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A GESTÃO COMO “REDENTORA” DA ESCOLA: UM ESTUDO SOBRE A REVISTA NOVA ESCOLA GESTÃO ESCOLAR Carla Conceição Souza Nunes - ULBRA 1 1 Apresentação Este texto, fruto dos estudos desenvolvidos em minha dissertação, empreende uma discussão sobre como gestão assume uma significativa centralidade na sociedade contemporânea e também como a mídia vai através da revista Nova Escola Gestão Escolar - NEGE 2 disseminando a importância da gestão para a escola. O corpus de análise são as vinte primeiras edições da referida Revista, publicadas no período de abril de 2009 a julho de 2012. Este artigo foi organizado em itens que estão articulados com as questões de pesquisa com a finalidade de tornar mais compreensível as análises empreendidas no caminho investigativo que percorri na construção do estudo. 2 A Gestão Escolar nas páginas da Nova Escola Gestão Escolar 2.1 Como a Revista se apresenta aos seus leitores Atentar para os modos como uma revista se apresenta a seus leitores e procurar interpretá-los é interessante para evidenciar como cada publicação narra a si mesma, delimitando seus espaços de atuação e assegurando o direito de proclamar as verdades em um determinado campo. O fio condutor desta análise foram os editoriais e outros espaços da publicação em que a construção de uma imagem da Revista vai sendo reforçada e consolidada. As análises realizadas com as lentes do referencial teórico que subsidiaram o estudo me permitiram vislumbrar pelo menos quatro modos de atuação da Revista, operando de forma imbricada e articulada. Procuro, aqui, expô-los separadamente para fins analíticos. O primeiro deles diz respeito à uma relação de proximidade, cumplicidade e afetividade com seu público leitor sendo evidenciado no início de cada editorial com a utilização de um recurso verbal interpelativo. Ocupando a página de abertura de cada número da NEGE, os editoriais começam recorrentemente com uma expressão vocativa “Caro gestor” , que convoca o leitor a uma parceria e instaura uma relação de proximidade já ao 1 Pedagoga, Especialista em Gestão Escolar e Mestre em Educação pela ULBRA E-mail: [email protected] 2 Ao longo deste artigo para não tornar exaustiva a expressão por extenso Nova Escola Gestão Escolar utilizarei a sigla NEGE ― que indica o nome da Revista.

A GESTÃO COMO “REDENTORA” DA ESCOLA: UM ESTUDO SOBRE … · em cada edição pontos importantes sobre algo relacionado à rotina escolar. Nestas seções a

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A GESTÃO COMO “REDENTORA” DA ESCOLA: UM ESTUDO SOBRE A

REVISTA NOVA ESCOLA GESTÃO ESCOLAR

Carla Conceição Souza Nunes - ULBRA 1

1 Apresentação

Este texto, fruto dos estudos desenvolvidos em minha dissertação, empreende uma

discussão sobre como gestão assume uma significativa centralidade na sociedade

contemporânea e também como a mídia vai através da revista Nova Escola Gestão Escolar -

NEGE 2 disseminando a importância da gestão para a escola. O corpus de análise são as vinte

primeiras edições da referida Revista, publicadas no período de abril de 2009 a julho de 2012.

Este artigo foi organizado em itens que estão articulados com as questões de pesquisa com a

finalidade de tornar mais compreensível as análises empreendidas no caminho investigativo

que percorri na construção do estudo.

2 A Gestão Escolar nas páginas da Nova Escola Gestão Escolar

2.1 Como a Revista se apresenta aos seus leitores

Atentar para os modos como uma revista se apresenta a seus leitores e procurar

interpretá-los é interessante para evidenciar como cada publicação narra a si mesma,

delimitando seus espaços de atuação e assegurando o direito de proclamar as verdades em um

determinado campo. O fio condutor desta análise foram os editoriais e outros espaços da

publicação em que a construção de uma imagem da Revista vai sendo reforçada e consolidada.

As análises realizadas com as lentes do referencial teórico que subsidiaram o estudo me

permitiram vislumbrar pelo menos quatro modos de atuação da Revista, operando de forma

imbricada e articulada. Procuro, aqui, expô-los separadamente para fins analíticos.

O primeiro deles diz respeito à uma relação de proximidade, cumplicidade e

afetividade com seu público leitor sendo evidenciado no início de cada editorial com a

utilização de um recurso verbal interpelativo. Ocupando a página de abertura de cada número

da NEGE, os editoriais começam recorrentemente com uma expressão vocativa – “Caro

gestor” –, que convoca o leitor a uma parceria e instaura uma relação de proximidade já ao

1 Pedagoga, Especialista em Gestão Escolar e Mestre em Educação pela ULBRA – E-mail:

[email protected]

2 Ao longo deste artigo para não tornar exaustiva a expressão por extenso Nova Escola Gestão Escolar

utilizarei a sigla ― NEGE ― que indica o nome da Revista.

abrir a primeira página da Revista. Eles são encerrados com expressões afetuosas como “um

grande abraço”, também indicativas de proximidade. Ao longo de todo o texto percebe-se na

escrita do editorialista um tom de cumplicidade com o leitor e, tal como mencionado por

Santos e Silveira (2011), em seu estudo sobre revistas pedagógicas, “observa-se uma

constante interpelação ao leitor e leitora, ao lado da utilização de um vocabulário informal e

‘próximo’, num uso de uma evidente estratégia de cumplicidade” (p. 320).

Outro modo que a Revista utiliza para se apresentar aos seus leitores é através de

demonstrações de interesse pelo que o leitor faz na sua ação de Gestor Escolar. Percebi um

ponto significativo presente em vários editoriais em que há uma retomada em relação aos

objetivos da Revista. É reforçado que a mesma deseja contribuir para que os gestores

escolares desempenhem suas funções de maneira cada vez melhor. Também é enfatizado que

seus conteúdos são dedicados ao dia a dia dos gestores e por isso são relevantes para os

leitores. Outro indício de como a NEGE se importa com o que o Gestor Escolar faz está

presente no “Prêmio Victor Civita Educador Nota 10”. Criada em 1998 esta premiação é uma

forma que a Fundação Victor Civita utiliza para valorizar os projetos realizados nas escolas. A

partir de 2007 passaram a ser premiados projetos de Gestão Escolar estão escolar e os

vencedores recebem o título de “Gestor Nota 10”, além de premiações em dinheiro para a

escola e o gestor 3. As iniciativas premiadas são disponibilizadas no site da FVC e também

são apresentadas nas páginas da Revista como exemplos de boas ações a serem replicadas nas

escolas. Ao reconhecer, premiar e divulgar os projetos dos leitores como modelos a serem

seguidos o periódico, mais uma vez, mostra que o fazer, as experiências cotidianas do Gestor

Escolar interessam à NEGE. Uma seção da Revista em que também é demostrado o interesse

pelo fazer do Gestor Escolar é a “Eu fiz assim”. Nessa seção são apresentados relatos de

gestores sobre soluções adotadas para problemas inspirados nas matérias da publicação e

implementados nas escolas. Esse é mais um modo que a NEGE adota para enfatizar a

relevância da participação dos Gestores Escolares na elaboração do periódico.

Outro modo de como a NEGE se apresenta aos seus leitores, ainda, é o de propor

sempre a ação conjunta e dispor-se para realizá-la junto com o gestor-leitor. Ao colocar-se, de

forma estratégica, como parceira do Gestor Escolar, a Revista vai construindo sua imagem e

também reforçando sua autoridade naquele campo não só temático como profissional, já que

se apresenta como uma expert que elege e credencia o que deve ser aceito como modelo

válido. Esta estratégia pode ser evidenciada na seguinte passagem de um editorial da NEGE:

3 Informações obtidas no site sobre o Prêmio Victor Civita Educador Nota 10. Disponível em

http://www.fvc.org.br Acesso em 11 de agosto de 2013.

“estamos juntos para ajudar a construir um ensino de mais qualidade para todos os alunos” 4.

Este tipo de abordagem mostra que a Revista se dispõe a auxiliar na construção de algo

melhor em relação à gestão das escolas. Para mostrar que a Revista é parceira do Gestor

Escolar ela se coloca na posição de oferecer subsídios que irão auxiliar no trabalho deste

profissional. Para evidenciar isso, que é apresentado desde os editoriais, há em várias

reportagens um direcionamento para a importância da organização e do planejamento das

ações do Gestor Escolar.

Outra constante nos editoriais da Revista, que apresentam indícios de como ela se

apresenta aos seus leitores, são as dicas e prescrições sobre a Gestão Escolar que vão estar

presentes, de forma sutil ou direta, em todas suas páginas. Esta é uma estratégia de

ensinamento, pois ela captura o leitor apontando o que e como deve ser realizada a gestão das

escolas, objetivando a qualidade do ensino. Ao utilizar esta estratégia de ensinamento a NEGE

se descreve como um artefato pedagógico importante para o Gestor Escolar, pois educa,

orienta e prescreve o que deve ser feito para ser realizada uma boa gestão. Além disso, ela dá

visibilidade a práticas de gestão que são bem sucedidas em uma determinada escola e que

estão em sintonia com o conteúdo que é veiculado pela publicação. Também é interessante

comentar que o editor indica e recomenda reportagens definidas por ele como “leituras

obrigatórias”.

Também é possível evidenciar esta estratégia da Revista se posicionar como fonte de

ensinamentos aos seus leitores através de uma seção ― 5 pontos importantes ― que aborda

em cada edição pontos importantes sobre algo relacionado à rotina escolar. Nestas seções a

NEGE dissemina ensinamentos relacionados à como fazer para manter o patrimônio da

escola, como organizar reuniões produtivas, como escolher os livros didáticos, como

acompanhar as obras na escola, como proceder nas urgências médicas, como organizar a

segurança escolar, como organizar a reunião de pais, entre outras maneiras de se fazer. As

capas da NEGE também apresentam nas manchetes para as matérias principais a utilização da

expressão “como fazer”. Estas reportagens oferecem aos leitores um manual de instruções

com orientações preciosas para o êxito da Gestão Escolar.

Os editoriais e os demais espaços da NEGE analisados neste item evidenciaram alguns

modos peculiares da publicação se apresentar, se dirigir e se qualificar diante do seu público

alvo. Esses modos podem ser interpretados como elementos estratégicos que mostram

cuidado com o leitor, interesse em relação ao que o gestor/leitor faz na sua prática

4 Fonte: Editorial da revista Nova Escola Gestão Escolar Edição Nº 1 de Abril/Maio 2009.

pedagógica, disposição para se colocar como parceiro do gestor escolar e um posicionamento

pedagógico que ensina o que fazer em relação à gestão da escola.

2.2 Como a Revista posiciona os seus leitores

Ao definir um posicionamento para os leitores, a publicação busca se beneficiar

através dos relatos que corroboram com o que é difundido em suas páginas. Como veremos

no decorrer deste item, percebi duas formas como a Revista posiciona seu leitor: ora como

colaborador através do seu exemplo de sucesso que decorreria do que a NEGE dissemina em

suas páginas; ora como aprendiz na medida em que coloca em prática em sua escola algo que

foi ensinado pela publicação. A análise mostrou que muitas vezes estas duas estratégias

aparecem imbricadas, ou seja, ao mesmo tempo em que ela publica uma experiência exitosa

de um gestor que fez algo de acordo com o conteúdo disseminado no periódico, também está

ensinando ao conjunto de seus leitores como isso deve ser replicado.

Essas estratégias podem ser observadas, principalmente, nas seções “Espaço do Leitor”

e “Eu fiz assim”, contudo em outros espaços da Revista também é possível verificar uma

adesão dos leitores aos objetivos da publicação, na medida em que eles oferecem em seus

relatos um reforço, uma sustentação, um eco do discurso propagado nas páginas da NEGE.

Quando este público-alvo se manifesta, a publicação acerta no seu endereçamento, ela faz

uma seleção e publica aquelas mensagens que corroboram com a posição que ela assume,

assim como também dá status para aquelas experiências bem sucedidas que são

demonstrações da utilização dos seus ensinamentos.

Essas duas seções destinam-se ao contato direto do leitor com a publicação. São

compostas pela participação do público através de comentários e relato de casos de sucesso

em suas escolas. Evidentemente essas colaborações são utilizadas pela Revista como

demonstração da efetividade do conteúdo de suas páginas para a ação do Gestor Escolar.

No estudo que Costa e Silveira (2006) realizaram sobre a revista Nova Escola também

foram analisadas as cartas dos leitores como expressão do atributo de interatividade que a

própria revista invocava onde ela “passa a se intitular ‘interativa’ numa tentativa de

disseminar a noção de intercambio e de multidirecionalidade no exercício da significação”. As

pesquisadoras ressaltam que se trata, porém, “de uma ‘interatividade’ muito peculiar,

intransitiva, de mão única, cuja direção do fluxo é estabelecida sempre a partir do mesmo lado”

(p.30). Na NEGE a seção “Espaço do Leitor” posiciona seus leitores como colaboradores dos

discursos sobre a Gestão Escolar que ela apresenta, pois a maioria faz comentários positivos

acerca das reportagens publicadas.

Também em algumas matérias publicadas são utilizados exemplos de gestores

escolares que já fazem em suas escolas aquilo que a NEGE está ensinando e desta forma

reforçam o posicionamento do leitor como um colaborador da publicação. No final destas

matérias, estas escolas são citadas como fontes para os leitores buscarem mais informações

sobre o que foi apresentado. Sob o título "Quer saber mais?" são disponibilizados os nomes

das escolas, telefones, e-mails, sites e outras informações que ajudem os leitores a fazerem

contato com os colaboradores da matéria.

A Revista também traz histórias de gestores escolares que tinham um determinado

problema na escola e que através de uma ação competente conseguiram solucioná-lo. Isso é

relatado na seção “Eu fiz assim” e reforça a ideia de que os problemas das escolas são

solucionáveis e principalmente que estes casos de sucesso são bons modelos para a gestão das

escolas. Estas colaborações exitosas estão relacionadas a questões cruciais de uma Gestão

Escolar que deseja ser competente e são estratégicas para consolidar o conteúdo divulgado em

suas páginas. E a Revista, assim, não só se vende mais e tem mais aceitação, como se torna

eficiente na disseminação daquelas concepções e práticas de gestão afinadas com as políticas

econômicas e sociais embutidas na racionalidade vigente hoje.

Costa e Silveira (2006) também analisaram uma seção semelhante a essa na pesquisa

sobre a Nova Escola e constataram que “o principal caráter de tais ‘depoimentos’ é o relato

factual, entremeado com apreciações pontuais em que se atribuem causas ― geralmente

relativas a esforço, criatividade, dedicação, amor... ― à resolução dos problemas enfrentados”

(p.46). Essa seção apresenta algumas semelhanças com a seção “Espaço do leitor”, pois

sabemos que são publicados os relatos que reforçam o que a Revista deseja ensinar em relação

à Gestão Escolar.

Esta exposição de exemplos de sucesso é utilizada pela Revista de forma estratégica,

pois posiciona o leitor como um colaborador através do seu exemplo de sucesso que está

atrelado ao que a NEGE dissemina em suas páginas e como um aprendiz à medida que coloca

em prática na sua escola algo que foi ensinado pela publicação. Podemos observar que na

seção “Eu fiz assim” ao mesmo tempo em que o leitor mostra através do seu relato que as

estratégias ensinadas pela Revista são úteis para o trabalho do Gestor Escolar, ele também

ajuda a reforçar as ideias publicadas colaborando com a elaboração da NEGE. As matérias e

reportagens do periódico são tão produtivas que ele mostra que houve aprendizagem e

principalmente uma utilidade prática. Agora ele, como bom aprendiz, passa a colaborar com a

publicação ajudando a ensinar outros gestores.

Há outros espaços da Revista em que é possível identificar o leitor sendo posicionado

como um aprendiz. Isso pode ser evidenciado no final de algumas matérias onde aparece a

bibliografia utilizada na reportagem ou também como uma sugestão para o aprofundamento

de seu estudo. Há também outra seção denominada “Gestão Escolar indica” em que são

recomendados livros, sites e filmes, todos relacionados com a Gestão Escolar ou com a

educação de uma maneira geral.

Esta análise mostrou que a NEGE ao lidar com o seu público alvo utiliza táticas de

convocação muito peculiares que enredam seus leitores posicionando-os como aliados da

publicação. Percebi que ao serem posicionados como colaboradores e aprendizes da Revista

os leitores são valorizados pela editoria, pois seus relatos, mensagens e exemplos de sucesso

são eficientes e úteis para designar a publicação um status de competência pedagógica naquilo

em que deseja ensinar.

Estas estratégias que a Revista utiliza para posicionar os seus leitores apresentam uma

sintonia perfeita com as intenções que a publicação deseja disseminar sobre o seu

compromisso em relação ao trabalho dos gestores escolares. Por isso, os relatos dos leitores

são valorizados posicionando-os como aprendizes dos ensinamentos da publicação e como

colaboradores ao reforçar a aplicabilidade do seu conteúdo.

Ao contar com o apoio dos seus leitores, a NEGE reforça a sua imagem de uma

publicação confiável e respeitável, pois a forma como seu público é valorizado pela editoria

credita à Revista estes atributos. Assim, ao posicionar os seus leitores de forma tão útil para as

intenções do periódico, cria-se a impressão de que o Gestor Escolar encontrou a professora, a

conselheira perfeita para ajudá-lo a dirimir as dificuldades do cotidiano da instituição.

2.3 Como a Revista constrói um perfil de Gestor Escolar

Revistas são nichos de poder no interior da cultura que descrevem maneiras de estar

no mundo, concebidas conforme as intenções da editoria, de acordo com projetos político-

sociais e mercantis compatíveis com os propósitos da sociedade. É oportuno lembrar, mais

uma vez, que revistas não apenas veiculam, mas elas também produzem modos de

compreender um determinado assunto, instituem visões e concepções interessadas, pois são

sítios de poder.

Na contemporaneidade o perfil profissional está sendo repensado para se adequar às

necessidades destes novos tempos. Por isso, a mídia produz e coloca em circulação saberes

sobre as transformações em relação ao perfil profissional de uma determinada área.

Afinada com o entendimento da produtividade em relação ao que a Revista aborda em

seu conteúdo, um dos questionamentos da dissertação buscou evidenciar como a NEGE

constrói o perfil de gestor para atuar na escola. Neste item mostro quais atributos a Revista

referenda, constitui, dá vigor em relação ao Gestor Escolar. Estas proposições irão esculpir o

perfil deste gestor como um sujeito polivalente e competente na execução de uma proposta

pedagógica. Nesta perspectiva, pode-se dizer que a NEGE constrói um perfil de Gestor

Escolar de acordo com alguns preceitos que estão em voga na atualidade e vai dispondo nas

suas matérias como o trabalho deste profissional deve corresponder à lógica social vigente.

Para expor isso, identifiquei alguns atributos salientados pela Revista que produzem o

perfil do Gestor Escolar estabelecendo que a ele compete: a) Trabalhar em equipe: ter

qualidades para trabalhar em grupo, de forma harmônica, onde todos devem se esmerar a

favor de uma escola melhor; b) Planejar as ações da escola: como um pressuposto básico do

Gestor Escolar que deseja ser competente e, para isso, define metas e se preocupa com a

organização do todo, administrativo e pedagógico, da escola; c) Executar a formação

continuada dos professores: promover capacitações que atendam as demandas e necessidades

dos docentes visando melhorar a qualidade pedagógica da escola; d) Promover a gestão

participativa: instigando a comunidade educativa (pais, professores, alunos e funcionários) a

participar do cotidiano da escola e das decisões em relação ao seu funcionamento e suas

perspectivas.

Segundo a construção da Revista em relação ao perfil de Gestor Escolar é necessário

que este profissional perceba a escola na sua amplitude e mesmo não atuando diretamente na

sala de aula, suas decisões irão afetar cada ação da instituição. Em várias passagens é possível

constatar o desejo da NEGE de capturar o leitor e convencê-lo de que o papel do Gestor

Escolar é ser estrategista, animador, incentivador e promotor de ações que afetam e

contribuem positivamente com o todo da escola.

2.4 Como a Revista produz e faz circular as verdades sobre a Gestão Escolar

Para demonstrar a produção das verdades na Revista, identifiquei que as pesquisas

encomendadas pela Fundação Victor Civita, produzem saberes com base em estudos

científicos sobre a gestão das escolas que atribuem veracidade ao conteúdo da publicação.

Outro espaço da NEGE em que é possível verificarmos a produção das verdades é nas

entrevistas, presentes em todas as edições, onde falam os sujeitos que são eleitos pelo

periódico como especialistas. Os entrevistados ― brasileiros e estrangeiros ― são intelectuais

da educação, estudiosos da Gestão Escolar, gestores escolares que através de sua ação

competente são vistos como experts da área, assim como também despontam os políticos que

com seus pronunciamentos vão fortalecendo as verdades produzidas pela NEGE.

Para evidenciar a circulação das verdades na Revista, percebi que as capas

apresentam uma gramática composta de ilustrações e textos escritos que manifestam a

circulação das verdades que a NEGE deseja enfatizar. As manchetes e ilustrações das capas

do periódico indicam as verdades sobre a gestão das escolas, subsidiadas pelas constatações

das pesquisas, pelas falas dos especialistas e exemplos de gestores bem sucedidos que aplicam

os ensinamentos da publicação. Desta forma, podemos evidenciar como são colocadas em

circulação as verdades apresentadas na Nova Escola Gestão Escolar.

A forma como estas verdades são construídas e as estratégias de circulação utilizadas

nas páginas da publicação armam uma perspectiva de confiabilidade para seus leitores. Desta

maneira, a NEGE se institui como uma referência para os gestores escolares, pois o seu

conteúdo é composto de verdades possíveis de serem aplicadas nas escolas através das

reflexões proporcionadas pelo periódico sobre a teoria e a prática da Gestão Escolar.

3 A Gestão como redentora da escola: uma trama de significados

Através das análises empreendidas neste estudo, percebi a produtividade que as

revistas têm na sociedade contemporânea. E por isso, enxerguei além do que eu imaginava e

construí novos significados sobre a Gestão Escolar. Significados relacionados ao que a NEGE

propõe, dissemina e celebra acerca da Gestão Escolar contemporânea.

É fato que a escola vem passando por dificuldades e muitos têm falado sobre isso. Para

Sibilia (2012), há “um desajuste coletivo entre os colégios e seus alunos na

contemporaneidade” (p.14). Os alunos que frequentam os espaços escolares estão em outro

ritmo daquele que seus mestres desejam e podemos dizer que isso é um dos motivos do

descompasso nesta relação. Porém, em pleno século XXI, a escola continua sendo uma

instituição referência na maior parte do mundo. Conforme Sibilia (2012)

... há milhões delas em todo o mundo, funcionando cotidianamente e

afetando de modo direto as vidas de uma parte enorme da população

planetária. No entanto, seu estatuto parece ser outro, pois se esgotou o

dispositivo que as insuflava e, junto com ele, mudaram os tipos de corpos e

os ‘modos de ser’ que eram compatíveis com essa aparelhagem (p.93).

Neste contexto, as instituições escolares travam uma luta diária para acompanhar as

mudanças impostas pelas crianças e jovens contemporâneos. É possível observar a escola se

tornando cada vez mais uma mercadoria nesta sociedade de consumidores, e embora a escola

tradicional esteja em crise, a transmissão e produção de conhecimentos, saberes e práticas

continua sendo um bem muito valioso. Para Sibilia (2012)

A megainstituição que garantia a eficácia e o sentido de todas as demais,

inclusive a escola, costumava ser o estado. Agora que sua soberania se

dissolve na liquidez do capital e dos fluxos informativos, qual terá sido a

entidade que assumiu esse poder ante o declínio dessa? Uma possível

resposta é quase evidente: o mercado, ou melhor, certa “ética empresarial”

conjugada com o “espírito do consumismo” (p.94).

Assim, parece que quase todas as ações da escola são hoje influenciadas por esta

lógica de mercado que busca corresponder aos desejos desta sociedade de consumidores ávida

por constantes mudanças e novidades. Reflexos de uma sociedade em que, conforme

Featherstone (1995), “grande parte da produção é voltada para o consumo, lazer e serviços e

na qual se verifica uma relevância crescente da produção de bens simbólicos, imagens e

informação” (p.41). A aspiração por uma escola diferente e mais competente é anseio coletivo

desta sociedade regida pelos poderes do mercado, e é aí, parece, que se deseja serem

formados os sujeitos encaixáveis na sociedade de consumidores.

Para atender a estas necessidades contemporâneas da inovação constante em todos os

âmbitos da sociedade, surge com forte influência o discurso da Gestão e seus poderes.

Podemos afirmar que a Gestão tornou-se a ordem do dia e a competência sua irmã gêmea.

Independente da condição social do sujeito, mensagens embutidas e naturalizadas na vida

cotidiana vão ensinando que é preciso saber gerenciar a vida. Isto implica estar preparado para

todas as urgências da sociedade de consumidores, garantindo desta forma a tão sonhada

felicidade. É preciso que tudo neste contexto seja bem gerido, administrado, e claro que a

escola não tem como escapar desta discursividade.

No decorrer das análises empreendidas na dissertação, percebi a centralidade que a

Gestão tem na contemporaneidade. Como a instituição escolar está em crise há um desejo de

aprimorar seus processos e para isso a Gestão aparece como a redentora. Ao dispor-se a atuar

em direção à aquisição e desenvolvimento desta performance, a Revista NEGE assume um

papel central em sua constituição e incorporação nas escolas.

A gestão passa a ser um produto muito valioso para a educação, na medida em que é

propagado na sociedade que boas estratégias de gestão resolvem todo e qualquer problema. A

escola vai aplicar estas práticas gestoras buscando salvar o espaço escolar. Quando me refiro

às maravilhas que podem ser proporcionadas através de estratégias competentes de Gestão na

escola, compreendo que há nisso um desejo de se solidarizar com a causa da educação, mas

principalmente de se solidarizar com os pressupostos das sociedades neoliberais

contemporâneas regida pelos interesses do mercado.

Desta forma, compartilho, a partir das análises empreendidas na dissertação, uma

compreensão sobre a centralidade que a Gestão assume nesta sociedade líquida de

consumidores como a “redentora” desta escola que está em crise. Para fins explicativos desta

metáfora, utilizo a definição do dicionário on line 5 da língua portuguesa, Michaelis, para a

palavra redenção: “ato ou efeito de remir; resgate. Libertação, proteção, salvação, socorro. O

resgate do gênero humano por Jesus Cristo, através de sua crucificação”. Como podemos

perceber, a redenção também é um termo bíblico que expressa essa intenção de salvar,

resgatar, proteger, socorrer. Ou seja, a escolha desta metáfora da Gestão como redentora da

escola surgiu após eu ter percebido em meu estudo um discurso celebrativo da Revista em

relação ao protagonismo da Gestão na escola, a certo posicionamento de gestores como

divindades ou super-heróis que resolvem milagrosamente ou fantasticamente os problemas

das instituições de ensino, mediante ações inovadoras, animadoras, incentivadoras.

Esta quase onipotência do Gestor Escolar verificada nas páginas da Revista fortalece a

circulação desta discursividade que enaltece a Gestão como salvadora da escola. Celebra-se a

ideia de que uma escola bem gerida desata, desamarra, elimina todos os seus nós, todos os

seus pontos de estrangulamento, e faz a educação escolar fluir, acontecer. Exalta-se também a

importância do Gestor Escolar preocupar-se com a sua capacitação profissional estando em

sintonia com a lógica do sistema que enfatiza incansavelmente a relevância da formação

continuada.

A mídia reforça este posicionamento criando uma Revista para abordar um contexto

de enunciação específico que está em sintonia com a discursividade da importância da gestão.

A NEGE foi desenvolvida exclusivamente para orientar a ação da Gestão Escolar. A junção

destes interesses reforça a percepção da gestão como redentora da escola.

Percebe-se que nisto está implicado um direcionamento onde, no caso, a Gestão

Escolar passa a ser compreendida como algo central para as inovações necessárias à educação.

Como uma pedagogia cultural competente, a NEGE vai ensinando a fazer a escola de que a

sociedade precisaria através de ações de Gestão adequadas que mobilizam tais instituições. É

oportuno frisar que estas questões estão em consonância com o discurso neoliberal de que o

poder está no mercado e não mais apenas no Estado. Por isso, todos os sujeitos devem fazer a

sua parte para resolver os problemas da escola e da sociedade.

Na perspectiva da mídia, a Gestão é vista como um produto fenomenal que celebra a

5 Informação obtida no site http://michaelis.uol.com.br / Acesso em 13 de agosto de 2013.

resolução dos problemas da escola. Um produto tão bom que todos devem fazer uso, pois esta

discursividade recorrente na sociedade acena para a obtenção de bons resultados. Por isso, a

NEGE é um artefato poderoso aos objetivos do capitalismo neoliberal. Conforme apresentei

nas análises, são convocados e acionados diversos mecanismos didático-pedagógicos e

midiáticos que vão transformando as concepções de escola e posicionando a Gestão como

redentora de suas ações. Isso corrobora o que Costa (2012) apresenta no prefácio do livro

Mídia impressa para além do bem e do mal: estudos sobre revistas

Uma legião de repórteres, fotógrafos, jornalistas, diagramadores,

especialistas, designers gráficos, ilustradores, consultores, revisores, editores

(e até leitores depoentes!) trabalham em suas páginas para que elas chamem

sua atenção, superem todas as suas resistências e o convençam de que

confiar nelas e seguir seus ditames é o melhor caminho, garantia de

atualidade e sucesso (p.4).

Na Revista analisada a gestão apresenta-se como um produto tão bom que se toda a

escola possuir boa gestão e bons gestores não terá problemas. As estratégias de gestão

disseminadas pela publicação vão salvar a escola, a qualidade das relações, a competência do

professor, a organização estrutural, a aprendizagem dos alunos. Diz-se que “a escola não é

uma empresa”, que “a educação não é produto”, mas a NEGE, através do seu conteúdo,

demostra filiar-se à tendência mercantil contemporânea que acaba transformando tanto a

escola, como a gestão e a educação escolar em empresa e em produto. Assim, imbricadas em

relações de poder-saber, se propagam e fortalecem as discursividades do tempo presente.

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