A HISTRIA DA MATEMTICA NA FORMAO DO · PDF fileContrariamente a esse procedimento, uma participação orgânica na história na formação do professor, tal como a entendemos, conceberia

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  • A HISTRIA DA MATEMTICA NA FORMAO DO PROFESSOR DE MATEMTICA

    Antonio Miguel

    Arlete de Jesus Brito

    RESUMO: O objetivo deste artigo contribuir para a reflexo em torno da questo referente participao da histria da matemtica na formao do professor de matemtica. Nele, apresentamos primeiramente nossa maneira de entender essa participao, qual seja, intrinsecamente relacionada a todo o conhecimento especfico que faz parte dessa formao. Em seguida, procuramos tambm ilustrar essa tese aplicando-a a discusso dos seguintes tpicos os quais acreditamos serem de crucial importncia para a prtica da educao matemtica contempornea: a concepo da natureza dos objetos da matemtica; a funo da abstrao e da generalizao; a noo de rigor e o papel da axiomatizaao; a maneira de se entender a organizao do saber; os modos de se compreender a dimenso esttica da matemtica; e a valorizao da dimenso tico-politica da atividade matemtica. Palavras-chaves: educao matemtica, histria da matemtica, formao de professores. Gostaramos, antes de qualquer coisa, de ressaltar que a discusso referente utilizao da histria na formao do professor de matemtica no recente. Jones (1976, p.5), em um texto intitulado Mathematics as a teaching tool , afirma que recomendaes para a incluso de algum estudo de histria em programas de treinamento de professores podem ser encontradas em vrios estudos e relatrios de comits de muitos paises. Diz ainda que um levantamento realizado por John A. Schumaker das tendncias na formao de professores de matemtica para a escola secundria mostra que porcentagem de instituies de formao de professores que ofereciam tal curso aumentou de 44 para 52 durante o perodo de 1920/21 a 1957/58 . E que, neste ultimo ano (1958), tal curso foi includo na formao de futuros professores de matemticas em 12% das instituies. Jones acrescenta ainda que K.A. Rybnikov, diretor do departamento de Historia da Matemtica e Mecnica da Universidade de Moscou, afirma que tal curso exigido de todos os professores de matemtica daquele pas. Ao longo das dcadas de 60 e 70 perodo em que, na educao matemtica ocidental, predomina a tendncia do formalismo pedaggico-estrutural, mais conhecida entre ns como movimento da matemtica moderna - decresce significativamente o interesse pelas abordagens histricas no ensino da matemtica devido, entre outros fatores, adoo por parte dos diferentes grupos que se formaram visando a operacionalizao do iderio desse movimento, de uma concepo estruturalista da matemtica e de uma concepo quase sempre tecnicista do modo de organizao do ensino. No e casual, portanto, que, talvez, a primeira e mais contundente crtica feita a esse movimento, ainda na dcada de 70, tenha partido de Morris Kline,eminente professor de matemtica do Instituto Courant de Cincias Matemticas da Universidade de Nova York, e um dos grandes historiadores dessa cincia. Na dcada de 80, com o refluxo desse movimento, assiste-se tambm a um reavivamento do interesse pela historia e a tentativa explcita das suas potencialidades

  • pedaggicas. De fato, nos vrios congressos internacionais de educao matemtica ocorridos a partir da dcada de 80, as discusses relativas as potencialidades pedaggicas da historia comeam a ganhar espao. Num desses congressos constituiu-se o HPM-Imternational Study Group on the Relations Between History and Pedagogy of Mathematics, cujo ultimo encontro ocorreu em Blumenau em julho de 1994. Em nosso pas essa discusso mais recente. Em alguns eventos voltados para o ensino de matemtica essa problemtica tem sido levantada. Por exemplo, no I Encontro Paulista de Educao Matemtica, realizado em outubro de 1989na cidade de Carapinas, ocorreu uma atividade coordenada denominada Aspectos Histricos no Processo de Ensino-aprendizagem da Matemtica, na qual foi levantado o problema referente a funo do estudo da historia da matemtica na formao do professor de matemtica. Nessa ocasio, os participantes dessa atividade destacaram a lamentvel ausncia da disciplina Historia da Matemtica, quer na quase totalidade dos cursos de Magistrios (Anais I Epem 1989, p.241). Entretanto, no deixaram de observar que a incluso de tal disciplina nos cursos de formao de professores, por si s, no garantiria que a mesma se revertesse em um instrumento de apoio a prtica docente. Haveria necessidade de aprofundamento da discusso relativa aos objetos que uma disciplina dessa natureza viria a cumprir na formao do professor (Anais I Epem 1989, p.241). Esses participantes constataram tambm a pequena oferta, para professores em exerccio,de cursos de Histria da Matemtica que visem a construir referencial terico para fundamentar a importncia do estudo da Historia pelo professor e sua utilizao em sala de aula (Anais I Epem 1989, p.241). Essa problemtica foi levantada tambm no Seminrio Nacional de Historia da Matemtica realizado no Recife em abril de 1995 e nos IV e V Encontros Nacionais de Educao Matemticos (IV e V Enem), realizados, respectivamente, em Blumenau em janeiro de 1992 e em Aracaju em julho de 1995. Nossa inteno, aqui, no retornar as discusses ocorridas nesses vrios eventos, mas detectar alguns elementos que possam, eventualmente, contribuir com a reflexo acerca da participao da histria da matemtica na construo do conhecimento matemtico do futuro professor. No vamos, tambm, defender o ponto de vista de que a histria da matemtica deva se constituir apenas em mais uma disciplina isolada das demais na formao do professor da matemtica, o que viria reforar entre os futuros professores a indesejvel separao radical entre matemtica e historia da matemtica e a oposio entre o lgico e o histrico. Ao contrrio, defenderemos a tese de uma participao orgnica da histria da matemtica nessa formao o que significa, primeiramente, a tentativa de se imprimir historicidade s disciplinas de contedo especfico. Porm, no se deve entender por isso que se deva realizar uma sobreposio de abordagens, isto , manter a abordagem lgico-axiomtica tal qual usualmente se apresenta uma teoria ao futuro professor, acrescentando-lhe (antepondo ou diluindo ao longo de seu desenvolvimento) apenas algumas informaes histricas de natureza estritamente factual, encaradas como meros acessrios ou ornamentos. Esse procedimento, alm de sobrecarregar com novas informaes factuais um currculo j bastante sobrecarregado de informaes, viria apenas reforar aos olhos dos futuros professores a superfluidade do elemento histrico, uma vez que ele aparece como mera curiosidade que no participa de forma efetiva do processo de construo internada prpria teoria.

  • Contrariamente a esse procedimento, uma participao orgnica na histria na formao do professor, tal como a entendemos, conceberia a histria como fonte de uma problematizao que deveria contemplar as vrias dimenses da matemtica (lgica, epistemolgica, tica, esttica etc) e da educao matemtica (psicolgica, poltica, axiolgica, didtico-metodolgica etc), o que remeteria, inevitavelmente, os formadores de professores a destacar e discutir com seus alunos as relaes de influncia recproca entre matemtica e cultura, matemtica e sociedade, matemtica e tecnologia, matemtica e arte, matemtica e filosofia da matemtica etc., fazendo com que o discurso matemtico abra-se ao dilogo com os demais discursos que se constituem com ele, a partir dele, contra ele, a favor dele etc. A finalidade dessa problematizao fazer com que o professor alcance um metaconhecimento da matemtica que lhe propicie a abertura de novos horizontes e perspectivas. Ainda que tenhamos conscincia de que o fato de se tentar imprimir historicidade s disciplinas de contedo matemtico que fazem parte da formao do professor de matemtica no possa, por si s, e a curto prazo, alterar significativamente o estado em que se encontra a educao matemtica escolarizada, acreditamos que essa deciso fundamental e necessria. Por meio dela, o licenciado seria beneficiado, uma vez que lhe seria dada a oportunidade de construir os seus conhecimentos de matemtica dentro de uma perspectiva histrica e sociocultural. Todos ns sabemos que, durante a sua formao, os futuros professores de matemtica recebem quantidades substanciais de informaes relativas s matemticas chamadas superiores. Por outro lado, recebem pouca ou nenhuma informao histrica sobre as origens e o desenvolvimento das teorias que estudam ou sobre as motivaes externas e internas que guiaram a criao e o desenvolvimento dessas teorias. No apenas possvel, mas tambm necessrio, perguntar se esse caminho unilateral e exclusivamente lgico-dedutivo de se ter acesso ao conhecimento a maneira mais adequada de se formar o professor de matemtica. Ser que a nfase no rigor e nos detalhes formais tornaria o professor mais bem preparado para a difcil tarefa de difundir e tornar acessveis grande maioria da populao algumas das mais significativas conquistas desse campo do saber formando-a com base no relevante propsito social de faze-la perceber a significao tcnica, cultural, social e humana de que se reveste a matemtica? No se trata, evidentemente, de substituir o rigor pela histria ou de se contrapor a histria ao rigor, mas de mostrar que o rigor tambm uma categoria histrica que, como todas as outras, depende das condies e das possibilidades colocadas pelos diferentes contextos e pocas, e de mostrar tambm que possvel restituir s teorias o pano de fundo de seu desenvolvimento histrico e no, simplesmente, de apresenta-las dentro um quadro axiomtico esttico. A problematizao com base na histria pode contribuir para que o futuro professor reflita sobre diferentes concepes que se tem de aspectos da atividade matemtica e do seu ensino. A ttulo de ilustrao discutiremos, a seguir, o modo como a participao orgnica da histria na formao do professor de matemtica poderia vir a contribuir para uma adequada compreenso de tpicos de crucial importncia para a sua ao pedaggica, tais como: a concepo da naturez