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Revista Prolíngua – ISSN 1983-9979 Página | 16 Volume 5 - Número 2 - jul/dez de 2010 A IDENTIDADE SOCIAL: UMA ANÁLISE TEÓRICA Tayana Dias de Menezes UFPE/ PGLETRAS [email protected] RESUMO: Este artigo, A identidade social: uma análise teórica, tem como objetivo discutir os conceitos que compõe a teoria da identidade, a saber: subjetividade; sujeito; identidade e diferença. Para isto, usa-se como base teórica, especialmente, Hall (2006); Woodward (2009); Moita Lopes (2003). Essa discussão é relevante já que o tema da identidade é central para compreender a modernidade. PALAVRAS-CHAVE: identidade; subjetividade; sujeito; diferença. ABSTRACT: This article, A identidade social: uma análise teórica, have as objective to discuss about the theoreticales conceptions that compse the identity theory: subjective; subject; identity end difference. For that, I use as theoretical base, principally, Hall (2006); Hall, Silva, Woodward (2009); Moita Lopes (2003). This debate is indispensable because the idea about social identity is central to comprise the modernity. KEYWORDS: identity; subjective; subject; difference. INTRODUÇÃO Neste artigo pretendo discutir o que é identidade e, também, os conceitos teóricos que circunscrevem o tema. O foco de interesse diz respeito à identidade social, ou seja, características morais e essencialistas são secundárias. Algumas teorias usam o termo subjetividade como sinônimo para identidade, outras tratam os dois termos de forma distinta. Portanto, iniciarei o artigo discutindo os conceitos: identidade e subjetividade. 2. Subjetividade O conceito ‘Identidade Social’ era moldado em termos essencialistas, em consequência, o indivíduo – constituído de forma única – era central para essa teoria. No entanto, a ideia de uma identidade homogênea que definiria o sujeito de forma acabada vem sendo criticada e discutida na teoria social, segundo Hall (2006), pelo simples motivo de que esta não leva em conta a multiplicidade que nos constitui. Seria conveniente dissociar radicalmente os conceitos de indivíduo e de subjetividade. Para mim, os indivíduos são o resultado de uma produção de massa (...) Freud foi o primeiro a mostrar até que ponto é precária essa noção

A Identidade Social Uma Análise Teórica

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    A IDENTIDADE SOCIAL: UMA ANLISE TERICA

    Tayana Dias de Menezes UFPE/ PGLETRAS

    [email protected]

    RESUMO: Este artigo, A identidade social: uma anlise terica, tem como objetivo discutir os conceitos que compe a teoria da identidade, a saber: subjetividade; sujeito; identidade e diferena. Para isto, usa-se como base terica, especialmente, Hall (2006); Woodward (2009); Moita Lopes (2003). Essa discusso relevante j que o tema da identidade central para compreender a modernidade.

    PALAVRAS-CHAVE: identidade; subjetividade; sujeito; diferena.

    ABSTRACT: This article, A identidade social: uma anlise terica, have as objective to discuss about the theoreticales conceptions that compse the identity theory: subjective; subject; identity end difference. For that, I use as theoretical base, principally, Hall (2006); Hall, Silva, Woodward (2009); Moita Lopes (2003). This debate is indispensable because the idea about social identity is central to comprise the modernity.

    KEYWORDS: identity; subjective; subject; difference.

    INTRODUO

    Neste artigo pretendo discutir o que identidade e, tambm, os conceitos tericos que circunscrevem o tema. O foco de interesse diz respeito identidade social, ou seja, caractersticas morais e essencialistas so secundrias.

    Algumas teorias usam o termo subjetividade como sinnimo para identidade, outras tratam os dois termos de forma distinta. Portanto, iniciarei o artigo discutindo os conceitos: identidade e subjetividade. 2. Subjetividade

    O conceito Identidade Social era moldado em termos essencialistas, em consequncia, o indivduo constitudo de forma nica era central para essa teoria. No entanto, a ideia de uma identidade homognea que definiria o sujeito de forma acabada vem sendo criticada e discutida na teoria social, segundo Hall (2006), pelo simples motivo de que esta no leva em conta a multiplicidade que nos constitui.

    Seria conveniente dissociar radicalmente os conceitos de indivduo e de subjetividade. Para mim, os indivduos so o resultado de uma produo de massa (...) Freud foi o primeiro a mostrar at que ponto precria essa noo

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    de totalidade de um ego. A subjetividade no passvel de totalizao ou centralizao no indivduo. Uma coisa a individualizao do corpo. Outra a multiplicidade dos agenciamentos da subjetivao: a subjetividade essencialmente fabricada e modelada no registro social (GUATTARI, 2000, p. 31).

    A introduo e a citao acima nos ajudaro a situar teoricamente a diferena entre identidade e subjetividade adotada neste artigo. Note que acima h uma abordagem psicanaltica, pois ao tratar subjetividade, Guattari fala sobre a compreenso do ego. Esse conceito envolve os pensamentos e as emoes tanto do consciente como do inconsciente, trata, em outras palavras, quem somos como pessoas individuais. Mas, vale ressaltar que a subjetividade fabricada e modelada no registro social, isto , atua em um contexto social no qual a linguagem e a cultura atribuem significados a nossas experincias individuais.

    Segundo Woodward (2009), existe uma sobreposio entre os termos, ao abordar a identidade individual, neste caso, estaramos falando de subjetividade, que diz respeito a um perfil individual ou um modo de ser, aos sentimentos e emoes de um indivduo e seus traos caractersticos e morais, sem esquecer que no existe subjetividade sem um mapa cultural que lhe seja til como guia. Isso significa que esta formada por dois elementos centrais: o sujeito (ou indivduo) e o social (as estruturas sociais e a cultura).

    A subjetividade inclui as dimenses inconscientes do eu (WOODWARD, 2009, p. 55). O conceito permite averiguar os sentimentos envolvidos no processo de produo da identidade e explicar as razes pelas quais nos apegamos a identidades especficas.

    No so todos os tericos que concordam com essa posio. Como j mencionado, alguns empregam os termos como intercambiveis. Outros, como Benveniste (1978), define a subjetividade como a capacidade do locutor de se posicionar como sujeito e isso acontece na linguagem.

    Exposto o conceito adotado a respeito da subjetividade perfil do indivduo que inclui dimenses conscientes e inconscientes, e moldada socialmente tratemos agora dois elementos que podem causar alguma confuso: indivduo e sujeito.

    1 - INDIVDUO E SUJEITO

    Existe na lingustica mais de um tipo de sujeito. So eles, segundo o dicionrio de anlise do discurso: o sujeito falante: o termo designa todo ser humano dotado da capacidade da linguagem, ou seja, possui competncia lingustica para reconhecer formas (morfologia), para construir enunciados em harmonia como as regras de combinao (sintaxe) levando em

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    conta o sentido das palavras (semntica); o sujeito enunciante (ou enunciador): refere-se ao ser de fala. Significa isto dizer que este o ser presente na cena da enunciao, e que ele o responsvel nesse espao (na cena) pelo dizer; o sujeito comunicante: refere-se pessoa que emite uma mensagem endereada a um receptor. O termo herana de uma concepo de comunicao onde se deve codificar e descodificar uma mensagem e os responsveis pela atividade so, respectivamente, o emissor e o receptor (ou sujeito destinatrio); o sujeito do discurso: elemento importante para situar a relao entre o sujeito e os dados da situao de comunicao1. Alm dos sujeitos da lingustica, h ainda outros trs que merecem considerao, so eles:

    Sujeito do Iluminismo; Sujeito sociolgico e Sujeito ps- moderno.

    O primeiro centra-se na pessoa humana, ou seja, na pessoa como indivduo unificado, dotado da habilidade da razo, de conscincia e de ao. A essncia desse sujeito era o seu interior, isto significa que o ncleo do eu era a identidade de uma pessoa. Consequentemente, essa era uma concepo muito individualista do sujeito e de sua identidade (HALL, 2006, p.11).

    O segundo foi o resultado da crescente complexidade do mundo moderno e da concepo de que o eu interior do sujeito no uma entidade autnoma, nem auto- suficiente, mas influenciado pelas relaes que mantm com outras pessoas, pela cultura, pelos valores e smbolos sociais. Ou seja, a identidade formada na interao entre o eu e a sociedade (HALL, 2006, p. 11). O ncleo do sujeito permanece intacto, no entanto, este perpassado pela sociedade e pelos valores que o cercam. Nessa concepo h um dilogo constante entre o interior e o exterior.

    O sujeito ps- moderno resultado da internalizao de significados e valores sociais e culturais, e o alinhamento dos nossos sentimentos internos realidade objetiva. O sujeito no mais caracterizado pela estabilidade e unicidade, ao contrrio, instvel e mltiplo. Este um ser histrico e no biolgico, segundo Hall (2006).

    Mais adiante retomarei essas trs concepes de sujeito de Hall (2006) e a sua importncia para o desenvolvimento terico sobre a identidade. Analisarei, agora, com mais detalhes e mais cuidado, o sujeito social. Mas, antes disso, para diferenciar teoricamente o

    1 Para mais detalhe consultar: CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU, Dominique. Dicionrio de Anlise

    do Discurso. So Paulo: Contexto, 2008 p. 456- 462.

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    que sujeito e o que indivduo, farei uma comparao entre a sociolingustica (que centra o sujeito nos seus estudos) e Saussure.

    Para Saussure (2004), o estudo da fala era intangvel por causa de sua concepo terica sobre o que (ou quem ) o sujeito; sua perspectiva estava centrada no ser individual. Para o terico, os indivduos, seres nicos e distintos entre si, usam a lngua de forma imprevisvel, de acordo com seus desejos e intenes pessoais. Isso torna a fala assistemtica e impossvel para ser analisada. A partir dessa concepo, conclui-se que indivduo diz respeito s pessoas individuais.

    J a sociolingustica defende que o uso da linguagem pode ser objeto de anlise cientfica, isso ocorre porque sua noo de linguagem e de sujeito (no indivduo) distinta da de Saussure. Para os sociolinguistas, o uso da linguagem moldado socialmente e no individualmente. A variao sistemtica e est em harmonia com as variaes sociais: a natureza das relaes entre os participantes de uma interao; o tipo do evento social; o propsito dos participantes e etc. H uma mudana na concepo terica de indivduo para sujeito social. O uso da linguagem ou de discursos passa de uma atividade puramente individual para uma forma de prtica social exercida por sujeitos mergulhados em ideologias, na cultura e em estruturas sociais: o sujeito social.

    Adotaremos o conceito de Fairclough (2001): o sujeito social possui capacidade de agir sobre outros, j que est imerso em relaes sociais, e agir sobre o mundo (e, tambm, influenciado pelo mundo: instituies, cultura e ideologia). Ele perpassado e constitudo pelos muitos discursos que circulam na sociedade, que so moldados e restringidos socialmente.

    Os conceitos tericos de Fairclough so influenciados pelas concepes de Foucault (2009). Para este, o discurso constitui ativamente os objetos de conhecimento, os sujeitos e as formas sociais do eu, as relaes sociais e as estruturas conceituais, ou seja, os sujeitos sociais so construdos por discursos especficos. Os objetos do discurso (nisto incluem-se os sujeitos sociais) so constitudos e transformados em discursos de acordo com regras e no existem independentemente de discursos especficos.

    Foucault (2009) defende que o sujeito social uma entidade que no pode existir fora ou independentemente do discurso, mas, antes uma funo do prprio enunciado. Em outras palavras, os enunciados posicionam os sujeitos tanto seu autor/ autora quanto aquele para quem dirigido.

    O sujeito, para o terico francs, um efeito das formaes discursivas, mas no leva em conta a agncia social esta questo est apenas presente na teoria de Fairclough (2001).

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    Este afirma que o sujeito constitudo por prticas discursivas, mas , tambm, capaz de reestruturar essas prticas. Os sujeitos so perpassados pela ideologia, que tem existncia material nas prticas das instituies sociais. Esse dado conduz concepo de que um dos mais significativos efeitos ideolgicos que os linguistas ignoram no discurso, a constituio dos sujeitos (FAIRCLOUGH, 2001, p. 116). A maioria das pessoas, no entanto, no tem conscincia da ideologia enraizada em suas prticas dirias, que so tidas, desta forma, como naturalizadas ou automatizadas. Isso no significa dizer que os sujeitos so incapazes de agirem individualmente ou coletivamente.

    Os sujeitos so posicionados ideologicamente, mas so tambm capazes de agir criativamente no sentido de realizar suas prprias conexes entre diversas prticas e ideologias a que so expostos e de reestruturar as prticas e as estruturas posicionadoras. O equilbrio entre sujeito efeito ideolgico e o sujeito agente uma varivel que depende das condies sociais (FAIRCLOUGH, 2001, p. 121).

    Em resumo, sujeito no o mesmo que pessoa humana, mas uma categoria simbolicamente construda, segundo Fairclough (2001). A ideologia, portanto, transforma os indivduos em sujeitos e determina as relaes sociais. Estes so recrutados a assumir determinadas posies atravs de prticas e processos simblicos. Neste artigo, considero sujeito como elemento social perpassado pela ideologia, constitudo por meio dos sistemas simblicos, construdos em culturas especficas.

    2 - IDENTIDADE

    Identidade vista como produto social resultante da interao entre o indivduo com o mundo social, inclui dimenses como papis sociais (ex. professor, mdico, etc.), relaes sociais (ex. parentesco, amizade, etc.), identidade grupal (ex. classe, gerao, e etc.) e rank (ex. pessoas com ou sem ttulo e etc.). Ela , portanto, composta por elementos diversos ou atributos emergentes da interao social, no um conceito fixo, ao contrrio, passvel de mutaes, dependendo da situao em que o interlocutor se encontra e com quem o falante/ escritor est negociando sua identidade.

    O conceito que pretendo discutir no diz respeito identidade individual, ou seja, no iniciarei, aqui, nenhum debate metafsico sobre o eu individual quem sou?, em nvel pessoal, no ser uma pergunta relevante no momento. Minha preocupao com a identidade social, isto , enquanto grupo social, as identidades no esto nos indivduos, mas

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    emergem na interao entre os indivduos agindo em prticas discursivas particulares nas quais esto posicionados (MOITA LOPES, 1998, p. 8).

    O tema pertinente para o debate hoje, visto que o mundo est passando por mudanas culturais, econmicas, sociais, polticas e tecnolgicas. Estas, em parte, so resultado do processo de globalizao, ou como o socilogo Bauman (2005) a chama: modernidade-lquida. A globalizao e, consequentemente, os seus resultados radicais e irreversveis modificaram as estruturas estatais, as condies de trabalho, as identidades sociais, o indivduo (incluindo os seus costumes, crenas e estilos de vida), e as relaes entre o eu e o outro. Valores que antes eram encarados como verdades naturalizadas esto sendo questionados. As mudanas trazidas pela modernidade modificaram a realidade e fomentaram o surgimento de novos estilos e hbitos de vida e de organizao social.

    Tratando ainda sobre a pertinncia da discusso, Hall (2006) comenta que a identidade est sendo extensamente discutida na teoria social, especialmente, porque as velhas identidades, que por tanto tempo equilibraram o mundo social, esto em declnio, consequentemente, novas surgem e fragmentam o indivduo moderno, at ento visto como um sujeito uno. A crise de identidade vista como parte de um processo mais amplo de mudana, que est deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referncia que davam aos indivduos uma ancoragem estvel no mundo social (HALL, 2006, p.7).

    indiscutvel que o processo de mudanas histricas causou constantes mudanas na conjuntura social, cultural e, em consequncia, na identidade social. Estas mudanas concorreram para que se agregassem identidade dos sujeitos novos papis sociais, novos valores. Resumindo: o sujeito, para se adequar s mudanas, assumiu um comportamento diferente, ou seja, diferentes papis, e nesse sentido possui um identidade fragmentada. Vale ressaltar que o conceito terico no o resultado da soma de pequenas partes.

    Benedetto Vecchi ao entrevistar Bauman compara a identidade a um quebra-cabea (um todo formado pela soma de pequenas partes). A comparao parcialmente esclarecedora segundo a opinio pessoal de Bauman (2005), pelos seguintes motivos: sempre faltaro peas em um quebra-cabea que tenha a identidade como um fim, assim sempre um jogo incompleto (sem nenhuma noo de quantas peas faltam ao jogo), enquanto que aquele comprado em uma loja geralmente vem completo e possui na caixa (ou em outro local) a imagem impressa o objetivo a ser alcanado. Quando alguns desses requisitos no so cumpridos, o dinheiro do consumidor pode ser devolvido. A imagem impressa auxilia o jogador em relao aos caminhos tomados, se suas escolhas no fim formaro a imagem

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    pretendida ou poder, tambm, apontar algum erro, e a possibilidade de conserto. No h auxlio nos caminhos tomados para a construo da identidade. Tm-se peas, mas no existe uma imagem preestabelecida para ser alcanada no jogo da formao identitria, de modo que no se pode ter certeza de quais peas sero necessrias, ou se uma encaixa-se com outra. Resolver um quebra- cabea uma tarefa com um objetivo especfico: montar uma imagem conhecida de antemo com peas que se encaixam. A identidade, por sua vez, no tem uma imagem dada com antecedncia, ela tem inicio com uma srie de peas que parecem ser interessantes, mas no existe a promessa de se encaixarem, podem-se permutar as peas at achar alguma imagem agradvel e a permutao, assim como a aquisio de novas peas, sempre possvel. A tarefa de um construtor de identidade , como diria Lvi-Strauss, a de um bricoleur, que constri todo tipo de coisas com o material que tem mo... (BAUMAN, 2005, p. 55). importante mencionar outro sentido atribudo identidade fragmentada do sujeito ps-moderno. O uso do termo fragmentada pode referir-se s mudanas tericas a respeito do sujeito e da identidade. Farei um breve resumo e retomarei os conceitos de Hall (2006) sobre sujeitos. Durante o Humanismo Renascentista do sculo XVI e o Iluminismo do sculo XVIII, Ren Descartes (1596- 1650) postulou duas entidades distintas, a matria e a mente. O sujeito individual estava no centro da mente por causa de sua capacidade de pensar e raciocinar, Cogito, ergo sum. Esse ficou conhecido como o sujeito cartesiano. Esta era uma concepo individualista do sujeito e da identidade. Esta teoria significou uma ruptura com a Idade Mdia: no lugar de Deus como centro do universo, estava o homem dotado de raciocnio uma entidade unificada, indivisvel e consciente.

    No entanto, medida que as sociedades se tornavam mais complexas, elas adquiriam uma forma mais coletiva, consequentemente, o conceito sobre o sujeito se tornou mais social:

    O indivduo passou a ser visto como mais localizado e definido no interior dessas grandes estruturas e formaes sustentadoras da sociedade moderna. Dois importantes eventos contriburam para articular um conjunto mais amplo de fundamentos conceptuais para o sujeito moderno. O primeiro foi a biologia darwiniana, [...] o segundo evento foi o surgimento das novas cincias sociais(HALL, 2006, p. 30).

    Entre as novas cincias sociais o autor destaca a psicologia (freudiana, principalmente) e a sociologia. Essas foram responsveis pela desagregao e pelo deslocamento do sujeito moderno.

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    Para a psicologia freudiana, segundo Hall (2006), a identidade, assim como a sexualidade e os desejos dos indivduos, formada por processos psquicos e simblicos do inconsciente. Refuta, desta forma, um ser centrado no consciente e prope um sujeito cindido entre a tenso consciente versus inconsciente. Hall (2006) tambm faz referncia s contribuies de Lacan. Este localizou a participao do outro na constituio do inconsciente. Para Lacan, a criana, que ainda no possui nenhuma imagem de si, v-se num determinado momento refletida num espelho. Desta forma, inicia-se a incorporao dos sistemas simblicos: a lngua, a cultura e a diferena sexual. Esse processo forma um sujeito dividido, no entanto, o sujeito vivencia uma identidade unificada resultado de uma fantasia formada na fase do espelho. Encontra-se nesse momento a origem contraditria da identidade. Apesar da utopia do sujeito em relao unicidade de sua identidade, esta sempre permanece incompleta.

    Para a sociologia, a identidade era formada na interao entre o eu e a sociedade. As mudanas polticas, culturais e sociais tm moldado o sujeito ps-moderno, sua identidade no fixa, essencial ou permanente. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que no so unificadas ao redor de um eu coerente (HALL, 2006, p. 13). Portanto, as trs principais concepes do sujeito: o sujeito do Iluminismo, o sujeito sociolgico e o sujeito ps- moderno, deslocaram a concepo terica de uma identidade fixa, homognea e acabada para descentrada, heterognea, contraditria, inacabada e fragmentada.

    importante lembrar que a identidade uma conveno social necessria. A identidade ambivalente: ao mesmo tempo em que liberta, oprime; ao mesmo tempo em que alimenta a iluso de pertencimento, aponta a frustrao do ser excludo, procura alcanar o impossvel: diferentes, mas os mesmos; separados, mas inseparveis; independentes, mas unidos (BAUMAN, 2005, p. 16).

    3 - IDENTIDADE E DIFERENA

    Uma caracterstica terica importante da identidade que esta marcada pela diferena, ou seja, para os contornos de uma identidade X estarem bem delineados e bem definidos, deve existir uma Y bem delineada e bem definida. As identidades so definidas atravs de oposies binrias: ser X significa no ser Y e vise e versa. A afirmao sou X, inclui uma extensa cadeia de negaes: no sou Y, nem R, nem B e etc. Assim, a identidade est relacionada com a diferena (so inseparveis). Aquela contm, mesmo que nas entre

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    linhas, esta. Isso significa dizer que tomar conscincia de si tomar conscincia do outro, isso acontece nas relaes entre os sujeitos sociais.

    A definio da identidade est relacionada com a definio e reconhecimento da diferena, ou seja, na relao com o outro que me identifico como o no-outro (OLIVEIRA, 2006, p. 27).

    Dentro das diferentes sociedades, mesmo que haja respeito em relao diferena, no se pode negar o fato de sua existncia: h diferenas, e estas so atravessadas, ou mesmo criadas, por valores culturais.

    A construo da identidade um processo que est inserido no plano das relaes sociais. Identidade e diferena so o resultado de atos de criao lingustica e atos simblicos marcada atravs de smbolos (marcas de produtos consumidos, isso inclui: viagens, lugares que so frequentados, distinguem as muitas identidades) que circulam, tm efeitos na esfera social e nas relaes sociais. Existe uma associao entre a identidade da pessoa e as coisas que ela usa (WOODWARD, 2009, p. 10).

    As identidades s podem ser compreendidas dentro dos sistemas de significao. No so elementos da natureza, mas sim, da cultura so os sistemas simblicos que as compem. Vale dizer que elas no so determinadas por tempos indefinidos; so passveis de mudanas, isto , o conceito no fixo, a performatividade desloca esses conceitos como elementos descritivos para uma entidade em movimentao e transformao. A descrio da identidade de um grupo social, no um ato meramente descritivo, , na verdade, um reforo para a definio do grupo no contexto social no que diz respeito identidade.

    Como j dito, a identidade e a diferena no so elementos da natureza, antes, permeiam o social. No so elementos do mundo natural, so fabricados nas relaes sociais e culturais.

    A identidade no uma essncia; no um dado ou um fato seja da natureza, seja da cultura. A identidade no fixa, estvel, coerente, unificada, permanente. A identidade tampouco homognea, definitiva, acabada, idntica, transcendental. Por outro lado, podemos dizer que a identidade uma construo, um efeito um processo de produo, uma relao, um ato performativo. A identidade instvel, contraditria, fragmentada, inconsistente, inacabada. A identidade est ligada a estruturas discursivas e narrativas. A identidade est ligada a sistemas de representao. A identidade tem estreitas conexes com relaes de poder (SILVA, 2009, p. 97).

    J que tanto a identidade como a diferena so criaes do meio social, possvel pensar que nelas tambm operam relaes de poder. Estabelecer uma identidade e, consequentemente, a diferena, traduz o desejo de diferentes grupos sociais alcanarem e

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    garantirem o acesso privilegiado aos bens sociais. Ou seja, a identidade e a diferena tm laos estreitos com o poder, o poder de definir a identidade e de marcar a diferena no pode ser separado das relaes mais amplas de poder (SILVA, 2009, p. 81). A identidade e a diferena nunca so inocentes.

    Em uma oposio binria sempre haver uma desigualdade de poder, um dos termos sempre mais valorizado do que outro: um a norma, o outro a fuga ou desvio da norma, sempre encarado como o outro. Assim a diferena pode ser construda negativamente o outro pode estar margem da sociedade e ser representado dessa forma. Como tambm pode ser ela a fonte da diversidade (conceito bem aceito hoje).

    A diferenciao um dos processos fundamentais para a determinao da identidade e da diferena. As marcas do poder da identidade e da diferena: incluir/ excluir (estes pertencem ao grupo X, aqueles no) demarcar fronteiras (Ns e Eles), classificar (Bons e Maus, Fortes e Fracos), normalizar (o X a regra, todo o resto um desvio da regra). Essas fronteiras no so simples demarcaes, antes so fortes traos de demarcao de poder e indicadores das posies-de-sujeito.

    Normalizar, segundo Silva (2009), significa determinar uma identidade como parmetro para as demais. A eleita detm as cargas positivas e considerada normal e natural, enquanto que as outras so vistas como anormais, e geralmente, so mal vistas socialmente.

    No entanto, atravs de movimentos ou aes sociais, essas identidades, fixadas como naturais, podem ser subvertidas, pois as identidades so instveis e esto merc dos movimentos entre as fronteiras sociais: se o movimento entre fronteiras coloca em evidncia a instabilidade da identidade, nas prprias linhas de fronteiras, nos limiares, nos interstcios que sua precariedade se torna mais visvel (SILVA, 2009, p. 89).

    CONCLUSO

    Fizemos, nesse artigo, uma explanao terica sobre os temas que esto sendo amplamente discutidos na teoria social, na lingustica e em outras cincias: subjetividade (ou identidade individual, refere-se ao modo de ser, aos sentimentos e as emoes do indivduo, vale salientar que alguns tericos tratam os conceitos identidade e subjetividade como sinnimos); indivduo e sujeito (o primeiro refere-se pessoa humana, o segundo diz respeito a um elemento constitudo por ideologia e construdo socialmente); e diferena (caracterstica fundamental para delinear e definir a identidade). A reflexo sobre esses assuntos auxilia a compreenso sobre o tema central a Identidade Social.

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    Essa discusso nos d subsdios para compreender melhor a modernidade, ou a modernidade lquida-moderna termo cunhado por Bauman (2005) que designa uma sociedade fluida e perpassada por constantes mudanas e entender os atuais papis fragmentados assumidos pelos sujeitos sociais.

    REFERRENCIAS:

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