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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS A HEGEMONIA DOS ESTADOS UNIDOS E O GOLPE DE ESTADO BRASILEIRO EM 1964 TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO Juliano dos Santos Bravo Santa Maria, RS, Brasil 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS

CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

A HEGEMONIA DOS ESTADOS UNIDOS E O GOLPE

DE ESTADO BRASILEIRO EM 1964

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

Juliano dos Santos Bravo

Santa Maria, RS, Brasil

2014

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A HEGEMONIA DOS ESTADOS UNIDOS E O GOLPE

DE ESTADO BRASILEIRO EM 1964

Juliano dos Santos Bravo

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Relações

Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como

requisito parcial para a obtenção do grau de

Bacharel em Relações Internacionais.

Orientadora: Prof.ª Danielle Jacon Ayres Pinto

Santa Maria, RS, Brasil

2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS

CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

A Comissão Organizadora, abaixo assinada, aprova o Trabalho de Conclusão de

Curso

A HEGEMONIA DOS ESTADOS UNIDOS E O GOLPE

DE ESTADO BRASILEIRO EM 1964

Elaborado por

Juliano dos Santos Bravo

como requisito parcial para obtenção de grau de

Bacharel em Relações Internacionais

COMISSÃO EXAMINADORA:

Danielle Jacon Ayres Pinto, Doutoranda.

(Orientadora)

José Renato Ferraz da Silveira, Dr. (UFSM)

Riva Sobrado de Freitas, Dra. (UNOESC)

Santa Maria, 9 de dezembro de 2014

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AGRADECIMENTOS

Agradeço e dedico este trabalho, com amorosa lembrança, aos meus pais Ileane e

João, e meu irmão Éverson, pela bela vida e belo amor que me proporcionam desde o início

da minha existência. Do mesmo modo, a minha cunhada Amanda, meus lindos e amados

sobrinhos João Francisco e Pedro Santiago, assim como, seus avós Margarete e Venor.

Ao inexplicável amor das minhas avós Marcolina e Jurema. Ao meu avô Hori, sua

razão sempre me guiará, sua lembrança sempre me acalmará.

Com grande amor dedico e agradeço, a minha companheira Mariana, pelo carinho e

paixão com que dividimos uma biografia, como, também, pela primeira leitura crítica. Aos

meus queridos sogros Joilda e Evan, pelo carinho e sentimentos sociais e humanos que

compartilhamos.

Não poderia deixar de agradecer aos grandes amigos que conquistei e fui

conquistado, em Santa Maria, durante anos longe de casa. Amigos para as horas mais duras e

as mais alegres. Aos amigos, que na noite mais cinzenta, cá hoje não estão.

Meu muito obrigado a minha orientadora, mestra e querida amiga Danielle Jacon

Ayres Pinto. Teu profissionalismo e senso humano me inspiram! Um grande agradecimento

ao profissional que contribuiu profundamente para o crescimento e reconhecimento do curso

de Relações Internacionais de Santa Maria, professor e coordenador José Renato Ferraz da

Silveira.

Agradeço, com calorosa identificação, ao Partido dos Trabalhadores, a Luiz Inácio

Lula da Silva e a Dilma Vana Rousseff, que jovem lutou pela liberdade democrática e por ela

sofreu consequências. Bem como, pela profunda mudança, avanço e melhora do ensino

superior no Brasil.

Um agradecimento especial a aquelas mulheres e homens que combateram e

batalharam em favor da democracia que hoje desfrutamos, por ela muitos padeceram e

sofreram.

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RESUMO

Trabalho de Conclusão de Curso

Curso de Relações Internacionais

Universidade Federal de Santa Maria

A HEGEMONIA DOS ESTADOS UNIDOS E O GOLPE

DE ESTADO BRASILEIRO EM 1964

AUTOR: JULIANO DOS SANTOS BRAVO

ORIENTADORA: DANIELLE JACON AYRES PINTO

Data e Local da Defesa: Santa Maria, 9 de dezembro de 2014.

A democracia será sempre o bem coletivo mais precioso ao desenvolvimento humano. O

presente estudo visa contribuir, de modo salutar, para a análise do relevante episódio

contemporâneo de ruptura democrática brasileira, no ano de 1964. A partir do escopo das

relações internacionais, compreender o modo pelo qual esse momento pode se concretizar e

sob quais aspectos foi possível a formação de eventos capazes de desestruturar um Estado de

regime democrático. Do mesmo modo, constituir o trabalho de maneira que se depreenda a

multicausalidade empregada, segundo a ordem do sistema internacional formado após a

Segunda Guerra Mundial. Nesse momento histórico que está inserida a América Latina e,

evidentemente, o Brasil. Desnudar o modelo hegemônico empregado pela potência ocidental,

os Estados Unidos da América, na condução da imposição da nova ordem mundial e a

formação de seus quadros estratégicos. Fazendo uso dos princípios teóricos, entender o

padrão paradigmático realista utilizado como meio de hegemonia de poder, bem como tornar

clara a política externa brasileira a partir do fim da Segunda Guerra até a derrocada

democrática em 1964, assim como, nesse ínterim, conceber as relações entre a política externa

dos Estados Unidos e o Brasil. E, igualmente, a aspiração dos anseios golpistas dos

protagonistas civis e militares brasileiros ao longo desse período histórico. Assim, chegar ao

ponto em que efetivamente agiu o Estado norte-americano, através dos seus homens de

Estado, na conspiração objetiva e efetiva para derrubar do poder o presidente João Goulart. A

partir de tais perspectivas, realiza-se, então, uma pesquisa capaz de demonstrar concretamente

tais intenções científicas e pragmáticas, capazes de tal empreendimento.

Palavras-chave: Guerra Fria. Realismo. EUA. América Latina. Brasil. Democracia. Golpe.

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ABSTRACT

Senior Thesis

International Relations Major

Universidade Federal de Santa Maria

THE HEGEMONY THE UNITED STATES AND THE

COUP IN BRAZIL 1964

AUTHOR: JULIANO DOS SANTOS BRAVO

ADVISER: DANIELLE JACON AYRES PINTO

Defense Date and Place: Santa Maria, December 9th,

2014.

Democracy will always be the most valuable asset to the collective human development. This

study aims to contribute to so salutary for the analysis of the relevant episode of Brazilian

contemporary democratic breakdown, in the year 1964. As the scope of international

relations, understand the way in which this moment can happen and under what aspects was

possible formation events that disrupt the rule of democracy. Similarly, constitute the work in

a way which shows the maid multicausality after the order of the international system formed

after the Second World War. In this historical moment that is inserted Latin America and, of

course, Brazil. Lay bare the hegemonic model employed by Western power, the United States

of America, in conducting the imposition of the new world order and the formation of their

strategic frameworks. Making use of the theoretical principles, understand the realist

paradigm pattern used as a means of hegemonic power, as well as make clear the Brazilian

foreign policy since the end of World War II until the democratic overthrow in 1964, and in

the meantime develop relations between the foreign policy of the United States and Brazil.

And also the aspiration of scammers concerns of civil and Brazilians during this historical

period military protagonists. So get to the point that effectively acted the American State,

through its statesmen, in an objective and effective power to overthrow President Joao

Goulart conspiracy. From these perspectives, then it performs a search-able to concretely

demonstrate such scientific and pragmatic, able intentions of such a venture.

Keywords: Cold War. Realism. USA. URSS. Latin America. Brazil. Democracy. Coup.

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“A verdade é filha do tempo e não da autoridade”.

Bertold Brecht

“Muitos me chamarão de aventureiro e o sou, só que de um tipo diferente:

dos que entregam a pele para provar suas verdades”.

Ernesto ‘Che’ Guevara de la Serna

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................9

2 O FIM DA 2ª GUERRA MUNDIAL E O CENÁRIO INTERNACIONAL...................13

2.1 Os esforços para uma nova ordem mundial pós-guerra...........................................18

2.1.1 As principais conferências entre os Aliados.......................................................21

2.2 A bipolarização.............................................................................................................25

2.2.1 A América Latina na ordem bipolar...................................................................27

3 A TEORIA REALISTA: MODELO DE HEGEMONIA DOS EUA NA AMÉRICA

LATINA...................................................................................................................................31

3.1 Realismo Clássico.........................................................................................................33

3.1.1 Nicolau Maquiavel................................................................................................33

3.1.1 Thomas Hobbes.....................................................................................................38

3.2 Realismo Moderno.......................................................................................................42

3.2.1 Edward H. Carr e a crítica ao Idealismo............................................................43

3.2.2 Hans J. Morgenthau e os seis princípios do realismo........................................48

4 A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA, AS RELAÇÕES COM OS EUA E O

ANSEIO GOLPISTA..............................................................................................................53

4.1 Eurico Gaspar Dutra (1946-1951)...............................................................................53

4.2 Getúlio Vargas/Café Filho (1951-1956).....................................................................56

4.3 Juscelino Kubitscheck (1956-1961)............................................................................60

4.4 Jânio Quadros/João Goulart (1961-1964).................................................................65

5 WASHINGTON E O GOLPE CIVIL-MILITAR BRASILEIRO..................................73

5.1 30 de julho de 1962.......................................................................................................74

5.2 IPÊS e IBAD.................................................................................................................79

5.3 Vernon A. Walters, Dan Mitrione e Thomas C. Mann.............................................83

5.4 O Plano de Contingência 2-61 e a ruptura democrática brasileira..........................88

6 CONCLUSÃO......................................................................................................................93

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..............................................................................96

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1. INTRODUÇÃO

“Não há cultura humana sem um elemento constitutivo de memória comum”, são as

palavras do historiador italiano Massimo Mastrogregori. A concepção de uma cultura política

democrática enraizada ainda é um desafio, presente mesmo na contemporaneidade, às nações

latino-americanas. Pois, aqui, detemos uma herança história comum parcamente democrática.

Desde o colonialismo europeu, ficando cá suas hastes culturais aristocráticas e,

posteriormente, sujeitos ao poder hegemônico do grande irmão do norte, o que fez-nos

cercear, em certa medida, o desenvolvimento de uma memória e cultura comum democrática

e menos autoritária.

“É a América Latina, a região das veias abertas” (GALEANO, 1978, p.14).

O objetivo do presente trabalho não é, no entanto, apresentar uma análise histórico-

política culpabilística dos agentes externos, “isto não quer dizer que a influência das potências

hegemônicas não tivesse relevância. Teve-a, mas numa estreita combinação com os

acontecimentos locais” (MOREIRA, 2010, p. 8). Os povos, das mais diversas regiões e

culturas desse continente, é que são os protagonistas do desenvolvimento de memória comum,

de cultura, de inspirações, de realizações e, também, de frustrações.

Todavia, a finalidade é desenvolver uma análise conjuntural, através de uma

multiplicidade de fatores políticos, do processo histórico e internacional que envolveu o

continente latino-americano em um período de tempo em que as relações dos Estados Unidos

com esses países se desenvolveram por profunda interação desequilibrada de poder. As

relações norte-americanas1 com a América Latina, sobretudo, com o Brasil, pautará o centro

do estudo. Ademais, por meio dessas relações, procurará elaborar e abranger o modo e a

amplitude pelo qual o país norte-americano agiu para destituir do poder de um país soberano e

até então democrático, um presidente legítimo.

No presente ano de 2014, especificadamente no dia 1º de abril (culturalmente dito

como dia dos tolos ou da mentira), completou 50 anos do golpe civil-militar de 1964 no

Brasil. Esse relevante ano trás a tona, para a compreensão dos valores e conceitos

democráticos, de cidadania e de direitos, um episódio importantíssimo da história nacional,

como, também, para história das relações internacionais e as relações entre o Brasil e os

Estados Unidos.

1 O presente trabalho utilizará a denominação norte-americana(o) como sinônimo de estadunidense ou referente

ao país Estados Unidos da América.

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Abarcar-se-á o entendimento do período histórico pós-Segunda Guerra Mundial e a

formação da bipolaridade internacional entre as duas principais grandes potências vencedoras

do conflito para, então, discernir o enquadramento que foi posto aos países latino-americanos

e o papel do continente dentro desse novo cenário internacional. E, desse modo, elucidar o

modelo hegemônico pelo qual Washington exerceu todo o seu grau de poder dentro da

América Latina, afim de manter o continente sob seus moldes, suas políticas e o seu domínio.

“Dictadura y democracia son parte de la historia de Latinoamérica” (FICO, 2008, p.

11)2, representa sinteticamente a história do continente sob grande parte do século XX. As

disputas nacionais pelo poder, muitas vezes para defender o status quo perpetuadas por

oligarquias ou elites nacionais tementes por perder os privilégios historicamente construídos,

fizeram com que a democracia não se consolidasse profundamente na memória comum das

nações latinas. Não fizeste, ainda, com que se fortalecessem as instituições capazes de

preservar e solidificar regimes democráticos aptos a prosperar sociedades menos desiguais,

favorecendo o desenvolvimento econômico e social coletivamente, visando o bem comum.

Desse modo, e por tal importância, este trabalho pretende desobscurecer a efetiva

participação do governo norte-americano, bem como seus principais atores, no processo de

desestruturação e queda do presidente João Goulart em 1964. Para tanto, pautar-se-á, sem a

evidente pretensão, através do conhecimento das relações internacionais e da nova

estruturação da ordem mundial a partir de 1945, ou o fim da Segunda Guerra Mundial. Assim,

o delineamento do estudo se baseou nas ferramentas teóricas e históricas das relações

internacionais e centrou-se na esfera política dos acontecimentos. Com base nisso, distribuiu-

se o presente trabalho em quatro capítulos:

O primeiro, O fim da Segunda Guerra Mundial e o cenário internacional, tem por

finalidade buscar uma melhor compreensão acerca do papel desempenhado pelo EUA e pela

URSS, bem como pela Inglaterra, na construção de uma nova ordem internacional. Ademais,

objetiva possibilitar o entendimento das consequências da Segunda Guerra Mundial na

geopolítica e na formulação de conceitos nas relações internacionais, superando, assim, o

equilíbrio de poder europeu. A partir do fim do conflito mundial perpetuou-se uma forte

opinião pública, pacifista e antifascista, revelando aspectos de fragilidade da política, da

economia e da sociedade europeia, que culminaram para o declínio do eurocentrismo e no

avanço da bipolaridade mundial, além do papel da América Latina nesse novo cenário

internacional. Configurar-se-á, assim, uma nova ordem política, a qual se caracteriza pela

2 Frase contida na introdução do livro Ditadura e Democracia, sob a organização de Carlos Fico, Marieta de

Morais Ferreira, Maria Paula Araújo e Samantha Viz Quadrat.

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existência de duas potências antagônicas que o processo histórico-político deflagrará no novo

e distinto conflito: a Guerra Fria.

O segundo, O Realismo: modelo de hegemonia dos EUA na América Latina

representa o aporte teórico epistemológico para compreensão das relações internacionais, em

especial, as ações do Estado norte-americano com a América Latina e, de modo geral, com a

nova estruturação da ordem mundial. Por intermédio do modelo teórico realista, o capítulo

buscará, através da compreensão paradigmática de seus principais formuladores clássicos e

contemporâneos do período, entender as particularidades e os conceitos dos quais as ações da

política externa norte-americana estavam orientadas. Assim, busca-se interpretar e

contextualizar com maior precisão as medidas dessa política externa e suas consequências

para a América Latina e, sobretudo, o Brasil.

O terceiro, A política externa brasileira de 1945 a 1964, as relações com os Estados

Unidos e o anseio golpista. Este capítulo tratará, precisamente, sobre o histórico da política

externa brasileira dentro do referido período, a partir das gestões presidenciais que

comandavam o país. Concomitantemente, as relações entre o Brasil e os EUA nesses

dezenove anos antecedentes ao golpe de 1964, aliadas as causas e efeitos produzidos dentro

desse panorama que culmina com o anseio golpista de agentes e personagens, como também

de setores civis e militares nacional. Nesse ínterim, já são demonstradas as ações do governo

norte-americano característicos do período e do modelo de hegemonia assim definidos.

O quarto, Washington e o golpe civil-militar brasileiro, abarca os principais

episódios e protagonistas civis e militares norte-americanos, em atuação direta nos eventos

precedentes e relevantes a queda do presidente João Goulart. Uma profunda conspiração

produzida por estes, juntamente com os setores mais conservadores e reacionários do Brasil,

para sublevar ilegalmente e inconstitucionalmente um regime democrático que simplesmente

demonstrava nacionalismo e pretendia uma maior articulação autônoma para seus interesses

de desenvolvimento nacional. Igualmente, assegurar estes principais atores e acontecimentos

com aporte de documentos oficiais e secretos do governo dos Estados Unidos – que vieram a

público com o passar dos anos –, capazes de elucidar, através destas fontes primárias, a real

participação no golpe de Estado de 1964, que interrompeu por 21 anos a democracia

brasileira.

O trabalho, assim organizado, pretende contribuir com o debate a respeito dos

elementos constituintes necessários para fazer cessar um regime democrático e instaurar uma

ditadura. Sob os princípios e fundamentos das relações internacionais imprimirem uma ótica

internacional dos acontecimentos capazes de derrubar um presidente e, contudo, quais forças

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específicas tomaram forma para perpetuar esse intento. Dada a relevância de conceitos

democráticos e ditatórios/autoritários, ainda existentes no discurso político e na sociedade

brasileira em alguns momentos ou setores, o trabalho também se torna contemporâneo,

auxiliando, em certa medida, no crescimento do senso crítico e democrático brasileiro.

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2. O FIM DA 2ª GUERRA MUNDIAL E O CENÁRIO INTERNACIONAL.

O breve século XX é preponderantemente marcado pelas relações internacionais

entre os Estados, sobretudo, por uma política internacional entre as nações. O cenário

internacional e o sistema internacional, especialmente até o fim década de 1980, é dominado

pela agenda dos interesses de segurança das principais potências. Hedley Bull define sistema

internacional (ou sistema de estados) “quando dois ou mais estados têm suficiente contato

entre si, com suficiente impacto recíproco nas suas decisões, de tal forma que se conduzam,

pelo menos até certo ponto, como partes de um todo” (BULL, 2002 p, 15).

O fim da Segunda Guerra Mundial produz um vácuo geopolítico no continente

europeu, o qual inspira a propensão de atuação da Realpolitik3 em busca da consolidação de

influências e, acima de tudo, do poder real entre as duas superpotências vencedoras, os

Estados Unidos da América e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – salientando o

papel coadjuvante da Inglaterra, vencedora da guerra, porém devastada. Assim, ambos os

Estados produzirão um novo padrão no sistema internacional; “o constante confronto das duas

superpotências que emergiram da Segunda Guerra Mundial na chamada ‘Guerra Fria’”.

(HOBSBAWM, 2008, p. 223).

A Segunda Guerra Mundial enterrou o já superado equilíbrio de poder europeu, do

qual Churchill ainda vai tentar reivindicar como solução para o sistema internacional no pós-

guerra, bem como suplantou em fracasso a ideia Wilsoniana4 da Sociedade das Nações. Logo,

a Liga das Nações pôs em cheque a segurança coletiva, que Roosevelt buscará se inspirar para

gerar a ideia “dos Quatro Guardas”, segundo Kissinger (2012).

Já a frente do comando do estado soviético, Stalin mantém o reflexo da ideologia e

da velha política externa da sua nação – agindo conforme um mestre da Realpolitik irá tentar

3 Realpolitik é um termo bastante usado por Kissinger (2012) para designar as políticas adotadas pelos Estados e

estadistas, em especial por Stalin, nesse período histórico. No entendimento do Dr. em ciências sociais pela

Universidade de Bruxelas (1984) e, diplomata de carreira, Paulo Roberto de Almeida (2008) Realpolitik é “mais

um método do que uma doutrina, completa e acabada. [..] O que ela quer dizer, finalmente? A rigor, trata-se de

um simples cálculo utilitário, baseado nos interesses primários de um país, um Estado, um indivíduo. Ela tende a

considerar os dados do problema e não se deixa guiar por motivações idealistas, generosas ou ‘humanitárias’ de

tal decisão ou ação, mas apenas e exclusivamente pelo retorno esperado de um determinado curso de ação, que

deve corresponder à maior utilidade ou retornos possíveis para o seu proponente ou condutor da ação. Como tal,

ela responde a objetivos estritamente pragmáticos e ‘racionais’, num sentido estrito, de uma determinada

interação humana, social ou estatal.” (ALMEIDA, 2008, p. 2). 4 O termo Wilsoniano é geralmente aplicado nas Relações Internacionais para designar uma ideia e também uma

vertente de teoria de idealismo moderno. A origem refere-se ao presidente norte-americano Thomas Woodrow

Wilson, o qual redigiu uma mensagem contendo os famosos Catorze Pontos, que designa as relações

internacionais de modo idealista e contém “a primeira concretização de uma organização intergovernamental

internacional dedicada à paz idealizada desde Pádua” (SARFATI, 2005, p. 83).

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“tirar proveito da vitória de seu país, ampliando a influência russa na Europa Central”.

(KISSINGER, 2012, p.354).

Ainda sobre o equilíbrio de poder, Martin Wight (2002) o conceitua como:

[...]a concepção do equilíbrio de poder pertence especialmente à política

internacional, e é nesse sentido que tem sido mais explorada. O equilíbrio de poder é

o princípio daquilo que poderia ser chamado de ‘a mecânica da política do poder’

[...] A política do equilíbrio de poder está fundamentada, como disse Hume, ‘no

bom-senso e o raciocínio óbvio’; ela é uma aplicação da lei da autopreservação

(WIGHT, 2002, p. 167_168).

De acordo com Vizentini (2004), os elementos constituintes dos resultados da

Segunda Guerra Mundial são demasiadamente fundamentais para o entendimento e

compreensão do desencadeamento de eventos que culminará no embate da Guerra Fria.

As variáveis opostas entre EUA e URSS – especialmente ideológicas -, mesmo que

no conflito tenham se aliado para derrotar o nazi-fascismo, é o marco inicial de um futuro

onde não se vislumbrará uma paz duradoura, entretanto, não se deseja uma terceira guerra

mundial. Característica peculiar no novo cenário internacional. Ademais “A URSS

desempenhara um papel decisivo na derrota da Alemanha nazista e gozava de imenso

prestígio diplomático e militar” (VIZENTINI, 2004, p. 66). Dessa maneira o estado soviético

não poupará esforços em praticar a tradicional política externa realista em busca de seus

interesses, os quais também regeram a política externa estadunidense. Assim, sob a égide dos

EUA, o capitalismo marca seu triunfo.

No plano político-ideológico, a derrota do nazi-fascismo significou um violento

revés da extrema-direita, do racismo, da barbárie, do obscurantismo, do militarismo,

do genocídio, da reação mais torpe e de seus valores opressivos, representando, por

contraposição, a afirmação da democracia, das liberdades individuais, sociais e

nacionais, bem como um enorme prestígio para o socialismo (VIZENTINI, 2004, p

68).

A aliança mundial contra o terror nazifascista durou exatamente o tempo necessário

para detê-lo. A natureza ideológica divergente das duas potências vencedoras da 2ª G.M. é o

conceito chave na essência da Guerra Fria. A germinação da luta ideológica estava

florescendo, ainda que ambos os Estados percebessem o poder oposto de cada um, e, segundo

HOBSBAWM (2008), ao contrário da retórica beligerante da Guerra Fria “trabalhavam com

base na suposição de que a coexistência pacífica entre elas era possível no longo prazo”

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(HOBSBAWM, 2008, p. 225). A convivência pacífica nos Estados que sofreriam as

influências de EUA e URSS era ainda menos concreta.

A partir do momento que estava posto os países vencedores da guerra, esses atores

internacionais começaram a lançar mão de suas novas políticas externas, na busca da sua

consolidação de sua posição de hegemonia, legitimidade e o papel a atuar no novo cenário.

Desse modo, era evidente a situação de certa superioridade dos EUA, pois praticamente não

sentira a devastação material em seu território, e saiu com a economia intacta e pujante. O

nascer de uma nova ordem internacional estava eclodindo.

Apesar da 2ª G. M. ter vencedores, os EUA apresentava uma realidade de hegemonia

militar-financeira mundial. O poder militar naval, aéreo e terrestre era absoluto, eis que

detinha vantagens nunca alcançadas por outra potência na história, além de possuir exércitos e

bases militares e navais em todos os continentes; na conferência de Bretton-Woods (1944), na

criação do FMI e do Banco Mundial impõe toda sua superioridade econômica ao mundo

capitalista, observa Vizentini (2004).

Já a URSS via-se em situação mais delicada, mesmo com o prestígio militar e

político de uma vencedora da 2º G. M., e decisiva na derrota de Hitler. Stalin, um mestre da

Realpolitik, entendia perfeitamente a situação da nação e agia com sua principal arma, o

prestígio do Exército Vermelho. E, assim, entendia que a URSS devia manter suas áreas

territoriais conquistadas como pagamento “pelas vitórias soviéticas e pelo sofrimento heroico

do povo russo” (KISSINGER, 2012, p. 382).

A Europa encontrava-se como um campo de guerra, totalmente fragilizada. Somente

a Inglaterra estava com certa posição de vantagem por fazer parte dos países vencedores da

guerra, no entanto, ainda que em situação mais fraca do que Churchill tentava demonstrar e do

que Roosevelt acreditava. Nesse momento, a Europa encontrava-se como nunca antes, pois

perdera o poder do centro da política mundial e o declínio “da diplomacia de equilíbrio de

poder ocorria concomitantemente com a formação de um sistema bipolar, centrado nas

formações capitalistas e socialistas” (VIZENTINI, 2004, p. 68). Enquanto as nações europeias

eram relegadas a papeis coadjuvantes, a URSS e os EUA consolidavam a bipolaridade de um

novo cenário internacional.

A ordem mundial encontrava-se, desta forma, oposta e dividida em seus anseios,

ideologias e políticas. A despeito da total oposição dos sistemas sociais entre as duas

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potências hegemônicas, não ocorreu uma terceira guerra mundial, particularmente entre EUA

e URSS.

Todavia, a realidade na periferia mundial foi outra. A situação em que se encontrava

a Europa não era propícia nem possível de manter suas colônias na Ásia e na África, as quais

ao passar dos anos entraram em luta por independência. Aonde os impérios coloniais iam

sendo derrubados, e muitos insuflados e apoiados de diversas formas por EUA e URSS

(ambas as potências viam nesses territórios futuros aliados e parceiros de seus sistemas

sociais, político e econômico).

O que prejudicou fatalmente os velhos colonialistas foi a prova de que os brancos e

seus Estados podiam ser derrotados, total e vergonhosamente, e que as velhas

potências coloniais encontravam-se fracas demais, mesmo após uma guerra

vitoriosa, para restaurar suas antigas posições (HOBSBAWM, 2008, p. 214).

Assim, “foi nessa área que as duas superpotências continuaram a competir, por apoio

e influência durante toda a Guerra Fria, e por isso a maior zona de atrito entre elas, aquela

onde o conflito armado era mais provável, e onde de fato irrompeu” (HOBSBAWM, 2008, p.

225).

À vista disso, os EUA reservaram um papel especial para a América Latina, pois,

desde a Doutrina Monroe5 a margem de manobra autônoma das políticas nacionais dos

Estados da América Latina era historicamente restrita, visto que esse continente sofria

fortemente com uma política externa caudatária de Washington. Os EUA não observam a AL

com relevância no cenário internacional para uma política externa específica aos diversos

países e, assim, buscam uma forma de manter os países da região sob forte influência de

modo geral, sem, contudo, necessitar uma atenção e política exclusiva.

E de acordo com Vizentini (1997):

O problema, para os Estados Unidos, é que existiam fortes tendências nacionalistas

nos grandes países da região, geralmente associadas a projetos autônomos de

desenvolvimento, como no Brasil de Vargas [e de João Goulart6], no México e na

Argentina de Perón, estando esta última ainda fortemente vinculada à Europa. [...]

5 “Em 2 de dezembro de 1823, o presidente dos Estados Unidos, James Monroe, em mensagem ao Congresso

norte-americano, avisava que o país consideraria uma ameaça para a sua paz e segurança qualquer tentativa, por

parte das potências europeias, de tentar impor o princípio de legitimidade do sistema de Viena a qualquer parte

das Américas – era uma manifestação política de peso, considerando que o governo de Washington declarava-se

previamente hostil a qualquer tentativa de restauração” Antônio Carlos Lessa, 2008, p. 79. 6 Grifo nosso.

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Com o fim do suposto ‘perigo nazista-alemão’, introduziu-se na mídia e na vida

política um discurso maniqueísta que ressaltava a configuração de uma ainda maior

‘ameaça comunista-soviética’, como forma de forjar uma nova legitimidade para o

alinhamento do continente em torno do ‘protetor norte-americano’. (VIZENTINI,

1997, p. 9_10).

A Guerra Fria se desenhava por todos os continentes de uma forma ou de outra,

adentrando sem escrúpulos ou valores morais filosóficos nas entranhas das nações, mesmo as

mais fechadas ou, ainda, na busca por autonomia, inevitavelmente, iriam sentir suas

consequências. De certa forma, a Terceira Guerra Mundial era uma realidade cada vez mais

presente, mesmo que não fosse à configuração clássica beligerante de guerra. “Como

observou o grande filósofo Thomas Hobbes, ‘a guerra consiste não só na batalha, ou no ato de

lutar: mas num período de tempo em que a vontade de disputar pela batalha é suficientemente

conhecida’” (HOBSBAWM, 2008, p. 224).

A trajetória incomum de uma guerra sem batalha entre as principais nações

envolvidas salienta inúmeros debates a cerca das políticas externas e de segurança que eram

adotadas. Desse modo, “a Guerra Fria oferece uma perspectiva exclusiva sobre as relações

internacionais e esclarece a dinâmica de duas escolhas de política externa que foram feitas: a

escolha de intimidar e a escolha de conter” (NYE, 2009, p. 142).

O conceito de intimidar na política internacional foi aplicado pelos

reinos/impérios/nações ao longo da história, quais sejam, formação de numerosos exércitos,

com diferentes táticas e estratégias de guerra intimidadoras, ameaças formais e informais,

bem como, ardilosas alianças fomentadoras de intimidação, por exemplo. Os anos que

sucederam a 2º G. M. não foram distintos, a intimidação foi utilizada como

desencorajamento, especialmente com o advento das armas nucleares. De acordo com Nye,

um dos aspectos da Guerra Fria era o método de tentar desequilibrar a margem de poder da

potência rival através da intimidação de grandes arsenais nucleares, até mesmo com discursos

apocalípticos.

O conceito de intimidação estava ligado à política de contenção. Durante a Guerra

Fria, a contenção referia-se a uma política americana específica de conter o

comunismo soviético assim como de promover uma ordem mundial liberal do ponto

de vista econômico e político (NYE, 2009, p. 142).

A política de contenção, como a intimidação, não surgiu durante a Guerra Fria,

“ainda que o termo tenha surgido” (NYE, 2009, p. 142). Assim, como a intimidação, pode-se

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verificar através da história as inúmeras vezes que a política de contenção foi aplicada por

nações/impérios/reinos em defesa de seus interesses, de modos distintos, como com poder

militar, econômico, cultural. “Durante a Guerra Fria, os Estados Unidos oscilaram entre uma

política expansiva de conter o comunismo e uma política mais limitada de conter a União

Soviética” (NYE, 2009, p. 143).

2.1 Os esforços para uma nova ordem mundial no pós-guerra de 1945

Os Estados Unidos, a Inglaterra e a União Soviética foram os grandes vencedores da

Segunda Guerra Mundial. A partir de então desejavam preencher um espaço de atuação no

novo cenário internacional que estava se formando e, portanto, legitimar a sua margem de

poder no sistema internacional conseguindo impor aos seus moldes de política externa a

lacuna deixada pelos derrotados, principalmente da Alemanha.

Cada vencedor atuou nos termos da experiência histórica de sua nação. Churchill

desejava reconstruir o tradicional equilíbrio de poder na Europa. Isso queria dizer a

reconstrução da Inglaterra, da França e mesmo da Alemanha derrotada para,

juntamente com os Estados Unidos, contrabalançarem o colosso soviético do leste.

Roosevelt visualizou uma ordem de pós-guerra que os três vencedores, mais a

China, seriam o conselho de administração do mundo, mantendo a paz contra

qualquer vilão em potencial, que ele acreditava ser a Alemanha – visão que se

chamou “dos Quatro Guardas”. A abordagem de Stalin refletiu sua ideologia

comunista, mas também a velha política externa russa. Quis tirar proveito da vitória

de seu país, ampliando a influência russa na Europa Central. Sua intenção era fazer,

dos países conquistados pelos exércitos soviéticos, zonas de proteção da Rússia

contra uma futura agressão alemã (KISSINGER, 2012, p. 353_354).

Os princípios Wilsonianos ainda não estavam totalmente superados, no entendimento

de Roosevelt. O presidente norte-americano não vislumbrava futuro e nem interesse em

restaurar o equilíbrio de poder europeu, pois para manter a paz, no pós-guerra, era necessário

“um sistema de segurança coletiva dos aliados do período da guerra, em concerto, sustentado

pela vigilância e a boa-fé mútuas” (KISSINGER, 2012, p. 354).

Nesse sentido, Roosevelt não pretendia apoio militar ou econômico à Europa logo

após a guerra, eis que assim que o conflito chegasse ao fim traria seu exército para casa.

Também desejava que os interesses europeus, militares e econômicos, fossem sanados pela

Inglaterra. Estava se dirigindo contrariamente aos interesses de Churchill, pois este detinha

total conhecimento da realidade restrita do poder inglês de defender a Europa e ainda

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restaurá-la economicamente, mesmo que, sagazmente, Churchill tenha auferido uma ilusão ao

status de grande potência da Inglaterra.

A grande aspiração para o sistema internacional da busca de valores universais, como

a paz, por exemplo, era a busca incessante através da segurança coletiva como objetivo perene

para uma nova ordem mundial vindoura e duradoura, no desejo wilsoniano de Roosevelt, o

intuito era de alcança-la através de uma aliança dos vencedores, preservando alguns conceitos

e superando os erros da Liga das Nações, apresentando, assim, a essência dos Quatro

Guardiões.

De encontro aos ideais pretendidos pelo presidente estadunidense estava uma nação

ideologicamente contrária aos EUA e, histórica e culturalmente realista. Stalin preconizava

uma política externa rigorosamente “as da Realpolitik do Velho Mundo” (KISSINGER, 2012,

p. 356). Isso porque após a ameaça da Alemanha nazista ser extinta, a URSS pretendia buscar

seus interesses ideológicos e políticos, ainda que implicasse contrapor seus antigos aliados, de

acordo com Kissinger (2012).

Entretanto, no entendimento de Hobsbawm (2008) as declarações públicas e

insinuações insufladas na população pelo poder público era uma dissonância com a realidade

soviética e, até mesmo, um discurso leviano e o princípio da guerra ideológica. Assim,

exemplifica o discurso ocidental sobre a URSS como um “cenário de pesadelo da

superpotência moscovita pronta para a conquista imediata do globo, e dirigindo uma

‘conspiração comunista mundial’ ateia sempre disposta a derrubar os reinos da liberdade”

(HOBSBAWM, 2008, p. 229).

Os mesmos meios de influência, discursos de terror, métodos de dualismo entre

liberdade/democracia (aos moldes norte-americanos) e autoritarismo/terror soviético do

comunismo foram empregados em praticamente toda a América Latina. Os governos que não

representassem os interesses liberais do mundo capitalista americano e aspirassem uma

tentativa de desenvolvimento autônomo eram automaticamente socialistas, comunistas e

contrários ao mundo livre.

O expansionismo de Stalin estava restrito aos territórios firmados nas conferências de

cúpula entre 1943-1945. O Exército Vermelho, sua maior arma militar e honrada vantagem,

estava sendo desmobilizada tanto quanto ao exército americano até o fim de 1948, segundo

Hobsbawm (2008).

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Em qualquer avaliação racional, a URSS não apresentava perigo imediato para quem

estivesse fora do alcance das forças de ocupação do Exército Vermelho. Saíra da

guerra em ruínas, exaurida e exausta, com a economia de tempo paz em frangalhos,

com o governo desconfiado de uma população que, em grande parte fora da Grande

Rússia, mostrara uma nítida e compreensível falta de compromisso com o regime.

[...] Precisava de toda a ajuda que conseguisse obter e, portanto, não tinha interesse

em antagonizar a única potência que podia dá-la, os EUA (HOBSBAWM, 2008, p.

230).

Como o pensamento conjuntural de Stalin era comunista, preconizando uma linha de

evolução do capitalismo na direção ao comunismo, inevitavelmente determinista e rígido,

estava convicto de que mais cedo ou mais tarde o capitalismo chegaria ao fim e se

transformaria no comunismo e, desse modo, a coexistência não seria permanente. Como de

fato não foi. Apesar disso, o entendimento soviético era claro, conforme Hobsbawm (2008),

de que se encontrava em desvantagem de posição com os EUA.

A Inglaterra que, após a queda francesa em 1940, enfrentou sozinha o Eixo por um

longo período e encontrava-se totalmente restrita ao pensamento de sobrevivência e de luta,

travava um devastador embate contra Hitler, no qual os anseios de vitória estavam mais

próximos do Terceiro Reich. Somente após a entrada dos EUA na guerra, Churchill pôde

reascender as esperanças de vitória e, sobretudo, de poder pensar não mais na mera

sobrevivência, mas no futuro do pós-guerra.

A intenção de restaurar o equilíbrio de poder europeu, objetivo tradicional inglês,

afastava-se cada vez mais no decorrer da guerra. Churchill compreendia, de certo modo, que a

Europa estava em declínio e provavelmente não conseguiria manter uma ordem mundial

centralizada no seu continente, à medida que os EUA e a URSS avançavam em conquistas e

poder real. Assim estava o pensamento da diplomacia inglesa, entre dois gigantes e uma

mínima margem de manobra, pois de um lado “a defesa de Roosevelt da autodeterminação

mundial punha em perigo o Império Britânico [de outro]7 o propósito de Stalin projetar a

União Soviética para o centro da Europa ameaçava a segurança inglesa” (KISSINGER, 2012,

p. 358).

Churchill compreendia como ninguém a realidade que se passava no seu país, mesmo

mantendo uma posição segura de si sobre a nação inglesa e, no seu entendimento, necessitava

de uma política que se aproximasse de Washington – visto que olhava para Moscou com

7 Grifo nosso.

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receio. Ademais, após a batalha de Stalingrado a URSS demonstrou o desejo de manter as

conquistas territoriais do Exército Vermelho. Já Roosevelt mantinha uma relação dual com a

Inglaterra – próximos para deter Hitler e distantes nas intenções da ordem do pós-guerra.

Salienta-se que, na linha de pensamento de Roosevelt, o comprometimento do

presidente em não debater o sistema internacional pós-guerra, ainda durante o conflito, foi

favorável aos EUA para conter o equilíbrio de poder, por exemplo.

Em todas as questões para as quais a premissa wilsoniana de uma harmonia

fundamental era relevante, Roosevelt teve o papel principal na estruturação do

mundo. Sob sua égide, uma série de conferências internacionais esboçara os projetos

dos componentes cooperativos da ordem mundial do pós-guerra: para o que se

tornou a Organizações das Nações Unidas (ONU) – em Dumbarton Oaks, para as

finanças mundiais – em Bretton Woods, para alimentação e agricultura – em Hot

Springs, para amparo e reabilitação – em Washington, e para aviação civil – em

Chicago (KISSINGER, 2012, p. 362).

2.1.1 As principais conferências entre os Aliados

Os três grandes chefes de estado e seus ministros de relações exteriores estavam

intensamente envolvidos em debater o futuro da guerra e, posteriormente, reorganizar o

sistema internacional. Por conseguinte, inúmeros encontros e conferências ocorreram entre

1943 e 1945, dentre elas as de Dumbarton Oaks, São Francisco, Teerã, Moscou, Yalta e

Potsdam, consideradas as mais importantes.

Em outubro, de 1943, os ministros do Reino Unido, Anthony Eden; do EUA, Cordel

Hull; da China, Foo Ping-sheung; e da União Soviética, Vyacheslav Molotov reuniram-se em

Moscou para discutir uma possível participação da URSS na guerra contra o Japão e o grande

tema sobre segurança coletiva. Nesse momento começa a se debater a criação de uma

organização supranacional, que viria a ser a Organizações das Nações Unidas (ONU).

Em Teerã, no final de novembro e início de dezembro de 1943, foi a oportunidade do

primeiro dos três encontros entre Churchill, Roosevelt e Stalin. A Conferência de Teerã foi

marcada pela discussão sobre as fronteiras soviéticas na Polônia e pela anexação da Estônio,

Letônia e Lituânia, assim como os detalhes do desembarque na França e a ofensiva da URSS

à Alemanha. Oito meses depois, em agosto de 1944, ocorreu a Conferência de Dumbarton

Oaks, nos Estados Unidos. Nesse encontro, as discussões ficaram centradas no formato no

qual seria a ONU, inclusive a criação de um Conselho de Segurança.

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Em fevereiro de 1945, em Yalta na Criméia, ocorre uma das principais conferências

e, para a América Latina e para os países periféricos, de consequências mais significativas.

Nessa ocasião foi referendado por Stalin, Roosevelt e Churchill “a fixação da fronteira

soviético-polonesa na Linha Curzon e a entrega, à Polônia, de territórios alemães [...] como

reparação pela destruição perpetrada pelos nazistas nesse país” (VIZENTINI, 2004, p. 69).

Decidiu-se ainda a formação de governos de coalizão na Polônia e na Iugoslávia.

Foi também acertado que a Alemanha não seria partilhada, mesmo que a curto prazo

fosse dividida em zonas de ocupação [...] Os EUA obtiveram da URSS o

compromisso de entrar na guerra contra o Japão [...] A decisão de manter a Grande

Aliança até a derrota completa do Eixo fez Yalta o ápice da colaboração entre EUA

e URSS, estabelecendo áreas de influência entre ambos em algumas regiões – e não

a “partilha do mundo” (VIZENTINI, 2004, p. 70).

O grande ponto alto de colaboração entre os EUA e a URSS demonstrou,

empiricamente, o declínio inglês como grande protagonista e potência mundial do cenário

internacional. O grande resultado alcançado durante a conferência não foi satisfatório para a

direita autoritária que, por intermédio de seus acadêmicos e intelectuais, culpavam Roosevelt

como um velho e doente que fora fraco nas negociações. E, assim, possibilitando a presença

da URSS na Europa Oriental e no Extremo Oriente.

Contudo, a influência exercida pela União Soviética nos territórios centro-orientais

da Europa, em contrapartida ao resto do mundo capitalista, sob influência dos norte-

americanos, evidencia um exagero intencional da expressão partilha do mundo ou, uma

hipérbole.

O impacto gerado por Yalta nos países que viriam a ser chamados de Terceiro

Mundo consiste na consequência implícita de que estes países deveriam ser somente zonas de

influência, subserviente a potência hegemônica. Como a América Latina está na zona de

influência dos EUA, é a esta nação que nossos interesses estariam atrelados.

Sob o signo de Yalta, foi condicionado o conteúdo da Doutrina Monroe, com a

criação de organizações internacionais especificadamente destinadas a enquadrar o

continente à Pax Americana, o [...] (TIAR, ou Pacto do Rio de Janeiro), um

instrumento militar criado em 1947, destinado à ajuda mútua em caso de “ameaça

externa” [...] a OEA, criada em 1948 como organização política [...] A Escola

Superior de Guerra, dentro de cada país, e a Escola do Panamá, criadas na mesma

época, com suas teorias geopolíticas, com a assistência militar e o apoio a golpes de

Estado e regimes ditatoriais, completam o quadro dos novos instrumentos de poder

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dos Estados Unidos sobre o subcontinente. Entre outros aspectos, Yalta significava

para a América Latina um tratamento diferente do que os EUA concediam à Europa,

onde este país defendia a democracia e o “mundo livre” (VIZENTINI, 1997, p. 10).

No entendimento de Kissinger (2012), as estratégias de Churchill, Stalin e Roosevelt,

durante a Conferência de Yalta, centravam em seus próprios interesses. O inglês “desejava

discutir os arranjos políticos do pós-guerra, mas foi vencido por seus dois colegas”

(KISSINGER, 2012, p. 371), o que evidenciou a limitada força inglesa, apesar de seus

esforços, pois Stalin e Roosevelt não deram prosseguimento aos desejos da coroa.

Em contrapartida, o presidente norte-americano estava concentrando seu empenho

nas matérias referentes a segurança coletiva, a ONU, especialmente sobre os processos de

votação – logo, um dos pontos que fracassara o desempenho da Liga das Nações. Igualmente,

visava “acertar a participação soviética na guerra contra o Japão” (KISSINGER, 2012, p.

371). A estratégia do general soviético era gastar o máximo de tempo possível nessas pautas a

fim de não entrar no mérito da Europa Oriental, possuindo um interesse honesto na guerra

contra o Japão no intuito de “partilhar também das vantagens dessa vitória” (KISSINGER,

2012, p. 372).

Roosevelt voltou para os EUA celebrando a Conferência de Yalta e, em discurso ao

congresso norte-americano, destacou mais um vez o princípio da segurança coletiva pautada

em uma organização supranacional em defesa da paz, qual seja, a ONU. Declarou Roosevelt

sobre a conferência,

[...] deve marcar o fim do sistema de ação unilateral, das alianças exclusivas, das

esferas de influência, dos equilíbrios de poder e de todos os outros mecanismos que

têm sido tentados durante séculos – e sempre falharam. Propomos, em lugar deles,

uma organização universal onde todas as nações amantes da paz finalmente terão a

chance de estar. Estou certo de que o congresso e o povo americano receberão os

resultados desta conferência como o início de uma estrutura permanente de paz.

Trecho do discurso de Roosevelt ao congresso, (KISSINGER, 2012, p. 373).

O próximo encontro dos chefes de estados aconteceria sem a presença de Roosevelt,

pois o presidente norte-americano falecera em abril de 1945, chegando a presidência,

portanto, Harry Truman. Este assume empenhado em dar continuidade ao legado do ex-

presidente, contudo, no final do seu primeiro mandato já não há a harmonia do período da

guerra.

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Entre 17 de julho e 2 de agosto de 1945 ocorreu a Conferência de Potsdam, em

Berlim, que formalmente representou a ratificação das decisões de Yalta. Entretanto, o

ambiente começava a se tornar menos amistoso, tendo em vista que Truman assumia uma

posição mais rígida em relação a URSS, além de marcar o episódio que Truman informa a

Stalin, oficialmente, da existência e posse da Bomba A, a qual foi lançada no Japão poucos

dias depois do encontro e, desse modo, produziria a nova corrida armamentista e um novo

capítulo e aspecto relevante da Guerra Fria.

Joseph Nye (2009) entende que;

Atualmente, a maioria dos historiadores concorda que Truman lançou a bomba sobre

Hiroshima e Nagasaki basicamente para apresar o fim da guerra com o Japão, não

para intimidar a União Soviética, conforme alguns revisionistas8 alegaram. No

entanto, ele esperava que a bomba tivesse algumas consequências políticas. [...] Em

1946, quando os Estados Unidos apresentaram o Plano Baruch para o controle das

armas nucleares pela ONU, Stálin rejeitou-o porque queria fabricar a própria bomba.

No entender dele, uma bomba sob controle internacional ainda seria uma bomba

americana, pois apenas os americanos sabiam como fabricá-la. (NYE, 2009, p.

149_150).

Todavia, no entendimento de Vizentini (2004), a presidência de Truman e a entrada

em cena da Bomba A mudou os rumos da política internacional entre as grandes potências,

afirmando que:

As bombas atômicas lançadas sobre um Japão à beira da rendição eram militarmente

desnecessárias. Foram, na verdade, uma demonstração de força diante dos soviéticos

e dos movimentos de libertação nacional que amadureciam na China, na Coréia e

nos países do sudeste asiático, bem como uma intimidação à esquerda europeia e à

agitação no mundo colonial (VIZENTINI, 2004, p. 71).

A Segunda Guerra Mundial chegou ao seu fim com consequências humanas nunca

antes conhecidas, sem qualquer acordo de paz, com um vácuo geopolítico e o fim do

equilíbrio de poder e, sobretudo, um avanço para a bipolaridade mundial, a qual dividiu o

mundo ideologicamente.

8 O termo revisionistas refere-se a uma escola de teoria sobre os pontos de vista de causas da Guerra Fria. Como

descreve Nye (2009), “Os revisionistas, que começaram a se pronunciar basicamente na década de 1960 e no

início da década de 1970, acreditam que a Guerra Fria tenha sido causada pelo expansionismo americano e não

pelo soviético. Suas evidências são de que, no fim da Segunda Guerra Mundial, o mundo não era realmente

bipolar – os soviéticos eram muito mais fracos do que os Estados Unidos, que se fortaleceram com a guerra e

tinham armas nucleares, ao passo que os soviéticos não tinham” (NYE, 2009, p. 143). O grande nome do

revisionismo é Williams Appleman Williams, e sua obra The Tragedy of American Diplomacy.

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2.2 A bipolarização

O fim da guerra gerou um vácuo geopolítico, pois os vencedores encontravam-se em

território europeu sem um líder europeu. Apesar dos esforços de Churchill, a Inglaterra não

seria capaz de manter a segurança e reerguer a economia do continente. Os acordos de Yalta

começam a se deteriorar e a política de Truman demonstra desinteresse em mantê-los. Sem

experiência em política externa, Henry Truman já demonstra como serão as relações com a

URSS, “no dia da rendição alemã o governo americano interrompeu sem comunicação prévia

a ajuda fornecida [...] à URSS” (VIZENTINI, 2004, p. 71).

Os EUA, presidido por um senhor oriundo do meio oeste norte americano e que

nunca chegará à universidade, representava o velho e tradicional conservadorismo

republicano. Já com o seu antecessor, “toda a vida de Roosevelt fora uma preparação para o

cargo mais alto; Truman era produto da máquina política de Kansas City” (KISSINGER,

2012, p. 382).

O cenário internacional dava cada vez mais sinais de fragmentação, visto que

acordos, tratados, assistência e, até mesmo, comunicação estavam sendo rompidos. Salienta-

se, ainda, que mesmo antes do fim da guerra ocorriam fatos de profunda dissonância entre

URSS e o ocidente, como os episódios:

General Groves, responsável pelo projeto Manhattan (produção da Bomba A),

afirmara em 1942 – em plena vigência da aliança EUA-URSS – que essa seria uma

importante arma contra a União Soviética! No mesmo ano, Churchill elaborou seu

Memorandum Secreto, no qual afirmava que, assim que o Eixo deixasse de

constituir uma ameaça, os aliados anglo-saxões deveriam recordar que a URSS era o

“verdadeiro inimigo”. (VIZENTINI, 2004, p. 71).

Os desentendimentos e acirramentos políticos prosseguiam em território europeu,

vez que havia países do Mediterrâneo Oriental e do Oriente Médio que eram influenciados

pelos britânicos antes da Segunda Guerra Mundial, sendo que após a guerra a União Soviética

tentou ocupar essa posição geopolítica.

Primeiro, os soviéticos recusaram-se a retirar suas tropas do Irã em março de 1946.

Os Estados Unidos apoiaram o Irã em um debate na ONU. Os soviéticos finalmente

recuaram [..] A União Soviética também começou a pressionar a Turquia, país com

quem fazia fronteira no sul, ao mesmo tempo em que os comunistas pareciam estar

ganhando a guerra civil na Grécia (NYE, 2009, p. 150).

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Após se retirarem do Irã, os soviéticos viram os EUA aí se instalarem. Nesse

momento, a guerra geopolítica estava posta. Ambas as potências passaram a entender, após o

ocorrido no Irã, que “qualquer recuo em sua área de influência representaria a presença de um

inimigo potencial em suas fronteiras” (VIZENTINI, 2004, p. 72). No oriente se afirmava que

os norte-americanos, através da política externa ofensiva de Truman, davam passos em

direção ao conflito; no ocidente se afirmava que os soviéticos eram expansionistas e os países

defensores do mundo livre deviam se prevenir do perigo vermelho.

O sentimento e política antissoviéticos começaram oficialmente no ano de 1946,

quando Churchill discursa em uma Universidade do interior dos EUA, ao lado de Truman.

De acordo com Vizentini (2004), invocando a famosa frase “cortina de ferro”, para designar o

que ocorria na metade oriental da Europa.

O pós-guerra evidenciou o caráter frágil da política e da economia europeia e, nesse

ínterim, os EUA não esboçaram qualquer dúvida em questionar a força inglesa na proteção

dos países europeus. A tensão europeia, aliada ao fato de que a maioria do Congresso norte-

americano era republicana, conduziu Truman a uma política externa mais dura.

Posteriormente, em março de 1947 proclama a Doutrina Truman, através de um discurso

calcado no moralismo e na ideologia da proteção dos povos livres em qualquer território.

Assim, quando explicou a mudança política, Truman não falou sobre a necessidade

de manter um equilíbrio de poder no Mediterrâneo Oriental oferecendo ajuda à

Grécia e a Turquia. Em vez disso, ele falou sobre a necessidade de proteger os povos

livres em toda parte. Essa explicação moralista, ideológica, para o povo americano

tornou-se conhecida como a Doutrina Truman (NYE, 2009, p. 152).

A parte ocidental e central da Europa virou um campo de guerra anticomunista,

influenciados e apoiados pelos EUA e setores conservadores da sociedade como um todo.

Como demonstra Hobsbawm (2008):

A base política dos governos ocidentais da Guerra Fria ia da esquerda

socialdemocrata de antes da guerra à direita não nacionalista moderada também

anterior à guerra. Aí os partidos ligados a Igreja Católica se mostravam úteis, pois as

credenciais anticomunistas e conservadoras da Igreja não ficavam atrás de mais

ninguém [...] Esses partidos desempenharam, assim, um papel central na política

ocidental após 1945, temporariamente na França, mais permanentemente na

Alemanha, Itália, Bélgica e Áustria (HOBSBAWM, 2008, p. 236).

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Poucos meses após a declaração da nova política externa norte-americana ou da nova

doutrina, veio seu complemento, qual seja, a nova política econômica. Em junho de 1947, o

secretário de Estado George Marshall anunciou o plano de auxílio econômico para os países

europeus, o Plano Marshall.

Joseph Nye (2009) ressalta que:

A proposta inicial do Plano Marshall convidava a União Soviética e os europeus

orientais a participar se quisessem, mas Stálin exerceu uma pressão intensa sobre os

europeus orientais para que não o fizessem. Stálin considerava o Plano Marshall não

como uma generosidade americana, mas como um aríete para destruir sua barreira

de segurança na Europa Oriental (NYE, 2009. p. 152).

A Doutrina Truman já expunha uma acirrada corrida e defesa política de influência

no território europeu em prol dos partidos que demonstrassem maior aliança aos interesses

norte-americanos. Ainda que o cenário político interno na Europa era notavelmente

capitalista, pouco identificado com o socialismo e avesso a ideia de ser dominado por uma

nação oriental ou centro-oriental, os EUA viram uma oportunidade de impor a pax

americana9. Desse modo, o Plano Marshall complementou a defesa de seus interesses e expôs

a sua hegemonia mundial, lançando as bases para a formação da bipolaridade mundial e o

nascimento de blocos políticos e militares.

O mundo acabará de sair de uma guerra mundial terrível e ainda existia uma forte

opinião pública pacifista e antifascista, marcada pelo vigor do sentimento de Yalta. Assim, era

preciso fazer com que o foco da opinião fosse dirigido para outro aspecto, insuflando outro

sentimento.

Era preciso lançar mão de poderosos mitos e imagens que desarticulassem essa

corrente e condicionassem a população a uma visão maniqueísta. A “ameaça

soviética” e a “defesa do mundo livre” constituíram esses mitos mobilizadores e

legitimadores da nascente Guerra Fria (VIZENTINI, 2004, p. 74).

Nesse sentido, o engajado crítico de mídia norte-americano e erudito linguista Noam

Chomsky (2013), elenca inúmeros acontecimentos históricos que marcam o poder de

manipulação da opinião pública em defesa dos interesses do Estado. A criação de slogans

como a “ameaça soviética” e o “defesa do mundo livre” possui objetivo claro e “sua

importância decisiva é que ele desvia a atenção de uma questão que, esta sim, significa algo: 9 Segundo Vizentini (2004, p. 68), “A situação hegemônica dos EUA em âmbito mundial permitiu-lhes

estruturar uma nova ordem internacional quase inteiramente a seu molde – a Pax Americana”.

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‘Você apoia nossa política?’ Sobre ela ninguém quer saber sua opinião” (CHOMSKY, 2013,

p. 26).

Já os partidos comunistas que estavam no poder na Europa Oriental, na URSS, bem

como na França e na Itália, criaram o Kominform, uma agência de informações comunistas,

que visava à coordenação das ações, internacionalmente, entre os partidos comunistas na

Europa. A bipolarização não poderia mais ser cessada, a ordem mundial não seria mais a

mesma. Da mesma forma que o ocidente, a URSS criou:

o Conselho de Ajuda Mútua Econômica (CAME ou COMECON), integrando os

planos de desenvolvimento e lançando as bases de um mercado comum dos países

socialistas, em uma clara resposta ao Plano Marshall (VIZENTINI, 2004, p. 78).

Para consumar a bipolaridade do cenário internacional, após a política e a economia,

irrompeu uma nova ordem militar e de segurança. Em 1949, origina-se a Organização do

Tratado do Atlântico Norte (OTAN), uma aliança militar antissoviética. A organização firmou

em definitivo o laço entre as nações ocidentais do atlântico norte, em defesa do mundo livre

contra a ameaça soviética, sediado em Bruxelas e com um núcleo na unidade franco-

germânico. “A política da aliança contra a URSS era dos EUA, e também seus planos

militares.” (HOBSBAWM, 2008, p. 238). “A divisão da Europa agora era completa.”

(VIZENTINI, 2004, p. 78).

2.2.1 A América Latina na ordem bipolar

Os países da América Latina estiveram ao lado dos Aliados durante o conflito e, após

a Segunda Guerra, na nova ordem mundial, tentavam a inserção internacional sem serem

enquadrados em uma estratégia global das duas potências bipolares: EUA e URSS.

No entanto, no mesmo ano em que os estadunidenses anunciavam o Plano Marshall,

plano de ajuda econômica para a Europa,

a América Latina cedia, durante a Conferência Interamericana para a Manutenção da

Paz e da Segurança no Continente, realizado em Petrópolis, o Tratado

Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar)10

, possibilitando o passo inicial do

sistema norte-americano de alianças do pós-guerra para contenção do comunismo

(CERVO, 2007, p. 79).

10

O Tiar é “um instrumento militar criado em 1947, destinado à ajuda mútua em caso de “ameaça externa” a

qualquer país do continente”. Vizentini, O Sistema de Yalta como condicionante da política internacional do

Brasil e dos países do Terceiro Mundo.

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Por conseguinte, os EUA puderam moldar um continente a sua estratégia global,

especialmente, no que tange as vantagens de manter um consentimento dos governos sul-

americanos alinhados aos próprios interesses norte-americanos, no entendimento de Cervo

(2007). Dessa maneira, a possibilidade de uniformizar o pensamento, enquadrar a política e a

economia a uma região tão vasta, sem precisar denotar atenção particular a cada país, era de

extrema relevância na política externa dos EUA para a América Latina, no período logo após

a Segunda Guerra Mundial.

Após o Tiar, inúmeros países romperam relações com a União Soviética, sendo que

no mesmo ano da assinatura do tratado, o Brasil já rompia as relações diplomáticas com os

soviéticos. O governo Dutra (1946-1951) exerceu uma política conservadora e de alinhamento

automático aos EUA, fechou o Partido Comunista em 1947 e adotou uma política repressiva e

anticomunista – no caráter exacerbado de vincular o país na luta pelos valores ocidentais,

norte-americanos e em defesa dos povos livres.

Esse jogo político de alinhamento automático excluía uma grande arma da política

externa dos países sul-americanos: a política de barganha. Essa política saía de cena e os

países acabavam por não conseguir angariar grandes recompensas com uma aliança

automática. De acordo com Cervo (2007), o Brasil:

Apresentou-se, ademais, como sócio fundador do Gatt e emprestou ao governo

norte-americano incondicional apoio na determinação da nova ordem internacional

do pós-guerra, pautada pelo liberalismo ilimitado, sob o aspecto econômico e

político e pelas fronteiras ideológicas, sob o aspecto estratégico (CERVO, 2007, p.

79).

A criação de organizações internacionais foi o aporte jurídico e legitimador da

política norte-americana sob o território latino-americano. Além do Tiar, outras organizações

foram sendo criadas para ordenar os rumos do continente, tais como:

a Organização dos Estados Americanos – OEA, criada em 1948 como organização

política, com sede em Washington. A Escola Superior de Guerra, dentro de cada

país, e a Escola do Panamá, criadas na mesma época, com suas teorias geopolíticas,

como a assistência militar e o apoio a golpes de Estado e regimes ditatoriais,

completam o quadro dos novos instrumentos de poder dos Estados Unidos sobre o

subcontinente (VIZENTINI, 1997, p. 10).

Desta forma, fica evidente a diferença na abordagem do papel relevante a ser

desempenhado pela América Latina e Europa para a nova ordem internacional, sob o signo

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dos EUA. Isso porque, no plano político, a norma da Doutrina Truman era claro-evidente a

defesa da democracia e do mundo livre no continente europeu.

Provavelmente, em um ranking de relevância no cenário internacional para

contrabalancear o poderio estadunidense, os países da América Latina ocupavam posições

demasiadamente inexpressivas. Em vista disso, não haveria maiores problemas em manter

esses países servos aos planos norte-americanos – e caso ocorra desvios, a bela Realpolitik

resolveria.

A presença norte-americana torna-se avassaladora no continente a partir do pós-

guerra e as relações tendiam, cada vez mais, “a evidenciar não mais a interdependência que

existiu durante a guerra, mas a dominação econômica e ideológica” (CERVO, 2007, p. 80).

Todavia, o sentimento anticomunista latino é próprio da região, pois o tradicional e

predominante pensamento liberal e cristão reinava e, assim, a rejeição a ideologia marxista

imperava. Mesmo demonstrado o pensamento da América Latina (que não balbuciaria em

escolher o capitalismo), os EUA e os próprios latinos, usariam qualquer fato político fora do

alinhamento norte-americano a seu favor, taxando de comunista e perseguindo. A margem

autônoma de atuação política era escassa.

As intenções capitalistas e democráticas dos países latino-americanos eram

evidentes, pois, segundo Cervo (2007):

Em meio a [...] pressões externas oriundas de Moscou e de Washington, entre o

liberalismo e o comunismo a América Latina inclinava-se para o lado ocidental,

dando provas disso e amiúde o regime mais autonomista que era o peronismo

(CERVO, 2007, p. 81).

A estratégia imposta por Washington a América Latina obstaculizando qualquer que

seja a iniciativa autônoma de política interna ou externa exigia, então, um alinhamento

automático durante a Guerra Fria. Salienta-se que, apesar dos esforços empreendidos pelo

Estado norte-americano, houve adesão muito contundente dentro dos próprios Estados latino-

americanos para aplicação dessas novas políticas. Especialmente entre as elites e os militares,

a ponta de lança para manter os países latinos sob a pax americana a qualquer custo.

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3. O REALISMO: MODELO DE HEGEMONIA DOS EUA NA AMÉRICA LATINA

O presente capítulo – que representa o aporte do saber teórico epistemológico para

compreensão, explicação ou crítica das tomadas de decisões dos atores internacionais, bem

como o rumo destes no tema do correspondente trabalho – tratará de uma das principais

escolas do pensamento das Relações Internacionais: a teoria realista.

A dimensão do campo de estudos da teoria realista conta com uma variada gama e

enorme diversidade de pensadores e princípios, de correntes e percursos históricos. Assim, a

busca de um entendimento incisivo e rico torna-se uma tarefa demasiadamente árdua e

superior para um único capítulo de referencial teórico-metodológico. Sendo assim, a análise

da teoria realista pautará, aqui, através de quatro pontos principais, sobretudo, quatro teóricos

fundamentais do pensamento das relações internacionais do período. São eles: Nicolau

Maquiavel, Thomas Hobbes, Edward H. Carr e Hans J. Morgenthau.

Há algumas características inerentes ao realismo que permeiam o pensamento de

diferentes autores, mesmo cada um mantendo sua subjetividade, surgem conceitos aceitos

universalmente que os aproximam. Desse modo, salienta Messari e Nogueira (2005) que:

das tradições herdadas de Tucídides, Maquiavel e Hobbes, algumas premissas

podem ser consideradas comuns a todos os realistas. Essas premissas são a

centralidade do Estado, que tem por objetivo central sua sobrevivência, a função do

poder para garantir essa sobrevivência, seja de maneira independente – no que seria

caracterizada a auto ajuda –, seja por meio de alianças, e a resultante anarquia

internacional (MESSARI; NOGUEIRA, 2005, p. 23).

No viés de caracterização da teoria realista sob aspectos gerais, os quais podem ser

amplamente aceito, CASTRO (2012) declara que o “realismo é de linha ontológica e se

fundamenta no conceito de percepção e de detecção da realidade como é e como se apresenta

de facto aos sujeitos cognoscentes” (CASTRO, 2012, p. 312).

Adentrando ao contexto histórico vê-se que ao fim da Primeira Guerra Mundial e

diante de exorbitantes consequências humanas oriundas da falha dos Estados em preservar a

paz, as Relações Internacionais ganham o espaço acadêmico. E um “campo de conhecimento

para entender as causas das guerras e descobrir como preveni-las” (SARFATI, 2005, p. 23).

Nesse sentido, salienta MESSARI; NOGUEIRA:

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Na busca por autonomia e legitimidade, os estudiosos das relações internacionais

procuraram raízes e estabeleceram linhagens intelectuais para confirmar que o

estudo do internacional não é recente e, portanto, menos ainda passageiro. Com

isso, vários autores destacaram o internacional em autores como Maquiavel e

Hobbes (MESSARI; NOGUEIRA, 2005, p. 21).

Os teóricos realistas – após o fracasso do Idealismo Moderno11

do entre guerras –,

então, adentraram nos clássicos da ciência política, da filosofia e empreenderam um

entendimento tradicional das Relações Internacionais. Formularam, através de clássicos como

Maquiavel e Hobbes, a leitura realista das relações internacionais no século XX, produzindo,

assim, o campo de estudo e as primeiras teorias, os primeiros modos de compreensão através

dos fatos reais, especialmente do internacional como, em síntese, demonstra CASTRO

(2012):

Toda teoria de Relações Internacionais representa síntese do pensar e do agir dos

sujeitos na esfera externa. Toda teoria de Relações Internacionais é, na verdade, uma

forma de saber internacional, ou melhor, de saberes internacionais complexos e

interrelacionados. Representa a maneira organizada de compreender, explicar e

decifrar o mundo, revestindo-lhe de cognoscibilidade (CASTRO, 2012, p. 309).

O saber, a teoria e a epistemologia internacional podem englobar o mesmo sentido

para compreensão científica desse conhecimento específico, produzindo formas precisas de

visão do mundo. Igualmente, o papel do contexto e momento histórico para determinado

paradigma (CASTRO, 2012).

Por conseguinte, as buscas de uma análise fidedigna para compreensão do golpe de

Estado em 1964, no Brasil, através de desdobramentos internos e, especialmente, externos

necessitam de um suporte epistemológico do internacional adequado ao quadro proposto.

Assim, a teoria realista representa o saber mais ajustado à interação, relação e, conjuntura e

estrutura do momento histórico-internacional em que está inserido o Brasil, a América Latina

e os Estados Unidos.

11

“O chamado Idealismo [Moderno] no plano das relações internacionais tem como seu grande precursor

contemporâneo Thomas Woodrow Wilson (1856-1924), presidente norte-americano que, desde 1913, de forma

doutrinária, queria acabar com o velho hábito das diplomacias de guerra que, segundo as suas palavras, faziam

dos povos e das províncias mercadorias de troca ou peões do tabuleiro de xadrez. [...] ele [é quem] endereça uma

mensagem pessoal às duas Câmaras do Congresso em 8 de janeiro de 1918, contendo os famosos Catorze Pontos

que, de certa forma, constituem uma espécie de bíblia do discurso idealista das Relações Internacionais”

(SARFATI, 2005, p. 82). “A Sociedade das Nações do sonho de Wilson e a Liga das Nações efetivamente criada

significam a base do Idealismo moderno, teoria dominante de Relações Internacionais, especialmente na década

de 1920 e em parte da de 1930” (SARFATI, 2005, p. 83).

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3.1 Realismo Clássico

O Realismo Clássico, bem como quaisquer teorias que desejam o entendimento do

mundo em que estão inseridas, compreende um arcabouço epistemológico próprio e abrange

conceitos e pensamentos dentro de um meio sociocultural. A busca do seu objetivo, seja qual

for, não é atemporal tampouco desvinculado de um vazio de poder e outras forças que

influenciam seu amoldamento. E CASTRO (2012) frisa também que:

[..] a narrativa histórica e a narrativa científica dos conceitos acabam, repetidas

vezes, por revelar que as teorias são construídas a partir de determinadas lógicas de

poder em processos complexos de manuseio dos conscientes (e inconscientes)

coletivos (CASTRO, 2012, p. 314).

A teoria realista clássica pode ser dividida em dois grandes eixos metodológicos: o

realismo clássico e o realismo moderno.12

Dois autores se destacam no enquadramento do

realismo clássico, quais sejam, Maquiavel e Hobbes.

3.1.1 Nicolau Maquiavel

Nicolau Maquiavel nasceu em 3 de maio de 1469, na cidade de Florença, na gestação

de uma mudança cultural ocidental, no seio da Renascença – do retorno ao ideal clássico. No

entanto, em uma Itália que estava distante de ser unificada e era constituída por muitos

Estados pequenos, os quais compostos por distintos regimes políticos, econômicos e culturais

em que reinavam a instabilidade interna e externa.

Maquiavel, nesse cenário nacional e internacional, que tem uma formação intelectual

humanista13

, adentra na carreira pública. Carreira essa, que vivencia altos e baixos, refletindo

exatamente o contexto no qual está inserido. Após o exílio forçado da atividade pública,

Maquiavel adere a uma vida modesta e em constante contato com os estudos clássicos,

momentos dos quais se originaram, posteriormente, as grandes obras do florentino.

12

Salientando que o propósito do presente trabalho é analisar essa corrente a partir da crise do Idealismo,

perpetuada durante o intervalo entre a Primeira Guerra Mundial e a Segunda Guerra Mundial. E a dominância do

Realismo até a década de 1970 (basicamente). Portanto, formando, assim, o cenário e os principais pressupostos

realistas que levaram ao contexto do golpe de 1964 no Brasil. Delimitação meramente metodológica, visto que

não finda a teoria realista a esses dois eixos. 13

“Se há uma característica que une os autores e estilos classificados como humanistas, esta característica é o

antropocentrismo, insto é, uma grande valorização das coisas humanas em comparação com o extra-humano,

incluindo aí o metafísico e o natural. Da Renascença aos dias de hoje, o Ocidente passou por um processo

profundo de secularização, ou seja, de desvalorização da metafísica e da religião como fontes de explicação das

coisas.” João Feres Junior, introdução, (MAQUIAVEL, 2012, p. 19).

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Em carta a Francisco Vettori14

, transcreve seu dia-a-dia e demonstra a paixão ao

estudo dos clássicos:

Quando cai a noite, volto para casa e entro em meu escritório; e, à porta, dispo-me

das vestes cotidianas, cheias de lama e lodo, e me enfio em panos reais e curiais; e,

vestido decentemente, entro nas antigas cortes dos antigos homens, onde, recebido

amorosamente por eles, farto-me daquele alimento que é só meu e para o qual nasci;

lá, não me envergonho de falar com eles e perguntar-lhes a razão de suas ações; e

eles, por sua humanidade, me respondem; e, por quatro horas de tempo não sinto

nenhum tédio, esqueço qualquer aflição, não temo a pobreza, não me assusta a

morte; transfiro-me todo para eles (MAQUIAVEL, 1513).

Nessa realidade e vida em que se encontrava Maquiavel, nasceram as principais

obras do autor (O Príncipe de 1512 a 1513; Os discursos sobre a primeira década de Tito

Lívio, de 1513 a 1519; A arte da Guerra, de 1519 a 1520 e a História de Florença, de 1520 a

1525). E, mormente, um pensamento transformador, iconoclasta e sublime da realidade

política ou da verdade efetiva das coisas15

. “Como o próprio Maquiavel afirmava são textos

que resultam de sua experiência prática e do convívio com os clássicos” (WEFFORT, 2006, p.

16).

Como astuto observador da realidade e amante da política, Maquiavel se detém na

busca e compreensão da realidade do Estado e, também, sua interação com os outros Estados.

Conhecimento esse, adquirido ao longo da experiência e do trabalho na prática. Sendo assim,

reitera WEFFORT (2006):

Maquiavel rejeita a tradição idealista de Platão, Aristóteles e Santo Tomás de

Aquino e segue a trilha inaugurada pelos historiadores antigos, como Tácito,

Políbio, Tucídides e Tito Lívio. Seu ponto de partida e de chegada é a realidade

concreta. Daí a ênfase na veritá effettuale – a verdade efetiva das coisas. Esta é sua

regra metodológica: ver e examinar a realidade tal como ela é e não como se gostaria

como ela fosse. A substituição do reino do dever ser, que marcara a filosofia

anterior, pelo reino do ser, da realidade, leva Maquiavel a se perguntar: como fazer

reinar a ordem, como instaurar um Estado estável? O problema central de sua

análise política é descobrir como pode ser resolvido o inevitável ciclo de

estabilidade e caos (WEFFORT, 2006, p. 17 e 18).

14

“Grande amigo de Maquiavel, escritor e diplomata, Vettori (1474-1539) pertencia a uma antiga família

florentina. Esteve numa missão diplomática na Alemanha com Maquiavel em 1507 e foi embaixador de Florença

em Roma entre 1513 e 1515” (MAQUIAVEL, 2006, p. 35. Notas: Leda Beck). 15

Veritá effettuale ou verdade efetiva das coisas é o principal pressuposto do seu pensamento, a busca da

realidade concreta, dos fatos.

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Há inúmeras passagens na obra do florentino que ressaltam o pensamento de

conceitos como, por exemplo, a veritá effettuale, sempre ressaltando e analisando os fatos

reais o mais próximo do concreto possível. Também, a influência e importância do papel da

história na compreensão do mundo, acima de tudo, os desdobramentos cíclicos da história.

Consoante Ribeiro (2008), no livro Os discursos sobre a primeira década de Tito Lívio,

Maquiavel ratifica que:

’este é o círculo seguido por todas as repúblicas que já existiram e pelas que

existem’. Após seu apogeu, tal ciclo termina obviamente com um processo de

declínio indo findar-se num período de degradação, algo compreensível e

historicamente comprovado como ocorreu na própria Roma antiga. Ao completar

assim o ciclo, diz ele ainda que ‘raramente se retorna ao ponto de partida, pois

nenhuma república tem resistência suficiente para sofrer várias vezes as mesmas

vicissitudes. Acontece com frequência que, no meio destes distúrbios, uma

república, privada dos conselhos e de força, acaba sendo tomada por algum Estado

vizinho, governado com mais sabedoria’ (RIBEIRO, 2008, p. 99).

A partir de então o florentino diverge do pensamento tradicional e inova a filosofia

política, pondo fim a uma ideia de ordem natural e eterna. Maquiavel rompe com a filosofia

antiga e coloca a responsabilidade e dever nas mãos dos homens, com o objetivo de evitar o

caos e a barbárie. Interpreta, pois, a política como um conflito de forças opostas proveniente

de ações concretas dos homens em sociedade (WEFFORT, 2006).

Assim sendo, o sentido de conflito de forças na política, que vai além dos conflitos

entre os homens, se destaca no campo das relações entre os Estados. E “ele descreve a

natureza eminentemente desordenada e aliada a duas forças presentes em qualquer sociedade:

(a) Ninguém quer ser dominado nem oprimido pelos grandes. (b) Os grandes querem dominar

e oprimir” (SARFATI, 2005, p. 70).

O pensamento de Maquiavel não se pautava e nem se inspirava nos gregos e sim na

história romana antiga. Essa busca do saber histórico é característica do Renascimento

antropocentrista humanista. E, assim, através da história romana e do pensamento

renascentista, Maquiavel instaurou uma nova conceituação de formas de governo, como

afirma RIBEIRO (2008):

Ao inaugurar uma nova classificação das formas de governo, nas duas obras:

Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio (Discursos), em que trata de

teoria política; e em O Príncipe, o primeiro clássico do pensamento político

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moderno, em que aborda a política aplicada. Mais especificadamente, nessa última

obra, é que ele lança essa nova classificação [...] (RIBEIRO, 2008, p.97).

Maquiavel, então, distingue somente duas formas de governo, quais sejam:

repúblicas ou principados (monarquias). Tal distinção é destacada no primeiro capítulo e nas

primeiras linhas de O Príncipe: “Todos os estados, todos os governos que houve e que

imperam sobre os homens, foram ou são repúblicas ou principados” (MAQUIAVEL, 2012, p.

49).

Sob este prisma, salienta-se, ainda, a introdução do termo “Estado” pelo autor, tendo

um sentido moderno, o qual perdura até hoje.

Usufruindo das abrangentes ferramentas intelectuais que detém, exprimiu em

palavras o seu pensamento à respeito da verdade efetiva das coisas, sobre repúblicas e

principados, além da inversão dos valores tradicionais clássicos. Tal pensamento é

evidenciado quando afirma:

E muitos imaginaram repúblicas e principados que jamais se viram ou cuja

existência não se conheceu na realidade; porque é tão distante o modo como se vive

do modo como se deveria viver, que aquele que deixa o que faz pelo que deveria

fazer aprende mais a ruína que a preservação de si mesmo: porque o homem que

queira professar o bem por toda a parte deve arruinar-se em meio a tantos que não

são bons. Donde é necessário a um príncipe, querendo manter-se no poder, aprender

a não ser bom, e usar isso, ou não, de acordo com a necessidade (MAQUIAVEL,

2012, p. 120 e 121).

Ainda sobre as duas formas de governo elaboradas por Maquiavel, BOBBIO (1997)

destaca a importância que o autor dava a essa concepção:

O fato de que Maquiavel retoma com frequência essa distinção, utilizando-a para

compreender a realidade de seu tempo, prova que não é livresca, ou meramente

cômoda. [...] Trata-se de fato de uma diferença verdadeiramente essencial, de modo

que um Estado bem ordenado só pode ter uma ou outra constituição (BOBBIO,

1997, p. 85).

Maquiavel destaca a importância de o Estado ser uma república ou um principado

para atingir o principal objetivo, qual seja; manter a ordem, a estabilidade, conservar sua

sobrevivência. Logo, para o pensador, reinava no ambiente interno a desordem e o conflito –

proveniente da natureza humana – de modo que o príncipe deveria estabilizar e conservar a

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ordem, transmitindo o pensamento para a arena internacional onde não há um poder acima

dos Estados, vez que a desordem é a regra e não pode ser superada.

Na construção desse cenário internacional, o Estado deve sempre estar preparado

para a guerra, em que somente a demonstração de força se torna um meio para alcançar a

segurança, manter o poder e a hegemonia. Assim, escreve Maquiavel (2012):

Não deve, portanto, um príncipe ter outro objetivo nem outra preocupação, nem

tomar qualquer outra coisa como sua arte além da guerra, suas ordenações e sua

disciplina; [...] E a principal razão que te faz perder o estado é negligenciar esta arte;

e a razão que te faz adquiri-lo é professar esta arte. [...] Deve, portanto, nunca tirar o

pensamento deste exercício da guerra, e na paz deve exercitar-se mais do que na

guerra, o que se pode fazer de dois modos: um com as obras, outro com a mente

(MAQUIAVEL, 2012, p. 116 e 117).

Portanto, a questão da segurança internacional estava sempre atrelada à prontidão de

demonstração de força. Isso não se refere a ideia de estado de guerra constante, mas, sim,

estar pronto para a guerra a qualquer momento, bem como forte o bastante para defender,

honradamente, o Estado. Dessa forma, Maquiavel não via outra maneira de manter a

segurança internacional senão na prontidão militar e demonstração de poder real. Ou seja, não

há “espaço na arena internacional para uma permanente cooperação entre os Estados. A

cooperação geralmente ocorre por tempo bastante curto e para defender ou atacar um Estado

[...]” (SARFATI, 2005, p. 71).

No tempestuoso pensamento político, crítico e moderno do florentino, germinam

numerosos debates acerca de sua obra e uma das sentenças mais difundidas universalmente é

o “famigerado princípio maquiavélico de que ‘o fim justifica os meios’”. (BOBBIO, 1997, p.

89). Notavelmente empregado na passagem de O Príncipe:

[...] e nas ações de todos os homens, sobretudo dos príncipes, onde não há tribunal

para queixar-se, olha-se para o resultado. Trate, pois, um príncipe de vencer e de

manter o estado: os meios sempre serão julgados honrados e louvados por todos;

porque o vulgo está sempre preso ao que parece, e com o evento da coisa16

; e no

vulgo não há senão vulgo; [...] (MAQUIAVEL, 2012, p. 134)

16

“Porque o povo está sempre preso às aparências e preocupado com o fato imediato” (MAQUIAVEL, 2012, p.

134. Notas Leda Beck).

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No sentido dessa saudosa afirmação, a qual empregou durante a história inúmeras

interpretações – especialmente por dotar a política uma ética e lógica própria, salienta Bobbio

(1997):

Qual o fim de um príncipe? Manter o poder. O julgamento sobre a bondade ou

maldade de um príncipe não se faz com base nos meios que emprega, mas

exclusivamente com base no resultado que obtém – quaisquer que sejam os meios

usados (BOBBIO, 1997, p. 89).

Seu pensamento é alvo de variadas interpretações e julgamentos sumários, tanto que,

perante o senso comum, até se adjetiva maquiavélico algo contido de preceitos morais rasos e

até mesmo malogrado. Em oposição, se evidencia um legado repleto de legitimidade e

credibilidade. Um pensador de virtude e uma obra repleta de verità effettuale.

E, segundo Leo Strauss, no seu livro História da Filosofia Política: “Maquiavel

seguiu um caminho em que ninguém antes dele havia pisado. Comparo o que ele conseguiu

com o descobrimento dos mares e terras desconhecidos; apresenta-se como o Colombo do

mundo moral e político” (RIBEIRO, 2008, p. 102).

3.1.2 Thomas Hobbes

O inglês Thomas Hobbes nasceu no dia 5 de abril de 1588, época em que se

proliferavam guerras religiosas e políticas em território britânico. Após completar vinte anos,

começou a trabalhar para a família aristocrata Cavendish, onde entrou em contato com

grandes cientistas através de viagens pela Europa, destacando-se: Galileu, Mersenne e Pierre

Gassedi.

Hobbes somente publicou seu primeiro trabalho literário na maturidade, eis que após

completar 40 anos traduziu a História das guerras do Peloponeso, de Tucídides17

. A referida

publicação foi interpretada como um ato político, como afirma o próprio em sua

autobiografia, conforme Finn (2010): “Hobbes afirmou que a História, de Tucídides, ensina a

importante lição de que a democracia é ‘inadequada’ e que a sabedoria de uma pessoa é muito

maior do que a sabedoria de muitos” (FINN, 2010, p. 17).

Desde então, Hobbes passou a adentrar profundamente no desenvolvimento de suas

produções políticas e filosóficas. E, durante as próximas duas décadas, forma sua própria

17

“É interessante notar que, em 1629, ele faz a primeira tradução para o inglês da Guerra do Peloponeso, de

Tucídides, [...]” (SARFATI, 2005, p. 71)

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39

filosofia política. Suas principais obras são: os Elements of law (1640), De cive (1641) e

Leviathan (1641). Embora as obras sejam distintas, o pensamento hobbesiano presente não se

afasta de sua principal premissa: a defesa da “superioridade de uma forma absolutista de

governo” (FINN, 2010, p. 17).

A filosofia política de Hobbes é o ramo do seu pensamento que causa grande

influência no realismo clássico da Ciência Política e nas Relações Internacionais. Desse

modo, seus conceitos nessa área do conhecimento são onde se detém o presente trabalho, em

particular o que tange sua teoria de Estado, as implicações do estado de natureza18

do homem

e, da mesma maneira, o contrato social19

e esses consequentes conceitos aplicados no

internacional.

Isto posto, o ramo da filosofia política de Hobbes se pauta em uma busca

desempenhada pelo autor, um objetivo fundamental, que “é estabelecer uma ‘ciência

política’” (FINN, 2010, p. 21). As divergências produzidas pela liderança de uma autoridade

final, nos temas políticos e religiosos, levam Hobbes à procura de métodos que desenvolvam

verdades políticas. As quais poderiam gerar a tão desejada paz.

O vislumbre da tão sonhada paz cabe somente dentro do Estado, visto que apenas

este pode deter o monopólio do uso legítimo da força, em oposição às relações internacionais

que, segundo o teórico realista, é comparável ao estado de natureza. Portanto “Hobbes

identifica o estado de natureza com as relações internacionais: ‘Pois as repúblicas, se

consideradas em si mesmas, estão em estado de natureza, isto é, de hostilidade recíproca’”

(Hobbes, 2010, apud BARNABÉ, 2010, p. 46).

Hobbes considera que o ser humano vivia em um estado de natureza caracterizado

por um estado de guerra, em que reina a barbárie, e somente entrando em um acordo, um

18

“Hobbes acredita que o estado de natureza, um estado hipotético sem leis e instituições de coação legal, é

equivalente à guerra” (FINN, 2010, p. 120). 19

“A noção de contrato social, definindo a sociedade como o produto de uma convenção entre os homens, marca

o nascimento da reflexão política moderna (séc. XVIII). Trata-se de uma concepção, bastante controversa entre

os filósofos, que define a sociedade como o resultado das convenções pelas quais os cidadãos, de modo livre e

voluntário, trocando sua liberdade natural pela paz e segurança, constituem o poder comum: ‘único meio de

instituir um poder comum” suscetível de dar segurança aos homens, consiste em ‘conferirem eles todo o seu

poder e toda a sua força a um homem ou a um conjunto de homens que quer reduzir todas as suas vontades a

uma única vontade’ (Hobbes apud JAPIASSÚ, 2006, p. 57). “Hobbes é um contratualista, que dizer, um filósofo

que, entre o século XVI e XVIII (basicamente), afirmaram que a origem do Estado e/ou da sociedade está num

contrato: os homens viveriam, naturalmente, sem poder e sem organização – que somente surgiriam depois de

um pacto firmado por eles, estabelecendo as regras de convívio social e de subordinação política” (WEFFORT,

2006, p. 53).

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pacto político, um contrato social poderia superar esse estado. À vista disso reitera Messari e

Nogueira (2005), estendendo o pensamento ao âmbito internacional:

A impossibilidade de estabelecer um Leviatã no plano internacional – pela própria

admissão de Hobbes – torna a anarquia internacional uma característica definitiva

das relações internacionais (MESSARI; NOGUEIRA, 2005, p. 22 e 23).

Dado que as relações internacionais emanam princípios da natureza humana, ao qual

os autores do realismo clássico (o próprio Hobbes, porém também Maquiavel) atribuem

predicados ao homem como:

o medo, o prestígio e a ambição. O medo de ser aniquilado devido à ação dos outros

e o prestígio que o poder (ou a impressão de poder) confere são centrais para

explicar o comportamento do ser humano. Como esses autores deduzem a natureza

do sistema internacional da natureza humana, entendem que o medo e o prestígio

explicam, em larga medida, o comportamento dos Estados no sistema internacional

(MESSARI; NOGUEIRA, 2005, p.23).

Logo, um conceito fundamental dentro do entendimento teórico do realismo das

Relações Internacionais é o de anarquia. A concepção de anarquia se baseia no sentido de

ausência de uma autoridade disposta acima dos Estados e, não necessariamente, no caos.

Dessa forma há uma inexistência de um Estado (ou qualquer que seja a designação como:

instituição, órgão, Estado etc.) que detenha autoridade absoluta, legítima e poder de coerção

sobre os demais. Por isso, assinala Messari e Nogueira (2005) perspicazmente:

Reproduz-se, assim, nas relações internacionais o que Hobbes descreveu como o

estado de natureza: a existência simultânea de vários atores exclusivamente

responsáveis por sua própria sobrevivência. Como no estado de natureza

hobbesiano, na anarquia internacional, os Estados lutam permanentemente por sua

sobrevivência e desconfiam uns dos outros (MESSARI; NOGUEIRA, 2005, p, 26).

Dessa constatação extraída do filósofo-político inglês avança-se a certo

determinismo das relações entre os Estados, uma realidade permanente e imutável20

, sendo o

resultado ou o produto dessas relações, conforme Messari e Nogueira (2005) é a:

[...] desconfiança permanente entre todos, a sobrevivência como único objetivo

possível ou, no mínimo, como objetivo que define todos os demais, e a segurança

como um bem de soma zero, isto é, a segurança só pode ser atingida em detrimento

20

Premissa realista dominante, no entanto, não é única entre os realistas.

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da falta de segurança dos outros, e vice-versa (MESSARI; NOGUEIRA, 2005, p.

26).

Na concepção dessa ideia explanada surge um adendo, destacado por Barnabé

(2009):

Esse estado de hostilidade presente no estado de natureza deve ser entendido em um

sentido amplo. Não se trata apenas de um confronto bélico direto, uma luta real, mas

também a postura voltada para tal21

. Esse estado de pronta disposição para a guerra é

a condição ordinária das relações internacionais (BARNABÉ, 2009, p. 48).

Outro aspecto do pensamento hobbesiano, transferido analogamente para a

concepção da teoria realista das relações internacionais, é a ideia de alianças, pactos ou

convenções, para se afastar do estado de guerra. No referido contexto em que se encontram as

relações entre os Estados, e a segurança internacional possuindo fundamental importância na

preservação do mesmo, surgem outros meios para a política internacional dos Estados menos

poderosos ou mais fracos, como meio de conservação e defesa de seus interesses em um

ambiente desequilibrado.

No clássico Levithan, precisamente no capítulo XIII22

, Hobbes refere-se a um modo

de ação objetivando um equilíbrio de forças. Uma espécie de balança de poder, a qual é

presumivelmente associado a termos de política internacional. Assim, enfatiza Barnabé

(2009):

[...] Hobbes refere-se à situação dos homens isoladamente, antes da instituição do

Estado, e não às relações internacionais. Contudo, por analogia, entendemos que,

assim como os homens considerados isoladamente, também os Estados mais fracos

devem se aliar, pois unidos aumentarão o seu poder em proporção com as grandes

potências (BARNABÉ, 2009, p. 67).

A contribuição de Hobbes para a concepção da política do equilíbrio de poder,

desenvolvida afinco nas relações internacionais, é também frisada com importância por

Sarfati(2005):

21

“Porque tal como a natureza do mau tempo não consiste em dois ou três chuviscos, mas numa tendência para

chuva que dura vários dias seguidos, assim também a natureza da guerra não consiste na luta real, mas na

conhecida disposição para tal, durante todo o tempo em que não há garantia do contrário. Todo o tempo restante

é de paz” (HOBBES, 1999, p. 109) (BARNABÉ, 2009, p. 48). 22

Para (HOBBES apud BARNABÉ 2009, p, 67 e 68), “Em segundo lugar, numa condição de guerra, em que

cada homem é inimigo de cada homem, por falta de um poder comum que os mantenha a todos em respeito,

ninguém pode esperar de defender-se da destruição só com sua própria força ou inteligência, sem auxílio de

aliados, em alianças das quais em espera a mesma defesa”.

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Na ausência de um poder soberano e absoluto internacional que disponha do

monopólio da violência, todos os Estados podem dispor legitimamente da força.

Nesse contexto, a segurança internacional somente poderia ser alcançada por

intermédio de uma política de equilíbrio de poder, pois, se o estado de natureza do

sistema internacional é o de guerra, os Estados deveriam buscar limitar o poder dos

outros Estados e, dessa forma, inibir a sua tendência natural de expansão territorial

(BEDIN apud SARFATI. 2005, p. 72).

A elaboração dos principais pontos teóricos acerca do pensamento político do

realismo clássico, pautados no presente capítulo por dois cientistas fundamentais, e alinhados

as contribuições nas relações internacionais, constituem um marco na influência do

estabelecimento do campo de estudos das Teorias das Relações Internacionais. Sintetizando o

pensamento então exposto destacam-se algumas características básicas, como: (i) o

entendimento do Estado como único ator relevante nas relações internacionais; (ii) o enfoque

na racionalidade dos Estados; (iii) a preponderância do poder e da força nos interesses dos

Estados; (iv) uma distinção entre política externa e interna; (v) a característica fundamental

das relações internacionais é a estrutura anárquica. (SARFATI, 2005, p. 72).

3.2 Realismo Moderno

O Realismo Moderno, também chamado de neoclassicismo, readquire o ideário

realista clássico, resgatando suas influências, como por exemplo, nos pensadores já

examinados, Maquiavel e Hobbes. O movimento de reassumir ideias nos escritores clássicos

não representou uma ação meramente intelectual, mas sim uma reação à frustração empírica

do Idealismo Moderno. Visto que esse não obteve êxito nos objetivos expostos em suas

premissas e, sobretudo, no desejo mundial, bem como de líderes e acadêmicos, de evitar uma

Segunda Guerra Mundial.

O declínio da teoria Idealista sobre as relações internacionais decorre do fato prático

e datado do início da Segunda Guerra Mundial e suas implicações. No entanto, um teórico

britânico produziu um duro golpe ao idealismo após a publicação de sua principal obra: Vinte

anos de crise: 1919-1939, de Edward Hallet Carr. Ademais, a crucial e derradeira superação

do Idealismo ocorreu a partir da publicação de a A política entre as nações: a luta pelo poder

e pela paz, de Hans Morgenthau. Reitera, nesse sentido, Sarfati (2005):

Se Carr constrói a crítica ao Idealismo, é a Morgenthau que devemos atribuir as

bases teóricas do Realismo Moderno, que acabou sendo o paradigma dominante de

Relações Internacionais desde seu lançamento até meados da década de 1970, isto é,

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praticamente 30 anos. Mais do que uma teoria dominante academicamente, o

Realismo Moderno acabou por nortear a formulação das políticas externas da maior

parte dos países do mundo em todo esse período (SARFATI, 2005, p. 87-88).

A partir de então, Edward Carr e Hans Morgenthau estruturaram a corrente de

pensamento de forma mais coesa e convincente das relações internacionais, produzindo, desse

modo, um modelo teórico predominante durante aproximadamente 30 anos após o fim da

Segunda Guerra Mundial. O paradigma realista impôs uma nova ordem hegemônica na

política internacional, configurando o sistema internacional da chamada Guerra Fria. Como

assegura (CHIAPPIN, 1994, p. 37 apud BEDIN, 2011, p. 60):

Por isso, “a partir de então, durante todo o período da Guerra Fria, a concepção

realista predominou praticamente incontestável e foi responsável pela formulação

dos mais importantes quadros de análises e explicações dos eventos internacionais”

(CHIAPPIN, 1994, p. 37 apud BEDIN, 2011, p. 60).

O paradigma realista das relações internacionais dominou, pois, a política entre as

nações durante o momento histórico em que esteve relegada à América Latina pouca ou até

insignificante importância para o cenário das principais potências. Sendo assim, a

compreensão do quadro nacional, regional e internacional do golpe de Estado perpetuado no

Brasil, em 1964, inevitavelmente adentrará na própria percepção do internacional.

3.2.1 Edward Hallet Carr e a crítica ao Idealismo

Edward H. Carr nasceu em Londres no ano de 1892, ainda em plena vigência da era

Vitoriana23

. Graduou-se com distinção em estudos clássicos na Universidade de Cambridge,

atuou na carreira diplomática e acadêmica. “Curiosamente, E. H. Carr é o quarto detentor da

Cadeira Wilson de Política Internacional, na Universidade of Wales, [...]” (SARFATI, 2005,

p. 88). Em setembro de 1939, Carr lançou seu principal trabalho para a compreensão da

política e cenário internacional do entre guerras, a obra Vinte Anos de Crise. 1919-1939. No

prefácio à nova edição brasileira, Eiiti Sato destaca que:

O objetivo primário da obra era o de oferecer uma possível explicação para a

condição de instabilidade e insegurança da política internacional e também uma

crítica as percepções correntes manifestas em atitudes e ações políticas que,

23

“Pode-se afirmar, como os historiadores fartamente já o fizeram, que, no quarto de século que antecedeu a

Primeira Guerra Mundial, os fundamentos do poder econômico e político da Grã-Bretanha já se encontravam em

franca decadência, entretanto, inegavelmente, a era Vitoriana foi o período de maior esplendor do prestígio

britânico no mundo. A Rainha Vitória foi coroada em 1987 e reinou até 1901 (SATO apud CARR, 2001, p.

xvii).

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sucessivamente, se revelavam inadequadas por não reconhecerem as dimensões mais

incômodas da realidade econômica, política e social (SATO apud CARR, 2001, p.

xv).

A obra de Carr foi, então, fruto da incompreensão dos preceitos falhos do

pensamento vigente após a Primeira Guerra Mundial, dos ditames idealistas de como o mundo

deveria ser, em oposição ao raciocínio de como ele realmente é. Observa-se, nesse ponto,

analogia ao pensamento realista clássico, sobretudo, remete ao termo difundido por

Maquiavel: veritá effettuale.

Dessa forma, o teórico inglês enfatizou pontos específicos em sua obra que

criticavam o corrente modelo aplicado à ordem econômica e política internacional, ordem a

qual não obteve êxito – no objetivo de alcançar a paz – e se mostrava em grande declínio.

Demonstrando, “como nenhuma outra análise o havia feito que, de fato, a ordem do século

XIX somente vai ter seu fim com a Segunda Guerra Mundial” (SATO apud CARR, 2001, p.

xviii).

Uma das primeiras críticas é a formulação do campo científico ou não científico das

relações internacionais, presente já no seu prefácio. Carr afirma:

Em primeiro lugar, Vinte Anos de Crise foi escrito com o propósito deliberado de

contra-atacar o defeito flagrante e perigoso, de todo pensamento, tanto acadêmico

quanto popular, sobre a política internacional nos países de língua inglesa de 1919 a

1939: o quase total esquecimento do fator poder (CARR, 2001, p. xlii).

Em seguida, também se posiciona como um convicto teórico realista das relações

internacionais, ao identificar seu pensamento em uma concepção estadocêntrica. Como se

pode observar na seguinte passagem:

Em segundo lugar, o corpo principal do livro aceita, de maneira muito fácil e

complacente, o existente Estado-nação, pequeno ou grande, como a unidade básica

da sociedade internacional [...] (CARR, 2001, p. xlii).

Frisa, por oportuno, Sarfati (2005), duas características fundamentais na obra de

Carr: “1. O foco no Estado-nação como único ator relevante das relações internacionais; 2. O

foco no poder como motivador das ações dos Estados” (SARFATI, 2005, p. 88). Tal como,

em diversas passagens do livro ilustra esse aspecto interligado entre política e poder, como

por exemplo: “A política é, em certo sentido, sempre política de poder” (CARR, 2001, p.

135).

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Portanto, isso implica dizer que os Estados são os detentores do poder de conduzir as

relações internacionais, pois são soberanos e unitários. À vista disso, o Estado detém o

legítimo poder de coerção e autodeterminação de seus interesses nacionais. Destarte, nenhuma

organização intergovernamental internacional pode estar acima dos Estados, tampouco ser

considerada como ator relevante das relações internacionais.

Por esse motivo, Sarfati (2005) conclui que:

Em última instância, o que importa nas relações entre os Estados é o poder e não o

direito internacional, quer dizer, ignorar a relação de poder entre os Estados é

ignorar as motivações básicas da existência deles no sistema internacional, ou seja, a

defesa de sua sobrevivência (SARFATI, 2005, p. 88).

Dado algumas das principais características que norteiam o pensamento realista do

londrino Edward Carr, adentrar-se-á em alguns aspectos específicos que permeiam as

fundamentais críticas ao fracasso do Idealismo nas relações internacionais.

Já na primeira linha do livro Vinte Anos de Crise a sentença é clara e basilar: “A

ciência da política internacional está em sua infância” (CARR, 2001, p. 3). Isso porque após a

proporção desastrosa da Primeira Guerra Mundial levar ao pensamento comum e científico de

desejar que isso não se repita, germina, assim, o campo das relações internacionais em bases

do desejo em detrimento do pensamento. Em contraponto, os realistas como Carr,

transpuseram o pensamento aristotélico e platônico do dever ser para o maquiavélico e

hobbesiano do como é.

Posto isto, a ciência da política internacional ainda encontrava-se em fase utópica,

uma vez que, de acordo com Carr (2001):

[...]o objetivo precede e condiciona o pensamento, não é surpresa descobrir que,

quando a mente humana começa a exercitar-se em algum campo novo, ocorre um

estágio inicial em que o elemento do desejo é extremamente forte, e a inclinação

para a análise de fatos ou de meios é fraca ou inexistente. Hobbes aponta como

característica dos “povos mais primitivos” que “a prova da verdade de uma ideia não

esteja ainda separada da qualidade que a torna agradável” (CARR, 2001, p. 7-8).

A grande crítica ao estabelecimento do campo científico das relações internacionais

se pautava nessa dimensão do ponto do pensamento acerca do desejo e do objetivo. E,

portanto, se encontrando nesse período inicial que deve ser superado e será quando, segundo

Carr (2001):

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[...] esses projetos se desmoronam, e desejo e objetivo mostram-se incapazes de, por

si sós, atingirem o fim desejado, que os pesquisadores relutantemente pedirão

auxílio à análise, e o estudo, emergindo de seu período infantil e utópico,

estabelecerá seu direito de ser visto como ciência (CARR, 2001, p. 8)

Por conseguinte, a identificação do inglês Edward Carr ao espectro realista do

raciocínio político se pauta, exatamente, na ideia de superação do utopismo e do desejo, para

a racionalização do pensamento e da análise dura e impiedosa. Esse desejo, o qual penetrou

nos Estados e nas pessoas após a Primeira Guerra Mundial – na forma de interesse comum na

paz, ou numa harmonia internacional – demonstra como a política internacional pós-guerra

estava fadada ao fracasso. E como um conceito criado na pretensão de ser universal, baseado

no desejo, contraria, muitas vezes, fatos reais. Logo, Carr (2001) enumera os fatos históricos

contrários, como:

O argumento não pareceu convencer particularmente os alemães, que se

beneficiaram bastante das guerras de 1966 e 1870, e que atribuíram seus mais

recentes sofrimentos, não à guerra de 1914, mas ao fato de a terem perdido. [...] Não

convencia também os polacos e tchecoeslovacos que, longe de deplorarem a guerra,

devem sua existência nacional a ela e nem os franceses, que não poderiam queixar-

se sem reservas de uma guerra que restaurou a Alsácia-Lorena á França (CARR,

2001, p. 70).

À vista disso, Carr (2001) demonstra e desmascara certos argumentos utópicos,

compreendendo como poucos a realidade em que se encontrava a política internacional.

Evidencia o caráter ilusório dessa política, uma vez que, os Estados mais poderosos desejam

manter seu status quo e a margem de manobra das nações menos influentes ficam a mercê do

poder das grandes potências.

As inclinações ao conceito de harmonia dos interesses na paz entre os Estados, ou ao

menos no desejo da maioria dos formuladores de política utópica, excluem o “fato intragável

da existência de divergências fundamentais de interesses entre as nações desejosas de

manterem o status quo, e as nações desejosas de mudá-lo” (CARR, 2001, p. 72). Esse

pensamento, portanto, não encontra bases reais e evidenciáveis senão somente no anseio dos

formuladores, desejos de impor um caráter moral universal ao sistema internacional.

Em oposição a esse viés teórico, Carr (2001), reitera:

A síntese da moral e da razão, pelo menos sob a forma crua do liberalismo do século

dezenove, é insustentável. O real significado da atual crise internacional é o colapso

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de toda a estrutura utópica, baseada no conceito da harmonia de interesses. A

geração atual terá que se reconstruir a partir das bases (CARR, 2001, p. 83).

Por isso, a crise internacional do entre guerras (1919-1939) representou, como o

inglês demonstrou sensatamente, a derrocada de um modelo utópico e o prelúdio do fim de

uma ordem internacional baseada no século XIX. O pensamento utópico ou idealista

fracassou no seu grande propósito de produzir uma política internacional baseada na harmonia

de interesses e no direito, capaz de gerar uma nova ordem estável e pacífica no sistema

internacional.

Sob este prisma, enfatiza Bedin (2011):

[...] o pensamento utópico ou idealista foi incapaz de produzir um mundo estável e

uma paz duradoura, pois sobrevalorizou a capacidade da razão em estabelecer um

mundo sem conflitos e subestimou a importância de uma clara política de poder

como o núcleo de uma proposta política consistente, independente de um valor ético

absoluto e de normas universais, que eventualmente possam solucionar

pacificamente os conflitos entre as nações (BEDIN, 2011, p. 110_111).

Após dissertar críticas contundentes ao modelo idealista, evidenciando

empiricamente o seu fracasso, Edward abordou os fundamentos do realismo, o qual

representou uma reação ao mundo do desejo, ao mundo da aspiração. No entanto, não se

restringiu a tal função.

O ponto de partida é nos clássicos do pensamento político, como Maquiavel, Bacon,

Hobbes e Spinoza. Carr atribuiu às bases do pensamento realista em princípios implícitos na

doutrina de Maquiavel, como sublima no seguinte trecho: “[...] são as pedras fundamentais da

filosofia realista. Em primeiro lugar, a história é uma sequência de causa e efeito, cujo curso

se pode analisar e entender através do esforço intelectual, [...]” (CARR, 2001, p. 85_86).

Ademais; “Em segundo lugar, a teoria não cria (como presumem os utópicos) a prática, mas

sim a prática é quem cria a teoria. [...]” (CARR, 2001, p. 86). E, prossegue; “Em terceiro

lugar, a política não é (como pretendem os utópicos) uma função da ética, mas sim a ética o é

da política” (CARR, 2001, p. 86).

Depois de enfatizar esses pressupostos fundamentais do realismo, todavia, Carr alude

que o moderno realismo possui certas diferenciações. “Além disso, o realismo moderno

incorporou o determinismo histórico e o caráter relativo e pragmático do próprio pensamento”

(BEDIN, 2011, p. 111). Desse modo, destaca o equívoco de produzir princípios absolutos e

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apriorísticos, pois os homens não são atemporais, são condicionados historicamente, possuem

interesses e, também, são frutos de interesses, assim como, de inúmeras circunstâncias.

(CARR, 2001, p. 91).

Edward H. Carr notabilizou-se no mundo acadêmico e intelectual por sua grande

obra Vinte Anos de Crise – 1919-1939, em que tece as reveladoras críticas e falhas do

idealismo nas relações internacionais. Como a edificante afirmação, Carr (2001):

A falência da visão utópica reside não em seu fracasso em viver segundo seus

princípios, mas no desmascaramento de sua inabilidade em criar qualquer padrão

absoluto e desinteressado para a condução dos problemas internacionais (CARR,

2001, p. 115).

Além do mais, contribuiu para a profusão do realismo, em que Hans Morgenthau

definiu todo o corpo teórico do mesmo (o qual, será o próximo teórico a ser abordado), e

colaborou para a nova ordem teórica e prática nas relações internacionais após a Segunda

Guerra Mundial. Nesse sentido, é demasiadamente salutar esmerá-lo para desobscurecer a

compreensão do momento histórico em que esteve inserida a América Latina, o Brasil e as

influências externas sobre o golpe de Estado em 1964.

3.2.2 Hans J. Morgenthau e os seis princípios do realismo

Hans Joachim Morgenthau nasceu em 1904, em uma pequena cidade localizada ao

norte da Bavária chamada Coburgo, filho único de uma família judia. Aos vinte e três anos

começou sua vida acadêmica, ingressando na Universidade de Frankfurt, logo se transferiu

para a Universidade de Munique, onde estudou Direito e Filosofia Política. Após a ascensão

do nazismo mudou-se para Genebra, onde realizou seus estudos de Pós-Graduação, no

Instituto de Estudos Internacionais. (BEDIN, 2011, p. 118).

A partir de 1937 Morgenthau emigra para os Estados Unidos, país onde desenvolve

seus principais trabalhos, além de intensa e influente carreira acadêmica. Posteriormente, no

ano de 1948, publica sua grande obra: Política entre as Nações: a Luta pelo Poder e pela Paz.

A obra, então, se converteu em um clássico do estudo das relações internacionais,

influenciando densamente toda a política internacional após a Segunda Guerra Mundial.

Ademais, conforme Bedin (2011):

Além disso, foi uma obra fundamental para a consolidação definitiva das posições

realistas no sistema internacional, tendo influenciado, profundamente, a formulação

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da política exterior norte-americana e estimulado a produção científica dos

intelectuais adeptos ao paradigma do realismo político (BEDIN, 2011, p. 116).

A importância da obra sobre o tema em questão é claro-evidente, denota as linhas

gerais e específicas, pelas quais se podem compreender mais apuradamente os processos

políticos desenvolvidos, especialmente entre o advento da Guerra Fria ao contexto de golpes

de Estado na América Latina e, sobretudo, o brasileiro em 1964. As consequências da

formulação de uma política internacional estadunidense, na conjuntura global e regional,

sobrepostas através da relevância de um pensador e de uma obra.

Assim, enfatiza Russel (1986):

[...] é muito provável que o livro Política entre as nações: a luta pelo poder e pela

paz seja a obra que mais influenciou a teoria e a prática das relações internacionais a

partir do segundo pós-guerra, particularmente nos Estados Unidos, país em que ela

foi publicada pela primeira vez no ano de 1948 e para o qual foi destinada (RUSSEL

in: Morgenthau, 1986, p.1 apud BEDIN, 2011, p. 116).

A clara relevância da obra e do pensador para os objetivos do presente trabalho

demonstram a imperativa compreensão dos principais fatores e finalidades que a elevam a

esse patamar. As fundamentais características e indispensáveis conceitos do novo realismo em

que delineiam os seus princípios basilares, os quais precisamente os segmentou em seis.

Baseou a concepção do realismo político, primeiramente, no ponto em que “acredita

que a política, como aliás a sociedade em geral, é governada por leis objetivas que deitam

suas raízes na natureza humana” (MORGENTHAU, 2003, p. 4). Assim, o autor enfatiza o

entendimento das relações políticas e sociais no conceito de lei, bem como no caráter da

objetividade dessas leis, no propósito em que se pretende alcançar através das mesmas. Esse

esclarecimento perpassa pela clareza que “por lei, entende-se uma repetição dos eventos,

enquanto pela objetividade, entende-se o caráter imutável dos fenômenos da política”

(MESSARI; NOGUEIRA, 2005, p. 33).

Após a definição do primeiro conceito realista para a política internacional,

Morgenthau prossegue, tratando, no segundo conceito, sobre os interesses dos estados no

sistema internacional, os quais são definidos em termos de poder. Nesse sentido, esclarece

Sarfati (2005):

Os Estados, que são a unidade básica da política internacional, são governados

pelos seus próprios interesses, ou seja, aquilo que lhes trará os maiores benefícios

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aos menores custos, e esses interesses são sempre definidos em termos de poder

(SARFATI, 2005, p. 92).

Logo, possibilita a compreensão da política internacional sob “uma esfera autônoma

de ação e de entendimento, separada das demais esferas [...]” (MORGENTHAU, 2003, p. 6).

Assim, é possível entender os fenômenos humanos da mesma maneira que a política externa

de um determinado país, a partir desse quadro de análise, como bem frisa Morgenthau (2003):

[...] faz com que a política exterior americana, britânica ou russa se nos apresente

como algo sujeito a uma evolução contínua, inteligível e racional, em geral coerente

consigo própria, a despeito das distintas motivações e preferências e das qualidades

morais dos políticos que se sucederam (MORGENTHAU, 2003, p. 7).

O terceiro princípio elencado versa complementarmente ao preceito do interesse

definido como poder. “O realismo parte do princípio de que seu conceito-chave de interesse

definido como poder constitui uma categoria objetiva que é universalmente válida”

(MORGENTHAU, 2003. P. 16). A universalidade do conceito de interesse definido como

poder se torna inerente as relações humanas, não necessariamente as relações entre Estados,

mesmo na ausência do mesmo as relações serão condicionadas pelo poder. Como verifica

através da história, citando Tucídides, George Washington e Max Weber: “São os interesses

(matérias e ideais), e não as ideias, que dominam de modo direto as ações dos homens” (apud

MORGENTHAU, 2003, p. 18).

Com precisão, salienta MESSARI;NOGUEIRA (2005) que o terceiro princípio

“destaca o poder como um conceito universalmente definido, mas cuja expressão varia do

tempo e no espaço. Isto é, a expressão do poder varia com o contexto e o lugar nos quais este

poder é exercido” (MESSARI;NOGUEIRA, 2005, p. 34).

O quarto princípio do realismo político de Morgenthau apresenta certa analogia ao

pensamento clássico de Maquiavel, eis que introduz a subordinação ou tensão dos princípios

morais da ação política aos interesses e exigências de uma ação política. No dizer do autor,

Morgenthau (2003):

O realismo sustenta que os princípios morais universais não podem ser aplicados às

ações dos Estados em sua formulação universal abstrata, mas que devem ser

filtrados por meio das circunstâncias concretas de tempo e lugar. [...] Desse modo, o

realismo considera que a prudência – a avaliação das consequências decorrentes de

ações políticas alternativas – representa a virtude suprema na política. A ética, em

abstrato, julga uma ação segundo a conformidade da mesa com a lei moral; a ética

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política julga uma ação tendo em vista as suas consequências políticas

(MORGENTHAU, 2003, p. 20_21).

No quinto princípio o autor adverte que as pretensões morais de uma nação não são

universais. “Todas as nações são tentadas a vestir suas próprias aspirações e ações particulares

com a roupagem dos fins morais do universo – e poucas foram capazes de resistir á tentação

por muito tempo” (MORGENTHAU, 2003, p. 21).

Nesse princípio, Morgenthau, como afirma Messari e Nogueira (2005), estava se

referindo precisamente a política norte americana, pois esta política estava claramente

sentindo-se compelida, através de um senso moral superior e universal, ao “dever dos Estados

Unidos ‘exportar’ tais princípios ao resto do mundo” (MESSARI;NOGUEIRA, 2005, p. 34).

Tal análise pode ser atribuída, também, a política soviética. Por oportuno, o histórico caráter

imperialista da política estadunidense para a América Latina evidencia-se tal aspecto, como

por exemplo, desde a Doutrina Monroe.

O autor conclui os princípios do realismo afirmando, no sexto e último princípio, o

caráter diferenciado e identitário. Como o trecho em que Morgenthau (2003) assegura:

Portanto, é real e profunda a diferença existente entre o realismo político e outras

escolas de pensamento. Por mais que a teoria do realismo político tenha sido mal

compreendida e mal interpretada, não há como negar sua singular atitude intelectual

e moral com respeito a matérias ligadas à política (MORGENTHAU, 2003, p. 22).

Da mesma maneira que certifica a particularidade autônoma da esfera política,

Morgenthau demonstra como a política internacional é independente da economia e do

direito, por exemplo. E, “[...] sendo uma esfera autônoma que define, independentemente da

moral ou da riqueza, como os Estado tomam suas decisões [...]” (SARFATI, 2005, p. 93).

No entanto, reafirma o pensamento em que não ignora ou exclui a relevância de

outros parâmetros, outros fundamentos. Desse modo, atesta Morgenthau (2003):

O realista político não ignora a existência nem a relevância de padrões de

pensamento que não sejam os ditados pela política. Na qualidade de realista político,

contudo, ele tem de subordinar esses padrões aos de caráter político e ele se afasta

das outras escolas de pensamento quando estas impõem à esfera política quaisquer

padrões de pensamento apropriados a outras esferas (MORGENTHAU, 2003, p. 23).

Ao concluir a exposição dos seis princípios do realismo moderno, Morgenthau define

o papel central ocupado pelo poder na política internacional. Pois, “o Estado define o

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interesse nacional, e este pode ser traduzido em termos de poder. [...] a política pode visar a

um destes três objetivos: manter o poder, aumentar o poder ou demonstrar o poder”

(MESSARI;NOGUEIRA, 2005, p 35). Igualmente no entendimento de Bedin (2011): “Para o

autor, sejam quais forem os fins últimos da política internacional, o poder é sempre o objetivo

imediato” (BEDIN, 2011, p. 122).

Portanto, há uma inevitabilidade do fator poder como fenômeno nas relações

humanas ou entre os Estados, e um dos aspectos pertinentes que esse poder detém é que ele

“não se limita ao exercício da violência física, porém, ele reconhece que, dentro da arena

internacional, o exercício desse poder torna-se fundamental para entender a formação política

de uma nação” (SARFATI, 2005, p. 93). O que corrobora, por fim, à particularidade do

realismo e suas influências exercidas pela política norte-americana e pela política

internacional do período específico, a qual acarreta inúmeras consequências nos quadros

políticos da América Latina.

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4. A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA DE 1945 A 1964, AS RELAÇOES COM OS

ESTADOS UNIDOS E O ANSEIO GOLPISTA

As características resultantes do término da Segunda Guerra Mundial, assim como da

formulação da nova ordem internacional – sob os particulares quadros de análises existentes,

como a emergência do realismo a paradigma dominante na política entre os Estados – e o

início da Guerra Fria, em que opôs EUA e URSS em polos de poder, provocaram

contundentes consequências à América Latina e ao Brasil. As regiões das Américas

permaneceram esse período sob a hegemonia da pax-americana, tanto no caráter político (aqui

em relevo) quanto econômico e cultural.

Isto posto, Sato (1998) compreende concisamente o papel desempenhado pelo Brasil

e pela América Latina, nessa conjuntura proposta:

A América Latina em geral, e o Brasil em particular, passam a ocupar uma posição

ambígua na politica externa americana. Ao mesmo tempo que se reconhecia a

importância da região, a percepção americana corrente era a de que ela não

demandava grande atenção por parte dos Estados Unidos (SATO, 1998, p. 12).

Esse é o cenário geral em que estava inserido o Estado brasileiro e o panorama que o

levará ao fatídico dia 1º de abril de 1964. Através da análise das relações internacionais, dos

paradigmas dominantes nesse período, da política externa e interna do Brasil, e a ação e

margem de ação dos principais atores desse processo histórico (como os Estados Unidos da

América) pode-se chegar a uma melhor compreensão e clareza do tema proposto.

4.1 Eurico Gaspar Dutra (1946-1951)

O Estado Novo chegava ao fim em outubro de 1945, Vargas era destituído do poder

e, em janeiro de 1946, era empossado como presidente do Brasil o General Eurico Gaspar

Dutra, eleito pela aliança entre Partido Social Democrático (PSD) e União Democrática

Nacional (UDN). O oficial que foi anteriormente simpatizante do Eixo, agora se tornava

presidente e seu governo ficara marcado pelo alinhamento automático aos Estados Unidos,

sem qualquer barganha, e por políticas repressivas e Macarthistas24

.

A política de total alinhamento aos EUA refletiam, de maneira geral, a posição e a

pequena margem de poder dos Estados Latino-americanos no cenário internacional de

24

Joseph McCarthy foi um senador estadunidense que personificou e foi o rosto público das políticas de caça a

comunistas ou simpatizantes. Porém a campanha anticomunista era bem mais ampla e envolvia muitos aspectos

da vida americana, como repressão a minorias. (FLORES, 2013).

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formação da bipolaridade e dos blocos de poder ocidental e oriental. Na formação da Guerra

Fria, Dutra não hesitou em demonstrar todo chauvinismo político em defesa dos povos livres

contra o perigo vermelho comunista. Logo em 1947 conseguiu o fechamento do Partido

Comunista e promoveu a ruptura das relações diplomáticas com a União Soviética.

(VIZENTINI, 2009).

Conforme Vizentini (2009):

Todavia, essa política anticomunista de Dutra não se devia apenas às concepções

ideológicas e necessidades sociopolíticas do governo e das elites brasileiras. Seu

caráter um tanto exagerado vinculava-se, igualmente, à necessidade de evidenciar

perante os Estados Unidos o engajamento do país na luta contra a subversão

(VIZENTINI, 2009, p. 59).

Raul Fernandes, o novo chanceler de Dutra a partir de 1947, desempenhará papel

central na formulação e execução dessa política caudatária a Washington. Pois, segundo

Vizentini (2009), Raul Fernandes, a frente do Ministério das Relações Exteriores, teve uma

atuação de tom “conservador e subserviente quase caricatural” (VIZENTINI, 2009, p. 59),

evidenciando um alinhamento “sem qualquer avaliação objetiva e deixando de lado os

próprios interesses brasileiros, que muitas vezes eram contrários a política de Washington”

(VIZENTINI, 2009, p. 59).

Nesse sentido, o Brasil demonstrava que ainda se via como um parceiro especial dos

Estados Unidos, visto que durante os anos de Vargas houve uma aproximação estratégica nos

auxílios dos esforços de guerra, e beneficiadora aos interesses nacionais. No entanto, a

realidade norte-americana era outra no pós-guerra, de acordo com Cervo e Bueno (2008):

Os Estados Unidos após a guerra tornaram-se um dos polos do poder mundial e,

nessa condição, deram prioridade a um sistema planetário de segurança que

privilegiava, na aplicação dos seus recursos, a cooperação com a Europa, o Oriente

Próximo, o Extremo Oriente e a África (CERVO; BUENO, 2008, p. 270).

O governo Dutra ficou igualmente marcado por sediar a Conferência Interamericana

sobre a Defesa do Continente, do qual resultou na assinatura do Tratado Interamericano de

Assistência Recíproca (TIAR). Evento que teve a presença do presidente dos EUA, Henry

Truman, e do secretário de Estado George Marshall.

O TIAR representou a circunscrição da América Latina ao sistema mundial bipolar

de mecanismos e manutenção da paz e da segurança. Igualmente, “um acordo militar pelo

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qual os Estados Unidos e os países latino-americanos comprometiam-se em apoiar qualquer

signatário em caso de ameaça armada externa (VIZENTINI, 2008, p. 65). E em consequência,

segundo Cervo; Bueno (2008): “[...] a América Latina enquadrava-se na geopolítica

americana sem barganhar uma decisão desse alcance” (CERVO; BUENO, 2008, p. 271).

O TIAR representou, ainda, no entendimento de Sato (1998) duas percepções:

[...] mostra que Washington reconhecia efetivamente a importância estratégica da

região para a estruturação de um sistema de segurança internacional mas, por outro

lado, nessa mesma época as demandas por cooperação econômica recebiam muito

pouca atenção (SATO, 1998, p. 12).

Desse modo, a política e posição hegemônica norte-americana se consolidavam

através de estruturas em que lhe valiam o papel de credibilidade e legitimidade para as suas

próprias políticas, denotando o caráter instrumental tanto da ideologia quanto do direito

internacional como ferramenta à obtenção de um fim: o poder hegemônico. Dado que, a

política externa era de cunho realista dominante.

Através desse quadro, o TIAR representou o aporte legítimo nos quesitos de

segurança, defesa e economia, enquanto no sentido político o seu complemento foi a criação

da Organização dos Estados Americanos (OEA), em 1948. Em vista disso, os EUA criaram

uma forma de atrelar à política dos países latino-americanos à tutela norte-americana, como

ressalta Vizentini (2008):

A OEA, como organização regional, institucionalizava a política pan-americanista

desenvolvida desde a Doutrina Monroe, e constituía um elemento valioso para a

diplomacia americana manter sob controle a política interna dos países do continente

(VIZENTINI, 2008, p. 65_66).

Cabe aqui acentuar a criação de uma organização regional de relevância e contrária

aos interesses dos EUA, a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) em 1948,

órgão vinculado a ONU e sediado na capital chilena. Embora a política norte-americana tenha

gerado obstáculos a sua criação e, posteriormente, limitado suas funções, a organização foi

uma vitória as reivindicações dos países latinos junto as Nações Unidas. É o que enfatiza

Vizentini (2008):

[...] a Cepal constituiu uma verdadeira Escola, que influenciou uma geração de

políticos e economistas, além de dar grandes contribuições teóricas sobre a questão

da dependência. Além disso, consolidou-se como um centro que defendia o

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desenvolvimento dos países latino-americanos, divergindo da ortodoxia liberal dos

Estados Unidos (VIZENTINI, 2008, p. 66_67).

4.2 Getúlio Vargas/Café Filho (1951-1954)

Após o governo Dutra, Getúlio Vargas voltava ao poder em 1951, sendo dessa vez

eleito pelo voto direto do povo. Com o seu retorno, a política externa voltava a centrar-se

como um elemento propulsor do desenvolvimento nacional – como, por exemplo, a volta da

política de barganha. O período em que Vargas governou o país pela última vez, 1951-1954,

foi bastante tenso: as relações entre a URSS e os EUA estavam bastante inflexíveis, e

ocorreram episódios no cenário internacional que corroboraram esse quadro. Como salienta

concisamente Saraiva (2008):

Uma secessão de crises embalou as relações internacionais da guerra fria entre 1947

e 1955. Iniciada por Berlim e estendida pela Guerra da Coréia, a efervescência das

disputas interimperiais norte-americanas e soviéticas se fez presente em várias partes

do mundo. Os dois gigantes disputavam, quase sempre, novos espaços no

condomínio internacional (SARAVIA, 2008, p. 205_206).

Por conseguinte, o desejo de realização do projeto varguista encontrou inúmeras

dificuldades externas que acabavam por refletir no cenário interno do país e, assim,

desencadearam crises econômicas e políticas. A própria política de barganha encontrava

dificuldades, pois a “bipolaridade então existente não se prestava a ser explorada em termos

de uma barganha pragmática. Bem ao contrário, tendia a limitar tal possibilidade”

(VIZENTINI, 2008, p. 73).

Getúlio compreendeu o cenário estratégico em que estava inserido o Brasil e a

América Latina, o país não mais teria uma atenção especial, uma política irmã dos EUA para

usufruir benefícios. Assim, sobre esse quadro, salienta Saraiva (2008):

“Apesar da desilusão à ausência de financiamento para o desenvolvimento, os países

latino-americanos participaram do ocidentalismo da guerra fria. A região ficara

aceita como área de natural influência dos Estados Unidos” (SARAIVA, 2008, p.

208).

As relações Brasil-Estados Unidos adentraram em um período bastante intenso. A

nomeação de João Neves da Fontoura, para o cargo de Ministro das Relações Exteriores,

simbolizava uma contrapartida após a derrota presidencial do brigadeiro Eduardo Gomes

(UDN) para o próprio Vargas. De acordo com Moniz Bandeira (2007):

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Apesar da derrota do brigadeiro Eduardo Gomes, que contava com maior simpatia

dos americanos, a Standard Oil colocou um representante do governo Vargas. João

Neves da Fontoura, nomeado ministro das Relações Exteriores, era presidente da

Companhia Ultragás S.A., associada á Socony_Vacuum Oil Co. Inc., de Nova York

(grupo Rockfeller) (MONIZ BANDEIRA, 2007, p. 440_441).

No tocante as políticas econômicas, o governo brasileiro se valeu da IV Reunião de

Consulta dos Chanceleres Americanos (uma comissão ad hoc) em 1951, na OEA, para redigir

e apresentar um memorandum. Tal documento fixava “a nova política exterior brasileira,

sobretudo no que se referia à cooperação econômica” (CERVO; BUENO, 2008, p. 274). A

reunião fazia parte, primeiramente, do objetivo da política externa norte-americana de

contenção do comunismo no continente americano e, aproveitando-se do momento, a política

externa brasileira sustentou “sua própria visão sobre a mobilização econômica, [para]

reclamar a cooperação econômica com o parceiro do norte” (CERVO; BUENO, 2008, 274).

E consoante Cervo e Bueno (2008):

Nesse sentido, atuou multilateralmente, durante a consulta, e bilateralmente, ao pedir

a criação de um organismo – integrado por membros dos dois governos – de

cooperação, ágil e sem entraves burocráticos. A reivindicação culminou com a

criação da Comissão Mista Brasil–Estados Unidos para o Desenvolvimento

Econômico (CERVO; BUENO, 2008, p. 274).

Durante a reunião, a delegação brasileira liderou como porta voz das nações menos

desenvolvidas do continente e adotou um tom reivindicatório, o que fez com que os países

latinos também aderissem demandas desenvolvimentistas, como forma de sublinhar as pautas

americanas, mas também barganhar alguma vantagem. Em vista disso, frisa Vizentini (2008):

[...] a delegação do Itamaraty declarou que a proteção dos países latino-americanos

contra o totalitarismo dependia sobretudo do seu desenvolvimento econômico,

argumentando que a instabilidade e a consequente infiltração comunistas eram

resultados do atraso econômico (VIZENTINI, 2008, p. 75).

Sob a vigência da Comissão Mista, Vargas tomou duas atitudes de caráter

nacionalista: “o envio da mensagem ao Congresso, em dezembro de 1951, sobre a criação da

Petrobrás, e o decreto de janeiro de 1952 sobre a regulamentação da remessa de lucros pelas

empresas estrangeiras” (CERVO; BUENO, 2008, p. 278_279). O decreto de regulamentação

de remessa dos lucros de empresas estrangeiras, que em sua maioria eram norte-americanas,

representou significados políticos entre as relações Brasil–Estados Unidos, bem como na

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sociedade brasileira que, a partir de então, começou a formar uma bipolarização entre

nacionalistas e entreguistas.

O mito do relacionamento especial que os EUA tinham com o Brasil ficou evidente a

partir da ascensão de Eisenhower a presidência norte-americana, que em 1953 extinguiu

unilateralmente a Comissão Mista (CERVO; BUENO, 2008). Aliado a isso, “agravou

dramaticamente as perspectivas da diplomacia brasileira e comprometeu o projeto varguista

de desenvolvimento” (VIZENTINI, 2008, p. 82).

O governo Eisenhower, que perdurou por dois mandatos, endureceu a política com a

América Latina e, consequentemente, com o Brasil. Então, Vargas promoveu mudanças nos

ministérios como forma de enfrentar as novas pressões, “Oswaldo Aranha assumiu a pasta da

Fazenda; João Goulart, a do Trabalho; e Vicente Rao substituiu João Neves da Fontoura no

Itamaraty” (MONIZ BANDEIRA, 2007, p. 472). A partir disso, os atritos começaram a

crescer interna e externamente entre o secretário de Estado John Foster Dulles e o embaixador

brasileiro Walter Moreira Sales, através, também, de Vargas. Esse denunciava, em enfáticos

discursos, a emigração em massa de capital privado das empresas estrangeiras e que seguiu de

ação política e legal, na qual restringiu ainda mais essas remessas.

O resultado, conforme Moniz Bandeira (2007) foi que:

As autoridades de Washington protestaram, energicamente, contra o decreto. Não

admitiam qualquer controle sobre os capitais americanos. O Conselho Americano de

Câmaras de Comércio sugeriu, como represália, a suspensão de todos os

empréstimos ao Brasil (MONIZ BANDEIRA, 2007, p. 475).

De 1953 ao dia do seu suicídio, Vargas encarou um ambiente doméstico e externo

fervoroso, pouco flexível, muito duro e golpista. Nacionalistas e entreguistas rivalizavam

internamente dando suportes para algumas ações externas. A cada passo, como a criação da

Petrobras, Eletrobrás, Plano de Valorização da Amazônia, Remessa de Lucros etc., se

acirravam as rivalidades. O ex-ministro João Neves da Fontoura, Afonso Arinos (UDN),

Carlos Lacerda e outros “acusaram Vargas de querer instalar uma República Sindicalista no

Brasil” (VIZENTINI, 2008, p. 87). Esses, então, representavam a ponta de lança e o teor de

uma oposição raivosa, entreguista e reacionária.

Internacionalmente os EUA representaram uma ativa relação durante o período,

como a vinda do subsecretário de Estado Dean Acheson ao Brasil, com o explícito objetivo de

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trabalhar “ostensivamente para liberar a remessa de divisas estrangeiras” (VIZENINI, 2008,

p. 88). O subsecretário conseguiu atingir seu objetivo “através do projeto do governo sobre o

mercado livre de câmbio. O executivo e o legislativo cediam às pressões americanas”

(VIZENTINI, 2008, p. 88), as quais não seriam somente, durante todo esse período histórico,

legais e através do congresso. As pressões tornar-se-iam ações mais enérgicas em defesa da

hegemonia americana. Assim, conforme Moniz Bandeira (2007):

O nacionalismo dos países atrasados, coloniais ou semicoloniais, e o comunismo

identificavam-se, perante os Estados Unidos, na contestação ao status quo. Os

Estados Unidos, refreados na Coréia, intensificaram a guerra subversiva contra os

governos que lhes resistiam ao predomínio. A CIA tornou-se eficiente empresária de

golpes e sublevações (MONIZ BANDEIRA, 2007, p. 480).

O período entre o suicídio de Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954, e a posse de

Juscelino Kubitscheck, em 31 de janeiro de 1956, “representou nitidamente um retrocesso

conservador” (VIZENTINI, 2008, p. 91). Após Café Filho, vice de Getúlio, assumir a

Presidência da República, nomeou Raul Fernandes (UDN) para chefiar o Itamaraty e Eugênio

Gudin, liberal da linha da Escola de Chicago, para o Ministério da Fazenda (VIZENTINI,

2008).

A política nacional ficou marcada pela liberalização de entrada ao capital

internacional na economia brasileira. Logo, em 1955 o diretor da Superintendência da Moeda

e do Crédito (Sumoc), Otávio Gouvêia de Bulhões, anulou os obstáculos à evasão de capital

estrangeiro constituídas por Vargas25

. “Essa medida anulava a reforma de outubro de 1953,

efetuada pela Instrução 70, e instituía um regime de privilégio para os capitalistas

estrangeiros, ou melhor, americanos” (MONIZ BANDEIRA, 2007, p. 498).

Já um dos principais aspectos da política externa do curto período se refere a

aproximação e cooperação dos Estados Unidos no âmbito da exploração de energia atômica

(CERVO; BUENO, 2008). Consequentemente, segundo Cervo; Bueno (2008):

Os dois países assinaram no Rio de Janeiro, em 3 de agosto de 1955, o acordo de

cooperação sobre uso civis de energia atômica e o Programa Conjunto de

25

“Enquanto o industrial brasileiro precisava licitar câmbio, muitas vezes a taxas proibitivas, o estrangeiro podia

trazer do exterior, sem qualquer cobertura, os meios de produção, novos ou obsoletos, que desejasse, embora o

Brasil já fabricasse similares. O mecanismo da Instrução 113 compelia o empresário nacional a recorrer ao

capital de participação, isto é, a associar-se ao capital estrangeiro, que exigia, como primeira condição, a entrega

de 51% das ações e o controle administrativo da empresa” (MONIZ BANDEIRA, 2007, p. 498).

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Cooperação para o Reconhecimento dos Recursos de Urânio no Brasil (CERVO;

BUENO, 2008, p. 285).

Nesse contexto, as rivalidades continuavam latentes. Nacionalistas faziam pesadas

críticas ao governo por este ceder as pressões norte americanas em defesa de seus interesses.

Juarez Távora, chefe da Casa Militar da presidência da república, o qual “iniciou a revisão da

política brasileira de energia nuclear” (MONIZ BANDEIRA, 2007, p. 499), foi um dos

principais alvos. Isto posto, Moniz Bandeira (2007) revela que:

A embaixada americana remeteu-lhe quatro documentos secretos [...] O documento

secreto n. 1 consistia na minuta de um acordo sobre pesquisa de materiais físseis [...]

O numero 2 [...] era uma nota expositiva sobre as pretensões do governo de

Washington, que acreditava existirem, no Brasil, depósitos de minérios ricos em

Urânio, economicamente exploráveis. Os números 3 e 426

[...] tinham caráter de

notas verbais, sem data e sem assinatura, e criticavam, acerbamente, a politica

nuclear seguida pelo Brasil, em meio a afrontas e ameaças (MONIZ BANDEIRA,

2007, p. 499).

O curto período de tempo, representado pelo governo Café Filho, “em termos de

política exterior, principalmente no que tange as relações com os Estados Unidos, um retorno

ao período Dutra” (CERVO; BUENO, 2008, p. 286). Após o suicídio de Vargas, em 1954, o

país viveu uma política externa caracterizada pelos mesmos conceitos ou similares, até o ano

de 1958.

4.3 Juscelino Kubitschek (1956-1961)

Juscelino Kubitschek (JK) e João Goulart venceram as eleições para a presidência e

vice-presidência da República, respectivamente, em 3 de outubro de 1955. Posteriormente

ocorreu uma crise política em que militares da Escola Superior de Guerra (ESG) não

admitiam o retorno de representantes do getulismo e tentaram impedir a posse dos eleitos,

protagonizando o prelúdio do espírito golpista que ascende tanto nesse período quanto

ascendeu no suicídio de Vargas, na posse de Jango em 1961 e, sobretudo, encarnado em 1964.

Porém, ressaltam-se os movimentos que impediram que o golpe chegasse as vias de fato, nos

quais o general e ministro da Guerra Henrique Lott teve papel central no processo de

26

“De autoria de Robert Terril, ministro-conselheiro da Embaixada dos Estados Unidos, e Max White, geólogo

da equipe americana que trabalhava na Bahia [...] O químico Hervásio de Morais Carvalho participou de sua

elaboração e Ellisário Távora, parente do general e funcionário da Embaixada americana, serviu como

intermediário” (MONIZ BANDEIRA, 2007, p. 499).

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assegurar a posse dos eleitos e garantir a constitucionalidade do estado democrático brasileiro

(MONIZ BANDEIRA, 2007).

Esse espírito golpista foi energicamente encabeçado por Carlos Lacerda (UDN), que

como frisa Skidmore (1976):

[...] apelava para “quem têm nas mãos a força capaz de decidir a questão. Basta que

ouçam a voz do seu patriotismo e não a dos que falam em legalidade para entregar o

Brasil a contraventores e criminosos do pior dos crimes, que é o de enganar o povo

com o dinheiro que lhe roubam”. Foram os comunistas que elegeram Kubitschek e

Goulart, clamava Lacerda (SKIDMORE, 1976, p. 188).

Entretanto, a política externa do governo JK foi vigorosamente marcada por dois

períodos distintos: o primeiro, em 1956 e 1957, que se caracteriza por uma espécie de

continuísmo de Dutra, “um nítido retrocesso quanto à perspectiva de autonomia e barganha

ativa face aos Estados Unidos” (VIZENTINI, 2008, p. 97). Já o segundo momento, entre 1958

e 1960, adquiriu o perfil do nacional-desenvolvimentismo, da busca pela política diplomática

multilateral (através da Organização Pan Americana [OPA]) e, conjuntamente, dos

componentes da barganha em detrimento do alinhamento automático.

Assim sendo, na concepção de Sato (1998): “A primeira parte do governo de JK foi

marcada pelo desenvolvimento de acelerado processo de industrialização de seu Plano de

Metas, que previa ‘50 anos em 5’” (SATO, 1998, p. 13).

Igualmente, a respeito do primeiro período, no entendimento de Vizentini (2008):

[...] o Brasil de JK alinhou-se plenamente aos parâmetros do bloco Ocidental até

1958. A barganha de Vargas foi abandonada, assim como uma política externa

minimamente autônoma e ativa como instrumento do desenvolvimento econômico.

Em nível mundial, o Brasil distanciou-se dos movimentos de libertação nacional do

Terceiro Mundo e acentuou seu afastamento em relação ao campo socialista

(VIZENTINI, 2008, p. 101_102).

O distanciamento de relações diplomáticas com o bloco socialista, bem como as

relações comerciais com o mesmo, acompanhou o crescente afastamento de relações com a

América Latina, o que mudaria substancialmente de rumo a partir da OPA. O cenário latino

americano, por oportuno, vivenciava um período efervescente de acordo com Cervo e Bueno

(2008):

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Na América Latina, o momento era de exacerbação do nacionalismo, do

antiamericanismo e da denúncia do imperialismo. As relações entre aquela e os

Estados Unidos encontravam-se em um verdadeiro processo de deterioração

(CERVO; BUENO, 2008, p. 288).

Em vista disso, o governo norte-americano aprofunda a política de contenção e

repressão ao comunismo, uma verdadeira cruzada anticomunista ou a quaisquer políticas que

não representassem o alinhamento requerido pelos moldes estadunidenses, principalmente

aqueles advindos do nacionalismo e do espectro da esquerda. E, assim, em 1957 a política de

“Washington formula a Doutrina Eisenhower, destinada a enfrentar o nacionalismo e

esquerdismo no Terceiro Mundo. [...] existindo cooperação com a CIA” (VIZENTINI, 2008,

p. 102_103).

Cabe aqui ressaltar que antes mesmo de tais eventos, e ainda antes de assumir a

presidência da República, JK visitou os Estados Unidos para dialogar com Eisenhower e com

o secretário de Estado, Foster Dulles, sobre as relações entre os Estados. E, consoante Moniz

Bandeira (2007):

Kubitschek estranhou a preocupação dos americanos com o que, conforme suas

palavras, não constituía perigo algum no Brasil, o comunismo. O secretário de

Estado Foster Dulles, da mesma forma que Eisenhower, não acolheu seus

argumentos em favor de um programa de investimentos, para desenvolver o Brasil,

como fundamental a segurança do sistema. Ambos consideraram prioritárias as

medidas de repressão (MONIZ BANDEIRA, 2007, p. 515).

A política externa do governo JK daria uma guinada em meados do ano de 1958,

após um conjunto de fatores internos e externos estruturarem essa mudança significativa.

Aspectos relevantes e específicos marcaram esse novo quadro. “A retomada de uma ativa

política externa de barganha face aos Estados Unidos, bem como um discurso diplomático de

tom nacionalista” (VIZENTINI, 2008, p. 104) demonstraram os novos rumos ao Estado

brasileiro. A mudança ficou claramente influenciada, segundo Vizentini (2008), pelas:

[...] pressões do capital estrangeiro, a crise e a transformação da sociedade brasileira,

a radicalização do debate interno sobre as relações exteriores, por um lado, e os

crescentes antagonismos sociopolíticos latino-americanos, a Revolução Cubana, a

emergência do campo socialista na cena internacional, o incremento da

descolonização e a criação da Comunidade Econômica Europeia, por outro,

encontram-se na raiz desta mudança de atitude (VIZENTINI, 2008, p. 104).

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Através dessa conjuntura expressa, JK e a política externa brasileira empreenderam

esforços e conseguiram lançar a Organização Pan-Americana, a qual ficou marcada por uma

relevante iniciativa e forte pioneirismo. Ademais, a OPA representava, conforme Cervo e

Bueno (2008):

[...] uma proposta de cooperação internacional de âmbito hemisférico, na qual se

insistia na tese de que o desenvolvimento e o fim da miséria seriam as maneiras mais

eficazes de se evitar a penetração de ideologias exóticas e antidemocráticas, que se

apresentavam como soluções para os países atrasados (CERVO; BUENO, 2008, p.

290).

A política externa brasileira a partir do ano de 1958, sobretudo após a perspicaz

iniciativa da OPA, representava o inicio de uma mudança de paradigma, bem como uma

reação dos países subdesenvolvidos à conjuntura que à América Latina estava sendo imposta

pelo bloco capitalista, especificadamente, pelos EUA. Após depreender “as falsas prebendas

do ocidentalismo liberal dos tardios anos de 1940, o Brasil retomou, nos anos 1950, seu viés

nacionalista e desenvolvimentista. A OPA [...] foi a expressão de um movimento autônomo

[...]” (SARAIVA, 2008, p. 226).

O esforço executado por Juscelino, na busca pelo objetivo de esboçar uma reação

norte-americana de maior atenção ao continente, abrange um sagaz entendimento do

momento pelo qual passava as relações exteriores da América Latina com os EUA. Como os

seguintes expressivos episódios: a grande rejeição a visita do vice-presidente Nixon ao Peru e

Venezuela e “a tomada do poder por Fidel Castro em Cuba em 1959. [Assim] ficava claro que

os tradicionais aliados do continente poderiam, perfeitamente, transformar-se em focos de

hostilidade à política americana” (SATO, 1998, p. 14).

Nesse cenário o presidente brasileiro entra em negociação com Eisenhower – o que

cabe aqui ressaltar pela importância e pelo objetivo expresso do presente trabalho. O

presidente norte-americano considera importante a melhora das relações e, assim, envia o

subsecretário ao Brasil “para acertar a data e os detalhes da viajem de Foster Dulles,

anunciada como passo preliminar para o melhoramento das relações entre os Estados Unidos

e os países latino-americanos” (MONIZ BANDEIRA, 2007, p. 521).

No dia 4 de agosto de 1958 Dulles chega ao Brasil e, em reunião com Kubitschek,

“tropeçam, logo de saída, numa série de divergências. As mesmas que discutiram em janeiro

de 1956. Dulles reduzia todos os problemas da América Latina à luta contra o comunismo”

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(MONIZ BANDEIRA, 2007, p. 523). Dessa forma, ficavam evidentes os desacordos e, no

entanto, após intensa negociação “os Estados Unidos reconheciam, pelo menos formalmente,

os princípios da Operação Pan-Americana, sua doutrina sobre o atraso e a pobreza do

continente” (MONIZ BANDEIRA, 2007, p. 524).

No mesmo sentido, observa Vizentini (2008):

Dulles [...] apresenta ao presidente brasileiro a minuta de uma declaração conjunta

que praticamente ignora a OPA e enfatiza unicamente o combate ao comunismo,

desejando maior repressão à subversão esquerdista, coordenação dos serviços de

inteligência, recusando a concessão de financiamentos a Petrobras. JK rechaçou a

minuta e, frente ao completo fracasso do encontro, Dulles vê-se na obrigação de

ceder: os princípios da OPA são reconhecidos pelos Estados Unidos, que aceitam a

criação de uma entidade financeira continental (o Banco Interamericano de

Desenvolvimento/BID) (VIZENTINI, 2008, p. 112).

O advento da OPA não se limitou somente a consequência concreta da criação do

BID, mas “a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC) e a Aliança para o

Progresso do presidente Kennedy foram relacionadas à proposta brasileira” (CERVO;

BUENO, 2008, p. 292_293). Por esses motivos, apesar de seus limites, pode-se evidenciar

que, no âmbito da cooperação econômica e, sobretudo, no sentido de resposta norte-americana

aos anseios latinos, a OPA ocupou relevante papel ao comprimento da sua finalidade. A partir

da OPA os EUA passariam a dar maior atenção as Américas.

Todavia, a OPA foi alvo de críticas contundentes, como as de Oswaldo Aranha, que

entendia a iniciativa como uma política para o futuro, não respondia aos problemas mais

básicos e imediatos do Brasil. E a conclusão em que chega Cervo e Bueno (2008) é que:

Com efeito, apesar do ímpeto inicial, a OPA não avançava. Lançada em maio de

1958, em 1960 era mais intenção do que projeto concreto, pois carecia de

consistência – não obstante alguns progressos – para a sua implementação. A OPA,

assim, foi uma ideia feliz, aceita por todo hemisfério, mas careceram-lhe projetos

específicos para se passar à ação (CERVO; BUENO, 2008, p. 295).

Embora os objetivos da OPA fossem claro-evidentes, a política externa brasileira,

assim como JK, flertavam com uma política multilateral. Uma solução possível para “as

necessidades econômicas, o acirramento da disputa nacionalistas versos entreguistas e a

evolução do contexto regional e mundial” (VIZENTINI, 2008, p. 112). Através dessa nova

atuação, buscam modificar o perfil da diplomacia brasileira para um caráter mais pragmático

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e de barganha frente aos EUA. O que fica evidente após a aproximação, no âmbito comercial,

com países socialistas e o debate acerca do reatamento de relações com a URSS.

O fim do governo de Juscelino Kubitschek ficou marcado pelo antiamericanismo e

pela Revolução Cubana no continente americano e, nesse ínterim, a volta da política de

barganha, uma política externa pragmática como forma de desenvolvimento nacional, o

advento da OPA e, por conseguinte, ensaiou a multilateralização das relações exteriores do

Brasil. Conforme Cervo; Bueno (2008), “assentaram-se as bases da posterior Política Externa

Independente e balizou-se o início da história contemporânea da diplomacia brasileira”

(CERVO; BUENO, 2008, p. 306).

4.4 Jânio Quadros/João Goulart (1961-1964)

No dia 31 de janeiro de 1961 ocupava o mais alto cargo da República brasileira um

corpo estranho. Essa adjetivação interrogativa foi atribuída a Jânio Quadros por Thomas

Skidmore. “Quadros entrou no cenário político como um corpo estranho, por excelência. Por

não estar ele definitivamente identificado como um líder anti-Vargas (embora ninguém o

considerasse jamais um getulista) [...]” (SKIDMORE, 1976, p. 231).

O breve período de ascensão e queda de Quadros (sete meses incompletos) está

inserido em uma conjuntura aglutinadora maior – a Coexistência Pacífica27

–, em que

emanam influências ao quadro político brasileiro e ao inspirado pelo presidente (o que já fora

perceptível no governo Kubitschek).

No cenário latino-americano, o período da coexistência pacífica ficou marcado pela

escalada das chamadas Políticas Externa Independentes (PEI). E, nesse caso, compreende-se

como consequência, segundo Saraiva (2008) que:

A evolução da ideia do ‘quintal’ dos Estados Unidos para uma noção moderna de

alinhamento negociado foi uma conquista conceitual dos movimentos de

27

Este momento ficou caracterizado como: o “aggiornamento econômico e político da Europa Ocidental”

(SARAIVA, 2008, p. 213), representado pelo bem sucedido Plano Marshall, constatando a volta da estabilidade

europeia; “a própria flexibilização intra-imperial, tanto no sistema de poder dos norte-americanos quanto no

soviético” (SARAIVA, 2008, p. 213), Truman deixa a presidência em 1953 e Eisenhower vislumbra a

necessidade de uma mudança de perfil de inserção internacional estadunidense, pois os “grandes volumes de

bombas e maciços investimentos na indústria do policiamento mundial não eram suficientes para construir a

legitimidade internacional” (SARAIVA, 2008, p. 213). O puro e simples policiamento repressivo já não

encontrava apoio nos governos latino-americanos, vide a criação da OPA no governo JK e, especialmente, a

Revolução Cubana. Outro fator característico do momento histórico é a cisão sino-soviética, resultando na

ascensão de uma nova potência comunista no Oriente. E, sobretudo aos países subdesenvolvidos, a

descolonização das nações afro-asiáticas.

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independência das políticas externas de países como Argentina e Brasil (SARAIVA,

2009, p. 214).

O quadro internacional em que estava inserido o governo Jânio Quadros era delicado

e a política externa desempenhada pelo governo foi claramente heterodoxa. No entanto, não

houve uma “quebra de continuidade da conduta internacional do Brasil. Isso porque ela era

informada por um conjunto de ideias que provinham do nacional-desenvolvimentismo-

populista do período” (CERVO; BUENO, 2008, p. 309). Entretanto, a “sua relutância em

concordar com o boicote americano a Cuba e sua visita a essa ilha mostravam que ele seguira

uma política menos pró-americana do que qualquer presidente brasileiro desde a Segunda

Guerra Mundial” (SKIDMORE, 1976, p. 245).

No sentido de caracterizar a Política Externa Independente, de modo geral, Vizentini

(2008) elucida que a PEI “apresentava um conjunto de princípios articulados, extrapolava o

âmbito regional, abria perspectivas mundiais e dava à política externa um lugar de destaque

na vida nacional” (VIZENTINI, 2008, p. 123). De modo mais denso, conforme Cervo e

Bueno (2008):

A política exterior inaugurada por Jânio Quadros [...] partia de uma visão universal,

embora sem descurar do regional; possuía um caráter pragmatista, pois buscava os

interesses do país sem preconceitos ideológicos; e, para melhor consecução desses

objetivos, adotava postura independente em face de outras nações que tinham

relacionamento preferencial com o Brasil. A PEI calcada no nacionalismo, não só

não ampliou a política de JK em termos de geografia, como também enfatizou as

relações Norte-Sul (CERVO; BUENO, 2008, p. 310).

A frente do Itamaraty estava o chanceler Afonso Arinos de Melo Franco e,

juntamente com Quadros desenvolveram a PEI sob certos fundamentos. Os mais relevantes

são os seguintes: “mundialização das relações internacionais do Brasil [...]; atuação isenta de

compromissos ideológicos” (CERVO; BUENO, 2008, p. 311), o que demonstra uma busca

por maior autonomia frente aos EUA; “[...] ênfase na bissegmentação do mundo entre Norte e

Sul, e não Leste e Oeste” (CERVO; BUENO, 2008, p. 311), recorrendo, assim, a análises

sociopolíticas e não somente ideológicas, buscando, desse modo, uma política comercial

pragmática; “[...]; adoção dos princípios da autodeterminação dos povos e da não-

intervenção” (CERVO; BUENO, 2008, p. 311_312), entre outros.

Assim sendo, as bases da política externa do governo Jânio Quadros e da PEI

estavam postas. Uma política um tanto pretenciosa para a realidade de autonomia e poder

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internacional brasileiro e, ao mesmo tempo, uma política inspiradora, menos dependente e

mais progressista. Evidentemente isso provocou instabilidade e críticas por parte da ala

política conservadora, mesmo tendo desenvolvido uma política interna nitidamente ortodoxa e

impopular. Conforme Skidmore (1976):

A reação nacional à política externa “independente” constituía apenas um reflexo do

fato de que Jânio não podia esperar aplacar a esquerda nacionalista com a política

externa, sem ao mesmo tempo irritar importantes elementos conservadores e do

centro (SKIDMORE, 1976, p. 246).

O governo Jânio Quadros ficou caracterizado principalmente pela PEI e seus

ditames, pelo conservadorismo político e econômico interno que, logo, acelerou o acirramento

entre os representantes do nacionalismo e do liberalismo entreguista. Cabe, ainda, ressaltar a

reação positiva norte-americana à política interna ortodoxa, conforme MONIZ BANDEIRA

(2007):

Quadros contou, efetivamente, com ampla simpatia dos círculos oficiais e

financeiros dos Estados Unidos. Conquistou o apoio do Pentágono com a nomeação

para os ministérios militares de oficiais francamente conservadores e

anticomunistas. E consolidou a confiança dos banqueiros de Wall Street no seu

governo, adotando, imediatamente, as medidas para a estabilização monetária [...]

(MONIZ BANDEIRA, 2007, p. 556).

Caracterizou-se, também, pela aproximação diplomática e comercial com países do

bloco socialista28

, URSS e China, buscou comércio e aproximação política com a Europa

Oriental e o Oriente Médio, bem como com as nações recém-descolonizadas da África e da

Ásia, demonstrando o ensaio da multilateralização das relações internacionais brasileiras.

Coincide, ainda, o lançamento da Aliança para o Progresso, do governo Kennedy em 13 de

março de 1961.

A gestão Kennedy compreendeu o antiamericanismo dos povos latino-americanos e,

desse modo, concebia que Washington teria que abordar sua hegemonia no continente de

outra forma. Uma política somente dura e repressiva não demonstrava ser o caminho para a

manutenção do status quo. Como contextualiza MONIZ BANDEIRA (2007) acerca do tema:

28

Cabe aqui ressaltar uma aproximação simbólica, e um ato específico, aos países socialistas, a condecoração a

“Che” Guevara “por Jânio Quadros com a Ordem Cruzeiro do Sul em 19 de agosto de 1961” (VIZENTINI,

2008, p. 151). O que provocou uma reação interna violenta.

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Em outras palavras, os Estados Unidos teriam de aceitar senão promover algumas

reformas no continente, se quisesse impedir a revolução social e salvar a essência do

seu domínio. Este, o sentido da Aliança para o Progresso, que se desdobraria,

politicamente, no apoio dos Estados Unidos à chamada democracia progressista ou

esquerda democrática [...] (MONIZ BANDEIRA, 2007, p. 555).

A Aliança para o Progresso produziu intenso debate na América Latina sobre suas

causas, consequências e objetivos. Assim, de acordo com Cervo; Bueno (2008):

Para os críticos, a Aliança situava-se no plano norte-americano destinado a “manter

e reforçar a influência dos Estados Unidos sobre a América Latina”, e era visto

como “contrapartida positiva do esforço americano para esvaziar a revolução

cubana”. A Aliança seria, assim, reformista e contra-revolucionária, reedição de uma

forma de “imperialismo ilustrado” norte-americano, oposta à reforma social e pela

manutenção do status quo (CERVO; BUENO, 2008, p. 324).

Uma das questões relevantes da política externa de Jânio para o cenário político

interno do Brasil, a qual gerou intenso debate e acirramento político nacional (entre tantas),

foi essa reaproximação das relações com o bloco socialista. Através de delegações especiais,

na busca de relações comerciais, enviou representantes a URSS e seu vice, João Goulart, a

China. Esse, nesse momento, recebeu o telegrama sobre a renúncia de Jânio e que,

constitucionalmente, era o presidente do Brasil. Desde então, até a sua posse, o Brasil viveu

uma intensa crise política. Concisamente ilustrada nas palavras de Skidmore (1976):

A Constituição de 1946 não deixava dúvidas sobre o procedimento a seguir no caso

de vagar a presidência. O artigo 79 declarava simplesmente que o vice-presidente

substitui o Presidente. Apesar desta clara disposição, o problema da posse de

Goulart levantou imediatamente um violento debate. Somente após uma crise de dez

dias, incluindo a ameaça de uma guerra civil e de uma emenda constitucional,

estabelecendo um governo parlamentarista, instalou-se o vice-presidente no palácio

presidencial (SKIDMORE, 1976, p. 252).

Internacionalmente, as relações com os EUA, sobretudo, passaram por vigorosas

tratativas e especulações. O candidato à presidência derrotado por Kennedy em 1961, Richard

Nixon, “declarou que chegara a hora de os Estados Unidos intervirem militarmente no Brasil”

(MONIZ BANDEIRA, 2007, p. 566). Intenção solidamente rechaçada por Kennedy. Depois

de acentuada crise política, demonstrando os anseios golpistas internos e externamente, o são-

borjense João Belchior Marques Goulart assume o poder em regime parlamentarista.

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A gestão de Goulart (1961-1964) se concentra em dois períodos distintos ou duas

fases que podem ser analisadas sob certos aspectos específicos, como ressalta Vizentini

(2008):

A primeira fase do Governo Goulart transcorreu sob o regime parlamentarista, e a

atuação do presidente se concentra em tentar recuperar os poderes típicos de um

sistema presidencialista. A partir de 1963, com esse poder nas mãos, Goulart luta

para conservá-lo, em meio a crescente oposição e caos (VIZENTINI, 2008, p. 161).

Na chefia do Ministério das Relações Exteriores do novo regime recém-instalado

está San Tiago Dantas, sucedendo Afonso Arinos de Melo Franco. O chanceler não deu

somente continuidade a PEI como também “tornou-se um dos mais importantes formuladores

da Política Externa Independente” (CERVO; BUENO, 2008, p. 328). E, segundo o ministro,

essa política era baseada na

consideração exclusiva do interesse do Brasil, visto como um país que aspira (I) ao

desenvolvimento e à emancipação econômica e (II) à conciliação histórica entre o

regime democrático representativo e uma reforma social capaz de suprimir a

opressão da classe trabalhadora pela classe proprietária (CERVO; BUENO, 2008, p.

328)

Durante o período de governo João Goulart a política externa brasileira (PEB), sob o

comando de San Tiago Dantas, encontrou a sua face mais profundamente engajada no

desenvolvimento econômico e social do país. E, nesse sentido objetivo e pragmático da PEB,

a nação encontraria as medidas necessárias para, segundo o chanceler, “acautelar a

democracia americana dos riscos políticos que a ameaçam, nossas atenções terão de

concentrar-se em medidas de promoção do desenvolvimento e da emancipação econômica e

social” (CERVO; BUENO, 2008, p. 330). Essas seriam as únicas diretrizes “capazes de

fortalecer a estrutura política desses países“ (CERVO; BUENO, 2008, p. 330).

A promoção da PEI, sob a liderança de Dantas, representou a busca por uma

consolidação legítima de nível mundial para alavancar o Brasil no continente sul-americano,

em defesa dos ideais ocidentais. Isto posto, Vizentini (2008) entende que o “Brasil esperava

lograr uma posição de liderança, ou ao menos uma destacada importância no hemisfério sul

para, concomitantemente, poder ser cortejado pelos Estados Unidos como um aliado

importante do Ocidente” (VIZENTINI, 2008, p. 171). Conjuntamente, “reafirmou o

relacionamento internacional sem discriminações, contrário a blocos, na ‘base de absoluta

igualdade’, e com atenção especial a Argentina” (CERVO; BUENO, 2008, p. 330).

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Desse modo, a política pragmática e de barganha assume um papel central na

formulação do cenário dicotômico perfeitamente alinhado ao quadro da Guerra Fria. Nesse

sentido, “em 23 de novembro de 1961, foram reestabelecidas relações diplomáticas [com a

União Soviética], interrompidas desde 20 de outubro de 1947” (CERVO; BUENO, 2008, p.

343). E, para Dantas, de acordo com Cervo; Bueno (2008):

o reatamento decorria da universalização das relações internacionais do Brasil,

necessária à ampliação do mercado para os seus produtos e, também, da intenção de

contribuir para a coexistência e, com esta, para a causa da paz (CERVO; BUENO,

2008, p. 343).

Entretanto, o quadro político interno acentuava-se cada vez mais em acirramentos

ideológicos radicais, muitos advindos da própria PEI, conforme demonstra Vizentini (2008):

“Iniciaram-se atentados da extrema-direita, começando em fevereiro por um ataque à bomba

pelo grupo MAC (Milícia Anticomunista) contra a missão comercial soviética no Rio de

Janeiro” (VIZENTINI, 2008, p. 175). Assim como, o “crescimento das Ligas Camponesas

lideradas por Francisco Julião, e o amadurecimento político de amplos segmentos do

campesinato nordestino” (VIZENTINI, 2008, p. 176) que, por motivo do viés ideológico,

geravam inquietação e preocupação em Washington.

A partir de então, e com a proximidade das eleições para governadores e para o

Congresso, os Estados Unidos, através da Central Intelligence Agency (CIA), começaram a

atuar dentro do território brasileiro, conforme Vizentini (2008):

A CIA começou a atuar com maior intensidade no Brasil, e apoia empresários,

políticos e militares opostos ao governo que criavam entidades como o Instituto de

Pesquisa e Estudos Sociais (Ipes) e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática

(Ibad). Essas organizações aproximaram-se da ESG [Escola Superior de Guerra] e

receberam ajuda americana e de empresas multinacionais e brasileiras (VIZENTINI,

2008, p. 176).

Concomitantemente, países latino-americanos davam sinais de fragilidade

democrática no continente, abrindo perigosos precedentes para os países envoltos, bem como

demonstrando que conjuntura de forças estava posta nos países latinos. Em maio de 1962, o

presidente argentino Frondizi foi deposto, provocando, ainda, contundentes consequências a

PEB e “a interrupção da aproximação, iniciada em 1958, entre os dois maiores países da

América do Sul” (CERVO; BUENO, 2008, p. 332).

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É pertinente, ainda, sublinhar um episódio específico em que se torna claro o cenário

político brasileiro. Consoante Vizentini (2008):

Em abril de 1963 o governo, sob forte pressão da UDN, militares, Estados Unidos,

Igreja e outros segmentos conservadores, proíbe a realização no Rio de Janeiro de

um Congresso Internacional de Solidariedade a Cuba. O Itamaraty negou vistos de

entrada para Bertrand Russell, Jean-Paul Sartre, Lázaro Cárdenas e outras

personalidades, que desejavam assistir ao congresso (VIZENTINI, 2008, p. 180).

A partir da conquista dos plenos poderes presidenciais, com a retomada do regime

presidencialista em janeiro de 1963, João Goulart articula uma reforma ministerial29

,

encarando profunda crise política até o redentor golpe de Estado em 1964. João Afonso de

Araújo Castro assume o Ministério das Relações Exteriores, com características

expressamente realistas “o neutralismo é formalmente deixado de lado, enfatizando-se

exclusivamente a pauta econômica” (VIZENTINI, 2008, p. 183).

Desde a renúncia de Jânio Quadros o país viveu uma crise política contínua que se

aprofundava deliberadamente, como frisa o historiador Carlos Fico (2014): “grupos nacionais,

com apoio dos Estados Unidos, patrocinaram, entre 1961 e 1964, uma grande campanha

contra o presidente João Goulart que envolveu muito dinheiro e extensiva atividade de

propaganda” (FICO, 2014, p. 30_31). No entanto, a intenção de golpe “pela sua derrubada,

pode-se afirmar com segurança, começou em 1963” (FICO, 2014, p. 31).

A atuação de agentes importantes desse processo como, por exemplo, o Embaixador

Lincoln Gordon, os políticos Carlos Lacerda e Ademar de Barros, como, também, os militares

golpistas e a atuação financeira do governo dos EUA através dos institutos: Instituto de

Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes) e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad)30

representaram o cerne da marcha em direção ao golpe. Soma-se, ainda, o “Coronel Vernon

Walters (adido militar da Embaixada americana) e Dan Mitrione, inequivocamente associados

à CIA e aos golpistas brasileiros” (VIZENTINI, 2008, p. 190).

Nesse âmbito, houve um episódio que endureceu ainda mais as relações entre os

EUA e o Brasil, conforme Vizentini (2008):

Em fins de novembro, Kennedy era assassinado nos Estados Unidos, levando a um

endurecimento da política interna e externa dos Estados Unidos sob a gestão do

29

Ocorreram durante o governo Goulart várias mudanças ministeriais, acentuo, aqui, a gestão Araújo Castro.

Pois, esta irá até o golpe em março de 1964. 30

Altamente documentas.

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Vice-presidente Lyndon Johnson. A Alpro [Aliança para o Progresso] começa

lentamente a ser desativada, a escalada no Vietnã acelera-se e. sobretudo, a política

latino-americana pautou-se pela radicalização de Washington, bem como o

demonstram o golpe militar de 1964 no Brasil e a intervenção na República

Dominicana no ano seguinte (VIZENTINI, 2008, p. 191).

A partir disso, as relações somente se deterioraram, os acirramentos políticos

internos cresciam substancialmente, o espectro reacionário golpista ganhava força e a PEI não

convergia com a estabilidade democrática. “[...] os golpistas de 1964 identificavam-se com o

projeto da ESG de ‘segurança e desenvolvimento’” (VIZENTINI, 2008, p. 194). Igualmente,

a PEI “ficou sem poder de barganha ante o parceiro hegemônico que, ao invés de barganhar,

passou a adotar medidas que contribuíram para sua queda” (CERVO; BUENO, 2008, p. 363).

O modo pelo qual o governo dos Estados Unidos e seus agentes políticos, militares e

civis, atuaram em favor da desestabilização e sustentação do golpe militar, no intuito de tirar o

presidente João Goulart do poder, rompendo com um Estado democrático, torna-se o objetivo

específico do próximo capítulo e, por conseguinte, do presente trabalho.

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5. WASHINGTON E O GOLPE CIVÍL-MILITAR BRASILEIRO

“A queda foi rápida, mas a conspiração foi longa” (TAVARES, 2014, p. 15). A

profunda conspiração norte-americana – através do presidente John F. Kennedy e seu sucessor

Lyndon Johnson, de agentes da CIA (como Dan Mitrione, cabo Anselmo...), da embaixada no

Rio de Janeiro e seu embaixador Lincoln Gordon, do adido militar no Brasil o exímio coronel

Vernon Walters, dos assessores e secretários Thomas Mann, Richard Goodwin e Robert

McNamara etc. – se tornou especialmente bem sucedida no processo de organizar, fomentar e

custear a ação de depor, no quintal latino-americano, através de um golpe de Estado, um

presidente democraticamente eleito.

No entanto, há de se salientar que o decurso do golpe de Estado em 1964 foi,

sistematicamente, perpetrado pelos militares brasileiros, assim como, em certa medida, por

civis brasileiros. Políticos, empresários, jornalistas, artistas, entre outros, tiveram sua parcela

na defesa pela família com Deus pela liberdade contra o comunismo, na suposta redentora

revolução de março de 1964. Frisar-se-á, por oportuno, somente a margem de ação, através de

alguns intrincados episódios31

, em que estavam envolvidos, de algum modo, os Estados

Unidos da América32

.

Como, também, encerrar o presente trabalho – após analisar as multicausalidades (a

partir do prisma das relações internacionais) que atuaram na ruptura democrática brasileira;

desde a formação da nova ordem mundial pós Segunda Guerra, o desenvolvimento do modelo

de hegemonia norte-americana para a América Latina, dentro do contexto da Guerra Fria, e o

breve histórico das relações nacionais com Washington –, sob este ponto de análise

específico. E, desse modo, compreender a presença dos Estados Unidos nesse episódio tão

importante da história brasileira.

31

Dado a profunda interação, através de variados modos, dos EUA com o processo de derruba do presidente

João Goulart, cabem aqui somente alguns passos. 32

Pesquisa que, após 50 anos, enriqueceu o debate por universidades e o governo norte-americano levar a

público centenas e milhares de documentos oficiais e secretos. Alguns aqui em destaque.

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5.1 30 de julho de 1962

A importância estratégica do Brasil para a política externa norte-americana, dentro

do contexto de atuação dos interesses do Estado definido em termos de poder, característico

do período e do modelo de hegemonia dos EUA para a AL, teve grande queda a partir do fim

da Segunda Guerra. Desse modo, a América Latina e, assim, o Brasil, adentraram em uma

reorientação de importância para a formulação dos quadros de influência de Washington. E,

somente a partir de 1958 após as desastrosas visitas de Nixon à AL e a formalização do

regime socialista cubano em 1961, é que o continente e o Brasil voltam a ter relevância de

influência e ocidental.

Após as visitas de Nixon “ficou patente, para o governo norte-americano, que a

imagem dos Estados Unidos na América Latina era simplesmente péssima” (FICO, 2008, p.

56). Por conseguinte, as relações internacionais dos EUA com a AL iriam se enquadrar com

maior dureza nos moldes da Realpolitik e, dessa forma, a segurança, o anticomunismo, o

apoio aos partidos e políticas conservadoras e repressoras dominou durante esse período.

Ademais, conforme FICO (2008):

Toda a questão cubana traria enormes consequências para a América Latina. [...]

persistiria nos gabinetes governamentais norte-americanos, [...] uma postura de

paranoica vigilância, traço fundamental para o desenvolvimento da nova política

para a América Latina, baseada no fortalecimento dos militares da região, vistos

como bastiões contra quaisquer sonhos revolucionários, e na política de ajuda

econômica, sobretudo como pretexto para a construção de uma imagem mais

positiva dos Estados Unidos e para a ampliação de sua capacidade de influir (FICO,

2008, p. 58).

Isto posto, a data em destaque vem a cabo como momento chave da posição de

Washington sobre o cenário político brasileiro e a projeção futura. Logo, no dia 30 de julho de

1962 o embaixador norte-americano no Brasil, Lincoln Gordon, se reúne na Casa Branca33

com o presidente Kennedy, Richard Goodwin e McGeorge Bundy (subsecretário de Estado

33

“Nessa manhã, a Casa Branca havia inaugurado o serviço de gravação permanente das audiências ou

telefonemas presidenciais e tudo ficou registrado. A conversação permaneceu como ‘confidencial’ e ‘top secret’

durante trinta anos. Liberada ao público a partir de 1992 em forma progressiva, as partes mais comprometedoras

ainda permanecem ocultas, interrompidas por um chiado forte e intermitente na gravação disponível, copiada da

original” (TAVARES, 2014, p. 97).

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para Assuntos Interamericanos e assessor presidencial de Segurança Nacional,

respectivamente), com o objetivo de analisar os rumos da política brasileira34

.

A ocasião fica marcada, também, pelo protagonismo do embaixador Lincoln Gordon

no processo de ditar o pensamento da Casa Branca acerca da análise do processo político

desenvolvido no Brasil. O que o torna um ator deveras importante sobre os episódios

subsequentes e os tramites ligados a real e meticulosa articulação.

A reunião inicia-se precisamente às 10 horas e 55 minutos e finda às 12 horas e 55

minutos. E, dando o tom, o embaixador Gordon fala acerca do presidente Goulart, segundo

Tavares (2014):

- Em termos pessoais, estamos muito bem, ele e eu, e isso é bom. Ele é um homem

franco. Conversei com ele sobre seu partido e disse que não sabia explicar ao

presidente dos EUA, e a todos, como é que o novo ministro de Relações Exteriores

diz que a Aliança para o Progresso é algo maravilhoso, quando a estratégia política

do partido é comandada por seu cunhado, um sujeito jovem da extrema esquerda do

trabalhismo, e por San Thiago Dantas, que se bandeou para a extrema esquerda,

naquela posição marcadamente antiamericana e contra a Aliança para o Progresso,

que o senhor conhece (TAVARES, 2014, p. 97_98).

A partir de então, o embaixador Gordon começa a delinear o pensamento de Leonel

Brizola, demonstrando o quanto Brizola pode influenciar a opinião pública por seu poder, e a

enfatizar os posicionamentos do PTB e seus aliados como políticos de extrema esquerda.

Informando que, principalmente Brizola, deseja investir contra os interesses do capital norte-

americano. “Kennedy o interrompe: - Eles se declaram antiamericanos ou de uma forma

indireta? O embaixador aumenta o tom: - As falas de Brizola são um horror [...] No início,

atacava só as empresas americanas35

, mas agora se voltou contra o governo dos EUA”

(TAVARES, 2014, p. 98).

Ainda sobre Brizola, e no mesmo ano de 1962, o embaixador Gordon enviou um

comunicado ao presidente Kennedy: “‘Goulart está fomentando um perigoso movimento de

esquerda, estimulando o nacionalismo. Duas companhias americanas, a ITT e a Amforp,

34

O documento e os demais, aqui em destaque, estão a disposição na The George Washington University,

através do The National Security Archive. Assim como, e na íntegra, em: The Miller Center affiliate of the

University of Virginia. W.W. Norton Volumes: John F. Kennedy. E na John F. Kennedy Presidential Library and

Museum. 35

Em 1959, o Governador do Rio Grande do Sul Leonel Brizola e cunhado de João Goulart, nacionalizou a

primeira empresa norte-americana. “[...] a Companhia de Energia Elétrica Rio-grandense, subsidiária da

American & Foreign Power Co. (Bond & Share)” (MONIZ BANDEIRA, 2007, p. 542).

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foram recentemente desapropriadas pelo governador Leonel Brizola’” (SILVA, 2013, p. 13).

E completa a sentença demonstrando seu pragmatismo político, ou seu posicionamento

realista: “‘Tais ações representam uma ameaça aos interesses econômicos dos Estados

Unidos’” (SILVA, 2013, p. 13).

A data da reunião antecede em torno de dois meses as eleições parlamentares, a qual

ocorrerá em outubro de 1962, e, ao prosseguir, vem à tona a questão de modo muito objetivo

e claro. “- Temos lá essa organização denominada IPÊS [Instituto de Pesquisa e Estudos

Sociais], gente idônea, que necessita de ajuda financeira. Eles têm feito muito, mas precisam

de apoio e estou certo de que devemos ajudá-los” (TAVARES, 2014, p. 101), declara Gordon.

Logo na sequência Goodwin reafirma: “- Eu estou de acordo, substancialmente! A próxima

eleição será o grande momento, comparável às eleições de 1948 na Itália” (TAVARES, 2014,

p. 101). Completando o diálogo, Kennedy pergunta: “Sim, eu sei, mas...quanto é que temos

que colocar nisso? [...] – Ah! Aí é algo de uns poucos milhões de dólares [...] (TAVARES,

2014, p. 101_102). A conversa chega ao ponto em que o presidente indaga como deve ser

feito esse procedimento, então “42 segundos aparecem censurados na gravação acessível ao

público” (TAVARES, 2014, p. 102).

A reunião prossegue e o presidente Goulart volta ao centro do assunto. Lincoln

Gordon discorre, então, de acordo com Tavares (2014):

- O ponto principal é, ao mesmo tempo, organizar tanto as forças políticas quanto as

forças militares para reduzir o seu poder ou, num caso extremo, afastá-lo, se

necessário. Isso vai depender de uma ação aberta da parte dele, que está fazendo um

jogo muito bem preparado, está fuçando num lado e noutro (TAVARES, 2014, p.

103).

Os termos do embaixador são claros e pontuais e, ao lado do presidente

estadunidense, cogita firmemente a opção de influenciar os quadros políticos e militares,

assim como a possibilidade de afastar do poder o presidente do Brasil. Um ato

inconstitucional e imperialista nítidos, claros de um modelo hegemônico realista definido em

termos de poder. E prossegue dando suporte ao ato com conjecturas próprias da Guerra Fria,

como a instrumentalização ideológica para um fim, a influenciar a tomada de decisão: “- Ele

está entregando aquele maldito país para... – Os comunistas! [...] Kennedy completa a ideia”

(TAVARES, 2014, p. 104). Cabe, ainda, salientar que nesse momento da conversa Gordon

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trás “à luz o nome de um de seus informantes de confiança: nada menos do que Juscelino

Kubitschek36

” (TAVARES, 2014, p. 104).

O tema da reunião passa as relações do Estado norte-americano com os militares

brasileiros, e o embaixador Gordon prossegue: “- Vejo que os militares têm muita simpatia

por nós, são muito anticomunistas e desconfiam muito de Goulart. E se surpreenderam com a

nossa posição no caso do Peru [de crítica ao golpe militar]” (TAVARES, 2014, p. 105). O

presidente Kennedy toma a palavra e adverte que vai “’voltar atrás’ e, ‘nesta semana ainda’,

reconhecer o novo governo militar do Peru” (TAVARES, 2014, p. 105). Goodwin intervém e

reafirma a importância de encorajar os militares, pois, nas palavras do subsecretário,

“podemos pretender que eles [no Brasil] façam algo até o fim do ano” (TAVARES, 2014, p.

105).

Ademais, as relações dos EUA com as Forças Armadas latino-americanas

reorientaram-se, sob o prisma do modelo imposto pela hegemonia norte-americana no

continente, a partir do momento em que uma “grande quantidade de militares latino-

americanos seria treinada em unidades militares nos Estados Unidos ou na Escola das

Américas37

, na Zona do Canal do Panamá” (FICO, 2008, p. 59). Demonstrando com clareza

as políticas de Washington para a AL e suas zonas de influência, o secretário de Defesa entre

1961 e 1968 Robert McNamara, afirma após sua saída do governo, de acordo com Fico

(2008):

[...] a política norte-americana de isolamento, anterior à II Guerra Mundial, tinha

sido muito custosa. A adoção do princípio da defesa coletiva, em meados dos anos

1950, através do estabelecimento de dezenas de acordos militares na América

Latina, havia reunido o continente contra o comunismo. Sendo a pobreza a semente

da revolução violenta – concluía McNamara –, o crescimento econômico da região

se impunha como um requisito de segurança que interessava aos Estados Unidos e,

36

“Textualmente, diz Gordon: - Algumas semanas atrás, após a rejeição de Dantas como primeiro-ministro, ele

[Jango] tinha um plano específico, que contou a Kubitschek e que Kubitschek me revelou em primeira mão. Um

plano para nomear um ministério só dele, sem ouvir o primeiro-ministro. E, se o Congresso não o aprovasse, o

próximo Congresso a ser eleito em outubro o aprovaria, além de convocar um plebiscito para retornar ao

presidencialismo. Kubitschek levou a ideia a trinta altos oficiais-generais, os quais disseram, unânimes, que isso

seria inconstitucional e que se oporiam a Goulart se ele tentasse [...] Então, Kubitschek voltou a Goulart e lhe

contou tudo e Goulart desistiu” (TAVARES, 2014, p. 104). 37

“Os Estados Unidos começaram a criar uma infraestrutura de treinamento militar para todo o continente. Em

1949, a Escola das Américas foi inaugurada em Fort Gulick, na Zona do Canal do Panamá, para ministrar cursos

exclusivamente em espanhol e português; e tantos dos seus ambiciosos diplomados voltaram para casa imbuídos

de tal fervor contra qualquer interferência civil, que a escola se tornou conhecida em todo o continente como a

‘Escuela de Golpes’” (LANGGUTH, 1978, p. 92).

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daí, a necessidade conjugada tanto da doutrina militar da contra insurgência, quanto

da Aliança para o Progresso (FICO, 2008, p. 60).

A vinda dos documentos secretos e confidenciais a público reforça, através da fonte

primária, os posicionamentos dos agentes e atores políticos envolvidos na questão, como,

também, corrobora a análise de muitos historiadores, cientistas políticos, estudiosos do

assunto.

A reunião do dia 20 de julho de 1962 prossegue e o seu último ato trás a superfície

novas descobertas. A pauta gira em torno do modo de ação para aproximar e fortalecer as

relações com os militares brasileiros, deixando bem evidente as orientações de Washington,

ideia compactuada pelos atores ali presentes. Nesse momento o embaixador Gordon vai ao

ponto: “- Bem, nós precisamos mesmo é de um novo adido militar. O exército é a mais

importante das três Forças e este [o adido militar] é o homem-chave na relação”

(TAVARAES, 2014, p. 107). E, após indagarem quem poderia ser essa pessoa, chega-se ao

nome de Vernon A. Walters, então adido militar em Roma.

O futuro adido militar norte-americano no Brasil, o ainda coronel Vernon A. Walters,

desempenhará papel substancial no processo de conjurar, sob as ordens da CIA, diretas do

presidente e dos auspícios do embaixador Gordon, com os militares brasileiros, o modo pelo

qual poderia afastar o presidente João Goulart do poder.

Encaminhando-se para o fim da reunião, o presidente Kennedy, confere resolução

aos temas propostos: “- Muito bem, ótimo, mas isso tem de ser feito ainda hoje!”

(TAVARES, 2014, p. 109). E, assim frisa Tavares (2014): “O próprio John Fitzgerald

Kennedy manda que ‘ainda hoje’, nesse 30 de julho de 1962, se comece a organizar a

conspiração no Brasil com vistas a uma intervenção militar” (TAVARES, 2014, p. 109). E,

ainda salienta, “a outra, a secreta, não aquela que Mourão propala aos quatro pontos cardeais.

A outra e definitiva, sem a qual tudo poderia se frustrar. Até os passos de Mourão”

(TAVARES, 2014, p. 109).

A data, por consequência, ficará marcada e registrada na história com testemunho

audível e oficial, como expressivo episódio que abriu caminho, modo e apoio ao golpe no

Brasil. A atuação dos Estados Unidos, através de seus agentes civis e militares, alcançará o

grau de influência, quiçá, definitivo para desencadear a ruptura democrática brasileira, a

deposição de um presidente e a ascensão de uma ditadura militar.

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5.2 IPÊS e IBAD

Ocorreriam, em outubro de 1962, as eleições legislativas e, também, para onze

governadores brasileiros. O cenário político nacional que antecedeu as eleições,

principalmente durante todo ano de 1962, gerou intenso debate nacional e internacional. E,

com o acirramento ideológico, originaram-se dois institutos com fins a influir na opinião

pública e no posicionamento dos agentes que os conduziam, bem como de quem os

patrocinou e os fomentou, pois, em alguma medida, se beneficiaria. São eles: O Instituto de

Pesquisa e Estudos Sociais (IPÊS) e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD).

O IPÊS, como sublinha Skidmore (1976): “[...] começou com o objetivo, nas

palavras de um de seus fundadores, de mobilizar ‘o sentimento público democrático’ contra

os ‘esquerdistas’, em torno de Jango” (SKIDMORE, 1976, p. 275). Já no âmbito da presença

norte-americana nessas organizações, de acordo com Moniz Bandeira (2007), ficou de modo

que um:

[...] grupo de grandes empresários, particularmente os gerentes americanos,

pretendeu ampliar a sua faixa de influência direta na condução política nacional e

patrocinou a criação de entidades como o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais

(IPÊS) e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD). E esse

empreendimento contou com a orientação, a experiência, enfim, o know-how e,

também, verbas da CIA (MONIZ BANDEIRA, 2007, p. 581).

A atuação do IPÊS se concentrou em transparecer uma instituição de pesquisa,

estudos sociológicos e políticos para politizar e popularizar o conhecimento na sociedade. De

forma concreta “promove palestras e seminários, publica livros e folhetos, alimenta temas de

radionovelas, cria boatos que se transformam em notícias de jornal e patrocina programas de

rádio” (TAVARES, 2014, p. 61). Como, também, outras atividades fundamentais, segundo

Tavares (2014):

[...] a realização de filmes cinematográficos, rápidos ‘jornais’ de atualidades

exibidos nas fábricas, nas escolas, nas praças e paróquias do interior e, mais do que

tudo, nas próprias salas de cinema das cidades. [...] o IPÊS inundou o país com

material gratuito, de excelente nível técnico, com imagens e narração convincentes

sobre as mazelas do país e ‘a ameaça do perigo do comunismo’ (TAVARES, 2014,

p. 61_62).

Com o claro objetivo de influir nas eleições vindouras de 1962, conforme Dreifuss

apud Silva (2014): “visando moldar a opinião pública a seu favor até as eleições, o IPÊS

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produziu quinze programas de televisão para três canais diferentes, o que lhe custou 10

milhões de cruzeiros” (SILVA, 2014, p. 14_15). Igualmente, analisa Moniz Bandeira (2007)

acerca dos gastos do IPÊS: “De 1962 a 1964, o Ipes gastou com esse trabalho38

cerca de

200.000 a 300.000 dólares por ano, segundo informações de Glycon de Paiva39

, um de seus

diretores” (MONIZ BANDEIRA, 2007, p. 581).

As formas pelas quais a conspiração ou os trâmites ligados ao golpe de 1964 são

desenvolvidos ao longo do tempo, tornam clara a profunda estruturação e formulação de um

cenário propício ao intento antecipadamente pensado, diferentemente de 1961. O que envolve

um grande número de agentes militares e civis dispostos a tal, como, do mesmo modo, uma

presença financeira e legitimadora internacional, no caso, os Estados Unidos.

“‘Explorando rendosa indústria de combate aos extremismos ou desfraldando falsas

bandeiras de legalidade’, pretendiam ‘manter o país em clima de constante intranquilidade e

perigosa agitação’” (MONIZ BANDEIRA, 1978, p. 65), afirma João Goulart sobre as ações

do IPÊS, consoante Moniz Bandeira (1978). Com a pretensa e falsa posição de abrandar os

pensamentos extremistas da sociedade brasileira “se ligou à Escola Superior de Guerra”

(MONIZ BANDEIRA, 1978, p. 66) e, assim, trouxe aos seus membros generais da reserva e

ativos, se alinhando ao pensamento mais anacrônico e retrógrado, conservador e reacionário

da realidade nacional.

O IPÊS têm por objetivo, nas palavras de Darcy Ribeiro (1985), como uma

instituição que:

Orientado pelo governo norte-americano, o IPES articula os principais conspiradores

direitistas das Forças Armadas com os setores predominantes das classes dominantes

do país, cujos interesses se opõem cruamente aos dos assalariados, para se

constituírem como um grupo de pressão, aspirante ao poder (RIBEIRO, 1985, nº

1664).

A articulação da projeção de um cenário dicotômico, dual e sempre

instrumentalizando intencionalmente a ideologia pra formar esse pensamento comum, próprio

da Guerra Fria, gerou um senso comum nacional e universal em que ou se é capitalista pró-

38

Esse trabalho refere-se aos militares reformados contratados “para montar um serviço de inteligência, cuja

função consistia em colher dados sobre a suposta infiltração comunista no governo de Goulart” (MONIZ

BANDEIRA, 2007, p. 581). 39

O general “Golbery é o ideólogo. O empresário Glycon de Paiva é o mentor financeiro. O executivo-mor é o

delegado da polícia Rubem Fonseca, exímio redator de textos, [...] conhecido romancista anos depois”

(TAVARES, 2014, p. 61).

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81

EUA ou se é socialista/comunista pró-URSS. Não há espaço para pragmatismo ou

nacionalismo. Nesse sentido, salienta perspicazmente Tavares (2014):

O ‘mundo ocidental cristão’ resguardava-se da ‘contaminação comunista’

desconfiando de tudo o que dissentisse da rígida liderança norte-americana e

rejeitando (ou reprimindo) tudo o que fosse reivindicação social ou de

independência nacional, pois aí podia estar ‘o dedo vermelho’ ou ‘o ouro de

Moscou’ (TAVARES, 2014, p. 64).

Christopher Goulart40

, neto de João Goulart, frisa, em artigo publicado no jornal Zero

Hora de Porto Alegre em 13 de março de 2014, igualmente, esse entendimento/mecanismo da

época em que “os não adeptos ao alinhamento econômico com os americanos recebiam o

rótulo descabido de ‘comunistas’” (GOULART, 2014, p. 17).

Da mesma forma ou, ainda, preponderantemente menos velada era a ação do

Instituto Brasileiro de Ação Democrática, o IBAD. Este foi criado anos antes do IPÊS, em

maio de 1959, “ainda no governo Juscelino, sob os auspícios da Embaixada dos Estados

Unidos. Seu fundador e cabeça visível [era] Ivan Hasslocher” (TAVARES, 2014, p. 64).

Igualmente, Moniz Bandeira (2007), afirma que o “IBAD atuava diretamente sob a direção da

CIA, que a financiava, utilizando o seu agente um certo Ivan Hasslocher” (MONIZ

BANDEIRA, 1978, p. 68).

O IBAD agia sob os mais altos pensamentos da paranoia da Guerra Fria, ou muito

distante da realidade concreta ou muito temeroso de perder o status quo. A partir da criação

do IPÊS, em 1962, o instituto passou a atuar abertamente contra o governo de João Goulart,

intervindo “abertamente na campanha eleitoral, subvencionando candidaturas de elementos

reacionários, que assumiam o compromisso ideológico de defender o capital estrangeiro e

condenar a reforma agrária, bem como a [PEI]” (MONIZ BANDEIRA, 1978, p. 68).

Nesse viés fortemente ideológico irracional, Flávio Tavares (2014), frisa:

Os panfletos do IBAD advertiam em forma direta, ou até vulgar, para algo que o

IPÊS insinuava em forma inteligente: ‘A fé cristã dos brasileiros está ameaçada.

Querem nos privar de adorar nosso Deus’ – dizia o narrador de um dos filmes de

‘atualidades’ (TAVARES, 2014, p. 65).

40

Tive a felicidade de conhecê-lo em Porto Alegre.

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O IBAD contava com amplo capital para estimular toda e qualquer atividade do

instituto. Dessa maneira, “o IBAD se multiplicou numa série de organizações subsidiárias,

entre as quais se destacaram a Ação Democrática Popular (ADEP), Campanha da Mulher

Democrática (Camde), Frente da Juventude Democrática (FJD)” (MONIZ BANDEIRA,

2007, p. 582). E, de modo impressionante, chegou a alçar sua influência no trabalhador, “com

a formação do Movimento Sindical Democrático (MSD), dos chamados sindicatos livres, para

se contrapor, em meados de 1962, à atuação do CGT” (MONIZ BANDEIRA, 2007, p.

582_583).

Além da atuação e penetração de seus interesses na área do trabalhador urbano,

procurou da mesma forma alcançar a zona rural. Assim, o IBAD e seus canais interligados

conseguiram “destinar muitos recursos ao Nordeste, não apenas visando combater a

candidatura de Miguel Arraes ao governo de Pernambuco, mas, também, com o objetivo de

dividir as Ligas Camponesas, lideradas por Francisco Julião” (MONIZ BANDEIRA, 1978, p.

70).

Moniz Bandeira (1978) conclui, de forma incisiva, a profunda articulação da CIA

(através do IBAD e IPÊS) para articular um pensamento comum, um pensamento reacionário

e golpista comuns:

Com esse primoroso trabalho de corrupção, inédito na história do país, a CIA não

somente aliciou empresários, vereadores, deputados estaduais e federais, senadores,

governadores de Estado, jornalistas, donas-de-casa, estudantes, dirigentes sindicais,

padres e camponeses, enfim, a choldra de todas as classes e categorias da sociedade

civil brasileira. Nas Forças Armadas, onde a Cruzada Democrática, desde o início da

década de 50, conspirava para desfechar o golpe de Estado reacionário, antipopular e

antinacional, a pretexto de combater o comunismo, a CIA recrutou, tanto através do

IPES quando do IBAD e até diretamente, inúmeros oficiais dos mais diversos

escalões (MONIZ BANDEIRA, 1978, p. 70).

No entendimento de Langguth (1985):

Gordon certamente sabia tudo a respeito, que, fundado em 1959, era mais velho que

o IPÊS ou o GAP. Sabia não apenas que o IBAD era o meio através do qual a CIA

introduzia dinheiro nas campanhas políticas locais, mas também que essas

contribuições clandestinas constituíam absoluta violação das leis brasileiras

(LANGGUTH, 1985, p. 88).

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83

No entanto, em outubro de 1963, após inúmeras denúncias e a cinco meses do golpe,

a Câmara dos Deputas abre uma Comissão Parlamentar de Inquérito, a fim de investigar as

atividades e recursos do IBAD. E, nesse ínterim, salienta Langguth (1978):

Uma das preocupações mais prementes era a investigação parlamentar brasileira

acerca da corrupção das eleições de 1962 pela CIA, através do IBAD e da ADEP. A

CIA gastara vinte milhões de dólares e, na embaixada dos Estados Unidos, todos os

elementos envolvidos, de Lincoln Gordon para baixo, estavam preocupados com as

provas incriminatórias que poderiam vir a público (LANGGUTH, 1978, p. 98).

Por esse mesmo viés, sobre a CPI que investigou as ações do IBAD, Darcy Ribeiro

(1985) afirma que a CPI “consegue provar, apesar de todo o escamoteio, que entre os

principais financiadores estavam a Texaco, Shell, Ciba, Schering, Bayer, GE, IBM, Coca-

Cola, Souza-Cruz, Belgo-Mineira, Herm Stoltz e Coty” (RIBEIRO, 1985, nº 1743). Como,

também, comprovou que “as operações se processavam por meio do Royal Bank of Canada e

do Banco de Boston. Em apenas um desses estabelecimentos o Ibad movimentou 1 bilhão e

300 milhões de cruzeiros, entre maio e outubro de 1962” (MONIZ BANDEIRA, 2007, p.

583). A investigação e a provável coerção “não chega, no entanto, penetrar no sólido e sereno

ventre do IPÊS” (TAVARES, 2014, p. 66).

Há, ainda, que enfatizar o papel de abafamento sobre os agentes estrangeiros que

estavam ligados a todo o processo investigatório e, não obstante, saíram ilesos, impermeáveis

e inacessíveis ao investigador, ficando ausentes no relatório final. E somente evitado por “três

motivos: cinco dos nove membros da comissão de investigação tinham, eles próprios,

recebidos fundos da CIA; [...] o presidente Goulart, esperançoso ainda de manter boas

relações com Washington, fez com que o relatório final fosse censurado” (LANGGUTH,

1978, p. 98). Ao fim, o IBAD fecha, o IPÊS continua.

5.3 Vernon A. Walters, Dan Mitrione e Thomas C. Mann

A reunião do dia 30 de julho de 1962 definiu os rumos da ação e presença dos

Estados Unidos no desequilíbrio e conspiração do governo João Goulart e, a partir de então,

ocorreu a mudança do adido militar norte-americano no Brasil. Para o posto, visto com grande

relevância para o objetivo, foi designado o poliglota e com “grande faro político”

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(TAVARES, 2014, p. 108), como o descreve o subsecretário Goodwin, o coronel Vernon

Anthony Walters41

.

De acordo com Oliveira (2005):

Quando chegou, um grupo de treze generais brasileiros aguardava-o para saudá-lo

no aeroporto do Rio de Janeiro. Ao contrário de outros setores do país, que não lhe

ofereceram uma recepção tão calorosa. O jornal Novos Rumos publicou longo artigo

no qual afirmou que ‘o coronel Walters, o principal especialista do Pentágono em

golpes militares, acabava de ser enviado ao Brasil com o único objetivo de depor o

Presidente Goulart e estabelecer um regime títere dos Estados Unidos’ (OLIVEIRA,

2005, p. 48).

O novo adido militar estadunidense vem ao Brasil, sob a recomendação do

embaixador Lincoln Gordon, com quem mantém grande contato, além de manter grandes

amizades, no Brasil, no círculo das Forças Armadas, por atuar ao lado dos militares brasileiros

em algumas ocasiões. Como no “tempo em que servira com a Força Expedicionária Brasileira

durante a Segunda Guerra Mundial, Walters era o funcionário norte-americano mais bem

entrosado no Brasil” (LANGGUTH, 1978, p. 94). E com altos oficiais do Exército Brasileiro,

como o general Humberto Castelo Branco, “que seria o primeiro presidente da ditadura

militar, [...] Essa relação de confiança seria fundamental para que Walters, [...] obtivesse

informações privilegiadas dos militares na época do golpe de 1964” (FICO, 2008, p. 54).

Em seu livro de memórias, Missões Silenciosas, Walters descreve a razão pela qual

veio ao Brasil, bem como qual seria a sua missão, conforme Tavares (2014). E, assim, narra:

Na manhã seguinte, [após a chegada] apresentei-me ao embaixador em seu gabinete:

- Sr. Embaixador, aqui estou eu. O que deseja de mim? Ele me indicou uma

cadeira e disse o quanto estava satisfeito por me ver novamente, depois de tantos

anos. A seguir, descreveu-me a situação política no Brasil, que se deteriorava dia a

dia, não só do ponto de vista dos progressos comunistas, mas também quanto ao

esfriamento das relações com os Estados Unidos, e concluiu: - De você, quero três

41

Conforme Moniz Bandeira (2007): “Walters, quando chegou ao Brasil, na década de 1960, falava tão

fluentemente o português como um brasileiro, além do inglês, seu próprio idioma, espanhol, italiano, francês e

alemão. Estudava na época japonês e russo. Do seu curriculum constam os seguintes dados: 1942-1943:

ajudante-de-ordens do general Mark Clark na África, quando serviu de intérprete para o ministro da Guerra

brasileiro; 1943-1945: seguiu com o V Exército americano para a Itália, [...] atuando como oficial do Defense

Intelligence Agency (Serviço Secreto do Exército Americano), ocupou o cargo de adido militar assistente da

Embaixada dos Estados Unidos no Brasil; [...] 1956: acompanhou Eisenhower ao Panamá (serviu como

intérprete na conversa com Kubitschek); [...] 1960: acompanhou Eisenhower ao Brasil; até o governo do

Marechal Castelo Branco operou no Rio de Janeiro, desempenhando, oficialmente, a função de adido militar; [...]

em 1971, serviu como intérprete na conferência do General Médici, governante do Brasil, com Nixon” (MONIZ

BANDEIRA, 2007, p. 639).

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coisas: primeiro, desejo saber qual a posição das Forças Armadas; segundo, se tenho

possibilidades, através de você, de exercer qualquer influência nesse terreno;

terceiro, e principalmente, não quero ser surpreendido (WALTERS apud

TAVARES, 2014, p. 128_129).

A diretriz da ação perpassa, mais uma vez, sobre a estruturação do embaixador

Gordon, como tinha ficado claro e objetivo na reunião na Casa Branca do dia 30 de julho de

1962. Desse momento em diante, o adido militar começara a atuar no território nacional. E,

ainda em outubro de 1962, juntamente com Gordon, viajam ao nordeste para “inspecionar os

programas da Aliança para o Progresso” (TAVARES, 2014, p. 130), e coincidir com a visita a

um velho amigo que lá se encontra o general Castelo Branco. O meio pelo qual Walters age

com grande intensidade, pois “há anos, os relatórios dos adidos militares e da CIA coincidem

na avaliação desse general austero, inteligente e baixinho [...] um fiel defensor dos princípios

que guiam a geopolítica dos Estados Unidos no mundo” (TAVARES, 2014, p. 130).

O novo adido militar no Brasil se tornaria, também, o coordenador das “operações da

CIA no Brasil, inclusive se envolvendo diretamente no contrabando de armas, com a

colaboração de alguns brasileiros” (MONIZ BANDEIRA, 1978, p. 129).

As atividades de Walters prosseguem e o elo forte nas Forças Armadas, o general

Castelo Branco, acaba sendo removido de Recife para o Rio de Janeiro com menos poder e,

no entanto, mais próximo dos conspiradores, como o seu amigo Walters. Em uma

oportunidade com os amigos brasileiros ouve, segundo Moniz Bandeira (2007), de um general

da reserva o seguinte: “‘Os senhores querem intervir antes, durante ou depois – quando pode

ser tarde demais – da invasão militar russo-cubana no Brasil’” (MONIZ BANDEIRA, 2007,

p. 622).

A proximidade com o general Castelo Branco favorece as ações de Walters, sendo

que este consegue atrair a influência das Forças Armadas norte-americanas no território

brasileiro, conforme Tavares (2014):

em novembro de 1963 [promove] a vinda do general Maxwell D. Taylor, chefe do

Estado-Maior Conjunto, que chega ao Rio com outros três generais (Lionel McGarr,

John O’Daniel e Samuel Williams) para, oficialmente, inteirar-se das necessidades

das Forças Armadas do Brasil com vistas à renovação do acordo de cooperação

militar entre ambos os países (TAVARES, 2014, p. 148).

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Este episódio favoreceu a oportunidade do Estado norte-americano de avaliar por

dentro as Forças Armadas brasileiras, “tendo como eixo a Escola Superior de Guerra, [...]

cujos ideólogos, amigos de Vernon Walters e engajados no anticomunismo da guerra fria”

(MONIZ BANDEIRA, 2007, p. 624_625). E, também, se tornou o momento propício de

alastramento da conspiração que passou da “concepção de inevitabilidade do confronto

atômico para a doutrina da luta contrarrevolucionária, sempre ao compasso do Pentágono”

(MONIZ BANDEIRA, 2007, p. 624_625).

O envio de armamento também coube, principalmente, ao também agente da CIA

Dan Mitrione, “que recebeu como encargo a organização do contrabando de armas destinadas

à formação de grupos paramilitares golpistas” (RAPAPORT e LAUFER, 2000, p. 78). E,

nesse sentido, de acordo com Darcy Ribeiro (1985):

A Agência Central de Inteligência – CIA – do governo norte-americano cria,

simultaneamente, várias organizações terroristas no Brasil, dirigidas por Dan

Mitrione e outros espiões. Entre elas, a Patrulha Democrática, que promove diversos

atos de sabotagem e assassinatos. Depois do golpe, elas se fundem no Comando de

Caça aos Comunistas – CCC, para outras tropelias, agora apoiadas pela ditadura

(RIBEIRO, 1985, nº 1666).

As ações de Dan Mitrione e da CIA concentraram-se, em grande parte, em Minas

Gerais e no nordeste brasileiro, este visto como área de maior efervescência comunista a partir

das Ligas Camponesas, as quais foram interpretadas por Washington como supostamente

modelos cubano-soviéticos revolucionários no Brasil. Assim, conforme Moniz Bandeira

(2007) houve então uma grande entrada de “militares norte-americanos [...] sob os mais

diferentes disfarces (religiosos, comerciantes, Corpos da Paz etc), dirigindo-se a maioria para

as regiões do nordeste” (MONIZ BANDEIRA, 2007, p. 604). E, segundo os dados oficiais, é

“certo que cerca de 4.998 norte-americanos [...] chegaram ao Brasil, apenas em 1962, batendo

todos os recordes de imigração originária dos Estados Unidos” (MONIZ BANDEIRA, 2007,

p. 604).

Assim, afirma Moniz Bandeira (2007):

Essa infiltração de homens e de armas tinha o caráter (se é que assim se pode

considerar) preventivo. Eram os boinas verdes (green berets), forças especiais, que

já atuavam em cerca de 50 países, com a tarefa de enfrentar, como um braço da CIA

e do Pentágono, os movimentos de esquerda, promovendo, subterraneamente, a

contrarrevolução (MONIZ BANDEIRA, 2007, p. 606).

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Já em Minas Gerais, onde o agente e perito da CIA Dan Mitrione42

teve grande

atuação, desenvolviam-se organizações paramilitares ou mesmo forças policiais paralelas,

sendo “justamente os Acordos de Cooperação Técnica (Ponto IV), firmados com os Estados

Unidos, que permitiam não só a penetração como o controle das Polícias estaduais do Brasil

pelos americanos, mais precisamente pela CIA” (MONIZ BANDEIRA, 2007, p. 623).

No entanto, após o assassinato do presidente Kennedy, assume a presidência dos

EUA Lyndon Johnson (1963-1969), ocorrendo um recrudescimento da política externa norte-

americana para a AL. “Durante o período em que Kennedy é presidente, a expectativa maior

recai na política reformista, com a ascensão de Johnson; há um retorno do big stick43

como

principal resposta para as crises latino-americanas” (AYERBE, 2002, p. 117). A política

externa do big stick fica clara, através da mensagem que Roosevelt manda ao Congresso em

1904 – como um adendo informativo –, de acordo com Moreira (2010) como:

[...] diante da possibilidade de intervenção de uma potência extracontinental em um

país latino-americano por falta de pagamento de suas dívidas, os Estados Unidos

poderiam intervir preventivamente [...], exercendo o ‘poder de polícia internacional’

(MOREIRA, 2010, p. 127_128)

Nessa nova gestão, assumiu o cargo de secretário de Estado Assistente para os

Assuntos Interamericanos, Thomas Mann. Secretário que provocou uma mudança nas

políticas latino-americanas e, no Brasil, reorientou e determinou “à embaixada americana que

ativasse a distribuição de verbas para a Aliança para o Progresso entre os governadores de

Estado contrários a Goulart” (MONIZ BANDEIRA, 2007, p. 629). E, assim, bloquearam os

créditos que eram “destinados a financiar o balanço de pagamentos do país, autorizando a

embaixada a assinar acordos com governantes e prefeitos, o que significa na prática o

financiamento de adversários do presidente [Goulart]” (AYERBE, 2002, p. 142).

A partir da gestão Johnson a política para a América Latina sofreu, desse modo,

grandes mudanças. Nessa linha disserta Carlos Fico (2008):

Foram os poderes acumulados por Mann e eu novo enfoque para a América Latina

que tornaram os antigos assessores intelectualizados de Kennedy, afastados por

42

“Transferido para o Uruguai anos depois, Dan Mitrione foi identificado como instrutor de torturas e agente da

CIA, sendo executado por guerrilheiros ‘Tupamaros’ em 1972, em Montevidéu” (TAVARES, 2014, p. 164). 43

A política do big stick remonta ao Corolário Roosevelt, o presidente norte-americano Theodor Roosevelt

(1901-1909), que “profundamente convicto da missão dos Estados Unidos em um mundo corrupto, recorreu a

política externa agressiva, a do big stick, que lhe deu o controle do Golfo do México e do Mar do Caribe”

(SCHILLING, 2002, p. 40).

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Johnson – como Schlesinger, Goodwin e outros –, críticos hostis do novo presidente

e também de Mann, acusado de operar mudanças dramáticas na política para a

região, ignorando as diretrizes do antecessor (FICO, 2008, p. 65).

Uma consequência relevante desta mudança ocorre, em janeiro de 1964, qual seja, a

revalidação do “Acordo Militar com os Estados Unidos, de 1952, prevendo a necessidade de

assistência militar para que o Brasil pudesse enfrentar ‘ameaças ou atos de agressão ou

quaisquer outros perigos à paz e à segurança” (MONIZ BANDEIRA, 2007, p. 629). A

revalidação do acordo, sem a chancela ou mesmo conhecimento do presidente Goulart,

produzia a base legal para a finalidade de “intervenção armada no Brasil, a pretexto de

reprimir a agressão comunista, a subversão etc., caso irrompesse a guerra civil” (MONIZ

BANDEIRA, 2007, p. 630).

A “‘Doutrina Mann’, segundo a qual os Estados Unidos deixariam de questionar a

natureza dos regimes que estavam recebendo sua assistência militar e econômica, desde que

se mantivessem anticomunistas e mesmo que fossem autoritários ou ditatórias” (FICO, 2008,

p. 65). Por conseguinte, ficou evidentemente claro, como também na reunião em Washington

em 16 de março de 1964, entre os embaixadores dos Estados Unidos nos países da América

Latina (Lincoln Gordon presente), que, conforme Moniz Bandeira (2007);

Thomas Mann declarou que o governo de Johnson não trataria de impedir,

sistematicamente, os golpes militares de direita. Tornava-se difícil, segundo ele,

traçar uma linha divisória entre democracia e ditadura, dentro das condições do

continente. ‘Por essa razão’, acrescentou, ‘a luta contra o comunismo e a defesa dos

investimentos do país constituem os objetivos principais da política dos Estados

Unidos na América Latina’ (MONIZ BANDEIRA, 2007, p. 633).

5.4 O Plano de Contingência 2-61 e a ruptura democrática brasileira

A diminuição da importância estratégica do Brasil no pós Segunda Guerra encontrou,

a partir da Revolução Cubana e da instauração de um regime socialista nos domínios dos

EUA, um contra ponto e uma mudança significativa nas relações de Washington com a AL.

Os EUA não admitiriam, sob qualquer hipótese, o “estabelecimento de um regime com

qualquer pretensão esquerdista justamente no maior país da América do Sul, algo que

ampliaria a órbita de influência comunista” (FICO, 2008, p. 66).

Em vista disso, a campanha e conspiração para desestabilizar e, se for o caso (e foi),

derrubar o presidente João Goulart do poder, significava uma ação segura e eficiente para

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manter coesa a América Latina sob os quadros propostos pela estratégia norte-americana. O

fator Cuba tornou-se deveras relevante para o futuro dos países latino-americanos. E os EUA

não poupariam esforços para manter a histórica tutela no ‘seu’ continente, demonstrando todo

o poder hegemônico e o modelo pelo qual assim agiu – conforme proposto no capítulo 3.

Portanto, Carlos Fico (2008) destaca que:

[...] diante dessa relativa desimportância, seria difícil, em princípio, explicar por que

os Estados Unidos se empenharam tanto na campanha contra Goulart e decidiram

enviar às costas brasileiras uma força-tarefa naval, a Operação Brother Sam. A

contradição, porém, é apenas aparente: o poderio norte-americano não poderia ser

plenamente exercido mundo afora se os Estados Unidos não predominassem

incontestavelmente no hemisfério e, sobretudo, em seu “quintal” latino-americano

(FICO, 2008, p. 66).

No grande plano de contingência 2-6144

continha a Operação Brother Sam, que

“Ruth Leacock45

afirma que o embaixador norte-americano no Brasil, Lincoln Gordon,

iniciou a discussão sobre um ‘plano de contingência’ no ‘segundo semestre’ de 1963” (FICO,

2008, p. 66). O embaixador Gordon, novamente, era o protagonista ou o grande entusiasta das

estratégias para afastar ou derrubar Jango, de forma inequivocamente segura e muito bem

planejada. O documento oficial e secreto do plano de contingência 2-61 encontra-se público e

acessível46

.

“Ali estão todas as alternativas e conjecturas militares e diplomáticas a serem

utilizadas e postas em prática pelos EUA num eventual golpe de Estado, tanto de iniciativa do

próprio presidente [...] quanto para derrubá-lo” (TAVARES, 2014, p. 170_171). A estratégia

de derrubada é ainda mais meticulosa e evidencia a ação militar chamada de Operação

Brother Sam. A magnitude da referida Operação não descarta a real possibilidade de não ser

somente o apoio logístico aos golpistas, mas, também, uma possível intervenção militar norte-

americana no Brasil, caso fosse preciso. De acordo com Moniz Bandeira (1978), a operação

era composta por:

44

“Na verdade, há na literatura certa confusão entre a Operação Brother Sam e o plano de contingência que a

previu [...] o plano era mais amplo do que a força-tarefa naval. A confusão decorre do fato de que o plano, em si,

nunca havia sido visto” (FICO, 2008, p. 67). 45

Norte-americano autor do livro, Requiem for Revolution: The United States and Brazil, 1961-1969. 46

Disponível em U.S. Department of State: http://2001-2009.state.gov/r/pa/ho/frus/johnsonlb/xxxi/36291.htm.

Assim como, de acordo com o professor e historiador Dr. Carlos Fico, o qual entrei em contato, no seu livro O

Grande Irmão. Reproduzido na íntegra em fac símile.

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90

[...] porta-aviões Forrestal, destroieres de apoio, entre os quais um com mísseis

teleguiados, navios carregados de armas e mantimentos, bem como quatro

petroleiros (Santa Inez, Chepachet, Hampton Roads e Nash Bulk), com um total de

136 000 barris de gasolina comum, 272 000 barris de combustível para jatos, 87 000

barris de gasolina para avião, 35 000 barris de óleo diesel e 20 000 barris de

querosene. A fim de atender às necessidades mais prementes dos insurrectos, sete

aviões de transporte C 135, levando 110 toneladas de armas, oito aviões de caça,

oito aviões-tanques, um avião de comunicações e um posto aéreo de comando

estabeleceriam uma ponte-aérea, ligando as bases norte-americanas e o Brasil

(MONIZ BANDEIRA, 1978, p. 174).

O próprio embaixador Lincoln Gordon, em certas entrevistas posteriores, não

deixava esconder o conhecimento e a existência do plano de contingência, bem como a

Operação Brother Sam. (Moniz Bandeira, 1978). Entretanto, o plano de contingência e seus

detalhes não eram de conhecimento de San T. Dantas, JK ou mesmo Jango. Tratava-se de um

plano secreto que somente Walters e Gordon sabiam na embaixada dos EUA, segundo Flávio

Tavares (2014). E, desse modo, afirma Tavares (2014):

Só em 1976, meses antes da morte no exílio, na Argentina, o próprio Jango foi saber

da decisão norte-americana de enviar a esquadra em apoio à revolta, quando a

historiadora Phillys Parker revelou os primeiros documentos da Operação Brother

Sam, que havia descoberto nos arquivos do governo Lyndon Johnson, nos EUA

(TAVARES, 2014, p. 195).

Conforme Carlos Fico (2008), a versão datilografada do plano que encontrou data 11

de dezembro de 1963, ou seja, ainda sob a gestão Kennedy, assassinado em novembro de

1963. “Trata-se de um cópia encaminhada a McGeorge Bundy, conselheiro de segurança

nacional do presidente Johnson. Haveria uma reunião no dia 8 de janeiro do ano seguinte com

Thomas Mann e Ralph Dungan, assistente especial do presidente, para discutir o plano”

(FICO, 2008, p. 69). E, ainda, evidencia que “foi elaborado sobretudo pelo embaixador

Lincoln Gordon” (FICO, 2008, p. 69). Logo, o envolvimento e a colaboração do embaixador

tornam-se profundamente claros nesse episódio de conspiração e imperialismo norte-

americano.

Acerca do plano de contingência, complementa Carlos Fico (2008):

As efetivas linhas de ação sugeridas estavam referidas ao segundo e terceiro

cenários e compunham, curiosamente, aquilo que efetivamente se deu três meses

depois. Não há surpresa com a adoção das diretrizes pelo governo norte-americano,

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mas surpreende a coincidência entre as diretrizes definidas no plano de dezembro de

1963 e aquilo que os conspiradores brasileiros fizeram no final de março de 1964.

Trata-se de um indício eloquente de que os brasileiros que derrubaram Goulart

observaram algumas das sugestões estabelecidas em 1963 no plano de contingência

norte-americano (FICO, 2008, p. 71).

Sendo assim, novamente fica evidente no plano de contingência a profunda

articulação do governo dos Estados Unidos, através de seus atores civis e militares

incumbidos desse trabalho. O que demonstra, inequivocamente, que houve um meticuloso

envolvimento do Estado americano no processo de ruptura democrática brasileira, no golpe de

Estado, na queda de João Goulart da presidência de um país soberano e na instauração de uma

ditadura, logo apoiada pelo governo de Washington. “Hoje, se sabe tão detalhadamente de

tudo isso porque conspirar com os norte-americanos é fogo: passados uns anos eles contam

tudo, documentadissimamente” (RIBERIO, 1985, nº 1794).

Flávio Tavares (2014) releva:

Na época, no Brasil, não soubemos de nada disso. Nem do que a inteligente fantasia

paranoica de Gordon instigou (estimulada, por sua vez, pelo atraso comportamental

da direita brasileira), nem da intervenção militar direta iniciada pelos Estados

Unidos, que só não se consumou porque Jango ‘desistiu’ antes [...] Em 1964, o

medo foi o grande vitorioso e a apoteose do seu triunfo foi isto: o poder da

intimidação navegando pelo Atlântico na Operação Brother Sam (TAVARES, 2014,

p. 234).

Igualmente, Darcy Ribeiro47

(1985) relata o entendimento do que havia acontecido

em 1º de abril de 1964:

O presidente João Goulart tomba quando maior é seu prestígio entre as classes

trabalhadoras da cidade e do campo, por um golpe militar de inspiração e execução

estrangeiras. O importante a assinalar é que o governo de Jango não cai em razão de

seus eventuais defeitos; ele é derrubado por suas qualidades: representa uma ameaça

tanto para o domínio norte-americano sobre a América Latina como para o

latifúndio (RIBEIRO, 1985, nº 1811).

“Gordon negava que a Operação Brother Sam tivesse existido, até que a

disponibilização ao público, em 1975, de inúmeros documentos da biblioteca presidencial

Lyndon B. Johnson tornaram sua versão insustentável.” (GREEN; JONES, 2009, p. 81),

47

Chefe da Casa Civil da Presidência da República do Governo João Goulart.

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92

conforme Green e Jones48

. E, ainda, que “a partir de então ele tem negado veementemente que

os Estados Unidos tenham desempenhado um papel direto no planejamento ou no

financiamento do golpe” (GREEN; JONES, 2009, p. 81).

48

James N. Green é “Professor de História do Brasil, Brown University. Presidente do New England Council on

Latin American Studies. Department of History Box N – Brown University. Providence” (Revista Brasileria de

História, 2009). E Abigail Jones “Department of History Box N – Brown University. Providence” (Revista

Brasileira de História, 2009).

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6. CONCLUSÃO

“Nas palavras de Faulkner49

: ‘o passado nunca está morto, ele nem mesmo é

passado’. Esse passado, [...] ao invés de puxar para trás, empurra para frente, e, ao contrário

do que seria de se esperar, é o futuro que nos impele de volta ao passado” (ARENDT, 2007,

p. 37). E, desta forma, a história e a memória fazem de um povo, uma identidade, uma nação

ou, ainda, da humanidade em si, aquilo que ela é ou se torna. O estudo do vigente trabalho se

desnuda, por intermédio desse pensamento, com uma acentuada atenção e inspiração ao

passado e ao futuro.

O debate acerca de conceitos políticos como democracia, autocracia e ditadura

alarga-se por toda a história do pensamento ocidental, com bases e inspirações gregas à

filósofos políticos contemporâneos. O entendimento atual da democracia como a melhor

capacidade de impor uma forma de governo plural, no qual o poder emana do povo, tem

recebido a maior credibilidade e legitimidade desde as revoluções burguesas, sobretudo, após

os desastres totalitários do século XX. E, após o sistema internacional entrar na Guerra Fria, o

ocidente se pautou, através de sua grande potência, em defensores e exemplos do baluarte da

liberdade e da democracia, em oposição ao autoritarismo centralista do socialismo soviético.

Em sentido oposto a lógica do discurso de democracia e de liberdade que o governo

dos Estados Unidos produziu após a Doutrina Truman, e que foi promovido no continente

europeu, o que se concretizou nas nações latino-americanas foi o apoio político, financeiro,

logístico, bélico etc., à ações autoritárias e ditatoriais provenientes de elites militares e civis.

Estas, por conseguinte, capazes de manter o alinhamento automático aos interesses

estadunidenses, compostos sob uma ordem global e não aos interesses do desenvolvimento

nacional, ainda que para isso tivessem que recorrer a golpes de Estados, inconstitucionais e

ilegais, aptos a produzir o oposto de liberdade e de democracia.

Segundo Celso Furtado (2003) “sabe-se que a margem de autodeterminação [...] vai

se reduzindo, à medida que os imperativos da ‘segurança’ dos Estados Unidos vão exigindo

crescente alienação de soberania por parte dos governos nacionais” (FURTADO, 2003, p. 13).

A segurança foi se tornando a democracia e a liberdade das nações latino-americanas durante

o período do modelo de hegemonia norte-americana oriunda do desafio bipolar da Guerra

Fria.

49

William Faulkner é considerado um dos maiores escritores estadunidenses do século XX. Ganhador do Nobel

de Literatura em 1949.

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Desse modo, o contexto internacional formado após a Segunda Guerra Mundial e a

formação da nova ordem internacional, conduzida pelos Estados Unidos, enquadrou a

América Latina em circunstâncias favoráveis ao modelo hegemônico estadunidense. Isso

porque, não havia aqui nação alguma capaz de minimamente barganhar politicamente ou

mesmo não ceder espaços na soberania e na autodeterminação frente ao poder norte-

americano.

Revela-se, conforme o historiador Voltaire Schilling (2002), que “as ‘ideias base’

que nortearam as relações dos Estados Unidos com a América Latina [...] se transformaram

em poderosas sogas que ataram o destino dos latino-americanos a um processo de

subordinação” (SCHILLING, 2002, p. 13). Essa realidade dos países da América Latina foi

produzida por uma multicausalidades de fatores, porém, o fator preponderante é o fato de que

os Estados Unidos e seus homens de Estado construíram essa forma de poder e de hegemonia

complexas.

Hannah Arendt (2007) acentua essa tomada de poder pelo ser humano como

protagonista:

Na época moderna a História emergiu como algo que jamais fora antes. Ela não mais

compôs-se dos feitos e sofrimentos dos homens, e não contou mais a estória de

eventos que afetaram a vida dos homens; tornou-se um processo feito pelo homem;

o único processo global cuja existência se deveu exclusivamente a raça humana

(ARENDT, 2007, p. 89).

Através desse entendimento histórico produzido nos anos subsequentes as duas

Guerras Mundiais, a História se tornou de fato um processo guiado pela raça humana, no qual

a história não detém autoridade inerente, sendo, portanto, conduzida. O golpe de Estado que

depôs um presidente legítimo em 1964, no Brasil, se insere perfeitamente no pensamento

arendtiano.

A formulação de uma nova ordem mundial do pós-Segunda Guerra, comandada pela

grande potência ocidental e seus novos quadros de política externa, somada,

concomitantemente, ao novo modelo de hegemonia produzido paradigmaticamente pela

compreensão realista das relações internacionais, produziu uma visão de mundo, através dos

olhos do hegemon, que geraram as conhecidas consequências à América Latina e, nesse caso,

ao Brasil. As ações dos atores norte-americanos estavam, então, sob essa razão de ação

(demonstrada durante o trabalho) que, entretanto, não excluem sua margem de protagonismo

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e responsabilidade pelos atos praticados. Tais atos são, hoje, publicamente conhecidos,

documentados, estudados e analisados por grande número de profissionais que, assim, os

desvestem.

Em conclusão, cabe ainda ressaltar que todo o processo aqui estudado revela a

importância do esclarecimento e incisiva compreensão dos episódios ocorridos na história

nacional, entrelaçados com a história internacional, os quais foram determinantes para

delinear um futuro de 21 anos de duração. Para tanto, foram analisados, evidentemente,

através da ótica internacional e sob os critérios então preestabelecidos anteriormente, expondo

outras faces de um golpe doloroso para o Brasil.

Em defesa da memória, da verdade e da justiça.

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