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A Idade Decisiva - Meg Jay

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    Sobre a obra:

    A presente obra disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com oobjetivo de oferecer contedo para uso parcial em pesquisas e estudos acadmicos, bem comoo simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura.

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    "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando pordinheiro e poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo nvel."

  • A IDADEDECISIVA

  • NOTA: Os conselhos contidos aqui no pretendem substituir os servios de pessoas habilitadas. Portanto, consulte umprofissional para ajud-lo em questes relacionadas sua sade mental, em particular aquelas que requeiramdiagnstico e ateno mdica. A autora e a editora no tm qualquer responsabilidade sobre situaes decorrentes daaplicao do contedo deste livro.

    Ttulo original:

    traduo: Ivo Korytowskipreparo de originais: Juliana Souza

    reviso: Flvia Midori, Melissa Lopes Leite e Renata Dibdiagramao: Valria Teixiera

    capa: Miriam Lernerproduo digital: SBNigri Artes e Textos Ltda.

    CIP-BRASIL. CATALOGAO NA PUBLICAOSINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

    RJ46i

    Jay, MegA idade decisiva [recurso eletrnico] / Meg Jay [traduo de Ivo Korytowski]; Rio de Janeiro: Sextante, 2014.recurso digital.

    Traduo de: The defining decadeFormato: ePubRequisitos do sistema: Adobe Digital EditionsModo de acesso: World Wide WebISBN 978-85-431-0023-4 (recurso eletrnico)

    1. Maturao (Psicologia). 2. Jovens - Conduta. 3. Pais e filhos. 4. Livros eletrnicos. I. Ttulo.

    13-08169CDD: 155.5CDU: 159.922.8

    Todos os direitos reservados, no Brasil, porGMT Editores Ltda.

    Rua Voluntrios da Ptria, 45 Gr. 1.404 Botafogo22270-000 Rio de Janeiro RJ

    Tel.: (21) 2538-4100 Fax: (21) 2286-9244E-mail: [email protected]

    www.sextante.com.br

  • PARA JAY E HAZEL

  • NOTA DA AUTORA

    Este livro se baseia no meu trabalho com jovens na faixa dos 20 aos 30 anos quando atueicomo psicloga clnica em meu consultrio particular em Charlottesville, como professora naUniversidade da Virgnia, como psicloga em Berkeley e tambm como professora naUniversidade da Califrnia. Ao longo destas pginas, esforo-me ao mximo para contar ashistrias comoventes dos pacientes e estudantes que tanto me ensinaram sobre a juventude.Para proteger a privacidade deles, alterei nomes e detalhes. Em muitos casos, crieipersonagens a partir de conversas que tive em minhas sesses e de experincias que mecontaram. Espero que todo jovem que leia este livro se identifique com os relatos aquiincludos, mas qualquer semelhana com algum especificamente ser mera coincidncia.

  • NPrefcio

    A IDADE DECISIVA

    UM RARO ESTUDO SOBRE O AUMENTO da expectativa de vida, pesquisadores dasUniversidades de Boston e de Michigan examinaram dezenas de histrias de vida

    escritas por pessoas proeminentes e bem-sucedidas com idade bastante avanada.1 Elesestavam interessados em identificar as experincias que mais afetaram a trajetria dosindivduos. Embora muitos eventos importantes tenham ocorrido do nascimento morte,aqueles que foram mais determinantes para o futuro estavam concentrados no perodo dos20 aos 30 anos.

    Ao sairmos de casa, concluirmos a faculdade e nos tornarmos mais independentes, seria deesperar que ocorresse um surto de autocriao, um perodo em que o que fazemosdetermina quem nos tornaremos. E pode at parecer que a vida adulta uma longasequncia de experincias edificantes. Mas isso no verdade.

    A partir dos 30 anos, comea a haver menos experincias significativas. Provavelmente jteremos terminado a faculdade. Teremos investido tempo em nossa carreira ou optado porno faz-lo. Pode ser que j estejamos com parceiros estveis e tenhamos formado umafamlia. Talvez tenhamos uma casa prpria ou outras responsabilidades que dificultem umamudana de direo. Como cerca de 80% dos fatos mais importantes da vida ocorrem at os35 anos, depois disso geralmente damos prosseguimento ou corrigimos as aes queiniciamos na dcada anterior.

    A triste ironia que os 20 anos podem no ser to significativos. Podemos imaginar que asexperincias mais importantes da vida so aprendidas nos grandes momentos e nosencontros empolgantes, mas no assim que as coisas acontecem.

    Os pesquisadores nesse mesmo estudo descobriram que a maioria dos fatos substanciais ecom consequncias duradouras aqueles que levaram ao sucesso na carreira, a uma boasituao financeira, felicidade pessoal ou falta dela se desenvolveu ao longo de dias,semanas ou meses, tendo pouco efeito imediato. A importncia dessas experincias no ficouclara na poca em que aconteceram, mas, retrospectivamente, haviam definido nosso futuro.Isso significa que, na maioria das vezes, nossa vida decidida por momentos cuja ocorrnciapodemos nem perceber.

  • Este livro ensina a reconhecer esses momentos. Ele explica por que a fase dos 20 anosimporta e como tirar o mximo proveito dela.

  • QIntroduo

    TEMPO REAL

    Cansado de deitar-se sob o sol, de ficar em casa observando a chuvaVoc jovem e a vida longa, e h tempo para matar hoje

    E ento um dia voc descobre que 10 anos ficaram para trsNingum lhe disse quando correr, voc perdeu o tiro de largada.

    PINK FLOYD, trecho da msica Time

    Quase invariavelmente, o crescimento e o desenvolvimento possuem o quese denomina perodo crtico. Existe um perodo especfico de maturao

    no qual, com o tipo certo de estimulao externa, a capacidadesubitamente se desenvolve e amadurece. Antes e depois disso, mais difcil

    ou impossvel. NOAM CHOMSKY, linguista

    UANDO COMEOU SUA TERAPIA, Kate trabalhava como garonete e morava e brigava com os pais havia mais de um ano. Seu pai ligou para marcar a primeira consulta dela,

    e ambos presumiam que os problemas de pai e filha logo viriam tona. Mas o que mais meimpressionou em Kate foi ver que seus 20 anos estavam sendo desperdiados. Ela haviacrescido em Nova York e agora morava na Virgnia, mas, aos 26 anos, ainda no tirara suacarteira de motorista, embora isso limitasse suas oportunidades de emprego e fizesse comque se sentisse uma passageira em sua prpria vida. O que tambm explicava os constantesatrasos para as nossas consultas.

    Depois que ela se formou na faculdade, esperava aproveitar a liberdade da juventude, algoque seus pais a encorajaram fortemente a fazer. A me e o pai se casaram logo aps saremda universidade porque queriam viajar juntos para a Europa e, no incio da dcada de 1970,isso no seria tolerado pela famlia de nenhum dos dois, a menos que se tornassem marido emulher. Passaram a lua de mel na Itlia, e ela retornou grvida. O pai de Kate foi seguir

  • carreira, enquanto a me se ocupava criando quatro filhos, dos quais a minha paciente era amais nova. At ento, ela despendera a prpria liberdade recm-conquistada tentandocompensar o que os pais perderam. Achava que deveria estar vivendo a melhor poca davida, mas se sentia tensa e ansiosa na maior parte do tempo. Minha juventude estparalisante, ela disse. Ningum me contou que essa fase seria to difcil.

    Kate preenchia a mente com seus conflitos emocionais para esquecer como a vida estava defato, e parecia fazer o mesmo nas horas de terapia. Quando vinha s sesses, chutava paralonge os sapatos, arregaava as pernas da cala jeans e contava as novidades do fim desemana. Nossa conversa com frequncia se tornava multimdia, pois ela me mostrava e-mailse fotos; alm disso, ela recebia mensagens de texto com as ltimas notcias no meio dasnossas sesses. Em algum ponto entre as novidades contadas, descobri o seguinte: ela achavaque talvez fosse gostar de trabalhar com angariao de fundos e esperava descobrir o quequeria fazer quando chegasse aos 30 anos. Os 30 so os novos 20, ela disse. Esta foi aminha deixa.

    Sou muito entusiasta dessa fase para deixar que Kate, ou qualquer outra pessoa com amesma idade, desperdice o prprio tempo. Como psicloga clnica especializada emdesenvolvimento adulto, vi inmeros jovens desperdiarem muitos anos vivendo semperspectiva. O pior so as lgrimas vertidas na casa dos 30 e dos 40 por pagarem um preoalto no lado profissional, afetivo, financeiro e reprodutivo pela falta de viso najuventude. Eu gostei de Kate e queria ajud-la, por isso insisti que chegasse na hora ssesses. Interrompia relatos sobre sua ltima transa para perguntar se ela j tinhaprovidenciado a carteira de motorista e como andava a busca de um emprego. Talvez maisimportante: Kate e eu debatamos como deveria ser a terapia e de que maneira estavavivendo seus 20 anos.

    Ela se perguntava se deveria ficar alguns anos na terapia analisando seu relacionamentocom o pai ou se deveria utilizar aquele dinheiro e aquele tempo para viajar pela Europa embusca de autoconhecimento. No recomendei nenhuma das duas alternativas. Expliquei aKate que, embora a maioria dos terapeutas concorde com Scrates, que disse que a vida noanalisada no vale a pena ser vivida, uma frase menos conhecida do psiclogo americanoSheldon Kopp poderia ser mais relevante aqui: A vida no vivida no vale a pena seranalisada.

    Falei que seria irresponsvel da minha parte ficar quieta assistindo aos anos maisfundamentais da vida de Kate se esvarem. Seria insensato focarmos o passado dela quandoeu sabia que o futuro que corria risco. No parecia razovel conversar sobre os fins desemana quando eram seus dias teis que a deixavam to infeliz. Eu tambm sentiagenuinamente que o relacionamento de Kate com o pai continuaria o mesmo enquanto elano trouxesse algo de novo que contribusse para uma melhoria.

    Pouco tempo aps essas conversas, Kate desabou no div do meu consultrio. Lacrimejante

  • e agitada como nunca, olhava pela janela e balanava as pernas, nervosa, enquanto mecontava sobre um brunch no domingo com quatro amigos da faculdade. Dois estavam nacidade para uma conferncia, outro havia retornado da Grcia, pois tinha ido a umagravao de canes de ninar para sua pesquisa de doutorado, e o ltimo levou consigo anoiva. Em meio a todos eles, Kate olhou em volta e sentiu que ficava para trs. Ela queria oque os amigos tinham um trabalho, um objetivo ou um namorado e passou o resto dodia na internet procurando empregos (e homens). A maioria no lhe pareceu interessante, eos poucos que lhe chamaram a ateno ela achou inacessveis. Kate foi dormir sentindo-sevagamente desnorteada.

    No meu consultrio, ela disse: J passei dos 25. Sentada naquele restaurante, percebi queeu no tinha nada para mostrar. Nada no currculo. Nenhum relacionamento. No sei nemo que estou fazendo nesta cidade. Pegou um leno e irrompeu em lgrimas. Eu eradominada pela ideia de que definir claramente o prprio caminho era algo careta. Gostariade ter sido mais, sei l... objetiva.

    No era tarde demais para Kate, mas ela precisava comear a agir. Quando recebeu alta daterapia, minha paciente j tinha seu prprio apartamento, carteira de motorista, umnamorado legal, e tambm estava angariando fundos para uma organizao sem finslucrativos. At o relacionamento com o pai vinha melhorando. Em nossas ltimas sesses,Kate me agradeceu por ajud-la a recuperar o tempo perdido. Disse que enfim sentia estarvivendo sua vida em tempo real.

    O perodo que vai dos 20 aos 30 anos real e deve ser vivido como tal. Uma cultura queconsidera os 30 como os novos 20 nos faz achar que estes ltimos no importam. Freud certavez disse: Amor e trabalho, trabalho e amor... tudo que existe, e esses dois fatores tmtomado forma mais tarde do que costumavam tomar antigamente.

    Quando os pais de Kate estavam na casa dos 20 anos, em geral uma pessoa de 21 anosestava casada e cuidando de um beb recm-nascido.1 Apenas se estudava at a conclusodo ensino mdio ou, quando muito, da faculdade, e os pais, jovens, se concentravam emganhar dinheiro e cuidar da casa. Como apenas uma fonte de renda costumava ser suficientepara sustentar uma famlia, os homens trabalhavam, mas dois teros das mulheres no. Aexpectativa de quem tinha uma profisso era permanecer no mesmo ramo a vida toda.

    No decorrer de uma gerao, houve uma enorme mudana cultural.2 Os mtodosanticoncepcionais se popularizaram, e as mulheres invadiram o mercado de trabalho. Com onovo milnio, apenas cerca de metade dos jovens estava casada aos 30 anos, e menos aindatinha filhos, transformando os 20 numa poca de liberdade. Comeamos a ouvir que talvez afaculdade fosse cara demais e menos necessria, enquanto a ps-graduao deveria serpriorizada; e que em ambos os casos haveria tempo de folga.

    Durante centenas de anos, os jovens passaram diretamente de filhos e filhas para maridos e

  • esposas. H poucas dcadas, porm, um novo perodo de desenvolvimento surgiu.Acordando diariamente em algum ponto entre o lar da famlia e sua casa prpria, jovenscomo Kate no sabiam direito como empregar o prprio tempo.

    Quase por definio, os 20 anos tornaram-se um perodo intermedirio. Um artigo de 2001na Economist apresentou a Economia Bridget Jones3 e uma capa de 2005 da Time saiu comamanchete Conhea os Twixters,* 4 ambos nos informando que a juventude era agoraformada por anos a serem usufrudos de acordo com a renda disponvel. Em 2007, essa fasefoi apelidada de anos da odisseia, um tempo para perambular pela vida.5 E jornalistas epesquisadores de toda parte passaram a se referir a pessoas nessa faixa etria com apelidosidiotas como kidults (contrao de kids e adults, crianas e adultos), pr-adultos ouadultescentes.

    H quem diga que os 20 anos so uma extenso da adolescncia, enquanto outros oschamam de uma vida adulta emergente.6 Essa mudana da passagem para a vida adultarebaixou aqueles jovens a no totalmente adultos justo quando precisam se esforar mais.7

    Jovens como Kate foram envolvidos por um turbilho de campanhas publicitrias e mal-entendidos que, em grande parte, trivializou o que na verdade a dcada definidora da vidaadulta.

    No entanto, mesmo quando desprezamos essa fase, fazemos dela um fetiche. Ela nunca foito badalada. A cultura popular quase obcecada pelos 20 anos, a ponto de esse perodo deliberdade parecer tudo que existe. Celebridades infantis e crianas comuns desperdiam ainfncia imitando pessoas dessa faixa etria, enquanto adultos maduros e mulheres de maisidade se vestem, e se modelam, para parecer que tm 29 anos. Os jovens parecem maisvelhos e os velhos parecem mais jovens, reduzindo o perodo de vida adulto a uma longaestada nos 20 anos. At um termo novo amortality (amortalidade) foi cunhado paradescrever a vida uniforme, no mesmo pique, de nossa adolescncia at a morte.8

    Mas isso contraditrio e perigoso. Somos levados a acreditar que os 20 anos ainda noimportam. No entanto, com a glamourizao dessa fase e a quase obsesso com ela, poucacoisa nos lembra que algo mais chegar a importar. Isso faz com que muitos homens emulheres paguem um alto preo nas dcadas subsequentes por terem desperdiado os anosmais transformadores da vida adulta.

    A nossa atitude cultural em relao aos jovens se assemelha exuberncia irracionalamericana. Os jovens do sculo XXI cresceram junto com o surto das empresas pontocom, aspores gigantes de fast-food, o estouro da bolha imobiliria e o boom de Wall Street.Startups imaginaram que sites descolados gerariam dinheiro e demanda; indivduosignoraram a gordura e as calorias que as pores gigantes de fast-food continham; muturiosconfiaram na valorizao constante das casas; investidores previram mercados empermanente alta. Adultos de todas as idades deixaram que o otimismo irreal

  • denominao dos psiclogos para a ideia de que jamais acontecer algo de ruim com voc se apoderasse da lgica e da razo. Adultos de todas as origens deixaram de fazer contas.Agora os jovens na casa dos 20 esto fadados a ser outra bolha prestes a explodir.

    No meu consultrio, tenho percebido o estrago.A Grande Recesso e suas consequncias duradouras deixaram muitos jovens se sentindo

    ingnuos, at devastados. Eles esto mais instrudos do que em qualquer outra poca, masuma pequena porcentagem encontra trabalho assim que sai da faculdade. Muitos empregosbsicos deixaram de existir, pois foram transferidos para o exterior, dificultando o incio desua vida profissional.9 Com uma economia em retrao e uma populao em crescimento, odesemprego atingiu o auge em dcadas.10 Um estgio no remunerado o novo primeiroemprego.11 Cerca de um quarto das pessoas em seus 20 anos no trabalha e outro quartotem uma ocupao apenas em meio expediente.12 Aqueles que tm empregos remuneradosganham menos do que seus equivalentes na dcada de 1970, considerando-se os valorescorrigidos pela inflao.13

    Como o trabalho temporrio substituiu as carreiras de longo prazo, os jovens no paramquietos. A maioria deles ter experimentado uma srie de ocupaes ainda aos 20. Um terose mudar a qualquer momento, deixando famlia, amigos, currculos e egos dispersos.14

    Cerca de um em cada oito retorna para casa a fim de morar com os pais, em parte porque ossalrios esto baixos e a dvida do crdito universitrio alta.

    Parece que todos querem ter 20 anos, exceto quem os tem. Por toda parte, a ideia de que os30 so os novos 20 comea a despertar uma nova reao: Meu Deus, espero que no.

    Lido diariamente com jovens que se sentem enganados pela ideia de que os 20 anosdeveriam ser os melhores de suas vidas. Imagina-se que fazer terapia com eles ouviraventuras e desventuras de pessoas despreocupadas, e isso acontece um pouco. Mas, por trsdas portas fechadas, meus clientes tm coisas perturbadoras para dizer:

    Sinto como se estivesse no meio do oceano. Como se pudesse nadar em qualquer direo,mas sem ver terra em lado algum, no sabendo portanto em que direo ir.

    Sinto que preciso ficar me envolvendo com qualquer um para ver no que vai dar. Eu no sabia que ficaria chorando no banheiro do trabalho todos os dias. Ter 20 anos proporciona uma forma totalmente nova de pensar no tempo. Existe esse

    perodo de tempo e uma srie de coisas que precisa acontecer. Minha irm tem 35 anos e est solteira. Morro de medo de que isso acontea comigo. No vejo a hora de ficar livre dos meus 20 anos. Tomara que eu no esteja mais fazendo isso aos 30. Na noite passada, rezei para que tivesse ao menos uma coisa segura na minha vida.

    Existem 50 milhes de jovens na faixa dos 20 anos s nos Estados Unidos, a maioria

  • vivendo com uma quantidade desconcertante, sem precedentes, de incerteza. Muitos notm ideia do que estaro fazendo, onde estaro morando ou com quem estaro daqui a doisou mesmo dez anos. No sabem quando sero felizes nem quando conseguiro arcar comsuas contas. Ficam em dvida se devem ser fotgrafos, advogados, estilistas ou banqueiros.No sabem se esto a poucos namoros ou a muitos anos de um relacionamento estvel. Estopreocupados e se perguntam se tero famlias e se seus casamentos duraro. Em resumo, nosabem se suas vidas daro certo nem o que fazer.

    A incerteza deixa as pessoas ansiosas, e as distraes so o pio das massas do sculo XXI.Assim, jovens como Kate so tentados, e at encorajados, a no se preocuparem, a fecharemseus olhos e esperarem pelo melhor. Um artigo de 2011 da revista New York, argumentandoque os jovens na verdade esto bem, explicou que, embora enfrentem uma das piorescondies econmicas desde a Segunda Guerra Mundial, os jovens atuais esto otimistas.15

    O artigo concluiu que, com msica grtis on-line, voc no precisa de dinheiro paracomprar uma enorme coleo de discos e que Facebook, Twitter, Google e aplicativos grtistornaram a vida de quem tem o oramento apertado bem mais divertida.

    Reza um ditado que a esperana um bom desjejum, mas um pssimo jantar.16 Emborat-la implique um estado mental til que pode ajudar muitos jovens frustrados a sarem dacama de manh, ao final do dia eles precisam de mais do que otimismo, porque, aos 30,muitos deles vo querer mais do que diverses e colees de discos.

    Sei disso porque ainda mais convincentes do que minhas sesses com jovens problemticosso as com ex-twixters, pessoas agora com seus 30 e 40 anos que gostariam de ter feitoalgumas coisas de outra forma. Tenho testemunhado a verdadeira dor que acompanha apercepo de que a vida no ser bem-sucedida. Podemos ouvir que os 30 so os novos 20,mas com ou sem recesso , quando se trata de trabalho, amor, crebro e corpo, os 40definitivamente no so os novos 30.

    Muitos jovens na faixa dos 20 supem que a vida comear a dar certo aps os 30, e podeser que d. Mas ainda assim ser uma vida diferente. Imaginamos que, se nada acontecer aos20, tudo continuar sendo possvel na dcada subsequente. Achamos que, evitando decisesagora, mantemos todas as nossas opes em aberto para depois mas no fazer escolhastambm uma escolha.

    Quando muita coisa foi deixada pendente, a presso aos 30 enorme para seguir adiante,casar-se, escolher uma nova cidade para morar, ganhar dinheiro, comprar uma casa, curtir avida, fazer ps-graduao, abrir um negcio, obter uma promoo, poupar para a faculdadedos filhos e a aposentadoria, e ter dois ou trs filhos dali a um perodo de tempo bem menor.Muitas dessas coisas so incompatveis e, como as pesquisas esto comeando a mostrar,simplesmente mais difceis de se fazerem ao mesmo tempo aps o perodo dos 20.17

    Aos 30, a vida no termina, mas d uma sensao categoricamente diferente. Um currculo

  • razovel que costumava refletir a liberdade da juventude subitamente parece suspeito evergonhoso. Um bom primeiro encontro no mais sucita fantasias romnticas sobre a almagmea, mas nos leva a fazer clculos sobre a poca mais breve em que ser possvel noscasarmos e termos um beb.

    Claro que muitos conseguem isso e, aps o nascimento do primeiro filho, casais nos seus 30anos costumam falar de um novo propsito e um novo sentido. Tambm pode ocorrer umasensao pungente de arrependimento ao saberem que ser difcil dar ao filho tudo o quegostariam; ao descobrirem que problemas de fertilidade ou a simples exausto impedem oaumento da famlia que agora desejam; ao perceberem que estaro com quase 60 anosquando os filhos forem para a faculdade e talvez 70 quando se casarem; ao reconheceremque talvez jamais conheam seus netos.

    Pais como os de Kate esto to empenhados em proteger os filhos do prprio tipo de crisede meia-idade o arrependimento por terem se estabilizado to cedo que deixam de verque uma crise de meia-idade totalmente nova, ps-virada do milnio, est se desenvolvendo.Esta vem ocorrendo porque, enquanto estvamos ocupados nos certificando de que noperdamos nada, nos preparvamos para perder algumas das coisas mais importantes da vida.Porque fazer algo mais tarde no o mesmo que faz-lo melhor. Inmeras pessoasinteligentes e bem-intencionadas em seus 30 e 40 sofrem um pouco ao se defrontarem comuma vida baseada em recuperar o tempo perdido. Olham para si mesmas e para mimsentada diante delas no consultrio e dizem sobre seus 20 anos: O que eu estava fazendo?Em que eu estava pensando?

    Insisto para que os jovens recuperem seus 20 anos, sua posio de adultos e seu futuro. Estelivro mostrar por que devem faz-lo e como conseguir.

    Nas prximas pginas, quero convenc-lo de que os 30 no so os novos 20. No porque osjovens na casa dos 20 no devam se estabilizar mais tarde do que seus pais. A maioriaconcorda que o trabalho e o amor esto ocorrendo mais tarde, no apenas por opo, mastambm por motivos financeiros. Quero persuadi-lo de que os 30 no so os novos 20exatamente porque nos estabilizamos mais tardiamente do que no passado. Isso notransformou os 20 anos num perodo morto e irrelevante, e sim em um perodo privilegiadode um desenvolvimento que s ocorre uma vez.

    Em quase todas as reas de desenvolvimento existe o chamado perodo crtico,18 uma pocaem que estamos preparados para o crescimento e a mudana, quando uma simples exposiopode levar a uma transformao radical. Crianas aprendem facilmente qualquer idioma queouvem antes dos 5 anos. Desenvolvemos a viso binocular entre os 3 e 8 meses de idade.Esses perodos crticos so janelas de oportunidade durante os quais o aprendizado ocorrerapidamente. Depois, as coisas deixam de ser to fceis.

    Os 20 anos constituem o perodo crtico da vida adulta, quando ser mais fcil iniciar a vida

  • que queremos. E no importa o que faamos, ele um ponto de inflexo a grandereorganizao , uma poca em que nossas experincias tm uma influncia desproporcionalsobre a vida adulta que levaremos.

    Nas sees intituladas Trabalho, Amor e O crebro e o corpo, aprenderemos sobrequatro perodos crticos separados mas interligados que ocorrem nos 20 anos. EmTrabalho, descobriremos por que os empregos nessa idade provavelmente sero os maisconsequentes que teremos, em termos profissionais e financeiros embora possam noparecer to bons. Em Amor, saberemos por que nossas opes de relacionamentos najuventude podem ser ainda mais importantes do que aquelas relativas a trabalho. E, em Ocrebro e o corpo, aprenderemos por que nosso crebro ainda em desenvolvimento najuventude est determinando os adultos que nos tornaremos da mesma forma que nossocorpo aos 20 est iniciando seu perodo mais frtil.

    Os jornalistas podem criar alarde com manchetes que dizem O que acontece com osjovens de 20 anos?19 ou Por que eles simplesmente no crescem?,20 mas os 20 anos noso um mistrio. Sabemos como essa fase funciona, e os jovens merecem saber tambm.

    Nos captulos a seguir, mesclo as pesquisas mais recentes sobre desenvolvimento de adultoscom os relatos dos meus pacientes e alunos. Compartilho o que psiclogos, socilogos,neurologistas, economistas, executivos de recursos humanos e especialistas em reproduosabem sobre o poder singular dos 20 anos e como eles moldam nossa vida. Ao longo do livro,desafio algumas concepes equivocadas veiculadas pela mdia sobre esse perodo e mostrocomo o pensamento convencional sobre essa faixa etria costuma estar errado.

    Descobriremos: por que as pessoas que mal conhecemos, e no nossos amigos maisprximos, que melhoraro mais substancialmente a nossa vida; de que forma entrar para omundo profissional faz com que nos sintamos melhor, no pior; por que morar junto podeno ser o melhor meio de testar um relacionamento; como nossa personalidade muda maisdurante os 20 do que em qualquer outro perodo anterior ou posterior; como escolhemosnossas famlias, e no apenas nossos amigos; por que a autoconfiana surge no de dentropara fora, mas de fora para dentro; e o motivo de as histrias que contamos sobre nsmesmos afetarem quem namoramos e os empregos que obtemos. Comearemos com oporqu de a pergunta Quem sou eu? ser mais bem respondida no aps uma crise deidentidade prolongada, mas atravs de algo chamado capital de identidade.

    H pouco tempo, jovens de 20 anos como os pais de Kate j definiam seus rumos antes derefletirem sobre quem eles eram. Eles tomavam as decises mais importantes da vida antesque seu crebro soubesse como faz-lo. Agora os jovens do sculo XXI tm a oportunidadede construir a vida que querem em que trabalho, amor, crebro e corpo podem estarinterligados. Mas para isso no basta idade ou otimismo. preciso, como disse Kate,objetividade e algumas boas informaes, para no perdermos a chance. E por muito tempoboas informaes foram difceis de achar.

  • Aos 20, mesmo uma pequena mudana pode alterar radicalmente aonde iremos parar aos30 e depois disso. Eles integram um perodo turbulento, mas, se conseguirmos descobrircomo navegar, ainda que aos poucos, poderemos chegar mais longe, com mais rapidez, doque em qualquer outro estgio da vida. Trata-se de um perodo crucial em que as coisas quefazemos e deixamos de fazer tero um efeito significativo ao longo dos anos e at sobregeraes futuras.

    Portanto, bola pra frente. O momento agora.

    * A nova gerao de americanos empacada entre a adolescncia e a vida adulta. (N. do T.)

  • TRABALHO

  • HCAPITAL DE IDENTIDADE

    Os adultos no surgem. Eles so feitos. KAY HYMOWITZ, comentarista social

    Nascemos no de uma s vez, mas aos poucos. MARY ANTIN, escritora

    ELEN PROCUROU A TERAPIA PORQUE estava tendo uma crise de identidade. Alternavaentre o emprego de bab e o retiro de ioga, enquanto aguardava o que chamava de

    relmpago de intuio. Helen sempre parecia estar vestida para malhar, quer estivesse indo academia ou no, e por um tempo seu estilo de vida casual despertou a inveja dos amigosque haviam mergulhado direto no mundo real ou em sua segunda opo, a ps-graduao.

    Ela vivia deriva. Curtiu a vida por um tempo, mas logo sua busca interior pelo eu tornou-se tortuosa. Aos 27 anos, sentia como se os mesmos amigos que costumavam invejar suasaventuras agora tivessem pena dela. Eles estavam progredindo, enquanto ela empurrava oscarrinhos dos bebs de outras pessoas.

    Os pais de Helen haviam sido especficos quanto ao que ela deveria fazer aps terminar oensino mdio: um curso preparatrio para a faculdade de medicina numa universidade deelite. Tudo isso apesar de Helen ser uma fotgrafa talentosa que claramente queria estudarartes e no o tipo que se enquadraria numa faculdade tradicional. Desde o primeirosemestre, Helen odiou as aulas do curso preparatrio e tirou notas baixas. Invejava as amigasque estavam frequentando cursos interessantes e agarrava cada oportunidade de atividadesextracurriculares artsticas. Aps dois anos sofrendo com as exigncias da biologia ededicando o tempo livre ao que realmente curtia, Helen mudou de rea e foi para artes. Seuspais questionaram: O que voc vai fazer com isso?

    Aps a graduao, Helen atuou como fotgrafa freelance. Uma vez que a imprevisibilidadedo trabalho comeou a afetar sua capacidade de pagar as contas, a vida de artista perdeu agraa. Sem um certificado do curso preparatrio, um futuro certo como fotgrafa ou mesmonotas razoveis na faculdade, Helen no via nenhuma chance de progresso. Queria

  • permanecer na fotografia, mas no sabia direito como. Comeou a trabalhar como bab, semcarteira assinada, os anos foram passando e os pais disseram: Bem que ns avisamos.

    Agora Helen esperava que o retiro de ioga certo ou a conversa certa na terapia ou comamigos pudesse revelar, de uma vez por todas, quem ela era. A, dizia, poderia comear avida. Comentei que eu tinha minhas dvidas quanto a isso e que um perodo extenso decontemplao do prprio umbigo costumava ser contraproducente para jovens na idade dela.

    Mas exatamente isso que eu deveria estar fazendo Helen disse. Isso o qu? eu quis saber. Ter minha crise. Quem disse? Sei l. Todo mundo. Os livros. Acho que voc est entendendo mal o que uma crise de identidade e como sair dela. J

    ouviu falar de Erik Erikson?1

    Erik Salomonsen era um menino alemo de cabelos loiros com uma me de cabelos escurose um pai que nunca conheceu. Em seu terceiro aniversrio, a me casou-se com um pediatralocal que o adotou, tornando-o Erik Homburger. Eles o educaram de acordo com a tradiojudaica. Na sinagoga, caoavam do menino por ter cabelos claros. Na escola, por ser judeu.Erik costumava se sentir confuso sobre quem ele era.

    Aps o ensino mdio, Erik esperava tornar-se um artista. Viajou pela Europa, fazendocursos de artes e s vezes dormindo embaixo de pontes. Aos 25 anos, retornou Alemanha etrabalhou como professor de artes, estudou pedagogia montessoriana, casou-se e iniciou umafamlia. Aps dar aulas para os filhos de psicanalistas bastante conhecidos, Erik foi analisadopela filha de Sigmund Freud, Anna, e em seguida se formou em psicanlise.

    Aos 30, Erik mudou-se com a famlia para os Estados Unidos, onde se tornou umpsicanalista famoso e terico do desenvolvimento. Lecionou em Harvard, Yale e Berkeley eescreveu vrios livros antes de ganhar o Prmio Pulitzer. Como reflexo do sentimento de noter tido um pai e de ter vencido pelos prprios esforos, mudou o nome para Erik Erikson,que significa Erik, filho de si mesmo. Ele mais conhecido por ter cunhado o termo crisede identidade em 1950.

    Embora fosse um produto do sculo XX, Erikson viveu a vida de um homem do sculoXXI. Cresceu numa famlia miscigenada. Enfrentou questes de identidade cultural. Passoua adolescncia e os 20 anos em busca de si mesmo. Numa poca em que os papis dosadultos eram previsveis, as experincias de Erikson permitiram que ele imaginasse que umacrise de identidade era a norma, ou ao menos deveria ser. Achava que uma identidadeverdadeira e autntica no deveria ser precipitada e, para isso, defendia um perodo deprocrastinao em que os jovens pudessem explorar com segurana, sem riscos ou obrigaesreais. Para alguns, esse perodo era a faculdade. Para outros, como Erikson, uma jornada

  • pessoal ou Wanderschaft. Em ambos os casos, ele enfatizou a importncia de desenvolver oprprio potencial. Erik Erikson, agora literalmente filho de si mesmo, achava que todosdeveriam criar a prpria vida.

    Helen e eu conversamos sobre como Erikson progrediu da crise de identidade ao PrmioPulitzer. Sim, ele viajou sem destino e dormiu embaixo de pontes. Essa metade da histria.O que mais ele fez? Aos 25 anos, deu aula de artes e estudou pedagogia. Aos 26, iniciou suaformao psicoanaltica e conheceu algumas pessoas influentes. Aos 30 anos, obteve odiploma de psicanalista e iniciou carreira como professor, analista, escritor e terico. Eriksonpassou parte da juventude tendo uma crise de identidade, mas no percurso tambm foiadquirindo o que os socilogos denominam capital de identidade.2

    Capital de identidade nossa coleo de bens pessoais. o repertrio de recursosindividuais que reunimos com o tempo. So os investimentos em ns mesmos, as coisas quefazemos muito bem, ou por muito tempo, que se tornam parte de quem somos. Uma parcelado que o constitui vai para o currculo, como diplomas, empregos, notas em provas. Outraparte mais pessoal, por exemplo, como falamos, de onde somos, como resolvemosproblemas, qual a nossa aparncia. O capital de identidade como construmos a nsmesmos parte por parte, ao longo do tempo. Mais importante, ele o que levamos aomercado adulto. a moeda que usamos para metaforicamente comprar empregos,relacionamentos e outras coisas que quisermos.

    Pessoas jovens como Helen imaginam que a crise para agora e o capital para depois,quando na verdade os dois fatores podem e devem ocorrer juntos, como aconteceu comErikson. Pesquisadores examinaram de que forma as pessoas resolvem as crises deidentidade e descobriram que vidas que so s capital, sem crises s trabalho, semexplorao , parecem rgidas e convencionais. Por outro lado, mais crise do que capitaltambm constitui um problema. medida que o conceito de crise de identidade sepopularizou nos Estados Unidos, o prprio Erikson condenou o fato de se passar tempodemais em confuso despropositada.3 Ele se preocupava com o fato de muitos jovenscorrerem o risco de se tornarem irrelevantes.

    Pessoas em seus 20 anos que aproveitam o tempo para explorar o mundo e tambm tmcoragem de assumir compromissos ao longo do caminho desenvolvem uma identidade maisforte,4 alm de possurem mais autoestima e serem mais perseverantes e realistas. Essecaminho para a identidade est associado a uma srie de resultados positivos, incluindo umapercepo mais clara do eu, maior satisfao com a vida, melhor controle do estresse,raciocnio mais apurado e resistncia conformidade todas as coisas que Helen queria.

    Encorajei-a a obter algum capital. Sugeri que comeasse encontrando um trabalho quepudesse constar num currculo.

    Esta minha chance de me divertir ela argumentou. Curtir a liberdade antes que a

  • vida real comece. Se divertir? Voc est vindo aqui porque se sente infeliz! Mas sou livre! Que liberdade essa? Voc tem tempo livre durante o dia quando quase todos que

    conhece esto trabalhando. Voc est vivendo no limiar da pobreza. No d para fazer nadacom esse tempo.

    Helen pareceu desconfiada, como se eu estivesse tentando convenc-la a sair da esteira deioga e enfiando uma pasta de executiva em sua mo. E respondeu:

    Voc deve ser uma daquelas pessoas que saram da faculdade direto para a ps-graduao.

    No sou. Na verdade, provavelmente frequentei uma ps excelente graas ao que eu fizdepois de me formar.

    Helen franziu a testa. Refleti por um momento e perguntei: Quer saber o que fiz depois da faculdade? Sim, quero ela me desafiou.Helen estava pronta para escutar.

    Logo aps eu ter me formado na faculdade, fui trabalhar para a Outward Bound, umainstituio de ensino experimental ao ar livre. Minha primeira funo l foi resolverpequenas questes relativas a logstica. Eu morava num acampamento nas montanhas BlueRidge e passava a maior parte do ano dirigindo furges pelos lugares mais ermos, levandogranola e combustvel para grupos de estudantes mochileiros sujos e fatigados. Tenholembranas incrveis de transportar 15 passageiros atravs de estradas de terra, com msicatocando nas alturas. s vezes eu era a nica outra pessoa com quem aqueles gruposdeparavam depois de dias ou semanas seguidos. Os estudantes ficavam sempre satisfeitos aome ver, porque eu os lembrava que a vida continuava fora dali.

    Quando surgiu um emprego de instrutor, me candidatei. Percorri montanhas na Carolinado Norte, no Maine e no Colorado, umas vezes com veteranos de guerra e outras com CEOsde Wall Street. Passei um longo e quente vero no Porto de Boston, num veleiro aberto denove metros, com um bando de garotas cursando o ensino fundamental.

    Minha excurso favorita que fiz mais de uma dezena de vezes era uma expedio decanoa, com durao de 28 dias, que percorria toda a extenso do rio Suwannee, cerca de 560quilmetros das guas negras e ciprestes do pntano Okefenokee, na Gergia, passando pelonorte da Flrida, at a costa arenosa do Golfo do Mxico. Nela iam comigo jovens infratorescarinhosamente (mas extraoficialmente) chamados de hoods in the woods (capuzes nosbosques, em ingls). Eram adolescentes de guetos urbanos ou de lugares bem afastados nointerior que haviam cometido crimes: roubos, assaltos, agresses, trfico de drogas tudomenos homicdio. Estavam cumprindo suas sentenas no rio comigo.

  • O trabalho era extraordinariamente significativo, alm de divertido. Aprendi um jogo decartas cheio de truques com jovens que frequentemente ficavam em centros de deteno.Depois que se enfiavam em seus sacos de dormir noite, eu me sentava do lado de fora dasbarracas e lia em voz alta histrias de literatura juvenil como A ilha do tesouro. Muitas vezescheguei a ver aqueles meninos agindo como pessoas comuns, saltando de barrancos, seusproblemas tendo ficado l longe na casa deles. Mas a realidade nunca estava distante.Quando eu tinha uns 24 anos, tive de contar a uma infratora uma me de 15 anos comdois filhos que a prpria me havia morrido de aids enquanto ela estava descendo oSuwannee.

    Achei que eu trabalharia um ou dois anos na Outward Bound. Sem que eu percebesse,quase quatro se passaram. Certa vez, numa folga entre cursos, visitei a cidade da minhaantiga faculdade e consultei uma orientadora de estudantes de graduao. Ainda me lembrodela dizendo: Que tal uma ps? Aquela foi a minha dose de realidade. Eu queria fazeruma ps e estava me cansando da vida na Outward Bound. Minha orientadora disse que, seera aquilo que eu queria, precisava correr atrs. O que voc est esperando?, elaperguntou. Parecia que eu estava aguardando algum me dizer para ir em frente, e foi o quefiz.

    O circuito de entrevistas para psicologia clnica feito num cenrio repleto de recm-formados impecveis carregando pastas de couro novas em folha e usando umascombinaes de roupa meio desajustadas. Quando comecei a estudar l, eu andava comoeles. Sentindo-me um tanto deslocada aps ter passado tantos anos em florestas, enchiminha pasta de artigos acadmicos escritos pelos professores que provavelmente meentrevistariam. Eu estava preparada para conversar com fundamento sobre seusexperimentos clnicos e fingir estar empolgada com pesquisas que eu talvez nunca faria.

    Mas ningum queria conversar sobre aquilo.Quase invariavelmente, os entrevistadores olhavam meu currculo e comeavam,

    empolgados, com Conte-me sobre a Outward Bound!. Os professores j chegavamdizendo: Ento voc a moa da Outward Bound! Durante anos, at nas entrevistas para aresidncia, passei a maior parte do tempo respondendo a perguntas sobre o que aconteciaquando os jovens fugiam na selva ou se era seguro nadar num rio com jacars. Somentequando obtive o doutorado em Berkeley foi que comecei a ser conhecida por outras coisas.

    Contei a Helen parte da minha histria. Eu disse que viver os 20 anos no comofrequentar uma faculdade. Para alguns, a vida pode se resumir a obter um diploma. Commais frequncia, identidades e carreiras so formadas no de especializaes e notas nafaculdade, mas de alguns pequenos abridores de portas de capital de identidade e eu temiaque Helen no estivesse obtendo nenhum.

    Ningum iniciaria a prxima entrevista de emprego de Helen dizendo: Conte-me sobresua experincia como bab! Aquilo me fez refletir. Se Helen no obtivesse algum capital

  • logo, eu sabia que ela estaria fadada a uma vida de infelicidade e subemprego.Depois que insisti para que obtivesse um emprego com carteira assinada, Helen veio me

    contar que em poucos dias comearia a trabalhar numa cafeteria. Ela tambm mencionouque marcara uma entrevista para prestar servios gerais num estdio de animao digital,mas que no pretendia comparecer. Trabalhar numa cafeteria parecia legal e longe dacaretice das grandes empresas. Alm disso, ela falou que tinha dvidas sobre o que aempresa de animao quisera dizer com simplesmente pagar as faturas e basicamentetrabalhar na sala de correspondncias ao descrever quais seriam as atribuies de Helen.

    Enquanto Helen falava sobre o plano de trabalhar na cafeteria, eu tentava esconder meuespanto. Eu j vira o que outra paciente minha apelidara de fase Starbucks acontecer vriasvezes. Tudo o que eu sabia sobre subemprego na juventude e capital de identidade me diziaque Helen estava prestes a fazer uma m escolha.

    Em um ou outro momento, a maioria dos jovens aos 20, inclusive meu eu motorista defurgo, esteve subempregada. Eles tm empregos para os quais esto superqualificados outrabalham apenas em meio expediente. Alguns desses empregos so tapa-buracos teis, poispermitem que se paguem as despesas de educao, por exemplo. Outros, como no caso daOutward Bound, geram um capital que supera todo o resto.

    Mas alguns subempregos no so um meio para um fim. s vezes no passam de umaforma de fingirmos que no estamos trabalhando, como o caso quando se opera umtelefrico para esquiadores ou se faz o que certo executivo que conheo chamou de esseeterno negcio de banda. Embora esses tipos de emprego possam ser divertidos, tambmsinalizam a futuros empregadores um perodo de desorientao. Um diploma de umauniversidade seguido de um excesso de empregos no varejo ou em cafeterias parece umretrocesso, ou seja, pode prejudicar nosso currculo ou at nossa vida.

    Quanto mais tempo levarmos para nos firmarmos num trabalho, maiores sero as chancesde nos tornarmos, nas palavras de um jornalista, diferentes e danificados.5 Pesquisas sobrejovens subempregados revelam que aqueles que permanecem nesse status ainda que porapenas nove meses tendem a ser mais deprimidos e menos motivados do que os colegas mesmo os desempregados.6 Mas, antes de concluirmos que o desemprego uma alternativamelhor ao subemprego, veja isto: o desemprego aos 20 est associado ao alcoolismo e depresso na meia-idade mesmo depois de se conseguirem empregos regulares.7

    Tenho visto como isso acontece. Observei jovens inteligentes e interessantes nessa faixaetria evitarem empregos reais no mundo real para se arrastarem por anos de subemprego,enquanto ficavam cansados e alienados demais para procurarem algo que pudesse realmentesatisfaz-los. Os sonhos deles parecem cada vez mais distantes medida que as pessoas ostratam como se a atribuio deles no mundo fosse apenas a ostentada no crach.

    Economistas e socilogos concordam que o trabalho na juventude exerce uma influncia

  • enorme no sucesso da nossa carreira a longo prazo.8 Cerca de dois teros dos aumentos desalrio durante a vida ocorrem nos primeiros dez anos de uma carreira. Depois disso,famlias e hipotecas impedem a obteno de especializaes e a mobilidade pelo pas, e ovalor dos salrios aumenta mais lentamente. Quando temos 20 anos, a impresso de queexistem dcadas frente para ganharmos cada vez mais, mas os ltimos dados do censoamericano mostram que, em mdia, os salrios chegam ao pico e se estabilizam aos 40.9

    Os jovens que acham que posteriormente podero superar o subemprego ou o desempregoesto deixando de progredir quando ainda fcil. Por melhor que se saiam, os que sesobressaem tarde provavelmente jamais reduziro a defasagem entre eles e os quecomearam mais cedo. Com isso, muitas pessoas em seus 30 e 40 anos tm a sensao de queacabaram pagando um preo surpreendentemente alto por uma sequncia de empregosaleatrios aos 20 e poucos anos. na meia-idade que conseguimos perceber que nossasopes na juventude no podem ser desfeitas. O alcoolismo e a depresso podem nossurpreender.

    Na economia atual, pouqussimas pessoas chegam aos 30 sem ter tido algum subemprego.Ento o que algum em seus 20 deve fazer? Felizmente, nem todo subemprego igual.Sempre aconselho os jovens a aceitarem o emprego com mais capital.

    Ouvi Helen at o fim. Depois eu disse que trabalhar numa cafeteria podia ter suasvantagens, como colegas de trabalho agradveis ou um bom desconto nas bebidas. Aremunerao poderia at ser maior do que na empresa de animao, mas no tinha capital.Da perspectiva do tipo de capital de identidade de que Helen precisava, o outro emprego eraclaramente melhor que o da cafeteria. Encorajei Helen a ir entrevista e a pensar naprestao de servios gerais como um investimento em seu sonho. Aprendendo sobre omundo da arte digital e fazendo contatos no setor, ela poderia aumentar seu capital deincontveis maneiras.

    Talvez eu deva esperar at aparecer algo melhor Helen considerou. Mas isso no surge do nada. Uma boa parcela de capital o caminho para conseguir algo

    melhor.Passamos as sesses seguintes ajudando Helen a se preparar para a entrevista. Suas notas

    nada brilhantes no curso preparatrio para a faculdade de medicina, combinadas com areao adversa dos pais especializao em artes, fizeram com que ela se sentisseprofissionalmente insegura. Mas o que ainda no mencionei sobre Helen que ela foi umadas pacientes mais agradveis que j tive. Sua carreira universitria no foi l essas coisas,mas ela tinha todos os elementos de capital de identidade que no constam de um currculo.Era socialmente competente. Uma excelente comunicadora com raciocnio rpido. Umatrabalhadora esforada. Eu tinha certeza de que, se Helen fosse entrevista, suapersonalidade a levaria em frente.

  • Helen e o gerente que a entrevistou tiveram conversas agradveis sobre o cursopreparatrio, fotografia freelance e o fato de a mulher dele tambm ter se formado em artesna faculdade de Helen. Duas semanas depois, comeou a trabalhar na empresa de animao.Aps seis meses, saiu dos servios gerais e passou a ter uma estao de trabalho fixa.Posteriormente, um diretor de cinema passou umas semanas na sala de Helen e concluiuque ela seria uma tima assistente de fotografia. Foi enviada a Los Angeles, onde hojetrabalha com filmes. Eis o que ela diz sobre seus 20 anos e os elementos de capital deidentidade que a esto ajudando agora:

    Eu jamais acreditaria nisso, e talvez no seja a melhor coisa para se contar a algum aindana faculdade, mas com certeza nenhuma pessoa me questionou sobre minhas notas desdeque me formei. Portanto, a no ser que voc esteja tentando uma ps-graduao, isso nofaz diferena. E ningum se importa se voc fez a especializao errada.

    Penso na pergunta dos meus pais: O que voc vai fazer com sua especializao em artes?Isso no faz sentido para mim agora. Ningum que eu conheo realmente sabia o quequeria fazer quando se formou. O que as pessoas esto fazendo agora na maioria dos casosno algo de que tenham ouvido falar na faculdade. Um dos meus amigos bilogomarinho e trabalha num aqurio. Outro est se ps-graduando em epidemiologia. Eutrabalho com cinema, na rea de fotografia. Nenhum de ns sabia que esses empregosexistiam quando nos formamos.

    Por isso seria bom ter feito mais nos meus primeiros anos aps a faculdade. Gostaria de terme esforado para crescer profissionalmente ou conseguir empregos mais variados. Queriater experimentado no trabalho de uma forma que sinto no poder mais agora comquase 30 anos. Senti muita presso interior para achar uma sada, mas todos os meuspensamentos eram debilitantes e improdutivos. Uma coisa que descobri que no d paraficar s refletindo sobre a vida. A nica forma de descobrir o que fazer fazendo algo.

    Sempre que recebo notcias de Helen, penso em quo diferente seria sua vida se ela tivesseido trabalhar na cafeteria. Seu subemprego divertido e despreocupado provavelmente logo setornaria uma experincia depressiva e alienadora, que poderia se arrastar mais do que oesperado, enquanto outros jovens na mesma faixa etria estariam trabalhando, digamos, comanimao digital.

    Claro que ela no permaneceria na cafeteria para sempre, mas tampouco seria estimuladapor um diretor, porque este a veria apenas como uma atendente, no como algum quepoderia se destacar na indstria cinematogrfica. E aquilo continuaria. Cinco ou dez anosdepois, a diferena entre a Helen da cafeteria e a da animao digital poderia sersignificativa. Tristemente significativa. A vida de Helen deslanchou quando ela usou asparcelas de capital de que dispunha para obter a prxima parcela de capital que queria e

  • em nada atrapalhou o fato de ela e a mulher do gerente entrevistador terem se formado namesma universidade.

    Quase sempre assim que a coisa funciona.

  • AVNCULOS FRACOS

    Aqueles profundamente envolvidos num grupo coeso talvez nuncapercebam que suas vidas, na verdade, no dependem do que acontece

    dentro do grupo, mas de foras bem alm de sua percepo. ROSE COSER, sociloga

    O sim o responsvel por voc obter seu primeiro emprego e o empregoseguinte, sua esposa e at seus filhos. Ainda que possa ser um pouco

    irritvel e fora de sua zona de conforto, dizer sim significa que voc far algonovo, conhecer algum e far uma diferena.

    ERIC SCHMIDT, presidente-executivo do Google

    LGUNS VERES ATRS, UMA CAIXA GRANDE, endereada para mim, foi parar na minha casa.O remetente era uma grande editora de Nova York.

    Eu estava preparando dois cursos para o outono e havia encomendado alguns livros-textospara dar uma examinada, mas no eram eles que estavam na caixa. Havia uns 100exemplares de obras dos mais diversos assuntos, incluindo algumas de fico. Na faturadentro constava o nome de uma gerente editorial. Acabei deixando a caixa de livros na mesada minha sala de jantar, e os amigos que vinham me visitar costumavam perguntar arespeito: Onde voc arruma tempo para ler tantos livros? Voc enlouqueceu? Ningumachava minha explicao de que chegou pelo correio no sei por qu muito convincente.

    Aps algum tempo, tentei dar um destino aos livros. Mandei um e-mail gerente editorialdizendo que tinha recebido uma caixa que talvez fosse para ela. Ela descobriu que os livrosforam enviados para mim por engano, mas disse que eu poderia aproveitar a leitura.Agradeci, e trocamos alguns e-mails sobre a escolha de livros-textos. Alguns meses depois,ela perguntou se eu estaria interessada em escrever um guia do instrutor para um livro queestava editando; respondi que sim. Quando chamei uns amigos para um churrasco na minhacasa, a grande caixa continuava na mesa da sala de jantar. Falei para eles levarem quaisquerlivros que chamassem sua ateno. Aquilo deu um bom assunto para conversa.

  • Cerca de um ano aps a chegada dessa encomenda, comecei a querer escrever um livro.Meu consultrio particular e minhas turmas estavam repletos de jovens que sinceramentequeriam ajuda para progredir. Imaginei algo que reunisse o que as aulas, as pesquisas e otrabalho clnico me ensinaram sobre os 20 anos, um livro que jovens de qualquer lugarpudessem ler.

    Peguei emprestada uma amostra de proposta de livro de um colega distante e comecei atrabalhar no projeto nas horas vagas. Quando o terminei, perguntei quela gerente editorialse ela poderia me dar suas impresses. Feito isso, ela rapidamente me apresentou a partesinteressadas. Logo o livro conseguiu uma editora.

    Eu jamais encontrara pessoalmente a gerente editorial da caixa de livros ou a editora queacabou publicando meu livro. Apenas uma vez estivera com o colega cuja proposta usei comomodelo. No havia razo alguma para me darem tratamento preferencial e, como negciosso negcios, ningum deu. Este livro, como quase tudo na vida adulta, ganhou vida graasao que denomino fora dos vnculos fracos.

    A FORA DOS VNCULOS FRACOS

    A tribo urbana1 superestimada. Nos ltimos dez anos, muito se falou sobre ela, ou afamlia improvisada que ganhou evidncia medida que os jovens foram passando mais anossozinhos. Sries de comdia e filmes promovem o valor dessa tribo, as vantagens de ter umgrupo de amigos que podemos chamar de nosso.

    Com certeza esses amigos desempenham um papel fundamental e de apoio para muitosjovens e proporcionam inmeros bons momentos. Essencialmente formada por colegas defaculdade, a tribo urbana so as pessoas com quem nos encontramos nos fins de semana.Elas nos do caronas ao aeroporto. Ouvem desabafos sobre namoros fracassados erompimentos enquanto curtimos juntos tira-gostos e chopes.

    Mas, com toda a ateno voltada tribo urbana, muitos jovens tm se limitado a convivercom colegas que possuem ideias afins. Alguns vivem em constante contato com as mesmaspoucas pessoas. Mas embora nos ajude a sobreviver, a tribo urbana no nos ajuda aprosperar. E ela pode at nos trazer sopa quando ficamos doentes, mas so aqueles que malconhecemos que nunca ingressam em nossa tribo que rpida e substancialmentemudaro nossas vidas para melhor.

    Num trabalho que antecede o Facebook em mais de 25 anos, o socilogo e professor deStanford Mark Granovetter realizou um dos primeiros e mais famosos estudos sobre redessociais. Granovetter estava curioso sobre como elas fomentam a mobilidade social e como aspessoas em nossa vida so responsveis por novas oportunidades. Pesquisando, numsubrbio de Boston, trabalhadores que haviam recentemente buscado emprego e conseguidouma nova posio, o socilogo descobriu que durante tal processo as pessoas mais teis no

  • foram os amigos prximos e a famlia presumivelmente aqueles mais propensos a ajudar.Em vez disso, mais de trs quartos dos trabalhos novos foram conquistados por causa dedicas de contatos que eram vistos apenas ocasionalmente ou raramente. Essa descobertalevou Granovetter a escrever um estudo inovador intitulado A fora dos vnculos fracos,2

    sobre o valor incomparvel de pessoas que no conhecemos bem.De acordo com o pesquisador, nem todos os relacionamentos ou vnculos so iguais.

    Alguns so mais prximos e outros no, e a fora de um vnculo aumenta com o tempo e aexperincia. Quanto mais convivemos com algum, mais forte ele fica, porque provavelmentecompartilhamos experincias e confidncias com ele. Na infncia, os vnculos fortes so afamlia e os melhores amigos. Na juventude, a tribo urbana, colegas de quarto, parceiros eoutros amigos prximos.

    Vnculos fracos so as pessoas que encontramos, ou com quem temos algum tipo derelao, mas que atualmente no conhecemos bem. Talvez sejam os colegas de trabalho comquem raramente falamos ou vizinhos a quem apenas dizemos oi. Todos temos conhecidoscom quem pretendemos sair, mas nunca samos, e amigos com quem perdemos o contatoanos atrs. Vnculos fracos tambm so os nossos ex-empregadores, professores ou quaisqueroutros conhecidos que no tenham sido promovidos a amigos prximos.

    Mas por que algumas pessoas so promovidas e outras no? Um sculo de pesquisas emsociologia e milhares de anos de pensamento ocidental mostra que a semelhana gera ocontato.3 Pessoas com interesses similares se juntam por causa da homofilia, ou amor pelosemelhante. Do ptio da escola sala da diretoria, h mais tendncia a se criaremrelacionamentos estreitos com quem seja parecido com voc. Como resultado, um conjuntode vnculos fortes como a tribo urbana ou mesmo uma rede social on-line tipicamenteum grupo incestuoso. Uma panelinha homognea.4

    Aqui chegamos ao que a sociloga Rose Coser denominou a fraqueza dos vnculos fortes,5

    ou como nossos amigos prximos nos atrasam. Nossos vnculos fortes parecem confortveis efamiliares, mas, afora o apoio, podem ter pouco a oferecer. Costumam ser muito parecidosconosco at no que se refere falta de ao para proporcionar mais do que empatia. Comfrequncia no sabem mais do que ns mesmos sobre empregos ou relacionamentos.

    J os fracos parecem diferentes demais ou, em certos casos, literalmente muito distantespara serem amigos ntimos. Mas a est a vantagem. Por no serem meros integrantes de umbando j restrito, eles nos do acesso a coisas e pessoas que desconhecemos. Os vnculosfracos disseminam informaes e oportunidades mais longe e rpido do que os amigosprximos, j que possuem menos contatos coincidentes. Eles so como pontes cuja outraponta voc no v, de modo que no sabe aonde podem levar.

    No apenas quem e o que nossos vnculos conhecem que importa. a forma de nos

  • comunicarmos com eles tambm. Como os integrantes de grupos fechados de vnculos fortescostumam ser muito semelhantes, eles tendem a usar uma forma de comunicao simples,codificada, conhecida como discurso restrito.6 Econmico mas incompleto, este arecorrncia a coloquialismos e atalhos para se dizer mais com menos. Quem se comunicapela internet sabe que d+ significa demais, e aqueles que usam e-mail corporativo sabemque PSC quer dizer para seu conhecimento.

    Mas os membros de um grupo, mais do que gria e vocabulrio, compartilham suposiessobre eles prprios e o mundo. Talvez tenham frequentado a mesma faculdade,compartilhem as mesmas ideias sobre o amor ou assistam aos mesmos programas de TV oudecididamente no assistam. Sejam quais forem as fontes especficas de semelhana, convivercom eles pode limitar quem conhecemos e o que sabemos, como falamos e, em ltimaanlise, como pensamos.

    Os vnculos fracos, por outro lado, fazem com que nos comuniquemos de uma formadiferente, usando o chamado discurso elaborado. Diferente do restrito, que pressupesemelhanas entre o falante e o ouvinte, o discurso elaborado no pressupe que o ouvintepense da mesma forma ou saiba as mesmas coisas. Precisamos ser mais minuciosos quandofalamos com vnculos fracos, e isso requer mais reflexo e organizao de pensamentos.Nesse tipo de comunicao, so utilizadas menos expresses enfticas como tipo assim , eas frases no costumam ficar confusas. Quer estejamos falando sobre ideias relativas carreira ou expondo nossos pensamentos sobre o amor, temos que defender nossa tese maisplenamente. Desse modo, vnculos fracos promovem, e s vezes at foram, crescimento emudana ponderados.

    CONHEA COLE E BETSY

    Cole saiu disparado da faculdade para curtir seus 20 anos como um aluno do ensino mdioque corre para o acampamento de vero no primeiro dia de frias. Formado em engenharia,passara os anos da faculdade resolvendo equaes, enquanto todos os outros pareciam estarse divertindo. Os 20 anos foram a chance de Cole se entreter. Aceitou um subemprego numaempresa de topografia, preferindo cumprir seu expediente sem pensar muito em trabalho.Mudou-se para um apartamento com um grupo de colegas que conheceu, alguns dos quaisnem sequer cursaram faculdade. Ao longo de uns anos, aquela ficou sendo a tribo urbana deCole:

    Ficvamos numa boa, bebendo e conversando sobre como odivamos o servio ou sobre adroga que era o mercado de trabalho. ramos contra fazer qualquer coisa. Estvamos todosestagnados. Nenhum daqueles sujeitos estava pensando numa carreira de verdade, muitomenos eu. No queria saber de esquentar a cabea. S pensava no prximo jogo debasquete a que eu iria ou algo parecido. Era o que eu pensava que todos os outros

  • estivessem fazendo tambm, porque eu via isso.A s vezes ouvia falar de algum que eu tinha conhecido na faculdade que havia

    ganhado um dinheiro abrindo um negcio ou que conseguira um timo emprego noGoogle ou coisa assim. Eu pensava: Aquele cara? Isso no justo. Eu ralava na faculdadeenquanto ele estudava antropologia. O fato foi que ele aproveitou seus 20 anos, enquantoeu fiquei vadiando sem conseguir nada. No queria admitir, mas aps um tempo eudesejava ser um daqueles sujeitos que estavam dando um rumo s suas vidas. Mas eu nosabia como.

    A irm de Cole arrastou-o festa de 30 anos da colega de quarto dela. Desconfortvel emmeio a pessoas mais velhas e bem-sucedidas, Cole passou o tempo conversando com umajovem escultora que conheceu, uma paciente minha chamada Betsy.

    Betsy estava cansada de sair com o mesmo tipo de pessoa. Parecia que no momento em querompia com algum sem o menor senso de responsabilidade comeava a namorar outroigualmente irresponsvel. Betsy acabou vindo terapia para analisar por que se sentia atradarepetidamente por esse tipo de homem. Mas conhecer melhor o problema no mudou o fatode que continuava saindo com os mesmos sujeitos divertidos e pouco ambiciosos. Noconsigo arranjar um cara decente, ela confessou.

    Assim como Cole, Betsy no queria estar naquela festa. Ela havia conhecido aaniversariante em uma aula de spinning alguns anos antes e vinha recusando convites deladesde ento. Num esforo para conhecer gente nova, daquela vez Betsy respondeu sim.Pegou um txi at a festa, sem saber direito por que estava se sujeitando quilo.

    Betsy se animou ao conhecer Cole, mas com certo p atrs. Cole era claramente inteligentee instrudo, mas no parecia estar aproveitando isso. Jantaram juntos algumas vezes, o quepareceu promissor. Depois, aps dormir na casa dele uma noite e observ-lo se levantando s11 da manh e pegando seu skate, Betsy desanimou um pouco.

    O que ela no sabia era que, desde que comearam a sair, Cole recuperara parte de seuantigo pique. Ele observava como ela gostava de trabalhar com suas esculturas mesmo no fimde semana, como ela e as amigas adoravam se reunir para conversar sobre seus projetos eplanos. Um dia Cole viu na internet um anncio de um emprego desafiador de nvel tcnicoem uma importante startup, mas achou que o currculo estava fraco demais para ser enviado.

    Cole lembrou que um amigo do ensino mdio, algum que ele via na cidade cerca de umavez por ano, trabalhava naquela startup. Entrou em contato, e o rapaz deu boas refernciassobre Cole. Aps algumas entrevistas com diferentes pessoas, ofereceram o cargo a ele. Ogerente que o contratou contou ao prprio que ele havia sido escolhido por trs razes: seudiploma de engenharia indicava que ele sabia como dar duro em projetos tcnicos; suapersonalidade parecia se enquadrar no grupo; e o conhecido que dera boas referncias erapopular na empresa. O resto, o gerente disse, ele poderia aprender no emprego.

  • Aquilo alterou radicalmente o rumo da carreira de Cole. Ele aprendeu desenvolvimento desoftware numa empresa pontocom de ponta. Alguns anos depois, conseguiu ser promovido adiretor de desenvolvimento em outra startup, porque quela altura o capital que adquirira naempresa pontocom era suficiente para falar por si mesmo.

    Quase dez anos depois, Cole e Betsy esto casados. Ela gerencia uma galeria de artecooperativa. Ele diretor de TI. Levam uma vida feliz e atribuem grande parte do sucesso aoamigo de Cole do colgio e aniversariante que deu a festa. Vnculos fracos mudaram suasvidas.

    Quando encorajo os jovens a explorarem a fora dos vnculos fracos, costuma haverbastante resistncia: Detesto fazer contatos, Quero arrumar um emprego sem precisar deningum ou Este no meu estilo so reaes comuns. Eu entendo, o que no muda ofato de que, ao procurarmos empregos, relacionamentos ou qualquer tipo de oportunidades,so as pessoas que menos conhecemos que sero as mais transformadoras. As novidadesquase sempre vm de fora do crculo de pessoas prximas. E os jovens que no aproveitamseus vnculos fracos no acompanham o progresso daqueles que tm isto a dizer:

    sempre bom ter uma rede qualquer de contatos. Nunca me preocupei demais com isso,mas tenho alguns amigos que estavam sempre estressados porque queriam que um membroda famlia os ajudasse a obter um emprego. Trabalho numa das trs maiores empresas daminha rea e s sei de apenas uma pessoa ali que obteve seu emprego sem realmenteconhecer algum. Todo o resto foi por meio de contatos.

    Detesto telefonar aleatoriamente para pessoas que no conheo. Mas, em uma festa, meupai conheceu algum que trabalhava na empresa onde estou agora e disse que eu estavainteressada no ramo da moda. Liguei para aquela pessoa s para pedir informaes, e elapassou adiante meu currculo. Foi assim que consegui a entrevista.

    Eu vivia esperando que anunciassem uma vaga num hospital onde eu queria trabalhar,mas isso nunca acontecia. Enfim liguei para uma amiga que trabalhava l. No tinha feitoisso antes porque no sabia se aquilo estava errado ou se eu a colocaria numa situaochata. Mas de cara ela deu o nome de algum para quem eu poderia ligar no hospital.Quando telefonei, estavam prestes a divulgar uma oferta de emprego, que eu obtive antesmesmo de anunciarem. Tudo pode mudar em um dia. Especialmente se voc correr atrs.

    Acho que s vezes as pessoas pensam: No conheo ningum, ao contrrio dos outros,mas elas se surpreenderiam com os recursos inexplorados de que dispem. Redes de ex-colegas de faculdade e colgio podem realmente ajudar; e se no houver uma rede oficial,procure um grupo da faculdade no Facebook ou no LinkedIn. D uma olhada e veja ondeas pessoas trabalham. Se houver algum que faa algo que voc queira fazer, ligue oumande um e-mail para uma entrevista informativa. o que todos acabam fazendo.

  • A maioria dos jovens anseia por se sentir parte de uma comunidade e se agarra aos seusvnculos fortes para se enturmar mais. Paradoxalmente, estar enredado em um grupo podeno fundo aumentar a sensao de alienao, porque ns e nossa tribo nos tornamosisolados e afastados. Com o tempo, a sensao inicial de pertencimento se torna uma dedesligamento do mundo maior.

    A verdadeira interligao no est em enviar mensagens de texto aos melhores amigos uma da madrugada, mas em contatar vnculos fracos que faam diferena em nossas vidas,mesmo sem essa obrigao. Quando estes ajudam, as comunidades nossa volta mesmo aadulta, em que os jovens esto cautelosamente ingressando parecem menos impessoais eimpenetrveis. Subitamente, o mundo se torna menor e mais fcil de se navegar. Quantomais soubermos sobre como as coisas funcionam, mais nos sentiremos parte delas.

    a partir dos favores que as coisas comeam. Veja o exemplo de Benjamin Franklin.

    O EFEITO BEN FRANKLIN

    No final do sculo XVIII, Benjamin Franklin ocupava um cargo poltico pelo estado daPensilvnia. Queria conquistar o apoio de um colega legislador e contou o seguinte em suaautobiografia:

    Eu no queria obter seu apoio mostrando um respeito servil por ele, ento, aps umtempo, adotei outro mtodo. Tendo ouvido falar que ele tinha em sua biblioteca certo livrobem raro e curioso, escrevi uma carta expressando meu desejo de folhear aquele livro eperguntando se ele faria o favor de emprest-lo a mim por uns dias. Ele o enviouimediatamente, e eu o devolvi em cerca de uma semana com outra carta expressandofortemente a minha gratido. Quando voltamos a nos encontrar na Cmara, ele faloucomigo (o que nunca fizera antes), e com muita civilidade; e desde ento manifestou suadisposio em me servir em todas as ocasies, de modo que nos tornamos grandes amigosat sua morte. Este outro exemplo de que uma velha mxima que eu aprendi verdadeira: Aquele que lhe fez uma gentileza uma vez estar mais disposto a lhe fazeroutra do que aquele a quem voc prprio prestou um favor.7

    Imaginamos que as pessoas nos fazem favores por gostarem de ns, j que assim quefunciona a tribo urbana. Mas o efeito Ben Franklin e estudos empricos subsequentesmostram que ocorre o inverso com pessoas que conhecemos menos.8

    Se vnculos fracos nos fazem favores, eles comeam a gostar de ns. Depois, a tendncia denos concederem outros favores no futuro aumenta. Franklin concluiu que, se quisesse atrairalgum para o seu lado, devia pedir um favor. Foi o que fez.

    O efeito Ben Franklin mostra que, embora as atitudes influenciem a conduta, o contrriotambm pode acontecer. Se fazemos um favor a algum, passamos a acreditar que gostamos

  • dessa pessoa. Tal gentileza leva a outro favor, e assim por diante. O efeito Ben Franklin nosensina que um favor gera mais favores e, com o tempo, que os pequenos geram os maiores,tal como preconiza a denominada tcnica do p na porta.

    O que no se costuma discutir sobre esse efeito uma pergunta que jovens em seus 20 anoscostumam fazer: por que uma pessoa especialmente algum mais velho ou bem-sucedido daria essa ajuda antes de tudo? Como Franklin conseguiu chegar quele primeiro favor?

    simples. bom ser bom.9 Ser generoso gera certo barato.10 Em numerosos estudos, oaltrusmo tem sido associado felicidade, sade e longevidade desde que a ajudaconcedida no implique nus. Quase todas as pessoas se lembram de como comearam sendoajudadas por aquelas que estavam mais frente. Por causa disso, existe uma reserva de boavontade em relao aos jovens. Parte do bom envelhecimento consiste em ajudar os outros,11

    e os jovens que pedem ajuda aos vnculos fracos do a estes uma chance de praticarem obem e de se sentirem bem a no ser que o pedido seja descabido.

    Portanto, falemos sobre isso.s vezes, jovens com dvidas quanto carreira recorrem a vnculos fracos bem-sucedidos

    esperando que possam ajud-los a decidir o que fazer de suas vidas. Esses tipos de favor,mesmo no sendo exagerados, podem atrapalhar as agendas ou as atribuies dessas pessoas.Simplesmente leva tempo demais digitar uma resposta com vrios pargrafos a um e-mailsobre qual curso de graduao algum deve escolher. E realmente no cabe a um vnculofraco dizer se voc deve ser assistente social ou cantor de msica popular.

    como uma profissional de recursos humanos me disse: H pessoas que marcamentrevistas para me consultar sobre futuros cargos disponveis em nossa empresa, e elas vme ficam l paradas, me olhando. D vontade de dizer pessoa: Voc marcou esta entrevista.Espero que tenha algumas perguntas boas. No indague apenas h quanto tempo estou naempresa s para puxar assunto at que eu lhe diga o que fazer de sua vida.

    Analisemos melhor o favor que Franklin pediu. Ele no mandou um mensageiro entregarao legislador um bilhete com um convite qualquer, como o equivalente no sculo XVIII aum e-mail com o ttulo Caf? ou Um bate-papo rpido?. Franklin sabia que esse tipo deabordagem pareceria vago demais a um profissional ocupado. Ele foi mais objetivo eestratgico.

    Franklin pesquisou o legislador e descobriu a rea de especializao dele. Apresentou-secomo uma pessoa sria com uma necessidade de acordo com isso. Tornou-se interessante.Tornou-se relevante. E pediu um favor claramente definido: consultar um livro.

    Eu aconselharia a mesma abordagem atualmente quando voc pedir aos seus prpriosvnculos fracos cartas de recomendao, sugestes, que o apresente a algum ou solicitarentrevistas informativas bem planejadas: torne-se interessante. Torne-se relevante. Faa oque for necessrio a fim de saber justamente o que quer ou de que precisa. Depois,

  • respeitosamente, pea-o. Alguns vnculos fracos respondero no. Mais pessoas do que vocimagina diro sim. O caminho mais rpido para algo novo um telefonema, um e-mail, umacaixa com livros, um favor, um aniversrio de 30 anos.

    Certa vez recebi um biscoito da sorte que dizia: UM HOMEM SBIO CONSTRI A PRPRIA SORTE.Talvez a melhor coisa que possamos fazer para construir nossa prpria sorte aos 20 anos sejadizer sim aos nossos vnculos fracos ou dar-lhes um motivo para dizerem sim a ns. Aspesquisas mostram que a quantidade de pessoas em nossa rede social diminui ao longo davida adulta, medida que carreiras e famlias se tornam mais movimentadas e maisdefinidas.12 Portanto especialmente quando trocamos frequentemente de emprego, decolegas de quarto e de cidade , este o momento de nos conectarmos, no apenas comnossos semelhantes, mas com quem consiga ver as coisas de forma um pouco diferente. Osvnculos fracos melhoraro sua vida agora e repetidas vezes nos anos seguintes se voctiver a coragem de saber o que quer.

  • IO CONHECIDO IMPENSADO

    A incerteza sempre far parte do processode assumir o comando.

    HAROLD GENEEN, executivo

    A juventude no busca permissividade total, mas novas formas deenfrentar diretamente o que realmente importa.

    ERIK ERIKSON, psicanalista

    AN ME CONTOU QUE PASSOU SUA JUVENTUDE como se estivesse no meio do oceano, essa vastae indefinida extenso de gua. No conseguia ver terra firme em nenhuma direo, de

    modo que no sabia qual rumo tomar. Sentia-se esmagado pela perspectiva de que podianadar para qualquer lugar ou fazer qualquer coisa. Alm disso, ficou estagnado pelo fato deno saber qual das opes iria funcionar. Cansado e desesperanoso aos 24 anos, disse que sedebatia na gua para permanecer vivo.

    Enquanto eu ouvia Ian, comeava a me sentir um pouco desesperanosa tambm.Procuro, como dizem os psiclogos, entrar no mundo dos meus pacientes, mas a metfora

    do oceano de Ian era um problema real. Quando me imaginava ali com ele, com tantasdirees que pareciam as mesmas, nem eu conseguia encontrar uma boa soluo.

    Como que as pessoas se salvam do oceano? perguntei a Ian, sondando se ele tinhaalguma ideia de como poderia parar de se debater na gua.

    No sei ele disse, virando a cabea enquanto se concentrava. Eu diria que vocescolhe uma direo e comea a nadar. Mas no d para distinguir uma da outra, portantono possvel escolher. Voc nem sequer sabe se est nadando em direo a algo, ento porque consumir toda a sua energia tomando o rumo errado? Acho que tudo que voc podefazer esperar que aparea algum num bote ou coisa parecida... Ian concluiu, quasealiviado.

    Existe certo terror associado a dizer: Minha vida depende de mim. assustador perceber

  • que no existe mgica, que voc no pode ficar simplesmente esperando, que ningum poderealmente salv-lo e que voc precisa fazer algo. No saber o que se quer fazer da vida ouao menos no ter ideia de como agir uma defesa contra tal terror. uma resistncia aadmitir que as possibilidades no so infinitas. um meio de fingir que o agora no importa.Estar confuso quanto s opes no passa de uma esperana de que talvez exista um meio deviver a vida sem assumir o comando.

    Sendo assim, Ian esperava que algum viesse, o resgatasse e carregasse em uma direopredeterminada. Isso acontece o tempo todo. Talvez ele subisse a bordo com um grupo deamigos ou alguma namorada. Seguiria o rumo deles por um tempo e esqueceria sua vida umpouco mais. Mas eu sabia no que aquilo ia dar. Ian acordaria um dia numa terra distante,com um emprego ou vivendo num lugar que no teria nada a ver com ele. Estaria a ummundo de distncia da vida que subitamente perceberia querer.

    Com sua metfora do oceano, Ian fingia no haver uma vida especfica que desejasse. Eracomo se ele no tivesse passado, futuro, nem razo para seguir um caminho ou outro. Novinha refletindo sobre os anos que j havia vivido, nem pensava nos anos que ainda tinha frente. Como ele disse, aquilo impossibilitava uma tomada de atitude. Como Ian no sabiaque jovens que fazem escolhas so mais felizes do que aqueles que se debatem na gua,manteve-se confuso. Assim ficava mais fcil.

    Ian convivia com um grupo indeciso. Na loja de bicicletas onde trabalhava, seus amigosgarantiam que ele ainda no precisava tomar decises Ns no estamos tomando!, eles sevangloriavam. Tinham longas discusses sobre nunca se acomodarem nem se venderem, masl estavam fadados ao subemprego e sacrificando seus futuros. Suspeitei de que Ian tinha meprocurado porque de algum modo sabia que aquelas conversas estavam cheias de mentirasinvoluntrias.

    Quando ele conversava com os pais sobre sua vida sem rumo no oceano, ouvia outrasmentiras. Sua me e seu pai diziam: Voc o melhor! O cu o limite! Lembravam-no deque conseguiria fazer qualquer coisa que metesse na cabea. No entendiam que aqueleencorajamento vago no ajudava em nada. Em vez de coragem, gerava confuso.

    Jovens como Ian foram criados ouvindo comandos abstratos Persiga seus sonhos!,Pense grande! , mas com frequncia no sabem bem de que forma realizar tais coisas.No tm ideia de como conseguir o que querem e, s vezes, nem sabem o que querem.Quanto a isso, Ian me disse, quase desesperado: Minha me e todos os outros vivem medizendo que sou sensacional e que esto muito orgulhosos de mim. D vontade deperguntar: por qu? Em que exatamente me destaco?

    Longe de narcisisticamente apreciar o elogio da me, Ian j percebia havia muito que aspalavras dela eram genricas demais para significar grande coisa. E sentia-se ludibriado com motivo. A vida no ilimitada, nem Ian. Os jovens costumam dizer que gostariam deter menos opes, mas naquele momento Ian no possua tantas como disseram. E quanto

  • mais esperasse para agir, menos ainda ele teria. Quero que voc volte na semana que vem eu disse. A vamos sair do oceano. No a

    metfora certa. Vamos comprar geleia em vez disso.

    Existe um estudo clssico em psicologia conhecido como o experimento da geleia.1 Ele foiconduzido por uma pesquisadora chamada Sheena Iyengar, que, ento na Universidade deStanford, pensou que o mercado local seria um excelente lugar para entender como aspessoas fazem escolhas. Os auxiliares de pesquisa de Sheena se passaram por fornecedores degeleia e armaram mesas de degustao em uma delicatssen. Numa fase do experimento, seissabores de geleia ficaram disponveis para prova: pssego, cereja preta, groselha, marmelada,kiwi e coalhada de limo. Em outra, 24 sabores foram oferecidos: os seis j mencionados emais 18. Em ambas as fases, os clientes que fizessem a degustao poderiam depois usar umcupom para comprar um pote a um preo menor.

    A descoberta principal do estudo foi que a mesa com 24 sabores chamava mais ateno,mas resultava em menos compradores. As pessoas acorriam quela abundncia empolgantede sabores, mas logo se cansavam e desistiam totalmente de comprar geleia. Somente 3% dosque foram mesa de 24 sabores adquiriram o produto depois. J quem optou pela mesa deseis sabores teve mais facilidade em decidir qual pote preferia, e cerca de 30% deixou a lojacom um pote de geleia entre as compras.

    Na semana seguinte, contei a Ian sobre o experimento e perguntei se ele estaria se sentindosufocado demais pelas supostas possibilidades da vida para escolher uma delas.

    Eu me sinto sufocado porque poderia fazer qualquer coisa na minha vida ele disse. Ento vamos falar de coisas concretas, como escolher geleia. Estou na mesa de seis sabores ou na de 24? Excelente pergunta. Acho que parte de tomar uma deciso aos 20 e poucos anos

    perceber que no existem 24 sabores mesa. Isso um mito. Por qu? Pessoas na sua faixa etria ouvem que esto diante de uma srie ilimitada de opes. Ser

    informado de que voc pode fazer qualquer coisa ou ir a qualquer lugar como estar nooceano que voc descreveu ou diante da mesa com os 24 sabores. Mas ainda no conheci umjovem que disponha de 24 opes realmente viveis. Cada um pode escolher entre seissabores, na melhor das hipteses.

    Ian me fitou aturdido, de modo que prossegui: Voc passou mais de duas dcadas moldando quem . Tem experincias, interesses,

    foras, fraquezas, diplomas, preocupaes, prioridades. Voc no saltou neste momento noplaneta ou, como voc diz, no oceano. Os ltimos 25 anos so relevantes. Voc est diantede seis sabores de geleia e sabe se prefere kiwi ou cereja preta.

    Quero apenas que as coisas sejam timas Ian disse. Quero que tudo funcione.

  • Voc est sendo vago, evitando saber o que j sabe. Ento a senhora acha que j sei o que eu devo fazer? Acho que sabe algo. Acho que h realidades. Vamos comear por elas. Ento vou ter que me imaginar ganhando na loteria... Como assim? s vezes voc se pergunta o que faria da vida se isso acontecesse, e a que descobre o

    que realmente quer. Esta no a pergunta certa reagi. No condiz com a realidade. Ela pode fazer voc

    pensar o que faria se talento e dinheiro no importassem. Mas importam. A pergunta que osjovens precisam fazer a si prprios o que fariam de suas vidas se no ganhassem na loteria.O que voc seria capaz de fazer suficientemente bem para sustentar a vida que deseja? E oque voc curtiria o bastante para no se importar em trabalhar naquilo de uma forma ou deoutra ao longo de anos?

    No sei responder. Isso no pode ser verdade.

    Nos meses seguintes, Ian contou-me sobre suas experincias no trabalho e na faculdade.Por um longo tempo, apenas ouvi. Ian falava, e ambos ouvamos o que ele dizia. Dali apouco, voltei a informaes especficas sobre o que ouvira e vira. Houve um interesse precocepor desenho. Um amor na infncia por LEGO e construo. Uma faculdade de arquiteturaque havia comeado, mas no terminara, porque aquilo parecera arcaico demais. Ele segraduou em cincias cognitivas porque gostava de tecnologia e percepo. Percebi um Ianbem desenvolto falando sobre seu desejo de criar alguns tipos de produto.

    Ele acabou refletindo sobre todas as opes que lhe pareciam disponveis. Reuniu seissabores tangveis de geleia, seis coisas que poderia comear a fazer:

    A: eu poderia continuar trabalhando na loja de bicicletas, mas seria meio torturante. Seique a coisa errada a se fazer. Meu gerente j passou dos 40 e algo nisso realmente meincomoda. B: estudar direito. Meus pais vivem dizendo que isso que eu deveria fazer, maseu no quero prestar vestibular e detesto ler e escrever, e acho que tem muito disso nessecurso. C: agora que tem tanto design na internet, isso me interessa, tal como a interface entreele e a tecnologia. Eu me candidatei a um programa de trainee em design digital emWashington alguns anos atrs. Foi para uma empresa que recebe um monte de alunos deps-graduao e meio que os treina para lan-los no mercado. Eu queria ter feito aquilo,mas no fui aprovado. D: ter aulas de rabe e fazer algo como, digamos, relaesinternacionais ou coisa do tipo, e talvez ser enviado a algum lugar no exterior. Mas isso nopassa de uma ideia. Eu me inscrevi num curso um tempo atrs, mas nunca fui l. E: visitarmeu amigo no Camboja para ganhar mais algum tempo, mas meus pais esto fartos de mever fazendo isso. F: ir a St. Louis passar um tempo com minha ex-namorada. Ela no perde

  • um episdio de Greys Anatomy e diz que ns dois deveramos fazer uma ps. Mas eu s fizduas matrias relativas a cincia na faculdade, e no me sa muito bem nelas. De qualquermodo, isso talvez soe mal, mas no consigo nem encar-la enquanto no resolver sozinhoesse problema do trabalho.

    (No soou mal. O trabalho na frente do amor. Eu j ouvira aquilo de outros jovens especialmente do sexo masculino muitas vezes antes.)

    Ao refletir sobre suas opes reais, Ian deparou com a verso dos 20 anos do que opsicanalista Christopher Bollas denomina conhecido impensado:2 o que sabemos sobre nsmas de algum modo esquecemos. So os sonhos que perdemos de vista ou as verdades quetemos, mas no externamos. Talvez no explanemos o conhecido impensado para outraspessoas por temermos o que poderiam pensar. Ou, ainda mais frequente, pelo que significarento para ns.

    Ian fingia que no ter ideia sobre o que fazer era a parte difcil quando, bem no fundo,acho que ele sabia que fazer uma escolha d incio a uma incerteza real. A incerteza maisapavorante desejar algo mas no saber como obt-lo. se esforar por algo mesmo que noseja seguro. Quando fazemos escolhas, abrimo-nos para o trabalho rduo, o fracasso e osofrimento, de modo que s vezes parece mais fcil no saber, no escolher e no fazer.

    Mas no . Ian, no dia em que o conheci, voc disse que estava no meio do oceano. Tive a impresso

    de que no havia nada em particular que desejasse fazer, como se no tivesse ideia algumado que queria. Voc no estava deixando voc mesmo conhecer seus prprios pensamentos.Existe algo que voc quer. Quer tentar algo em design digital.

    Eu no sei... Ian disse de forma evasiva.Nesse momento surgiram todas as dvidas contra as quais o desconhecimento de Ian vinha

    se defendendo. Mas eu no sei como obter um emprego em design digital... Eu sei. E se eu conseguir e depois mudar de ideia? Ento voc far outra coisa. Este no o nico pote de geleia que voc ter para comprar. Mas se eu for atrs e no der certo terei desperdiado essa opo. No, voc ter se informado melhor sobre ela. Questes importantes permanecem mesmo

    aps sua escolha: voc consegue ganhar a vida fazendo isso? Gostar do trabalho? So coisasque voc precisa descobrir.

    Fico estagnado pensando que preciso saber se determinada tentativa funcionar. Parecemais seguro no escolher.

    No fazer escolhas no seguro. As consequncias viro mais frente, nos seus 30 ou 40anos.

  • No paro de pensar que meus pais diro que eu deveria fazer algo mais prestigioso, comodireito. Ou acho que deveria fazer algo mais interessante, como estudar rabe. No queroque minha vida seja um pote de geleia. Isso seria entediante.

    Isso tambm o que o impede de saber o que voc no fundo sabe e agir com base nisso. o que chamamos de tirania dos deverias.

    Mais sobre Ian adiante.

  • A

    MINHA VIDA DEVERIA PARECER

    MELHOR NO FACEBOOK

    O perfeito inimigo do bom. VOLTAIRE, escritor e filsofo

    Se quisssemos apenas ser felizes, seria fcil; mas queremos ser mais felizesdo que as outras pessoas, o que quase sempre difcil, porque as

    imaginamos mais felizes do que so. CHARLES DE MONTESQUIEU, filsofo

    CHO QUE ESTOU TENDO UM colapso nervoso Talia disse ao irromper em lgrimas. Um colapso nervoso? perguntei, sem jamais t-la visto antes. Voc pode me

    explicar como isso?Talia me envolveu numa torrente de palavras e soluos. Me formei na faculdade quase dois anos atrs. Por algum motivo ridculo, sa de l

    achando que iria embarcar na melhor poca da minha vida. Eu havia enlouquecido commeu perfeccionismo por quase 15 anos e via o que eu at ento no tinha explorado como afuga perfeita daquela tortura. Infelizmente, as noites sem fim nas baladas e a liberdade defazer o que eu queria no se mostraram to fabulosas quanto eu esperava.

    Ela procurou um leno de papel na bolsa. Aps alguns meses, eu estava vivendo solitria e depressiva em San Francisco. A maioria

    dos meus amigos se dispersaram pelo pas, e o mais prximo deles, com quem eu estavamorando, subitamente deu uma guinada na vida e me abandonou. Passei dias na internetem busca de emprego e indo para a academia. Sinto como se eu estivesse entrando emcolapso. No consigo dormir. Choro o tempo todo. Minha me acha que preciso demedicao.

    Ouvi mais um pouco. E estes deveriam ser os melhores anos da minha vida! E so?

  • Sim ela disse, desta vez parecendo um tanto insegura. Pela minha experincia, estes so os anos mais incertos e esto entre os mais difceis da

    vida. Por que ningum diz isso para ns?! Talvez no ajude em nada, mas estou dizendo agora. Me sinto um grande fracasso. Na escola tinha uma frmula. Era muito fcil saber o que

    fazer, portanto voc sabia se estava bem ou no, de acordo com o prprio potencial. s vezespenso que eu deveria fazer uma ps-graduao porque pegaria bem e eu poderia de novoobter notas dez, o que no sei como fazer nos meus 20 anos. Sinto como se eu estivessefalhando pela primeira vez.

    O que uma nota dez significaria neste momento? Sei l. A que est o problema. Sinto que no deveria estar pior do que... Pior do que...? Acho que eu pensava que a vida deveria ser espetacular, qualquer que seja a definio

    desta palavra. Espetacular era tirar dez quando eu estava na escola. Depois achei que talvezfosse ter algum emprego ou um namorado incrvel. Achava que minha vida seriamaravilhosa! Que o amor me proporcionaria vrios gestos espetaculares. O trabalho deveriafazer as pessoas dizerem Uau!, mas no o que acontece.

    Claro que no. Mas olhe o Facebook! Estes deveriam ser meus dias de glria.

    Voc se surpreenderia com o nmero de horas por semana que passo ouvindo sobre oFacebook. Muitos pacientes sentem que, por meio dele, suas vidas so avaliadas, atjulgadas, diariamente. Admitem com relutncia que ao longo de horas ficam postando fotose comentrios, percorrendo-os repetidas vezes, tentando ver como os outros vero a prpriapgina. Imaginam a reao de ex-namorado(a)s ao verem sua aparncia atual. Um dos meuspacientes ri do que denomina sua autopublicidade no