oposição é feita por aqueles que
“falam acrescentando provas, dos quais, por isso, podemos esperar uma verdadeira
“convicção”. Com isso quer se referir aos filósofos. Por estes metódicos momentos da
16 Livro sagrado dos Hindus.
17 Logos é a palavra em grego que abrange um sentido muito vasto, verbo, palavra, era tudo.
18 Aristóteles de Estagira escreveu a obra Ética a Nicomaco, filosofo e cientista antes de Cristo.
24
dúvida, da prova e da fundamentação, distingue ele o mito, da Filosofia, embora tenha
pouco concedido que o amigo do mito, a certa luz, também era filosofo.
A Filosofia é, ao lado do mito, realmente algo de novo. Já não se vive numa crença
cega, do patrimônio espiritual do vulgar, mas o indivíduo volta-se todo para si mesmo e
deve agora, livre e sem tutela, elaborar por si, examinando e provando, o que pensa e
quer considerar verdadeiro. É uma posição espiritual diferente da do mito. Contudo, não
devemos perder de vista que as questões formuladas pelo mito, como suas intuições
conceituais, elaboradas nos obscuros e não críticos tempos anteriores, ainda
sobreviveram na linguagem conceitual filosófica.
A crítica do conhecimento filosófico impõe-se aqui a tarefa de examinar se os
presumidos instrumentos racionais de pensamento filosófico também estão, na realidade,
todos racionalmente funcionando. Talvez não o sejam. E isto não somente por uma
recusa, mas por que o espírito ultrapassa o “saber” e abrange o mito, num sentido
positivo, como um caminho apropriado para a sabedoria. De maneira que somente o
crente na ciência iluminada é que pretende libertar-se do mito, ao passo que Aristóteles
diz, com razão, que também o mito, a seu modo, filosofa.
25
PLATÃO DE ATENAS
26
REFERÊNCIAS
CHATELET, François. Platão, Res Portugal s/d.
KOYRE, Alexandre. Introdução à leitura de Platão, Editorial Presença, Portugal, Lisboa, 1981.
GOLDSCHMIDT, Victor. A religião de Platão, Difel, São Paulo. 1970.
MAIRE, Gaston. Platão, Edições 70, Lisboa, 1983.
PLATÃO. Obras Escolhidas, Abril Cultural S/A, São Paulo. 1972.
27
CAPÍTULO II PLATÃO DE ATENAS
2.1PLATÃO DE ATENAS, VIDA E OBRA 19
2.1.1 A VIDA DE PLATÃO DE ATENAS20
Muito difícil se torna a reconstrução de uma biografia de Platão de Atenas. Pois a
sua vida foi composta em torno de muitos mitos. Os seus discípulos contribuíram para
que isto ocorresse. Mas também outros escritores auxiliaram em muito para que ele
pudesse chegar a ser conhecido pela maioria de nós hoje. De maior relevo é o seu
sobrinho e também seu discípulo que se chamava Espeusipo; como também por
Xenócrates21 e que o grande historiador Diógenes Laércio22 recolhe todos estes dados em
sua história da filosofia.
Platão de Atenas mesmo tentou fazer a sua autobiografia que também é cercada
de muita dúvida. Pois, estes dados foram escritos em sua velhice e a sua autenticidade é
muito questionada no presente momento de pesquisa. E que passa até despercebido esta
narrativa que foi recolhida nas Cartas VII. Este fato faz lembrar uma idealização platônica
como que também é uma lenda em sua volta: que consiste em fazer Apolo23, o grande
deus do Olimpo, o pai de Platão de Atenas. Outro fator importante é também relacionar o
seu nascimento, coincidindo com o sétimo mês de Targelion na 88a Olimpíada. Que por
sinal é o mesmo dia do aniversário de Apolo24 no calendário religioso de Atenas. Deste
modo, estes escritos foram muito desacreditados, mas permanece este dado como muito
interessante. Pois, o fazem viver aos 81 anos de idade; que para a aritmética mística
pitagórica25 e para o platonismo são dados vitais e que sempre Platão se relacionou muito
19 Platão fundador do realismo ontológico e das teorias das ideias.
20 A vida dele foi envolta em muitos mitos.
21 Filosofo deste período e de grande importância para o entendimento e compreensão da filosofia e
ciências deste período.
22 Escritor, autor, escreveu uma História da Filosofia e dos autores filosóficos.
23 Um dos deuses do panteão grego.
24 Muito comemorado este dia de Apolo com grandes festas e muito regada a comida e bebida.
25 Escola pitagórica que ensinava a música, matemática, a física, cosmologia, teoria do
conhecimento, a alma e a prática da justiça.
28
bem com este grupo esotérico26. Assim, é um mero número interessante sendo
representado pelo quadrado do quadrado do primeiro número ímpar que dá 81.
Todas estas informações tornam-se sujeitas a dúvidas e tem a falta da certeza e de
veracidade. O que é certo é que Platão de Atenas nasceu em Atenas ou Egina27, uma
pequena cidade da ilha grega do mar Egeu, próxima do antigo Peloponeso, exatamente
em frente desta ilha, no ano de 428 ou 427 a. C. (no exato momento que morria Péricles 28
e bem próximo da famosa guerra do Peloponeso).
A família de Platão de Atenas pertencia à aristocracia de Atenas. Seu pai se
chamava Ariston, que era amigo de Péricles. Este descendia do último rei de Atenas
chamado Codro (que pode ser também uma forma de lenda para fazer com que este
tivesse raízes e parentescos lendários com Poseidon29). Por outro lado, a sua mãe
Períctione30, era parente próxima de Sólon31 (o primeiro legislador da Grécia, este
escreveu a primeira constituição que temos noticia). Ela era prima de Crítias32, um dos
magistrados em 404 a. C. e irmã de Cármides33, um dos comissários oligarcas de Pireu.
A infância de Platão de Atenas, como ele mesmo conta nas Leis X, 887 d – e, e
nos mostra que o mesmo teve uma vida piedosa, que era cercada de orações e sacrifícios
e possuía uma religião legada pelos pais, a religião grega. Pois, o seu espírito e a sua
religião mística serão demonstrados em todos os seus escritos. Conta também que sua
infância foi bem ilustrada no sentido de que sua educação foi ótima no aspecto dos
sofistas. Ele gostava da arte, da retórica, da argumentação e da eloquência; onde foi,
muitas vezes, vencedor nas disputas, nas reuniões e nas assembleias. Ele praticava
esporte como a ginástica e a luta.
26 Ensinavam que o destino das almas é submetido esta justiça. “Os céus e a terra, os deuses e os
homens estão ligados entre si por uma comunidade”, escreviam os pitagóricos.
27 Platão grande continuador de seu metre Sócrates. Escreveu tudo o que seu mestre não escreveu
e todas as suas obras também.
28 Péricles grande estrategista e guerreiro.
29 O deus grego dos mares.
30 Mãe de Platão, parteira, maiêutica.
31 O primeiro e grande legislador que temos noticia antes de Cristo.
32 Um dos discípulos de Platão e um diálogo em sua homenagem.
33 Personagem grego.
29
Talvez, até tenha participado em combates e lutas nos jogos ístmicos. Também
relata que, desde cedo ele tinha a sede de poder. Pois ele mesmo dizia que gostaria de
ingressar na carreira política (Carta VII 324 b). Mas ele tinha outras inclinações naturais e
dedica-se à pintura, poemas líricos, poemas ditirâmbicos e poemas trágicos (República
Livro X 608 a). Mas que Platão realmente gostava era da filosofia e ele abandona tudo
para se dedicar a ela. Por isso, foi discípulo de Crátilo, discípulo de Heráclito. Mas isto
também foi contestado por causa da tradição histórica a respeito dele.
As formações filosóficas de Platão começam realmente com a descoberta de
Sócrates a quem ele ficou ligado desde 408 a 399 a. C. E o grande historiador Diógenes
Laércio conta uma lenda que no discipulado de Sócrates, ele viu em sonhos um cisne
sentado no seu colo e se cobriu de penas antes de voar. Esta visão se relaciona a Platão,
que chegaria a Atenas e se tornaria seu discípulo e que ficaria no seu círculo filosófico
para aprender as suas idéias.
Depois a vida dele se tornou muito agitada com viagens, prisões e a fundação de
uma academia para seu discipulado. Em 413 a. C. Alcebíades se refugia em Esparta e
traiu a sua pátria, Atenas foi capturada em 404 a. C., a democracia grega passou para
uma oligarquia onde figurava no conselho da cidade o tio de Platão, Crítias. Nesta época,
o filósofo estava com vinte e dois anos de idade e somente no ano 403 a. C. foi
reconstituída a democracia e no ano 399 a. C. seu mestre Sócrates foi condenado à
morte tomando cicuta34.
Depois destes acontecimentos ele se refugia em Megara. Em 394 a. C. teve que
fazer serviços militares, sendo ele da classe dos cavaleiros. Ele passou, após isto, em
Cirene, onde encontra alguns filósofos do grupo socrático. Sendo eles: Aristipo,
Cleombroto e o matemático Teodoro, que pode tê-lo influenciado no trabalho sobre
Teeteto35. Talvez ele tenha entrado em contato com a escola pitagórica, exatamente com
Arquitas, que era um filósofo místico. E também tenha ele procurado textos esotéricos
que o influenciou na sua obra o Timeu36.
Platão inicialmente compõe seus primeiros escritos como diálogos: Hípias Menor,
Alcebíades, Apologia de Sócrates, Eutífron, Críton, Hípias Maior, Cármides, Laques,
34 Erva que produz a estriquinina.
35 Amigo e discípulo de Sócrates e de Platão e nome de um diálogo.
36 Nome de um diálogo platônico.
30
Lísias, Protágoras, Górgias e Menon. No ano de 388 a. C. Platão vai para a Cicília, onde
terá problemas futuros com Dioniso e terá problemas futuros de relacionamento com um
jovem cunhado deste. Neste período ele toma gosto pela filosofia. Alguns acidentes
precederam a estes acontecimentos políticos e ele foi aprisionado, somente saindo em
387 a. C., regressando, assim, para Atenas, onde começa a se dedicar somente ao
ensino da juventude, onde funda uma academia em homenagem a Academo, um herói
mítico da Grécia.
Nesta academia, existiam as salas de aulas, e também tinham aulas em
residências, onde os alunos moravam, museus, bibliotecas, jardins, deuses, estátuas dos
mesmos, capelas e templos. Durante a academia, outras obras famosas foram compostas
por ele: Fédon, Banquete, Fedro, Íon, Mexeno, Eutídemo, Crátilo e o início da “A
República”. E, posteriormente, os diálogos metafísicos: Parmênides, Teeteto, Sofista, o
Político e, por fim, Filebo. Após estes acontecimentos, como o endurecimento da
democracia, a instalação do autoritarismo, os acontecimentos nos quais o deixou como
filósofo muito triste. Este, agora, com 75 anos de idade, escreve a Carta VII e as suas
últimas obras como o Timeu, Crítias e As Leis. Acabava de escrever “As Leis” com 80 ou
81 anos quando morreu mais ou menos por volta do ano 347 a. C.
2.1.2 A FILOSOFIA DE PLATÃO DE ATENAS37
A sua filosofia como de todo filósofo é muito difícil de ser analisada. Principalmente
quando ele se trata de um autor profícuo e de muitos assuntos, como: diálogos, cartas e
tratados.
Ele sempre foi designado como o maior filósofo de sua época, ultrapassando seu
próprio mestre Sócrates. A obra platônica pode ser estudada de várias formas e pode ser
interpretada conforme o próprio gosto, mas podemos separá-la em quatro partes
essenciais: 1. O problema platônico; 2. O ser e o saber; 3. O deus, o Universo e o
Homem; 4. A Moral e a Política.
2.1.2.1 O Problema Platônico38
Este problema começa com a questão política. Pois como se sabe, nele e em
outros filósofos concebe-se a ideia de um filósofo-rei como o verdadeiro político. Este
deveria ser um filósofo governador e como ele era sábio deveria ser o chefe de estado.
37 A filosofia de Platão tem quatro características essenciais.
38 Esta é a primeira parte de sua filosofia.
31
Muitos foram os que tentaram ser chefes de estado: os pitagóricos que foram
reformadores políticos. O mesmo Pitágoras39 também, e outro filosofo como Heráclito
tinha se imposto como governador aristocrático; Parmênides foi um tipo de legislador em
Eléia; Platão, como ele mesmo descreve de seus familiares era um político. Ele era como
os seus parentes próximos verdadeiros políticos. Os quais eram políticos influentes nas
cortes da Grécia e nos governos gregos. Eles tiveram a sua influência nos governos desta
época. Ele fala de tudo isto na Carta VII, e que desde a juventude tinha a intenção e
vocação para a política. Mais tarde Platão de Atenas se dedica a escrever inclusive
tratados sobre esta política: A República40.
Platão vê seu mestre ser condenado à morte e pensa a respeito da tirania exercida
pelos governos na sua época. Ele chega a pensar num filósofo-rei que tinha a meta de
dominar o poder pela sua sabedoria. Pois se o Estado era injusto e corrupto o filósofo-rei
teria melhores condições de governá-lo. Com a filosofia poderia se chegar à justiça e um
melhor funcionamento do Estado. Mas a chefia do estado, conforme Platão deveria estar
ligado a uma pedagogia. Pois ele mesmo era o chefe da escola, da Academia. Agora
para se fazer tudo isto, necessitava da Arete (da virtude da verdade) ligada ao
comportamento do indivíduo (a moral). Para se administrar bem as coisas de uma cidade
e se proteger dos inimigos era então necessário a virtude, as regras ou as normas, por
isso eram ainda necessárias as leis, a justiça, a coragem, a inteligência e a sabedoria.
Para muitos, esta sabedoria vai se transformar num discurso, na arte de falar.
Como a sofística se torna a República como a forma política do governo. A discussão pelo
discurso se transforma na técnica de persuadir e convencer. Mas na controvérsia e na
disputa pelo poder era preciso a filosofia. Desta política Platão de Atenas vai para a
moral, o indivíduo e a divindade. Platão de Atenas concebe o homem sempre ligado ao
mundo e que nunca pode separá-lo. Por isso, o mundo e o indivíduo são como a criação
do demiurgo. Sendo assim, o indivíduo está integrado ao Cosmos. Portanto, a justiça, a
política e a Moral são sempre conformação da natureza e das ações humanas e
concluindo a sua filosofia era a base para o exercício do poder.
Quanto ao aspecto do homem, da alma e de sua relação para com a divindade,
Platão fala da imortalidade da alma, que para ele o homem possui a alma e o nous. Esta
é parte do homem que permite a apreensão e obtenção da verdade e da imortalidade.
39 Pitágoras grande cientista da antiguidade.
40 Obra fundamental para se entender a política antiga e a atual.
32
2.1.2.2 O Ser e o saber: Ontologia e o Conhecimento41
O que foi dito anteriormente relaciona à problemática platônica. Como podemos ver
o seu pensamento é muito mais vasto e complexo. Ele refere-se à questão do ser e do
saber que sempre foram temas e estudos dos pré-socráticos e a sua dimensão se torna
mais evidente agora com Sócrates, mestre de Platão de Atenas. Nele está a questão de
aprofundar mais o ser e sempre esteve relacionado com o saber. A doxa42 grega é uma
referência ao ser, pois, é partindo da doxa (opinião) que se chega a uma episteme43
(ciência).
O saber se relaciona epistemologicamente ao ser ou ao saber tem características
idênticas ao objeto apreendido (ser). A Sofia está inter-relacionada ao ser ou pelo modo
de apreensão e do modo de ser apreendido no relacionamento sujeito e objeto que em
Platão de Atenas está interligado à questão do inteligível e do modo sensível como
formas de conhecimento. Onde o melhor conhecimento seria aquele alcançado por
alguém capaz de praticar a Arete44. Assim sendo, o saber é atingido na perfeição ou na
imortalidade da alma. É na alegoria da caverna onde ele interpreta a questão da natureza
do ser e da natureza do conhecimento.
A questão do ser, da ideia que ocorre em todo o seu pensamento é a distinção
(korismos) de dois mundos distintos. O mundo sensível ou o mundo visível, que é
simbolizado pelas sombras no fundo da caverna onde o sol se deslumbra simbolizando
assim, toda a fonte e toda essência do conhecimento que se tem deste mundo e a causa
deste ser. Este não é o ser gerado, mas significa o mundo em devir (gênesis) que pode
ter o sentido de tempo como sucessão temporal e de movimento. Tem, também, o mundo
inteligível, simbolizado pelos objetos reais no exterior da caverna, sendo estes uma
realidade verdadeira, imutável e eterna, o mundo inteligível em suas realidades é
denominado de idéias ou de formas.
Estas formas de ser e saber tem a capacidade de reter três características:
1 Forma, estrutura e unidade na síntese das relações que a constituem na sua
estabilidade, oposta à flutuação dos objetos sensíveis com relação à identidade
41 Esta é a segunda forma da filosofia platônica.
42 Do grego que tem o sentido de certo, correto, opinião verdadeira.
43 Do grego que significa ciência.
44 Virtude da verdade.
33
e a mesma maneira que estão relacionadas com as coisas belas, efêmeras e
muitas vezes, incertas e inatingíveis, deve ser afirmada a Ideia do Belo45, nítida
e eterna na sua estrutura;
2 A ideia é a espécie ou em geral o princípio de unificação dos objetos sensíveis
múltiplos ao mesmo tempo semelhantes e dessemelhantes. Por isso é o Belo
na multidão dos belos existentes;
3 A ideia de natureza, realidade consistente, de toda plenitude da existência, ser
só real, porque estável e é uno. A ideia é a arché ao mesmo tempo fundamento
do ser e princípio de todo o saber verdadeiro: conhecer é apreender a Idéia. A
ideia assume uma função ontológica e a epistemológica.
A filosofia de Platão de Atenas é uma espécie de pensamento que multiplica os
modos intermediários e não admite em parte alguma o modo do ser, o modo do
conhecimento que lhe corresponde a sensação, tem certo valor de apreensão do ser por
que é o ato do espírito cujos sentidos são apenas órgãos. Tudo isto constitui a natureza
da Idéia e suas relações. Agora o mundo das idéias e suas constituições estão ligados
entre si por relações cujo estudo constitui a ciência e são hierarquizadas e são três os
tipos de idéias: a beleza (to kallos), medida, proporção (He sometria), e a verdade (He
Aleteia). Estas idéias são manifestações de uma idéia superior para Platão de Atenas,
que dominam as outras, dá ao seu ser e sentido a tudo como a Idéia do Bem (tou
agatou). Por isso, as idéias sendo regidas por uma Ideia Superior estão ligadas a um
universo, e este universo para Platão de Atenas é: o que existe e age, é regido pelo
princípio do Bem, o espírito (nous) reina sobre o mundo.
A preocupação e tentação de um dualismo platônico são muito grandes, pois esta
separação do Bem Superior e os outros e mais do mundo inteligível e sensível fica
evidente. Ele resolve com a colocação da participação e dependência das coisas: as
coisas belas, justas ou grandes existem e participam na Bondade em si.
Esta questão da idéia de participação em Platão que sempre se aprofundou nela:
1- Participação é imitação sendo a idéia o arquétipo modelo eterno e imutável,
sendo a coisa sensível a cópia;
45 Na estética hegeliana vemos um sentido diferente da estética de Platão e de Aristóteles.
34
2- Participação é presença da idéia no objeto sensível que não se contenta em
copiar, que participa em podendo esta presença ser concebida como a produção de uma
ordem;
3- Pelo fato do Bem ser a causa reguladora suprema, tanto do intelecto como da
sensível, a participação deve ser concebida como um modo de casualidade ou de
produção de seres que traz a ordem e finalidade na sensível.
Os objetos do saber e as formas correspondentes do mesmo são repartidos em:
a) As figuras, as imagens, conjecturas, crenças e a opinião.
A imagem do deslumbramento remete, além disso, para a concepção sobre o
conhecimento como manifestação do ser, como uma revelação possível graças à luz que
emana do Bem, a verdade é a revelação do ser e não um atributo do juízo.
b) Saber, o verdadeiro e o racional.
A parte do mundo real que o homem na caverna descobre com a luz e que foi
dificultado em parte pode ser representada pelos objetos inteligíveis e o saber que os
apreende, este último saber pode ser denominado de ciência como o saber verdadeiro e
racional. O filósofo enfatizava muito o saber inteligível que pode ser representado pela
matemática, mas as idéias como conhecimento em hipóteses são as consequências que
o pensamento atinge mesmo sendo hipotético passado do saber verdadeiro para o saber
racional. Para se praticar esta passagem é necessária para o Bem Absoluto que não se
restringe ao ser nem a natureza que sempre está de conformidade um com o outro.
Portanto, saber é a anamneses, conhecimento é reminiscência e para fundamentar o dito,
ele, recorreu aos mitos, como o da alma sendo a intermediária entre o mundo sensível e o
inteligível; o do amor como melhor método do conhecimento.
2.1.2.3 DEUS, UNIVERSO E O HOMEM 46
Para ele, o mundo inteligível se identifica com a verdadeira esfera divina, as idéias
são divinas e como perfeição. Estas podem ser identificadas com: divindade, imortalidade,
simplicidade e imutabilidade. Esta esfera do divino é governada pelo Bem, sendo
essência, a existência de tudo. A divindade em Platão de Atenas como nos pré-socráticos
é identificada ainda pelo Bem e o uno e não com o Deus dos cristãos como muitos o
46 Esta é a terceira forma da filosofia platônica.
35
querem. Para ele o divino é o inteligível, local da aplicação do pensamento e domínio da
atração da alma.
Quanto ao mundo é o mundo visível e sua gênese está ligada a uma forma mítica.
O mundo em devir, está em devir e tem uma causa neste devir; a causa é aquela
capacitada por uma alma, pois esta é a origem do que se move, sendo também não
gerada e imortal. Para ele, o uno que foi criado pelo demiurgo47 ou pela causa inteligente;
ele é o obreiro, artífice que molda a matéria à imagem do inteligível que se serve como
paradigma ou modelo que nele coloca a ordem e a harmonia, fazendo dele o mundo
visível um cosmo que é belo.
O mundo foi organizado em várias formas: o demiurgo fabrica primeiro a alma do
mundo da qual função serve para reforçar o movimento do mundo e de que tudo o que se
move e necessita de uma alma; e depois o demiurgo cria o tempo e que pelo seu
movimento cíclico dos dias, das estações e dos anos forma o modo perfeito do círculo, e
este é a concepção cíclica do tempo. E por fim, o demiurgo cria: os seres vivos de várias
espécies, e criando para eles a alma a fim de se tornarem imortais. No final de tudo o
demiurgo cria o homem.
O homem para ele está ainda influenciado pelo dualismo, e é interessante notar
que a sua natureza: corpo e alma estão sempre em conexão com o devir, com o sensível
e o efêmero; pela alma que é dotada de inteligência ou inteligível por isso se dá a
desunião, a sensação, a necessidade, a paixão; mas tem a razão e o conhecimento.
Para Platão há uma interação da alma e do corpo, a alma dirige o corpo, pois ela é
um movimento; por outro lado, a alma tem duas funções ou princípios: a razão (nous ou
gnose) cuja função é conhecer e governar o desejo, apetite e a necessidade; o tymos:
que é o poder de arrebatamento ou de cólera, coração submetido à razão. A alma ainda é
concebida por ele como imortal, mas esta concepção na realidade foi adquirida das
filosofias anteriores principalmente do pitagorismo48, orfismo e das religiões mistéricas49.
O filósofo inclusive escreve vários diálogos sobre o logos para fundamentar esta
concepção de imortalidade – elaborando várias teses para justificar esta idéia. Ele
pergunta sobre o destino desta alma incorruptível e imortal, respondendo que o destino da
47 O deus arquiteto criador de todas as coisas.
48 Como já foi dito uma filosofia no esquema de Pitágoras.
49 As religiões mistéricas tinham como fundamento a adoração e o culto à fertilidade.
36
alma em seu desenvolvimento e a sua significação resulta de seu papel de forma
intermediária o qual lhe dá característica de dupla natureza: quando de sua relação com o
inteligível a alma tem ligações com o divino e pode ser denominada de quase divina;
porém, em relação com a sensível para animar o corpo, a alma esquece sua natureza
divina e tende a degradar-se.
A alma preexiste à sua encarnação: durante a vida terrestre reside no inteligível em
companhia com os deuses, depois de certo tempo vem à terra e ocupa um corpo, escolhe
a sua vida terrestre e que na morte se separa novamente do corpo e renasce novamente
para escolher outro destino. A alma é julgada, recompensada pela admissão na
companhia dos justos e deuses, se morre no estado de sabedoria, senão será castigado.
Platão idealizou as crenças: na migração das almas, na metempsicose50 ou
metensomatose51, todas herdadas dos pitagóricos e de religiões Mistéricas.
2.1.2.4 MORAL E POLÍTICA52
A política sempre foi o centro do pensamento platônico. E ele mesmo sempre quis
ser um político. Quanto à moral foi um tema analisado também por ele. A política era feita
na cidade e a cidade (polis) era governada por leis, e que não podia se separar da ética
ou da moral. A procura da virtude sempre foi um dos alvos dele e está ligado com as leis
morais. No seu pensamento podemos notar algumas tendências morais diferentes, a vida
moral é a procura da virtude, da perfeição, da verdade, da fidelidade. Mas só pode
encontrá-la na cidade (polis politike) reformada, democratizada. Onde existe o tirano não
há perfeição, mas onde existe a justiça pode ser encontrada a felicidade.
Existem quatro virtudes53 essenciais a serem buscadas:
a) O coração é o centro da coragem, e esta é denominada de Andreia que
significa coragem e firmeza diante do perigo;
b) A epitimia que é a temperança;
c) E a sofrosyne54 que é a moderação.
50 Teoria da lembrança retida na alma.
51 Teoria da lembrança retida no corpo.
52 Esta é a quarta e última fase da filosofia platônica.
53 As virtudes são coisas boas que o ser humano pode conservar.
54 Tem o sentido de autodomínio e moderação. Para Aristóteles sofrosyne tem o sentido dos
extremos do prazer e da dor.
37
d) E a Aretê55 que é a virtude da verdade.
Todas estas virtudes cooperam para a perfeita felicidade e virtude esta é uma
ciência que não é atingida por completo. Mas que pode ser ensinada, aprendida e
praticada como também exercida pelo pensamento. Assim a vida moral deve ser a
mistura do conhecimento, da prática, da mística, do êxtase, da verdade, da virtude. Esta
mistura pode ser conseguida pela união, proporção justa e medida do prazer e da ciência
(conhecimento), é claro, sempre o prazer consoante com a sabedoria.
A política para ele não é a ciência do igualitarismo, onde as diferenças sociais são
cada vez mais evidentes. Mas, com o crescimento das cidades a situação social fica cada
vez mais preocupante. Portanto, nada melhor que um governador e as leis para
harmonizar as diferenças e regulamentar a ordem nem que sejam necessárias a correção
e a repressão. A cidade para ele tem três funções: a produção, a defesa da ordem no
exterior e interior, e o de governar e a administrar.
Ele destrói assim, a cidade ideal, que deve ser justa ou ter uma ordem, equilíbrio
mesmo havendo muitas diferenças sociais de classes. Para ele a justiça é uma sociedade
virtuosa onde deve haver: a vida social deve ser igual ao bem da coletividade e não do
indivíduo apenas. Mesmo havendo várias classes, estas classes devem cumprir seu
oikon como função, obra própria. E mesmo que isto possa parecer irrealizável para que
haja prosseguimento, da harmonia de tudo (virtude, bem, perfeição e felicidade) a não ser
através do Supremo (uno). Para que tudo seja realizado é importante que o governador
seja um filósofo rei: o guardião da divindade.
A cidade tem que ser justa em seus fundamentos e isto foram descritos por ele.
Onde ele volta a analisar a questão do Estado, que é injusto mostrando que os fatores
adversos ao Estado entraram em degenerescência fugindo do seu ideal: os ricos se
aproveitam para se tornarem independentes, as classes dirigentes se juntam para
tomarem o poder e escravizarem os outros; nascendo assim várias formas de governos.
Timocracia56 é o governo da honra e este passa a ser então anárquico e os timocratas se
enriquecem e passam para a oligarquia57; esta oligarquia está associada aos
demagogos. Estes se tornam oradores querendo chegar à democracia que é o governo
55 Aretê é a excelência da virtude e do conhecimento.
56 É o governo pela honra.
57 É o governo dos poderosos.
38
pelo povo; o abuso da liberdade surge a anarquia58 que procura um presidente, para
representá-lo que em seu autoritarismo vence seus inimigos surgindo a tirania, somente
o filósofo rei é o máximo mandatário enquanto o tirano é o pior e mais baixo dos
governadores.
Aqui Platão de Atenas (na República sua obra mais importante) não se apresenta
mais como o filósofo rei, ou como governador, mas o conselheiro do rei. O político é o
filósofo que tem a ciência da divindade que o torna capaz de introduzir a ordem, de
estabelecer a unidade.
2.2 RESUMO
Escola Platônica: Fundador Platão 427-347 a. C.
Platão através de seus ensinos e trabalhos é o fundador de Academia, também
deixou seguidores e uma escola filosófica que foi chamada de escola platônica.
Ensino: O pensamento fundamental dele foi o dualismo em conotação com o
mundo material e o mundo dos deuses. Uns autores se referem a reprodução imperfeita
de um produto perfeito e o próprio produto perfeito, um é a imitação do mundo ideal,
eterno, divino que é o perfeito. O dualismo platônico começou a se refletir em várias áreas
da filosofia. A lógica que vai dar na dialética. Na teoria do conhecimento onde o
conhecimento sensitivo é desvalorizado e o reduz a teoria da reminiscência que é o
conhecimento através da lembrança da idéia. Na psicologia/antropologia identificando o
homem com uma alma imortal e o corpo como prisão da mesma. Na ética, com a
ordenação da vida através da supressão das paixões, tornando possível a separação da
alma da prisão do corpo. Na estética, desvalorizando as artes. E na política, dividindo a
sociedade em classes sociais e o governo através do filósofo rei.
Expoente de Platão: No helenismo os maiores expoentes dele foram à Antiga e
Nova Academia, no neoplatonismo com Plotino. Na patrística com Clemente de
Alexandria, Orígenes, São Basílio e Santo Agostinho. Na escolástica com Santo Anselmo
e Nicolau de Cusa e São Boaventura. Na idade Moderna com Rene Descartes,
Malebranche; Vico, Leibniz, Schelling e Hegel.
58 É os sem governo.
39
2.3 TEXTOS PLATÔNICOS59
2.3.1 PLATÃO DE ATENAS: TEETETO60
O livro é composto de tradução, prefácio e notas e por fim o texto integral. O autor
no prefácio mostra que Teeteto foi uma obra escrita por Platão de Atenas na sua
maturidade e a obra desta forma é um assentamento do pensamento filosófico platônico.
Seu pensamento além de estar estruturado e formado, seu pensamento fixado com a
teoria metafísica das formas, o pensamento tinha outros aspectos como: o mundo
sensível, a interpretação do saber enquanto reminiscência da verdade.
A obra e sua filosofia são baseadas no diálogo, onde figura a personagem principal
que é Sócrates, que em seu discurso como método dialético interpela os interlocutores
levando-os da certeza e da sabedoria para total ignorância e que não sabiam nada. O
método era o discurso oral para Sócrates e que Platão de Atenas recolhe este método de
seu mestre e os escreve em forma de dialética; processo da tradição oral para passagem
escrita está na preocupação da fixação da verdade onde o seu pensamento será
estruturado, organizado e sistematizado. Sócrates é ainda o autor intelectual destas obras
platônicas tardias, mesmo após décadas de sua morte. A obra TEETETO é
especificamente um tratado de gnosiologia, de democracia e grupos políticos.
Platão tenta superar nesta obra os conflitos entre a justiça e a verdade e a justiça-
poder. Ele propõe nesta obra ainda uma república governada pelos virtuosos (Arete), por
cidadãos formados pela pedagogia (Paideia). Esta obra ultrapassa a retórica sofista
fixando-se no amor à razão (Logos) e à sabedoria. Esta obra foi escrita após o
amadurecimento platônico da teoria política. Ainda nesta obra utiliza o método peirástico
(investigação). O Sócrates platônico propõe aqui ao jovem Teeteto que estabeleça a sua
noção de ciência como forma exata e indiscutível. Este trabalho é um tratado gnosiológico
que mostra a ciência e a experiência ou sensação não se coadunam, mas se excluem
mutuamente. Para ele a ciência nasce de uma atividade específica da alma que é o julgar,
a ciência é a opinião verdadeira acompanhada da razão. Platão traz ao convívio o diálogo
dois grandes cientistas que eram especificamente matemáticos Pitágoras e Teodoro.
59 Escolhi alguns textos como referências de leituras para as aulas.
60 Teeteto é um jovem cientista e também um discípulo deste mestre, e também é uma obra escrita
por Platão.
40
A. Teeteto ou da Ciência61
Os personagens são cinco: Euclides e Terpsion que aparecem no prólogo e
Sócrates, Teeteto e Teodoro para o diálogo, na introdução os dois fundaram a escola
megarica62 e no diálogo Teeteto grande matemático e Sócrates grande mestre de Platão.
A introdução mostra que este trabalho foi escrito conforme o próprio Sócrates havia dito e
feito e começa a ser lido o diálogo por um escravo.
B. Diálogo63
Como dissemos anteriormente o diálogo é um tratado sobre a ciência que pode ser
tanto matemático, geométrico ou de filosofia. Trata do objeto da ciência, esta ciência parte
da discussão, da conversação onde se pode suscitar a amizade e a familiaridade. A
ciência é um diálogo, uma arte. Para ele esta ciência é como sofrer dores de parto, a
maiêutica64: a arte de fazer parir é o método filosófico para se chegar à verdade. Esta
função de fazer parir no pensamento é o processo de fazer sair de dentro para fora a
verdade, do interior, fazer gerar, engravidar através do discurso, do diálogo para dar à luz
a verdade.
Ainda para eles a ciência não é mais do que a sensação, o conhecimento sensível
ou empírico. A ciência é o mesmo que aparência e aparência e sensação são as mesmas
coisas; a sensação, enquanto ciência tem sempre um objeto real e não é suscetível ao
erro. Para eles ainda as coisas são produtos do fluxo e do movimento. O movimento nas
escolas pré-socráticas65 era a causa do que parece existir e o devir; o seu oposto, e
repouso, era a causa do não ser e da destruição.
O calor, o fogo que gera e regula tudo, ele é gerado pela translação e a fricção das
quais são os movimentos. Por isso questiona Platão que o estado e exercícios que são
movimentos conservam e tornam melhores a obter conhecimento. Tudo está em
movimento e sem este nada existe, existem dois tipos de movimentos que são infinitos
em números, tendo assim, uma força ativa e outra passiva e, portanto passa para o
conhecimento e a sensação que são: visão, audição, olfato, tato e a gustação. Sócrates
61 Esta obra é um tratado de ciência, de matemática.
62 Escola megarica onde se estudava as grandes ciências da época.
63 Um modo de Platão escrever suas obras é o diálogo.
64 Parteira no grego original.
65 Todos os filósofos da época antes Sócrates que eram denominados de pré-socráticos.
41
começa a questionar a afirmação de Teeteto de que sensação é ciência e começa a
objetar de que a teoria que ele suscita não é uma ciência.
Fala de que o ver é saber e o contrário a negativa, mas nem por isso a sensação é
conhecimento, deve haver um exame crítico destas afirmações. Ele critica aqueles que
queriam saber tanto o que se passava no céu e se esquecia das coisas que estavam
debaixo dos seus pés, mostra na realidade a função da filosofia e o que deve fazer o
filósofo, não se esquecer da realidade. O objeto da filosofia é o pensar e que o filósofo faz
é pensar, compreender; conhecimento é sabedoria que não deve ser mecânico nem
rotineiro. Mostra ainda que se a discussão fosse iniciada, não para descobrir o que a
ciência não é, mas sim o que ele é para Teeteto opinião é a ciência, é impossível quanto
às opiniões falsas. Existe a opinião falsa senão dever-se-ia admitir muitas coisas
absurdas. Para ele, a opinião falsa é algo de totalmente diferente de um desacordo entre
o pensamento e a sensação.
Existe uma incompatibilidade ente a ciência e a ignorância, a ciência pode ser
definida como a opinião certa (ortodoxia) e verdade; a opinião verdadeira parece ser
infalível e que tudo o de que dela resulta é bom e belo e que isto é razão. A opinião
verdadeira acompanhada de razão é a ciência e que desprovida dela, ela está fora da
ciência e que as coisas que não é possível explicar são incognoscíveis e as possíveis de
se explicar são cognoscíveis. A explicação só pode ser dada pela razão e não somente
pela sensação, ou seja, a opinião verdadeira é dada racionalmente; quem não consegue
explicar ou receber explicação racional de uma coisa permanece na ignorância, agora
juntar a explicação racional à opinião verdadeira, tudo se torna possível e ele possui a
ciência perfeita. Sentido da explicação racional pode ser: tornar o próprio pensamento
sensível pela voz (pensamento - fala) e a opinião. Agora a ciência não é perguntar e
responder alguma coisa. O juízo faz parte do conhecimento como também a técnica.
Concluindo, Sócrates chega a afirmar que a ciência não é nem a sensação, nem a
opinião verdadeira, mas que ainda não chegou a uma definição geral e global estando
gravido para dar à luz, ele é o parteiro. A continuação deste diálogo será o sofista.
42
2.3.2 PLATÃO: O SOFISTA 66
Este diálogo tem como personagens: Teodoro o mesmo do Teeteto, Sócrates, um
estrangeiro de Eleia e Teeteto próprio. O diálogo começa mostrando que todos estão fiéis
ao compromisso que fizeram no fim do Teeteto de se encontrarem novamente e que
agora trazendo um estrangeiro para a reunião onde falam da pessoa do estrangeiro como
divino ou filósofo. Esta introdução mostra ainda que o melhor método e mais agradável é
a interlocução e tentam definir sofista onde Sócrates não aparece a não ser no início e
desaparece por completo até o fim.
O Sofista é o método aplicado como forma de disciplina e de conhecimento, este é
o que tem a arte da aquisição, ou seja, do conhecimento, do alimento ou de qualquer
outra coisa. Fica bem claro que, a definição que dão de sofista e a aplicação do método
sofístico e sua primeira definição; a posterior definição do sofista é a de ser um caçador
interesseiro de jovens ricos que tem a arte da persuasão que se dirige tanto ao público
como ao indivíduo. O sofista além de ter a arte de persuasão tem arte do galanteio ou da
lisonja, e que recebe dinheiro como pretexto de ensinar. Na arte de aquisição havia duas
formas: a caça e a troca. O sofista agora é definido como comerciante de ciências, este
ainda é denominado pequeno comerciante de primeira e segunda mão. O sofista é um
erístico67, um contestador, que faz controvérsia, é um refutador. A arte de erística, da
contradição, da contestação, do combate e da luta, da aquisição é tudo sofistica. O sofista
refutador tem a arte de separar as coisas boas das ruins.
As artes ilusionistas: a mimética, o sofista traz uma falsa aparência da ciência
universal, mas não a realidade; há duas formas de mimética: a arte de copiar, e copia-se
mais fielmente quando, para melhorar a imitação e a outra é a arte do simulacro. O sofista
ainda introduz o problema do erro e a questão do não ser e a refutação desta tese de
Parmênides sobre o não ser que ele é, e do ser que não é. Apresentam várias teses
antigas do ser: os eleatas afirmavam que todo ser é um único ser; os jônicos afirmavam
que o ser é ao mesmo tempo uno e múltiplo e etc. São as doutrinas pluralistas, as
doutrinas unitárias afirmavam que o ser: tem o caráter de unidade, o ser é uno e Todo.
66 O Sofista é uma obra importante de Platão a ser lida por todos, uma crítica aos sofistas que
cobravam os seus ensinos.
67 A erística é a arte ou técnica da disputa argumentativa no debate filosófico, empregada com o
objetivo de vencer uma discussão e não necessariamente de descobrir a verdade de uma questão. Esta
técnica foi desenvolvida principalmente pelos sofistas.
43
Surgem os materialistas e formalistas que afirmavam: pode-se dizer o que é o ser e o que
é o não ser, o ser é algo que não tem corpo.
A definição do ser conforme: os mobilistas e os estáticos se admitem que conheça
algo é agir, a consequência inevitável é que o objeto ao ser conhecido sofre a ação, pela
mesma razão o ser, ao ser conhecido pelo ato do conhecimento, e na medida em que é
conhecido, será movido, pois que e passivo, e isso não pode acontecer ao que é movido
e ao movimento, portanto deve-se recusar a doutrina imobilidade universal que professam
os defensores ou do uno ou das formas múltiplas.
Não se pode reduzir o ser ao movimento ou ao repouso, o movimento pode se
transformar em repouso absoluto e o repouso que se moveriam no movimento em que
eles se unissem uma ao outro. A dialética e o filósofo: a dialética é a arte do diálogo, da
conversação sempre em movimento. O discurso sobre alguma coisa, pois sobre o nada é
impossível haver discurso.
2.3.3 PLATÃO: A REPÚBLICA68
A edição é composta de um prefácio, a tradução do texto e de explicações da
tradução francesa. A explicação mostra a Grécia Antiga, Platão de Atenas um filósofo em
luta contra a decadência, o pensamento de Platão de Atenas, e um resumo do Livro VII e
o próprio livro e julgamentos de vários autores sobre o livro.
A. Prefácio
Este prefácio introduz em geral o livro VII de A República onde descreve a alegoria
da caverna como passagem do ser verdadeiro ao inteligível, não mais ao sensível. O
inteligível é o que Platão denomina de Idéia.
B. Pensamento de Platão
Os temas deste capítulo da República podem ser definidos da seguinte forma: o
filósofo e se lugar na cidade ou que opõe a sabedoria ou a ciência do filósofo quanto à
opinião: as ciências para a formação de um filósofo, a busca da ciência e o fim último
deste que é o alcance do bem; o papel do filósofo em relação à cidade e a relação dele
com a política.
68 A República é uma obra que todo político brasileiro deveria e seria obrigado a ler.
44
Ter uma opinião é emitir um juízo sobre qualquer tema. A filosofia deve procurar
saber a que diz suprimir as imprecisões da linguagem e em romper a superficialidade das
palavras para ir ao sentido exato e profundo e essencial; é necessário que a filosofia
adote um sistema ou, método que é a dialética.
A dialética platônica era definida por ele como o processo ou a arte de interrogar e
responder onde se poderia alcançar a ciência da justiça, da virtude, da piedade, da beleza
não se contentando com apenas o emitir juízos. Para ele as idéias ou essências
percebidas (aprendidas) somente pela inteligência (razão) não sendo necessário e
importante o recurso à experiência sensível ou os sentidos como para outras escolas
deviam surgir os conhecimentos.
Este distingue o mundo sensível do inteligível, com a dimensão cosmológica para
explicar a gênese das coisas e do mundo. Para ele, as idéias são as causas de tudo que
existem no mundo visível, como os seres reais são as causas de suas sombras e de seus
reflexos, as idéias são as coisas dos seus existentes; ainda o corpo é um entrave para
chegar à perfeição e penetrar no mundo do ser e das idéias eternas.
2.3.4 A Republica
O Livro VII da “A República” fala em várias etapas do filósofo procurando a
sabedoria como a ciência do Bem, o qual se tornará apto para governar a cidade ideal.
Descreve todos estes aspectos de modo alegórico.
A alegoria da Caverna – onde Sócrates convoca um de seus interlocutores a
imaginar esta alegoria onde prisioneiros de uma caverna amarrados no fundo dela com
todas as partes do corpo imobilizadas somente podem ver nas paredes suas sombras e
apenas escutar a voz que ecoa na caverna, dentro dela tem um fogo onde através da luz
do sol ilumina o ambiente projetando as sombras dos prisioneiros na parede. Um deles se
liberta e pode olhar para trás e ver outros objetos, ele só se via sombras e fica ofuscado
pela luz solar todos os que se aproxima dela, ele vai para fora da caverna onde a luz do
dia brilha e começa a contemplar com dificuldade as figuras reais de plantas e animais.
Ficando maravilhado e não querendo mais regressar ao interior da caverna.
A. Sentido da Alegoria
O mundo da caverna representa o mundo dos sentidos, o mundo com a luz do dia
representa o mundo inteligível. A caverna iluminada pelo fogo, o dia pelo sol, o fogo
45
representa o sol visível que ilumina o mundo sensível, o sol da alegoria é o Bem que
ilumina o mundo inteligível. O nível inferior de sombras e reflexos; no mundo superior de
realidades verdadeiras. O mundo diurno é mais claro e real do que o mundo da caverna, o
mundo inteligível mais claro e real que o mundo sensível.
Ciências para formar o filósofo – A matemática é útil para livrar a alma do
indivíduo do mundo obscuro levando-o para a luz da verdade que é a educação do
filósofo. A matemática permite uma melhor percepção da realidade sensível e sua
utilidade reside em despertar e estimular a inteligência; aritmética permite enumerar os
seres unos; a geometria serve para conceber os seres eternos e imutáveis; a
astronomia não é apenas para contemplar melhor o céu visível e o sol, ela deve habilitar-
nos a ver além do céu e pôr fim a harmonia não é apenas para distinguir os sons, os
acordes harmoniosos e dissonantes, mas para permitir que possamos ir além da
harmonia captada pelos ouvidos.
A matemática e a dialética, a primeira serve para nos dar idéia do mundo
inteligível e serve como preludio à dialética, nesta a alma se eleva a uma visão de
conjuntos das ciências para ir além dos princípios e hipóteses, ir ao conhecimento do
Bem e sem o conhecimento deste não se chega a conhecer o que é uma cidade justa.
Como formar um filósofo – Primeiro ainda como Jovem deve estudar matemática
como se fosse jogo ou divertimento, e a ginástica, verificar se é apto para dialética. Na
meia idade aos 30 anos voltar à matemática e durante quinze anos voltar às ocupações
militares e esportivas e quando chegar aos cinquenta se elevar à ciência do Bem que
estará apto a governar a cidade sempre se alternando em ocupações políticas e a
contemplação filosófica, a prática com a teoria; partindo deste mundo a cidade os cultuará
como deuses.
2.3.5 O LIVRO VII69 DA REPÚBLICA
A. Alegoria da caverna: A alegoria.
Na fala de Sócrates ele mostra a alegoria da caverna começando a mostrar que a
educação de cada um é comprada ao quadro. A educação é tema principal de toda a
República e por suposto a reforma da cidade pressupõe a reforma da educação. A
educação está ligada em livrar a alma da prisão que é o corpo que se opõe a toda a
69 O Livro VII é a parte mais importante desta obra e de ser lida por todos.
46
inteligibilidade e o bem. Ele manda que se imagine uma caverna com entrada larga onde
a luz pode penetrar, dentro dela estão os homens prisioneiros desde pequenos onde
permanece imóvel onde apenas olham para frente, existe fogo e podem ver suas
sombras, não viram objetos reais apenas suas imagens sombreadas. Este ser prisioneiro
na caverna é relativo a alma que se opõe ao corpo sua prisão. Imagine se fossem agora
soltos, teriam seus olhos ofuscados pela luz exterior, luz do dia do Sol.
47
ARISTÓTELES DE ESTAGIRA
48
REFERÊNCIAS
BRUN, Jean. Aristote et le lycee, PUF, Paris 1961
ALLAN, David J. A filosofia de Aristóteles, Editorial Presença, Lisboa, 1983.
ROBIN, Leon. Aristote. P U F, Paris, 1944.
MOREAU, Jean. Aristote et son ecole, P U F, Paris 1962.
CRESSON, André. Aristóteles, Edições 70, Lisboa, 1981.
49
CAPÍTULO III ARISTÓTELES DE ESTAGIRA70
2. 1 ARITÓTELES DE ESTAGIRA, VIDA E OBRA71
3.1.1 A VIDA DE ARISTÓTELES DE ESTAGIRA72
Aristóteles, um moço jovem, apenas com dezoito anos de idade chega à Atenas.
Atenas era o centro cultural e intelectual daquela época, por volta do ano 367 ou 366 a. C.
A verdade é que pessoas de todos os lugares e de todas as raças concorriam a Atenas
para vários objetivos, como: comércio, arte, guerras, e principalmente para estudar ou
continuar os estudos movidos pela ânsia e o desejo da Sofia. Atenas era o centro do
mundo da época e que esta cidade convocava a todos os sábios e todos os filósofos a
criarem as suas academias e onde deveriam ir à busca do saber. Nesta época, havia
vários sábios em várias áreas do saber, essencialmente, os conhecedores da natureza,
medicina, matemática e a astronomia. As grandes descobertas e também como os sábios
se tornavam famosos, chamavam a atenção daqueles que se iniciavam ou queriam
iniciar-se no saber.
Alguns tinham a arte e outros a retórica (a arte de falar), uns eram sábios que
dominavam várias áreas do saber. Mas o jovem Aristóteles de Estagira73 era um homem
franzino e de aparência não agradável. Conforme alguns estudiosos, este era por sinal,
um empecilho razoável para a comunicação com os que ele se relacionava. Pois ele era
um jovem macedônio, um estrangeiro em Atenas. Possuía um sotaque diferente e mal
pronunciava determinadas palavras por ser estrangeiro e Atenas. Todos ficavam
sabendo que ele era estrangeiro. Além do mais a sua fisionomia não era boa para um
mundo que cultuava: o belo, o corpo, o atletismo, sua beleza física era um problema muito
sério.
70 O grande filósofo, depois dele ninguém fez nada a não ser repeti-lo. Aristóteles a grande
enciclopédia da antiguidade.
71 Aqui nem temos espaço e tempo para falar da vida e da obra deste grande filósofo e cientista
antes de Cristo.
72 Ele foi e será o grande intelectual de todos os tempos.
73 Estagira é uma cidade na Macedônia, onde hoje é a Armênia e onde se falava um outro dialeto
grego.
50
Quando de sua chegada a Atenas, os locais de estudo já estavam fazendo
sucesso, principalmente duas escolas que disputavam os alunos e os sábios. Portanto, os
jovens que chegavam à cidade podiam escolher o melhor local de especialização e a área
de estudo como também a companhia dos vários sábios. Desta forma, as duas escolas
(academias) tinham os seus seguidores e as suas formas de pensar: uma era baseada no
pensamento dos sofistas, tendo à frente o sábio Isócrates, que ensinavam os seus
discípulos o método da Arete, da política ou o método da verdade política sempre
relacionada com as questões da polis, de seu governo e a sua administração.
A Grécia sempre foi e se tornou graças aos grandes filósofos uma defensora da
democracia e foi graças ao opositor de Isócrates, Platão de Atenas, que a democracia
pode até ser considerada uma filosofia e a ciência política na época. Platão mesmo em
seus ensinamentos fundamentais mostrava que a base de toda ação política devia ser
fundamentada na ciência matemática, ou seja, devia ser trabalhada como uma ciência
dos números.
Podemos dizer que a cidade de Atenas é a mãe e a genitora da democracia, onde
os oradores tinham uma influência primordial sobre a democracia ateniense. Como
também a arte de persuadir politicamente determinando as eleições dos políticos como os
representantes do povo. Aristóteles de Estagira tem a escolha para seguir: ou a Isócrates
e o sofismo com a Arete política, ou a Platão e a democracia com uma atuação direta
deste com as suas intervenções nos governos. Ele tomou a decisão de seguir a Platão e
ingressa em sua academia para estudar. Esta academia era muito exigente quanto à
seleção e o ingresso dos discípulos na mesma, não entrava qualquer um, sem que
tivesse um grande conhecimento de geometria e matemática.
Na época do ingresso de Aristóteles, o estagirita, na academia, Platão de Atenas
não se encontrava por lá e nem estava em Atenas, mas em Siracusa, local onde havia
morrido Dionísio I e que Platão de Atenas fora chamado por seu amigo Dion. Nesta
época o grande pensador e sábio de maior influência depois de Platão de Atenas era um
geômetra e astrônomo e pensador ético como os estoicos74, sempre baseado na
capacidade do prazer como ápice da vida humana: Eudoxo de Cnido75. Mais tarde, Platão
de Atenas regressa desta experiência política frustrada de tentar ensinar a democracia
74 Eram filósofos que ficavam na Stoa que em grego significa Portão da cidade. Estes filósofos
filosofavam na porta da cidade.
75 Filosofo deste período de grande importância para a compreensão da filosofia hedonista.
51
aos governadores como ele mesmo pensava na possibilidade de ser o grande
representante do povo, o filósofo-rei.
Aristóteles, agora, é conhecido de Platão de Atenas, e se torna o seu discípulo e o
novo aluno desta famosa academia. Aristóteles de Estagira76 que era uma região Jônica e
sua família, como seus parentes e antepassados, todos estavam ligados à ciência e ao
poder. Seu pai era um médico – Nicômaco – e amigo, muito chegado do rei Amintas II, pai
de Filipe que o pai de Alexandre o Grande. Conforme alguns historiadores, Aristóteles
nasceu em Estagira no ano 384 a. C., a cidade estava situada na Calcídia, num território
pertencente a então Macedônia, região grega que estava distante de Atenas. Era um
filósofo de língua grega, com dialeto e sotaque jônico77 um pouco diferente dos
atenienses, com costumes, cultura grega, politicamente atuante em sua terra natal.
Aristóteles começa a estudar demonstrando o que os seus pais lhe ensinaram nas
ciências médicas e o essencial de biologia classificatória que será uma das preocupações
de seu pensamento, a matemática, a biologia e a investigação da natureza, fazia parte de
sua obra. Ele herdou as categorias de pensamento platônico, dando um novo colorido na
política e se torna um cientista político, um estudioso de questões políticas, mas que não
se envolvia muito com ela. Tinha muitos amigos na academia. Quando Platão de Atenas
morre, em 347 a. C. ele parte para Assos, na Ásia Menor, onde um seu amigo de estudos
e da academia havia se tornado governador e pelo fato do sobrinho de Platão ser
escolhido o sucessor na academia e não ele o mais inteligente (Aristóteles).
Em sua chegada à cidade: o governador Hermias e seu amigo foram assassinados
pelo povo sendo considerado ditador. Aristóteles faz um hino ao amigo e isto provocou
um mal estar na cidade e o filósofo teve que fugir às pressas, levando junto a sobrinha ou
filha do governador Pítias, que se tornou sua companheira e esposa, mais tarde, ela
morre e ele desposa Herpilis dando-lhe um filho de nome Nicomaco em homenagem a
seu pai e também o nome de um tratado filosófico (Ética a Nicômaco78) de ética.
Na Macedônia, o filósofo teve a incumbência de ser o Paidagogos de Alexandre,
filho de Filipe, que era o futuro governador e rei. Surge o domínio grego do mundo então
conhecidos. Em 338 a. C., Filipe, o Macedônio, derrota os gregos e em 336 a. C é
76 Cidade onde nasceu este grande mestre da antiguidade.
77 Grego em seu dialeto do norte da Grécia.
78 A obra deste filósofo ainda insuperável.
52
assassinado, e Alexandre, aluno de Aristóteles, sobe ao trono, que para desgosto de seu
mestre, não leva a sério os seus ensinamentos políticos e se torna um helênico sincrético
oriental, desgostando mais ainda Aristóteles. Ele depois destes acontecimentos funda a
academia particular que denominou de Liceu79, próximo ao templo de Apolo, que se torna
o grande rival da academia dirigida por Xenócrates80.
A escola aristotélica terá as suas características essenciais e também as suas
doutrinas e ensinamentos como: o ensinar andando ou discutindo filosoficamente os
assuntos enquanto passeavam, foram denominados por isto de peripatéticos81 (andar
em volta de). A academia estava preocupada com a geometria e a matemática, o Liceu82
era a escola das ciências biológicas e naturais. O grande discípulo de Aristóteles,
Alexandre, mandou buscar espécies raras e desconhecidas na Grécia da fauna e da flora
para serem estudadas e analisadas pelo filósofo do Liceu.
A pesquisa aristotélica se tornou as marcas registradas da escola que estudavam
as espécies animais e vegetais, ele foi o estudioso da natureza e cientista da natureza.
3.2 A OBRA DE ARISTÓTELES, O ESTAGIRITA83
A obra dele é bem fragmentada, começada e não terminada e, muitas partes
perdidas. Sua obra é dividida em duas partes essenciais: a obra dirigida ao público e povo
sendo menos intelectual e de fácil acesso; a obra dirigida a um público seleto e para a
pesquisa. A primeira parte pode ser dita como “escritos dialéticos” e menos
demonstrativos e a outra como escritos filosóficos e científicos destinados aos alunos do
Liceu. Estas obras foram as que melhor se conservaram, as obras exotéricas eram as que
deveriam ser publicadas, estavam em estilo platônico de diálogos e eram imitações do
discípulo ao mestre.
79 Liceu era a escola onde se estudava as ciências e praticavam-se os esportes da época.
80 Filosofo que assume a escola fundada por Platão.
81 Peri – em volta de, e pateo – andar. Eram filósofos que ensinavam e praticavam a filosofia
andando em círculos.
82 Local de estudos fundado por Aristóteles.
83 Obra vasta em que escreveu e fundou novas ciências que na atualidade se tornaram as grandes
ciências.
53
Poucos foram os seus escritos de fácil acesso, e o diálogo Eudemo se parece com
Fédon de seu mestre e o menos simples que Protréptico: uma fala da imortalidade da
alma e o outro tratava do elogio da vida em contemplação e o pensar filosófico. Após a
saída dele de Atenas, ele escreveu indo para Assos o diálogo sobre a filosofia semelhante
ao Timeu de Platão, que tratava das idéias ou dos números ideais. Este trabalho
aristotélico ainda se mostra na concepção cosmológica com a interpretação de
cromáticas, escritas para ouvintes que eram seus alunos e compostas de tratados como
corpus aristotelicum: refere-se a uma coletânea com uma distribuição sistemática:
- Os tratados de lógica: denominada de organum, para ele a lógica não faz parte
de uma ciência, mas é uma ciência, é um instrumento (organun) que se utilizam para a
sua construção. Neste organun estão:
- Categorias - Tratados sobre o discurso e a linguagem;
- Interpretação - Esboços de juízos e proposições;
- Analíticos - Duas partes sobre o raciocínio formal (silogismos) e a demonstração
científica;
- Tópicos - Tratado geral da argumentação aplicada às discussões práticas e no
campo científico;
- Argumentos sofísticos - completando os tópicos que tratam dos argumentos
capciosos. Sofisma84.
Depois destes tratados existem os tratados gerais sobre a natureza:
Física - Que são tratados do mundo físico (natureza, movimento, infinito, vazio,
lugar, tempo);
Sobre o céu – Sobre a geração e a corrupção – que são estudos gerais da
astronomia (do mundo sublunar e sideral);
Meteorologia - Fenômenos atmosféricos;
Tratado da alma - é o início de um tratado maior sobre o mundo da vida, tratados
menores sobre: a sensação, memória e respiração; estes tratados são denominados de
Parva Naturalia85 e existe a obra da História dos animais.
84 Era a forma de um silogismo, mas com um sentido de enganar ou ludibriar o opositor.
85 No sentido do latim era a Pequena Natureza.
54
Destas obras surgem as obras específicas ou obras filosóficas que são tratados
complexos como: a metafísica, as teorias especulativas e a filosofia prática como: a Ética
e a Política. A Ética a Nicomaco e a Política com várias obras menores sobre: A
Retórica e Poética que é um pouco fragmentária e os apócrifos sobre o Mundo, os
Problemas, o Econômico, sobre Melisso, Xenófanes e Górgias.
3.3 A FILOSOFIA DE ARISTÓTELES O ESTAGIRITA86
Alguns autores chamam Aristóteles de espírito Enciclopédico87, pois este
escreveu sobre todas as coisas na época. É um crítico dos filósofos anteriores, e a Platão
seu mestre.
3.3.1 A FÍSICA EM ARISTÓTELES88
A física para ele era ciência ou tópico (parte) de uma ciência que tinha por objetivo
não as abstrações do triângulo, mas as substâncias reais do ar, da água, madeira e as
pedras89, sempre estão ligadas ao movimento, à oposição. Ele separa a física da
matemática como ciência próxima, pois esta não se preocupa com a mudança ou
transformação das coisas, nem com o seu desenvolvimento ou crescimento e sim com o
destacar e separar a forma da matéria e a física tem por objetivo estes dois aspectos,
para ele estas duas ciências são teóricas. O conceito geral de ciência física para ele
significa um estudo da natureza. Ela é uma ciência com um vasto domínio, abrangendo
não somente a teoria do mundo inanimado como o estudo dos seres vivos em todos os
aspectos. Para ele o objeto da física é substância real e as análises do tempo, espaço e
infinito que podem ser divididos conforme a matéria:
a) a mudança e seu respectivo sujeito;
b) A causalidade;
c) finalidade e mecanismo.
86 Uma filosofia enciclopédica onde o autor criou várias ciências como a: biologia, antropologia,
zoologia, logica, linguística, e muitas outras.
87 Enciclopédia é a denominação dada a este filósofo.
88 Outra ciência criada por este cientista antes de Cristo.
89 Os quatro elementos da natureza.
55
A física pode ser entendida pelas concepções de movimento e potência, o
movimento é a mudança qualitativa e a potência está ligada à matéria e a forma.
3.3.2 A ASTRONOMIA90
Ele estuda as estrelas e os planetas em vários trabalhos seus: na física, céu,
geração e corrupção. Nestas obras ele dá um conceito numa teoria do movimento
espacial. Para ele existem quatro substâncias estudadas na física que compõem a
natureza: fogo, ar, e água, terra; os primeiros tendem para cima e os outros para baixo. A
terra é esférica e está no centro do cosmos em repouso (geocentrismo), o cosmo é
esférico. Ele concebe isto com a leveza e o peso dos corpos. Ele fala sobre as posições
das estrelas e dos astros. Sempre concebeu a região celestial como morada dos deuses,
também fala do éter distinto do Ar e do Fogo. Já que não soube explicar muito bem; ele
fala das esferas planetárias e dos movimentos dos planetas, para ele e outros filósofos
concebiam os planetas que estavam em movimento enquanto eram fixos, sendo que os
planetas mantêm uma posição relativa.
Ptolomeu vai segui-lo como base de seus estudos ao sistema astronômico. A
astronomia faz parte de um estudo maior que ele analisa na cosmologia. Ela é um estudo
geral de todos os astros em seu conjunto e totalidade; ela (astronomia) seria um estudo
mais detalhado dos astros, começando com a terra, as Estrelas e outros planetas. Para
ele a Lua está no primeiro céu, onde se encontram as estrelas fixas; entre os astros
existem os gazes que para ele era o éter.
3.3.3 A METAFÍSICA E ANTROPOLOGIA91
Ele começa a conceituar o homem iniciando por analisar sua psique92 que se
encontra tanto nos animais racionais como nos irracionais e nos vegetais. Este termo tem
um âmbito maior do que zoe93 e para o filósofo tem a vida um ciclo: nascer, se alimentar,
crescer e declinar.
90 Aristóteles vai dar um novo sentido à astronomia diferente da então conhecida neste período.
91 A metafísica e a antropologia são as ciências fundadas por este filósofo.
92 Literalmente alma em grego. Respiração da vida, fantasma, princípio vital, alma. Estes
significados são importantes na filosofia grega.
93 Vem de Zoo que tem o sentido de vida.
56
Os filósofos faziam apenas uma diferenciação: os animais e vegetais, eles
possuíam psique, para ele o homem tinha psique e nous94 que é uma separação dos
animais racionais e os irracionais. O nous para ele é o intelecto ou a razão e mais do que
isso é o poder intelectual. Depois ele escreverá o tratado de Anima o qual será um
tratado sobre o corpo e a alma, que são de uma substância única como forma e matéria.
Para ele o nous é mais do que intelecto e razão, eles são o poder intelectual juntos; é a
somatória de todas as faculdades cognitivas ou ativas, entendimento ou intelecto, oposto
à percepção sensorial; são ainda outras operações intelectuais: deliberação e dedução e
suas somas com a intuição95.
Todos os seres vivos são compostos de corpo e alma, sendo o corpo a matéria e
alma como a forma. Além destas concepções metafísicas e antropológicas, ele traça o
perfil psicológico não chegando a chamar de psicologia, pois ele considera somente três
as ciências: a Física, a matemática e a filosofia primeira ou teologia. Na psicologia estuda
os sonhos, os desejos, o prazer, a percepção, as sensações, percepção sensorial como
formas de conhecimentos inseridos e somados aos outros homens. Para ele a força
motivadora a que estão sujeitos todos os animais é o desejo que tem três formas: anelo,
ira e prazer. O importante de todas estas análises referentes às faculdades para ele está
ligado ao conhecimento e formas de se chegar até ele.
A respeito dos homens e dos animais, ele fala da fisiologia e zoologia e por isso
escreveu dois tratados De Partibus Animalum e De Generationem Animalum. Nestes
trabalhos ele analisa e classifica todos os seres vivos segundo a maior ou menor
complexidade, colocando o homem acima, numa escala superior vindo depois os animais
vertebrados e invertebrados. Para ele estas análises têm um objetivo principalmente que
a Biologia e a teleologia96 como descobrirem a causa final, pois é sua teoria da
causalidade.
94 Do grego com sentido de mente.
95 Intuição tem o sentido abrangente de uma forma de conhecimento. O princípio do conhecimento.
O eureka do grego.
96 O estudo do fim das coisas.
57
3.3.4 O CONHECIMENTO97
Para ele a filosofia é a Sofia, e o conhecimento equivale aos princípios gerais e de
causas absolutamente primárias. Ele concebe a Sofia no sentido para designar a
qualidade receptiva e distintiva de uma grande razão ou intelecto especulativo. A Ciência
e as Artes surgem da experiência. Os autores anteriores foram levados a explicar o
mundo como matéria, forma, causas e fins. Aristóteles englobava tudo isto na física. Para
se comprovar estes fatos ele utilizou a metafísica que passou a ser a explicação da
contemplação do ser enquanto ser e que o estudo deste ser será chamado de
Ontologia98. Esta não se confunde com a Metafísica99, pois ela é o estudo do ser na
medida em que estes se movimentam e a forma substancial desse ser.
Para Aristóteles existem três formas de conhecimento teórico: físico, matemático e
a teologia ou filosofia primeira. Sendo esta última mais sublime e superior às outras, pois
é o conhecimento superior ao conhecimento prático e às artes. A supremacia da Teologia
confere-lhe a universalidade diante das outras ciências. A função dela é a de estudar o
Ser enquanto ser que em outros termos para não cair em outras ciências seria o estudo
do Ser em sua Totalidade. Mas ele deixou muito inacabado e esta definição também, o
campo e o objeto do ser em suas respectivas ciências também.
A metafísica seria então um ramo do conhecimento e dessa forma ele tratou de
vários aspectos: da unidade e seus derivados e o princípio da não contradição. No
primeiro está implícito o conceito: do ser e de unidade, o Ser Uno e os diferentes seres. A
questão final do princípio da contradição ele se preocupa com a totalidade do ser como
que “uma mesma coisa (o Ser) não pode pertencer e não pertencer ao mesmo sujeito ao
mesmo tempo e sob o mesmo aspecto”.
97 Gnose no sentido grego.
98 Estudo do ser.
99 Estudo das coisas abstratas, além da física.
58
3.3.5 A ONTOLOGIA: O SER
Para ele termo pode ser o ser: substancial e o essencial, onde ele analisa as
questões das substâncias e essências. A substância tem seu papel de forma primária ou
central do ser que são forma e matéria, naturais ou artificiais. No homem a matéria seria o
corpo e a forma a alma, a união destas duas matérias dá o estudo da metafísica e da
física. As essências são diferentes partes que compõem a matéria e a forma em
movimento ou dinamismo. A essência ativa que unifica a matéria.
O início e a formação das substâncias são o movimento, potência que tem a
matéria e a forma. Tudo isto a respeito de um ser material formal, mas existe o ser
imaterial. Para ele o ser imaterial é o motor imóvel, motor separado e eterno, o Ser
potencial. Esta substância é identificada por ele como sendo Deus, que pode ser vários
motores múltiplos e apenas um cosmo. Este ser é a inteligência da Inteligência.
3.3.6 A LÓGICA100
Na classificação das ciências, ele, não menciona a lógica como um ramo das
ciências teóricas, mas ele deixou alguns tratados e estudos lógicos feitos pelos filósofos.
Para ele a lógica não é propriamente uma ciência prática, para se aprender a raciocinar
melhor e com eficiência para vencer os adversários nos debates. Os filósofos entendiam a
lógica como uma parte da filosofia que era dividida em: lógica, física, metafisica e ética.
Para Aristóteles ela fazia parte do organum.
O conhecimento estava relacionado com a primeira forma de obter as verdades, e
na lógica era indução que fazia este papel, e para ele a indução não lhe interessava e sim
a dedução. O essencial do conhecimento era o raciocínio demonstrativo ou a dedução
que ele denominou de dialética que era feito através do diálogo.
Ele infunde na lógica a questão gramatical que depois se chama de silogismo101
com o sujeito-predicado, premissa maior e menor, a relação substância-atributo, termo
médio, termo menor e termo maior, termo de ligação, premissas universais ou
particulares. A conclusão que ele tira é que as ciências têm de começar por certas
premissas e são estas que produzem conhecimento. Ele chama de techne102 ao que
comumente denominamos de ciência.
100 O raciocínio correto. Pensar direito.
101 O raciocínio em forma de logica.
102 A arte de pensar e de construir a ciência.
59
3.3.7 A TEORIA DO CONHECIMENTO103
O conhecimento para ele não é um conjunto ou produto de um conjunto do
intelecto, mas dos sentidos, nem que trabalham juntos. Porém volta à questão da forma,
da substância e da essência e que o objeto do conhecimento é o universal. Esta é uma
das ciências criada pelo filósofo de Estagira.
3.3.8 A ÉTICA104
A Ética está ligada à Política porque uma auxilia a outra no sentido da promoção e
manutenção da felicidade humana. Aristóteles na sua Ética a Nicomaco fala das nações
do justo e do bem. Fala dos juízos morais como referência da felicidade ou do bem estar.
Ele distingue então duas virtudes do intelecto: a sabedoria teórica (Sofia) e prática
(phronesis)105 e esta se refere à virtude moral; as duas virtudes levam o homem à
felicidade completa.
Menciona ainda o prazer (hedone) e a felicidade, o primeiro é um sinal externo e
acompanhamento da atividade bem sucedida quer dos sentidos quer dos intelectos ou do
espírito. A prática de ações justas e corajosas que nos tornam também justos e corajosos.
Entre o justo e o corajoso ele considera o meio termo que é a bravura tendo no polo
negativo a covardia. Coincide com Platão sobre a questão da liberdade de escolha, pois o
homem é livre e só o homem livre é o homem virtuoso.
3.3.9 A POLÍTICA E A RETÓRICA106
Aristóteles era um político prático teórico. Ele concebia o Estado que é mais natural
que a família e que a polis deve ser uma extensão da mesma composta do lar, da justiça
e da lei. Fala do Estado ideal e analisa e critica as outras formas de governos: a
monarquia, a aristocracia e a política (uma espécie de democracia limitada). Como
também ele analisa a tirania, a oligarquia e a democracia. Nestas seis formas de governo
ele mostra que, cada uma tem a sua forma de justiça. Ele descreve a cidade do estado
ideal, onde concebe a política ideal e o melhor estado ideal beirando às utopias107.
103 Gnosiologia em grego.
104 Ethos ou moral, de casa como o nosso mundo. Como se comportar em sociedade e na política.
105 A forma de conhecimento, sabedoria prática e de prudência.
106 Duas formas de conhecimento. A Política era uma preocupação já para os gregos. E a retorica
outra preocupação de como falar e pensar em Aristóteles.
107 Era uma forma de pensar algo irrealizável.
60
Na retórica trata de uma arte e o papel que se desenvolverá na educação. A
retórica está ligada à questão do falar bem em público ou de despertar a emoção por
meio da representação ou demonstração à disposição do orador de organizar a provas
para produzir a convicção. Existem três tipos de discurso para ele:
a) o discurso consultivo proferido perante uma assembleia ou conselho;
b) discurso forense;
c) discurso demonstrativo.
Sempre há neles uma tese a ser demonstrada ou refutada como auxílio das
provas.
3.3.10 A POÉTICA E A CRÍTICA LITERÁRIA108
O homem tem a arte de representação no gênero de imitação, com diferença dos
animais, estes falam com melodia e ritmo. Aristóteles traça a história da tragédia e da
comédia; a tragédia é uma representação realizada por atores e não por um narrador; a
comédia não era muito diferente da anterior, a primeira no sentido do trágico e a outra no
humor. Ele estuda ainda o drama, o enredo, os personagens, o pensamento ou idéias, o
estilo tudo como parte da tragédia. O mais importante é o enredo, sendo o drama ou o
poema épico uma representação da ação e não das pessoas. Na poética ele analisa a
épica e os poemas épicos; poeta é um gênio em Aristóteles, é um possesso das musas,
tal como o profeta é um possesso dos deuses. O poeta assume nele ao ter o único
objetivo que é o de proporcionar o prazer mediante a arte da representação.
3.4 RESUMOS
3.4.1 ESCOLAS ARISTOTÉLICA109
Fundador: Aristóteles de Estagira 384-322 a. C.110
108Outras duas ciências fundadas por Aristóteles. A Poética e a literatura. Como genro de imitação e
descrição.
109 O grande filósofo Aristóteles criou uma escola onde seus seguidores pensarão ainda na Idade
Média as suas ideias.
110 Cidade onde nasceu Aristóteles era Estagira ao norte da Grécia hoje a Macedônia.
61
Aristóteles através de seus ensinos fundou uma Academia que se chamou de
Liceu e através de seus ensinos e pensamentos deixou uma escola denominada de
Escola Aristotélica. O seu ensino se baseava numa visão filosófica que pretende abranger
e captar a realidade do mundo unitário, contra o dualismo platônico, contra a
imutabilidade e imortalidade das coisas. Ele tenta restabelecer as causas finais daquilo
que é imutável para o transcendente111.
Ele formula a questão da matéria e da forma para explicar as coisas e realidades
corpóreas; do agente e da finalidade para explicar a origem das coisas e o dinamismo das
mesmas. Para explicar tudo isto ele parte da cosmologia ou da composição hilemórfica112
de todas as coisas que são constituídas de forma e de matéria e que estas se relacionam
através do ato e da potência; da teleologia que é o dinamismo das coisas e seu devir de
tudo; da antropologia negando em Platão que afirmava somente a alma no homem, mas
que para ele é a união substancial da alma e do corpo uma sendo a forma e a outra a
matéria.
A teoria do Conhecimento de que o conhecimento intelectivo se fundamenta no
conhecimento sensitivo, e as idéias são extraditadas das sensações através da
abstração; metafísica que para ele era o estudo mais sublime e edificante onde o ser é
estudado; da ética – onde a felicidade e a realização do homem não estão apenas na
contemplação de idéias, mas na contemplação dos sentidos de todas as coisas; religião
– onde existe um ser supremo que é o motor imóvel. Seguidores e divulgadores de suas
idéias – a escola Aristotélica também é chamada de escola peripatética. Na Idade Média
tiveram os grandes seguidores e divulgadores de seus pensamentos como também os
árabes: Avicena e Averrois, os judeus com Maimônides, os cristãos Alberto Magno,
Tomas de Aquino, Roger Bacon, Duns Scoto, Guilherme de Ocam, no renascimento
Telésio e Pompanasi e na Idade Moderna com John Locke.
111 Aquele que está acima de todas as coisas.
112 O que não tem forma.
62
3.5 TEXTOS ARISTOTÉLICOS113
3.5.1 ARISTÓTELES – METAFÍSICA - Livro I 1-4, Abril Cultural Coleção os
pensadores, S.P. 1979114.
No início do livro I fala que todos têm um desejo de conhecer e que o conhecer
está ligado ao prazer das sensações, mas para ele a razão está acima de todos os
sentidos que faz com que se conheçam melhor as coisas. Mostra que os animais
possuem sentidos e não memória (razão) enquanto que os homens possuem a arte, o
raciocínio, e é da memória que deriva aos homens a experiência; pois são das
recordações repetidas que se produz à experiência e a experiência se parece com a
ciência e a arte, e a experiência é conhecimento simples e a arte das coisas universais.
Há mais conhecimento e saber na arte que na experiência e a filosofia é o saber
por excelência, o conhecimento das causas. Este capítulo tende mostrar que o desejo de
saber é natural tendo vários graus de conhecimento: sensação, memória, experiência,
arte, ciência e filosofia.
O livro I, 2, fala da ciência em si, e como a filosofia é a ciência. Fala e mostra que o
filósofo conhece todas as coisas, embora não tenha a ciência de tudo. Distingue as
ciências que tem princípios, simples e abstratos, para os princípios complexos, ou seja,
menos abstratos.
O livro I, 3 mostra os vários significados da palavra causa: material, eficiente,
formal e final. Para Tales a causa primeira de todas as coisas é a água ou as coisas
úmidas; para Anaxímenes e Diógenes a causa primeira é provocada pelo ar que é
primeiro que a água; para Heráclito e outros o fogo é a causa primeira de tudo; para
Empédocles são os quatro acrescentados a terra ao ar, água e ao fogo. Há geração das
coisas através das causas primeiras, há também a corrupção das mesmas e uma gera a
outra e vice-versa. Tudo isto é o movimento para Aristóteles que é a causa de tudo.
O livro I, 4 trata das concepções físicas dos filósofos pré-socráticos, especialmente
de Empédocles e os atomistas como ponto de vista das teorias das causas, a matéria é o
princípio do movimento. Empédocles mostra em oposição aos seus antecessores e
introduziu esta divisão na causa em questão, admitindo não um único princípio do
movimento, mas dois diferentes e contrários: o fogo e a terra, o ar e a água.
113 Estes são os textos escolhidos para serem lidos em sala de aula.
114 A Metafísica de Aristóteles é apenas um resumo da mesma.
63
RENÊ DESCARTES
64
REFERÊNCIAS
BEYSSADE, M. Descartes, Edições 70, Lisboa, s/d.
ALQUIE, Ferdinand. A Filosofia de Descartes, Ed presença Lisboa, 1983.
MESNARD, Pierre – Descartes, Editions Seghers, Paris 1966(o texto está em
francês).
KOYRE, Alexandre. Considerações sobre Descartes. Editora Presença Lisboa,
1981.
LEWIS, G. W. Descartes e o Racionalismo – Editora Res, Porto, 1979.
65
CAPITULO IV RENÊ DESCARTES115
4.1VIDA E OBRA DE RENÊ DESCARTES116
Renê Descartes nasceu em trinta e um de março de mil quinhentos e noventa e
seis (1596), em Haye-Chatellerant117, na França Medieval, de uma família burguesa,
abastada e subindo de classe social para a nobreza, estudou no Colégio Real de La
Fleche118, dos jesuítas, tendo uma formação escolástica, fez o curso de direito. A sua
família era católica e presencia horrores das lutas da Reforma e da Contra Reforma, não
sofrendo estas influências religiosas e nem políticas. Ele foi influenciado pelo Iluminismo,
pelas grandes descobertas e pela astronomia de Galileu, como ele mesmo diz no
Discurso do Método119.
Estudou como na Idade Média todas as disciplinas do humanismo: línguas, textos
antigos, história, eloquência, poesia, matemática, teologia e filosofia. Estas disciplinas vão
predominar no pensamento e na obra dele. Após fazer vários cursos ele fica desiludido,
começa a fazer viagens e a escrever, foi para a Holanda e outros países do velho
continente, mas vai residir na Holanda até morrer. De uma viagem a outra, de residência
a outra, escreveu vários tratados versando sobre muitos assuntos: matemática, física,
geometria, filosofia e astronomia. Só se escrevia em Latim a língua oficial dos intelectuais
da Idade Média, mas ele quebra esta hegemonia escrevendo em Francês, foi também um
escritor da corte.
4.2PENSAMENTO DE RENÊ DESCARTES120
Ele escreveu sobre vários assuntos como: matemática, física, medicina, metafísica
e moral e ele é somente um filósofo, imaginem se fosse um cientista. O que ele mais
115 Filosofo que foge de tudo e de todos, sai da França e vai para Holanda, ensina a rainha da
Suécia e morre de pneumonia.
116 Vasta obra escreveu Rene Descartes, ou Ranatus Cartesius.
117 Cidade no centro da França.
118 Colégio onde estudo Rene Descartes.
119 Obra fundamental deste autor.
120 Autor profícuo e de grande profundidade. Escreveu sobre vários assuntos.
66
gostava não era de filosofia e teologia jesuítica, e sim de verdadeira e a última será a
nova filosofia cartesiana (racionalismo).
E a matemática é a que o ajudará a descobrir as soluções para os problemas não
resolvidos desde as suas reflexões passadas. Ela será para ele a verdadeira ciência, ou a
única ciência como ele mesmo disse: pois esta enuncia verdades e dá prova disto, aplica
um método que traz a certeza de todas as proposições. Esta ciência ensina a ligação que
há entre a verdade e a aplicação de um método, este é o que permite descobrir verdades
e é o acionamento da razão, o bom senso; surge então: o Discurso do Método, que é
um resumo de regras para a direção do Espírito. Em uma de suas partes ensina que o
método serve para guiar o espírito no exercício das duas operações intelectuais
fundamentais: intuição e dedução; não é o ensino da intuição e dedução, mas o método é
o exercício natural destas operações ajudando a julgar bem, distinguir o verdadeiro do
falso e vice-versa, pode também ser chamado de bom senso ou razão.
A intuição121 é a apreensão imediata, por um ato simples da compreensão, duma
via absolutamente indubitável.
A dedução é o ato de concluir a partir de certas verdades tomadas como
princípios, outras que lhe estão necessariamente ligadas. Mas a apreensão desta
necessidade é também ato de intuição. A intuição leva da mesma forma, as relações
entre elementos, como a elementos, termos ou proposições, caracterizando-se pela
simplicidade do ato da compreensão que apreende como que dum só olhar, a totalidade
do que enuncia.
A dedução122 é um encadeamento contínuo de intuições e distingue-se da
intuição pela sucessão e o movimento do pensamento que implica. Mas a duração pode
ser reduzida, pelo exercício da compreensão que percorre, com um movimento cada vez
mais rápido, a cadeia das proposições e quando esta não é demasiada longa, reconduz a
uma intuição.
Somente as deduções múltiplas e complicadas, chamadas de induções123 ou
numerações, que deduzem a partir de proposições numerosas e dispersas, não podem
121 Método de conhecimento criado pelos filósofos. Uma forma em que o indivíduo intui
determinadas formas de conhecimento.
122 Método de conhecimento, método matemático.
123 Levar a uma forma de conhecimento.
67
reconduzir-se à intuição. Conhecer é sempre ver, com uma visão intelectual, e Rene
Descartes insiste no caráter intelectual da intuição, desconfiando da contribuição dos
sentidos e da imaginação, cuja ajudante admite em certos casos, para a solução de
problemas postos primeiramente sob sua forma puramente intelectual.
O método cartesiano tem por objetivo colocar em ordem e função os objetos a se
conhecer, dispondo-os em séries, segundo a forma, como se conhecem uns a partir de
outros, a fim de pôr em evidência as naturezas simples ou absolutas de que dependem os
outros conhecimentos. As questões complexas devem ser analisadas para que surjam
relações evidentes entre os elementos conhecidos e desconhecidos. O segredo
cartesiano está em que a análise oriente a atenção sempre para o mais simples e o mais
absoluto.
Na prática, funciona da forma seguinte: os três preceitos da evidência, da divisão
(ou da análise) e da composição, ou de dedução (ou síntese) como os recenseamentos
verificados a efetuar sobre qualquer operação do espírito, o essencial do método explicita
a idéia de ordem (Discurso do Método124 e as Regras para a Direção do Espírito125). A
ordem da matemática é visível na álgebra é um modelo ou método.
As regras do método, cujo sentido é o de facilitar o uso da razão, devem guiar-nos
sempre à procura da verdade. Portanto, ele distingue o domínio da matemática e o das
ciências físicas. A primeira onde às questões são perfeitamente compreendidas, porque
os dados são suficientes para nos dar e permitir determinar o desconhecido. A segunda
onde as questões são imperfeitamente compreendidas, por que não sabemos se os
dados remetidos pela experiência são suficientes. São precisas outras regras para guiar-
nos na solução destas questões.
A Metafísica126 é diferente da matemática, pois a ordem na primeira não pode
reduzir-se na segunda. A primeira também é ciência para Descartes, pois apresenta
ordem e ligação como na matemática, porém diferentemente. A matemática mais apta
faz uso da intuição e dedução: é mais perspicaz e sagaz. A sua prática é necessária à
formação do espírito, ela é uma verdadeira lógica. Ela ajudou a Rene Descartes no papel
e na natureza do método, aprofundando-se à procura dos princípios do conhecimento,
124 Livro de Descartes que trata da metodologia do conhecimento.
125 Obra importante para a compreensão da obra filosófica de Descartes.
126 Outra forma de conhecimento em Descartes.
68
conduzi-lo a uma reflexão metafísica. A passagem de uma para a outra pode ser a prática
do método e a questão do método.
A Matemática127 mostra a ele o papel e a natureza do método a seguir para
procurar a verdade nas ciências. As suas reflexões sobre o método, aprofundando-se à
procura dos princípios do desconhecimento que o conduzam a uma reflexão propriamente
metafísica. É passagem de uma para a outra explica o colocar em prática o método e o
colocar em questão o método.
A Metafísica128 cartesiana tem um lugar central na dúvida que se coloca a primeira
regra que é a procura da verdade implicada na rejeição de todo o conhecimento adquirido
antes do método. Para Rene Descartes, a metafísica – que aparece no Prefácio dos
Princípios129 – é a verdadeira filosofia e também a que dos fundamentos à física. Ela é o
conhecimento racional.
A Moral (Ética)130 é um dos ramos da árvore cujas raízes são a metafísica – a
verdadeira filosofia – que procura a verdade fora de qualquer desembaraço da
preocupação da aplicação prática, à procura da verdade não deve ser subordinada a
qualquer outra coisa. Desta forma, a Moral, sendo apresentada antes da Metafísica está
subordinada inteiramente a ela. Rene Descartes querendo fazer uma ciência correta
começa duvidando de tudo, a certeza não é imediata, o que é certo é o indubitável, é o
que resiste à dúvida. A dúvida, para ele é metódica, um meio de descobrir o certo. As
razões para duvidar por muito forte que sejam, revelam-se, com efeito, ligeiras diferenças
ao lado das razões para acreditar e da inclinação para acreditar.
Compreendo que devo duvidar de tudo, mas de fato, não consigo suspender
realmente o meu juízo, deixo-me levar a afirmar o que não é mais do que provável, mas
que é provável e que é natural ou razoável afirmar. O exercício da dúvida faz surgir uma
verdade indubitável: a existência do sujeito que duvida. O “penso, logo, existo”: dedução
ou intuição. Isto não importa, a dedução simples reconduz a uma indução. A reflexão
sobre a verdade permite enriquecer ou gerar outra: a verdade é indivisível, é sempre
possível recensear as verdades.
127 Conforme Descartes a matemática é a única ciência correta.
128 A metafisica é uma forma de se conhecer na filosofia cartesiana.
129 Obra escrita para explicar os conceitos dos princípios do conhecimento.
130 Descartes também escreveu sobre ética e que esta vai influenciar Espinoza em sua Ética.
69
O conhecimento da minha exist6encia precisa-se em conhecimento existência
como coisa pensante. A minha natureza começa a se revelar, sou uma coisa que pensa;
o pensamento deve ser reconhecido como uma propriedade ou um atributo do meu ser.
Uma coisa que pensa quer dizer, que dúvida, que concebe que afirma e nega, quer e não
quer, imagina e sente. Minha única certeza é o da minha existência como ser pensante,
uma reflexão sobre estes aspectos ele denominará de idéias; a teoria das idéias é a
preparação para aprova da existência de Deus.
Há a realidade objetiva da idéia, realidade sem dúvida imperfeita em relação à
realidade formal da coisa, tão indubitável quanto a realidade formal da idéia. Tenho idéia
de mim, a idéia de Deus, que não pode encontrar a sua causa em mim. Existe de fato tal
ser, que se chama Deus. Deus é assim provado como causa da idéia de infinito, que há
em mim. É o primeiro ser cuja existência reconhece, depois da minha. Rene Descartes
chama esta prova de causalidade. A prova da existência de Deus mostra-nos na idéia de
infinito, negando à presença espírito e o caráter positivo as condições dos pensamentos
finitos.
Rene Descartes dá a existência de Deus outra demonstração afirmando Deus, não
na causa da idéia de Deus, mas como a causa em mim mesmo, que tenho da idéia de
Deus. A primeira põe Deus como causa da idéia do infinito presente num ser finito, a outra
põe Deus como causa dum estranho efeito: um ser finito que pensa o infinito. Tal é a
minha natureza, da qual compreendo agora, que só Deus pode ser o autor. A outra prova
da existência é a priori, opondo-se à perspectiva tomista, ora segue ou precede, segundo
as exposições, as provas pelos efeitos. O a priori se relaciona ao que a idéia de Deus
pensa no sujeito independente mostrando que a existência pertence necessariamente à
natureza ou a essência do próprio Deus. Rene Descartes precisa o ser soberanamente
poderoso existe pela sua própria força.
A prova da existência de Deus e a certeza da verdade: Deus garante a verdade,
mas a procura da veracidade de Deus pode parecer um obstáculo à sua veracidade. Deus
não me engana, mas eu posso me enganar. O erro ou engano é um ato de liberdade, não
devo acusar Deus pelo engano meu, ele me criou livre, capaz da verdade, mas suscetível
ao erro, o erro reside não no ser de Deus, mas nos meus atos, o erro é então mau uso da
liberdade.
70
A noção de liberdade está referida à natureza de Deus e de meu espírito; o
verdadeiro saber ou conhecer é a matemática quanto à questão da liberdade, natureza de
Deus, prova de sua existência se relacionam aos símbolos matemáticos da extensão das
figuras e os números para se provar tudo. A prova da existência de Deus então não fica
presa à questão da sua existência e sim da sua essência. A minha compreensão me faz
conceber a possibilidade da existência das coisas materiais e das suas essências.
O primeiro passo está dado para a aquisição duma certeza respeitante duma
distinção real entre a alma e o corpo, muito importante também em si mesma, para a
questão da existência de Deus constitui a forte presunção a favor da imortal liberdade da
alma que Descartes nunca quiseram demonstrar. O corpo é a res extensa e a alma é uma
res pensante, um é distinto do outro.
As coisas materiais provam à existência dos corpos que dá a física um objeto
realmente existente, assim como as sensações são formas de conhecimento diferentes e
estão ligados à alma: como sentimento de fome, dor ou de sede mostra que a alma
diferente do corpo está ligada ao corpo e é um só.
Assim a essência das coisas materiais é conhecida pelo entendimento, que opõe
às percepções confusas dos sentidos e a nossa tendência para considerá-las como
representativas das coisas o conhecimento claro e distinto da extensão como essência da
matéria. A extensão é para a matéria o que o pensamento é para o espírito: o seu atributo
essencial. A física em Descartes contribui para penetrar o espírito desta distinção da alma
e do corpo que a manifesta demonstra, sem, no entanto persuadir.
Assim a questão da união do corpo e da alma é resolvida com o entendimento que
faz conhece-los: o entendimento conhece a alma e a imaginação faz conhecer o corpo e o
auxílio da vida e da experiência torna mais clara a compreensão da união, ou seja, a
união da alma com o corpo, a experiência da efetividade ou da passividade da alma
mostra o caráter estrito, real e substancial da união.
Surgem as diferenças entre o corpo e alma que ele denomina de paixões do corpo
e a alma. O corpo e a alma procuram as suas naturezas e as suas causas criando o
impasse e a luta entre si, para solucionar este problema o filósofo recorre para a Moral; a
busca para determinar o bem no homem. O bem no homem é a virtude, ou seja, é a
vontade do bem que o leva à virtude única e a raiz de todas as outras boas qualidades.
71
Entra aí o livre arbítrio, a liberdade que é a procura da luz do conhecimento do bem ou do
bom senso.
4.3RESUMO
4.3.1 Escola Racionalista: o fundador foi Renê Descartes 1596-1650131
Descartes através de seus ensinos e pensamentos filosóficos fundaram com seus
seguidores a escola racionalista. A filosofia pode ser denominada através da grande
contribuição do pensamento cartesiano de filosofia antes e depois de Descartes.
Anteriormente a filosofia se preocupava essencialmente com o ser, da realidade, das
últimas coisas e sobre Deus, com ele, ela se preocupou com o homem e a sua
capacidade de conhecer o seu mundo.
É com ele que se estabelece o valor do conhecimento humano e um método para
se chegar ao próprio conhecimento e a investigação em filosofia. Ele é o pai e o criador
do racionalismo, que gostava de matemática e geometria considerando o conhecimento
verdadeiro que não está nos sentidos, mas na alma. Ele propõe que o verdadeiro
conhecimento começa a colocar em dúvida todas as coisas, o conhecimento tem de ser
claro e distinto, e a clareza e distinção constituem as propriedades essenciais de todo
conhecimento verdadeiro.
O conhecimento ainda para ele é o racional e tem por objeto universal e o
necessário que é capaz de aprender a natureza verdadeira e imutável das coisas. A
metafísica pode ser possível conhecer a Deus, pois a sua existência e evidente e
comprovada pelo argumento ontológico, pode-se provar a imortalidade da alma. O
homem – ainda para ele atinge a felicidade perfeita quando o raciocínio vence os instintos
e as paixões, e ele se dedica à contemplação amorosa de Deus. O racionalismo
cartesiano foi seguido e exposto principalmente por Malebranche, Spinoza e Leibniz, os
iluministas e idealistas retornaram as suas idéias.
4.4TEXTOS CARTESIANOS
131 Ele escreveu uma obra interessante com o nome da Prova Matemática da Existência de Deus.
72
4.4.1 Rene Descartes: Meditações Metafísicas. Coleção Os pensadores – Abril
cultural – S.P. 1979132
As seis meditações: duvidar de todas as coisas, coisas materiais: espírito,
imortalidade da alma; prova da existência de Deus; coisas verdadeiras – razão do erro ou
da falsidade; natureza corpórea; distinção da ação do entendimento para a ação da
imaginação.
132 Obra que explica as meditações sobre determinadas dúvidas, existência de Deus, verdadeiro e
falso, as coisas materiais.
73
1 Há coisas que podem colocar em dúvida, mas deve haver uma metodologia para a
dúvida e a primeira dúvida é a dúvida hiperbólica. Para ele os sentidos por vezes e
enganosos, este é o argumento do erro do sentido que é o primeiro grau da dúvida; há
também o argumento do sonho sendo o segundo grau de duvida que se estende a todo
conhecimento sensível. Ele não duvida somente da existência de Deus que é a causa
primeira de tudo e não é causada por ninguém. Terminando, ele considera que quanto
mais dúvidas tiverem, mais certezas nós teremos e mais inabaláveis elas serão.
2 Natureza do espírito humano e que é mais fácil de conhecer que o corpo. As dúvidas
suscitadas anteriormente não podem mais esquecê-las, porém aumentá-las ou diminuí-
las. Esta meditação refere-se à questão do eu sou, eu existo. O sentir e o pensar; sentir e
pensar. Pensar é o momento em que penso, mas se não penso não deixo de existir
(imaginar, sentir e querer) estão ligados ao existir. Se existe o corpo existe a alma que
está no corpo que são concebidas pela faculdade de entender. Para ele o espírito é mais
fácil de conhecer que o corpo.
3 A existência de Deus, ele entende que pelo nome de Deus é uma substância infinita,
eterna, imutável, independente, onisciente, onipotente e pela qual eu próprio e todas as
coisas que são, foram criadas e produzidas (se é que elas existem). Mostra que ele existe
e de que a idade de um ser soberano perfeito, Deus é um em mim, a existência dele está
demonstrada em mim. Deus é colocado como causa de si, autor de meu ser e soberano
perfeito.
4 Do verdadeiro e do falso, do erro e da verdade. Para ele a idéia de Deus é algo que o
espírito humano pode conhecer com maior evidência e certeza; ele é mais conhecido do
que o meu eu pensante. Deus – para ele – doou a capacidade de discernir o verdadeiro
do falso; pois o erro não é uma pura negação, não é a simples carência ou falta de
alguma coisa perfeita que me não é devida, mas antes é uma privação de algum
conhecimento que parece que deveria possui. O homem – para ele- é dotado de livre
arbítrio, pois se descobre que os erros dependem de dois aspectos importantes: do poder
de conhecer que existe em mim e do poder de escolher ou o meu livre arbítrio, por isso
ele pode escolher entre o verdadeiro e o falso, entre o erro e a verdade. Mas acontece
que se descobre que muita coisa que era falsa é agora verdadeira e vice-versa; o erro
sem dúvida é a privação ou imperfeição em nós é produzido por Deus.
74
5 Essência das coisas materiais e que Deus existe. Diz que a separação entre essência
e existência só tem sentido no nível das idéias; penso que a essência do triângulo e a
existência do mesmo diferem enquanto são pensamentos. Depois de estabelecer que a
idéia de Deus corresponda a uma essência, estando eu atento a esta essência, percebo
nela a existência. A essência de Deus é a sua espiritualidade e sua existência é a sua
eternidade.
6 Existência das coisas materiais e a distinção entre corpo e a alma. A imaginação ajuda
através da experiência a reconhecer as coisas materiais, a existência das coisas materiais
é primeiramente reconhecida como possível, posto que as idéias claras e distintas que
tenho de suas essências envolvem a possibilidade de sua existência; o exame da
imaginação levará a reconhecer como provável a existência das coisas materiais. O
imaginar é diferente que o sentir, o primeiro é o lembrar-se para criar novas coisas ou as
mesmas figuras e sentir as imagens como são traçadas. O valor do sentimento é
especificado: ele vai mais longe do que a simples atestação da existência dos corpos.
75
EMANUEL KANT
76
REFERÊNCIAS
KANT, Emanuel. Textos selecionados. Ed Vozes, Petrópolis, Rio Janeiro, 1974.
GERSHEIM, E. (ED). Emanuel Kant, 1724/1974. Internaciones. Bonn, 1974.
LACROIX, Jean. Kant e o kantismo. Editora Res. Porto, 1979.
PASCAL, Georges. O pensamento de Kant, Editora Vozes, Petrópolis, RJ 1983.
DELEUZE, Gilles. A filosofia crítica de Kant, Edições 70, Lisboa, 1983.
DELEUZE, Gilles. Kant, Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1985, 2a Ed.
S. KORNER, Kant. Alianza Editorial, Madri, 1977.
GOLDMANN, Lucien. As origens da dialética, Paz e Terra, Rio de Janeiro. 1967.
VANCOURT, ROGER. Kant, Edições 70, Lisboa, 1984.
GRANCER, Gaston Gilles. A razão, Difel, São Paulo, 1969.
77
CAPITULO V EMANUEL KANT 133
5.1VIDA E OBRA DE KANT134
Emanuel Kant era filho de família pobre e não há acontecimento muito forte para se
registrar na sua vida. Foi para a universidade com muita dificuldade para se sustentar,
teve que trabalhar para continuar seus estudos e dava aulas particulares, quando
começou a ficar conhecido e famoso por seus escritos se habilita a um posto na
universidade. De família protestante teve uma grande influência de sua mãe piedosa e
teve forte sedução de seus mestres e fundadores do pietismo alemão, que vai marcá-lo
nos seus escritos e pensamento, principalmente na ruptura com o dogmatismo e moral.
Recebeu influência de Jean Jacques Rousseau135 sobre o cristianismo e a sua
filosofia sob a influência de Wolff136 e Leibniz137. Ele é seguidor do inglês David Hume138,
na física de Isaac Newton e os filósofos franceses o influenciou como Malebranche. Ele
tinha uma personalidade muito forte e um homem genioso. Gostava muito de passear e
levantar cedo, era muito sério e aplicado em seus trabalhos, muito sistemático.
5.2A FILOSOFIA DE EMANUEL KANT139
A filosofia de Emanuel Kant abrangia: a metafísica, conhecimento da natureza e da
liberdade, estética, ética, história, crítica do conhecimento, moral, a filosofia do homem,
do mundo e de Deus; transcendentalismo, razão, crítica da razão pura, crítica da razão
prática, crítica do juízo.
A sua principal preocupação desde o início de seu desenvolvimento filosófico foi de
salvar a metafísica tradicional que na época era definida e entendida como a disciplina
133 Filosofo alemão que discute a questão da razão e a sua importância na filosofia e no
conhecimento.
134 Sua obra é vasta e de uma grande profundidade.
135 Autor que vai inspirar Emanuel Kant em suas obras.
136 Autor alemão que mostra um caminho diferente para a filosofia kantiana.
137 Interlocutor de Emanuel Kant em seus escritos.
138 Filosofo inglês que vai influência na obra kantiana.
139 Uma filosofia difícil e importante.
78
que estabelece por meio da razão a existência de Deus, a liberdade e a imortalidade da
alma, pois ainda é um continuador de Descartes. Mas sua preocupação fundamental era
a Moral e o conhecimento em si: O que posso saber? O que devo fazer? O que me é
permitido fazer?
A metafísica segundo ele não foi nenhuma ciência rigorosa por causa do
dogmatismo existente na época e do ceticismo. Pois isso não se torna uma ciência como
a matemática, a física que produziram com o tempo enquanto ela se torna estéril pelas
lutas travadas. Mas ela sempre existiu e existirá. Esta passa a ser explicada e estudada
por Emanuel Kant através da crítica do conhecimento: ela é possível. Vai ser substituída e
superada na crítica da razão pura que será um tratado sobre a razão ou a crítica do
conhecimento. O método daí por diante a ser empregada na realidade é a reflexão, a
analise reflexiva.
Se algo existe é porque é possível – conclui Emanuel Kant, pois a matemática e a
física são estabelecidas em verdade necessárias e universais. Para ele – para se chegar
a estas verdades necessárias e universais tem como fonte a razão e não os dados da
experiência. Ele começa a se afastar dos empiristas donde havia recebido grande
influência de David Hume que o havia despertado do “sono dogmático”. Qual seria fonte
da razão? Emanuel Kant chega a enunciar que para se refletir sobre todos os problemas,
tem que se refletir sobre os juízos que são realmente verdades científicas.
Para ele existem vários tipos de juízos:
Juízo Analítico140 – É aquele que já se encontrava no sujeito explicitamente,
quando enuncia o exemplo: os corpos são res extensa141; porque os juízos estão
colocados sobre bases ou princípios de contradição, portanto, eles são necessários e
universais, desde que definidos no sujeito não se podem mais lhes negar os significados
que atribuídos são implícitos.
Juízos Sintéticos142 – Tem por particularidades o atributo de ajuntar ao sujeito
alguma coisa que nele não estava contido, mesmo implicitamente. Para Emanuel Kant
existem dois tipos de juízos sintéticos, o à posteriori e o à priori.
140 Kant cria estas formas de conhecimentos que ele denominou de juízos.
141 Literalmente a coisa extensa.
142 Os juízos sintéticos são juízos sobre o sujeito.
79
Juízos Sintéticos à Posteriori143 - Ele se justifica pela experiência a qual me
ensina que o atributo convém ao sujeito
Juízos Sintéticos à Priori144 – Acrescenta-se ao anterior em que o atributo
acrescenta algo ao sujeito, mas de uma maneira estritamente necessária e universal.
Se estes não são analíticos e sim reflexivos, não se baseiam unicamente no
princípio da experiência. Emanuel Kant se desliga de David Hume principalmente de seu
empirismo na questão do princípio da causalidade que é um fato tirado da experiência.
Que o conhecimento é absoluto, necessário e universal, provindo da razão e de suas
estruturas próprias como condição à priori, transcendentais do conhecimento e se afasta
da experiência (empirismo145 de David Hume).
a) A Sensibilidade (Estética Transcendental)146. Para Emanuel Kant há dois
blocos para o conhecimento que se alimentam de um só local: a sensibilidade e o
entendimento; os objetos nos são dados e depois são pensados.
O conhecimento sensível é a estética transcendental que parte dos elementos à
priori do qual surge o conhecimento sensível externo do qual apreendemos os objetos e
conhecimento sensível que capacita-nos a entender os nossos estados da alma.
b) Entendimento (Analítica Transcendental)147. A sensibilidade para ele não é
capaz de receber impressões, de ser afetada por elas, não basta. Para que isto aconteça
é preciso que o espírito pense o dado, o que de fato o faz por meio de conceitos. O poder
de produzir tais conceitos é denominado por Emanuel Kant de “verstand”, pois é
necessário o entendimento e a sensibilidade em cooperação para que haja conhecimento
humano.
A colaboração do entendimento com a sensibilidade produz os conceitos, estes
não deixam de serem empíricos ou matéria de juízos, para ele pensar e julgar. E ainda
existem categorias de pensamentos indispensáveis ao pensamento comum e científico e
que são conceitos fundamentais, puros, a priori do entendimento que não podem pensar
sem eles e sem os princípios que deles derivam: o princípio da causalidade.
143 Juízos a posteriori são juízos da experiência do sujeito depois do mesmo.
144 Juízos a priori são os que antecedem os atributos ao sujeito previamente.
145 Empirismo no grego tem o sentido de experiência.
146 Na estética transcendental a sensibilidade está relacionada com o entendimento.
147 O entendimento em Emanuel Kant foi influenciado por David Hume.
80
Tais conceitos, para serem empregados legitimamente, têm necessidade das
intuições sensíveis com as quais eles colaboram segundo um mecanismo, cujo segredo,
Emmanuel Kant se esforça por penetrar.
c) Razão (Dialética Transcendental)148. A natureza constitui um todo, e a
totalidade unificada dos fenômenos cuja interdependência da qual Emanuel Kant se
compraz em sublinhar, ela funda-se no entendimento sistemático de categorias comum a
todos os homens. Para que haja ciência e conhecimento verdadeiro em geral, é preciso,
não uma multiplicidade indeterminada, mas uma unidade definida, uma totalidade. A idéia
de totalidade não está ausente ao nível do entendimento; ela desempenha mesmo nele,
um papel importante. O entendimento encontra-se estruturado pelas categorias que ele
aplicava às intuições sensíveis; a razão, por seu turno, encerra em si, os princípios da
idéias e desse modo, entendem conceitos necessários, cujo objeto, entretanto não pode
ser dado em nenhuma experiência.
O papel da razão é prescrever ao entendimento uma espécie de limite matemático,
ou máxima, orientá-lo para um polo que é preciso, tem em mira, sem por jamais atingi-lo.
A razão arrasta-nos, assim, para a totalidade absoluta, para o incondicionado; se em cada
etapa do conhecimento, o espírito humano se esforça por unificar o diverso, ao nível da
razão, ele leva o trabalho de unificação o mais longe possível e esforça-se para
proporcionar o a priori e por meio de conceitos variados do entendimento.
Os raciocínios, do ponto de vista da lógica formal, dividem-se em categóricos,
hipotéticos e disjuntivos a que se corresponde a três incondicionados: as idéias da alma,
do mundo e de Deus. A estas idéias que, conforme Emanuel Kant designa pelo menos a
um objeto determinado que uma exigência racional de totalidade, nada corresponde que
seja dado na intuição sensível.
A idéia de alma (Paralogismos da razão pura) designa a totalidade dos
fenômenos internos, estes parecem envolvidos numa mudança perpétua e nós não temos
a experiência da identidade do eu através do tempo.
A idéia de mundo (Antinomia da razão pura) designa a totalidade absoluta das
coisas existentes. Está ao nível do entendimento, vamos chocar com questões
suscetíveis de respostas aparentemente contraditórias, e entre a tese e a antítese sempre
relacionada coma antinomia da liberdade.
148 A razão para ele são os fenômenos do conhecimento e do entendimento.
81
A idéia de deus (O ideal transcendental) que traduz no meu espírito a exigência
da síntese última, uma estrutura da razão evoca um ser originário, um ser supremo. Há
vários tipos de argumentos ou provas da existência de Deus, do ponto de vista
especulativo.
a) Argumento físico149 – teológico permite apenas concluir pela existência de um
ordenador, não pela de um criador do mundo, mas pela de um ser superior inteligente,
mas não necessariamente infinito e perfeito.
b) A prova cosmológica150 – que a partir de uma contingência do universo faz
remontar a um ser necessário e tem a vantagem de se basear na experiência do mundo
em que vivemos e, mesmo poder-se-ia dizer, do mundo em geral, porque se nós
pertencêssemos a um universo composto de um modo diverso do nosso, a realidade que
o comporiam não deixariam de ser também como formas contingentes.
c) Argumento da categoria151 – De causa e no princípio da causalidade – as
categorias têm necessidades dos esquemas e aplica-se apenas às realidades espaço-
temporais, o seu emprego para realidades transcendentais é legítimo. Este argumento
prova apenas a existência de um Ser necessário e não de um Deus absolutamente
perfeito.
c) Argumento ontológico152 – É indiscutível, supõe que tem o direito de passar do
plano lógico para o da realidade. Ao raciocínio como Renê Descartes, o ser perfeito tem
todas as perfeições, a existência é uma perfeição, logo o ser perfeito existe em virtude da
sua definição, encara-se a existência como uma realidade semelhante em todos os
aspectos às outras; a inteligência, a bondade e a beleza.
Emanuel Kant, por fim, mostra que se é impossível demonstrar a existência de
Deus. A sua inexistência o é também. Ele quis salvar a metafísica tradicional, tentando
recuperar essa metafísica no interesse da vida moral para um objetivo prático.
149 É a explicação de que existe um que ordena e cria todas as coisas.
150 A prova cosmológica é que existem e preexistem coisas criadas.
151 Existe um Ser que cria todas as coisas e este não precisa ser Deus propriamente dito.
152 Aqui existe ainda a dependência de Rene Descartes em Emanuel Kant.
82
5.3MORAL EM EMANUEL KANT153
Se ele procura salvar a metafísica tradicional no interesse da vida moral e isto se
interessa primordialmente, o pietismo154 alemão teve grande influência sobre ele e sobre a
conceituação moral, ensinando-lhe que o valor do homem consiste menos nos talentos e
nas riquezas que numa vontade submetida ao dever e espiritualmente regenerada. A
influência de Jean Jacques Rousseau foi sobre a dignidade do homem fundada na sua
moralidade.
5.3.1Estrutura da Moralidade155
Para entender a sua filosofia, é necessário compreender as estruturas essenciais
da vida moral. Em sua obra fundamental, ele mostra o juízo comum dos homens em
matéria de moral, o qual constitui uma base sólida como a experiência científica, porque a
verdade moral é acessível diretamente a cada homem. A análise da consci6encia moral
comum permite a ele clarificar a idéia do bem moral. Esta consci6encia não aprecia os
nossos atos pelos seus resultados que não dependem de nós, mas na intenção que
temos ao agir.
A intenção é movida pelo respeito do dever que pode ser no plano da legitimidade
que exige apenas que se atue de acordo com a lei, mas a moralidade é mais do que isto:
quer-se agir moralmente, o homem tem que se inspirar no respeito pelo dever. O respeito
é um sentimento, mas original que tem analogias com o temor e as inclinações. O dever
age como coação, mesmo que eu haja para a perfeição moral, existe em nós uma
tendência que serve para afastar-nos da lei.
A lei pode ser de uma forma ou de outra, uma imposição, norma, mandamento,
imperativo. O imperativo supõe uma vontade imperfeita, à qual é pedido que se decidisse
de acordo com regras, não segundo os impulsos da sensibilidade. Os imperativos podem
ser hipotéticos e categóricos. Os hipotéticos podem ser ainda, regras de habilidades e em
conselhos de prudência, que em comum o ordenar tal ação. O categórico é o que
prescreve a ação como muito necessária, sem referência às condições e sem se
subordinar a um outro fim.
153 O que há de diferencial em Emanuel Kant é a moral kantiana influenciada pelo pietismo alemão.
154 Corrente religiosa que era fundada na piedade.
155 A estrutura da Moral kantiana era descrita da seguinte maneira: o que posso? O que devo? E o
que me é permitido fazer?
83
A moralidade kantiana se nos apresenta assim como imperativos morais, onde não
se impõe atos que estão ligados à vontade e com a matéria do ato, mas à própria ação
que ela deve levar a cabo e vice-versa.
A primeira máxima de Emanuel Kant é aquela referente ao agir por um ato e que
este seja uma lei universal. Isto não se refere unicamente com a experiência, mas como u
próprio conteúdo e a analogia da natureza.
A segunda se refere ao agir como a ação devesse pela vontade ser uma lei
universal da natureza.
A terceira é referente ao agir tratando a humanidade em um só indivíduo, atua em
relação como de qualquer outro sempre com o mesmo fim e meio.
Emanuel Kant afirma assim, o valor absoluto da pessoa, que não se mede com o
uso que dele podemos fazer e que deriva da própria razão e que há uma lei que o
governa, não vem de cima, mas da vontade do homem, é um fim em si, e ele promulga as
leis. A vontade de todo ser racional deve ser entendida como lei universal. Para ele, essa
lei é da vontade racional como vontade legisladora universal. Ele estabelece o princípio
fundamental da moralidade: a autonomia e a heteronomia. A primeira se refere ao
princípio entre a pessoa e a lei moral como uma relação análoga igual ao que Jean
Jacques Rousseau colocava na ordem social; e a Segunda, é a obediência à lei e a
autonomia é o único princípio da vida moral. Se procurar a origem da lei no objeto que se
visa ou em Deus cai-se na heteronomia.
5.3.2 Moralidade e Felicidade
Ele não é epicurista nem eudemonista, já que toda moral tende a última. A
felicidade está ligada sempre a moral, ela é o fim supremo de um ser racional e sensível.
Mas ele distingue a moral da felicidade, a primeira se refere ao dever e este, algumas
vezes à felicidade. Para Emanuel Kant, o desejo da felicidade não pode ser frustrado se
preencherem as condições morais necessárias para alcançá-la e que o justo não pode ser
sempre infeliz. Felicidade e virtude estão juntas, a união das duas constitui o bem
soberano, o bem completo, da forma que o bem supremo é a virtude condição última que
se subordina à procura de felicidade.
Para os estoicos e epicuristas, a felicidade está na ênfase da procura de um
supremo bem, através da virtude e a sua prática para se chegar à perfeição, para
Emanuel Kant, a felicidade e a sua prática separada da moralidade cabe à virtude fazer
84
nascer a felicidade que depende de condições empíricas e as leis da natureza e que a
moralidade não exerce nenhuma pressão como nos estoicos e nos epicuristas.
5.3.3 Da Moral à Metafísica
A virtude não poderia produzir a felicidade e o soberano bem seria impossível se o
homem pertencesse apenas ao mundo empírico. A lei moral revela que sou suficiente de
dominar os instintos. O soberano bem consiste na união da virtude e da felicidade que
uma depende da outra. Para se chegar à suprema felicidade seria necessário que o
homem fosse santo, mas isto é impossível para ele, deverá o homem continuar a se
esforçar até a morte, à procura dessa moral até a imortalidade da alma. Desta forma, a
moral também não nos ensina como nos tronarmos felizes, mas como nos tornarmos
dignos da felicidade e da religião natural, mostrando Deus como legislador não muda a
estrutura desta felicidade. Assim, partindo da moral, chega-se à metafísica.
5.4 RESUMO
5.4.1 Escola Idealista. Fundador: Emanuel Kant, 1724 -1804.
Emanuel Kant, através de seus ensinos e pensamentos juntamente com seus
seguidores, deixou uma escola filosófica denominada de Escola Idealista. O importante
em seu pensamento é a função cognoscitiva para a forma essencial, em consonância
relativa a outras atividades. Para ele, o conhecer ou o conhecimento se baseia na
consciência, saber, razão, o Espírito Absoluto e o Eu puro; todo princípio cognoscitivo não
é representação e sim criação de objetos e pela atividade do Espírito Absoluto criam-se a
natureza, a história e a humanidade. Os seguidores do Kantismo ou do idealismo foram:
Fichte na ética, Schelling na estética, Friedrich Hegel na lógica e Benedetto Croce na
Itália como historiador.
5.5 TEXTOS KANTIANOS
Emanuel Kant. CRÍTICA DA RAZÃO PURA (Estética Transcendental e Analítica
Transcendental). Coleção os Pensadores, Abril Cultural, S.P. 1979.
5.5.1 Prefácio à 2ª Edição
Emanuel Kant inicia o prefácio mostrando que se “a elaboração dos conhecimentos
pertencentes ao domínio da razão segue ou não o caminho seguro de uma ciência, é
julgável logo à partir do resultado”, esta colocação tem um caráter metodológico, pois sua
85
obra começara a causar certo impacto. A partir desta afirmação, ele passa a mostrar as
ciências que auxiliaram sua obra, começando pela lógica; onde ela acha-se determinada
bem precisamente por ser uma ciência que expõe detalhadamente e prova rigorosamente
nada mais que as regras formais de todo o pensamento. Na medida em que deve haver
razão nas ciências, algo tem que ser referido de dois modos ao seu objeto: ou para
determinar este e seu conceito, ou para torná-lo real.
O primeiro é o conhecimento teórico e o segundo, o prático da razão. Matemática e
Física são os dois conhecimentos teóricos da razão que devem determinar os seus
objetos à priori. A matemática caminhou para ser uma ciência como também a lógica, a
ciência da natureza desenvolveu-se muito lentamente até chegar ao caminho de uma
ciência, a metafísica chega à uma ciência por um caminho seguro.
A Crítica da Razão tem um objetivo principal que é o de transformar o
procedimento tradicional da metafísica e promover através disso uma completa revolução
na mesma, segundo o exemplo dos geômetras e investigadores da natureza; é um tratado
do método e não um sistema da ciência mesma, a crítica se opõe ao dogmatismo não
deve por isso defender a causa da superficialidade verbosa.
5.5.2 Introdução
Ele mostra que há uma distinção entre o conhecimento puro e empírico: puro ou a
priori, empírico ou a posteriori. É claro que todo conhecimento começa pela experiência
(empírico) e pode ser chamado à posteriori. O conhecimento que vai além da experiência,
que requer e necessita de investigação mais pormenorizada e se torna independente da
experiência é o à priori.
Deve-se fazer uma distinção entre os dois descritos acima: a experiência nos
ensina que algo é constituído deste ou daquele modo, mas que não passa ser diferente, o
conhecimento puro vai, além disto, este ser diferente é o que a priori consegue mostrar; o
conhecimento à priori emite juízos que podem ser analíticos e sintéticos. O analítico ou
afirmativo é o que em conexão do predicado com o sujeito for pensado por identidade, o
sintético, porém, é aquele que essa conexão for pensada sem identidade; o primeiro pode
ser denominado de juízos de elucidação e o segundo, de juízos de ampliação.
A crítica da razão conduz por fim necessariamente à ciência; o uso dogmático da
razão sem crítica conduz a afirmações infundadas às quais se podem contrapor outras
igualmente aparentes ao ceticismo. A razão é a faculdade que fornece os princípios do
86
conhecimento à priori, por isso, ela é aquela que contém os princípios para conhecer algo
absolutamente à priori. Ele denomina de transcendental todo conhecimento que em geral
se ocupa não tanto com objetos, mas com o nosso modo de conhecer objetos na medida
em que este deve ser possível a priori. Um sistema de tais conceitos denominar-se-ia de
filosofia transcendental.
5.5.3 Ética Transcendental
A intuição é o modo como se refere imediatamente aos mesmos, e ao qual tende
como um meio, todo o pensamento, esta intuição só acontece na medida em que o objeto
nos for dado.
O efeito de um objeto sobre a capacidade de representação, na medida em que
somos afetados pelo mesmo, é a sensação. Aquela intuição que se refere ao objeto
mediante sensação denomina-se empírica. O objeto indeterminado de uma intuição
empírica denomina-se fenômeno. Ele denomina de estética transcendental, uma ciência
de todos os princípios de todos os princípios da sensibilidade à priori. Tem que haver uma
tal ciência que perfaça a primeira parte da doutrina transcendental dos elementos, em
oposição à que contém os princípios do pensamento puro e denominado de lógica
transcendental.
5.5.3.1 O espaço na estética transcendental
O espaço não é um conceito empírico absurdo de experiências externas; pois a
representação de espaço tem já que estar subjacentes para certas sensações se
referirem a algo fora de mim. O espaço é uma representação à priori necessário que
subjaz a todas as intuições externas; o espaço não é um conceito discursivo ou, como se
diz, um conceito universal de relações das coisas em geral, mas sim uma intuição pura.
Ele é essencialmente uno, e o múltiplo nele, por conseguinte, também o conceito
universal de espaços em geral, repousa apenas sobre limitações. O espaço é
representado como uma magnitude infinita dada. A representação originária do espaço é,
uma intuição à priori e não um conceito.
5.5.3.2 O tempo na Estética transcendental
O tempo não é um conceito empírico abstraído de qualquer experiência; ele é uma
representação necessária subjacente a todas as intuições; ele é dado à priori e só nele
toda a realidade dos fenômenos. O tempo não é um conceito discursivo ou um conceito
universal, mas uma forma pura de intuição sensível, tempos diferente é apenas partes
87
precisamente do mesmo tempo; a representação que só pode ser dada por um único
objeto é, porém, intuição.
Tempo e espaço são formas puras de toda intuição sensível, e desse modo,
tornam possíveis proposições sintéticas à priori. Mas essas fontes de conhecimento à
priori determinam os próprios limites pelo fato de serem simplesmente condições da
sensibilidade, isto é, pelo fato de se referirem a objetos só na medida em que são
considerados fenômenos, mas sem apresentarem coisas em si mesmas. A estética
transcendental não pode conter mais que estes dois elementos, a saber, espaço e tempo,
ficam claros, pelo fato de todos os outros conceitos pertencentes à sensibilidade, mesmo
o de movimento, que reúne ambos os elementos, pressupõe algo empírico; o movimento
pressupõe a percepção de algo móvel.
Mas no espaço, considerado em si mesmo, nada é móvel: por conseguinte, o que
se move tem que ser algo encontrado no espaço só mediante a experiência, portanto, um
dado empírico. A estética transcendental não pode contar o conceito de mudança entre os
seus dados à priori; pois o próprio tempo não muda, mas sim algo que é no tempo.
5.5.4 Lógica transcendental
Intuição e conceitos constituem os elementos de todo o nosso conhecimento.
Denominamos a sensibilidade a receptividade de nossa mente receber representações na
medida em que é afetada de algum modo; em contrapartida, denominamos entendimento
ou espontaneidade do conhecimento, a faculdade do próprio entendimento produzir
representações; o entendimento é a faculdade de pensar o objeto da intuição sensível.
Sem sensibilidade, nenhum objeto nos seria dado, e nem entendimento nenhum seria
pensado; pensamentos sem conteúdo são vazios e intuições sem conceitos são cegas. O
entendimento nada pode intuir e os sentimentos nada pensar. O conhecimento só pode
surgir da sua reunião. A estética é a ciência das regras da sensibilidade geral; a lógica é a
ciência das regras do entendimento.
A lógica pode ser usada em dois aspectos como lógica do uso geral como lógica
do uso particular do entendimento. A primeira contém as regras necessárias para o
pensamento e sem as quais não ocorre uso algum do entendimento; a outra contém
regras para pensar corretamente, certa espécie de objetos, a primeira pode ser
denominada de lógica elementar e a outra de organum de uma ou outra ciência. A lógica
geral é pura e aplicada, como lógica geral abstrai de todo o conteúdo do conhecimento do
88
entendimento, bem como da diversidade dos seus objetos, não se ocupando senão com a
simples forma de pensamento.
Como lógica pura não possui nenhum princípio empírico, não depende da
Psicologia. Lógica aplicada e uma representação do entendimento e das regras do seu
necessário uso in concreto, a saber, sob as condições acidentais do sujeito que possam
impedir ou favorecer este uso e que são dadas todas só empiricamente. Ela trata da
atuação, atenção, dos seus empecilhos e consequências, da origem do erro, do estado de
dúvida, de escrúpulo, de convicção.
Lógica transcendental que se ocupa com as leis do entendimento e da razão, mas
unicamente na medida em que é referida à priori a objetos e não como a lógica geral dos
conhecimentos empíricos. A lógica analítica constitui pelo menos, a pedra de toque
negativa da verdade na medida em que se precisa, antes de tudo, examinar e avaliar,
com base nessas regras, todo conhecimento quanto à sua forma, antes de investigá-lo
quanto ao seu conteúdo para estabelecer se contém uma verdade positiva referente ao
objeto. Considerada como organum a lógica geral é sempre uma lógica da ilusão ou
dialética.
A parte da lógica transcendental que expõe os elementos do conhecimento puro
do entendimento e os princípios sem os quais um objeto de maneira alguma pode ser
pensado, e é a analítica transcendental, e ao mesmo tempo, uma lógica da verdade. A
segunda parte da lógica transcendental precisa ser uma crítica dessa ilusão dialética e se
denomina de dialética transcendental, não como a arte de suscitar dogmaticamente tal
ilusão, infelizmente muito em voga, mas como uma crítica do entendimento da razão no
tocante ao seu uso hiperfísico, para que se possa descobrir a falsa aparência de tais
presunções infundadas e reduzir as suas pretensões de descoberta e ampliação, que ela
pressupõe alcançar unicamente através de princípios transcendentais, à mera avaliação
do entendimento puro e sua proteção contra as ilusões sofísticas.
5.5.4.1 Primeira divisão da Lógica Transcendental (Analítica
transcendental)
Esta analítica é a decomposição do nosso inteiro conhecimento à priori nos
elementos do conhecimento puro do entendimento: que os conceitos sejam puros e não
empíricos; que pertencem não à intuição e à sensibilidade, mas ao pensamento e ao
89
entendimento; que sejam conceitos elementares e bem distinguidos dos conceitos e que
preencham inteiramente o campo do entendimento.
5.5.4.2 Analítica dos conceitos
A filosofia transcendental possui a vantagem, mas também a obrigação, de
procurar os seus conceitos segundo um princípio porque se originam de modo puro e não
mesclado do entendimento, como unidade absoluta, tendo consequentemente que se
interconectar, segundo um conceito ou uma idéia. O entendimento não é uma faculdade
de intuição; o conhecimento mediante conceitos, não intuitivo, mas discursivo. Conceitos
que se funda sobre a espontaneidade do pensamento tal como intuições sensíveis sobre
a receptividade das impressões. O entendimento não pode fazer outro uso desses
conceitos a não ser julga através deles. O pensamento é o conhecimento mediante
conceitos.
5.5.4.3 Juízos
Quantidade: universais, particulares e singulares; de qualidade: afirmativos,
negativos e infinitos; de relação: categóricos, hipotéticos e disjuntivos; de modalidade:
problemáticos, assertóricos e apodíticos.
Os lógicos dizem com razão que no uso dos juízos em silogismos, os juízos
singulares podem ser tratados tal como os universais. Numa lógica transcendental juízos
infinitos precisam ser distinguidos de juízos afirmativos, se bem que na lógica geral
abstrai de todo o conteúdo do predicado e só cuida se o predicado é atribuído ou oposto
ao sujeito. As relações do pensamento nos juízos são: do predicado com o sujeito, da
razão com a consequência, do conhecimento dividido e dos membros reunidos da divisão
entre si.
A modalidade dos juízos é uma função bem particular dos mesmos que possui o
caráter distintivo de nada contribuir para o conteúdo do juízo, mas de dizer a respeito
apenas ao valor da cópula com referência ao pensamento em geral. Juízos problemáticos
são aqueles em que se admite o afirmar ou o negar como meramente possível (arbitrário);
juízos assertóricos são aqueles em que se considero o real (verdadeiro) e juízos
apodíticos, aqueles que se encara como necessário; ambos os juízos constituem o
hipotético (antecedens e consequens) e cuja ação recíproca (membro de divisão) constitui
o juízo disjuntivo são todos e somente problemáticos.
90
Em síntese, deve-se entender, no sentido mais amplo, a ação de acrescentar
diversas representações, umas às outras, e de conceber a sua multiplicidade num
conhecimento. Síntese geral é o simples efeito da capacidade de imaginação, uma função
cega, embora indispensável, da alma, sem a qual, de modo algum teríamos um
conhecimento, mas da qual, raramente somos conscientes. A síntese pura representada
de modo universal dá o conceito puro do entendimento. A lógica transcendental ensina a
respostar não às representações, mas à síntese pura das mesmas, a conceitos.
5.5.4.4 Categorias
Quantidade: unidade, pluralidade e totalidade; de qualidade: realidade, negação e
limitação; de relação: inerência e subsistência, causalidade e dependência, comunidade e
por fim de modalidade: possibilidade e impossibilidade, existência e não ser, necessidade
e contingência.
Em todo conhecimento de um objeto há unidade do conceito, a qual pode ser
denominada de unidade qualitativa na medida em que nela é pensada sob a unidade do
enfeixamento do múltiplo dos conhecimentos, tal como aproximadamente a unidade do
tema num drama, num discurso, numa fábula.
Dedução transcendental é denominada de conceitos a explicação da maneira
como estes podem referir-se à priori a objetos, e distingo-os da dedução empírica que
indica a maneira como um conceito foi adquirido mediante experiência e reflexão sobre a
mesma, e diz a respeito não a legitimidade, mas ao fato pelo qual a posse surgiu.
Dedução transcendental de todos os conceitos à priori, e possui um princípio ao
qual tem que se dirigir toda a investigação, a saber, que eles precisam ser conhecidos
como condições a priori da possibilidade da experiência.
Entendimento é a faculdade de conhecimento. Pensar um objeto e conhece-lo não
é a mesma coisa. O conhecimento requer dois elementos: um conceito pelo qual em geral
um objeto dado é pensado e a instituição pela qual é dado. Ora, todas as nossas
instituições são sensíveis, e tal conhecimento, na medida em que o seu objeto é dado, é
empírico. O conhecimento empírico é experiência; não nos é possível nenhum
conhecimento a priori senão unicamente com respeito a objetos de experiência possível.
Analítica dos princípios - A lógica geral está construída sobre um plano que
concorda exatamente com a divisão das faculdades superiores de conhecimento. Estas
são: entendimento, capacidade de julgar e razão. Na sua analítica, aquela doutrina trata,
91
por conseguinte de conceitos, juízos e inferências precisamente conforme as funções e a
ordem daquelas capacidades da mente se compreendem sob a denominação vaga de
entendimento em geral: a razão é inteiramente dialética e suas afirmações ilusórias não
se conformam de modo algum a um cânone semelhante ao que a analítica deve conter.
Analítica dos princípios156 - Será somente um cânone para a capacidade de
julgar, instruindo-a a aplicar aos fenômenos os conceitos do entendimento que contém a
condição para as regras a priori. Por causa disso, ao tomar como tema os princípios do
entendimento propriamente ditos servir-me-ei da denominação de doutrina da capacidade
de julgar, pela qual é designada esta tarefa com maior precisão. Já que abstrai de todo
conteúdo do conhecimento, só lhe resta como tarefa elucidar analiticamente a simples
forma do conhecimento em conceitos, juízos e inferências e constitui assim regras formais
de todo o uso do entendimento. A filosofia transcendental possui a peculiaridade de que,
além da regra dada no conceito puro do entendimento, pode ao mesmo tempo indicar a
priori o caso ao qual deve ser aplicada. A mesma filosofia ao mesmo tempo tem antes
que expor, características universais, mas suficientes às condições sob as quais os
objetos podem ser dados em concordâncias com aqueles conceitos; do contrário, seriam
sem nenhum conteúdo, e seriam simples formas lógicas e não conceitos puros do
entendimento.
No juízo analítico157, atenho-me ao conceito dado para estabelecer algo a seu
respeito. Se o juízo deve ser afirmativo, então junto dele o conceito só que já era pensado
nele; deve-se ser negativo, então excluo dele só o contrário daquilo que nele era
pensada. Nos juízos sintéticos, devo sair do conteúdo dado para considerar em ralação
com ele algo completamente diferente do que só aí era pensado; não se trata aqui de
uma relação de identidade nem de contradição, e neste caso não se pode reconhecer, no
juízo em si mesmo, nem a verdade nem o erro.
Tábuas de princípios158: axiomas da intuição: todas as intuições são quantidades
extensivas; antecipações da percepção: em todos os fenômenos o real, que é um objeto
da sensação, possui quantidades intensivas ou um grau; analogias da experiência: a
experiência só é possível mediante a representação de uma conexão necessária das
percepções; postulados do pensamento empírico em geral:
156 É uma forma de analisar, conceituar o entendimento.
157 O juízo analítico é uma forma de conceituar o que se deve ser pensado.
158 São os famosos axiomas criados pela filosofia Medieval.
92
a) Aquilo que se concorda com as condições formais da experiência;
b) Aquilo que se interconecta com as condições materiais da experiência;
c) Aquilo cuja interconexão com o real está determinada conforme as condições
gerais da experiência são necessárias.
A percepção é a consciência empírica, uma consciência em que há
simultaneamente sensação. A experiência é um conhecimento empírico, um
conhecimento que determina um objeto mediante percepções; é uma síntese das
percepções que não está por sua vez contida na percepção, mas contém numa
consciência a unidade sintética do múltiplo das percepções.
Analogias159:
1- Princípio da permanência da substância: em toda a variação dos fenômenos
permanece a substância, e o quantum da mesma não é nem aumentado nem diminuindo
na natureza;
2- Princípio da sucessão temporal conforme a lei da causalidade: todas as
mudanças acontecem conforme a lei da conexão da causa e efeito;
3- Princípio da simultaneidade conforme a lei da ação recíproca ou comunidade:
na medida em que podem ser percebidas no espaço como simultâneas todas as
substâncias estão em constante ação recíproca.
Coisas são simultâneas quando na intuição empírica, a percepção de uma pode
suceder reciprocamente à percepção da outra. A simultaneidade das substâncias no
tempo, não pode ser conhecida na experiência senão sob a pressuposição de uma ação
recíproca das mesmas entre si; está é, pois, também a condição da possibilidade das
próprias coisas objetos da experiência.
Refutação ao idealismo160 – O idealismo é a teoria que declara a existência dos
objetos no espaço fora de nós ou simplesmente duvidosa e indemonstrável ou falsa e
impossível: o primeiro idealismo é problemático de Descartes que declara indubitável
apenas uma afirmação empírica, a saber, ou sou; o segundo é o idealismo dogmático de
159 As analogias eram comparações na filosofia como modo de se conhecer os princípios filosóficos.
Rene Descartes foi o fundador desta corrente filosófica.
160 Emanuel Kant é o primeiro filósofo a criticar o idealismo de sua época.
93
Berkeley que declara o espaço impossível em si mesmo e por isso mesmo também
considera as coisas no espaço como simples ficções.
94
GEORG WILHELM FRIEDRICH HEGEL
95
REFERÊNCIAS
ESCOHOTADO, ANTÔNIO. La consciência infeliz, Revista do Ocidente, Madri,
1978.
KAUFMANN, W. Friedrich Hegel, Alianza Editorial, Madrid, 1983
ARANTES, P. A. Hegel, a ordem do tempo, Polis, São Paulo, 1982.
GOLDMANN, L. A origem da dialética, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1978.
HONDT, JACQUES, Hegel, Edições 70, Lisboa, 1981.
________________Hegel, El filósofo de la história viviente, Amorrortu Ediciones,
Buenos Aires, 1979
AA VV, Hegel e o pensamento moderno, Res Editora, Lisboa 1979.
96
CAPÍTULO 6 GEORG WILHELM FRIEDRICH HEGEL
6 FRIEDRICH HEGEL, VIDA E OBRA 161
6.1 VIDA E OBRA162
Friedrich Hegel nasceu em Stuttgart em 1770 quando tinha vinte anos
de idade surgiu a revolução francesa que o mesmo presenciou e muito admirou
a entrada triunfal de Napoleão pelas ruas da Alemanha. Estudou em Tubingen,
e ele também ensinou na Suíça e na Alemanha, sempre quase pobre e na
miséria, com conflitos familiares, as consequências desastrosas da guerra, a
dureza das autoridades universitárias e políticas, seus problemas familiares,
problema com uma mulher: tudo isto formou o “background” de sua
investigação e preocupação intelectual.
Proclamou a revolução francesa como o maior acontecimento histórico
pós o surgimento do cristianismo. Na época de seus estudos ginasiais, recebeu
a influência do Iluminismo alemão de seus mestres. Foi estudar teologia para
ser pastor da Igreja Luterana, auxiliado pelo Stiftung (auxilio para os estudos),
prosseguiu com dificuldade seus estudos, foi amigo de Hölderlin e de Schelling,
Friedrich Hegel leu muito Jean Jacques Rousseau e muito sobre política.
Terminando os estudos, veio a privação, pois não aceitando ser pastor por
faltar-lhe a vocação e sem ter o que fazer, passou a ser preceptor de jovens de
famílias ricas, ensinando seus filhos.
Com as desgraças como a morte da mãe, irmã, do pai, sua ida para
Berna na Suíça como preceptor, sentiu-se como se estivesse exilado; com a
morte de seu pai, sua vida econômica melhorou um pouco, resolveu voltar para
Alemanha, escolhe Jena para residir. Nesta cidade, passou a escrever sobre
ciência e filosofia, onde consegue dar aula e sobreviver disto e de direitos
autorais.
161 Friedrich Hegel estudo filosofia e teologia, ele ia ser pastor luterano, mas resolveu
ser professor na Universidade de Jena e Berlim.
162 A sua obra é vastíssima, criou um novo tipo de filosofia a qual foi denominada de
fenomenologia.
97
Os problemas com a mulher e com o filho que se alista no exército
holandês e morre no combate, esta mulher trará problemas a ele até a morte
dela. Pouco dinheiro e com muitos problemas surge a cátedra da Universidade
de Heidelberg, onde bem remunerado, casa-se com uma mulher e tem dois
filhos, começa a viver melhor desde 1811. Nesta época, tinha escrito as obras
“Fenomenologia do Espírito163” e começando a famosa “Ciência da
Lógica164”, e trabalhara na “Propedêutica Filosófica165” e começou em
Heidelberg a “Enciclopédia das Ciências Filosóficas166”.
Foi para a Universidade de Berlim em 1817 e lá, escreveu “A Filosofia
do Direito167”, “Filosofia da Religião168”, “A Estética169”, “A História da
Filosofia e a Filosofia da História170”. Nesta época, trouxe muita polêmica
com seus escritos e idéias, foi vigiado e censurado pela polícia, denunciado por
seus inimigos e assim foi até a sua morte em Berlim em Novembro de 1831.
6.2FILOSOFIA DE GEORG WILHELM FRIEDRICH HEGEL
Conforme alguns autores, ele faz parte da transição filosófica do século
XVIII e seu pensamento influenciou o século XIX. No seu pensamento, existe
uma crítica e um diálogo com o idealismo ou Kantismo. O seu pensamento foi
formado através desta crítica, da influência da política, da tradição, da ação e
contemplação que irá dar conteúdo às suas idéias, principalmente os
acontecimentos históricos e com a eclosão da revolução francesa.
163 Esta obra é fundamental para entender a filosofia de Friedrich Hegel.
164 Outra obra famosa que é alógica hegeliana.
165 Esta obra é a introdução à filosofia de Friedrich Hegel.
166 Esta obra realmente é uma enciclopédia da filosofia.
167 Filosofia do direito em Friedrich Hegel é uma preciosidade.
168 Ele escreveu várias obras de religião, uma Vida de Jesus e esta Filosofia da
Religião, escritos juvenis e do primeiro Friedrich Hegel.
169 A obra sobre Estetica tem vários volumes que o autor dedicou em sua vida.
170 A História da filosofia e a filosofia da História é obra de folego para a compreensão
da História.
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Ele é o sucessor e terminador do idealismo alemão que se prolonga em
seus amigos e contemporâneos como Fichte e Schelling. Ele considera o
pensamento de Kant indispensável para toda a formação filosófica, mas como
apenas uma introdução ou prólogo de estudos posteriores mais aprofundados.
Considera a reflexão na vida, uma vida mais viva, que não é fixa, mas móvel,
sem repetição: a vida das relações humanas, a vida social, a vida do Espírito e
das suas obras e a História.
Ele sempre se interessou em história, antiguidade e suas culturas, o
cristianismo e o judaísmo; admirador da Grécia e da filosofia, de línguas que
irão compor seu pensamento e filosofia. A razão e a experiência da vida social,
principalmente as questões da cultura e da política fazem parte de seu pensar.
Para ele, ainda a questão da religião reflete a situação de cada povo.
Desta forma, com todas outras situações e acrescentando o
conhecimento, do pensar e da consciência chega-se na dialética: Ela é o
esforço intelectual para coincidir como princípio da vida e para acompanhar na
infinita diversidade das suas especificações. Ainda a dialética é antes de tudo,
o princípio de desenvolvimento de toda a realidade, o que nela existe de
radicalmente vivo, independentemente das formas concretas assinaláveis, mas
que habita igualmente estas formas concretas, logo que elas se constituem. A
dialética, lei positiva do desenvolvimento das coisas, transpõe em lei normativa
do espírito que, desorientado, deseja harmoniosamente este desenvolvimento
das coisas. A dialética torna-se método.
6.3 TEXTOS HEGELIANOS171
6.3.1 FRIEDRICH HEGEL – FENOMENOLOGIA DO ESPÍRITO, Editora
Abril Cultural, São Paulo. 1980.
O prefácio é mais um posfácio que uma introdução, pois contém
explicações posteriores à edição da “Fenomenologia do Espírito”, obra que
estava em revisão de provas e que seria editada.
171 Esta obra é o fundamento da fenomenologia.
99
Este mostra que a elevação da filosofia como ciência está de acordo
com o tempo seria a única justificação verdadeira das tentativas que miram
este alvo, porque ao mesmo tempo, mostraria a necessidade e seria a
realização de tal alvo. A coisa em si é na unidade de um mesmo todo, o
princípio, o movimento ou o dever, e o resultado. Desta sorte, a ciência que é a
coroa de um mundo do espírito, não está perfeita nos eu começo. O começo do
novo espírito é o produto de amplo revolvimento de variadas formas de cultura,
o preço de um caminho extremamente intrincado e, igualmente, de muito
trabalho e esforço. Esse começo é o todo que retorna a si mesmo, a partir da
sua sucessão como extensão, e é o conceito simples, que se tornou tal, desse
todo.
A forma inteligível da ciência é o caminho para ela oferecido a todos e
tornado igual a todos. O entendimento é o pensar, o puro Eu em geral, e o
inteligível é o já conhecido e o que é comum à ciência e a consciência não
cientifica, por meio do qual essa consci6encia pode penetrar imediatamente na
ciência. A razão é o agir de acordo com um fim. O saber, somente é efetivo
como ciência ou como sistema e somente como tal pode ser exposta. A
refutação consiste na indicação da sua deficiência. A ciência é a realidade
efetiva do espírito e o reino que ele constrói para si no seu próprio elemento. O
começo da filosofia faz a pressuposição ou a exigência de que a consciência
se encontra nesse elemento.
A ciência exige da consciência em si que ela se tenha elevado até esse
éter para que possa viver com ela e nela, e de fato viva. A ciência, que tem
esse princípio fora de si, traz a forma de inefetividade. A ciência é apenas o
conteúdo, como o em si, o fim que inicialmente é ainda algo interior ou que
inicialmente não é com o Espírito, mas somente como substância espiritual. O
saber, tal como é de início, ou o espírito imediato, é o que é privada de espírito,
a consciência sensível. O saber é o agir do Si universal e é o interesse do
pensar. O objeto conhecido em geral, pelo fato mesmo de ser conhecido, não é
reconhecido. O espírito conquista a sua verdade somente quando se encontra
a si mesmo na absoluta dilaceração.
100
O espírito não é esse poder a modo do positivo que se desvia do
negativo, como acontece quando dizemos de alguma coisa que ela não é nada
ou é falsa, e assim, satisfeito, passamos a outra coisa. O conhecimento
filosófico contém ambos os modos de devir, ao passo que o conhecimento
matemático representa, no conhecimento como tal, somente o devir do existir,
ou seja, do ser da natureza. A verdade é o que seu próprio movimento no
interior dela mesma, ao passo que o referido método é o conhecimento que é
exterior à matéria. O conhecimento científico exige o abandono à vida do objeto
ou, o que é o mesmo, exige que se tenha diante de si mesmo e se exprima a
necessidade interna do mesmo objeto; este conhecimento científico retorna a si
mesmo, mas somente depois que o conteúdo na sua plenitude, tendo-se
retornado em si mesmo e tendo-se simplificado no sentido determinado, se
reduz a um dos lados do seu existir e passa à sua verdade mais alta.
A ciência não é esse tipo de idealismo que entrou em lugar do
dogmatismo da afirmação como dogmatismo da asserção ou dogmática da
certeza de si mesma. O conhecimento científico exige que se tenha, diante de
si, e se exprima a necessidade interna desse mesmo objeto, este objeto de
conhecimento científico retorna a si mesmo, mas somente depois de que o
conteúdo na sua plenitude, tendo-se retornado em si mesmo e tendo-se
simplificado no sentido determinado, se reduz a um dos lados de seu existir e
passa à sua verdade mais alta. A ciência não é esse tipo de idealismo que
entrou no lugar do dogmatismo da afirmação da asserção ou dogmatismo da
certeza de si mesmo. A significação do entendimento foi indicada acima,
conforme o aspecto da consciência em si da substância. O existir é qualidade,
determinada de igual a si mesma, ou simplicidade determinada, pensamento
determinado. Por essa razão, o existir é nous e foi tal que Anaxágoras
reconheceu primeiramente a essência. Os que vieram depois dele conceberam
mais determinadamente a natureza do existir eidos ou uma idéia,
universalidade determinada, espécie.
A inteligibilidade é um devir e, na medida em que é esse devir, é
racionalidade, consiste, ao contrário, na liberdade com respeito ao conteúdo e
na vaidade que paira sobre ele. O pensamento raciocinante se comporta
101
negativamente para com o conteúdo apreendido, sabe refutá-lo e reduzi-lo a
nada. Mas entender que o conteúdo não seja dessa ou daquela maneira é algo
puramente negativo. A proposição filosófica, sendo uma proposição, evoca a
idéia da relação ordinária do sujeito e do objeto e do comportamento usual do
saber. O conteúdo filosófico da proposição destrói esse comportamento e a
idéia que se faz dele.
No que diz respeito à filosofia parece dominar presentemente o
preconceito de que qualquer um saiba imediatamente filosofar e julgar a
filosofia, já que para isso possui a medida na sua razão natural, como se não
possuísse igualmente no seu pé a medida de um sapato. Parece que a posse
da filosofia reside exatamente na falta de conhecimentos e de estudo, e que a
filosofia cesse onde começaram os conhecimentos e o estudo. A filosofia é tida
frequentemente como um saber formal e vazio de conteúdo. Ao que se referem
à genuína filosofia nós vemos a imediata revelação do divino e do bom senso
que nunca se preocupou com cultivar-se nem como qualquer outra forma de
saber nem com o autêntico filosofar.
O filosofar natural, fluindo no leito mais tranquilo do bom senso,
proporciona no máximo, uma retórica de verdades triviais. Se a esse filosofar
se objeta a insignificância de tais verdades, ele garante que o sentido e a
plenitude residem no seu coração como devem residir igualmente no coração
dos outros, ao mesmo tempo em que, por meio da inocência do coração e da
pureza da consciência, ou coisas semelhantes, julga Ter chegado a dizer a
última palavra acerca das coisas, contra qual não podem ter lugar quaisquer
objeções e a respeito da qual, nenhuma outra explicação se pode exigir.
O senso comum resolve logo a questão com que não concorda com ele,
e deve declarar que não tem mais nada a dizer a quem não experimenta em si
a mesma coisa; em outras palavras, pisa com os pés na raiz da humanidade.
Penso que se muitas vezes a mais excelente filosofia de Platão foi atribuída
aos seus mitos destituídos de valor científico, houve tempos também,
chamados até de tempos de fantasia mística, nos quais a filosofia aristotélica
foi apreciada em razão de sua profundidade especulativa, e o Parmênides de
Platão, sem dúvida, a mais perfeita obra de arte da dialética antiga, foi tida
102
como verdadeiro desvelamento e como expressão positiva da vida divina nas
quais mesmo em meio às turvas produções do êxtase, esse êxtase mal
compreendido não deveria ser, na realidade, senão o conceito puro.
6.3.2 PREFÁCIO: FENONEMOLOGIA DO ESPÍRITO
Numa obra filosófica, em razão de sua natureza, parece não só
supérfluo, mas até inadequado e contraproducente, um prefácio — esse
esclarecimento preliminar do autor sobre o fim que se propõe as circunstâncias
de sua obra, as relações que julga encontrar com as anteriores e atuais sobre o
mesmo tema. Com efeito, não se pode considerar válido, em relação ao modo
como deve ser exposta a verdade filosófica, o que num prefácio seria
conveniente dizer sobre a filosofia; por exemplo, fazer um esboço histórico da
tendência e do ponto de vista, do conteúdo geral e resultado da obra, um
agregado de afirmações e asserções sobre o que é o verdadeiro. Além do que,
por residir a filosofia essencialmente no elemento da universalidade — que em
si inclui o particular —, isso suscita nela, mais que em outras ciências, a
aparência de que é no fim e nos resultados últimos que se expressa a Coisa
mesma, e inclusive sua essência consumada; frente a qual o desenvolvimento
[da exposição] seria, propriamente falando, o inessencial.
Quando, por exemplo, a anatomia é entendida como “o conhecimento
das partes do corpo, segundo sua existência inanimada”, há consenso de que
não se está ainda de posse da Coisa mesma, do conteúdo de tal ciência; é
preciso, além disso, passar à consideração do particular. Mais ainda: nesse
conglomerado de conhecimentos, que leva o nome de ciência sem merecê-lo,
fala-se habitualmente sobre o fim e generalidades semelhantes do mesmo
modo históricos e não conceitual como se fala do próprio conteúdo; nervos,
músculos etc. Na filosofia, ao contrário, ressaltaria a inadequação de utilizar tal
procedimento, quando ela mesma o declara incapaz de apreender o
verdadeiro.
Do mesmo modo, a determinação das relações que uma obra filosófica
julga ter com outras sobre o mesmo objeto introduz um interesse estranho e
obscurece o que importa ao conhecimento da verdade. Com a mesma rigidez
103
com que a opinião comum se prende à oposição entre o verdadeiro e o falso,
costuma também cobrar, ante um sistema filosófico dado, uma atitude de
aprovação ou de rejeição. Acha que qualquer esclarecimento a respeito do
sistema só pode ser uma ou outra. Não concebe a diversidade dos sistemas
filosóficos como desenvolvimento progressivo da verdade, mas só vê na
diversidade a contradição. O botão desaparece no desabrochar da flor, e
poderia dizer-se que a flor o refuta; do mesmo modo que o fruto faz a flor
parecer um falso ser-aí da planta, pondo-se como sua verdade em lugar da flor:
essas formas não só se distinguem, mas também se repelem como
incompatíveis entre si.
Porém, ao mesmo tempo, sua natureza fluida faz delas momentos da
unidade orgânica, na qual, longe de se contradizerem, todos são igualmente
necessários. E essa igual necessidade que constitui unicamente a vida do todo.
Mas a contradição de um sistema filosófico não costuma conceber-se desse
modo; além disso, a consciência que apreende essa contradição não sabe
geralmente libertá-la — ou mantê-la livre — de sua unilateralidade; nem sabe
reconhecer no que aparece sob a forma de luta e contradição contra si mesmo,
momentos mutuamente necessários. A exigência de tais explicações, como
também o seu atendimento, dão talvez a aparência de estar lidando com o
essencial. Onde se poderia melhor exprimir o âmago de um escrito filosófico
que em seus fins e resultados? E esses, como poderiam ser mais bem
conhecidos senão na sua diferença com a produção da época na mesma
esfera? Todavia essa tarefa, quando pretende ser mais que o início do
conhecimento, e valer por conhecimento efetivo, devem ser contados entre as
invenções que servem para dar voltas ao redor da Coisa mesma, combinando
a aparência de seriedade e de esforço com a carência efetiva de ambos.
Com efeito, a Coisa mesma não se esgota em seu fim, mas em sua
atualização; nem o resultado é o todo efetivo, mas sim o resultado junto com o
seu vir-a-ser. O fim para si é o universal sem vida, como a tendência é o mero
impulso ainda carente de sua efetividade; o resultado nu é o cadáver que
deixou atrás de si a tendência. Igualmente, a diversidade é, antes, o limite da
Coisa: está ali onde a Coisa deixa de ser; ou é o que a mesma não é. Essa
preocupação com o fim ou os resultados, como também com as diversidades e
104
apreciações dos mesmos, é, pois, uma tarefa mais fácil do que talvez pareça.
Com efeito, tal [modo de] agir, em vez de se ocupar com a Coisa mesma,
passa sempre por cima. Em vez de nela demorar-se e esquecer a si mesmo,
prende-se sempre a algo distinto; prefere ficar em si mesmo a estar na Coisa e
a abandonar-se a ela. Nada mais fácil que julgar o que tem conteúdo e solidez;
apreendê-lo é mais difícil; e o que há de mais difícil é produzir sua exposição,
que unifica a ambos. O começo da cultura e do esforço para emergir da
imediates da vida substancial deve consistir sempre em adquirir conhecimentos
de princípios e pontos de vista universais.
Trata-se inicialmente de um esforço para chegar ao pensamento da
Coisa em geral e também para defendê-la ou refutá-la com razões, captando a
plenitude concreta e rica segundo suas determinadas, e sabendo dar uma
informação ordenada e um juízo sério a seu respeito. Mas esse começo da
cultura deve, desde logo, dar lugar à seriedade da vida plena que se adentra
na experiência da Coisa mesma. Quando enfim o rigor do conceito tiver
penetrado na profundeza da Coisa, então tal conhecimento e apreciação terão
na conversa o lugar que lhes corresponde. A verdadeira figura, em que a
verdade existe, só pode ser o seu sistema científico. Colaborar para que a
filosofia se aproxime da forma da ciência — da meta em que deixe de chamar-
se amor ao saber para ser saber efetivo — é isto o que me proponho. Reside
na natureza do saber a necessidade interior de que seja ciência, e somente a
exposição da própria filosofia será uma explicação satisfatória a respeito.
Porém a necessidade exterior é idêntica à necessidade interior — desde que
concebida de modo universal e prescindindo da contingência da pessoa e das
motivações individuais — e consiste na figura sob a qual uma época representa
o ser-aí de seus momentos.
Portanto a única justificação verdadeira das tentativas, que visam esse
fim, seria mostrar que chegou o tempo de elevar a filosofia à condição de
ciência; pois, ao demonstrar sua necessidade, estaria ao mesmo tempo
realizando sua meta. Sei que pôr a verdadeira figura da verdade na
cientificidade — ou, o que é o mesmo, afirmar que a verdade só no conceito
tem o elemento de sua existência — parece estar em contradição com certa
105
representação e suas consequências, tão pretensiosas quanto difundidas na
mentalidade de nosso tempo.
Assim não parece supérfluo um esclarecimento sobre essa contradição
— o que, aliás, neste ponto, só pode ser uma asserção que se dirige contra
outra asserção. Com efeito, se o verdadeiro só existe no que (ou melhor, como
o que) se chama quer intuição, quer saber imediato do absoluto, religião, ser —
não o ser no centro do amor divino, mas o ser mesmo desse centro —, então o
que se exige para a exposição da filosofia é, antes, o contrário da forma do
conceito, O absoluto não deve ser conceptualizado, mas somente sentido e
intuído; não é o seu conceito, mas seu sentimento e intuição que devem falar
em seu nome e ter expressão. Tomando a manifestação dessa exigência em
seu contexto mais geral e no nível em que presentemente se encontra o
espírito consciente-de-si, vemos que esse foi além da vida substancial que
antes levava no elemento do pensamento; além dessa imediates de sua fé,
além da satisfação e segurança da certeza que a consciência possuía devido à
sua reconciliação com a essência e a presença universal dela — interior e
exterior, O espírito não só foi além — passando ao outro extremo da reflexão,
carente-de-substância, de si sobre si mesmo — mas ultrapassou também isso.
Não somente está perdida para ele sua vida essencial; está também
consciente dessa perda e da finitude que é seu conteúdo.
[Como o filho pródigo], rejeitando os restos da comida, confessando sua
abjeção e maldizendo-a, o espírito agora exige da filosofia não tanto o saber do
que ele é, quanto resgatar, por meio dela, aquela substancialidade e densidade
do ser [que tinha perdido]. Para atender a essa necessidade, não deve apenas
descerrar o enclausuramento da substância, e elevá-la à consciência – de - si
ou reconduzir a consciência caótica à ordem pensada e à simplicidade do
conceito; deve, sobretudo, misturar as distinções do pensamento, reprimir o
conceito que diferencia restaurar o sentimento da essência, garantir não tanto a
perspicácia quanto a edificação. O belo, o sagrado, a religião, o amor é a isca
requerida para despertar o prazer de mordiscar. Não é o conceito, mas o
êxtase, não é a necessidade fria e metódica da Coisa que deve constituir a
força que sustém e transmite a riqueza da substância, mas sim o entusiasmo
abrasador. Corresponde a tal exigência o esforço tenso e impaciente, de um
106
zelo quase em chamas, para retirar os homens do fundamento no sensível, no
vulgar e no singular, e dirigir seu olhar para as estrelas; como se os homens,
de todo esquecidos do divino, estivessem a ponto de contentar-se com pó e
água, como os vermes. Outrora tinham um céu dotado de vastos tesouros de
pensamentos e imagens.
A significação de tudo que existe estava no fio de luz que o unia ao céu;
então, em vez de permanecer neste [mundo] presente, o olhar deslizava além,
rumo à essência divina: a uma presença no além - se assim se pode dizer. O
olhar do espírito deveria, à força, ser dirigido ao terreno e ali mantido. Muito
tempo se passou antes de se introduzir na obtusidade e perdição em que jazia
o sentido deste mundo, a claridade que só o outro mundo possuía; para tomar
o presente, como tal, digno do interesse e da atenção que levam o nome de
experiência. Agora parece haver necessidade do contrário: o sentido está tão
enraizado no que é terreno, que se faz mister uma força igual para erguê-lo
dali. O espírito se mostra tão pobre que parece aspirar, para seu reconforto, ao
mísero sentimento do divino em geral—como um viajante no deserto anseia
por uma gota d’água. Pela insignificância daquilo com que o espírito se
satisfaz, pode-se medir a grandeza do que perdeu. Entretanto, não convém à
ciência nem esse comedimento no receber, nem essa parcimônia no dar.
Quem só busca a edificação, quem pretende envolver na névoa a
variedade terrena de seu ser-aí e de seu pensamento, e espera o prazer
indeterminado daquela divindade indeterminada, veja bem onde é que pode
encontrar tudo isso; vai achar facilmente o meio de fantasiar algo e ficar assim
bem pago. Mas a filosofia deve guardar-se de querer ser edificante. Ainda tem
menos razão essa temperança que renuncia à ciência, ao pretender que tal
entusiasmo e desassossego sejam algo superior à ciência. Esse falar profético
acredita estar no ponto central e no mais profundo; olha desdenhosamente
para a determinidade (o horos) e fica de propósito longe do conceito e da
necessidade, como da reflexão que reside somente na finitude. Mas, como há
uma extensão vazia, há também uma profundidade vazia; como há uma
extensão da substância que se difunde numa diversidade finita sem força para
mantê-la unida, assim há uma intensidade carente-de-conteúdo que,
conservando-se como força pura e sem expansão, é idêntica à superficialidade.
107
A força do espírito só é tão grande quanto sua exteriorização; sua profundidade
só é profunda à medida que ousa expandir-se e perder-se em seu
desdobramento.
Da mesma maneira, quando esse saber substancial, carente-de
conceito, pretende ter mergulhado na essência a peculiaridade do Si, e filosofar
verdadeira e santamente, está escondendo de si mesmo o fato de que — em
lugar de se ter consagrado a Deus, pelo desprezo da medida e da
determinação — ora deixa campo livre em si mesmo à contingência do
conteúdo, ora deixa campo livre no conteúdo ao arbitrário. Abandonando-se à
desenfreada fermentação da substância, acreditam esses senhores — por
meio do velamento da consciência – de - si e da renúncia ao entendimento —
serem aqueles “seus” a quem Deus infunde no sono a sabedoria. Na verdade,
o que no sono assim concebem e produzem são sonhos também.
Aliás, não é difícil ver que nosso tempo é um tempo de nascimento e
trânsito para uma nova época. O espírito rompeu com o mundo de seu ser-aí e
de seu representar, que até hoje durou; está a ponto de submergi-lo no
passado, e se entrega à tarefa de sua transformação. Certamente, o espírito
nunca está em repouso, mas sempre tomado por depois de longo período de
nutrição tranquila, a primeira respiração — um salto qualitativo — interrompe o
lento processo do puro crescimento quantitativo; e a criança está nascida. Do
mesmo modo, o espírito que se forma lentamente, tranquilamente, em direção
à sua nova figura, vai desmanchando tijolo por tijolo o edifício de seu mundo
anterior. Seu abalo se revela apenas por sintomas isolados; a frivolidade e o
tédio que invadem o que ainda subsiste, o pressentimento vago de um
desconhecido são os sinais precursores de algo diverso que se avizinha. Esse
desmoronar-se gradual, que não alterava a fisionomia do todo, é interrompido
pelo sol nascente, que revela num clarão a imagem do mundo novo. Falta,
porém a esse mundo novo — como falta a uma criança recém-nascida — uma
efetividade acabada; ponto essencial a não ser descuidado. O primeiro
despontar é, de início, a imediates do mundo novo — o seu conceito: como um
edifício não está pronto quando se põe seu alicerce, também esse conceito do
todo, que foi alcançado, não é o todo mesmo.
108
Quando queremos ver um carvalho na robustez de seu tronco, na
expansão de seus ramos, na massa de sua folhagem, não nos damos por
satisfeitos se em seu lugar nos mostram uma bolota. Assim a ciência, que é a
coroa de um mundo do espírito, não está completa no seu começo. O começo
do novo espírito é o produto de uma ampla transformação de múltiplas formas
de cultura, o prêmio de um itinerário muito complexo, e também de um esforço
e de uma fadiga multiforme. Esse começo é o todo, que retomou a si mesmo
de sua sucessão [no tempo] e de sua extensão [no espaço]; é o conceito que –
veio - a ser conceito simples do todo. Mas a efetividade desse todo simples
consiste em que aquelas figuras, que se tomaram momentos, de novo se
desenvolvem e se dão nova figuração; mas no seu novo elemento, e no sentido
que resultou do processo. Embora a primeira aparição de um mundo novo seja
somente o todo envolto em sua simplicidade, ou seu fundamento universal, no
entanto, para a consciência, a riqueza do ser-aí anterior ainda está presente na
rememoração. Na figura que acaba de aparecer, a consciência sente a falta da
expansão e da particularização do conteúdo; ainda mais: falta - lhe aquele
aprimoramento da forma, mediante o qual as diferenças são determinadas com
segurança e ordenadas segundo suas sólidas relações. Sem tal
aprimoramento, carece a ciência da inteligibilidade universal; e tem a aparência
de ser uma posse esotérica de uns tantos indivíduos.
Digo “posse esotérica” porque só é dada no seu conceito, ou só no seu
interior; e “uns tantos indivíduos”, pois seu aparecimento, sem difusão, toma
singular seu ser - aí. Só o que é perfeitamente determinado é ao mesmo tempo
exotérico, conceitual, capaz de ser ensinado a todos e de ser a propriedade de
todos. A forma inteligível da ciência é o caminho para ela, a todos aberto e
igual para todos. A justa exigência da consciência, que aborda a ciência, é
chegar por meio do entendimento ao saber racional: já que o entendimento é o
pensar, é o puro Eu em geral. O inteligível é o que já é conhecido, o que é
comum à ciência e à consciência não científica, a qual pode através dele
imediatamente adentrar-se na ciência. A ciência que recém começa, e assim
não chegou ainda ao remate dos detalhes nem à perfeição da forma, está
exposta a [sofrer] crítica por isso. Caso, porém tal crítica devesse atingir a
109
essência mesma da ciência, seria tão injusta quanto seria inadmissível a não
querer reconhecer a exigência do processo de formação cultural.
Essa oposição parece ser o nó górdio que a cultura científica de nosso
tempo se esforça por desatar, sem ter ainda chegado a um consenso nesse
ponto. Uma corrente insiste na riqueza dos materiais e na inteligibilidade; a
outra despreza, no mínimo, essa inteligibilidade e se arroga a racionalidade
imediata e a divindade. Se uma corrente for reduzida ao silêncio ou só pela
força da verdade, ou também pelo ímpeto da outra, e se sentir suplantada no
que toca ao fundamento da Coisa, nem por isso se dá por satisfeita quanto a
suas exigências: pois são justas, mas não foram atendidas. Seu silêncio, só
pela metade se deve a vitória [do adversário] — a outra metade deriva do tédio
e da indiferença, resultantes de uma expectativa sem cessar estimulada, mas
não seguida pelo cumprimento das promessas. No que diz respeito ao
conteúdo, os outros recorrem a um método fácil demais para disporem de uma
grande extensão. Trazem para seu terreno material em quantidade, isto é, tudo
o que já foi conhecido e classificado.
Ocupam-se especialmente com peculiaridades e curiosidades; dão
mostras de possuir tudo o mais, cujo saber especializado já é coisa adquirida, e
também de dominar o que ainda não foi classificado. Submetem tudo à idéia
absoluta, que desse modo parece ser reconhecida em tudo e desenvolvida
numa ciência amplamente realizada. Porém, examinando mais de perto esse
desenvolvimento, salta à vista que não ocorreu porque uma só e a mesma
coisa se tenham modelado em diferentes figuras; ao contrário, é a repetição
informe do idêntico, apenas aplicado de fora a materiais diversos, obtendo
assim uma aparência tediosa de diversidade. O desenvolvimento não passa da
repetição da mesma fórmula, a idéia, embora para si bem verdadeira, de fato
fica sempre em seu começo. A forma, única e imóvel, é adaptada pelo sujeito
sabedor aos dados presentes: o material é mergulhado de fora nesse elemento
tranquilo. Isso, porém — e menos ainda fantasias arbitrárias sobre o conteúdo
— não constitui o cumprimento do que se exige; a saber, a riqueza que jorra de
si mesma, a diferença das figuras que a si mesmas se determinam.
Trata-se antes de um formalismo de uma só cor, que apenas atinge a
diferença do conteúdo, e ainda assim porque já o encontra pronto e conhecido.
110
Ainda mais: tal formalismo sustenta que essa monotonia e universalidade
abstrata são o absoluto; garante que o descontentamento com essa
universalidade é incapacidade de galgar o ponto de vista absoluto e de manter-
se firme nele. Outrora, para refutar uma representação, era suficiente a
possibilidade vazia de representar-se algo de outra maneira; então essa
simples possibilidade [ou] o pensamento universal tinha todo o valor positivo do
conhecimento efetivo. Agora, vemos também todo o valor atribuído à idéia
universal nessa forma da inefetividade: assistimos à dissolução do que é
diferenciado e determinado, ou, antes, deparamos com um método
especulativo onde é válido precipitar no abismo do vazio o que é diferente e
determinado, sem que isso seja consequência do desenvolvimento nem se
justifique em si mesmo. Aqui, considerar um ser-aí qualquer, como é no
absoluto, não consiste em outra coisa senão em dizer que dele se falou como
se fosse certo algo; mas que no absoluto, no A=A, não há nada disso, pois lá
tudo é uma coisa só. É ingenuidade de quem está vazio de conhecimento pôr
esse saber único — de que tudo é igual no absoluto — em oposição ao
conhecimento diferenciador e pleno (ou buscando a plenitude); ou então fazer
de conta que seu absoluto é a noite em que “todos os gatos são pardos”, como
se costuma dizer.
O formalismo, que a filosofia dos novos tempos denuncia e despreza
(mas que nela renasce), não desaparecerá da ciência, embora sua
insuficiência seja bem conhecida e sentida, até que o conhecer da efetividade
absoluta se tome perfeitamente claro quanto à sua natureza. Uma
representação geral, vinda antes da tentativa de sua realização pormenorizada,
pode servir para sua compreensão. Com vistas a isso, parece útil indicar aqui
um esboço aproximado desse desenvolvimento, também no intuito de
descartar, na oportunidade, algumas formas, cuja utilização constitui um
obstáculo ao conhecimento filosófico. Segundo minha concepção apresentação
do próprio sistema —, tudo decorre de entender e exprimir o verdadeiro não
como substância, mas também, precisamente, como sujeito. Ao mesmo tempo,
deve-se observar que a substancialidade inclui em si não só o universal ou a
imediatez do saber mesmo, mas também aquela imediatez que é o ser, ou a
imediatez para o saber.
111
Se apreender Deus como substância única pareceu tão revoltante para a
época em que tal determinação foi expressa, o motivo disso residia e m parte
no instinto de que aí a consciência – de - si não se mantinha: apenas
soçobrava. De outra parte, a posição contrária, que mantém com firmeza o
pensamento como pensamento, a universalidade como tal, vem a dar na
mesma simplicidade, quer dizer, na mesma substancialidade imóvel e
indiferenciada e se —numa terceira posição — o pensar unifica consigo o ser
da substância e compreende a imediatez e o intuir como pensar, o problema é
saber se esse intuir intelectual não é uma recaída na simplicidade inerte; se
não apresenta, de maneira inefetiva, a efetividade mesma.
Aliás, a substância viva é o ser, que na verdade é sujeito, ou — o que
significa o mesmo — que é na verdade efetivo, mas só à medida que é o
movimento do pôr-se-a-si-mesmo, ou a mediação consigo mesmo do tornar –
se outro. Como sujeito, é a negatividade pura e simples, e justamente por isso
é o fracionamento do simples ou a duplicação oponente, que é de novo a
negação dessa diversidade indiferente e de seu oposto. Só essa igualdade
reinstaurando se, ou só a reflexão em si mesmo no seu ser-Outro, é que é o
verdadeiro; e não uma unidade originária enquanto tal, ou uma unidade
imediata enquanto tal. O verdadeiro é o vir – a – ser de si mesmo, o círculo que
pressupõe seu fim como sua meta, que o tem como princípio, e que só é
efetivo mediante sua atualização e seu fim.
Assim, a vida de Deus e o conhecimento divino bem que podem
exprimir-se como um jogo de amor consigo mesmo; mas é uma idéia que baixa
ao nível da edificação e até da insipidez quando lhe falta o sério, a dor, a
paciência e o trabalho do negativo. De certo, a vida de Deus é, em si, tranquila
igualdade e unidade consigo mesma; não lida seriamente com o ser-Outro e a
alienação, nem tampouco com o superar dessa alienação. Mas esse em - si
[divino] é a universalidade abstrata, que não leva em conta sua natureza de ser
para - si e, portanto, o movimento da forma em geral. Uma vez que foi
enunciada a igualdade da forma com a essência, por isso mesmo é um engano
acreditar que o conhecimento pode se contentar com o Em - si ou a essência, e
dispensar a forma — como se o princípio absoluto da intuição absoluta
pudesse tomar supérfluos a atualização progressiva da essência e o
112
desenvolvimento da forma. Justamente por ser a forma tão essencial à
essência quanto a esta é essencial a si mesma, não se pode apreender e
exprimir a essência como essência apenas, isto é, como substância imediata
ou pura autointuição do divino.
Deve exprimir – se igualmente como forma e em toda a riqueza da forma
desenvolvida, pois só assim a essência é captada e expressa como algo
efetivo. O verdadeiro é o todo. Mas o todo é somente a essência que se
implementa através de seu desenvolvimento. Sobre o absoluto, deve-se dizer
que é essencialmente resultado; que só no fim é o que é na verdade. Sua
natureza consiste justo nisso: em ser algo efetivo, em ser sujeito ou vir – a –
ser - de - si- mesmo. Embora pareça contraditório conceber o absoluto
essencialmente como resultado, um pouco de reflexão basta para dissipar
esse semblante de contradição. O começo, o princípio ou o absoluto — como
de início se enuncia imediatamente — são apenas o universal.
Se eu digo: “todos os animais”, essas palavras não podem valer por
uma zoologia. Do mesmo modo, as palavras “divino”, “absoluto”, "eterno" etc.
não exprimem o que nelas se contém; — de fato, tais palavras só exprimem a
intuição como algo imediato. A passagem — que é mais que uma palavra
dessas — contém um tornar-se Outro que deve ser retomado, e é uma
mediação; mesmo que seja apenas passagem a outra proposição. Mas o que
horroriza é essa mediação: como se fazer uso dela fosse abandonar o
conhecimento absoluto — a não ser para dizer que a mediação não é nada de
absoluto e que não tem lugar no absoluto. Na verdade, esse horror se origina
da ignorância a respeito da natureza da mediação e do próprio conhecimento
absoluto. Com efeito, a mediação não é outra coisa senão a igualdade-consigo-
mesmo semovente, ou a reflexão sobre si mesmo, o momento do Eu para-si-
essente, a negatividade pura ou reduzida à sua pura abstração, o simples vir-
a-ser. O Eu, ou o vir – a - ser em geral — esse mediatizar —, justamente por
causa de sua simplicidade, é a imediatez que vem-a-ser, e o imediato mesmo.
É, portanto um desconhecer da razão [o que se faz] quando a reflexão é
excluída do verdadeiro e não é compreendida como um momento positivo do
absoluto. E a reflexão que faz do verdadeiro um resultado, mas que ao mesmo
tempo suprassume essa oposição ao seu vir – a - ser; pois esse vir-a-ser é
113
igualmente simples, e não difere por isso da forma do verdadeiro, [que
consiste] em mostrar-se como simples no resultado — ou, melhor, que é
justamente esse Ser-retornado à simplicidade. Se o embrião é de fato homem
em si, contudo não o é para si. Somente como razão cultivada e desenvolvida
— que se fez a si mesmo o que é em si — é homem para si; só essa é sua
efetividade. Porém esse resultado por sua vez é imediatez simples, pois é
liberdade consciente-de-si que em si repousa, e que não deixou de lado a
oposição e ali a abandonou, mas se reconciliou com ela. Pode exprimir - se
também o acima exposto dizendo que “a razão é o agir conforme a um fim”.
A forma do fim em geral foi levada ao descrédito pela exaltação de urna
pretendida natureza acima do pensamento — mal compreendido —, mas,
sobretudo pela proscrição de toda a finalidade externa. Mas importa notar que
— como Aristóteles também determina a natureza como um agir conforme a
um fim — o fim é o imediato, o-que-está-em-repouso, o imóvel que é ele
mesmo motor, e que assim é sujeito. Sua força motriz, tomada abstratamente,
é o ser para - si ou a negatividade pura. Portanto, o resultado é somente o
mesmo que o começo, porque o começo é fim; ou, [por outra], o efetivo só é o
mesmo que seu conceito, porque o imediato como fim tem nele mesmo o Si, ou
a efetividade pura. O fim implementado, ou o efetivo essente é movimento e vir
– a - ser desenvolvido.
Ora, essa inquietude é justamente o Si; logo, o é igual àquela imediatez
e simplicidade do começo, por ser o resultado que a si mesmo retomou. Mas o
que retomou a si é o Si, exatamente; e o Si é igualdade e simplicidade, consigo
mesmas relacionadas. A necessidade de representar o absoluto como sujeito
serviu - se das proposições: “Deus é o eterno” ou “a ordem moral do mundo” ou
“o amor” etc. Em tais proposições, o verdadeiro só é posto como sujeito
diretamente, mas não é representado como o movimento do refletir - se em si
mesmo. Numa proposição desse tipo se começa pela palavra “Deus”. De si, tal
palavra é um som sem sentido, um simples nome; só o predicado diz o que
Deus é. O predicado é sua implementação e seu significado; só nesse fim o
começo vazio se torna um saber eletivo. Entretanto é inevitável a questão: por
que não se fala apenas do eterno, da ordem moral do mundo etc.; ou, como
faziam os antigos, dos conceitos puros do ser, do uno etc., daquilo que tem
114
significação, sem acrescentar o som sem-significação? Mas é que através
dessa palavra se indica justamente que não se põe um ser, ou essência, ou
universal em geral, e sim algo refletido em si mesmo: — um sujeito. Mas isso
também é somente uma antecipação.
Toma-se o sujeito como uns pontos fixos, e nele, como em seu suporte,
se penduram os predicados, através de um movimento que pertence a quem
tem um saber a seu respeito, mas que não deve ser visto como pertencente
àquele ponto mesmo; ora, só por meio desse movimento o conteúdo seria
representado como sujeito. Da maneira como esse movimento está constituído,
não pode pertencer ao sujeito; mas, na pressuposição daquele ponto fixo, não
pode ser constituído de outro modo: só pode ser exterior. Assim, aquela
antecipação— de que o absoluto é sujeito — longe de ser a efetividade desse
conceito, torna-a até mesmo impossível, já que põe o absoluto como um ponto
em repouso; e, no entanto, a efetividade do conceito é o auto - movimento.
Entre as várias consequências decorrentes do que foi dito, pode-se ressaltar
esta: que o saber só é efetivo — e só pode ser exposto — como ciência ou
como sistema. Outra consequência é que, uma assim chamada proposição
fundamental (ou princípio) da filosofia, se é verdadeira, já por isso é também
falsa, à medida que é somente proposição fundamental ou princípio.
Por isso é fácil refutá-la. A refutação consiste em indicar-lhe a falha. Mas
é falha por ser universal apenas, ou princípio; por ser o começo. Se a refutação
for radical, nesse caso é tomada e desenvolvida do próprio princípio, e não
estabelecida através de asserções opostas ou palpites aduzidos de fora.
Assim, a refutação seria própria mente seu desenvolvimento, e, desse modo, o
preenchimento de suas lacunas — caso aí não se desconheça, focalizando
exclusivamente seu agir negativo, sem levar em conta também seu progresso e
resultado segundo seu aspecto positivo. Em sentido inverso, a atualização
positiva, propriamente dita, do começo, é ao mesmo tempo um comportar-se
negativo a seu respeito — quer dizer, a respeito de sua forma unilateral de ser
só imediatamente, ou de ser fim. A atualização pode assim ser igualmente
tomada como refutação do que constitui o fundamento do sistema; porém, é
mais correto considerá-la como um indício de que o fundamento ou o princípio
do sistema é de fato só o seu começo o que está expresso na representação,
115
que exprime o absoluto como espírito, é que o verdadeiro só é efetivo como
sistema, ou que a substância é essencialmente sujeito.
[Eis] o conceito mais elevado que pertence aos tempos modernos e à
sua religião. Só o espiritual é o efetivo: é a essência ou o em - si - essente: o
ser está relacionado consigo e o determinado; o ser-outro e o ser-para-si; e o
que nessa determinidade ou em seu ser-fora-de-si permanece em si mesmo —
enfim, o [ser] espiritual é Em-si-e-para-si. Porém, esse ser-em-si-e-para-si é,
primeiro, para nós ou em - si: é a substância espiritual. E deve ser isso também
para si mesmo, deve ser o saber do espiritual e o saber de si como espírito.
Quer dizer deve ser para si como objeto, mas ao mesmo tempo,
imediatamente, como objeto suprassumido e refletido em si. Somente para nós
ele é-para-si, enquanto seu conteúdo espiritual é produzido por ele mesmo.
Porém, enquanto é para si também para si mesmo, então é esse autoproduzir -
se, o puro conceito; é também para ele o elemento objetivo, no qual tem seu
ser-aí e desse modo é, para si mesmo, objeto refletido em si no seu ser-aí. O
espírito, que se sabe desenvolvido assim como espírito, é a ciência. A ciência é
a efetividade do espírito, o reino que para si mesmo constrói em seu próprio
elemento. O puro reconhecer-se-a-si-mesmo no absoluto ser-outro, esse éter
como tal, é o fundamento e o solo da ciência, ou do saber em sua
universalidade. O começo da filosofia faz a pressuposição ou exigência de que
a consciência se encontre nesse elemento.
Mas esse elemento só alcança sua perfeição e transparência pelo
movimento de seu vir-a-ser. E a pura espiritualidade como o universal, que tem
o modo da imediatez simples. Esse simples, quando tem como tal a existência,
é o solo da ciência, [que é] o pensar, o qual só está no espírito. Porque esse
elemento, essa imediatez do espírito é, em geral, o substancial do espírito, é a
essencialidade transfigurada, a reflexão que é simples ela mesma, a imediatez
tal como é para si, o ser que é a reflexão sobre si mesmo. A ciência, por seu
lado, exige da consciência – de - si que se tenha elevado a esse éter, para que
possa viver nela e por ela; e para que viva. Em contrapartida, o indivíduo tem o
direito de exigir que a ciência lhe forneça pelo menos a escada para atingir
esse ponto de vista, e que o mostre dentro dele mesmo. Seu direito funda-se
na sua independência absoluta, que sabe possuir em cada figura de seu saber,
116
pois em qualquer delas — seja ou não reconhecida pela ciência, seja qual for o
seu conteúdo —, o indivíduo é a forma absoluta, isto é, a certeza imediata de si
mesmo, e assim é o ser incondicionado, se preferem a expressão. Para a
ciência, o ponto de vista da consciência — saber das coisas objetivas em
oposição a si mesma, e a si mesma em oposição a elas — vale como Outro:
esse Outro em que a consciência se sabe junto a si mesma, antes como perda
do espírito.
Para a consciência, ao contrário, o elemento do saber é um Longe além,
em que não se possui mais a si mesma. Cada aspecto desses aparenta, para o
outro, ser o inverso da verdade. Para a consciência natural, confiar-se
imediatamente à ciência é uma tentativa que ela faz de andar de cabeça para
baixo, sem saber o que a impele a isso. A imposição de assumir tal posição
insólita, e de mover-se nela, é uma violência inútil para a qual não está
preparada. A ciência, seja o que for em si mesma, para a consciência de - si
imediata se apresenta como um inverso em relação a ela. Ou seja: já que a
consciência imediata tem o princípio de sua efetividade na certeza de si
mesma, a ciência, tendo fora de si esse princípio, traz a forma da inefetividade.
Deve, portanto unir consigo esse elemento, ou melhor, mostrar que lhe
pertence e como. Na falta de tal efetividade, a ciência é apenas o conteúdo,
como o Em-si, o fim que ainda é só um interior; não como espírito, mas
somente como substância espiritual. Esse Em-si deve exteriorizar-se e vir-a-ser
para-si mesmo, o que não significa outra coisa que: deve pôr a consciência-de-
si como um só consigo.
O que esta “Fenomenologia do Espírito” apresenta é o vir-a-ser da
ciência em geral ou do saber. O saber, como é inicialmente — ou o espírito
imediato — é algo carente-de-espírito: a consciência sensível. Para tornar-se
saber autêntico, ou produzir o elemento da ciência que é seu conceito puro, o
saber tem de se esfalfar através de um longo caminho. Esse vir-a-ser, como
será apresentado em seu conteúdo e nas figuras que nele se mostram, não
será o que obviamente se espera de uma introdução da consciência não
científica à ciência; e também será algo diverso da fundamentação da ciência.
Além disso, não terá nada a ver com o entusiasmo que irrompe imediatamente
com o saber absoluto—como num tiro de pistola —, e descarta os outros
117
pontos de vista, declarando que não quer saber nada deles. A tarefa de
conduzir o indivíduo, desde seu estado inculto até ao saber, devia ser
entendida em seu sentido universal, e tinha de considerar o indivíduo universal,
o espírito consciente-de-si na sua formação cultural. No que toca à relação
entre os dois indivíduos, cada momento no indivíduo universal se mostra
conforme o modo como obtém sua forma concreta e sua configuração própria.
O indivíduo particular é o espírito incompleto, uma figura concreta: uma só
determinidade predomina em todo o seu ser-aí, enquanto outras
determinidades ali só ocorrem como traços rasurados. No espírito que está
mais alto que outro, o ser-aí concreto inferior está rebaixado a um momento
invisível: o que era antes a Coisa mesma, agora é um traço apenas: sua figura
está velada, tornou-se um simples sombreado.
O indivíduo, cuja substância é o espírito situado no mais alto, percorre
esse passado da mesma maneira como quem se apresta a adquirir uma
ciência superior, percorre os conhecimentos-preparatórios que há muito tem
dentro de si, para fazer seu conteúdo presente; evoca de novo sua
rememoração, sem, no entanto ter ali seu interesse ou demorar-se neles. O
singular deve também percorrer os degraus-de-formação-cultural do espírito
universal, conforme seu conteúdo; porém, como figuras já depositadas pelo
espírito, como plataformas de um caminho já preparado e aplainado.
Desse modo, vemos conhecimentos, que em antigas épocas ocupavam
o espírito maduro dos homens, serem rebaixados a exercícios — ou mesmo a
jogos de meninos; assim pode reconhecer-se no progresso pedagógico,
copiada como em silhuetas, a história do espírito do mundo. Esse ser-aí
passado é propriedade já adquirida do espírito universal e, aparecendo-lhe
assim exteriormente, constitui sua natureza inorgânica. Conforme esse ponto
de vista, a formação cultural considerada a partir do indivíduo consiste em
adquirir o que lhe é apresentado, consumindo em si mesmo sua natureza
inorgânica e apropriando-se dela. Vista, porém do ângulo do espírito universal,
enquanto é a substância, a formação cultural consiste apenas em que essa
substância se dá a sua consciência-de-si, e em si produz seu vir-a-ser e sua
reflexão. A ciência apresenta esse movimento de formação cultural em sua
atualização e necessidade, como também apresenta em sua configuração o
118
que já desceu ao nível de momento e propriedade do espírito. A meta final
desse movimento é a intuição espiritual do que é o saber. A impaciência exige
o impossível, ou seja, a obtenção do fim sem os meios. De um lado, há que
suportar as longas distâncias desse caminho, porque cada momento é
necessário.
De outro lado, há que demorar-se em cada momento, pois cada um
deles é uma figura individual completa, e assim cada momento só é
considerado absolutamente enquanto sua determinidade for vista como todo ou
concreto, ou o todo [for visto] na peculiaridade dessa determinação. A
substância do indivíduo, o próprio espírito do mundo, teve a paciência de
percorrer essas formas na longa extensão do tempo e de empreender o
gigantesco trabalho da história mundial, plasmando nela, em cada forma, na
medida de sua capacidade, a totalidade de seu conteúdo; e nem poderia o
espírito do mundo com menor trabalho obter a consciência sobre si mesmo. E
por isso que o indivíduo, pela natureza da Coisa, não pode apreender sua
substância com menos esforço. Todavia, ao mesmo tempo tem fadiga menor,
porque a tarefa em si já está cumprida, o conteúdo é a efetividade reduzida à
possibilidade. Foi subjugada a imediatez, a configuração foi reduzida à sua
abreviatura, à simples determinação-de-pensamento. Sendo já um pensado, o
conteúdo é propriedade da substância; já não é o ser-aí na forma do ser-em-si,
porém é somente o que — não sendo mais simplesmente o originário nem o
imerso no ser-aí, mas o Em-si rememorado — deve ser convertido na forma do
ser-para-si. Convém examinar mais de perto a natureza desses agir.
O que nesse movimento é poupado ao indivíduo é o suprassumir do
ser-aí; mas o que ainda falta é a representação e o modo-de-conhecer com as
formas, O ser-aí, recuperado na substância, é, através dessa primeira
negação, apenas transferido imediatamente ao elemento do Si; assim, tem
ainda o mesmo caráter da imediatez não -conceitual, ou da indiferença imóvel
que o ser-aí mesmo: ou seja, ele apenas passou para a representação. Ao
mesmo tempo, o ser-aí se tomou por isso um bem-conhecido; um desses
[objetos] com que o espírito aí-essente já acertou as contas, e no qual, portanto
já não aplica sua atividade e com isso seu interesse. A atividade, já quite com o
ser-aí, é só movimento do espírito particular que não se concebe a si mesmo;
119
mas o saber, ao contrário, está dirigido contra a representação assim
constituída, contra esse ser-bem-conhecido; o saber é o agir do Si universal, e
o interesse do pensar. O bem-conhecido em geral, justamente por ser bem-
conhecido, não é reconhecido. E o modo mais habitual de enganar-se e de
enganar os outros: pressupor no conhecimento algo como já conhecido e
deixá-lo tal como está.
Um saber desses, com o vaivém de palavras, não sai do lugar — sem
saber como isso lhe sucede. Sujeito e objeto etc.; Deus, natureza, o
entendimento, a sensibilidade etc. são sem exame postos no fundamento,
como algo bem conhecido e válido, constituindo pontos fixos tanto para a
partida quanto para o retomo. O movimento se efetua entre eles, que ficam
imóveis; vai e vem só lhes tocando a superfície. Assim o apreender e o
examinar consistem em verificar se cada um encontra em sua representação o
que dele se diz, se isso assim lhe parece, se é bem-conhecido ou não.
Analisar uma representação, como ordinariamente se processava, não
era outra coisa que suprassumir a forma de seu Ser-bem-conhecido. Decompor
uma representação em seus elementos originários é retroceder a seus
momentos que, pelo menos, não tenham a forma da representação já
encontrada, mas constituam a propriedade imediata do Si. De certo, essa
análise só vem a dar em pensamentos, que por sua vez são determinações
conhecidas, fixas e tranquilas. Mas é um momento essencial esse separado,
que é também inefetiva; uma vez que o concreto, só porque se divide e se faz
inefetivo, é que se move. A atividade do dividir é a força e o trabalho do
entendimento, a força maior e mais maravilhosa, ou melhor: a potência
absoluta. O círculo, que fechado em si repousa, e retém como substância seus
momentos, é a relação imediata e, portanto nada maravilhosa. Mas o fato de
que, separado de seu contorno, o acidental como tal — o que está vinculado, o
que só é efetivo em sua conexão com outra coisa — ganhe um ser-aí próprio e
uma liberdade à parte, eis aia força portentosa do negativo: é a energia do
pensar, do puro Eu. A morte - se assim quisermos chamar essa inefetividade -
é a coisa mais terrível; e suster o que está morto requer a força máxima. A
beleza sem força detesta o entendimento porque lhe cobra o que não tem
condições de cumprir.
120
Porém não é a vida que se atemoriza ante a morte e se conserva
intacta da devastação, mas é a vida que suporta a morte e nela se conserva,
que é a vida do espírito. O espírito só alcança sua verdade à medida que se
encontra a si mesmo no dilaceramento absoluto. Ele não é essa potência como
o positivo que se afasta do negativo — como ao dizer de alguma coisa que é
nula ou falsa, liquidamos com ela e passamos a outro assunto. Ao contrário, o
espírito só é essa potência enquanto encara diretamente o negativo e se
demora junto dele. Esse demorar-se é o poder mágico que converte o negativo
em ser. Trata-se do mesmo poder que acima se denominou sujeito, e que ao
dar, em seu elemento, ser-aí à determinidade, suprassume a imediatez
abstrata, quer dizer, a imediatez que é apenas essente em geral. Portanto, o
sujeito é a substância verdadeira, o ser ou a imediatez — que não tem fora de
si a mediação, mas é a mediação mesma. O representado se torna
propriedade da pura consciência-de-si; mas essa elevação à universalidade em
geral não é ainda a formação cultural completa: é só um aspecto.
O gênero de estudos dos tempos antigos difere do dos tempos
modernos por ser propriamente a formação da consciência natural.
Pesquisando em particular cada aspecto de seu ser-aí, e filosofando sobre tudo
que se apresentava, o indivíduo se educava para a universalidade atuante em
todos os aspectos do concreto. Nos tempos modernos, ao contrário, o indivíduo
encontra a forma abstrata pronta. O esforço para apreendê-la e fazê-la sua é
mais o jorrar-para-fora, não-mediatizado, do interior, e o produzir abreviado do
universal, em vez de ser um brotar do universal a partir do concreto e da
variedade do ser-aí. Por isso o trabalho atualmente não consiste tanto em
purificar o indivíduo do modo sensível imediato, e em fazer dele uma
substância pensada e pensante; consiste antes no oposto: mediante o
suprassumir dos pensamentos determinados e fixos, efetivar e espiritualizar o
universal. No entanto é bem mais difícil levar à fluidez os pensamentos fixos,
que o ser-aí sensível. O motivo foi dado a cima: aquelas determinações têm
por substância e por elemento de seu ser-aí o Eu, a potência do negativo ou a
efetividade pura; enquanto as determinações sensíveis têm apenas a imediatez
abstrata impotente, ou o ser como tal. Os pensamentos se tornam fluidos
quando o puro pensar, essa imediatez interior, se reconhece como momento;
121
ou quando a pura certeza de si mesmo abstrai de si. Não se abandona, nem se
põe de lado; mas larga o [que há de] fixo em seu pôr-se a si mesma — tanto o
fixo do concreto puro, que é o próprio Eu em oposição ao conteúdo distinto,
quanto o fixo das diferenças, que postas no elemento do puro pensar partilham
dessa incondicionalidade do Eu.
Mediante esse movimento, os puros pensamentos se tornam conceitos,
e somente então eles são o que são em verdade: auto movimentos, círculos. É
o que sua substância é: essencialidades espirituais. Esse movimento das
essencialidades puras constitui a natureza da cientificidade em geral.
Considerado como conexão do conteúdo delas, é a necessidade e a expansão
do mesmo num todo orgânico. O caminho pelo qual se atinge o conceito do
saber torna-se igualmente, por esse movimento, um vira- ser necessário e
completo. Assim essa preparação deixa de ser um filosofar casual que se liga a
esses ou àqueles objetos, relações e Pensamentos da consciência imperfeita,
como os que o acaso traz Consigo; ou que busca fundar o verdadeiro por
raciocínios ziguezagueantes, conclusões e deduções de pensamentos
determinados. Ao contrário, esse caminho abarcará por seu movimento a
mundanidade completa da consciência em sua necessidade.
Tal apresentação constitui, além disso, a primeira parte da ciência,
porque o ser-aí do espírito, enquanto primeiro, não é outra coisa que o imediato
ou o começo; mas o começo ainda não é seu retorno a si mesmo. O elemento
do ser-aí imediato é, por isso, a determinidade pela qual essa parte da ciência
se diferencia das outras. A alusão a essa diferença leva à discussão de alguns
pensamentos estabelecidos que costumam apresentar-se a esse respeito. O
ser-aí imediato do espírito — a consciência - tem os dois momentos: o do saber
e o da objetividade, negativo em relação ao saber. Quando nesse elemento o
espírito se desenvolve e expõe seus momentos, essa oposição recai neles, e
então surgem todos como figuras da consciência. A ciência desse itinerário é a
ciência da experiência que faz a consciência; a substância é tratada tal como
ela e seu movimento são objetos da consciência. A consciência nada sabe,
nada concebe, que não esteja em sua experiência, pois o que está na
experiência é só a substância espiritual, e em verdade, como objeto de seu
próprio Si. O espírito, porém, se torna objeto, pois é esse movimento de tornar-
122
se Outro — isto é, objeto de seu Si — e de suprassumir esse ser outro.
Experiência é justamente o nome desse movimento em que o imediato, o não
experimentado, ou seja, o abstrato — quer do ser sensível, quer do Simples
apenas pensado — se aliena e depois retorna a si dessa alienação; e por isso
— como é também propriedade da consciência — somente então é exposto em
sua efetividade e verdade.
A desigualdade que se estabelece na consciência entre o Eu e a
substância — que é seu objeto — é a diferença entre eles, o negativo em geral.
Pode considerar-se como falha dos dois, mas é sua alma, ou seja, é o que os
move. Foi por isso que alguns dos antigos conceberam o vazio como o motor.
De fato, o que conceberam foi o motor como o negativo, mas ainda não o
negativo como o Si. Ora, se esse negativo aparece primeiro como
desigualdade do Eu em relação ao objeto, é do mesmo modo desigualdade da
substância consigo mesma. O que parece ocorrer fora dela — ser uma
atividade dirigida contra ela — é o seu próprio agir; e ela se mostra [assim] ser
essencialmente sujeito. Quando a substância tiver revelado isso
completamente, o espírito terá tornado seu ser-aí igual à sua essência: [então]
é objeto para si mesmo tal como ele é; e foi superado o elemento abstrato da
imediatez e da separação entre o saber e a verdade. O ser está absolutamente
mediatizado: é conteúdo substancial que também, imediatamente, é
propriedade do Eu; tem a forma do Si, ou seja, é o conceito. Neste ponto se
encerra a Fenomenologia do Espírito. O que o espírito nela se prepara é o
elemento do saber. Agora se expandem nesse elemento os momentos do
espírito na forma da simplicidade, que sabe seu objeto como a si mesmo.
Esses momentos já não incidem na oposição entre o ser e o saber,
separadamente; mas ficam na simplicidade do saber — são o verdadeiro na
forma do verdadeiro, e sua diversidade só diversidade de conteúdo. Seu
movimento, que nesse elemento se organiza em um todo, é a Lógica ou
Filosofia Especulativa. Uma vez que aquele sistema da experiência do espírito
capta somente sua aparição, assim parece puramente negativo o processo que
conduz através do sistema da experiência à ciência do verdadeiro que está na
forma do verdadeiro. Alguém poderia querer ser dispensado do negativo
enquanto falso e conduzido sem delongas à verdade; para que enredar-se com
123
o falso? Já se falou acima [da opinião] de que se deve começar, logo de uma
vez, com a ciência; vamos aqui responder a isso, a partir de [seu] ponto de
vista sobre a natureza do negativo, [que toma] como o falso em geral. As
representações a propósito impedem notavelmente o acesso à verdade. Assim
teremos ocasião de falar sobre o conhecimento matemático, que o saber não
filosófico considera como o ideal que a filosofia deve esforçar-se para atingir,
mas que até agora tentou sem êxito.
O verdadeiro e o falso pertencem aos pensamentos determinados que,
carentes-de-movimento, valem como essências próprias, as quais, sem ter
nada em comum, permanecem isoladas, uma em cima, outra embaixo. Contra
tal posição deve-se afirmar que a verdade não é uma moeda cunhada, pronta
para ser entregue e embolsada sem mais. Nem há um falso, como tampouco
há um mal. O mal e o falso, na certa, não são malignos tanto como o demônio,
pois deles se fazem sujeitos particulares (como, aliás, também do demônio).
Como mal e falso, são apenas universais; não o bastante tem sua própria
essencialidade, um em contraste com o outro. O falso — pois só dele aqui se
trata — seria o Outro, o negativo da substância, a qual é o verdadeiro, como
conteúdo do saber. Mas a substância mesma é essencialmente o negativo; em
parte como diferenciação e determinação do conteúdo, em parte como um
diferenciar simples, isto é, como Si e saber em geral. É bem possível saber
falsamente. Saber algo falsamente significa que o saber está em desigualdade
com sua substância.
Ora, essa desigualdade é precisamente o diferenciar em geral, é o
momento essencial. E dessa diferenciação que provém sua igualdade; e essa
igualdade que-veio-a-ser é a verdade. Mas não é a verdade como se a
desigualdade fosse jogada fora, como a escória, do metal puro; nem tampouco
como o instrumento que se deixa de lado quando o vaso está pronto; ao
contrário, a desigualdade como o negativo, como o Si, está ainda presente ela
mesma no verdadeiro como tal, imediatamente. Mas não se pode dizer por isso
que o falso constitua um momento ou mesmo um componente do verdadeiro.
Nesta expressão: “todo o falso tem algo de verdadeiro”, os dois termos contam
como azeite e água que não se misturam, mas só se unem exteriormente. Não
se devem mais usar as expressões de desigualdade onde o seu ser-outro foi
124
suprassumido — justamente por causa da significação, para designar o
momento do completo ser-outro. Assim como a expressão da unidade do
sujeito e do objeto, do finito e do infinito, do saber e do pensamento etc. tem o
inconveniente de significar que o sujeito, o objeto etc. são fora de sua unidade;
e, portanto, na unidade não são o que sua expressão enuncia do mesmo modo
o falso é um momento da verdade, [mas] não mais como falso.
O dogmatismo — esse modo de pensar no saber e no estudo da filosofia
— não é outra coisa senão a opinião de que o verdadeiro consiste numa
proposição que é um resultado fixo, ou ainda, que é imediatamente conhecida.
As questões como estas — Quando nasceu César? Que estádio era e quanto
media? — deve-se dar uma resposta nítida. Do mesmo modo, é rigorosamente
verdadeiro que no triângulo retângulo o quadrado da hipotenusa é igual à soma
dos quadrados dos catetos. Mas a natureza de tal verdade (como a chamam) é
diferente da natureza das verdades filosóficas. No que concerne às verdades
históricas — para mencioná-las brevemente — enquanto consideradas do
ponto de vista exclusivamente histórico, admite-se sem dificuldade que dizem
respeito ao ser-aí singular, a um conteúdo sob o aspecto de sua contingência e
de seu arbitrário; — determinações do conteúdo que não são necessárias. Mas
até mesmo verdades nuas, como as supracitadas em exemplo, não são sem o
movimento da consciência-de-si. E preciso muito comparar para conhecer uma
só delas; há que consultar livros ou pesquisar, seja de que maneira for.
Ainda no caso de uma intuição imediata, só será tido como possuindo
verdadeiro valor seu conhecimento junto com suas razões; embora o que
realmente interesse seja seu resultado puro e simples. Quanto às verdades
matemáticas, ainda seria menos tido como um geômetra quem soubesse os
teoremas de Euclides exteriormente, sem conhecer suas demonstrações (ou
conhecer interiormente, para exprimir-se por contraste). Também não seria
considerado satisfatório o conhecimento da relação bem conhecida entre os
lados do triângulo retângulo, se fosse adquirido medindo muitos triângulos
retângulos. Mas a essencialidade da demonstração não tem ainda, mesmo no
conhecimento matemático, a significação e a natureza de ser um momento do
resultado mesmo; ao contrário, no resultado da demonstração some e
desvanece. Sem dúvida, como resultado, o teorema é reconhecido como um
125
teorema verdadeiro. Mas essa circunstância, que se acrescentou depois, não
concerne ao seu conteúdo, mas só à relação para com o sujeito. O movimento
da prova matemática não pertence àquilo que é objeto, mas é um agir exterior
à Coisa.
Assim não é a natureza do triângulo retângulo que se decompõe tal
como é representada na construção necessária à demonstração do teorema
que exprime sua relação; todo o [processo de] produzir o resultado é um
caminho e um meio do conhecimento. Também no conhecimento filosófico o
vir-a-ser do ser-aí como ser-aí difere do vir-a-ser da essência ou da natureza
interior da coisa. Mas, primeiro, o conhecimento filosófico contém os dois,
enquanto o conhecimento matemático só apresenta o vir-a-ser do ser-aí, isto é,
do ser da natureza da Coisa no conhecer como tal. Segundo, o conhecimento
filosófico unifica também esses dois movimentos particulares. O nascer interior,
ou o vir-a-ser da substância, é inseparavelmente transitar para o exterior ou
para o ser-aí; é ser para Outro.
Inversamente, o vir-a-ser do ser-aí é o recuperar a si mesmo na
essência. O movimento é assim o duplo processo e vir-a-ser do todo; de modo
que cada momento põe ao mesmo tempo o outro, e por isso cada qual tem em
si, como dois aspectos, ambos os momentos; e eles, conjuntamente,
constituem o todo, enquanto se dissolvem a si mesmos e se fazem momentos
seus. No conhecer matemático, a intelecção é para a Coisa um agir exterior;
segue-se daí que a verdadeira Coisa é por ele alterada. O meio [desse
conhecimento] — a construção e a demonstração — contém proposições
verdadeiras; mas também se deve dizer que o conteúdo é falso. No exemplo
acima, se desmembra o triângulo, e suas partes são articuladas em outras
figuras que a construção faz nele surgir. Só no final se restabelece o triângulo,
aquele de que justamente se tratava, mas que foi perdido de vista no processo
[da demonstração], reduzido a peças que faziam parte de outras totalidades.
Vemos assim que também nesse ponto ressalta a negatividade do
conteúdo, a qual devia ser chamada uma falsidade do conteúdo, com tanta
razão como se chama falsidade o desvanecer dos pensamentos, que se tinha
por fixos, no movimento do conceito. Mas a falha própria desse conhecimento
afeta tanto o conhecimento mesmo quanto a sua matéria em geral. No que toca
126
ao conhecimento, não parece clara, à primeira vista, a necessidade da
construção. Não deriva do conceito do teorema, mas é algo imposto: deve-se
obedecer às cegas a prescrição de traçar justamente estas linhas, quando
infinitas outras poderiam ser traçadas; sem nada mais saber, acreditar
piamente que esse processo é adequado para a conduta da demonstração.
Mais tarde se mostra também essa conformidade com o fim, que é só urna
conformidade exterior, pelo motivo de que só se manifesta quando feita sua
demonstração. Assim, essa demonstração toma um caminho que começa num
ponto qualquer, sem se saber que relação tem com o resultado que devem
porvir.
O curso da demonstração assume estas determinações e relações e
deixa outras de lado, sem que imediatamente se possa ver qual a necessidade
[disso]; uma finalidade exterior comanda esse movimento. A matemática se
orgulha e se pavoneia frente à filosofia — por causa desse conhecimento
defeituoso, cuja evidência reside apenas na pobreza de seu fim e da
deficiência de sua matéria; portanto, um tipo de evidência que a filosofia deve
desprezar. O fim — ou o conceito— da matemática é a grandeza. Essa é
justamente a relação inessencial carente-de-conceito. Por isso, o movimento
do saber [matemático] passa por sobre a superfície, não toca a Coisa mesma,
não toca a essência ou o conceito, e, portanto não é um conceber. A matéria,
onde a matemática preserva um tesouro gratificante de verdades, é o espaço e
o uno. O espaço é o ser-aí, no qual o conceito inscreve suas diferenças, como
num elemento vazio e modo, no qual as diferenças são igualmente imóveis e
sem vida.
O efetivo não é algo espacial, como é tratado na matemática; com tal
inefetividade, como são as coisas da matemática não se ocupa nem a intuição
sensível concreta nem a filosofia. Por conseguinte, nesse elemento inefetivo,
só há também um Verdadeiro inefetivo; isto é, proposições mortas e rígidas.
Em cada uma dessas proposições é possível parar; a seguinte recomeça tudo
por sua conta, sem que a primeira se movesse até ela, e sem que assim
surgisse uma conexão necessária através da natureza da Coisa mesma. Além
disso, em virtude daquele princípio ou elemento, o saber prossegue pela linha
da igualdade — e nisso consiste o formal da evidência matemática. Com efeito,
127
o morto, porque não se move, não chega à diferença da essência nem à
oposição essencial ou desigualdade — e, portanto à passagem do oposto no
oposto —, nem à passagem qualitativa, imanente; e nem ao automovimento.
Pois o que a matemática considera é somente a grandeza, a diferença
Inessencial: abstrai do fato de que é o conceito que divide o espaço em suas
dimensões, e que determina as conexões entre as dimensões e dentro delas.
Não considera, por exemplo, a relação da linha com a superfície, e quando
compara o diâmetro do círculo com a periferia, choca-se contra a sua
incomensurabilidade, quer dizer, uma relação do conceito, um infinito que
escapa à sua determinação. A matemática imanente, a que chamam de
matemática pura, não põe o tempo como tempo, frente ao espaço, como a
segunda matéria de sua consideração. A matemática aplicada trata de fato do
tempo, do movimento e de várias outras coisas efetivas. Mas tomam da
experiência as proposições sintéticas, isto é, proposições sobre suas relações
que são determinadas por meio de seu conceito, e só [com base] nessas
pressuposições aplicam suas fórmulas.
De tais proposições, a matemática aplicada oferece em abundância o
que chama demonstrações: — como a do equilíbrio da alavanca e a da relação
entre o espaço e o tempo no movimento da queda livre. Mas que sejam dadas
e aceitas como demonstrações, Prova apenas a grande necessidade da prova
para o conhecimento, pois, quando não tem mais provas, valoriza até sua
aparência vazia e ali encontra alguma satisfação. Uma crítica dessas
demonstrações seria tão digna de nota quanto instrutiva: de um lado, por
expurgar a matemática dessas bijuterias, e, de outro lado, por mostrar seus
limites, e, portanto, a necessidade de outro saber. No que concerne ao tempo,
pensam que deve constituir a matéria da outra parte da matemática pura, em
contrapartida com o espaço; mas o tempo é o próprio conceito aí-essente. O
princípio da grandeza — a diferença carente de- conceito —, e o princípio da
igualdade — a unidade abstrata sem-vida — não é capaz de apreender o
tempo, essa pura inquietude da vida e diferenciação absoluta. Assim, essa
negatividade só se torna a segunda matéria do conhecimento matemático
como paralisada, isto é, como o uno; esse conhecimento é um agir exterior,
128
que reduz o automovimento à matéria; e nela possui então um conteúdo
indiferente, exterior e sem-vida.
A filosofia, ao contrário, não considera a determinação inessencial, mas
a determinação enquanto essencial. Seu elemento e seu conteúdo não é o
abstrato e o inefetivo, mas sim o efetivo, que se põe a si mesmo e é em si
vivente: o ser-aí em seu conceito. E o processo que produz e percorre os seus
momentos; e o movimento total constitui o positivo e sua verdade. Movimento
esse que também encerra em si o negativo, que mereceria o nome de falso se
fosse possível tratar o falso como algo de que se tivesse de abstrair. Ao
contrário, o que deve ser tratado como essencial é o próprio evanescente; não
deve ser tomado na determinação de algo rígido, cortado do verdadeiro,
deixado fora dele não se sabe onde; nem tampouco o verdadeiro como um
positivo morto jazendo do outro lado. A aparição é o surgir e o passar que não
surge nem passa, mas que é em si e constitui a efetividade e o movimento da
vida da verdade. O verdadeiro é assim o delírio báquico, onde não há membro
que não esteja ébrio; e porque cada membro, ao separar-se, também
imediatamente se dissolve, esse delírio é ao mesmo tempo repouso translúcido
e simples. Perante o tribunal desse movimento não se sustêm nem as figuras
singulares do espírito, nem os pensamentos determinados; pois aí tanto são
momentos positivos necessários; quanto são negativos e evanescentes. Na
totalidade do movimento, compreendido como [estado de] repouso, o que nele
se diferencia e se dá um ser-aí particular é conservado como algo que se
rememora, cujo ser-aí é o saber de si mesmo; como esse saber é também
imediatamente ser-aí. Talvez pareça necessário indicar antes os pontos
principais do método desse movimento, ou da ciência. Mas seu conceito já se
encontra no que foi dito, e sua apresentação autêntica pertence à Lógica, ou
melhor, é a própria Lógica.
Pois o método não é outra coisa que a estrutura do todo, apresentada
em sua pura essencialidade. Porém, quanto às opiniões em voga até agora
sobre o método, devemos ter consciência de que também o sistema das
representações relativas ao método filosófico pertence a uma cultura
desaparecida. Isso pode soar um tanto arrogante ou revolucionário — um tom
de que me sinto bem distante. Porém deve-se observar que a opinião [corrente]
129
já acha pelo menos antiquado todo o aparato científico oferecido pela
matemática — explicações, divisões, axiomas, séries de teoremas e suas
demonstrações, princípios com suas demonstrações e conclusões. Embora sua
inutilidade não seja claramente entendida, contudo se faz pouco uso, ou
nenhum, desse método: se não é em si desaprovado, também não é estimado.
Ora, devemos ter essa pressuposição a respeito do excelente: de que seja
aplicado e se faça amar. Mas não é difícil perceber que essa maneira [de
proceder] — expor uma proposição, defendê-la com argumentos, refutar o seu
oposto com razões — não é a forma como a verdade pode manifestar-se. A
verdade é seu próprio movimento dentro de si mesmo; mas aquele método é o
conhecer que é exterior à matéria. Por isso, como já notamos, é próprio da
matemática e devesse-lhe deixar, pois tem como princípio a relação de
grandeza — relação carente-de conceito —, e tem como matéria o espaço
morto e o Uno igualmente morto.
Mas esse método pode continuar a ser utilizado, de maneira mais livre
— quer dizer, mais misturado com capricho e contingência — na vida cotidiana,
na conversação e na informação histórica, que ficam mais na curiosidade que
no conhecimento. Também um prefácio é mais ou menos isso. A consciência
na vida cotidiana tem, em geral, por seu conteúdo, conhecimentos,
experiências, sensações de coisas concretas, e também pensamentos,
princípios — o que vale para ela como um dado ou então como ser ou essência
fixos e estáveis. A consciência, em parte, discorre por esse conteúdo; em
parte, interrompe seu [dis]curso, comportando-se como um manipular do
mesmo conteúdo, desde fora. Reconduz o conteúdo a algo que parece certo,
embora seja só a impressão do momento; e a convicção fica satisfeita quando
atinge um ponto de repouso já conhecido. Mas se a necessidade do conceito
exclui o caminho folgado da conversa raciocinante, como também o rígido
procedimento do pedantismo científico, seu lugar, como acima lembramos, não
deve ser tomado pelo não método do pressentimento e do entusiasmo, e pelo
arbitrário do discurso profético que não só despreza aquela cientificidade, mas
a cientificidade em geral. O conceito da ciência surgiu depois que se elevou à
sua significação absoluta aquela forma triádica que em Kant era ainda carente-
de-conceito, morta, e descoberta por instinto.
130
Assim, a verdadeira forma foi igualmente estabelecida no seu verdadeiro
conteúdo. Não se pode, de modo algum, considerar como científico o uso
daquela forma [triádica], onde a vemos reduzida a um esquema sem vida, a um
verdadeiro fantasma. A organização científica [está aí] reduzida a uma tabela.
Já falamos acima desse formalismo de modo geral. Queremos agora expor
mais de perto sua maneira de proceder. Julga que concebeu e exprimiu a
natureza e a vida de uma figura, quando afirmou como predicado uma
determinação do esquema; por exemplo, a subjetividade ou a objetividade, ou
então o magnetismo, a eletricidade etc., a contração ou a expansão, o oeste ou
o leste etc. Coisas semelhantes podem ser multiplicadas ao infinito, pois, nesse
procedimento, cada determinação ou figura pode ser reutilizada em outra,
como forma ou momento do esquema; e cada uma, agradecida, pode prestar o
mesmo serviço à outra. E um círculo de reciprocidades, através do qual não se
experimenta o que seja a Coisa mesma, nem o que seja uma nem a outra. Aí
se aceitam, por um lado, determinações sensíveis da intuição vulgar, que de
certo devem significar algo diverso do que dizem; e, por outro lado, o que é em
si significante, as determinações puras do pensamento — como sujeito, objeto,
substância, a causa, universal etc. — são aplicadas tão sem reflexão e sem
crítica como na vida cotidiana.
Do mesmo modo [se fala de] força e fraqueza, expansão e contração, de
tal forma que aquela metafísica é tão a-científica quanto essas representações
sensíveis. Em vez da vida interior e do automovimento de seu ser-aí, essa
simples determinidade da intuição — quer dizer, aqui: do saber sensível — se
exprime conforme uma analogia superficial. Chama-se construção essa
aplicação vazia e exterior da fórmula. A tal formalismo toca a mesma sorte de
qualquer formalismo. Deve ser bem obtusa a cabeça em que não se possa
inculcar, num quarto de hora, a teoria das doenças astênicas, estênicas; e
indiretamente astênicas e outros tantos métodos de cura. E como não esperar,
com tal ensino, em pouco tempo transformar um curandeiro em doutor? O
formalismo da filosofia da natureza pode ensinar que a inteligência é a
eletricidade, ou que o animal é o nitrogênio, ou então igual ao sul ou ao norte;
ou representar isso tão cruamente como aqui se exprime, ou temperá-lo com
mais terminologia. A incompetência poderá sentir-se atônita ante uma força tal
131
que congrega aparências tão distantes uma da outra; ante a violência que sofre
o pacato mundo sensível através dessa vinculação que lhe dá assim a
aparência de um conceito — embora sem exprimir o que há de mais
importante: o conceito mesmo ou o significado da representação sensível.
A incompetência poderá também inclinar-se ante tão profunda
genialidade, alegrar-se com a clareza de tais determinações que substituem o
conceito abstrato por algo intuitivo e o tomam mais agradável; e felicitar-se por
sentir uma afinidade de alma com tão soberana façanha. O truque de tal
sabedoria é tão depressa aprendido como é fácil de aplicar; mas sua repetição,
quando já está conhecido, é tão insuportável como a repetição de um truque de
prestidigitação já descoberto.
O instrumento desse monótono formalismo não é mais difícil de manejar
que a paleta de um pintor sobre a qual só houvesse duas cores, digamos, o
vermelho o verde, usadas conforme se exigisse para colorir a tela, pintando
com uma delas cenas históricas, e, com a outra, paisagens. Difícil decidir o que
é maior: a sem-cerimônia com que se pinta tudo que há no céu, na terra e nos
infernos com tal sopa de tintas; ou a vaidade pela excelência desse meio-
universal: uma coisa serve de apoio à outra. Revestindo tudo o que é celeste e
terrestre, todas a figuras naturais e espirituais com um par de determinações
do esquema universal, e dessa maneira organizando tudo — o que esse
método produz não é nada menos que um “Informe Claro Como o Sol”1 sobre
o organismo do universo, isto é, uma tabela semelhante a um esqueleto, com
cartõezinhos colados, ou uma prateleira de latas com suas etiquetas
penduradas num armazém. A tabela é tão clara quanto os exemplos acima;
mas como no esqueleto a carne e o sangue foram retirados dos ossos, e como
nas latas estão escondidas coisas sem vida, assim também na tabela a
essência viva da Coisa está abandonada ou escondida. Já se fez notar que
esse procedimento termina numa pintura absolutamente unicolor porque, ao
envergonhar-se das diferenças do esquema, as submerge como se
pertencessem à reflexão, na vacuidade do absoluto, de modo que se
estabeleça a pura identidade, o branco sem-forma. Essa monocromia do
esquema e de suas determinações sem vida, essa identidade absoluta e o
132
passar de uma coisa para outra, tudo isso é igualmente entendimento morto, e
igualmente conhecimento exterior.
Alusão a um título de um livro de Fichte, mas o excelente não pode
escapar ao destino de tomar-se assim sem vida e sem espírito, esfolado desse
modo por um saber carente-de-vida e pela vaidade dele. Mais ainda: tem de
reconhecer nesse mesmo destino o poder que o excelente exerce sobre as
almas, se não sobre os espíritos, e também o aprimoramento em direção da
universalidade e determinidade da forma, em que sua perfeição consiste;
somente ela possibilita que essa universalidade seja usada superficialmente. A
ciência só se permite organizar mediante a própria vida do conceito: nela, a
determinidade, que do esquema é aplicada exteriormente ao ser-aí, constitui a
alma semovente do conteúdo pleno. O movimento do essente consiste, de um
lado, em tomar-se Outro, e, assim, seu próprio conteúdo imanente; de outro
lado, o essente recupera em si esse desenvolvimento ou esse seu ser-aí. Isto
é, faz de si mesmo um momento e se simplifica em direção à determinidade.
A negatividade é nesse movimento o diferenciar e o pôr do ser-aí; e é,
nesse retomar a si, o vir-a-ser da simplicidade determinada. Dessa maneira, o
conteúdo mostra que sua determinidade não é recebida de outro e pregada
nele; mas antes, é o conteúdo que se outorga a determinidade e se situa, de
per si, em um momento e em um lugar do todo. O entendimento tabelador
guarda para si a necessidade e o conceito do conteúdo: [tudo] o que constitui o
concreto, a efetividade e o movimento vivo da coisa que classifica. Ou melhor:
não é que o guarde para si, mas o desconhece; pois se tivesse essa
perspicácia, bem que a mostraria. Na verdade, nem sequer conhece sua
necessidade, aliás, renunciaria a seu esquematizar, ou pelo menos só o
tomaria por uma indicação-do-conteúdo. De fato, tal procedimento só fornece
uma indicação-do-conteúdo, e não o conteúdo mesmo. Uma determinidade, tal
como o magnetismo, por exemplo, em si concreta ou efetiva, é reduzida a algo
morto, pois só é tomada como predicado de outro ser-aí, e não como vida
imanente desse ser-aí; ou seja, como o que tem nele sua autoprodução íntima
e peculiar, e sua exposição. Levar a cabo essa tarefa suprema — isso o
entendimento formal deixa para os Outros.
133
Em vez de penetrar no conteúdo imanente da coisa, o entendimento
lança uma vista geral sobre o todo, e vem pairar sobre um ser-aí singular do
qual fala; quer dizer, não a enxerga de modo nenhum. Entretanto o
conhecimento científico requer o abandono à vida do objeto; ou, o que é o
mesmo, exige que se tenha presente e se exprima a necessidade interior do
objeto. Desse modo, indo a fundo a seu objeto, esquece aquela vista geral que
é apenas a reflexão do saber sobre si mesmo a partir do conteúdo. Contudo,
submerso na matéria e avançando no movimento dela, o conhecimento
científico retoma a si mesmo; mas não antes que a implementação ou o
conteúdo, retirando-se em si mesmo e simplificando-se rumo à determinidade,
se tenha reduzido a um dos aspectos de um ser-aí, e passado à sua mais alta
verdade. Através desse processo, o todo simples, que não enxergava a si
mesmo, emerge da riqueza em que sua reflexão parecia perdida. Por este
motivo em geral, que a substância é nela mesmo sujeito, como acima foi dito,
todo o seu conteúdo é sua própria reflexão sobre si. O subsistir ou a substância
de um ser-aí é a igualdade-consigo mesmo, já que sua desigualdade consegue
seria sua dissolução. Porém a igualdade-consigo-mesmo é a pura abstração;
mas esta é o pensar. Quando digo: qualidade, digo a determinidade simples;
por meio da qualidade, um ser-aí é diferente de outro, ou seja, é um ser-aí; é
para si mesmo ou subsiste por meio dessa simplicidade consigo mesmo. Mas
por isso é essencialmente o pensamento.
Aqui se conceitua que o ser é pensar; aqui incide a intuição que trata de
evitar o discurso — habitual e carente-de-conceito — da identidade entre o
pensar e o ser. Ora, uma vez que o subsistir do ser-aí é a igualdade-consigo
mesmo ou a pura abstração, ele é a abstração de si por si mesmo, ou é sua
desigualdade consigo e sua dissolução — sua própria interioridade e sua
retomada em si mesmo — seu vir-a-ser. Devido a essa natureza do essente, e
à medida que o essente tem tal natureza para o saber, este não é uma
atividade que manipule o conteúdo como algo estranho, nem é a reflexão sobre
Si, partindo do conteúdo. A ciência não é certo idealismo que se introduziu em
lugar do dogmatismo da afirmação, como o dogmatismo da asseveração ou
dogmatismo da certeza de si mesmo. Mas, enquanto o saber vê seu conteúdo
retomar à sua própria Interioridade, é antes sua atividade que nele está imersa,
134
por ser tal atividade o Si imanente do conteúdo; ela ao mesmo tempo retorna a
si, pois é a pura igualdade-consigo mesma no ser-outro. Assim, a atividade do
saber é a astúcia que, parecendo subtrair-se à atividade, vê como a
determinidade e sua vida concreta constitui um agir que se dissolve e se faz
um momento do todo; justamente onde acredita ocupar-se de sua própria
conservação e de seu interesse particular.
Apresentamos acima a significação do entendimento do lado da
consciência-de-si da substância. Mas, pelo que se disse agora, está clara sua
significação segundo a determinação da substância como essente. O ser-aí é
qualidade, determinidade igual-a-si-mesma ou simplicidade determinada,
pensamento determinado: esse é o entendimento do ser-aí. Por isso o ser-aí é
o “nous” e foi como tal que Anaxágoras reconheceu primeiro a essência. Seus
sucessores conceberam mais determinadamente a natureza do ser-aí como
“eidos” ou “ideia", isto é, universalidade determinada, espécie. A expressão
espécie parece talvez demasiado vulgar e pequena demais para as idéias, para
o belo, o sagrado, o eterno, que pululam no tempo atual. Mas, de fato, a idéia
não exprime nem mais nem menos que espécie.
Ora, vemos hoje com frequência que é desprezada uma expressão que
designa um conceito de maneira determinada, enquanto se prefere outra que
envolve de névoa o conceito e assim ressoa mais edificante, talvez apenas
porque pertence a um idioma estrangeiro. Precisamente pelo motivo de ser
determinado como espécie, o ser-aí é pensamento simples: o “nous”, a
simplicidade, é a substância. Graças à sua simplicidade e igualdade-consigo-
mesma, a substância aparece como firme e estável. Porém essa igualdade-
consigo-mesma é também negatividade, e por isso aquele ser-aí início,
aparenta ser apenas porque se refere a Outro; e seu movimento, imposto por
uma potência estranha. Mas o que está precisamente contido naquela
simplicidade do pensar é que a determinidade tem em si mesma o seu ser-
outro e que é automovimento; pois tal simplicidade é o pensamento que a si
mesmo se move e se diferencia: é a própria interioridade, o puro conceito.
Portanto, a inteligibilidade é, desse modo, um vir-a-ser; e enquanto é esse vir-
a-ser, é a racionalidade. A natureza do que é estar em ser, no seu próprio ser,
seu conceito: nisso consiste a necessidade lógica em geral. Só ela é o racional
135
ou o ritmo do todo orgânico: é tanto o saber do conteúdo quanto o conteúdo é
conceito e essência; ou seja, só a necessidade lógica é o especulativo.
A figura concreta, movendo-se a si mesma, faz de si uma determinidade
simples; com isso se eleva à forma lógica e é, em sua essencialidade. Seu ser-
aí concreto é apenas esse movimento, e é ser-aí lógico, imediatamente. E,
pois, inútil aplicar de fora o formalismo ao conteúdo concreto; [pois] esse
conteúdo é nele mesmo o passar ao formalismo. Mas [então] a forma é o vir-a-
ser inato do próprio conteúdo concreto. Essa natureza do método científico—
por um lado, ser inseparável do conteúdo, e, por outro lado, determinar seu
ritmo próprio por si mesmo — tem sua apresentação propriamente dita na
filosofia especulativa, como já foi lembrado. O que foi dito aqui exprime
certamente o conceito, mas não tem mais valor que uma asserção antecipada.
Sua verdade não se situa nessa exposição, parcialmente narrativa. Por isso
mesmo, não pode ser refutada pela asserção contrária: “de que não é assim,
mas dessa ou daquela maneira”; nem trazendo à lembrança e narrando
representações costumeiras como verdades bem conhecidas e estabelecidas;
nem apresentando e asseverando algo novo, tirado do escrínio da intuição
divina interior. Frente ao desconhecido, a primeira reação do saber costuma
ser um acolhimento desses; para salvaguardar sua liberdade e perspicácia, e a
própria autoridade frente à autoridade estranha (pois o que se apreende pela
primeira vez parece ter essa forma); mas também para evitar essa aparência
ou espécie de vergonha que reside no fato de aprender alguma coisa. Do
mesmo modo, no caso de acolhimento favorável do desconhecido, a reação da
mesma espécie consiste no que foram, em outra esfera, o discurso e a ação
ultrarrevolucionários.
Por conseguinte, o que importa no estudo da ciência é assumir o esforço
tenso do conceito. A ciência exige atenção ao conceito como tal, às
determinações simples, por exemplo, do ser-em-si, do ser-para-si, da igualdade
consigo- mesmo etc., já que esses são puros automovimento tais que se
poderiam chamar de almas, se não designasse seu conceito algo mais elevado
que isso. Para o hábito de guiar-se por representações é molesta a interrupção
que o conceito nelas introduz; sucede o mesmo com o pensar formal que
raciocina ziguezagueando entre pensamentos inefetivos. Esse hábito merece o
136
nome de pensamento material, de consciência contingente, imersa somente no
conteúdo material, para a qual é custoso ao mesmo tempo elevar da matéria
seu próprio Si e permanecer junto a si. Ao contrário, o outro modo de pensar, o
raciocinar, é a liberdade [desvinculada] do conteúdo, é a vaidade [exercendo-
se] sobre ele.
Exige-se da vaidade o esforço de abandonar tal liberdade; e, em vez de
ser o princípio motor arbitrário do conteúdo, mergulhar essa liberdade nele,
fazer que se mova conforme sua própria natureza, isto é, através do Si como
seu próprio conteúdo; e contemplar esse movimento.
Renunciar a suas próprias incursões no ritmo imanente do conteúdo;
não interferir nele através de seu arbítrio e de sabedoria adquirida alhures, —
eis a discrição que é, ela mesma, um momento essencial da atenção ao
conceito. Na atitude raciocinante, dois aspectos devem ser ressaltados —
aspectos segundo os quais o pensamento conceitual é o seu oposto. De uma
parte, o procedimento raciocinante se comporta negativamente em relação ao
conteúdo aprendido; sabe refutá-lo e reduzi-lo a nada. Essa intelecção de que
o conteúdo não é assim é algo puramente negativo: é o ponto terminal que a si
mesmo não ultrapassa rumo a novo conteúdo, mas para ter de novo um
conteúdo, deve arranjar outra coisa, seja donde for. E a reflexão no Eu vazio, a
vaidade do seu saber. Essa vaidade não exprime apenas que esse conteúdo é
vão, mas também que é vã essa intelecção, por ser o negativo que não
enxerga em si o positivo. Por conseguinte, uma vez que não ganha como
conteúdo sua negatividade, essa reflexão, em geral, não está na Coisa, mas
passa sempre além dela; desse modo, com a afirmação do vazio, se afigura
estar sempre mais avançada que uma intelecção rica-de-conteúdo.
Ao contrário, como já foi mostrado, no pensar conceitual o negativo
pertence ao conteúdo mesmo e — seja como seu movimento imanente e sua
determinação seja como sua totalidade — é o positivo. O que surge desse
movimento, apreendido como resultado é o negativo determinado e, portanto é
igualmente um conteúdo positivo. Tendo, porém em vista que o pensamento
raciocinante tem um conteúdo, constituído por representações ou por
pensamentos — ou por uma mescla de ambos —, ele possui outro aspecto que
lhe dificulta o conceber. Sua natureza característica está estreitamente
137
vinculada essência da idéia indicada acima, ou melhor, a expressa tal qual se
manifesta como o movimento que é o apreender pensante. No seu
comportamento negativo, que acabamos de ver, o próprio pensar raciocinante
é o Si ao qual o conteúdo retoma; porém, no seu conhecer positivo, o Si é um
sujeito representado, com o qual o conteúdo se relaciona como acidente e
predicado.
Esses sujeitos constituíram a base à qual o predicado está preso, e
sobre a qual o movimento vai e vêm. No pensamento conceitual o sujeito
comporta-se de outra maneira. Enquanto o conceito é o próprio Si do objeto,
que se apresenta como seu vir-a-ser, não é um sujeito inerte que sustenha
imóvel os acidentes; mas é o conceito que se move, e que retoma em si suas
determinações. Nesse movimento subverte-se até aquele sujeito inerte:
penetra nas diferenças e no conteúdo, e em vez de ficar frente a frente com a
determinidade, antes a constitui: isto é, constitui conteúdo diferenciado como
também o seu movimento. Assim, a base firme, que o raciocinar tinha no
sujeito inerte, vacila; e é somente esse movimento que se toma o objeto. O
sujeito, que programa seu conteúdo, deixa de passar além dele, e não pode ter
mais outros predicados e acidentes. Inversamente, a dispersão do conteúdo é,
por isso, reunida sob o Si: o conteúdo não é o universal que, livre do sujeito,
pudesse convir a muitos. Assim o conteúdo já não é, na realidade, o predicado
do sujeito, mas é a substância: é a essência ou o conceito do objeto do qual se
fala.
O pensar representativo tem essa natureza de percorrer acidentes e
predicados; e com razão os ultrapassa, por serem apenas predicados e
acidentes. Mas agora é freado em seu curso, pois o que na proposição tem a
forma de um predicado é a substância mesma: sofre o que se pode representar
como um contrachoque. Tendo começado do sujeito, como se esse ficasse no
fundamento em repouso, descobre que — à medida que o predicado é antes a
substância — o sujeito passou para o predicado, e por isso foi suprassumido; e
enquanto o que parece ser predicado se tomou urna massa inteira e
independente, o pensamento já não pode vaguear livremente por aí, mas fica
retido por esse lastro. Aliás, o sujeito é, de início, posto como o Si se fixa e
objetivo, donde o movimento necessário passa à variedade das determinações
138
ou dos predicados. Aqui entra, no lugar daquele sujeito, o Próprio Eu que-sabe
— vínculo dos predicados com o sujeito que é seu suporte. Mas enquanto o
primeiro sujeito entra nas determinações mesmas e é sua alma, o segundo
sujeito — isto é, o Eu que-sabe — encontra ainda no predicado aquele primeiro
sujeito, quando julgava já ter liquidado com ele, e queria retomar a si mesmo
para além dele.
Em vez de ser o agente no movimento do predicado — como o
raciocinar sobre qual predicado deve ser atribuído ao sujeito —, deve, antes,
haver-se com o Si do conteúdo; não deve ser para si, mas em união com ele.
Formalmente pode exprimir-se assim o que foi dito: a natureza do juízo e da
proposição em geral — que em si inclui a diferença entre sujeito e predicado —
é destruída pela proposição especulativa; e a proposição da identidade, em
que a primeira se transforma, contém o contrachoque na relação sujeito-
predicado. O conflito entre a forma de uma proposição em geral e a unidade do
conceito que a destrói é semelhante ao que ocorre no ritmo entre o metro e o
acento. O ritmo resulta do balanceamento dos dois e de sua unificação. Assim
também, na proposição filosófica, a identidade do sujeito e do predicado não
deve anular sua diferença expressa pela forma da proposição; mas antes, sua
unidade deve surgir como uma harmonia.
A forma da proposição é a manifestação do sentido determinado ou do
acento, o qual diferencia o conteúdo que o preenche; porém a unidade em que
esse acento expira está em que o predicado exprima a substância e em que o
próprio sujeito incida no universal. Para esclarecer com exemplos o que vai
dito, na proposição “Deus é o ser” o predicado é o ser: tem uma significação
substancial na qual o sujeito se dissolve. Aqui “ser” não deve ser predicado,
mas a essência; por isso parece que, mediante a posição da proposição, Deus
deixa de ser o que é — a saber, sujeito fixo. O pensar, em vez de progredir na
passagem do sujeito ao predicado, se sente, com a perda do sujeito, antes
freado e relançado ao pensamento do sujeito, pois esse lhe faz falta. Ou seja: o
próprio predicado sendo expresso como um sujeito, como o ser, como a
essência que esgota a natureza do sujeito, o pensar encontra também o sujeito
imediatamente no predicado. Então, o pensar está ainda nas profundezas do
conteúdo, ou, ao menos, tem presente a exigência de nele se aprofundar; em
139
lugar de manter a livre posição do raciocinar que no predicado vai para si
mesmo. Assim, quando se diz: “o efetivo é o universal”, o efetivo, como sujeito,
some no seu predicado.
O universal não deve ter somente a significação do predicado, de modo
que a proposição exprima que o efetivo seja universal — mas o universal deve
exprimir a essência do efetivo. Perde assim o pensar seu firme solo objetivo,
que tinha no sujeito, quando [estando] no predicado é recambiado ao sujeito, e
no predicado não é a si que retoma, e sim ao sujeito do conteúdo. As queixas
sobre a incompreensibilidade das obras filosóficas se devem, sobretudo a esse
freio insólito, quando partem de pessoas que, aliás, têm nível de instrução
adequado para compreendê-las. Vemos no que foi dito, o motivo de uma
censura bem específica e frequente, de que os escritos filosóficos devem ser
lidos mais de uma vez antes de serem compreendidos— censura que deve
conter algo de irrefutável e definitivo ao ponto que, se fosse comprovada, não
admitiria réplica. Mas, do que acima foi dito, essa questão está situada com
clareza. A proposição filosófica, por ser proposição, evoca a idéia da relação
costumeira entre sujeito e predicado, e do procedimento habitual do saber. Tal
procedimento e a idéia a seu respeito são destruídos pelo conteúdo filosófico; a
opinião [corrente] experimenta que se entendia outra coisa e não o que ela
supunha; e essa correção, do que opinava, obriga o saber a voltar ã proposição
e a compreendê-la agora diversamente.
Uma dificuldade a evitar é a mistura do modo especulativo e do modo
raciocinante quando o que se diz do sujeito, ora tem a significação de seu
conceito, ora tem apenas a significação de seu predicado ou acidente. Um
procedimento estorva o outro, e só conseguirá plasticidade aquela exposição
filosófica que excluir rigorosamente a maneira como habitualmente são
relacionadas às partes de uma proposição. De fato, o pensar não especulativo
tem também seu direito, que é válido, mas não é levado em conta no modo da
proposição especulativa. A suprassunção da forma da proposição não pode
ocorrer só de maneira imediata, nem mediante o puro conteúdo da proposição.
No entanto, esse movimento Oposto necessita ter expressão: não deve ser
apenas aquela freagem interior, mas esse retomar do conceito a si tem de ser
apresentado. Esse movimento — que constitui o que a demonstração, aliás,
140
devia realizar — é o movimento dialético da proposição mesma. Só ele é o
Especulativo efetivo, e só o seu enunciar é exposição especulativa. Como
proposição, o especulativo é somente a freagem interior, o retomo não
aíessente da essência a si mesma. Por isso, vemos que as exposições
filosóficas com frequência nos remetem a essa intuição interior, e desse modo
ficamos privados dessa exposição dialética que reclamávamos. A proposição
deve exprimir o que é o verdadeiro; mas essencialmente, o verdadeiro é o
sujeito: e como tal é somente o movimento dialético, esse caminhar que a si
mesmo produz, que avança e que retoma a si. Em qualquer outro conhecer, a
demonstração constitui esse lado da expressão da interioridade.
Porém, desde que a dialética foi separada da demonstração, o conceito
da demonstração filosófica de fato se perdeu. Pode-se lembrar a respeito que o
movimento dialético tem igualmente proposições como partes ou elementos
seus: a dificuldade indicada parece assim voltar sempre, e ser uma dificuldade
da Coisa mesma. E semelhante à o que sucede na demonstração ordinária: os
fundamentos que utiliza precisam por sua vez de uma fundamentação, e assim
por diante até o infinito. Mas essa forma de fundar e de condicionar pertence
àquele demonstrar que é diferente do movimento dialético; portanto, pertence
ao conhecer exterior. No que toca ao movimento dialético, seu elemento é o
conceito puro, e por isso tem um conteúdo que em si mesmo é absolutamente
sujeito. Assim, nenhum conteúdo ocorre que se comporte ao modo de um
sujeito posto como fundamento, e ao qual advenha sua significação como um
predicado: a proposição, imediatamente, é só uma forma vazia. Excetuando o
Si intuído sensivelmente ou representado, é, sobretudo o nome como nome
que indica o sujeito puro, o Uno vazio e carente-de-conceito. Por esse motivo
pode ser útil, por exemplo, evitar o nome “Deus”, porque essa palavra não é,
ao mesmo tempo, imediatamente conceito, mas o nome propriamente dito: o
repouso fixo do sujeito que está no fundamento.
Ao contrário, por exemplo, o ser, o uno, a singularidade, o sujeito, etc.
designam eles mesmos imediatamente também conceitos. Aliás, se forem
enunciadas verdades especulativas sobre aquele sujeito, seu conteúdo carece
de conceito imanente, pois o sujeito só está presente como sujeito em repouso,
e por essa circunstância tais verdades recebem facilmente a forma de mera
141
edificação. Sob esse aspecto também o obstáculo reside no hábito de
entender, segundo a forma da proposição, o predicado especulativo, e não
como conceito ou essência; e pode aumentar ou diminuir por culpa da própria
exposição filosófica. A apresentação, fiel à visão da natureza do especulativo,
deve manter a forma dialética e nada incluir a não ser na medida em que é
concebido e que é o conceito. Constitui um obstáculo ao estudo da filosofia, tão
grande quanto a atitude raciocinante, a presunção — que não raciocina — das
verdades feitas. Seu possuidor não acha preciso retornar sobre elas, mas as
coloca no fundamento, e acredita que não só pode exprimi-las, mas também
julgar e condenar por meio delas. [Vendo as coisas] por esse lado, é
particularmente necessário fazer de novo do filosofar uma atividade séria.
Para se ter qualquer ciência, arte, habilidade, ofício, prevalece a
convicção da necessidade de um esforço complexo de aprender e de exercitar-
se. De fato, se alguém tem olhos e dedos e recebe couro e instrumentos, nem
por isso está em condições de fazer sapatos. Ao contrário, no que toca à
filosofia, domina hoje o preconceito de que qualquer um sabe imediatamente
filosofar e julgar a filosofia, pois tem para tanto padrão de medida na sua razão
natural — como se não tivesse também em seu pé a medida do sapato. Parece
mesmo que se põe a posse da filosofia na falta de conhecimentos e de estudo;
e que a filosofia acaba quando eles começam. Com frequência se toma a
filosofia por um saber formal e vazio de conteúdo. Não se percebe que tudo
quanto é verdade conforme o conteúdo — em qualquer conhecimento ou
ciência — só pode merecer o nome de verdade se for produzido pela filosofia.
Embora as outras ciências possam, sem a filosofia, com o pensamento
raciocinante pesquisar quanto quiserem, elas não são capazes de possuir em
si nem vida, nem espírito, nem verdade sem a filosofia. No que concerne à
filosofia autêntica — esse longo caminho da cultura, esse movimento tão rico
quanto profundo através do qual o espírito alcança o saber —, vemos que são
considerados equivalentes perfeitos e ótimos sucedâneos seus a revelação
imediata do divino ou o bom senso comum.
E algo assim como se faz publicidade da chicória como bom sucedâneo
do café. Não é nada agradável ver a ignorância e a grosseria, sem forma nem
gosto — incapazes de fixar o pensamento numa proposição abstrata sequer, e
142
menos ainda no conjunto articulado de várias proposições —, garantindo que
são, ora a expressão da liberdade e da tolerância do pensar, ora a genialidade.
Genialidade que, como hoje grassa na filosofia, antes grassava igualmente na
poesia, como é notório. Porém, quando tinha sentido o produzir de tal
genialidade em lugar de poesia, o que engendrava era uma prosa trivial; ou, se
saia para além da prosa, discursos desvairados. Assim, hoje, um filosofar
natural que se julga bom demais para o conceito, e devido à falta de conceito
se tem em conta de um pensar intuitiva e poética, lança no mercado
combinações caprichosas de uma força de imaginação somente desorganizada
por meio do pensamento — imagens que não são carne nem peixe; que nem
são poesia nem filosofia. Em contrapartida, deslizando no leito tranquilo do
bom senso, o filosofar natural fornece no máximo uma retórica de verdades
banais. Quando lhe objetam a insignificância de suas verdades, então replica
asseverando que o sentido e o conteúdo estão presentes no seu coração, e
devem estar presentes também no coração dos outros.
Acredita que, com a inocência do coração, a pureza da consciência e
coisas semelhantes já disse a última palavra; contra ela não cabe objeção
alguma; além dela nada se pode exigir. Porém o que se deveria fazer era não
deixar que o melhor ficasse no mais íntimo, mas trazê-lo a esse poço à luz do
dia. Eis um esforço que poderia ser poupado: produzir verdades últimas desse
tipo, porque desde muito se encontram, por exemplo, no catecismo, nos
provérbios populares etc. Não é difícil apreender tais verdades em sua
indeterminidade e em sua distorção, nem muitas vezes mostrar na sua
consciência e à sua consciência exatamente o oposto. Mas quando essa
consciência tenta arrancar-se à confusão que nela se armou, cai numa nova
confusão, e protesta dizendo que indiscutivelmente é assim ou assim, e que
tudo o mais é sofistaria. Sofistaria é uma palavra-de-ordem do senso comum
contra a razão cultivada; do mesmo modo que a ignorância filosófica
caracterizou a filosofia, de uma vez por todas, como “devaneios".
Enquanto o senso-comum recorre ao sentimento, — seu oráculo interior —
descarta quem não está de acordo com ele.
Deve deixar claro que não tem mais nada a dizer a quem não encontra e
não sente em si o mesmo; em outras palavras, calca aos pés a raiz da
143
humanidade. Pois a natureza da humanidade é tender ao consenso com
outros, e sua existência reside apenas na comunidade instituída das
consciências. O anti-humano, o animalesco, consiste em ficar no estágio do
sentimento, e em só pode comunicar-se através do sentimento. Caso se
indague por uma “via régia” para a ciência, não seria possível indicar nenhuma
mais cômoda que a de abandonar-se ao bom senso, e no mais, para andar
junto com seu tempo e com a filosofia, ler recensões de obras filosóficas. Ler
até mesmo seus primeiros parágrafos, que proporcionam os princípios
universais dos quais depende tudo, e os prefácios que, junto com a informação
histórica, também oferecem uma apreciação a qual, justamente por ser
apreciação, paira por cima do que é apreciado. Esse caminho ordinário se faz
com roupas de casa; porém o sentimento elevado do eterno, do sagrado, do
infinito, veste trajes sacerdotais para percorrer um caminho que já é, ele próprio
o ser imediato no centro, a genialidade de profundas idéias originais, e os
relâmpagos sublimes do pensamento. Como, porém tal profundeza ainda não
revela a fonte da essência, esses raios não são ainda o empíreo.
Os pensamentos verdadeiros e a intelecção científica só se alcançam no
trabalho do conceito. Só ele pode produzir a universalidade do saber, que não
é a indeterminação e a miséria correntes do senso comum, mas um
conhecimento cultivado e completo; não é a universalidade extraordinária dos
dotes da razão que se corrompe pela preguiça e soberba do gênio; mas sim, é
a verdade que se desenvolveu até sua forma genuína, e é capaz de ser a
propriedade de toda a razão consciente-de-si. É, pois no automovimento do
conceito que eu situo a razão de existir da ciência. Vale observar que parecem
longe, e mesmo totalmente opostas a esse modo de ver, as representações de
nosso tempo sobre a natureza e o caráter da verdade, nos pontos já tocados e
em outros. Essa observação parece não prometer aceitação favorável à
tentativa de apresentar o sistema da ciência nessa determinação [de
automovimento do conceito]. Mas, segundo entendo, muitas vezes já se
colocou em seus mitos, sem valor científico, a excelência da filosofia de Platão.
Também houve tempos, que até se chamaram “tempos de misticismo
visionário” quando a filosofia de Aristóteles era estimada por sua profundeza
especulativa, e o Parmênides de Platão, de certo a maior obra-prima da
144
dialética antiga, era tido como a verdadeira revelação e a expressão positiva
da vida divina.
Mesmo então, apesar das muitas perturbações que o êxtase produzia
de fato esse êxtase mal entendido não devia ser outra coisa que o conceito
puro. Penso, aliás, que tudo que há de excelente na filosofia de nosso tempo
coloca seu próprio valor na cientificidade; e embora outros pensem
diversamente, de fato, sós pela cientificidade a filosofia se faz valer. Então,
posso esperar que essa tentativa de reivindicar a ciência para o conceito, e de
apresentá-la nesse seu elemento próprio, há de abrir passagem por meio da
verdade interior da Coisa. Devemos estar persuadidos que o verdadeiro tem a
natureza de eclodir quando chega o seu tempo, e só quando esse tempo chega
se manifesta; por isso nunca se revela cedo demais nem encontra um público
despreparado. Também devemos convencer-nos de que o indivíduo precisa
desse resultado para se confirmar no que para ele é ainda sua causa solitária,
e para experimentar como algo universal a convicção que, de início, só
pertence à particularidade. Nesse ponto, porém, com frequência há que
distinguir entre o público e aqueles que se dão como seus representantes e
porta-vozes.
O público se comporta de modo diverso e mesmo oposto ao de seus
intérpretes, sob muitos aspectos. Se o público benévolo atribui a si mesmo a
culpa quando uma obra filosófica não combina com ele, ao contrário, seus
intérpretes, convencidos de sua competência, lançam toda a culpa sobre o
autor. O efeito que a obra produz no público é muito mais sereno do que
nesses “mortos sepultando seus mortos”.
Hoje em dia a intelecção universal é geralmente mais cultivada, sua
curiosidade mais alerta, e seu juízo se determina mais rápido, de modo que “os
pés daqueles que vão te levar já está diante da porta”. Entretanto é mister
distinguir com frequência nesse ponto o efeito mais lento que redireciona a
atenção cativada por asserções retumbantes e corrige críticas negativas; efeito
que prepara para alguns um mundo que será seu, depois de certo tempo;
enquanto outros, depois de curto lapso, não terão mais posteridade. Vivemos,
aliás, numa época em que a universalidade do espírito está fortemente
consolidada, e a singularidade, como convém, tomou-se tanto mais
145
insignificante; em que a universalidade se aferra a toda a sua extensão e
riqueza acumulada e as reivindica para si. A parte que cabe à atividade do
indivíduo na obra total do espírito só pode ser mínima. Assim ele deve
esquecer-se, como já o implica a natureza da ciência. Na verdade, o indivíduo
deve vir-a-ser, e também deve fazer o que lhe for possível; mas não se deve
exigir muito dele, já que tampouco pode esperar de si e reclamar para si
mesmo.
146
FENÔMENOLOGIA
147
CAPITULO VII INTRODUÇÃO À FENOMENOLOGIA E SEUS EXPOENTES
Na filosofia, antes que se alcance do objeto mesmo, vem a ser, o
conhecimento real do que em verdade é, parece necessário que se estabeleça
um acordo acerca do conhecimento, considerado como o instrumento com o
qual dominamos o Absoluto, seja como o meio por intermédio do qual, nós o
contemplamos. É essa a situação que naturalmente se apresenta no começo
do filosofar. Se o conhecimento é o instrumento para dominar a essência
absoluta supõe-se logo que a aplicação de um instrumento a alguma coisa não
deixe tal como é para si mesma, mas a modifique e o transforme. Ou então, se
o conhecimento não é um instrumento da nossa atividade, mas uma espécie de
meio passivo através do qual a luz da verdade chega até nós, ainda assim, não
a recebemos como é em si e sim como é necessário e através dele.
O conhecimento não passaria de uma astúcia: com seu esforço
multiforme, ele deveria dar a impressão de realizar algo muito diverso de uma
relação imediata e que, portanto, não custa esforço; pois o conhecimento não é
o desvio do raio, mas o raio mesmo por meio do qual a verdade nos tocam.
Ciência para Hegel é a filosofia desenvolvida como sistema total do saber.
7.1 ESTUDOS SOBRE A FENOMENOLOGIA172
7.1.1 AS VÁRIAS FACES DA FENOMENOLOGIA
Pretendemos nesse trabalho fazer uma leitura de vários autores que
escreveram sobre fenomenologia. São muitos autores que analisam não só a
obra de Edmund Husserl, mas de outros autores como: Paul Ricoeur, Sartre,
Ponty, etc. Analisaremos algumas introduções à fenomenologia.
7.2 A FENOMENOLOGIA DE EDMUND HUSSERL173
172 O fundador da fenomenologia de Friedrich Hegel, mas a nova visão da
fenomenologia moderna foi Edmund Husserl.
148
7.2.1 A Biografia Edmund Husserl
Edmundo Husserl nasceu no império Austro-Húngaro em 1859. Estudou
somente ciências e fez doutorado em matemática. No final de seus estudos
encontrou o psicólogo Franz Brentano. Este se preocupava com a noção de
intencionalidade. Esta preocupação de Brentano levou Husserl para a
fenomenologia. Em 1887 Husserl foi nomeado docente em Halle e em 1901,
professor em Göttingen. Foi nesse período que publicou Pesquisas Lógicas
(1900-1901) e em 1911, publicou outra obra denominada de: “A Filosofia como
Ciência Rigorosa”, na qual faz uma profunda crítica ao ceticismo,
principalmente em relação ao conceito de sujeito e tenta devolver o pensar a
uma filosofia autêntica. Entre 1916 e 1928 foi nomeado professor e Freiburg,
onde perdeu a posição para o seu assistente Martin Heidegger. Neste período
de 1912 a 1918 saiu a sua obra “Ideais Diretrizes para uma Fenomenologia”.
Em 1929, Husserl fez quatro conferências em Sorbonne sobre a sua “virada na
filosofia”, a isto ele denominou de noção de responsabilidade quanto a destino
do homem. Esta obra foi denominada de “Meditações Cartesianas” publicada
em 1931. Posteriormente os nazistas tomam o poder na Alemanha. Husserl era
de família de origem judaica e por esse motivo foram-lhe cassados todos os
direitos de docente em Universidades alemãs a partir de 1936. Morre em 27 de
abril de 1938 em Freiburg.
7.2.1 O pensar diferente de Edmund Husserl
Edmundo Husserl parte de Sören Kierkegaard sobre a questão da
valorização dos paradoxos da existência. De Friedrich Nietzsche ele retira o
niilismo. Nietzsche anuncia a morte de Deus e o abandonar os valores e
sentidos das coisas são o diferenciar da metafísica. Todas essas críticas
filosóficas tanto de Sören Kierkegaard quanto de Friedrich Nietzsche levam
Edmund Husserl a uma nova filosofia: a de reconstruir o que o século XIX havia
acabado o sentido de unidade.
Na época de Edmund Husserl reinava o positivismo que só acreditava
nos dados imediatos da ciência, nas conclusões científicas. Edmund Husserl
pretende dar a volta por cima. Pretende valorizar a existência, dar um valor
173 Todas as suas obras estão em Portugues.
149
existencial à filosofia, daí o ponto de partida em Sören Kierkegaard e Friedrich
Nietzsche. Edmund Husserl pertence a um período de um positivismo que
entende que a ciência é mais importante e que só acredita em dados
científicos. Ele ao contrário tenta dar valor existencial à filosofia. Edmund
Husserl está convencido que o pensar deve ser na forma dos gregos e que o
pensar está na raiz da razão, que aprecia de modo fundamental o saber que
tem um objetivo central a verdade tal como ela é; de tal modo que ao contrário
de ferir a causa deve servir e assim o autor dá um novo sentido e significado ao
papel da filosofia. Já fora esquecido a fonte principal de todas as coisas, assim
ele conduz de retorno à ciência o próprio saber. Esta é a história da origem da
fenomenologia em Edmund Husserl.
7.3 A FENOMENOLOGIA DE EDMUND HUSSERL CONFORME DENIS
HUISMAN174
Para Denis Huisman a fenomenologia de Edmund Husserl tem várias
facetas. A fenomenologia começa a ser esboçada da seguinte forma: a questão
da cultura; divisão do saber; os problemas contemporâneos; a volta às origens
do pensar; a intenção; a consciência; superar o conflito sujeito/objeto; entre
parênteses; o mundo; a intersubjetividade; o viver.
7.3.1 A crise da cultura
Algumas filosofias colocam a existência como o centro do seu pensar; o
que é bom e mau da existência: Sócrates, Pascal, Rene Descartes, Friedrich
Nietzsche. Esses filósofos falam das piores coisas da existência humana.
Estas filosofias retiram de Sören Kierkegaard que o desespero humano está
centrado no modo de não ter a consciência de estar em desespero.
Deste modo eles concluem que são herdeiros de seu tempo e de sua
cultura e assim pensar uma história da existência. Edmund Husserl por outro
lado propõe que o ter a real consciência é que estamos em crise cultural e que
somos assistentes impotentes da grande quantidade de interpretações do
problema existencial. As filosofias tradicionais não solucionaram estas
questões da existência: conhecer, valor, moral, Deus e a história. O positivismo
174 Denis Huisman. Fenomenologia. Centauro, São Paulo, 1996.
150
leva ao excesso os dados da ciência como imposições absolutas independem
do sujeito. Edmund Husserl faz uma crítica a todas essas filosofias e concebe
um novo tipo de vida ou de existência.
7.3.2 A divisão do saber
Edmund Husserl acusava as ciências de serem autônomas do espírito e
que elas eram como que formas totais de fazer da consciência uma coisa
vulgar. Edmund Husserl fala como se fosse um agnóstico, que o mundo estava
vazio da presença do homem, que as ciências funcionam sem o homem. Ele
critica o objetivismo e que os positivistas renegam as questões reais que
enfrenta a humanidade: a moral, a alma, Deus, a morte; e que a aflição da vida
e do homem se aprofundam cada vez mais.
7.3.3 Problemas Contemporâneos
Conforme Edmund Husserl, a cultura contemporânea sofre de duas
doenças e que essas doenças são: o objetivismo e o naturalismo. O
objetivismo é o conjunto dos objetos da ciência; as coisas e a natureza. Que a
ciência é autossuficiente que não depende do sujeito do conhecimento. Há
uma racionalidade que é aparente e a realidade única está na confiança
absoluta das coisas. Ele afirmava que as naturezas dessas coisas estão dentro
das verdades das ciências, e não tem uma autonomia; e que as ciências da
natureza não melhoram em aparência a um conhecimento por si mesmo
racionais.
Para Edmund Husserl a outra doença é o naturalismo que vem do
objetivismo. As filosofias eram acusadas de relativismo. Os temas filosóficos
eram: idéias, normas e a consciência que faziam parte da natureza e não da
reflexão da filosofia. Edmund Husserl reage a esses excessos do positivismo
que provoca o mal existencial o qual ataca o homem atual. Para ele a perda da
unidade de conhecer e do significado são a causa desse mal. Ele faz um novo
tipo de metafísica que é um novo método de filosofar tendo como centro o
sujeito e assim cria uma nova fenomenologia.
7.3.4 Volta às origens do pensar
A filosofia tem como lugar a unidade e a vivacidade. Para Edmund
Husserl faltava à filosofia um vínculo interno. A sua filosofia propõe reconstruir
151
este vínculo interno entre as coisas, a coesão das disciplinas e volta a dar à
filosofia antiga grega e original forma de pensar com um papel importante na
origem do conhecer. A fenomenologia que é o estudo dos fenômenos ou das
aparências das coisas, e que traz à luz as relações internas em vez de fazer
certas interpretações que fazemos das coisas mesmas. Assim devemos fugir
de certos conceitos de cultura, que é um modo de pensar, para chegar a uma
cultura real. Ele pretende com um falar correto, sem teoria chegar a estas
coisas.
7.3.5 Retorno à intuição
Edmund Husserl fala da fenomenologia como “retorno às próprias
coisas”. Para isso precisa-se entender a conversão do olhar do qual se faz para
ver as coisas. O ver de outro modo e o não falar das coisas mediante o modo
de uma teoria. Quando se fala das coisas representa-as como objetos que o
meu espírito as formam. Não é o explicar e analisar as coisas, mas descrevê-
las. Precisa-se abandonar a forma de fazer ciência. Tomar o sujeito do
conhecimento literalmente. Precisam-se abandonar as escolas e as filosofias,
tentar compreender e interpretar a forma de como é a experiência vivida. A
doença da cultura atual tem um só remédio: a consciência e o saber que é a
experiência.
7.3.6 A experiência da vida
Edmund Husserl primava o verdadeiro conhecimento. A pretensão de
conhecer os fatos levava a uma cegueira espiritual, uma cegueira das idéias
que torna os indivíduos incapazes e com preconceitos transferindo o campo da
intuição ao campo do juízo. Todos os indivíduos têm idéias, essências das
coisas e que as usa para pensar. O autor denomina de redução eidética a
essência das coisas, o processo de eliminar as coisas sensíveis imediatas do
objeto para retirar dele todo resíduo que não pertence a ele. A essência das
coisas é aquilo que aparece a nós em nossa consciência. A essência é o
sentido verdadeiro de uma coisa. Esta essência é o cuidado de explicar o
conteúdo da experiência da vida na ação. O mal existencial reside na escuridão
do nosso viver. O mostrar é mais importante que o saber.
7.3.7 A intenção
152
A herança de Edmund Husserl da psicologia de Franz Brentano é a
compreensão do termo intenção. Para ele a intenção é o modo que nos
aparece ou se manifesta às coisas e os fenômenos. Para ele é ver de onde
vem o modo possível de entender os fenômenos. O autor chama isto de
intencionalidade, e esta é a consciência que temos de alguma coisa. A
intencionalidade é a riqueza de consequências e que os fundamentos eidéticos
(essenciais) da existência é uma semente ou é aquilo que se torna possível.
7.3.8 A consciência
A consciência é tudo que percebemos de alguma coisa. A consciência
não é uma essência ou entidade independente e abstrata. É o conteúdo que
fundamenta. É a consciência um agente e não um receptáculo de impressões
que vem de fora antes de serem internas. A consciência é tensão, abertura
para o mundo. Edmund Husserl assinala que na percepção de algo é
percebido, na imaginação de algo é imaginado; assim, a afirmação de que a
consciência não percebe no vazio, mas a partir de algo. Perceber é ter uma
intenção.
7.3.9 Superar o conflito sujeito/objeto
Ter consciência é compreender, a consciência como tensão no mundo,
como relação do sujeito e o objeto. O idealismo primava o sujeito sobre o
objeto. Edmund Husserl supera esse conflito entre o idealismo e o
materialismo. O materialismo primava o objeto sobre o sujeito. Edmund Husserl
cria um caminho da transcendência da consciência. A transcendência da
consciência vem de tudo que tem significado a partir dessa mesma
consciência. A forma do modo transcendente da consciência da intenção é
como explicar o interesse do sujeito e o interesse que modifica a forma da
experiência. Os objetos ou as suas representações são variados e não
precisam estar ligados uns aos outros, a não ser pelo sujei que os conhece.
Toda capacidade que tem a consciência de unir as formas diferentes de
representações e de objetos percebidos e como deve ser o modo de
produzirem sentidos.
7.3.10 O mundo entre parêntesis
153
Edmund Husserl se preocupa em caminhar em direção ao cogito, que
funda todo saber e conhecimento filosófico. Ele fala que devemos ir aos
fenômenos e a revelação dos mesmos em relação da reciprocidade entre
consciência e objeto. A fenomenologia é o processo que coloca o meu saber
sobre o mundo e o saber do mundo. O que penso do mundo e o que é
consciência do mundo. Colocar em parêntesis o mundo, para Edmund Husserl,
é suspender o juízo para entender apenas o essencial. Assim pode-se chegar a
um conhecer com maior confiabilidade e sem preconceito. Devemos, pois
saber não a personalidade do sujeito que conhece, mas como ele funciona,
qual é a sua consciência. Não é como na filosofia cartesiana que o cogito está
ligado e preso à dúvida, a suspensão do juízo para Edmund Husserl não é a
suspensão do mundo, não é negar o mundo, não colocar a sua existência em
dúvida. O colocar entre parêntesis é reduzir fenomenologicamente a
transcendência da consciência que está no campo da liberdade e que convoca
e revoga o mundo a todo o momento; para que assim haja sentido o significado
de todas as coisas. O sujeito vai ao objeto e este retorna ao sujeito, o sujeito do
conhecer que ultrapassa o esconder do objeto. O sujeito é o fundamento do
sentir e conhecer.
3.7.11 A vida
Alguns filósofos da época de Edmund Husserl o criticam quanto à
expressão: “colocar entre parêntesis”. Para este autor o mais importante era o
cuidado extremo com o rigor e a definição autêntica dos termos. Eles o
acusavam de solipsismo: que tratava de voltar às coisas tais como elas são.
Que ele se esquecia de revelar os outros sentidos. Surge daí uma
fenomenologia importante que é o rigor científico dos significados. A vida passa
a ser a portadora desse significado importante.
7.3.12 A intersubjetividade
Para ele a intersubjetividade era o eu puro. O eu puro era o primado do
real para reconhecer o outro como tal. O cuidado que ele tem com a escolha
consciente da fenomenologia ao fazer do sujeito o modelo da experiência de
redução e extensão. Ao existir um sentido deve preexistir outro significado. A
fenomenologia quando trata de colocar entre parêntesis o mundo não é o
154
afastar-se do mundo. Não é a questão de mostrar outro mundo que se basta a
si própria e, mas que o constitui. O que é a transcendência da consciência a
forma de relação; é a relação entre a imanência e a transcendência. Ao
sairmos de nós mesmos tornamos conscientes da existência das coisas. O
sujeito sai de si mesmo e vai para o objeto e este objeto se apresenta ao
sujeito como aquilo que é cognoscente. Assim se dá a relação de
intersubjetividade.
7.3.13 Reaver o viver
Podemos dar sentido às coisas, isto na realidade alguém já deu sentido
a esta mesma coisa. Edmund Husserl aqui neste aspecto tenta dar sentido a
mundo vivido ou o mundo da vida. Pensar o que os outros pensam de mim, ou
que aparenta com o mito de Narciso, leva a uma experiência original. O meu
ego se parece com o outro, e descubro que meu corpo engloba o outro não
como orgânico e que meu campo de percepção do espaço e do tempo que eu
o possuo. Tudo que percebo é corpo, o pensar não decide a existência do
outro, mas a experiência de si mesmo.
O mundo da vida é a experiência que possuímos da existência. Para a
fenomenologia de Husserl o homem atual reconcilia-se com o mundo e com o
conhecer.
7.4O QUE É FENOMENOLOGIA?
A definição etimológica não retrata exatamente o significado do que é
fenomenologia. Como a própria palavra diz: fenômeno e este tem o sentido de
uma verdadeira ocorrência de significados. A palavra estuda a abrangência da
fenomenologia. O que queria dizer com essa palavra: “que a fenomenologia é
o estudo ou a ciência do fenômeno. Tudo que aparece é fenômeno, o domínio
da fenomenologia é: ilimitado e não poderíamos, pois, confiná-la numa ciência
particular” (André Dartigues).
O percurso da fenomenologia é longo. Começa no século XIX, e ela é
vinculada a várias áreas do conhecer. A história da origem da fenomenologia é
interessante.
155
7.5A ORIGEM DA FENOMENOLOGIA CONFORME PAUL FOULQUIÊ175
Para Paul Foulquiê a fenomenologia tem a sua origem na concepção
das coisas mesmas. Houve e ainda há disputas sobre a existência do mundo
material sempre em oposição ao mundo interior da vida psíquica. Este fator
primordial da diferença entre estes mundos é o objeto da fenomenologia. A
alma e o corpo são dois modos metafísicos de concepção desde Platão,
Aristóteles e os escolásticos. O corpo é a matéria (Hylê) e a alma é a forma
(morphê) que vai dar no homem que é uma mesma substância e de essências
diferentes. Não há separação para a fenomenologia entre o corpo e a alma. O
que o corpo adquire são como impressões de registros que vai para a alma e
os pensamentos espirituais tem suas marcas no corpo, na matéria que é a
imagem. O homem é essencialmente alma, que na escolástica tem uma união
diferentemente do dualismo corpo e alma. O corpo seria a matéria, a máquina
e que a alma seria o espírito. A alma está fechada na prisão do corpo. Assim
qualquer tipo de conhecimento se reduz as imagens e representações. E isto é
fenomenologia. Isto era explicado por René Descartes e depois por David
Hume. Por outro lado, Emanuel Kant tenta resolver esta questão ao afirmar que
todas as representações são coisas e o fenômeno se reduz a estas
representações destas coisas. Para nós só há fenômenos, dizia Emanuel Kant.
De forma alguma conseguimos atingir as coisas em si e que Emanuel Kant
chama de noumenos. E que estes são importantes para explicar os fenômenos.
Como por exemplo: “o mundo existe, apenas não podemos conhecê-lo tal
como ele é”, dizia Paul Foulquiê.
A fenomenologia como ciência demorou a surgir. Principalmente após a
reação do Idealismo Hegeliano que é uma crítica a Emanuel Kant. Kant em sua
reação retarda o surgimento da fenomenologia. Os seguidores de Emanuel
Kant rejeitaram a idéia do noumeno. Friedrich Hegel é posterior a Emanuel
Kant e posterior ao Idealismo Kantiano. O Idealismo Hegeliano é denominado
de Idealismo Absoluto, para este nada existe de real, somente a idéia é real.
A fenomenologia descreve os fenômenos que se apresentam à nossa
experiência. Ela analisa um novo método em filosofia que é a descrição dos
175 Paul Foulquiê. Fenomenologia. Saber Atual, Difel, São Paulo, 1968.
156
fenômenos e como chegar a este fenômeno. Edmundo Husserl faz exatamente
apenas isto: descrever e chegar aos fenômenos puros e simplesmente.
A fenomenologia se preocupa então, com a existência dos fenômenos. A
pergunta é: existem apenas fenômenos ou coisas? Existem objetos materiais e
um mundo espiritual? A preocupação da fenomenologia está na observação
dos fatos. Por isso Edmund Husserl coloca de lado a preocupação com as
questões da existência da realidade substancial, material ou espiritual. Assim
ele suspende estas relações e cria a análise da epoché usada antigamente
pelos céticos gregos. Como Edmund Husserl não é um cético, mas aquele que
busca a verdade. Esta suspensão ele denominou de “colocar entre parêntesis”
as questões difíceis e complicadas. Ele se preocupa com a intuição do
fenômeno. A este modelo de filosofia ele denominou de redução
fenomenológica.
Para Edmund Husserl: “o mundo percebido nesta vida reflexiva...
sempre está em mim. Ele é percebido como antes, como contendo em cada
caso, o que lhe é próprio. Ele continua apresentando a mim como se
apresentava até então. Mas na atitude reflexiva que me é própria na qualidade
de filósofo, não efetuo mais o ato de crença existencial da experiência natural”.
(Edmund Husserl. Meditações Cartesianas).
A epoché na fenomenologia é “o colocar fora do valor” do mundo
objetivo, não nos coloca diante do nada puro. Ao afastarmos depois de tudo o
que tem sentido, estamos na presença do que é aquilo que adquire sentido: a
consciência pura, e o eu.
A redução da essência (redução eidética) na fenomenologia não é pura
psicologia, como descrição de dados imediatos da consciência: é a reflexão
sobre o sujeito que pensa. Esta sua psicologia é reflexiva. A fenomenologia
procura apreender e entender o eu puro como si mesmo, fora das
determinações vindas do objeto. Determina as estruturas da ação da
consciência. “A percepção, a memória imediata, a lembrança da espera pré-
perceptiva, a designação dos símbolos são os exemplos da analogia”.
(Edmund Husserl. Meditações Cartesianas).
157
Para Edmund Husserl essas estruturas são denominadas de essências
(eidos). A essência para Edmund Husserl é diferente de Platão de Atenas. Para
Edmund Husserl elas não existem em si, como à parte do mundo, mas são
como os tipos ideais de coisas possíveis: são dados de fatos que surgem
quando a consciência começa a entrar em relação com as coisas. Elas são
universais e apreendidas como tais, não como comparação mental de
impressões análogas, no caso concreto, como redução eidética (redução do
dado em forma ou essência) ou que é a essência da fenomenologia que são
alcançadas nas estruturas somente do espírito ou da consciência.
A estrutura da consciência é a intenção para com os objetos: “a
consciência é sempre consciência de algo”, para Edmund Husserl. A
consciência pode chegar ao objeto de várias formas: como presente, passado
e futuro; como real e possível; como amado e odiado; mas visa sempre um
objeto, algo que não ela, que lhe é exterior. Assim a fenomenologia rejeita os
conteúdos da consciência na psicologia clássica.
A fenomenologia dos valores é para Edmund Husserl determinante para
os valores morais, dos “valores-essências”. Para Max Scheler a intuição
emocional de valores não depende da consciência que temos deles e que
estes estão em Deus. Nicolai Hartmann, é o oposto dele, não precisamos de
Deus para termos esses valores, porque estes valores existem em si mesmo.
Assim, constitui-se o mundo comparado com o mundo das idéias de Platão de
Atenas. Desta forma podemos julgar o verdadeiro do falso, e belo, o bem e
assim por diante.
7.6 AS OUTRAS FENOMENOLOGIAS
7.6.1 A Fenomenologia de Maurice Merleau Ponty176
A sua filosofia pode ser denominada de: reflexão e interrogação. Este
autor faz uma ligação da psicologia com a fenomenologia. Nesta ligação das
duas correntes ele se fundamenta e abastece-se no movimento dialético de
perguntas e respostas. As interrogações vêm dos próprios fenômenos, são as
176 Maurice Merleau Ponty. Fenomenologia da Percepção. Martins Fontes. São Paulo,
2006.
158
coisas mesmas em seu silêncio que trazem a expressão do sentido. O filósofo
pergunta, suspende o mundo e a visão começa a operar, é preciso fazer as
coisas falarem. A pergunta não é a negação de algo, mas o lugar do ser; é o
que a visão nos leva à reflexão. Isto sempre se renova e recorre à intenção que
constitui sua fraqueza e também seu grande impulso e que leva as outras
opiniões que estão ligadas à vida (lebenswelt).
O refletir deixa a fraqueza, a forma simples da realidade que o sentido e
o sem sentido são constituintes de uma filosofia da ambiguidade, consciente do
que o que existe é uma tarefa infinita de ver a coisa, o mundo o nós e o próprio
ver. Nos quais penetramos no labirinto de contradições e dificuldades. Tudo
isto obriga o filósofo a rever e a redefinir sempre as ações que parecem ser
claras e criar outras definições, refazer e reformar o entendimento e no final de
tudo o que era a verdade mais evidente não é mais do que a verdade do
mundo e isto leva o filósofo a não se reconhecer em seu próprio mundo.
Assim sendo a filosofia de Maurice Merleau Ponty nada mais é que o
mundo da percepção que assume o significado da realidade, na abertura sobre
as outras coisas, que se exprimem na linguagem e começa uma nova ordem
da vontade. Os fenômenos são as essências da percepção com a dialética viva
de um sujeito concreto, que está na estrutura total do real e se correlaciona
com o objeto primitivo não o sem ordem, mas com os atos de outros sujeitos.
A filosofia de Maurice Merleau Ponty parte da ontologia para o logos. O
filósofo perante a natureza deixa de entender muita coisa. A percepção é o
nível onde o olhar tem uma visão englobante na sua obra mais importante “A
estrutura do comportamento”, o autor tenta juntar a visão coerente das teorias
físicas e psicológicas e de definir a partir das noções de estrutura, de forma e
de ordem. A partir disto temos um novo conceito de objetividade. Nesta obra a
intenção é um novo modo ou a instauração da nova forma de filosofar. A obra
nos leva à uma experiência da percepção que interroga o ponto e a questão
definitiva do esclarecimento. O livro de Maurice Merleau Ponty analisa a
experiência, a ciência e os seus dados. Na “estrutura do comportamento”, o
autor é oposto ao comportamento e a reflexologia de Ivan Pavlov. Este autor
entende o pensamento causal e mecânico. A psicologia tem o conceito de
forma (Gestalt). Forma ou estrutura e ultrapassar a antinomia do em si e do
159
para si, a antítese entre o empirismo e o intelectualismo. Assim a
fenomenologia de Maurice Merleau Ponty está no fenômeno do comportamento
ou como podemos tratar o mundo, de ser no mundo e o de existir. O
comportamento integra uma filosofia da estrutura, pois não é uma coisa, nem
uma idéia; não se reduz às puras relações da reflexão intelectualista.
Maurice Merleau Ponty mostra que a teoria clássica da Gestalt falha em
reificar a forma sem se engajar na causa e na substância. A forma só será
realmente entendida como um pensamento estrutural. A filosofia da forma ou
da estrutura deve respeitar o caráter original das três ordens ou campos que o
estudo do comportamento se mostra: a ordem física, a ordem vital, e a ordem
humana; matéria, vida, espírito. A diferença entre essas três ordens é a
estrutura. Elas representam os graus diferentes das relações das formas. Não
há senão um universo de formas. Para o autor a idéia de forma não foi
suficiente pesquisada pela psicologia da Gestalt. Precisamos considerar a
matéria, a vida e o espírito como três ordens de significação. Nesta perspectiva
Maurice Merleau Ponty procura ter uma filosofia da estrutura como uma
filosofia de sentido, uma filosofia da estrutura como uma filosofia da
significação. O sentido nunca é imposto de fora e é o sentido que assume a
estrutura. O comportamento é consciência e percepção. A percepção inicial
mostra-nos que a consciência é intelectual, representação, e não esgota a
noção de consciência. A representação, o juízo e a existência por si não
explica toda a vida da consciência. O vivido transborda o conhecimento. A
consciência não é unívoca e, sobre todos os graus, desde a vida vegetativa até
os graus sensitivos e cognitivos realiza a mesma dialética observada no
comportamento.
O problema da consciência em Maurice Merleau Ponty significa que a
noção de transcendental leva uma à outra. Desta forma a filosofia se
transforma em fenomenologia, isto é, a análise da consciência como meio de
captar o significado do universo. A intenção do autor não é a de se apoiar no
significado, mas sublinhar a estrutura, união de uma idéia e de uma existência
indiscernível, ou, a inteligibilidade no estado nascente. Essa estrutura é a sede
de uma dialética entre o constitutivo e o instituído. A estrutura é a realidade
fundamental que permite compreender a unidade e a distinção entre a alma e o
160
corpo. A idéia de uma filosofia transcendental, ou, de uma consciência que
constitui o universo diante de si e alcança os próprios objetos que é a aquisição
última. Esta é a primeira fase da reflexão que leva à uma estrutura perspectiva
da percepção. A percepção não é nenhum produto do mundo nem um esboço
da ciência do mundo.
Pelo contrário, na sua obra “Fenomenologia da Percepção”, a descrição
do comportamento desemboca natural e inevitável na concepção de
consciência que está na percepção. Ele prolonga a estrutura do
comportamento pela estrutura da consciência, e essa tarefa se realiza pela
análise da percepção nascente. Nesta obra o autor analisa a vida intencional
da consciência, a sua conversão em significação experimental ao fluxo
temporal que encarna a resistência dos inteligíveis. A contingência das
perspectivas vividas que limita o nosso acesso às significações eternas, a
consciência enraizada, que Maurice Merleau Ponty dá o nome de existência.
Em sua obra “Fenomenologia da Percepção” ele fala da experiência
concreta, vivida no vislumbre de uma filosofia que está por si fazer, inédita,
aporética, aquela filosofia que nos desperta para aquilo que a existência do
mundo e a nossa tem de problemática em si, e assim voltar às próprias coisas,
ao próprio fenômeno. No centro da lebenswelt é o último passo para se chegar
à fenomenologia de Maurice Merleau Ponty. Os famosos temas da
fenomenologia: a descrição, a redução, as essências, a intencionalidade, todos
são levados à direção do sujeito voltado para o mundo, à irredutibilidade da
vida irrefletida que leva a uma tese da facticidade do mundo e a gênese do
sentido. A tarefa da fenomenologia é ensinar a ver o mundo de novo e, então, a
responder a questão de sempre: o que é o homem?
Ele divide os componentes da existência humana, a percepção serve
para criar a teoria e a prática da condição humana. As divisões são: o sujeito
da percepção – o corpo; o objeto da percepção – o mundo; e a síntese do para
si e o ser-no-mundo. O corpo é o sujeito da percepção, a consciência é o ser
diante da coisa que perpassa pelo corpo. Se percebermos com o corpo, o
corpo é um eu natural e, como sujeito da percepção, ele rejeita o racionalismo
como cúmplice do empirismo. A percepção não é apenas um fenômeno entre
outros, mas, sim, o fenômeno fundamental, central para toda filosofia. Por isso
161
a fenomenologia da percepção pode abraçar todo o campo da experiência e
desembocar na liberdade.
7.7 A FENOMENOLOGIA DE GASTON BACHELARD177
Gaston Bachelard nasce em 1844. Quando ele tem vinte anos de idade
entra na Universidade e logo depois começa a I Grande Guerra Mundial em
1917. Aos 44 anos de idade, começa a escrever seus primeiros livros. Este
período é de transição histórica, início do século XX, a verdade está nas
circunstâncias e que a certeza não é assegurada pelo consenso ou pelo interno
objetivo. Para ele o real é um momento histórico. O pensamento está uma
mudança e são universais, todas as coisas são questionadas. A partir deste
contexto de conhecimento surge a epistemologia deste autor.
Gaston Bachelard em sua epistemologia sintetiza e supera o conceito de
história e ciência. O período que vai até antes da segunda Grande Guerra
Mundial, 1930 vai ser decisivo para o desenvolvimento da epistemologia de
Gaston Bachelard. Esta epistemologia será um conhecimento autônomo. A
nova epistemologia de Bachelard tem como fundamento e importância o seu
pensamento. Ele faz uma história das ciências e que esta ciência vai auxiliar na
sua reflexão da nova epistemologia. Ele confunde os cientistas e os
historiadores quando faz história das ciências. Gaston Bachelard mostra que o
homem que se entrega ao sonho e ao devaneio, à imaginação é o grande
homem das ciências. A sua filosofia não é fácil, é muito difícil, sua obra se
mistura com sua vida: são instantes e intervalos. Ele é um pensador que
provoca, instiga e desafia o leitor. Ele convida a ter uma diversidade de
pensamento. Afirmava descrever muitos livros e artigos: “Estudo, sou apenas o
eu do verbo e do estudar o sujeito” (Gaston Bachelard. A Chama de uma Vela).
A obra de Gaston Bachelard vai além da filosofia e da ciência: física,
química, psicologia, história, estética, crítica literária, pedagogia e ética. Ele
provoca um grande impacto nas reflexões e discussões entre intelectuais do
mundo: Europa e América. Ele usa o racionalismo fazendo uma crítica ao
177 Gaston Bachelard. A chama de uma vela, Civilização, Rio de Janeiro, 1998.
162
aristotelismo, cartesianismo, kantianismo, e bergsonismo. Mas a maior crítica
vai para os historiadores.
Ele reformulará todas as idéias de construção do conhecimento
científico, a descontinuidade do saber, ao racionalismo aplicado e a objetivação
de determinados temas como: a poesia que leva a um novo conceito de
imagem e imaginação. Esta forma de epistemologia e poesia vai recair numa
nova noção de ciência que são fundamentadas na racionalidade e no
surrealismo.
O seu pensamento vai além da epistemologia e a estética, alcança
outras áreas do saber: a educação, a razão e imaginação. Ele critica a
verdadeira formação do sujeito no pensamento atual, as formas hodiernas de
pedagogia que usa preceitos e princípios ineficazes e que a verdadeira forma
está na formação do sujeito. A real formação do sujeito começa na
desconstrução e a própria reforma do sujeito para acabar com as barreiras e
ilusões que impedem o acesso ao conhecimento verdadeiro.
O pensamento de Gaston Bachelard está sem privilegiado no contexto
cultural. Enquanto vários pensadores estão ligados à situação de grandes
cidades, a vida de Gaston Bachelard está ligada ao campo. A ciência para ele
tem que ter racionalidade e rigor por um lado; o devaneio que nos leva através
de imagens súbitas e originais, ciência e política, antagônicas, de modo novo e
surreal.
A teoria da ciência para Gaston Bachelard é polêmica e critica algumas
perspectivas da epistemologia e acaba se tornando uma filosofia no não. Ele
constrói suas idéias através do rearrumar os princípios e as categorias que
eram importantes para as filosofias da época e das ciências atuais. Fala que as
filosofias de então eram inadequadas e que era necessários novos caminhos
que a ciência atual deveria tomar. A geometria nova, a teoria da relatividade e
a mecânica quântica tornavam-se nova a forma de pensar.
A filosofia n a época de Gaston Bachelard estava entre o espiritualismo,
o positivismo e a epistemologia. O primeiro era uma doutrina idealista. Ele
exaltava os valores morais, o espírito humano, a liberdade e os atos da
consciência. Criação espiritual, científica, moral e religiosa, o cogito de Edmund
163
Husserl, de Renê Descartes e de Maine de Biran que centrava seu objetivo na
apreensão de si mesmo para chegar ao conhecimento do cosmo, na mesma
forma, o espiritual para reforçar as teses metafísicas.
Ele se preocupa com as revoluções científicas que aconteceram na sua
época. Ele é contra os pressupostos metafísicos e idealistas que sustentam o
espiritualismo. A razão tem uma história e somente a epistemologia é capaz de
refletir e expressar a própria ciência. Gaston Bachelard vai divergir de seus
interlocutores como: Meyerson, que passa a ser o inimigo intelectual dele. A
polêmica é pela ciência de Albert Einstein e a sua teoria da relatividade. Albert
Einstein rompe a física e a mecânica de Isaac Newton. Gaston Bachelard
mistura a ontologia e os princípios da física para expressar a sua preocupação
com a natureza. O ponto de divergência de Bachelard com seus interlocutores
baseia-se na concepção de razão.
Ao contrário de Gaston Bachelard, para Meyerson a ciência é uma
ontologia e quer descrever o real. Para Gaston Bachelard que desconfia do
caráter da ontologia; na sua obra “Filosofia do não” as elaborações técnicas e
racionais resulta do processo científico de construção e ele cria seu próprio
objeto. Para ele começa a luta contra Augusto Comte e seu positivismo. Ele
chega a elaborar um anti-positivismo. A sua crítica a Augusto Comte e ao seu
positivismo é bem clara; em sua obra “A formação do espírito científico”, ele
elabora uma história das ciências. Nessa história ele mostra que o novo
espírito científico acabou com o estado positivo de August Comte. Para Gaston
Bachelard os três períodos do espírito científico são: estado concreto, concreto-
abstrato, e o abstrato. O estado concreto abstrato coincide com o estado de
Comte que é o positivo. O estado abstrato se caracteriza pela construção de
esquemas científicos. Em seu livro “O racionalismo aplicado” mostra que a
filosofia positivista foi adequada para designar a ciência clássica que foi
ultrapassada por não dar conta das transformações que a própria ciência
sofreu.
Para Gaston Bachelard o positivismo não expressou a ordem da
aproximação que ele chamava de ciência do novo espírito científico. Para o
positivismo a ciência é a descrição da exatidão entre os fatos observados e os
descritos, porém para Bachelard a ciência se dá na fenomenologia naturalista.
164
Ele constata que os fenômenos é não levar em conta que a abstração se
tornou um instrumento importante da invenção. A ciência para ele hoje não
pretende descrever dados, o objeto cientifico não é o dado, mas o resultado.
7.8 A FENOMENOLOGIA DE PAUL RICOEUR178
Este autor analisa a fenomenologia como problema da essência e que
passa a questionar a existência. Que a hermenêutica sobrepõe e se insere ao
problema fenomenológico. Que ele começa a renovar a fenomenologia através
da hermenêutica. A hermenêutica e seus problemas são anteriores à
fenomenologia de Edmund Husserl. O que sempre se propôs à exegese foi a
de ligá-la à hermenêutica: compreender o texto, a intenção do texto e o que o
texto propriamente diz. A exegese provocou a hermenêutica no problema da
interpretação. Ao ler um texto, como ele foi escrito sempre se faz a partir da
tradição ou do sujeito. A leitura dos mitos gregos pelo estoicismo foi através da
física e das éticas filosóficas. Isto nos mostra uma forma hermenêutica
diferente. A hermenêutica e a exegese partem sempre da teoria dos signos e
da significação. O grande problema está em superar a distância, o decorrer do
tempo do texto em que foi escrito ao tempo do leitor e assim ter uma
compreensão atual do texto. A hermenêutica buscou os auxílios da filologia e
da história. Wilhelm Dilthey e Friedrich Daniel Ernest Schleiermacher trouxeram
a problemática da hermenêutica para o campo da filosofia.
O que Wilhelm Dilthey propôs foi dar à Geistwissenschaften um valor
que possuía a ciência natural como foi dado pelo positivismo. Assim o
problema era epistemológico, dar ciência à crítica da história como Emanuel
Kant fez à razão pura. A hermenêutica tinha que possuir várias leis: a lei do
encadeamento interna do texto, do contexto, da geografia, da etnia, da cultura,
da sociedade. Para Wilhelm Dilthey isto só era possível a documentos escritos.
Para ele a hermenêutica está ao lado da psicologia: compreender significa
entender a história.
Começa assim outro problema. A hermenêutica como fundamento da
fenomenologia. Esta é uma ontologia da compreensão. Como o sujeito que
178 Paul Ricoeur. Na escola da Fenomenologia, Vozes, Petrópolis, 2010.
165
conhece pode compreender um texto ou a história? O ser é um ser que
compreende. O ser que existe compreendendo. Desta forma a ontologia da
compreensão se esboça pela lingüística e pela semântica. Para Paul Ricoeur a
solução dessa problemática se encontra no dasein de Martin Heidegger que
tem de se optar entre a ontologia da compreensão e a epistemologia da
interpretação. No meio dessas duas está a ontologia pura e o círculo da
interpretação. Compreender não é uma forma de conhecimento, mas um modo
de ser; o modo de ser que existe compreendendo. Compreender e ser contra o
ser e o compreender. Edmund Husserl muda e inverte a questão da
epistemologia da interpretação colocando como introdução a ontologia da
compreensão. Para Paul Ricoeur a hermenêutica não é um método capaz de
lutar com qualquer outra ciência.
Edmund Husserl coopera de dois modos com a hermenêutica: a crítica
ao objetivismo que vai dar no método da Geistwissenschaft e a outra na
lebenswelt. Para Edmund Husserl a primeira é uma fenomenologia da crítica do
objetivismo, da vida intencional que contesta o objetivismo e a segunda
fenomenologia é a redução da tese do mundo que é uma redução da questão
do ser para uma questão do sentido do ser. O sentido do ser é reduzido aos
modos subjetivos da vida.
7.9 A FENOMENOLOGIA DE MARTIN HEIDEGGER179
Como Martin Heidegger participou do movimento fenomenológico? Ele
teve forte influência desse movimento. Para Martin Heidegger ele tem uma
ontologia fenomenológica. A partir da obra de Edmund Husserl “Investigações
Lógicas” que será o fundamento da fenomenologia de Martin Heidegger. Ele
mesmo fala que: “a repetida abordagem da obra de Edmund Husserl não me
satisfez, porque não consegue superar uma dificuldade básica, referente ao
problema de como se devem realizar os modos de proceder do pensamento
chamado fenomenologia”. Foi exatamente em 1913 que ele teve uma resposta
da fenomenologia de Edmund Husserl.
179 Martin Heidegger. Fenomenologia da experiencia religiosa. Vozes, Petrópolis, 2011.
166
Para Martin Heidegger era necessário conformar a idéia de fenômeno e
logos. O logos Martin Heidegger vai a Aristóteles, o Estagirita para explicar não
só o discurso, mas o que faz ver alguma coisa, e o faz ver a partir de si, de
onde ele discorreu. O que é dito, o que os interlocutores se comunicam não é
de forma alguma tirado do seu próprio significado, mas daquilo de que se fala.
O que é dito, o logos como discurso, não vale senão como revelação ou mostra
daquilo o que se diz respeito a discurso.
A fenomenologia em Martin Heidegger é “fazer ver de si mesmo o que
se manifesta, tal como de si mesmo. Esse é o sentido normal da investigação a
que se deu o nome de fenomenologia”. Para ele a fenomenologia era um
retorno à ontologia: o sentido e o fundamento, o ser do ente. O sentido do ser
não remete a outra realidade, a um além-mundo do qual deriva o fenômeno do
mundo. A fenomenologia tem por tarefa essa relação original com o Ser,
podemos dizer com a razão que ela é “a ciência do ente – a ontologia”. Nessa
relação com as coisas e com o mundo, tal como o percebemos de imediato,
funda-se sobre um a relação mais original como o próprio Ser dissimulado em
nossa maneira de ser-no-mundo. Conforme Otto Pöggeler analisando o
pensamento de Martin Heidegger afirma: “já que o ser permanece determinado
como ser - dado, mas o Eu transcendental não é um ente, não é jamais um
ente dado, Edmund Husserl não poder denominar a ontologia uma”. Na obra
“O é que metafísica?” Martin Heidegger afirma que: “apesar da doutrina da
intencionalidade, a filosofia de Edmund Husserl permaneceu fenomenologia
transcendental com a filosofia das essências e, com isso, ela deixou
enterradas, como de resto toda a filosofia desde as suas origens gregas, às
verdadeiras raízes do que a árvore da filosofia dá a ver. Ou, para mudar de
alegoria, por não olhar senão o que está à vista, o pensamento esquecer-se de
se interrogar sobre a luz que lhe permitia ver”.
Para alguns autores, Martin Heidegger faz uma passagem da
fenomenologia de Edmund Husserl para a fenomenologia hermenêutica. Ele
trabalha a questão do fundamento, além do dado, que não contentemos com o
espetáculo das essências, nem mesmo com o espetáculo da essência
intencional da consciência, mas que a intenção da analise intencional nas
estruturas da existência concreta cheia do olhar. Surge então a questão da
167
substituição do sujeito pela existência em sua facticidade, o que ele denominou
de Dasein. O dasein180 é o homem, na medida em que o homem é este ente
singular que é para si mesmo a grande questão: “o ente para o qual se trata,
em seu ser, de seu ser”.
Para Martin Heidegger: o “dasein é muito mais o que deve ser antes de
tudo experimentado como lugar, a saber, como o campo da verdade do ser e,
em seguida, pensado conforme essa experiência”. O termo dasein para Martin
Heidegger significa existência: “a essência do dasein reside em sua
existência” (ser e tempo). A existência é no sentido ordinário do termo,
mostrando a realidade do objeto. Por existência, entendemos a emergência do
Ser que o homem descobre antes de toda definição de si mesmo, antes de
todo pensamento e antes de toda linguagem, a interrogação que o homem traz
em si antes de formulá-la porque ele é essa interrogação. “A esse título, o
homem é o único existente, o único questionador entre os outros entes dos
quais podemos dizer o que são, mas não que existem” (O que é metafísica?).
“Este ente, que nós mesmos somos, e que tem, por seu ser, entre outras
coisas, a possibilidade de colocar as questões, será chamado com o nome de
ser-aí (dasein)” (Ser e Tempo).
Para Martin Heidegger: “toda consciência pressupõe a existência
pensada de maneira estática como essência do homem, e aqui essentia
significa aquilo em que o homem desdobra sua essência, ao contrário, não cria
primeiramente a abertura do ente e tampouco confere ao homem o ser - aberto
para o ente” (O que é metafísica?). É que a existência antecede e orienta todo
pensamento, o pensamento não podendo, pois, ser o ato de um sujeito puro,
mas sendo envolvido pela dimensão existencial do sujeito pensante: “o dasein
se compreende sempre a partir de sua existência, isto é, a partir de sua
possibilidade de ser ele próprio ou de não ser ele próprio” (Ser e Tempo).
A fenomenologia em Heidegger muda de sentido, não se contenta mais
em ser descrição do que se dá no olhar, mas interrogação do dado que
aparece não mais como espetáculo a ver, mas como um texto a compreender.
Compreender, interpretar é hermenêutica. Em Ser e Tempo 181 ele vai trabalhar
180 O ser em alemão. Mas com um significado mais profundo que o nosso ser.
181 Saiu uma edição bilíngue em português e alemão.
168
essa questão. A fenomenologia hermenêutica para Martin Heidegger deverá,
pois, decifrar o sentido do texto da existência, esse sentido que precisamente
se dissimula na manifestação do dado.
Martin Heidegger lança mão de recursos, da análise existencial do
dasein que compõe seus diferentes momentos e que esta estrutura
fundamental é o ser-no-mundo. O dasein não é nenhum objeto no meio do
mundo, nem um sujeito sem mundo, mas ele é seu mundo, numa familiaridade
original que funda toda a relação posterior de sujeito e objeto e todo
conhecimento. O dasein tem uma pré-compreensão de esse ser-no-mundo que
se manifesta pelo sentimento de situação, sentimento de um já-aí revelador da
facticidade de sua existência. Esse sentimento se articula com outra dimensão
fundamental: a compreensão. Pela compreensão o dasein não está somente
lançado no mundo, mas está aí “lançado no modo de ser do projeto”.
Heidegger chama isto de decaimento, essa dimensão que caracteriza a
existência inautêntica, isto é, a existência que se deixa no correr do tempo em
vez de tomar-se a seu próprio encargo. A existência autêntica será, pois, ao
contrário, um arrancar-se aos cuidados, a esse universo que se dissimula ao
dasein o seu mistério. Os pequenos cuidados que o desviavam se batem e
assim aparece o cuidado, caráter da existência no qual se articulam as outras
três dimensões. O cuidado é sempre o ser-no-mundo, mas captado agora na
unidade em seus três momentos – sentimento de situação, compreensão,
decaimento – que constitui o sentido do dasein. Essa captação não se efetua
de início num ato de pensamento, mas numa experiência vivida, a angústia. A
angústia é o recurso pelo qual a existência pode se compreender a si própria, o
revelador de seu sentido, também o sentido do ser.
Para Martin Heidegger a fenomenologia é o dizer poético. O conceber o
pensamento conforme o modelo técnico “equivale a um procedimento que
tenta apreciar a essência e os recursos segundos a capacidade de um peixe
viver em terra seca. Pensar o ser é de fato a vocação do pensamento e pensá-
lo precisamente na linguagem, pois a linguagem é, no âmago da existência
temporal, o limite que une a facticidade e o projeto do existente, seu já-aí e o
seu possível”. Por isso Martin Heidegger se volta cada vez mais para a
linguagem e a poesia. A linguagem reveladora do ser não pode ser aquela que
169
a técnica modela quer suas aplicações sejam de ordem filosófica ou científica.
A poesia é a linguagem ainda não dominada que o homem não fala
dominando-a, mas que é falada ao homem: “pois, no sentido próprio do termo,
é a linguagem quem fala. O homem fala somente pelo fato de responder à
linguagem escutando o que ela lhe diz” (Ensaios e Conferências)182.
7.10 FENOMENOLOGIA E EDUCAÇÃO183
Trataremos agora da influência da fenomenologia na educação.
Pontuamos a importância da fenomenologia da imaginação. A imaginação
pode ser formal e material. A imaginação se constitui num reino autônomo que
escapa à causalidade psíquica. A imaginação formal é aquela que está no
exterior do objeto, enquanto que a imaginação material tem como meta o
domínio da intimidade mesma da matéria, é impulsionada por uma vontade de
penetração da matéria, de materializar o imaginário. A imaginação material é
dinâmica e funciona como acelerador do psiquismo, provocando um fluxo de
imagens novas. Assim a fenomenologia da imaginação busca na vertente
poética a imaginação que liberta e impulsiona o homem para além de si
mesmo.
A fenomenologia na educação parte então da fenomenologia da
imaginação. A fenomenologia da imaginação consiste em: “num estudo do
fenômeno da imagem poética no momento em que ela emerge na consciência
como um produto direto do coração, da alma, do ser do homem tomado na sua
atualidade” (Poética do Espaço). A fenomenologia na educação é aquela que
deve restituir a subjetividade das imagens. O método fenomenológico é aquele
que sustenta um método capaz de compreender a subjetividade da imagem.
“Só a fenomenologia, isto é, o levar em conta a partida da imagem numa
consciência individual, pode nos ajudar a restituir a subjetividade das imagens
e medir a amplitude, a força, o sentido da transubjetividade da imagem”
(Poética do Espaço).
182 Publicado pela Editora Vozes, Petrópolis, Rio de Janeiro.
183 Artigo escrito para o programa de Doutorado em Educação na UFG.
170
O método fenomenológico permite que o sujeito aflore toda a força de
sua vivência na visão da imagem e isso se encontra na poesia. A
fenomenologia da imaginação sugere que vivamos diretamente as imagens
como acontecimentos súbitos da vida. Quando a imagem é nova, a vida é
nova. O método fenomenológico não é puramente descritivo, mas um método
que consegue apropriar-se da força da experiência individual para a descrição.
A descrição que incorpora a vivência como dado importante não é uma
servidão ao objeto. O método fenomenológico é o método da imaginação
criadora. A concepção dessa imaginação é a única capaz de desvelar o oculto
tornando-se clara para que a imaginação ultrapasse a realidade. Ela vê o
invisível. Ela vai ao fundo das coisas.
O método fenomenológico ajuda a Educação a ser mais poética, a ir
mais a fundo na concepção de novas imagens, de novos conceitos de criar
coisas novas e de ser capaz de conceber o homem como realmente ele é.
CONCLUSÃO
Concluímos que a partir da pesquisa realizada e das aulas que
assistimos é muito interessante a Fenomenologia para a Educação. A
educação faz parte do cotidiano de cada um. Não só de professores, mas de
qualquer indivíduo. A educação está presente de forma constante na vida de
cada um. A noção de formação é mais completa e abrangente do que a de
educação, pois ela compreende as conotações que se apresentam no modo de
compreender o conhecimento como ato de repetir e de memorizar idéias. Aqui
entra o conceito de fenomenologia. Tudo que se diz sobre educação, formação,
estudos, tudo o que se pode pensar em relação a razão, e imaginação em
educação, faz parte da fenomenologia em educação. O educador é um poeta.
Ele imagina as coisas tais como elas são. A poesia é um ato de imaginação e a
educação como poesia é um ato fenomenológico.
REFERÊNCIAS
171
ALLIEZ, Eric. Da impossibilidade da fenomenologia, Editora 34, São Paulo, 1996.
CRITELLI, Dulce Maria. Analítica do sentido, EDUC, São Paulo, 1996.
DARTIGUES, André. O que é a Fenomenologia? Centauro Editora, São
Paulo, 2002.
FOULQUIÊ, Paul. O existencialismo, Difel, São Paulo, 1975.
HUISMAN, Dennis. Existencialismo. EDUSC, Bauru,
HUSSERL, Edmund. Meditações Cartesianas, Madras, São Paulo, 2001.
________________. A idéia de Fenomenologia, Edições 70, Lisboa,
1998.
________________. Conferências de Paris, Edições 70, Lisboa, 2000.
________________. A filosofia como Ciência de Rigor, Ed Res, Lisboa,
1998.
LYOTARD, Jean. A Fenomenologia, Edições 70, Lisboa, 1999.
7.11 A FENOMENOLOGIA EM EMANUEL LEVINAS184
Escolhemos alguns aspectos da fenomenologia e ética em Emanuel
Levinas. Discutiremos o eixo central de sua ética que é a questão do ver o
Outro. Assim denominaremos a sua ética de: “A ética é a ótica”. Faremos uma
incursão sobre “Ética e infinito”, onde este autor faz da sua fenomenologia
uma conversão da fenomenologia à ética. Como vivemos numa época em crise
como ele viveu procuraremos no seu pensamento uma ética na qual ele
procura dar sentido à vida futura. Passaremos agora ao seu pensamento ético:
No primeiro momento falaremos sobre a ética é a ótica; no segundo tópico
discutiremos a ética e infinito; no terceiro a ética do rosto, no quarto momento a
ética da alteridade. Todos estes títulos são faces de uma mesma moeda.
7.11.1 VIDA E OBRA DE EMANUEL LEVINAS185
184 Palestra proferida no Congresso Nacional de Fenomenologia por Dr. Daniel Sotelo
no ano e 2007.
185 Sua obra é vastíssima sobre esta forma nova de Fenomenologia. O autor Emanuel
Levinas é também tradutor de Edmund Husserl.
172
Emanuel Levinas era descendente de judeus russos. Nasceu em Kovno
na Lituânia em 1906. Desde cedo estudou Hebraico e a Bíblia Hebraica. Teve
uma predileção pela literatura, estudando William Shakespeare e Gogol, Fiodor
Dostoievski e Puchkin estes últimos literatos russos. Esses autores têm um
papel fundamental em toda a sua obra. Sua família na primeira grande guerra
mundial foi massacrada na Rússia. Entre 1916 e 1919 foge para Kharkov na
Ucrânia e nesse período bem jovem vê a revolução russa acontecer.
Ainda moço foge para a França e na cidade de Estrasburgo estuda
filosofia com Maurice Blanchot do qual será amigo até a sua morte. Entre 1928
e 1929 estuda com Edmund Husserl186 na cidade alemã de Freiburg. Neste
período assiste aos seminários de Martin Heidegger e vai ao famoso encontro
em Davos, na Suíça onde tem a discussão não menos interessante entre
Ernest Cassirer e Martin Heidegger a respeito de Emanuel Kant. Em 1930
publica sua tese de doutorado sobre “A teoria da intuição na fenomenologia
de Husserl”. Logo após, vai para Paris onde frequenta os cursos de Leon
Brunschvig, os cursos de Alexander Kojeve, todos eles falavam a respeito da
obra de Friedrich Hegel. Nesse mesmo período frequenta os encontros de
filosofia organizados por Gabriel Marcel.
No ano de 1936 publica sua obra intitulada “Da evasão”. Nesse período
pressente o horror nazista no horizonte, o qual marcará toda sua obra
posterior. Um pouco antes em 1930 ele tinha se naturalizado francês e depois,
em 1939 participou da resistência francesa. Em 1940, se torna prisioneiro e
durante toda a guerra vai de um campo de concentração para o outro, na
Alemanha. Mas ele era um prisioneiro especial, diferente do povo, ele era um
militar oficial. O que restou da sua família na Lituânia acabou sendo morta
pelos nazistas. Em 1947, com o passar do horror da guerra, ele publica a sua
obra “Da existência ao existente”, escrita em grande parte nas celas das
prisões dos campos de concentração. Nesse mesmo ano, participa de
conferências e assiste às palestras de Jean Wahl. A sua obra baseada nessas
conferências será denominada de “Os tempos e o outro” nesse período ele
se volta para aprofundar os seus estudos em religião e fazer as suas leituras
no Talmude (comentários sobre a Tora). O seu grande mestre no Talmude é
186 Edmund Husserl é o pai da fenomenologia moderna.
173
Chouchani, especialista que sempre será lembrado nas obras de Levinas.
Levinas é nomeado diretor da “Escola Normal Israelita Oriental”. Em 1949,
publica uma obra fabulosa chamada “Descobrir o existente com Husserl e
Heidegger”. Obra esta dedicada aos filósofos alemães que será de vital
importância para os filósofos e a filosofia francesa. Sartre, a partir dessa obra
começa a ler Edmund Husserl e Martin Heidegger.
1957 é o ano de maior intensidade intelectual. Participa do colóquio
internacional de intelectuais judeus de língua francesa, e começa a publicar
vários escritos sobre a Bíblia Hebraica e o Talmude. “Quatro leituras
Talmúdicas” em 1968; “Do Sagrado ao Santo”, em 1977; “Além do verso”,
em 1982; “A hora das nações”, em 1988. Essas obras publicadas bem
posteriores aos estudos e escritos sobre o Talmude revelam outra face desse
escritor. Em 1961, publica sua tese de doutorado em letras “Totalidade e
Infinito”. Nesse ano é nomeado professor na Universidade de Poitiers.
Em 1963 publica a obra “Difícil Liberdade”. Obra esta que é uma
coletânea de artigos sobre o Judaísmo. Em 1973 publica a mesma obra numa
segunda edição revista e aumentada. Em 1967 é nomeado professor na
Universidade de Nanterre, e em 1973 foi nomeado professor em Sorbone
(Paris IV) e publica a obra intitulada “O Humanismo do outro Homem”. Em
1974 publica “Outramente que ser ou além da essência”, uma obra
fundamental de seu pensamento. Em 1975 publica a obra “Nomes Próprios”;
obra em homenagem a filósofos e escritores da modernidade. Nesse mesmo
ano publica a obra “Sobre Maurice Blanchot”. Em 1976 sai para se aposentar.
Ele é nomeado professor honorário. Em 1982 edita a obra “Do Deus que vem
à idéia”, livro que é uma coletânea de artigos importantes que abrem as
novidades do terceiro Levinas, com seus novos pensamentos. Neste mesmo
ano publica “Ética e Infinito”, um livro de entrevistas onde ele expõe seus
pensamentos antigos e atuais. Em 1984 publica “Transcendência e
Inteligibilidade” uma conferência feita na Suíça seguida de uma entrevista.
Em 1987, publicou “Fora do Sujeito”, uma nova coletânea de artigos
sobre: Martin Buber, Franz Rosenzweig e Maurice Merleau Ponty. Continua
seu trabalho como aposentado fazendo conferências no estrangeiro e na
França. No Shabath judaico de manhã dá aulas de versículos bíblicos na
174
Sinagoga da Escola Normal Israelita Oriental. Por fim, em 1991, publica “Entre
Nós”, e em 1993, sua derradeira obra “Deus, a morte e os tempos”. Morreu
no natal de 1995 aos 89 anos de idade. Ele traduziu em 1931 do alemão para o
francês “Meditações Cartesianas” de Edmund Husserl.
7.11.2 O PENSAMENTO DE EMANUEL LEVINAS187
A obra de Emanuel Levinas é variada. Escreveu sobre Judaísmo,
Talmude e Fenomenologia. Estes assuntos são importantes e caros em seus
estudos, escritos e pensamentos. Era um judeu culto. Lia literatura, ciências e
escritores de vários assuntos e várias nacionalidades. Ao ler o filósofo francês
Henri Bérgson descobre a fenomenologia. Depois lê e traduz Edmund Husserl
e vai se encontrar pessoalmente com Martin Heidegger. Foi a partir da tese de
Emanuel Levinas que Jean Paul Sartre inicia seus estudos em fenomenologia.
Foi prisioneiro, sofre com a guerra, e como judeu perseguido. Tudo isso o
marcará profundamente em seu pensamento e obra.
A sua obra se desenvolve em duas perspectivas: os comentários
teológicos sobre o Talmude. Este tipo de literatura o leva aos ditos, textos e
versos religiosos encontrados nos mesmos. E os escritos filosóficos que
descrevem a vivência cotidiana e as suas experiências de guerra que o levam
a pensar no outro. A leitura de Levinas se baseia na escuta do verso bíblico
que passa pelo crivo do logos em Grego. Mas a racionalidade grega deve ser
confrontada com a Alteridade. Ele detesta ser chamado “filósofo judeu”, ele
quer ser intitulado somente de pensador e filósofo. Foi com os diálogos de
leituras de Edmund Husserl e Martin Heidegger que ele começa a construir a
sua filosofia. Filosofia esta que ele denominou de “descobrir a existência”. Esta
é a sua fenomenologia e que pode ser denominada de descritiva. Esse tipo de
fenomenologia será o seu método de filosofar será o modelo concreto da
existência. Na sua leitura de Edmund Husserl ele parte para Martin Heidegger
para trazer novos horizontes e outras modalidades de pensar. Esse novo modo
de pensar leva-o ao conceito de Alteridade, do outro. Este é o único modo de
187 Emanuel Levinas. Totalidade e infinito. Edições 70, Lisboa, 1998.
175
nos dar e de abrir o tempo. Isto nos mostra a incapacidade de ser a
subjetividade submetida a si mesmo e ao ser.
Em sua tese de letras “Totalidade e Infinito”, ele mostra os embriões
da transcendência metafísica e da idéia cartesiana de infinito. O leitmotiv é a
separação que tira a forma estranha do Outro ao império total do Mesmo. No
meio deste pensamento existe a epifania paradoxal do Rosto como exterior. O
campo fenomênico da visibilidade da altura expressa o dizer que veda o matar.
Esse significado inicial está na ambiguidade da economia imanente que vem
da interrupção: é necessário recolher da casa habitada para sentir a
transcendência ética do Outro. Ao acolher o rosto do Outro, o olhar do Outro
leva o indivíduo além do enigma da diacronia das gerações. Os grandes temas
de Levinas estão além de sua Ética.
Em sua obra vão ser retomadas, apuradas, aprofundadas, corrigidas e
renovadas as idéias da Existência, do Outro, da Morte, do Humanismo, da
Ética e assim por diante. A sua expressão sobre o Outramente confirma a sua
preocupação com o homem, com o outro, a existência, o ser, etc. O ser como
si mesmo é uma terminologia fundamental e abrangente em sua obra. A
alteridade do outro mostra a responsabilidade que possuímos em nosso mundo
com o outro. Um-para-o-outro leva o indivíduo a não pensar só em si mesmo,
mas entender e estender-se para fora de si mesmo. Vemos em suas obras:
“Em descobrir a Existência”, “Humanismo do outro homem”, e
“Outramente que ser” leva o indivíduo moderno, no mundo capitalista e
exploração do outro a se voltar a si mesmo e não ficar em si mesmo. Porém
ver o Outro na Ética, numa lógica paradoxal, a praticar a justiça num mundo
sem ética e sem justiça. Escolher uma ética e a responsabilidade para com o
outro, eis o eixo de sua grande ética.
7.11.2.1 A Ética é a Ótica
Levinas se inspira em Martin Buber, Franz Rosenzweig e na
fenomenologia de Edmund Husserl para compor sua ética da ótica, sua ética
do olhar. A fenomenologia, a convivência e a leitura de Edmund Husserl levam-
no a fazer uma crítica à tradição Greco - ocidental que leva o indivíduo às
aparências. Edmund Levinas é como um cirurgião e um estético que com seu
176
bisturi fenomenológico vai recortando o discurso, a realidade, a verdade e a
subjetividade. Ele mostra a responsabilidade, a dor da perda, o espanto e a
libertação. Estas são as experiências vividas nos campos de concentração.
Para ele a grande mensagem é a esperança de um mundo melhor, mais
cuidado, mais real e verdadeiro.
Na contradição da confluência entre Oriente e Ocidente está o
totalmente Outro. O total que completa o gozo, a dor, o homem maduro, bem
aventurado, inovado. Depois de uma guerra e seus horrores o voltar-se para o
outro é uma alternativa. Estas guerras mostraram uma experiência que rompe
todas as barreiras da vida. Esta é a preocupação fundamental de Levinas. A
guerra é totalitária, é mistério e trágica, é um modo de totalidade. Ele é um
crítico sagaz deste totalitarismo. Levinas mostra que isto nos leva ao mal estar,
ser é mal, precisamos de uma nova ética. A ética é o centro e o mais
importante de todo tipo de filosofia neste período. O autor critica todo
pensamento ocidental e retorna ao pensamento semítico. Ele critica: a filosofia
do ser que acentua o rigor e a lógica do discurso, e critica o cuidado do ser.
Dirige-se ao pensado e o pensante, resume, dessintetiza o totalizante ou
fragmentado, pensa o ser e compreende o ser. O ser comanda a verdade, a
teoria, a prática. Daí surge a ética que depende de Emanuel Kant, mas que se
separa dele, emancipa e cria uma autonomia de Emanuel Kant.
Emanuel Levinas critica Martin Heidegger e junta a idéia de infinito à sua
ética que é a alteridade. Para ele antes da filosofia existe a experiência ética e
antes da experiência ética tem o Outro na palavra e no rosto (face), na
linguagem, no corpo. A revelação do outro está na identidade e na totalidade. A
ética de Emanuel Levinas é a relação, com o outro, ética da identidade. Para
ele a ética é um modo de relação e não de uma seção ou divisão da filosofia. A
ética está na alteridade, na exterioridade, na origem transcendente. Está no
relacionar-se com o outro enquanto outro. Esta relação ética questiona, critica,
envergonha, recua, desarma o pensar ontológico. A ética é a responsabilidade
de relações, de alteridade. A alteridade é a luz que deixa ver a luz, orienta e
organiza a visão, o olho que vê, é o olhar o outro. Ele sempre fala: “ l’ethique
est l’optique” (a ética é ótica). A ética é como eu vejo o outro.
177
A palavra muito usada por ele é: decisão. De - cisão no sentido
etimológico significa, acontece na entrada, na relação, na revelação, na
palavra, na face e no corpo do outro. A de - cisão provoca a implosão e surge a
nova razão. Pensar é pensar sobre algo, não pensar a partir de, mas pensar
por. Pensar no sentido médico: pensar a ferida, o corpo, o cuidado com o outro.
O rompimento com a antiga ontologia leva Levinas a repensar-lhe. Assim ele
busca outra saída que foi: a alteridade, o bem e criou uma ontoteologia,
bondade, exterioridade. Assim a retidão e a possibilidade da verdade é para
Levinas a Moral. Não há Moral Ocidental, que para ele é hipócrita e trazem
mais conflitos, a moral para ele é uma filosofia primeira. Esta filosofia primeira é
uma meta, caminho de desconstrução, de uma de - cisão ética que provoca a
torção da intenção em modo vulnerável e da inteligência em hospitalidade e
serviço. Para ele o que é importante nesta ética é a alteridade.
Esta alteridade é a equidade, é a justiça. A alteridade é pluralidade e a
ética é a equidade, a igualdade e justiça para todos os outros. A ética como
equidade é a pluralidade que exige medidas de igualdades, mesmo que
distantes, significa que não só aproxima e distancia para a justiça o outro do
outro, distante e futuro outros. Equidade precisa de economia, teoria, direito,
política e instituições, etc. O humanismo do outro homem está no: desejo e
clamor, gozo e dor, poesia e sabedoria, Eros e além Eros, morte e vida.
7.11.2.2 A Ética e o Infinito
Para Levinas a guerra é uma “suspensão da ética”. Ele afirma que: “a
política se opõe à moral como a filosofia à ingenuidade”. A política e a guerra
são formas de totalitarismos. A ética tem que ser analisada a partir da visão
global da história. Para o autor a filosofia é um esforço para pensar a unidade
do ser, de ser em direção ao outro. O outro se manifesta no olhar, no
semblante (visage) da alteridade. O outro cuja face antecede e comanda o
discurso e que pode ser o único discurso filosófico que é uma ética do infinito.
Então nesta forma de ética entra a idéia de infinito. O infinito está
relacionado à ética de Emanuel Levinas. O conceito de infinito Emanuel
Levinas retira da Terceira meditação de Rene Descartes, que: “entre as idéias
que nele se encontra, uma idéia da qual não pode ser o autor, a saber, a idéia
178
de Deus; isto é, a idéia de uma substância infinita, eterna, imutável,
independente, onisciente, onipotente”. (Meditações Metafísicas, Renê
Descartes).
“A noção do infinito e do finito é que Deus vem a mim mesmo, pois
como seria possível que eu pudesse saber se duvido e desejo. Se me falta
alguma coisa e se não sou de todo perfeito, se não tivesse em mim a idéia
de um ser mais perfeito que o meu, em comparação com o qual eu
conheceria os defeitos de minha natureza”. (Meditações Metafísicas,
Renê Descartes).
A idéia de infinito se acha na presença de outrem como presença do
Infinito. Desejo que concretiza, na experiência do próximo, a idéia de infinito:
“O infinito no finito, o mais no menos, que se realiza pela idéia do
Infinito, se produz como desejo” (Emanuel Levinas. Totalidade e Infinito).
O desejo também que é o desejável não satisfaz como o pão consumido
satisfaz a fome, pois é Outro contemplado e não eu mesmo, minha
necessidade, que suscitou esse Desejo.
“O desejo é desejo de não ser feliz: o desejo é a infelicidade do
infeliz, uma necessidade luxuosa” (Emanuel Levinas. Totalidade e
Infinito).
O semblante é a revelação do Infinito. Olhar o outro, ver a nudez, o
semblante não é um símbolo ou uma metáfora que assinala outra coisa que a
si próprio. “O outrem me faz face” (Emanuel Levinas. Totalidade e Infinito).
Ele não é uma significação, mas o significante por excelência que, exprimindo-
se no face a face, torna toda palavra possível. E é nessa brecha do infinito e na
finitude do discurso que torna possível alguma coisa como uma revelação. A
essência do discurso da ética: a ética se exprime na abertura de uma
profundeza que vem a mim e onde se mantém todo o Infinito cuja visita recebe
através dele e que através dele vem buscar a hospitalidade de minha morada e
de minha suficiência: a epifania do outro é visitação. Outrem que se manifesta
no semblante do outro, penetra de alguma maneira sua essência plástica,
como um ser que abriria a janela onde, porém, sua figura já se delineava.
Emanuel Levinas chama de:
179
“Ética da resistência que é o Infinito que o semblante de outrem se
manifesta: o Infinito paralisa o poder por sua resistência infinita ao
homicídio que, duro e insuperável, brilha no semblante de outrem, na nudez
total de seus olhos, sem defesa, na nudez da abertura absoluta do
transcendente” (Emanuel Levinas. Totalidade e Infinito).
7.11.2.3 A Ética do Rosto
Para Emanuel Levinas a ética tradicional ou ética racionalista fracassou.
Ela estava em desgaste e em crise. A ética racionalista não conseguiu superar
a crise de valores e as ingerências das normas jurídicas no âmbito da vida
moral. As guerras, os totalitarismos políticos, as condições desumanas, a fome,
violação dos direitos dos homens mostram que há necessidade de uma nova
ética. Essa nova ética deve basear-se nas exigências sociais do agir e em
consonância com o bem do Outro e da sociedade. Acabar com a ética
solipsista (egoísta) características dos tempos modernos e da economia
capitalista e ver no outro, no rosto do outro a nova ética. O fim da ética
racionalista e o início de uma ética do rosto são vitais. Este é o grande desafio
ético e filosófico deste autor.
Houve um reflorescimento da ética de 30 anos para cá. A questão
fundamental foi o caráter objetivo e subjetivo do agir humano e a discussão
entre ética, política e direito. Isto ocorreu pela queda das ideologias, dos
conflitos étnicos, cultura e religiões, secularizações das sociedades, o
individualismo que nivela os valores do consenso entre os grupos sociais. Os
homens começaram a reconhecer que não podem viver sem ética,
redescobriram a ética da virtude e esboçaram uma ética comunitária. E ainda
se perguntam se existe uma ética fundamental capaz de superar uma ética
normativa por uma ética da virtude, pela irrupção do Outro? Tanto a crise da
ética como o reflorescimento da mesma repercutem em outras ciências:
política, moral, teologia, etc. A ética cristã teve que mudar por causa das
questões impostas como: eutanásia, aborto, projeto genoma, bioética,
questões da natureza, etc. A Igreja entrou nas discussões apesar de estar
atrasada demais. A Ética Bíblica foi superada pela: ética do cuidado, ética do
outro, ética do rosto, ética da alteridade.
180
A ética de Emanuel Levinas desta forma entre em pauta. Ética do outro
ou da alteridade são sinônimas. Houve uma denúncia dos intelectuais sobre “o
fim do humanismo” que se associou à crise da modernidade e o surgimento do
pós-moderno. Esta época está sendo demarcada por muitos avanços
científicos, tecnológicos, políticos e culturais com proporções jamais vistas pela
humanidade. A ética moderna teve a pretensão de salvar o objeto do agir
fundamentado no universalismo formal da razão moral. Assim a ética e a
política se entrecruzam nesta época moderna. A moral mais preocupada com
regras, com normas sobrepujou a ética. Surge a preocupação com o outro. Os
direitos do indivíduo buscaram um espaço público onde se evitava conceder a
atenção à moralidade como obrigação para com o Outro. O outro era visto
como contradição encarnada e a mais terrível ameaça para o avanço da auto-
realização do eu. A ética passou a se preocupar com o “cuidado pelo Outro
pensado em função da reciprocidade das relações em consonância com a
base social”. A ética de Emanuel Levinas parte da epifania do Rosto do Outro.
O outro, com sua interpelação, colocam em questão o horizonte da ética
ocidental.
A ética do rosto está mais preocupada com as questões que dizem
respeito ao “humanismo do outro homem”. A questão ética fundamental é
colocada em função do outro e do sujeito como responsabilidade graças à
anterioridade do Rosto. Antes dessa preocupação era a questão do ser em
detrimento à questão do outro.
7.11.2.4 A Ética da Alteridade
A ética de Emanuel Levinas também é uma ética da alteridade. Esta
ética pressupõe uma desconstrução de todos os tipos de ética passando pela
ética da alteridade para a ética da responsabilidade. A ética da alteridade
começa com a desconstrução do edifício ontológico. A sua ética é o princípio
da relação entre Eu e o Outro, a injunção do Outro no Mesmo e o Eu não pode
retornar à posição de repouso em si mesmo. A relação ética não é
consequência, isto é, não é fruto de uma relação causal. Ela é relação entre o
Eu e o Outro totalmente Outro. O totalmente Outro não se identifica
imediatamente com Deus, pois este é inominável.
181
A ética da alteridade é uma forma de ética religiosa, que não são
separados: religião e ética, uma submissa à outra. Mas como a forma de
relação, de injunção do Outro no Mesmo. O outro se revela no Mesmo que se
manifesta na inapreensível, incomensurável, do a-Deus, do Dizer que suplica
Dito para não ser traído. A caridade e a justiça que se originam na revelação
divina ou na inspiração humana altruísta, o que justifica os estatutos morais,
individual e social. A relação de alteridade já é um estatuto ético.
A ética de Alteridade se estrutura numa relação entre o Eu, o Outro, e o
Terceiro Excluso (subjetividade). Nessa estrutura, a compreensão da relação
interpessoal (intersubjetiva) só é possível se for orientada pelo estatuto da
alteridade. A ética e a religião confluem para um humanismo no qual o outro é
o libertador de toda tentação que conduz ao individualismo e ao totalitarismo,
em nível de racionalidade e de sociedade. No humanismo de Levinas, o amor
pelo outro, o amor entre pessoas é o amor que se vive entre Deus e o homem.
A justiça divina significa viver muito além da paz aparente, resultado dos pactos
violentos e interesseiros. A idéia de estatuto ético da alteridade nos é dada pelo
próprio Emanuel Levinas: a injunção do outro não é só uma inversão da
egoidade do Eu, mas é um discurso que faz romper a retórica da totalidade do
Neutro. A ética da alteridade para ele é uma filosofia primeira. Ela está
instituindo um estatuto, uma ação de comando, que é, ao mesmo tempo,
exterioridade e interioridade.
Para ele a ética da alteridade está na escolha da liberdade. A liberdade
existe onde houver responsabilidade. A liberdade só é possível porque o Outro
chama-nos à responsabilidade. Por trás de tudo isso ele discute toda a questão
do totalitarismo (Primeira e Segunda Guerras Mundiais) e o imperialismo
(revolução russa e o comunismo na União Soviética). Ele sempre tem em
mente a questão da liberdade e da responsabilidade que cada um tem em sua
existência e na sua resistência a estes totalitarismos. O Outro me interpela,
chama à responsabilidade. A liberdade para ele é a vocação ao próximo. Os
termos, para Emanuel Levinas, subsequentes à liberdade são: autonomia e
heteronomia. Estes são temas que se cruzam no interior da filosofia.
Principalmente estes termos são ocorrentes na filosofia kantiana. Para
Emanuel Kant a liberdade está interligada à autonomia e à heteronomia. Só
182
que para o nosso autor a ética tem como princípio a liberdade do Eu como
sujeito fundante. A sua concepção de liberdade põe em xeque a ética
racionalista. Ele segue a filosofia judaica de vida: o homem consagrado ao
Próximo, só assim ele será livre (humanismo do outro homem).
CONCLUSÃO
Quando propomos que a ética em Levinas está interligada à fenomenologia
estávamos falando da relação e dependência desse autor com o pensamento
fenomenológico de Edmund Husserl. É a partir dessa relação que ele faz da
fenomenologia uma ética. Ele propõe uma ética com várias facetas: ética e
infinito; ética e alteridade; ética e o outro; ética e olhar e assim por diante.
Em sua abordagem ética ele propõe desconstruir as antigas éticas e
formular uma nova ética. Estas são as várias faces de uma mesma ética nada
mais é do que a proposta de uma ética fenomenológica. Mesmo que ele faça
uma crítica a Martin Heidegger e a Emanuel Kant, ele está mais preocupado
com uma ética da identidade e do sujeito. Com as crises na Europa o sujeito
ficou despersonalizado. Então a sua ética está ligada à responsabilidade que
cada um deve ter para com o seu próximo. A ética se caracteriza para e a partir
do outro, como abertura, pois coloca a identidade a serviço da alteridade. A sua
ética fala da fenomenologia do amor, filosofia do amor, do diálogo. Estas são
faces das relações humanas: da experiência e do encontro, o Eu - Tu (Martin
Buber). O fundamento da ética de Levinas é uma ética intersubjetiva, do
respeito, esse amor ao outro como outro - mesmo (do outro mesmo como
outro). Esse amor que sabe se doar ou esse des-inter-esse do amor são
herdeiros da máxima igualdade. Essa filosofia do amor é o fio condutor entre
ética e a justiça.
Jacques Derrida define a ética de Levinas como: “a justiça para além
do direito, fé para além da religião e ética para além da moralidade”
(Jacques Derrida. Adeus a Levinas)188.
188 Editora Perspectiva, São Paulo.
183
7.11.2.5 A ALTERIDADE E A ÉTICA EM EMANUEL LEVINAS189
A alteridade é um conceito fundamental em Ética e em filosofia.
Pretendemos analisar o conceito ético, filosófico e semântico buscando o seu
sentido na atualidade e na fenomenologia. O termo é derivado do latim, vem de
alter: o outro. Este sentido do outro na filosofia nos mostra como estamos nos
relacionando com o ser humano.
Alteridade é um termo latino que tem o sentido de “ser outro” ou “o ser
do outro”. Este termo refere-se ao problema do outro, problema do próximo, a
realidade dos outros, o encontro com o outro. Como reconhecemos o outro?
Como é o próximo? Como nos relacionamos com o outro? Quando
perguntamos isto pensamos na amizade, e que o amigo é o outro si mesmo e
não qualquer outro. Disto surge outra situação que é a relação com o próximo.
Esta situação do problema do outro já é encontrada na filosofia grega, em
Descartes com: “o problema do outro como objeto de um eu instintivo ou
sentimental”.
Em Emanuel Kant e em Gottlob Fichte o outro é um termo da atividade
moral do eu. Em Friedrich Hegel e Karl Marx com o outro na dialética do
espírito subjetivo e na dialética da natureza. Em Wilhelm Dilthey e Miguel
Unamuno o outro é como a invenção do eu. Assim a compreensão do outro
(alteridade) evoluiu e se transformou na mente dos filósofos. Podemos dizer
que na fenomenologia a alteridade tem uma grande riqueza e muito complexa
a terminologia próxima. A alteridade pode ser abrangente e interliga questões
filosóficas das mais variadas: metafísica, gnosiológicas e éticas.
I.
Vamos nos deter nesta última abordagem. A questão do outro em
relação à ética foi abordada de forma diferente na fenomenologia. As maneiras
que a alteridade foi analisada de formas múltiplas. Karl Jaspers, Martin Buber,
Maurice Merleau Ponty e Emanuel Levinas: a questão do outro se relaciona à
comunicação. Esta comunicação é existencial, encontro, ver o outro, ser com,
estar com, conviver, ser para o outro. José Luiz Aranguren chama alteridade de
alteração e isto se relaciona com: a minha relação com o outro, a relação de
189 Emanuel Levinas. Ética. Papirus, Campinas. 1984.
184
vários ou muitos outros. Para vários autores a alteridade é pessoal e
interpessoal, impessoal e objetivado.
A alteridade na ética tem um sentido individual e social. A ética individual
e a ética social da alteridade. Esta ética da alteridade tem relação com a moral
da liberdade ou uma ética social da alteridade. O outro em Martin Buber tem
relação com o diálogo, a compreensão, encontro. Encontro é fundamental.
Significa que tem várias formas de encontro: metafísico, histórico, social e
psíquico. Nas formas do encontro temos o encontro na existência solitária. As
formas especiais de encontro como: amor, comunicação, relação interpessoal e
a forma de encontro suprema ou encontro do homem com Deus.
II.
A alteridade e ética em Levinas têm uma relação inicial com o ser. O
nosso autor analisado foi influenciado por Edmund Husserl e por Martin
Heidegger na questão de exploração ontológica. Ele denominou isto como a
“abertura diante do ser” e que vai além do ser. Conforme Emanuel Levinas: “o
anunciado do outro do ser – o Outramente (autrement) que o ser – que
pretende anunciar uma diferença que está além do que separa o ser do nada:
precisamente a diferença do além (L’au-dela), a diferença da transcendência”.
A concepção do Outramente que o ser, cabe uma questão se o advérbio
Outramente não tem relação com o verbo ser.
Emanuel Levinas responde estas questões na perspectiva da
linguagem. O além para Levinas é um ser para outro e não outro ser que esteja
além do ser que está em questão. Para ele é uma tentativa de dizer a
transcendência levado em efeito mediante aos vários conceitos. O humanismo
de Emanuel Levinas conceitua o outro de modo ontológico. A alteridade é uma
moral altruísta no sentido tradicional, não é uma mística, mas um humanismo
do outro. Esta conceituação de Emanuel Levinas é uma ética ontológica. Para
ele é um itinerário, percurso do ser onde a pessoa caminha para a
intencionalidade do ser, do sentir, do experimentar. Isto leva o ser à
proximidade, substituição, recorrência e liberdade finita.
III.
185
Emanuel Levinas denomina de alteridade como o outro. Em “Totalidade
e Infinito” ele denomina de rosto, fenomenologia do rosto. Para ele esta
fenomenologia significa o que aparece e fenomenologia do rosto aquele olhar
voltado para o que aparece no rosto do outro (alteridade). Para ele o olhar é o
conhecimento, percepção. O acesso ao rosto é uma ética. Não é o olhar o
outro como objeto: rosto, olho, nariz, queixo. Mas olhar os olhos, ver o rosto de
quem aparece a mim. Ele diz: “a relação com o rosto pode, sem dúvida, ser
denominada pela percepção, mas o que é especificamente rosto é o que não
se reduz a ele” (Emanuel Levinas. Ética e Infinito, Edições 70, Lisboa, p 77).
“O rosto está exposto, ameaçado, como se nos convidasse a um ato de
violência. Ao mesmo tempo, o rosto é o que nos proíbe matar” (op. cit. p. 78).
Para este autor: “o rosto é significação, e significação sem contexto. Quero
dizer que outrem, na retidão do seu rosto, não é uma personagem num
contexto” (op. cit. P. 78). “O sentido de alguma coisa está na sua relação com
outra coisa” (p 78). “A relação com o rosto é, num primeiro momento, ética” (p
79). “O rosto é o que não se pode matar ou, pelo menos, aquilo cujo sentido
consiste em dizer: não matarás. O homicídio, é verdade, é um fato banal:
pode-se matar outrem; a exigência ética não é uma necessidade ontológica” (p
79).
Os interlocutores de Emanuel Levinas questionam os seus conceitos de
responsabilidade moral. Segundo alguns autores Edmund Husserl já
mencionavam a questão da responsabilidade. Só que Edmund Husserl falava
da responsabilidade pela verdade. Para Martin Heidegger a responsabilidade
estava relacionada com a autenticidade. Mas o que significa para todos estes
autores e para Emanuel Levinas a responsabilidade está ligada à essência
primeira, o fundamento da subjetividade. Subjetividade para o nosso autor é
ética. “A ética, aqui não aparece como suplemento de uma base existencial e
prévia. É na ética entendida como responsabilidade que se dá o próprio nó do
subjetivo” (p 87). Conforme o autor: “entendo responsabilidade como
responsabilidade por outrem, portanto, como responsabilidade por aquilo que
não fui eu quem fez, ou não me diz respeito e é por mim abordado como
rosto”.
186
Assim sendo a ética se relaciona com a subjetividade e a
responsabilidade. A alteridade é a proximidade e esta proximidade não se
reduz ao fato de se conhecer o outro. O outro me diz: eis me aqui. O dar, doar,
fazer alguma coisa por outrem. O seu rosto pede-me e ordena-me. A relação
ética nos faz sair da solidão do ser. O rosto significa o infinito. O infinito nos
vem à idéia na significação do rosto. “O significado ético é que no fato de que
quanto mais justo eu for mais responsável sou, e nunca nos livramos do outro”
(Emanuel Levinas. Ética e Infinito, p 97).
Nas palavras do próprio autor: “Descrevo a ética como o humanismo,
enquanto humano. Penso que ética não é uma invenção da raça humana
branca, da humanidade que leu autores gregos nas escolas e que seguiu certa
evolução. O único valor absoluto é a possibilidade humana de dar, em relação
a si, prioridade ao outro” (Emanuel Levinas. Entre nós, p 149-150). Aqui temos
a sua definição de ética da alteridade. A sua ética implica numa desconstrução
de toda filosofia anterior, ela desconstrói o edifício ontológico. A ética da
alteridade é a que garante a liberdade. Ela garante o fim da tirania e do mal. A
ética da alteridade é justiça.
A ética da alteridade em Emanuel Levinas permeia a inversão do poder
do sujeito pela potência – impotência do outro. Isto significa a proibição de
matar, a importância absoluta do outro e a responsabilidade social de cada
indivíduo. A ética do outro, do outro a face a face é também uma teologia. A
alteridade do outro não deve ser entendida, como uma divindade. Deus é
inominável. A ética da alteridade exige a liberdade e autonomia do sujeito. A
ética da alteridade é a relação entre a liberdade e alteridade que está dentro do
pensar a verdade e a justiça.
A ética não deve ser marcada pelo racionalismo, nem pelo idealismo. A
ética deve ser pensada no indivíduo livre e autônomo. Por isso o homem, o
outro, o próximo sempre é livre. Ética é a prática da justiça. A ética não existe
fora do social, fora do outro. O eu é despertado para o um-para-o-outro, para a
responsabilidade de des-inter-esse. Para ele a ética da alteridade é a filosofia
primeira, uma filosofia que estabelece um diálogo necessário com a exigência
religiosa. “O mundo existe para que a ordem ética tenha hipótese de se
cumprir” (Emanuel Levinas. Quatro Leituras Talmúdicas) A ética é agora a
187
relação de uma exterioridade ou a uma alteridade absoluta, não é espacial, não
figurada pelo outro. Pelo outro homem.
Conclusão
A ética é, em suma, este a-Deus. Uma ética não é mais o centro de uma
simples visão do mundo, mas relação com outrem, com o próximo. A ética é
agora, uma infinita relação de aproximação à transcendência do outro como o
outro, respeitado no absoluto de sua diferença em razão de nele, no seu rosto,
se revelar Deus, o Infinito ou a transcendência. Se a ética é ver o outro, olhar o
rosto do outro. A ética é ótica. Esta é uma criação do próprio Emanuel Levinas.
O rosto do próximo, do outro excede toda a descrição possível, aquele que
julga aproximar-se dele acumulando os detalhes.
REFERÊNCIAS
OBRAS DE LEVINAS
LEVINAS, Emanuel. De Deus que vem à Idéia, Editora Vozes, Petrópolis, 2002.
_______________. Entre Nós, Editora Vozes, Petrópolis, 2005, segunda edição.
_______________. Humanismo do Outro Homem, Editora Vozes, Petrópolis, 1993.
_______________. Novas Interpretações Talmúdicas, Civilização
Brasileira, Rio de Janeiro, 2002.
_______________. Transcendência e Inteligibilidade, Edições 70, Lisboa, 1991.
_______________. Ética e Infinito, Edições 70, Lisboa, 1993.
_______________. Da Existência ao Existente, Papirus, Campinas, 1998.
_______________. Descobrindo a Existência com Husserl e Heidegger, Instituto Piaget, Lisboa, 1997.
_______________. Quatro leituras Talmúdicas, Editora Perspectiva, São Paulo, 1998.
SOBRE LEVINAS
188
CHARLIE, Catherine. Levinas. A utopia do Humano, Instituto Piaget, Lisboa, 1996.
COSTA, Marcio. Levinas, Editora Vozes, Petrópolis, 1998.
DERRIDA, Jacques. Adeus a Levinas, Editora Perspectiva, São Paulo, 2001.
FABRI, Marcelo. Desencantando a Ontologia, Edipucrs, Porto Alegre, 1997.
LOBO, Rafael. Da Existência ao Infinito, Edições Loyola, São Paulo, 2006.
MELO, Nélio. A Ética da Alteridade, Edipucrs, Porto Alegre, 2003.
RIBEIRO, Nilo. Sabedoria de Amar. Tomo I, Edições Loyola, São Paulo,
2005.
SUSIN, Luiz Carlos. O Homem Messiânico, Editora Vozes, Petrópolis, 1984.
CAPÍTULO VIII AS FILOSOFIAS DA HISTÓRIA
INTRODUÇÃO
189
Existem várias concepções de filosofia da história. Analisaremos alguns
autores bem conhecidos. Partiremos de Georg Wilhelm Friedrich Hegel,
Antônio Gramsci, Gyorg Lukacs, Jean Paul Sartre e outros em suas obras,
conceberem de várias formas diferentes e até contrapropostas os fatos
históricos. Os idealistas, os marxistas, os existencialistas tinham diferentes
formas de ver a história.
8. 1 OS PRECURSORES DA FILOSOFIA DA HISTÓRIA190
Segundo alguns autores, os precursores da filosofia da história são os
próprios historiadores e os filósofos em geral. Desde o século XVIII e XIX é que
vamos ter uma mudança nesta concepção e o historiador alemão Johannes
Herder e o filósofo Wilhelm Dilthey, estes autores começam a conceber uma
nova forma de fazer história mais real e verdadeira. Alguns falaram da história
em suas fórmulas ou enunciados que evidenciam a estabilidade ao longo da
própria história com certas relações básicas e características fundamentais.
Existiam outras fórmulas históricas ou as leis vetoriais que se referem ao
próprio crescimento ou à formulação histórica e à variedade de suas idades,
fases e aspectos e que se manifestam numa direção típica no desenvolvimento
histórico. Jacques Maritain coloca o italiano, Giambatista Vico e Friedrich Hegel
como os pais da filosofia da história. E a partir de Friedrich Hegel que a história
passa a ser uma filosofia da história subordinada à própria filosofia e como um
aspecto da mesma. Conforme o autor, a filosofia da história tem como objeto e
campo de trabalho o que a história sempre pesquisa. A filosofia da história tem
como trabalho o próprio conhecimento histórico e desta base Wilhelm Dilthey
procurou a verdade na história.
Henri Irinee Marrou, Paul Ricoeur, Raymond Aron e Marc Bloch
se preocuparam em explicar qual era o papel da história e que para eles a
verdade é completamente diferenciada da verdade científica e que não possui
a mesma espécie de objetividade. Agora a diferença entre a filosofia da história
é a própria. É que a história é a própria história. E que a história cumula certos
dados, fatos, períodos e tenta interpretá-los, porém a filosofia da história é a
reflexão dos aspectos mencionados. Muita coisa se tem mudado hoje,
190 Palestra proferida no curso de filosofia do Instituo Metodista Bennett, 1998.
190
principalmente nestes fundamentos. Existe muita diferença de enquadra melhor
na sua interpretação para refletir sobre os dados, os fatos, acontecimentos e
períodos históricos.
8. 2 GEORG WILHELM FRIEDRICH HEGEL191
Para Georg Wilhelm Friedrich Hegel, a “história é o vir-a-ser que se atualiza
no saber... o vir-a-ser mediatizando-se a si mesmo”. A filosofia da história em
Friedrich Hegel inaugura uma antropologia e uma teoria da tomada de
consciência do indivíduo mediante à lembrança do passado e o enriquecimento
de experiência sucessivas a inacabadas. Isto se dá pela influência da
revolução francesa que é uma revolução francesa que é uma revolução
burguesa. A burguesia não aprende de sua relação com o mundo em termos
de leis universais da natureza, mas em termos de realização. Ao refletir sobre a
história, essa classe descobre seu novo papel através das contradições, e
medita sobre o seu lugar e sua legitimidade. Georg Wilhelm Friedrich Hegel
pergunta se a história será tão somente a manifestação do espírito, ou
determina-se a sua própria racionalidade e os próprios conceitos?
A filosofia vive então esta primeira infelicidade: condenada por pensar o
estável, a utilizar regras do entendimento, para captar o movimento, inventar o
seu próprio método. A história eleva-se ao conceito ou pelo menos a manifesta
através do tempo, porque participa da mais elevada atividade filosófica que se
revela efetivamente o real no seu ser e movimento. A história possui privilégios.
Nas filosofias anteriores, a história não desempenha papel algum: ela surgia
como algo que se repugnam quando era preciso situar-se em relação ao
passado.
Mais do que a gênese temporal da filosofia e do indivíduo, a história implica
uma antropologia ou ela descreva apenas a gênese ideal da humanidade no
tempo, mas também um defrontamento do homem com o mundo, que
pressupõe uma teoria da violência, da cultura e da educação. Ele associa a
história ou à teoria do saber ou a uma antropologia, por isso liga-se isto à
violência e à cultura: a dialética do senhor e do escravo. Sem violência e sem
191 Hegel. Filosofia da História, Porto, 1968.
191
luta entre os homens não teria jamais passado da natureza à cultura. Sem
alienação, sem perda de si, também não teria caracteriza o tempo da história.
Para ela a dialética do Senhor e do escravo se caracteriza por três
aspectos que determinam a idéia da natureza humana e permitem
compreender o status: a violência, o reconhecimento das consciências e o
desejo. Por isso, nem a propriedade (Jean Jacques Rousseau), nem a luta pela
existência (Thomas Hobbes) criam a violência: esta nasce no confronto de
duas consciências que para sair natural e ascender à humanidade não tem
outra solução a não ser desafiarem-se num combate que exige a morte de um
dos parceiros.
Nasce a história e se dá a transformação do mundo a partir dessa luta que
faz surgir a primeira desigualdade (a do Senhor e do escravo). Ao trabalhar
para o senhor, o escravo descobre dois aspectos contraditórios da realidade e
de sua vida: a perda da liberdade significa que seu desejo é reprimido pela
obediência, submetida ao serviço do outro, alienado num trabalho se apresenta
sob sua forma positiva, que implica no domínio de técnicas e a transformação
da matéria. Só os escravos transmitem cultura, os senhores se embrutecem
nos prazeres. A violência dá a luz à história a ele se conservará nas
sociedades modernas, visto que a guerra continua a ser necessária para
manter a tensão entre os povos.
A história tem dois esquemas: uma teoria da natureza humana e o
outro uma teoria do processo e dá temporalidade como retomada da lembrança
e da experiência. A história aparece, pois como lugar de passagem onde surge
por um retorno ao passado, a significação de cada acontecimento, mas com
aquilo que jamais se pode dizer a seu próprio nível. Ela se revela, sem o saber
realmente, esse sistema que implicitamente se apresenta a cada instante, mas
cuja totalização só se desenvolve até o ponto em que se torna possível
transformar-se em teoria.
A filosofia da história revela esta racionalidade oculta pela
contingência dos fatos ou pela aparência confusa dos fatos.
192
8.3KARL MARX192
Na obra de Karl Marx e de Friedrich Engels: “Ideologia Alemã”, eles definem
como: “Esta concepção de história tem por base o desenvolvimento do
processo real da produção: e isso a partir da produção da vida material
imediata”. A história, portanto em seus acontecimentos são os processos da
produção: material, intelectual, etc. Karl Marx fará uma crítica e Friedrich Hegel
e aos jovens hegelianos, e à filosofia idealista, principalmente sobre as
perspectivas da história. Para Friedrich Hegel, a história estava ligada aos
problemas de liberdade, em Karl Marx está ligada aos processos de produção
e às contradições reais vividos pelos indivíduos.
A história passa a ser entendida e atua em vários níveis que não se
interligam:
A. A história é aquilo que permite compreender o homem atual e não o fixar
numa essência eterna e o desenvolvimento atual da civilização
retrocedem a sua gênese.
B. A história humana não deve ser separada da história natural. A história
humana é a transformação da natureza e da história do homem.
C. A história é a geração do homem pelo homem no trabalho e no confronto
com o mundo.
D. Todo o movimento da história é um ato de procriação real do comunismo.
Necessário se torna a abolição da propriedade privada que provocará
duas consequências: a passagem ao comunismo e à plena consciência,
o que permitirá superar as alienações e as ideologias.
Para ele a história do homem é a história da produção: produção é
trabalho e o trabalho constitui o homem e isto determina todas as duas
relações com o mundo e assim se faz a história da dominação: A dominação
pressupõe as condições de uma transformação maciça dos homens e a
existência de condições objetivas. Para Karl Marx o método histórico mostra
seus limites, mas o começo não permite revelar a própria essência da mesma.
Para ela, ainda, a ciência histórica tomada no sentido mais estrito reduz-se
aos estudos das perturbações materiais, ao passo que a compreensão geral do
192 Karl Marx. Ideologia Alemã. Cortez. São Paulo. 1984.
193
movimento supõe uma teoria da contradição. A alienação e a ideologia surgem
com a deturpação histórica do trabalho e da compreensão do homem de si
mesmo.
Para compreender a história e o materialismo histórico em Karl Marx é
necessário entender os modos de produção, da transformação histórica e da
evolução social. O processo de trabalho é a produção de valores de uso
materiais. Os meios de produção são identificados por ele mesmo como os
fatores materiais de produção, as condições objetivas do trabalho os materiais
e os meios de trabalho.
Tanto os instrumentos de trabalho como os objetivos de trabalho são os
meios de produção, como o peixe na água são os meios de produção na
indústria pesqueira. O produto do trabalho e o consumo também fazem parte
dos meios de produção. Com a força de trabalho, os materiais de produção, os
meios de produção e a capacidade e o conhecimento do trabalhador são os
meios de transformação e de evolução social.
Para Karl Marx, a “história toda deve ser estudada de novo, as condições de
existência das diferentes formações da sociedade devem ser examinadas uma
por uma antes que se tente deduzir delas as opiniões políticas, jurídicas,
estéticas, religiosas, etc. correspondente a elas”. A história não é um processo
fechado, no qual o preestabelecimento tenha apenas de ser executado. A
história é determinada pelas relações de produção, pelas forças de trabalho,
pelas forças de produção, pelas relações econômicas. Por isso, ele analisa a
evolução da passagem do capitalismo ao socialismo, a evolução da história
mundial através dos modos de produção: modos de produção asiático,
mercantilista, capitalista e socialista. Daí o surgimento do materialismo
histórico.
A verdade da história não passa pelo indivíduo, mas se revela como um
sentido imanente de uma totalidade que escapa a cada um. A história não age
como o germe que traz em si a flor, porque neste caso, é sempre o mesmo
reproduzindo o mesmo. A história implica liberdade, o que significa que ela é
da ordem do conceito.
194
Na história, o tempo decisivo e cada experiência, nas contradições que ela
suscita, implicam ao mesmo tempo uma perda do estado anterior e um novo
aprendizado. A história só se vive no modo da anunciação, de um sentido que
se revela retrospectivamente, como agente da própria história, o Estado
Moderno escapará aos excessos revolucionários e revelará em sua realização
a mais elevada forma de progresso.
Na história começa-se a despontar as diferenças de classes sociais. Sem
uma profunda análise sobre o que provocaria essas diferenças, nele começa o
estudo real da história moderna em que vai deixar pistas a serem seguidas.
A passagem do capitalismo para o socialismo, das forças produtivas, das
relações de trabalho seria a transformação histórica essencial para o curso
superior histórico da humanidade.
A teoria de Karl Marx, por fim, sobre a história, vai oferecer subsídios para a
pesquisa social e histórica e muito mais como a própria ciência.
8.4ANTONIO GRAMSCI193
Para Antonio Gramsci a história está relacionada com a produção e a
produção intelectual. Ele elabora a teoria do intelectual orgânico que é aquele
que serve as estruturas e o status. A sua idéia principal é o explicar que é
consciência dos homens estão em atraso à situação econômica. A ideologia
tem um papel importante neste aspecto. Para “o fator essencial da história não
são fatos econômicos brutos, mas o homem, a sociedade de homem que se
une entre si, que... desenvolvem através de seus contatos uma vontade social
coletiva e compreendem fatos econômicos e os julgam e os adaptam à sua
vontade até que essa vontade se torne a força motora econômica, a formadora
da realidade objetiva”.
As distinções do trabalho e do trabalho intelectuais devem ser repensadas
para se entender o papel do intelectual na sociedade, Antônio Gramsci entende
que o intelectual define-se pela função que ele exerce num tipo de civilização
ou num tipo de produção dada. Nem todos têm uma função intelectual na
sociedade. Para ele existe uma distinção entre intelectuais orgânicos e os
193 Antônio Gramsci. Cadernos. Civilização. Rio de Janeiro, 1968.
195
tradicionais: os primeiros são criados por todo o sistema para assegurar a sua
coesão e ideologia e os segundos são os remanescentes das antigas camadas
sociais que persistem através das perturbações das relações de produção.
Os intelectuais consolidam a ideologia da classe dominante que lhe dão
prestígios que se entendem até as demais classes. As camadas subalternas
que trabalham na burocracia servem de correia de transmissão organizam a
coerção que o aparelho do Estado exige, seguiram a ordem e transmitem
modelos de civilização favorável à classe dirigente. Os intelectuais participam
do sistema em graus diversos, mas todos são solidários com seu
desenvolvimento e com relações de produção que se estabelecem.
A história para Antônio Gramsci é a transformação das condições de
vida que passa, pois, por esta radical mutação da ideologia das massas. Para
Karl Marx, a sociedade civil é as infraestruturas econômicas: para Antônio
Gramsci, a sociedade civil faz parte da superestrutura, esta deve ser atribuída
um papel essencial à ideologia. Na sociedade civil se elaboram as concepções
do mundo, as ideologias e todas essas atividades mais ou menos intelectuais
pelas quais se amalgamam as diversas formas de consenso social, desde os
jornais até os organismos religiosos ou escolares.
Surge então o materialismo histórico que combate em Antônio Gramsci
o pensamento burguês de Benedeto Croce integrado pelo hegelianismo que
admite a historicidade das categorias do saber e utiliza a confusa noção de
mediação. Ele elabora além da crítica ao historicismo de Benedeto Croce,
Nicolai Boukarine e três aspectos de ideologias dominantes de Friedrich Hegel,
os teóricos políticos e os economistas burgueses Ingleses. Para ele a história
difere da ciência devido a interpretação do fato que permanece sempre com a
incerteza. A história então está baseada na infraestrutura e na superestrutura
formando o bloco histórico da sociedade.
8.5 GYORG LUKACS194
A diferença entre Antônio Gramsci e Karl Marx na conceituação de
história é distinta; em Gyorg Lukacs a diferença também é diferente. Para este
último é mais ortodoxa, o que o separa de Karl Marx, onde Karl Marx estava
194 Gyorg Lukacs. Estética. Grijalbo, Rio de Janeiro, 1968.
196
ligado aos modos de produção, trabalho, força de trabalho: para este autor a
história está ligada a tudo isto que se refere Karl Marx mais a concepção da
consciência de classe. Gyorg Lukacs, para ser entendido, precisa-se ver a
influência que Wilhelm Dilthey exerceu sobre ele e a filosofia de vida. Em Marx
Weber, a fenomenologia e o ambiente da Alemanha em 1914, antes da
primeira grande guerra e da revolução Russa.
Em 1932 ele foi ministro da Bela Kuhn, após máxima e fundamental sobre
“a história e a consciência de classe”. Nesta obra ele trabalha com a teoria
leninista da consciência – reflexo e ainda mostra a questão tão importante para
Karl Marx, que tanto preocupou Antônio Gramsci sobre “como fazer que as
massas, nos países ocidentais, passem de reivindicação econômica para a
inversão de um sistema político-econômico”.
“Ele tenta responder com a noção de totalidade o que distingue de modo
decisivo o marxismo da ciência burguesa, e o ponto de vista de totalidade”. Isto
requer para uma concepção e compreensão da história, entender não somente
as questões econômicas (como em Karl Marx e idéia de produção) e em
Antônio Gramsci (a consciência de classe em subverter e a situação política
econômica), que neste é uma questão de totalidade, ou seja, são os aspectos
apenas mencionados por Karl Marx ou Antônio Gramsci, mas o total de todos
estes aspectos e outros.
O conceito de totalidade pressupõe um retorno à história como única capaz
de desvelar a realidade do processo todo. Não é se opuser a história à teoria,
ou a dialética da história viva; mas é a tomada de consciência de toda a
situação em sua totalidade. O pensamento burguês se atém a interpretar, ver
uma parte nos fenômenos ou fatos históricos, porque refletem partes das suas
relações sociais, a consciência de classe é ver o todo em suas partes, englobar
os fatos e vê-los através da consciência que se tem da classe social.
Tanto para Gyorg Lukacs como para o próprio Antônio Gramsci que
chegaram à conclusão de que as sociedades ocidentais têm como problema
fundamental e determinante a consciência de classe. Para Antônio Gramsci,
esta consciência devia ser tomada pelo que ele denominava de sociedade civil
(escolas, instituições culturais, igrejas, etc.) e para Gyorg Lukacs de uma forma
197
mais simples manter a consciência individual. Porém existe a falsa consciência
que não é a deturpação ou a visão invertida do mundo, mas de um
desdobramento no interior da própria consciência. A consciência pretende algo
que ela faz, a diferença está naquilo que ela pretende e naquilo que ela faz. A
falsa consciência nasce da ilusão da autonomia.
Desde forma consciência que um operário tem de sua classe,
duplamente alienada, no trabalho e na ideologia. Este tem grande possibilidade
de se libertar como antigos escravos. Karl Marx o ajuda com a concepção de
história e ele utiliza a concepção da teoria da mediação que permite o operário
conceber a si mesmo como classe numa nova forma de existência. Na
burguesia, a história é pensada como um modelo de progresso, de
desenvolvimento, de produção, de produtividade, de enriquecimento individual
ou de um grupo: para a consciência operária, a história é a "história da
agitação ininterrompida nas formas de objetividade que modelam a existência
dos homens".
Gyorg Lukacs tenta mostrar então uma nova teoria da história a partir da
alienação e para isto parte de uma teoria do reflexo. Fazer com que a
humanidade saia de sua pré-história, aí ele introduz então a diferença entre a
práxis e a própria prática. A primeira seria a teoria da práxis do pensamento
proletário que aos poucos se transforma no segundo que é a teoria da prática
que é a agitadora da realidade.
A primeira permanece no nível das especulações intelectuais e os reflexos
são os dois polos estáveis: o real e o que se reflete na consciência.
Por isso a história utiliza a razão, mas a razão científica dá a sua norma
ao sistema de leis que caracteriza o desenvolvimento. A história perde toda a
autonomia, visto que, depende de um além da história, a razão universal. "A
história não está em condições de constituir o corpo vivo da totalidade do
sistema: ele converte-se num partido, um momento do sistema de conjunto que
culmina no espírito absoluto, na arte, na religião e na filosofia".
A história é necessária para fundamentar a problemática da consciência e do
desenvolvimento do conceito no tempo, ela de fato não tem status algum, visto
que, manifesta apenas uma razão mais elevada que ela. Nada mais resta à
198
história senão a cisão infinita da consciência de si, a alienação, a arbitrariedade
recuperada por um saber que não tem outra lei, senão o desenvolvimento de
sua própria racionalidade. Cada fato histórico remete a um sistema de
interpretação, de uma facticidade inexplicada e inexplicável. A história escapa
ao conhecimento e se transforma em hermenêutica.
Para Gyorg Lukacs a totalidade (história universal) nem é a soma
simplesmente mecânica dos fatos históricos particulares, nem um princípio de
consideração transcendente dos fatos históricos particulares, que só se poderia
impor, portanto, por meio de uma disciplina própria: a filosofia da história. A
história é antes de tudo, o produto evidentemente inconsciente até aqui, da
atividade dos próprios homens, a sucessão dos processos nos quais as formas
dessa atividade, as relações do homem conseguem mesmo se transformam.
“A história é precisamente a história da agitação ininterrompida da forma de
objetividade que modelam a existência do homem”. A história não se lê a não
ser extraindo-se as categorias abstratas do capitalismo. A história apresenta-
se, então, ao mesmo tempo, como problema metodológico e como problema
do conhecimento do presente. Quando se fala que ao sair da pré-história da
humanidade significa o abandono das ideologias justificadoras e alienantes.
8.6JEAN PAUL SARTRE195
Em sua obra “Crítica da Razão Dialética”, no primeiro volume, o autor
ensaia uma teoria da História. Para ele a “história é um processo sem sujeito,
que o essencial não é o que se fez do homem, mas o que ele faz, do que
fizeram com ele”. Que mostre como a história não se reduz ao puro jogo
mecânico das construções necessárias.
Para ele, “a única interpretação válida da história humana foi a do
materialismo dialético”. Para Karl Marx, a história está em curso, de tal modo
que a capacidade de compreender o presente e o futuro torna-se decisiva na
base das condições anteriores, assim que, a história da atividade dos homens.
Mas para evitar que a história não recaia nessa espécie de fatalidade hegeliana
em que se caracteriza o desencadear dos diversos movimentos do vir-a-ser
195 Jean Paul Sartre. Crítica da Razão Dialética, DPA, São Paulo, 2006.
199
através das contradições, é preciso acrescentar que a dialética nasce a partir
da ação de indivíduos concretos. Esses indivíduos fazem e sofrem a história e
só atuam de contradições, de tal modo, que a dialética aparece ao mesmo
tempo como resultante e como força totalizante.
A dialética é material, mas porque ela depende de uma práxis que se
constitui “no e pelo universo material, como ultra pensamento de seu ser-objeto
ou outro, ao mesmo tempo revelando a práxis do outro como objetivo”. A
dialética só existe porque a história depende da práxis e só compreende a si
mesma por uma diferença entre o ser e o fazer, a passividade e a atividade.
Jean Paul Sartre não está preocupado com “a história real da espécie humana
que pretendemos restituir, mas é a verdade da história que tentaremos
estabelecer”.
Para ele a história traz em si essa racionalidade dialética que se constitui
desde que, um homem enfrente o mundo no qual vive. A interpretação da
realidade, do mundo da história em Sartre, tem uma diferença muito grande em
Karl Marx, Gyorg Lukacs e Antônio Gramsci. Para Jean Paul Sartre, o
importante não é a partir das relações de produção e da economia, é preciso ir,
além disso, e antes disso, é preciso retornar atrás e estudar as primeiras
relações do homem com o mundo.
Para ele, o homem é o produto de seu produto, para as análises
anteriores o homem é o produto, para as análises anteriores o homem é o
produto da produção, da economia da natureza, aqui ele é o produto da
transformação, a sua ação volta-se contra ele, ele tem a experiência de sua
própria impotência. A atividade humana se volta contra os próprios homens, os
indivíduos se põem em sua alternativa e alteridade. Chegando então ao reino
da violência. A inércia, a violência e a práxis são conceitos chaves para se
entender a concepção sartreana de que o “homem é o produto de seu
produto”.
A inércia é que, em toda a ação se transforma em sua contrária, num
plano polo de atividade. A violência é que após a atividade humana da
transformação das coisas, elas se voltam contra o próprio homem. E a práxis
não é transformar o produtor em produto, o homem livre em escravo alienado,
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o que é uma coisa da violência, mas fazer uma síntese da liberdade e das
condições da existência. Então para Jean Paul Sartre a história é a síntese
entre a liberdade e a existência humana.
A práxis em Jean Paul Sartre parte de todos os aspectos anteriores e na
luta de classes, que não é o resultado mecânico de uma situação, como
aceitam os economistas, nem o produto de uma pura práxis abstrata, como o
poderia imaginar um hegeliano, mas uma modificação constante entre o campo
que a práxis abre e as condições materiais.
Por fim, a história em Jean Paul Sartre, é, pois compreensível sob as
condições de que se tenha em conta todas essas análises, onde pouco a
pouco de descentralizam diversas redes de mediações. “Nossa história nos é
inteligível porque é dialética, e é dialética porque a luta de classes nos, produz
como superando o inerte do coletivo no sentido dos grupos de combate”.
A história não se reduz a procurar motores, mas tem por fim descobrir a
dinâmica própria de cada grupo ou subgrupo na sua configuração particular.
8.7AS FILOSOFIAS CRÍTICAS DA HISTÓRIA196
Raymond Aron, marxista francês, faz em suas obras uma crítica às filosofias
da história: “O homem constrói uma história porque ele é um ser histórico”. A
crítica começa com Wilhelm Dilthey e Heinrich Rickert, Georg Simmel,
orientados todos pela obra de Max Weber. Que mostravam: ao explicar a
natureza explica-se como o homem era compreendido.
Para Wilhelm Dilthey, entender a história e seu movimento, ele procurou
na obra hermenêutica de Friedrich Ernest Daniel Schleiermacher a questão do
Verstehen (compreensão) baseada na Geistwissenschaften (Wilhelm Dilthey.
Ciências do Espírito). E ele reduzia a compreensão e seis proposições:
“compreensão é o processo pela qual as manifestações sensíveis dadas nos
revelam a própria vida psíquica”. “A compreensão pressupõe um vínculo entre
o exterior e o interior: o signo sensível. Há graus de compreensão que
permitem certo consenso entre os homens”. “Toda compreensão que permitem
certo consenso entre os homens”.
196 Helene Vendrine. Filosofias da História. Zahar, Rio de Janeiro, 1976.
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“A compreensão vai parar na teoria do conhecimento, na lógica e na
metodologia”. Na primeira compreensão o que determina o valor do
conhecimento e a validade de compreensão; na segunda é a compreensão
lógica, não da abstração, mas de um conjunto do real é o terceiro a
metodologia é o estudo das regras técnicas.
Wilhelm Dilthey procura sair do psicologismo, do dogmatismo ou do
relativismo que se pode cair na explicação do desenvolvimento histórico. Para
ele, a história é somente a retomada das épocas dos valores e as significações
que são experimentadas pelos seres vivos: no homem elabora uma forma
histórica.
8.8A FILOSOFIA E O ESTRUTURALISMO197
As filosofias da história até o presente momento tentaram resolver um
problema e não obtiveram o êxito esperado: como explicar as transformações
ao mesmo postulando e existência de um sistema de explicação aplicável ao
conjunto da história conhecida?
A história em si é diversa e imprevista, como a ciência humana está em
constante mutação e oscilações, todas as filosofias da história perceberam tal
paradoxo e não conseguiram ultrapassar, apenas tentarem em suas limitações
explicar essas diferenças. Assim, o filósofo conseguindo explicar os fatos
históricos em si,
“Desiludido com a razão, desgostoso com a hermenêutica, complexado
com a ciência, ele se lança no estruturalismo, persuadido a escapar à ideologia
e de se achar em terreno firme de um saber, saindo de um vício do idealismo.
Ele analisará a lingüística e a situação de interpretação de todos os atos
humanos em termos de comunicação e de estrutura (Roman Jacobson, Claude
Levi Strauss). A Linguística se ocupara da comunicação, das mensagens
verbais, a semiótica será aplicada a mensagens verbais e qualquer outra forma
antropológica social e a economia na comunicação geral”.
197 Helene Vendrine. Filosofias da História. Zahar, Rio de Janeiro, 1976.
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O estruturalismo genético de Jean Piaget198 não é incompatível com a
teoria do transformar-se e com a dialética.
REFERÊNCIAS
CHANU, Pierre. A história como ciência social. Zahar Editores, Rio de
Janeiro, 1976.
CHILDE, V. Gordon. O que aconteceu na História, Zahar Editores, Rio
de Janeiro, 1974.
DRAY, William. Filosofia da História, Zahar Editores, Rio de Janeiro,
1977.
VEDRINE, Helene. As Filosofias da História, Zahar Editores, Rio de
Janeiro, 1977.
198 Helene Vendrine. Filosofias da História. Zahar, Rio de Janeiro, 1976.