A GERAÇÃO DE

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A GERAO DE 70

TEFILO BRAGA

HISTRIA DO

ROMANTISMO EM

PORTUGAL II Quarto volume

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CRCULO DE LEITORES

Capa de: Antunes Impresso e CIIcademado por Printer Portuguesa

1/0 ms de Setembro de mil novecClltos e oitenta e sete Nlmero de edio: 2175

Depsito legal nlmero 17437/87

LIVRO II

ALEXANDRE HERCULANO (1810-1877)

Quando um dia a gerao moderna procurou relacionar Portugal com o movimento estrangeiro, dando-lhe a conhecer as questes fundamentais do nosso sculo na cincia, na poltica, na literatura e na histria, e se organizaram as Conferncias Democrticas, um ministro constitucional violou o exerccio da liberdade do pensamento, mandando por uma portaria fundada sobre uma consulta do procurador-geral da Coroa, e por intimao policial, proibir essas Conferncias. Aqueles que pensavam que a circulao das ideias o estmulo vital de todo o progresso em uma sociedade, e que explicavam a decadncia e o atraso da sua ptria como consequncia da apatia mental, protestaram mas no foram ouvidos. O Parlamento estava fechado, e a imprensa jornalstica na expectativa de uma poltica de expedientes,. deixou. passar sem reparo esse ultraje dignidade de um povo livre. Havia em Portugal um homem que era ouvido como um orculo; Herculano era considerado como uma conscincia inquebrantvel, e a sua voz acostumada energia do protesto, quando se pronunciava fortalecia-se com o assentimento dos espritos. Nunca ningum exerceu um poder to grande, na forma a mais espontaneamente reconhecida; as opinies entregavam-se sua afirmao, como um povo se entrega a um salvador. Tinha o poder espiritual sobre a

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nao. Aqueles que foram violados no seu direito consultaram-no, apelaram para ele em tamanha iniquidade. Alexandre Herculano ao cabo de muito tempo publicou uma carta, em que dizia que as grandes questes do tempo eram o infalibilismo e o marianismo! que para ele a democracia eram os miguelistas do cerco do Porto, quando andavam munidos de sacos para o momento em que pudessem entrar na cidade.

Desde esse dia em diante Herculano rompeu com a gerao nova do seu pas, e a esta competia retirar-lhe o poder espiritual, fazendo o processo crtico da inteligncia e da misso do grande homem. ' Herculano ainda teve conhecimento do esprito de severidade que o chamava perante a crtica, mas a morte eliminou esse factor social, que pela sua imensa autoridade e pelo estacionamento em que se deixara ficar comeava a exercer uma aco negativa. Hoje, que os que o idolatraram em vida se esqueceram do fetiche quando os convidaram para a subscrio de um monumento, hoje sem paixes, nem violncias de combate, deve-se revisar a obra de Herculano com justia e trazer verdade o homem legendrio.

I Foi este o pensamento do nosso artigo da Bibliografia Crtica, p. 193 a 203; cumprimos um dever moral a despeito das admiraes inconscientes, que nos brindaram com a frase: Pedras atiradas janela de Herculano.

I. - (De 1 8 1 0 a 1 830.) Estado de esprito pblico desde o princpio do sculo at Revoluo de 1 820. - Hereditariedade e atavismo de Herculano. - Primeira educao no Mosteiro das Necessidades. - O curso de comrcio na Academia Real de Marinha. - Herculano decide-se pelo governo absoluto em 1 828. - Versos contra a Carta Constitucional. - Os caceteiros miguelistas e a anedota do gilvaz. - A expedio francesa ao Tejo em 1 83 1 , e a revolta de Infantaria 4 a favor dos liberais. - Herculano acha-se envolvido nesse movimento; refugia-se na esquadra francesa, e parte depois para Plymouth. - O embarque de Belle-Isle. - Como estes sucessos influram no seu carcter e talento literrio.

o tipo de Herculano indicava a sua naturalidade; havia na sua fisionomia e no trato pessoal a secura do saloio. Nasceu em Lisboa a 28 de Maro de 1 8 10 , filho de Teodoro Cndido de Arajo, recebedor da antiga Junta de Juros. Isto no foi sem influncia na educao que recebeu na Academia Real de Marinha com destino para a aula de Comrcio. O pai de Herculano ficou totalmente desconhecido, mas em um manuscrito de versos do sculo XVIII, que pertenceu livraria do bibligrafo Inocncio Francisco da Silva, I acha-se uma epstola dedicada a Teodoro Cndido de Carvalho por um fraco poeta Jos Peixoto do Vale, em que se exaltam as suas virtudes como dignas da eternidade. A epstola realmente extraordinria, e alguma coisa daquela hon-

I Catlogo, n.' 1 803.

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radez tradicional se conservou na independncia de carcter do filho. A hereditariedade moral um dos fenmenos que mais deve interessar a crtica moderna, sobretudo quando as biografias so consideradas por Maudsley como um dos mais importantes subsdios da psicologia . l O av de Herculano, Jorge Rodrigues de

I Ao Sr. Teodoro Cndido de Carvalho'

EPSTOLA

No so heris, Carvalho, os que na guerra Cerrados esquadres rompem, assolam, Vertendo o sal/gue humano: os seus trilllifos No meio do terror e da caTl/agem So brbaros, atrozes, desumal/os. No heri o avaro que famil/to Em seu tesouro ceva a vil cobia, E em srdida ambio sempre iI/quieto Donne sobressaltado em mOl/tes de ouro, Sem dar um real de esmola ao pobre aflito. No heri aquele que cercado De dourada baixela em lauta mesa, Vivendo entre grandezas e gozando Dos bens que no merece, s procura A umel/tar quanto pode, a dura sorte Do desgraado que duma s vez se compadea Dos gemidos, dos ais, do pranto acerbo Do triste rgo, da tmida donzela. No so heris, Carvalho, esses tiranos Que na Hircnia ou no Cucaso criados NUl/ca cessam de obrar aces ilifames, Que desol/ram a tema humanidade. Heri s aquele que a virtude A difcil virtude segue honrado, Que um s passo I/o torce I/a carreira Da majestosa estrada da alta glria. Este o carcter teu, Carvalho ilustre, Estas as qualidades que te adornam: Estes os dotes teus, os teus costlimes, Costumes sos da idade de Saturno. Em ttll fornlOso peito se agasalham As virtudes gtlltis do Eterno filhas: A Justia, a Ra tipos do velho olimpo so como conchas sem prola para os que s conhecem a mitologia pela rotina das academias; no fogo da inspirao o muito que consegue deixar-nos somente um pozinho calcinado que qualquer sopro espalha. Era e foi assim que Castilho compreendeu a Antiguidade, atravs de Ovdio que s procurava engraadas aventuras , cenas lascivas, jogos, brincos, transformaes de amores , para divertir uma sociedade sem crenas, e uma corrupo ameaada pelo tdio; a mitologia pelas Cartas a Emlia uma galantaria, um tema para requebros de frase e ternos versinhos de Demoustier, pior ainda que as secas e absurdas indicaes do Dicionrio de Chompr. Um falso conhecimento das formas e das imagens falsificou-lhe a expresso do sentimento.

A mitologia uma fase dos smbolos materiais que exprimem o sentimento religioso, depois de ordenados e de determinada a unidade deles : um facto humano, inconsciente, que Pitgoras, Empdocles , Xenfanes e Tales procuraram interpretar; umas vezes o simples nome de um fenmeno constitua-se em realidade independente pela audcia da metfora: Nomen, numen. Outras vezes a lei dos fenmenos naturais vela-se sob uma forma dramtica, sacramental dos mistrios eleusinos; as diferentes interpretaes de um mesmo facto considerado em civilizaes diferentes do-lhe uma existncia mltipla; o modo de perpetuar um sucesso, e pelo decurso do tempo perdida a memria dele e conservada apenas a forma que o lembra, tudo isto encerra as causas de transformao e o sentido do politesmo grego. O orfismo de Pitgoras, o sistema evemerista, o exclusivismo de Dupuis e de Creuzer, a erudio de Voss e de Lobeck, elevaram altura de uma cincia antropolgica isto que para alguns desassisados parece uma curiosidade, uma fico divertida criada pelos poetas, como um deus ex machina para valer aos seus heris nos lances dificeis.

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A mitologia comparada tem encontrado nos smbolos religiosos de todos os povos uma unidade que leva lei da sua forrriao; e esses tipos ideados na Jndia, na Prsia, na Grcia, na Etrria exprimem uma poesia, a da primeira impresso do mundo, do regozijo da vida, da aparncia das realidades, um sentimento puro no viciado por nenhuma teologia convencional e arbitrria. o que no sabem os poetas das arcdias, os Mmnides Eginenses. I

As Cartas de Eco e Narciso, a primeira obra que Castilho escreveu intencionalmente para o pblico, fruto das lies de Jos Peixoto, seu mestre de Latim e de Poesia e muito bom poeta latino e portugus . Foi esse exmio intrprete do Lcio Pindo, que lhe excitou na alma o primeiro amor das Musas da sbia Roma; foi ele que lhe fez exprimir na ptria lngua, os altos versos de Virglio, o cantor de Eneias, e os sons da lira venusina, e os ternos queixumes do amante de Corina. Oh! bem hajas intrprete facundo, exmio Peixoto . 2 Ensinou-lhe a conhecer a Antiguidade, as nobres e vetustssimas tradies dos homens primitivos, como engraadas alegorias, finos tropos, que se prestavam facilmente mecnica do verso. Andava neste tempo em voga o chato e aucarado livro de Demoustier inti tulado Cartas a Emlia sobre a Mitologia . Era tambm moda o sistema

I Nome potico de Castilho na Arcdia de Roma.

2 Graas, graas a ti, Peixoto exmio, Do Lcio Pindo intrprete facundo! Tu foste, quem primeiro o amor das ,Musas Da sbia Roma me excitaste n 'alma! Os ai/os versos do cantor de Eneias, Os sons da lira, que afamou Vemsia, Do ama n/e de Corina as lemas queixas, Me fizeste exprimir na ptria lngua. Em cantos que inda ento sol/ava a cus/o. Oh vale, C/lja mo plan/ou meu es/ro, Olha com brando rosto os frutos dele.

Carias de Eco, p. 1 0, 4.' ed .

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de cartas a Sofia, a Helosa, restos do sculo XVIII. Olhada a mitologia por outra qualquer face, a no seguir os trabalhos de Vossio, Dupuis, Creuzer, Guigniaut, Preller, ou Otfried Mller, ela s apresenta uma srie de puerilidades engenhosas, que deleitam a imaginao e nos desenfadam dos cuidados da vida . Aqueles vultos serenos de Olimpo helnico desenharam-se-Ihe na fantasia como figurinhas recortadas, visualidades caprichosas do paganismo.

esta a tendncia infantil; Castilho procurou reproduzi-las, como quem aviva uns traos mal debuxados que se apagam. A escolha da aco mede o artista: Eco a alma do poeta, solitria, no tendo no mundo quem lhe responda expanso que a lana para a natureza que se lhe esconde.

Castilho tinha um sentimento vulgar, e as tradies clssicas da escola no o deixavam compreender as coisas. O amor grego, indefinvel, artista, como o achamos na pederastia, no o podia fazer sentir o Jos Peixoto; ainda Otfried Mller no tinha encetado esse trabalho . H na mitologia helnica o amor com um carcter de fatalidade invencvel, um destino diante do qual se verga. O forte, o heri triunfa dele, no o conhece; ama o fraco, aquele no sabe resistir e se deixa ferir; ali a mulher conserva ainda o seu ideal indiano de perfeio, a fraquez;a; ela quem vencida pelo amor.

Esta a base de todos os mitos, o que explica as unies desnaturais de Pasfae, de Bblis, os mpetos vertiginosos de Fedra, de Safo; Eco entra tambm no coro das suas irms prostradas pelo amor.

Na paixo de Eco e Narciso que aparece o pathos, que s se encontra mais tarde nas obras de arte; a verdade da alma da Grcia transparecia brilhante nas criaes populares . A educao literria de Castilho, a tutela forada em que se achava sob a virga frrea da autoridade magistral, empeciam-no de descobrir estas coisas, achadas pela crtica moderna. O Ovdio, cujas Meta-

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morfoses estava j traduzindo ( 1 836) , apresentava-lhe a srie destes violentos amores, no como um acesso natural e franco da alma antiga, mas como enredos licenciosos, devaneios lbricos dialogados declamatoriamente para excitar a sensualidade das damas romanas enquanto as escravas liam no touador delas.

Os mestres, e os mesmos poetas iludiram-no; acreditou neles com a boa-f de criana. Sem se lembrar de que nos tempos ante-homricos era desconhecida a escrita, e que nos poemas homricos nem uma s vez claramente citada, concebeu abstrusamente Eco pelo tom da pastoral de Longo, e p-la a escrever os seus requebrados galanteios pela casca das rvores do bosque.

A forma de carta tinha sido adoptada por Pape, para os insulsos anelos que ps na boca de H elosa e Abelardo. A carta presta-se ao monlogo vago, cismador, tempestuoso, como a poesia romntica; era a forma menos grega que podia escolher. A serenidade da arte clssica, a harmonia de todas as partes absorvendo-se na perfeio do conjunto, a nitidez dos traos, das cores, deixando predominar em todas as criaes um aspecto visvel, particularmente escultural, nada disto se encontra nesse inocente livro das Cartas de Eco; a frescura primitiva, a suavidade, a natureza espontnea e simples , est ali substituda com um colorido de adjectivos - de gentil, amvel, formoso, lindo, belo, juvenil, doirado, cruel, tirano, ingrato, e isto variado segundo as exigncias da metrificao.

Os versos nem uma vez se quebram, esto inteiriados pe la pront ido dos epteto s . Aquelas iras , ameaas, arrojos e esperanas so ainda de uma alma infantil; por isso que o assunto se esgota depois da primeira carta, at puerilidade. Eco escreve no tronco de um choupo, que cresce nas verdes margens de um sereno rio aumentado pelas ternas lgrimas que chora. No delrio da paixo, ela no se esquece das

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figuras da retrica do mestre Maximiano para medir as emoes:

Em lgrimas, em ais consumo os dias, Em lgrimas, em ais as noites uelo.

Eco vai queixando-se, e invocando o exemplo dos animais que tambm amam; o rei dos animais no se envergonha de arrastar os grilhes que' o amor lhe lana. uma comparao de maior para menor, mas no importa; o que Eco aspira encher os campos com filhos formosos como Narciso, e ornar as florestas com novas Ninfas que venam as Ninfas suas rivais . l Desculpe-se pela candura e ingenuidade da alma do poeta; as circunstncias foram-lhe prolongando a infncia; faz ideia da vida, pelo arranjo domstico; privado da vista nunca pode abandonar o lar, ama-o, enfeita-o como um tipo de um quadro flamengo. Tem um ideal burgus de comodidade, que lhe faz escolher de preferncia por mecenas D. Joo VI, o mais completo de todos os alarves.

Narciso, no sei porque influio amorosa, foi ler a epstola da sua incgnita Amadora, e lhe envia paz e sade, ao fazer da resposta. Depois comea a tirar-lhe da cabea essa alucinao. D graas ao cu, porque desconhece o amor, o Monstro, de cujo facho tem ouvido citar os brbaros efeitos . Pede-lhe que no se fie nele; que pequeno infante mas bulioso e amigo de brincar; que s tem alegria em cravar fundas setas, e exulta com o pranto e os ais que arranca. Ele gera cuidados, e faz murchar os prazeres, faz do sono pacfico

I Tu que podes encher os I/OSSOS campos De filhos, como lu, fonnosos lodos; Tu, que podes omar estas floreslas De Ninfas nouas, que eslas Ninfas uenam, Esla glria a li mesmo hs-de negar-Ie?

P. 34, 4.' ed.

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uma guerra, e anda acompanhado do receio, da invej a, do dio e do cime voraz. O amor filho da rocha caucsia, do tigre hircano e de Megeras. vista disto pede-lhe que se deixe de imaginaes : e para mostrar em factos a verdade, no se esquece de retorquir tambm com a sua figurinha de retrica:

o mI/lido para mim Iodo graas, A llgstias para ti Iodo mI/lido.'

Neste ponto est esgotado o assunto; tudo o mais no tem movimento; gira sempre no mesmo eixo; o poeta continua os monlogos como uma criana inquieta, que se no cansa de assoprar freneticamente em um assobio de feira at quebr-lo. O poema todo deste feitio do mais teimoso elmanismo. O amor ali uma coisa ainda no sentida, nem to-pouco adivinhada. O esmero dos versos, regrados, cadenciados, adjectivados, metaforizados, tem uma doura que nauseia; so como a linguagem de uma criana que d uma lio bem sabida. Foi este o livro que lhe deu nome em Portugal e no Brasil, e aquele que serve sempre de antonomsia ; foi por isso que nos demormos na apreciao dele . Apesar de toda a mitologia acadmica deste livro, o autor ousou chamar-lhe romance 2 . O resto do livro digno de compaixo pelas futilidades da puercia.

A carta que o autor recebeu de uma senhora, pelo correio de Lisboa, defendendo o seu sexo atacado nas Cartas de Eco, forma uma lenda revelada n'A Chave do Enigma, do Amor e Melancolia.

O Processo de Citem, em que a mais nova das graas, Aglaia, vem acus-lo, servindo de representante das senhoras portuguesas toca o ridculo; o autor defende-se

I Pg. 42. 2 Pg. 1 65.

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em outros discurso, e depois escuta a sentena concebida nestes termos:

O Supremo Tribunal de Citera depois de haver atentamente ouvido o discurso recitado por Aglaia, contra o poeta autor das Cartas de Eco e Narciso, assim como a sua defesa apresentada pela sua Musa, declara que o acusado est inocente; e como tal determina que o seu crdito pblico lhe sej a restitudo por todo o Imprio de Amor: ordenando igualmente, que a acusadora convencida, como o foi, da calnia, sej a por trs dias privada de tomar parte nas Festas de Citera, e nunca mais seja vista por mancebo algum durante a sua estada no banho. Citera, I de Abril. - Vnus. -Os Prazeres. - Os Jogos. - Os Amores . Eis o resultado de um esprito que no pde soltar-se livre das faixas; esta a causa de tudo aquilo de que a gente hoje se r i . Foi uma boa sociedade a desses tempos; estas graas fizeram as delcias dos seres nas famlias. Sobre este pedestal o proclamaram gnio. No faltaram imitaes dos poetastros do reino, Mrcias e Branderinos escrevep.do suas confidncias. Era mais um passo alm d' O Piolho Viajante e do Feliz Independente.

Castilho no concebia a poesia como a expresso subjectiva dos sentimentos ; estava privado de contemplar o mundo exterior, e tendia constantemente para ele. Imaginava a natureza como a vira aos sete anos, por isso a sua poesia tinha por objecto apresentar-nos os mais risonhos quadros campestres animados com toda a doura e sublimidade do sentimento .

Castilho no imagina a diferena na ordem de factos que exprimem o belo, ou que exprimem o sublime. D-nos metforas e imagens de semelhana por ideias; assim a poesia a Primognita das Musas; nasceu no meio das florestas, criou-se entre os Amores ao seio da Natureza, cresceu nas cabanas smplices dos primeiros homens. A sua fronte sempre risonha e serena no se coroou de louros, mas de rosas e de murtas; os seus

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passos eram ligeiros, o seu ar elegante, sem afectao de maj estade, o seu trajo um vu transparente. Foi ela e no P, quem ofereceu a primeira flauta aos pastores, quem lhes ensinou a tirar dela sons fceis e harmoniosos . Os primeiros cantos que ela inspirou, tiveram por obj ecto descrever o amor em todas as suas diferentes situaes, e pintar os campos em todos os seus pontos de vista mais agradveis l . Quem faz esta ideia da poesia no podia elevar-se acima das Cartas de Eco e Narciso . O poemeto afectado produziu uma grande emoo na sociedade portuguesa, atrasada e piegas, que vira sempre na leitura um perigo.

Castilho j ento aconselhava mocidade que evitasse o movimento romntico, dizendo-lhe: Cantai a ternura, o amor, o prazer e a felicidade. Eis o ideal do bucolismo estafado das pastorais calcadas sobre a Dfnis e Clo de Longo; um gnero falso, impossvel, ridculo, inspido.

Castilho sente de vez em quando uma saudade da natureza que se lhe furta; vai para ela, e engana-se, sonha em toda a parte um rio que corta os prados ao longe, um rebanho que pasce no vale , um bosque extensssimo e frondoso cujas cimas so meneadas por um zfiro; agora ouve as aves a saltar de ramo em ramo ou por entre as flores to gentis como elas ; alm v um pastor coroando com murta e rosas as tranas da sua bela pastora. Finge vales ornados de violetas, florestas one as ninfas esto .iuntas, e mil faunos que habitam as grutas .2

I Cartas de Eco, p. 19. , Se a naturea me negou seus quadros; Se os fracos olhos meus no descortinam O sublime espectculo dos campos; Se de uma rocha 1/0 elevado ClIme No me dado sentir, goar praeres, Vetldo um rio, que ao 10l/ge os prados corta, Vel/do um rebanho, que 1/0 vale gira,

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Depois dos sete anos Castilho no tornou a comunicar com a natureza seno atravs de Florian, e dos idlios artificiais e de uma ingenuidade tola de Gessner. Ele nos diz que pela estrada florida de Gessner que se pode ir at ao seio da natureza.

A falta de individualidade facilita-lhe o falar pela boca dos ternos pastores, no preciso sentir quando o som das frautas, o aroma dos festes, os gemidos das grutas vm encher sonorosamente o verso . tudo quanto pode dar a poesia chamada pastoril. Agora entendem-se melhor as harmonias brandas, melfluas da sua Primavera.

um destes livros que trazem o selo do esquecimento, como os insectos de um dia de calor, que bailam em uma rstia do sol vinda por entre a folhagem do arvoredo; uma Primavera breve e duvidosa como a de um pas sem vida. Cita-se por ser uma das coroas da glria de Castilho; no se ataca a glria do homem desmerecendo o livro que teve uma influncia funesta sobre o gosto de todos e preciso modific-la. H nas

Vendo um bosque extensssimo e frondoso, Cujas cimas um Zfiro meneia, Vendo as aves voar de IIIn ralllo em oulro Por enlre as flores to gtlllis como elas, VtIldo como IIIn pastor de murta e rosas Coroa as tranas da pastora bela, E Uln beijo em prmio docemtllte furta, Se no me dado, contemplando o mlllldo Ver, ah! ver quanto grande a Natureza, Co'as Musas meditando eu sinto o gozo Novas ctllas, fal/tsticas, risol/has. Finjo mil vales, que violetas ornam, PiaI/to florestas, aOl/de ajul/te as Ninfas, Fao um rio correr por entre um bosque, Que em si relrata a abbada pendeI/te Que o tolda e guarda, e donde cheiram as flores; Mal/do mil faul/os habitar as grutas, Dou rebanhos ao campo, aves relva, E graa a todo o IlIIlIldo, e IlIz s sombras.

Cartas de Eco, p. 16 .

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Cartas de Eco e Narciso um lado real , que tornou simptico o poemeto.

Este livro liga-se histria ntima de Castilho, e deu causa ao seu casamento com uma senhora reclusa do convento de Vairo, a qual, como se l na biografia espanhola: Se anoj a escribirle a Coimbra donde residia, estas palavras:

"Si se os presel/tase III/a Eco Imitarieis vos a vllestro Nasciso?1I

puso despus una firma supuesta y las senas, para que si queria le dirigiese la l'espuesta . . . La respuesta fu cual merecia una declaracin que asi lisongeaba el amor pl'Opio del poeta; entablal'On los dos amantes conespondencia, sin saber el afortunado ciego quien era la que se habia pagado del, hasta que ai cabo de mucho tiempo hubo de descubrir el nombre de su embozada amiga . . . / no obstante varios obstaculos en que no tuvo parte alguna la voluntad, retardal'On su himeneo hasta el ano 1834 . . . Vivi con ella poco mas de dos anos . . . Muri su esposa em 10 de

febrero de 1837; y l ha prometido escribir un libro entera dedicado a su memoria. (P. 6 e 7 ) . Foi na constncia deste matrimnio que escreveu Os Cimes do Bardo . Este sucesso comeado pela puerilidade inocente das Cartas de Eco e Narciso, terminou com uma cerimnia tambm pueril da hecatombe da correspondncia amorosa, sobre as cinzas da qual mandou pr uma pequena lpide que est em um quintal de uma casa de aluguer em Lisboa; o livro prometido reduziu-se s prosas piegas do Amor e Melancolia.

Castilho guardou fielmente a tradio arcdica; sempre criana, e de passo tbio e mal seguro, teme aven-

I N' A Chave do EI/igma explicam-se melhor estas aluses; a carta recebida por Castilho fora de 27 de Setembro de 1824, remetida de Azurara, correio de Vila do Conde. (P. 222.) O nome suposto era Maria da Expectao Silva Carvalho, e o nome verdadeiro D. Maria Isabel de Baena Coimbra Portugal. (P. 244.)

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turar-se pelos mundos da literatura subjectiva do romantismo, que se aproveita dos sentimentos novos da idade moderna para as suas criaes artsticas. Todas as aluses dos seus prlogos referem-se ao movimento de Garrett no impulso dado literatura nacional. Fazendo profisso de f mitolgica, lembra-se da invocao de D. Branca e da inspirao que abjurava os ureos numes de Ascreu, fices risonhas - da culta Grcia amvel e diz que no se alista debaixo das bandeiras triunfais dos modernos espanca-numes. '

O renascimento da crtica, da histria, da filosofia, do direito poltico, as invenes, as revolues que agitaram o sculo que se abria, tudo para o poeta dos idlios eram loucuras, desvairamentos, runas. Ele mesmo se sente infante no meio deste rudo de ciclopes : Quando me olho e me vejo a brincar com flores e cordeiros, ao tempo que em redor de mim esto no choco to grandes destinos do mundo, no me lastimo, porm rio-me, e cuido estar vendo em mim prprio um menino) que por um dia de tempestade, entesoura conchas e forma lagoazinhas na praia , enquanto andam vista galees alterosos luta com os elementos, e na mesma praia uns pasmam, outros se aterram, outros suspiram pelo instante do naufrgio para se arremessarem aos despojos , apenas o mar os cuspir.2 Fique embora na doce iluso da sua poesia pastoril; a, nesse mundozinho, reminiscncia da quinta ajardinada dos arrabaldes de Lisboa onde lhe correu a infncia, que ele se mostra aos amigos . Na Primavera diz que teve a inteno de retratar-se na sua face moral, conservando-a tal como cantara aos vinte e cinco anos. 3 De vez em quando o poeta torna-se intolerante com o seu bucolismo; maldiz o tempo, porque se no volta para as

I Primavera, p. 41 ( 1 837) . 2 Ibidem, p. 43. ' Primavera, p. 30.

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cabanas das serranias. Quando o gnero buclico era deslavado mas inocente, suportava-se; assim, violentando a que o admirem, d vontade de limpar o rosto dessas falsas caracterizaes.

A verdadeira, a ntima poesia da natureza s se encontra reproduzida na primeira impresso virginal nos poemas da ndia. O divino poema do Ramaiana eleva, beatifica o que o escuta; sudra que o ouvisse ler, ficava nesse instante livre.

N a Grcia, a poesia da natureza no foi achada nem por Dfnis, Estescoro ou Tecrito; a vida pastoral tem ali tambm um carcter ariano, profundo; o boi, cantado nas teogonias orientais, entra nas legendas da vida pastorcia dos reis da idade herica. Anquises era pastor da Trada, Pris do monte Ida; o ceptro era o cajado desfolhado; os heris derrubam os monstros que andam roubando os bois . Assim foram as velhas lendas de uma vida que passara, avivando as saudades do passado, e dando expresso a esse sentimento. A poesia veio revel-lo na sua forma mais ingnua; um dilogo de pas tores sobre a lavoura, sobre os rebanhos, uma aposta, a alegria das searas, as torrentes, as calmas, compunham os sucessos de uma vida to simples como pacfica. Sups-se assim uma idade de ouro, hiptese gratuita que deu origem tradio literria do bucolismo. O poema de Hesodo, os rudimentos do teatro helnico, alguns personagens da tragdia clssica so o fundamento da arte de Tecrito! arte convencional e estreita, com que o vate de Siracusa chega, custa de muito esforo, a tocar a brandura e amenidade campestre . Ele no copia directamente da natureza; canta sobre as reminiscncias da Siclia, no bulcio de Alexandria, no palcio dos Ptolemeus , com os outros poetas a quem Tmon, o SilgraJo chama melros fechados em uma gaiola. Tecrito obedece a toda a metralha de preceitos impostos pelos gramticos, e no meio das adulaes, poeta da corte de Heron e de Ptolemeu, vem aliviar-se e de-

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sabafar, aspirando a vida desassombrada dos campos. Egger, nas Memrias de Literatura Antiga, diz que favor demasiado o chamar-lhe gnio pelos seus idlios . ' Todos os poetas pastoris seguiram as pisadas de Tecrito, serviram-se do mesmo molde; viram a natureza atravs do prisma bao dos seus idlios . Na renascena dos modelos da Antiguidade, com as tragdias, com as epopeias, com a comdia, floresceu tambm o idlio; por si chega a formar um gnero dominante, infectando a literatura italiana, francesa, espanhola e portuguesa. Todos os nossos poetas lhe sagraram suas liras; Bernardim Ribeiro domina o bucolismo; os poetas franceses imitam os antigos e fazem dos quadros campestres uma aguarela descorada que serve de tipo nesta tradio literria; Racan, Sagrais, Mad. Deshoulieres e Fontenelle lanam as balizas ao gnero pastoral .

Estes dilogos de pastores absorviam sempre a musa dos poetas cesreos. O prprio Salomo Gessner, o gnio pastoril da Alemanha, acusado pelos seus de ter imitado os Franceses, que tambm o reproduziram mais tarde .. Com uma alma sempre infantil, e j de si tambm poeta cesreo, Castilho no podia faltar tradio buclica; ele confessa abertamente essa predileco pelo gnero, e declara todo o desvanecimento que tem pelos seus mestres Florian e Gessner: Alguma coisa faro para aqui palavras do meu Florian, que, porque dele so, as verterei de muito boamente. Oh, se ns pudssemos ler em seu original texto os bons autores dessa Alemanha, enlevar-nos-ia a tanta singeleza, a tanta doura por onde de todas as outras se extremam suas obras ! Em conhecer a natureza, e especialmente a natureza campesina, levam-nos eles uma infinita vantagem; amam-na mais deveras, retratam-na com tintas mais fiis. Todos os nossos poetas pastoris nada tm

I Op. cit., p. 267.

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que ver com as meras tradues de Gessner. Ningum jamais fecha .a Morte de Abel, os ldlios ou Dfnis, sem j se sentir mais sofrido, mais terno, mais mavioso, e porque tudo diga, mais virtuoso que antes da lio. No respira seno moral pura e fcil, e virtude daquela que logo vem trazendo bem-aventuranas . Fosse eu proco de aldeia, que sempre estao da missa, havia de ler e reler Gessner aos meus fregueses : e por certssimo tenho que todos meus aldees se fariam probos, todas minhas paroquianas castas, e ningum me havia de ao sermo adormecer. Isto dizia de Gessner Florian, digno de o louvar pelo mui bem que o sabia compreender e seguir. Isto no o escrevia eu, nem o dizia, mas amplamente o sentia nesse bom tempo que j l vai. Gessner no era para mim um nome, seno um indivduo presente, um suavssimo contubernal; nem j as suas obras me eram livros, mas realidade, vida e mundo. ' Estes poetas pastoris tm uma inocncia de leite, navegam em mar de rosas, vem uma deusa em cada nuvem.

Castilho descreve a influncia de to mirficos modelos: Muito aproveitei em to boa escola: como poeta no, que bem o sabem, meus leitores; como homem sim, que disso tive mui cabal e experimentada certeza . Minhas nativas propenses benficas se arraigaram; minha interior aspereza, que todos de si a tm, se amoleceu; sentia-me palpitar no peito um corao da idade de ouro; esvoaava-me na cabea uma alma inteira de rcade; compunha todo o meu econmico futuro de uma choupana, um pomarinho e pombas mui brancas e cordeiros mui ndios; em suma, se Florian fosse meu proco, propor-me-ia nas suas homlias como um santo da sua bem-aventurana.2 Que engraaca infncia ! prolongada ainda at aos trinta e cinco anos de idade

1 Primavera, pg. 10 ( 1 837) . ' Primavera, p. 1 4.

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do poeta! Mas Florian um eco amortecido de Gessner; o mesmo poeta pastoril da Alemanha, na opinio do profundo Herder, ' de Augusto Schlegell, e de Joo Paulo Richter no d pelas plantas de Tecrito. Ele no tirou dos Alpes, nem das cabanas, nem das buzinas dos pastores o delicioso colorido da natureza; segundo Joo Paulo uma espcie de requeij o fresco da aldeia, que os Franceses aclimaram ao p do superfino . idlico de Fontenelle2 O primeiro erro de todos estes poetas buclicos estava em no \ colocar o mundo pastoral fora da decantada idade de ouro; estavam fora da sociedade civil, sem paixo, numa beatfica monotonia. Quando se concebeu que a poesia do idlio no consistia em frescas fontes, esconsos vales, frondentes arvoredos, ciciosos regatos , fisspide armento, e ternas queixas de enamoradas pastoras, mas na simplicidade e no remanso da vida, ento que puderam haver escritos como Hermann e Dorothea de Goethe, foi ento que Schiller pde abrir o seu poema da Resignao com este verso: E eu tambm nasci na Arcdia, no menos enrgico que o E eu tambm sou pintor de Corregio. Estas so as criaes puras do romantismo; mas Castilho desatou com ele, odiava-o de morte. At disse: Quando ser que outro homem, da laia e costumes dos nossos velhos, possa dizer na sinceridade da sua alma: - Se fosse proco, leria Byron ou Schiller estao da missa, para tornar castas e probas as minhas ovelhas?3 A imensa felicidade cansa; preciso contrastes, agitaes, para que a criao do ' artista corresponda s multmodas volies, e encontradssimas impresses que se passam no indivduo.

Os idlios gessnricos, e os dos seus imitadores esta-

I Obras complelas, 2.' parte, p. 1 27 , 142 . 1 Potica, t . I I , p . 140. : J Primavera, p. 14 .

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fam pela monotonia da felicidade; sempre o mesmo tom, a vibrao da mesma corda; nos de Castilho este defeito torna-se insuportvel pela prolixidade e abundncia dos versos e mincias dos detalhes; como estas carcias foradas de uma pessoa que nos est incomodando; como quem mata uma sede vivssima das calmas com um copo de gua morna.

A Primavera foi escrita ( 1 822) sob o influxo dos pastores Elmiro, Anfriso, J osino, Auliso, Salcio, Albano, Francino, que ornavam de grinaldas e festes a cabea do Mmnide Eginense, entre o descante da Minha Llia Morreu ensoado no violo do padre Leito. neste livro, de todos, aquele em que o poeta se mostra mais criana. Causa d o lembrar que foi preciso l-lo; uma pgina avulsa qualquer, basta para ficar odiando para sempre o gnero pastoril. As qualidades de criana, a frescura, a graa, a espontaneidade e uma ignorncia feliz, a candidez, a expanso e alegria, deviam realar neste assunto; o poeta teve a fora de dominar todos estes instintos, e com o intuito de imitar Florian e Gessner, deixou aparecer somente a loquacidade e a indiscrio.

A predileco por Gessner e Florian, na Frana explica-se pelo exagerado sentimentalismo propagado por Jean-Jacques Rousseau, que fazia dizer a Voltaire, que o autor da Nova Helosa desejava andar de quatro ps . Foi quando se viu a poesia separada da religio, e em lugar dela fabricado -um Olimpo, no com a simpatia sensual da Renascena, como diz Taine, nem com o esprito arqueolgico moderno, mas por convenincia ; era uma espcie de gria grega e latina to necessria como um chin; citavam-se as musas e as graas, como quem faz cartinhas de namorado; havia um dicionrio mitolgico como um cdigo de pragmtica palaciana. I

I ((011 vil alors le spec/acle le pll/s ex/raordillaire et le pll/s ridicl/le, la posie spare de la religioll, dOIl/ elle esl le fOlld lIa/l/rel el I'elemen/ ill/ime, l'Olympe res/al/r 11011 par SJ'mpa/hie archeologiqlle, COI/lme al/jol/rd'hl/i, mais par COllvellallce, pOl/r remplir UlI cadre

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A inspirao de Castilho alentava-se exclusivamente da tradio do sculo XVIII; exagerou ainda mais todos estes defeitos ; ele prprio nota em si um estiramento de perodos. ' Ali a natureza est revestida de pfias alegorias; povoam faunos os montes, andam Dradas escuta pelos arvoredos, brinca com Flora um Zfiro inconstante, a Aurora abre o roxo ms das flores, Hamadrades, Niades, Silvanos, os ledos Eisos, a amorosa Vnus, Vertumnos insofridos, Castlias fontes, Favnios subtis, todo o sacro povo morador do Olimpo, com os dons de Pomona enfeitam a natureza inteira. Na sua ingenuidade infantil, com que, na ebulio do pleno sculo XIX, o poeta procura chamar para o mundo dos idlios, no se contenta s em aconselhar o leite e o mel dourado, ele mesmo se transporta a esse mundo: Meti-me pitagrico aos vinte e trs de Agosto do ano d 1 822, tendo sido gastos os meses, que desde a feitura do poema decorreram at esse, em acabar de me resolver e aparelhar para to grande faanha; e permaneci na observncia do voto at vinte e trs de Agosto do seguinte ano. Acabei o noviciado, e em lugar de professar, despedi-me.2

A impossibilidade da vida aconselhava, tornava evidente a falsidade do ideal. Castilho como um destes poetas da decadncia clssica na literatura do I mprio em Frana; pertence escola descritiva, didctica, e com uma procurada melodia de versificao embala os ouvidos para no ouvirem as pequeninas comparaes

vide el ajouler ulle parade de p/us loules celles d01l1 ce siec/e s 'lail alfubl. Ily eul ulle sorle de jargoll grec el latill eOllvellable au mme limbre qu 'ulle perruque; 011 employa Appolloll el les Muses COlllllle /'hemisliche el la csure; 011 mil ell lEuvre /'Amour el les Craees eomme les cdrals eOllfils el les billels doux; ily eul 1111 dicliolllla

'ire myl/lO/ogiqlle

COIIIII/e 11// eode du savoir-vivre el les pallvres diellx allliques arriverC/lI eelle humilialioll exlrme de servir de pasliehes el de paravellls.)} Taine, La FOlllaille el ses Fables, p . 224.

I Primavera, p . 36. , Primavera, p. 284.

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de coisas fteis; Delille, o mestre de todos estes pseudopoetas, passava em revista todas as descries e ufanava-se de ter feito doze camelos, quatro ces, trs cavalos, seis tigres, dois gatos, muitos invernos, imensos estios, inmeras primaveras, cinquenta e seis ocasos, uma infinidade de auroras : Castilho faz tambm o seu inventrio.

A sua Primavera uma bem-aventurana de ftuos; no tem aco, e como pode t-la um livro que se compe de Todos os amores de que se urde e tece a domstica felicidade, se acham aqui representados por um modo que se recomendam e deles se embai de mui bom grado o nimo: o amor filial, o paterno, o materno, o conj ugal, a amizade, at o afecto aos animais, rvores, flores, e mais criaturas de Deus, companheiras nossas neste mundo, que vem de envolta com a recreao.2

Sempre uma nauseabunda doura, uma linftica brandura! Fiquem por uma vez destrudas estas funestas influncias dos poetas didcticos do Imprio. A Primavera deveu o acolhimento falta de leitura que sofreu a nossa sociedade. Tnhamos apenas crnicas suculentas de frades! O pobre livrinho era um man. Depressa mereceu as honras de ocupar um lugar no aafatinho de costura, ao p dos romances morais, enternecidos, graciosos da Cotin e da Montolieu, que ento se traduziam por c, e andavam em moda. As leitoras amveis estavam restritas s Mil e Uma Noites, ao Grandisson, s Novellas em que no aparecia uma dada vogal, e nas faltas supria o Fios Sanctorum ou tragava-se a Bblia em famlia .

Foi isto o que deu largas ao poeta: festejaram-no com cartas annimas, a' ponto de no poder sustentar o papel do Narciso. este caso a origem do Amor e Melancolia ou a Novssima Helosa ( 1 828) , que o autor mais

2 lbidem, p, 44,

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tarde explica loquaz e puerilmente n' A Chave do Enigma, na prosa que acompanha as insonsas quadrinhas . Castilho no conhecia a Helosa da legenda, nem o livro de Rousseau, seno, no se atreveria a baptizar com esse ttulo comprometedor um livro banal, frio e mal feito; as quadrinhas parecem sortes da noite de S . Joo, ou destes ternos dsticos que ento era de costume bordar nos lenos de assoar ou pr no papel dos rebuados; exprimem cismticos enlevos e brandos queixumes que levavam piedade os meigos coraes dos quinze anos, e se cantarolavam em modinhas.

Kinsey, capelo de Lorde Aukland, que viajou em Portugal em 1 827, no livro que escreveu desta viagem, precioso pela grande quantidade de informaes coligidas, que hoje so para ns histricas, descreve como neste tempo estavam ainda em todo o seu vigor as rriodinhas brasileiras; cantava-se a letra da Jovem Llia Abandonada, de Castilho, adaptando-a a uma ria da Setnramis, de Rossini. Kinsey, que julgou Castilho sem a influncia das lendas domsticas, fala deste costume da sociedade portuguesa: As modinhas portuguesas so peregrinamente belas e simples, no s enquanto s palavras, mas at pela composio da msica. So geralmente expresso de algum sentimento amoroso, terno ou melanclico, de desespero ou esperana, e seu efeito tal que, quando bem acompanhadas pela voz guitarra, chegam a arrancar lgrimas dos ouvintes, apesar de acostumados sua frequente repetio.

Este mesmo entusiasmo achamos nos viajantes com relao aos cantos lricos peruanos . As relaes de Portugal com a corte do Rio de Janeiro d uran te o governo de D. Joo VI fizeram reviver a modinha brasileira, mas tendia j para a sua decadncia pela confuso das rias tradicionais com as fioritures das peras italianas . O Amor e Melancolia de Castilho uma srie de quadras amorosas em estilo de modinha, que se vulgarizou na

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sociedade burguesa por ter aparecido nesta corrente de um gnero que se extinguia.

Melhor lhe fora ter subido pira fumegante com as doces cartas a que respondia; o seu fumo iria formar em volta do autor um vago nebuloso, uma lenda engraada, j que a realidade o humilha. Mas em roda do poeta levantava-se uma arte turbulenta, devastadora; havia um excesso de vida que ele no sentia , era o romantismo.

2. - ( 1 834 a 1 854.) - Castilho faz uma transigncia provisria com o romantismo: A Noite do Castelo. - Imprecaes contra as doutrinas literrias do romantismo. - Castilho regressa de novo aos estudos clssicos. - Os Quadros Histricos. - As Metamorfoses de Ovdio traduzidas. - A poesia arcdica nas Escavaes Poticas. - Castilho, antigo setembrista chasqueia o movimento de 1 846 no opsculo cmico da Crnica Certa de Maria da Fonte. - No meio das perturbaes polticas de 1 847 vai ilha de S. Miguel. - Fundao da Sociedade dos Amigos das Letras. - O drama Cames e Felicidade pela Agricultura. - A propaganda da Leitura Repentina. - Polmicas virulentas. Vai ao Brasil em 1 854. - Consequncias da morte do Garrett: Castilho impe as tradues do latim, e funda a pedantocracia portuguesa do elogio mtuo.

No vale apresentar novamente o quadro do renascimento de todas as literaturas da Europa na abertura do sculo XIX; era preciso o hino do Secuol si rinuova .

A grande individualidade alcanada pelas revolues liberais e pelo desenvolvimento dos estudos cientficos, assinala uma transformao brilhante de que a humanidade s teve conscincia nas suas criaes - na literatura. Como subjectiva, realizando sentimentos que se no previnem, e cujos impulsos no podem ser calculados nem medidos, a arte romntica no teve modelos, era essencialmente livre. Foi desta liberdade que cada literatura tirou foras para nacionalizar-se. O romantismo no se implantou sem luta; luta travada, renhida, como provocam sempre as ideias novas; ao cabo viu-se

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ao sol da verdade que os que debatiam contra eram velhos acadmicos, que j se no podiam desacostumar da senda aristotlica. Estes se chamaram os clssicos, no com o nobre sentido que lhe deu Goethe, mas como simples contraposio aos romnticos. Diz Goethe na sua correspondncia com Eckermann: A determinao da poesia clssica e da poesia romntica, que agora se adopta por esse mundo, e que causa de tantas discusses e dissenses, , no que respeita essncia, minha e de Schiller. Eu tinha adoptado para a poesia o processo obj ectivo, o nico que me pareceu bom. Schiller, que pelo contrrio, procedia de um modo todo subjectivo, ju lgou seu mtodo melhor, e foi para se defender contra mim, que escreveu o seu tratado da poesia sentimental e da poesia simples. Os Schlegell apoderaram-se desta distino e levaram-na mais longe, de forma que hoje se estende por todo o mundo.!

As belas tradues dos romances de Walter Scott por AndrJoaquim Ramalho e Sousa, a traduo do Oberon de Wielland por Filinto e pela marquesa de Alorna, foram as primeiras disposies para o romantismo; passaram por assim dizer desapercebidas . a Almeida Garrett que se deve a renovao da moderna literatura portuguesa. C astilho viu-se no meio deste esprito novo, como o dormente da Roma pag que acorda na Roma do cris tianismo. As suas primeiras palavras foram de maldio aos perturbadores da serenidade da velha Arcdia. Viu que no podia dizer deles, nem de Schiller o que Florian dizia de Gessner; essa l eitura no podia tornar castas e probas as suas ovelhas. Vejamos o pavoroso quadro dessa invaso nos vales e amenidades do seu idlio, tal como no-lo descreve circunstanciadamen te no prlogo dos Quadros Hist1"icos de Portugal ( 1 838) :

I Ejespraeche Ullt Eckerma/lll, 203; Joo Paulo, Potica, t. II, p. 436.

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A actual literatura (onde a h) em desconto de seus outros grandes pecados de cepticismo religioso e, o que mais forte e indisculpvel , de cepticismo moral, I tem introduzido e refinado muito conhecimento de relaes das partes e indivduos do mundo entre si; e da nos ter exprimido para o corao uma quinta-essncia mui pura de interesse e afecto universal, misturada com uma dcima-essncia subtilssima de egosmo esterilizador (no sei como diga, para que a entendam a verdade que me abafa) .

Depois que a Musa se crismou em Natureza, e largou por velhos os graves coturnos e fidalga fala do seu tempo; depois que se fez cosmopolita, liberal e plebeia, prestes para tudo, para banquetes de cnicos sobre a lamagem nas tabernas, para a adorao profunda do Eterno; para danar nua com as prostitutas, ou voar pelos alcantis e espinhos de todas as dificuldades ou de todas as virtudes; depois que disse na sua nobre ou delirante ambio: Tudo meu, e cravou no meio do mundo

I No prlogo da 2.' ed. das Viagens na Minha Terra, respondeu a esta aluso Garrett com as seguintes linhas: Tem sido acusado de cptico, uma acusao mais absurda, que s denuncia, em quem a faz, ou grande ignorncia ou grande m-f. Quando o nosso a,utor (Garrett) lana mo da cortante e destruidora arma do sarcasmo, que ele maneja com tanta fora e dextridade, e que talvez por isso mesmo, cnscio do seu poder, ele rara vez toma nas mos - veja-se que sempre contra a hipocrisia, contra os sofismas, e contra os hipcritas e sofistas de todas as cores, que ele o faz, Crenas, opinies, sentimentos, respeita-os sempre. As mesmas suas ironias que tanto ferem, no as dirige contra indivduos: v-se que despreza a fcil vingana que, com to poderosas armas, podia tomar de inimigos que o no poupam, de invejosos que o caluniam, e a quem, por cada ditrio insulso e efmero com que o tm pretendido injuriar ele podia condenar ao eterno oprbrio de um pelourinho imortal, como as suas obras. Ainda bem que o no faz! mais importantes so as suas obras, e quanto a ns, mais punidos ficam os seus mulos com esse desprezo do homem superior que se no apercebe de sua malignidade insulsa e insignificante.

Voltando acusao de cepticismo, ainda dizemos que no pode ser cptico o esprito que concebeu, e em si achou cores com que pintou to vivos, caracteres de crenas to fortes como de Cato, de Cames, de Frei Lus de Sousa - e aqui nesta obra (Viagens) os de Frei Dinis, de Joaninha, da Irm Francisca. p, VII,

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espantado bandeira livre de conquistadora que, remontada pelos cus, vai tremular por cima da cabea de Deus; depois que olhou para o espectro do Passado, e lhe cuspiu na face e riu; para o embrio do Futuro, e lhe atirou veneno e riu; e disse ao Presente: 'Dana ao redor de mim, porque eu te abri o majestoso manancial de todas as dores mpias' , e riu; levantou-se entre todos os seus ministros uma grande confuso, porque se ouviram os gemidos do Porvir, os lamentos do Passado, as blasfmias do Presente. Estes dislates, com pretenso a estilo bblico, enojam. Uns, almas generosas nascidos para amar, disseram: 'Ns procuraremos salvar tudo isto pelo amor. ' Outros, almas indomveis nascidas para o triunfo, disseram: 'Ns assinalaremos as rod as do nosso carro sobre estes trs cadveres do Tempo. ' E a poesia lhe disse: ' Ide', e os bafejou a todos.

O povo, que s das palavras alheias compe a sua sabedoria (absurdo) , corre aos teatros a aprender, como se consuma, explica e defende o adultrio, o incsto, a traio, o perjrio, o parricdio, o fatricdio, o infanticdio, o regicdio, o deicdio, horrores que o grande Slon nem quisera se j ulgassem possveis, para lhes prevenir penas em suas leis; palavras de agouro e maldio, que semelhantes s que uma antiga religio defendia , nunca haviam sair de humanos lbios . com estas mesmas palavras que o clero fantico tem amoti nado as turbas contra todos os progressos . O mesmo povo abre livros, e neles se encontra com os mais famosos quadros de toda a imaginvel brandura. Aqui a j umenta de Balao obrigou o falso profeta a falar verdade. Por um ouvido um demnio lhe inspira como se embotam os punhais, para que a ferida seja mais vagarosa; como se farpam, para que mais doa; como se ervam, para que no sare; por onde se ho-de embeber e quanto sangue h-de manar, quantas fibras descoser-se, quantos gemidos e arrancos ouvir-se, com que gestos, com que sorrisos e palavras se h-de deses-

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perar a agonia, como que o p se lhe h-de pr sobre os olhos para que no veja o cu . No outro ouvido, um anjo lhe insinua que a felicidade toda assenta na paz interior, a paz interior na virtude, a virtude no amar sempre a todos e a tudo, no amar sem outro fim seno o prprio amar. Apareceram porfia os sofismas do parricdio n' Os Salteadores de Schiller (es te no podia tornar com os seus poemas mais probas e castas as ovelhas de Florian) e . os extremos da afeio a um pobre co no Jecelyn de Lamartine (admirava-se, porque entendia como cristo que os ces devem ser tratados como os tratava Malebranche) ; os horrores de uma Justina, e as piedosas mgoas de um Leproso de Aoste; Catherina Howard e as Prises de Slvio Plico. Que digo? o mesmo livro, e quase o mesmo momento, muitas vezes combina estas repugnncias: o famoso monstro literrio intitulado Nossa Senhora de Paris, por Vtor Hugo, um libelo difamatrio e infernal contra a natureza humana, e juntamente um Evangelho do amor materno. a luta perptua do Bom e do Mau Princpio: so os dois extremos do homem, nefandamente amarrados entre si pelo gnio do homem; imagem daquele suplcio, inventado por um antigo n de I tlia, o desprezador dos Deuses, como lhe chama Virglio, o vivo abraado com um cadver, os lbios que respiram e gemem pregados nuns

. beios mudos que exalam morte, e os olhos que vem sobre dois globos que olham sem verem. Esta a incompreensvel, a espantosa literatura da nossa idade! Oh quem soltasse este vivo, porque o contacto deste defundo o no contaminasse! Oh quem enterrasse este morto, porque a presena deste vivo lhe no agravasse a condenao! Homens inovadores, sublimes, infernais, romnticos, algozes do corao, da alma e da f, que resplandeceis na vossa glria como Satans em seu trono de fogo, eu escritor desconhecido do mais pequeno recanto do mundo; eu, cujas galas poticas so to mesquinhas que por minhas mos as rasgo sem d; eu vos

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desprezo, e por uma fama sete vezes mais alta do que a vossa, por tesouros sete vezes mais fartos de que vos rendem as vossas frases mgicas, no quisera ser o que sois ; que assim como inventastes um veneno infalvel para cada virtude, no inventastes outro para a vossa prpria conscincia, temerosa tem de ser a vossa ltima hora na vida. ) Se o escritor tivesse conscincia do que diz, responder-se-Ihe-ia, que os contrastes que formam o processo artstico do romantismo, no so filhos de um sistema exclusivo de elocuo quintilianesca; os contrastes aparecem sempre onde h verdade na arte. Mesmo em Homero, Aquiles apresenta esta doura de carcter: Porque choras tu, Ptroclo, como uma criana que ainda no sabe falar, que corre atrs de sua me e que a segura pela saia, a detm e a contempla chorando para que a leve ao colo.2

E o mesmo heri diante de Heitop mostra esta impetuosidade indomvel: Co, no me supliques de joelhos, nem pelos meus parentes . Oxal que a minha clera e o meu corao me levassem a dilacerar e a comer a tua carne crua, pelo mal que tu me fizeste .3 Os contrastes na potica moderna, como se acham principalmente em Vtor Hugo, no tm este fim imoral que lhe acha o clssico agoureiro; tendem constantemente a mostrar-nos que a natureza no conhece o feio, nem produz aleijes; o que h de mau uma criao nossa, das nossas circunstncias , e por isso no fundo das coisas repugnantes , onde existirem ainda alguns vestgios da natureza, l pode transluzir o belo . a isto o que se chama um ideal de rejZexo, enquanto o bonito um ideal imediato, evidente em si mesmo.

Falando do Roi s 'amuse, explica Vtor Hugo o pensa-

) Quadros Histricos, p. 4, 5. Edio brasileira. 2 Ilada, XXII, 345. 3 Ibidem, XVI, 6.

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mento deste modo: Tomai a disformidade fsica a mais feia . . . iluminai por todos os lados, pelo claro sinistro dos contrastes, esta miservel criatura; e depois dai-lhe uma alma, e dotai esta alma com o sentimento mais puro que sej a dado a homens, o sentimento paternal; o ser disforme tornar-se- belo. E q uem negar a perfeio moral, a sublimidade da alma de Triboulet, o degradado bobo, sempre verdadeiro, mesmo interpretado na msica por Verdi?

O romantismo, denominado por Vtor Hugo o liberalismo na literatura, foi condenado na sua essncia por Castilho: A liberdade e igualdade que, para nivelar a face da terra, vo apagando a figura e pulverizando o ser prprio de tantas coisas, j invadiram e senhorearam a literatura . ' Em Frana a luta do romantismo tinha levado Baour-Lormian, Jouy, Arnault e Etienne, a pedirem ao rei Carlos x, em Janeiro, a proscrio do romantismo; entre ns Castilho ameaa os romnticos, que afligem a banalidade entronizada, com as penas do fogo eterno e com agonia da hora da morte. Quando Castilho proscrevia Schiller por no servir para tornar probas e castas as suas ovelhas, um folhetinista francs, falando desdenhosamente do teatro de Schiller, dizia que quem escreve a Donzela de Orlees merecia ser aoitado no pelourinho. Em toda a parte o romantismo sofreu uma luta assim ridcula; as xnias de Goethe e Schiller, as digresses sarcsticas de Byron, os epigramas de Vtor H ugo, foram confirmando aquele aforismo oriental: A verdade grande, ela prevalecer . Contra a bagagem de regras desligadas como os ossos de um esqueleto, e mais que tudo mal compreendidas pelos que se arrogaram o nome de clssicos, apresentou Vtor Hugo o prlogo de Cromwell; ali os esmaga com o peso da ignorncia deles; aos discpulos de La Harpe, que

I Quadros Histricos, p. 6 .

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ainda se regulavam nas suas composies pelo cdigo pico do padre Le Bossou, e traziam presentes a definio de Voltaire, que o gosto no para a poesia outra coisa mais do que os enfeites para as mulheres, mostrou-lhes que o gosto era a razo do gnio, que se revoltava contra a poesia amaneirada, arrebicada, empolvilhada, j velha no sculo XVIII, e que vinha disputar c o m p e t n ci a s de moc idade com a a lma que se renovava. ) Em 1 837 , quando o romantismo entre ns tinha sido implantado por Garrett, quando a nossa literatura havia sido enriquecida com um teatro nacional, com o Cames, D. Branca, e estava em elaborao o Alfageme, com A Hmpa do Crente de Alexandre Herculano, com o Eurico e Monge de Cister, Castilho descrevia os estragos do romantismo neste torri :

A poesia amvel, a que nas mos e seio nos vinha oferecendo ramilhetes, frutos no regao, amores nos olhos, e nas falas consolaes, afastou-se dentre ns, onde ainda a alguns poderia aproveitar, e assim como outras muitas boas artes e prendas, foi reclinar-se espera na beira da torrente dos dias, de onde no volver, sem que primeiro se restaurem muitas ptimas coisas e todas suas, que o mundo velho tinha produzido. Mas donde viro estas coisas? Do mesmo mundo velho? mal o creio, que o novo quebrou a ponte que os juntava, e riu de ufania vendo abismar-se fbrica que assim parecia eterna. Renascero portanto da prpria natureza da terra, da ndole da alma humana que j uma vez as produziu, ou do sopro do cu : renascero tarde; renascero quando ns j no formos; renascero talvez diversas, mas renascero. E quais so estas coisas do mundo passado cuja perda tanto di s MuSs e Virtude? so as formosuras e magnificncias da religio, o respeito aos finados e a seus sepulcros, s lies da ex-

I Cromwell, p. 54, edi. de 1 580.

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perincia, s obras dos antigos homens, a venerao s cs, o quase culto s mulheres, a benevolncia e sociabilidade, o aferro dos usos e modas ptrias, o amor do estudo, que ns dissipmos com as leituras efmeras , e o amor do torro natal, nobre, fecundssimo sentimento, mas impossvel onde se vive sem muita brandura, e sem firme certeza de permanecer. Tudo isto se perdeu para ns e no sei que bens haja em seu lugar posto a Filosofia. I deste modo que nas aldeias se revolta o povo contra qualquer ministrio; estas palavras so malevolentas.

O gnero pastoral absorvera-lhe todas as predileces; pela inocncia imbecil do mundo dos idlios, procurou Castilho sustent-lo dilatando ao pblico fantico e nada ins trudo, as criaes romnticas como imorais e cpticas . Em verdade, o gnero pastoril leva a este refinamento, como se pode observar na velha farsa do Advogado Patelin, onde o tipo astuto, vesano, solerte do campons Agnelet, chega a pregar um logro ao trapaceiro advogado, que acabava de enganar o honrado burgus comerciante. Levam a isto os idlios do campo. Demais, quando menos se esperava, o poeta, falto de individualidade, e transigindo com todos os poderes, declara-se alfim romntico no poema d 'A Noite do Castelo e no poemeto d ' Os Cimes do Bardo. Escreve com as exigncias do pblico, e porque v que as passadas obras no ocupam meia hora os homens graves e bons juzes; o partido horaciano e caturra dos contubernais pede que torne ao seu primeiro caminho; por fim sem inspirao prpria no sabe como contentar a todos. Conhecendo que as suas obras tinham o defeito da prolixidade desconexa, a que chama estiramento do perodo, Castilho conta-nos assim a primeira tergiverso da sua Musa:

I Primavera, p . 20, 2.' edi. Herculano tambm concebia assim a filosofia. Vide sI/pra, p. 1 67 .

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Saram A Noite do Castelo e Os Cimes do Bardo muito mais contrados e apanhados em coisas e palavras (sujeitos a um plano, quer dizer com isto) do que estes poemetos (Primaveras e as Cartas de Eco) pois contudo muitos houve e h, que por isso mesmo ficaram preferindo os antigos e at os velhos opsculos ( epicdios a D. Maria I, e o poema Aclamao de D. Joo VI) . A cada hora me diz um, que torne ao meu primeiro caminho; outro que no desampare o novo: uns, que estas ltimas obras se no lem seno de escasso nmero; outros, que as passadas no ocupam meia hora os olhos dos homens graves e bons juzes . Oh! quem reconheceu nunca a verdade da fbula do Velho, do Rapaz e do Burro, como o triste, que para expiao talvez de algum grande pecado, entrega e desampara a pblico os partos do seu tinteiro! Pois que no pode ser contentar a todos, ir-me-ei como e por onde o meu juzo, gosto e natureza me levarem.' A arte deste modo no tem elevao, nem um fim srio; um caminhar ora a cavalo, ora com um burro s costas, segundo o exige o gosto do pblico; deste modo o artista ainda o que pede esmola em verso, como os velhos poetas palacianos. A arte assim d s estiramentos de perodos, e a dependncia dos modelos para imitar, e o culto das tradies de escola com que se proteger. O artista o que faz o gosto, o que domina e educa o seu tempo; a mediocridade anda tacteando as convenincias, evitando ir contra as rajadas que lhe podem arrancar as penas fi!J.gidas com que se empavona.

No prlogo d 'A Noite do Castelo, de 29 de Novembro de 1 835, confessa a sua desero literria: Cometi sim compor um poema romntico; mas no abjurei o clssico . No sou trnsfuga dos velhos para os novos arraiais; mais depressa como explorador os entrei .2 E no prlo-

I Primavera, p. 36. 2 Ed. de 1 864, p. 9.

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go do Amor e Melancolia, da edio de 1 86 1 acrescenta: Nascido, criado, ajuramentado na escola clssica, devendo s a ela o primeiro favor que achei no pblico, fanatizado pelos velhos gnios da Antiguidade, s cheguei mais tarde a fazer j ustia a este livre e criador movimento da nossa era. Rendi-me fascinado pelos seus prestgios, arrastado pelo caudaloso exemplo, inspirado pelos ditames da prpria razo. de 1 836 a traduo das Palavras de Um Crente, de Lamennais, por Castilho, o que significa que o seu romantismo em literatura correspondia ao setembrismo em poltica.

A Filosofia ou a independncia intelectual, e a Liberdade ou a independncia poltica, levantaram ao brilhantismo que hoje tem em toda a Europa, a literatura moderna. Castilho olha a filosofia como uma causa de runas, 1 e diz que os que sonham com liberdade mentem ou deliram.2 Vej amos quem assim pensa como pode contrafazer a poesia de um sculo agitado pelas conquistas dos eternos princpios, pelas grandes aplicaes nas maravilhas das descobertas: a poesia das almas fortes e das almas doentes, a poesia suave e crente de Lamartine e dos laquistas, e a poesia tumultuosa, desoladora, aflitiva, vertiginosa de Alfred Musset, Reine, Espronceda e todos os da escola chamada satnica ! Castilho deu justamente, sem o saber, um poema romanesco, A Noite do Castelo, e um poemeto impetuoso, byroniano, Os Cimes do Bardo; o primeiro uma idade mdia recortada, cujos sentimentos so inspirados pela impresso que ento exerciam os romances de Madame de RadclifTe; Os Cimes so uma pgina ntima e sem grandeza; o sentimento que procura comunicar, em vez de tomar uma forma natural e sublime, como o compreendeu Shakespeare, esvai-s em imprecaes e pra-

I Primavera, p. 2 1 . 2 Quadros Histricos, p . 9.

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gas e monlogos de fraqueza. No cime do . Otelo, no se v a ofensa pessoal; ele vinga no a afron ta prpria, mas a justia e o dever q'ue foram ultrajados; executor bem contra sua vontade, mas obedece a uma fora moral que lhe vem da conscincia. O pobre Bardo, traa o manto de uma maneira chateaubrianesca e vai bravejar aos ventos, ameaar os ares, vendo o mundo atravs de um vexame que em parte talvez o merecia. Os Cimes do Bardo, pela sonoridade do verso, lem-se uma vez; da lhe vem o acolhimento do pblico; lidos segunda vez desfazem-se como um papel doirado que se descola. O defeito provm todo de o autor ter renegado da catlica religio do classicismo e transigir com a seita dissidente que tomara a literatura de assalto . '

Nas lutas da escola romntica existe um homem de talento, que empregou a sua autoridade a favor dos cnones antigos, e veio depois queimar os incensos do seu estro s conquistas da liberdade e da inteligncia. Monti; ele foi em ponto grande o que Castilho em propores mais acanhadas. Como Monti, Castilho o ltimo representante da Arcdia, com um idlio aucarado, de forma alindada, celebrando todos os pequenos interesses dos epitalmios dos altos personagens; a sua elegncia e correco tm o quer que de receita, a que se chama elmanismo . Monti celebra a morte do republicano Basseville, para tirar da condenaes contra a Frana; Castilho maldiz por seu turno a Revoluo Francesa para exaltar D. Joo VI. Monti faz-se o poeta dos sucessos da corte imperial, obtendo por essas baj ulaes pingues tenas, honras de historigrafo e outras achegas : Castilho recebe tambm de D . Joo VI

I A falsidade deste poemeto pode explicar-se por este facto da biografia espanhola de Castilho atribuda a Toms Gomes, impressa em Cdis, e reproduzida na Gaceta de A1adrid, e no Eco dei eommercio: ((Eu este corto espacio (1834-1837) gos Castilho de todos los atrativos de la vida de los amautes . . . Sll esposa le sirvi de madre, de amigay hasta de maestro. II (Pg. 7 . )

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a penso de uma rendosa escrivaninha. Monti depois de amaldioar a Repblica, chorando o maior dos reis e o rei mais doce, revolta-se contra o sangue do vil Capeto, sugado nas veias dos filhos da Frana, mas Bonaparte triunfa em Marengo, e j o poeta sada o rival deJPiter. Pela sua parte Castilho depois de prebendado pelo despotismo, obriga a sua Musa a cantar tambm a liberdade, nos versos a Gomes Freire, e depois do triunfo do cerco do Porto, no Tributo Saudoso Morte do Libertador. Monti perde o seu ttulo de historigrafo; Castilho com a queda dos privilgios no sistema liberal ficou tambm sem a tena, como se l na sua biografia em espanhol pues el oficio dado por D. Juan VI a nuestro poeta se aboli) sin que el gobiemo actual le haya dado la indemnizacin que se acostumbra en casos tales . (P . 5 . ) Na sua velhice, Monti arrepende-se de ter adoptado a melancolia de Ossian desprezando os deuses da mitologia; Castilho tambm na velhice abandona as pastorais para traduzir com afectada vernaculidade as obras capitais do romantismo. Monti e Castilho primam pelo bem acabado da forma e pela versatilidade das ideias, das convices e do carcter, pela pretenso a puristas da lngua e pela incapacidade de tratarem cientificamente os problemas da filologia .

O romantismo) ou a revoluo moral e sentimental que se deu nas literaturas modernas da Europa, no princpio deste sculo, foi como um renascimento do esprito livre, espontneo e criador da Idade Mdia. O gnio da revolta, que inspirava os fabliaux e as grandes legendas seculares, reapareceu na forma de um exagerado subjectivismo. Os escritores servis, aferrados s praxes acadcimas, limitados imitao do clssico, opuseram-se com todas as foras nova manifestao do sentimento. A caracterstica da Idade Mdia em literatura, segundo Frederico Schlegel, a luta entre o esprito antigo, refugiado na lngua latina, e o esprito novo, que transparece nas lnguas nacionais . No romantismo d-se

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a mesma luta; mas em vez de ser a emancipao das lnguas vulgares, a liberdade do sentimento, que procura manifestar-se sem conveno.

Travou-se a luta na Alemanha nos fins do sculo XVIII, comunicou-se Inglaterra e Frana, e s chegou a Portugal o eco do que ia l fora muito depois da emigrao, em 1 835. Os embaraos para a introduo do romantismo em Portugal acham-se resumidos em Castilho, a retrica velha e cansada condenando o ideal da arte determinado pela filosofia.

por isso que lhe cabem algumas pginas neste livro, como ao que mais contribuiu para a decadncia e esterilidade da literatura portuguesa, no s pelos seus constantes protestos acadmicos, como por ter apadrinhado uma gerao de medocres que tanto custa a extinguir.

Hoje a literatura no j uma nobre ociosidade, de aparato brilhante, com que se entretm a pompa das academias, e se engrandece o luxo das cortes dos monarcas magnnimos; no tambm aquilo que Ccero j ulgava, quando a definia como uma distraco liberal , um consolo ntimo, domstico. Enquanto se pensou assim, no se passava das formas pautadas, dos panegricos, das dissertaes fteis, da arqueologia de curiosidade , de sentimentos convenientes, das tragdias regulares no ultrapassando as trs unidades; discutia-se o mrito comparativo dos antigos e modernos, serviam-se da erudio. homrica para demonstrar que Mentor j invocava com saudade os tempos antigos; havia um certo nmero de metforas convencionais , um Deus ex machina para os poemas; via-se apenas as formas externas, os processos mecnicos com que os melhores escritores, mais clssicos por assim dizer, tinham o segredo de mover, de deleitar, de arrebatar, como quem tem os fios com que se fazem saltar os bonifrates . Quem via a literatura deste modo fazia uma ideia falsa, e por isso todas as suas criaes eram falsas na origem . Hoje viu-

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-se que a literatura era mais do que isto, era uma criao humana, e como tal revelava o carcter do povo que a tinha sentido. Esta compreenso nota-se na tendncia geral de todos os espritos em voltarem-se ao estudo de todos os livros em que o gnio do homem aparece mais independente das regras artificiais, os poemas seculares, annimos, as formaes das legendas, o estudo dos mitos .

Sob este ponto de vista, a literatura estuda-se para satisfazer a necessidade do esprito, que procura constantemente descobrir o homem tornando os seus actos conscien tes . Taine, na Histria da Literatura Inglesa, abriu este plano, fazendo as aplicaes das descobertas recentes; determina as duas raas, saxnia e normanda, uma terrvel, violenta, batalhadora, a outra branda, susceptvel de todas as modificaes; o carcter impetuoso do Norte acha-o representado em Shakespeare, Marlow, Ben J ohnson, Milton e Byron; o carcter normando, imitador, com tendncias clssicas, reflecte-se em Pope, Addison, Dryden. A literatura tem hoje esta importncia; a filosofia da arte, a Esttica veio dar-lhe altura e conscincia. Pela literatura chega a definir-se o carcter histrico de uma poca, muitas vezes melhor do que pelas crnicas oficiais que mentiam verdade para -no divulgarem as intrigas que formavam as efemrides da corte.

As obras de arte tm o poder maravilhoso de no poderem ser falsificadas; falam mais alto do que todas as opresses, delatam os crimes mais escondidos posteridade pela influncia que sentem.

Os Jesutas, que inventaram uma teologia no sculo XVI, e uma moral no sculo XVII, como diz Michelet, no produziram apesar dos maiores esforos uma obra de arte. O despotismo de Carlos v e de Filipe II, infunde um abaixamento da dignidade, acanha o voo espontneo da inspirao, e a literatura do seu tempo como um aleijo de um homem que sai da pol e se ri para

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desarmar os seus algozes; a literatura picaresca no mais do que isto, uma delao da atrocidade poltica contra o desenvolvimento social. Assim a literatura como o templo onde ficam impressas as pegadas dos falsos sacerdotes que entram de noite e s escondidas para comerem as viandas postas diante dos dolos de barro. pela literatura que procuramos a decadncia sucessiva do carcter portugus, como uma manifestao local de um grande mal orgnico, o constitucionalismo bragantino. Para este fim bas ta-nos tomar como tipo o poeta e prosador Castilho; todos os defeitos dos ltimos escritores acham-se nele em germe.

As formas particulares da arte tm uma analogia ntima entre si; na arquitectura, escultura, pintura, msica e poesia, a lei das transformaes de uma explicam a transformao de todas as outras; em Miguel Angelo se encontra a sucesso natural e lgica na marcha ascendente da sua inspirao; depois de escultor descobre a pintura, espiritualiza as aspiraes vagas na poesia, e por fim arquitecto. por isso que nos serviremos de um exemplo da pintura, para fazer compreender qual a posio de Castilho neste ltimo perodo da li teratura portuguesa.

Ele aparece-nos como Lebrun na corte de Lus XIV. Lebrun tem a inspirao do sculo do monarca que se dava o sol por smbolo; no meio de uma pompa fictcia as suas criaes so tambm falsas; o colorido como o dos cosmticos que purpureavam a face das velhas marquesas que provocavam acintosamente a sensualidade do monarca; as composies tm o arranjo de uma pequena intriga de amores de alcova; ele borda e entretece com as flores fingidas da sua palheta esta festa lgubre e forada do despotismo devasso . A corte admirava-o, a Academia respeitava-o, as tapearias pediam-lhe rascunhos, os estofos, os monumentos eram segundo o seu alvitre, era ele que corrigia os planos .

A poca no via no artista uma nica repreenso,

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no a despertava da letargia moral em que cara, no a incomodava, antes a lisonjeava, e lhe acerava os desejos. Em paga desta transigncia, dava-lhe a glria e rendimentos pingues, e o despotismo sobre os outros artis tas que queriam competir com ele. Todos estes caracteres se encontravam reproduzidos em Castilho como poeta e prosador. Tanto a Lebrun como pintor, e a Castilho como literato, o que faz iludir algum tanto com uma grandeza ou superioridade aparente, a pequeneza e vulgaridade daqueles que se deixaram influenciar, e no tiveram ao menos a fora para renegarem os mestres, e abjurarem da autoridade. Mas sobem de ponto cada vez mais as analogias da comparao.

Aquele gnio terrvel, de criao profunda, alma de Miguel ngelo baldeada na corte de Lus XIV, Puget, foi perseguido porque as suas composies tinham um qu de forte e enrgico no meio da molcia que o despotismo do monarca gerara; Lus XIV chamava-lhe um obreiro mui caro; Lebrun ao menos sabia condescender com as vilanias, era por isso o inimigo nato de Puget.

U ma sociedade decadente no pode compreender a alta inspirao de um verdadeiro artista; o Milo de Crotona s foi apreciado por uma mulher, que ao v-lo disse somente: Coitado! O grupo de Andrmeda libertada por Perseu, cuja beleza consiste nas formas delicadas, pequeninas da mulher, foi desdenhado justamente no que ele tinha de mais belo e de verdade. No era para aqueles olhos costumados s trevas das pequenas intrigas o verem o mrmore de uma alvura de neve .

Assim a arte convencional de Lebrun, de etiqueta, respeitadora dos usos constitudos, conseryadora da rotina, imobilizadora de todas as tendncias, era uma maldio contnua a toda a inovao, a todo o esprito independente . Ela luta para apoucar os gnios firmes de Le Sueur, Claude Lorrain e Poussin, o que a arte francesa tem de mais belo . As transformaes artsticas levam aos mesmos resultados; depois de todos os esfor-

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os para a formao de uma literatura no seio de um povo que aspirava, ao cabo da luta, a liberdade da moderna Europa, Castilho, como estes espritos inertes e sem coragem que desanimam os outros, resume em si todos os caracteres de Lebrun, proclama-se o pontfice da imobilidade e da rotina. Tendo procurado a formao do seu talento li terrio, como e em que tempo apareceu nas letras, qual a sua primeira inspirao, qual o seu ideal da poesia, as qualidades que o fizeram estilista, como o estilo o mais alto grau a que o elevou o esforo, como compreendeu a antiguidade que adoptara, renegando as ideias do seu tempo, determina-se a influncia que exerceu na literatura, e pela mediocridade dos discpulos, apresentaremos os sintomas de uma degenerao lenta que se operou de dia para dia em Portugal.

Assim cabe perfeitamente a Castilho a parte que tomou na literatura moderna, ser o ltimo e mais declarado inimigo da revoluo moral chamada romantismo) e ao mesmo tempo o que mais corrompeu a gerao moderna pela sua falta de conscincia literria. '

Em todas as composies de Castilho aparecem sempre os caracteres daquela infncia de sua alma; no envelhece, parece-se com esses monges bretos que tinham recebido o basto do peregrino que dava uma perptua mocidade. Porm esta infncia foi sempre desbaratada, ou melhor, nunca nos deixou ver dela mais que os seus defeitos . Como criana ama o descritivo e o excesso de colorido; no forma plano, vai ao acaso da inspirao; digressivo e interrompido de in-

I Esta misso parece ter sido adivinhada admiravelmente por Quinet ao descrever o movimento de inspirao lIaciollal, na literatura portuguesa de l824 a 1 846: que celle lil/era/ure lI'/ail pas UllC oeuvre d'acadmie, mais 11/1 cri d'esprallce, qu 'elle s 'accordail Irop biC/l avec les illSlillc/s de lafolde pour lIe pas COI/COUrir rallill/er ce peuple - lI/oillS qu 'il lIe se /rouvl poill/ lIolI/lI/ quelque gralld meurlrier pour l 'assassiller ao pralable. Oeuvres, t. x, p. 59.

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cidentes do discurso o estilo; imitador e de preferncia tradutor. A mesma infncia nunca lhe deixou ter uma individualidade prpria, a dependncia de amparo tornou-o tambm moralmente fraco; bem o conhece e defende-se com ela, respondendo a este j uzo de um es trangeiro :

Entre os poetas hoje vivos em Portugal ( 1 829) notaremos Castilho, que apesar de cego desde a meninice, se tem todavia incessantemente aplicado s belas-letras e ao cultivo das Musas. As suas Herides, no estilo de Ovdio, uma das suas obras mais notveis. D provas de notvel talento em alguns outros trechos poticos, que todavia no so em geral considerados como bons; de facto muito pobre a originalidade, e o seu modo de colorir no conforme verdade da natureza; as suas frases, posto que habilmente torneadas, so talvez montonas, e apenas harmonia dos seus versos que deve a sua fama como poeta. 1

Quando no Portugal Ilustrado, M. Kinsey disse, que Castilho no tinha o sentimento da natureza e que pintava mal, o poeta defende-se deste modo: Este descritivo desbotado e de cores pouco vivas e prprias se com o de Gessner ou Kleist se compara, mas o melhor que eu soube; eu que nem podia ir-me pelos campos fazendo, como de si dizia Kleist, caadas poticas de imagens, nem discorr-los como Gessner, de lpis na

I W . M. K insey, Porlugal illl/slraled; iII a series oJ letlers. London, 1 829; Amollg lhe livillg poets of Porll/gal may be remarked Castilho, who Ihol/gh blilld from his cradle, has lIeverlheless illcessalllly applied himself lo lhe belles-Iellres alld lhe cultivalioll of lhe NII/ses. His Herides, iII lhe slyle of Ovidis olle amollg lhe mosl remarkable of his works. He displays cOllsiderable lalelll iII some olher pieces of poelry whic/z, however, are 1I0! gellerally regarded as good; illfacl he is very deficielll iII origillalily, alld his mode of colourillg is 1101 after lhe lrulh of lIall/re; his /illes, Ihol/gh Ihey are haPPil;' II/med, perlzaps, are mOllolollol/s, alld ii is Ollly lo lhe harmolly of his verses lha! he is illdebled for ls poelical fame.)) Review of lhe /illerary hislory of Porll/gal. (P. 525: -564.) Extramos esta citao do livro de J . de Vasconcelos O COllsl/mado Germallisla, p. 25, por isso que o livro de Kinsey extremamente raro.

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mo. J pode ser que padre Kinsey, ou o seu ponto (informador) no houvessem de se me avantajar muito, se lhes coubesse tirar s escuras, ou quase, o retrato da natureza.l Castilho descobre em toda a parte esta fraqueza, com uma simplicidade que desarma; na sua vida domstica parecia ver-se aquele quadro de interior, Milton entretido pela leitura das suas filhas: Uma mulher, toda boa, toda extremosa, tomou unicamente a peito o vingar-me da natureza; cerca-me de contnuo, como um anjo, de amor e de luz; empresta-me olhos para eu ver o mundo e as obras dos sculos . . . 2

A perda de sua esposa ( 1 de Fevereiro de 1 837) foi como diz em um post scriptum de um prlogo, o maior infortnio da sua vida, uma perda de que em nenhum tempo o corao se poder consolar: Quebraram-se as foras para continuar no trabalho, bem como se esvaram muitos, antes todos, meus projectos .

Nos Quadros Histricos ( 1 839) lamenta a morte de um modelo de irmos, que o coadjuvava no que dizia respeito ao revolver, apurar e digerir todos os sucessos, deixando-lhe o estilo e a poesia, que o quem tem principalmente a obra.3 Todas estas circunstncias o privaram da virtude masculina e superior da individualidade; fizeram-no um esprito pueril, entretido com combinaes de mnemnica, fazendo-o apaixonar por bagatelinhas como um Tratado de Metrificao, e o uso dos versos com letra pequena. O mtodo repentino nobre na inteno, mas piegas.

Por toda a parte as tradues ocupam um valor secundrio na literatura; reconheceu-se a impossibilidade de trasladar com uma preciso geomtrica para uma

I Primavera, p. 40. 2 Primavera, p. 290. J Quadros Histricos, p. 245.

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lngua os sentimentos, por si indefinidos , expressos nas diferentes cambiantes das palavras e formas prosdicas de outra lngua. Todas as tradues modernas so em prosa, porque servem para estudo, e a prosa que d a mais ampla liberdade ao pensamento. Para traduzir uma obra de arte preciso senti-la novamente, e quem sabe sentir criador tambm, e inventa por si.

Com esta esterilidade de alma e sem recursos de imaginao, Castilho lanou-se aos poetas antigos; serviu-se desta abundncia de frases que trazia de memria ordenadas em forma de vocabulrio, ia-as baralhando pacientemente, e com o acinte de quem pensa entreter o vazio do esprito e a solido do isolamento, seguia ora verso a verso o poeta que torturava, ora lhe dava tratos de pol na redundncia de parfrases.

Traduziu , como um gramtico sem ver o ntimo das palavras ; 1 comea por no compreender o poeta que traduz. Ovdio foi o primeiro que lhe veio mo, sem escOlha, casualmente; versando-o com mo diurna e nocturna chegou a apaixonar-se por ele, a torn-lo o seu dilecto. Para os que no so latinistas, para lerem Ovdio bastava-lhes qualquer traduo ou de Panckouke ou da coleco Nisard. Castilho diluindo cada hex-

'Na traduo que fez dos Fastos de Ovdio, livro VI, v. 660, aceita o texto nesta forma:

Adde quod Edilis pompa qui Juneris irellt A rtifices solos jusserat esse decem,

quando desde o iempo de Godofredo (Fontes "Quator Juris, nota x tbula) se

restituiu o texto historicamente:

Adde quod Edictis pompa qui Juneris irent A rtifices solos jus erat esse decem,

por isso que se referiam ao direito consuetudinrio das Doze Tbuas. esta a crtica que falta nas tradues de Castilho, e por isso que o reconhecem como um verboso parafraeador.

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metro do sulmonense em trs endecasslabos portugueses, tornar mais conhecido o exemplar antigo? Se ele mesmo no compreende mais do que as palavras; e essas mesmas palavras so como senhas sacramentais cujo valor no alcanam os profanos que as repetem. Castilho comeou pelas Metamorfoses em 1 84 1 . As Metamorfoses, diz um profundo crtico moderno, nenhum livro melhor do que elas mostra quanto se ignorava a antiguidade herica e divina. Estas nobres legendas, todas animadas de vagas ideias filosficas, da mais larga e da mais pura poesia, tornaram-se nas mos de Ovdio lindos contos ornados de felizes antteses, perfumados de esprito e galantaria, que uma dama romana despenderia voluntariamente no seu toucador.' Agora compreende-se como Castilho obedeceu simpatia que o uniu a Ovdio; esprito ftil, sem profundidade, conhecendo a fbula pelas explicaes do Dicionrio de Chompr, no vendo mais do que brilhantes nadas das imaginaes antigas que adoravam falsos nomes, era-lhe fcil pr em vulgar essas personificaes alegricas, cujo processo de poetizao j estava ensinado pela rotina da estafada retrica das academias dos sculos XVII e XVIII. Que esses poetas ,acadmicos no compreendessem a fbula, e a reduzissem a um armazm de metforas donde extraam todos os tropos para as suas odes sficas, pindricas, epdicas, alcaicas, percebe-se, porque, inteligncias vulgares, desbaratadas em frivolidades, no tinham assistido descoberta dos grandes poemas da ndia, da epopeia germnica, das teogonias do Norte, factos que engrandecem o sculo; no podiam por isso partir da unidade das tradies para a lei da sua formao, nem descobrir como os povos perpetuam os dogmas religiosos, o direito, as descobertas, os sucessos nessas criaes espontneas de smbolos , le-

I Taine, Errai rur Tite-Live, p. 1 7 .

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gendas e mitos . Castilho vive num mundo fantstico, ignora o presente e amaldioa-o. O esprito moderno ri-se dele, como o povo de Roma se riu dos dormentes que despertaram em meio de uma sociedade nova, com outros usos e costumes. Depois dos trabalhos de Kreutzer, de Guigniaut, de Preller sobre a mitologia, a opinio de Taine sobre Ovdio no precisa de demonstrao. O sculo XVI, a moderna antiguidade, compreendeu Ovdio como simples pago, e tratou de lhe salvar o texto e de apur-lo com comentrios eruditos; no sculo XIX este homem esforou-se em voltar ao passado, at se tornar um retrico da decadncia. De um gosto convencional, sente-se pela inclinao do carcter um literato bizantino; A Arte de Amar uma composio ertica sem valor, uma lisonja depravao romana. Na traduo d'Os Fastos, melhor do que em nenhum livro, se encontra o grau de ignorncia dos homens que em Portugal escrevem; Castilho convidou mais de cem escritores para comentarem o texto; tudo o que ali se l ou traduzido das enciclopdias, tirado de J acou, das notas dos escoliastas; h muita mincia, muita citao, mas faltam s vistas novas; no aparece um nico resultado da crtica moderna, nenhuma apreciao da filosofia de arte, nenhuma interpretao da moderna cincia da Mitologia; ainda c no chegara esse movimento. Castilho maldiz todos os tradutores de Virgl io : Joo Franco Barreto, Leonel da Costa, Lima Leito, Barreto Feio, Odorico Mendes, todos o in terpretaram mal; Castilho insulta-os, deprime o trabalhei destes homens, e ameaa-nos com uma nova traduo. E como poderia ele compreend-lo, quando s se achava capaz de traduzir melhor os termos da lavoura, e em menor nmero de versos? Virglio no isto que entre ns se pensa. preciso uma alma pura de toda a inveja, simples, boa por natureza para avali-lo, para aspirar quele perfume de melancolia que fez com que ele pressentisse o cristianismo. Como que um gramtico pode traduzir

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este hemistquio divino: Sunt lacrimae rerum, quando para ele a: arte um mister e uma lisonja corrupo de um novo Baixo Imprio? Ao menos o gramtico de Ravena, que jurava pela infalibilidade de Virglio, tinha mais alma para compreend-lo do que um que o parodia em palavras mentidas .

O sentimento de Virglio s pode ser compreendido depois de se conhecer como ele alimentou e por assim dizer refrescou a alma humana durante todo este perodo de aridez teolgica, de sevcias feudais, que formam o decurso da Idade Mdia. A Igreja chegou quase a levantar-lhe altares; S. Paulo vem ao tmulo de Virglio, e chora por no ter chegado mais cedo, para salvar uma alma to pura, to apta para receber a doutrina do cristianismo. Depois de se haver estudado a Renascena que se achou desenvolvido nela o gnio de Virglio; foi , por assim dizer, um conhecimento a postenono

Dante diz num dos tercetos d'A Divina Comdia, dirigindo-se ao seu guia: Por ti eu fui poeta, por ti eu fui cristo . E Virglio adiante, vendo-o perturbado e querendo fortalec-lo, diz-lhe que um espelho no reflectiria melhor todas as emoes que lhe vm face. a alma da Renascena, o espelho em que se viu representada. Castilho no formou ideia do que seja a Renascena moderna, nem da aco que ela teve na Europa; ficou deste modo privado de ler o melhor e o mais profundo comentrio de Virglio. Uma palavra de Dante, uma legenda grotesca de Virglio na meia-idade, fazem-no-lo compreender melhor do que todos os esclios de Donato, Srvio ou Despautrio. At somente com a bondade natural se compreende melhor Virglio, do que com toda a ferramenta de palavras e sinonmias . Como a raa cltica o compreendeu !

Que melhor comentrio de Virglio do que esta bondade cltica, feminina, incompatvel com a ndole vaidosa e acerada por uma inveja incessante. Castilho fi-

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cou privado do melhor critrio para avaliar Virglio/ um tradutor fiel, e tanto como estes pintores chineses que entendem que a verdade da pintura est em saber o nmero de nervuras que tem uma folha, e limitam toda a sua arte a um processo mecnico de reproduo servil . Muitas vezes as analogias dos caracteres fazem com que conheamos melhor o que estudamos. Castilho modernamente representa-nos o mesmo que Pape na l i t e ra tura i ngles a ; o t rad u tor do Homero) t i nha uma maledicncia de homem raqutico e descontente, no conhecia amigos, nem afeio diante do seu orgulho e vaidade literria; para ele a poesia no mais do que uma ginstica de palavras, em que, com aparncias de propriedade de expresso, encobre o vazio do artificio. Castilho, entre ns tem tambm a perfeio da simetria, da lima que desgasta as salincias do diamante, procurando contorn-lo para meter dentro do engaste da retrica mesquinha.

Causas fatais e irremediveis obrigaram Castilho a permanecer em uma perptua infncia. Quem o acusa por isso? o que obriga a p-lo em relevo, o apresentarem isto que uma incapacidade como faculdades superiores. Do seu gnio pueril e infante provm todas as suas obras literrias, tais como o Tratado de Mnemnica, O Crebro Artificial) 2 O A B C Repentino) os versos de letra pequena, o seu anacronismo idlico, a tendncia irresistvel para tradutor, isto , a necessidade de ir pela mo de q uem teve primeiro o trabalho de pensar; a abundncia estril do seu estilo, e sobretudo uma ne-

I Vide O admirvel livro de Comparetti Virgilio /lei medioevo, verdadeiro modelo de erudio em que as lendas virgilianas so explicadas sob o ponto de vista das origens.

' Esta inveno, acha-se a pginas 1 36 d'A Noite do Castelo, em nota. Edio de 1 864. N'A Questo do Fausto, p. 69, o Sr. Graa Barreto queixa-se de nunca ter encontrado esta novidade nas obras de Castilho; por isso que a indicamos.

HISTRIA DO ROMANTISMO EM PORTUGAL 2 7 1

cessidade absoluta de adulaes. O meio influiu tambm na sua mediocridade.

As profundas perturbaes polticas causadas pelas tendncias absolutistas de D. Maria II , que de 1 842 a 1 846 iniciara pela faco cabralista um regime de violncia, produziram um levantamento popular nas provncias do Norte, c