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A fugitiva - Adriana Baier Krepsky

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A FUGITIVARomance

Registrado na Fundação Biblioteca Nacional em 2014 sob o Registro n. 659.041, Livro 1.269, Folha 110. Protocolo do

Requerimento: 2014RJ18916.

A FUGITIVA

Adriana Baier Krepsky

Parte I

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A música pulsava deliciosamente, com as graves batidas ecoando pela sala escura riscada de vez em quando por feixes coloridos que denunciavam as figuras humanas irrequietas que dançavam loucamente na pista cheia. No meio da turba extasiada, uma moça alta, de porte atlético e longos cabelos livres e soltos, balançava harmoniosamente aos ritmos pulsantes, os olhos semicerrados de prazer com as batidas eletrônicas que lhe lavavam a alma e vaporizavam todo o stress da semana. As noites no StarMotus não eram apenas seus momentos favoritos de descontração e, sim, sua terapia, seu culto religioso e um lado alternativo da sua vida. As pessoas ao seu redor, sombras indistintas solidárias ao sentimento coletivo de culto ao DJ, acompanhavam-na indiferentes a ela, seguindo-a nos pulsos retumbantes, enquanto curtiam o som e a dança. Outras a olhavam com inveja ou com estranheza, julgando-a certamente alheia a tudo devido à ação de alguma droga. A maioria dos frequentadores do StarMotus fazia uso de drogas, e não era raro ver o comércio acontecendo ali mesmo, em meio à música e à diversão noturna, sem que isso, entretanto, atrapalhasse ou denegrisse o ambiente e o espírito noturno dos fiéis.

A moça de vez em quando espreitava um rapaz ruivo e sardento que permanecia desde o começo da noite a um canto da pista, ora cumprimentando os passantes e entabulando uma rápida conversa, ora admirando a massa pulsante, em perfeita harmonia com a música. Logo um menino aproximou-se dele, perguntando algo. Ele assentiu e tirou um saquinho plástico do bolso. O menino o pegou, entregou-lhe algum dinheiro e se afastou rápido, sem olhar para trás. O rapaz examinou minuciosamente a quantia recebida, imediatamente guardando-a no outro bolso. A moça, que tudo observava, diminuiu o ritmo da dança, embalando-se sutilmente enquanto se dirigia em direção ao rapaz, que não demorou muito para percebê-la e olhá-la inquisitivamente. A moça abriu um tímido sorriso e, aproximando-

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se mais, tocou-lhe gentilmente o quadril perguntando, encarando-o diretamente com seus olhos muito azuis:

- Me disseram que você tem bala, é verdade?Ele a olhou desconfiado com os olhos verdes e perscrutadores, mas

logo retribuiu o sorriso e respondeu:- Sim, 40 uma.- Uma amiga minha quer. Vou levar para ela. - disse a moça, entregando-

lhe o valor e logo recebendo um minúsculo saco plástico com uma pílula branca dentro, sobre a qual se via um desenho de um coração gravado em baixo-relevo. A moça imediatamente o guardou no bolso, envolvendo o pescoço do rapaz com os braços bem torneados e dando-lhe um longo e caloroso beijo automaticamente retribuído pelo rapaz, que lhe tocou o quadril, descendo ao bumbum firme da moça, colando-se a ele enquanto as mãos tornavam-se mais firmes ao acariciá-lo.

- Vai trabalhar mais ainda hoje ou já está dispensado?- Não, hoje já deu...- Vamos sair daqui, então?Ele se surpreendeu com a oferta, abrindo ainda mais o sorriso

sedutor, os olhos se abrindo de desejo e interesse. Ela se afastou um pouco e, de mãos dadas, ambos se afastaram dali rumo à saída.

Enquanto pagavam, a mulher do caixa olhava taciturna para a moça, que se deixava acariciar pelo rapaz cada vez mais excitado, que examinava suas formas e contornos, buscando novos pontos de carícias e prazer.

- Vamos com o meu? Eu parei ali na próxima rua. - disse a moça, conduzindo-o pela mão. Ele assentiu concordando, seguindo-a fielmente. Eles caminharam até a rua na próxima quadra, mais mal-iluminada, onde uns poucos carros estavam parados aqui e ali, sem perceber que duas formas humanas passaram a segui-los discretamente. Dois homens se aproximaram agilmente por trás do casal, logo segurando o rapaz com força, ao mesmo tempo em que a moça se afastava rapidamente respirando aliviada.

- Vendendo bala adoidado, hein? - disse um dos homens, mostrando o distintivo policial para o rapaz que o encarava assustado, cujos olhos arregalados passaram dele para o outro homem, que já lhe colocava algemas e, finalmente, para a moça que nem o olhava mais, aproximando-se dos dois homens.

- Ele vendeu doze hoje. Tem mais no bolso dele. - disse ela, ajeitando

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a blusa e a saia amarrotadas pelas mãos antes ansiosas do rapaz, cujo semblante agora desiludido deixava transparecer frustração e enorme surpresa.

- Você é policial? - murmurou ele, os olhos visivelmente espantados.Ela nem respondeu, afastando-se indiferente, enquanto que um dos

homens o enfiava dentro da viatura estacionada atrás de uma árvore ali perto. Mais outra viatura estava próxima dali, com outros dois policiais, estes fardados, divertindo-se com a cena e com a surpresa do rapaz.

Os dois homens entraram no carro, que logo foi embora levando o traficante estarrecido, que ainda a olhava surpreso pela janela. A moça dirigiu-se aos dois policiais fardados, que entravam novamente no carro. Ela os cumprimentou como sempre, sentando no banco traseiro e respirando aliviada.

- Mais uma missão cumprida... - falou um deles, ao que a moça perguntou:

- E o chefe dele? Algum sinal?- Não... Tomara que esse aí diga alguma coisa útil, dessa vez.- Eles nunca dizem... - retrucou ela, colocando as mãos nos bolsos

enquanto olhava distraidamente para fora da janela. E de repente, sentiu o saquinho plástico. Esquecera completamente dele. Os dois policiais na viatura nada perceberam, e a moça permaneceu em silêncio, enquanto a viatura se afastava do StarMotus.

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Alexia entrou no bar cheio àquela hora, ignorando os olhares cobiçosos que a escaneavam de alto a baixo, interrogando-se internamente se ela seria a mais nova mercadoria da casa. Ela passou pela mulher voluptuosa ao caixa, que ergueu os olhos muito maquiados da garrafa de vodka que acabava de fechar para olhá-la séria, enquanto a moça rapidamente a cumprimentava:

- Oi, mãe.- Tem clientes de sobra hoje, as meninas não estão dando conta.- Problema delas, que sejam mais rapidinhas...A mãe suspirou seriamente, firmando as mãos sobre o balcão e

dizendo, sem esconder o desgosto e desaprovação:- Aqui você está mais segura, Alexia! Por que não tenta uma vez?

Não é tão ruim, assim!Alexia se afastou bufando, a tempo de responder impaciente:- Eu já faço isso toda noite, mãe! Só que com outro propósito. - e

entrou por uma porta aos fundos, que levava para o jardim lá fora, fechado aos clientes do bar e aberto à noite nebulosa e úmida. Alexia passou pelas árvores frondosas e o gramado bem aparado, logo vendo o homem que a esperava de pé, sob o único poste de luz do jardim, as mãos nos bolsos e os pés inquietos. Ele ergueu os olhos para a moça que chegava e que, ao se aproximar dele, reportou solenemente:

- Um rapaz foi pego hoje. Doze ecstasys vendidos e mais dezoito no estoque pessoal dele.

- Sim, eu soube. Muito bem. - disse o homem, aprovando. - Eles estão gostando do seu trabalho.

A moça assentiu seriamente, dando margem, entretanto, a uma rápida e sutil descontração:

- Pena que o preço seja o que eu mais gosto. Não ficar mais para curtir o resto da festa.

O homem ergueu as sobrancelhas preocupado:- Isso seria perigoso para você. Aliás, nada de voltar lá por uns

meses, certo?- É, seu sei... - disse ela, baixando o olhar para a grama verde-azulada

à luz da noite e do poste. - Ainda sem sinal do chefe deles. - acrescentou ela, erguendo o olhar para o prédio do bar, à frente deles. As janelas fechadas do segundo andar deixavam escapar fios de luz interna, denunciando a luxúria comercial que acontecia lá dentro. O homem

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sorriu fracamente, assentindo.- Ele vai aparecer. - E, mudando o tom, anunciou, seriamente:

- Amanhã vai ter um recrutamento de novo, num galpão à beira da autoestrada. Os rapazes receberam uma denúncia. Eu quero que você vá lá e receba o material para ir ao próximo ponto.

A moça assentiu obediente, perguntando:- Quantos nós seremos?- Você, os dois agentes de hoje e mais seis policiais. Eles virão buscá-

la aqui às duas e meia da manhã.A moça assentiu novamente e se afastou em direção à casa além do

jardim, escura e vazia àquela hora, sem nada mencionar do saquinho com o conteúdo que ainda estava em seu bolso.

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Alexia caminhava vigorosamente na esteira, ao som eletrônico das músicas que a embalavam durante suas sessões de trabalho e no exercício físico diário. Caminhar aceleradamente como que compensava todas as festas que ela já não podia mais ir, pelas horas a fio em que costumava dançar, incansável e apaixonadamente. O ritmo frenético impulsionava-a ainda mais nos passos fortes e precisos, acelerados em harmonia com as batidas sonoras e graves ecoando pelo quarto amplo e ventilado e deixando sua mente divagar despreocupadamente, para bem longe. Os ritmos da música eletrônica do StarMotus ainda ecoavam deliciosamente na sua mente, e ela lamentava a escolha feita há meses atrás, quando foi convidada a colaborar com a operação antitráfico. Ela concordara mais para fugir da insistência da mãe para que ela trabalhasse no bar do que por querer combater o tráfico de drogas nos clubs noturnos. Ela nada tinha contra quem usava ou comercializava drogas. Nunca tivera problemas com pessoas assediando-a para usá-las ou que a discriminavam por não usá-las. Nem jamais usara drogas alguma vez, apesar de a maioria das pessoas acreditarem no contrário. Sua presença na vida noturna embalada pela ressonante música eletrônica nunca fora muito percebida, pois era fácil perder-se em meio à multidão extasiada, de mãos e braços agitando-se ritmicamente ao alto.

Antes de ter sido discretamente abordada pela polícia, Alexia já tinha sido observada e seguida, para ver se ela realmente não comprava ou não tomava algo. Depois de muito tempo acompanhando-a, finalmente concordaram que ela estava à margem do tráfico local, alheia ao que os outros lucravam ou alucinavam. Então veio o convite. E uns dias para pensar, que Alexia não utilizou. A única dúvida e receio era em relação à única fonte de prazer da qual ela teria que abrir mão. Alexia adorava sair para dançar, perder-se em meio a uma multidão pulsante e vibrar com as batidas fortes da música eletrônica irrequieta. Mas uma vez que

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começasse a caçar os traficantes noite afora, ela não mais poderia voltar àquele mesmo local durante algum tempo, a fim de não ficar marcada, nem vir a ser atacada por quem a quisesse fora de ação.

O conformismo e segurança da decisão a mantinham firme no seu trabalho, obedecendo e seguindo as instruções fiel e automaticamente, sem demonstrar qualquer sinal de resignação ou arrependimento. Entretanto, quando em casa, toda a vontade de dançar e pular que fora reprimida quando em ação era agora despejada com fúria e vigor sobre a esteira elétrica. O suor escorria ininterruptamente enquanto ela caminhava rapidamente, levando embora calorias e frustrações, vontades e desejos não satisfeitos durante as sessões de trabalho. Ela se lembrava do rapaz ruivo que tivera na noite anterior, de olhos verdes e tristes e mãos que sabiam muito bem o que fazer. Por aquele breve momento, sentira com gosto as carícias e abraços, o longo beijo que quisera ter durado um pouco mais. Alexia por vezes se sentia sozinha, apesar de estar quase sempre cercada mais por homens do que por mulheres no seu trabalho. E a maioria deles provavelmente com esposa e filhos, uma vida já feita, apesar de Alexia acreditar que não seria uma boa ideia se envolver com alguém do trabalho. Sua maior preocupação era fazer direito o que lhe era requisitado, sem pestanejar ou oscilar. E se entregar a quem iria prender. Se ao menos eles tivessem lhe dado algum tempo a mais, poderia mesmo ter transado com o rapaz, o que teria feito com gosto e prazer. Mas a patrulha sempre já a esperava lá fora, observando-a de longe, para sua própria proteção. E para o sucesso da operação.

Alexia suspirou conformada e seguiu vigorosamente com a caminhada, desviando o olhar perdido para o sol que se punha no horizonte de prédios enfileirados, o amarelo dourado do céu espalhando-se como ouro derretido sobre a cidade que de novo começaria a se agitar para a vida noturna.

Uma hora e meia depois, após ter se alongado longa e detalhadamente, Alexia deixava a água do chuveiro levar embora sonhos e desejos. E enquanto se vestia mais tarde, antes de sair, pensava no que iria dizer e fazer ao chegar no galpão. Somos nove, mas eu vou entrar sozinha. Quero comprar trinta. Quando eu devo pagar, com quem devo falar, qual o próximo ponto bom, vai ter uma rave onde... Ela planejava o diálogo enquanto se maquiava, contemplando depois em frente ao espelho o corpo magro e vigoroso metido em uma combinação adequada

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de minissaia com blusinha e bijuterias, cores e brilhos próprios para uma frequentadora da noite. Tudo em ordem, sedução em cima e tranquilidade dentro, pensava ela, suspirando. Lá vamos nós de novo.

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Naquela madrugada fresca e agradável, o céu da noite deixava ver de vez em quando alguma estrela que piscava sorrateiramente, como que espiando curiosa a moça que caminhava sozinha em direção a um galpão de contêineres, perto da autoestrada que levava para o litoral. Ninguém estava à vista, mas Alexia distinguiu dois carros estacionados mais além do galpão, escondidos pelas sombras da construção fria e solitária. Ela se dirigiu a uma entrada na lateral, penetrando no ambiente semi-iluminado a tempo de ver um grupo de pessoas conversando mais ao fundo. Levava consigo ainda o saquinho plástico com o conteúdo secreto. Usaria-o como ajuda, testemunho, qualquer coisa, se realmente precisasse. Ela viu alguns jovens rapazes discutindo algo com homens mais velhos, e algumas moças também, novas e ingênuas, que igualmente recebiam pequenos pacotes e instruções detalhadas, ouvidas respeitosa e atentamente. Os homens viram Alexia se aproximar e, quando ela finalmente chegou mais perto, um deles disse, com firmeza e censura:

- Por que só agora? Foi combinado às duas em ponto.- Desculpe, eu tive algum trabalho para me livrar do meu ex... - Alexia

entabulou, embaraçada.Os meninos e moças mais jovens logo saíram dali e os três homens

cercaram Alexia, enquanto outros dois permaneciam sentados mais adiante, observando a cena desinteressados.

- Já sabe como funciona, não é? - perguntou um deles, encarando-a. Alexia assentiu obediente, acrescentando:

- Sim, eu só preciso saber quando pagar e com quem eu falo depois de tudo vendido.

Ele lhe entregou o saco plástico cheio de comprimidos azuis, encarando-a ainda inquisitivamente. Ela o olhou também, impassível, finalizando:

- Tudo certo, então?

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- Certíssimo... - disse ele, com um leve sorriso que a moça desconsiderou, afastando-se dali em direção à saída.

Alexia guardou na bolsa o saco plástico cheio de ecstasys que tinha acabado de receber dos homens no galpão, e ia voltar para junto dos seus companheiros, mas eles não estavam lá. Não estavam onde supostamente deveriam estar, e a moça viu-se sozinha ali, quando de repente várias viaturas desconhecidas cercaram o prédio e luzes fortes foram apontadas para ela, cegando-lhe a visão, ao mesmo tempo em que vozes lhe berraram:

- Parada aí!! Mãos para cima!!Alexia estacou estupefata, mas, acreditando ser parte da encenação

de seus colegas, obedeceu.Os homens do galpão saíram tranquilamente, indo se juntar às

viaturas, sob os olhos espantados e interrogativos da moça, que agora já não entendia mais o plano. Logo alguns policiais desconhecidos aproximaram-se dela, com uniformes diferentes que ela não reconheceu.

- Eu trabalho para a polícia daqui! - disse Alexia, o rosto agora visivelmente preocupado.

- Sim, nós sabemos. - disse um dos homens do galpão, ao lado do policial que a algemava. E, voltando-se a ele, ordenou:

- Manda ela para onde ela não consiga voltar de jeito nenhum!- Sim, pode deixar, ela vai ficar fora muito tempo.- Para sempre! – corrigiu veementemente o homem, afastando-se.- Vocês não estão entendendo, isso foi planejado, falem com...- Cale a boca! - berrou um deles, enfiando-a dentro de uma viatura

que, assim que todos entraram, partiu dali. Em poucos minutos, o galpão e toda a área estava vazia e silenciosa, como se nada tivesse acontecido por ali.

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Parte II

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Já fazia alguns anos que aquela prisão fora construída, em um outro planeta longe o suficiente da Terra. O cativeiro localizado no inóspito planeta encerra tanto os piores criminosos já vistos pela parte conhecida da galáxia quanto os menos perigosos, destinados ao esquecimento, num misto de algazarras selvagens e conflitos frequentes, entre os prisioneiros entre si e guardas mal-humorados. Pelas celas repletas dos mais estranhos semblantes, ouviam-se gemidos de dor arrepiantes e guturais ou gritos de xingamentos e pragas.

No meio dessa confusa desordem, uma jovem terráquea vagava sorrateiramente pelos corredores obscuros e fedorentos. Alexia caminhava cautelosamente pelo cativeiro, olhando com cuidado e atenção por todos os lados, com a frágil esperança de conseguir a liberdade, tão almejada naquela prisão e por ela mesma, injustamente colocada ali. Sempre fora atlética e magra, mas os dias ali a tinham tornado pálida e esquálida, entretanto, sem conseguir lhe tirar a determinação de fazer algo, uma vez implantada a ideia. E a última que tivera faiscava-lhe internamente, a de sair dali, custasse o que custasse.

Apesar de ter se comportado bem e ter sido obediente e submissa aos guardas dali, estes sempre lhe foram grosseiros e implacáveis e Alexia não relutou nem lamentou ter usado de sutil agressividade para conseguir fugir. Com golpes certeiros recheados de raiva e determinação, conseguiu escapar da cela e dos guardas e, com rapidez eficiente, alcançou a saída lateral que levava ao pátio de pouso das naves. Foi com muita dificuldade que disfarçou bem ao percorrer os lúgubres corredores, onde os presos lhe chamavam desesperadamente, prometendo ricas recompensas ou vociferando terríveis ameaças.

Foi com inexprimível alívio e prazer que ela finalmente avistou o tão desejado campo de aterrissagem logo à frente, exibindo várias naves e cargueiros, cercados de trabalhadores atarefados carregando coisas para todos os lados. Uma pequena nave a um canto discreto

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mais próximo preparava-se para alçar voo, uma vez terminados os carregamentos. A moça apenas sondou com os olhos os arredores e, vendo-se ainda despercebida, precipitou-se em direção à navezinha, cuja porta da área de carga se erguia lentamente. Alexia voou para dentro do compartimento. A porta fechou-se completamente, escondendo sua carga preciosa. A pequena nave levantou voo com um grosso e ruidoso vapor, partindo velozmente em direção ao infinito lá fora, para onde Alexia não queria nem saber, contanto que fosse longe dali.

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Alexia não soube exatamente quanto tempo estava trancada entre as cargas. O tempo ali era-lhe desconhecido e incontável. Para passar o tempo, fazia seus exercícios físicos costumeiros, alongava-se e examinava as cargas, na maioria alimentos. Alguns ela consumia, antes de adormecer de qualquer jeito, em algum canto mais obscuro, longe da porta. Entretanto, seu plano original não lhe saía da mente: a ideia de chegar a um outro mundo, onde ninguém a conhecia e onde poderia recomeçar uma nova vida, diferente da que levava na Terra. Aquela nave entregaria aqueles alimentos em algum lugar e, pela quantidade, deveria ser em uma cidade ou povoado com um número considerável de pessoas, onde ela poderia se misturar, sumir, recomeçar. A ideia a acalentou e ela adormeceu sonhando em caminhar ao ar livre de novo, sem ter que cuidar da própria retaguarda, sem precisar sempre ver se alguém a seguia. E, com o pensamento mais positivo do que nunca, permitiu-se deslizar suavemente para o mundo dos sonhos, incerto e misterioso, deixando vir o que viesse.

Ela acordou mais tarde, surpresa ao ouvir vozes lá fora. Ruídos de passos se aproximavam da nave. Alexia sentiu o coração se acelerar animado ao adivinhar terem chegado finalmente em algum lugar. Aliviada e na expectativa positiva, a moça chegou a sorrir sozinha, com a mente iluminada de novas ideias e planos, com os olhos úmidos a fitar o teto escuro que parecia lhe dizer algo ou lhe inspirar qualquer coisa. Estava finalmente livre.

Logo, ouviu alguém se aproximar da porta do compartimento de cargas. Alexia correu a se esconder atrás das mercadorias mais ao fundo. A grande e pesada porta se abriu guinchando preguiçosamente e alguém entrou, começando a retirar as caixas dali. A moça pegou uma caixa e saiu caminhando tranquilamente do compartimento, como uma obediente e impassível empregada. Depositou-a junto das outras e, num instante em que ninguém lhe dava atenção, escapuliu ligeira

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e correu a se esconder atrás de algumas rochas ali perto. E finalmente deu uma olhada ao redor do lugar aonde tinha vindo parar. Era um lugar aberto e rochoso, quente e seco, com uma pequena pista plana para as naves que vinham ou partiam. No momento, aquele e mais outros dois cargueiros eram as únicas naves ali, mas o movimento de seres andando de lá para cá era intenso e irrequieto, todos ocupados e alienados ao que se passava ao redor do campo de aterrissagem. O céu cinzento completava-se com um sol fraco suavizado pelas densas nuvens, com um ar levemente pesado, mas bem aceito por seus pulmões terráqueos. Entretanto, a moça surpreendeu-se ao nada ver ao redor a não ser rochas e areia. Aquilo parecia ser um verdadeiro deserto, mas mesmo assim ela não desanimou, nem mudou de ideia.

As cargas da nave foram todas colocadas em um veículo, abarrotado de homens sentados sobre as caixas e um deles dirigindo, e que logo se afastou dali por uma estrada vazia e poeirenta. Alexia decidiu seguir andando por aquela mesma estrada que, com certeza, levaria a algum lugar, de preferência habitado e construído.

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Alexia andou por muito tempo pela estrada solitária e suja por onde, instantes antes, passara o veículo com as cargas da nave que a trouxera até ali. Não desistia de prosseguir em frente, entre rochas e mais rochas, areia e calor. Sentia já fome e sede, mas nada havia ali. O sol brilhava insistentemente, causando miragens de lagos no horizonte, que logo depois desapareciam...

Ao anoitecer, ela ainda caminhava. O sol pousara placidamente no horizonte avermelhado, manchando os montes secos de rosa e dourado. Não parava de andar, certa ainda de que valera a pena fugir. As estrelas piscavam freneticamente, encorajando-a e iluminando seu caminho solitário. Não havia qualquer brisa, e o silêncio ali chegava a ser angustiante. Nem mesmo o som de algum inseto ou animal. Alexia olhava ao redor e vez ou outra voltava os olhos preocupados para a estrada que percorrera, mas ninguém nem nada estava à vista.

Finalmente, mais à frente, pareceu-lhe ver algo cintilando à luz noturna, como que se movendo mansamente, deslizando pelo nada. Alexia aproximou-se mais, curiosa e intrigada, quase já acreditando ser outra miragem... Mas era noite agora. E miragens eram causadas mais pelo sol que pela lua. E ali não havia lua alguma. Ao aproximar-se mais, abriu um largo sorriso de contentamento ao ver um plácido lago, logo à sua frente, calmo e silencioso, refletindo timidamente a luz das estrelas. Imediatamente, Alexia correu a despir-se e pulou na água límpida e fresca, não muito funda, mas suficiente para lavar-lhe o corpo magro e rígido, sujo e empoeirado depois de tanto tempo de descuido... Aproveitou também para beber, apesar de estranhar o gosto um pouco diferente. Mesmo assim, continuou esfregando com gosto a pele e lavando os cabelos e, depois de refeita e finalmente limpa, deitou-se na margem, adormecendo aliviada e exausta.

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O calor do dia seguinte despertou-a e subitamente a relembrou de onde estava e do que se passara. E, depois de um novo banho e de beber mais água, Alexia prendeu os longos cabelos em uma comprida trança e se levantou espreguiçando-se com gosto, para então retomar a caminhada rumo ao seu próximo destino.

Depois de novamente muito andar, quando o sol já ia bem ao alto, Alexia finalmente distinguiu roncos de motores e ruídos de vozes. Temerosa mas cheia de curiosidade, a moça se aproximou da fonte dos ruídos e, subindo por um planalto, lá de cima avistou a estranha cena. Na imensa planície cercada por colinas secas, havia uma base feita de rudimentares construções, grosseiras e de concreto. Dali entravam e saíam diferentes pessoas e seres, ocupados e inquietos, levando e trazendo coisas ou conversando uns com os outros. Transportes pequenos corriam de lá para cá, enquanto que outras pessoas seguravam fortemente uma grossa e comprida mangueira, que sugava um líquido cinza prateado de um poço estreito. A barulheira e gritaria eram constantes naquela agitação, enquanto que o misterioso líquido corria até grandes tanques.

Alexia observava aquilo tudo petrificada, tentando imaginar o que era aquela substância que tiravam dali. Ninguém ali usava uniforme algum e aquilo tudo lhe parecia muito estranho. Começou a temer aquilo e a concluir que seria melhor sair dali, de preferência despercebida.

De repente, um grito bravo e cavernoso atrás de si fê-la voltar-se assustada, a tempo de ver um homem enorme e peludo, muito sujo e nada amigável, a gritar-lhe algo em uma língua desconhecida e apontando-lhe uma arma. Alexia estremeceu olhando-o sem saber bem o que fazer, mas instantaneamente jogou-se colina abaixo, rolando para o vale lá embaixo. O homem já berrava alto chamando outros e Alexia disparou correndo para o meio das construções com o coração aos pulos. Um cortejo furioso pôs-se em perseguição da jovem

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espiã, que fugia espavorida em direção a um acampamento repleto de tendas armadas e separadas entre si por largos espaços. Na tentativa de arranjar logo um esconderijo, Alexia entrou numa tenda qualquer. Mas imediatamente estacou espantada e receosa ao ver lá dentro um rapaz humano. Ele fitou-a espantado e, ao vê-la recuar para tornar a fugir, apressou-se em dizer:

- Espere! Eu não vou machucá-la!Alexia paralisou-se no lugar, temerosa e sem saber ao certo o que

fazer ou dizer, limitando-se a encará-lo hesitante. Ele era da Terra, mais ou menos da sua idade, de cabelos negros contrastando com a pele clara e os olhos também negros e brilhantes, que a fitavam surpresos apesar do sorriso gentil que aos poucos foi aparecendo.

- Quem é você? Está perdida?- Não... Quero dizer... Desculpe por invadir sua tenda, foi sem querer

e não sabia que havia alguém aqui.- De onde vem? Você é da Terra, não é?- Sim, meu nome é Alexia.- Eu sou Robson. - disse ele, largando o que fazia em um balcão atrás

de si. - O que faz aqui em Leesland?- Eu... estou só de passagem! Meu pai veio trazer mantimentos... -

disse ela, encabulada.- Seu pai? – espantou-se ele.- Sim... - disse ela, já arrependida da mentira.Súbito, um outro homem entrou na tenda, igualmente rude e sujo,

de aspecto macabro e que logo reparou na moça ali. Robson o percebeu e logo lhe perguntou:

- Pois não?- Richiel quer vê-lo. - respondeu ele, saindo logo em seguida.- Sente-se. - disse o rapaz amavelmente. Alexia acomodou-se com

prazer sobre algumas almofadas a um canto. O rapaz sentou-se ali perto e, notando o nervosismo da moça, indagou:

- O que foi?- Eu... menti para você.- Sobre o quê?- Não tenho pai. Fugi de... quero dizer, vim parar aqui por engano.O rapaz desviou os olhos pensativo e, ouvindo o ronco estomacal da

moça, perguntou com um riso:- Está com fome?

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- Sim... – disse ela, corando e rindo envergonhada.- Então vamos comer algo primeiro, depois vamos lá com Richiel.

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Logo que entraram na outra tenda, Alexia imediatamente percebeu com desconforto que era o centro das atenções e sentiu um longo calafrio que a fez estacar e recuar. Sentiu-se mal e constrangida, certa de que estava encrencada. Entretanto, parte do seu temor foi meio que aliviado ao ver o terráqueo que se destacava do outro lado da tenda e que a encarou com os olhos negros e profundos, com um brilho astuto e desconfiado. Era alto e um pouco mais velho, de cabelos crespos e negros em uma perfeita ordem desalinhada. Ele a escaneou de alto a baixo e logo abriu um largo sorriso de dentes perfeitos, dizendo com a voz grave e macia:

- Então esta é a nossa visitante que descobriu nosso segredo!Alexia meneou a cabeça sem entender, indagando:- Segredo?- Sabe muito bem do que eu estou falando. – insistiu ele, aproximando-

se dela inquisitivamente, com os olhos brilhantes e especuladores.- Não sei nem o que é, nunca vi algo assim antes.- Claro que não. Mas se o descrever às autoridades, eles saberão!- Eu não faria isso... - ela tentou prometer, receosa.- Claro que não. Mas iria querer sair daqui, não é mesmo?- Claro, não há nada para mim aqui.- Tem sim! - disse ele, encarando-a profundamente ainda mais de

perto e alargando o sorriso leitoso. - Há uma nova vida para você aqui. Não era isso que queria? Não foi por isso que fugiu da prisão?

- Como foi que... ? - Alexia perguntou espantada e ele riu vitorioso, continuando: - Eu lhe proponho o seguinte: ou você fica para sempre, trabalhando para mim, ou volta para a prisão de onde fugiu!

- Se eu ficasse, teria chances de fugir, pois há sempre naves chegando naquele campo de pouso lá longe.

Ele sorriu novamente, derretendo-a por dentro e disse, com aquela mesma voz grave e macia que lhe aqueceu o coração solitário:

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- É verdade! Então diga-me algo: sempre cumpre o que promete?- Sim. – assentiu ela.- Então me prometa que ficará para sempre aqui. Ou quer voltar para

a prisão imunda?- Se eu voltar para a prisão, poderei denunciá-los lá.- Você é sempre assim sincera? - riu ele, sem esconder a surpresa. -

Que ótimo! Mas acha que eles acreditariam em você?Alexia baixou os olhos incertos e falou, tristemente:- Vou pensar sobre isso.

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Durante o tempo em que pensava no que fazer, Alexia ficou encerrada na tenda de Robson. Comia e bebia quando tinha necessidade e os dois conversavam muito enquanto juntos. E a moça lhe contou como vivia na Terra, antes de ter sido presa. O rapaz a ouvia atento e impressionado e lhe perguntou no final de todo o relato:

- Não sabe quem a traiu?Alexia o olhou surpresa, mas balançou a cabeça baixando os olhos:- Não, mas não importa mais. Eu não vou voltar para lá, mesmo...- E para onde vai? - tornou a perguntar o rapaz, interessado. Ele a olhava

amistosamente e Alexia ficou feliz em poder conversar sinceramente com alguém, algo que não fazia já há muito tempo. Gostava dele, mas estranhamente também gostou de Richiel. E era ainda mais estranho ver aqueles dois homens vivendo ali naquele deserto, no meio do nada, cercados apenas de brutamontes e um líquido misterioso que certamente lhes dava algum lucro.

- Se você ficar, podemos ser bons amigos. - disse Robson, despertando a moça.

Ela sorriu levemente, agradecida.- Seria ótimo, mas ainda não exatamente confio em vocês. O

que fazem aqui? E o que é aquilo que eu vi lá fora? - perguntou ela, visivelmente intrigada.

Ele riu e disse, após um breve sorriso:- Está certo... Eu também não confiaria tão logo.- Não sei o que decidir. - disse ela, suspirando e se afastando um

pouco.- Eu preferiria ficar aqui.- E trabalhar como escrava? Mas nunca! Você diz isso porque já mora

aqui. Se eu voltar para a prisão, depois de cumprir pena eu estarei livre!- E ficar aguentando aqueles selvagens? Fora os anos de castigo que

eles lhe darão!

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- Estavam me transferindo para a ala mais calma antes de eu decidir fugir... – lamentou ela.

- É, mas depois que você fugiu, vai voltar para o mesmo lugar!- Vou ficar lá até cumprir minha pena. Justa ou injustamente.- Injustamente, pelo que ouvi. - brincou ele. Mas ao ver o ar decidido

da moça, entristeceu-se e disse:- Vai mesmo voltar para lá?

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Alexia apresentou sua decisão a Richiel, que se limitou a lhe sorrir ironicamente. Só Robson parecia realmente descontente. Antes de partir na pequena nave que a levaria de volta para a prisão, a moça fitou mais uma vez o rapaz e ele a olhava entristecido, mas com um ar de conformação. Alexia aproximou-se dele e disse:

- Você foi muito legal. Não vou esquecê-lo.- Você foi minha única amiga. - revelou ele.Alexia sentiu-se comovida e embaraçada, mas voltou-se e se dirigiu

à nave, não sem antes voltar os olhos azuis e profundos para Richiel que, a distância, observava tudo impassível, mas encarando-a ainda com um brilho no olhar misterioso. Alexia ainda o contemplou por um breve tempo, com um aperto no coração. Ele era realmente bonito. Mas logo virou as costas e embarcou. A navezinha alçou vôo ruidosamente. De uma das janelas, Alexia viu Robson acenar-lhe. Acenou-lhe também e, mais uma vez, voltou os olhos para Richiel, que ainda a observava.

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Na cela mal-iluminada e fedida, Alexia sentava-se sobre uma das camas do beliche de encosto à parede. Os guardas, que já não lhe eram amistosos, agora eram ainda mais grosseiros com ela, mas a moça não se importava. Os dias se passavam lentos e tediosos, mas Alexia sabia que nada podia fazer senão deixar o tempo passar.

Sua companheira de cela, uma corpulenta kroleana, falava para as paredes, calando-se somente para tomar fôlego. Era uma ex-prostituta traficante de drogas, com a pele esverdeada salpicada de pontinhos roxos. Os olhos dourados e inquietos fitavam o exterior da cela com aborrecimento e suas mãos não sabiam mais o que fazer.

- Que saco! Há quanto tempo que não sinto um calor kroleano! - resmungava ela. - Também pudera, por aqui não há nem um macho decente! São todos uns porcos robôs!

E, notando o ar distante e sonhador da moça, zangou-se e reclamou a altos brados:

- E você aí, nem me ouvindo, não é? Eu aqui, falando para as paredes e você aí sonhando!

- Desculpe, Rhatzyn! Mas não estou muito a fim de conversar hoje... - disse ela, suspirando, com os olhos baixos e distantes.

- Não me diga que ainda está pensando em Leesland? Oh, por favor! - e fez uma cara feia, colocando ambas as mãos no largo quadril - Saia de lá, menina! Você já está marcada!

- O quê? - perguntou Alexia, subitamente interessada, mas sem entender.

- Agora que descobriu aquele contrabandista, não vai esquecê-lo tão facilmente, não é? Eu sei que ele é um tigre, mas é muito sujo!

- Como sabe?- Ora, querida! Quantas vezes eu já não dei umas para ele!- Acredito... - disse Alexia, desviando o olhar conformado - Ele é

mesmo lindo.

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A kroleana, porém, deu-a por perdida, mas ralhou:- Cuidado, hein? Eu já fui propriedade dele e o conheço muito bem!- Conheceria o rapaz? - tornou a perguntar a moça.- Quem?- Robson. Ele também até que é bonito, e muito legal.- Um frouxo! Covarde como ele só!- Eu gosto dele. E de Richiel!- Ah, não! Este você tem que esquecer! Ele é um explorador nato,

aproveita-se de tudo o que encontra pela frente!De repente, um guarda se aproximou da cela e a kroleana

instantaneamente se animou, correndo a se aproximar dele, dizendo com um sedutor sorriso:

- Graças! Finalmente um macho para aqui!- Alexia. - disse ele, sério e impassível.- O quê! Prefere ela, é?- Transferência! - limitou-se ele a dizer.Alexia surpreendeu-se com a notícia, estremecendo com medo de

onde iriam colocá-la dessa vez. Mas mesmo sem obter mais detalhes, levantou-se submissa e deixou-se puxar pelos grilhões eletrônicos, enquanto que a kroleana lhe acenava tristemente.

Mas, para o seu maior assombro, o guarda a conduziu até o campo de pouso das naves, onde uma pequena nave esperava por ela.

- O que é isso?... - murmurou ela, apreensiva. E logo entendeu tudo com um estremecimento, ao ver ali Richiel e Robson. Aproximou-se deles e o homem lhe disse, abrindo o sorriso perfeito:

- Comportou-se bem, garota? Pensou que ia se ver livre de mim, é?- O que está fazendo aqui? - perguntou ela, temerosa.- Bem, eu e meus homens faremos uma longa viagem e, como só

temos homens a bordo, eu...Ela recuou com medo e logo atalhou:- Eu não vou servir de brinquedo, como você sempre faz com tudo

o que vê pela frente.- Eu?? – disse ele, arregalando os olhos com espanto fingido.- Rhatzyn me contou.Ele voltou a sorrir:- Foi bem informada aqui, hein?- Tive bons amigos.- E vai continuar tendo! – acrescentou rapidamente Robson, com

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um fraco sorriso encorajador.- Não sei... - disse ela, recuando receosa. Entretanto, Richiel logo a

puxou pelos grilhões em direção à nave:- Muito esperta, garota! Mas isso não a ajudará em pleno espaço!E foi levada imediatamente para dentro da nave, escoltada pelos dois.

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A bordo daquela nave triste e escura, Alexia fora deixada em um pequeno depósito vazio, com apenas uma pequena janela pra lhe iluminar com a luz cósmica exterior que, entretanto, não lhe trazia conforto algum. A jovem cativa permanecia sob a fraca luz, pensativa e intrigada, sentada de encosto à parede. Os grilhões ainda lá lhe machucavam os pulsos, mas não era isso que a incomodava. Não entendia; não conseguia entender como podia ainda se sentir atraída por alguém que lhe tirava sua liberdade, sua esperança e a levavam para onde bem quisessem... Mas agora não poderia, nem tinha como voltar atrás. Tinha decidido fugir e fugiu, foi parar naquele planeta e naquele acampamento e agora estava ali, por causa do que tinha feito, e agora não havia mais como escapar. E, ironicamente, não queria escapar... dali. Era, por outro lado, fascinante ter todo um outro destino incerto pela frente, e poderia recomeçar de novo do zero e fazer tudo diferente. Talvez se não tivesse fugido da prisão não estaria sendo levada agora forçadamente para onde nem sabia... Mas por outro lado, não teria conhecido Robson e Richiel. E isso parecia ter sido a melhor coisa que lhe acontecera ultimamente.

- Por que está chorando, Alexia? - perguntou uma voz na escuridão. Alexia logo adivinhou ser Robson e voltou o olhar triste e surpreso ao rapaz que a fitava com certa pena, a distância. Ela nada respondeu, voltando a baixar o olhar e contemplar quieta o vazio lá fora. Ele se aproximou e ela voltou a olhá-lo interrogativa, para descobrir com alívio que ele trazia as chaves dos grilhões que ainda a prendiam.

Alexia se levantou e se aproximou dele, e o rapaz tomou-lhe as mãos delicadamente e destrancou os grilhões. Alexia deixou-se destrancar pacientemente, olhando-o de soslaio surpresa, enquanto ele ainda a fitava profundamente. Ele largou longe os grilhões e, imediatamente, cercou-a com seus braços e a beijou profundamente, ao que a moça correspondeu sem resistência. Tudo ao redor pareceu desaparecer, e

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ela própria amoleceu, deixando-se levar ao chão. Ele a despiu rápida e eficazmente e a amou ali mesmo, enquanto a luz lá de fora ainda cintilava sobre eles, que se abraçavam com gosto e prazer. Alexia deixou-se penetrar, sem nada ver ou nem se preocupar, enquanto tudo dentro de si parecia vibrar e derreter. Nem se lembrou de como acordou depois, apenas desejando que o tempo tivesse parado naquele instante.

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Alexia despertou mais tarde, tonta e interrogativa. Ela se levantou lentamente, olhando ao redor com desânimo. Dirigiu-se cambaleante até a porta, mas não conseguiu abri-la. Ainda estava trancada ali. As louças da sua última refeição tinham desaparecido, assim como o vestígio de que alguém estivera ali. Alexia começou a sentir um aperto enorme no peito, como se fosse asfixiar. Rondou por ali, andando em círculos e procurando por nem sabia o quê.

De repente, ouviu um estalido junto à porta e, antes que o seu mudo guardião pudesse deixar ali a nova refeição, Alexia precipitou-se porta afora, empurrando-o para o lado com toda a força que pôde juntar e saiu correndo pelos corredores com aquele aperto no peito aumentando ainda mais, como que querendo explodir. Uns raros e soturnos passantes a encaravam estacando surpresos, mas a garota os ignorava, olhando ao redor aflita à procura de nem sabia o quê. Até que chegou a uma grande janela, com a mesma vista de sempre: o escuro pontilhado de estrelas inquietas. Alexia colou-se ao vidro com os olhos arregalados, respirando pesadamente, até que tudo ao seu redor perdeu o foco e ela sentiu os joelhos tremerem e lhe tirarem o chão, que se afundava sob si. E foi com um certo alívio que uma dura pancada na cabeça tirou-lhe os sentidos, caindo pesadamente no chão frio e indiferente.

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Alexia recuperou aos poucos os sentidos, sentindo de repente algo frio e úmido na testa. Uma gota escorreu para um dos ouvidos e ela sentiu estar deitada confortavelmente sobre algo macio e limpo. Ouviu vozes numa língua estranha. Sentia a boca seca e engoliu com dificuldade. Ela abriu lentamente os olhos, para descobrir com surpresa e alívio que não estava mais no escuro e solitário depósito. Robson estava sentado ali ao seu lado, olhando-a com pesar e tristeza. Alexia olhou-o com carinho e gratidão e tentou se levantar, mas o cansaço ainda a vencia e ela respirou fundo, limitando-se a dizer:

- Estou com sede...Não demorou muito para o precioso líquido lhe descer pela garganta

já ardendo. O alívio foi imediato e ela bebeu mais, até se fartar.- Onde estamos? – finalmente perguntou ela, olhando-o surpresa e

interrogativa.- Perto de Omykron. - respondeu o rapaz. - O que estava fazendo lá

fora?- Não sei, eu precisava sair... - disse ela, embaraçada. - É um planeta?- Omykron? Sim, despacharemos lá o lixo e algumas mercadorias,

vamos pegar mais suprimentos, mas... Olha, não sei se Richiel vai deixá-la sair! - logo atalhou ele, vendo o brilho esperançoso cintilar nos olhos azuis da moça.

- Por favor, eu preciso!! Eu não aguento mais ficar presa entre quatro paredes! - ela se aproximou dele, suplicante. O rapaz limitou-se a fitá-la sério e penalizado e Alexia se levantou espreguiçando-se com gosto, mas logo se espantando ao ver suas próprias roupas que, apesar de rasgadas, estavam limpas, estando ela própria completamente limpa. Robson percebeu a interrogação da moça e gracejou:

- Já estava na hora, não é mesmo?- Onde está Richiel? - perguntou ela, desviando o olhar para a janela

mais ao fundo.

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- Deve estar na sala de comando.- Ele sabe que eu estou aqui?- Sim, eu falei com ele antes. Não gostou da ideia de ter que descer

em Omykron.- Por favor! Eu ficarei o tempo todo com vocês, só preciso de ar puro,

caminhar um pouco...Um ronco alto e estridente logo soou interrompendo-os e uma voz

forte anunciou algo nos interfones, em uma língua estranha à moça, que logo perguntou ao rapaz:

- O que disseram?- Nada de importante... – balbuciou ele, afastando-se dela e desviando

os olhos, mas a moça já voava com súbita energia para a janela, por onde ela pode ver um grande planeta esverdeado logo à frente deles. Alexia pensou nunca ter visto algo tão lindo, dizendo:

- É Omykron, não é?- Sim, mas... ouça! Não sei se Richiel vai deixar que desça lá!- Por favor! - implorou ela, com os olhos umedecendo-se. - Eu só

quero andar ao ar livre, correr um pouco! Se ele se preocupa tanto, que venha comigo, coloque-me grilhões de novo, mas por favor, eu preciso sair!

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Alexia entrou lenta e timidamente na sala de comando da nave, onde Richiel examinava os monitores e o trabalho dos homens que estavam lá. Robson logo se dirigiu a ele, mas a moça recuou temerosa a um canto, sob o olhar suspeito de um dos tripulantes. Assim que a viu, Richiel encarou-a surpreso e longamente, mas sem dizer qualquer coisa, e se dirigiu a um canto com o rapaz, que ainda lhe falava. Os dois discutiram demoradamente e Alexia não gostou muito da seriedade do homem, que claramente não gostava do que ouvia. Finalmente, ele pareceu concordar com o rapaz e tornou a fitar a moça demoradamente, com os olhos negros profundos e indecifráveis. Alexia o olhava de soslaio de vez em quando, torcendo intimamente para que tivesse seus breves momentos ao ar livre.

A nave finalmente pousou em terra com uma dura aterrissagem e, até então, Alexia não desgrudara os olhos da pequena janela. Assombrava-se com as florestas escuras e pantanosas, com uma fina névoa que encobria seus mistérios e um céu escuro que parecia jamais amanhecer. Alexia acompanhou os dois até uma base corleciana que havia lá, em meio a uma clareira próxima a um pântano. Felizmente, o ar era respirável, mas sentia-se o estranho odor que vinha do pântano.

Não demorou muito para que chegassem à base. E após passarem por guardas armados na entrada, um corleciano veio recebê-los. Era careca e mais velho, com olhos claros e frios e trazia um comprido bigode grisalho sobre o sorriso enigmático que se alargou aos ver os três visitantes se aproximando.

- Ora, se não é o contrabandista mais sacana que eu conheço! Bem-vindo, Richiel. E o tímido Robson!

- Olá, Platzer! - comprimentou-o Richiel, secamente. E disse, apresentando a moça: - Esta é Alexia, nossa... companheira de viagem.

- E que companheira, hein? Onde a encontrou?- Apareceu lá por Leesland.

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Alexia surpreendeu-se pelo termo usado por Richiel, mas se sentiu desconfortável com o corleciano a olhá-la com gosto de cima a baixo. Logo desviou o olhar receoso para Robson, que também não dava mostras de estar à vontade, e o corleciano soltou uma leve e grave risada.

Os quatro se dirigiram a uma sala espaçosa e confortável, com sofás macios, onde criadas logo vieram oferecendo algo para beberem. Richiel e o amigo se sentaram e beberam à vontade, enquanto conversavam com empolgação.

Alexia ficou a um canto com Robson. O rapaz parecia desconfortável ali e a moça sussurrou-lhe, perguntando:

- Vocês conhecem ele?- Sim, é um antigo negociador de Richiel.Enquanto conversavam, Platzer lançou um longo olhar interessado

para a moça e lhe sorriu de um modo que a fez estremecer. E ela voltou a sussurrar para o rapaz:

- O que eles estão conversando?- Nada... não sei. - disse ele, inquieto.- Então por que está tão inquieto?- Venha, vamos dar uma volta. - disse ele, levantando-se rapidamente

e levando-a pela mão.Saíram de volta ao ar livre, onde a noite ficara ainda mais escura,

e passearam pelos arredores dentro da base, sempre vigiados pelos guardas que os observavam a distância.

- Gosta daqui? – perguntou Robson.- Não é tão bonito quanto a Terra, mas pelo menos dá para respirar

algum ar puro aqui. É grande a variedade da fauna?- Não, nem é tão bonita. Mas alguns são muito gostosos. A flora,

sim, é bastante variada. O problema é a lama, aquilo é um verdadeiro pântano!

- Então deve haver muitos anfíbios.- Sim, muitos. E muitos insetos, também. É o que mais tem aqui. -

disse ele, com humor. Logo, porém, conteve-se e lhe revelou uma sacola que trouxera consigo, entregando-a à moça.

- Tome, vai precisar disso.Alexia abriu-a e viu um par de botas pretas e grossas, altas até os

joelhos.- É para a lama. Ajuda a caminhar. - ele explicou.

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- Vou precisar andar na lama? - surpreendeu-se a moça, fitando-o interrogativamente.

- Talvez. Experimente-as.A moça logo as calçou e, após girar e observar-se, abriu um sorriso

agradecido:- São ótimas! Obrigada.Chegada a hora da refeição, a conversa entre Platzer e Richiel

amainou. Comeram em silêncio os saborosos vermes, carnudos e suculentos. Apesar de ter até gostado do prato típico, Alexia inquietava-se percebendo que Platzer a encarava de vez em quando. A moça buscava apoio nos companheiros de viagem, mas ambos pareciam fugir do seu olhar.

Terminado o jantar, o corleciano foi mostrar aos hóspedes seus quartos, todos bem espaçosos e confortáveis, com móveis amplos e macios e enormes janelas. A noite já caía em Omykron, apesar de os dias serem também escuros, com os macabros ruídos que vinham do pântano. Richiel e Platzer conversavam a meia voz na sala e Alexia e Robson se sentaram mais afastados para jogar algo.

- Não sei por que conversam tanto. - comentou a moça. E percebendo o silêncio do rapaz, indagou-lhe: - Você sabe?

- Não. É a sua vez.Quando finalmente os dois homens findaram sua longa conversa, o

anfitrião se aproximou dos dois jovens, dizendo:- Muito bem! Hora de dormir.Os dois levantaram-se obedientemente e cada um foi para o seu

quarto. Antes de entrar no seu, Alexia estremeceu ao reparar que o corleciano lançou-lhe um longo olhar acompanhado de um obscuro sorriso. Logo entrou e fechou a porta, mas viu que não havia tranca.

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Alexia não conseguia adormecer, virando de um lado a outro, tensa e inquieta. A cama de algodão, limpa e macia, era muito confortável e a moça pensou nunca ter deitado em algo tão gostoso. Entretanto, sentia medo. Não de Richiel, nem do planeta. Medo do corleciano. Não gostou do modo como ele a olhava, muito menos de como lhe sorrira. Quis tanto descer ao planeta e desfrutar de um momento de liberdade, por mais frágil que fosse. Agora, não podia reclamar. Mas começava a se arrepender de ter pedido tanto para vir. Richiel estava certo no fundo, não querendo descer ali. Por que não confiara nele? Ele sabia sobre Platzer. Conhecia-o e provavelmente já sabia o que aconteceria.

De repente, Alexia ouviu passos macios e cautelosos se aproximando e uma respiração forte e pesada. Seu coração disparou apavorado e começou a suar nas mãos trêmulas. E, num tom amedrontado, perguntou para o escuro:

- Quem está aí?- Eu. – disse Robson, acendendo a luz da cabeceira.Alexia correu a se levantar e se atirou para os braços protetores

do rapaz, respirando aliviada e profundamente e sentindo um peso esmagador sumir de cima dela.

- Que susto! Pensei ser Platzer! - disse ela, a meia voz - Não consigo dormir! Estou com medo! Não gosto dele...

- Eu ouvi a conversa deles. Platzer estava tentando convencer Richiel a deixá-la aqui, em troca de um pagamento.

- O que Richiel disse? - perguntou a moça, apavorada.- Nós vamos partir amanhã, mas Platzer quer que você fique.- Não! - murmurou ela, desviando os olhos amedrontados e

indagando-se o que fazer. - Tudo, menos isso. Tenho que fazer algo!- Vista-se e calce as botas que eu lhe dei. Platzer só domina essa

parte do planeta. Fuja e se afaste daqui.Ela hesitou por um momento, finalmente sussurrando para o rapaz,

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enquanto o fitava afável e temerosamente:- Venha comigo. - ele se surpreendeu com o pedido da moça e ela

insistiu, visivelmente preocupada e não querendo se soltar jamais daquele abraço. - Robson, por favor, venha comigo.

- Eu não posso deixar meu irmão. - revelou ele, ante os olhos espantados da moça, que finalmente entendeu. Ela assentiu compreendendo, mas perguntou, voltando à realidade cruel em que se encontrava:

- Haverá tempo? - perguntou ela, enquanto se vestia apressadamente.- Sim, se for logo.- Mas como passarei pelos guardas?- Eu a levarei até a saída dos fundos. De lá, você corre para o pântano

e não volte mais, ou Platzer a pegará!

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O dia já começava a amanhecer, mas a sombria floresta não deixava a maior parte da luminosidade, mínima em Omykron, passar por entre as árvores secas e frondosas, muito juntas entre si. A névoa fina e mal-cheirosa pairava no ar frio e selvagem do lúgubre pântano, onde mosquitos impertinentes não paravam de zumbir.

Alexia caminhava apressadamente, mas com cuidado, pela mata pantanosa, olhando ao redor com curiosidade e temor. Suas botas altas e grossas protegiam os pés firmes da lama fedorenta e fluida. Os ruídos do pântano cessavam à sua passagem, ouvindo-se apenas os passos rápidos da moça pelo lamaçal que, vez ou outra, revelava restos de troncos apodrecidos. Sapos e demais anfíbios coaxavam atrevidamente para a moça, cantando e fitando-a imóveis e curiosos.

Já estava bastante longe da base corleciana. Platzer jamais a alcançaria. Nunca mais tornaria a vê-la. E talvez ela também nunca mais veria Robson nem Richiel. Alexia jamais os esqueceria, principalmente Robson, cuja visita antes a tocara como ninguém jamais a havia tocado. Lamentava não mais vê-lo, mas sentia pena deles por serem ameaçados por um corleciano ignorante e ganancioso. Ela podia ainda sentir o abraço forte que dera em Robson e o carinho e afeto do rapaz, e o melhor beijo que já tivera em anos. Sentiu também um aperto no peito ao lembrar seu toque e calor e do prazer tão breve e distante que tivera por apenas alguns instantes.

Mas agora precisava fugir e achar um outro lugar para ficar, bem longe de Platzer. Um lugar onde poderia recomeçar de verdade e longe de encrencas.

Alexia caminhou ainda durante muito tempo, alimentando-se das poucas provisões que Robson conseguira lhe dar. À noite, quando o pântano imergia em sombras gigantes e assustadoras, crescendo e se multiplicando, ela dormia sobre um tronco caído ou uma pedra

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suficientemente grande. E quando sentia o amanhecer, prosseguia na jornada, enquanto lhe restassem forças, provisões e esperança.

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Suas provisões já tinham acabado. E suas forças imploravam por mais energia. Começava a passar fome, estava terrivelmente suja, cansada e dolorida. Seria o planeta inteiro assim? De vez em quando, Alexia ouvia um zumbido diferente sobrevoando a floresta, mas nada via. Deveria ser talvez algum outro inseto maior, pensava consigo.

Até que, durante um dia, pareceu-lhe que a lama informe endurecia sob seus pés. A terra fluida se solidificava sob a camada pegajosa. Esperançosa, a moça acelerou o passo, re-energizada pela esperança de chegar a algum lugar melhor. Percorreu ligeiramente a floresta seca que já deixava um pouco da fraca luz do dia entrar pela vegetação apática.

E, ao fim de mais caminhar, ainda passando por privações, a moça viu, com o coração aos pulos de esperança e animação, a mata se abrir revelando a maravilhosa paisagem mais adiante. Numa planície verde cortada por um rio cintilante e pintada por trigais, edificara-se uma pequenina cidade de construções baixas e brancas. Alexia sorriu deliciada com aquela sublime visão. O seu arrependimento como que diminuiu consideravelmente, certa de que tudo valera a pena. Correu para lá, com as últimas forças que lhe restavam.

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Caminhando pela rua principal, limpa e arejada e calçada com pequenas pedras redondas e polidas, a moça contemplava encantada o paraíso ao seu redor. Era tudo tão tranqüilo e simples, que logo teve vontade de ficar morando ali.

As pessoas que habitavam aquela pequena vila, humanos e outros seres daquela parte da galáxia, eram refugiados como ela, que um dia fugiram à procura de paz e uma vida melhor. E a fitavam com surpresa, mas com um leve aceno de cabeça acompanhado de um gentil sorriso. Alexia retribuía os cumprimentos, agradecida e fascinada. Por um momento, pensou ser um sonho ou ilusão. Mas era verdade. Sentia a fresca brisa e um cheiro agradável de pureza natural.

À medida que observava as singelas varandas das casas, entulhadas de vasos de flores e outras plantas, os compridos varais repletos de roupas campestres que secavam ao fraco sol e à suave brisa, ela esquecia o medo e desolação que há pouco lhe atormentavam.

Ia passando lentamente, tentando não perder um detalhe sequer daquela cidadezinha pacata e atraente. Completamente cativada pela humilde e linda cidade, decidiu tentar ficar ali. Tornar-se um deles, uma simples moradora agradável e pacífica.

Alexia bem sabia o estado em que se encontrava, mas tomou coragem e se dirigiu a uma senhora que varria calmamente a entrada da sua casa:

- Por favor, pode me dizer que lugar é esse?- Cidade de Bardíssia, jovem. Está perdida?- Sim... – riu para si Alexia, envergonhada.- Deve ter andado muito naquele pântano imundo! Por que não

entra um pouco para descansar? Deve estar faminta! Venha tomar um banho!

Diante de tantos convites irresistíveis, Alexia até se surpreendeu com a generosidade da boa senhora. E não ousou negar, agradecendo com

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afeto. A mulher, vestida com um curto vestido de algodão grosseiro e artesanal, conduziu-a ao interior da sua aconchegante moradia. E Alexia teve a impressão de estar em um chalé de férias nos campos de seus sonhos. Comeu e bebeu até se saciar, depois de ter tomado um longo e gostoso banho. Então, deitou-se em um leito macio e limpo, feito com feno fresco e panos imaculados. E adormeceu profundamente, esquecida de toda a preocupação e temor.

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Os dias se passavam lentos e deliciosos. Alexia não comia bem há muito tempo. Dormia em um pequeno quarto limpo e arejado de uma casinha na pacata rua. Ajudava sempre nas colheitas da fértil planície, com o trigo dourado e bem-cuidado. Tomava longos banhos no rio refrescante e límpido, secando-se depois ao sol, deitada na relva verde. Era feliz ali. Tinha conseguido a vida que sempre sonhara ter. Nada parecia impedir sua paz e felicidade. Convivia bem também com os outros habitantes dali, os quais não tardaram a simpatizar com a moça.

Alexia pensava de vez em quando em Robson e Richiel, em como seria bom se eles pudessem viver ali com ela. Então sua felicidade estaria completa. Mas havia Platzer no meio. A moça estremeceu só de pensar no corleciano, que tanto a amedrontara. Mas se sentiu aliviada ao perceber que estava longe dele, ali. Mas por causa dele, jamais veria Robson e Richiel de novo e isso a fez amaldiçoá-lo ainda mais.

Todas as noites em que as luas gêmeas se emparelhavam quando cheias, os habitantes da cidade diziam ser sinal de fertilidade e faziam uma grande fogueira na pequena praça no final da rua. Os músicos tocavam alegremente seus instrumentos, enquanto o povo dançava prazerosamente ao redor do fogo. Alexia dançava junto das crianças e outros jovens descontraidamente, enquanto assavam-se pedaços generosos de carnudos legumes e preparavam uma deliciosa bebida, distribuída a todos somente nesses raros dias de festa. Depois de dançarem muito, o que ativava o espírito da fertilidade, o grupo animado se sentou e descansou, enquanto bebia a calorosa bebida. E, enquanto tomava do seu copo, Alexia contemplou o céu claro pontilhado de estrelas inquietas. E parecia que, juntas, formavam o rosto de Richiel. Não conseguia deixar de pensar nele, apesar de saber que seria melhor ficar sozinha.

Durante aqueles dias em que já estava li, Alexia conheceu muitos habitantes e, entre eles, um lhe era mais chegado. Desde que conhecera

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aquela tanriana, Alexia sentiu que seriam boas amigas, tamanho o companheirismo e sintonia entre elas. Tharsykla era encorpada e audaciosa, e as duas compartilhavam muitas aventuras e momentos em meio à viva natureza de Bardissia.

- Não é à toa que pouca gente vive aqui... - comentou ela à amiga, certo dia - É um lugar tão calmo e parado!

- E isso não é bom? - surpreendeu-se Alexia.- Claro que é, ótimo para umas férias relaxantes, para viver, melhor

ainda. Mas acho que não aguentaria essa calma toda, se não fosse por um agito de vez em quando...

- Agito? – Alexia despertou-se, de repente, interessada.- Há uma boate além dos campos e da planície, perto de uma

estalagem. Lá tem bar, cassino e muita música eletrônica! - Alexia arregalou os olhos que, de súbito, começaram a reluzir, e a tanriana continuou - Eu fico aqui durante o dia, desfrutando dessa paz, mas à noite, faço a festa lá! Gosta de dançar, não é?

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Naquela noite, quando tudo se aquietou, as duas saíram sorrateiramente. Todos já tinham ido dormir e o silêncio caiu sobre a tranquila cidade. Poucas luzes estavam acesas e, na escuridão distante, as moças se afastaram silenciosamente.

- Onde arranjou isso? – perguntou Alexia, olhando espantada e com um sorriso deliciado para a aeromoto de Tharsykla.

- Eu a trouxe comigo. Não é lá aquela maravilha, mas ao menos nos levará lá rapidinho. Monta aí! - disse ela, sorrindo. Alexia sentou-se atrás dela e o veículo se afastou velozmente, com um zumbido seco logo levado pelos ares da noite que, para elas, estava apenas começando.

Depois de atravessarem a longa planície, avistaram um pequeno prédio cinzento e escuro, onde luzes coloridas e piscantes chamavam sedutoramente a atenção dos passantes.

Tharsykla estacionou sua aeromoto junto à entrada convidativa e, juntas, penetraram na boate animada que deixava escapar sutilmente as batidas graves e ritmadas que já começavam a hipnotizar Alexia. O som alto da música eletrônica saltitava-lhe o coração saudoso e Alexia já se sentia animada e ansiosa por tomar parte em algum canto escuro da pista de dança.

No ambiente escuro e esfumaçado, várias pessoas de diferentes espécies jogavam suas apostas entusiasticamente junto às mesas do cassino, enquanto berravam uns para os outros. Noutro canto, outros bebiam sentados junto ao bar, enquanto que, no centro da vasta casa cheia naquela noite, pontilhada incessantemente por luzes inquietas e multicoloridas, uma pequena multidão dançava e saltava alucinadamente ao som hipnótico.

Alexia riu-se realizada e exclamou com um sorriso:- Esse lugar é incrível!Mas ao olhar para trás, viu que sua amiga não mais a acompanhava.

Logo preferiu deixar para lá, pensando consigo: “Depois a gente se

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encontra...”. E dirigiu-se à pista discretamente. O som alto e pulsante penetrava-lhe deliciosamente nos ouvidos saudosos e, na empolgação das batida graves e aceleradamente ritmadas, ela se deixou levar, largando-se na pista e se juntando à dança anônima, livre, leve e solta. Algumas pessoas ao seu redor a fitaram surpresas e admiradas com a nova visitante, mas Alexia nem os percebia, imersa na música eletrônica que, por si só, embalava-a e a impulsionava na frenética dança. Sem perceber, ela logo atraiu a atenção de alguém que a observava com surpresa e interesse, do outro lado do balcão do bar.

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Alexia e Tharsykla iam agora quase todas as noites juntas à boate, voltando pouco antes do amanhecer. A jovem terráquea nem percebia, mas dava um show particular na pista, pasmando os que a cercavam, julgando-a estar sob efeito de alguma droga. Numa de suas embaladas, Alexia se afastou da pista rumo ao bar, para sentar e descansar. De repente, uma voz forte e vibrante lhe perguntou às costas:

- O que vai querer a nossa dançarina?A moça voltou-se surpresa e viu o atendente fitando-a com um leve

sorriso e seus grandes olhos muito verdes.- Só uma água, por favor.Ele a serviu imediatamente e, enquanto a moça sorvia com gosto

largos goles da água gelada, ele continuou:- Você dança muito bem. Todos gostaram.- Eu adoro música eletrônica e danço por puro prazer. Não tinha a

intenção de chamar a atenção de alguém.- Já pensou em dançar por profissão?- Como dançarina de boate? - riu-se ela, com desprezo. - Não,

obrigada!Ele se aproximou dela, fitando-a ainda mais de perto, ao que a moça

imitou, aproximando-se dele como que para receber um grande segredo.- Participaria de uma maratona de dança?Alexia instantaneamente se afastou surpresa e temerosa, o sorriso

desaparecendo por completo.- Eu não danço há muito tempo, mas já ouvi falar dessas maratonas,

e não foi coisa boa!- Bah! - disse ele, com um gesto de repulsão - Comentários falsos,

boatos... O que importa? É pura diversão, não é?Alexia abriu um sorriso irônico e, após uma breve pausa, decidiu:- Vou pensar na maratona...- Pense bem! Você tem boa chance!

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Naquela madrugada, Alexia voltou para Bardissia quieta e pensativa. Tharsykla o percebeu e perguntou, curiosa:

- O que há? Algo errado?A moça lhe contou tudo sobre o diálogo no bar e, para sua surpresa,

a desenvolta tanriana a incentivou à maratona com empolgação e confiança. Ambas adoravam aquele lugar. Era ótimo dançar lá, divertir-se com as maravilhosas músicas eletrônicas que lhe ecoavam inclusive no caminho de volta para casa. Mas enfrentar uma maratona de horas e horas... Se ela já se sentia cansada com algumas horas, não conseguia se imaginar em uma longa e disputada maratona.

Nas outras noites em que voltou à boate, Alexia continuou dançando com prazer e desenvoltura. Mas o pensamento da maratona a perseguia em sua mente sutilmente intrigada. E, apesar de sentir medo e receio, havia uma ponta de desafio sedutor...

Quando finalmente chegou a tão temida e esperada noite, o barman veio encontrá-la, encarando-a sedutoramente com os grandes olhos verdes e o sorriso enigmático.

- E então, garota? A plateia a espera ansiosamente! Hora do show!- Eu... acho que vou, mas sei que vou me arrepender!...- Não vai, não. - disse ele, conduzindo-a pela mão quente até a pista,

onde os outros desafiantes a fitaram com desdém e hostilidade. Alexia se lembrou do saquinho que ainda mantinha escondido, mas o deixou guardado, caso realmente precisasse dele. Iria pelo menos tentar fazer a coisa do jeito certo. O desafio era sedutor e intrigante e ela não podia deixar de pensar que seria um bom teste para si mesma.

De um balcão no alto da pista, o jóquei decretou solenemente a todos os concorrentes as regras da maratona.

- Vocês devem dançar sempre no ritmo da música. Não podem parar; não podem cair no chão, ou estarão desclassificados. Também não podem deixar o espaço da pista de dança.

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Não eram muitos os concorrentes, o que foi um alívio à moça, que já sentia o coração disparar, sem saber se era de receio ou excitação. Mas queria aquilo. Era uma experiência e uma oportunidade e tanto! Sabia que se arrependeria se desistisse. Tharsykla a observava de outro balcão ao alto e sorriu, motivando-a com sua própria empolgação e torcendo entusiasticamente pela amiga.

O som retumbante, grave e sedutor logo começou, soando agradavelmente aos ouvidos dos competidores animados, que logo se puseram em ação. Alexia não ficou para trás, juntando-se a eles, decidida. Era agora ou nunca.

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As horas passavam automaticamente, sem que Alexia quase pudesse perceber, embalada que estava às músicas que não cessavam de lhe invadir voluntariamente corpo e alma. O suor escorria pelo seu rosto e corpo e, encalorada, já atirara longe a jaqueta emprestada, ficando com a blusa sem mangas que já estava também encharcada de suor. O cabelo grudento e suado grudava-se no pescoço ereto, mas Alexia nem pensava em parar, deixando-se levar até não queria saber quando. Alguns já haviam desistido, outros caíam no chão exaustos, sendo imediatamente desclassificados. Mas a moça continuava, não prestando atenção àquilo para não se deixar influenciar negativamente, às vezes até fechando os olhos para melhor sentir batidas e melodias. De vez em quando, abria os olhos cansados buscando o apoio da amiga, que ainda a reanimava, torcendo por ela lá do alto do balcão. As luzes riscavam incessantemente os poucos competidores restantes, revelando corpos e rostos que denunciavam já o cansaço físico.

Alexia viu com o canto do olho que outro competidor caíra ao chão, desmaiando. Alexia se assustou com aquilo, mas sem diminuir seu ritmo. E viu, no balcão ao alto, ao lado da amiga que sempre lhe sorria, o barman dos verdes olhos sempre a observando e lhe fazendo gestos de apoio. Apoio e motivação não lhe faltavam, ao contrário das energias, que chegavam ao limite...

Restavam agora apenas Alexia, um rapaz e mais duas moças. Alexia começara a se conformar com o sentimento de que iria perder. Tudo bem, foi divertido. Mas para sua surpresa, um dos rapazes de repente tropeçou nas próprias pernas cansadas, caindo e sendo automaticamente desclassificado. Uma das moças parou o ritmo tentando descansar disfarçadamente, mas também foi retirada da competição. A outra moça que sobrara fitava Alexia ameaçadoramente e Alexia a ignorava, mantendo distância da hostil competidora que, entretanto, procurava ficar perto dela. Alexia continuava dançando como podia, prestando

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atenção à música que a guiava. Ela então tentou algo diferente: continuou dançando ritmicamente conforme a música, mas com movimentos que não lhe exigissem muita energia. Movimentos leves e ágeis, embalantes e girabolantes, mas não menos ritmados. Seu corpo implorava por um descanso urgente, mas a moça sabia que não podia parar; não enquanto a outra competidora estivesse lá.

A outra moça não percebeu o truque, continuando com seu desperdício de energia, aos saltos e embalos frenéticos. Não demorou muito para revelar a exaustão no limite. Alexia começou a se sentir mal, perdendo o foco da visão. Uma fina névoa pareceu cair ao seu redor, escondendo a plateia que torcia empolgada e a competidora que se aproximava dela hostilmente. A outra moça de repente deu-lhe um forte chute na coxa direita e Alexia lutou para se manter em pé, ouvindo o berro aflito de Tharsykla:

- Não caia, Alexia!! Mantenha-se em pé! Dance, menina, que você vai ganhar!

Alexia continuou se embalando às batidas eletrônicas, que não pareciam mais ter qualquer diferença entre si, latejando de dor na perna. Com uma ponta dos olhos viu a moça escorregar numa área molhada da pista, caindo pesadamente ao chão e sendo rapidamente desclassificada, sob seu próprio berro de frustração. Alexia deixou aparecer um leve sorriso, ouvindo também a gritaria empolgada da plateia que aplaudia a vencedora. Alexia deixou-se por fim perder os sentidos, sentindo algo quente e macio onde apoiar a cabeça, enquanto que duas mãos fortes a ampararam.

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Alexia ouviu fracas vozes distantes. Nenhuma música tocava mais. Nenhum som. Abriu os olhos preguiçosamente. Seus membros doíam. Sentia a boca seca e o estômago a roncar. Seu corpo pesava estirado em um confortável sofá, em uma pequena sala iluminada por um bar vazio a um canto. Por uma porta mais longe, viu o barman a fitá-la com um leve sorriso de contentamento. Alexia sentou-se lentamente e murmurou:

- Estou com sede...Ele se aproximou estendendo-lhe um grande copo com água,

perguntando:- Então, posso saber o seu nome agora?- Alexia - disse ela, após bebê-lo de uma só vez. - Quem é você?- Meu nome é Lhark e eu sou o dono dessa espelunca.- Parabéns! Essa espelunca é ótima! - disse ela, abrindo um sorriso

enquanto bebia um novo copo. Ele continuava fitando-a interessado e disse, com um brilho no olhar:

- Poderia ficar ainda melhor...- Ótimo!... - disse ela, desapercebidamente. - O que aconteceu depois

de eu ter... desmaiado?- Aconteceu que você ganhou a maratona! - disse ele, levantando-se

animado e mostrando-lhe o pequeno troféu dourado.Alexia o pegou com algum orgulho e surpresa, abrindo um sorriso

fraco mas satisfeito. E, fitando-o com os olhos muito azuis brilhando de contentamento, disse-lhe:

- Obrigada por ter me incentivado. Foi graças a você.- Não disse que venceria? Você foi genial e pode aproveitar este

talento.- Foi mais por diversão, mas... foi ótimo! - riu ela, levantando-se. -

Que horas são?- Cinco e quinze da tarde. Você dormiu como uma pedra o dia inteiro!

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Ela riu timidamente e disse:- Preciso ir para casa...- É meio longe... Não quer uma carona?- Não, obrigada, quero mesmo andar.Ele riu ruidosamente e disse:- Pensei que se referia à Terra!- Não, é à Bardissia, mesmo.- Mora lá? - perguntou ele.Alexia lhe contou então brevemente sua triste história, desde a fuga

da prisão. Lhark ouviu tudo quieto e pasmo. Ao findar a narração, ele perguntou:

- Espera encontrá-los ainda?- Não sei, acho que não. Até gostava deles... apesar de tudo. Mas não

gosto de Platzer. Ele realmente me assusta.- Foi por isso que fugiu?- Sim! Ele queria que eu ficasse lá com ele. Mas nunca! - explodiu ela,

com desprezo.Lhark suspirou levemente e disse:- Ele é realmente sacana. Vive caçando garotas por aí para transformá-

las em prostitutas.- Isso me faz odiá-lo ainda mais. Bem, preciso ir. Tharsykla já deve

estar lá.- Quem? – espantou-se Lhark.- Tharsykla, minha amiga. Ela veio comigo ontem. Por quê?- Ela é uma das prostitutas que Platzer trouxe para cá.Alexia o fitou estupefata e disse, sem poder disfarçar o espanto:- Essa eu não sabia! Eu a conheci em Bardissia e, desde então, viemos

sempre juntas para cá!- Ela a trouxe? – disse ele, rindo ainda mais.- É, só que eu ficava na pista de dança e ela...- ... e ela? – incentivou ele, divertido. Alexia vacilou constrangida e

ele gargalhou, dizendo:- Que danada! Mas não foi tão ruim assim, foi?- Nós somos apenas amigas...- Entendo... Venha, eu lhe dou uma carona até Bardíssia.- Tudo bem, contanto que não haja compromisso!Ele gargalhou novamente e disse:- Não, não há.

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E, descendo do segundo pavimento, chegaram até a boate, no andar térreo, onde tudo estava agora quieto e silencioso, sem a vida e agitação das noites de festa. Saíram por uma porta lateral, para o entardecer do dia lá fora, que estendia o brilho fracamente dourado pela planície tranqüila.

- Você mora aqui? - perguntou Alexia, olhando o vazio ao redor.- Sim, cheguei aqui faz um bom tempo, e montei esse lugar. E deu

certo! – celebrou ele, dando de ombros.E, montando na aeromoto com Alexia atrás, seguiram velozmente

até da cidade.

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O sol já se deitara no horizonte, após o show colorido de luzes do crepúsculo. E os costumeiros hinos selvagens vindos do pântano lá longe recomeçaram animados. Lhark parou a aeromoto no começo da rua quieta. Alexia saltou e lhe disse, com um sorriso cordial:

- Obrigada.- Espero vê-la na boate novamente.- Com certeza. Mas agora só quero descansar um pouco.- Está certo. - riu ele, enigmaticamente.- Eu posso estar enganada, mas por enquanto, você é um cara legal.- Eu acho que você é muito legal e eu não estou enganado. - disse

ele veementemente e a moça alargou o sorriso.Lhark se afastou com o zumbido eletrônico que gradativamente

enfraqueceu na noite e Alexia voltou pela rua vazia, com o pensamento solto e um leve sorriso nos lábios. Ouvia o som baixo de música tocando lá longe e, olhando para o céu claro e fresco, admirou com gosto as duas luas emparelhadas lindamente. Era noite de festa na cidadezinha.

Ela caminhou sonhadoramente até a pequena praça, onde a grande fogueira ardia cantarolando junto com a pequena multidão animada. E se deliciou só em pensar no assado, na gostosa comida e em sentar perto do calor gostoso do fogo.

Entretanto, ao olhar quem estava sentado perto dele, estacou paralisada de medo e assombro, sentindo um longo calafrio que a fez gelar e arregalar os olhos muito azuis. Platzer, Robson e Richiel bebiam despreocupadamente, com Tharsykla a diverti-los. Os três logo a viram, calando-se espantados. Platzer abriu um gélido sorriso de prazer, mas os outros permaneceram mudos de espanto. Alexia estava diferente. Não era mais aquela moça pálida, de olhos tristes. Estava corada e esbelta, entretanto o brilho triste como que voltou instantaneamente ao vê-los.

- O que estão fazendo aqui? - murmurou ela, gelada de temor.

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- Conhece eles? - espantou-se também Tharsykla.- O suficiente... – respondeu Alexia, recuando.Platzer logo se levantou e se aproximou dela, que tentou correr e

fugir, mas ele a agarrou com força pelo braço com um sorriso vitorioso.- Nossa fugitiva está de volta! Ótimo, tornaremo-nos bons

amigos agora.- Nem pensar! Não vou virar prostituta!Ele diminuiu o sorriso, surpreso.- Foi bem informada aqui, hein?- Sim, mas não me arrependo de ter conhecido Tharsykla, apesar

dela ser o que é.- Alexia! – indignou-se ela, levantando-se.Logo os outros dois também se levantaram e Richiel não pode conter

a surpresa:- Vejo que se deu bem por aqui. O que tem feito por esse belo lugar?- Tenho vivido muito. Quisera que fizessem o mesmo, ao invés de

errarem por aí.- É muita gentileza de sua parte, garota. -disse o corleciando,

puxando-a para perto de si - Isso a ajudará muito no seu novo emprego.- Vai ter que me matar primeiro!! - vociferou ela, conseguindo se

soltar dele com força e raiva.- Com prazer... – disse ele, revelando e lhe apontando uma arma.Mas justo quando atirou, Robson lançou-se à frente da moça,

bloqueando o tiro e caindo sem vida ao chão. Alexia deixou-se soltar um grito que ecoou fortemente pela noite cintilante, parando a música e imobilizando todos os pacatos habitantes que agora os fitavam incrédulos. A moça sentiu lágrimas grossas e quentes inundarem-lhe o rosto, enquanto berrava ferozmente para o corleciano:

- Eu o matarei por isso!E voltou-lhe as costas, correndo em disparada para longe deles

e para dentro da massa de pessoas que começavam a se dispersar com medo.

Richiel fitou-o igualmente, dizendo com fúria:- Não precisava ter feito isso! Platzer apontou-lhe a arma, dizendo:- Quer se juntar a ele?Richiel hesitou e ele e riu vitorioso:- Isso mesmo, meu amigo. Ninguém vai salvá-lo agora. Fique

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bonzinho, porque está só e abandonado.Subitamente, sem que alguém pudesse fazer qualquer coisa, uma

aeromoto passou zunindo veloz entre eles, com Alexia montada atrás de Lhark, que puxou Richiel agilmente para junto de si e se afastando velozmente. O corleciano soltou uma praga e, fitando a direção em que a aeromoto tomara, sibilou furioso:

- Vou matar aquela garota!

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Na pequena sala sobre a boate, Richiel estirava-se apático sobre o sofá, perto de Lhark, que preferiu o braço redondo do móvel. Ambos permaneciam em silêncio, um pesaroso, o outro impassível, mas de vez em quando olhavam com pesar para a moça parada perto da janela, olhando o nada lá fora, de costas para eles, a fim de esconder as lágrimas que não paravam de cair.

No caminho de volta para boate, enquanto se segurava a Lhark na aeromoto que fugia velozmente de Bardissia, ela chorara convulsivamente, desconsolada, inundando as costas do amigo. Richiel ia atrás dela, segurando-a firmemente na barriga, e ela agradecia internamente ao sentir a mão quente que lhe subia até ombro e lhe acariciava com carinho o pescoço, como que tentando consolá-la, quando ele mesmo também sentia a perda do irmão. E, por um momento em que apenas soluçou, recuou o corpo para trás, recostando-se nele, com a cabeça reconfortada no seu ombro, onde ficou apoiada em silêncio, com o ar gelado da noite tentando aquietar o coração acelerado com o abraço que se apertou ainda mais.

Agora, na sala semiobscura, já se acalmara mais, apesar de as lágrimas quentes ainda insistirem em escorrer. Por fim, Alexia quebrou o pesado silêncio fúnebre, dizendo, sem mover o rosto:

- Obrigada por não ter ido logo embora...- Disponha. – respondeu Lhark, indiferentemente, esperando-a

tomar alguma iniciativa.Alexia suspirou pesadamente e enxugou o rosto com as mãos,

dizendo:- Agradeço por tudo o que tem feito, mas não vou metê-lo no

meio da encrenca. - e voltou-se para Richiel, que a olhava profunda e calorosamente, mas em silêncio impassível - Não se preocupe, não é prisioneiro, nem nada. Só o tirei de lá porque tive vontade. Daqui por diante, faça o que quiser. Eu vou dar o fora daqui.

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Súbito, porém, Richiel lhe apontou uma arma e disse, com um fraco e genuíno sorriso de vitória:

- Você é que quem deve se preocupar, garota. Não vai pensar que vou deixá-la sair perambulando livremente por aí. Você sabe demais!

- Sei o quê...? - perguntou ela, com uma fraca indiferença, enquanto um repentino temor aflorava em seus olhos novamente tristes.

- Sabe muito bem o que eu quero dizer! - e voltou-se para Lhark que, apesar de surpreso, assistia a tudo impassível - Vou pegar a sua aeromoto emprestada, se não se importa.

- Está lá fora...- Vamos! – disse ele, puxando Alexia consigo.Desceram e foram até lá fora, junto com Lhark. Richiel ordenou à

moça, ainda lhe apontando a arma:- Monte!Alexia obedeceu e ele montou atrás, imediatamente afastando-

se com o zumbido costumeiro, deixando Lhark envolvido na nuvem de poeira. O barman permaneceu impassível, fitando a direção do veículo, pensativo. Não demorou muito e outro veículo veio da cidade, parando ao seu lado. Platzer e Tharsykla saltaram dele e o corleciano lhe perguntou ferozmente:

- Para onde eles foram?- Em direção ao sul. - e revelou um saquinho plástico com um

comprimido branco dentro, com a figura de um coração em baixo-relevo: - Ela estava com isso.

Platzer tomou o saquinho da mão, examinando-o de perto, abrindo logo em seguida um largo sorriso.

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- Para onde quer ir? – perguntou Alexia, enquanto guiava velozmente a aeromoto pelos sinuosos vales e morros que encobriam aquela parte do planeta.

- Sul! Até a cidade de Illiox.- O que há lá?- Cale-se e continue guiando.A noite prosseguia clara e quieta, com os luares azuis iluminando o

trajeto deserto. A aeromoto zumbia na corrida solitária, com o vento fresco passando indiferente por eles e fazendo-os se aproximarem mais em busca de calor. Alexia, apesar de tudo, continuava atraída por ele. Richiel a prendia com força, segurando-a de encosto ao seu corpo, e a moça sentia o coração dele batendo nas suas costas. Não demoraria muito para chegarem a Illiox, mas ela queria que aquele momento durasse para sempre. Ela sentia no lado do seu pescoço a respiração quente dele e as mãos grandes e firmes que lhe apertavam deliciosamente o abdômen. Numa tentativa de admirar seu rosto por pelo menos um segundo, Alexia olhou para trás. E viu aquele belo rosto moreno, com os olhos negros e profundos e os lábios carnudos escondendo o charmoso sorriso.

- O quê? - vociferou ele.- Só queria ver se não nos seguiam... - pretextou ela, sentindo-se

derreter por dentro.- A essa altura não nos alcançarão.Ela continuou guiando com segurança e equilíbrio pelo vale vazio.

A cálida respiração dele ainda bafejava contra o seu pescoço e ela inclinou sutilmente a cabeça para o lado e para trás, encostando o rosto no dele, o qual não se moveu um milímetro. Ela sentiu os lábios dele encostando sutilmente no rosto dela e que de repente roçaram suavemente pelo seu rosto e as mãos firmes no abdômen apertarem-se ainda mais e deslizando até o quadril sobre a aeromoto.

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Ela levou uma das mãos até as dele e sentiu que ele a segurou firme mas calorosamente. O dia aos poucos começou a raiar no horizonte ao longe, tímida e lentamente, quando a aeromoto voltou a zumbir prosseguindo rumo à outra cidade, ao sul.

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Naquela manhã, havia muito movimento em Illiox. Pelas ruas agitadas e repletas de lojas, bares e vendedores ambulantes, milhares de pessoas andavam de lá para cá apressadas. A cidade acabava de acordar com toda energia e disposição, para o novo dia de trabalho e rotina.

Alexia e Richiel voaram até o espaço-porto, onde a folia não era menor.

Na pista de pouso, várias naves chegavam ou partiam, em meio a uma louca correria de funcionários e passageiros, entretidos em suas tarefas ou embarcando afobados, enquanto outros ainda se encarregavam das revisões de motores e provisões.

Richiel foi até um balcão de informações e perguntou algo a uma bizarra funcionária. Ela o fitava sonolenta e desinteressada e respondeu ao impaciente humano, balançando as duas longas e finas antenas flexíveis apoiadas entre as minúsculas orelhas perfuradas. Quando ele finalmente voltou junto à moça, não pareceu mais animado e a conduziu consigo, apressadamente.

- Vamos. – disse.A moça nem ousou perguntar qualquer coisa, limitando-se a segui-

lo rumo a um dos vários portões. Depois de passarem pela frágil revista, dirigiram-se à sala de espera. Pela grande janela, Alexia avistou lá fora uma pequena nave sendo abastecida com combustível e mantimentos. Pensou em perguntar a Richiel para onde iriam, mas se conteve e resolveu esperar tudo com paciência. Desde que prosseguiram no trajeto rumo a Illiox, ele se manteve em silêncio, entretanto sempre a conduzindo gentil mas firmemente pela mão, como que com medo de que ela escapasse. Ela se deixava levar mecanicamente, buscando por vezes seu olhar, mas ele se mantinha quieto e distante.

Aquela era uma astronave pequena, mas suficiente para viagens entre os vários planetas daquele canto da galáxia. Não era nem um

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pouco elegante, mas os levaria confortavelmente aonde quer que fossem. Apenas mais uns poucos outros passageiros entraram com eles, logo se acomodando cada um em suas poltronas taciturnos e sem sequer se olharem muito.

Alexia deixou-se cair numa poltrona grande e macia ao lado de uma pequena janela e, após fechar o cinto de segurança, respirou com alívio e cansaço. Richiel sentou-se ao seu lado parecendo também aliviado e ela finalmente resolveu lhe perguntar:

- Para onde vamos?- De volta a Leesland. Mas vamos parar em outro espaço-porto para

prosseguirmos sozinhos até lá.- Não quer mesmo ser descoberto, não é?- Óbvio que não... - disse ele, recostando a cabeça relaxadamente.Ela o fitou ainda um pouco mais, com ternura e voltou a indagar:- O que vocês fizeram quando eu fugi?- Platzer ficou furioso e quis matar Robson. Mas eu não o permiti, eu

disse que ele poderia nos ser útil mais tarde. - e suspirou pesadamente - E foi mesmo, só que para você.

Alexia sentiu um nó na garganta e os olhos que de repente se tornaram úmidos. Os pés quentes estavam confortavelmente protegidos pelas botas firmes que ele tinha lhe dado. E as lágrimas quentes e grossas voltaram a fugir desesperadamente dos olhos e a moça voltou o rosto para a janela a fim de escondê-las. Richiel o percebeu e mudou logo de assunto:

- Então gostou da boate, hein?- Como soube? - perguntou ela, voltando o rosto já seco de novo,

surpresa, para ele.- Era o assunto do dia em Bardíssia. Ganhou a maratona de dança,

hein? - e abriu aquele mesmo sorriso que a fazia se derreter por dentro. Ela lhe sorriu levemente, voltando a suspirar com gosto. E continuou, intrigada:

- Como me encontraram em Bardíssia?- Nós não te encontramos. Apenas paramos lá para descansar,

enquanto ainda a procurávamos. Como era a vida lá?- Ah, era maravilhosa! - disse ela, desviando os olhos sonhadoramente

- Eu dormia em um colchão sempre limpo cheirando a feno fresco, que eu trocava toda semana. Nadava todos os dias no rio, ajudava na colheita... Era delicioso! E quando as luas gêmeas se uniam cheias no

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céu, fazíamos uma grande fogueira na praça no final da rua. Tocavam músicas enquanto dançávamos, era tão divertido! Gostaria que estivesse lá. - Ela o fitou com um brilho distante no olhar ainda sonhador e profundamente azul e ele se ajeitou para dormir, dizendo, ao fechar os olhos para dormir:

- Que bom...Ela ainda ficou a fitá-lo, tão belo e manso em seu sono... Os cabelos

negros e crespos estavam revoltos com a viagem e ela teve uma vontade enorme de passar a mão neles. Súbito, ele abriu os olhos surpreso, flagrando-a. Ela instantaneamente corou e desviou o rosto para a janela, onde podia-se ver o espaço-porto ficando para trás. Ele sorriu divertido e tocou-lhe uma das mãos meigamente. A moça sentiu um calafrio de prazer, mas voltou-lhe o olhar fingindo surpresa e interrogação, mas seus olhos apaixonados a entregavam facilmente. Ele logo se aproximou abraçando-a carinhosamente. E, unindo seus lábios nos dela, trocaram um longo e profundo beijo, tão esperado, enquanto a nave partia veloz rumo ao espaço, deixando para trás as maravilhas e terrores de Omykron.

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Alexia acordou sobressaltada com o barulho de vozes e movimentação. E, encontrando vazia a poltrona ao seu lado, chamou:

- Richiel?...Ele logo apareceu vindo do interior da nave, dizendo apressado:- Chegamos. Venha, levante-se!- Já?- Você é que dormiu demais. O beijo lhe fez bem, hein? - disse ele,

afastando-se sem ver a moça que se ruborizou atrás dele, seguindo-o pelo corredor apertado.

Lá fora, viram um cenário completamente diferente de onde estavam antes. No céu escuro e coberto de grossas nuvens, não havia qualquer lua e tudo ao redor era coberto por construções altas e escuras, pontilhadas pelas luzes das janelas.

Antes de saírem da nave, os dois puseram máscaras de oxigênio, já que a atmosfera ali era diferente e hostil.

Richiel dirigiu-se até uma pequena garagem ali perto e a moça manteve uma distância discreta enquanto ele conversava com alguém, demorando-se algum tempo. Viu perto dali uma pequena nave de emergência, em bom estado, mas que não conseguia esconder as muitas viagens já feitas. Alexia logo adivinhou estarem negociando a navezinha e ela aproveitou a longa discussão para olhar mais uma vez ao redor. Havia muita gente andando de lá para cá pelos arredores e praticamente ninguém prestava atenção ao que acontecia ali.

Depois de trocarem algo, Richiel a chamou com um aceno. A moça logo o seguiu e, juntos, embarcaram sozinhos na navezinha que os esperava pacientemente.

- Leesland? – adivinhou ela.- Exatamente!

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Alexia não soube dizer se era uma estranha e agradável familiaridade, aversão ou pesar que sentia ao voltar a ver a seca paisagem de Leesland. E, de repente, vieram-lhe à mente as lembranças soturnas ou queridas de sua primeira visita àquele lugar. Ali que o conhecera, que ele sutil mas instantaneamente a atraíra. Até podia se lembrar com exatidão do seu primeiro contato com Robson, a sua abrupta entrada na tenda. E os olhos negros e profundos de Richiel que a fitaram desconfiados e perscrutadores ao vê-la pela primeira vez.

Mais uma vez eles saltaram sobre uma aeromoto tomada sem licença, percorrendo o trajeto solitário e seco que separava o campo de pouso do acampamento. Alexia desta vez foi atrás de Richiel, deixando acomodar o rosto no seu ombro, até que ele desviou e parou o veículo atrás de algumas rochas, e respondeu ao semblante interrogativo da moça com um leve sorriso misterioso no olhar calmo e profundo, logo dando-lhe um longo e profundo beijo, enquanto a abraçava calorosamente. Ela se deixou arrastar da aeromoto junto a ele que, rápida e eficazmente, envolveu-a inescapavelmente, e Alexia se sentiu voluntariamente imergir nele e ser imergida. E, por alguns minutos depois, eles deixaram-se ficar deitados sob as estrelas, ela sentindo-o colado a si, com a cabeça apoiada no seu peito e os cabelos negros roçando-lhe o pescoço enquanto ele ainda a beijava mais uma vez no peito, acariciando-a com carinho, ambos ignorando um veículo que por acaso passava lá longe. O dia aos poucos começou a raiar no horizonte ao longe, tímida e lentamente, quando a aeromoto retomou seu curso rumo ao acampamento.

Saltando bem-humorado da moto, Richiel logo deu algumas ordens aos homens que vieram saudá-lo quando chegou. E, dirigindo-se ao acampamento, deu um profundo suspiro, dizendo:

- Ah! Em casa, novamente! - e voltou-se para a moça, tomando-lhe uma das mãos com calor e um afago - Você se lembra?

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Ela limitou-se a fitá-lo com os olhos azuis muito brilhantes, ao que ele apenas riu gostosamente, puxando-a junto a si com a mão quente e firme na cintura dela, conduzindo-a alegremente até a sua tenda.

Ao entrarem, porém, os dois estacaram petrificados de espanto ao darem de cara com Platzer, de arma na mão e sorrindo vitoriosamente, com Lhark sério e impassível ao seu lado.

- Bem-vindos, meus prisioneiros. Pensaram que me deixaram para trás para sempre, não é?

- Como nos encontrou? – perguntou Richiel, aborrecido.- Uma informação muito útil dada pela sua companheira de viagem

ao meu sócio.Alexia instantaneamente sentiu um doloroso calafrio e um peso

enorme sobre si, baixando os olhos com enorme desgosto. Uma decepção ainda maior tomou conta da moça, que olhou Lhark com vergonha e ressentimento.

- Tomo agora o comando por aqui, se não se importa. - disse o corleciano, com o frio sorriso diminuindo - E vejo que você não me tem mais utilidade. - e imediatamente disparou em Richiel, que agilmente se desviou, sendo, porém acertado no ombro e caindo ao chão com um gemido, enquanto segurava com a mão o ombro ensaguentado.

Alexia voou apavorada para cima dele, amparando-o com os olhos úmidos e arregalados:

- Richiel! Richiel!- O que é, garota? Não vê que eu estou bem? - disse ele com esforço

e ironia forçada.Uma lágrima de temor escorreu pela face pálida da moça, que se

voltou furiosa para Platzer, vociferando:- Já matou um amigo meu, não vai matar o outro!! Nem que eu tenha

que morrer!- Muito nobre da sua parte... - disse o corleciano, com um cínico

sorriso. - Mas de nada lhe vai adiantar, vocês dois morrerão.- Pelo menos jamais me terá do modo como você queria.Platzer ainda fuzilou-a com o olhar, sem responder, e Lhark disse ao

sócio com a mesma calma impassível:- Não a mate. Ela ainda nos é útil. E ela nos obedecerá enquanto ele

estiver vivo.Plazter alargou o sorriso satisfeito e recuou a arma, concordando.

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Alexia e Richiel eram agora autênticos escravos, trabalhando dia após dia com os carregamentos, escavações e com a sucção do estranho líquido prateado, que seria mais tarde vendido para a fabricação de armas. Todas as poucas naves que ali havia eram rigorosamente vigiadas, assim como também as fronteiras da base.

Enquanto trabalhavam, havia sempre alguém os vigiando. Os dois eram sempre mantidos ocupados e qualquer conversa ou mera troca de palavras era imediatamente terminada. Dormiam todas as noites ao relento, sobre panos velhos e trapos imundos ou sobre o próprio chão. Comiam sempre a mesma ração e bebiam água direto do lago, mal tratada.

Richiel de vez em quando reclamava, ora das injustiças do mal tratamento, ora do próprio trabalho. Alexia preferia manter-se em silêncio, orgulhosa e inflexível, nem dirigindo sequer um olhar para Lhark ou Platzer. O barman abandonara temporariamente a boate em virtude da viagem e, de vez em quando, buscava o olhar da moça, em vão. Alexia apenas continuava trabalhando mecanicamente e evitando qualquer contato com seus captores.

Até que, num impulso incontido, ele a puxou fortemente para junto de si quando ela certa vez passou por perto, e lhe disse, segurando-a firme:

- Qual é? Não quero que me trate assim! Por mim, você estaria livre! Livre, entendeu?

- Claro! - ironizou ela - E faz questão de nos manter vivos para trabalharmos como escravos!

- Não queremos que fujam!- Richiel não fugiria! Este é o lugar dele! Mas não como escravo! E

muito menos trabalhando para Platzer!- E você?- Eu ficaria com ele! O que vocês vieram fazer aqui?

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- Platzer cobiça o negócio daqui e...- E você?- Eu quero você!- Claro! Como prostituta, para dançar e enriquecer os seus negócios!- Não, como amiga!- Eu não caio mais nessa! - vociferou ela, soltando-se com força e

seguindo o seu caminho. Lhark ainda a fitou aborrecido, mas voltou-lhe as costas emburrado, seguindo na direção oposta. À distância, Platzer observava atentamente a cena, interessado e com um misterioso sorriso inspirado por novos pensamentos.

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A escravidão continuava, dolorida e abominável. Ambos sofriam privações e raramente se falavam, apesar de dormirem próximos um do outro, ao ar livre. Até que, em uma noite escura e tranqüila, Alexia decidiu por um fim naquilo. Naquela noite, não conseguia dormir, com o pensamento cheio de planos e ideias e percebeu que Richiel também não dormia, deitado quieto e taciturno ao seu lado. Ela o tocou suavemente no ombro, sussurrando secretamente:

- Eu vou por um fim nisso tudo.- Eu também. - disse ele, a meia voz e com um riso forçado - Só não

sei como.- Eu estou falando sério.Ele a olhou de esguelha e perguntou, desconfiado:- No que está pensando?- Eu vou me aproximar de Platzer. E vou matá-lo.- Se aproximar? Se aproximar como? – ele se ergueu um pouco,

aproximando-se mais. Ela se manteve impassível e com um silêncio embaraçado, mas decidido. Ele logo entendeu e respondeu, reprovadoramente:

- O quê? Vai seduzi-lo? Vai se entregar a ele?- Vou fazer o jogo dele. E vou matá-lo. Só assim para acabar com

tudo isso.Ele a fitou ainda mais intensamente, claramente não gostando daquilo.- Não quero que faça isso. Não precisa. - E voltou a se deitar -

Acharemos um outro jeito.- Não há outro jeito. Ele me queria, se lembra? Ele está interessado

em mim, eu vou usar isso contra ele.- E Lhark? Ele está sempre junto de Platzer e vai logo desconfiar.

Vocês conversaram bastante, se lembra? - ele a fitou acusadoramente e Alexia baixou os olhos com remorso, apenas dizendo:

- Desculpe...

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- Eu sei.- Mas vou fazer aquilo, quer você goste ou não. - ele voltou a lhe

fitar com pesar e Alexia viu uma certa tristeza naqueles olhos negros e profundos. - Isso precisa terminar.

Ele nada respondeu desta vez, apenas tocou-lhe o rosto com uma das mãos e ela se aconchegou a ele. E adormeceram abraçados, como já não faziam há muito tempo.

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Logo no dia seguinte, a operação começou. Alexia começou a olhar de vez em quando para o corleciano, que sempre a observava de esguelha, com o mesmo sorriso sutil de interesse e cobiça. Alexia passava calmamente à sua frente, ressaltando seu corpo magro e bem cuidado por tantos anos de exercício, com sedução e fitando-o diretamente com seus olhos azuis e desolados. Lhark desconfiou de imediato, mas nada falou. No começo, Platzer também desconfiou das intenções da moça que ele sabia ser rebelde. Mas acabou não resistindo e correspondia aos olhares dela com prazer, alargando o sorriso cada vez que a moça lhe dirigia o olhar. Ele não se continha de êxtase ao vê-la passar. Alexia era uma moça muito bonita, alta, atlética e com lindos olhos azuis, e ele sabia que, cedo ou tarde, ele a possuiria. Aquilo não iria demorar muito para acontecer.

E, algum tempo depois, certa noite de céu claro e estrelado, alguns guardas se aproximaram de onde Alexia e Richiel dormiam. Foi com pesar e desgosto que Richiel viu os homens levarem-na, e ele sabia muito bem para o quê...

Alexia os seguiu obediente e resoluta, escondendo a todo custo o desprezo que sentia pelo corleciano. Ao entrar na tenda principal, agora ocupada por Plazter, este abriu um sorriso de vitória e contentamento, mas a moça continuava olhando o chão, séria e muda. O corleciano a olhou de cima a baixo satisfeito, porém, ressaltou:

- Você precisa de um banho, primeiro.Ela o olhou surpresa e ele lhe estendeu uma taça cheia de um líquido,

sendo que ele já segurava a sua, e estendeu-lhe o copo, dizendo:- Beba um bom vinho e relaxe, eu preparei um banho para você.Ela ainda o olhava desconfiada, mas pensou consigo mesma que

beber um pouco realmente a ajudaria a seduzir Platzer. E depois ela então o mataria. A moça tomou educadamente a taça das mãos dele e o corleciano lhe tocou o copo levemente, fazendo ressonar o

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límpido som de um brinde de cristal, dizendo, com os olhos claros grudados nela:

- A nós. Sejamos bons amigos daqui para frente.Ela retribuiu o brinde e ainda o olhou profundamente, bebendo

todo o conteúdo sem pestanejar. Ele alargou o sorriso e tomou-lhe a mão trêmula, conduzindo-a até o fundo da tenda onde, para espanto da moça, havia uma grande tina de madeira de onde esvaía-se uma leve fumaça. Água quente?! A moça realmente se surpreendeu, e pensou de novo consigo mesma que um banho não seria má ideia. Ela estava suja já há vários dias e realmente ansiava por um bom banho. Mas o plano continuaria. Entretanto, ela pretendia agora pelo menos aproveitar as vantagens e confortos que Platzer lhe oferecia.

- Posso por favor ter alguma privacidade? - pediu a moça, olhando-o constrangida. Ele soltou uma leve risada e se afastou, deixando a moça um pouco mais aliviada, e de novo ela olhou para aquela tina cheia de água quente, cercada de produtos ao redor vindos não sabia de onde... Seduzida por aquele conforto há tanto tempo esperado, ela aos poucos foi se despindo, sempre olhando para trás ou ao redor para ver se havia alguém. O corleciano estava do outro lado da tenda, bebendo mais, de costas, fingindo ignorar a moça. Alexia finalmente se despiu totalmente e entrou bem rápido da tina, mergulhando com gosto na água quente e se esfregando com o sabão que estava ali perto. Seus cabelos estavam sujos e ensebados e ela os esfregou com gosto com o shampoo que também estava ali. E enquanto depois passava um creme, olhava de soslaio para Platzer, que a observava com gosto de longe, sorrindo.

- Está bom aí, hein? - disse ele, de longe.- Sim, obrigada! - respondeu ela, alto, de longe. E mergulhou

gostosamente na água, fechando os olhos sonhadoramente e já se sentindo muito mais relaxada. Voltando à tona, abriu os olhos relaxadamente para o interior da tenda, que se tornou muito mais clara. Ela começou a pensar no seu plano. Teria que se entregar a Platzer para fazer aquilo realmente funcionar. Não seria tão difícil assim... Fazer sexo com alguém podia ser uma experiência maravilhosa. Alexia via tudo extremamente claro e colorido. Tudo se tornava tão claro e bonito e concluiu que aquele ambiente agradável a ajudaria com a operação. Aos poucos ela começou a ficar com calor, e achou que já estava na hora de sair.

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Ela então se levantou e saiu da tina se sentindo mais aliviada com o frescor da noite que entrava por uma fenda próxima. Ela pegou uma escova que estava ali perto e começou a escovar os cabelos distraidamente, arquitetando qual seria o melhor momento de matar Platzer. Matar era uma coisa horrível, ela pensava consigo mesma. Isso era realmente necessário? Talvez Richiel conseguisse um acordo com ele, ambos poderiam ser parceiros no negócio e talvez se tornassem amigos no futuro. Ela pensava no deserto lá fora e em como aquele planeta era bonito, quente e gostoso, seco e arejado. Aquela bebida deveria ter sido realmente algo muito bom, pois ela agora se sentia muito bem, e não reparou no corleciando que agora a contemplava com um largo sorriso, aproximando-se de onde ela estava. Ela olhou para ele correspondendo ao sorriso com naturalidade. Aquilo não era tão ruim assim... Ela se aproximou dele, pensando que talvez fosse melhor apenas deixar para lá. A tenda estava lindamente decorada, e as luzes bruxuleavam hipnoticamente a um ritmo gostoso e sedutor. A noite lá fora trazia de vez em quando uma brisa suave e fresca que lhe dava um ar novo, gostoso de respirar, e Alexia se sentiu internamente muito grata por estar ali naquele lindo mundo.

O corleciano a abraçou com gosto e calor e Alexia sentiu um calafrio de prazer ao toque dele, que a percorria deliciosamente de cima a baixo, acariciando-lhe com gosto os seios e as nádegas firmes e Alexia deixou-se levantar a perna bem esculpida em torno das pernas do corleciano, que a ergueu no colo arfando extasiado enquanto se dirigiam ao leito armado ali perto. Cada vez que ele a tocava, Alexia sentia uma gostosa eletrificação na pele e ela o acariciava a cada vez, retribuindo-lhe o toque. Aquilo era realmente extremamente prazeroso e ela achou que jamais poderia desejar algo melhor. Eles se deitaram pesadamente e ela sentiu com gosto o peso dele sobre si, acariciando-o delicadamente na nuca e passando os dedos por suas sobrancelhas, fitando fundo aqueles olhos claros tão profundos e sedutores, e ele lhe sorria com simpatia e gentileza, enquanto a penetrava forte e ritmicamente. Alexia sentia as fricções internas dentro de si, deliciosamente, abraçando-o ainda mais quanto mais ele imergia nela. Alexia o encarava com os olhos sempre muito abertos, contemplando aquela bela criatura que a envolvia protetoramente, acariciando-a calorosamente, e ela realmente desejou que o tempo parasse e somente os dois restassem no universo. Ela já suava intensamente, mas ele parecia ignorar aquilo, recusando-se

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a se desgrudar dela. Aos poucos, ela foi se sentindo ainda mais com calor, enquanto mãos e pernas deslizavam calorosamente por sua pele eletrificada e ele a percorria veloz e languidamente, enquanto Alexia sentia que todos os pontos do seu corpo pertenciam somente a ele, entregando-se voluntaria e prazerosamente. Ela cerrou os olhos relaxadamente, vendo formas e cores no escuro de sua mente, numa torção rítmica e harmoniosa, correspondendo exatamente aos pulsos luxuriosos que Platzer inseria dentro dela, enquanto ela sentia suas partes íntimas extremamente quentes e intumescidas, o que parecia incentivar ainda mais o corleciano, que arfava deliciosamente sobre si. Alexia o abraçou fortemente, não querendo nunca mais desgrudar dele. Ela via ao redor de si formas incertas e escuras, como se estivessem cercados por sombras dançantes, mas ela as ignorou, enquanto sentia dentro de si a explosão final de prazer que a fez soltar involuntariamente um grito alto que ressoou pela tenda como o vocal de uma música que a acompanhara instrumentalmente desde o começo. Platzer fitava-a com os olhos brilhantes e sorridentes, e Alexia deixou-se olhar, contemplando-o também com um gosto de volúpia.

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Horas depois, Alexia acordou ainda sobre o leito amarrotado e, com surpresa, viu Platzer adormecido ao seu lado, ressonando em um sono profundo e tranquilo. Ela, entretanto, estava mais que desperta e lamentou pelo seu parceiro tê-la abandonado tão cedo. Ela então se levantou e olhou ao redor procurando por algo para vestir. E depois de novamente estar com suas roupas, saiu da tenda para a noite lá fora, quieta e fresca, com a mesma brisa agradável de sempre, que lhe soprava no seu rosto ainda quente ideias e segredos. Ela caminhou serenamente por entre as tendas até onde ela e Richiel costumavam dormir naqueles dias de cárcere forçado e o encontrou deitado de lado, mas os olhos muito abertos fitando o nada lá longe. Seus passos logo a denunciaram e ele se voltou surpreso e interrogativo, fitando-a direto nos olhos e, vendo suas pupilas extremamente dilatadas, repeliu-a espantado, concluindo:

- O que andou tomando? - ela apenas continuou fitando-o, diminuindo o sorriso sem entender, mas descendo lenta e sedutoramente até abaixo da cintura, desatando-lhes as roupas até encontrar o seu membro. Ela o afagou carinhosamente e, lambendo-o com gosto e volúpia, tomou-o na boca ritmicamente. Ele deixou-se absorver voltando a se deitar relaxado, soltando por vezes gemidos prazerosos que eram abafados pelo temor de se interrompido.

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O dia seguinte a trouxe de volta à dura realidade, presenteando-a com uma profunda e sutil náusea que parecia deixá-la em câmera lenta por todo o dia. Richiel o percebeu, mas preferiu não dizer palavra, enquanto trabalhavam nas cargas do acampamento. O dia todo se passou lento e dolorido e Alexia via de vez em quando o corleciano, que a fitava com o mesmo leve sorriso intrigante, desta vez bem mais aberto e indisfarçável. A moça pouco se lembrava do que se passara na noite anterior, exceto que pelo menos finalmente tomara um banho. E de que bebera algo. E de que relaxara profundamente, como não o fazia após muito tempo.

Naquela noite, ela resolveu quebrar o mistério, perguntando a Richiel:

- Você viu eu voltar para cá ontem?Ele a olhou com surpresa, mas abriu um leve sorriso, respondendo

com um leve embaraço:- Sim, e bem inspirada...O corleciano apareceu ao longe, olhando-os à distância, e ele logo

fechou o sorriso desgostoso, dizendo:- Eu presumo que o seu plano não tenha dado certo... - e lhe entregou

um punhal. Alexia pegou-o surpresa, mas suspirou frustrada, para apenas admitir:

- Ele me deu algo para beber...- É, eu sei. - ele voltou a fitá-la, com os grandes olhos negros, profundos

e brilhantes. Alexia olhou-o interrogativa e surpresa, escondendo o punhal e, já ia perguntar algo, quando foi interrompida por um dos guardas, que a puxou rudemente com força, levando-a dali, sem que Richiel pudesse impedir.

Foi com surpresa e desgosto que Alexia se viu sendo novamente levada para a tenda do corleciano e, ao tentar recuar e impedir sua entrada ali, apenas recebeu um novo empurrão que a colocou frente a

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frente com Platzer, que a fitava sorrindo friamente. Alexia tentou ainda recuar, mas ele a segurou pelo braço e, cingindo-a pela cintura com o outro braço, ironizou-lhe sarcasticamente:

- O quê? Não se lembra dos momentos maravilhosos que tivemos ontem? - ela o olhou com os olhos arregalados e interrogativos e ele continuou, sorrindo divertido com a confusão da moça: - Você ajudou muito, na verdade. - e revelou-lhe o saquinho de plástico que ela mantinha consigo, agora vazio. Alexia olhou aquilo incrédula e ele riu divertido, mas logo atalhou, puxando-a ainda para mais perto de si:

- Vamos ver se sobrou algum efeito ainda? Você não vai a lugar algum! Eu a terei para sempre aqui comigo!

Alexia tentava inutilmente se livrar dos braços de ferro do corleciano, que a agarrou pelos cabelos e, puxando-a para si, beijou-a profundamente, enquanto suas mãos firmes percorriam-na sofregamente, conduzindo-a para o fundo da tenda. Alexia deixou-se acariciar e beijar, mas assim que conseguiu uma mão livre puxou sorrateiramente o punhal que trazia escondido. E lentamente o levou até as costas do corleciano que, de repente lhe agarrou a mão assassina, vociferando:

- Então é assim que pretende me matar?Alexia ainda tentou prosseguir no seu intento, mas foi logo

empurrada brutalmente para trás, perdendo sua arma. Platzer fitou-a com raiva, esbravejando:

- Sabia que não podia confiar em você. Não desiste, não é mesmo?- Eu vou acabar com isso! - disse ela, levantando-se e se afastando

dele, que avançava ainda em sua direção, ameaçadoramente e com os olhos chispando de rancor.

- Cheguei realmente a pensar que finalmente a tinha para mim. Mesmo que artificialmente... Mas agora reconheço que nunca a conseguirei. Eu tenho mesmo que matá-la antes que você o faça comigo! - E tomando o punhal que Alexia perdera, girou-o habilmente nas mãos, sorrindo vitoriosamente: - E vou fazê-lo com sua própria arma!

Alexia fugiu pela tenda, buscando algo com que pudesse se defender. O corleciano avançou furiosamente na sua direção mas, antes que pudesse finalmente tocá-la, Alexia descobriu uma arma escondida em um canto e instantaneamente apontou-lhe, o que o fez estacar com desgosto.

Súbito, porém, Lhark apareceu na entrada da tenda, com um facão

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na garganta de Richiel.- Se tocar nele eu o mato. – disse ele, fitando-a desafiadoramente.A moça imediatamente recuou e abaixou a arma, atirando-a para

longe com desgosto, enquanto olhava com temor para o refém.

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Os dois foram amarrados fortemente, separados um do outro. Alexia ainda tentou em vão se soltar, debatendo-se e esperneando como uma selvagem para ficar junto do companheiro, mas foi mantida longe, por mais que se esforçasse. Lhark agarrou-a amarrando seus pulsos para trás, mas lhe sussurrou ao ouvido:

- Nada está perdido!Logo se afastou dissimuladamente e Platzer fitou a moça com raiva:- Já vi que não posso mesmo confiar em vocês. Morrerão aqui e

agora, por minhas próprias mãos.- Antes morrer do que ter que viver assim! – cuspiu ela, com os olhos

faiscantes de revolta.- Então eu vou matar o seu amigo primeiro!E já ia sacando a arma. Alexia se angustiou e tentou se arrastar até

Richiel. Mas Lhark logo a impediu sussurrando-lhe:- Ei, calma aí! Nada vai acontecer a ele!- Então me solte! - disse ela, lívida.Platzer voltou os olhos frios para os sussurros, desconfiados, mas

Lhark já estava afastado a tempo de não ser flagrado junto à moça. O corleciano empunhou a arma apontada para Richiel, que quase já perdia a cor, e lhe disse:

- Sempre vi você como um bom negociador. É uma pena isso ter que terminar assim... Por causa de uma mulher.

Alexia tentava desesperadamente se soltar, machucando os pulsos com a força das cordas, enquanto que lágrimas quentes escorriam pela face aflita. Subitamente, algo cortou num só golpe as cordas que a prendiam e, instantaneamente, a moça voou para cima de Platzer, bem no momento que ele disparara. O tiro atingiu o teto, rompendo a corrente do lustre, que caiu sobre a cabeça do corleciano, espatifando-se. Alexia correu a soltar Richiel, com a face úmida e o coração na garganta.

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- Conseguiu, hein? - brincou ele, com um sorriso de alívio, enquanto que sua cor natural ia aos poucos voltando.

- Cale-se!... - brincou ela, de volta. E sem que ele pudesse fazer algo, ela o abraçou carinhosamente com um forte beijo.

Depois, voltando-se para Lhark, viu-o com uma pequena faca nas mãos. Ele a largou longe e disse, com um breve suspiro:

- Enfim, livres.Alexia respirou com pesar, pasmo e gratidão, dizendo:- Pensei ter se juntado a ele.- Não. Apenas por lucro. O negócio não valeu a pena.- Que bom. Obrigada!Alexia sorriu-lhe timidamente e, ao voltar-se para Richiel, foi

surpreendida por um novo beijo.- Por agradecimento. - disse ele, fitando-a profundamente com os

olhos negros e brilhantes. Alexia deixou-se abraçar junto a ele, dizendo:- Eu amo você, sabia?- Eu também amo você, Alexia! - disse de repente uma voz forte e

sádica. Os dois voltaram-se surpresos e se atemorizaram ao ver Platzer, com o sangue do ferimento escorrendo pela cabeça, apontando-lhes uma arma. - Sinta o meu amor! - o tiro ecoou pela noite velada, mas foi ele próprio quem tombou sem vida ao chão, revelando atrás de si Tharsykla, de arma na mão e dizendo:

- Cheguei na hora?Alexia respirou pesadamente, com o coração batendo

descompassado. Ela logo correu a abraçá-la, dizendo:- Como sempre! Obrigada, amigona!Lhark aproximou-se dela apressado, indagando impaciente:- Por que demorou tanto?- Eu tinha outro emprego, também, sabia? - ofendeu-se ela, bem-

humoradamente. - Arranjaram encrenca, hein? - e olhou com desprezo para o corpo sem vida do corleciano: - Eu me demito.

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Os quatro, junto com todos os ex-trabalhadores, abandonaram a base, junto com o contrabando de praxílio, combustível ilegal para armas. O poço ficou completamente esquecido e abandonado pelo vento, que se encarregou de arrastar areia até a boca, tampando-o ao longo do tempo. Alguém recolhera todo o material, guardando tudo no lugar. A base se tornou uma cidade fantasma.

Alguém talvez a descobriria algum dia. E aí, seria com eles. Mas os quatro não teriam mais nada a ver com aquilo. Partiriam de volta para Omykron, de volta à pacata cidade de Bardíssia.

Richiel nem sentiu pesar ou arrependimento ao deixá-la. Não se importava mais com aquilo, agora queria só paz e sossego, consigo e com a nova companheira.

- Por que fugiu de nós? - perguntou Richiel à moça. Ambos estavam sentados no topo da colina em frente à base, assistindo aos preparativos finais de desmontagem de tudo.

Apesar de tudo o que acontecera, ambos não tinham mudando muito. Mas ao invés do brilho frio e perspicaz nos olhos negros e profundos, Richiel estava agora com um brilho quente e afável. Seu sorriso agora sincero se abria com prazer para a jovem que amava. Alexia nunca estivera tão bonita quanto quando em Bardíssia. E essa beleza natural agora retornava aos poucos, após o período de desolação e sofrimento.

- Você queria me entregar a Richiel. Queria me vender a ele! - disse ela, indignada. Richiel repeliu-se e corrigiu:

- Não queria vendê-la! Quem falou isso?- Robson.- Ele não entendeu direito. Fui a Omykron para entregar umas

mercadorias a Platzer. Quando ele a viu, quis ficar com você. Mas eu não queria, jamais o permitiria. Conhecia muito bem aquele cara e sabia como você terminaria.

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- Por que não o permitiria?- Porque você é uma boa companhia, trabalha bem, é esperta. Mas

tinha medo de me prender, de ter que me preocupar com você, ou sofrer por sua causa.

Alexia corou embaraçada e baixou os olhos, dizendo:- É, eu também...Ele a olhou com ternura, abrindo um leve sorriso de compreensão.

E eles se abraçaram ainda, olhando toda a movimentação lá embaixo, quando Tharsykla apareceu pelo outro lado, chamando-os:

- Ei, a nave está pronta para ir. Vamos?A boate foi novamente aberta, recomeçando a animar o ambiente, de

volta com os antigos fregueses que procuravam um pouco de diversão e descanso mental. A música alta e pulsante voltou a tocar, as bebidas voltaram a ser consumidas e os bêbados voltaram a incomodar. A pista voltou a ser preenchida com a multidão saltitante e as luzes mais uma vez voltaram a se inquietar excitadas, revelando a enérgica moça que de novo se entregou aos ritmos eletrônicos que sempre a hipnotizavam.

Lhark e Tharsykla compartilhavam das tarefas no bar, ele andando de lá para cá, produzindo as misturas coloridas e inebriantes que excitavam ou relaxavam o público sedento e ela servindo-as autoritariamente e bem-humorada. Richiel geralmente se sentava no bar junto a eles ou conversando com futuros parceiros de negócios e, de vez em quando, lançando um olhar cobiçoso à moça elétrica que não cansava de pular na pista, cercada de seguidores fiéis que eram contagiados pela sua energia e amabilidade. Até que, bem mais tarde, ela se dirigiu a eles, feliz e cansada, aceitando a bebida que lhe era oferecida.

- Cansou já? - perguntou ele, sorrindo sedutoramente.- Acho que preciso de um banho. – respondeu ela, calidamente. – E

de uma massagem.Ele alargou ainda mais o sorriso, levantando-se e enlaçando-a com os

braços pela cintura. Os outros dois no bar apenas lhe sorriram quando eles se afastaram, rumo ao segundo andar da boate, Richiel com uma piscadela marota.

FIM

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