A Geometria, de René Descartes artigo sobre

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A MATEMTICA E A FILOSOFIA DE REN DESCARTESDuelci Aparecido de Freitas Vaz1Universidade Catlica de Gois [email protected] [email protected] Abstract: Neste artigo procuro resgatar uma obra que um marco na histria da Matemtica e da Filosofia: O Discurso do Mtodo e um de seus apndices A Geometria, de Ren Descartes. Primeiro estabeleo as idias centrais da Filosofia de Descartes contidas em O Discurso do mtodo. Depois dedico mais ateno ao contedo da Geometria, pois, para ns, Matemticos e Educadores Matemticos a parte mais importante. A Geometria de Descartes ainda hoje motivo de debates e interpretaes surpreendentes. Uma passagem importante da Geometria quando Descartes resolve o famoso problema de Pappus. Ele inova ao reduzi-lo para duas variveis e atribuindo-se valores a uma delas pode-se encontrar a outra. Esta passagem considerada a base para o desenvolvimento da Geometria Analtica e eu dedico ateno especial a ela. Apresento tambm as outras inovaes de Descartes: a sua moderna notao que permitiu a superar o obstculo da dimensionalidade que impediu os gregos de avanarem em muitos problemas. A Geometria de Descartes nos d uma idia precisa de como era a Matemtica do inicio do sculo XVII. Palavras-Chaves: Geometria, Filosofia, Descartes, Matemtica.

1. Ren Descartes - Vida e Obra Ren Descartes nasceu na Frana, em La Haye, no dia 31 de maro de 1596. Filho de um conselheiro de Rennes, freqentou uma das mais clebres escolas da Europa: a escola jesuta de La Flche. Ali, estudou por durante oito anos. Mais tarde, com dezesseis anos, ingressou na Universidade de Pointiers, onde estudou Medicina e Direito. Segundo consta, Descartes se interessou por quase todos os ramos do saber: Medicina, Astronomia, Matemtica e Fsica. As obras de Descartes: Em 1637 publicado Discours de la Mthod (O Discurso do Mtodo), La Geometrie ( A Geometria), La Diptrique (A Diptrica), Ls Mtores ( Os Meteoros), em um nico volume, os trs ltimos como apndice do primeiro e Compendium Musicae. Em 1641 publica Mditations Mtaphysiques. Em 1644 Les Prncipes de la Philosophie. Em 1649, De La Formacion du Foetus, Trait de lHome. Ainda em 1649, ano em que parte pra Sucia a convite da rainha Cristina publica sua ltima obra Ls Passions de Lme. Em 1664 publicado postumamente Le monde ou Trait de la Lumire. 1701 publicado postumamente a obra no terminada Regulae ad Directionem Ingenii " ( Regras para a direo do Esprito ). Descartes nunca gozou de boa sade no suportando o rigoroso inverno escandinavo morreu com 53 anos, em 11 de fevereiro de 1650, em Estocolmo, vtima de pneumonia, em conseqncia do frio seco que assolava a cidade. Segundo consta suas ltimas palavras foram: "Vamos alma, que partir ". Os seus restos mortais encontram-se em Paris, na Igreja de Saint-Germains-de-Prs. 1.1. A Filosofia de Descartes A filosofia teve inicio no final do sculo VI a . C. com os gregos e dois sculos depois mergulhou num perodo ureo com o advento de Scrates ( 469-399),, seguido por Plato (427-347) e Aristteles ( 384-322). Depois disso nada de original aconteceu, pelo menos at o sculo XVI. Na idade mdia estabeleceu-se a Escolstica que era a filosofia da Igreja Catlica. No sculo XV estava enterrado quase todos os campos de atividade intelectual. Mas, esse estgio comeava a ruir quando grande parte da cultura perdida comeava a vir a luz com O Renascimento. Depois do Renascimento seguiu-se a Reforma e a Contra- Reforma. Em 1637, Descartes escreve O Discurso do Mtodo, com trs apndices: A Diptrica2, Os Meteoros e A Geometria. Nesta obra ele estabelece as regras para se obter o conhecimento universal. A frase mais famosa da filosofia certamente Cogito, ergo sum ( penso, logo existo ), de Descartes. De certa forma esta frase serve para resumir a sua filosofia. Descartes derruba a filosofia estabelecida e se impe como o pai da moderna filosofia. Estabelece o princpio da dvida dizendo que s temos certeza da nossa existncia e tudo que

Professor Federal de Unesp, Rio 2 Parte da

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adjunto da Universidade Catlica de Gois. Mestre em Matemtica pela Universidade Gois. Doutorando em Histria da Matemtica pelo Programa de Ps graduao da Claro-SP. Fsica que estuda a refrao da luz.

estava sendo aceito como verdade, at ento, poderia ser questionado, pois conhecimento consistente devido a ausncia de uma sustentao cientfica slida.

no

era

um

1.2. O Discurso do Mtodo Para falar da Matemtica e da Filosofia de Descartes, antes de tudo, necessrio falar de sua principal obra: O Discurso do Mtodo. Em O Discurso do Mtodo Descartes estabelece os princpios de sua filosofia. Na parte 2 de seu livro, Descartes diz ter estudado: lgica, geometria e lgebra e que deveria olhar para outros mtodos que devem combinar as vantagens dessas trs disciplina, e ainda ser isento de seus defeitos. Prope as quatro regras a seguir, em conjunto elas podem ser consideradas o corao de sua filosofia. O primeiro consistia em nunca aceitar como verdadeira nenhuma coisa que eu no conhecesse evidentemente como tal; isto , em evitar, com todo o cuidado, a precipitao e a preveno, s incluindo nos meus juzos o que no se apresentasse de modo to claro e distinto a meu esprito, que eu no tivesse ocasio alguma para dele duvidar. O segundo, em dividir cada uma das dificuldades que devesse examinar em tantas partes quanto possvel e necessrio para resolv-las. O terceiro, em conduzir por ordem meus pensamentos, iniciando pelos objetos mais fceis de conhecer, para subir, aos poucos, gradativamente, ao conhecimento dos mais compostos, e supondo tambm, naturalmente, uma ordem de precedncia de uns em relao aos outros. E o quarto, em fazer, para cada caso, enumeraes to completas e revises to gerais, que eu tivesse a certeza de no ter omitido nada. (DESCARTES, 2002, p.31-32) Descartes procurava estabelecer regras universais para resolver problemas de toda natureza. Isto notado claramente em A Geometria quando estabelece um mtodo que, segundo ele, resolve todos os problemas em Geometria. Esse mtodo aplicado na resoluo do problema de Pappus pela primeira vez. A resoluo desse problema considerada a base para o desenvolvimento da Geometria Analtica. Em um tratado de 1619, De Solidorum Elementis, de Descartes, aparece a frmula V + F = A + 2, erradamente e freqentemente atribuda a Euler (1707 1783), que relaciona as arestas ( A), os vrtices (V) e as faces (F) de um poliedro regular. Para muitos, veja por exemplo ( FORBES, 1977), isso foi uma tentativa de algebrizar a geometria slida. A classificao de curvas dada na parte dois da Geometria para muitos ( MANCUSO, 1996) uma tentativa de estabelecer os limites epistemolgicos e ontolgicos da Geometria, determinando assim o incio e o fim da Geometria. O mtodo da tangente tambm considerado um marco de seu trabalho. Descartes no usa a idia de limites que s foi introduzido um pouco mais tarde por Pierre de Fermat (1601?-1665). 2. A Geometria de Descartes Como disse, A Geometria de Descartes foi publicado inicialmente como um apndice de O Discurso do Mtodo, em 1637. Essa obra considerada um marco na histria da Matemtica. Talvez, por isso muitos, sem aprofundar na questo, consideram Descartes como o pai da Geometria Analtica e h aqueles que consideram Fermat (1601?-1665) como o realizador dessa faanha, veja por exemplo ( SIMON, 1987 ). Existem diversos artigos que falam sobre a origem da Geometria Analtica, como por exemplo o artigo The Birth of the Analytic Geometry ( FORBES, 1977). O contedo da Geometria pode ser dividido em trs livros. Livro primeiro: Dos problemas que podem ser construdo sem usar mais do que crculos e linhas retas. Livro segundo: Da natureza das linhas curvas. Livro terceiro: Da construo dos problemas slidos ou mais que slidos. Na seqncia abordo a Matemtica de Descartes nas partes que considero mais importante de cada livro. O leitor interessado em aprofundar os seus conhecimentos nesses assuntos poder procurar na bibliografia sugerida as leituras adequadas. No h muita coisa em comum entre a sua A Geometria de Descartes e a Geometria Analtica dos dias atuais. No encontramos, por exemplo, nenhum sistema de coordenadas entre as diversas figuras que aparecem na Geometria. 2.1. Livro I No livro I Descartes nos fala como as operaes aritmticas se relacionam com operaes geomtricas. Ilustra como realizar a multiplicao, a diviso e a extrao da raiz quadrada geometricamente, isto , com o uso de rgua e compasso apenas, para tanto, introduz o segmento

unitrio. Como empregar-se letras em Geometria. Como resolver problemas geomtricos ou o mtodo de Descartes em Geometria. Quais so os problemas planos e como resolv-los. Descartes resolve o problema de Pappus3 ( III d. C.) para quatro linhas4 aplicando o seu mtodo pela primeira vez. A seguir aprofundo um pouco mais no contedo do livro I. Para os gemetras, dos gregos at Vite (1540 1603), a varivel representava um comprimento, o produto de duas variveis a rea, o produto de trs variveis o volume. J o produto de quatro ou mais variveis no tinha significado especfico. Em sua Geometria Descartes introduz o segmento unitrio tornando possvel e dando significado a muitos problemas que eram intransponveis para os gregos, como o caso da dimensionalidade5. Introduz uma nova simbologia que permite um avano no campo da notao, escrevia aa ou a2, a3 ou aaa e assim sucessivamente. Enxergava o smbolo a2 como o comprimento de um segmento e no como rea e assim era com as outras potncias a4, a5, ... . Ele usava o smbolo no lugar do atual = . Escrevia a+b para a soma de dois segmentos de comprimento a e b, a-b para a diferena, ab para o produto, a/b para o quociente,

C.a 3 b3 + ab2 para a raiz cbica de a b + ab , onde o C significa cbica. Justifica que a tem tantas dimenses quanto abb e para se extrair a raiz cbica de aabb b deve se considerar que a expresso aabb est dividida uma vez pela unidade e b multiplicada duas vezes pela unidade. Descartes constri todas as operaes elementares usando rgua e compasso. Para fazer o produto de a por b tomamos duas semi retas com mesma origem B e marcamos em uma delas o segmento unitrio AB, veja Fig. (1). Em seguida, marcamos nessa mesma semi reta um segmento BD de medida a e na outra semi reta marcamos o segmento BC de medida b. Traamos um segmento de A at C e, em seguida, partindo de D, traamos um outro segmento paralelo a AC que encontra a outra semi reta em E determinando o segmento DE. Usando a semelhana ou o Teorema de Tales conclumos que BE vale ab.3 3 23

a 2 + b2 para a raiz quadrada de a2 + b2 e

Figura 1 Embora Descartes no construa a diviso propriamente ela feita da seguinte maneira: tomamos as duas semi retas, como anteriormente, e marcamos o segmento unitrio AB, ver Fig. (1). Na outra semi reta marcamos os segmentos BC e BE, medindo respectivamente a e b, a < b. Ligando C a A por um segmento e depois traando um segmento paralelo a este segmento partindo de E at D determinamos b/a. Para extrair a raiz quadrada construmos um segmento unitrio FG acrescentando na sua extremidade o segmento de medida K, GH. Determinamos a circunferncia cujo centro o ponto mdio do segmento determinado pela unidade e por K, veja Fig. (2). Em seguida construmos o tringulo retngulo levantando uma altura a partir do ponto G at I, ponto que est sobre a circunferncia do crculo construdo, e usando a relao GI2= GH x FG = GH, obtemos a raiz quadrada.

Pappus de Alexandria foi um grande gemetra grego. Autor de uma obra muito importante: A Coleo de Pappus, em oito volumes. 4 Linhas aqui significam retas. 5 Os gregos interpretavam os problemas geomtricos at a terceira dimenso. Para eles no tinha significado geomtrico, por exemplo, o produto de quatro variveis. Isso considerado o problema da dimensionalidade.

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Figura 2 2.2. Problemas planos Para Descartes problemas planos so aqueles que podem ser resolvidos sem utilizar mais que linhas retas6 e segmentos circulares, traadas sobre uma superfcie plana. Equivalentemente so os problemas que se reduzem a uma expresso da forma z2 az = b2. Descartes no considerava as razes negativas dessas equaes, as quais chamava de falsas. A construo dessas razes realizada como segue. Equao z2 = az + b2, sendo z o termo ou segmento desconhecido. Primeiro, ele constri o tringulo retngulo NLM, com LM = b e LN = a/2, depois constri o crculo de centro N e raio NL veja Fig. (3). Prolongando a base7 do tringulo LMN at O, de modo que NO seja igual a NL, ento a linha MO o segmento z.

Figura 3 Equao z2 = az - b2. Seja NL = a/2, LM = b. Descartes constri o crculo de centro N e raio NL, veja Fig. (4). Constri em seguida LM perpendicular a NL. Traa a partir de M uma paralela a NL que corta o crculo em Q e R. O segmento z ser MQ ou QR. Se a paralela no corta o crculo o problema no tem soluo.

Figura 4

Linhas retas: segmento de retas Base: seguindo a tradio grega Descartes chama de base a hipotenusa do tringulo, pois os gregos construam o tringulo retngulo apoiado sobre a hipotenusa.7

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Descartes enfatiza que essas construes podem ser obtidas por diversos outros meios e que os antigos no possuam esse mtodo, caso contrrio, argumenta, no teriam escritos livros to volumosos que compilaram aqueles mtodos j resolvidos. 2.3. O Mtodo de Descartes e o Problema de Pappus Descartes estabelece um mtodo que, segundo ele, resolve todos os problemas em Geometria. O mtodo pode ser resumidamente dividido em trs etapas: nomear, equacionar, construir. Nomear: consiste em assumir que o problema j est resolvido e, a partir da, nomear todos os segmentos conhecidos e desconhecidos necessrios para a resoluo do problema. Equacionar: estabelecer uma equao envolvendo essas variveis. Construir: construir as solues geometricamente, fazendo uso de rgua e compasso. Descartes aplica o seu mtodo pela primeira vez para resolver o problema de Pappus, como veremos a seguir. O problema de Pappus j era conhecido pelos gregos. Euclides (322-285 a . C. ) o resolveu para trs e quatro retas. Pappus de Alexandria o generalizou para um nmero arbitrrio de retas. O Problema: Sejam dadas as quatro linhas AB, AD, EF, GH, encontrar um ponto C tal que, dados ngulos x, y, z, t linhas podem ser traadas de C at AB, AD, EF, GH fazendo ngulos z, y, z, t respectivamente, tal que CB.CF = CD.CH, , veja Fig. (5). Mais ainda, traar e conhecer a curva contendo tais pontos. Descartes inova no tratamento desse problema reduzindo-o a duas variveis, o que permite, atribuindo-se valores a uma delas, determinar os valores correspondentes da outra varivel e, a partir da, conhecer o lugar geomtrico dos pontos.

Figura 5 A Resoluo: Descartes aplica seu mtodo, pela primeira vez, na resoluo desse problema. Primeiro supondo o problema resolvido e, para sair da confuso de todas estas linhas, considero uma das dadas e uma das que h que encontrar, por exemplo, AB e CB, como as principais, s quais trato de referir todas as outras. Designe por x o segmento de linha AB compreendido entre os pontos A e B; e seja CB designado por y; e prolonguem-se todas as demais linhas at que cortem tambm estas duas, prolongadas se necessrio e se no lhe so paralelas; como se v elas cortam a linha AB nos pontos A, E, G e a linha BC nos pontos R, S, T. Ora bem, como todos os ngulos do tringulo ARB so dados, a proporo dos lados AB e RB tambm dada, e indico-a como de z para b; de maneira que representando AB por x, RB ser bx/z e a linha total CR ser y+bx/z, pois o ponto B cai entre C e R; se R casse entre C e B seria CR = y-bx/z e se casse entre B e R, seria CR= -y+bx/z. Analogamente, os trs ngulos do tringulo DRC so dados e, por conseguinte, tambm a proporo que h entre os lados CR e CDF, indico como z para c, de modo que sendo CR= y + bx/z , ser CD=cy/z+bcx/z2. Aps isto, como as linhas AB, AD, e EF so dadas em posio, a distncia entre os pontos A e E tambm dada e, designandoas por k, ter-se- EB igual a x + k; que seria k x se o ponto B casse entre E e A; e k+x se E casse entre A e B. E como todos os ngulos do tringulo ESB so dados, e estabelecendo que BE est para BS assim

como z est para d, tem-se: BS=(dk+dx)/z e a linha CS ( zy+dk+dx)/z. Se o ponto S casse entre B e C seria CS=(zy-dk-dx): e quando C cai entre B e S teremos CS=(-zy+dk+dx)/z. Alm disso os trs ngulos do tringulo FSC tambm so conhecidos, e portanto dada a proporo de CS para CF, que z para e, e ser CF=(ezy+dek+dex)/z2. Analogamente, AG ou l dada e BG l-x, pois no tringulo BGT tambm conhecida a proporo BG:BT=z/t, teremos: BT=(f l - fx)/z, sendo CT=(zy+fl-fx)/z. Agora, como a proporo de TC para CH est dada pelo tringulo TCH, fazendo-a como z para g, tem se CH= (gzy+fgl-fgx)/z2. ( DESCARTES, 2001, p. 21, 22 ) Substituindo em CB.CF=CD.CH, obtemos uma equao do segundo grau em x e y. Atribuindo um valor a uma das variveis encontramos a segunda. Como isso pode ser feito indefinidamente encontraremos uma infinidade de pontos e a partir deles poderemos construir a curva que representa o lugar geomtrico. A resoluo do problema de Pappus dada por Descartes reconhecida como a base para o desenvolvimento da Geometria Analtica. Reduzindo o problema a duas retas e ao gradu-las constri-se o sistema de coordenadas, base da Geometria Analtica. 3. Livro II O segundo livro pode ser dividido em quatro partes. A primeira apresenta a classificao de curvas de Descartes. A segunda parte contm uma anlise completa das curvas necessrias para resolver o problema de Pappus para quatro linhas e para o caso especial de cinco linhas. A terceira seo apresenta o mtodo da normal ou da tangente. A quarta seo mostra como aplicar a Geometria para resolver problemas em Diptrica, especificamente problemas relacionados as ovais. 3.1. Curvas Geomtricas e Curvas Mecnicas Descartes apresenta uma classificao de curvas em duas categorias. Segundo ele as curvas podem ser geomtricas ou mecnicas. Curvas geomtricas: Descartes entende que: [...] por geomtrico o que preciso e exato, e por mecnico o que no o , e considerando a geometria como uma cincia que ensina geralmente a conhecer as medidas de todos os corpos, no devem excluir-se as linhas por composta que sejam, enquanto possam imaginarse descritas por um movimento contnuo, ou por vrios que se sucedem, e em que os ltimos esto inteiramente regidos pelos que os precedem; pois por este meio se pode sempre ter um conhecimento exato da sua medida. ( DESCARTES, 2001, p. 29 ) No decorrer do texto ele admite como curvas geomtricas aquelas geradas por um movimento contnuo e regulado, como aquele gerado por uma espcie de mquina8 onde as engrenagens esto interligadas, veja Fig. (6), ao mover o eixo XY todos os pontos B, D, F, ... movem-se formando as curvas geomtricas. As geradas por construes ponto a ponto e as dadas por uma equao algbrica tambm so consideradas geomtricas, entretanto nem toda curva construda ponto a ponto pode ser chamada geomtrica, como o caso da quadratriz.

Na engrenagem acima, considere que ao mover o eixo Y os pontos B, D, F, ... so mveis e descrevem as curvas geomtricas. Os pontos A, C, E, G tambm so mveis.

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Figura 6 Curvas Mecnicas: curvas que no podem ser descritas por uma equao algbrica, mais tarde Leibniz as chamou de transcendentes, curvas descritas por dois movimentos separados, somente pontos especiais podem ser construdos, curvas que algumas vezes so retas e algumas vezes so linhas curvas, pois a proporo entre linhas retas e linhas curvas no conhecida. Exemplos de curvas mecnicas: a quadratriz, a espiral, a hlice. Mancosu acredita que um dos critrios usados para excluir as curvas mecnicas de sua Geometria, como o caso da quadratriz, o fato de ela ser usada para quadrar o crculo, impossvel com rgua e compasso, e portanto no pode trazer nada de novo Geometria ( MANCOSU, P.78 ). Para Gillies a grande viso de Descartes consistia em classificar todos os problemas geomtricos por meio de curvas simples que podem ser usadas para resolv-los, veja ( GILLIES, p.101). 3.2. Uma anlise completa das curvas necessrias para resolver o problema de Pappus para quatro linhas e para o caso especial de cinco linhas Nesta parte Descartes explora todas as possibilidades do problema de Pappus quando est proposto para quatro e trs retas mostrando que no se obter mais que as sees cnicas. O caso para trs retas realizado considerando a terceira e quarta retas coincidindo. Neste caso a proporo fica CB.CF = CD.CD. O caso especial para cinco retas quando tomamos quatro delas paralelas e a quinta perpendicular as essas quatro. A estratgia bsica a mesma usada anteriormente. A generalizao do problema de Pappus consiste em notar, como fez Descartes, que a distncia de C a cada reta uma expresso de duas variveis do tipo ax + by + c e ao substituir na condio dada teremos um produto, em cada membro, com n fatores para o caso de 2n ou 2n 1 retas. 3.3. O mtodo da normal ( ou tangente ) de Descartes. Inicialmente Descartes aplica o mtodo da normal elipse, veja Fig. (7), e mais uma vez usa o seu mtodo para resolver problemas em Geometria. Seja CP a reta perpendicular a elipse CE em C. CE a elipse, MA o segmento de seu dimetro (eixo) ao qual corresponde a ordenada CM. Seja r o latus rectum9 e q seu eixo transverso, obtemos a eq. (1). Por outro lado usando o teorema de Pitgoras obteremos a eq. (2) . Substituindo a eq. (1) na eq. (2) obteremos a eq. (3). Como CP deve ser normal elipse, ento o crculo com raio CP deve tocar a elipse em um nico ponto C, logo a eq (3) tem raiz dupla e pode ser reescrita na forma da eq. (4), onde e a raiz; desenvolvendo a eq. (4), obteremos a eq. (5), comparando a eq. (3) com a eq. (5) teremos a eq. (6), resolvendo em v , obtemos a eq. (7) e como e = y, chegamos finalmente na eq. (8). Finalmente resta construir a equao que a parte mais fcil. Note que o mtodo da normal de Descartes, no utiliza a idia de limite, idia que surgiria um pouco mais tarde com Fermat. x2 = ry (r/q) y2 s2 = x 2 + v 2-2vy + y2 y2 + ( qry 2qvy + qvy +qv2 qs2) / (q-r) = 0 (1) (2) (3)

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Segmento com extremos sobre a elipse que passa pelo foco e perpendicular a seu eixo.

(y-e)2=0 y2 = 2ye - e2 2e = (2qv qr)/(q-r) v = (2e(q-r)+qr)/2q v = (y(q-r)/q)+r/2

(4) (5) (6) (7) (8)

Figura 7 4. Livro III O terceiro livro apresenta uma anlise completa das razes de equaes, a regra de sinal de Descartes, a construo de todos os problemas de terceiro e quarto grau atravs da interseco de um crculo e uma parbola e a reduo de todos esses problemas ao da trisseco de um ngulo ou da construo dos meios proporcionais. 4.1. Consideraes iniciais O livro trs comea esclarecendo quais so as curvas geomtricas que devemos escolher para resolver os problemas em Geometria. Assim, diz Descartes: no pode dizer que seja lcito servirse da primeira que se encontra para a construo de cada problema, pois necessrio ter o cuidado de escolher sempre o mais simples que permita resolv-lo. E ainda necessrio observar que devem entender-se por mais simples as que possam ser mais facilmente traadas, nem as que tornam a construo ou a demonstrao do problema mais fcil, mas principalmente as que, sendo da classe mais simples, possam servir para determinar a grandeza que se busca. Apresenta, em seguida, o processo de determinar os meios proporcionais em uma construo, uma vez que isto bastante importante na sua teoria de resolver problemas slidos. Para ele o meio mais fcil de determinar meios proporcionais utilizando-se da engrenagem abaixo, veja Fig. (6). Nela temos YA = YB, considerando os segmentos de origem em Y e extremidade A,C,E,G,N, etc YA YC YD YE YF YG YG e usando a semelhana de tringulos obtemos as propores: = = = = = = = ... . YC YD YE YF YG YH YH Desse modo, YC, YD so dois meios proporcionais entre YA e YC, YD,YE so trs meios proporcionais entre YA e YF, e assim sucessivamente. 4.2. Anlise completa das razes de equaes Na seqncia, Descartes coloca as propriedades das equaes polinomiais com coeficiente reais e suas razes. As razes reais e positivas ele chama de verdadeiras e as negativas de falsas. A varivel chamada de quantidade desconhecida. O coeficiente da varivel, quantidade conhecida. A ausncia de um termo na equao indicada por um sinal asterisco (*). O grau da equao , para Descartes, a dimenso. As propriedades apresentadas na Geometria so, em muitos casos, parecidas com aquelas que encontramos nos livros de Matemtica do terceiro ano do ensino mdio, destaca-se entre essas propriedades a regra de sinal de Descartes. A importncia dada a essas propriedades que elas so usadas por ele para a resolver problemas em Geometria que recaem em equaes algbricas. Vamos as propriedades. A quantidade de razes de uma equao, para Descartes, igual a dimenso. Isto sugere que ele j conhecia o teorema fundamental da lgebra, embora em A Geometria no aparea nenhum comentrio sobre isto.

Para diminuir a dimenso de uma equao conhecendo-se uma de suas razes, basta dividi-la pelo binmio x a, onde x a quantidade desconhecida e a a raiz. Para saber se valor a a raiz de uma equao ele procede dividindo o polinmio pelo binmio x a. Se a diviso for exata, ento o valor a uma raiz. A Regra de Sinal de Descartes: para entender a regra de sinal de Descartes tomemos o exemplo dado na Geometria quando ele fala das razes da eq. (9). x4 4x3 19x2 + 106 x 120 = 0 Diz Descartes: A saber: podem existir tantas verdadeiras como de vezes os sinais + e se encontrem trocados; e tantas falsas como de vezes se encontrem dois sinais + ou dois sinais - seguidos. Assim, na ltima, depois de +x4 segue 4x3, h uma variao de sinal de + para - ; e depois de - 19x2 segue-se +10x e depois de +106x vem 120, o que corresponde a outros dois cmbios, donde se conclui que h trs razes verdadeiras; e uma falsa, em virtude dos dois sinais seguidos que antecedem 4x3 e 19x2. (DESCARTES, 2004, p. 105 - 106 ) Para transformar as razes falsas em verdadeiras e as verdadeiras em falsas basta trocar os sinais + e - que esto nas posies pares sem trocar os das posies impares. Tomemos como exemplo a eq. 9. As suas razes so: 2 ,3 ,4 e 5. Depois de aplicar a tcnica mencionada obtemos a eq. (10) que possui razes -2, -3, -4 e 5. x4 + 4x3 19x2 - 106x 120 = 0 (10) (9)

Para aumentar o valor das razes basta fazer a substituio da varivel x por outra do tipo y-a ou y+a para diminuir. Na equao eq. (10) querendo aumentar o valor das razes de 3 unidades, basta fazer a substituio y = x+3 e obteremos a eq. (11) , cujas razes so 1,0,-1 e 8. y4- 8y3 y2 + 8y =0 (11)

Aumentando as razes verdadeiras diminuemse as falsas, e inversamente, o que bvio a partir do exemplo anterior. Para anular o segundo termo de uma equao basta diminuir as razes verdadeiras da quantidade conhecida deste segundo termo dividida pelo nmero de dimenses do primeiro se estes dois termos tiverem sinais opostos; ou, tendo o mesmo sinal, aumentando as razes da mesma quantidade. Assim, para anular o segundo termo da eq. (12) tendo dividido 16 por 4, em virtude das 4 dimenses do termo y4, obtm-se, fazendo z 4 = y, a eq. (13) . y4+16y3+71y2-4y-420 =0 z4 * -25z2-60z 36 = 0 (12) (13)

Para transformar as razes falsas em verdadeiras sem que as verdadeiras se transformem em falsas basta aumentar o valor das verdadeiras de um valor que seja superior ao de qualquer as falsas. Para transformar todos os termos de uma equao em termos significativos, por exemplo a eq. (14), multiplicando-a por x e substituindo y-a = x, obteremos a eq. (15). x5 **** - b = 0 y6 6ay5 + 15 a2y4 20 a3y3 +15 a4y2 ( 6 a5 + b)y + a6 + ab = 0 (14) (15)

Para multiplicar ( ou dividir) as razes sem conhec-las por um nmero k basta multiplicar ( ou dividir) o segundo termo por k, o terceiro por k2, o quarto por k3, e assim sucessivamente. Para reduzir os coeficientes quebrados de uma equao em nmeros inteiros, por exemplo, fazendo y = x 3 , e substituindo na eq. (16), obteremos a eq. (17), finalmente fazendo z = 3y, e

substituindo na eq. (17), obtemos a eq. (18), cujas razes so 2, 3 e 4, as anteriores primeiras2 3 1 4 3 . , 3, 9 3 9

2 4 ,1, 3 3

e as

x 3 3x 2 +

26 8 x =0 27 27 3

(16)

y3 3y 2 +

26 8 x =0 9 9

(17) (18)

z3 9z2 + 26 z 24 = 0

Para transformar uma quantidade conhecida de qualquer termo em outra quantidade qualquer dada, por exemplo, na eq. (19) , para trocar b2 por 3a2 substitumos nela a eq. (20), obtemos a eq. (21) .

y=x

3a 2 b2

(19)

x3 * -b2x + c2 = 0

(20)

y 3 3a 2 y +

3a 3c 3 b3

3=0

(21)

Para Descartes podem existir razes imaginrias positivas e negativas como na eq. (22), 2 uma raiz real, as outras so imaginrias, ele diz, podem ser imaginrias falsas ou verdadeiras. x3 6x2 + 13x 10 = 0 (22)

Para dividir uma equao por um binmio que contm a sua raiz, ele aplica, basicamente, o mesmo critrio de diviso de polinmios que usamos hoje, apenas inverte, comeando do ltimo termo. Descartes define que para um problema ser slido, a cbica, no pode ser divisvel por nenhum binmio, ou seja, deve envolver uma cnica ou uma curva mais elevada. A reduo das equaes que tm quatro dimenses quando o problema plano. E quais so slidos. Nesta parte ele transforma equaes do tipo da eq. (23) em equaes do tipo da eq. (24) usando a identidade dada pela eq. (25). A partir da pode-se tentar encontrar y2 e no sendo possvel o problema slido. Descartes usa essas propriedades para resolver o problema da convergncia ou da inclinao apresentado e tambm resolvido por Pappus. x4 * + p x2+ q x + r = 0 y6+2py4 + ( p2 + 4 r) y2 q2= 0 x4 * + p x2+ q x + r = (x2-yx+s ) (x2 + yx+ t) (23) (24) (25)

Em seguida apresenta a regra geral para reduzir as equaes de grau superior ao quadrado do quadrado. Diz que no sendo possvel obt-las por multiplicao de outras duas de grau inferior, se a quantidade desconhecida tem 3 ou 4 dimenses o problema slido, se tem 5 ou 6 o problema de grau mais elevado, e assim sucessivamente. Forma geral de construir todas os problemas slidos reduzidos a uma equao de trs ou quatro dimenses. Se o problema slido podemos sempre encontrar a raiz por qualquer das seces cnicas, mas Descartes demonstra que possvel encontrar todos por meio de uma parbola.

Na seqncia explica como a inveno dos meios proporcionais realizada atravs de construes envolvendo parbolas e crculos. Explica como trisseccionar um ngulo. Demonstra que todos os problemas propostos podem ser reduzidos ao problema da trisseco do ngulo e da construo dos meios proporcionais. Finalizando Descartes explica como expressar todas as razes das equaes cbicas e todas as que no chegam mais que o quadrado do quadrado. Por que razo os problemas slidos no podem ser construdos sem as seces cnicas, nem os que so mais compostos sem algumas linhas mais compostas. Forma geral de construir todos os problemas reduzidos a uma equao que no tem mais de seis dimenses. 5. Bibliografia Descartes, R A Geometria. Trad. Emdio Csar de Queiroz Lopes. Lisboa: Editorial Prometeu, 2001. _________________. O Discurso do Mtodo. Trad. Pietro Nasseti. So Paulo: Martin Claret, 2002. Forbes, E. G. . Descartes and the Birth of Analytic Geometry. London 4. p.141-151. 1977. Gillies, D. Revolutions in Mathematics. N. York: Nova York Oxford University Press, 1992 Mancosu, P. Philosophy of Mathematics and Mathematical Practice in the Seventeenth Century. N. York: New York Oxford University Press, 1996 Simons, G. F. Clculo com Geometria Analtica. Trad. Seijin Hariki. So Paulo: Mac Graw Books, 1987. 6. Direitos autorais O autor o nico responsvel pelo contedo do material impresso includo no seu trabalho.

DESCARTES S THE MATHEMATICAL AND THE PHILOSOPHYDuelci Aparecido de Freitas VazUniversidade Catlica de Gois [email protected] [email protected] Abstract: In this article I try to rescue a work that is a mark in the history of the Mathematics and of the Philosophy: Discours de la Mthod and one of their appendixes the Geometry, of Ren Descartes. First I establish the central ideas of the Philosophy of Descartes contained in The Discours de la Method. Then I dedicate more attention to the content of the Geometry, because, for us, Mathematical and Mathematical Educators is the most important part. The Geometry of Descartes is still today reason of debates and surprising interpretations. An important passage of the Geometry is when Descartes solves the famous problem of Pappus. He innovates when reducing it for two variables and attributing values to one of them to find the other. This passage is considered the base for the development of the Analytical Geometry and I dedicate special attention the this part. I also present the other innovations of Discards: his modern notation and the overcoming of the obstacle of the dimensionality that they impeded the Greeks of move forward of many problems. The Geometry of Descartes gives us a exact idea of as was the Mathematics of the I begin of the century XVII. Keywords: Geometry, Philosophy, Descartes, Mathematics.