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FLÁVIA MARIANO DA SILVA A IDÉIA DE SERTÃO EM JOSÉ DE ALENCAR: UM ESTUDO A PARTIR DE O SERTANEJO Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT Instituto de Linguagens - IL Cuiabá-MT 2010

A IDÉIA DE SERTÃO EM JOSÉ DE ALENCAR: UM ESTUDO A … · de Mato Grosso - UFMT, ... A presente dissertação tem como objetivo compreender a idéia de ... a identidade somente

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FLÁVIA MARIANO DA SILVA

A IDÉIA DE SERTÃO EM JOSÉ DE ALENCAR: UM ESTUDO

A PARTIR DE O SERTANEJO

Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT Instituto de Linguagens - IL

Cuiabá-MT 2010

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FLÁVIA MARIANO DA SILVA

A IDÉIA DE SERTÃO EM JOSÉ DE ALENCAR: UM ESTUDO

A PARTIR DE O SERTANEJO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Mestrado em Estudos de Linguagem da Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Estudos Literários. Área de concentração: Literatura e Realidade Social Orientadora: Profª Drª Sirlei Aparecida Silveira

Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT Instituto de Linguagens - IL

Cuiabá - MT 2010

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S586i Silva, Flávia Mariano da

A idéia de sertão em José de Alencar: um estudo a partir de o Sertanejo / Flávia Mariano da Silva. – 2010.

97 f.

Orientadora: Profª. Drª. Sirlei Aparecida Silveira. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de Linguagens, Pós-graduação em Estudos de Linguagem, Área de Concentração: Literatura e Realidade Social, 2010. Bibliografia: f. 94-97. 1. Literatura brasileira – História e crítica. 2. Alencar, José de, 1829-1877 – Crítica e interpretação. 3. Crítica literária. I. Título.

CDU – 821.134.3(81).09(043.3)

Ficha elaborada por: Rosângela Aparecida Vicente Söhn

– CRB-1/931

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DEDICATÓRIA

À MINHA FAMÍLIA,

VALDIR, MARIA DE FÁTIMA E FABRÍCIO.

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AGRADECIMENTOS

À Capes, pela concessão da bolsas de estudos, sem a qual este trabalho estaria

inviabilizado;

Aos meus amigos por me manterem perseverante;

Ao meu amor, pelo colo e carinho;

Aos professores, pelas sugestões e questionamentos tão pertinentes;

À minha orientadora, pela paciência e pelo estímulo durante meu percurso

intelectual, o meu

muito obrigada!

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RESUMO

SILVA, F. M. A Idéia de Sertão em José de Alencar: um estudo a partir de O

Sertanejo.

A presente dissertação tem como objetivo compreender a idéia de sertão presente

no romance O Sertanejo (1875) de José de Alencar, a partir da perspectiva de se

pensar o Brasil naquele período. Busca-se dentro do texto alencariano o percurso

dos elementos que formam uma proposição de brasilidade, construída através do

espaço que é o sertão e do personagem herói do romance, Arnaldo. Parte-se da

seguinte premissa: o „sertão‟ foi uma categoria construída ao longo da história, por

meio de várias narrativas que, ao longo do tempo formataram a sua imagem. A partir

de então buscamos identificar, no referido romance, quais os assuntos abordados

por José de Alencar na sua construção. Para tanto, partimos de um eixo na análise

da referida obra: consideramos o „sertão‟, espaço literário criado pelo autor, como

representante de um território nacional. Argumentamos, na análise, que José de

Alencar compreendia o sertão, nesse momento, como o espaço da conquista, do

movimento, o espaço que estava em fase de descobrimento e construção. Em

comunhão com os temas e assuntos da estética romântica, Alencar constrói um

quadro grandioso, na busca da pureza e das origens de um espaço ainda

inexplorado, um espaço que servia para afirmar a diversidade e a superioridade do

Brasil em relação aos países do Velho Mundo.

Palavras-Chave: Identidade; Sertão; Imaginário Brasileiro.

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RESUMÉN

SILVA, F. M. La Idea de Sertão en José de Alencar: un estudio a partir de El

Sertanejo.

La presente disertación tiene como objetivo comprender la idea de sertão

establecida, a partir de la perspectiva de se pensar el Brasil, en el romance El

Sertanejo (1875) de José de Alencar. Buscase dentro del texto alencariano el

trayecto de los elementos que formán una proposición de brasilidad, establecida a

través del espacio que es el sertão y de lo personaje heróe del romance, Arnaldo.

Partese de la seguinte premisa: el „sertão‟ fue una categoria establecida en el

transcurrir de la historia a través de diversas narrativas que fueran creando su

imagen, siendo así, buscamos identificar en el referido romance cuales los asuntos

utilizados por José de Alencar en su construción. Para tanto, partimos de un eje en

la análisis de la referida obra: consideramos el „sertão‟, espacio literario creado por el

autor, como representante de un territorio nacional. Argumentamos, en la análisis,

que José de Alencar comprendia el sertão, en ese instante, como el espacio de la

conquista, del movimiento, del espacio que estaba en fase de descubrimiento y

construción. En comunión con los temas y asuntos de la estética romantica,

establece un cuadro grandioso, en la busca de la pureza y de las origenes de un

espacio todavia inexplorado que servia para firmar la diversidad y la superioridad del

Brasil en relación a los países del Viejo Mundo.

Palabras Clave: Identidad; Sertão; Imaginario Brasileño.

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SUMÁRIO

Introdução...............................................................................................................08

Capítulo 1

Nas Tramas e Caminhos d’O Sertanejo e a Configuração do Sertão.............. 16

1. O Sertanejo: trama e estrutura.................................................................. 19

2. Pensando a Categoria Sertão.....................................................................26

3. Reflexões Sobre a Idéia de Sertão n’O Sertanejo.....................................29

3.1 O Espaço Geográfico............................................................................30

3.2 O Espaço Sócio-Histórico.....................................................................37

3.3 O Espaço Mítico e a Configuração do Herói.......................................41

Capítulo 2

A Brasilidade Romântica.......................................................................................48

4. O Romantismo Alencariano.......................................................................57

5. As Pessoas de Alencar...............................................................................60

Capítulo 3

Alencar e a Formação da Identidade Nacional....................................................69

6. O Regionalismo em José de Alencar........................................................78

Considerações Finais............................................................................................91

Fontes Bibliográficas.............................................................................................94

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INTRODUÇÃO

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Este trabalho tem por objetivo estudar o romance O Sertanejo (1875), de José

de Alencar, a partir da seguinte premissa: o „sertão‟ foi uma categoria construída ao

longo da história por meio de várias narrativas que foram conformando a sua

imagem. A partir dessa idéia buscamos identificar quais os temas abordados por

José de Alencar na construção do romance em pauta. Lê-se o romance a partir das

relações entre os personagens e o espaço do sertão e analisa-se como Alencar

reitera uma proposição de brasilidade e de formação da nação brasileira já

percebida em seus primeiros romances indianistas, porém nesse momento

construída através do espaço que é o sertão e do personagem herói do romance,

Arnaldo.

A partir da leitura de O Sertanejo um detalhe me chamou a atenção e, aos

poucos, foi ganhando densidade até transformar-se em problemática de

investigação desta dissertação: Arnaldo, ora é servo absoluto do Capitão-Mor

Gonçalo Pires Campelo, ora comporta-se como um rebelado frente às ordens dadas

pelo referido capitão. O que significava na ordem do romance e que nuanças

produzia essa atitude oscilante entre vassalagem e rebeldia me coube investigar. O

fato além de imprimir-me certa inquietação levou-me a pensar sobre outras questões

imbricadas na produção e no próprio pensamento alencariano.

Olhei, então, para o modo como se dava a construção do espaço romanesco

da obra e como esse espaço incidia nas relações entre os próprios personagens e

entre os personagens e o espaço. Surgiu assim, um enorme panorama que

englobava várias outras discussões acerca desse processo, dentre elas o debate

sobre cultura brasileira e sobre identidade nacional. A leitura do romance remete-

nos, ainda, a questões sobre o modo pelo qual se articulam os diferentes saberes

presentes em sua composição. Por exemplo, como compreender e relativizar os

subsídios que denotam a incorporação do sertão e do sertanejo como elementos

identitários da literatura romântica, relacionados ao processo histórico brasileiro do

século XIX. Nas palavras de José Maurício Gomes de Almeida, O Sertanejo, no

conjunto da obra de Alencar e no cenário da literatura brasileira, representa o

[...] desejo de substituir o mito indianista, então em acentuado processo de desgaste, pelo mito sertanista na busca de arquétipos com que se pudessem identificar as aspirações nacionalistas tão atuantes no Romantismo brasileiro. (Almeida, 1981, p. 49-50)

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No seio desta discussão destacamos o surgimento da literatura romântica

brasileira, nas primeiras décadas do século XIX,1 como resposta aos desafios

impostos pelo processo de independência e o debate sobre a construção do país e

da nação brasileira. O culto ao nacionalismo não é um elemento original do Brasil, é

parte do ideário romântico europeu transplantado para cá. Todavia, o fato é que o

nacionalismo de origem européia assume em solo brasileiro uma feição própria ao

se associar à luta pela afirmação do novo país (Almeida, 1981).

No caso do Brasil, principalmente após sua independência, a diferença que

deveria ser marcada era em relação a Portugal. O país recém criado teria que se

diferenciar da metrópole, pois a condição de país independente trouxe à tona a

discussão sobre a identidade nacional que, naquele contexto, não deveria ser

portuguesa, mas tampouco indígena, e muito menos africana. É o que argumenta

Mercer, “[...] a identidade somente se torna uma questão quando está em crise,

quando algo que se supõe como fixo, coerente e estável é deslocado pela

experiência da dúvida e da incerteza” (Mercer apud Hall, 2006, p. 8). O Brasil do

início do século XIX tinha dúvidas a serem superadas, incertezas que esperavam ser

substituídas por certezas tanto em relação à construção e a afirmação de sua

identidade nacional quanto em relação à construção de uma literatura nacional.

Cabe ressaltar que no Brasil a literatura funcionou como elemento discursivo

na meta-narrativa nacional, como importante veículo divulgador e fomentador da

identidade nacional e da própria idéia de nação construída ao longo de nossa

história. Nesse contexto observa-se a presença de intelectuais atuantes e engajados

no projeto de construção da nacionalidade, dentre eles destacamos José Martiniano

de Alencar, nascido em Messejana-Ceará, em 1 de maio de 1829, como participante

ativo do Romantismo brasileiro. O modo pelo qual José de Alencar pensa a

construção da nação e de sua identidade mostra-se como reflexo da postura

adotada pelo escritor frente ao processo histórico vivido pelo Brasil desde seu

1 Alguns estudiosos, dentre os quais Alfredo Bosi (2006) e Antonio Candido (2006), definem o período

compreendido entre 1836-1867 como os anos do romantismo no Brasil.

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descobrimento, no século XVI. O escritor é fiel a interpretação que elabora sobre o

país e a sua gente até a sua morte, em 1877 no final do século XIX.

Na histórica da Literatura brasileira poucos escritores produziram julgamentos

tão contraditórios quanto José de Alencar. Como aponta o crítico Massaud Moisés

“[...] ora o julgam „genial‟, „magistral‟, „figura descomunal, fundida com as montanhas

e entestando com as nuvens‟, ora fazem dele um secundário contador de patranhas

de índios e vaqueiros” (1995, p. 88).

José de Alencar foi considerado pelos estudiosos, seus contemporâneos, sob

estas duas perspectivas, utilizadas até hoje nos estudos sobre o autor. A primeira

que vê o escritor apenas como um simples romântico, cuja imaginação sobrepuja

toda a realidade a sua volta, ou seja, compreende-o como um autor que somente

cria tipos e paisagens sem qualquer relação com a realidade que o cerca. A

segunda vertente trata o escritor como um gênio do romance e da imaginação. O

fato é que para compreender José de Alencar é importante considerá-lo como um

intelectual ligado ao seu tempo, um autor que lançava mão das teorias em voga para

expressar o seu pensamento, com atuação em várias frentes da vida social e política

do país, porém, todas elas filiadas aos projetos de construção da identidade nacional

brasileira. Este trabalho opta por esta última maneira de compreendê-lo, ou seja,

entendendo-o como o escritor que “[...] respondia aos apelos e necessidades de seu

tempo, não do nosso!” (Almeida, 1981, p. 29), com suas limitações de pensamento e

ideologia. Como integrante ativo do Romantismo e autor de uma extensa obra que

se distribuí entre poesia, romance, dramaturgia, crônica, ensaios literários e escritos

políticos, tornou-se um intelectual de referência para o estudo da literatura, da

construção da identidade nacional e do próprio pensamento social brasileiro.

No decorrer de sua vida, José de Alencar, não foi apenas o romancista mais

importante do movimento romântico, ao menos no Brasil, ou um crítico ferrenho aos

escritores que, a seu ver, não utilizavam o que o país lhes oferecia como inspiração

para sua poesia. Entre os literatos de sua época destacou-se como o intelectual

mais atuante, trabalhando em várias frentes da vida social, cultural, política e

econômica do Brasil de então. Esse perfil múltiplo de José de Alencar estimulou a

realização de vários estudos sobre a sua produção literária, sua produção crítica ou

político-econômica. Compreender as dimensões inscritas na trajetória artística,

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intelectual e política desse escritor brasileiro tem sido, desde antes de sua morte, um

desafio para muitos. Este trabalho não foge à regra.

Neste particular ressalto: durante o meu curso de graduação em Letras tomei

contato com um José de Alencar sob uma perspectiva diferente daquela em que o

conheci quando dos meus estudos no ensino médio. Considerando-o como um

escritor que atuou na construção da literatura brasileira e da identidade nacional

verifiquei, durante a graduação, o cunho marcadamente ideológico presente em

suas obras literárias. Dessa imersão nas idéias, ações e projetos de José de Alencar

nasceu a vontade de seguir a diante no estudo da sua produção literária, a fim de

compreender os vínculos de sua obra com a realidade social brasileira da época em

que viveu.

Um dos primeiros aspectos notáveis nas obras literárias alencarianas, para

além da constante defesa do direito de falar e escrever não mais na língua da

metrópole portuguesa e de eleger o índio como símbolo de uma nacionalidade, está

a sua preocupação em retratar a própria realidade social. Essa particularidade

presente nos trabalhos deste autor revela-nos não somente como Alencar

reproduziu uma realidade social, mas como realizou esta reprodução, inclusive e

principalmente recriando-a. O que seria, no entanto, uma simples (re) criação da

realidade, mostrou-se, ao longo das leituras e pesquisas que realizamos, ser um

problema acerca do próprio modo de pensar e do contexto histórico-literário em que

o romancista insere-se.

Lúcia Lippi Oliveira (1990) afirma que a obra de José de Alencar expressa, de

forma privilegiada, a geração romântica e a tensão entre o singular e o universal.

Esta tensão leva-nos a uma discussão que se mostra recorrente na literatura

romântica: a construção da identidade nacional. Analisando a dialética entre o

universo local e o universo cosmopolita, Antonio Candido (2006) afirma que

Romantismo e Modernismo representam fases culminantes de particularismo

literário desse processo. Ocorre que no período do Romantismo, contexto histórico-

literário no qual Alencar se filia, há uma crescente preocupação com o nacionalismo

e a busca de uma identidade nacional, pois, se o Brasil era um país independente,

logo teria, também, que possuir uma literatura independente (Candido, 2007, p.

119).

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Com a procura por “superação” e “afirmação” e o crescente nacionalismo de

escritores em suas obras literárias percebe-se, em O Sertanejo (1875), objeto de

análise deste estudo, como José de Alencar representa virtudes de uma sociedade

inteira, conferindo aos seus personagens e ao espaço literário do romance o caráter

simbólico representativo de uma idéia, de um discurso - particular do autor ou de

uma época – daquilo que viria a ser uma nação, um povo, um jeito de ser brasileiro,

ou a definição de sua identidade. O fato é: José de Alencar elege o sertão do Ceará

como espaço propício para o desenvolvimento de seu romance, lugar que, na

concepção do escritor, ainda não fora corrompido pelo modo de vida dos centros

urbanos e industrializados.

No instante em que buscamos através de uma obra – O Sertanejo – olhar as

tensões entre a literatura e a realidade social, é importante pensarmos a literatura

como um produto da sociedade que traz consigo questões importantes, complexas e

indissociáveis como o vínculo do autor com o seu tempo, a posição que este ocupa

na sociedade, até a forma e o conteúdo da obra. Esta tensão entre a mediação da

realidade e a obra vai muito além de conceber a arte literária somente como produto

espontâneo da genialidade humana ou, por outro lado, compreendê-la apenas como

cópia fiel da realidade, pois o processo de criação perpassa as noções sociais

vividas e adquiridas pelo autor no seu mundo social, mas que ele altera através de

sua imaginação e subjetivação. Ou seja, “[...] só é válido afirmar que o texto literário

reproduz a realidade se se entende que reproduzir significa, literalmente, produzir de

novo, ou seja, em um gesto que é, de certo modo, repetição, gerar uma realidade

diferente” (Santos; Oliveira, 2001, p. 73). Daí considerar que o processo de criação

não constitui-se em algo inerente a realidade, mas um processo que altera um

conteúdo original ao mesmo tempo em que faz parte deste, portanto, trata-se um

processo dialético.

Em O Sertanejo, último romance escrito por José de Alencar, o escritor

praticou a forma mais acabada daquilo que se chama de regionalismo romântico.

Antes de escrevê-lo realizou algumas pesquisas sobre a poesia popular em sua terra

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natal, mais precisamente em Fortaleza, no Ceará.2 Como parte integrante de um

grande painel pintado pelo escritor ao longo de sua vida literária, O Sertanejo

representa o que ocorria no então Brasil do período imperial, uma vez que naquele

momento o país dividia-se em regiões nitidamente marcadas: o Norte, o Centro e o

Sul. Diante dessa configuração espacial e sócio-política Alencar desloca o seu

interesse pelo geral nacional para o geral regional. Em O Sertanejo focaliza os

aspectos da vida do interior, seus hábitos, costumes e tradições.

A região descrita no último romance de Alencar é a região dos sertões, os

sertões do Ceará, zona hostil e com sua particular pecuária. Nela está o vaqueiro,

seu legítimo representante, que sem moradia fixa vagueia pela região sertaneja,

caracterizada por uma natureza dura. O romance tem típicos traços das antigas

novelas de cavalaria, desde o típico herói com características de um cavalheiro

medieval, encarnado na figura do protagonista, o sertanejo Arnaldo, até as maiores

aventuras vividas por este personagem em cavalgadas e montarias.

Neste sentido, para compreender como José de Alencar, por intermédio de

um de seus romances, construiu a idéia de sertão presente até hoje no imaginário

coletivo brasileiro fez-se necessário a divisão desta dissertação em três capítulos.

No primeiro capítulo, intitulado Nas Tramas e Caminhos d’o Sertanejo e a

Configuração do Sertão, analisamos, a partir da decomposição da trama e da

estrutura da obra, os temas apresentados por Alencar na construção da imagem de

sertão. Para isso partimos de uma revisão teórica sobre o conceito de sertão e sua

aplicação nas ciências humanas e sociais.

No segundo capítulo, denominado A Brasilidade Romântica, discutimos as

especificidades do romantismo alencariano, levando em consideração o modo pelo

qual o romantismo brasileiro foi construído e praticado. Para isso fez-se necessária a

recuperação do debate não somente da produção literária do escritor, mas, também,

de aspectos do Alencar político e jornalista.

Finalmente, por tratar-se, O Sertanejo, de uma ficção regionalista e,

principalmente, em razão do romance apresentar uma maior intenção nacionalista,

em Aspectos da Formação da Identidade Nacional, terceiro capítulo da dissertação,

2 De suas pesquisas originaram-se, mais tarde, os apontamentos realizados por Alencar em cartas

dirigidas a Joaquim da Serra, nominadas pelo escritor de O Nosso Cancioneiro.

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abordamos o processo de construção da identidade nacional no Brasil, via produção

literária, com destaque para o lugar que o regionalismo, especialmente o

regionalismo romântico de José de Alencar ocupou nesse contexto.

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CAPÍTULO I

Nas Tramas e Caminhos d’O Sertanejo e a Configuração do Sertão

O Sertanejo é um fragmento do grande mural da nacionalidade que J. de Alencar realizou em sua obra de romancista, embora sem tempo de

completá-lo. (Manoel Cavalcanti Proença, O Sertanejo, 2007, p. 7).

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A transferência da Família Real portuguesa para o Brasil, em 1808, ocasionou

importantes transformações na realidade da então Colônia, dentre elas a

urbanização da cidade do Rio de Janeiro que, se tornou um ambiente propício à

propagação das idéias européias em voga naquela época. A partir dessas

transformações a colônia portuguesa começa uma caminhada, permeada por

inúmeros acontecimentos, que culminariam na proclamação de sua Independência

no ano de 1822. Em meio ao alvoroço de um país recém independente, surge o

Romantismo brasileiro, intimamente ligado a todo o processo de independência

política.

José de Alencar foi um dos muitos escritores que buscou, por meio da

produção literária, construir uma identidade nacional para o país. Entretanto, o modo

como esse espírito alencariano de configuração da identidade nacional surgia em

meio a uma realidade tão imprecisa possui alguns limites de temas e tratamentos.

Eram três, pelo menos, os problemas enfrentados acerca desta delimitação. O

primeiro deles era o fato do Brasil não possuir uma Idade Média, assim como os

países europeus, ou seja, um passado glorioso que pudesse ser cantado pelos

poetas daqui; o segundo era em relação à miscigenação ocasionada entre os

nativos, os portugueses e os negros; o terceiro tratava-se de dois processos

conflituosos que marcaram a história brasileira: o modo pelo qual o país foi

colonizado e a escravidão durante o século XIX.

Ao buscar a identidade nacional do país, José de Alencar não se vale do

modo conflituoso e sangrento que foi a colonização, nem tampouco do cenário

brasileiro do século XIX, marcado pela escravidão. Uma vez que não havia um

passado glorioso a ser cantado e que o presente não proporcionava a grandeza que

se buscava para a nação, ambos não poderiam fazer parte dos temas eleitos para o

tipo de literatura que Alencar almejava. Desse modo, o índio de Alencar não

configura como rebelde em sua literatura, mas sim como um súdito fiel que “[...]

entra em íntima comunhão com o colonizador” (Bosi, 1992, p. 177), como nos

mostra Alfredo Bosi em sua análise sobre o indianismo de Alencar. Para o teórico

Alencar constrói um tipo de conciliação que “[...] viola abertamente a história da

ocupação portuguesa no primeiro século, toca o inverossímil no caso de Peri, enfim

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é pesadamente ideológica como interpretação do processo colonial” (Bosi, 1992, p.

179).

No tocante à escravidão, importa refletir sobre o pensamento conservador de

José de Alencar bem como o modo de pensar da classe política dominante brasileira

nos anos do Império e, ainda, como o Brasil conseguiu manter por tanto tempo a

estrutura da grande propriedade fundiária e escravista. Lado a lado com a questão

da escravidão está o problema da miscigenação que aplainava no Brasil de então.

Ao discutir como a um só tempo o Brasil, de 1870 a 1930, conseguiu ser liberal e

racista Lilia Moritz Schwarcz em O Espetáculo das Raças mostra que:

Em finais do século passado o Brasil era apontado como um caso único e singular de extremada miscigenação racial. Um „festival de cores‟[...] na opinião de certos viajantes europeus, uma „sociedade de raças cruzadas‟ [...] na visão de vários intelectuais nacionais; de fato, era como uma nação multiétinica que o país era recorrentemente representado. Não são poucos os exemplos que nos falam sobre esse „espetáculo brasileiro da miscigenação‟. (Schwarcz, 1993, p. 11)

De fato havia um espetáculo de miscigenação no Brasil, porém, a

problemática estava no fato de que o negro também configurava em cena. Mas

como considerá-lo como partícipe desse contexto se sua realidade era a da

escravidão? Se o negro pudesse ser considerado como uma raça que também,

assim como a do branco e a do índio, formava o Brasil, a sua condição de escravo

mostrava justamente o contrário. Se elevado ao patamar de poder ser representante

do brasileiro, o negro levaria consigo todos os anos vergonhosos da escravidão, e

mais, dar a ele esse papel poderia representar uma ameaça vigente à economia

brasileira que, de fato baseava-se na estrutura econômica que se tornou a

escravidão durante o século XIX.

A concepção que Alencar tem do processo colonizador, da questão das

raças e da escravidão somado às suas leituras de romances de cavalaria da

literatura européia deságua no modo como ele constrói seus enredos e seus

personagens. No que tange ao seu primeiro tipo de literatura, a indianista, ele “[...]

na sua representação da sociedade colonial dos séculos XVI e XVII submete os

pólos nativo-invasor a um tratamento antidialético pelo qual se neutralizam as

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oposições gerais” (Bosi, 1992, p. 180), ou seja, o índio em uma imolação voluntária

convive amigavelmente com o colonizador português.

Problematizar a literatura indianista de Alencar é importante para pensarmos

sua relação com o surgimento da temática do sertanismo, desenvolvida pelo escritor

em O Sertanejo. Na medida em que o indianismo - a primeira forma mais cabal de

expressão do nacionalismo na literatura romântica no Brasil – enquanto potencial de

representação mítico-heróica vai se esgotando, muito devido a pesada crítica que

sofreu, surge outro tipo de representante da nacionalidade brasileira: o sertanejo, o

homem do interior, o mestiço, mas não qualquer tipo de mestiço.

De fato, a mesma força motriz que moveu a criação do indianismo é a que

moverá a criação do sertanismo, qual seja: o anseio de afirmação nacional. Porém,

assim como o indianismo foi marcado pela representação não do índio, mas por um

determinado tipo de índio e por um determinado tipo de natureza, também, o

sertanismo será marcado pela escolha de um determinado tipo de miscigenação, a

do branco com o índio. Dentro dessa lógica exclui-se o negro desse processo; e o

sertão configurado não é qualquer um, é o sertão róseo e ameno.

1. O Sertanejo: trama e estrutura

Dezoito anos separam a escritura d‟O Sertanejo (1875) da publicação d‟O

Guarani (1857), e mais, durante esse intervalo, Alencar escreveu Lucíola (1862) e

Senhora (1875), ambos romances urbanos que retratam a vida na Corte do Rio de

Janeiro e que, demonstram como Alencar conseguiu tratar das relações humanas

num nível considerável de reflexão. Naquele, o escritor conta a história romântica de

Lúcia e Paulo, sendo ela uma cortesã de luxo e ele um rapaz do interior que vem

conhecer a Corte; neste retrata a história de Aurélia e Fernando Seixas e a venda de

um marido a uma esposa milionária. Para o crítico Antonio Candido, em Formação

da Literatura Brasileira, trata-se aqui de um José de Alencar que trabalha temas

profundos ou mesmo do Alencar dos adultos formado “[...] por uma série de

elementos pouco heróicos e pouco elegantes, mas denotadores dum senso artístico

e humano que dá contorno aquilino a alguns dos seus perfis de homem e de mulher”

(2007, p. 540).

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Em Lucíola (1862) e Senhora (1875) Alencar trabalha com o desnivelamento

nas posições sociais ligadas ao nível econômico e ainda como esse desnivelamento

vai afetar a própria afetividade dos personagens (Candido, 2007), deixando de

praticar o idealismo extremado de seus primeiros romances e construindo assim

excelentes quadros de conflitos psicológicos. No caso de Lucíola o condicionamento

de sua vida devido aos acontecimentos com sua família quando ela ainda era

criança, ou seja, o sacrifício de tornar-se prostituta para sustentar seu pai doente e

sua irmã mais nova. Em Senhora a compra de um marido que se dá por conta de o

personagem Fernando Seixas ser um intelectual pobre e assim decidir resolver o

problema de sua posição social vendendo sua solteirice, à Aurélia, por cem contos

de réis. Apesar de em ambos os romances Alencar resolver a trama de maneira um

tanto quanto açucarada - no caso de Lucíola a transformação da cortesã em heroína

e, em Senhora com o happy-end entre Aurélia e Fernando Seixas - o escritor, ainda

que em seus moldes de submissão ao amor romântico, faz uma crítica a burguesia

do Rio de Janeiro através do elemento dinheiro.

Cabe registrar que José de Alencar quando escreve O Sertanejo já havia

escrito livros com o teor de Senhora e de Lucíola, o Brasil vivia as agitações e

transformações do Segundo Império, na literatura o ideário realista estava

começando a substituir o ideário romântico e novas teorias aportavam no Brasil e

estas eram absorvidas pela intelectualidade local. O contexto histórico e sócio-

econômico em que O Sertanejo foi escrito era diverso daquele do início da carreira

literária de José de Alencar. O Brasil desse momento era de um país agitado por

lutas políticas, revoltas separatistas sangrentas e que, ainda praticava a escravidão

negra como a principal força de trabalho e, com uma população, especialmente

formada por mestiços. Apresentadas as ressalvas, como pensar a escritura de um

romance como O Sertanejo quase duas décadas após a publicação d‟O Guarani, em

um contexto tão adverso?

Em contato mais direto com o folclore do Ceará, com as tradições e gestas

populares do sertão nordestino, José de Alencar escreve seu último romance como

mais uma tentativa de criar sua verdadeira epopéia3 nacional. . O escritor em O

3 Em conformidade com o que Mikhail Baktin, em sua obra Questões de Literatura e de Estética: a teoria do romance considera ser o gênero epopéia, entendemos que são três seus traços

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Sertanejo pôde de maneira mais objetiva assentar o seu projeto em bases mais

“reais”. Em mais uma tentativa, a última de sua carreira literária, já que dois anos

após a escritura d’O Sertanejo faleceria vítima da doença que lhe acometera por

quase toda uma vida, Alencar reitera a convicção de que as grandes histórias devem

ter um caráter épico. Posta lado a lado com os outros romances do escritor, esta

obra converge para um mesmo sentimento, para o que de fato guiou toda a

produção alencariana – a construção de projetos edificantes, com imagens heróicas

do passado, alicerçando o presente e o futuro dos brasileiros. José de Alencar

preocupa-se, também, em descobrir no Brasil individualidades e marcas singulares

que pudessem tecer imagens capazes de caracterizá-lo com o que devia ser

enquanto país e sociedade nacional.

Apesar de algumas diferenças de O Sertanejo em relação aos demais

romances de Alencar, percebemos nesta obra algumas marcas constantes em suas

narrativas, como a criação de tipos humanos, a exemplo do índio Peri, em O

Guarani, do gaúcho Manuel Canho, de O Gaúcho, e do próprio Arnaldo Louredo, de

O Sertanejo, sendo todos personagens construídos pela ótica do heroísmo e da

galanteria. Além desses, lembramos o típico anti-herói alencariano encarnado na

figura de Marcos Fragoso; a emblemática personagem feminina donzela e branca

configurada em Dona Flor; e o personagem que representa na trama a segurança e

solidez, neste caso o fazendeiro Capitão-Mor Gonçalo Pires Campelo.

O romance tem seu foco narrativo na terceira pessoa, portanto, trata-se de

uma narração heterodiegética4 centrada no narrador. Sua construção narrativa é a

mesma de outros romances do escritor, o tempo da narração é um tempo

cronológico, no qual, por vezes, o narrador utiliza-se da digressão para explicar ou

constitutivos: “[...] 1. O passado nacional épico, o passado „absoluto‟ [...] serve como objeto da epopéia; 2. A lenda nacional [...] atua como fonte da epopéia; 3. O mundo épico é isolado da contemporaneidade, isto é, do tempo do escritor (do autor e dos seus ouvintes), pela distância épica absoluta”. BAKHTIN, Mikhail. 1993, p. 405. Entendemos ainda que José de Alencar em alguns de seus romances – como em Iracema e O Guarani – se vale desses três traços na sua construção, e, em O Sertanejo também acaba valendo-se das categorias determinadas pelo gênero da epopéia para configurar a realidade.

4 Em conformidade com a definição de Yves Reuter a narração heterodiegética centrada no narrador

abre o máximo de possibilidades, onde o narrador pode controlar todo o saber, sem limitações de profundidade externa ou interna, em todos os lugares e em todos os tempos, o que lhe permite flash-backs e antecipações certas. Fala-se dele como um narrador onisciente.

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esclarecer alguns segredos da história, como o nascimento e a infância do

personagem Arnaldo.

A trama do romance lembra uma bela história de cavalaria dos tempos

medievais e vem, mais uma vez, recheada de atos heróicos. A história se passa no

sertão de Quixeramobim no Ceará, no século XVIII, e conta a vida e as aventuras do

herói do romance, o sertanejo Arnaldo. José de Alencar cria o personagem Arnaldo

Louredo “[...] moço de vinte e um anos, de estatura regular, ágil e delgado de talhe.

Sombreava-lhe o rosto, queimado pelo sol, um buço negro como os compridos

cabelos que se anelavam pelo pescoço” (SE5, p. 13), como um de seus típicos

heróis, valente, puro de corpo, de alma e fundido com a natureza. Arnaldo, na trama

do romance, é filho do falecido e respeitado vaqueiro Sr. Louredo que, por muito

tempo, serviu ao Capitão-Mor Gonçalo Pires Campelo. Esse personagem não é

simplesmente um empregado da Fazenda Oiticica, mais que isso, é o defensor da

família, ama e venera seu patrão com um amor filial, além de contar com a absoluta

confiança do Sr. Capitão-Mor.

Estruturalmente a obra está dividida em duas partes, sendo a primeira

composta por vinte capítulos e a segunda por vinte e um. Na primeira parte o

narrador apresenta o espaço onde a história irá desenvolver-se, os personagens, e

as primeiras molas que moverão a trama, como o incêndio criminoso deitado aos

arredores da Fazenda Oiticica e as duas possibilidades de casamento para Dona

Flor, sendo uma com o Capitão Marcos Fragoso e a outra com seu primo Leandro

Barbalho. Na segunda parte o narrador mostra que o Capitão Marcos Fragoso tenta

aproximar-se de Dona Flor e para isso marca uma montaria, durante ela pede a mão

da bela donzela em casamento e recebe a recusa por parte do Capitão – Mor, pai de

Dona Flor. A partir daí iniciam-se os conflitos da trama, pois com a recusa Marcos

Fragoso decide raptar Dona Flor para casar-se com ela e Arnaldo tentará impedir o

arrebate de todas as maneiras. Em suma, o romance relata como o sertanejo

Arnaldo vive várias aventuras, como aquela de proteger a família de seu patrão e

impedir o rapto de sua bela amada, Dona Flor, pelo Capitão Marcos Fragoso. Entre

5 No decorrer do texto o romance O Sertanejo de José de Alencar será referenciado através da sigla

SE.

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cavalgadas, cavalhadas, montarias e peripécias Arnaldo, em seus tantos atos

heróicos, impede o rapto de sua amada senhora fazendo com que a paz continue a

reinar no sertão de Quixeramobim.

Considerado pela maioria dos críticos como um romance regionalista, O

Sertanejo, diferentemente de O Guarani, de Iracema e de Senhora, não possui

grande fortuna crítica. O seu lugar nos estudos sobre o escritor quase sempre fora

de pano de fundo ou de sombra para a análise de outros romances do autor. Um

dos primeiros estudiosos da vida e obra de José de Alencar, Araripe Júnior, num

esboço sobre seu perfil literário considera o romance como “[...] sombra pálida do

Guarani” (Araripe Jr, 1980, p. 229). Seguindo a linha de Taine, Araripe considera a

produção do autor sob dois momentos: o primeiro de verdadeira inspiração e de

originalidade; o segundo de repetição, imitações, de cópia pálida de si mesmo.

Precursor da idéia de que O sertanejo seria apenas uma cópia d‟o Guarani e fruto de

uma grande distração de suas verdadeiras e melhores fontes de inspiração, Araripe

Júnior, considera a construção do romance - assim como outros críticos

considerarão mais tarde – calcada em informações superficiais, pois Alencar nunca

estivera nos campos que descrevera, quer nos pampas d‟o Gaúcho, quer no sertão

d’O Sertanejo. Segundo Araripe Júnior,

Quanto ao mais, o romance perde muito, pelo mesmo defeito do Gaúcho. Foi escrito sobre informações. José de Alencar não viu os campos que escreveu. Não tendo saído dos arredores da capital, ignorava completamente a vida do vaqueiro, de sorte que se viu na necessidade de fantasiá-la. Há descrições verdadeiramente impossíveis. As corridas de Arnaldo atrás do touro bravio, por entre carrascos e bamburrais, para deleitar simplesmente a angélica filha do capitão-mor, que espreita as suas façanhas de uma eminência, são cenas espetaculosas e de teatro (Araripe, 1980, p. 229).

O crítico Wilson Martins também considera O Sertanejo fruto de uma etapa da

vida e carreira de Alencar em que o escritor não mais estava em condições de

renovar-se. Assim como Araripe Júnior, Wilson Martins dá conta de que Alencar

encontrava-se nesse momento numa fase de declínio, de falta de sentido crítico em

razão de seus problemas de saúde. “Eis porque, tanto no estilo quanto nas

peripécias, O Sertanejo foi construído por meio das fórmulas alencarianas mais

fáceis, que eram as mais discutíveis” (Martins, 1978, p. 505). Essas fórmulas

alencarianas, consideradas como as mais fáceis, segundo Wilson Martins, se

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exemplificam no herói apresentado sempre como um super-homem, porém,

submisso à donzela, em composição com um anti-herói, além do recorrente uso de

dois tipos de belezas - a loira e a morena6. Nesse pequeno esboço das formulações

de Araripe Júnior e Wilson Martins sobre O Sertanejo, destacam-se duas das idéias

que permeiam os vários estudos sobre o romance. A primeira delas considera O

Sertanejo apenas como uma repetição d‟o Guarani e associando-se a ela; a

segunda idéia relaciona-se ao fato de Alencar nunca ter estado nos lugares onde

ambientou os seus romances regionais e, por isso, acaba por sobrepor a imaginação

à observação, criando assim uma literatura cheia de erros e infidelidades sócio-

históricas.

Há dois aspectos importantes a serem considerados quando se fala de erros

e infidelidades nas obras de José de Alencar. O primeiro deles refere-se ao fato de

Alencar compreender a sua poética não como pura imitação da realidade, mas,

como a transposição do real para o ideal (Alencar, 1865), ou seja, sua literatura era

calcada no que ele considerava como ideal para o Brasil7. O segundo aspecto

relaciona-se a escritura do texto O Nosso Cancioneiro (1874), um estudo sobre a

poesia popular cearense, no qual José de Alencar reitera o seu pensamento sobre o

lugar em que se encontra o verdadeiro “viver singelo do povo”, localizado por ele nas

trovas populares, pois, segundo dizia, é nelas “[...] que se sente mais viva a ingênua

alma de uma nação”. Para o escritor “[...] na infância dos povos, certas

individualidades mais pujantes absorvem em si a tradição de fatos praticados por

indivíduos cujo nome se perde; e tornam-se por esse modo símbolo de uma idéia ou

de uma época” (Alencar, 1960, p. 978). Ou seja, a escritura de um romance que

retratasse a vida no campo, a vida do sertanejo, já configurava nos planos de estudo

de Alencar, uma vez que nessas cartas direcionadas ao Sr. J. Serra, Alencar trata da

poesia do Ceará, das rapsódias sertanejas ou como ele mesmo nomeia, do

cancioneiro, uma vez que abrange tudo. José de Alencar chega a mencionar

6 Contrariamente n‟O Sertanejo Alina é loira e dos olhos azuis.

7 Entendemos aqui que o que José de Alencar considerava como ideal de civilização para o Brasil

deriva da confluência do leitor que foi dos romances europeus de cavalaria com a sua visão de político conservador comprometido com um projeto de nação construída pelo alto, pelas elites do Império.

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explicitamente que conta reproduzir “[...] todas estas cenas de costumes pastoris de

minha terra natal, [...] em um romance de que apenas estão escritos os primeiros

capítulos” (Alencar, 1960, p. 964). Falava ele d‟O Sertanejo.

Compreendemos, a partir de Antonio Candido que, “[...] toda obra é pessoal,

única e insubstituível, na medida em que brota de uma confidência, um esforço de

pensamento, um assomo de intuição, tornando-se uma “expressão” (Candido, 2006,

p. 147). Sendo assim, cada obra de cada autor projeta ou diz algo diferente do que

outra obra do mesmo autor veio dizer, tornando-se uma expressão única e

insubstituível dentro de seus limites. O Sertanejo é entendido nesse contexto como

uma obra singular, fruto de um pensamento que deseja confidenciar algo em

determinado tempo e espaço, mas que também é fruto do coletivo, das relações

sociais vividas por um sujeito individual, ou seja, a obra revela-se como o resultado

de vários momentos combinados dialeticamente. Entretanto, a possibilidade de

comparação entre O Guarani - primeiro romance indianista de Alencar, com

evidentes intenções nacionalistas - e O Sertanejo, romance regionalista, possibilita

que este último seja compreendido como um passo a mais no seu projeto de criação

de uma narrativa heróica da nacionalidade.

Sem dúvida, se reunirmos todas as obras do romancista com o objetivo de

elencar as recorrências ficcionais utilizadas pelo escritor, encontraríamos não

somente uma como muitas repetições, seja de tipos de personagens, seja de modos

de narração ou mesmo de enredos. Porém, o que isso evidencia, diferentemente do

que propõe o crítico Wilson Martins como „fórmulas alencarianas mais fáceis‟, é a

existência de um pensamento mais amplo relacionado ao projeto maior que guiava a

escritura alencariana. Quando em “Benção Paterna”, prefácio de Sonhos de Ouro

(1872), José de Alencar esquematiza o que ele denomina de „período orgânico‟ da

nossa literatura, o faz, segundo Afrânio Coutinho (1986, p. 258), de modo a abranger

todas as fases de nosso desenvolvimento histórico, parecendo assim muito claro o

propósito, em seu romance, de abranger os aspectos fundamentais da vida

brasileira. Em termos estruturais de pensamento, essa postura de José de Alencar

demonstra que ele compreendia que os seus romances deviam estabelecer uma

estreita relação com a história do país. Em sendo assim, suas obras são exemplos

do painel maior que retratava a História e a Geografia do Brasil.

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No conjunto de sua obra José de Alencar constrói uma grande narrativa

histórica do país, mas em cada um de seus trabalhos lança mão de diferentes

artefatos para erigi-los. Nas obras em que narra o passado, como em O Guarani e

em Iracema, lança mão, respectivamente, de elementos mitológicos a fim de

reconstruí-los e elevá-los à condição de história. Já em seus romances urbanos

podemos observar, por meio da descrição da Corte, de seus personagens e de suas

vestimentas, um José de Alencar mais sociológico, mais observador e crítico da

realidade, como pontua Antonio Candido em seu estudo sobre os Três Alencares e

seus temas mais profundos (Candido, 2007, p. 540). O escritor ao retratar as regiões

do Brasil busca nas cantigas e nos contos populares elementos para a composição

de seu romanesco. Como considera Valéria de Marco em seu estudo sobre o

romance histórico de José de Alencar, o escritor parte o Brasil em pedaços, como se

cada um deles fosse um Brasil independente, é assim que ele concebe o país.

Porém, ao fragmentá-lo por meio de diferentes modos de narrar, não compreende

que a imagem do Brasil em sua época compunha-se de vários Brasis que

transitavam entre a tradição e a modernidade, entre o arcaico e o novo (Marco,

1993, p. 226-27).

2. Pensando a Categoria Sertão

O termo „sertão‟ tem sido discutido desde há muito tempo no debate sobre o

Pensamento Social Brasileiro, quer como categoria espacial, institucionalizada pelo

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quer como categoria cultural. A

busca por uma definição de „sertão‟ é constante e, por vezes, complexa. Francisco

da Silveira Bueno, em seu Dicionário Escolar da Língua Portuguesa, o define como

um “[...] lugar inculto, distante de povoações; floresta no interior de um continente ou

longe da costa; zona do interior; mata; terreno inculto e afastado (1986, p. 1047).

Para Luís Câmara Cascudo, “sertão” é o interior, e o nome fixa-se no Nordeste e no

Norte, muito mais do que no Sul, pois em sua concepção o interior do Rio Grande

do Sul não é Sertão” (2001, p. 634). Segundo Walnice Nogueira Galvão, em seu

estudo sobre a ambigüidade no Grande Sertão Veredas, diz: “[...] dá-se nome de

sertão a uma vasta e indefinida área do interior do Brasil, que abrange boa parte

dos estados de Minas Gerais, Bahia, Sergipe, Alagoas, Paraíba, Pernambuco, Rio

Grande do Norte, Ceará, Piauí, Maranhão, Goiás e Mato Grosso” (1972, p. 25). Em

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ambas as definições o termo „interior‟ é destacado. Como primeira noção „sertão‟

aparece em oposição ao „litoral‟, „costa‟.

Em seu artigo, “Região, Sertão, Nação” (1995), a historiadora Janaína Amado

faz uma retrospectiva a respeito da construção da categoria sertão. Segundo a

pesquisadora, desde o século XII os portugueses já empregavam a palavra “sertão”

para designar áreas situadas dentro de Portugal, porém distantes de Lisboa, e com

certeza, no século XIV, usaram-na para denominar espaços vastos, interiores das

colônias recém-conquistadas, termo largamente utilizado até o final do século XVIII

pela Coroa Portuguesa. Com a descoberta de ouro em várias regiões do Brasil,

como, por exemplo, em Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás, no final do século XVII

e início do século XVIII, houve uma marcha para o interior, o que ocasionou guerras

sangrentas por riquezas e terras. Portanto,

De forma simplificada, pode-se afirmar, portanto, que, às vésperas da independência, „sertão‟ ou „certão‟, usada tanto no singular como no plural, constituía no Brasil noção difundida, carregada de significados. De modo geral, denotava „terras sem fé, lei ou rei‟, áreas extensas afastadas do litoral, de natureza ainda indomada, habitadas por índios „selvagens‟ e animais bravios, sobre as quais as autoridades portuguesas, leigas ou religiosas, detinham pouca informação e controle insuficiente. (Amado, 1995, p. 148)

Para Janaína Amado “sertão” foi uma categoria construída primeiramente

pelos portugueses, sendo esta carregada de sentidos negativos e que absorveu o

significado original de espaços vastos, desconhecidos, longínquos e pouco

habitados. A historiadora também faz uma discussão a respeito de “sertão” e “litoral”

e como esta suposta oposição foi evidenciada ao longo do processo de construção

do termo “sertão”. Afirma que “sertão” e “litoral” representam entre si categorias ao

mesmo tempo opostas e complementares. O caráter de oposição faz com que uma

expresse o inverso da outra, determinando na contraface à complementação de

ambas, refletindo-se, portanto, de forma invertida (Amado, 1995, p. 149). Assim, ao

finalizar a discussão desta temática em seu artigo, a autora apresenta uma

importante premissa para se pensar a categoria “sertão”. Segundo ela, “[...] desde o

início da história do Brasil, portanto, „sertão‟ configurou uma perspectiva dual,

contendo, em seu interior, uma virtualidade: a da inversão. Inferno ou paraíso, tudo

dependeria do lugar de quem falava” (Amado, 1995, p. 150).

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Essa dualidade impressa na categoria de “sertão” manifesta-se, também,

quando é aplicada na esfera literária. Ao longo do desenvolvimento da Literatura

Brasileira há múltiplas e complementares interpretações de sertão, a partir do

período Romântico, perpassando pelo Realismo, pelo Modernismo até chegar aos

dias de hoje. Alguns poetas foram os primeiros a empregá-la desde a segunda

metade do século XIX, a exemplo de Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu,

Castro Alves. Porém, é no romance que os escritores mais empregaram a idéia de

sertão na construção de seus enredos. Há que considerar, neste particular, a

publicação de três obras nessa fase de revelação: O Ermitão de Muquém (1869), de

Bernardo de Guimarães; O Sertanejo (1875), de José de Alencar; e mais tarde

Inocência (1876), de Visconde de Taunay. Em O Ermitão de Muquém, Bernardo de

Guimarães faz uma descrição dos grandes espaços sertanejos e dos tipos humanos

que os habitam, em oposição a florestas e praias. Em O Sertanejo, José de Alencar

compõe um sertão romântico e ameno. Taunay, em Inocência, opera mudanças na

idéia de sertão em voga até aquele momento; constrói outro sertão substituindo o

caráter de contemplação e quietude por outro com mais dramaticidade.

Sena, ao discutir o Brasil arcaico e a configuração de Região em

Interpretações Dualistas do Brasil, fala da construção da idéia de sertão pelas

diferentes gerações de intelectuais, especificamente, a partir daquilo que se

denomina como dimensão positiva e dimensão negativa da categoria. Segundo a

autora:

A etimologia da palavra sertão – sartaão, certao – usada pelos navegantes portugueses para designar o interior da África e do Brasil, em oposição ao mar e ao litoral, aponta para um lugar distante, vazio, isolado, inóspito, desconhecido, e subseqüentemente, rude, atrasado, decadente e inferior. (Sena, 2003, p. 117)

Em princípio, na visão dos conquistadores, sertão configura-se como um

espaço bárbaro e inferior a ser conquistado. Quando o termo passa a ser utilizado

nas próprias colônias adquire, contraditoriamente, uma dimensão positiva,

relacionada ao processo de construção do espaço brasileiro. Seu significado

associa-se a idéia de um lugar a ser conquistado, ocupado, diante da imensidão de

suas terras, dotadas de inúmeras riquezas.

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A perspectiva romântica do sertão traz em si modos narrativos exemplares

nos textos que falam desta temática. A ânsia por definição e, principalmente,

diferenciação das individualidades que marcavam a ex-colônia (que se pretendia

como nação) em relação a Portugal fez com que a busca por esta individualidade do

ser brasileiro fosse logo associada à pureza, a autenticidade e ao modo de viver do

interior. Nesse momento, após a independência e com o advento do Brasil Império, o

país está dividido em regiões e há uma típica valorização dos territórios ainda não

explorados, a inserção do sertão na constituição da identidade nacional tem um

julgamento positivo, pois a vida no interior é colocada em oposição à vida degradada

e corrompida dos centros urbanos.

3. Reflexões sobre a idéia de Sertão n’O Sertanejo

Antonio Candido, em Literatura e Sociedade (2006), estabelece importantes

considerações acerca do espaço romanesco de uma obra. Segundo o teórico,

durante o século XIX o significado de uma obra dependia essencialmente do cenário

social em que a mesma estava ambientada, porém, após um tempo, considerou-se

que a análise feita a partir de „condicionamentos sociais‟ era inoperante, pois a

importância estava nos elementos formais e estruturais da obra. Atualmente, é

sabido que para compreender uma obra de arte, os dois aspectos – estéticos e

sociais – devem ser levados em consideração. Ainda sobre este assunto Antonio

Candido afirma:

Hoje sabemos que a integridade da obra não permite adotar nenhuma dessas visões dissociadas; e que só a podemos entender fundindo texto e contexto numa interpretação dialeticamente íntegra, em que tanto o velho ponto de vista que explicava pelos fatores externos, quanto o outro, norteado pela convicção de que a estrutura é virtualmente independente, se combinam como elementos necessários do processo de interpretação. (Candido, 2006, p. 13)

Há, neste caso, dois pontos importantes a considerar: primeiro, ao corroborar

o ponto de equilíbrio entre esses dois extremos de interpretação, Candido reitera a

importância de se considerar, para uma análise, que toda obra de arte está inserida

em determinado espaço e em determinado tempo, ou seja, os fatores externos a ela

também têm sua relevância durante seu processo de interpretação; em segundo

lugar, somemos aos fatores externos a análise dos fatores internos da obra, sendo

esta primordial.

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Considerando as interpretações de Candido, apresentadas acima, partimos

da premissa de que o sertão foi uma categoria construída, ao longo da história, por

meio de várias narrativas, a fim de constituir uma dada imagem sobre lugares e

gentes. José de Alencar, em O Sertanejo, construiu sua imagem de sertão, a partir

de elementos caracterizados segundo as suas preocupações políticas e os seus

vínculos ideológicos.

Segundo a estudiosa Claudia Barbieri, em seu artigo “Arquitetura Literária:

sobre a composição do espaço narrativo”, definir conceitualmente „espaço‟ é uma

tarefa difícil devido ao fato de sua magnitude e abstração levarem-no a uma

diversidade de direções e possibilidades interpretativas. Para essa autora, o espaço,

[...] está relacionado às ciências sociais, físicas e naturais, e cada uma delas o apresenta sob determinado aspecto. Assim multiplicam-se suas designações e atribuições, podendo-se falar em: espaço físico, geográfico, social, histórico, simbólico, literário, urbano, psicológico, dentre outros. [...] Desta forma o espaço em relação à obra pode originar ao mesmo tempo referências geográficas, sociais ou históricas, ou, ainda, contemplar diferentes instâncias existenciais ou ontológicas. (Barbieri, 2009, p. 107)

Há, em O Sertanejo, três possibilidades de interpretação quanto ao modo

como José de Alencar, por intermédio do narrador, constrói o espaço no qual

ambienta o romance, são eles: a idéia de espaço geográfico, de espaço social e de

espaço mítico. O primeiro envolve o projeto alencariano de mapear o Brasil, ou seja,

de explorar todos os espaços geograficamente possíveis do país, já o tinha realizado

com os pampas gaúchos, com o interior do Rio de Janeiro e, em O Sertanejo, o faz

com o sertão nordestino. O segundo, e mais complexo, trata-se da configuração

social e histórica das relações humanas no espaço caracterizado como o „sertão‟. O

terceiro configura tanto o espaço geográfico quanto o espaço sócio-cultural, pois

ambos são submetidos a um processo de idealização mítica.

Por entre esses três modos de composição do espaço em Alencar perpassa a

figura do personagem herói da trama, o vaqueiro cearense Arnaldo Louredo, e

ainda, o modo pelo qual se desenrola o enredo do romance.

3.1 O Espaço Geográfico

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Em sua Carta Sobre a Confederação dos Tamoios, importante documento

para compreender o pensamento poético de José de Alencar, este autor vai aos

poucos tecendo aquilo que entende ser um verdadeiro poema épico. Afirma:

Um poema épico, como eu compreendo, e como tenho visto realizado, deve abrir-se por um quadro majestoso, por uma cena digna do elevado assunto que se vai tratar. Não se entra em um palácio real por uma portinha travessa, mas por um pórtico grandioso, por um peristilo magnífico, onde a arte delineou algumas dessas belas imagens que infundem admiração. (Alencar, 1865, p. 866)

Alencar, em busca desse perfeito poema épico, escreve O Guarani em 1857,

e coloca em prática sua visão sobre a verdadeira epopéia nacional. Em comunhão

com o que ele pensava sobre a abertura de um poema, inicia seu romance O

Sertanejo com a descrição do espaço onde ocorrerá a ação da trama, senão

vejamos:

Esta imensa campina, que se dilata por horizontes infindos, é o sertão de minha terra natal.

Aí campeia o destemido vaqueiro cearense, que à unha de cavalo acossa o touro indômito no cerrado mais espesso, e o derriba pela cauda com admirável destreza.

Aí, ao morrer do dia, reboa entre os mugidos das reses, a voz saudosa e plangente do rapaz que abóia o gado para o recolher aos currais no tempo da ferra.

Quando te tornarei a ver, sertão de minha terra, que atravessei há tantos anos na aurora serena e feliz de minha infância?

Quando tornarei a respirar tuas auras impregnadas de perfumes agrestes, nas quais o homem comunga a seiva dessa natureza possante?

De dia em dia aquelas remotas regiões vão perdendo a primitiva rudeza, que tamanho encanto lhes infundia.

A civilização que penetra pelo interior corta os campos de estradas, e semeia pelo vastíssimo deserto as casas e mais tarde as povoações.

Não era assim no fim do século passado, quando apenas se encontravam de longe em longe extensas fazendas, as quais ocupavam todo o espaço entre as raras freguesias espalhadas pelo interior da província.

Então o viajante tinha que atravessar grandes distâncias sem encontrar habitação, que lhe servisse de pousada; por isso, a não ser algum afoito sertanejo à escoteira, era obrigado a munir-se de todas as provisões necessárias à comodidade como à segurança. (SE, p. 9)

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Como um poeta que apresenta o objeto de seu “canto”, o narrador nesses

parágrafos iniciais, apresenta os dois elementos centrais de sua narrativa: o sertão e

o vaqueiro cearense. Ambos convergem no personagem herói de Arnaldo que,

representa aquelas “individualidades mais pujantes” tornando-se “símbolos de uma

idéia ou de uma época”. A criação típica desse “pórtico grandioso e majestoso” por

onde, segundo Alencar, deveria iniciar-se um romance épico, é visto em muitos

romances românticos à época, influência direta das grandes epopéias clássicas.

Nessa mesma linha de abertura de um quadro majestoso, em O Guarani temos no

próprio título da primeira parte do romance, denominado Cenário, a descrição e

localização desse espaço. Em O Sertanejo o espaço começa a ser descrito nas

melhores feições românticas, a partir dos “horizontes infindos” desse sertão que é a

“terra natal” de José de Alencar e das divagações de um espaço até então não

localizável, extenso e infindo. Até aí sabemos somente, pelo narrador, que o lugar

de que se fala é o sertão da terra natal de José de Alencar, ou seja, o Ceará.

Somente no décimo primeiro parágrafo é que o narrador localiza de maneira

generalizada este sertão, quando diz que “[...] assim fizera o dono do comboio que

no dia 10 de dezembro de 1764 seguia pelas margens do Sitiá buscando as faldas

da serra de Santa Maria, no sertão de Quixeramobim8” (SE, p. 9).

Em suas primeiras páginas o narrador traz para a trama a questão da

modernidade versus a tradição, no momento em que nos informa que o sertão

descrito no romance “[...] não era assim no século passado, quando apenas se

encontravam de longe em longe extensas fazendas, as quais ocupavam todo o

espaço entre as raras freguesias espalhadas pelo interior da província” (SE, p. 9).

Além de Alencar iniciar a descrição do espaço do romance de uma forma

abrangente, há ainda, o fato de a história começar no ponto em que a família do

Capitão-Mor Gonçalo Pires Campelo voltava de viagem da cidade de Recife. O

caráter da viagem traz para a descrição do espaço a mobilidade e a elasticidade que

o mesmo requer, pois a formação dos típicos comboios da época se dava em razão

das extensas e demoradas viagens realizadas por caminhos e terras por vezes

8 Quixeramobim é um município brasileiro do estado do Ceará localizado na Mesorregião dos Sertões

cearenses, e é conhecido como a “cidade coração do Ceará”. Prefeitura Municipal de Quixeramobim. Disponível em: http://www.quixeramobim.ce.gov.br/?pagina=home. Acesso em: 12 set./2010.

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desconhecidos e perigosos. Daí decorre, também, a incorporação ao texto do

escritor a história desta viagem, uma vez que o espaço torna-se mais infinito quando

se está viajando por vários lugares, movimentando-se, andando-se muito. Nesse

momento os viajantes estavam a caminho da Fazenda Oiticica, assentada a meio

lançante, também imprecisamente em uma dessas encostas da serra. A fazenda era

de propriedade do Capitão-Mor Gonçalo Pires Campelo e, como muitas outras, havia

sido fundada quando o ameno e formoso sertão de Quixeramobim achava-se quase

inabitado. O narrador situa a história no século XVIII, especificamente no dia 10 de

dezembro de 1764, quando o comboio chegou à fazenda Oiticica. Esta

[...] erguia-se do centro de um terrado revestido de marachões de pedra solta. Por diante, além do terreiro, descia rampa com suave ondulação até a planície [...] Na frente elevava-se no terreiro, a algumas braças da estrada, a frondosa oiticica, donde viera o nome à fazenda. Era uma gigante de antiga mata-virgem, que outrora cobria aquele sítio. (SE, p. 21)

O narrador situa a história no tempo e no espaço. À medida que Alencar vai

descrevendo a Oiticica, os seus habitantes, suas ações e características denota-se o

que compreendia como sendo o sertão. Primeiramente, aponta-o como espaço

longe da costa, a ser conquistado e habitado, pois possuía riquezas que chamavam

a atenção de aventureiros, vejamos:

O gado de várias espécies, que os primeiros povoadores tinham introduzido na Capitania do Ceará, se propagara de um modo prodigioso por todo o sertão, coberto de ricas pastagens. Sucedera o mesmo que nos pampas do Sul; as raças se tornaram silvestres, e manadas de gado amontoado, que ainda hoje na província chama-se barbatão, vagavam pelos campos e enchiam as matas. Chegando a notícia desta riqueza às capitanias vizinhas, muitos dos seus habitantes, já abastados, vieram estabelecer-se nos sertões do Ceará; e ali fundaram grandes herdades, obtendo as terras por sesmaria. (SE, p. 22)

Pode-se compreender que para o escritor tratava-se do sertão da conquista,

do movimento, do espaço que estava em fase de descobrimento e construção onde

os aventureiros iam buscar riquezas. Quando o narrador conta a história da

formação da herdade (Oiticica), sua composição e estrutura, diz que “[...] no tempo

da fundação da fazenda ainda o formoso e ameno sertão de Quixeramobim, que os

primeiros povoadores haviam denominado Campo Maior por causa da extensão,

achava-se quase inabitado” (SE, p. 22). Corroborando com o que diz a História de

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formação de Quixeramobim, “[...] só em 1755 fundou-se sob a invocação de Santo

Antônio de Pádua a primeira freguesia, a qual mais tarde foi criada vila pela carta

régia de 13 de junho de 1789, que a separou do termo de Aracati” (SE, p. 22),

transformando- a na freguesia de Santo Antônio de Quixeramobim, onde localizava-

se a fazenda do Capitão-Mor que, sob seu domínio, “[...] continuou a prosperar e

com o volver dos anos adquiriu novas pertenças, com que mais se excedia [...]” (SE,

p. 22).

No momento em que o narrador apresenta algumas coordenadas sobre o

local onde estão os viajantes, sem localizar ao certo onde se encontravam, inicia-se

uma breve descrição de um sertão castigado pela seca. Veja,

A chapada, que os viajantes atravessavam neste momento, tinha o aspecto desolado e profundamente triste que tomam aquelas regiões no tempo da seca. Nessa época o sertão parece a terra combusta do profeta; dir-se-ia que por aí passou o fogo e consumiu toda a verdura, que é o sorriso dos campos e a gala das árvores, ou o seu encanto, como chamavam poeticamente os indígenas. Pela vasta planura que se estende a perder de vista, se eriçam os troncos ermos e nus com os esgalhos rijos e encarquilhados, que figuram o vasto ossuário da antiga floresta. (SE, p. 11)

O narrador vai descrevendo o espaço desde o dardejar do sol que “[...] coa

através do mormaço da terra abrasada uns raios baços que vestem de mortalha

lívida e poenta os esqueletos das árvores, enfileirados uns após outros como uma

lúgubre procissão de mortos” (SE, p. 11).

Até o pôr-do-sol onde:

[...] o sertão perde o aspecto morno, acerbo e desolador que toma ao dardejar do sol em brasa. A sombra da tarde reveste-se de seu manto suave e melancólico; é também a hora em que chega a brisa do mar e derrama por essa atmosfera incandescente como uma fornalha, a sua frescura consoladora. (SE, p. 11)

Como quem quer, através da descrição de um sertão sem vida, adentrar de

maneira mais majestosa um sertão contrário a esse, antes do início do segundo

capítulo da primeira parte, o narrador dá conta de que os viajantes neste momento

chegavam a uma pequena elevação “[...] donde se avistava ao longe, sobre aquela

mata adusta a copa verde e frondosa de uma prócera oiticica” (SE, p. 12). A partir

daí, o sertão descrito é outro, é verde, é vivo.

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A abertura do romance demonstra o tipo de imagem de sertão que José de

Alencar irá construir ao longo de sua narrativa. Ao não localizar especificamente o

sertão de que irá tratar, traz para sua narração a perspectiva de que o mesmo

compunha-se de terras ainda não totalmente povoadas, sem delimitações e

marcações e longe do litoral. Claramente, no início de sua narração o escritor não

fixa limites e nem demarcações que possam identificar onde começa e onde termina

o que ele compreende por sertão. Os adjetivos utilizados para descrevê-lo

demonstram que Alencar tinha consciência da imprecisão com que trabalhava, pois

era uma “imensa campina”, de “horizontes infindos”, onde se encontram raras vezes

“de longe em longe extensas fazendas” nas suas “raras freguesias”.

José de Alencar não deixa de apresentar que o sertão dessa época era,

também, um lugar de lutas, de muita cobiça, o que gerava disputas acérrimas e

encarniçadas que assolavam a grande colônia. Na medida em que o sertão era visto

como um lugar de lutas e disputas pode-se inferir que o sertão descrito por Alencar

era o lugar de terras a serem conquistadas. Cabe ressaltar que essas terras quando

conquistadas transformavam-se em fronteiras, visto que se movimentavam entre o

espaço domesticado e o não domesticado. Daí inferirmos que o sertão

compreendido por Alencar consiste em um espaço móvel, em processo de

transformação contínua, o que lhe faz perder a “sua primitiva rudeza”.

No capítulo sob o título de “O Rosário” o enredo é ambientado em uma

manhã de dezembro, no terceiro dia pós a chegada da família do Capitão à fazenda

da Oiticica. São exatamente dezessete parágrafos, nos quais o narrador contrasta o

sertão da seca - descrito no grande painel apresentado no primeiro capítulo do livro -

com o então sertão das águas, denominado pelo narrador como a primavera desse

lugar. Seguindo a fórmula da maioria dos romances românticos, ou seja, elencar e

elevar as cores locais, o tom de exaltação está sempre presente ao longo da

narrativa. Num tom épico o narrador como que canta o espaço de sua história:

Assomando sobre o capitel da floresta erguida no oriente como o pórtico do deserto, o Sol coroado da magnificência tropical dardejava o olhar brilhante e majestoso pela terra, que se toucara de toda a sua louçaria para receber no tálamo da criação ao reio da luz. Na úmbria da serra e da espessa mata que a cinge, a fazenda ainda permanece no crepúsculo da alvorada, quando já o dia fulgura pelas várzeas e campinas dalém. Mas ao fluxo da luz, que sobe e a inunda como a corrente de um rio caudal, aquelas zona ensombrada vai

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rapidamente imergindo-se nos esplendores da aurora. Com a irradiação da manhã derrama-se a aura que anima a solidão. Dessa terra combusta por longo e abrasado estio, já ressumam os viços que anunciam a poderosa expansão de sua fecundidade. (SE, p. 43)

Utilizando-se de sua simbólica linguagem, cheia de adjetivações e com um

elevado tom poético, Alencar vai construindo uma imagem de sertão fecundo, cheio

de viço, o sertão da chegada do período das águas. O sertão que apenas numa

noite transmuta-se da condição de um leito nu em uma campina de esmeralda. Nas

palavras do escritor,

Aquela várzea que ontem ao escurecer afigurava-se aos vossos olhos o leito nu, pulvurento e negro de um vasto incêndio, bastou o borraceiro da noite antecedente para cobri-la esta manhã da virescência sutil, que já veste a campina como uma gaze de esmeralda. (SE, p. 44)

A primeira descrição do sertão da seca, árido e triste, é agora substituída pelo

sertão que tudo dá, que tudo vigora. O que importa é mostrar o prodígio que “[...]

ostenta a força criadora desta terra depois de sua longa incubação!” (SE, p. 44).

Acrescenta-se a esse quadro de abundância as mais diferentes espécies de

pássaros, como os maracanãs.

Em “A Monteria”, segundo capítulo da segunda parte de O Sertanejo, aos

primeiros raios do sol nascia mais um dia majestoso no sertão de Quixeramobim. E

a natureza, mais uma vez, expandia-se em toda a sua pompa tropical. Neste

capítulo é narrado como se deu a proposta e o início de uma monteria entre a família

do Capitão-mor e o capitão Marcos Fragoso. Antes, porém, o escritor pinta um lindo

quadro da paisagem que ambienta a narrativa do romance, descrevendo da

vegetação até a fauna do sertão. Mais uma vez a terra se revela como maravilhosa

depois dos tempos difíceis, e as descrições elevam ainda mais o tom de sua

grandiosidade e magnificência, senão vejamos:

[...] Era então a força do inverno. Por toda esta vasta região, na qual um mês antes fora difícil encontrar uma gota d‟água a não ser no fundo de alguma cacimba, rolam as torrentes impetuosas de rios caudais formados em uma noite. A terra combusta, onde não se descobria nem mesmo uma raiz seca de capim, vestia-se de bastas messes de mimoso, que a viração da manhã anediava como a crina de um corcel. E eram já tão altas as relvas do pasto, que se inclinando encobriam as reses ali ocultas. (SE, p. 94)

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Coerente com o seu propósito de enaltecer os costumes e as tradições

pátrias, Alencar submete a realidade do seu romance ao enobrecimento da terra e

de seu habitante. Do espaço rústico de um sertão da seca Alencar transforma o seu

sertão em um sertão róseo, mítico.

3.2 O Espaço Sócio-Histórico

Os personagens de O Sertanejo podem ser dispostos de acordo com a

hierarquia social imposta pelo espaço do sertão. Essa hierarquia que é adotada e

reconhecida pelos personagens, também, é determinante nas relações entre eles,

em especial dentro do ambiente que é a fazenda da Oiticica. Ocupando a posição

mais elevada está o Capitão-Mor Gonçalo Pires Campelo dono da Oiticica e senhor

absoluto do sertão de Quixeramobim, logo em seguida vem sua esposa Dona

Genoveva e sua filha Dona Flor. Em relação aos empregados e agregados da

fazenda temos que o Padre Teles e o Agrela ocupam uma posição de primazia em

relação aos demais empregados, pois são considerados pelo Capitão-Mor como

seus dois conselheiros “o do espiritual e o do temporal” (SE, p. 53). Seguidos a eles

estão Manuel Abreu, feitor da Oiticica (SE, p. 42), e Inácio Góis o primeiro vaqueiro.

Em algumas cenas do romance podemos perceber de fato a composição

dessa hierarquia social. Nas primeiras páginas o narrador traz para a história um

típico modo de viagem pelo sertão daquela época, os comboios, título do capítulo I

da primeira parte do romance. Já de antemão o narrador distingue o que ele

denomina de “alegres comboios do Norte das tropas do Sul a passo tardo e

monótono” e a partir da configuração do comboio do Norte, com a descrição de sua

composição, do traje de seus componentes e de sua utilidade vai apresentando os

personagens. É interessante observar a hierarquia social descrita na formação

desse comboio, a partir das relações humanas dentro da fazenda Oiticica e do

próprio território que é o sertão. O narrador vai à ordem ascendente descrevendo a

composição do comboio, sendo esta composta de „recoveiros armados‟ para o caso

de alguma outra necessidade e, ainda de uma „caterva de fâmulos de serviço

doméstico e acostados‟ que cuidavam da bagagem. Logo após a cavalgada vinha

cerca de vinte pessoas, sendo estas os „valentões‟ que serviam para guardarem

aqueles que eram os donos do comboio, em grau mais elevado o Capitão-Mor

Gonçalo Pires Campelo.

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Outra cena é a da chegada do Capitão-Mor à sua fazenda, momento em que

ele recebe em ordem decrescente os seus empregados e o narrador nos diz que

“[...] ali deu audiência de chegada a todas as pessoas, que uma após outra, desde o

capelão e o feitor até os últimos dos escravos, vieram saudá-lo dando-lhe boa-vinda

[...]” (SE, p. 22). Na cena do comboio os personagens são dispostos pela ótica do

narrador e na cena da chegada do Capitão os personagens, cada um por si,

reconhecendo sua posição, vão um a um saudando o Capitão. Interessa, neste

sentido, dizer que os negros, visivelmente „esquecidos‟ no romance - restando a eles

nada mais do que ínfimas referências, como estarem segurando as armas do

Capitão-Mor durante a possibilidade de invasão por parte de Marcos Fragoso, ou,

ainda de carregarem os sombreiros das damas – mostra-se como um dado

revelador do então Brasil do Segundo Reinado, que procurava fazer vistas grossas

ao trabalho escravo - fator estrutural da economia brasileira num momento em que

na maior parte do mundo já havia sido abolido e considerado como algo abjeto.

O rigor dessa hierarquia será abalado de duas maneiras no desenrolar do

romance. A primeira delas é o fato de que alguns personagens, por meio da

afetividade, serão considerados mais que empregados da fazenda, criando-se assim

a categoria de agregados. É este o caso de Alina, parente de Dona Genoveva que,

órfã de pai e mãe é criada como filha pelo Capitão-Mor e sua esposa. Há ainda o

caso de Dona Justa, mãe de Arnaldo e viúva do maior vaqueiro que o capitão-mor já

possuiu, ter sido ama de leite de Dona Flor, e por isso ter uma relação de carinho

com a família do capitão. Em especial temos o caso de Arnaldo, que goza de uma

considerável predileção pelo Capitão, que guardou para ele o cargo de vaqueiro

geral de suas fazendas, e, ainda, a mão de Alina em casamento. Porém, Arnaldo, ao

recusar ambas as coisas9, assume assim, em relação à fazenda, uma posição

marginal, e com isso estremece o poder absoluto de mando que o Capitão-Mor

possuía em toda a região.

9 Inferimos que Arnaldo não enfrenta seu patrão, o Capitão-Mor, quando se nega obedecer ambas as

ordens, pois ele diz que não quer casar-se com Alina simplesmente pelo fato de não querer prender-se a ninguém. Ou seja, não há na atitude do personagem um tom de luta ou mesmo de rebeldia em relação às ordens de seu patrão, demonstrando que, se não fosse por este fato ele se casaria com quem o Capitão-Mor determinasse.

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A segunda maneira pela qual a ordem de hierarquia será abalada é com a

chegada do Capitão Marcos Fragoso e seu grupo de empregados e amigos.

Fragoso conhece Dona Flor em uma cavalgada no Recife e apaixonado vem para o

sertão de Quixeramobim pedir sua mão em casamento. Porém ao fazê-lo, o faz de

maneira a ofender o capitão-mor, pai de Dona Flor, que acaba dizendo não ao

pedido. O grupo de Fragoso é composto pelo Alferes Daniel Ferro, filho do dono das

flechas nos Inhamuns, pelo Capitão João Correia do terço do Recife e pelo

licenciado Manuel da Silva Ourém, de Lisboa e por José Bernardo, seu vaqueiro

principal. Marcos Fragoso era filho de um importante fazendeiro que para ele, se não

tivesse morrido, era o único homem capaz de fazer frente ao posto de maior

potentado do sertão que o Capitão-Mor ocupava (SE, p. 95).

Em ambas as maneiras de ameaça à ordem dessa hierarquia subjaz a figura

do Capitão-Mor Gonçalo Pires Campelo e sua relação com Arnaldo e os demais

habitantes do sertão. A relação do Capitão-Mor com o espaço do sertão vem de

quando ele, por herança e sucessão, recebeu de seu pai a fazenda da Oiticica e

nela instalou-se havia já vinte anos (SE, p. 22). Além de proprietário da fazenda

Oiticica, o Capitão-Mor também é o comandante de ordenanças da freguesia de

Santo Antônio de Quixeramobim. A primeira menção em relação a ele está logo no

início do romance, quando está voltando de viagem ao Recife:

Esta escolta acompanhava duas pessoas que eram sem dúvida os donos do comboio. A primeira, homem de cinqüenta anos, de alto porte e compleição robusta, mostrava pelo chapéu armado e pela farda escarlate com galões dourados ser um capitão-mor-de-ordenanças. Montava cavalo ruço-pedrês, o qual dava testemunho de seu vigor na galhardia com que suportava o peso do corpulento cavaleiro, além de umas vinte libras da prata dos arreios. [...] Atualmente viaja-se pelo nosso interior em hábitos caseiros; não era assim naquele bom tempo em que um capitão-mor julgaria derrogar da sua gravidade e importância, se fossem vistos na estrada, ele e sua esposa sem o decoro que reclamava sua jerarquia. (SE, 2007, p. 10)

A vestimenta de Campelo e o modo como se portava mostravam não

somente sua patente militar como, também, o status que toda a riqueza de sua

roupa simbolizava. “Campelo provinha de sangue limpo, mas plebeu; e almejando

um pergaminho de nobreza, que enfim alcançara, ele queria merecê-los por seus

dotes e ser primeiro fidalgo na pessoa, do que no brasão” (SE, p. 23), por isso o

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capitão-mor comportava-se com decoro frente a qualquer pessoa e importava-se de

fato com as formalidades como quando “[...] estavam a chegar à sua Fazenda da

Oiticica, onde pretendiam entrar antes de uma hora com a solenidade, que ali era de

costume, sempre que os donos voltavam depois de alguma ausência” (SE, p. 10).

Confluem na figura de Campelo não somente sua posição social como também sua

aparência física, seu modo de se portar e os princípios que delineiam seu caráter,

conferindo assim toda a respeitabilidade e imponência a sua pessoa. Até aqui temos

a figura do capitão construída através do olhar de quem narra. A primeira

caracterização desse personagem, construída a partir do olhar do outro, neste caso

de Arnaldo, vem quando, em conversa com o velho Jó, observa-se: “O capitão-mor é

severo, e duro de abrandar” (SE, p. 26). Os adjetivos “severo” e “duro” demonstram

como Campelo exercia sua autoridade e como ela vinha sempre atrelada ao fato

dele ter como principal característica ser “proprietário”, “dono” e “mandão” dessas

terras.

Podemos comparar a figura do Capitão-Mor Gonçalo Pires Campelo com

Dom Antônio de Mariz, de O Guarani, ambos fidalgos portugueses. Como pode ser

observado, Alencar não mudou o tratamento dado ao colonizador dentro de suas

obras. Segundo Alfredo Bosi, o complexo do „mito sacrificial‟ continua, apenas com a

diferença de que a relação de vassalagem agora não envolve a figura do índio, mas

a do sertanejo. Ou seja, como argumenta Bosi em seu artigo Um Mito Sacrificial: o

indianismo de Alencar, “[...] O índio de Alencar entra em íntima comunhão com o

colonizador. Peri é, literal e voluntariamente, escravo de Ceci, a quem venera como

sua Iara, „senhora‟, e vassalo fidelíssimo de Dom Antônio” (Bosi, 1992, p. 177).

Ao detectar esse complexo sacrificial na mitologia romântica de Alencar Bosi

tem como hipótese que esse mito sacrificial alencariano casou-se perfeitamente com

o seu esquema feudalizante de interpretação da nossa história, pois,

[...] dentro de um contexto marcado pelas relações de senhor e servo, no qual o domínio do primeiro e a dedicação do segundo parecem conaturais, assumem uma lógica própria as personagens de O Guarani e a doce escravidão que Machado de Assis viu em Iracema. (Bosi, 1992, p. 186-187. Grifos do autor)

A partir destas observações de Alfredo Bosi, perguntamos: como interpretar

a recorrência desse mito sacrificial na figura do sertanejo?

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3.3 O Espaço Mítico e a Configuração do Herói

A semelhança estrutural entre O Guarani e O Sertanejo pode ser pensada

bem além de somente constituir-se como uma repetição de Alencar. A recorrência

na sua forma estrutural leva-nos a refletir sobre o que José Maurício Gomes de

Almeida (1981) chamou de “função profunda dos mitos alencarianos”. Dada essa

função podemos conjecturar que Alencar, ainda após os dezoito anos que separam

as duas obras, “[...] permanecia coerente em seu propósito de criação de uma forma

épica autenticamente nacional” (Almeida, 1981, p. 49). O que importa pensar é que

a configuração mítico-heróica agora se fazia sobre uma base sociológica mais

concreta, materializava-se na figura do sertanejo, o mestiço de Alencar. Porém,

ainda assim essa construção não deixava de ser mitológica.

Renato Ortiz, em seu artigo denominado “O Guarani: um mito de fundação da

brasilidade” problematiza a questão do mito na obra alencariana. Para este autor, a

construção da identidade nacional tornou-se puramente simbólica, já que “[...] a

fundação da civilização brasileira só podia existir como projeto, nunca como

testemunho, ou prolongamento de acontecimentos passados” (Ortiz, 1988, p. 262).

Na medida em que o Brasil não possuía um passado histórico, assim como os

países europeus, a escritura de um romance como O Guarani só podia ocorrer na

esfera da imaginação. Segundo Ortiz, quando Alencar fala da Idade Média em seu

romance sabe-se que é uma obra sem correspondência imediata com a história, “[...]

pois o passado elimina a possibilidade de que os fatos narrados possam ser

confundidos com o real” (p. 261). Porém, a matéria-prima com que Alencar trabalha

n‟O Sertanejo, tanto o tipo humano como a noção de espaço e tempo no romance,

diferentemente de O Guarani, possuíam substrato para que o escritor pudesse sair

da esfera simbólica do mito para a criação de uma obra em que os elementos

fossem tratados no presente.

À medida que a estética romântica optou por criar um passado mítico para o

Brasil e para pensarmos como esse processo se realizou n‟O Sertanejo vale elencar

alguns estudos significativos sobre a constituição do mito, suas origens e

significações.

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Segundo Mircea Eliade (2007), pelo seu caráter complexo e múltiplo de

interpretações, a definição mais perfeita de mito é a de que narra uma história

sagrada que conta uma ação praticada por Entes Sobrenaturais num tempo

imemorial, dando origem a uma realidade que foi produzida e assim começou a ser.

Ao considerar o mito como uma narrativa de uma criação, considera-se também que

ele fala daquilo que realmente ocorreu, ou seja, de eventos do mundo real, que

vieram a existir por obra do sobrenatural ou do divino, criando-se assim uma

narrativa em que se dá uma explicação à determinada realidade. Portanto:

[...] o mito não requer o teste da verificação nem se vale daquelas provas testemunhais que fornecem passaporte idôneo ao discurso historiográfico. Ou além: o valor estético de um texto mítico transcende o seu horizonte factual e o recorte preciso da situação evocada. O mito como poesia arcaica, é conhecimento de primeiro grau, pré-conceitual, e, ao mesmo tempo, é forma expressiva do desejo, que quer antes de refletir. (Bosi, 1992, p. 179-80)

Por tratar-se de um tipo de narrativa que trabalha com a questão da

sacralidade no mundo, o mito “[...] se torna o modelo exemplar de todas as

atividades humanas significativas” (Eliade, 2007, p. 12). Uma vez tido como modelo,

uma de suas funções é revelar essas atividades humanas. Ao descrever eventos -

por meio das relações simbólicas - que dizem respeito ao ser humano, o mito não

apenas relata a origem das coisas como também os principais acontecimentos que

determinaram a condição do homem no mundo e sua constituição até hoje. Quando

Ortiz fala d‟O Guarani como mito de fundação da brasilidade, ele o faz sob a

perspectiva de que “[...] nas sociedades primitivas a estória mítica se passa nos

tempos imemoriais, num passado longínquo que serve de modelo para a reprodução

da sociedade atual” (Ortiz, 1988, p. 262).

Daí a função do mito na literatura romântica da época. Antes, porém é

necessário considerar que a construção desse passado foi uma construção pensada

e construída através do elemento da nacionalidade, tão almejado pelos românticos.

Em O Sertanejo a configuração mítica – tanto do herói como do espaço da trama –

perpassa as questões que envolvem o que se considerava como nacional. No

instante em que na configuração de um herói, que é vassalo fidelíssimo do senhor

absoluto dos sertões cearenses e que, ao mesmo tempo, compartilha de

características benévolas dos cavalheiros da literatura européia, percebemos a

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mitificação do tipo de mestiço representado por Alencar. Não diferindo muito do

processo de mitificação do indígena, realizado por José de Alencar em seus

romances indianistas, vemos no romance O Sertanejo a mitificação do mestiço para

torná-lo, simbolicamente, o representante do brasileiro, mas, especificamente, um

sujeito de tradições e costumes que oscilam entre a cultura sertaneja e a cultura

européia.

Conversando com Aleixo Vargas sobre o incêndio criminoso posto nos

arredores da Oiticica, Arnaldo se mostra como um súdito fiel não só de seu patrão

como de toda a sua família. Isto pode ser observado, entre outros, no trecho da obra

em que diz: “[...] mas eu não consinto que ninguém neste mundo ofenda ao capitão-

mor e sua família; portanto, se você não abandonar seu projeto tenha a certeza de

que me encontrará pela frente” (SE, p. 41). Como um protetor que se abdica de sua

própria vida para estar sempre alerta, Arnaldo está diuturnamente a serviço do

capitão-mor. Esta dedicação integral é percebida quando o narrador informa que

Arnaldo acompanhou toda a viagem da família do capitão ao Recife escondido para

que ninguém o visse, tendo somente o intuito de proteger seus patrões.

Quando o Capitão-Mor retorna e lhe contam que Arnaldo esteve fora durante

todos os dias de sua viagem, este, apesar de tomar a sua atitude como uma

desobediência de Arnaldo, o desculpa apenas repreendendo-a para que isso não

ocorra mais. No título do capítulo treze, “Explicação”, já se denota a marca da

hierarquia social entre Arnaldo e o Capitão-Mor, considerando que o sertanejo devia

explicação ao seu patrão por ter estado fora da fazenda durante tanto tempo.

Observa-se a partir da fala do capitão que se quando Manuel Abreu o avisou da

ausência de Arnaldo ele, o capitão-mor, não tivesse dito, por engano, que havia

permitido sua ausência, o trato pela desobediência do sertanejo seria outro, senão

vejamos:

– Esta circunstância fortuita nos privou de usar da severidade precisa para reprimir a desobediência a nossas ordens; e desta arte poupo-nos um desgosto, pois Arnaldo sabe quanto prezamos o filho daquele que foi nosso vaqueiro e amigo, o bom Louredo, que Deus tenha em sua santa paz. [...] – Esperamos que não aconteçam mais faltas como esta, que nos ponham na dura necessidade de esquecer a afeição que nos merece. Sabe, Arnaldo, que lhe destinamos o lugar que serviu seu pai, de nosso primeiro vaqueiro. Só demoramos a realização dessa vontade, enquanto não completava Alina seus

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dezoito anos, para que tivesse uma boa caseira, capaz de entender com o serviço da queijaria e o trato das crias. Agora vamos avisar D. Genoveva para que trate das bodas que se podem fazer na páscoa. (SE, p. 58)

Há na fala do capitão-mor duas ordens destinadas a Arnaldo, casar-se com

Alina e ser o vaqueiro geral de suas fazendas. Somadas a essas duas ordens

observamos, no capítulo quatorze do romance, a ordem dada pelo capitão para que

Arnaldo dissesse onde se encontrava o velho Jó, uma vez que, todas as suspeitas

recaiam sobre ele quanto ao fogo colocado no mato da fazenda. Para as duas

primeiras ordens, Arnaldo responde ao capitão: “[...] o que posso asseverar ao Sr.

Capitão – Mor é que não serei nunca nem vaqueiro da fazenda, nem marido de

mulher alguma” (SE, p. 58). E, para a terceira ordem diz: “Ao Sr. Capitão-Mor

Gonçalo Pires Campelo, digo-lhe eu, Arnaldo Louredo que não!” (SE, p. 60).

Negando-se a ocupar o cargo de vaqueiro geral, de casar-se com Alina e de dizer

onde estava o velho Jó há na trama um abalo no que diz respeito a relação entre

Arnaldo e o Capitão-Mor.

Ainda assim, Arnaldo queria evitar, ao máximo, desobedecer ou romper com

o Capitão-Mor e apesar de seu primeiro impulso ter sido de gritar contra a resolução

“queria e venerava aquele velho com amor de filho”. Assim, deixou para defender

sua liberdade mais tarde, num momento mais propício, pois “[...] se opusesse à

tenacidade do fazendeiro seu caráter indomável, o choque havia de ser terrível” (SE,

p. 58).

Essa situação praticamente de vassalagem entre Arnaldo e o Capitão-Mor

definirá o modelo básico de relacionamento entre eles. O Capitão-Mor será sempre

para Arnaldo o senhor por quem tem uma venerável admiração e subserviência. Daí

não aparecer na estória uma crítica social quanto a realidade do sertanejo no

espaço do sertão, pois o elemento épico, na figura de Arnaldo, está sempre em

destaque. A esse aspecto soma-se a utilização de valores europeus não só na

construção de Arnaldo como também no espaço social da narrativa. A mitificação do

personagem Arnaldo inicia-se já no evento que foi o seu nascimento, quando um

relicário vermelho apareceu nas mãos da criança sem que ninguém soubesse quem

o havia colocado ali. Justa, a mãe de Arnaldo dá ao fato uma explicação mítica,

nomeando-o de o milagre do bentinho. Segundo as palavras da personagem:

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Ninguém sabe quem deitou, respondeu a sertaneja afirmando com a cabeça. No mesmo dia de nascido, apareceu com ele e não se viu entrar em casa viva alma, nem a criancinha saiu da minha rede. Só quando eu acordei, ainda assim como sonhando, senti um cheiro de incenso e vi uma alvura que me cegou. Havia de jurar que eram asas de anjo. Quando olhei para o pequeninho ele estava rindo-se e a brincar com o relicário, como se já tivesse juízo para entender. (SE, p. 47)

Pode-se fazer uma analogia de Arnaldo com a figura de Hércules. Alencar,

leitor da literatura européia que foi, sabe que Hércules representou a forma mais

perfeita do herói antigo e, assim, o aproxima da configuração do seu herói mítico. Os

capítulos intitulados “A infância”, “Adolescência” e “Anhamum” são reveladores do

cenário místico que se forma em volta da figura de Arnaldo. Por meio do recurso do

flash-back o narrador, ao relatar a vida do personagem Arnaldo, do nascimento até o

início de sua vida adulta, enfatiza o caráter e os dons excepcionais de que o herói da

trama é dotado. A exemplo da história de Hércules que, ainda bebê em seu berço,

estrangula as duas serpentes que Hera enviara-lhe com o propósito de destruir-lhe,

Arnaldo também dá mostras, já na infância, de sua superioridade humana,

realizando as mais terríveis façanhas de menino, causando espanto a todos, como

no evento em que ele enfrenta e vence um boi enfurecido para colher os coquinhos

amarelo de catolé que sua amada Flor tanto queria. Vejamos, então, um trecho da

cena:

Arnaldo esperou o boi a pé firme; seus companheiros, vendo o animal cair sobre ele, julgaram-no esmagado. Mas o intrépido vaqueirinho segurou os chifres da fera e saltou-lhe no cachaço. [...] Logrou-o, porém, o menino, que erguendo-se em pé sobre a alcatra, alcançou o cacho de catolés e cortou-o. Depois do que, saltando em terra, veio apresentar a Flor a sua conquista, tão gloriosa como a dos pomos de ouro de hespérides. (SE, p. 141)

Vemos a comparação explícita da façanha de Arnaldo com uma das nobres

façanhas de Hércules, possibilitando que Alencar também construa seu herói com o

prestígio mítico que o herói grego possuía.

Assim como a assimilação de valores europeus são percebidos na construção

do herói sertanejo, também a percebemos na configuração do espaço narrativo, o

que eleva a estória ao caráter mítico. Representante do colonizador português, o

Capitão-Mor Gonçalo Campelo é descrito como o mais nobre fidalgo português. E,

como não poderia deixar de ser, o espaço que o cerca – a Oiticica – também será

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descrito nas melhores feições européias, ou seja, como um solar de europeus. A

partir dessas observações pode-se perguntar: no sertão de Quixeramobim encontra-

se um castelo no trópico?

Pode-se dizer que o solar da Oiticica, do Capitão-Mor Gonçalo Pires

Campelo, tinha um parentesco com o solar de Dom Antônio de Mariz. Os dois

solares foram construídos “[...] à imagem e semelhança da comunidade feudal

européia [...]” (Bosi, 1992, p. 187), diferenciavam-se somente em relação ao tempo e

ao espaço em que se situavam. O solar de Dom Antônio de Mariz localizava-se em

um tempo primordial, em meio à selva brasileira; o solar do Capitão-Mor Gonçalo

Pires Campelo datava do século XVIII, e ficava no sertão do Ceará. O Capitão-Mor

de ordenanças, como mostra o narrador, não ficava a dever para nenhum Dom

Antônio de Mariz que fosse:

Naquela época, porém, os fazendeiros tinham por timbre fazer ostentação de sua opulência e cercar-se de um luxo régio, suprimindo assim em torno de si o deserto que os cercava. Havia fazendeiro, e o Capitão-Mor Campelo era um deles, que não comia senão em baixela de ouro, e que trazia na libré de seus criados e escravos, bem como nos jaezes de seus cavalos, brocados, veludos e telas de maior custo do que usavam nos paços reais de Lisboa os fidalgos lusitanos. (SE, p. 21)

Esta passagem do romance somada a algumas outras que descrevem os

costumes das pessoas que habitavam a Oiticica, como por exemplo, o episódio em

que o grupo de Marcos Fragoso está de passagem pela fazenda do capitão e este

“[...] não deixava partir os hóspedes sem os regalar” ou mesmo “[...] não perdiam

ocasião de fazer alardo da suntuosa baixela de ouro e prata, de que especialmente

se ufanavam, e na qual fundiam tal quantidade de metal precioso que chegaria em

nossos tempos para levantar um palácio” (SE, p. 69), demonstram a relação do

sertão mítico com o sertão real do século XVIII, tempo da ação de O Sertanejo. João

Capistrano de Abreu, em Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil, no capítulo

“Sobre uma História do Ceará”, fala sobre a opulência existente entre os fazendeiros

que viviam no sertão cearense:

[...] Explica-nos isto a aparente anomalia de no Ceará ter havido mais escravos no sertão, onde não havia agricultura, do que no agreste da marinha, e o luxo desconexo de que se encontram ainda notícias ou vestígios vagos, de fazendas finas, bacias de prata, colares de ouro medidos à vara, etc., em casa que agora são verdadeiras taperas.

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Entre os fazendeiros, cada qual querendo mostrar-se mais rico e ostentar maior luxo, a paz não podia durar muito tempo, e não durou. É célebre a longa luta que houve entre as duas famílias de Montes e Feitosa [...]. (Abreu, 1960, p. 261)

Esse paralelo entre a passagem do romance e o que Capistrano de Abreu

relata em seu estudo sobre a província do Ceará pode demonstrar que Alencar

conhecia a realidade vivida no sertão e, até mesmo, evidenciar uma crítica a esta

realidade, uma crítica em seus moldes, mas uma crítica. Porém, a relação do sertão

mítico construído no romance com o sertão histórico do Brasil daquela época

evidência uma maior comunhão entre o Alencar leitor de obras clássicas com o

mundo sertanejo que ele pretendeu criar.

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CAPÍTULO 2

A BRASILIDADE ROMÂNTICA

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Guinsburg, em O Romantismo, pergunta: “O que é Romantismo? Uma escola,

uma tendência, uma forma, um fenômeno histórico, um estado de espírito?

Provavelmente tudo isto junto e cada item separado” (1993, p. 13). Neste sentido,

cabe reafirmar que o Romantismo do início do século XIX representa mais que um

movimento estético, uma reação ao neoclassicismo vigente; trata-se de uma “[...]

negação, mais profunda e revolucionária, porque visava redefinir não só a atitude

política, mas o próprio lugar do homem no mundo e na sociedade” (Candido, 2007,

p. 341). Surgindo como uma nova forma de apreender o mundo, com um novo

aparato de valores e pensamentos para e sobre o homem, o romantismo foi muito

mais do que um simples movimento literário ou estético, ou uma simples revolução

nas idéias da época, antes de tudo foi um sentimento, um estado de alma do homem

perante o (seu) mundo. E mais, não se apresentou somente no domínio da poesia,

mas, também, no domínio político, social, científico, filosófico, religioso, o que é

muito relevante no caso do Brasil.

Mas, o Romantismo também foi fenômeno histórico. Ao discutir em seu artigo

intitulado os “Fundamentos Históricos do Romantismo”, Nachman Falbel avalia que

pré-romantismo e o romantismo nascem do mesmo movimento histórico, sendo que

seu início se dá, simultaneamente, em vários lugares. Para o estudioso:

O período do Romantismo é fruto de dois grandes acontecimentos na história da humanidade, ou seja, a Revolução Francesa e suas derivações, e a Revolução Industrial. As duas revoluções provocaram e geraram novos processos, desencadeando forças que resultaram na formação da sociedade moderna, moldando em grande parte seus ideais (sociais). As instituições políticas tradicionais sofreram fortes abalos e as fronteiras entre os povos foram modificadas criando novo equilíbrio entre as nações. O nacionalismo nesse tempo irrompe impetuosamente em cena, arrastando consigo boa parte dos povos europeus em direção às suas aspirações políticas e sociais. Novas ideologias e teorias acerca do Estado acompanham as mudanças rápidas inerentes a tal processo. (Nachman, 1993, p. 24)

Esses dois grandes acontecimentos revolucionários refletem não só na

composição de um novo tipo de sociedade como, também, no olhar sobre o novo

homem do século XIX. Porém, esse novo movimento político, observado tanto na

França como nos Estados Unidos, é antecedido por uma profunda transformação no

processo econômico e social que ocorreu na Europa desde 1750, ou seja, a

Revolução Industrial. Iniciada na Inglaterra, a revolução industrial, que substituiu as

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oficinas dos artesãos pelas grandes manufaturas e deu o pontapé inicial para um

enorme avanço tecnológico na economia ocidental, não somente esteve ligada à

divisão do trabalho e a produção e consumo de mercadorias manufaturadas, como

marcou profundamente a vida social da época. Para a efetivação do avanço

industrial e econômico exigia-se um novo tipo de sociedade, por conseqüência, um

novo tipo de homem que, cada vez mais, era tratado como mão-de-obra assalariada,

como aquele que devia abandonar a produção artesanal nas pequenas oficinas para

trabalhar nas grandes indústrias.

Neste cenário é que brotam as duas mais importantes revoluções, a

Revolução Americana e a Revolução Francesa. Mas, é também nesse contexto que

o Romantismo toma forma e extensão. Quando se diz que na Europa,

especificamente na França revolucionária, o romantismo também foi uma

manifestação política, ou seja, o romantismo foi instrumento importante para se

construir, através das idéias e ideais da época, um novo modelo de sociedade, está

se pensando nas grandes contradições advindas da Revolução Industrial e da

própria Revolução Francesa. Considerado como um período de transição que

oscilou entre os sentimentos mais profundos de entusiasmo com o futuro e a

nostalgia para com o passado (Nachman, 1993, p. 36), o romantismo político francês

apresentou várias fases, vistas e percebidas nos seus primeiros românticos como o

saudosismo para com a França antiga e, mais tarde, com a concepção monárquica

de um Chauteaubriand.

Alfredo Bosi, em História Concisa da Literatura Brasileira (2006), ao colocar o

Romantismo no que ele denomina de situação, ou seja, ao situar os vários

romantismos existentes, argumenta que com a Revolução Industrial e a ascendência

da nova burguesia, o que se viu foi a emergência e definição de novas classes: a

nobreza; a grande e pequena burguesia, o velho campesinato e o operariado

crescente, e, que cada uma delas construiu a sua visão da existência. Se na França

o romantismo expressou a nostalgia dos decaídos com o Antigo Regime ou mesmo

a euforia dos novos proprietários, o fato é que quando aportado no Brasil o

romantismo toma situações, temas e estruturas específicas, uma vez que: “O Brasil,

egresso do puro colonialismo, mantém as colunas do poder agrário: o latifúndio, o

escravismo, a economia de exportação. E segue a rota da monarquia conservadora

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após um breve surto de erupções republicanas, amiudadas durante a Regência”.

(Bosi, 2006, p. 92).

Além da diferença na estrutura econômica do país, Bosi chama à atenção

para o modo como se formou a inteligência brasileira, composta pelos filhos de

famílias abastadas do campo ou pelos filhos de comerciantes e profissionais liberais

que recebiam instrução em São Paulo, Recife e Rio. Segundo Bosi, apesar das

diferenças de situação material “[...] pode-se dizer que se formaram em nossos

homens de letras configurações mentais paralelas às repostas que a inteligência

européia dava a seus conflitos ideológicos” (2006, p. 92). Porém, é importante

pensar o modo pelo qual essas respostas eram dadas, por quem eram dadas e

ainda como deveriam ser dadas.

Quando essas novas idéias e ideais ultrapassaram as fronteiras das grandes

metrópoles e chegaram às colônias americanas o que se viu foi o surgimento de um

novo tipo de romantismo, caracterizado por vários teóricos de „pluralidade do

romantismo‟ já que, o romantismo de um país pode ter pouco em comum com o de

outro. Pois, segundo Moisés Massaud, cada lugar

[...] afeiçoou o Romantismo às suas peculiaridades étnicas, históricas, geográficas, etc, mas também é certo que um denominador comum solidariza, ao menos no aspecto fundamental, as várias modalidades regionais do movimento. Numa palavra: aos romantismos corresponde um Romantismo. (1985, p. 4)

Considerado por muitos como o movimento literário mais “brasileiro”, o

Romantismo foi caracterizado como uma profunda e grande revolução cultural, com

efeitos vistos ainda nos dias de hoje. No Brasil o romantismo não foi simplesmente

uma corrente literária, mais que isso, foi também sentimento político e social

intimamente ligado ao processo de independência política brasileira. Há que se

observar que os conceitos românticos foram introduzidos aqui em pleno período

Regencial, quando o Brasil encontrava-se, ainda, sob o impacto da abdicação de D.

Pedro I.10 Não por acaso, a estética romântica teve como cenário histórico os anos

posteriores à Independência. Em linhas gerais pode-se dizer que o romantismo foi

10 É aos Suspiros Poéticos e Saudades, coleção de poesias publicada em Paris, em 1836, por

Domingos José Gonçalves de Magalhães, que ele próprio, os críticos e leitores contemporâneos atribuíram o início do Romantismo no Brasil. Cf. VERÍSSIMO, José. História da Literatura Brasileira: de Bento Teixeira, 1601, a Machado de Assis, 1908. 4ª ed. Brasília, 1981, p. 145.

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adequado a nova situação política do país. Em caráter de ruptura com tudo aquilo

que era “velho”, “arcaico”, a emergência de uma consciência nacional se impunha

aos homens da época como tarefa para completar a obra da emancipação política.

Nesse particular o romantismo europeu vinha ao encontro daquilo que os brasileiros

ansiavam no momento. Para Antonio Candido, o casamento foi, senão perfeito,

extremamente favorável, pois os anseios libertários e nacionalistas, tão ao gosto

romântico, encaixavam-se facilmente ao que uma recente nação, como o Brasil,

gostaria de expressar:

[...] o Romantismo apareceu aos poucos como caminho favorável à expressão própria da nação recém-fundada, pois fornecia concepções e modelos que permitiam afirmar o particularismo, e portanto a identidade, em oposição à metrópole, identificada com a tradição clássica (Candido, 2004, p. 19)

A consagração do termo, como nos revela Silvio Elia, em seu artigo intitulado

“Romantismo e Lingüística”, ocorre quando Rousseau, em Devaneios de um

Caminhante Solitário, em 1777, classifica as margens do lago de Bienne de

românticas (Elia, 1993, p. 145). Avulta-se, então, um dos componentes que,

segundo Silvio Elia, está sempre presente na alma de todos nós, ou seja, o

sentimento “romântico”, caracterizado como “[...] a generalização de um sentimento

de fuga da realidade social, de busca de um refúgio solitário, em colóquio com a

natureza, capaz de nos conduzir às fontes puras que nos haviam gerado em nossa

autenticidade primitiva” (Elia, 1993, p. 115).

Dentre as tantas classificações e generalizações acerca do ser brasileiro que

rondam nossas cabeças, ainda hoje, está a idéia de que somos mais românticos,

mais sonhadores que realistas. Porém, território e clima diferentes, contextos sócio-

históricos diferentes, pessoas diferentes, romantismos diferentes. O Romantismo no

Brasil foi distinto do Romantismo na Europa, visto que suas particularidades estão

ligadas ao contexto político, literário e socioeconômico do país, movimentadas pela

então independência política. Contudo, o Brasil não deixou de pagar tributo ao

movimento europeu no que tange aos elementos básicos, formais e estéticos,

conforme assinala Coutinho. Para esse estudioso,

[...] o Romantismo, no Brasil, assumiu um feito particular, com caracteres especiais e traços próprios, ao lado dos elementos gerais, que o filiam ao movimento europeu [...] tem uma importância

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extraordinária, porquanto foi a ele que deveu o país sua independência literária [...] consolidando, em uma palavra, a literatura brasileira, na autonomia de sua totalidade nacional e de suas formas e temas, e na autoconsciência técnica e crítica dessa autonomia. (Coutinho, 1986, p. 152-53)

Para Luiz Roncari:

Por mais limitada que fosse essa mudança de perspectiva do Romantismo, ela teve importância decisiva para a descoberta do país e a discussão de seus problemas e a procura de soluções. Seus escritos já não são apenas „documentos‟ sobre aspectos da vida brasileira, dos povos indígenas às instituições políticas e religiosas, mas constituem as primeiras tentativas de pensar e representar o país como um todo, como um organismo social e cultural específico, fruto de tradições e lutas. (Roncari, 2002, p. 295)

Diferentes formas de representação do romantismo apresentam-se nos

autores românticos brasileiros, mas caracteriza-se a escola literária11 pelo uso do

particular e do individual; pela primazia da imaginação sobre a inteligência; pelo

extremado idealismo e sentimentalismo; pela exploração da natureza e de seus

aspectos pitorescos e pela ruptura com os moldes clássicos que vigoravam até

então.

No Brasil os moldes clássicos precisavam ser superados, pois não

coadunavam com essa nova atitude, com esses novos valores e anseios do homem

romântico perante a vida. Decorre daí, talvez, o fato de o romantismo brasileiro ter

sido visto principalmente como uma oposição contra tudo o que vigorava até então

na literatura. As novas tendências iam “substituindo” o frio equilíbrio das idéias e

sentimentos oriundos dos neoclássicos. Como diz Afrânio Coutinho, é o momento

em que “[...] a imaginação, e o sentimento, a emoção e a sensibilidade, conquistam

aos poucos o lugar que era ocupado pela razão” (1986, p. 5). Esse “colóquio com a

natureza” se dará, no Brasil, de forma diversa da maneira como ocorreu na Europa.

Se o Romantismo Europeu foi marcado pelas lutas revolucionárias, pelos ideais de

liberdade e, principalmente, pela rebeldia dos artistas em relação à ordem vigente,

11 O conteúdo que pode ser caracterizado como romantismo é muito amplo, mas sempre resta, numa

visão didática, um conjunto de características repetido nas escolas e nos cursos de preparação para o vestibular.

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quando transplantado para o Brasil encontrou nova matéria-prima, tanto no âmbito

histórico e geográfico quanto no âmbito sociocultural.

Recém independente o novo país necessitava ajustar-se aos padrões da

modernidade da época, seguindo as nações livres da Europa e da América. Havia,

assim, a necessidade de auto-afirmação da Pátria que se formava e, o mais

importante, era negar a imagem do conquistador português. Assim, as questões da

nacionalidade e da identidade estavam impostas aos brasileiros. Ergueu-se o

Império sobre um alicerce emocional. Após 1822 há um estímulo crescente ao

nacionalismo, ancorado na busca do passado histórico, na exaltação da natureza

pátria, tendências estas já cultivadas na Europa e que se encaixavam perfeitamente

à necessidade brasileira de “ofuscar” profundas crises sociais, financeiras e

econômicas que ocorriam no país.

O sentido atribuído à Natureza pelos românticos vai despertar no homem do

século XIX um novo sentimento, um novo olhar sobre o território, sobre o país e a

sua gente. Uma Natureza que dinamiza e diviniza, elevando-se como força

transformadora. No Brasil a Natureza não apenas inspira o gênio do artista, mas lhe

dá matéria-prima para a composição de uma bela poesia. O gosto pelo exótico, pelo

novo, e a esperança quanto às possibilidades de um país novo provocam euforia.

Esta euforia será transformada, segundo Antonio Candido, em instrumento de

afirmação nacional e em justificativa ideológica, levando a uma deturpação do

conceito e do sentido de Pátria, considerando que

A idéia de pátria se vincula estreitamente à de natureza e em parte extraía dela a sua justificativa. Ambas conduziam a uma literatura que compensava o atraso material e a debilidade das instituições por meio da supervalorização dos aspectos regionais, fazendo do exotismo razão do otimismo social. (Candido, 2003, p. 141)

Uma contaminação, geralmente eufórica, entre a terra e a pátria, ou seja, uma

relação fantasiosa de causa-efeito: se a Terra é Bela, logo, a Pátria é grandiosa.

Como se a grandeza da Pátria dependesse única e exclusivamente da Terra, da

Natureza local, quando na realidade essa grandeza depende de um Estado bem

organizado. O gosto pela natureza local em oposição à universal, o localismo

contrapondo-se ao cosmopolitismo será uma das mais importantes bandeiras

hasteadas pelo romantismo brasileiro e o seu ajuste às aspirações de autonomia

literária nacional.

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Como nos revela Antonio Candido, em o Romantismo no Brasil, esse

movimento chega ao Brasil por intermédio de Ferdinand Dennis e alguns outros

franceses que, na passagem pelo país, despertaram nos brasileiros o sentido do

particularismo, inclusive sob a forma do pitoresco, ajustando-o ao desejo de

diferenciação e a busca da identidade nacional. A propósito, cabe destacar um fato

curioso,

[...] tanto a crítica literária como a historiografia romântica brasileiras são fundadas por estrangeiros: o francês Ferdinand Denis. [...] Ou seja, ironicamente o movimento literário que mais insiste na autonomia de nossa vida intelectual não é iniciado por brasileiros. (Ricupero, 2004, p. 86)

Incorrendo no particularismo, no gosto pela “cor local”, os românticos

brasileiros irão eleger os representantes que, segundo o que pretendiam, melhor

dariam vida a essa autonomia e que melhor comporiam nossa identidade. E o índio,

ou a idéia que se decide fazer dele, lhes oferece múltiplas possibilidades, tanto pelo

fato de encontrarem-se aqui antes dos portugueses como, por sua valentia e

resistência demonstrada durante a colonização portuguesa (Idem, 2004, p. 153).

O indianismo aparecerá, assim, como mito nacional, inicialmente na poesia

com Gonçalves de Magalhães e Gonçalves Dias e, mais tarde, no romance com

José de Alencar e outros. A representação vista nos primeiros românticos é do índio

massacrado pelo colonizador português, no entanto, sob a ótica alencariana, o índio

aparece como o bom selvagem, comportado e vassalo. Bernardo Ricupero em seu

artigo intitulado “O Indianismo como Mito Nacional” (2004) chama à atenção para o

elemento da mestiçagem e para a importância do índio nesse processo desde o

Império até a República. Segundo Ricupero, o índio escolhido como símbolo

nacional, além de continuar a ser uma metáfora importante para os brasileiros se

pensarem, ainda, ao longo dos anos, se mestiça. Entretanto, a representação desta

mestiçagem é específica, e, além de atender a determinados interesses, ela deriva

de uma visão de mundo conservadora e classista.

Essa diferença de tratamento em relação ao índio é percebida quando

comparamos as representações do indígena em Gonçalves de Magalhães e em

José de Alencar. Em seu poema A Confederação dos Tamoios Magalhães apenas

glorifica as ações heróicas do índio em oposição ao português, no intuito de afirmar

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a autonomia brasileira. Todavia, quando Alencar publica O Guarani (1857) a

problemática é outra: muito mais que afirmar é preciso construir uma nação, mas

uma nação que não dispensa a influência do colonizador. Daí o tipo de índio

representado e cultuado pela geração de Alencar apresentar-se em perfeita

comunhão com o colonizador e com a possibilidade de mestiçagem entre índio e

português, excluindo totalmente o negro desse processo. Sobre esse fato

concordamos com Nelson Werneck Sodré quando afirma que,

[...] o negro ou o mulato não poderiam ser esses representantes, pois o indianismo representa, no processo histórico da literatura brasileira, uma de suas etapas mais características. Está longe de ser falso, conforme parece aos investigadores superficiais. É a manifestação de uma sociedade de senhores de terras, de regime de trabalho servil, em que apenas se esboça a classe intermediária. Nesse sentido, corresponde plenamente aos traços essenciais daquela sociedade. É a sua criação específica. (Sodré, 2002, p. 310)

Alencar foi um romancista com uma visão de mundo conservadora, derivada

em grande parte do Alencar político. Estes traços característicos do autor e de sua

obra podem ser explicados se se levar em consideração a realidade histórica e

cultural do Brasil quando o romance O Guarani foi escrito. Tratava-se de uma época

de Conciliação entre as forças políticas dominantes, especialmente após as lutas da

Regência e da alternância no poder entre liberais e conservadores nos primeiros

anos do Segundo Reinado. Dessa busca por convergência nascem os personagens

alencarianos - o índio Peri e o Dom Antônio de Mariz, fidalgo português - convivendo

no mesmo espaço romanesco que, Alfredo Bosi chamou sugestivamente de “Castelo

nos Trópicos”.

Nesse castelo romanesco, habitado por seres idealizados, o índio aparece em

sua imolação voluntária em detrimento de seus senhores. Ou seja, o índio modela-

se em um regime de combinação que demonstra franca apologia à figura do

colonizador (Bosi, 1992, p. 179). Ainda nas palavras de Alfredo Bosi:

A concepção que Alencar tem do processo colonizador impede que os valores atribuídos romanticamente ao nosso índio – o heroísmo, a beleza, a naturalidade – brilhem em si e para si, eles se constelam em torno de um imã, o conquistador, dotado de um poder infuso de atraí-los e incorporá-los. (Bosi, 1992, p. 180-81)

Mais tarde, em Iracema (1865), verifica-se a mesma simbiose luso-tupi, mas

agora o amor entre a índia e o europeu se configura, gerando inclusive o nascimento

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de um filho, Moacir. De maneira distinta da trama de O Guarani, não é o índio que

está no meio dos brancos, é o guerreiro cristão, Martim, que está entre os índios.

Tanto em O Guarani como em Iracema o destino do nativo é tratado como sacrifício

espontâneo e sublime (Bosi, 1992, p. 181), o índio representa a natureza em

oposição à civilização, marca do colonizador sobre o colonizado, lembrando que em

Iracema é o protagonista masculino que representa a civilização.

4. O Romantismo Alencariano

Pensar o Brasil e os brasileiros tornou-se durante o século XIX atividade

necessária à construção do país, principalmente depois do rompimento político e

econômico entre Brasil-Colônia e Portugal-Metrópole. Desse embate entre

colonizadores e colonizados emerge um novo tipo de formação social, novas

reivindicações de um país que deveria possuir estruturas política, econômica, social

e cultural próprias. Nesse contexto, avulta-se a presença do cearense José

Martiniano de Alencar em meio às discussões sobre os destinos do Estado e da

nação brasileiros. Desempenhando funções importantes na vida pública e intelectual

do Brasil pós-independência, Alencar tornou-se um intelectual incomum na história

da inteligência brasileira, recorrendo, entre outros, ao romance, ao teatro e a crônica

política para disseminar as suas idéias no debate sobre a construção do país e dos

brasileiros.

Mais do que repetir que Alencar foi um homem de letras, advogado, político e

jornalista e que, o período em que viveu e escreveu – o romantismo - foi marcado

pela necessidade de debater as especificidades brasileiras, convêm pensá-lo um

pouco além do que se discute no senso comum. Sua predisposição em atuar em

várias frentes da vida social e política brasileira abre caminho tanto para o

reconhecimento da complexidade do século XIX brasileiro no campo das idéias

como a própria complexidade do tipo de pensamento dos intelectuais da época.

O pensamento alencariano expressa os desafios do Brasil pós-colônia, no

início do século XIX, especialmente naquilo que diz respeito à participação dos

homens de letras na definição de um perfil para o Estado e a sociedade brasileiros.

A propósito disso, assim se manifestou o próprio Alencar:

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Sobretudo compreendem os críticos a missão dos poetas, escritores e artistas, nesse período especial e ambíguo da formação de uma nacionalidade. São estes os operários incumbidos de polir o talhe e as feições da individualidade que se vai esboçando no viver do povo. Palavra que inventa a multidão, inovação que adota o uso, caprichos que surgem no espírito do idiota inspirado: tudo isto lança o poeta no seu cadinho, para escoimá-lo das fezes que porventura lhe ficaram do chão onde esteve, e apurar o ouro fino. (Alencar, 1965, p. 497)

Alencar entende que os escritores, em sua época, possuíam uma missão, a

de buscar e encontrar as individualidades que poderiam construir o Brasil e seu

povo. Esta missão estaria ligada ao recente processo de independência política que

o país vivenciava. Para tanto, ele mesmo trouxe para si essa incumbência,

fomentando, inclusive, a discussão sobre o papel do escritor na configuração da

nação brasileira, a partir do debate em questão.

Sabe-se que Alencar atribuiu a si próprio o compromisso com a construção de

uma nação moderna. Porém, importa pensar sob qual ótica essa nação foi

construída. Suas formulações a respeito do que se queria como literatura, do que se

queria como país e como deveria ser o povo brasileiro estão presentes tanto em

suas obras literárias quanto em seus ensaios políticos.

José de Alencar, filho de grande proprietário de terras, como a maioria dos

filhos de famílias importantes da época estudou na Faculdade de Direito de São

Paulo e depois na do Recife. A essa condição associa-se o fato de ter sido um

homem público e político conservador, com forte atuação na sociedade imperial de

base escravista do seu tempo. Não por acaso seus primeiros romances indianistas

fundam o tipo de nobreza almejado por ele para a recente nação, ou mesmo um

determinado índio representante ideal de uma dada nação.

Alencar vinculou-se desde cedo às discussões sobre a herança européia e o

desejo, senão, a necessidade de alicerçar os valores e as particularidades de sua

nação. Porém, apresentou saídas para essa questão com um olhar vindo do alto,

das elites do Império. Longe de ser um alienado ou apenas um sentimental, como

tantos críticos o definiram, Alencar revelou-se pela sua obra e pela sua atuação na

vida pública um intelectual típico do seu tempo, com suas limitações literárias, com

suas contradições e ambigüidades. Ora era visto como ideólogo, sonhador,

temperamental, orgulhoso, solitário assumido, romântico à francesa; ora como

fundador da Literatura brasileira, dos assuntos indígenas, dos temas nacionais.

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Procurando não reduzir o autor a sua biografia, porém, recuperando-a como

elemento importante para a compreensão da formação de seu pensamento, é válido

ponderar que José de Alencar nasceu em uma família tradicional de senhores de

terra que, praticamente, dominava a região em que viviam - o Ceará. Teve

oportunidades de instruir-se nas primeiras instituições educacionais instaladas em

seu país, e para tal fez preparatórios e cursou, à moda do tempo, a Faculdade de

Direito de São Paulo. Longe de ser um “sem oportunidades”, alguém “a margem de

sua sociedade‟, Alencar não teve necessidades de correr para buscar um lugar ao

sol para sobreviver:

[...] Ele fora fadado para as oposições; não precisou ganhar a vida, e, saindo dos bancos escolásticos, seu pai, que na política e no ânimo dos maiores vultos do país, havia plantado a consideração e o respeito, facilmente cercou-o com o prestígio de um nome célebre nos anais do parlamento. (Araripe, 1980, p. 172)

Leitor de Chateaubriand, Victor Hugo e Balzac, Alencar foi um romântico com

ideais nacionalistas, vivendo em um país periférico como o Brasil onde a

intelectualidade buscava os caminhos da sua identidade, além de inserção nas

esferas políticas, culturais e sócio-econômicas. Tal busca é marcada por

ambigüidades de várias ordens nos aspectos políticos, sociais, econômicos e

culturais. Estamos falando aqui de um país de base tradicional, mas que, no entanto,

queria modernizar-se, pois, embora tivesse proclamado sua independência política

continuava profundamente dependente das determinações das metrópoles

européias. Além disso, a prática do favor, do clientelismo, do paternalismo dominava

as questões políticas no país e, apesar da intelectualidade clamar por uma literatura

nacional, continuava a importar valores e conceitos estéticos não mais da antiga

metrópole portuguesa, mas agora, da então famosa República Francesa.

Pode-se dizer que José de Alencar e o seu nacionalismo estão ancorados em

um país, como ressaltou Roberto Schwarz, no qual as idéias estavam “fora do lugar”.

Cabe destacar, nesse particular, que as idéias liberais européias estavam em

contradição com a organização sociopolítica e cultural do Brasil, já que a sociedade

e o Estado brasileiros se organizavam a partir de um regime absolutista de natureza

escravista (Schawarz, 2000, p.12).

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O Romantismo praticado por Alencar está imbricado com a questão da

nacionalidade, a partir dos interesses de uma elite ilustrada de base escravocrata

que almejava a formulação de um projeto político que respondesse aos desafios da

construção da nação brasileira. O que seria aceito ou refutado na construção do

caráter nacional era fortemente determinado por essa minoria de intelectuais, dentre

eles Alencar. Assim, todas as idéias e ideais oriundos do movimento romântico

passariam pelo crivo do pensamento das elites escravistas, vinculadas às estruturas

de poder do Brasil, sob o mando imperial. Entre as respostas apresentadas por

Alencar ao desafio de construção da nação brasileira está a invenção do indianismo,

sustentado na imagem rousseauniana do bom selvagem, em perfeita comunhão com

o colonizador português, conforme pode ser observado em Peri e Iracema,

personagens emblemáticas do romantismo alencariano.

5. As pessoas de Alencar

Iniciando sua vida de escritor nos chamados Folhetins12, seria incoerente e

ingênuo acreditar que José de Alencar também o fosse. Nada em sua obra é de

graça, ou escrita sem algum propósito, ele sabia o que queria produzir, para quê e

para quem. A sua formação literária, iniciada com a leitura de clássicos nos saraus

de sua casa, e depois aprofundada pela leitura dos autores românticos da moderna

literatura, quando cursava faculdade, demonstram que Alencar tinha perfeita

consciência sobre o debate da construção de uma literatura nacional.

Ainda que um dos maiores estudiosos de sua obra, por vezes, em seu texto

peque pela relativa hipérbole atribuída ao autor, e até mesmo por reduzir o

pensamento de Alencar ao meio em que este viveu e vivia, Araripe Júnior traz

importantes informações acerca de como Alencar trabalhou conscientemente em

defesa de um determinado projeto nesta direção. Segundo o próprio Araripe,

José de Alencar não foi um poeta inconsciente, e esta única proposição será suficiente para explicar toda a sua vida literária. Obedeceu precocemente a uma vocação, sentiu-se forte, dirigiu suas

12 Em 3 de setembro de 1854, Alencar iniciava no Correio Mercantil seus folhetins sob a rubrica “Ao

Correr da Pena” [...] Tratava-se de um gênero que possuía tanto de jornalismo quanto de literatura, podendo-se assim dizer que foi essa na realidade a estréia literária do escritor. Cf. Brito BROCA, “José de Alencar – Folhetinista”. In: Alencar, José de. Obra Completa. Rio de Janeiro: José Aguilar LTDA, 1960, p. 631.

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faculdades e tornou-se um artista consumado. À obra antecedeu um pensamento. A natureza exterior não veio a ele, não o coagiu. Foi ele que correu ao seu encontro, abriu-lhe os sacrários e tomou-lhe as cores com que havia de dar forma ao vago das suas inspirações. (Araripe, 1980, p. 136)

Mesmo quando Candido divide José de Alencar em “Os Três Alencares”, e

restringe o papel de sua literatura madura somente aos seus perfis de mulheres,

pois segundo o crítico somente neste Alencar “há um sociólogo implícito”, deixa claro

que a aparente obviedade de suas obras, na realidade vem camuflada com uma

crítica, um pensamento. Como quem bate com luvas de pelica, antes de findar seu

artigo dizendo que o autor de O Guarani “[...] nada mais fez do que [...] retomar

alguns temas básicos [...]” faz uma importante ressalva, a saber:

A sua arte literária é, portanto, mais consciente e bem armada do que suporíamos à primeira vista. Parecendo um escritor de conjuntos, de largos traços atirados com certa desordem, a leitura mais discriminada de sua obra revela, pelo contrário, que a desenvoltura aparente recobre um trabalho esclarecido dos detalhes, e sua inspiração, longe de confirmar-se soberana, é contrabalançada por boa reflexão crítica. (Candido, 2007, p. 548)

Alencar, já na Faculdade cursando Direito mostrava-se consciente do que

queria. Alheio e avesso ao alvoroço de seus colegas estudantes, posicionava-se

contrário ao romantismo precursor que tantos “boêmios” 13 insistiam em exercitar,

demonstrando que pensava em algo diferente. E esse algo diferente era o que viria

a determinar sua relevância perante seus contemporâneos e ao mesmo tempo seria

também sua grande limitação.

A atuação jornalística de Alencar auxilia-nos a compreender o pensamento do

escritor perante o seu tempo e a sociedade que então se formava no Brasil pós-

independência. Em seus primeiros folhetins, segundo Lira Neto (2006, p. 92),

Alencar inaugura a sua veia urbana de escritor. Capta com minudências todo esse

ambiente em formação, retratado logo depois em alguns de seus romances

citadinos, como Senhora, Diva e Lucíola, e ainda em algumas de suas peças

teatrais, como em Verso e Reverso e As Asas de um Anjo.

13 Significativos dessas tendências foram os grupos de estudantes de Direito, sobretudo os de São

Paulo, que desde o decênio de 1830 exprimiram uma sociabilidade especial, que se tornou objeto de lendas e contribuiu para a imagem do Romantismo como rebeldia, sofrimento e mal-do-século. Cf. CANDIDO, Antonio. O Romantismo no Brasil. São Paulo: Humanitas, 2004, p. 47.

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Quem não consegue falar escreve. E era assim que Alencar ia se revelando,

pois no anonimato de seus folhetins domingueiros, tomava a palavra e dava corpo

ao seu pensamento, conforme pode ser observado na citação abaixo, transcrita de

um folhetim escrito por Alencar em sua passagem pelo Rio de janeiro:

Ide a um baile, e quando sentirdes os prelúdios da música, o brilhar das luzes, as respirações anelantes e o roçar das rendas, as falas doces e confidências, a emanação tépida e perfumada que exalam as mulheres belas; quando respirardes esse ambiente delicioso, haveis de fazer como „eu‟, recomendava. „Meteis a vossa filosofia no bolso e tomareis o bom partido de recobrar as vossas forças neste mundo de uma noite, palácio de fada criado por um sorriso de mulher que se desfaz, como por encanto, ao primeiro clarão do dia‟.” (Alencar apud Neto, 2006, p. 93)

Alencar, em seus folhetins, não criticaria somente o modo de vida da Corte,

mas também as instituições da época, personalidades públicas e questões literárias.

Contudo, assim como tantas vezes ocorreria em sua vida, seria convidado a se

retirar, e pagaria caro por ter se tornado um notório criador de casos, a exemplo do

que lhe aconteceu no Correio Mercantil. Demitido, não desanima e tenta uma nova

empreitada. Na companhia de alguns amigos reabre o pioneiro e agonizante Diário

do Rio de Janeiro (Lira Neto, 2006, p.133) 14.

Neste novo desafio Alencar se mostrará, mais uma vez, ambíguo e

controverso, prometendo fazer um jornalismo isento e apartidário, ao mesmo tempo

em que se verá convertido ao pragmatismo financeiro, ou seja, recorrendo ao

expediente que até então criticara. O Diário do Rio de Janeiro será o primeiro

espaço para a publicação de um de seus primeiros romances urbanos, intitulado

Cinco Minutos, estampados dia após dia, no rodapé da primeira página do jornal;

será ainda o espaço onde Alencar publicará uma de suas primeiras Cartas Sobre a

Confederação dos Tamoios, importante documento que traz algumas idéias do autor

sobre a construção de uma literatura nacional.

Será, também, no Diário do Rio de Janeiro que Alencar conhecerá o sucesso,

quando em 1º de janeiro de 1857, três dias após a publicação do último folhetim de

Cinco Minutos, sai estampado o capítulo inicial de um novo romance. Os leitores

14 Três meses após a demissão do Correio Mercantil, aos 26 anos, Alencar retornava ao jornalismo,

agora em um respeitável papel de direção, ainda que investido da tarefa hercúlea de gerenciar uma publicação quase agonizante.

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eram então apresentados a Peri, à história que causaria frisson e conquistaria o

público da época, o romance O Guarani. Não obstante, chegaria o dia em que

Alencar deixaria seu cargo de diretor do Diário do Rio de Janeiro e, por vontade

própria, ele pediria para sair do jornal; chegaria o dia também que se sentindo

censurado e injustiçado abandonaria por um tempo os palcos e as peças teatrais.

Após militar em jornais e se aventurar pelos caminhos do teatro e da ficção, Alencar

assume um cargo burocrático e se vê prestes a entrar para a atividade política do

país.

A carreira literária de Alencar será marcada por inúmeras polêmicas. Há

quem diga que o debate de suas obras teve início com A Confederação dos

Tamoios e terminou com A Polêmica Alencar-Nabuco. Muitos críticos reduziram

essas contestações a meros caprichos e pirraças do autor, porém, há nelas

importantes questões que definem o perfil e o pensamento de Alencar. Nelas “[...]

definia-se uma carreira que desde então seria marcada pela crítica de autodefesa,

na literatura e na política” (Castello, 2004, p. 262).

Em suas Cartas sobre a Confederação dos Tamoios15 é possível observar o

que Alencar pensava sobre as condições necessárias à produção da literatura

brasileira, desde a inspiração do poeta, fruto das sensações emanadas pela

natureza de seu país, até a nova forma de poesia, neste caso o romance. Destaca-

se, ainda, o prefácio a Sonhos d’Ouro, de 1872, “Benção Paterna”, em que Alencar

num tom de autodefesa e de esclarecimentos de seus objetivos vai determinando

particularidades importantíssimas sobre seu pensamento. Entre essas

particularidades, segundo Aderaldo Castello, figura o reconhecimento de um “[...]

projeto totalizador e sintético da visão humana e de valores e tradições da nossa

sociedade do estratificado à mudanças, do rural ao urbano, e da história das origens

ao presente” (2004, p. 262).

A partir da própria classificação de José de Alencar que, para Afrânio

Coutinho, “[...] o que é particularmente importante, nesse esboço de classificação, é

15 Escritas aos 27 anos, quando ainda não iniciara a sua obra de romancista, são bastante indicativas

do caminho que Alencar teve de sugerir até identificar o romance como a nova forma de poesia capaz de atender às exigências de nossa literatura em formação. Cf. Afrânio COUTINHO. A Literatura no Brasil. 1986, p. 253.

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o fato de haver Alencar tentado a elaboração de uma obra esquematizada de modo

a abranger todas as fases de nosso desenvolvimento histórico” (1986, p. 257),

admitimos a categorização tipicamente clássica de suas obras em indianistas,

históricas, regionalistas e urbanas. Segundo o próprio José de Alencar, o período

orgânico de nossa literatura, e por conseqüência a dele, já contavam três fases: a

primeira, “[...] primitiva, são as lendas e mitos da terra selvagem e conquistada; são

as tradições que embalaram a infância do povo” (Alencar. Obra Completa, I, p. 495 –

496). A segunda, histórica, representa o consórcio do povo invasor com a terra

americana. E a terceira que começa com a independência política e é direcionada

não mais para as florestas, mas para as singelas cantigas do povo, ou seja, para

esta nascente sociedade urbana e rural que se desenhava. São romances desse

período O Gaúcho (1870), O Tronco do Ipê (1871), Til (1872) e O Sertanejo (1875).

José de Alencar, em sua autobiografia confessa, “[...] o único homem novo e

quase estranho que nasceu em mim com a virilidade, foi o político” (Alencar, 2005,

p.45). Às dez horas da manhã do dia 12 de dezembro de 1877, no Rio de Janeiro

morria, vítima de uma doença que lhe acometera desde a juventude, com apenas 48

anos de idade, o senhor José Martiniano de Alencar, homem de alma reservada e

hábitos familiares recatados, porém com muita disposição intelectual para grandes

polêmicas e grandes ideais literário-nacionalistas.

A notícia de sua morte chegava ao imperador D. Pedro II, quando este fazia

uma visita ao Duque de Caxias. E teriam sido estas as palavras de um último

comentário do monarca em relação a Alencar: - Mas ele era também um

homenzinho muito mal criado! (Viana Filho apud Lira Neto, 2006, p. 385). Esse

sentimento do Imperador, relatado por Lira Neto na biografia de José de Alencar,

mostra como de modo espontâneo e despretensioso o Imperador deixa implícito em

sua fala algumas linhas que marcaram a trajetória cultural e política de Alencar. O

último comentário de D. Pedro II, assim no calor do momento, demonstra não só um

ressentimento por parte do imperador – “alvo” de Alencar em suas críticas

folhetinescas - mas também a vontade de exprimir sua visão sobre o escritor. A fala

do monarca define a personalidade do escritor como sendo a de um homem que não

abdicava de seus ideais, de sua inteligência, de sua perspicácia e principalmente de

sua vaidade.

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Segundo Mario de Alencar, filho do escritor, a morte do pai:

[...] eliminou para os inquietos de ambição um alvo de ataque ruidoso. Desaparecida a pessoa, cuja presença podia fazer sombra a outros, e cujas possibilidades de esforço irritariam os menos esforçados, era inútil hostilizar a memória do escritor. Ficava-lhe a obra para o julgamento dos séculos. Como todas as obras humanas, sobretudo as dos grandes, ela havia de sofrer o fluxo e o refluxo da opinião, que alterna entre o aplauso e a indiferença, entre o entusiasmo e o cansaço de louvar. (Alencar, 1965, p. 16)

Polêmico tanto no âmbito literário quanto no âmbito político Alencar debateu

com importantes personalidades do seu tempo, e a principal delas foi o Imperador D.

Pedro II. Sua atuação política é muito significativa para o desvendamento da

atuação enquanto escritor e homem público.

Enquanto membro da política do Segundo Reinado defendeu, na condição de

parlamentar, que os representantes no Senado deveriam debater as idéias e as

questões nacionais para que se chegasse à organização política mais adequada às

condições do Brasil. Assim, para alguns estudiosos, “a trajetória política de Alencar

será bastante diferente da de nossos primeiros românticos [...] Alencar partirá de

uma posição de defesa do poder moderador para terminar seus dias em oposição

violenta ao imperador” (Ricupero, 2004, p. 179).

Alencar entra para a vida pública de um país sem partidos políticos bem

definidos, com escasso debate público, com maiorias incertas nas câmaras e

ministérios fraquíssimos. A simples menção que Alencar seria o próximo deputado a

falar, já era garantia para que todas as conversas paralelas cessassem no plenário.

Num de seus últimos discursos, pronunciado no ano de sua morte, Alencar condena

pesadamente a corrupção e a autocracia crescente no Brasil. Segundo Lira Neto,

Atacou, sobretudo, a corrupção, que dizia estar institucionalizada no país, criticou a fragilidade dos partidos, recriminou a política baseada no interesse pessoal e no compadrismo. O Brasil, desde sempre, já era o Brasil. [...] A cada frase, o discurso subia uma oitava no tom. Além de corrupta, segundo José de Alencar, aquela era uma época marcada pela autocracia crescente. (Lira Neto, 2006, p. 16)

Mas, nem sempre Alencar mostrava-se hábil em seus discursos. Quando

falou pela primeira vez como um parlamentar foi causa de decepção para muitos de

seus correligionários, “[...] o deputado novato estava visivelmente deslocado naquele

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ambiente onde a retórica parecia prevalecer sobre as idéias, os gestos cênicos

sobre o conteúdo dos discursos” (Lira Neto, 2006, p. 203).

A chegada de Alencar até a Câmara de Deputados foi no mínimo curiosa. Em

sua primeira candidatura, vendo-se já eleito pelo prestígio que os eleitores atribuíam

ao seu pai, não fez esforço algum para realizar sua campanha e, assim, foi

derrotado vergonhosamente, com dois ínfimos votos. Quatro anos mais tarde, após

seu insucesso com a peça As Asas de um Anjo, pediria demissão do cargo de

diretor do Diário do Rio de Janeiro, pleitearia um cargo numa repartição pública e se

candidataria, pela segunda vez, ao cargo de deputado. Afirma Lira Neto:

[...] José de Alencar não queria repetir o fracasso de 1856, quando fora fragorosamente derrotado nas urnas [...] Ao contrário da eleição anterior, dessa feita não haveria dúvidas sobre a real disposição de Alencar para encarar, com afinco, a batalha das urnas. (2006, p. 194)

Disposto a se eleger e se aliar ao que considerava pessoas certas, Alencar

surpreende a todos. Trai toda a trajetória de sua família no Partido Liberal ao lançar

a sua candidatura pelo Partido Conservador.

Iniciando sua carreira política no Partido Conservador Alencar defenderia, ao

longo de seu mandato, idéias por vezes antagônicas. Em comunhão com o

pensamento dos chamados “carcarás”, seria por muito tempo a favor do poder

moderador, defendendo que o monarca devia reinar, governar e administrar. Porém,

Alencar fazia uma caracterização particular sobre esse Poder, elevando-o quase à

dimensão do sagrado, como diz Bernardo Ricupero em “Alencar e a Crise do

Império”:

Situado acima dos demais poderes, não seria meramente político, mas nacional [...] A caracterização que Alencar faz do poder moderador não fica, portanto, apenas nos mecanismos de seu funcionamento. Reveste-se de um caráter que vai além da política, assumindo uma dimensão quase sagrada. (Ricupero, 2004, p. 182)

Para José de Alencar o nacional era o que importava. Neste sentido defendia

que um poder que antes do caráter político fosse nacionalista poderia, então, atingir

até mesmo a dimensão do sagrado. Quanto à escravidão defendia que ela deveria

ser abolida através de um processo espontâneo, suave e natural, e não de imediato,

visto que, seu maior medo era que as leis abolicionistas jogassem o Brasil em um

caos econômico e social. Talvez esteja ai a grande limitação de seu pensamento,

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tanto na política quanto na literatura, pois privilegiando a qualquer custo o que ele

considerava como nacional José de Alencar restringe suas idéias e ações a um

particularismo por vezes provinciano. Demonstrando assim que, “[...] seu

pensamento político é, portanto, marcadamente ambíguo; possui traços

conservadores, quase reacionários, e outros próximos do liberalismo” (Ricupero,

2005, p. 182-83). Segundo Lira Neto,

[...] o que se sabe é que, além de ele sempre ter mantido uma postura crítica em relação aos partidos da época, a adesão categórica de José de Alencar aos conservadores se deu pelas mãos do Senador Eusébio de Queiroz, uma das mais destacadas lideranças políticas do Segundo Reinado. (Lira Neto, 2006, p. 196)

Queiroz passaria a ser o protetor de Alencar, e numa “mexida de cordéis‟16,

quatro meses após sua entrada para uma das seções da pasta do Ministério da

Justiça, Alencar já assinava seu primeiro parecer como consultor jurídico do

ministério. Mais tarde, após o fim das eleições, além de conselheiro do Império,

Alencar era também deputado geral. Entre idas e vindas Alencar se veria fora da

Câmara. No ímpeto de se eleger Senador e com suas constantes reivindicações

irônicas em plenário entraria numa briga com o Imperador, o que resulta em sua

deposição do cargo junto com mais uma dissolução da Câmara ordenada pelo

Monarca.

Político e escritor, as duas dimensões mais controversas da vida de Alencar.

Quando os críticos espezinhavam ou silenciavam suas obras literárias ameaçava

trocá-las pela burocracia, quando percebia que suas pretensões políticas poderiam

ser frustradas apregoava o retorno à literatura. Para seu filho, Mário de Alencar, o

escritor e o político eram duas pessoas distintas:

[...] que não se confundiram nem contrariaram, posto que contrárias uma à outra. Ele foi paralelamente um poeta de idealizações extremas, e um homem prático e positivo; o primeiro dominado pela imaginação, pelo sentimento e pela fantasia, o segundo pela razão, pela realidade e pela prudência; no primeiro prevalecia o talento, no segundo a inteligência;[...] unia-os um traço comum: a índole, a alma brasileira. (Alencar, 1960, p. 13)

16 Essa expressão vem significando que Eusébio de Queiroz, através de influências. consegue

acelerar, de forma não convencional, a entrada de José de Alencar no Ministério da Justiça.

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Ainda que possamos ter Alencar distintos, ainda que Alencar oscilasse entre a

condição de escritor e de político, observa-se que não queria renunciar a nenhuma

delas, pois “[...] o escritor e o político pareciam, cada vez mais, fazer parte de um

único organismo” (Lira Neto, 2006, p. 199). Porém, “[...] no Parlamento pesava sobre

os literatos o preconceito de não possuírem a seriedade necessária ao trato das

coisas públicas” (Broca, 1960, p. 1039). Nessa ambigüidade Alencar seria julgado e

condenado por sua eterna alma romântica.

Apesar de algumas contradições e ambigüidades durante sua trajetória

política, percebe-se que Alencar nunca questiona algumas crenças básicas do Brasil

de então, como: a escravidão, a monarquia unitária e a mestiçagem. E de fato, essa

visão de mundo tão elitista e restrita não se restringe somente ao político cearense,

mas mostra-se como a expressão de um pensamento mais ou menos difuso sobre o

Brasil que se formou no Segundo Reinado.

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CAPÍTULO 3

ALENCAR E A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL

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As relações que envolvem o conceito de identidade também se encontram na

literatura, visto que ela é parte da cultura e pode servir, em muitos casos, de

instrumento para a construção da identidade de um povo. A desigualdade entre

França e Alemanha no século XIX, momento em que esses países estão se

firmando como nação, demonstra como a formação de uma identidade nacional

atendeu primeiramente a um projeto político e como esse processo de formação

ocorre de forma diferenciada em diferentes lugares do mundo. Analisando a

independência literária brasileira, Antonio Candido afirma que

[...] se o Brasil era uma nação, deveria possuir espírito próprio como efetivamente manifestara pela proclamação da Independência; decorria daí, por força, que tal espírito deveria manifestar-se na criação literária, que sempre o exprimia, conforme as teorias do momento. (Candido, 2007, p. 313)

Caberia aos literatos o esforço para a construção de uma literatura própria

que denotasse o caráter brasileiro, quase uma missão de fundo patriótico. Sendo

assim, “[...] a literatura foi considerada parcela de um esforço construtivo mais

amplo, denotando o intuito de contribuir para a nação” (Idem, 2007, p. 328).

Embora o nacionalismo independa do Romantismo e nem todas as

manifestações românticas possam ser enquadradas como nacionalistas, ambos,

podem ser vistos como grandes e decisivos aliados. Descrever costumes,

paisagens, sentimentos de individuação nacional combinava bem com o que

pregava a estética romântica, já que:

[...] nos países novos e nos que adquiriram e nos que tentaram adquirir independência, o nacionalismo foi manifestação de vida, exaltação afetiva, tomada de consciência, afirmação do próprio contra o imposto. Daí a soberania do tema local e sua decisiva importância em tais países, entre os quais nos enquadramos. (Ibidem, 2007, p. 333)

Segundo Regina Zilberman, em seu artigo “História da Literatura e Identidade

Nacional”, o critério principal para o julgamento do pertencimento de uma obra ao

elevado grupo da literatura brasileira foi primeiramente o seu caráter nacional ou o

tanto de cor local que possuía. Para esta autora, assim que o país proclamou-se

independente, “[...] entre as medidas a serem tomadas pela elite dirigente,

provavelmente constava a de elaborar uma narrativa para o passado da literatura do

país que começava a existir (Zilberman, 1999, p. 25).

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O fato é que, segundo Zilberman, faltava conteúdo para essa narrativa, visto

que o país acabara de conquistar sua autonomia política e que somente a partir de

então poderia produzir produtos culturais que traduzissem sua independência.

Porém, assim como ocorreu em outros países da Europa, a literatura no Brasil

desenvolveu-se brilhantemente ao longo do século XIX, uma vez que respondia a

um anseio particular: provava que literatura nascera e se desenvolvera em

consonância com o crescimento do lugar em que aparecia, sendo assim a história da

literatura brasileira nascia com o país a que se referia (Idem, 1995, p. 26).

Concretizar, concomitantemente, a construção da nação e da história da literatura

era problema compartilhado também por outras nações européias. Essa tarefa

imposta aos primeiros historiadores da literatura compunha-se de listar o material ou

outorgar visibilidade a um corpus; elaborar uma estória com enredo coerente e

aceitável e estabelecer classificações (Perkins apud Zilberman, 1999, p. 27). Para

Zilberman estava posta a importância da literatura na construção da nação:

O cumprimento das duas primeiras tarefas justificava a atividade do historiador; a resolução do terceiro legitimava-o perante a sociedade, pois, por meio da literatura, o país recebia atestado de nação, incluindo-o ao rol dos territórios civilizados e progressistas, os mesmos onde imperava um regime político reconhecido internacionalmente e era dominado por uma elite ilustrada, de preferência alinhado à classe burguesa que dominava a Europa pós-revolucionária do século XIX. (Ibidem, 1999, p. 27)

Em Literatura e Identidade Nacional, Zilá Bernd, sustentando-se nas

formulações de Paul Ricoeur17, também considera que a construção da identidade é

indissociável da narrativa e, conseqüentemente, da literatura. Há dois apontamentos

importantes nestas dimensões: o primeiro afirma que a construção da identidade -

seja ela de uma nação, de um povo, de uma cultura ou de uma literatura - raramente

virá desvinculada de uma narrativa; o segundo diz sobre a importância do papel da

literatura como instrumento de afirmação da identidade. Bernd em seu texto tem

como principal objetivo estabelecer as dominantes literárias do processo que vai da

autonomização à construção de uma identidade nacional, apontando os

17 Ricouer afirma que: “[...] identidade não poderia ter outra forma do que a narrativa, pois definir-se é,

em última análise, narrar. Uma coletividade ou indivíduo se definiria, portanto, através de histórias que ela narra a si mesma sobre si mesma e, destas narrativas, poder-se-ia extrair a própria essência da definição implícita na qual esta coletividade se encontra. (apud Bernd, 2003, p. 19)

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mecanismos de exclusão e transgressão. Para isso distingue essa busca por

definição identitária, tanto por um indivíduo como por uma comunidade, em dois

momentos que, segundo o poeta e crítico antilhano, Edouard Glissant, caracteriza

duas das funções da literatura, a saber:

[...] a função de dessacralização, função de desmontagem das engrenagens de um sistema dado, de pôr a nu os mecanismos escondidos de desmistificar. Há também uma função de sacralização, de união da comunidade em torno de seus mitos, de suas crenças, de seu imaginário ou de sua ideologia. (Glissant apud Bernd, 2003, p. 19)

Para Zilá Bernd o momento caracterizado como sacralizador na literatura

brasileira é aquele em que há a invenção do índio e a exclusão do negro das

narrativas. Quanto ao momento de dessacralização ocorre quando há a recuperação

dos discursos excluídos ao longo desse processo. Em relação à função sacralizante,

a autora considera que,

[...] a literatura atua em determinados momentos históricos no sentido da união da comunidade em torno de seus mitos fundadores, de seu imaginário ou de sua ideologia, tendendo a uma homogeneização discursiva, à fabricação de uma palavra exclusiva, ou seja, aquela que pratica uma ocultação sistemática do outro, ou uma representação inventada do outro. No caso da Literatura Brasileira este outro é o negro cuja representação é freqüentemente ocultada, ou o índio cuja representação é, via de regra, inventada. (Bernd, 2003, p. 33)

Para sustentar a tese de que a literatura brasileira caracteriza-se pelos dois

momentos acima, Zilá Bernd faz uma triagem de obras que apresentam, de maneira

mais evidente e explícita, o propósito em participar do projeto de construção ou de

desconstrução da nacionalidade. A estudiosa começa pelo o que ela denomina de

textos inaugurais, ou seja, aqueles escritos pelos descobridores e, mais tarde, pelos

primeiros viajantes e colonizadores. Destaca como principal característica destes

escritos a visão etnocêntrica dos primeiros viajantes que acabam por negar uma

identidade aos autóctones, marcando, de certa forma, uma matriz identitária calcada

pela falta e privação, o que gera uma negatividade.

Sobre os textos inaugurais, sobretudo os de André Thevet e Jean de Léry,

Zilá Bernd destaca o olhar exótico que os guiam na ânsia de descrever estas terras

desconhecidas para um público fora daqui e as primeiras imagens de nosso país

construídas por eles, e, que se constituíram como espécie de paradigma da

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representação do espaço americano. A autora destaca também o uso do termo

maravilhoso em várias destas descrições que, muitas vezes, fundem

deslumbramento e desconhecimento diante da paisagem descrita. Recorrendo a

Todorov, Bernd destaca que esse deslumbramento contribuiu para o que denomina

de “paradoxo constitutivo”, o que caracteriza

[...] o olhar exótico em que se misturam e se fundem o conhecimento e o desconhecimento do outro: o exotismo pratica um conhecimento de superfície e faz elogios do outro, em grande parte baseados no desconhecimento ou em um conhecimento meramente superficial. (Todorov, apud Bernd, 2003, p. 37)

Passando à outra etapa do reconhecimento das primeiras manifestações

literárias, Bernd considera que os dois poemas épicos O Uraguai (1769), de José

Basílio da Gama, e Caramuru (1781), de Santa Rita Durão, “[...] exerceram a função

de enraizamento e de fixação, celebrando a geografia americana e elegendo a

paisagem como seu personagem principal” (2003, p. 44). Ao analisar estas duas

produções a autora pontua o caráter dúbio da ainda incipiente consciência nacional.

Ela afirma que

[...] a consciência de nacionalidade que se esboça no século XVIII reveste-se, pois, de um caráter ambíguo uma vez que ao mesmo tempo em que celebra os valores do colonizador, glorifica os do País, „interessando-se estética e humanamente pelos nativos‟. (Idem, p. 46, 2003)

Com o fim do período clássico e o advento do romantismo, escritores e obras

trarão uma nova concepção de consciência nacional, expressa por meio do mais

novo gênero do romantismo brasileiro, o romance. Se definir-se é narrar, caberia ao

Brasil, recém-independente, buscar e criar qual seria a sua narrativa. Os escritores

criam então personagens, espaços e histórias que representavam essa busca

identitária, sacralizando um determinado imaginário ou ideologia. No caso do Brasil,

segundo Bernd, o “[...] romantismo realizou uma revolução estética que querendo

dar à literatura brasileira caráter de literatura nacional, agiu como força sacralizante

[...] trabalhando somente no sentido da recuperação e da solidificação de seus

mitos” (Ibidem, 2003, p. 19). Não por acaso, o primeiro romance escrito por José de

Alencar, O Guarani (1857), alicerçou a fundação da nação brasileira no mito

indígena retratado no índio Peri e, posteriormente, em Iracema (1865) e Ubirajara

(1874). Era preciso dotar a recente nação de um passado histórico glorioso, a

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exemplo das antigas civilizações e, ainda mais, era preciso um herói de virtudes

gloriosas, oriundas de um passado glorioso. Para tanto elegeu-se um índio que, no

alto de sua bondade, sacrifica-se em prol de sua senhora Ceci, além de realizar as

maiores peripécias em uma demonstração de força e coragem, a ponto de capturar

uma onça viva somente para satisfazer os caprichos de sua senhora.

Seguindo sua proposta de estudo, ou seja, estabelecer as dominantes

literárias do processo que vai da autonomização à construção de uma identidade

nacional, após avaliar as primeiras manifestações literárias do período colonial,

Bernd analisa a produção de José de Alencar, a partir do eixo da invenção do índio e

da ocultação do negro. Para esta estudiosa a obra alencariana correspondeu ao

estágio fundacional, caracterizado pela nomeação exaustiva das fontes, das raízes,

dos mitos fundadores e das genealogias nacionais. Em suas palavras,

[...] este projeto deixando-se impregnar pelas características românticas da época, alicerçou-se na idealização dos tipos formadores da „nação‟ brasileira, os quais foram concebidos como heróis no sentido tradicional do termo, ou seja, aqueles que possuem qualidades superiores às dos mortais comuns. (Ibidem, 2003, p. 51)

Ao abordar a idealização dos tipos formadores da nação brasileira, Bernd, por

meio de uma pequena análise da obra Iracema, elabora algumas considerações

sobre as características relevantes da escritura fundacional de José de Alencar.

Primeiramente, não considera o romantismo como um movimento que tenha

operado certa revolução estética na literatura brasileira, principalmente em relação à

obra de Alencar. Segundo, afirma que a produção alencariana foi construída

levando em consideração os mesmos princípios de aceitabilidade discursiva de

então. Permaneceu a doxa, o eterno retorno de certos padrões dos autores do

século XVIII, a saber:

a) integração do espaço e do referencial mítico maravilhoso americanos;

b) concepção do tempo fundada na concepção nostálgica do passado;

c) construção de um discurso exclusivo, baseado na representação inventada do indígena. (Ibidem, 2003, p. 54)

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Aplicando os padrões à análise de Iracema, Bernd considera essa obra como

um dos mitos fundacionais da literatura alencariana, estruturado nos padrões

estéticos europeus, uma vez que:

[...] ambientando seus personagens em um passado distante, que coincide com o início da colonização, e flagrando os primeiros choques das duas culturas em contato. A visão edênica e harmônica da vida nos primeiros tempos, a atribuição de traços positivos aos indígenas, o ufanismo, que leva constantemente o autor à exaltação da natureza e do „bom selvagem‟, se entretecem para dar gênese à narrativa, caracterizando uma consciência eufórica, na qual a supervalorização do regional e do natural compensa a situação de atraso da nação brasileira. (Ibidem, p. 52)

A análise de Iracema, realizada por Bernd, é análoga a interpretação de

Renato Ortiz, sobre O Guarani, caracterizado pelo autor como mito de fundação da

brasilidade. Bernd, ao analisar a produção alencariana, afirma que a mesma

apresenta alto grau de adesão à convenção dominante, e uma dessas convenções

consiste na utilização do mito do bom selvagem como crítica da própria sociedade

da época. Segundo a autora,

[...] se minha sociedade está corrompida (Rousseau), imagino nostalgicamente, uma sociedade vivendo em plenitude e harmonia. Assim, Alencar descreve a nação dos tabajaras como um lugar paradisíaco, onde os homens são „generosos‟, as virgens têm „os lábios de mel‟, os guerreiros são destemidos, as areias das praias são doces e os rios fornecem abundante pesca. (Ibidem, 2003, p. 53)

Para Renato Ortiz, ao contrário dos europeus que possuíam um passado

histórico que servia de alimento para a construção dos românticos, os brasileiros não

contavam com essa realidade. Assim, José de Alencar realizou um projeto

desafiador de transpor e adaptar os valores civilizatórios de Portugal ao Brasil,

utilizando-se do mito e projetando para um futuro próximo a consumação da nação

brasileira. Segundo as suas palavras:

Quando José de Alencar fala da Idade Média em seu romance, o leitor sabe que se trata de uma obra de imaginação sem uma correspondência imediata com a história, pois o passado elimina a possibilidade de que os fatos narrados possam ser confundidos com o real. A construção da identidade nacional é neste sentido puramente simbólica, e deve se voltar para o futuro, isto é, para o que se pretende criar, e não tanto para o que efetivamente ocorreu. (Ortiz, 1988, p. 261-62)

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No sentido de que os mitos são a-históricos, eternos e de certa forma

reversíveis, Alencar atenta-se para o tempo de sua narrativa, obedecendo à

estrutura mítica, construindo assim um passado nos tempos imemoriais,

favorecendo seu plano de escritura sobre o imaginário da nação brasileira. À medida

que o mito possui um centro, Alencar

[...] procura este centro entre a descoberta do continente e uma história que ainda não se iniciou. A trama não podia se passar anteriormente a 1500, isto seria uma contradição, uma vez que o Brasil não existia como país descoberto; mas seria difícil concebê-la tardiamente no século XVI, neste momento a irreversibilidade temporal comprometeria a identidade entre origem e história. O período escolhido é ideal, pois focaliza um estado de pureza inicial, elimina-se desta forma o que vem depois, inclusive o difícil julgamento moral de uma instituição como a escravidão. (Idem, 1988, p. 263)

Para Zilá Bernd, em sua análise de Iracema, essa valorização do passado

mítico possibilitou que Alencar construísse uma base indispensável para ancorar o

sentimento de identidade representado, no caso do romance em questão, pelo

nascimento de Moacyr, o filho da dor, concebido pela união de Iracema e Martim,

origem da raça brasileira e motivo de orgulho, sobretudo, das elites dominantes.

Portanto, os romances Iracema e O Guarani demonstram o comprometimento do

escritor com a edificação da identidade brasileira. Em um primeiro momento essa

edificação se dará pela elevação simbólica do índio à condição de representante de

uma dada nacionalidade. Em um segundo momento essa edificação se dará com o

homem do campo, a exemplo do sertanejo e do vaqueiro.

Em suas preocupações com a caracterização e influência da obra de Alencar,

Zilá Bernd discute, também, Os Sertões, de Euclides da Cunha, sob a perspectiva

de que o escritor, de certa forma, retoma “[...] o projeto alencariano de explicar o

Brasil e sua caminhada em busca de identidade” (2003, p. 55), constituindo-se,

apesar de alguns equívocos, num “[...] importante marco por instaurar a

modernidade na literatura brasileira18” (Ibidem, p. 55).

18 Quanto a função dessacralizadora da literatura, Bernd traz as contribuições importantíssimas de

Mário de Andrade, com Macunaíma, para a recuperação das vozes dos excluídos das narrativas, modelo diferente do que fora empregado pelo modelo alencariano.

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É fato que para Zilá Bernd as obras alencarianas agiram como força

sacralizante na literatura, uma vez que edificaram e solidificaram mitos de fundação

de uma determinada brasilidade. Porém, essa construção não se deu de forma „pura‟

ou „natural‟, por tratar-se de um projeto paradoxal que, ao mesmo tempo em que

buscava originalidade e pureza, carregava seus personagens de valores

europeizados, construindo uma identidade baseada no modelo europeu, com

prestígio na cultura universal de seu tempo. Por fim, essa tensão sempre rondará as

produções alencarianas. Porém, também é fato que “[...] com Alencar e Gonçalves

Dias está finalmente criada a literatura nacional, permitindo a livre manifestação do

„gênio brasileiro‟ (Candido apud Bernd, 2003, p. 51).

Alfredo Bosi, em História Concisa da Literatura Brasileira, ao dizer que “[...] a

colônia é, de início, o objeto de uma cultura, o „outro‟ em relação à metrópole [...]”

(2006, p. 11), reitera as afirmações de que as literaturas de países coloniais, como o

Brasil, iniciaram-se sob do signo da alteridade. Bosi, em sua análise, diz que no

começo a literatura versada nas colônias formava um “outro”, concernente a um “eu”

que era a metrópole. Incidia sobre esse “outro” a versão dada a partir da visão do

“eu” da metrópole. Mais tarde, com o processo de independência, desencadeou-se

uma dialética entre colônia e metrópole, fazendo com que esse “outro” colonial

reivindicasse para si o direito de tornar-se um novo “eu”. No caso de José de Alencar

o seu novo “eu” consolidado mostra-se bastante específico e patrioticamente

favorável.

Flávio Aguiar, em sua análise sobre o teatro alencariano, afirma que “[...] o

Brasil, com seus senhores de escravos à frente e seus escritores de pena em punho,

nasce da tentativa de se consolidar, política e culturalmente, um desses novos

„eus‟(1984, p. 11). Observa, ainda, que em contraponto a esse “eu nacional” havia

três “outros”. Para o autor, de todos, o terceiro “outro” “era o que mais empanava a

afirmação do “eu nacional, pois “[...] era o outro, era o nosso [...] era parte do eu”

(1984, p. 15). Ou seja, a problemática incidia nesse “terceiro outro”, pois o primeiro

outro era a metrópole, representada pela opressão portuguesa; o segundo era as

nações civilizadas tidas como modelos a seguir; e o terceiro reunia em si os

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demônios que assombravam a nova nação, ameaçando-lhe com a vergonha e o

ridículo, a glória de poder se civilizar.

José de Alencar, em ‟O Sertanejo, encobre esse terceiro outro, à medida que,

não toca na questão do atraso no sertão nordestino, não critica a prática do

coronelismo encarnado no personagem Capitão Mor Gonçalo Pires Campelo, além

de substituir o quadro da seca e da miséria pelo quadro de um sertão lindo e

majestoso, ameno e sem problemas sociais e econômicos. Esse terceiro outro,

segundo Flávio Aguiar, compunha-se dos obstáculos que deveriam ser vencidos,

como a escravidão, o atraso, a miséria. Mas, ao contrário, esses problemas foram

„esquecidos‟ para que os contornos da nação fossem pintados com cores bem mais

suaves. Daí a afirmação de Flávio Aguiar sobre o papel desempenhado pela

comédia nessa situação, pois o “eu nacional” não poderia ser representado pelos

dramas sociais, à época. Nas palavras desse estudioso,

Não que deixassem de fazer críticas à sociedade; ou que nela nada vissem a ser corrigido; pelo contrário. Mas será muito marcado o fato de que para este „eu nacional‟ sempre restará a possibilidade de um novo tempo, de uma nova oportunidade, de ser o mensageiro de redenção da civilização e dos seus males. Nossos heróis são mais heróis; nossos vilões são mais vilões; resultado: nossas histórias são mais positivas. Ao primeiro „outro‟ deve se vencer; ao segundo, aceitar, mas ridicularizar a cópia exagerada; ao terceiro, deve-se superar, para que o Brasil possa se afirmar por inteiro no cenário das nações civilizadas. (Aguiar, 1984, p. 16)

7. O Regionalismo em José de Alencar

Ao discutirmos a literatura de José de Alencar é imprescindível levarmos em

consideração que o autor escreveu sob um determinado ângulo de visão, em

determinado tempo e espaço, sob a influência do meio sócio-econômico e cultural

em que se encontrava. Quando tratamos da literatura romântica cunhada por

Alencar, uma questão se sobressai em todas as suas obras, trata-se do embate

entre duas formas de interpretar a sociedade do seu tempo, a saber: a ótica realista

e a ótica idealista. Já de início para os que procuraram somente realismo no

romance O Guarani, Alencar rebateu em sua autobiografia dizendo que “N‟O

Guarani o selvagem é um ideal, que o escritor intenta poetizar, despindo-o da crosta

grosseira de que o envolveram os cronistas, e arrancando-o ao ridículo que sobre

ele projetam os restos embrutecidos da quase extinta raça” (Alencar, 2005, p. 61).

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Há outro aspecto de absoluta importância para a compreensão da literatura

romântica de José de Alencar, apontado por José Maurício Gomes de Almeida, em

“O Sertanismo e Regionalismo na Obra Alencariana”. Segundo este autor “[...] a

dimensão nacionalista nas obras de Alencar está sempre em primeiro plano, em

função das exigências mesmas do momento histórico que o Brasil então

atravessava” (1981, p. 48). É importante discutir essa advertência feita por José de

Almeida em relação ao caráter primeiro das obras alencarianas, pois é através da

dimensão nacionalista que poderemos entender o regionalismo de José de Alencar.

Cabe destacar que o regionalismo, enquanto categoria e forma adotadas na

produção literária brasileira tem como caráter primeiro a forte tendência nacionalista,

instituída na literatura brasileira com o advento do Romantismo, uma vez que as

primeiras manifestações regionalistas na prosa de ficção remontam à metade do

século XIX. Assim, para compreender a formação das chamadas literaturas

regionalistas, a ânsia por reconhecimento e a sua persistência como estética e

ideologia até os dias de hoje, é necessário (re) visitar e (re) discutir algumas teorias

sobre o regionalismo enquanto uma categoria literária e o papel que ocupou no

processo de formação e desenvolvimento da literatura brasileira.

Lúcia Miguel Pereira, ao estudar o regionalismo no Brasil, considera

importante para o entendimento do tema a necessidade de delimitar o que, de fato,

pode ser considerado uma obra regional na literatura brasileira. Segundo a autora:

Se considerarmos regionalista qualquer livro que, intencionalmente ou não, traduza peculiaridades locais, teremos que classificar desse modo a maior parte da nossa ficção. A haver, com efeito, uma constante na nossa literatura, será a da predominância da observação sobre a invenção; pouco inclinados às abstrações, os nossos escritores, ainda os românticos, lidaram de preferência, mais ou menos fielmente, mais ou menos livremente, com a realidade [...] Para estudar, pois, o regionalismo, é mister delimitar-lhe o alcance: só lhe pertencem de pleno direito as obras cujo fim primordial for a fixação de tipos, costumes e linguagens locais, cujo conteúdo perderia a significação sem esses elementos exteriores, e que se passem em ambientes onde os hábitos e estilos de vida se diferenciem dos que imprime a civilização niveladora. Assim entendido, no início do período aqui estudado, o regionalismo se limita e se vincula ao ruralismo e ao provincialismo, tendo por principal atributo o pitoresco, o que se convencionou chamar de „cor local‟. Essa definição lhe indica por si só as vantagens e as fraquezas. (Pereira, 1973, p. 179)

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Lúcia Pereira, demonstrando uma das tendências que historicamente se

formou sobre a definição de obra literária regionalista, afirma que somente aquela

obra que retrate um ambiente rural ou provincial possa ser de fato considerada como

obra regional. Decorre daí a vinculação de obras com determinadas localidades e/ou

partes do país, como por exemplo o “regionalismo nordestino”, o “regionalismo

gaúcho”. Ao delimitar o alcance da ficção regionalista a autora estabelece uma

oposição entre a obra de ficção que, via de regra, vai do particular para o geral, e a

obra regional que, contrariamente

[...] entende o indivíduo apenas como síntese do meio a que pertence, e na medida em que se desintegra da humanidade; visando de preferência ao grupo, busca nas personagens, não o que encerram de pessoal e relativamente livre, mas o que as liga ao seu ambiente, isolando-as assim de todas as criaturas estranhas àquele. Sobrepõe, destarte, o particular ao universal, o local ao humano, o pitoresco ao psicológico, movido menos pelo desejo de observar costumes – porque então se confundiria com a realista – do que pela crença o seu tanto ingênua de que divergências de hábitos significam divergências essenciais de feitio. (Pereira, 1973, p. 180)

Pereira ressalta que na medida em que características diferentes de hábitos

entre homens são consideradas como divergências essenciais de feitio entre eles

há, nessa atitude, certa ingenuidade e ainda uma coisa de turista ansioso por

descobrir cada canto e encantos de cada lugar que visita. A autora compreende que

essa ênfase nas peculiaridades regionais acaba deformando ou exagerando as

peculiaridades individuais do homem, transformando-os em hábitos comuns. Há

ainda outra incongruência quanto ao regionalismo que, segundo Pereira, está ligada

ao fato de a literatura brasileira não ter surgido espontaneamente, não ter surgido de

uma necessidade íntima de expressão, mas ser fruto da imitação, fenômeno comum

a todos os países colonizados. Em suas palavras:

[...] o regionalismo: logicamente, deveria estar entre as primeiras manifestações literárias de um povo, marcar-lhe a tomada de consciência, exprimir-lhe as tentativas iniciais na arte da escrita. Nesse caso, o elemento pitoresco tão importante, tão importante nele, resultaria da identificação completa do escritor com seu meio, ao qual se prenderia não só pela sensibilidade como pela inteligência. Não é isso entretanto o que via de regra sucede; significa, ao contrário, quase sempre, antes uma volta do que uma expansão, um movimento de fora para dentro mais do que um movimento de dentro para fora, nascendo do encontro, com formas de vida rudimentares, de espíritos que lhes sentem a sedução

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precisamente por conhecerem outras mais complexas. (Idem, 1981, p. 181)

Para a autora o significado do primeiro regionalismo experimentado pelos

escritores não deixou que a literatura brasileira progredisse como se esperava, isso

ocasionou uma “volta” ao invés de uma “expansão” nas manifestações literárias.

Pereira considera que, “[...] só nos fins do século passado foi que se implantou aqui

o regionalismo puro, traduzindo o desejo de fixarem os escritores em todos os seus

aspectos o viver da nossa gente, da parte da população livre de influências e

contactos estranhos” (Ibidem, p. 181). Prosseguindo na discussão, a estudiosa

aponta que com a Abolição da escravatura e as mudanças que ela ocasionou na

vida do país, como a vinda de imigrantes para o Brasil, há nitidamente um

deslocamento nos hábitos de vida e a transição de um pólo para o outro. Este

processo de “urbanocracia” causa uma reação contrária, pois, até então, os temas

rurais predominavam na literatura brasileira, e o sertanismo surge como frente de

representação do Brasil revelando o “[...] anseio, num país onde a cultura é

importada, de valorizar os elementos mais genuinamente nacionais [...] acreditar no

sertanejo começou a ser uma compensação indispensável” (Ibidem, p. 183). Para

Pereira, as manifestações mais legítimas e vivas do regionalismo na ficção se deram

no Sul e no Nordeste do país, apresentando como pontos fortes o início dos estudos

sobre o folclore, a inserção dos dialetos populares e certa ingenuidade no estilo.

Porém, a estudiosa considera a publicação de Os Sertões, de Euclides da Cunha,

como uma superação ao „provincianismo regionalista‟ de até então, já que a obra

pode ser considerada uma narrativa mais literária, mais interpretativa e menos

objetiva.

Afrânio Coutinho, outro importante estudioso do regionalismo, realizou um

vasto estudo sobre essa modalidade literária na ficção brasileira, destacando as

obras e os autores mais importantes do período realista. A partir de autores e obras

ele dividiu a produção literária em cinco ciclos culturais, marcados pela importância

que tiveram como focos regionais de produção literária, cada um deles

representativo de uma região brasileira, a saber: o nortista, o nordestino, o baiano, o

central, o paulista e o gaúcho. Afirma que foi a partir do romantismo – com a

valorização da cor local e de aspectos regionais na ficção brasileira – é que o

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regionalismo ganhou importância na literatura brasileira. Para Coutinho, o

nascimento do regionalismo na literatura brasileira está associado ao sentimento

nacional, à conscientização que se alastrou desde a independência política e cultural

do país. Considerando que o regionalismo traz em si a questão da nacionalidade, o

autor faz uma importante distinção quando contrapõe o regionalismo praticado pelos

realistas ao regionalismo dos românticos. Segundo Coutinho,

Em José de Alencar, Gonçalves Dias, Bernardo Guimarães, o regionalismo é uma forma de escape do presente para o passado, um passado idealizado pelo sentimento e artificializado pela transposição de um desejo de compensação e representação por assim dizer onírica. Essa modalidade de regionalismo incorre numa contradição ao supervalorizar o pitoresco e a cor local do tipo, ao mesmo tempo que procura encobri-lo, atribuindo-lhe qualidades, sentimentos, valores que não lhe pertencem, mas à cultura que lhe sobrepõe. Já se assinalou que o índio de Alencar era um europeu de tanga e tacape. (Coutinho, 1986, p. 234)

Ao trazer para a discussão o que considera como o regionalismo praticado

pelos românticos e aquele praticado pelos realistas o autor amplia a discussão e

constrói outras possibilidades de utilização do conceito pela literatura brasileira. Se

Pereira (1973) vê a necessidade de delimitação quanto ao que se pode considerar

como obra regional, Afrânio Coutinho pontua, em seu trabalho, modos de interpretar

e conceber o regionalismo. Para ele,

Há quem o veja aliado à mediocridade e à estreiteza, confundido-o destarte com o provincianismo de mau sentido, que é deformante tanto quanto o cosmopolitismo é uma contrafação do universalismo [...] Outra concepção é a que reduz o regionalismo a sinônimo de localismo literário, a literatura regional não passando da exploração e exposição do pitoresco, das formas típicas, do colorido especiais das regiões. (Idem, 1986, p. 235)

Porém, Coutinho contesta essas possíveis interpretações sobre o conceito de

regionalismo na ficção. Considera-o, em consonância com os estudos do teórico

George Sterwart, sob dois enfoques: o primeiro, em sentido mais amplo, é que “[...]

toda obra de arte é regional quando tem por pano de fundo alguma região particular

ou parece germinar intimamente desse fundo” (Ibidem,1986, p. 235). Numa linha

mais abrangente, Coutinho, diferentemente de Lúcia Miguel Pereira, alarga mais o

espaço e admite a representação de qualquer “região particular” ao não delimitá-la à

dimensão do “rural” ou da “província”. Porém, assim como Pereira, Afrânio Coutinho

também dá importância ao espaço em que o enredo da história irá desenvolver-se

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em detrimento de seu tema. O segundo enfoque trata do conteúdo com que a obra

de arte irá nutrir-se, pois uma “[...] obra de arte não somente tem que ser localizada

numa região, senão também deve retirar sua substância real desse local” (Ibidem, p.

235). Coutinho considera que essa substância decorre de dois fatores, sendo que o

último é o sentido do regionalismo autêntico:

[...] primeiramente, do fundo natural – clima, topografia, flora, fauna, etc. – como elementos que afetam a vida humana na região; e em segundo lugar, das maneiras peculiares da sociedade humana estabelecida naquela região e que a fizeram distinta de qualquer outra. (Ibidem, 1986, p. 235)

Para Coutinho somente os autores e escritores realistas conseguiram praticar,

de fato, o que ele denomina de regionalismo autêntico. Diferentemente dos

românticos, os realistas despem-se do extremado sentimentalismo e escapismo tão

caro aos primeiros, e tomam para si a “verdade” das coisas, passando a apresentar

o espírito humano em seus diversos aspectos e em correlação com seu ambiente

imediato.

Afrânio Coutinho ainda destaca outra aparência típica do regionalismo

brasileiro - o sertanismo - um tipo de literatura que valoriza e idealiza o sertão e o

sertanejo do Brasil. Para ele, o “[...] sertanismo é uma reação nativista mais vigorosa

do que o indianismo e, sobretudo, mais autêntica, porque baseada numa realidade

nacional mais entrosada na trama de nossa civilização” (Ibidem, p. 237) que pode

ser dividido, em linhas gerais em duas fases:

No início, era um processo de idealização e sentimentalismo, de feitio otimista, através do qual o sertão é visto somente no seu aspecto róseo, o sertão bom e saudável, povoado de criaturas boas, sadias e vigorosas, de almas puras. É o Brasil supostamente mais brasileiro. Numa fase mais tardia, esse sertanismo corrompeu-se no caipirismo, representação caricatural e grotesca, cujos tipos constituíam uma enorme galeria do nosso romance e teatro, até os nossos dias. (Ibidem, p. 237)

Para finalizar sua discussão, Afrânio Coutinho considera certa contribuição do

regionalismo para com o que ele chama de homogeneidade da paisagem literária do

país. Segundo afirma,

O regionalismo é conjunto de retalhos que arma o todo nacional. É a variedade que se entremostra na unidade, na identidade de espírito, de sentimentos, de língua, de costumes, de religião. As regiões não dão lugar as literaturas isoladas, mas contribuem com suas

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diferenciações para a homogeneidade da paisagem literária de seu país. (Ibidem, 1986, p. 237)

Regina Zilberman, em artigo intitulado “História da Literatura e Identidade

Nacional” (1999) ao estudar o regionalismo na literatura brasileira, ratifica que as

primeiras manifestações regionalistas, além de coincidirem com o início do romance

brasileiro, relacionaram-se com o chamado projeto nativista, com que o Romantismo

revestiu-se. Segundo Zilberman, o Indianismo foi a “matriz de todo o mito”, uma

resposta à volta às origens, a essa necessidade de harmonizar toda a realidade.

Deformando positivamente todos os cantinhos do problema, criou uma grande

epopéia nacional, com verossimilhança, personagens esplêndidos, estabelecendo

uma imagem idealizada do homem brasileiro. E como tal seu produto final foi bem

sucedido, uma vez que, “[...] fundava-se na lógica de que, se a raiz fora boa e forte,

inevitavelmente seus frutos – os homens que no presente comandavam a política do

país – também tinham valor” (Zilberman, 1999, p. 44).

Todavia, como não correspondeu a certa realidade social, o Indianismo

consumiu-se rapidamente. Para Zilberman sua substituição pelo regionalismo foi

inevitável. Ao contrário do Indianismo que teve vida breve, o regionalismo

permaneceu e permanece atuante na ficção nacional, demonstrando que tem boa

ancoragem. Para a autora, o regionalismo relaciona-se profundamente com as

modificações ocorridas no país, principalmente em âmbito político, uma vez que no

século XIX, especialmente nos anos 70, com a polêmica separatista, o regionalismo

transforma-se em projeto literário dominante no Brasil.

Dado o enfraquecimento da política idealista do Indianismo e sua

inadequação ao que se almejava naquele momento como representação da

nacionalidade, o índio não poderia mais configurar este cenário, invocando, portanto,

a escolha de outro tipo de herói. Assim, “[...] era mister substituí-lo por um símbolo

mais adequado, vaga que veio a ser ocupada pelo tipo regional: o sertanejo, o

cangaceiro, o gaúcho [...]” (Ibidem, p. 47). Cabe destacar que houve importantes

conseqüências advindas do Regionalismo, a saber:

[...] o maior acercamento à realidade, como em Lúzia Homem, de Domingos Olímpio, e a valorização do cenário local, como em Pelo Sertão, de Afonso Arinos, ou Tapera, de Alcides Maya. Este fato, por seu turno, tem um outro efeito que confere ao Regionalismo importância superior às circunstâncias que regeram seu nascimento.

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Proveio daí um maior interesse pelas questões da terra e seus ocupantes; e a glorificação do herói, própria aos primeiros anos do movimento, ainda sob a influência das idéias românticas, cedeu lugar às reflexões em torno à miséria econômica e alijamento do poder das camadas campesinas, como em Os Sertões, de Euclides da Cunha. As aventuras cavalheirescas de gaúchos e sertanejos foram sucedidas, devido à influência do pensamento determinista do Naturalismo, pela denúncia dos problemas climáticos – a seca, por exemplo -, da decadência da grande propriedade rural e, enfim, dos males sociais. (Ibidem, p. 47)

Pela saturação dos motivos indianistas, devido sem dúvida a modificações no

processo político e ao retorno das revoltas separatistas no país, há o crescimento do

regionalismo na literatura, ocasionado por certas transformações na organização da

sociedade brasileira. Através deste pensamento, Regina Zilberman conclui que,

coube ao Regionalismo o papel de traduzir artisticamente todos esses

acontecimentos, demonstrando sua importância e continuidade no desdobramento

da história literária nacional (Ibidem, 1992).

Discutindo a relação entre subdesenvolvimento e cultura, em artigo intitulado

“Literatura e Subdesenvolvimento”, Antonio Candido busca compreender certos

aspectos fundamentais da criação literária na América Latina, a partir da noção de

país novo e depois de país subdesenvolvido. A partir das formulações de Mário

Vieira de Mello, Candido afirma que até o decênio de 1930 toda a América Latina

era representada por “países novos”, com grandes possibilidades de futuro e

realização, ainda que sua grandeza não tivesse sido considerada. Sem importantes

mudanças, transposta esta etapa o que predomina agora é a noção de “país

subdesenvolvido”. Candido salienta que a imagem de país novo causa nos

intelectuais latino-americanos um estado de euforia, com um tom de

deslumbramento e exaltação pelo grandioso e pelo exótico, transformados em

instrumentos de afirmação nacional e justificativa ideológica. Nesse particular, a

literatura apresenta-se como veículo para novas concepções, beneficiadas pelo

Romantismo e toda sua estética.

Ao discutir o regionalismo, Candido o faz sob dois enfoques: o regionalismo

com base na ideologia de “país novo”, e o regionalismo correspondente a noção de

“país subdesenvolvido”. A idéia de “país novo” foi cunhada durante a estética

romântica e está associada à definição do nacional através do que se convencionou

chamar de cor local. Esta fase, “[...] correspondente à situação de atraso, dá lugar,

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sobretudo ao pitoresco decorativo e funciona como descoberta, reconhecimento da

realidade do país e sua incorporação ao temerário da literatura”, (Candido, 2003, p.

158). Já a idéia de “país subdesenvolvido” é a fase da consciência sobre a realidade

nacional. Ao vincular o regionalismo a idéia de atraso revela que essa categoria

literária “[...] funciona como presciência e depois consciência da crise, motivando o

documentário e, com o sentimento de urgência, o empenho político” (Ibidem, 2003,

p. 142).

Antonio Candido trata ainda do que ele próprio chama de condições materiais

de existência da literatura. Segundo observou, salvo os três países meridionais que

formam a chamada “América branca”, essas condições têm no topo de sua lista o

analfabetismo e suas outras debilidades culturais, dentre elas a falta de meios de

comunicação e difusão, a inexistência, dispersão ou fraqueza de públicos, a falta de

especialização dos escritores e a constante pluralidade lingüística nos países de

cultura pré-colombiana. Porém, o autor considera que o analfabetismo não é

problema suficiente para explicar a fraqueza desses setores, somado a ele temos

fatores de ordem econômica e política, como “[...] os níveis insuficientes de

remuneração e a anarquia financeira dos governos, articulados com políticas

educacionais ineptas ou criminosamente desinteressadas” (Ibidem, p. 143). Numa

análise severa do subdesenvolvimento e das culturas massificadas Candido afirma

que é muito possível imaginar que o escritor latino-americano seja condenado a ser,

o que sempre tem sido, “[...] um produtor de bens culturais para minorias, embora no

caso estas não signifiquem grupos de boa qualidade estética, mas simplesmente os

poucos grupos dispostos a ler” (Ibidem, p. 144). Considerando que na maioria dos

países latino-americanos há grandes massas ainda fora do alcance da literatura

erudita, essa condição acaba por levá-las, quando absorvidas pelo processo de

urbanização,

[...] para o domínio do rádio, da televisão, da história em quadrinhos, constituindo a base de uma cultura de massa. Daí a alfabetização não aumentar proporcionalmente o número de leitores da literatura, como a concebemos aqui; mas atirar os alfabetizados, junto com os analfabetos, diretamente da fase folclórica para essa espécie de folclore urbano que é a cultura massificada [...] Em nosso tempo, uma catequese às avessas converte rapidamente o homem rural à sociedade urbana, por meio de recursos comunicativos que vão até a inculcação subliminar, impondo-lhes valores duvidosos e bem

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diferentes dos que o homem culto busca na arte e na literatura. (Ibidem, p. 145)

Para o crítico, não são somente as causas exteriores que atuam nesse

processo de massificação, e sim a atuação destes – o analfabetismo e a debilidade

cultural – na consciência do escritor e na própria natureza da sua produção. Candido

pontua que a visão deformada construída pelos primeiros intelectuais na América em

face da incultura dominante, o fato de não existir um ambiente literário que os

pudesse acolher e assim, estes terem que radicar os valores europeus, fizeram com

que estes para lá se projetassem, “[...] tomando-a inconscientemente como ponto de

referência e escala de valores; considerando-se equivalentes ao que havia lá de

melhor” (Ibidem, p. 148), ou seja,

A penúria cultural fazia os escritores se voltarem necessariamente para os padrões metropolitanos e europeus em geral, formando um agrupamento de certo modo aristocrático em relação ao homem inculto. Com efeito, na medida em que não existia público local suficiente, ele escrevia como se na Europa estivesse o seu público ideal, e assim se dissociava muitas vezes da sua terra. Isto dava nascimento a obras que os autores e leitores consideravam altamente requintadas, porque assimilavam as formas e valores da moda européia. Mas, que pela falta de pontos locais de referência, podiam não passar de exercícios de mera alienação cultural, não justificada pela excelência da realização. (Ibidem, p. 149)

Antonio Candido considera que nesse jogo da dependência cultural de um

país colonizado como é o caso do Brasil, há a predominância de certa ambivalência

de atitudes, o que leva o crítico a pensar que, “[...] analfabetismo e requinte,

cosmopolitismo e regionalismo, podem ter raízes misturadas no solo da incultura e

do esforço para superá-la” (Ibidem, p. 149). Nesse solo de ambivalências Candido

analisa as influências sofridas na literatura brasileira pelas literaturas européias e

pontua que as literaturas latino-americanas são basicamente apêndices das

metropolitanas e que devemos encarar serenamente o fato de que temos sim um

vínculo placentário com as literaturas européias, sendo este não uma opção, mas

um fato quase natural. Portanto, reconheçamos, implicitamente, como natural a

nossa inevitável dependência e busquemos superá-las, de modo que para o crítico,

o estágio fundamental para que isto ocorra é a “[...] capacidade de produzir obras de

primeira ordem, influenciada não por modelos estrangeiros imediatos, mas por

exemplos nacionais anteriores”, no caso do Brasil, “[...] os criadores do nosso

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Modernismo derivam em grande parte de vanguardas européias. Mas os poetas da

geração seguinte, nos anos de 1930 e 1940, derivam imediatamente deles” (Ibidem,

p. 153).

A grande questão apresentada por Candido consiste em admitir que a

literatura brasileira nunca estará livre de influências, elas sempre existirão, já que

[...] sabemos, pois, que somos parte de uma cultura mais ampla, da qual participamos como variedade cultural. E que, ao contrário do que supunham por vezes ingenuamente os nossos avos, é uma ilusão falar em supressão de contatos e influências. Mesmo porque, num momento em que a lei do mundo é a inter-relação e a interação, as utopias da originalidade isolacionista não subsistem mais no sentido de atitude patriótica, compreensível numa fase de formação nacional recente, que condicionava uma posição provinciana e umbilical. (Ibidem, p. 154)

A solução, segundo a análise do crítico, está na passagem da dependência

para a interdependência cultural, ou seja, para a integração transnacional. O que era

imitação vai, cada vez mais, transformando-se em assimilação recíproca,

possibilitando aos escritores da América Latina a tomada de consciência da unidade

na diversidade, mas, também, favorecendo a criação de obras de teor maduro e

original, a serem assimiladas pelos outros povos, inclusive dos países

metropolitanos e imperialistas.

Antes de cometer qualquer discriminação contra a ficção regionalista, no

intuito de não construir qualquer pensamento infundado ou fundado em questões

alienadas, Antonio Candido analisa e encara o regionalismo como conseqüência da

atuação que as condições econômicas e sociais exercem sobre a escolha dos

temas. Para o estudioso, o regionalismo de países desenvolvidos difere do

regionalismo dos países subdesenvolvidos, uma vez que essas áreas –

desenvolvidas ou subdesenvolvidas – “[...] invadem o campo da consciência e da

sensibilidade do escritor, propondo sugestões, erigindo-se em assunto que é

impossível evitar, tornando-se estímulos positivos ou negativos da criação” (Ibidem,

p. 158). Segundo Candido, na América Latina o regionalismo foi e ainda é uma força

estimulante na literatura, sendo que em ambas as etapas – na fase de consciência

de país novo e na fase de consciência de país subdesenvolvido,

[...] verifica-se uma espécie de seleção de áreas temáticas, uma atração por certas regiões remotas, nas quais se localizam os grupos

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marcados pelo subdesenvolvimento. Elas podem, sem dúvida, constituir uma sedução negativa sobre o escritor da cidade, pelo seu pitoresco de conseqüências duvidosas; mas, além disso, geralmente coincidem com as áreas problemáticas, o que é significativo e importante em literaturas tão empenhadas quanto as nossas. (Ibidem, p. 158)

Antonio Candido finaliza dizendo que o regionalismo foi etapa necessária que

fez a literatura focalizar a realidade local e que é um produto ainda vivo, mesmo que

a dimensão urbana seja cada vez mais atuante. O crítico aposta numa redefinição

do problema, pois o regionalismo não se exauriu pelo fato de atualmente ninguém

mais considerá-lo como forma privilegiada de expressão literária, sendo assim, “[...]

convém pensar nas suas transformações, lembrando que sob nomes e conceitos

diversos prolonga-se a mesma realidade básica” (Ibidem, p. 159).

Ao término desta pequena trajetória do regionalismo na literatura brasileira

observamos que o mesmo passou por diferentes abordagens e concepções ao

longo de sua evolução. Desde o Romantismo até a Geração de 30, de um modo

geral, estas abordagens estiveram ligadas a determinados grupos que queriam

projetar uma imagem de região, segundo seus interesses. A própria gênese do

regionalismo – advinda das preocupações nacionalistas dos românticos – foi com o

passar do tempo evoluindo e se adequando aos acontecimentos sociais,

econômicos e políticos do país em formação. Segundo José Maurício Gomes de

Almeida é “[...] quase impossível de se fixar de modo estável e definitivo, um

conceito estrito de romance regionalista que atenda a toda aquela ampla gama de

obras tidas geralmente pela crítica como tais” (1981, p. 265). Ou seja:

[...] a assimilação do dado regional (realidade sociológica) e sua transformação em matéria literária (realidade estética) processa-se de maneira substancialmente diversa em um obra romântica, de sentido épico-mítico, como seja O Sertanejo, ou no realismo descarnado de Vidas Secas. (Ibidem, p. 265)

Na Literatura brasileira, no que tange à evolução do romance regionalista, a

contribuição mais forte de José de Alencar realiza-se por meio de O Gaúcho e O

Sertanejo, apesar de alguns teóricos considerarem também como obras

regionalistas Til e O Tronco do Ipê. Contudo, concordamos com a análise de José

Maurício Gomes de Almeida de que Til representa uma forma de transição entre o

romance urbano e o romance de cunho regionalista, uma vez que, está voltado para

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a análise crítica da sociedade da época e que os romances regionalistas de Alencar

tendem sempre para uma exaltação mítico-heróica de um tipo regional (Ibidem, p.

49). Já em O Tronco do Ipê, Gomes Almeida considera que o espaço em que se

passa a história – a zona cafeeira do vale do Paraíba – ainda não constituía uma

região cultural capaz de subsidiar e fornecer à ficção valores ou tipos humanos

peculiares (Ibidem, p. 49).

O regionalismo versado por José de Alencar em O Sertanejo é aquele

regionalismo romântico, de cunho nacionalista, voltado para o campo,

especificamente para o sertanejo na tentativa de surpreender em sua pureza

primitiva a alma brasileira. Como Gomes de Almeida já ressaltou, José de Alencar

está mais preocupado com a afirmação nacional do que com uma afirmação

regional, pois o que o escritor deseja é “[...] encontrar nas regiões mais distantes e

preservadas o „viver singelo de nossos pais‟, a brasilidade ainda não contaminada

pelo cosmopolitismo urbano. O essencial é fazer surgir, por trás do homem regional,

o tipo brasileiro autêntico, em seu estado ainda „puro‟ (Ibidem, p. 48). Porém, por

terem seu caráter nacionalista, as obras alencarianas não deixam de ser

consideradas como regionalistas, uma vez que, em algumas obras românticas a

afirmação universal se faz através de tipos regionalmente configurados – o gaúcho,

o vaqueiro cearense (Ibidem, p. 48).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Sertanejo mostrou-se como um dos primeiros romances a eleger a temática

do sertão e a retratá-lo pormenorizadamente, e assim, pode ser considerado como

um dos textos fundadores da tradição e também como modelo a ser seguido ou

refutado pelos escritores das gerações posteriores. Servindo de base ou não para

obras futuras O Sertanejo também se alimentou de exemplos passados ainda que

estes fossem escassos, visto que, não havia uma tradição sertanista consolidada.

Alencar, leitor que foi dos romances europeus buscou modelos em Chateaubriand e

Walter Scott, buscou também nos cronistas e viajantes, e principalmente, no

cancioneiro popular cearense o material necessário para a construção d‟O

Sertanejo. Constatamos que não foi a observação direta dos campos do Ceará a

fonte de Alencar para esta construção, mas sim estas determinadas ficções. Fato

este que remeteu-nos a hipótese de que o sertão foi um espaço literário, cuja

imagem foi construída sob relatos que foram se sobrepondo uns aos outros ao longo

do tempo e consolidando-se no imaginário brasileiro.

Partindo desta perspectiva inferimos que Alencar não inova e, sendo assim,

imagina o sertão a partir dos lugares-comuns que faziam parte do ideário romântico,

ou seja, a natureza bela e majestosa, e, a partir desta fonte constrói uma imagem

fabulosa do interior do Ceará, espaço onde mais uma vez o homem, agora o

sertanejo, convive em plena comunhão com a natureza e com o colonizador. Pôde-

se compreender, através da análise, que para o romancista o sertão foi um espaço

de movimento, localizado num lugar semidescoberto entre as regiões mais povoadas

e as florestas ainda inexploradas.

A frondosa Oiticica, fazenda em que o dono possui uma extensa criação de

gado, é descrita sob uma perspectiva feudalizante onde o Capitão-Mor Gonçalo

Pires Campelo é tido como a força e ordem maiores a serem obedecidas por todos

que ali habitam. Essa perspectiva será abalada de duas maneiras: quando o capitão

Marcos Fragoso chega à região e quando Arnaldo se recusa a ocupar o cargo de

vaqueiro da fazenda Oiticica.

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Arnaldo, o herói do romance ocupa uma posição ambígua em relação à

Oiticica, pois ao mesmo tempo em que ele se nega pertencer à categoria dos

empregados da fazenda, colocando-se como vimos à margem de toda a hierarquia

social, desta feita toda a sua ação dentro do enredo é de devoção por Dona Flor e

de proteção extrema aos seus patrões. Observamos, através da análise dessa

postura dupla de Arnaldo, as contradições do próprio olhar de José de Alencar a

respeito da composição do brasileiro e da própria nação. Em consonância com seus

romances indianistas José de Alencar reitera a proposição de um Brasil em que é

possível a união „pacífica‟ entre o sertanejo – representante do brasileiro - e o

colonizador português. Porém, essa unificação não se mostra, simplesmente, como

fruto de uma idealização ou fabulação de Alencar. Ao contrário, mostrou-se bem

articulada e como reflexo da expressão do pensamento de muitos intelectuais da

época, ou seja, foi uma sociedade vista e forjada pelo alto, pelas elites que

compunham o Brasil Império.

Alencar, para tal, traja o sertanejo com a mais rica linha da honra, e mesmo

quando o submete ao processo de vassalagem, ergue um herói soberano por sua

nobreza incomparável, capaz de elevá-lo ao mais alto círculo de heróis épicos. Este

sertanejo tem em si as melhores características para moldar uma nação, pois, além

de ser forte, valente e nobre, é fruto da mestiçagem – claro que interessada - entre o

índio e o branco.

José de Alencar não inova ou mesmo não evolui em sua interpretação do

Brasil e dos brasileiros. Na representação do seu sertão nordestino e do seu

representante sertanejo, o escritor cearense deixa de lado o sertão da seca, da

miséria e do atraso, pintando outro bem mais harmonioso e prazeroso de se ver.

Porém, quando analisamos o personagem Arnaldo sob o signo da vassalagem um

novo horizonte pode se abrir. Como quem atira no que não vê Alencar ao construir

um personagem tão vassalo ao seu patrão e às regras que ele como o “mandão do

sertão” impunha aos seus empregados, de certa maneira pode ser lido também pela

perspectiva de que discutiu em seu romance um dos grandes problemas do sertão, a

prática do coronelismo naquela região, ainda que o tenha discutido sob a ótica

romântica de um intelectual de visão conservadora em uma sociedade de base

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escravista. Porém, acreditamos que esta perspectiva de análise é objeto para uma

outra pesquisa.

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