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ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014 2150 A GEOGRAFIA DOS MOTOTAXISTA: A TERRITORIALIDADE E OS MULTIPLOS USOS DO TERRITÓRIO EM BELÉM DO PARA Overlandi Rodrigues 2 Heber Machado 2 Lucas Teixeira 2 Alan Leonardo Oliveira Ferreira¹ Resumo: Este artigo analisa o espaço como dimensão da realidade que se configura como território usado e é construído por diferentes relações sociais, definindo novas configurações na mobilidade urbana de pequenas, médias e grandes cidades, onde o moto taxistas exerce sua dinâmica territorial transportando e trafegando objetos e pessoas, que utilizam esse tipo de serviço. A pesquisa sobre o território dos moto-taxis surgiu devido à preocupação com a melhoria das condições de transporte na região metropolitana de Belém, especificamente na fluidez e deslocamento dos veículos na rodovia Augusto Montenegro. A maneira como são estabelecidos esses territórios e, como se configura o domínio espacial dessa dinâmica de territorialidade nos referidos espaços geográficos. Neste estudo analisaram-se as relações desses moto-taxis dentro desse espaço, como executam suas atividades, a importância desse tipo de serviço para a melhoria do transporte urbano, sua legalidade diante das autoridades constituídas, as formas de confrontos desses moto-taxis. Para a realização deste trabalho utilizou-se fontes de dados primários e secundários, pesquisa de campo e entrevistas com os agentes envolvidos. Os resultados encontrados apontaram que os moto- taxis encontram-se espalhados ao longo de toda a região metropolitana de Belém, especificamente na rodovia Augusto Montenegro. São de imprescindível importância para a fluidez do trânsito, no transporte de pessoas que utilizam esse meio de circulação diária em seu cotidiano, e que os mesmo não são reconhecidamente legalizados pelos poderes constituídos. Palavras chave: Território, Poder, Mototaxista, Conflitos e Territorialidade. ² Alunos do curso de geografia das faculdades integradas Ipiranga

A GEOGRAFIA DOS MOTOTAXISTA: A TERRITORIALIDADE E … · 1. O espaço urbano capitalista é fragmentado, articulado, reflexo, ... dá na incorporação de novas áreas ao espaço

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ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014

2150

A GEOGRAFIA DOS MOTOTAXISTA: A TERRITORIALIDADE E

OS MULTIPLOS USOS DO TERRITÓRIO EM BELÉM DO PARA

Overlandi Rodrigues2

Heber Machado2

Lucas Teixeira2

Alan Leonardo Oliveira Ferreira¹

Resumo: Este artigo analisa o espaço como dimensão da realidade que se

configura como território usado e é construído por diferentes relações sociais,

definindo novas configurações na mobilidade urbana de pequenas, médias e

grandes cidades, onde o moto taxistas exerce sua dinâmica territorial

transportando e trafegando objetos e pessoas, que utilizam esse tipo de

serviço. A pesquisa sobre o território dos moto-taxis surgiu devido à

preocupação com a melhoria das condições de transporte na região

metropolitana de Belém, especificamente na fluidez e deslocamento dos

veículos na rodovia Augusto Montenegro. A maneira como são estabelecidos

esses territórios e, como se configura o domínio espacial dessa dinâmica de

territorialidade nos referidos espaços geográficos. Neste estudo analisaram-se

as relações desses moto-taxis dentro desse espaço, como executam suas

atividades, a importância desse tipo de serviço para a melhoria do transporte

urbano, sua legalidade diante das autoridades constituídas, as formas de

confrontos desses moto-taxis. Para a realização deste trabalho utilizou-se

fontes de dados primários e secundários, pesquisa de campo e entrevistas com

os agentes envolvidos. Os resultados encontrados apontaram que os moto-

taxis encontram-se espalhados ao longo de toda a região metropolitana de

Belém, especificamente na rodovia Augusto Montenegro. São de

imprescindível importância para a fluidez do trânsito, no transporte de pessoas

que utilizam esse meio de circulação diária em seu cotidiano, e que os mesmo

não são reconhecidamente legalizados pelos poderes constituídos.

Palavras – chave: Território, Poder, Mototaxista, Conflitos e

Territorialidade.

² Alunos do curso de geografia das faculdades integradas Ipiranga

ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014

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¹ Professor, M.E das faculdades integradas Ipiranga

1. INTRODUÇÃO

1. O espaço urbano capitalista é fragmentado, articulado, reflexo,

condicionante social, cheio de símbolos e campo de lutas. Fragmentado por

conta dos espaços segregados oriundo da diferenciação de bairros com

classes sociais distintas, que habitam esses territórios residenciais,

construções que se apresentam de forma vertical ou de forma horizontal.

Entretanto, apesar de toda essa segregação, a articulação entre os mesmos é

feita através de vias que exercem grande importância na conexão destes

territórios, circuitos dos espaços urbanos, afinal, a cidade é um todo, e possui

sua conexão como um todo. A cidade é um território urbano, e dentro dessa

urbanidade territorial, encontramos dezenas de territorialidades. Há uma

hierarquia de territórios que se sucedem logo após o Estado. Essa relação de

poder que emana em diversas esferas é sentido e muita das vezes não é

percebida pelo cidadão comum. Esse atributo de territorialidade, de posse

sobre algum bem ou objeto, dirigido a um determinado espaço geográfico, não

é associado a um dos conceitos-chave da geografia, na ótica deste cidadão. O

cidadão foca essa relação de forma simplista, como uma relação natural e

espontânea, desencadeada por desejos que convergem para interesses

comuns. Esse desconhecimento epistemológico geográfico, que norteia os

paradigmas dos estudos geográficos, e que todos os geógrafos se

fundamentam, não é um privilégio de todos. Eis o porquê da dificuldade em

reconhecer e associar o comportamento de territorialidade exercido pelos moto

- taxis em dezenas de pontos fragmentados pela rodovia Augusto Montenegro,

com suas ações nesses territórios.

Essa complexidade do espaço urbano, derivado da dinâmica de

acumulação de capital, e suas necessidades mutáveis de reprodução das

relações de produção e dos conflitos de classes que dela emergem. Toda essa

efervescência leva a um constante processo de reorganização espacial, que se

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dá na incorporação de novas áreas ao espaço urbano. Fato que gera uma

queda e incapacidade dos serviços oferecidos pelo Estado, em decorrência

desse crescimento acelerado da população e consequentemente do espaço

urbano.

Com a incapacidade dos órgãos Públicos em acompanhar a demanda

de serviços de infraestrutura, segurança pública, educação e transporte. Diante

desse crescimento vertiginoso das áreas periféricas da cidade, e um número

geométrico de pessoas usuárias do transporte público, que precisam se

locomover para diversos pontos da cidade. Em cima dessa problemática vivida

por essa parcela desprestigiada da periferia, se fez necessário buscar

alternativas para atender esse imenso público residentes nessas aglomerações

urbanas.

E uma dessas alternativas criadas pela própria população local,

desvinculada do poder Público, foram a utilização de moto-taxis para atender

essa demanda crescente de pessoas que não é contemplada pelos demais

meios de transportes. O moto-taxi se adaptou perfeitamente ao ambiente e a

paisagem geográfica e topográfica desses territórios.

Com o serviço de moto-taxi, foi possível desafogar o trânsito e escoar a

massa populacional dessas comunidades, tendo como opção a utilização do

transporte do moto-taxi.

Com o surgimento da figura do moto-taxi realizando esse serviço, o

número de moto-taxi se multiplicou nesse espaço, o que gerou acirradas

disputas pelo território estabelecido, logo, vários moto-taxis dissidentes

migraram para outros espaços geográficos, tomando posse e moldando seus

próprios territórios.

Esse trabalho tem como objetivo realizar o levantamento desses pontos

de moto-taxistas, e entender essa multiplicidade territorial, seu caráter híbrido,

flexível. A relação que fazem entre espaço geográfico, suas conexões,

memória e imaginação. Perceber o território através dessa relação de poder e

de cumplicidade com os demais componentes deste espaço. Afinal, o território

se estabelece em cima do espaço Geográfico. Mostrar que são estabelecidas

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relações de poder, que podem ser conflituosas ou não e, podem ser sem

demarcação física do espaço.

Percebendo a grande dificuldade encontrada por diversos segmentos da

classe de motos-taxistas fragmentados em diversos pontos da área

metropolitana de Belém, especificamente na Rodovia Augusto Montenegro, no

que tange ao reconhecimento pelo Estado como categoria que exerce uma

atividade trabalhista informal, contudo, de grande relevância para a mobilidade

urbana no que se refere à circulação de pessoas em suas motos por conta da

carência de transportes em determinados pontos da Região Metropolitana de

Belém. Como esses motos-taxistas utilizam esse território, como eles

perceberam essa necessidade criada pelos usuários para o transporte desse

público alvo. Como selecionaram esses lugares para exercer seu poder

estabelecendo territórios; como é a relação entre os membros que dividem

esse mesmo território; como se dá a disputa desses pontos em relação a

outros motos-taxistas que invadem esses territórios, a luta pela

regulamentação desse transporte por parte dos motos-taxistas em relação aos

órgãos oficiais do Estado, que detêm o poder de legitimar ou não suas

atividades e ações. Em cima desse foco, o presente trabalho buscou subsídios

referentes aos diversos conceitos de território, e o tópico escolhido foi o dos

motos-taxis existentes na região metropolitana de Belém, tendo como área de

estudos especificamente a Rodovia Augusto Montenegro, demonstrando a

diversidade entre os referentes pontos de moto-taxis dessa rodovia. Há vários

sentidos figurados para a palavra território, mas, todos compartilham da ideia

de apropriação de uma parcela geográfica por um indivíduo ou uma

coletividade. Diante disso, empreendemos pesquisa através de entrevistas com

alguns moto-taxis em diversos pontos da Rodovia Augusto Montenegro,

colhendo dados, e assim, de posse desses dados, realizar uma analise sobre o

universo dos moto-taxis.

2. BREVES CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS CONCEITUAIS

Para um melhor entendimento sobre o assunto, que aborda o

conceito de território discutido em nossa pesquisa, nos apropriamos de

informações a respeito do conceito de território, buscando subsídios para

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nortear nosso trabalho e assim propiciar uma maior compreensão a cerca

desse conceito. Com base nisso, nos proporcionaram uma visão mais

globalizada das várias leituras de território, no sentido de que essas distintas

leituras de território possam contribuir de forma positiva, para a presente

discussão e também para subsidiar a pesquisa de campo, que tem como lócus

de investigação a Rodovia Augusto Montenegro, espaço esse que se

apresenta como principal vetor de crescimento urbano, presença de grandes

serviços, shopping, condomínios horizontais e moradores socialmente

excluídos. Esses diferentes usos do território revelam conflitos entre diferentes

agentes sociais, que definem suas territorialidades e conformam uma geografia

da luta por espaços da e na cidade.

De acordo com Raffestin (1993), o território é uma construção conceitual

a partir da noção de espaço. Com isso, esse autor pretende fazer uma

distinção entre algo já ‘’dado’’, o espaço – na condição de matéria prima natural

e um produto resultante da moldagem pela ação social dessa base – e o

território – um construto, passível de “uma formalização e/ou quantificação”.

Assim, “a produção de um espaço. O território nacional, espaço físico,

balizado, modificado, transformado pelas redes, circuitos e fluxos que aí se

instalam: rodovias, canais, estradas de ferro, circuitos comerciais e bancários,

autoestradas, e rotas aéreas, etc.” (LEFEBVRE, 1978, p. 259 apud

RAFFESTIN, 1993, p. 143), por exemplo, se constitui em um complexo jurídico

– sócio – econômico, modelado em uma multiplicidade de paisagens, exibindo

feições características.

Para Rafestin (1993), o território é, assim, a base física de sustentação

locacional e ecológica, juridicamente institucionalizada do Estado Nacional.

Contém os objetos espaciais, naturais e/ou construídos, na condição de

instrumentos exossomáticos (dependente da natureza), para (re) produção de

uma identidade étnico–sócio - cultural. O território é, portanto, junto com a

soberania e o povo, um dos três elementos básicos que formam a nação –

estado moderno.

Baseado nas teorias de Raffestin (1993), podemos claramente identificar

essa construção conceitual a partir da noção de espaço, pois, o espaço – na

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condição de matéria prima natural e um produto resultante da moldagem pela

ação social dessa base – e o território – um construto, passível de “uma

formalização e/ou quantificação”. O moto-taxi se apropria do espaço de um

determinado lugar e, produz seu território, fixando seu ponto de moto-taxi,

moldando-o através de normas e regras, delimitando seu espaço físico, como

forma de controle do território, por parte daqueles que compõe ou integram

esse território.

Embora, juridicamente não seja reconhecido formalmente pelas

autoridades constituídas, assemelha-se grosseiramente a um Estado. Possui

fronteiras fixas e determinadas, com normas que são impostas a todos que

integram aquele espaço e, caso não obedeçam às normas pré-estabelecidas,

são passiveis de punição, que é aplicada por parte do representante do referido

ponto de moto-taxi. A feição física do ponto de moto-taxi também depende das

pessoas que compõe esse território. Muitos pontos de moto-taxi tomaram a

feição de associações de determinada comunidade, onde só eles e que podem

atuar. Nessas associações, o nível de organização e de gestão utilizados

demonstra o interesse de bem atender a clientela, mostrando que esses novos

profissionais se estabeleceram e vieram pra ficar, prova disso é a preocupação

que têm com o serviço, pois, trabalham com uniformes numerados, que servem

para identificar cada moto-taxi do ponto, motos com logotipo e numeração

afixada em cada moto, facilitando assim o reconhecimento de cada moto da

associação, caso aconteça algum sinistro ou, um atendimento insatisfatório por

parte desse moto-taxi.

Podemos perceber que há relações de poder acontecendo na Rodovia

Augusto Montenegro. Neste território, muitos exercem suas territorialidades e

nem percebem, por não possuírem um conhecimento teórico a respeito do

assunto.

O espaço territorial de uma nação é o lócus do exercício de poder de um

Estado ou formação política – cuja soberania é a expressão do domínio

patrimonial ou de propriedade -, de modo exclusivo, e sob dado contexto

ecológico (por se tratar de parte da superfície terrestre), de forma a constituir

uma entidade jurídica reconhecida como tal pelo fórum internacional. Esse

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caráter jurídico do território desponta na origem latina do termo territorium,

mencionado por Cícero e Plínio, e ligado a tratados sobre a agrimensura, no

sentido de parcela de terra apropriada (LE BERRE, 1995). Dessa forma, a

palavra território possui um inerente significado jurídico, que abrange três

importantes conotações: dominação, através do poder do soberano; interdição,

devido ao controle territorial; e demarcação, dadas as fronteiras físicas. Essas

características atribuem à palavra território a dupla natureza de um termo

jurídico/político (LE BERRE, 1995).

Uma das conclusões mais fecundas da Geopolítica é a de que não

existem fronteiras naturais do Estado, mas que todas as fronteiras políticas são

zonas e limites arbitrários, artificiais, isto é, queridos pelos homens, nascidos

das relações de poder e das manifestações de vontade dos que traçam as

fronteiras (HELLER, 1968, p. 179). Essa afirmação nacional é concebida no

âmbito interno às fronteiras, como pleno aproveitamento das potencialidades

contidas dentro do território. Dito de outro modo, o exercício de territorialização

das partes constituintes do todo do Território envolve a incorporação ao

processo de produção de recursos potenciais, latentes em materiais naturais

que estão estocados em porções ainda não aproveitadas do contexto

ecológico.

Considerando-se como já estabelecido o recorte territorial, ou

consolidada a territorialização, a territorialidade seria, conforme a extensão

territorial e o modo sócio-político-econômico, a transformação paulatina das

diferentes regiões desse território. Assim, a territorialidade, enquanto exercício

de poder jurídico-político-econômico em um contexto nacional resultaria do

processo de valorização do espaço geográfico, nos termos de um dado modo

de produção, conforme Moraes e Costa (1984).

Para Haesbaert (2002), o território é agrupado em quatro vertentes

básicas: política, cultural, econômica e natural. Esses aspectos, obviamente,

não refletem a totalidade do debate geográfico, mas, sua escolha se justifica

pela posição privilegiada que ocupam no âmbito das reflexões teóricas que se

propuseram a (ré) pensar o conceito de território, oferecendo elementos

relevantes para tarefa de conceituação e definição de parâmetros operacionais

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para as pesquisas que se debruçam sobre a compreensão das manifestações

da territorialidade. É no rastreamento do percurso e no aclaramento e na

organização dessas discussões que se encontra estruturado este texto,

cumprindo, também, o papel de guia das próximas seções. A despeito da

existência de controvérsias etimológicas acerca da origem e da evolução da

palavra território, Haesbaert (2004), destacou dois sentidos largamente

difundidos (inclusive academicamente) que são tributários do latim: o primeiro,

predominante, referido a terra, tomando o território como materialidade; e o

segundo, menos frequente, relacionado aos sentimentos que o território

provoca, ou seja, “(...) medo para quem dele é excluído, de satisfação para

aqueles que dele usufruem ou com o qual se identificam”(p. 44).

Talvez em decorrência da tradição jurídico-romana que o seu significado

etimológico evoca, ou mesmo por seu emprego original nos estudos etológicos

(sobre a territorialidade animal) e na Geografia Política, o conceito de território

sugere pensar nos limites/fronteiras que o delimitam. Esse exercício torna-se

mais fácil quando tomado em sua forma material clássica de manifestação,

definido nos domínios políticos do Estado. Segundo Souza (1995), a

concepção de território na tradicional Geografia Política, fixado na escala

nacional e assentado na figura do Estado-nação, pressupunha limites espaciais

e temporais com pequena mobilidade, pois, entende a durabilidade como

geradora de raízes e identidade sociocultural. As durabilidades das fronteiras

nacionais permitiram a construção da ideia de fixidez dos territórios,

naturalizando as fronteiras estatais (SOUZA, 2009).

A compreensão do território como um espaço com limites estabelecidos

por fronteiras coloca, por conseguinte, a questão da exclusividade de

apropriação e de uso, distinguindo “nós” (os incluídos, aqueles que integram o

território) e os “outros” (aqueles que não fazem parte do território). Nessa

perspectiva, enquadra-se adequadamente o recorte do Estado territorial, com

limites estabelecidos de apropriação, uso, gestão e controle de fração do

espaço, como um domínio político-estatal, cujo acesso exige a permissão de

uma autoridade, de um poder instituído concentrado na figura do Estado.

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O pressuposto da existência de fronteiras bem delimitadas e definidoras

dos membros da coletividade territorial, como conteúdo do conceito de

território, não foi uma exclusividade da clássica Geografia Política, mas

compareceu em outras formulações de geógrafos, conforme a definição de

Soja (1971), considerando a territorialidade como:

Um fenômeno de comportamento associado à organização do

espaço em esferas de influência ou em territórios nitidamente

delimitados, que assumem características distintas e podem

ser considerados, pelos menos como exclusivos de quem os

ocupa e de quem os define (SOJA, Apud ROCANYOLO, 1988,

p. 263).

As condições que constroem a distinção entre os membros de uma

coletividade territorial e os outros, que a ela não pertencem, aparecem também

em Raffestin (1988, p. 265, tradução nossa), ao definir a territorialidade

humana como o “(...) conjunto de relações mantidas pelo homem, enquanto

pertencentes a uma sociedade coletividade, segundo Raffestin (1986), com a

exterioridade e a alteridade com a ajuda de mediadores ou instrumentos (...)”.

Portanto, “falar de território é fazer uma referência implícita à

noção de limite (...)” que pode ser expressa pela “(...) relação

que um grupo mantém com uma porção do espaço”, gerando

uma delimitação, que, por sua vez, significa “manifestar um

poder numa área precisa” (RAFFESTIN, 1993 [1980], p. 153).

Contudo, o autor adverte que delimitar (marcar, cercar - arremata o

autor) parcelas não é uma simples relação com o território, pressupondo uma

relação triangular, pois, “a relação com o território é uma relação que mediatiza

em seguida as relações com os homens, com os outros” (p. 160). Essa

perspectiva aponta inequivocamente para as relações de poder que são

constitutivas da territorialidade e que ocuparam posição privilegiada no

pensamento do autor. O vínculo mais tradicional na definição de território é

aquele que faz a associação entre território e os fundamentos materiais do

Estado. Na atualidade, a discussão sobre território está associada ao contexto

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do meio técnico-científico-informacional, ou seja, da sociedade em rede. Os

territórios alternativos, micro territórios, territórios contínuos, onde o mesmo

espaço é usado de diversas maneiras com vários grupos sociais definindo o

espaço. As vias urbanas podem ser consideradas territórios contínuos, o moto-

taxis disputam palmo a palmo esse espaço com os demais veículos, no

momento em que se encontram transportando algum tipo de produto ou

pessoas pela extensão da cidade. Essa disputa pelo mesmo espaço, trazendo

como consequência brigas e confusões entre os moto-taxis e os demais

motoristas. Nessa trama discursiva o território traduz a dimensão política do

espaço geográfico, por conter em seu interior desejos e intencionalidades

expressas por meio de diferentes formas de poder.

Souza (1995), em um texto que alcançou o mérito de problematizar o

debate sobre o conceito de território na geografia brasileira, assumindo um

esforço de arejamento desse conceito e buscando libertá-lo das amarras

espaciais e temporais a que esteve submetido na Geografia Política Clássica,

sintetiza bem a ideia de flexibilidade e mobilidade das múltiplas escalas da

territorialidade:

Territórios existem e são construídos (e desconstruídos) nas

mais diversas escalas, da mais acanhada (p. ex., uma rua) à

internacional (p. ex., a área formada pelo conjunto dos

territórios dos países-membros da Organização do Tratado do

Atlântico Norte – OTAN); territórios são construídos (e

desconstruídos) dentro de escalas temporais as mais

diferentes: séculos, décadas, anos, meses ou dias; territórios

podem ter um caráter permanente, mas também podem ter

uma existência periódica, cíclica (p. 81).

No mundo globalizado esses poderes são multifacetados, difusos,

distinguindo-se daqueles mais formalizados e visíveis. São forças ‘invisíveis ’e

simbólicas, nas quais as diferentes manifestações culturais põem em prática os

projetos de mundo de grupos específicos. O autor propõe que o território seja

visto como processo relacional, mas como territorialização do que como

espaço fixo estável. Territorialização, por seu caráter processual, possibilitaria

a constituição de identidades de forma dialógica, múltipla, aberta, em constante

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(re) construção: identidades territoriais, onde as referências espaciais localizam

relações sociais, políticas, culturais e econômicas de grupos e indivíduos.

O espaço geográfico somente surge após o território ser trabalhado,

modificado ou transformado pelo homem, ou quando este imprime na

paisagem as marcas de sua atuação e organização social. Por meio de seu

trabalho, transforma os recursos naturais em coisas úteis e indispensáveis à

sua vida, tais como: alimentos, roupas, habitação, energia, etc.

São considerados espaços naturais àqueles que não sofreram

intervenção humana. Hoje eles quase inexistem, pois são extremamente raros

os lugares desconhecidos pelo homem ou que não sofreram sua intervenção.

O espaço geográfico não é estático. Ele vai sofrendo modificações de

acordo com a relação sociedade (homens) e a natureza. A sociedade modifica

o seu espaço, organizando-o com suas necessidades e possibilidades, que

variam de um lugar para outro, e de uma época para outra. Um exemplo de

diferentes épocas e diferentes formas organização espacial, é que durante o

período colonial, uma viagem entre Santos e São Paulo, feita no lombo de

animais durava dias. Atualmente, com o uso de automóveis, estradas

asfaltadas, pontes e túneis, essa viagem é realizada em menos de uma hora.

Todo espaço geográfico habitado, ou que foi tocado pelo homem, é

produzido e organizado segundo os interesses de alguns, e não de todos. Os

espaços geográficos produzidos no decorrer da história, sempre mostraram

que sua produção, sua organização, sua apropriação e sua utilização, sempre

foram geridos pelas relações de poder (político, econômico, religioso e militar)

existentes entre os grupos sociais das diversas sociedades humanas

espalhadas pelo mundo.

A Produção do Espaço Geográfico na Antiguidade (modo de produção

asiático): é uma das formas de organização social que marcaram a passagem

da comunidade primitiva para a sociedade de classes. Consistia num certo tipo

de Estado, representado na figura de um imperador ou tirano, que juntamente

com uma casta social privilegiada e dominante, determinava em grande parte

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as "regras" de apropriação, produção e organização espacial. Não existia a

propriedade privada da terra e a força de trabalho era explorada pelo Estado e

pelo tirano. Nesse modo de produção o Estado era onipresente, isto é, era dele

que emanava todo o poder sobre todos e sobre tudo.

O mundo que vemos hoje é fruto da transformação de antigos e novos

povos que moldaram e continuam moldando o espaço geográfico, através de

suas técnicas e de suas tecnologias, reinventando novos conteúdos espaciais.

Quando contemplamos grandiosas obras fruto do trabalho humano sobre o

espaço natural, não paramos para pensar, que foram construídas a mando do

grupo dominante, pelo grupo dominado, que teve a sua força de trabalho

intensivamente explorada. Significa que a produção e a organização do espaço

geográfico estão profundamente marcadas em especial pelo trabalho de

alguns, e não de todos os membros da sociedade.

Neste sentido, haveria, portanto, ‘identidades desterritorializadas,

constituídas pela complexidade da relação espaço-tempo, nomeadas de

multiterritorialidades, um híbrido de lugares identitários com possibilidade de

acesso a vários territórios em rede, sem hierarquia de lugar, e as ‘identidades

territoriais reclusas’, reação à multiplicidade e ao hibridismo decorrente da

velocidade do movimento pós-moderno. Fato que nos remete a pensar nas

disputas existentes dentro desse território relacional com referências espaciais

presentes num movimento de ir e vir, onde moto-taxi e os demais veículos

competem e exercem relações de poder de forma conflituosa.

2. RESUTADOS E DISCUSSÕES: A TERRITORIALIDADE DOS MOTO-TAXI EM BELÉM.

Este capítulo apresentará os resultados do trabalho pesquisa de acordo

com os objetivos propostos. Para tanto, identificará os pontos de taxi, suas

territorialidades e seus usos e conflitos.

A partir dos levantamentos feitos em campo, foi possível alcançar

subsídios para muitas de nossas indagações, podendo citar o quesito da

organização dos motos-taxis, como eles demarcam seu território, o convívio

com as demais categorias que compõe o transporte urbano, seja ele público ou

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privado. Podemos perceber que muitos ou quase sua totalidade não têm uma

rota de tráfego de constância. É de praxe ir aonde o cliente contratar a corrida,

e após o termino da mesma, os moto-taxis retornam ao seu território

demarcado, geralmente são montadas barracas de lona, ou, são próximos a

pontos de ônibus com um volume grande de usuários, e até mesmo em céu

aberto.

O local é escolhido de forma estratégica por parte dos moto-taxis que

compõe o ponto e, basicamente, são situados próximos às entradas de ruas

que dão acesso a grandes ocupações urbanas, compostas por conjuntos

habitacionais, bairros populosos da periferia e, de um intenso burburinho de

pessoas. Foi verificado também, que os seus pontos são de uso exclusivo, não

podendo outro moto-taxi que seja de outra localidade ficar ali em companhia

dos demais, ser não tiver de antemão a autorização dada pelos que ali fazem a

exploração dessa atividade. Com base em levantamentos feitos quanto aos

pontos de motos-taxis existentes hoje na Rodovia Augusto Montenegro foi

computado 44 pontos de motos-taxis, sendo que variam em números de

componentes, uns têm até 10 e outros chegam a ter mais de 20 motos-taxis. O

grande problema dessa categoria é a informalidade, apenas 1,2 mil dos três mil

motos-taxis da capital paraense são cadastrados pela Fedemopa.

A maioria permanece na ilegalidade. Ao longo da pesquisa, foi possível

observar também, que os pontos de motos-taxis na sua grande maioria,

estabelecem-se próximo as paradas de ônibus que se encontram nas entradas

dos conjuntos residenciais, estabelecendo assim a marcação de seus

territórios. Em sua grande maioria encontram-se organizados em cooperativas,

e que funcionam para tentar regulamentar os pontos ainda não cadastrados.

Os moto-taxis utilizam determinados espaços na cidade, reproduzindo

nesses espaços suas bases territoriais de relação de poder. Uma dimensão

espacial e cultural, com valores por eles definidos, estabelecendo ações sobre

esse território, como ações de poder, afetiva e simbólica, uma forma de

controle e gestão pelo território. Essa dimensão simbólica de demarcação

demonstra o caráter geopolítico dessa relação entre os diferentes pontos de

moto-taxis espalhados pela Rodovia Augusto Monte Negro.

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Os moto-taxis dessa forma estabelecem relações sócias afetivas e

territorializam o espaço. Dentro desse espaço produzido pelos moto-taxis, as

relações de poder podem ser conflituosas ou não. O conflito acontece quando

um moto-taxi que não pertence àquele determinado território tenta se apropriar

do espaço já ocupado, tentando se estabelecer no local.

É muito comum a utilização de expedientes agressivos quando alguém

tenta se infiltrar sem autorização dos demais, nos pontos territorializados de

alguns moto-taxis, essa estratégia agressiva e violenta é uma forma coercitiva

e manifesta de poder, o que obriga o invasor a se retirar, abandonando a área

dominada e controlada por esses grupos de moto-taxis.

Os demais moto-taxis que compõe o grupo rechaçam o intruso, que

tenta de alguma forma invadir seu território. Essa apropriação do espaço que

visa o controle e soberania desse espaço delimitado por eles (território),

entendido como seu ponto exclusivo de trabalho. Podemos visualizar a

presença de um território tradicional que é produzido pelo moto-taxi a partir do

espaço apropriado.

De acordo com suas posses e deliberação do grupo, o território toma

feição física a partir da construção que dará uma nova roupagem na paisagem

do território. É preciso entender que os moto-taxis ocupam temporariamente,

territórios, que eram usufruídos por taxis e ônibus, destinados à prestação de

serviços públicos da população, que hoje fazem uso do moto-taxi em sua

mobilidade urbana. Por isso é que são inseridos no conceito de territórios

móveis.

CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Podemos compreender que hoje, no processo que vivemos de mundo

globalizado, a demanda por diminuição do tempo de chegada a um local e de

vital importância, e conseguimos perceber na atividade que é exercida pelos

motos-taxis, uma saída para o nosso transporte urbano, como uns dos meios

de ser locomover de um ponto ao outro em um pequeno espaço de tempo,

mas, também vimos que a questão da não regularização dessa atividade, abre

ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014

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uma vertente para que essa profissão seja explorada por pessoas que não têm

condições de exercê-la, e vimos tal questão com muita preocupação,

percebemos a falta de interesse por parte das autoridades em resolver essa

situação. É preciso que as autoridades competentes se interessem através de

políticas públicas efetivas que possam contribuir para a solução desse

impasse, afinal, podemos comprovar a necessidade, a praticidade e a fluidez

que é proporcionado aos usuários que usufruem desse meio de transporte.

Legalizando essa atividade, o poder público evita que pessoas

inescrupulosas se utilizem desses equipamentos para a prática de assaltos. É

importante frisar que foi sancionado no governo do presidente Lula um projeto

de lei regularizando a profissão em todo território nacional. Isso foi possível

através do projeto de lei Nº 12.009, DE 29 DE JULHO DE 2009, contudo, ainda

não entrou em vigor aqui em nosso Estado em decorrência de alguns pontos

que ainda estão sendo definidos: como o tipo de identificação e a forma dos

coletes desses profissionais, algumas medidas de segurança que devem ser

oferecidas aos usuários, o cadastro desses motos-taxis, de suas motos e de

seus pontos espalhados pela cidade.

Com a complexidade das grandes cidades, é preciso que se tenha um

transporte rápido, seguro e barato, como forma de escapar do trânsito caótico,

que torna refém o usuário, tanto do transporte coletivo, quanto dos proprietários

de carros particulares.

Reconhecemos a necessidade desse transporte dos moto-taxis, como

forma de escapar desse problema cotidiano existentes nas grandes cidades do

país. Hoje, os moto-taxis, são reconhecidamente uma forma mais rápida de se

chegar ao destino escolhido por inúmeros usuários, inclusive, existem

empresas que possuem esse tipo de profissional trabalhando em seus

quadros. A empresa brasileira de telégrafos e correios é uma prova disso. As

pizzarias e as farmácias se utilizam bastante desse serviço, uma forma de

fluidez no tempo de entrega de seus produtos.

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REFERENCIAS

RAFFESTIN . Claude Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993.

HAESBAERT, Rogerio . Territórios alternativos. São Paulo: Contexto, 2009.

CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

HAESBAERT, Rogério. O mito do desterritorialização: do “fim dos territórios” à

multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.

VESENTINI, J. William. Novas Geopolíticas. São Paulo: Contexto, 2000.