A história das barragens no Brasil, Séculos XIX, XX e XXI

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  • CIP-BRASIL. CATALOGAO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

    H58

    A histria das barragens no Brasil, Sculos XIX, XX e XXI : cinquenta anos do Comit Brasileiro de Barragens /[coordenador, supervisor, Flavio Miguez de Mello ; editor, Corrado Piasentin]. - Rio de Janeiro : CBDB, 2011.

    524 p. : il. ; 29 cm

    Inclui ndiceISBN 978-85-62967-04-7

    1. Barragens e audes - Brasil - Histria. 2. Comit Brasileiro de Barragens - Histria. I. Mello, FlavioMiguez de. II. Piasentin, Corrado. III. Comit Brasileiro de Barragens. III. Ttulo: Cinquenta anos do ComitBrasileiro de Barragens

    11-6197. CDD: 627.80981CDU: 627.82(81)

    20.09.11 22.09.11 029752

  • Comit Brasileiro de Barragens - CBDB Agradecimentos

    O Comit Brasileiro de Barragens externa seus agradecimentos s empresas abaixo relacionadas pelo apoio que possibilitou a confeco deste livro que resume o desenrolar de importante

    segmento da Histria do Brasil.

    Arcadis Tetraplan S/A

    Banco Bradesco S/A

    Camargo Corra Energia e Construes S/A

    CEMIG - Companhia Energtica de Minas Gerais

    CESP - Companhia Energtica de So Paulo

    CHESF - Companhia Hidro Eltrica do So Francisco

    Construtora Norberto Odebrecht S/A

    Construtora Queiroz Galvo S/A

    Construtora Andrade Gutierrez S/A

    COPEL - Companhia Paranaense de Energia

    DNOCS - Departamento Nacional de Obras Contra as Secas

    Eletrobras - Centrais Eltricas Brasileiras S/A

    Eletronorte - Centrais Eltricas do Norte do Brasil S/A

    Engevix Engenharia S/A

    Furnas Centrais Eltricas S/A

    Geobrugg Ag - Protection Systems

    Grupo Energia

    Intertechne Consultores S/A.

    Itaipu Binacional

    Jeene Juntas Impermeabilizaes Ltda.

    Light S/A

    Mc Bauchemie Brasil

    Mendes Jnior Trading e Engenharia S/A

    Norte Energia S/A

    Pires Giovanetti Engenharia e Arquitetura Ltda.

    Sto Antonio Energia

    DIRETORIA CBDB

    Presidente: Erton Carvalho

    Vice-Presidente: Fabio De Gennaro Castro

    Diretor Secretrio: Paulo Coreixas Junior

    Diretor Tcnico: Brasil Pinheiro Machado

    Diretor de Comunicaes: Miguel Augusto Z. Sria

    Diretor Adjunto: Marcos Luiz Vasconcellos

    Diretor Adjunto: Ademar Srgio Fiorini

    FICHA TCNICA

    Coordenador / Supervisor: Flavio Miguez de Mello

    Editor: Corrado Piasentin

    Projeto Grfico: Modonovo Design - Marina Hochman

    Diagramao: Modonovo Design - Marina Hochman / Natlia Seiblitz

    Reviso de texto: Margarida Coro

    Grfica: Impressul Indstria Grfica

  • ndicendice PrefcioApresentao

    Sntese do Desenvolvimento da Implantao das Barragens no Brasil

    A Comisso Internacional de Grandes Barragens - Oitenta e Trs Anos de Excelncia

    Histria do Comit Brasileiro de Barragens

    Um Sculo de Obras contra as Secas

    As Barragens Construdas pelo DNOCS

    Resumo da Histria Remota da Hidroeletricidade no Brasil

    Usina Hidroeltrica de Marmelos Usina Hidroeltrica de AngiquinhoUsina Hidroeltrica de Itapecuruzinho

    A Light no Rio de Janeiro, a Cidade Luz Sulamericana

    A So Paulo Light, Fomentadora de Progresso

    As Barragens do Departamento Nacional de Obras de Saneamento - DNOS

    A Histria da CHESF, Indutora do Progresso do Nordeste

    Furnas no Sculo XX

    A Eletronorte e as Barragens da Regio Amaznica

    A Histria das Barragens no Paran

    Companhia Energtica de Minas Gerais - CEMIG

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  • Companhia Estadual de Energia Eltrica do Rio Grande do Sul - CEEE

    Companhia Energtica de So Paulo - CESP

    Companhia Fora e Luz Cataguazes-Leopoldina - Energisa

    Companhia Paulista de Fora e Luz - CPFL

    Breve Memria sobre a Usina de Itaipu 1966 - 2010

    As Pequenas Centrais Hidroeltricas no Brasil

    A Nova Face das Empresas Estatais frente Expanso da Oferta de Energia Hidroeltrica no Pas

    As Barragens de Rejeitos no Brasil: Sua evoluo nos ltimos anos

    A Evoluo do Licenciamento Ambiental de Barragens no Brasil

    A Evoluo da Legislao Aplicada s Barragens

    Centros de Pesquisas Tecnolgicas Aplicadas a Barragens - Introduo

    CEHPAR - 50 Anos de muito Trabalho

    Centro de Tecnologia de Furnas em Goinia

    O Laboratrio de Hidrulica HIDROESB - Saturnino de Brito SA

    O Instituto de Pesquisas Hidrulicas - IPH

    O Instituto de Pesquisas Tecnolgicas do Estado de So Paulo - IPT

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  • Laboratrio de Hidrulica Experimental e Recursos Hdricos de Furnas - LAHE

    O Laboratrio CESP de Engenharia Civil - LCEC

    Anexos

    Anexo 1 - EntrevistasEduardo Larrosa BequioGuy Maria Villela PaschoalHlio Mendes de AmorimJoo Camilo PennaJos Candido Capistrano de Castro PessoaLuiz Carlos QueirozMario SantosMurillo Dondici RuizOlavo Augusto Vieira

    Anexo 2 - DepoimentosJos Gelazio da Rocha e Antnio Dias Leite

    Anexo 3 - Diretorias do CBDB

    Anexo 4 - Seminrios Nacionais de Grandes Barragens

    Anexo 5 - Simpsios sobre Pequenas e Mdias Centrais Hidroeltricas

    Anexo 6 - Congressos Internacionais e Reunies Anuais e Executivas

    Anexo 7 - Scios Coletivos e Mantenedores

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  • A Histria das Barragens no Brasil - Sculos XIX, XX e XXI

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    Prefcio Prefcio

    Em comemorao aos 50 anos de existncia do Comit Brasileiro de Barragens CBDB filiado International Commission on Large Dams (ICOLD), apresentamos o livro A Histria das Barragens no Brasil - Sculos XIX, XX e XXI. Pretendemos, assim, registrar a histria das barragens brasileiras, resgatando os principais personagens que contriburam para o desenvolvimento da nossa engenharia, envolvendo no s homens pblicos, mas tambm empreendedores do setor privado e pesquisadores.

    As barragens surgiram em decorrncia da necessidade de se usufruir dos benefcios do uso mltiplo dos recursos hdricos para a populao brasileira. O livro retrata as primeiras barragens construdas no Nordeste, a partir de 1887, onde o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) teve um papel importante com a construo de audes para irrigao, abastecimento de gua das cidades e pequenos ncleos populacionais. Essa poltica, que previa a formao de reservatrios no semi-rido nordestino, teve como uma das principais finalidades a permanncia do sertanejo no seu ambiente natural, amenizando os processos migratrios para a Regio Sudeste do Pas. Alm da contribuio nos mtodos construtivos das barragens, principalmente as de macios de terra, houve um grande desenvolvimento nas reas de hidrologia e meteorologia. A SUDENE, dirigida pelo economista Celso Furtado na dcada de 1960, implementou um plano de desenvolvimento regional embasado em estudos dos recursos naturais, envolvendo mapeamentos pedolgicos, guas de superfcie e subterrnea, climatologia, hidrologia, piscicultura, entre outras cincias que serviram de suporte para projetos de irrigao e construo de barragens.

    O livro aborda com abrangncia o desenvolvimento tecnolgico para a construo das barragens brasileiras a partir de 1950, quando se iniciou o desenvolvimento do setor eltrico brasileiro. O primeiro trabalho de inventrio dos rios da Regio Sudeste foi elaborado pela Canambra Engineering Consultants Limited, grupo de grande competncia, que colaborou, juntamente com algumas empresas brasileiras, na formao dos nossos engenheiros na rea de recursos hdricos e projetos de barragens. No Brasil foram iniciadas as construes de grandes barragens, apoiadas em estudos e projetos de alta qualidade. Os tcnicos brasileiros foram influenciados principalmente pelas organizaes americanas United States Bureau of Reclamation e US Army Corps of Engineers. Paralelamente, para suporte tecnolgico desses empreendimentos, foram criados vrios centros de pesquisas, os quais fazem parte dos pontos importantes abordados nesta publicao. O aparecimento e o desenvolvimento das empresas construtoras de barragens constituem fatos de grande relevncia.

    C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

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    Este livro registra as primeiras hidroeltricas construdas no pas, selecionadas por regio. Apresenta, tambm, uma significativa documentao sobre o Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS) extinto no inicio da dcada de 1990, o qual realizou vrios trabalhos apreciveis nas reas de abastecimento de gua, irrigao e gerao de energia eltrica, sendo tambm responsvel pelas obras de controle de cheias em todo pas. As empresas subsidirias da ELETROBRAS: FURNAS, CHESF, ELETRONORTE e ELETROSUL, bem como as dos estados de Minas Gerais (CEMIG), So Paulo (CESP), Rio Grande do Sul (CEEE) e Paran (COPEL), aparecem documentadas com a histria de suas formaes, incluindo os empreendimentos realizados e as respectivas estratgias de desenvolvimento.

    A usina de Itaipu Binacional, pertencente ao Brasil e ao Paraguai, est retratada com a sua histria e importncia, no s para a gerao de energia eltrica, como tambm para a integrao dos dois pases.

    Destaca-se na Regio Amaznica o relato do projeto e construo da usina de Tucuru, a maior hidroeltrica brasileira, dotada de eclusas para a navegao do rio Tocantins, realando a importncia da Regio Amaznica como continuidade do uso dos nossos recursos hdricos.

    A preocupao do CBDB em defesa do desenvolvimento sustentvel do Pas est comentada nos tpicos sobre a evoluo do licenciamento ambiental para os empreendimentos hidrulicos, no que se refere construo das barragens e seus impactos. A legislao sobre a segurana das barragens, que faz parte do programa de trabalho do CBDB, tambm citada nesta publicao.

    Finalmente, este livro dirigido a um pblico abrangente, visando, principalmente, o leitor interessado na histria contempornea do desenvolvimento brasileiro, sem a exigncia de que ele seja possuidor de conhecimentos tcnicos sobre o tema.

    Erton Carvalho PREsIDENTE DO CBDB

    A Histria das Barragens no Brasil - Sculos XIX, XX e XXI

  • Reservatrio de Tucuru

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    Apresentao

    Flavio Miguez de Melloguas so muitas, infi nitas... E em tal maneira grandiosa que, querendo, a aproveitar, dar-se- nela tudo, por bem das guas que tem. Pero Vaz de Caminha, 1500.

    Apresentao

    Com a proximidade do cinquentenrio do Comit Brasileiro de Barragens CBDB surgiu, em reunio do Conselho Deliberativo, a proposta do engenheiro Manuel de Almeida Martins de que se editasse um livro comemorativo versando sobre a histria da engenharia de barragens no Brasil. A proposio foi aceita com entusiasmo, cabendo a mim a tarefa de produzir o livro e public-lo no aniversrio de cinquenta anos do CBDB, em outubro de 2011. Outras entidades publicaram livros de escopo semelhante: a ABMS publicou Cinquenta Anos de Geotecnia em 2000 e a ABGE publicou a Edio Comemorativa dos Trinta Anos, em 1998.

    Este livro lanado em difcil momento para os investidores, estatais e privados, em empreendimentos para qualquer das di-versas fi nalidades de barragens dadas s vigentes difi culdades de aprovao, licenciamento e distores legais que propiciam prio-rizao solues mais poluentes, de questionvel segurana e de menor economicidade. A propsito, cabe realar as palavras de Paulo Skaff, presidente da FIESP ao analisar as tendncias atuais (2011) do setor eltrico: O Brasil assiste a desqualifi cao de suas fontes de energia mais competitivas e abundantemente disponveis. Essa distoro j contaminou a legislao ambiental brasileira e, mais recentemente, comprometeu o planejamento energtico. O Brasil est desperdiando impor-tantes potenciais hdricos ao limitar, emocionalmente, o dimensionamento dos reservatrios das barragens. No mesmo sentido, a ministra Miriam Belchior, do Planejamento alertou (2011): Acreditamos que ser possvel, de fato, Belo Monte ser um exemplo de implantao de usina hi-droeltrica na Regio Amaznica ... exceto os que tenham uma posio ideolgica e no tcnica (sobre meio ambiente), os demais sero convencidos

    de que est sendo feito todo o esforo, envolvendo todos os atores, para que a implantao de Belo Monte seja um sucesso de sustentabilidade social e ambiental.

    No incio dos trabalhos, a Diretoria do CBDB emitiu uma circular a todos os scios comunicando a inteno de publicar este livro e incentivou os associados a se apresentarem como voluntrios na preparao dos diversos captulos que haviam sido programados. Como voluntrios no apareceram, e como o assunto a ser abor-dado no livro demasiadamente extenso no tempo, superando um sculo, e no espao, por abranger o vasto territrio nacional, tive que selecionar alguns voluntrios que gentilmente aceitaram a tarefa e desempenharam a funo de redatores com maestria e objetividade. Entretanto, mesmo assim, como so muitos os aspec-tos enfocados, o livro acabou apresentando uma certa concentrao de captulos em um autor.

    Ao iniciar a tarefa me deparei com grandes difi culdades provenien-tes das importantes perdas para a Profi sso de inmeros expoen-tes da engenharia nesses pouco mais de dez anos que separam as publicaes das outras associaes da edio do livro do CBDB. Essas perdas de quase uma gerao inteira de notveis pioneiros dos tempos das mais importantes conquistas tecnolgicas e da fase pioneira da implantao de grandes barragens para as mais diversas fi nalidades bem como da poca das grandes difi culdades para identifi cao, planejamento, projeto, construo e operao de barragens e reservatrios, fi zeram com que a tarefa se tornas-se rdua em funo da busca de documentos, relatrios, foto-

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    grafias e depoimentos que formassem as bases para o relato de uma histria de mais de um sculo de conquistas que merecem registro. Os que atualmente atuam em implantao de barragens podem no imaginar que, por exemplo, para visitar pela primei-ra vez o local da hidroeltrica de Salto Grande em Minas Gerais, o engenheiro John Cotrim gastou duas semanas a cavalo.

    Por sorte tive o privilgio de conviver profissionalmente com alguns dos mais destacados atores daquele perodo e que j nos abandonaram. Estive com alguns desses atores com frequn-cia em certas longas fases do exerccio profissional tais como

    os engenheiros Flavio H. Lyra, John R. Cotrim, Lo A. Penna, Arthur Crocchi, E. Von Ranke, Victor F.B. de Mello, Carlos Al-berto Pdua Amarante, Epaminondas Mello do Amaral Filho, Theophilo Benedicto Ottoni Netto, Antnio Jos da Costa Nunes, Francisco de Assis Baslio, Jos Machado e Jos Cndido Castro Parente Pessoa com os quais tive oportunidades de angariar va-liosos depoimentos sobre aspectos de vivncias profissionais pas-sadas. Com vrios outros atores do passado tive contatos menos extensos, mas de elevado interesse no relato de experincias pro-fissionais tais como Mrio Penna Bhering, Csar Cals de Oliveira Filho e consultores como Manuel Rocha e Porland Port Fox.

    Usina hidroeltrica Serra do Faco

    A Histria das Barragens no Brasil - Sculos XIX, XX e XXI

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    Desses contatos pude extrair h anos, informaes de elevado contedo histrico, algumas das quais relato neste livro. Esses contatos, dos quais guardo recordaes as mais preciosas, foram em parte devidos minha atuao profissional na engenharia, minha atuao na Universidade e s minhas atividades no CBDB e em outras entidades tcnicas. No CBDB, embora no seja o mais velho, devo certamente ser o mais antigo por ter sido chamado muito jovem a apoiar as atividades em sua sede. Prova-velmente foram esses fatores que levaram o Conselho do CBDB a me indicar como responsvel pela edio desse livro. Alguns relatos apresentados em captulos deste livro foram obtidos diretamente desses contatos dos que nos precederam na Profisso. O livro foi enriquecido com textos, entrevistas e informaes de al-guns dos mais destacados profissionais que atuam na engenharia de barragens em nosso Pas.

    Procurei congregar neste livro narrativas sucintas, porm objetivas, de todas as principais atividades que resultaram na implantao de tantas barragens que trouxeram progresso e bem estar ao nosso povo desde o Sculo XIX. Considerando que a histria recente mais conhecida por aqueles que acessarem esse livro, de se notar que h, em quase todos os captulos, uma nfase maior na histria remota, de mais difcil caracterizao. Dessa forma h uma nfase nas primeiras barragens para saneamento, para controle de cheias e, principalmente, para combate s trgicas consequncias ocasionadas pelas secas e para produo de energia eltrica. Sobre esse aspecto h um captulo resumindo as primei-ras hidroeltricas nas diversas regies do Pas, com destaque para as primeiras usinas hidrulicas para fornecimento pblico de energia eltrica: Marmelos no Sul-Sudeste, construda ainda no Sculo XIX por Bernardo Mascarenhas, Angiquinho implantada no Nordeste por Delmiro Gouveia e Itapecuruzinho, implementada na Re-gio Amaznica por Newton Carvalho, pai do atual presidente do CBDB, engenheiro Erton Carvalho. O relato mais detalhado dessas barragens pioneiras retrata a imagem das imensas dificul-dades logsticas de acesso, de obteno de materiais e de aqui-sio de equipamentos. Mesmo assim, os que nos precederam conseguiram, nas mais adversas condies, implantar barragens e hidroeltricas em at menos de um ano, prazos presentemente ina-

    creditveis dadas as atuais delongas e dificuldades legais, de aprova-o, de concesso e de licenciamento ambiental, alm de oposies dos auto-proclamados ambientalistas nacionais e estrangeiros.

    Com uma longa histria to rica a ser resumida num espao to curto, o livro inevitavelmente contm omisses pelas quais des-de j peo desculpas. No foi possvel mencionar todos os atores e relatar todas as inmeras atividades de implantao de barragens que ocorreram por mais de um sculo nesse to vasto territrio nacional. Presentemente, s considerando as grandes barragens, no Brasil h bem mais de mil dessas estruturas em operao e, se consideradas as barragens de rejeitos, ultrapassa-se a casa das duas mil grandes barragens.

    O presente livro resultado do apoio e do incentivo de muitas pes-soas entre as quais cabe destacar especialmente a constante com-preenso e apoio de minha esposa, das quatro filhas que passaram mais de um ano sem minha participao em atividades de fins de semana. Agradeo tambm aos dirigentes e funcionrios do CBDB, o editor Corrado Piasentin, a revisora de texto Margarida Coro e o conselheiro Aurlio Alves de Vasconcelos, presentes e atuantes desde a primeira hora. Agradecimentos so devidos aos autores dos captulos e aos entrevistados que contriburam decisivamente para a viabilizao do livro. Cabe ainda agradecer os importantes apoios recebidos de diversos profissionais entre eles Alberto Jorge C. T. Cavalcanti, Alberto Sayo, Ana Teresa Ponte, Andr Luiz Fa-biani, Carlos Henrique Medeiros, Carlos Mazzaro, Cleber Jos de Carvalho, Delphim Mazon Fernandes, Flavio Pilz, Fernando Pires de Camargo, Gisele Miranda Gomes Reis, Gualter Pupo, Gustavo Nasser Moreira, Heloisa Ottoni, Henrique Frade, Hilton Ahiran da Silveira, John Denys Cadman, Jos Carlos de Miranda Reis Neto, Jerson Kelman, Joo Paulo Maranho Aguiar, Jos Gelazio da Rocha, Jos Joo Rocha Afonso, Julia Ferrer Leal de Araujo, Leila Lobo de Mendona, Mair Melo Andrade, Margaret Rose Mendes Fernandes, Nicole Schauner, Og Pozzoli, Paulo Coreixas Jr., Ricardo Ivan Bicu-do, Rosana Libnio, Sandra Pereira, Srgio Pimenta, Simone Idalgo Machado, Talvani Hiplito Nolasco Filho, Teresa Malveira, Vnia Rosa Costa, Viviani Siqueira Vecchi e Walton Pacelli de Andrade.

    C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

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    Sntese do Desenvolvimento da Implantao das Barragens no Brasil

    Flavio Miguez de Mello

    Sntese do Desenvolvimento da Implantao das Barragens no Brasil

    O Pas e seus recursos hdricosO Brasil um territrio contnuo de forma quase quadrada, a maior parte do qual se situa no hemisfrio sul, desde 4 de latitude norte a 33 de latitude sul e de 40 a 75 de longitude oeste, compre-endendo 8,5x106 km. Esse grande territrio tem uma longa fron-teira com todos os pases da Amrica do Sul exceo do Equador e do Chile, com uma extensa costa banhada pelo Oceano Atln-tico ao longo de 8.500 km. O Pas abriga a quinta maior popula-o do mundo. A maior parte dos seus 190 milhes de habitantes vive na Regio Sudeste onde as maiores cidades esto localizadas.

    Como o Pas de to grande superfcie, h diferentes aspectos natu-rais tais como, por exemplo, a quantidade e frequncia de precipita-es, os recursos hdricos, o clima, a geologia, o relevo e a vegetao. O ambiente varia das plancies alagadas da Amaznia Equatorial e do Pantanal ao Planalto Central, da cadeia de montanhas prximas costa no Sudeste at as plancies do Sul e do Meio Oeste, variando de reas midas ao vasto semi-rido do interior do Nordeste.

    We trust that the results of the study will help the power industry of South Central Brazil to develop on a sound basis in the years that lie ahead.

    Acreditamos que os resultados do estudo auxiliaro nos anos vindouros o desenvolvimento da indstria de gerao do Centro-Sul do Brasil sobre uma base slida

    John K. Sexton, engenheiro chefe da Canambra, 1966.

    A parte central da Regio Amaznica cortada de oeste para leste pelo rio Amazonas, o mais caudaloso e mais longo rio do mun-do, com uma descarga mdia superior a 200.000 m/s, formado por dois grandes rios, o Solimes que drena os Andes peruanos e bolivianos e o Negro. Os mais importantes tributrios desses rios e os rios da bacia do rio Tocantins que flui de sul para norte, constituem-se nos grandes recursos hdricos do norte do Brasil, apresentando descarga especfica mdia de 35 l/s.km.

    A leste desta regio encontra-se a regio semi-rida do nordeste brasileiro cujos rios so em geral intermitentes, podendo apre-sentar descargas especficas mdias to baixas quanto 3 l/s.km. Nessa rea, denominada Polgono das Secas, a incidncia solar supera as 3000 horas por ano, a precipitao mdia anual pode ser de 400 mm ou menos. Nessa rea a evaporao mdia pode atingir 2000 mm/ano e, juntamente com evapotranspirao, pode ser responsvel pelo consumo de at 92% das precipitaes. A pe-quena espessura da cobertura de solo faz com que haja dificuldade em reter a umidade e, como o substrato cristalino pouco permevel, s possvel acumular guas subterrneas em regies de rochas com fraturas profundas, sendo geralmente esta gua insuficiente e de baixa qualidade. Quase todos os rios do Nordeste, com exceo dos rios So Francisco (que proveniente do Sudeste) e Parna-ba, tm regime intermitente em pelo menos parte de seus cursos.

    Barragem de finalidades mltiplas de Pedra do Cavalo no rio Paraguau na Bahia

    C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

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    Nesses rios intermitentes, no caso de barragens no muito altas, o tratamento de fundao pode ser feito na primeira estao seca du-rante a construo e a barragem construda durante a estao seca seguinte, muitas vezes sem requerer estruturas de desvio e ensecadeiras.

    No resto do Pas as descargas especficas variam de 12 l/s.km a 30 l/s.km.

    Nos ltimos 40 anos o Pas tem participado intensamente da econo-mia internacional, variando entre a oitava e a dcima maior econo-mia do mundo. As secas no Nordeste e o desenvolvimento do Pas foram os fatores determinantes para a implantao do grande n- mero de barragens construdas desde a ltima dcada do sculo XIX.

    Um olhar para o passado remotoA mais antiga barragem que se tem notcia em territrio bra-sileiro foi construda onde hoje rea urbana do Recife, PE, possivelmente no final do Sculo XVI, antes mesmo da invaso holandesa. Conhecida presentemente como aude Apipucos, aparece em um mapa holands de 1577. Apipucos na lngua tupi significa onde os caminhos se encontram. A barragem original foi alargada e reforada para permitir a construo de uma im-portante via de acesso ao centro do Recife. H referncias tam-bm ao dique Afogados construdo no rio Afogados, um brao do rio Capiberibe, por Harman Agenau por 6000 florins para acesso a um forte tambm na atual regio urbana do Recife. O dique tinha trs metros de altura e cerca de 2 km de extenso, tendo sido concludo em dezembro de 1644; em 1650 sofreu transbordamento por ocasio de uma grande cheia, tendo cola-psado em vrios pontos.

    Figuras 1a e 1b - Barragem de Apipucos na cidade do Recife. A mais antiga barragem que se tem registro no Brasil

    A Histria das Barragens no Brasil - Sculos XIX, XX e XXI

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    As obras contra as secasO ano de 1877 foi o incio da maior tragdia nacional devido a fenmeno natural: A Grande Seca no Nordeste com durao superior a trs anos deixou cicatrizes que at hoje so ntidas. O estado do Cear, uma das reas mais atingidas, na poca com 1,5 milho de habitantes, perdeu mais de um tero da sua popula-o de maneira trgica, tendo sido palco de migraes em massa de fl agelados. Somente a partir de meados dos anos oitenta do sculo passado passou-se a saber que as secas so devidas ao fenmeno conhecido por El Nio no Pacfi co Sul. Muitos anos antes, outro intenso El Nio foi responsvel pela retirada dos invasores holandeses de onde hoje a costa do Cear. Em 1880, logo aps a Grande Seca, o Imperador D. Pedro II que esteve na rea atingida, nomeou uma comisso para recomendar uma soluo para o problema das secas no Nordeste. As principais recomendaes foram a construo de estradas para que a popu-lao pudesse atingir o litoral e a construo de barragens para suprimento de gua e irrigao no Polgono das Secas cuja rea superior a 950.000 km. Isso marcou o incio do planejamen-to e projeto de grandes barragens no Brasil. A primeira dessas barragens foi Cedros, situada no Cear e concluda em 1906.

    Centenas de barragens foram construdas desde a Grande Seca no Nordeste. Na primeira dcada do sculo XX uma membrana de alvenaria ou de concreto era usualmente usada como elemento impermeabilizante interno de barragens de terra. A pequena al-tura das barragens e a rocha s nos leitos dos rios minimizavam a necessidade de tratamento de fundao. A rocha s em geral en-contrada nas ombreiras, em vrios projetos, conduziu adoo de vertedouros de superfcie simplesmente escavados em rocha s. Os anos 50 e 60 do sculo passado foram os anos dourados na cons-truo de barragens para combate s secas. No fi nal do Sculo XX o DNOCS executou sua ltima barragem, Castanho cuja fi nalidade principal foi o abastecimento de gua da cidade de Fortaleza.

    Recentemente foi lanado o projeto de derivao de parte das des-cargas do rio So Francisco para o Polgono das Secas. Esse gran-de rio que nasce na Regio Sudeste em Minas Gerais, tem no seu trecho inferior uma descarga mdia de longo termo de cerca de 2000 m/s. No seu estgio fi nal a derivao ser de 3,2% desta des-carga para as regies de seca. Sero construdas diversas barragens, diques, canais, estaes de bombeamento e casas de fora para

    Figura 2 - Barragem de Cedros, uma das duas mais antigas grandes barragens do Brasil (1906)

    Figura 3 Barragem de Castanho para abastecimento de gua cidade de Fortaleza, CE

    C I N Q U E N T A A N O S D O C O M I T B R A S I L E I R O D E B A R R A G E N S

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    gerao de energia. Sero bombeados 63,5 m/s do rio So Fran-cisco. Durante as estaes chuvosas na bacia do rio So Francisco podero ser bombeadas at 127 m/s .

    A maioria das grandes barragens do Brasil (pela classificao da CIGB) encontra-se na Regio Nordeste, a maior parte delas em aterro compactado, sem serem muito altas.

    As primeiras barragens para produo de energia eltricaNas regies Sul e Sudeste a implantao de barragens foi prin-cipalmente direcionada para produo de energia eltrica. No final do Sculo XIX comearam a ser implantadas pequenas usinas para suprimento de cargas modestas e localizadas, to-das com barragens de dimenses discretas. A primeira usina da Light entrou em operao em 1901, no rio Tiet, para su-primento de energia eltrica cidade de So Paulo. Inicialmen-te denominada Parnaba e depois Edgard de Souza, a usina, quando inaugurada, tinha 2 MW instalados; sua barragem ori-ginal com 12,5 m de altura, era de alvenaria de pedra consti-tuda por grandes blocos de rocha gnissica solidarizados com argamassa, sendo, em grande parte de sua extenso, um verte-douro de soleira livre. Em 1954 a antiga usina foi substituda por unidades de recalque e a barragem alteada para 18,5 m atravs de reforos em contrafortes e com vertedouro com trs compor-tas de segmento de capacidade conjunta de 800 m/s. No final do sculo passado, em funo das intensas alteraes nos co-eficientes hidrulicos de sua rea de drenagem devido ur-banizao da cidade de So Paulo e das cidades vizinhas, o vertedouro foi redimensionado com considervel acrscimo de capacidade. At os anos cinquenta todas as empresas de energia eltrica eram privadas e as suas usinas eram situadas principal-mente nas regies Sul e Sudeste. A maior parte das barragens eram estruturas de concreto gravidade ou de alvenaria de pe-dra, no muito altas. Presentemente (2011) h 1206 MW ins-talados em hidroeltricas de mais de 50 anos de idade. Muitas

    dessas unidades esto sendo agora reabilitadas e repotencia-das. As primeiras grandes barragens do Pas foram Cedros acima mencionada e Lajes, que entrou em operao em 1906 no estado do Rio de Janeiro com o objetivo de derivar as guas do ribeiro das Lajes para da usina de Fontes no Rio de Janeiro, na poca uma das maiores do mundo.

    Em 1934 o decreto federal n 24643 conhecido como Cdigo de guas e o cancelamento da clusula ouro que protegia as empre-sas concessionrias dos efeitos da desvalorizao da moeda nacio-nal, passaram a desencorajar diretamente os investidores do setor eltrico. Devido conteno tarifria e fragilidade do capital nacional, passou a haver insuficincia de oferta de energia nas dcadas seguintes. Os danos ao progresso da Nao foram inten-sos e irrecuperveis, tendo sido causado intenso estrangulamento na expanso de oferta de energia eltrica. Esse estrangulamen-to fez com que o governo federal e alguns governos estaduais criassem empresas de energia eltrica. Assim, o setor eltrico foi aos poucos sendo estatizado.

    Logo aps a II Guerra Mundial, a Light, concessionria da mais desenvolvida regio do Pas, construiu diversas barragens e grandes casas de foras subterrneas no Rio de Janeiro e em So Paulo. Para esses empreendimentos consultores individu-ais prestaram importante apoio tais como Karl Terzaghi, Arthur Casagrande e Portland Port Fox.

    Desde o incio dos anos cinquenta as concessionrias estatais pas-saram a se concentrar em empreendimentos de grandes vultos. Por esse motivo as mais importantes contribuies no sentido de desenvolvimento de tecnologias de projeto, construo e opera-o de barragens so principalmente devidas implantao de hidroeltricas. Em 1960, devido desastrosa e desastrada polti-ca de restrio tarifria iniciada pelo Cdigo de guas que incluiu o no reconhecimento de remunerao de capital empregado em obras de gerao, transmisso e distribuio de energia eltrica, a capacidade instalada no territrio nacional era de apenas 5.000 MW, dos quais 3.700 MW provinham de hidroeltricas.

    A Histria das Barragens no Brasil - Sculos XIX, XX e XXI

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    A evoluo do conhecimento dos recursos hidroenergticos. O legado da CanambraNa primeira metade do sculo passado, dada a escassez de mapea-mento e as dificuldades logsticas, os recursos hdricos em territrio brasileiro eram pouco conhecidos e no tinha havido ainda estudos sistemticos que posteriormente, a partir dos anos sessenta, passaram a ser designados por estudos de inventrio. A Light, responsvel pelo

    suprimento de energia eltrica s mais importantes regies no Rio de Janeiro e em So Paulo, efetuava estudos dispersos, tendo inclusive atingido as Sete Quedas, sem o conhecimento dos potenciais do rio Grande e do rio Paranaba, muito mais prximos. Nessa poca, John Cotrim, diretor tcnico da Cemig, organizou uma expedio pelo rio Grande entre dois potenciais conhecidos: os locais das usinas de Itu-tinga e de Peixoto. Nessa expedio foi identificado o local de Furnas

    Figura 4 Barragem e reservatrio de Lajes, uma das duas grandes barragens mais antigas do Brasil (1906)

    C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

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    que posteriormente deu origem empresa de mesmo nome. A desco-berta desse potencial causou espanto no meio tcnico da poca. Como reflexo desse levantamento veio o objetivo da Cemig de efetuar um levantamento dos recursos hidroenergticos de Minas Gerais. A Cemig solicitou apoio financeiro ao Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (UNDP sigla em ingls). Ao abrigo desse recurso financeiro, Cemig assinou, em 2 de novembro de 1962, um con-trato com a Canambra Engineering Consultants, um consrcio entre as empresas consultoras canadenses, Montreal Engineering Company Ltd. e G.E. Crippen & Associates Ltd. e a americana Gibbs & Hill Inc., para que fosse realizado o inventrio dos recursos hidroenergticos em Minas Gerais. Com a sugesto do Banco Mundial que atuou nesse inven-trio como agente executivo do UNDP, de estender os estudos toda Regio Sudeste considerando a importncia desses estudos para a otimizao dos investimentos em gerao de energia eltrica e como todos os rios que nascem em Minas Gerais atravessam outros estados, o governo federal se interessou vivamente pela iniciativa da Cemig e, em 3 de junho do ano seguinte, os estudos foram estendidos toda a Regio Sudeste atravs de um contrato assinado entre a Canambra e Furnas. Para tanto, o ministro Gabriel Passos das Minas e Energia e os governadores dos estados de Minas Gerais, So Paulo, Rio de Janeiro e Guanabara assinaram em 1 de maro de 1963 o Plano de Opera-o. Inicialmente conhecido como ONU-Cemig, os estudos passaram a ser conhecidos como Canambra. Com esse propsito, o UNDP disponibilizou recursos da ordem de US$ 2,7 milhes, havendo a contra-partida em moeda nacional no equivalente a US$ 3,8 milhes.

    Trs grupos foram formados, um em Belo Horizonte, um em So Paulo e um no Rio de Janeiro. Os dois primeiros grupos acima mencio-nados desenvolveram o inventrio dos recursos hidroenergticos em relatrios independentes e o grupo sediado no Rio de Janeiro usou os resultados obtidos adicionados a investigaes de outras possveis fontes geradoras, inclusive termoeltricas a carvo, a leo e usinas nucleares, para formatar o programa final de desenvolvimento ener-gtico da Regio Sudeste. A rea total investigada foi de 1,1 milho de quilmetros quadrados cobrindo 28.000 km de rios, usando 3.700 horas de voos de reconhecimento, englobando 510 locais de barragem dos quais 264 foram levantados com melhor preciso,

    o que demandou aerofotografias de uma rea de 516.000 km. Fo-ram identificados como viveis potenciais que somados atingiram 40.000 MW. Os estudos de inventrio constituram-se em atividade sem precedente, tendo direcionado o desenvolvimento hidroener-gtico da regio. Nas fases posteriores de implantao das usinas, a maioria esmagadora dos estudos realizados pela Canambra foi posteriormente aprofundada nas etapas sucessivas de projeto den-tro das diretrizes inicialmente estabelecidas. O relatrio final foi entregue por J.K. Sexton, diretor da Canambra, a John Cotrim, chefe do Comit de Direo dos Estudos, em dezembro de 1966.

    Considerando o sucesso dos estudos desenvolvidos na Regio Su-deste, a Canambra foi contratada para efetuar estudo de mesmo es-copo para a Regio Sul. Posteriormente, nos anos setenta, empresas nacionais realizaram estudos de inventrio hidroenergticos nas regi-es Norte e Nordeste. A partir dos anos oitenta os estudos anteriores comearam a ser revisados e densificados em quase todo o territrio nacional. Progressivamente as condicionantes ambientais foram ganhando espao nas definies de projetos em inventrios. Um exemplo tpico foi a reviso do inventrio do rio Paraibuna em Minas Gerais que havia sido feito nos anos oitenta. A partir de poucos anos

    Figura 5 Grupo de Minas Gerais da Canambra trabalhando no escritrio central da Cemig

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    aps seu trmino, os projetos que pelas exageradas dimenses de seus reservatrios inundariam centros urbanos e grandes extenses de obras de infraestrutura viria, foram progressivamente alterados para reservatrios de menores dimenses, maior nmero de usinas com quedas mais modestas e pequenos trechos inaproveitados. Fo-ram definidos os aproveitamentos de Picada, Sobragy, Cabuy, Monte Serrat, Bonfante e Santa F com pequenas reas inundadas. Apesar de pequena perda energtica em relao partio de queda proposta nos anos oitenta, os empreendimentos passaram a ser econmica e ambientalmente viveis, tendo sido implantados a partir do incio dos anos noventa. Na usina que fica mais a jusante foi possvel a compati-bilizao indita do aproveitamento energtico com a canoagem, qua-se sempre objetivos antagnicos. Durante os dias de fim de semana, feriados e noites de lua cheia, so liberados para a canoagem pela bar-ragem de derivao a descarga de 50 m/s, ideal para a prtica da cano- agem, garantindo melhores condies do que as condies naturais.

    7a

    7b

    7c 7d

    Figura 6 - John Cadman fotografado por John Cabrera, atolados na beira do rio, mostrando as dificuldades logsticas durante os levantamentos de campo efetuados pela Canambra

    Figura 7a - PCH Monte Serrat no rio Paraibuna, Rio de Janeiro e Minas Gerais

    Figura 7b - PCH Bonfante no rio Paraibuna, Rio de Janeiro e Minas Gerais

    Figura 7c - PCH Santa F no rio Paraibuna, Rio de Janeiro e Minas Gerais

    Figura 7d Rafting no rio Paraibuna sobre a soleira vertedora da barragem de derivao de Santa F

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    Influenciada por essas alteraes, a ANEEL contratou a Es-cola Politcnica da UFRJ em 2000 para reestudar toda a bacia do rio Paraba do Sul com ateno especial aos impactos am-bientais, a menos das usinas existentes ou aprovadas entre as quais o complexo de Simplcio. Dessa reviso dos inventrios existentes resultou o projeto de mais de cinquenta novos apro-veitamentos, em sua maioria esquemas de baixa queda para

    torn-los ambientalmente viveis. Dentre os aproveitamentos de baixa queda destacam-se as PCHs gmeas Queluz e Lavri-nhas, assim denominadas por terem todos os equipamentos idnticos. Essas PCHs, com 30 MW cada, construdas no rio Paraba do Sul a montante do reservatrio do Funil, foram concludas em 2011 e tiveram seus reservatrios condicionados pela infraestrutura viria do local.

    Figuras 8a e 8b PCH Queluz antes e depois do enchimento do reservatrio. Em primeiro plano a ferrovia de concesso da MRS e ao fundo a ponte da rodovia Presidente Dutra BR-116

    Figuras 9a e 9b - PCH Lavrinhas antes e depois do enchimento do reservatrio. Em primeiro plano a ferrovia de concesso da MRS e ao fundo a rodovia Presidente Dutra BR-116

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    Alteraes nos critrios tarifrios e a consequente ampliao de implantao de hidroeltricas Nos anos sessenta e setenta, devido ao estabelecimento do cri-trio da verdade tarifria introduzido no incio do governo Cas-telo Branco por Bulhes de Carvalho e Roberto Campos, um impressionante nmero de grandes hidroeltricas foram constru-das e entraram em operao, algumas das quais entre as maiores do mundo na poca.

    Nos anos oitenta e noventa um menor nmero de hidroeltricas entra-ram em operao devido carncia de recursos financeiros das estatais causada principalmente pelos impactos na economia nacional devi-dos aos dois choques do petrleo e a crescente inflao. Entretanto, a concentrao de investimentos em poucos, mas grandes empreendi-mentos, continuou, resultando no que mostra a tabela a seguir.

    Figura 10 Local da usina hidroeltrica de Furnas no incio de sua construo. A partir da esquerda Flavio H.Lyra, Juscelino Kubitschek de Oliveira,

    John R. Cotrim, Benedito Dutra e outros. Todos olhando para o fotografo a menos de Flavio H. Lyra preocupado com a concepo do projeto

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    Figura 11 Casa de fora e vertedouro da usina hidroeltrica de Tucuru

    Figura 12 Usina hidroeltrica de Salto Santiago no rio Iguau

    Figura 13 Usina hidroeltrica de It em final de construo

    A Histria das Barragens no Brasil - Sculos XIX, XX e XXI

    Legenda:N Regio Norte S Regio Sul SE Regio Sudeste NE Regio NordesteCO Regio CentroesteTE barragem de terraER barragem de enrocamento com ncleo de terraBEFC barragem de enrocamento com face de concretoCG barragem de concreto gravidadeCCR barragem de concreto compactado com roloGA barragem de concreto em gravidade aliviadaCF barragem de concreto em contrafortes

    TABELA 1Maiores Hidroeltricas em Operao em 2011

    Hidroeltrica Potncia Regio Tipo de Barragem

    (MW)

    Tucuru 8.370 N TE/CG

    Itaipu (Brasil) 7.000 S GA/CG/CT/ER/TE

    Ilha Solteira 3.444 SE/CO TE/CG

    Xing 3.162 NE BEFC

    Paulo Afonso IV 2.462 NE TE/CG

    Itumbiara 2.082 SE/CO TE/CG

    So Simo 1.710 SE/CO TE/CG

    Foz do Areia 1.676 S BEFC

    Jupi 1.551 SE/CO TE/ER/CG

    Porto Primavera 1.540 SE/CO TE/CG

    It 1.450 S BEFC

    Itaparica 1.479 NE TE/CG

    Marimbondo 1.440 SE TE/CG

    Salto Santiago 1.420 S ER

    gua Vermelha 1.396 SE TE/CG

    Segredo 1.260 S BEFC

    Salto Caxias 1.240 S CCR

    Furnas 1.216 SE ER

    Emborcao 1.192 SE/CO ER

    Salto Osrio 1.078 S ER

    Sobradinho 1.050 NE TE/CG

    Estreito 1.050 SE ER

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    Extensos reservatrios foram criados para algumas dessas grandes hidroeltricas. Tais reservatrios passaram a propiciar benefcios de regularizao de vazes e, consequentemente, otimizao de operao e confiabilidade no suprimento de energia eltrica.

    Figura 14 Usina hidroeltrica de Sobradinho. Reservatrio de maior rea do Brasil

    Figura 15 Reservatrio da usina hidroeltrica de

    Serra da Mesa, o de maior volume do Brasil

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    TABELA 2Maiores Reservatrios

    Barragem rea (km) Volume (km) Extenso (km)

    Sobradinho 4.214 34 350

    Tucuru 3.007 50 170

    Balbina 2.360 17 225

    Porto Primavera 2.250 20 250

    Serra da Mesa 1.784 54 116

    Itaipu* 1.350 29 170

    *Incluindo a parte do reservatrio sobre territrio paraguaio.

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    Desde pouco antes do incio dos anos oitenta o governo federal e os governos estaduais passaram a enfrentar grandes dificulda-des para prover recursos necessrios para a implantao de novas usinas e de sistemas de transmisso. Um dos casos extremos ocor-reu na implantao da hidroeltrica de Emborcao que, perante reiterada ameaa da Eletrobras em no cumprir o contrato de fi-nanciamento com a Cemig, esta denunciou a Eletrobras ao Banco Mundial. Considerando as funestas e intensas consequncias ao Pas em outros empreendimentos financiados pelo Banco Mundial, a Eletrobras foi obrigada a cumprir o contrato. Nas obras federais houve intensa concentrao de recursos na construo das maiores usinas, nomeadamente em Itaipu e Tucuru, e depois em Xing, ficando as demais obras federais sujeitas s verbas de desmobili-zao. Essas verbas correspondiam aos valores que seriam des-pendidos caso as obras viessem a ser paralisadas. Como esses valores eram insuficientes para manter o ritmo ideal de constru-o, essas obras ficaram sujeitas a vultosos dispndios devido aos acrscimos de custo de construo e maior incidncia de juros durante a construo, tendo afetado negativamente as empresas contratadas para fornecimento de servios e de bens de capital.

    A hidroeletricidade nos anos recentesEm 1996, atravs da Lei 9427, uma importante modificao ocor-reu no setor eltrico com a criao da Agncia Nacional de Ener-gia Eltrica. Pouco depois foi instituda a Agncia Nacional de guas e o Operador Nacional do Sistema, entidade, teoricamente privada, que atua na coordenao e no controle da operao das geradoras e dos sistemas de transmisso. Uma segunda alterao na legislao ocorreu em 2004 mantendo o processo de licitao para novos projetos, mas tornando-se vencedor aquele que apre-sentasse a menor tarifa, ficando assim concessionrio da usina ou do sistema de transmisso. As transaes de compra e venda de blocos de energia no sistema interligado de transmisso so fei-tas sob os auspcios do Mercado Atacadista de Energia atravs de contratos bi-laterais de curta durao. Todo o planejamento concernente a privatizao, alteraes operacionais e licitaes

    para concesses tm sido processado pela ANEEL. Uma em-presa federal (EPE - Empresa de Pesquisa Energtica) foi criada para o desenvolvimento do planejamento do setor eltrico. Presen-temente empresas de gerao, de transmisso, de distribuio, de comercializao e outros investidores so encorajados a im-plantar usinas de gerao e sistemas de transmisso, bem como comercializar a energia produzida ou transmitida.

    Devido ao sistema ser interligado em grande parte do territ-rio nacional, as novas hidroeltricas, alm de suprirem energia na sua regio, promovem benefcios para outras reas. Como resulta-do, um vasto sistema de transmisso em alta tenso e em extra alta tenso promove a interligao de vrias regies do Pas ao sul do rio Amazonas unindo os dois maiores sistemas nacionais: o Norte/Nordeste ao Sul/Sudeste/Centroeste. Est programada para fu-turo prximo a interligao entre a margem sul e a margem norte do rio Amazonas. Em 2008 mais de 95% da populao tinha aces-so a servio pblico de eletricidade compreendendo mais de 99% dos municpios. Uma grande parte do territrio brasileiro, com exceo de sistemas isolados na Regio Norte, servido por mais de 90.000 km de sistemas de transmisso interconectados em 230 kV, 345 kV, 440 kV, 500 kV e 750 kV.

    Em novembro de 2008 a capacidade instalada no Pas era de 104.816 MW em 1768 usinas geradoras das quais 706 eram hidroel-tricas, 1042 termoeltricas e duas termonucleares. Nos ltimos 10 anos a mdia anual do aumento da capacidade instalada foi de 3652 MW. H poucos anos atrs bem mais de 90% da capacidade instalada provinha de usinas hidroeltricas. Ao final de 2008 essa proporo caiu para 74% devido ao planejamento para a diversificao de fontes geradoras e s dificuldades de obteno de licenciamentos ambientais para barra-gens e reservatrios. Em abril de 2011 a capacidade total instalada no Pas passou a ser de 112.398 MW. Entretanto, a carga de impostos na gerao de energia eltrica de cerca de 45% da tarifa cheia, o que faz com que, apesar do grande nmero das grandes usinas hidroeltri-cas que operam h mais de 30 anos estarem teoricamente depreciadas, a energia eltrica disponibilizada no Brasil possa ser a mais cara do mundo devido principalmente a essa elevada carga tributria. Impostos,

    A Histria das Barragens no Brasil - Sculos XIX, XX e XXI

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    taxas e contribuies mandatrias em uma conta de consumo de ener-gia eltrica em residncia de classe mdia quando comparada ao custo direto da energia fornecida, se situam no entorno de 85%. Presente-mente (meados de 2011) a tarifa mdia para a indstria no Brasil de R$ 329/MWh, 134% superior mdia das tarifas industriais nos ou-tros pases do BRIC (Brasil, Rssia, ndia e China) que se situam em R$140,7/MWh. Em estudo recente a FIRJAN considerou crticos os nveis dos quatorze encargos cobrados sobre a energia eltrica.

    Entre 2015 e 2017 muitas das concesses das maiores hidroeltricas e dos sistemas de transmisso estaro vencidas. Pela legislao em vi-gor essas concesses retornaro Unio que dever efetuar licitaes para definio de novos concessionrios. As hidroeltricas a serem licitadas j estaro totalmente depreciadas, o que, pelo esprito da Lei, dever fazer com que as tarifas venham a ser consideravelmente reduzidas. As atuais concessionrias tero que se adaptar nova realidade. Prev-se que em 2015 cerca de 20% do parque gerador, 70.000 km de linhas de transmisso e 33% dos contratos de distri-buio devero ter suas concesses licitadas. Em abril de 2011 as grandes concessionrias como CESP, CEMIG e COPEL forma-ram um grupo para discutir o problema e tentar influenciar uma alterao na legislao visando prorrogaes das concesses. Fur-nas, por exemplo, poder perder at 52% do seu atual faturamento caso as concesses que vencem no perodo acima mencionado,

    no venham a ser renovadas. Essas concesses, no caso de Furnas, compreendem a 5000 MW em seis usinas, alm de ativos em siste-mas de transmisso. Tem havido por parte das atuais concessionrias e de governos estaduais, intenso lobby para a manuteno das atu-ais concesses. Por outro lado a FIESP defende que a legislao no venha ser alterada ou violentada e que as licitaes sejam feitas; considera que com as licitaes as tarifas despencaro a nveis de 20% dos atuais, pois os investimentos na construo das usinas e nos sistemas de transmisso j foram amortizados h muito tempo. Para tanto, a FIESP entrou com representao no TCU solicitando interveno para que providncias sejam tomadas no sentido de garantir a execuo das licitaes de concesso. Entretanto, um dos principais problemas que, com o elevadssimo nvel dos encargos sobre o fornecimento da energia eltrica, a intensa reduo das tarifas que beneficiaria os contribuintes e recolocaria a competitividade da in-dstria nacional no mercado externo, faria com que o governo perdesse arrecadao o que no costuma ser aceito pelos polticos da situao.

    Desde a ltima dcada do sculo XX, um grande nmero de in-vestidores tm atuado na implementao de pequenas centrais hidroeltricas at o limite de 30 MW instalados. A esmagado-ra maioria dessas pequenas usinas tem modestos reservatrios, pequenas barragens, vertedouros de superfcie em lmina livre e casas de fora em posio remota em relao s barragens.

    Figura 17 Barragem da PCH Ivan Botelho II (Palestina) em Minas Gerais

    Figura 16 - PCH Calheiros 19 MW no rio Itabapoana, entre os estados do Rio de Janeiro e Esprito Santo

    C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

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    Hidroeltricas de porte mdio so tambm atraentes a investido-res privados por apresentarem, em relao s empresas estatais, menores custos internos.

    Grandes hidroeltricas esto presentemente sendo construdas. As hidroeltricas de Jirau e Santo Antnio, situadas no rio Ma-deira a montante de Porto Velho tero, no seu conjunto, cerca de

    6900 MW instalados. O rio Madeira drena uma extensa rea da Cordilheira dos Andes na Bolvia. Os vertedouros dessas duas barragens foram dimensionados para as descargas de-camilenares de 82.600 m/s e 84.000 m/s, sendo cada um equipado com 20 comportas de segmento de 20 m x 25,2 m. Ambas casas de fora abrigaro unidades bulbo operando pra-ticamente a fio dgua. Os reservatrios com rea de 258 km e 271,3 km, inundaro terrenos da Floresta Amaznica. Entre-tanto, a relao entre rea inundada em km e a capacidade instalada em MW de cerca de 0,08, extremamente baixa em comparao com a mdia nacional.

    Encontra-se em incio de construo a hidroeltrica de Belo Monte que ter a capacidade instalada de 11.233 MW no rio Xingu, um dos maiores tributrios do rio Amazonas. Esse apro-veitamento est sendo estudado h trinta anos. Por restries ambientais e com a finalidade de se conseguir o licenciamento ambiental, a barragem de Babaquara que regularizaria o rio Xingu a montante de Belo Monte, teve seu projeto abando-nado e a rea do reservatrio de Belo Monte que inicialmente era de 1225 km, passou para 516 km. O empreendimento afetar 4300 famlias urbanas e 800 famlias rurais. A hidroe-ltrica de Belo Monte ter baixa relao entre a rea do reser-vatrio e a capacidade instalada: 0,05 km/MW. A mdia na-cional de 0,49 km/MW. Outras grandes hidroeltricas como Tucuru (0,29 km/MW), Itaipu (0,10 km/MW) e Serra da Mesa (1,40 km/MW) embora com relaes modestas, apre-sentam ndices mais elevados. A ausncia de reservatrios de regularizao no rio Xingu faz com que o fator de capacidade seja muito baixo. Localizada nas proximidades de Altamira, no Par, a usina aproveitar a queda na grande curva do Xingu. Pelo projeto em processo de licenciamento, sero implanta-das duas casas de fora, uma com 11.000 MW com unidades Francis sob 87,5 m de queda lquida e outra, denominada casa de fora complementar, com 233 MW com unidades bulbo sob 11,5 m de queda l quida. A descarga remanescente a maior que se tem notcia, 700 m/s, que fluiro pela casa de fora complementar.

    18 PCH Cachoeira em Rondnia, pequena estrutura (barragem) de derivao

    Figura 19 Usina hidroeltrica de Monjolinho com vertedouro do tipo lateral

    A Histria das Barragens no Brasil - Sculos XIX, XX e XXI

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    Figura 20 Usina hidroeltrica de Santa Clara em Minas Gerais

    Figura 21 Barragem vertedoura da hidroeltrica de Picada em Minas Gerais

    Figura 22 Obras da usina hidroeltrica de Santo Antnio no rio Madeira

    C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

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    A hidroeltrica de Estreito, tambm situada na Amaznia, projeta- da para 1087 MW instalados encontra-se (maio de 2011) em incio de operao comercial aps quatro anos de atrasos devido a demo-ras no licenciamento ambiental e a paralisaes referentes a aes judiciais e a atos de ocupao indevida de seu canteiro de obra.

    A auto-produo de energia eltrica tem movimentado em anos re-centes vrias empresas de grande vulto como a Vale, a Petrobrs, a CSN, a Votorantim e muitas outras. Um exemplo marcante a Companhia Brasileira de Alumnio CBA que por longo perodo foi o maior auto-produtor de energia eltrica do Pas. No incio dos anos quarenta a famlia Carvalho Dias e o empresrio, engenheiro e poltico Jos Ermrio de Moraes fundaram a CBA para explorao da jazida de bauxita que havia sido identificada nas terras dos Carvalho Dias nas proximidades de Poos de Caldas, MG, e montar uma fbrica de alumnio, indstria eletrointensiva. Em 1942 o DNAEE determi-nou que a So Paulo Light suprisse de energia eltrica a fbrica que estava projetada para ser construda no municpio de Mairinque, SP. Como a So Paulo Light no dispunha de energia para garantir o fornecimento CBA, esta requereu a concesso do rio Juqui-Guau e do seu afluente Assungi. A concesso s foi outorgada em 1952.

    Em conversa com o autor, o engenheiro Antnio Ermrio de Mo-raes externou as dificuldades que encontrou, sendo um empreen-dedor privado, para a obteno da concesso. Afirmou ainda que considerava estratgico ter a garantia de produo de pelo menos 50% da energia necessria sua indstria.

    Assim, a CBA deu incio implantao de uma srie de usinas no rio Juqui-Guau: em 1958 entrou em operao a hidroeltrica de Frana com 24 MW, em 1963 Fumaa com 36,4 MW, em 1974 Alecrim com 72 MW, em 1978 Serraria com 24 MW, em 1982 Porto Raso com 28,4 MW, em 1986 Barra com 40,4 MW e, finalmente, em 1989 Iporanga com 36,87 MW. Nesse perodo, em 1974, a CBA adquiriu da So Paulo Light a hidroeltrica de Itupararanga com 55 MW. Com os principais po-tenciais do rio Juqui-Guau explorados, a CBA partiu para o mdio rio Paranapanema, tendo construdo as hidroeltricas de Piraju com 80 MW que entrou em operao em 2002 e Ourinhos em operao desde 2006. Figura 23 Barragem da usina hidroeltrica de Barra no rio Juqui, em So Paulo

    A Histria das Barragens no Brasil - Sculos XIX, XX e XXI

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    Figura 24 - Barragem da usina hidroeltrica de Fumaa, no rio Juqui, em So Paulo

    Figura 25 Projeto da barragem da usina hidroeltrica de Barra Figura 26 Projeto da barragem da usina hidroeltrica de Fumaa

    C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

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    Os projetos das hidroeltricas da CBA no rio Juqui-Guau fo-ram todos de concepo italiana, com barragens de concreto de gravidade aliviada. Alm do acompanhamento constante do en-genheiro Antnio Ermrio de Moraes, o executivo da empresa era o mdico Miguel Carvalho Dias que contava com a importan-te colaborao de vrios engenheiros de destaque na profi sso entre eles Carlos Mazzaro, Newton Sady Busetti, Edilberto Mau-rer e Valrio Mortara para o qual o autor teve o privilgio de entregar o ttulo de engenheiro eminente pela Associao dos Antigos Alunos da Politcnica em 2000.

    Barragens de rejeitosAtividades de minerao representam um importante segmen-to na economia nacional. Devido legislao ambiental, um grande nmero de barragens de rejeitos foram construdas ou esto presentemente em construo. A barragem do Germano, a maior do Pas, que atualmente (maio de 2011) est com 155 m de altura projetada para atingir 170 m de altura no seu estgio fi nal. Embora no haja um registro de barragens de rejeitos no Pas, so conhecidas mais de 700 barragens em Minas Gerais e pelo menos 150 outras nos demais estados da Federao. O mtodo de construo mais empregado o mtodo de mon-

    Figura 27 Antnio Ermirio de Moraes principal executivo do Grupo Votorantim, detentor da CBA

    Figura 28 - Usina hidroeltrica de

    Piraju no rio Paranapanema entre So Paulo

    e Paran

    A Histria das Barragens no Brasil - Sculos XIX, XX e XXI

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    tante. Entretanto, para rejeitos finos a muito finos como na mi-nerao de ouro, o mtodo de jusante empregado. Um projeto no usual foi adotado para a disposio de rejeitos em mina de urnio em Poos de Caldas. Foi adotada uma barragem de terra e enrocamento compactados, com trs filtros chamin internos, para ser construda em trs fases. Para impedir que a gua de chuva se misturasse com a gua percolada pelo ma-cio da barragem e pela sua fundao, gua esta que tem que ser tratada, o talude de jusante da barragem foi projetado para ser coberto com uma face de concreto.

    Controle de cheiasPor muitos anos desde 1944, o Departamento Nacional de Sa-neamento, rgo do Ministrio do Interior, foi ativo em empre-endimentos de controle de cheias envolvendo a construo de barragens, polders e drenagens. As barragens foram construdas principalmente com o objetivo de evitar cheias em reas populosas. Os dois mais destacados empreendimentos foram o sistema de controle de cheias do rio Itaja em Santa Catarina, que inclui trs barragens que so somente usadas para controlar as des-cargas afluentes, o sistema de proteo de cheias da cidade de Recife em Pernambuco, que compreende trs barragens de ter-ra. O critrio de projeto que em geral era adotado objetivava o controle das cheias de perodo de recorrncia de 100 anos ou a maior cheia que tivesse sido registrada. Em 1990 as ativida-des desse Departamento foram abruptamente encerradas e o Departamento extinto. Nos primeiros anos dos anos noventa diversas barragens que antes eram controladas pelo DNOS fi-caram sem qualquer controle e sem responsvel pela operao e segurana. Durante a estao chuvosa de 2009 uma grande cheia ocorreu na bacia do rio Itaja e as trs barragens no foram su-ficientes para controlar toda a descarga afluente. Severas con-sequncias em grande rea alagada no baixo vale do Itaja com-preenderam impressionantes perdas de propriedades. Presente-mente estados e prefeituras que, em geral, no so capacitados tcnica e financeiramente, tm de enfrentar por conta prpria os problemas de controle de cheias.

    Vias navegveisA navegao interior permanece sendo o mtodo de transporte mais usual na Regio Amaznica onde h longos e caudalosos rios que podem ser usados ao longo do ano todo. Nesse grupo de rios se encontram todo o rio Amazonas, seus formadores os rios Solimes e Negro, bem como extensos trechos inferiores dos seus afluentes, principalmente nos trechos sobre terrenos sedimentares recentes. Nas outras regies, os poucos empreendimentos de navegao interior existentes so em geral anexos a hidroeltricas. As duas principais bacias com eclusas instaladas em hidroeltricas so as dos rios Tiet e Paran, em So Paulo e do So Francisco, no Nordeste.

    PaisagismoDesde a construo, em 1958, da barragem de Pampulha em que criou um belo espelho dgua na cidade de Belo Horizonte, algu-mas pequenas barragens foram construdas no corao de outras cidades para criao de lagos artificiais como elemento paisagstico. O maior e mais famoso desses lagos artificiais o reservatrio de Parano, na capital federal.

    Figura 29 - Eclusas da barragem de Trs Irmos sobre o rio Tiet

    C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

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    Obras de abastecimento de guaBarragens tm sido construdas como parte de sistema de abaste-cimento de gua para zonas urbanas e industriais. O mais destaca-do desses sistemas o sistema de Cantareira para abastecimento de gua da grande So Paulo e cidades do vale do Piracicaba. Esse sistema foi construdo nos anos setenta e compreende sete gran-des barragens de terra, sete tneis escavados em rochas gnassicas e granticas numa extenso total de 29 km e uma grande estao de recalque subterrnea com capacidade de 33 m/s. Os dois maio-res sistemas do Rio de Janeiro aproveitam as barragens da Light construdas entre o incio do sculo (sistema Lajes), e as barragens do sistema de derivao dos rios Pira e Paraba do Sul (siste-ma PPD). Outro sistema importante o de Belo Horizonte compreendendo obras hidrulicas de vulto, com captaes em barragens no rio das Velhas e no rio Manso. Um sistema que me-rece meno o sistema para o abastecimento dgua da cidade de Fortaleza. O sistema inclui a barragem de terra do Castanho com trecho em concreto compactado com rolo, concluda em 1999 com 72 m de altura, represando 4,46 bilhes de metros cbicos de gua sob uma superfcie de 325 km no nvel dgua mximo nor-mal. O sistema necessitou da construo de 256 km de canais para suprimento de 22 m/s para a cidade e para projetos de irrigao, descarga essa que corresponde a 90% de permanncia. O mais recente

    empreendimento de vulto para abastecimento de gua a barra-gem Joo Leite construida em concreto compactado com rolo, com 53,5 m de altura e vertedouro de soleira livre sobre a barra-gem. A barragem possibilita o acrscimo de 5,33 m/s de reforo ao abastecimento das principais cidades do estado de Gois.

    Merece meno a barragem do Ribeiro Joo Leite, concluida em 2009, a qual destinada ao abastecimento de gua da cidade de Goinia. O artigo tcnico sobre o projeto e a construo desta barragem de CCR com 53,50 m de altura e alas de terra faz parte da publicao do CBDB Main Brazilian Dams III.

    Figura 30 Barragem do Ribeiro Joo Leite para

    o abastecimento dgua da cidade de Goinia

    Figura 31 - Barragem de Pindobau na Bahia, aproveitamento de finalidades mltiplas

    A Histria das Barragens no Brasil - Sculos XIX, XX e XXI

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    Entretanto, um estudo recentemente concludo pela Agncia Nacio-nal de guas revelou que a situao do abastecimento de gua em 55% dos 5565 municpios brasileiros est se agravando e deve-r estar insuficiente em 2015. Sero necessrios investimentos de R$ 22 bilhes para garantir a oferta de gua de qualidade adequa-da at o ano de 2025. O maior problema da rea de saneamento bsico, entretanto, se concentra na coleta e tratamento de esgoto uma vez que so poucas as cidades que dispem de estaes com capacidade de tratamento de porcentagens considerveis dos es-gotos coletados. Esse estudo da Agncia prev a necessidade de investimentos superiores a R$ 50 bilhes at 2025 tendo em vista o precrio estado dos sistemas de esgoto sanitrio de quase todos os municpios brasileiros. A esmagadora maioria dos esgotos lanada em corpos dgua (rios, lagos e oceano) sem tratamento.

    Finalidades mltiplasBarragens com finalidades mltiplas eram raras no cenrio na-

    cional devido estanqueidade dos rgos federais e estaduais na

    definio dos empreendimentos hidrulicos. O primeiro gran-

    de exemplo de barragem implantada com finalidades mlti-

    plas foi Trs Marias com objetivos de regularizao do rio So

    Francisco, beneficiamento navegao interior e gerao de

    energia eltrica. Dessa forma, premido por necessidade de ini-

    ciar as obras de Trs Marias e de Furnas, o governo Juscelino

    Kubitschek foi forado a definir recursos federais para a implan-

    tao da barragem, do vertedouro e do reservatrio, enquanto

    a Cemig arcou com a casa de fora.

    Figura 32 - Barragem de Mirors na Bahia,

    aproveitamento para irrigao e

    abastecimento de gua

    C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

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    Reservatrios interligados de Paraibuna e Paraitinga

    Outro exemplo a barragem de Pedra do Cavalo na Bahia que con-tribui para o controle de cheias, o abastecimento de gua, a produo de energia, a regularizao e a irrigao. Importantes empreendi-mentos de finalidades mltiplas so as barragens do alto e mdio rio Paraba do Sul, Paraitinga, Paraibuna, Santa Branca, Jaguari e Fu-nil que contribuem para a regularizao de descargas, controle de cheias, gerao de energia eltrica e possibilitam o abastecimento do Grande Rio de Janeiro.

    A evoluo dos segmentos de bens de capital e de prestao de servios Toda essa atividade em projeto, construo e operao de barragens, bem como em fabricao e montagem de equipamentos, incentivou

    a engenharia brasileira, to dependente de apoio estrangeiro na primei-ra metade do sculo XX, a se tornar uma das lderes mundiais nesse setor. Muitas empresas brasileiras de projeto e construo se ex-pandiram durante a segunda metade do sculo XX e presentemente ocupam relevante posio no cenrio internacional. Neste mesmo perodo diversas fbricas de equipamentos mecnicos, eltricos e ele-trnicos se estabeleceram no Pas e tm suprido a demanda interna e exportado equipamentos para diversos outros pases.

    Nos ltimos 20 anos do sculo passado o Pas atravessou um pero-do de severa estagnao econmica quando vinte empreendimentos com barragens do setor eltrico tiveram sua construo suspensa por falta de recursos financeiros. Durante esses anos muitas em-presas brasileiras desenvolveram com sucesso atividades no ex-terior em pases de todos os continentes. Depois de passado esse perodo, a engenharia brasileira voltou a ter um mercado interno robusto com alguns dos maiores projetos do mundo atual tais como as hidroeltricas de Jirau, Santo Antonio, Estreito e Belo Monte, alm de diversas hidroeltricas de pequeno e mdio porte.

    Figura 33b Barragem e

    casa de fora de Paraibuna

    Figura 33a Barragem de Paraitinga no final de sua construo

    Figura 33c Diques durante o primeiro enchimento do reservatrio

    A Histria das Barragens no Brasil - Sculos XIX, XX e XXI

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    O desenvolvimento e o desmonte da engenharia consultivaOs estudos e projetos de barragens no Pas tiveram duas origens distintas. No Nordeste, tanto no DNOCS quanto na CHESF, havia predominncia da engenharia nacional com grandes contingentes de engenheiros formados em nossas escolas, mes-mo que inicialmente carentes de experincia. Nota-se que os projetos do DNOCS eram feitos na sua sede no Rio de Janei-ro antes da mudana para Fortaleza, com influncia de eventuais consultores provenientes do U.S. Bureau of Reclamation. Os projetos da CHESF, principalmente na sua primeira hi-droeltrica, Paulo Afonso I, foram feitos no canteiro de obra por equipe nacional com influncia de alguns engenheiros es-trangeiros recrutados como imigrantes aps o trmino da Se-gunda Grande Guerra Mundial e de outros que trouxeram marcante influncia francesa. Entretanto, nesses dois casos, a fora de trabalho e a responsabilidade tcnica eram essencialmente nacionais.

    Na Regio Sudeste, os projetos da Light e da AMFORP eram ni-tidamente comandados, no incio do Sculo XX, por americanos.

    A organizao da AMFORP veio influenciar na organizao da CEMIG, em Minas Gerais, atravs do engenheiro John Cotrim que tambm trouxe, em seguida, essa experincia organizacional para Furnas.

    Tanto a CEMIG quanto Furnas tiveram seus primeiros grandes projetos elaborados por empresas consultoras americanas. Aos pou-cos, foram se formando importantes e bem estruturadas empresas consultoras nacionais que passaram a atuar nas linhas de frente dos grandes empreendimentos hidroeltricos dessas duas em-presas concessionrias. Outras empresas do setor eltrico con-tavam com projetos desenvolvidos por consultoras sua, alem, portuguesa e italiana. Em So Paulo, o governo estadual orientava os projetos dos anos cinquenta para empresas brasileiras ou para um conjunto de consultores individuais, por bacias hidrogrficas. Quando finalmente foi enfrentado um projeto de grandes propor-es, a equipe do contratante, especialmente o engenheiro Jos Gelazio da Rocha, incentivou os consultores independentes das barragens do rio Pardo a formar uma empresa que pudesse desen-volver a contento o projeto da hidroeltrica de Jupi, no rio Paran, de dimenses inusitadas para a poca.

    Figura 34 - Barragem de finalidades mltiplas de Funil

    Figura 35 - John Reginald Cotrim jovem na EBASCO 1942-44

    C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

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    As hidroeltricas projetadas pelo DNOS no Sul e na Bahia, tambm j contavam com expressivo contingente de engenheiros brasileiros.

    Os anos setenta se caracterizaram por um enorme desenvolvimen-to da consultoria brasileira. Nessa poca as empresas de projeto assumiam crescentes responsabilidades em um grande nmero de projetos de envergadura, principalmente no setor eltrico. Esse desenvolvimento acelerado foi em parte condicionado por lei de proteo ao mercado de consultoria e projeto, conseguida durante o governo de Costa e Silva. A Associao Brasileira de Consul-tores de Engenharia - ABCE analisava cada contratao de con-sultoria externa para detectar se havia similar nacional. Essa lei s foi cancelada sem alarde e sem anncio no governo Sarney para os projetos do programa de irrigao de um milho de hectares.

    Nos anos setenta quase dez consultoras brasileiras figuravam en-tre as maiores do mundo. Por outro lado, as consultoras brasileiras tinham como obstculo a lei da informtica que prejudicou so-bremodo o desenvolvimento da produo de projetos e, de acordo com o ento senador Roberto Campos, tornou o contra- bandista um heri nacional.

    Quase todo esse desenvolvimento era calcado em contratos cost plus com empresas estatais do setor eltrico. Essa modalidade con-

    tratual foi introduzida pelas empresas americanas de consultoria na segunda metade dos anos cinquenta. Por esse tipo de contrato a consultora era remunerada pelo custo do servio baseado nos salrios de suas equipes tcnicas multiplicados por um fator que representava os impostos, os encargos sociais e as despesas diretas, com a adio do seu lucro em funo do trabalho efetivamente de-senvolvido. As consultoras a cada ms recebiam antecipadamente de acordo com a programao aprovada e prestava conta ao final de cada ms. Dessa forma passou a haver elevada segurana con-tratual mesmo em regime inflacionrio que se acentuou a partir do governo JK. Dessa forma praticamente no havia necessidade de capital de giro, a inflao no era sentida e o risco de inadimplncia era muito reduzido. Entretanto, esse tipo de contrato veio causar o desmanche das empresas consultoras na dcada seguinte.

    Em 1979 foi institudo o teto salarial nas empresas estatais, teto este que era o salrio direto nominal do Presidente da Repblica, na poca o general Figueiredo. Como o salrio direto nominal do Presidente no era muito elevado, os salrios nas estatais passaram

    Figura 36 - Usina hidroeltrica de Volta Grande no rio Grande

    Figura 37 - Usina hidroeltrica de Itapeb no rio Jequitinhonha, na Bahia

    A Histria das Barragens no Brasil - Sculos XIX, XX e XXI

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    a ser achatados. Por terem salrios achatados, os funcionrios das estatais federais contratantes de servios de consultoria passaram a no aprovar nos contratos reajustes salariais dos empregados das empresas contratadas. Como a inflao era intensa, as consul-toras passaram a sofrer presses dos dois lados: as suas equipes demandando reajustes salariais corretos e os clientes no apro-vando esses reajustes nos contratos. O equilbrio financeiro dos contratos das consultoras foi rapidamente corrodo.

    A letra desse tipo de contrato pelo custo significava que deveria haver reembolso pelos acrscimos de custos devido inflao. A inflao se intensificava a cada perodo, tendo chegado a um pico de mais de 80% ao ms e ao impressionante e quase ina-creditvel, para os que no vivenciaram, ndice de 13 trilhes e 342 bilhes por cento no perodo de apenas quinze anos que an-tecederam ao Plano Real. As consultoras, atravs da Associao Brasileira de Consultores de Engenharia - ABCE, pleiteavam in-cessantemente frmulas de reajustes sem encontrar eco em mui-tas das empresas contratantes. Nessas empresas uma posio de clarividncia foi assumida pelo engenheiro Joo Alberto Ban-deira de Mello que atuava na Eletrobras e que propunha que, alm do correto reajustamento, houvesse tambm o justo reem-bolso dos elevados juros que as consultoras j estavam pagando ao sistema financeiro. Essa proposio sequer foi considerada e s aps muito tempo, j com as consultoras descapitalizadas e endividadas, que uma correo parcial foi admitida nos contra-tos, mesmo assim aps 45 dias da entrega da respectiva fatura, ou seja, at 75 dias da execuo dos servios.

    Adicionando a esses aspectos deletrios, sobreveio, nos anos oiten-ta, a crise financeira das estatais, principalmente das federais, no-meadamente as que no tinham grandes geraes de energia como era o caso da Light e de FURNAS. Essas outras empresas passa-ram a atrasar sistematicamente o pagamento das faturas, em vrias ocasies por mais de cinco meses. Como para as consultoras, nos contratos pelo custo, os seus tcnicos no podiam acumular horas trabalhadas para somente fatur-las quando houvesse recursos nas caixas das contratantes, os faturamentos tinham que ser mensais.

    Incrivelmente neste Pas os impostos incidem no ato do faturamen-to, mesmo que no venha haver pagamento. As consultoras tinham que recolher impostos por servios que no eram pagos ou que seriam pagos meses depois, corrodos por uma inflao galopante.

    No advento do governo Sarney houve um dos muitos planos he-terodoxos no qual teoricamente a inflao seria nula. Foram cria-dos os fiscais do Sarney que acusavam s autoridades eventuais aumentos de preos. As contratantes do setor eltricos viraram fiscais do Sarney e unilateralmente abateram os multiplica-dores dos contratos alegando que a partir daquele instante no mais haveria inflao. Entretanto, esses multiplicadores haviam sido estabelecidos nos anos cinquenta quando a inflao antes do governo Juscelino ainda era muito baixa.

    Finalmente, no auge da crise das contratantes estatais federais, as consultoras foram chamadas para receber parte de alguns atra-sados pagos em ttulos que eram chamados de moeda podre, pois valiam no mercado apenas uma pequena frao de seu valor de face, em geral cerca de 25%, mesmo assim quando e s quando eram usados nos programas de privatizao. Dessa for-ma, o governo federal desovou empresas nos programas de privatizao ganhando dos dois lados.

    Daquelas grandes empresas de consultoria de engenharia que fi-guravam como das maiores do mundo, algumas foram reduzidas a nveis pequenos e vrias fecharam, tendo originado forte de-semprego no ramo da engenharia e tendo sido criado o termo o engenheiro que virou suco.

    Mas outros profissionais se reuniram em pequenas empresas, algu-mas delas atuando em segmentos especficos. Algumas dessas em-presas foram gradativamente crescendo e hoje j apresentam grande nmero de profissionais engajados.

    Os contratos, entretanto, devido a essa experincia desastrosa, no mais foram de remunerao pelo custo; presentemente a esmaga-dora maioria dos contratos por prestao de servios de consultoria

    C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

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    por preo fixo, o que transfere para a consultora um risco que deveria ser do empreendedor.

    A partir dos anos oitenta as consultoras menos atingidas pelos im-pactos acima relatados voltaram-se para o mercado externo com o objetivo de substituir os contratos nacionais. Algumas empresas tiveram sucesso e hoje esto presentes em vrios continentes.

    O desenvolvimento das empresas de construoSemelhantemente ao que ocorreu nas atividades de estudos e projetos, a construo de barragens no Nordeste foi efetivada principalmente com equipes do prprio empreendedor, seja o DNOCS ou a CHESF. No caso do DNOCS, apenas em algumas poucas barragens consideradas de grande vulto na poca, empre-sas estrangeiras foram contratadas para executar as obras civis. O DNOCS construiu mais de duas centenas de grandes barra-gens com recursos humanos e equipamentos prprios. Entretanto, as obras mais recentes que datam do final do sculo passado, foram implantadas por empresas privadas de construo.

    A partir de sua fundao at a concluso da hidroeltrica de Moxo-t, a CHESF construiu com equipe prpria suas barragens e usinas. A partir dessa poca, dado o desenvolvimento das construtoras nacionais, estas passaram a ser contratadas para todas as demais obras.

    No Sudeste as construtoras estrangeiras foram utilizadas pela Light e pela AMFORP em suas hidroeltricas que so mais antigas, todas com construes compreendidas do incio at meados do sculo passado.

    Da mesma maneira, ainda nos anos cinquenta, Furnas contratou para a usina que deu nome empresa, uma construtora britnica associada a uma empreiteira brasileira. Para essa usina, na poca uma das maiores do mundo em capacidade instalada, em altura da bar-ragem e em potncia dos seus equipamentos de gerao, outra em-presa brasileira com experincia restrita construo de estradas foi contratada para erguer a barragem auxiliar de Pium-I, tendo socorrido os empreiteiros principais na elevao rpida do ncleo da barragem de Furnas. Com a experincia adquirida essa empre-sa assim como outras que se capacitaram, j nas obras seguintes, assumiram a conduo das construes.

    Figura 38 - Usina hidroeltrica de Xing no rio So Francisco

    Figura 39 Usina hidroeltrica de Furnas logo aps o enchimento do reservatrio

    A Histria das Barragens no Brasil - Sculos XIX, XX e XXI

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    A CHEVAP, encarregada da implantao da barragem em abbada de Funil, contratou uma empresa nacional para a bar-ragem principal e outra empresa nacional para a barragem de terra de Nhangapi, na poca a segunda maior barragem desse tipo no Pas. Furnas, ao assumir a responsabilidade da cons-truo da usina do Funil, substituiu a empresa construtora da barragem principal por uma empresa dinamarquesa, hoje de controle nacional.

    A CEMIG, ao ser instituda, assumiu usinas de portes pequeno e mdio que vinham sendo implantadas por empresas nacionais. Sua primeira grande obra, a usina de Trs Marias, foi constru-da por empreiteira americana, mas posteriormente, empresas brasileiras passaram a ser contratadas exceo da hidroeltri-ca de So Simo que, aps acirrada concorrncia internacional, foi delegada a uma empresa italiana.

    As grandes empresas brasileiras atravessaram a recesso econ-mica e a desacelerao das obras no Pas nas dcadas de oitenta e noventa, partindo com muito sucesso para empreendimentos no exterior. Com a intensificao dos investimentos em obras hidru-licas no Pas, as empresas construtoras tm atuado com intensidade semelhante do passado, nos anos setenta. A ampla dissemina-

    o de pequenas e mdias centrais hidroeltricas que ocorreu nas duas ltimas dcadas, fez com que surgisse considervel nmero de novas construtoras no Pas.

    Perspectivas para o futuroAs dificuldades no licenciamento ambiental e as incertezas que sem-pre rondam os processos de aprovao de projetos hidroeltricos tm causado impressionante perda na matriz energtica limpa que costumava orgulhar o Pas. So muitas novas centrais geradoras termoeltricas poluidoras, entretanto de muito mais fcil licencia-mento ambiental e aprovao na ANEEL, inclusive as trmicas a leo e a carvo. H duas usinas nucleares em operao e uma em construo. Essas usinas tm sofrido das indecises polticas, todas elas tendo tido seus cronogramas de implantao constan-temente refeitos e suas obras se arrastado por duas a trs dcadas,

    Figura 40 - Barragem da usina hidroeltrica de Mascarenhas de Moraes, antiga Peixoto, concluda em 1956. Na margem esquerda o

    vertedouro complementar, construdo em 2002

    Figura 41 - Usina hidroeltrica de So Simo

    C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

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    onerando sobremaneira os seus custos pela forte incidncia dos juros sobre os capitais investidos durante as suas prolongadas construes. Entretanto, Angra II que levou 24 anos em constru-o, pode operar at hoje (maio de 2010) h mais de uma dcada sem licenciamento ambiental e sem licenciamento da CNEN.

    O acrscimo de capacidade de gerao em empreendimentos sem possibilidade de armazenamento de energia, tais como usinas elicas, trmicas, nucleares e hidroeltricas a fio dgua, sinali-zam para dificuldades de atendimento de demanda na ponta em diversos centros de carga no Pas. Para o bem da economia e do meio ambiente, h imperiosa necessidade de se ultrapas-sar as resistncias dos que se dizem ambientalistas e se voltar implantao de hidroeltricas com grandes volumes teis de reservatrio para se recuperar a capacidade de regularizao de vazes e, consequentemente, de energia. O atual modelo do se-tor eltrico contribui para essas dificuldades por no contemplar qualquer remunerao para a regularizao de descargas que beneficiem a operao do sistema interligado.

    Pelo atual planejamento energtico o Pas enfrenta a necessi-dade de instalao de cerca de 5000 MW/ano. Tendo em vista esse desafio, as classes dirigentes tm pressionado licenciamen-tos ambientais de grandes centrais geradoras como ocorreu nas duas usinas em construo no rio Madeira e presente-mente na hidroeltrica de Belo Monte cujo licenciamento est sendo obtido por etapas, o que no mnimo inusitado: o nico licenciamento obtido at agora (maio de 2011) foi con- cedido em janeiro de 2011 para instalao do canteiro de obra. Isso, associado s interrupes provenientes de aes judiciais ou do Ministrio Pblico ocorrendo na maior hidroeltrica em construo, comprova a incerteza dos empreendedores em assumir tais riscos. Embates entre membros do governo e do licenciamento ambiental tm provocado demisses em v-rios nveis, at no nvel ministerial. Eventuais paralisaes, devidas ao de vndalos em canteiros de obra e ao Minist-rio Pblico que questiona licenas ambientais, contribuem para a elevao de prazos e de custos j que os juros reais no Brasil

    permanecem h dcadas como o mais elevado do mundo, hoje em 6,8% a.a., quase trs vezes superior ao do segundo colocado, a Hungria, com 2,4% a.a.

    As perdas de energia eltrica no sistema interligado e nos sis-temas de distribuio atingem em 2011 cifras elevadas, entre 15% e 17% da gerao. Parcela expressiva dessa perda vem de ligaes ilegais. Alm de serem esperados acrscimos de consu-mo devido ao desenvolvimento industrial, verifica-se tambm que o consumo domiciliar mdio no Brasil ainda muito inferior ao de pases desenvolvidos, sendo pouco mais de um dcimo do americano, e pouco inferior ao verificado na Rssia e na frica do Sul. Estima-se que o consumo total de energia eltrica no Pas evolua em mdia com acrscimos de 4,8% ao ano, passan-do dos 456,5 TWh verificados em 2010 para 730 TWh em 2020. O consumo mdio residencial dever passar dos 154 kWh/ms em 2010 para 191 kWh/ms em 2020. Entretanto, o mximo histrico de 180 kWh/ms registrado antes do racionamento de 2001 s dever ser ultrapassado em 2017.

    No passado recente (2000 a 2011) tem sido registrado im-pressionante nmero de apages, vrios dos quais abrangen-do extensas regies densamente habitadas. Considerando a relativa fragilidade dos sistemas de transmisso e as cres-centes demandas na ponta de carga, prev-se a continuidade e mesmo o agravamento dessa situao.

    O controle de cheias permanece nebuloso no futuro prximo. A falta de um rgo de mbito nacional para controlar e implemen-tar obras hidrulicas com esse objetivo imperioso j que os cursos dgua so em geral intermunicipais e mesmo inter estaduais. O setor eltrico atravs do ONS despacha algumas hidroeltri-cas levando em conta o controle de cheias. O exemplo mais n-tido so as hidroeltricas do vale do rio Paraba do Sul cujo rio principal, por atravessar uma sucesso de importantes cidades de mdio porte e servir de abastecimento de gua a grandes ncleos urbanos, tem uma regra operativa que privilegia a regularizao de vazes e o controle de cheias.

    A Histria das Barragens no Brasil - Sculos XIX, XX e XXI

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    Historicamente a implantao de eclusas para navegao interior sempre vieram a reboque de algumas hidroeltricas ao contrrio do que acontece em pases europeus cuja tradio da navegao fluvial sempre esteve arraigada ao desenvolvimento virio, vindo como sub-produto a gerao de energia eltrica. Consolidando essa deformao brasileira, tramita no Congresso um projeto de lei que obriga os investidores em hidroeltricas de implantar siste-mas de navegao onde possvel, onerando ainda mais as novas usinas hidroeltricas.

    As constantes e recentes valorizaes das commodities no mercado internacional indicam para o futuro a permanncia das atividades em minerao e, consequentemente, da construo de barragens de rejeitos cada vez maiores e mais frequentes.

    As deficincias previstas no curto prazo para o abastecimento da crescente demanda por gua nas cidades e distritos industriais,

    tm feito com que planejadores do setor considerem alternativas dispendiosas, incluindo a captao de gua de baixa qualidade a grandes distncias (mdio Tiet para So Paulo e sub-mdio Pa-raba do Sul para o Rio de Janeiro), com grandes recalques (Ju-qui para So Paulo) ou na regenerao de guas em estaes de tratamento de esgotos (Alegria para o Rio de Janeiro), por exemplo, onerando sobremaneira as futuras captaes, adues e tratamentos de gua.

    Homenagem aos membros de juntas de consultoresDurante o projeto e construo das mais importantes barragens brasileiras, engenheiros e gelogos consultores de grande proje-o na profisso, brasileiros e estrangeiros, participam de juntas de consultores. Depois de Karl Terzaghi, Arthur Casagrande e

    Figura 42 - A partir da esquerda os consultores da So Paulo Light: Samuel Chamecky, Karl Terzaghi, Othelo Machado e Casemiro Munarski (Foto do Acervo Paulo Chamecki)

    C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s

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    Figura 43 - Arthur Casagrande, John Cabrera, Gurmukh Sarkaria e Flavio H. Lyra

    em inspeo de campo em Itaipu

    Figura 44 - Professor Manuel Rocha, pesquisador, fundador e diretor geral do Laboratrio de Engenharia Civil sediado em Lisboa. Destacada atuao na CIGB e em consultoria de barragens em vrios paises, inclusive no Brasil.

    A Histria das Barragens no Brasil - Sculos XIX, XX e XXI

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    Portland Fox mencionados acima, outros consultores participa-ram de juntas tais como Roy Carlson, Manuel Rocha, Charles Blanchet, James Libby, James Sherard, Barry Cooke, Don Deere, Victor F. B. de Mello e Flavio H. Lyra que so aqui mencionados como homenagem queles que j faleceram.

    Esses profissionais altamente qualificados deram valiosas contri-buies ao projeto e construo de grandes barragens e formaram engenheiros e gelogos brasileiros que presentemente trabalham como consultores no Brasil e no exterior.

    Figura 45 - Rubens Vianna de Andrade, Flavio H. Lyra, Arthur Casagrande e Julival de Moraes em

    inspeo nas obras de Itumbiara

    Figura 46 - Consultor Roy Carlson por ocasio da sua

    condecorao pelo governo brasileiro entre Carlos

    Alberto de Padua Amarante e Victor F. B. de Mello

    durante o XII SNGB, em So Paulo abril de 1978

    C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t B r a s