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A GESTÃO COMO “REDENTORA” DA ESCOLA: UM ESTUDO SOBRE A
REVISTA NOVA ESCOLA GESTÃO ESCOLAR
Carla Conceição Souza Nunes - ULBRA 1
1 Apresentação
Este texto, fruto dos estudos desenvolvidos em minha dissertação, empreende uma
discussão sobre como gestão assume uma significativa centralidade na sociedade
contemporânea e também como a mídia vai através da revista Nova Escola Gestão Escolar -
NEGE 2 disseminando a importância da gestão para a escola. O corpus de análise são as vinte
primeiras edições da referida Revista, publicadas no período de abril de 2009 a julho de 2012.
Este artigo foi organizado em itens que estão articulados com as questões de pesquisa com a
finalidade de tornar mais compreensível as análises empreendidas no caminho investigativo
que percorri na construção do estudo.
2 A Gestão Escolar nas páginas da Nova Escola Gestão Escolar
2.1 Como a Revista se apresenta aos seus leitores
Atentar para os modos como uma revista se apresenta a seus leitores e procurar
interpretá-los é interessante para evidenciar como cada publicação narra a si mesma,
delimitando seus espaços de atuação e assegurando o direito de proclamar as verdades em um
determinado campo. O fio condutor desta análise foram os editoriais e outros espaços da
publicação em que a construção de uma imagem da Revista vai sendo reforçada e consolidada.
As análises realizadas com as lentes do referencial teórico que subsidiaram o estudo me
permitiram vislumbrar pelo menos quatro modos de atuação da Revista, operando de forma
imbricada e articulada. Procuro, aqui, expô-los separadamente para fins analíticos.
O primeiro deles diz respeito à uma relação de proximidade, cumplicidade e
afetividade com seu público leitor sendo evidenciado no início de cada editorial com a
utilização de um recurso verbal interpelativo. Ocupando a página de abertura de cada número
da NEGE, os editoriais começam recorrentemente com uma expressão vocativa – “Caro
gestor” –, que convoca o leitor a uma parceria e instaura uma relação de proximidade já ao
1 Pedagoga, Especialista em Gestão Escolar e Mestre em Educação pela ULBRA – E-mail:
2 Ao longo deste artigo para não tornar exaustiva a expressão por extenso Nova Escola Gestão Escolar
utilizarei a sigla ― NEGE ― que indica o nome da Revista.
abrir a primeira página da Revista. Eles são encerrados com expressões afetuosas como “um
grande abraço”, também indicativas de proximidade. Ao longo de todo o texto percebe-se na
escrita do editorialista um tom de cumplicidade com o leitor e, tal como mencionado por
Santos e Silveira (2011), em seu estudo sobre revistas pedagógicas, “observa-se uma
constante interpelação ao leitor e leitora, ao lado da utilização de um vocabulário informal e
‘próximo’, num uso de uma evidente estratégia de cumplicidade” (p. 320).
Outro modo que a Revista utiliza para se apresentar aos seus leitores é através de
demonstrações de interesse pelo que o leitor faz na sua ação de Gestor Escolar. Percebi um
ponto significativo presente em vários editoriais em que há uma retomada em relação aos
objetivos da Revista. É reforçado que a mesma deseja contribuir para que os gestores
escolares desempenhem suas funções de maneira cada vez melhor. Também é enfatizado que
seus conteúdos são dedicados ao dia a dia dos gestores e por isso são relevantes para os
leitores. Outro indício de como a NEGE se importa com o que o Gestor Escolar faz está
presente no “Prêmio Victor Civita Educador Nota 10”. Criada em 1998 esta premiação é uma
forma que a Fundação Victor Civita utiliza para valorizar os projetos realizados nas escolas. A
partir de 2007 passaram a ser premiados projetos de Gestão Escolar estão escolar e os
vencedores recebem o título de “Gestor Nota 10”, além de premiações em dinheiro para a
escola e o gestor 3. As iniciativas premiadas são disponibilizadas no site da FVC e também
são apresentadas nas páginas da Revista como exemplos de boas ações a serem replicadas nas
escolas. Ao reconhecer, premiar e divulgar os projetos dos leitores como modelos a serem
seguidos o periódico, mais uma vez, mostra que o fazer, as experiências cotidianas do Gestor
Escolar interessam à NEGE. Uma seção da Revista em que também é demostrado o interesse
pelo fazer do Gestor Escolar é a “Eu fiz assim”. Nessa seção são apresentados relatos de
gestores sobre soluções adotadas para problemas inspirados nas matérias da publicação e
implementados nas escolas. Esse é mais um modo que a NEGE adota para enfatizar a
relevância da participação dos Gestores Escolares na elaboração do periódico.
Outro modo de como a NEGE se apresenta aos seus leitores, ainda, é o de propor
sempre a ação conjunta e dispor-se para realizá-la junto com o gestor-leitor. Ao colocar-se, de
forma estratégica, como parceira do Gestor Escolar, a Revista vai construindo sua imagem e
também reforçando sua autoridade naquele campo não só temático como profissional, já que
se apresenta como uma expert que elege e credencia o que deve ser aceito como modelo
válido. Esta estratégia pode ser evidenciada na seguinte passagem de um editorial da NEGE:
3 Informações obtidas no site sobre o Prêmio Victor Civita Educador Nota 10. Disponível em
http://www.fvc.org.br Acesso em 11 de agosto de 2013.
“estamos juntos para ajudar a construir um ensino de mais qualidade para todos os alunos” 4.
Este tipo de abordagem mostra que a Revista se dispõe a auxiliar na construção de algo
melhor em relação à gestão das escolas. Para mostrar que a Revista é parceira do Gestor
Escolar ela se coloca na posição de oferecer subsídios que irão auxiliar no trabalho deste
profissional. Para evidenciar isso, que é apresentado desde os editoriais, há em várias
reportagens um direcionamento para a importância da organização e do planejamento das
ações do Gestor Escolar.
Outra constante nos editoriais da Revista, que apresentam indícios de como ela se
apresenta aos seus leitores, são as dicas e prescrições sobre a Gestão Escolar que vão estar
presentes, de forma sutil ou direta, em todas suas páginas. Esta é uma estratégia de
ensinamento, pois ela captura o leitor apontando o que e como deve ser realizada a gestão das
escolas, objetivando a qualidade do ensino. Ao utilizar esta estratégia de ensinamento a NEGE
se descreve como um artefato pedagógico importante para o Gestor Escolar, pois educa,
orienta e prescreve o que deve ser feito para ser realizada uma boa gestão. Além disso, ela dá
visibilidade a práticas de gestão que são bem sucedidas em uma determinada escola e que
estão em sintonia com o conteúdo que é veiculado pela publicação. Também é interessante
comentar que o editor indica e recomenda reportagens definidas por ele como “leituras
obrigatórias”.
Também é possível evidenciar esta estratégia da Revista se posicionar como fonte de
ensinamentos aos seus leitores através de uma seção ― 5 pontos importantes ― que aborda
em cada edição pontos importantes sobre algo relacionado à rotina escolar. Nestas seções a
NEGE dissemina ensinamentos relacionados à como fazer para manter o patrimônio da
escola, como organizar reuniões produtivas, como escolher os livros didáticos, como
acompanhar as obras na escola, como proceder nas urgências médicas, como organizar a
segurança escolar, como organizar a reunião de pais, entre outras maneiras de se fazer. As
capas da NEGE também apresentam nas manchetes para as matérias principais a utilização da
expressão “como fazer”. Estas reportagens oferecem aos leitores um manual de instruções
com orientações preciosas para o êxito da Gestão Escolar.
Os editoriais e os demais espaços da NEGE analisados neste item evidenciaram alguns
modos peculiares da publicação se apresentar, se dirigir e se qualificar diante do seu público
alvo. Esses modos podem ser interpretados como elementos estratégicos que mostram
cuidado com o leitor, interesse em relação ao que o gestor/leitor faz na sua prática
4 Fonte: Editorial da revista Nova Escola Gestão Escolar Edição Nº 1 de Abril/Maio 2009.
pedagógica, disposição para se colocar como parceiro do gestor escolar e um posicionamento
pedagógico que ensina o que fazer em relação à gestão da escola.
2.2 Como a Revista posiciona os seus leitores
Ao definir um posicionamento para os leitores, a publicação busca se beneficiar
através dos relatos que corroboram com o que é difundido em suas páginas. Como veremos
no decorrer deste item, percebi duas formas como a Revista posiciona seu leitor: ora como
colaborador através do seu exemplo de sucesso que decorreria do que a NEGE dissemina em
suas páginas; ora como aprendiz na medida em que coloca em prática em sua escola algo que
foi ensinado pela publicação. A análise mostrou que muitas vezes estas duas estratégias
aparecem imbricadas, ou seja, ao mesmo tempo em que ela publica uma experiência exitosa
de um gestor que fez algo de acordo com o conteúdo disseminado no periódico, também está
ensinando ao conjunto de seus leitores como isso deve ser replicado.
Essas estratégias podem ser observadas, principalmente, nas seções “Espaço do Leitor”
e “Eu fiz assim”, contudo em outros espaços da Revista também é possível verificar uma
adesão dos leitores aos objetivos da publicação, na medida em que eles oferecem em seus
relatos um reforço, uma sustentação, um eco do discurso propagado nas páginas da NEGE.
Quando este público-alvo se manifesta, a publicação acerta no seu endereçamento, ela faz
uma seleção e publica aquelas mensagens que corroboram com a posição que ela assume,
assim como também dá status para aquelas experiências bem sucedidas que são
demonstrações da utilização dos seus ensinamentos.
Essas duas seções destinam-se ao contato direto do leitor com a publicação. São
compostas pela participação do público através de comentários e relato de casos de sucesso
em suas escolas. Evidentemente essas colaborações são utilizadas pela Revista como
demonstração da efetividade do conteúdo de suas páginas para a ação do Gestor Escolar.
No estudo que Costa e Silveira (2006) realizaram sobre a revista Nova Escola também
foram analisadas as cartas dos leitores como expressão do atributo de interatividade que a
própria revista invocava onde ela “passa a se intitular ‘interativa’ numa tentativa de
disseminar a noção de intercambio e de multidirecionalidade no exercício da significação”. As
pesquisadoras ressaltam que se trata, porém, “de uma ‘interatividade’ muito peculiar,
intransitiva, de mão única, cuja direção do fluxo é estabelecida sempre a partir do mesmo lado”
(p.30). Na NEGE a seção “Espaço do Leitor” posiciona seus leitores como colaboradores dos
discursos sobre a Gestão Escolar que ela apresenta, pois a maioria faz comentários positivos
acerca das reportagens publicadas.
Também em algumas matérias publicadas são utilizados exemplos de gestores
escolares que já fazem em suas escolas aquilo que a NEGE está ensinando e desta forma
reforçam o posicionamento do leitor como um colaborador da publicação. No final destas
matérias, estas escolas são citadas como fontes para os leitores buscarem mais informações
sobre o que foi apresentado. Sob o título "Quer saber mais?" são disponibilizados os nomes
das escolas, telefones, e-mails, sites e outras informações que ajudem os leitores a fazerem
contato com os colaboradores da matéria.
A Revista também traz histórias de gestores escolares que tinham um determinado
problema na escola e que através de uma ação competente conseguiram solucioná-lo. Isso é
relatado na seção “Eu fiz assim” e reforça a ideia de que os problemas das escolas são
solucionáveis e principalmente que estes casos de sucesso são bons modelos para a gestão das
escolas. Estas colaborações exitosas estão relacionadas a questões cruciais de uma Gestão
Escolar que deseja ser competente e são estratégicas para consolidar o conteúdo divulgado em
suas páginas. E a Revista, assim, não só se vende mais e tem mais aceitação, como se torna
eficiente na disseminação daquelas concepções e práticas de gestão afinadas com as políticas
econômicas e sociais embutidas na racionalidade vigente hoje.
Costa e Silveira (2006) também analisaram uma seção semelhante a essa na pesquisa
sobre a Nova Escola e constataram que “o principal caráter de tais ‘depoimentos’ é o relato
factual, entremeado com apreciações pontuais em que se atribuem causas ― geralmente
relativas a esforço, criatividade, dedicação, amor... ― à resolução dos problemas enfrentados”
(p.46). Essa seção apresenta algumas semelhanças com a seção “Espaço do leitor”, pois
sabemos que são publicados os relatos que reforçam o que a Revista deseja ensinar em relação
à Gestão Escolar.
Esta exposição de exemplos de sucesso é utilizada pela Revista de forma estratégica,
pois posiciona o leitor como um colaborador através do seu exemplo de sucesso que está
atrelado ao que a NEGE dissemina em suas páginas e como um aprendiz à medida que coloca
em prática na sua escola algo que foi ensinado pela publicação. Podemos observar que na
seção “Eu fiz assim” ao mesmo tempo em que o leitor mostra através do seu relato que as
estratégias ensinadas pela Revista são úteis para o trabalho do Gestor Escolar, ele também
ajuda a reforçar as ideias publicadas colaborando com a elaboração da NEGE. As matérias e
reportagens do periódico são tão produtivas que ele mostra que houve aprendizagem e
principalmente uma utilidade prática. Agora ele, como bom aprendiz, passa a colaborar com a
publicação ajudando a ensinar outros gestores.
Há outros espaços da Revista em que é possível identificar o leitor sendo posicionado
como um aprendiz. Isso pode ser evidenciado no final de algumas matérias onde aparece a
bibliografia utilizada na reportagem ou também como uma sugestão para o aprofundamento
de seu estudo. Há também outra seção denominada “Gestão Escolar indica” em que são
recomendados livros, sites e filmes, todos relacionados com a Gestão Escolar ou com a
educação de uma maneira geral.
Esta análise mostrou que a NEGE ao lidar com o seu público alvo utiliza táticas de
convocação muito peculiares que enredam seus leitores posicionando-os como aliados da
publicação. Percebi que ao serem posicionados como colaboradores e aprendizes da Revista
os leitores são valorizados pela editoria, pois seus relatos, mensagens e exemplos de sucesso
são eficientes e úteis para designar a publicação um status de competência pedagógica naquilo
em que deseja ensinar.
Estas estratégias que a Revista utiliza para posicionar os seus leitores apresentam uma
sintonia perfeita com as intenções que a publicação deseja disseminar sobre o seu
compromisso em relação ao trabalho dos gestores escolares. Por isso, os relatos dos leitores
são valorizados posicionando-os como aprendizes dos ensinamentos da publicação e como
colaboradores ao reforçar a aplicabilidade do seu conteúdo.
Ao contar com o apoio dos seus leitores, a NEGE reforça a sua imagem de uma
publicação confiável e respeitável, pois a forma como seu público é valorizado pela editoria
credita à Revista estes atributos. Assim, ao posicionar os seus leitores de forma tão útil para as
intenções do periódico, cria-se a impressão de que o Gestor Escolar encontrou a professora, a
conselheira perfeita para ajudá-lo a dirimir as dificuldades do cotidiano da instituição.
2.3 Como a Revista constrói um perfil de Gestor Escolar
Revistas são nichos de poder no interior da cultura que descrevem maneiras de estar
no mundo, concebidas conforme as intenções da editoria, de acordo com projetos político-
sociais e mercantis compatíveis com os propósitos da sociedade. É oportuno lembrar, mais
uma vez, que revistas não apenas veiculam, mas elas também produzem modos de
compreender um determinado assunto, instituem visões e concepções interessadas, pois são
sítios de poder.
Na contemporaneidade o perfil profissional está sendo repensado para se adequar às
necessidades destes novos tempos. Por isso, a mídia produz e coloca em circulação saberes
sobre as transformações em relação ao perfil profissional de uma determinada área.
Afinada com o entendimento da produtividade em relação ao que a Revista aborda em
seu conteúdo, um dos questionamentos da dissertação buscou evidenciar como a NEGE
constrói o perfil de gestor para atuar na escola. Neste item mostro quais atributos a Revista
referenda, constitui, dá vigor em relação ao Gestor Escolar. Estas proposições irão esculpir o
perfil deste gestor como um sujeito polivalente e competente na execução de uma proposta
pedagógica. Nesta perspectiva, pode-se dizer que a NEGE constrói um perfil de Gestor
Escolar de acordo com alguns preceitos que estão em voga na atualidade e vai dispondo nas
suas matérias como o trabalho deste profissional deve corresponder à lógica social vigente.
Para expor isso, identifiquei alguns atributos salientados pela Revista que produzem o
perfil do Gestor Escolar estabelecendo que a ele compete: a) Trabalhar em equipe: ter
qualidades para trabalhar em grupo, de forma harmônica, onde todos devem se esmerar a
favor de uma escola melhor; b) Planejar as ações da escola: como um pressuposto básico do
Gestor Escolar que deseja ser competente e, para isso, define metas e se preocupa com a
organização do todo, administrativo e pedagógico, da escola; c) Executar a formação
continuada dos professores: promover capacitações que atendam as demandas e necessidades
dos docentes visando melhorar a qualidade pedagógica da escola; d) Promover a gestão
participativa: instigando a comunidade educativa (pais, professores, alunos e funcionários) a
participar do cotidiano da escola e das decisões em relação ao seu funcionamento e suas
perspectivas.
Segundo a construção da Revista em relação ao perfil de Gestor Escolar é necessário
que este profissional perceba a escola na sua amplitude e mesmo não atuando diretamente na
sala de aula, suas decisões irão afetar cada ação da instituição. Em várias passagens é possível
constatar o desejo da NEGE de capturar o leitor e convencê-lo de que o papel do Gestor
Escolar é ser estrategista, animador, incentivador e promotor de ações que afetam e
contribuem positivamente com o todo da escola.
2.4 Como a Revista produz e faz circular as verdades sobre a Gestão Escolar
Para demonstrar a produção das verdades na Revista, identifiquei que as pesquisas
encomendadas pela Fundação Victor Civita, produzem saberes com base em estudos
científicos sobre a gestão das escolas que atribuem veracidade ao conteúdo da publicação.
Outro espaço da NEGE em que é possível verificarmos a produção das verdades é nas
entrevistas, presentes em todas as edições, onde falam os sujeitos que são eleitos pelo
periódico como especialistas. Os entrevistados ― brasileiros e estrangeiros ― são intelectuais
da educação, estudiosos da Gestão Escolar, gestores escolares que através de sua ação
competente são vistos como experts da área, assim como também despontam os políticos que
com seus pronunciamentos vão fortalecendo as verdades produzidas pela NEGE.
Para evidenciar a circulação das verdades na Revista, percebi que as capas
apresentam uma gramática composta de ilustrações e textos escritos que manifestam a
circulação das verdades que a NEGE deseja enfatizar. As manchetes e ilustrações das capas
do periódico indicam as verdades sobre a gestão das escolas, subsidiadas pelas constatações
das pesquisas, pelas falas dos especialistas e exemplos de gestores bem sucedidos que aplicam
os ensinamentos da publicação. Desta forma, podemos evidenciar como são colocadas em
circulação as verdades apresentadas na Nova Escola Gestão Escolar.
A forma como estas verdades são construídas e as estratégias de circulação utilizadas
nas páginas da publicação armam uma perspectiva de confiabilidade para seus leitores. Desta
maneira, a NEGE se institui como uma referência para os gestores escolares, pois o seu
conteúdo é composto de verdades possíveis de serem aplicadas nas escolas através das
reflexões proporcionadas pelo periódico sobre a teoria e a prática da Gestão Escolar.
3 A Gestão como redentora da escola: uma trama de significados
Através das análises empreendidas neste estudo, percebi a produtividade que as
revistas têm na sociedade contemporânea. E por isso, enxerguei além do que eu imaginava e
construí novos significados sobre a Gestão Escolar. Significados relacionados ao que a NEGE
propõe, dissemina e celebra acerca da Gestão Escolar contemporânea.
É fato que a escola vem passando por dificuldades e muitos têm falado sobre isso. Para
Sibilia (2012), há “um desajuste coletivo entre os colégios e seus alunos na
contemporaneidade” (p.14). Os alunos que frequentam os espaços escolares estão em outro
ritmo daquele que seus mestres desejam e podemos dizer que isso é um dos motivos do
descompasso nesta relação. Porém, em pleno século XXI, a escola continua sendo uma
instituição referência na maior parte do mundo. Conforme Sibilia (2012)
... há milhões delas em todo o mundo, funcionando cotidianamente e
afetando de modo direto as vidas de uma parte enorme da população
planetária. No entanto, seu estatuto parece ser outro, pois se esgotou o
dispositivo que as insuflava e, junto com ele, mudaram os tipos de corpos e
os ‘modos de ser’ que eram compatíveis com essa aparelhagem (p.93).
Neste contexto, as instituições escolares travam uma luta diária para acompanhar as
mudanças impostas pelas crianças e jovens contemporâneos. É possível observar a escola se
tornando cada vez mais uma mercadoria nesta sociedade de consumidores, e embora a escola
tradicional esteja em crise, a transmissão e produção de conhecimentos, saberes e práticas
continua sendo um bem muito valioso. Para Sibilia (2012)
A megainstituição que garantia a eficácia e o sentido de todas as demais,
inclusive a escola, costumava ser o estado. Agora que sua soberania se
dissolve na liquidez do capital e dos fluxos informativos, qual terá sido a
entidade que assumiu esse poder ante o declínio dessa? Uma possível
resposta é quase evidente: o mercado, ou melhor, certa “ética empresarial”
conjugada com o “espírito do consumismo” (p.94).
Assim, parece que quase todas as ações da escola são hoje influenciadas por esta
lógica de mercado que busca corresponder aos desejos desta sociedade de consumidores ávida
por constantes mudanças e novidades. Reflexos de uma sociedade em que, conforme
Featherstone (1995), “grande parte da produção é voltada para o consumo, lazer e serviços e
na qual se verifica uma relevância crescente da produção de bens simbólicos, imagens e
informação” (p.41). A aspiração por uma escola diferente e mais competente é anseio coletivo
desta sociedade regida pelos poderes do mercado, e é aí, parece, que se deseja serem
formados os sujeitos encaixáveis na sociedade de consumidores.
Para atender a estas necessidades contemporâneas da inovação constante em todos os
âmbitos da sociedade, surge com forte influência o discurso da Gestão e seus poderes.
Podemos afirmar que a Gestão tornou-se a ordem do dia e a competência sua irmã gêmea.
Independente da condição social do sujeito, mensagens embutidas e naturalizadas na vida
cotidiana vão ensinando que é preciso saber gerenciar a vida. Isto implica estar preparado para
todas as urgências da sociedade de consumidores, garantindo desta forma a tão sonhada
felicidade. É preciso que tudo neste contexto seja bem gerido, administrado, e claro que a
escola não tem como escapar desta discursividade.
No decorrer das análises empreendidas na dissertação, percebi a centralidade que a
Gestão tem na contemporaneidade. Como a instituição escolar está em crise há um desejo de
aprimorar seus processos e para isso a Gestão aparece como a redentora. Ao dispor-se a atuar
em direção à aquisição e desenvolvimento desta performance, a Revista NEGE assume um
papel central em sua constituição e incorporação nas escolas.
A gestão passa a ser um produto muito valioso para a educação, na medida em que é
propagado na sociedade que boas estratégias de gestão resolvem todo e qualquer problema. A
escola vai aplicar estas práticas gestoras buscando salvar o espaço escolar. Quando me refiro
às maravilhas que podem ser proporcionadas através de estratégias competentes de Gestão na
escola, compreendo que há nisso um desejo de se solidarizar com a causa da educação, mas
principalmente de se solidarizar com os pressupostos das sociedades neoliberais
contemporâneas regida pelos interesses do mercado.
Desta forma, compartilho, a partir das análises empreendidas na dissertação, uma
compreensão sobre a centralidade que a Gestão assume nesta sociedade líquida de
consumidores como a “redentora” desta escola que está em crise. Para fins explicativos desta
metáfora, utilizo a definição do dicionário on line 5 da língua portuguesa, Michaelis, para a
palavra redenção: “ato ou efeito de remir; resgate. Libertação, proteção, salvação, socorro. O
resgate do gênero humano por Jesus Cristo, através de sua crucificação”. Como podemos
perceber, a redenção também é um termo bíblico que expressa essa intenção de salvar,
resgatar, proteger, socorrer. Ou seja, a escolha desta metáfora da Gestão como redentora da
escola surgiu após eu ter percebido em meu estudo um discurso celebrativo da Revista em
relação ao protagonismo da Gestão na escola, a certo posicionamento de gestores como
divindades ou super-heróis que resolvem milagrosamente ou fantasticamente os problemas
das instituições de ensino, mediante ações inovadoras, animadoras, incentivadoras.
Esta quase onipotência do Gestor Escolar verificada nas páginas da Revista fortalece a
circulação desta discursividade que enaltece a Gestão como salvadora da escola. Celebra-se a
ideia de que uma escola bem gerida desata, desamarra, elimina todos os seus nós, todos os
seus pontos de estrangulamento, e faz a educação escolar fluir, acontecer. Exalta-se também a
importância do Gestor Escolar preocupar-se com a sua capacitação profissional estando em
sintonia com a lógica do sistema que enfatiza incansavelmente a relevância da formação
continuada.
A mídia reforça este posicionamento criando uma Revista para abordar um contexto
de enunciação específico que está em sintonia com a discursividade da importância da gestão.
A NEGE foi desenvolvida exclusivamente para orientar a ação da Gestão Escolar. A junção
destes interesses reforça a percepção da gestão como redentora da escola.
Percebe-se que nisto está implicado um direcionamento onde, no caso, a Gestão
Escolar passa a ser compreendida como algo central para as inovações necessárias à educação.
Como uma pedagogia cultural competente, a NEGE vai ensinando a fazer a escola de que a
sociedade precisaria através de ações de Gestão adequadas que mobilizam tais instituições. É
oportuno frisar que estas questões estão em consonância com o discurso neoliberal de que o
poder está no mercado e não mais apenas no Estado. Por isso, todos os sujeitos devem fazer a
sua parte para resolver os problemas da escola e da sociedade.
Na perspectiva da mídia, a Gestão é vista como um produto fenomenal que celebra a
5 Informação obtida no site http://michaelis.uol.com.br / Acesso em 13 de agosto de 2013.
resolução dos problemas da escola. Um produto tão bom que todos devem fazer uso, pois esta
discursividade recorrente na sociedade acena para a obtenção de bons resultados. Por isso, a
NEGE é um artefato poderoso aos objetivos do capitalismo neoliberal. Conforme apresentei
nas análises, são convocados e acionados diversos mecanismos didático-pedagógicos e
midiáticos que vão transformando as concepções de escola e posicionando a Gestão como
redentora de suas ações. Isso corrobora o que Costa (2012) apresenta no prefácio do livro
Mídia impressa para além do bem e do mal: estudos sobre revistas
Uma legião de repórteres, fotógrafos, jornalistas, diagramadores,
especialistas, designers gráficos, ilustradores, consultores, revisores, editores
(e até leitores depoentes!) trabalham em suas páginas para que elas chamem
sua atenção, superem todas as suas resistências e o convençam de que
confiar nelas e seguir seus ditames é o melhor caminho, garantia de
atualidade e sucesso (p.4).
Na Revista analisada a gestão apresenta-se como um produto tão bom que se toda a
escola possuir boa gestão e bons gestores não terá problemas. As estratégias de gestão
disseminadas pela publicação vão salvar a escola, a qualidade das relações, a competência do
professor, a organização estrutural, a aprendizagem dos alunos. Diz-se que “a escola não é
uma empresa”, que “a educação não é produto”, mas a NEGE, através do seu conteúdo,
demostra filiar-se à tendência mercantil contemporânea que acaba transformando tanto a
escola, como a gestão e a educação escolar em empresa e em produto. Assim, imbricadas em
relações de poder-saber, se propagam e fortalecem as discursividades do tempo presente.
Referências Bibliográficas
BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro:
Zahar, 2008.
COSTA, Marisa Vorraber. Revistas para além do bem e do mal. In: ABREU, Bento F.;
ALMEIDA, Tania S.; ROCHA, Cristiane M.F. (orgs) Mídia impressa para além do bem e
do mal – estudos sobre revistas. Jundiaí: Paco Editorial, 2012. p.3-5.
COSTA, Marisa Vorraber; SILVEIRA, Rosa Maria Hessel. A revista Nova Escola e a
constituição de identidades femininas para o magistério. In: COSTA, Marisa Vorraber (org.)
O magistério na política cultural. Canoas: Ed. da Ulbra, 2006. p. 19-67.
FEATHERSTONE, Mike. Cultura de Consumo e Pós-Modernismo. Trad. Julio Assis
Simões. São Paulo: Studio Nobel, 1995.
SANTOS, Cláudia Amaral dos; SILVEIRA, Rosa Maria Hessel. Revistas Pedagógicas e
Identidades de professor/a: quem é o docente de Profissão Mestre e Nova Escola. In...
BASTOS, Liliana Cabral; LOPES, Luiz Paulo da Moita (orgs.). Estudos de Identidade:
entre saberes e práticas. Rio de Janeiro: Garamond, 2011.
SIBILIA, Paula. Redes ou paredes: a escola em tempos de dispersão. Tradução Vera
Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012.