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A IDENTIDADE E A QUESTO RACIAL NO JARDIM ALVORADA
EM MARING/PR
Marivnia Conceio de Araujo - UEM
Universidade Estadual de Maring
GT 1 Cultura, Identidades e Diferenas
RESUMO
Este trabalho resultado da pesquisa intitulada O Conceito de identidade social.
Consideraes sobre a identidade tnica desenvolvida no Jardim Alvorada, bairro
perifrico do municpio de Maring no Paran. Atravs de uma anlise qualitativa em que
se usou entrevistas abertas com moradores do local, cuja maioria negra, e objetivava-se
saber se as categorias como cor de pele, ser negro, preto ou pardo estavam relacionadas
identidade social elaborada pelos indivduos do grupo. No contexto desta discusso sobre a
construo da identidade social foram utilizados algumas das reflexes tericas de Fedrik
Barth, Kabemgele Munanga, Florestan Fernandes e Muniz Sodr. Essa anlise vai no
sentido de tentar compreender como o mito da democracia racial ainda est atuante nas
relaes em nosso pas dificultando que muitos percebam as diferentes formas de
preconceito e discriminao racial de que so vtimas em seu cotidiano.
INTRODUO
SOBRE AS NOES DE RAA E IDENTIDADE
RAA
Em certa medida o conceito de etnia surgiu, entre outros fatores, para substituir o
conceito de raa aplicado aos seres humanos. A idia de raas humanas foi muito difundida
at o incio do sculo XX. Raa era utilizada pelo senso comum e tambm nos meios
acadmicos, enunciando a opinio de que os grupos tnicos (negros, amarelos, ndios e
brancos) tm diferenas genticas, biolgicas, intelectuais e que havia diferenas marcantes
entre eles. Acreditava-se que as raas desenvolveram-se isoladamente ou com pouco contato
entre si, no havendo espao para a miscigenao e esse desenvolvimento havia ocorrido de
modo desigual, causando uma hierarquia entre as raas.
O pressuposto da existncia de diferentes raas foi um terreno frtil para a elaborao
de um conjunto de idias etnocntricas que afirmava: a raa branca era mais hbil, mais
inteligente, com maior capacidade de adaptao aos diferentes meios e situaes, enquanto as
mailto:[email protected]
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demais eram inferiores, estavam aqum do potencial branco, de inteligncia, capacidade de
trabalho e de desenvolvimento, podendo inclusive, serem escravizadas ou dizimadas em
algumas reas em benefcio da raa superior. Assim, a idia de raa ajudou a conformar o
pensamento de dominao econmica, social, cultural e poltica que alguns povos
desenvolveram em todos os continentes do mundo.
Mas hoje a cincia biolgica, j tem evidencias de que o conceito de raa no se
aplica aos seres humanos. Segundo Muniz Sodr, atualmente a idia de que existem raas
humanas raa no se sustenta:
certo que, meio sculo atrs, no era to divulgada a certeza,
agora corrente na aprendizagem da cincia biolgica, de que o
conceito de raa invivel se aplicado a seres humanos. Raa, que
implica indivduos com patrimnios genticos diferentes, no existe (a
menos que se fale em raa humana). Hoje comea ter curso a
expresso espcie humana, que nica e abrange todos os seres
humanos. Equivale mais ou menos ao que os zulus, na frica do Sul,
denominam Ubuntu, ou seja, o conceito de Humanidade enquanto
reconhecimento dos outros como companheiros da espcie humana.
(SODR, 1999: 193)
Todos os grupos humanos contm elementos genticos de diferentes grupos tnicos
(uns com maior incidncia que outros), isto porque desde os primrdios da histria da
humanidade o homem viajou, desbravou terras longnquas, se relacionou e se reproduziu
(pacificamente ou no) com aqueles que encontrou. H milhares de anos a humanidade vem
se miscigenado e esse longo processo de encontros e desencontros resultou na espcie
humana, composta por inmeras etnias. Deve ficar evidente que, embora esse fato seja
reconhecido nas mais diferentes reas do conhecimento, ele ainda encontra certa resistncia
diante do senso comum, que em alguns momentos ainda refora as idias de raa e de
diferena racial, mas isso pode estar ligado ao preconceito direcionado para determinados
grupos tnicos durante centenas de anos e hoje, mesmo luz da cincia, fica difcil ultrapassar
e vence-lo.
A persistncia na crena da existncia de raas diferentes pode ser conferida tambm
atravs dos mais diversos exemplos de discriminao racial. No Brasil, a populao negra
um dos alvos da discriminao, seja no mercado de trabalho, nas escolas, nas diversas
atividades quotidianas. Muitas vezes a discriminao parte de rgos ou instituies pblicas,
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como no exemplo fornecido por Muniz Sodr:
So vrios os lugares sintomticos da discriminao, em geral
disfarados, mas s vezes bastante explcitos. Um exemplo: em 1996,
o Centro de Pesquisa e Assistncia em Reproduo Humana espalhou
por Salvador, Bahia, cartazes publicitrios com o ttulo defeito de
fabricao acima da imagem de um garoto negro, com correntinhas
no pescoo, canivete na mo e uma tarja nos olhos. Abaixo o texto:
Tem filho que nasce para ser artista. Tem filho que nasce para ser
advogado e vai ser embaixador. Infelizmente, tem filho que j nasce
marginal. Outro cartaz mostrava uma me negra, grvida, coberta
com um lenol branco e a legenda tambm se chora de barriga cheia
(SODR, 1999: 234-5).
Atravs dos dados apresentados pelos diversos rgos de pesquisa possvel
perceber a disparidade entre os ganhos das populaes negra e branca. Infelizmente os ndices
so sempre negativos para a primeira e este fato pode ser creditado discriminao racial
presente em nossa sociedade. A despeito de algumas transformaes ocorridas no mercado de
trabalho, as dificuldades para conseguir um emprego so maiores para os negros, e os negros
empregados recebem salrios menores que os dos brancos.
Na hora de receber o contracheque , negros e brancos esto em
descompasso. De acordo com dados da Fundao Seade, de So Pulo,
o salrio mdio de um branco na capital paulista de 760 reais. Na
mesma funo, um negro ganha menos da metade: cerca de 350 reais.
O negro tem de ser dez vezes melhor do que o branco para ter acesso
a uma educao que permita a ele competir e ultrapassar quem sempre
esteve em vantagem, diz o cientista poltico Srgio Abranches.
(VEJA,n. 33, 1999: 62-3)
A distribuio do espao, no que diz respeito moradia tambm apresenta uma face
discriminatria. Por exemplo, no Brasil a populao negra tem sido segregada espacial e
economicamente, pois tem dificuldades em se inserir no mercado de trabalho, ou conseguindo
ocupaes cuja remunerao baixa, como conseqncia reside em bairros afastados, onde os
aluguis so mais baratos, vivenciam uma srie de `dificuldades quanto ao tamanho e
qualidade das casas e s condies de vida oferecidos no local. Carlos Hasenbalg descreve,
resumidamente, alguns desses acontecimentos que reunidos criaram condies para uma
excluso do mercado de trabalho estvel e uma segregao espacial:
Desde a abolio, a populao negra na antiga sociedade
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escravista tem estado na retaguarda do capitalismo industrial. Durante
vrias dcadas aps a abolio, os negros ficaram concentrados nas
regies agrcolas mais atrasadas como parceiros, pequenos
arrendatrios, camponeses e moradores. Durante esse perodo, no
Brasil e nos Estados Unidos, ondas sucessivas de imigrantes europeus
ocuparam as posies abertas pela expanso dos setores e regies
capitalistas. Com o movimento das reas de plantao para favelas e
guetos citadinos, os negros, longe de penetrarem no cerne da classe
trabalhadora, industrial, aglomeravam-se em torno de suas camadas
inferiores em mercados instveis e irregulares de trabalho no
qualificado (HASENBALG, 1979: 109-10).
possvel afirmar que a inveno e a persistncia da noo de raa uma construo
elaborada nas relaes sociais, nos vrios segmentos da sociedade, tem componentes
histricos, econmicos que no podem ser ignorados. Entretanto, o papel dos grupos
dirigentes quanto ao uso da noo de raa tem grande relevncia, tanto assim que, no caso
do Brasil, raa trata-se sempre do outro, nunca do branco (cor da grande maioria dos
componentes dos grupos dominantes). Ela serve para designar o diferente, o no-branco.
So evidentemente diferentes os fentipos ou aparncias
(forma, cor, estrutura), que correspondem a manifestaes variadas do
patrimnio gentico e, portanto, ensejam a caracterizao de tipos
fsicos ou tipos tnicos variados. As etnias ou as etnizaes so
geralmente artefatos conceituais criados pelos grupos dirigentes, para
melhor controlar determinadas contradies sociais, em seu
movimento de construo do Estado. A percepo imediata classifica
automaticamente, a partir das noes inventadas (raa ou etnia), a
maioria dessas diferenas fentipicas. (HASENBALG, 197: 193)
Embora a noo de diferentes raas humanas no tenha fundamento cientfico, a idia
de raas, o pressuposto de uma superioridade entre elas, o preconceito e a discriminao racial
ainda so freqentes em nosso pas. Isso ocorre porque as relaes sociais no esto pautadas
apenas em conhecimento cientfico. Est presente no sistema classificatrio brasileiro a
existncia de raas. Mais que isso, raas hierarquicamente posicionas.
Todas as sociedades tm um sistema classificatrio e ele importante