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1213 BRASIL NO PRATA: IMPERIALISMO E CONFLITOS WAGNER CARDOSO JARDIM Universidade de Passo Fundo [email protected] Resumo As ações do império do Brasil no Prata no período entre 1850 e 1865 reafirmam o velho interesse luso-brasileiro de predomínio na região. Inúmeras interferências militares ou “diplomáticas” marcaram a política externa brasileira em relação à região platina no período em questão. Em uma época onde as independências dos países platinos já estavam realizadas mas que a instabilidade política era muito grande, o governo brasileiro usa de suas armas para fazer valer suas pretensões. A secular disputa luso-hispanica deu lugar no século 19 à busca pela hegemonia argentina e/ou brasileira nessa porção da América. O império brasileiro se lançou com força máxima e muita cautela para sacramentar o projeto hegemônico iniciado no inicio do século. Os alvos para isso foram o Uruguai, o Paraguai e a Argentina. Essa ultima disputando diretamente o poder regional. Palavras-chave: Imperialismo – Hegemonia – América FORMAÇÃO DOS ESTADOS NACIONAIS NA AMÉRICA DO SUL Argentina: A desagregação do sistema colonial americano e a criação de novos países - que resultou da crise vivida pela Europa - pegou o vice-reino do Prata em cheio. A burguesia local sedenta de poder e aproveitando a fragilidade espanhola em manter a ordem vigente soube articular processos e romper com a metrópole. Havia no interior do vice-reino pessoas favoráveis ao desligamento, esses em especial eram ligados ao comércio, que viram a oportunidade desde 1806 de comercializar diretamente com os ingleses, livrando-se da intermediária metrópole. Em 1810, em Buenos Aires assim como ocorrera na Espanha, uma junta de governo foi criada para governar em nome de Fernando VII, rei espanhol deposto. O cabildo abierto que havia sido convocado nesse mesmo ano deliberou por demitir o vice rei Cisneros. (CERVO; RAPOPORT,1998. p.84) A situação no Prata estava cada vez mais, fugindo ao controle bonaerense. O antigo vice-reino estava se esfacelando. José Gervasio Artigas, líder uruguaio, se recusava a aceitar o centralismo pretendido por Buenos Aires. As províncias interioranas não aceitavam o predomínio bonaerense e entravam em conflito por isso. Por outro lado o dr. Francia no Paraguai sequer cogitou uma união aos moldes coloniais e tratou logo de fazer independente aquele país. Diante de tantas incertezas, os portenhos estavam em dúvida: “uns pensavam em monarquia, outros em protetorado britânico, outros em independência, uns em centralismo unitário, outros em federalismo. (CERVO; RAPOPORT,1998. p.85)

A Formação Dos Estados Nacionais Da América Do Sul

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Brasil no Prata: imPerialismo e conflitos

Wagner Cardoso Jardim

Universidade de Passo Fundo [email protected]

resumo

As ações do império do Brasil no Prata no período entre 1850 e 1865 reafirmam o velho interesse luso-brasileiro de predomínio na região. Inúmeras interferências militares ou “diplomáticas” marcaram a política externa brasileira em relação à região platina no período em questão. Em uma época onde as independências dos países platinos já estavam realizadas mas que a instabilidade política era muito grande, o governo brasileiro usa de suas armas para fazer valer suas pretensões. A secular disputa luso-hispanica deu lugar no século 19 à busca pela hegemonia argentina e/ou brasileira nessa porção da América. O império brasileiro se lançou com força máxima e muita cautela para sacramentar o projeto hegemônico iniciado no inicio do século. Os alvos para isso foram o Uruguai, o Paraguai e a Argentina. Essa ultima disputando diretamente o poder regional.

Palavras-chave: Imperialismo – Hegemonia – América

formação dos estados nacionais na américa do sul

argentina:

A desagregação do sistema colonial americano e a criação de novos países - que resultou da crise vivida pela Europa - pegou o vice-reino do Prata em cheio. A burguesia local sedenta de poder e aproveitando a fragilidade espanhola em manter a ordem vigente soube articular processos e romper com a metrópole. Havia no interior do vice-reino pessoas favoráveis ao desligamento, esses em especial eram ligados ao comércio, que viram a oportunidade desde 1806 de comercializar diretamente com os ingleses, livrando-se da intermediária metrópole.

Em 1810, em Buenos Aires assim como ocorrera na Espanha, uma junta de governo foi criada para governar em nome de Fernando VII, rei espanhol deposto. O cabildo abierto que havia sido convocado nesse mesmo ano deliberou por demitir o vice rei Cisneros. (CERVO; RAPOPORT,1998. p.84)

A situação no Prata estava cada vez mais, fugindo ao controle bonaerense. O antigo vice-reino estava se esfacelando. José Gervasio Artigas, líder uruguaio, se recusava a aceitar o centralismo pretendido por Buenos Aires. As províncias interioranas não aceitavam o predomínio bonaerense e entravam em conflito por isso. Por outro lado o dr. Francia no Paraguai sequer cogitou uma união aos moldes coloniais e tratou logo de fazer independente aquele país.

Diante de tantas incertezas, os portenhos estavam em dúvida: “uns pensavam em monarquia, outros em protetorado britânico, outros em independência, uns em centralismo unitário, outros em federalismo. (CERVO; RAPOPORT,1998. p.85)

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Em 1816, foi proclamada oficialmente a independência argentina. Reunidos em Tucumam, delegados de várias províncias platinas à exceção das províncias de Corrientes, Entre Rios e Santa Fé, que mais tarde se tornariam integrantes do estado argentino. Deixaram de comparecer ao referido congresso ainda, o Paraguai que já havia declarado sua independência e a Banda Oriental do Uruguai. Esta última foi alvo do expansionismo português no Prata que terminou por anexar o território uruguaio.

Em 1819, terminou o congresso e com ele estava formada a “nação portenha”. Entre outras coisas “introduzia o bicameralismo” e “estabelecia a religião católica como oficial”. A constituição era centralizadora, as províncias ficavam sem autonomia, Buenos Aires era a Argentina, não possuía a maioria populacional, no entanto, detinha quase todas as rendas em função das atividades do porto.

Em 1824, se consolidou o estado nacional argentino com a eleição de Bernardino Rivadavia, que governou até 1827 quando se demitiu após ceder em relação à anexação da Banda Oriental.

Após a saída de Rivadavia, a Argentina entrou em um período de inoperância, muito em função das desavenças entre federalistas e unitários, é quando Juan Manuel de Rosas foi eleito governador de Buenos Aires. Rosas inaugurou um período de intensos conflitos de ordem interna com as províncias do interior e de ordem externa principalmente contra o Brasil, até 1852 quando foi afastado do governo.

O projeto geopolítico brasileiro se fez notar mais explicitamente quando da ordenação para invasão da Banda Oriental.

Aproveitando-se da fraqueza da Argentina, para pôr termo às pretensões de Carlota Joaquina e dando vazão a tradicional tendência expansionista sobre o Prata, uma tropa portuguesa de 5000 homens bem treinados invadiu sob comando de F. Carlos Lecor a Banda Oriental e ocupou Montevidéu em 1817, não sem simpatias de setores locais e de Buenos Aires. (CERVO; RAPOPORT,1998. p.86)

Brasil:

O estado nacional brasileiro começou a ganhar forma com a chegada na América da família real em 1808. Foi, no entanto, a partir de 1821 quando Don Pedro I, filho de Don João VI rei de Portugal resolve ficar no Brasil e declarar a independência no ano seguinte que as bases desse estado são firmadas.

No mesmo processo histórico que motivou as independências na América espanhola, podemos inserir a vinda da família real portuguesa para os trópicos. Em 1807, Napoleão Bonaparte investiu militarmente contra a península Ibérica, depôs o rei espanhol Fernando VII e forçou a saída do príncipe regente Don João com sua corte para a colônia portuguesa mais próspera.

Em 1815, o Brasil foi elevado à categoria de Reino Unido junto com Portugal e Algarves. A elevação à categoria de Reino Unido representou para o Brasil um passo a mais na conquista de sua autonomia política, pois o Brasil deixava de ser colônia e passava a ter mesmo composição jurídica que a ex-metrópole. Em 1820, na cidade do Porto em Portugal foi deflagrada a “revolução liberal”, entre outras coisas os portugueses exigiam a volta de Don João que regressou em 1821.

O sentimento independitista já aflorava no seio das “elites” brasileiras. E o sentimento anti-português favoreceu para essas classes dominadoras apoiarem e sustentarem a independência de 1822.

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“A ruptura iniciou com o fico por instigação das lideranças nativas e das massas do Rio de Janeiro.” [...] Entre 1822 e 1823, Don Pedro I e José Bonifácio de Andrada estruturaram o novo estado nacional através de decretos, decisões e resoluções baixadas. (CERVO; RAPOPORT,1998. p.86)

Segundo José Bonifácio, a monarquia seria a saída para manter a unidade territorial no Brasil. O exemplo das ex-colônias espanholas demonstrava que se não houvesse um elemento capaz de unir as regiões, essas poderiam se esfacelar em vários estados nacionais independentes.

A independência brasileira não se deu sem o derramamento de sangue. Enquanto em algumas regiões como o Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco e Ceará a transição de governo foi relativamente tranqüila, em outras como Bahia, Maranhão e Piauí, os portugueses estavam no controle e a resistência foi grande.

A guerra durou de junho de 1822 a agosto de 1823. Em vasta zona foi vencida pela ostentação de força que expulsava as tropas inimigas. O confronto violento deu-se na Bahia e regiões próximas do nordeste e do norte. A vitória brasileira significou a união das 19 provincias dentro do Império, a conquista da soberania nacional, a substituição dos governos coloniais por assembléias brasileiras, o confisco de propriedades portuguesas e a animação política nacional. (CERVO; RAPOPORT,1998. p.78)

Após terminada a Guerra e com a independência feita de fato, era necessário organizar

o novo país. José Bonifácio e suas ideias avançadas (demais para o período) sofreu um duro golpe contra-revolucionário realizado por alguns portugueses “aliados” de Don Pedro. Foi desligado do governo.

Em 1824, a primeira constituição do Brasil foi outorgada. A constituição outorgada por Don Pedro não compreendia nada das aspirações que José Bonifácio pensava para o Brasil, mesmo assim aquela constituição foi considerada uma das mais liberais do período.

Após alguns anos driblando crises políticas, econômicas e pessoais, observando sua popularidade despencar, Don Pedro abdicou do trono brasileiro em favor de seu filho Pedro de Alcântara que tinha na época 5 anos de idade.

A consolidação da independência brasileira ocorreu justamente no período em que o trono estava sem um rei que governasse. Foi no período regencial (1831-1840) que houve a criação dos partidos políticos, a reforma da constituição que descentralizou o poder, criou a guarda nacional, enfim foi na regência que a obra do 7 de setembro foi concretizada.

uruguai:

José Gervasio Artigas, líder uruguaio na resistência às forças realistas e pela independência da Banda Oriental, propunha um republicanismo federalista unindo as províncias dissidentes de Santa Fé, Corrientes e Entre Rios à Banda Oriental.

O momento de instabilidade instalado na Banda Oriental favoreceu a ação portuguesa na região. “o príncipe Regente português D. João aproveitou-se das disputas entre as facções na Banda Oriental para ordenar sua invasão em 1816” (CERVO; RAPOPORT,1998. p.170)

Artigas resistiu à invasão até 1820 quando refugiou-se em Corrientes e depois no Paraguai. Até Francia morrer em 1840 Artigas estava na condição de prisioneiro, do qual foi liberado e preferiu permanecer naquele país até sua morte em 1850.

Em 1821, a Banda Oriental foi então incorporada ao império português sob o nome de província Cisplatina. Em 1823, após a independência brasileira, o cabildo de Montevidéu resolveu aderir à causa bonaerense e integrar-se às províncias Unidas do Rio da Prata.

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Isso levou o governo português a ordenar a ocupação do território uruguaio por tropas imperiais.

Em 1825, Juan Antonio Lavalleja “patrocinado” por produtores de charque bonaerenses entre os quais Rosas, chegam ao Uruguai com seus 33 orientais para incorporar a Banda Oriental as Províncias Unidas do Rio da Prata. Inicia-se assim a guerra entre o império e as Províncias Unidas.

Os prejuízos que o bloqueio brasileiro ao porto de Buenos Aires estava causando à Inglaterra fez com que o governo britânico interviesse no conflito. O interesse britânico na criação de um estado independente que assegurasse a internacionalização do rio da Prata fez com que a diplomacia da Inglaterra conseguisse um acordo entre Brasil e Províncias Unidas. O acordo aconteceu em 1828 e deu origem ao Uruguai.

Paraguai:

A independência paraguaia está intimamente ligada à figura de José Gaspar Rodrigues de Francia, um advogado que depois de exercer a função de professor de artes em Assunção se destacou como defensor de causas justas de pessoas que não podiam pagar honorários. Não poupava, no entanto, quando advogava causas de ricos.

As transformações ocorridas na Europa depois das invasões de Napoleão provocam mudanças na América também. Em 1810 seguindo o exemplo ocorrido em Sevilha na Espanha, o Cabildo de Buenos Aires delibera por formar uma junta de governo que representasse o rei espanhol enquanto ele estivesse afastado do trono.

Depois da “revolução” de maio de 1810, o cabildo bonaerense intimou as demais províncias que faziam parte do antigo sistema de governo colonial a permanecerem atreladas nas bases daquele sistema, onde Buenos Aires era Capital do vice-reino do Prata.

O governo paraguaio recusou a “proposta” bonaerense e atiçou a ira das autoridades daquela. O comandante militar Manuel Belgrano foi enviado em uma ação militar para forçar o Paraguai a aceitar suas propostas. A ação de Buenos Aires não logrou êxito, porém resultou em mudanças de governo no Paraguai.

O governador do Paraguai Velazco e a maioria do quartel general composto por espanhóis fugiram. Os oficiais paraguaios Fugencio Yegros e Daniel Cavañas assumiram o comando do exército e venceram Belgrano. De volta à Assunção, Velazco foi pressionado e só não foi destituído porque aceitou fazer parte de um governo que continha o militar Zebalhos e o futuro ditador paraguaio José Gaspar Rodriguez de Francia.

Em 1811, foi realizada em Assunção a primeira assembléia do cabildo depois da chegada de Francia ao poder. O doutor José Gaspar de Francia introduziu naquela assembléia representantes plebeus de várias partes do país, uma amostra de como seriam decididas as principais mudanças sócio-econômicas do Paraguai. Apesar da população estar representada na assembléia, os realistas eram maioria. No congresso geral convocado para 1813, a população camponesa já era maioria.

Nos congressos de 1814 e 1816, Francia estabilizou seu poder no Paraguai Em 1814 foi proclamado ditador por cinco anos e no congresso seguinte foi nomeado ditador perpetuo. Francia governou até 1840, ano de sua morte. Foi um governante que priorizou o isolamento do país guarani, não fez parte da agitação política em que a América do Sul estava vivendo desde o inicio do século.

Após Francia, assume o poder no Paraguai um dos únicos representantes da “elite” agrária paraguaia que não tinha sido eliminada pelo ditador. Carlos Antonio Lopes assumiu o poder em 1840 e ao poucos foi se configurando um ditador amparado pelas leis que ele mesmo criou. Tenta nos primeiros anos de seu governo sair do isolamento político. Em uma

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aliança firmada com Corrientes em 1845 Lopes pretendia forçar o governo de Buenos Aires a reconhecer sua independência e também abrir a navegação de rios interiores que facilitavam o comércio paraguaio. A guerra contra Rosas não surtiu efeito algum e Lopes ainda teve uma grave constatação. Parte de seu exército amotinou-se junto com alguns componentes do exército de Corrientes.

Após a morte de Antonio Carlos Lopes assumiu o poder no Paraguai o filho mais velho do então presidente. Trata-se de Francisco Solano Lopes que desde muito cedo havia sido comandante do exército paraguaio durante a presidência de seu pai. Solano Lopes empreende uma política internacional distinta daquela que até então vinha sendo praticada. Toma forma no Paraguai uma política externa agressiva que pretendia colocar o país guarani como protagonista dos assuntos regionais que a muito não participava.

O resultado da política paraguaia em conjunção com as pretensões argentinas e brasileiras no Prata vão desencadear aquela que foi a maior guerra ocorrida na América do Sul. A guerra da tríplice aliança contra o governo do Paraguai deixou um saldo terrível para os lugares onde ocorreram batalhas. Essa guerra ocorreu entre 1865 e 1870 e o saldo para o Paraguai foi à quase dizimação total de sua população.

a Busca Por Hegemonia

José Maria da Silva Paranhos Júnior, o barão do Rio Branco é reconhecido por seus feitos políticos e Geopolíticos nas questões fronteiriças envolvendo o Brasil e os países vizinhos. Rio Branco é reconhecido como aquele que consolidou as fronteiras brasileiras. Por ser detentor de uma bagagem intelectual considerável, “apaixonado” por geografia e história do Brasil foi capaz de defender as causas referentes aos litígios, com grande conhecimento técnico.

Rio Branco herdou de seu pai, não somente o nome, mas “obrigações” políticas que desencadeariam na consolidação do projeto hegemônico brasileiro. Tal projeto começou a ser pensado com a chegada da família real no Brasil em 1808 e foi desenvolvido durante todo o século 19. O ápice da supremacia brasileira se deu no pós-guerra do Paraguai. As forças aliadas aniquilaram o exército paraguaio, mataram Francisco Solano López e acima de tudo aplicaram duras penas aquele país. A Argentina que esperava sair do conflito fortalecida, pois estava embasada no tratado da tríplice aliança1, teve suas expectativas anuladas pelo Brasil que não lhe garantiu os territórios que reivindicava ao Paraguai.

Conforme verificamos antes as ações do governo brasileiro frente aos países vizinhos,

1 Argentina, Brasil e Uruguai firmaram em 1865 um tratado de aliança para enfrentar o Paraguai. A Argentina depois da Guerra queria fazer valer o artigo 16 que previa que: Art. 16 Para evitar as dissenções e guerras que trazem consigo as questões de limites, fica estabelecido que os aliados exigirão do Governo do Paraguai que celebre com os respectivos Governos tratados definitivos de limites, sob as seguintes bases: O Império do Brasil se dividirá da República do Paraguai: Do lado do Paraná pelo primeiro rio abaixo do Salto das Sete Quedas, Que segundo a recente carta de Mouchez é o Iguaçu e da foz do Iguaçu e por ele acima a procurar as suas nascentes.Do lado da margem esquerda do Paraguai pelo rio Apa desde a Ìoz iLté as suas nascentes; No interior, pelos cumes da Serra do Maracaju, sendo as vertentes de lestes do Brasil e as de oeste do Paraguai e tirando-se da mesma serra linhas as mais retas em direção às nascentes do Apa e do Igurcy. A República Argentina será dividida da República do Paraguai, pelos rios Paraná e Paraguai a encontrar os limites com o Império do Brasil, sendo estes do lado da margem direita do rio Paraguai a Baia Negra. Enquanto o Brasil se respaldava no artigo nº 8 que estabelecia o seguinte: Art. 8.° Os aliados se obrigam a respeitar a independência, soberania e integridade territorial da República do Paraguai. Em conseqüência, o povo paraguaio poderá escolher o Governo e instituições que lhe aprouverem, não podendo incorporar-se a nenhum dos aliados e nem pedir o seu protetorado como conseqüência desta guerra. http://www.franklinmartins.com.br/estacao_historia_artigo.php?titulo=tratado-da-triplice-alianca-guerra-do-paraguai-1865 – acessado em 21 de janeiro de 2011 ás 11:32

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principalmente os da bacia do Prata, aconteciam a bastante tempo. As interferências do império nos negócios de outros países faziam parte do processo de conquista da hegemonia regional. Dois países em especial disputavam com maior intensidade o predomínio na região, o que não impedia outros países de também brigarem por espaço. Argentina e Brasil como eram os maiores estados territorialmente, disputavam entre si a Hegemonia periférica na região.

Os dois países da América do Sul que tiveram mais incidentes diplomáticos, também em virtude das fronteiras, foram Brasil e Argentina, onde, de acordo com os princípios da geopolítica, cada um tentava impor ao outro um projeto de hegemonia no Cone Sul da América. (HEINSFELD, P. 12)

Entre 1857 e 1858, o governo brasileiro enviou aos países do Prata, uma missão especial para firmar tratados. José Maria da Silva Paranhos, o visconde do Rio Branco, chefiou a missão que conseguiu alguns êxitos em relação à confederação argentina, porém não obteve mesma sorte nas negociações com o Paraguai.

Em 1857, José Maria da Silva Paranhos partiu para Assunção, onde pretendia arrancar concessões do governo paraguaio. No caminho, deteve-se em Paraná, no mês de dezembro desse ano, e assinou, com a confederação, três acordos, um de extradição de criminosos, desertores e de escravos fugitivos; outro regulamentando a navegação e o comércio pelos rios pertencentes aos dois países; e um terceiro de limites. Este último não vigorou, posto não ter sido votado pelos parlamentares da Confederação, que aceitaram, porém novo empréstimo brasileiro de 300.000 patacões, com juros anuais de 6%, para melhorar as combalidas finanças do governo de Paraná. Foi assinado, ainda, um protocolo reservado pelo qual a Confederação, juntamente com o Uruguai, reclamaria a abertura do rio Paraguai à livre navegação, coincidindo tal demanda com a presença de Paranhos na Capital Paraguaia. (CERVO; RAPOPORT,1998. p.195)

Uma nova missão chegava ao Paraguai para negociar as pendências. Depois de ter fracassado militar e diplomaticamente na missão de 1854-55, dessa vez o experiente Paranhos chegava ao Paraguai com um tom menos agressivo. Depois de passar pela Confederação Argentina e negociar tratados ali, a missão especial do visconde do Rio Branco chega ao Paraguai com os mesmos objetivos, conseguir a livre navegação dos rios que pertenciam aquele país.

Desde a fragmentação do vice-reino do Prata, vários governos argentinos pretenderam sua reorganização sob os “cuidados” de Buenos Aires. Para um país que pretendia ser hegemônico, castrar os planos de seus rivais era uma arma poderosa nessa disputa. O governo imperial cuidou de frustrar as tentativas argentinas e ao mesmo tempo se projetar e se fortalecer enquanto potencia de segunda ordem na América. O projeto hegemônico brasileiro visava enfraquecer a Argentina e aumentar seu território. O governo brasileiro praticou isso ora fazendo alianças com províncias dissidentes no Prata, ora incorporando territórios como no caso do Uruguai.

Para abordar alguns pontos da ação geopolítica brasileira no Prata podemos dividir essas ações em pelo menos duas grandes frentes de investida, a diplomática e a militar. Se no campo diplomático o Brasil obteve alguns êxitos, o mesmo não poderia ser afirmado sobre as ações militares brasileiras. Mesmo assim em algumas ocasiões, o governo imperial interveio com armas nos países do Prata.

A Banda Oriental foi alvo constante das investidas portuguesas, desde 1816 já havia incorporado aquele território. Na metade do século 19 já no império, o Brasil voltou a intervir no país vizinho pretextando auxílio aos súditos brasileiros residentes naquele país.

O Paraguai foi também alvo do império brasileiro e do expansionismo do mesmo. Antes

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mesmo de deflagrar a guerra do Paraguai, o Brasil se preparou para um conflito armado contra o país guarani. O historiador Fabiano Barcellos Teixeira recentemente defendeu dissertação de mestrado demonstrando com documentos inéditos que o Brasil se preparou em 1854 para uma verdadeira guerra contra o Paraguai.

Em 1852, as províncias argentinas assinaram o acordo de San Nicolas, que redefinia o pacto firmado em 1831. No mesmo ano de 1852, em Santa Fé ocorreu o congresso das províncias argentinas, onde 13 delas juraram a constituição que serviria para todo o país, o governo de Buenos Aires, no entanto, não aderiu preferindo fazer sua própria constituição. Surgiram assim “duas Argentinas” distintas, a confederação Argentina e o Estado de Buenos Aires. (CERVO; RAPOPORT,1998. p.193)

Essa situação instaurada na Argentina veio de encontro com os interesses do império na região. De um lado enfraqueceria a rival na busca pela hegemonia regional, por outro e no mesmo sentido poderia negociar com a confederação, tratados de livre comércio e navegação. Isso ocorreu em 1856 quando “os dois países comprometeram-se a não apoiar a separação de parte de seus territórios ou o estabelecimento de governo independente em desafio às autoridades constituídas” (CERVO; RAPOPORT,1998. p.193)

No acordo firmado secretamente em 1856, a confederação se comprometia a ajudar o Brasil nas negociações com o Paraguai pelos limites e pela livre navegação nos rios daquele país. A navegação nos rios internacionais paraguaios era de fundamental importância para o império, pois na impossibilidade de alcançar a província do Mato Grosso por terra, aqueles rios eram as únicas formas de acesso.

Carlos Antonio Lopez, presidente paraguaio, sabendo da necessidade brasileira tentava fazer com que o governo no Rio de Janeiro aceitasse as condições de limites e navegação oferecidas pelo seu governo. O governo brasileiro alegava ser seu os territórios entre o rio Apa e Branco, invocando o princípio do uti possidetis de facto pois súditos do império habitavam aquela região. O Paraguai por outro lado baseava-se no tratado de Santo Ildefonso, de 1777, que definiu os limites entre as antigas possessões espanholas e portuguesas na América.

Segundo Fabiano Barcellos Teixeira,

Em 1853, representado pelo seu diplomata em Assunção, Felipe José Pereira Leal, o Império deu ultimato e exigiu a livre navegação do rio Paraguai. O governo paraguaio rechaçou e expulsou o cônsul imperial do país. O Império respondeu com a preparação de uma imponente operação militar. Em 10 de dezembro de 1854, mais trinta navios de guerra e entre dois a três mil soldados partiram do Rio de Janeiro para Assunção com o objetivo submeter o renitente governo às exigências imperiais. O Império não estava para brincadeira. A guerra parecia iminente. (2012, P. 20)

A missão Pedro Ferreira de Oliveira uniu as duas frentes de ação brasileira em relação aos países platinos. A missão era ao mesmo tempo diplomática e militar. O principal objetivo da missão era por fim aos problemas entre os dois países. O império desejava naquela missão solucionar a questão de limites, de navegação nos rios e exigir desculpas pela expulsão do representante brasileiro no Paraguai em 1853.

Ambos os países se prepararam para uma guerra. As forças brasileiras chegaram ao número aproximado de três mil soldados e trinta e seis navios. O exército paraguaio foi mobilizado e com um efetivo de cerca de seis mil soldados esperaram a guerra ser deflagrada.( TEIXEIRA, 2012, p. 110)

A guerra, no entanto, não ocorreu. A estratégia imperial se mostrou ineficiente, e o comandante da missão Pedro Ferreira de Oliveira preferiu então não invadir o Paraguai a fim de evitar um verdadeiro derramamento de sangue e uma tragédia para o império. “A missão, do ponto de vista militar, foi um fracasso.”(TEIXEIRA, 2012, p.110)

Se sob o ponto de vista militar a missão foi um fracasso, não foi diferente se considerarmos

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o ponto de vista diplomático. A missão que deveria solucionar de vez os problemas de limites com o Paraguai e ainda o da livre navegação, não conseguiu mais do que pedidos de desculpas por parte do governo paraguaio pelo incidente com o representante diplomático em 1853.

A missão de 1854-1855 ao Paraguai foi uma prévia, um ensaio daquilo que viria a ocorrer entre os anos de 1864 e 1870, quando o império uniu forças com o Uruguai e com a Argentina para atacar o país guarani. Naquele momento a Argentina já restabelecida de seus problemas internos, retomou o ímpeto para se tornar uma potencia hegemônica regional.

Após terminados os conflitos da Guerra do Paraguai, Argentina e Brasil passaram a se preocupar mais com os termos do tratado de aliança firmado maio de 1865. O governo argentino estava convencido de que incorporaria o território paraguaio conforme o artigo 8º do referido tratado. Por outro lado, o Brasil baseado no texto do artigo 16º que garantia a integridade territorial paraguaio, defendia que a Argentina não poderia anexá-lo.

Essas questões retratam parte do momento geopolítico em que estes países estavam vivendo naquele período. Argentina e Brasil eram sem dúvida os maiores países da região e por isso eram bastante “poderosos”.

Na questão referente às pretensões argentinas no Paraguai, o governo brasileiro e o argentino travaram novas disputas pelo predomínio na região. Após a guerra, a Argentina pleiteava a região do Chaco e o governo brasileiro tratou de inviabilizar aquela conquista. Essa interferência na questão de limites da Argentina estava explicitamente ligada às disputas hegemônicas. Se o governo brasileiro tivesse concordado com a anexação do Chaco à Argentina, possibilitaria que sua rival adquirisse poder e prestígio.

As disputas entre “portugueses” e “espanhóis” na América existiu desde a chegada desses no “novo” mundo. Após as independências dos estados nacionais, eles herdaram as desavenças coloniais. Na Argentina os defensores “da pátria grande”(HEINSFED, 2007, p.94), acreditavam que quanto mais território o país conseguisse absorver, mais forte seria. Essa ideia diferia daqueles que consideravam a grandiosidade da Argentina um problema e defendiam que quanto menor fosse aquele país melhor seria para formar uma nação.

No Brasil desde a chegada da família real em 1808 que a então colônia passou a gozar de certa autonomia política, afinal, o rei estava governando a partir da colônia. Além da abertura dos portos às nações amigas e dos tratados de comércio com a Grã-Bretanha, Don João VI e sua esposa Carlota Joaquina voltaram às atenções para a região platina e empreenderam uma política agressiva de expansionismo. Essas ações eram prenuncio de rivalidade por disputa de hegemonia na região. A Argentina e o Brasil, claramente despontavam na disputa pelo predomínio regional. O Paraguai de Francia por outro lado preferiu isolar-se em relação aos conflitos ocorridos no Parata.

A situação do Paraguai é um caso que merece ser mais bem estudado. A característica social do Paraguai difere dos demais países da América, tanto no Brasil como no restante da América espanhola. O povo paraguaio era formado na sua maioria por pequenos camponeses, uma “plebe” camponesa que vivia da extração de erva mate, do plantio para subsistência ou ainda eram pequenos comerciantes. Isso poderia ter influenciado Francia a adotar uma postura não ofensiva.

referencias BiBliográficas

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