A FRAGMENTAÇÃO DOS SABERES NA EDUCAÇÃO CIENTÍFICA ESCOLAR

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    Investigaes em Ensino de Cincias V17(1), pp. 125-145, 2012

    A FRAGMENTAO DOS SABERES NA EDUCAO CIENTFICA ESCOLARNAPERCEPO DE PROFESSORES DE UMA ESCOLA DE ENSINO MDIO1

    (The knowledge fragmentation of scientific school education on the view of high schoolteachers)

    Ana Cristina Gerhard[[email protected]]

    Joo Bernardes da Rocha Filho[[email protected]]Programa de Ps-Graduao em Educao em Cincias e MatemticaPontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul

    Av. Ipiranga, 6681, prdio 10, sala 209Porto Alegre, RS, CEP 90619-900

    Resumo

    Como forma de ampliar a compreenso sobre a relao entre a atuao docente e afragmentao dos saberes na educao cientfica escolar realizamos entrevistas com seis professoresdas disciplinas cientficas do Ensino Mdio, de uma escola particular da rede de ensino de Porto

    Alegre. As questes foram formuladas visando reconhecer a percepo que estes professores tmsobre a realidade da educao cientfica escolar, buscando sondar em seus discursos algumascausas, consequncias e manifestaes da fragmentao dos saberes. A partir de uma abordagemqualitativa de anlise constatamos que as concepes que esses professores tm da sua disciplina edas cincias em geral esto intimamente ligadas ao modo como atuam em sala de aula. Pudemos

    perceber que os docentes reconhecem a necessidade de um trabalho interdisciplinar, e apontam odilogo como fator determinante para que ocorra a interdisciplinaridade, mas procuram atribuir escola a tarefa de proporcionar oportunidades para este dilogo.Palavras-chave:fragmentao dos saberes; interdisciplinaridade; conhecimento escolar.

    Abstract

    In order to know the relationship between teaching performance and knowledgefragmentation, we did interviews with teachers from scientific disciplines of high school; aiming atrecognizing the perception they have about the reality of scientific school education trying todiscover reasons, consequences and manifestations of knowledge fragmentation on this level ofteaching. The interviews were conducted with six teachers of a private school in the metropolitanregion of Porto Alegre. From a qualitative approach of analysis, we notice that the conceptions thatteachers have of their discipline and science in general are closely tied to how they work in theclassroom. We noticed that teachers recognize the need of interdisciplinary work and point thedialogue between them as a determinant for the occurrence of interdisciplinary in the school, but

    they lay the opportunities of dialogue on the school.Keywords:knowledge fragmentation; interdisciplinary; school knowledge.

    Introduo

    Este artigo aborda a forma como o conhecimento cientfico tratado no meio escolar,atualmente, ou seja, tratamos aqui da fragmentao dos saberes escolares, e no dos saberescientficos, em si. Segundo Japiassu, a estruturao da educao bsica brasileira, separada emsries e componentes curriculares, divide e distancia os saberes cientficos e a crise, em nossosistema de ensino, pode ser percebida na frustrao dos alunos, na fraqueza dos estudantes, naansiedade dos pais, na impotncia dos mestres. A escola desperta pouco interesse pela cincia.

    (1999, p. 52). No s a estrutura educacional brasileira, mas tambm a atuao dos professores 1Verso ampliada de um trabalho apresentado no XIII Encontro Brasileiro de Estudantes de Ps-graduao emEducao Matemtica, Goinia, 05 a 07 de setembro de 2009.

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    responsvel por essa disjuno em um processo que deveria ser uno e integrado, e por isso RochaFilho, Borges e Basso (2007, p. 18) afirmam que [...] os professores continuam atuandotradicionalmente por conta da poltica educacional, por deficincia em sua formao ou por motivoseconmicos..

    A disciplinaridade a forma que encontramos de aprofundar conhecimentos, pois um

    nico ser humano no capaz de saber tudo de todas as coisas, mesmo considerando apenas oconhecimento atual da humanidade. Isso tanto pode ser decorrncia de um provvel limite dacapacidade intelectual individual, como talvez por ser a vida to efmera ante o tempo geolgico oucosmolgico. Embora no esteja descartada a possibilidade de que no futuro sejamos capazes deviver indefinidamente, ou de que as informaes, emoes, sentimentos, capacidades e habilidadesde um possam ser transmitidas e acumuladas por outros, isso parece ainda assunto de fico. Dessaforma, a especializao no , em si, algo naturalmente desejvel, mas simplesmente a forma que ahumanidade encontrou para enfrentar questes cientficas e tecnolgicas, apesar dos limitesindividuais. Ou seja, o valor da especializao necessita ser relativizado, pois no representa omodo de conhecer humano e nem sequer intrinsecamente benfico humanidade. Abordagensespecialistas aplicadas a problemas reais das sociedades contemporneas tendem a apontar solues

    que geram outros problemas, cuja ocorrncia no prevista (ou no valorizada) justamente porquenesta lgica de enfrentamento quem toma decises o faz considerando a perspectiva exclusiva desua especialidade.

    Alm disso, a aprendizagem sempre relacional, isto , os seres humanos aprendemrelacionando novas informaes a conhecimentos anteriores, pois somente assim as informaesganham sentidos, sem os quais no ocorre aprendizagem. No entanto, as disciplinas escolares soensinadas, em geral, de forma absolutamente independente, naquilo que chamamos dedisciplinaridade feroz. Essa dinmica atua como fator agravante do repdio s disciplinascientficas, j que os alunos no so levados a perceber as ligaes existentes entre os diferentescontedos, ou entre estes e as questes dos seus cotidianos, contribuindo para o incremento do

    desinteresse pelos estudos. Uns poucos conseguem, por si mesmos, ligar informaes de uma comoutra disciplina, e com seus conhecimentos anteriores, e aprendem, mas a estrutura de disciplinasdesanima, no incentiva iniciativas dos estudantes para o estudo nem para a pesquisa autnoma.

    No estimula a atividade crtica nem a curiosidade intelectual. (Santom, 1998, p. 111).

    Reconhecemos que a aprendizagem dos alunos nas disciplinas cientficas escolares , emgeral, pequena. Essa constatao pode ser feita a partir de nossa prpria experincia, a partir daexperincia de colegas pesquisadores que tm publicado sobre o tema, como tambm pela baixa

    procura dos cursos de formao nas cincias. Na tentativa de explorar uma das possveis causasdesse fenmeno, procuramos levantar a forma como a fragmentao dos saberes se manifesta nomeio escolar, buscando identificar e compreender as consequncias da fragmentao para o

    processo de aprendizagem, e como esta influencia a estruturao do conhecimento cientfico a serensinado. Para essa anlise compreensiva utilizamos entrevistas com docentes da rea cientfica,tendo como base referenciais sobre a fragmentao dos saberes, formulando questes sobre como semanifesta essa fragmentao, e as apresentando a professores que atuam no Ensino Mdio de umaescola da rede privada de ensino da regio metropolitana de Porto Alegre, nas disciplinas de Fsica,Qumica, Biologia e Matemtica. Conhecendo a percepo dos professores acerca da forma como oconhecimento tratado na escola, procuramos esclarecimentos a respeito de como os docentes

    percebem a fragmentao dos saberes e as ligaes de sua disciplina com as demais.

    Amparamo-nos tambm nos estudos de Edgar Morin, Jurjo Torres Santom, Fritjof Capra,Ubiratan DAmbrosio, Maria Cndida Moraes, Gaston Bachelard e Ivani Fazenda, entre outros, que

    discutem o modo nocivo como o conhecimento cientfico s vezes tratado na escola, revelandopossibilidades para a superao da fragmentao do conhecimento. Tais autores nos levaram arefletir acerca do tema interdisciplinaridade , assim como descortinaram uma viso complexa de

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    mundo, desencadeando a formulao do problema que investigamos: Reconhecendo que o modocomo a educao est estruturada favorece a fragmentao dos saberes, e percebendo a dificuldadedos estudantes em estabelecer relaes entre as diferentes disciplinas, como ocorre essafragmentao na escola, e de que forma a atuao dos professores est relacionada a essadificuldade? Tratou-se, portanto, de uma investigao de levantamento e compreensiva, e foinecessrio fundamentar ideias e conceitos em um estudo bibliogrfico, buscando a compreenso

    dos fatores que contribuem para a fragmentao dos saberes.

    Um pouco da histria do conhecimento

    A separao do conhecimento em grandes reas foi impulsionada pela viso mecanicista demundo, de Descartes. Morin e Le Moigne afirmam que Descartes, ao propor o problema doconhecimento, determina dois campos de conhecimento totalmente separados, totalmente distintos.(2000, p. 27). Tais campos distintos foram reconhecidos como sujeito e objeto, e neles, segundoCapra, Descartes baseou sua concepo da natureza na diviso fundamental de dois domniosindependentes e separados o da mente e o da matria. (2004, p. 34). Essa separao dualista

    influenciou os processos de aquisio, construo e disseminao do conhecimento, e a separaoentre sujeito e objeto permaneceu como forte caracterstica do desenvolvimento cientfico. Morinafirma que [...] a cincia ocidental baseou-se sobre a eliminao positivista do sujeito a partir daidia que os objetos, existindo independentemente do sujeito, podiam ser observados e explicadosenquanto tais. (1991, p.48).

    Maria Cndida Moraes (2000), porm, afirma que a fantasia da separatividade corpo-menteteve profundas influncias na educao e no desenvolvimento das disciplinas curriculares, e aestruturao do currculo escolar em disciplinas decorre da influncia que o pensamento cartesianoteve no desenvolvimento do conhecimento cientfico. A formao de um currculo separado emdisciplinas foi impulsionada tambm pela poltica de fragmentao do processo de produo

    industrial ocorrida no final do sculo XIX. Para Santom, o processo de desqualificao eatomizao de tarefas ocorrido no mbito da produo e da distribuio tambm foi reproduzido nointerior dos sistemas educacionais. (1998, p. 13). O autor ainda afirma que, historicamente, essatendncia de separao do conhecimento em disciplinas autnomas est vinculada ao processo detransformao cultural ocorrido nos pases europeus mais desenvolvidos (ibidem, 1998). Nesses

    pases, a industrializao acabou gerando a necessidade de especializaes de acordo com aseparao do processo de produo.

    Enfim, a disciplinaridade caracterstica do currculo escolar termina por prejudicar aformao integral e o conhecimento cientfico dos alunos, pois tolhe deles os resultados realmenteteis do conhecimento, como a capacidade de pensar globalmente certo problema. Em um mundo

    pequeno perante a velocidade de circulao das informaes e o impacto que um fato local podeprovocar em termos globais, cada vez mais o conhecimento especializado precisa ser submetido anlise crtica de cidados que sejam capazes de avaliar os benefcios e malefcios da realizao de

    projetos relacionados a esse conhecimento. E isso no pode ser alcanado, seno por uma educaoque contemple prioritariamente a interdisciplinaridade.

    A fragmentao do conhecimento escolar

    A fragmentao do conhecimento cientfico a ser ensinado manifesta-se na separao das

    disciplinas na escola, e tem sido danosa para a educao. At mesmo no contexto de uma dadadisciplina o conhecimento separado em diversos contedos relativamente estanques, que soapresentados de maneira desvinculada e desconexa. O resultado da fragmentao do conhecimento

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    a ser ensinado a perda de sentido, que se manifesta nos alunos como repdio a determinadasdisciplinas, demonstrando que eles no conseguem perceber as semelhanas e relaes entre asdiferentes reas do conhecimento. Como afirma Santom: em geral, poucos estudantes so capazesde vislumbrar algo que permita unir ou integrar os contedos ou o trabalho das diferentesdisciplinas. (1998, p. 25). O modo como o conhecimento cientfico tratado na escola termina poraumentar o desinteresse dos educandos. Para Santom (1998), os alunos frequentemente tm

    dificuldades de aprendizagem geradas pelo currculo por disciplinas, j que precisam dirigir suaateno sucessivamente, de uma matria para outra. Alm disso, concordamos com Cachapuz, Praiae Jorge, quando afirmam que

    O carter acadmico e no experimental que marca em grau varivel os currculos deCincias e o seu ensino (nos ensinos bsico e secundrio) , porventura, o maiorresponsvel pelo desinteresse dos jovens alunos por estudos de Cincias. A Cincia que selegitima nos currculos est desligada do mundo a que, necessariamente, diz respeito (2004,p. 368).

    As dificuldades geradas pelo currculo fragmentado se ampliam, j que o fundamental doconhecimento no a sua condio de produto, mas seu processo. (Severino, 2003, p. 40). Dessa

    forma, a fragmentao dos saberes no mbito escolar danosa no s para o processo de ensino eaprendizagem, como tambm para a formao do esprito cientfico dos alunos, e percebida naprpria base curricular do ensino escolar. Para Lavaqui e Batista, [...] em qualquer nveleducacional, a coerncia do planejamento curricular no se mostra perceptvel aos alunos e, muitasvezes, nem mesmo aos professores, tornando difcil qualquer forma de integrao entre oscontedos das diferentes disciplinas. (2007, p. 408). Para os autores o planejamento curriculardeve contemplar de forma clara a interdisciplinaridade como fator de auxlio para o entendimentodas relaes entre as disciplinas escolares.

    Japiassu, por seu lado, afirma que nosso sistema escolar parece marcado por umaprofunda epistemofobia que ignora, exclui, recusa e oculta, como uma lembrana dolorosa, o

    gosto pela cincia. (1999, p. 264, grifo do autor). Mas a forma como o conhecimento cientfico percebido pelo aluno influencia diretamente sua concepo da realidade, e ao deixar decompreender a existncia de vnculos entre as disciplinas o aluno acaba por elaborar a falsa ideia deque possvel fragmentar a realidade sem retirar dela algo que a caracteriza fundamentalmente.Segundo Lck, h no contexto educacional uma despreocupao por estabelecer relao entreidias e realidade, educador e educando, teoria e ao, promovendo-se assim a despersonalizao do

    processo pedaggico. (1994, p. 30). Esta uma falha da educao cientfica escolar, pois sem aconsiderao das relaes entre os contedos e a totalidade da situao de vida do estudante deixade existir um fator fundamental da aprendizagem significativa, que a contextualizao.

    O enfrentamento desta realidade complexa pode exigir modificaes no sistema

    educacional, pois a incapacidade de reconhecer, tratar e pensar a complexidade um resultado donosso sistema educativo. (Morin & Le Moigne, 2000, p. 90). Nesse sentido, Rosalini (2003) afirmaque a didtica tradicional quase no proporciona oportunidades que possibilitem a formao de um

    pensamento no fragmentado, j que a forma como a escola trata o conhecimento cientfico recebeugrande influncia da didtica tradicional, e [...] a escola marcada pelo conservadorismo cultural,inspirando-se no passado para resolver os problemas do presente, enfatiza muito a experinciasocial e cultural que transmitida., e tambm O Saber (contedo) j produzido muito maisimportante do que a experincia que o sujeito venha a possuir. (Mercado, 1995, s/n). Sendo assim, natural que os mtodos de ensino utilizados atualmente revelem modos fragmentados de percebero conhecimento.

    Entretanto, entendemos tambm que o desempenho do professor no relacionamentointerpessoal que se estabelece essencial para o sucesso do processo educativo. Nesse sentido,Feyerabend afirma que professores usando notas e o medo do fracasso moldam a mente denossos jovens at que eles tenham perdido todo grama de imaginao que possam alguma vez ter

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    possudo. (2007, p. 223). Muitos professores, no entanto, atuando de forma integrada, revelia datendncia criada pela separatividade do currculo disciplinar, conseguem ultrapassar essa barreira, eobtm sucesso. Estes professores compreendem, como Lck, que o ensino por disciplinasdissociadas decompe os problemas em partes separadas e, por conseguinte, constitui uma visolimitada para orientar a compreenso da realidade complexa dos tempos modernos e da atuao emseu contexto. (1994, p. 49). A autora ainda afirma que h uma necessidade cada vez mais clara

    entre os educadores de se superar essa fragmentao [...] em busca de uma viso e aoglobalizadora e mais humana. (ibidem, p. 14). Morin (1991), ao refletir sobre a teoria dacomplexidade, escreve que, luz dessa teoria, disciplinas como Fsica e Biologia deixam de serredutoras para tornarem-se fundamentais. O autor ainda complementa que tal pensamento [...] quase incompreensvel quando se est no paradigma disciplinar onde fsica, biologia, antropologiaso coisasdistintas, separadas, no comunicantes. (ibidem, 1991, p. 46, grifo do autor).

    Apesar da estruturao da educao bsica estar fundamentada no pensamento cartesiano,os avanos cientficos do mundo atual mostram que a viso puramente mecanicista do Universo insustentvel. (DAmbrosio, 2001, p. 52). O que nos leva a reconhecer a importncia de uma visocomplexa de mundo no s para a pesquisa cientfica, mas tambm para a educao.

    Complexidade e interdisciplinaridadeCom o desenvolvimento da cincia contempornea, os trs pilares do pensamento

    cientfico clssico ordem, separabilidade e razo absoluta foram abalados. (Morin & Le Moigne,2000). A partir da compreenso de que todo o pensamento formal uma simplificao psicolgicainacabada, uma espcie de pensamento-limite jamais atingido (Bachelard, 1986, p. 43), iniciou-seo reconhecimento de que a realidade complexa e que no possvel simplific-la. H, portanto,uma ruptura de paradigma. Conforme Morin, coexistem [...] a possibilidade e a necessidade deunidade da cincia. (1991, p. 60). O novo paradigma concebe o todo no apenas como a mera

    soma de suas partes, mas reconhece a inseparabilidade do todo em partes isoladas entre si. ParaCapra, o novo paradigma pode ser chamado de uma viso de mundo holstica, que concebe omundo como um todo integrado, e no como uma coleo de partes dissociadas. (2004, p. 25).Admitindo-se que cada conhecimento abrange uma dada representao da natureza, e que esta seapresenta com elementos interligados e inter-relacionados, possvel perceber o mundo conforme ateoria da complexidade, em que cada parte est no todo e o todo est em cada parte. O pensamentoa respeito da complexidade est presente na teoria bachelardiana, por isso Massoni (2005, p. 28)expe que, para Bachelard, o avano do pensamento cientfico ocorre na direo da maiorcomplexidade racional..

    A interdisciplinaridade, portanto, ao reconhecer as ligaes entre diferentes disciplinas,

    constitui-se em uma alternativa para a pesquisa cientfica fundamentada no paradigma dacomplexidade. Sob o enfoque da interdisciplinaridade, a pesquisa cientfica [...] faz surgir umcerto nmero de novas cincias, operando o remembramento de disciplinas at entocompartimentadas e muito freqentemente separadas radicalmente pela grande disjuno entrecincias naturais e cincias humanas. (Morin & Le Moigne, 2000, p. 111). Por isso Lck afirma:

    A interdisciplinaridade, no campo da Cincia, corresponde necessidade de superar a visofragmentadora de produo do conhecimento, como tambm de articular e produzircoerncia entre os mltiplos fragmentos que esto postos no acervo de conhecimentos dahumanidade. Trata-se de um esforo no sentido de promover a elaborao de sntese quedesenvolva a contnua recomposio da unidade entre as mltiplas representaes darealidade. (1994, p. 59).

    Entretanto, a viso complexa de mundo no ignora ou exclui a lgica linear oumecanicista. O pensamento complexo prope a complementaridade dessas concepes. Podemos

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    afirmar que, em sntese, o pensamento complexo no o contrrio do pensamento simplificador,ele integra esse ltimo [...] (Morin & Le Moigne, 2000, p. 205). Alm disso, a evoluo histricado conhecimento cientfico mostra que chegamos a um ponto em que necessrio reunificarsaberes. Entendemos que tanto no ambiente da pesquisa cientfica quanto no meio escolar surge anecessidade de mudana no foco das preocupaes em direo integrao, pois a disciplinaridadeenfrenta dificuldades que j no podem ser ignoradas. Seja no meio educacional, alvo de nossa

    preocupao nesta pesquisa, seja no ambiente cientfico ou produtivo, a antiga perspectivadisciplinar cumpriu seus objetivos, mas j no consegue oferecer ferramentas eficazes para oenfrentamento das situaes que ela mesma produziu. O todo j no a mera soma de suas partes, oconhecimento cientfico, escolar ou no, complexo, e para que os alunos possam perceber asrelaes entre os saberes preciso que a complexidade chegue educao escolar, o que podeocorrer por meio da interdisciplinaridade, que busca religar os saberes pertencentes a diferentesdisciplinas.

    Interdisciplinaridade escolar

    Atualmente, a estrutura escolar fundamenta-se na separao de sries e nveis de ensino.Cada srie, por sua vez, est dividida em disciplinas, sendo que cada disciplina possui divises decontedos. O currculo escolar organiza essa separao de disciplinas e contedos, determinandoquais disciplinas so lecionadas em cada srie e que contedos cada disciplina deve abordar. Essaestruturao fragmenta o conhecimento, uma vez que aborda isoladamente e de forma desconexa

    partes interligadas do saber. Conforme Santom, uma apresentao to abstrata e fragmentada dacultura no favorece dimenses importantes que todo projeto pedaggico deve levar em conta,como o de corresponder aos distintos interesses e necessidades dos alunos. (1998, p. 104).Segundo Petraglia, subsidiada pelas ideias de Morin,

    O currculo escolar mnimo e fragmentado. Na maioria das vezes, peca tanto quantitativa

    como qualitativamente. No oferece, atravs de suas disciplinas, a viso do todo, do curso edo conhecimento uno, nem favorece a comunicao e o dilogo entre os saberes; dito deoutra forma, as disciplinas com seus programas e contedos no se integram oucomplementam, dificultando a perspectiva de conjunto e de globalizao, que favorece aaprendizagem. (2001, p. 69).

    Dentro desse contexto, possvel divisar que uma possibilidade para a reduo dacompartimentalizao dos saberes na escola consiste no engajamento dos professores em um

    programa permanente de associao e colaborao entre os conhecimentos disciplinares. Surgeento, a interdisciplinaridade como possibilidade de superao dessa fragmentao dos saberes, jque ser interdisciplinar, para o saber, uma exigncia intrnseca, no uma circunstncia aleatria.(Severino, 2003, p. 40), e que a histria da interdisciplinaridade se confunde, portanto, com a

    dinmica viva do conhecimento. (Leis, 2005, p. 5). Dessa forma, as discusses sobre as relaesentre as disciplinas so primordiais para que ocorra a interdisciplinaridade na escola, e a prticainterdisciplinar somente possvel se houver a reflexo permanente acerca da dependncia existenteentre as disciplinas.

    Como somente possvel explorar a potencialidade do saber quando este circula no mbitoda interdisciplinaridade (Severino, 2003), percebemos que a atuao dos professores fundamental

    para a manifestao da interdisciplinaridade na escola. Somente agindo de forma integrada osprofessores podero diminuir o impacto do currculo disciplinar e permitir que os alunos percebamas relaes existentes entre as disciplinas. Como afirma Leis, se algo entra por definio na prticainterdisciplinar a condio de que se deve buscar a complementao entre os diversos

    conhecimentos disciplinares. (2005, p. 8).

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    A partir da percepo de que a estrutura curricular atual fragmenta o conhecimento emdisciplinas e prejudica sua compreenso por parte dos alunos, buscamos alternativas para superaressa fragmentao. Reconhecemos a interdisciplinaridade como uma maneira possvel de abrandaro dano causado pelo currculo escolar forma como os alunos percebem o conhecimento cientfico.Por sua vez, a interdisciplinaridade no apenas um processo didtico, tambm um modo de

    pensar e de agir do profissional da educao. Assim sendo, a interdisciplinaridade somente vivel

    se houver participao ativa e contnua dos professores atuantes na escola.

    Atuao docente e interdisciplinaridade

    O processo de aprendizagem escolar complexo, influenciado por fatores de diversasnaturezas, sendo alguns deles relacionados atuao docente. Ao exercer sua funo de professor, oeducador utiliza-se de concepes e princpios que norteiam diretamente a sua prtica. Dessa forma,o sucesso da interdisciplinaridade na escola est intimamente ligado prtica pedaggica do

    professor, pois

    A ausncia de aes interdisciplinares e de atitudes transdisciplinares entre os professoresdo Ensino Mdio cria problemas que afetam todo o funcionamento escolar, especialmenteamplificando a rejeio dos alunos em relao s disciplinas que eles consideram maisdifceis, geralmente Matemtica, Fsica, Qumica e Biologia, nesta ordem. (Borges, Basso eRocha Filho, 2008, p. 13-14, grifo dos autores).

    Augusto, quando afirma que os professores devem ser os protagonistas na implementaode prticas interdisciplinares na escola. (2004, p. 278) resume que somente a partir de uma prticadocente intencionalmente direcionada para a interdisciplinaridade so oferecidas condies para queo aluno perceba as relaes entre as disciplinas escolares, iniciando o processo de trnsito desaberes que exigido na contemporaneidade. J para Sommerman, a interdisciplinaridade ainterao de duas ou mais disciplinas. (2006, p. 19), ou seja, a interdisciplinaridade escolar pode

    ser compreendida como um esforo dos docentes em estabelecer relaes entre diferentesdisciplinas do currculo. Para que a interdisciplinaridade escolar ocorra, imprescindvel a atuaoconjunta dos professores, pois estes so especialistas em suas reas de conhecimento. Em sntese,em se tratando de escolas, a

    Interdisciplinaridade o processo que envolve a integrao e o engajamento de educadores,num trabalho conjunto, de interao das disciplinas do currculo escolar entre si e com arealidade, de modo a superar a fragmentao do ensino, objetivando a formao integraldos alunos, a fim de que possam exercer criticamente a cidadania, mediante uma visoglobal de mundo e serem capazes de enfrentar os problemas complexos, amplos e globaisda realidade atual. (Lck, 1994, p. 64).

    Por isso, num sentido profundo, a interdisciplinaridade sempre uma reao alternativa abordagem disciplinar normalizada (seja no ensino ou na pesquisa) dos diversos objetos de estudo.(Leis, 2005, p. 5). Essa abordagem interdisciplinar do conhecimento deve ser proporcionada poruma atuao colaborativa dos professores, j que a educao, em todas as suas dimenses, tornaainda mais patente a necessidade da postura interdisciplinar [...] (Severino, 2003, p. 41). Vistacomo metodologia educacional, a interdisciplinaridade depende no s da maneira como o

    professor ministra suas aulas, mas tambm de suas concepes de cincia, ou seja,

    A metodologia interdisciplinar em seu exerccio requer como pressuposto uma atitudeespecial ante o conhecimento, que se evidencia no reconhecimento das competncias,incompetncias, possibilidades e limites da prpria disciplina e de seus agentes, noconhecimento e na valorizao suficientes das demais disciplinas e dos que a sustentam.

    (Fazenda, 2002, p. 69).

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    Entretanto, ainda incipiente, no contexto educacional, o desenvolvimento deexperincias voltadas para a prtica intencional de construo interdisciplinar. (Lck, 1994, p. 77).

    Nossa experincia tambm mostra que so raros os projetos interdisciplinares postos efetivamenteem prtica nas escolas, e poucas escolas possuem propostas de currculos que integrem, mesmo quede forma tmida, alguns dos contedos das disciplinas. Entretanto, at mesmo nesses poucoseducandrios, os projetos interdisciplinares acabam no se realizando por falta de engajamento do

    corpo docente. Por isso a forma de atuao do professor decisiva para que ocorra ainterdisciplinaridade escolar, embora o reconhecimento de que um professor, isoladamente, no capaz de desenvolver um projeto interdisciplinar. O trabalho integrado do corpo docente imprescindvel para a efetivao da interdisciplinaridade na escola, e para que possamos reconhecera efetiva manifestao da fragmentao dos saberes na escola, se faz necessria a busca deinformaes com este o corpo docente. preciso buscar subsdios sobre como as concepes do

    professor determinam o modo como ele atua e percebe a relao que sua disciplina possui com asdemais.

    Apresentao e anlise dos dadosA abordagem metodolgica utilizada no trabalho qualitativa, do tipo estudo de caso, pois

    o problema emergiu de um questionamento da realidade dos pesquisadores de certa instituio, emdado momento histrico, e o objetivo foi obter compreenso acerca de um problema do cotidianoescolar. Os sujeitos de pesquisa foram os professores de Fsica, Qumica, Biologia e Matemtica doEnsino Mdio da escola onde um dos autores docente, e por meio deles foram levantadasinformaes para responder o problema de pesquisa. Durante as entrevistas com os professores os

    pesquisadores procuraram manter um ambiente informal de conversao, pois embora soubessemque seus discursos estavam sendo gravados, os entrevistados sentiam-se mais vontade para falardos pressupostos tericos que norteiam suas prticas, sem medo de expor suas ideias. Foramrealizadas entrevistas semi-estruturadas, contendo questes abertas, visando produo de materialtextual para posterior anlise.

    Foram entrevistados seis professores, dentre os quais uma professora de Matemtica, doisprofessores de Fsica, uma professora de Qumica, um professor de Biologia e uma professora queleciona Qumica e Biologia em sries distintas do Ensino Mdio. Todos os entrevistados sograduados nas disciplinas que lecionam, e apenas dois no possuem ps-graduao. Quatro

    professores lecionam h mais de vinte anos, e dois atuam nessa rea h cinco anos ou menos.Apenas dois docentes possuem outra atividade profissional, entretanto, mesmo estes dedicam maiornmero de horas semanais docncia. A dedicao de tempo quase integral exigida pela atividadedocente foi abordada igualmente em todas as entrevistas, no s em sala de aula, mas tambm na

    preparao de aulas, redao e correo de avaliaes. Para que pudssemos analisar as ideias dosentrevistados, reconhecendo suas caractersticas humanas sem, no entanto, expor suas identidades,utilizamos nomes fictcios. Adriana leciona Qumica, Betina ministra aulas de Qumica e Biologia,Davi ensina Biologia, Carlos e Ernesto so professores de Fsica, e Fernanda atua na rea daMatemtica.

    Todos os entrevistados reconhecem que a disciplina que ministram possui contedos teispara a vida dos estudantes. Entretanto, alguns so mais enfticos ao afirmar a importncia de suadisciplina para a vida dos alunos e para sua prpria vida. A professora Adriana comenta que usaexemplos do cotidiano para que os alunos possam relacionar o que aprendem na escola com o queeles vivem em seu dia-a-dia. J a professora Betina percebe que, embora a Biologia esteja mais

    presente no cotidiano dos alunos, tambm possvel fazer relaes da Qumica com o dia-a-dia.Quanto aos conhecimentos mais distantes da realidade dos estudantes, Betina diz que Todo oaprendizado vlido porque promove a abertura de novos horizontes..

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    Percebemos uma divergncia nas opinies dos professores de Fsica. Enquanto Carlosentende que a maioria dos contedos que ministra no possui aplicabilidade na vida dos alunos,Ernesto acredita que a Fsica sempre til. O professor Carlos expe que O conhecimento daescola um conhecimento que a maioria dos estudantes no aplicar, e complementa: Acho que

    boa parte dos alunos no retm quase nenhum conhecimento esperado de estudantes no EnsinoMdio. Embora esteja convencido da falta de aplicao da disciplina no cotidiano dos estudantes,

    Carlos entende o conhecimento que leciona como sendo mnimo e necessrio, como relata:Embora isso seja ruim, eles no vo usar este conhecimento, enfim, mas acho tambm que esse um conhecimento mnimo.

    Em contrapartida, o professor Ernesto entende que a Fsica possui aplicaes no cotidiano,conforme relata: Eu ensino uma Fsica til, pois do meu ponto de vista, assim como de outros

    professores, a Fsica est em todo o lugar, a todo o instante. Ao mencionar fenmenos conhecidospelos alunos e instig-los a entenderem a sua explicao cientfica, o professor Ernesto desperta ointeresse dos estudantes, e isso s possvel a partir da convico desse profissional de que suadisciplina til. Reconhecemos essa mesma convico na fala do professor Davi. Ele relata que

    procura mostrar aplicaes da Biologia em todos os contedos que leciona, conforme comenta:

    Quando leciono determinado assunto, eu tenho em vista suas aplicaes, para evitar que os alunosse perguntem sobre a utilidade daquele contedo, e no encontrem resposta. Davi defende quetodos os contedos que ministra possuem alguma aplicao prtica, e expressa a importncia doconhecimento em geral: Entendo que qualquer conhecimento tem sua importncia, mas nacincia aplicada que vemos isso de forma mais evidente. Pode ser difcil justificar a pesquisa emcincia pura. O professor comenta que a aplicabilidade deve existir no s nos contedosministrados na escola, mas tambm no mbito da pesquisa cientfica: Acredito que toda pesquisadeve ser aplicada. Deve haver um objetivo prtico. Entendemos que a aplicao d sentido aoestudo e pesquisa cientfica, e justifica os recursos consumidos em sua realizao, porm a

    pesquisa bsica igualmente necessria, pois dela podem advir novas aplicaes at entodesconhecidas, ou respostas para problemas ainda no formulados, mas essenciais no futuro.

    Entretanto, tambm consenso entre os professores a falta de aplicabilidade de algunscontedos. Todos concordam que a disciplina que lecionam possui contedos sem aplicabilidadeimediata no cotidiano dos alunos. Isso fica claro na fala da professora Fernanda: Para muitoscontedos h aplicao no cotidiano, mas no para todos. Por exemplo, trigonometria, matrizes e

    progresses so de uso corrente, mas pode ser difcil encontrar uma aplicao cotidiana dosnmeros complexos. Os entrevistados concordam que os contedos estudados so importantes paraa vida dos estudantes, embora percebam que em alguns momentos no conseguem relacion-loscom o cotidiano dos alunos. Tambm pode faltar ao professor noes de aplicabilidade doscontedos em reas mais especializadas ou tecnolgicas que esto prximas do cotidiano. No casoem questo, as declaraes da professora podem ser consideradas corretas sob uma perspectiva que

    considere apenas o saber popular, porm os nmeros complexos so teis, por exemplo, nocotidiano da manuteno eltrica industrial ensinada em cursos tcnicos, e at poderia ser este ocaminho profissional escolhido por alguns dos seus prprios alunos.

    Percebemos que os professores reconhecem, de maneira mais ou menos intensa, a relaode sua disciplina com o cotidiano dos alunos. Entendemos que, ao reconhecerem a aplicabilidadedos contedos que ministram, os professores comeam a dar sentido para sua disciplina no mbitoescolar. Mesmo agindo de forma isolada, a crena dos docentes de que sua disciplina til para avida dos estudantes ou para sua prpria vida contribui para um fazer pedaggico voltado interdisciplinaridade. Essa concepo dos professores vem ao encontro das ideias de Morin, Clotet eSilva, quando afirmam que preciso contextualizar e no apenas globalizar. Conhecer no

    unicamente as partes, mas o todo. (2007, p. 49). Entendemos tambm que por meio destepensamento possvel relacionar os diferentes contedos ministrados no Ensino Mdio.

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    A forma como os docentes percebem as relaes entre os contedos das disciplinas quelecionam com as demais disciplinas emergiu como uma das categorias. O que os professores

    pensam das relaes entre os contedos de diferentes disciplinas est vinculado com sua viso darelao existente entre as prprias disciplinas do Ensino Mdio. Os professores mostraram quereconhecem as relaes existentes entre os contedos de diferentes disciplinas, entretanto, algunsinterpretam que essas relaes so difceis de serem evidenciadas. O professor Ernesto explica que

    Nem todos os conhecimentos so passveis de serem correlacionados com eventos docotidiano dos estudantes, ou com outras disciplinas. No sei como ligar o contedomagnetismo, por exemplo, com a Qumica. J com a Biologia possvel fazer algumaligao, pois as andorinhas, por exemplo, parecem ter habilidade de seguir um caminho pormeio de um sentido relacionado ao campo magntico da Terra.

    Como professor de Fsica, Ernesto entende que sua disciplina facilmente relacionada comas disciplinas de Matemtica, Qumica e Biologia, entretanto alerta que essa relao muitas vezesno to evidente e que tem dificuldade em relacionar sua disciplina com outras no cientficas,como Arte. Sobre isso afirma que H limites para a possibilidade de relacionamento entredisciplinas, e pode parecer um absurdo ligar Fsica e Arte. Os alunos devem compreender

    rapidamente e naturalmente a relao, seno esta perde o sentido. Ernesto ainda comenta que arelao entre contedos fica mais evidente dentro de uma mesma srie, explicando que Asdificuldades para ensinar contedos de forma interdisciplinar se ampliam quando incluem sriesdiferentes.

    Observamos, mais uma vez, uma discordncia entre professores de uma mesma disciplina,como Adriana e Betina. Enquanto Adriana entende que [...] a Fsica tem muito a ver com aQumica [...], Betina comenta que Com a Fsica eu no fao muitas relaes. Betina explica que,

    por lecionar Qumica e Biologia, tem um conhecimento maior das duas disciplinas e conseguerelacion-las mais facilmente. Por outro lado, os professores de Fsica concordam que essadisciplina possui relaes com Biologia. Nesse sentido, Ernesto comenta: Consigo fazer essa

    ligao, e muito clara para mim, porque as equaes so as mesmas que usamos na Fsica, e spossuem um foco diferenciado.

    Os professores de Fsica tambm so categricos ao reconhecerem a interdependnciaexistente entre Fsica e Matemtica. Ambos entendem que os alunos precisam ser capazes deutilizar conhecimentos matemticos para desenvolver os conceitos estudados em Fsica.Percebemos que Carlos e Ernesto veem a Matemtica como uma ferramenta que auxilia a resoluode problemas que envolvem equaes e grficos, como explica Carlos: [...] eu utilizo muito asferramentas da Matemtica [...].

    Carlos, talvez por sua formao puramente Fsica, mostra que no reconhece muitasrelaes entre as disciplinas, limitando-se a exemplificar momentos nos quais a Matemticasubsidia o estudo da Fsica. Mesmo nesses momentos, o entrevistado identifica essainterdependncia como sendo prejudicial ao aprendizado dos alunos, pois entende que auxiliar osestudantes a reconhecerem tais relaes seria perda de tempo. Identificamos tal pensamento notrecho:

    H situaes nas quais consigo aplicar contedos da matemtica na descrio fsica dosprocessos, mas raramente explicito isso. Ou seja, eu uso os conhecimentos matemticos queos estudantes j viram, como a Lei dos Cossenos, mas sem chamar a ateno deles de queestou usando uma operao que eles j estudaram na Matemtica, pois considero isso umaperda de tempo.

    Dessa forma, Carlos deixa de mostrar as relaes entre as disciplinas, mesmo sabendo que

    estas existem, por entender que os alunos no teriam capacidade suficiente para apreender talinformao, ou porque considera que seria intil salientar este ponto. No entanto,

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    Das diferentes variveis que determinam a forma como se ensina, a que temcorrespondncia com a organizao dos contedos, ou seja, como se apresenta e como serelacionam os diferentes contedos de aprendizagem, certamente uma das que maisincidem no grau de aprofundamento das aprendizagens e da capacidade para que estaspossam ser utilizadas em novas situaes. (Zabala, 2002, p. 16)

    Ou seja, ao deixar de mencionar as relaes entre os contedos de diferentes disciplinas,

    Carlos prejudica o aprendizado dos alunos e perde a oportunidade de mostrar a eles o aspecto maisamplo do conhecimento. Dessa forma, os alunos provavelmente no sero capazes de relacionar oconhecimento da escola e utiliz-lo em novas situaes. Percebemos, portanto, que a ideia do

    professor Carlos influencia diretamente seu modo de lecionar. Ao dizer que No conjunto doscontedos do Ensino Mdio no consigo ver uma relao til entre as disciplinas, o entrevistadoest expondo um pensamento que influencia diretamente seu modo de agir em sala de aula.

    Encontramos pensamento oposto na fala do professor Davi, quando afirma que Eureconheo relaes entre os contedos e as disciplinas, e consigo trabalhar isso, algumas vezes.Davi mostra que reconhece a complexidade inerente aos contedos e disciplinas ministrados noEnsino Mdio. Ele ainda explica que:

    O que consigo fazer mostrar aos alunos que os contedos das diferentes disciplinas secomplementam, formando um todo que a cincia, mas que no preciso saber emprofundidade todos os contedos para que isso acontea. O distanciamento entre asdisciplinas dificulta a compreenso da totalidade.

    Concordamos com o professor Davi e identificamos em seu pensamento uma ideia muitocomum entre professores, quando pensam nas condies para que ocorra a interdisciplinaridade.Davi ainda afirma que Em minhas aulas sinto prazer em ensinar aqueles contedos sobre os quaistenho conhecimentos mais amplos. Isso faz com que me sinta seguro, explicando que utiliza seusconhecimentos de Histria, Geografia, Qumica, Fsica e Matemtica para aprofundar explicaesnas suas aulas de Biologia. Tais pensamentos e atitudes esto presentes nas ideias de Lenoir,

    quando afirma queDesse modo, a interdisciplinaridade curricular requer, de preferncia, uma incorporao deconhecimentos dentro de um todo indistinto, a manuteno da diferena disciplinar e atenso benfica entre a especializao disciplinar, que permanece indispensvel, e ocuidado interdisciplinar, que em tudo preserva as especificidades de cada componente docurrculo, visando assegurar sua complementaridade dentro de uma perspectiva de troca ede enriquecimento (2003, p. 57).

    A professora Fernanda mostra que partidria das convices do professor Davi. Elaexplica que seria possvel relacionar contedos de Matemtica com contedos de Fsica, Biologia eQumica, exemplificando, em cada srie do Ensino Mdio, quais conhecimentos poderiam serrelacionados. Para o professor Davi, a forma como as disciplinas so ministradas no EnsinoFundamental tambm vista como ponto de partida para um trabalho interdisciplinar no EnsinoMdio. Davi relata uma situao frequente em trabalhos ditos interdisciplinares realizados nasescolas em vrios nveis de ensino, principalmente no Ensino Fundamental:

    Acredito que o termo interdisciplinaridade foi muito mal utilizado na poca em que eu eraestudante, pois se resumia a eleger um tema, como o dia da rvore, por exemplo, e obrigartodos os professores, das mais diferentes disciplinas, a explorar este tema, mesmoforadamente.

    Concordamos com Davi ao identificar iniciativas desta natureza, nas quais cada professorprocura trabalhar seu contedo relacionando-o a um assunto comum, sendo confundidas comprojetos interdisciplinares. Entendemos que tais iniciativas continuam ocorrendo devido falta defamiliaridade do grupo de professores com o que de fato uma atividade interdisciplinar.

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    Davi ainda resume a sua ideia de interdisciplinaridade de acordo com Lenoir, que afirmaque A perspectiva interdisciplinar no , portanto, contrria perspectiva disciplinar; ao contrrio,no pode existir sem ela e, mais ainda, alimenta-se dela. (2003, p. 46), ou nas palavras de Davi, ,que transite. E no precisa transitar, pois s vezes no possvel. A interdisciplinaridade tem que sedar este direito, ela no onipresente ou onipotente. Nem sempre pode ser realizada.

    A totalidade dos professores entrevistados acredita que pelo menos as disciplinascientficas ministradas na escola possuem relaes e se interconectam de alguma forma. Em muitosdepoimentos foi possvel perceber tambm que os docentes relacionam facilmente sua disciplinacom as disciplinas de Histria e Lngua Portuguesa. Embora essas disciplinas no sejamconsideradas cientficas, os professores conseguem fazer ligaes do contedo ministrado em suadisciplina com a poca histrica na qual um descobrimento ou inveno cientfica ocorreu.Conforme afirma Adriana: Como todos os contedos tm um componente histrico, qualquer

    professor da rea cientfica pode comear a ensinar sua matria desde este ponto de vista. Tambma leitura e interpretao, relacionadas disciplina de Lngua Portuguesa, so consideradascapacidades essenciais para o desenvolvimento do raciocnio cientfico dos alunos. Sobre esseaspecto, Adriana entende que Todo problema exige interpretao, portanto o Portugus sempre

    importante.Reconhecemos que apesar de todos os entrevistados assumirem a existncia de conexes

    entre os contedos de diferentes disciplinas, em suas falas foi possvel perceber a importncia quecada um d a essas conexes, e a forma como so identificadas em suas aulas. Percebemos queapenas trs dos entrevistados assumiram abertamente que acreditam no benefcio que aapresentao dessas relaes para os alunos pode trazer ao seu aprendizado. Em oposio, metadedos entrevistados acredita que a exposio das conexes entre as disciplinas dificultaria oaprendizado dos estudantes. No entanto, est claro que a forma como os professores interpretam asreaes dos alunos fator que influencia seu modo de lecionar. Nesse sentido, todos osentrevistados entendem que os alunos teriam um aprendizado mais significativo se percebessem as

    relaes entre as disciplinas. Os professores afirmam que, ao compreenderem as conexes entre oscontedos de diferentes disciplinas, os alunos seriam capazes de entender melhor os conhecimentosque so estudados na escola, a ponto de conseguirem aplic-los posteriormente. Como afirmaCarlos, O impacto positivo para a aprendizagem seria enorme se os alunos compreendessem asligaes entre as disciplinas.

    Os professores que lecionam ou j lecionaram nas trs sries do Ensino Mdio identificama maturidade dos estudantes como fator fundamental para o reconhecimento da relaointerdisciplinar. Adriana comenta que No incio do Ensino Mdio mais difcil fazer com que osalunos vejam a partir de uma perspectiva interdisciplinar, mas no terceiro ano eles esto maismaduros e capazes de compreender isso, at mesmo pela perspectiva do vestibular. Betina

    concorda com as ideias de Adriana, e afirma:Talvez alguma dificuldade esteja relacionada maturidade, pois as dificuldades de integrarcontedos so maiores no primeiro ano do que no segundo, e no segundo so maiores doque no terceiro.

    Os entrevistados concordam que a maioria dos estudantes no capaz de reconhecer asconexes entre as disciplinas sem que seja chamada sua ateno para isso. O professor Ernestocomenta que Alguns alunos so capazes de perceber algumas ligaes entre as disciplinas mesmosem serem alertados para isso, mas para outros necessrio uma interveno para que orelacionamento se torne claro, e completa: O professor deve permanecer alerta para evitar quesomente uma parte da turma compreenda as relaes daquele contedo com os de outras

    disciplinas. Essa necessidade de o professor de mostrar aos alunos as ligaes entre as disciplinastambm relatada por Adriana: O que cabe ao professor chamar a ateno. Abrir os olhos dosalunos para que eles possam fazer essa ligao.

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    Ernesto e Davi tm concepes parecidas quanto reao dos alunos aos momentosinterdisciplinares em suas aulas. Eles comentam que muitos estudantes ficam preocupados ao saberque precisaro utilizar conhecimentos de outra disciplina para entender Biologia ou Fsica. Davirelata que:

    Alguns alunos manifestam pnico quando o professor tenta correlacionar o contedo deuma disciplina com o de outras, pois imaginam que as dificuldades que apresentam na

    compreenso de uma delas determinar dificuldades nas outras tambm. Para eles difcilcompreender que essas relaes s lhes favorecero o aprendizado.

    O professor explica a averso dos alunos no momento de tentar compreender algumaligao das disciplinas. Ele diz que:

    Muitos de nossos alunos pensam que para transitar pelos diferentes contedos interligadosprecisaro de extensos conhecimentos prvios, o que no obviamente verdade no EnsinoMdio. Isso cria um ambiente de medo e rejeio abordagem interdisciplinar.

    Davi afirma que, ao ver o conhecimento de outra disciplina como pr-requisito para acompreenso da sua, o aluno cria um bloqueio difcil de ser quebrado. Ele entende que o aluno no

    deve ver as relaes entre as disciplinas como um entrave aquisio do conhecimento, e que deveser o professor o responsvel por essa mudana no pensamento do aluno, como afirma:

    Acho que o aluno ganha se esse medo for eliminado, esse medo de achar que ele tem quesaber mais coisas alm do contedo de certa disciplina para entender. Eu acho que essapercepo que eles tm, e isso um entrave para o nosso aluno, e para isso o professor devemostrar para ele que isso interessante.

    Da mesma forma, o professor Ernesto acredita que cabe ao professor a tarefa de ajudar oaluno a perceber que os conhecimentos que perpassam pelas disciplinas no so obstculos, massim elementos facilitadores de seu aprendizado. Davi e Ernesto acreditam que o processo deidentificar em contedos de outras disciplinas facilitadores da aprendizagem tarefa de todos os

    professores, e que os alunos sero capazes de reconhecer as ligaes entre as disciplinas comofacilitadores do aprendizado se o grupo de professores tiver atitudes semelhantes em cada aula,frequentemente. De modo contrrio, Davi tambm relata que se o grupo de professores no estiverfirmemente engajado nessa proposta, os alunos criaro ojeriza s disciplinas ou professores queexigirem deles esses momentos de interlocuo dos saberes.

    Quanto necessidade de que ocorra um trabalho conjunto dos professores, Adrianacomenta: Penso que os estudantes se sentiriam mais seguros sabendo que todos os professores tmuma mesma linha de atuao. Japiassu resume as ideias de Davi, Ernesto e Adriana ao afirmar que

    Outro obstculo ao interdisciplinar, no menos importante, constitudo: de um lado, pelaresistncia do corpo docente, situando-se cada professor numa regio bem determinada e

    autnoma do saber; do outro, pela inrcia do corpo discente, sentindo-se os estudantesmuito mais vontade e em maior segurana diante de um saber bem definido e delimitado,de um saber que no d margem a uma interrogao sobre o saber. (1976, p. 100).

    Assim como as percepes dos alunos, as ideias e percepes dos professores tambmintegram uma caracterstica que define o modo como os docentes atuam e, consequentemente, aforma como o aprendizado ocorre. Os professores revelaram possuir percepes distintas sobre ainterdisciplinaridade e sobre sua atuao no contexto escolar frente s possibilidades criadas pelainterdisciplinaridade. Os entrevistados reconhecem a importncia do esforo coletivo do grupo de

    professores para o aprendizado dos alunos, embora percebam a realidade desse grupo de formasdiferentes. Para a professora Adriana, o grupo de professores do Ensino Mdio muito unido e

    possui uma relao de amizade. Esse fator, segundo Adriana, influencia positivamente o trabalhoem conjunto. J a professora Betina, ao dizer que A nossa sade est comprometida porquefazemos alm daquilo que seria recomendvel. O professor o nico profissional que trabalha

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    praticamente de graa, comenta que a rotina docente, de atualizao e busca por novas formas deaprendizado, cansativa e no reconhecida. Nesse sentido, Japiassu afirma que [...] o corpo

    profissional, encarregado de garantir a formao tcnica e cientfica das novas geraes e dedifundir ou ensinar os conhecimentos cientficos e tcnicos fundamentais, precisa ser dotado deuma extraordinria capacidade de renovao. (1999, p. 85, grifo do autor). De fato, a necessidade

    permanente de atualizao do profissional da educao e seu tempo escasso e no remunerado para

    cumprir com todas as exigncias da profisso problema tpico do professorado.J o professor Ernesto acredita que a separao dos contedos escolares benfica para os

    estudantes, ele afirma que:

    Para os alunos que esto em fase crescimento e amadurecimento essas divises sobenficas, porque eles se organizam mais facilmente. Mas para adultos, como cientistas,por exemplo, organizaes desse tipo podem ser ruins, porque para estes necessrio terideia do todo. Mas para atingir a compreenso do todo o cientista deve ter aprendido sobreas partes.

    Sua afirmao pode ser contraposta de Zabala:

    Se, por um lado, impossvel responder aos problemas profissionais e cientficos semdispor de um conhecimento disciplinar, ao mesmo tempo a ns, professores e professorasde nossa poca, corresponde renunciar s particularidades e buscar em comum arestaurao dos significados humanos do conhecimento. (2002, p.26)

    Parece que, longe de ajudar a organizar o pensamento cientfico dos estudantes, aseparao dos contedos escolares em disciplinas cada vez mais isoladas prejudica o aprendizado eo desenvolvimento do conhecimento cientfico dos alunos. Ao contrrio de Ernesto, que afirma quea organizao do pensamento vai das partes ao todo, entendemos que a viso global dos saberes importante e necessria em todos os nveis de ensino.

    A forma como os docentes percebem a interdisciplinaridade influencia diretamente seu

    modo de agir, pois suas percepes orientam e estimulam uma atuao mais ou menos voltada parao estabelecimento de relaes entre as disciplinas. Embora tenham pontos de vista singulares quantoao reconhecimento das relaes entre as disciplinas, os professores convergem ao indicar prticas

    pedaggicas que possibilitem ao estudante reconhecer tais relaes. Todos os entrevistados apontama interao entre docentes como princpio bsico para uma atuao conjunta que tornaria possvel ainterao entre as disciplinas e contedos escolares. A professora Adriana fala que Os alunos tmque nos sentir unidos. Se ns estivermos unidos eles vo sentir que ns estamos trabalhando namesma linha, independentemente do contedo., expressando um pensamento comum entre osentrevistados. Essa professora defende a integrao entre os professores, que somente se torna

    possvel a partir de um dilogo constante entre os docentes, que possibilite a troca de informaessobre os contedos ministrados. Nesse sentido, Moraes afirma que tanto a inter quanto atransdisciplinaridade, em termos educacionais, tm uma grande importncia metodolgica, exigemuma nova pedagogia, que requer, necessariamente, um processo de comunicao. (2000, p. 182,grifo nosso).

    Essa comunicao necessria entre os docentes est presente no discurso de outrosentrevistados, entretanto, da mesma forma como reconhecem a importncia de um trabalhocompartilhado entre as disciplinas, os entrevistados tambm reconhecem que h falta de dilogoentre os docentes. As professoras Betina e Fernanda acreditam que, embora haja a necessidade dedilogo, este no ocorre por falta de tempo e engajamento dos professores. Fernanda comenta queSe ns que somos professores no paramos para conversar entre ns mesmos, e fazer essa ligaoentre disciplinas, como que o aluno vai ser capaz de fazer isso? e Betina complementa: Se svezes ns como profissionais, como professores, no temos essa capacidade de ver isso, ento como que ns queremos que nossos alunos tenham essa capacidade?. A professora Betina entende quefaltam tempo e recursos financeiros para que os professores possam reunir-se em horrio

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    remunerado para planejarem suas aulas em conjunto, e isso responsvel pela falta de entrosamentodo grupo docente.

    O professor Carlos entende que uma alternativa para que os alunos reconhecessem ainterdependncia entre disciplinas seria o uso de termos comuns para expressar conceitos que soestudados em mais de uma disciplina. Dessa forma, os estudantes seriam capazes de perceber os

    conceitos que so utilizados em duas ou mais disciplinas por meio do reconhecimento da linguagemutilizada pelo professor. O entrevistado entende que:

    Os professores poderiam comentar contedos comuns chamando a ateno dos alunos paraas semelhanas na linguagem utilizada pelas diferentes disciplinas, mas isso exige tempo epreparao.

    O professor Carlos concorda com Japiassu, quando afirma que A primeira condio dointerdisciplinar a possibilidade de confrontar e de harmonizar os vocabulrios e as lnguas, o quelevaria elaborao de uma interlinguagem. (Japiassu, 1976, p. 90, grifo do autor). Para que umaeducao interdisciplinar seja possvel, o professor deve mostrar-se uma pessoa flexvel, aberta smudanas pelas quais sua profisso constantemente atingida. Da mesma forma, os entrevistados

    entendem que [...] o professor uma pessoa muito especial, ela tem que ser uma pessoa malevel[...]. (Professora Adriana). Assim como a professora Adriana, o professor Davi acredita que oprofissional da educao deve estar em constante atualizao, conforme afirma: Para conhecer asrelaes interdisciplinares o professor precisa estudar muito, ler muito, gostar muito, seno eletende a ficar restrito simplesmente ao seu contedo. Adriana e Davi confirmam um conceito deSantom, segundo o qual A riqueza de um trabalho interdisciplinar tambm estar condicionada

    pelos nveis de conhecimento e experincia das pessoas especialistas que integram a equipe. (1998,p. 62).

    Os professores Davi e Fernanda acreditam que, ao realizarem cursos de aperfeioamento,os docentes acabam especializando-se cada vez mais, e que a viso fragmentada do especialista

    prejudica a educao cientfica. Davi explica que Essa tendncia especializao nos levou a abrirum leque maior de contedos a serem necessariamente estudados e que ns precisamos parar defragmentar o contedo, obtendo v-lo de forma mais ampla e parando de enfatizar aespecializao. A professora Fernanda concorda com seu colega, e complementa que Nstrabalhamos nessa fragmentao, dissociamos aquilo que poderia estar associado. Por que os

    professores de Qumica e de Matemtica no poderiam se juntar e fazer um trabalho cooperativo?.Como Fernanda e Davi, acreditamos que a especializao, mesmo que imprescindvel ao progressocientfico, fomenta a fragmentao dos saberes na educao escolar. Entretanto, se houver dilogoentre os professores especialistas possvel produzir melhora na qualidade do ensino, como afirmaDavi: Eu tenho colegas altamente qualificados que podem me mostrar que na Histria, naGeografia, na Matemtica, na Msica eu posso buscar inspirao para ser um bilogo melhor,

    entende?.Os docentes apontam a comunicao entre si como princpio de um trabalho

    interdisciplinar, e embora reconheam a necessidade de troca de informaes entre docentes dediferentes disciplinas, admitem que no conversam com seus colegas por falta de tempo, e indicamo uso racional das reunies escolares como soluo para este problema. Quatro dos entrevistadoselegem a falta de tempo para planejamento coletivo como principal entrave prticainterdisciplinar. Para Betina e Fernanda, os professores deveriam ter um tempo destinado pelaescola para planejarem em conjunto. Fernanda explica que o dilogo entre os professores a nicamaneira de melhorar o processo educativo, conforme afirma: Eu acredito que preciso achartempo para conversar, pois no vejo outra maneira de melhorar. preciso achar tempo para

    trabalhar o aluno, para considerar esse aluno como indivduo.. Para Betina, o tempo escasso doprofessor pode ser mais bem aproveitado se a escola oferecer um momento de troca entre osdocentes. Ela entende que Para que um professor possa saber o que o outro est trabalhando, em

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    Matemtica, em Fsica, em Qumica, a escola teria que proporcionar tempo, porque no crvel quealgum v fazer isso no corredor. Para as entrevistadas, a falta de tempo seria facilmente resolvida

    pela escola por meio da convocao dos professores a reunies remuneradas. Desse modo, osprofessores permaneceriam na escola para dialogar sobre suas prticas. Isso remete a Rocha Filho,Borges e Basso quando afirmam que A atitude das direes e coordenaes favorvel, neutra oureticente em relao integrao iniciada, pode ter influncia importante nesse processo, pois

    alguns professores dependem psicologicamente da aprovao das instncias hierrquicasinstitucionais superiores para agirem. (2007, p. 53).

    A ao interdisciplinar, porm, no deve ser imposta pelo ncleo pedaggico da escola. Osprofessores precisam acreditar nos benefcios da educao interdisciplinar para que ocorra ainterdisciplinaridade de fato. Ao se mostrarem receptivos ao dilogo e reclamarem por momentosde troca de experincias os professores reconhecem a necessidade do trabalho conjunto. Mas aescola influencia o processo de ensino e aprendizagem no somente por meio da determinao dereunies pedaggicas, e sim tambm a partir da imposio de um currculo que elege quaiscontedos devem ser ministrados. Nesse sentido, a estrutura curricular e as exigncias da escola

    podem aumentar ou diminuir a fragmentao dos saberes.

    Os entrevistados possuem diferentes percepes acerca da estrutura e das exignciasgeradas pelo currculo da escola. Para Ernesto, o currculo compartimentado em disciplinas

    benfico para o aprendizado, entretanto ele concorda que necessrio que os alunos percebam asligaes entre as disciplinas. Ele explica que

    A compartimentalizao dos contedos importante para que se tenha uma ordem, mastambm importante que se faam ligaes, pois no h como fugir da integrao emproblemas reais.

    O professor Carlos reconhece que no possui cincia da ordenao dos contedos de outrasdisciplinas, o que dificulta sua viso da totalidade do que estudado no Ensino Mdio. Dessa

    forma, Carlos pode no perceber em que momentos sua disciplina possui ligao com as demais, jque desconhece os momentos ou sries nas quais o aluno estuda contedos de outras disciplinas quepodem ser teis para a Fsica, como revela: [...] no sei se a estrutura curricular poderia facilitarmais o aprendizado, ou inclusive fazer com que as disciplinas se conectassem melhor [...]. J a

    professora Adriana possui uma viso mais ampla da ordenao dos contedos do Ensino Mdio,mostrando que conhece os momentos nos quais sua disciplina possui conexes com as demais. Elaafirma que A organizao da nossa escola me ajuda muito. A Fsica caminha junto comigo, aBiologia e a Matemtica tambm. Quando eu preciso, eles j aprenderam.. Nesse sentido, Adriana

    percebe que a estrutura curricular apropriada para o aprendizado dos alunos, no s na suadisciplina, mas tambm nas ligaes que esta possui com as demais.

    Contudo, a entrevistada alerta para a grande exigncia do currculo escolar em termos dequantidade de contedos a serem ministrados. Adriana entende que [...] tenho que vencer ocontedo, e isso eu acho que no favorece a vinculao entre as disciplinas.. Para a professora, necessrio mais que estudo e aperfeioamento para contornar o problema imposto pela gradecurricular. preciso vocao. Ela exprime seu pensamento no trecho:

    [...] nem todos podem ser professores. A est um ponto fulcral do problema. O professortem que saber o contedo, tem que saber ensinar esse contedo, e tem que ter tempo parafazer estas ligaes. Quem realmente gosta de ser professor, que tem vocao, por maisdificuldades que passe na sala de aula, feliz, gosta do que faz. E tem outros que vivemreclamando. Esto permanentemente de mau humor. Acho que pessoas assim no podemser felizes dando aulas, e os alunos percebem isso [...]

    Para Adriana o profissional da educao deve ser uma pessoa ciente da responsabilidadeque assume enquanto formador de opinies, enquanto pessoa responsvel por influenciar jovenssobre a importncia das disciplinas cientficas. Tambm para Rocha Filho, Borges e Basso No

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    crvel que algum profissionalmente infeliz possa ser til, criativo ou produtivo. (2007, p. 17).Dessa forma, o professor, como qualquer outro profissional, deve gostar do que faz. J o professorDavi entende que os professores esto preocupados em transmitir pura e simplesmente oscontedos devido s exigncias do currculo. Ele demonstra ter conhecimento do volume decontedos exigidos por outras disciplinas: Acho que vencer contedos, para algumas disciplinas, complicado, porque a esses professores apresentada uma lista de contedos maior do que o que

    pode ser vista em uma srie. Penso que isso tem que ser reestruturado. O professor entende que,embora a extensa relao de contedos a serem lecionados dificulte uma atuao mais dinmica doprofessor, cabe a este a difcil tarefa de proporcionar aulas que possibilitem uma visointerdisciplinar das cincias.

    O pouco tempo para ministrar a ampla lista de contedos determinada pelo currculoescolar tambm visto como entrave ao aprendizado, pela professora Betina. Discordando dos

    professores Adriana e Davi, Betina entende que esse problema no pode ser resolvido apenas pelamudana de atitude do professor. A entrevistada defende o aumento da carga horria semanal comonica soluo para que os contedos exigidos possam ser ministrados de forma significativa. Betinarelata que Para a escola funcionar direito seria preciso aumentar o nmero de horas-aula [...], e

    complementa: Hoje, quando penso em fazer uma aula prtica, reflito quanto tempo vou levarnisso?. Eu no posso perder muito tempo porque seno no vou conseguir vencer o contedo. Aprtica seria para enriquecer o contedo, mas.... A professora Betina tambm acredita que aestrutura escolar no prejudica a vinculao entre as disciplinas, mas tambm no favorece. Elaacredita que poderia haver maior incentivo a projetos interdisciplinares por parte da escola, sendo

    proporcionado mais tempo para o grupo docente discutir suas metodologias. Betina entende que osconhecimentos tratados na escola esto muito segmentados e que o trabalho interdisciplinardepende da proposta da escola. Embora acreditemos que o professor possa agirinterdisciplinarmente independentemente da proposta curricular da escola, concordamos que adisposio dos contedos nas disciplinas do Ensino Mdio pode auxiliar o professor na tarefa deestabelecer elos entre os saberes. Nesse sentido, Santom afirma que O currculo pode ser

    organizado no s em torno de disciplinas, como costuma ser feito, mas em ncleos queultrapassem os limites das disciplinas, centrados em temas, problemas, tpicos instituies,

    peridicos histricos, espaos geogrficos, grupos humanos, idias, etc. (1998, p. 25).

    Alm das exigncias do currculo escolar, os professores apontam outros fatores, externos escola, como geradores de fragmentao dos contedos. Nesse sentido, o vestibular e o Exame

    Nacional do Ensino Mdio foram citados pelos entrevistados como exigncias externas escola eque influenciam a forma de lecionar. Para os professores Adriana, Betina, Carlos e Davi, a nfaseda escola na preparao para o vestibular e ENEM, com os contedos que so exigidos por estesexames, influenciam diretamente a forma de lecionar. Adriana expressa um sentimento comum aesses entrevistados quando afirma que grande parte dos estudantes possui o objetivo de ser

    aprovado no vestibular no final do Ensino Mdio. Para Adriana, os prprios alunos impem-se aobrigao de serem aprovados no vestibular, e veem nele o nico objetivo de seus estudos, comorelata: E como a nossa escola visa muito essa aprovao no vestibular, os alunos se cobram j. Os

    prprios alunos se cobram que eles tm que passar no vestibular. E o que a gente espera deles,porque eles foram ensinados para isso..

    Para a professora Betina, A forma como o vestibular influencia a distribuio doscontedos escolares traz malefcios para a educao e no privilegia o estudo das ligaes entre asdisciplinas, pois os contedos exigidos pelos exames de vestibular raramente contemplam oaprendizado amplo e significativo que o ensino escolar poderia oferecer.. Assim sendo, se ainstituio de ensino curva-se ante as exigncias de exames externos, est tolhendo a liberdade dos

    professores de decidir sobre os contedos a serem ministrados. Nesse sentido, Santom afirma que[...] aqueles que trabalham e convivem nas salas de aula e instituies docentes, professores e

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    estudantes, no dispem de uma margem de opes possveis para decidir que contedos devemselecionar, nem sua forma de organizao. (1998, p. 104).

    Davi e Carlos acreditam que o Exame Nacional do Ensino Mdio, ENEM, pode alterar omodo como os conhecimentos escolares so cobrados nos exames de admisso para o ensinosuperior. Carlos entende que Com o ENEM chegando, possivelmente o Ensino Mdio vai sofrer

    alguma alterao., ele acredita que a utilizao do ENEM por universidades federais pode ajudar amodificar o Ensino Mdio ao longo dos prximos cinco anos. Para Carlos, a reestruturao doEnsino Mdio em funo do ENEM seria benfica, como explica: [...] acho que vai alterar muito.Tomara que melhore. Contedos devem ser eliminados.. Em contrapartida, Davi entende que asquestes do ENEM no diferem muito das questes dos vestibulares tradicionais, entretanto eleexpe que Talvez seja esse o momento de os professores encaixarem o conhecimentointerdisciplinar., indicando que os exames de admisso para o ensino superior podem ser revistosde forma que contemplem um saber mais interdisciplinar e globalizado. Assim como Moraes,acreditamos que [...] um dos problemas de nossa educao atual que ela valoriza muito os

    processos racionais e pouco os procedimentos intuitivos, artsticos e criativos. (2000, p. 165), edessa forma vemos que tanto o vestibular quanto o ENEM ainda no consideram totalmente as

    caractersticas interdisciplinares dos saberes estudados na escola.

    Consideraes finais

    Em nossa anlise constatamos que a fragmentao dos saberes consiste na diviso doconhecimento em pequenas parcelas, em uma ao cuja natureza epistemolgica provm da visomecanicista de mundo. A influncia do pensamento cartesiano no desenvolvimento cientfico levou separao dos saberes no mbito da pesquisa cientfica, o que veio a causar a separao dasdisciplinas no meio escolar, j que a estrutura curricular da escola foi fundamentada no positivismolgico. A fragmentao dos saberes na educao cientfica escolar surge na separao do

    conhecimento cientfico em disciplinas curriculares a partir de uma estrutura baseada em disciplinase contedos estanques e com poucas possibilidades de conexo, e a atuao docente tambm responsvel pela viso fragmentada que os alunos tm das cincias.

    Muitos autores defendem a hiptese de que tal separao do conhecimento prejudica aeducao cientfica, gerando um ensino desconexo da realidade, sem sentido para o aluno. Dessaforma o aluno deixa de ser capaz de perceber as semelhanas e relaes entre as diferentes reas doconhecimento, o que acaba provocando um profundo desinteresse pela cincia. Verificamos,tambm, que a fragmentao dos saberes se manifesta na incapacidade dos alunos em reconhecer asligaes entre os contedos de diferentes disciplinas, e na sua averso s disciplinas cientficas.Percebemos que a manifestao da fragmentao ocorre principalmente na diviso das disciplinas

    da escola, impossibilitando que os alunos tenham uma viso complexa da realidade.

    Compreendemos que a atuao docente est diretamente ligada forma como oconhecimento tratado na escola, e para que ocorra o aprendizado os professores devem atuar deforma interdisciplinar. Para a educao interdisciplinar, no entanto, faz-se necessria a integrao einterlocuo do grupo docente no sentido de somar esforos para uma reunificao dos saberes.Este ato contnuo de dilogo e busca de ligaes entre os contedos ministrados s vivel a partirdo reconhecimento por parte dos professores de que a interdependncia entre as disciplinas existe e intrnseca a elas. Dessa forma, a anlise das concepes dos professores possibilitou entendermoscomo estas influenciam a sua atuao.

    Percebemos uma crescente preocupao dos entrevistados com a significao doconhecimento do aluno, aliada vontade de superar dificuldades, como a fragmentao docurrculo. Reconhecemos na fala dos professores que estes tm cincia da importncia de suas

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    disciplinas para o cotidiano dos estudantes. Dos seis entrevistados, apenas um no considera quesua disciplina tenha relao com o dia-a-dia dos alunos, embora reconhea sua importncia para odesenvolvimento do conhecimento cientfico dos mesmos. Para os demais entrevistados, suasdisciplinas tm utilidade em seu cotidiano e no cotidiano dos alunos. Entretanto, embora exista oreconhecimento da aplicabilidade dos contedos por parte do corpo docente, este tambm assumeque poderia contextualizar melhor os conhecimentos vistos pelos alunos. Mas, a maioria dos

    professores entrevistados no reconhece que A integrao temtica interdisciplinar permite odilogo com a realidade, possibilita a incorporao de temas de interesse dos alunos, melhora aformao geral ao oferecer um conhecimento mais integrado, articulado e atualizado. (Moraes,2000, p. 196).

    A totalidade dos professores entrevistados acredita que as disciplinas ministradas na escolapossuem relaes e se interconectam de alguma forma. Os docentes relacionam mais facilmente suadisciplina com as disciplinas de Histria e Lngua Portuguesa. Embora essas disciplinas no sejamconsideradas cientficas, os professores conseguem fazer ligaes do contedo ministrado em suadisciplina com a poca histrica na qual um descobrimento ou inveno cientfica ocorreu. Tambma leitura e interpretao, relacionadas disciplina de Lngua Portuguesa, so consideradas

    capacidades essenciais para o desenvolvimento do raciocnio cientfico dos alunos. Contudo, osdocentes discordam quanto s relaes de sua disciplina com outras cientficas, como foi possvelperceber nas afirmaes de professores de Fsica e Qumica. Entendemos que a crena nosbenefcios da educao interdisciplinar est ligada importncia que os professores do s ligaesque sua disciplina possui com as demais. Nesse sentido, concordamos com Morin, Clotet e Silvaquando afirmam que Realmente, temos a necessidade do que chamo de uma reforma do

    pensamento e da educao, que permita desenvolver o mundo do conhecimento, atravs dasrelaes e dos contatos globais. (2007, p. 49). Apenas a metade dos entrevistados defende queacredita nos benefcios da educao interdisciplinar.

    Tambm foi possvel constatar que trs dos entrevistados deixam implcito em seu discurso

    a ideia de que revelar as conexes entre as disciplinas seria um obstculo ao andamento das aulas.Esses profissionais parecem precisar de uma reavaliao de suas concepes de educao e cincia,pois este processo no simples ou instantneo. preciso que eles compreendam a necessidade de

    Identificar a cognio como o pleno processo da vida incluindo percepes, emoes ecomportamento e entend-la como um processo que no envolve uma transferncia deinformaes nem representaes mentais de um mundo exterior algo que requer umaexpanso radical de nossos arcabouos cientficos e filosficos. (Capra, 2004, p. 224)

    Essa ampliao das concepes dos professores necessria para que estes possam mostraraos alunos as interconexes existentes entre as disciplinas cientficas sem gerar averso ao estudocientfico. Nesse sentido, os entrevistados relatam que o aprendizado seria mais significativo se os

    estudantes percebessem as relaes entre as disciplinas, mas lamentam que a baixa maturidadedestes influencia negativamente o processo de ensino e aprendizagem.

    Os professores concordam que a integrao do corpo docente necessria para que ocorraa educao interdisciplinar, e todos reconhecem a importncia do empenho coletivo e a necessidadede dilogo para quebrar a barreira da fragmentao do currculo. Para tanto, os docentes indicamque preciso tempo para que ocorra o planejamento em conjunto, e reclamam que no dispemdesse bem precioso.

    Para solucionar parte dessa falta de tempo, os professores sugerem a disponibilizao dereunies por parte da escola. Desse modo, os entrevistados transferem para a instituio de ensino aresponsabilidade de integrarem-se ao corpo docente e inteirarem-se dos contedos das outrasdisciplinas. Os docentes acreditam que a escola poderia incentivar mais os estudos interdisciplinarese as trocas entre os professores, mas no o faz. Ao invs disso, a escola, por meio de uma grade

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    curricular com muitos contedos e pouco tempo para ministr-los, exige do professor uma condutacom foco na aprovao dos alunos em exames como vestibular e ENEM.

    Agindo interdisciplinarmente, porm, os professores das disciplinas cientficas do EnsinoMdio podem tornar a educao mais til e significativa para os alunos. Contudo, para que issoocorra preciso que o corpo docente reconhea a necessidade de interlocuo entre as disciplinas.

    Sendo assim, ao reconhecer que necessrio trabalhar de forma integrada o professor est dando oprimeiro passo na direo de um processo de ensino e aprendizagem mais significativo econtextualizado, pois como afirma Santom, A interdisciplinaridade um objetivo nuncacompletamente alcanado e por isso deve ser permanentemente buscado. No apenas uma

    proposta terica, mas sobretudo uma prtica. (1998, p. 66). Portanto, a atuao docente voltada ruptura com a fragmentao requer estudo e dedicao, o que implica em tempo e disposio do

    professor.

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