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Estudios Latinoamericanos 6, p. II (1980), pp. 71-101 A imagen do Brasil na Alemanha do século XIX: impressões e estereótipos: da independencia ao fim da monarquia. Hermann Kellenbenz Jürgen Schneider Introdução. E necessário ressaltar que o Brasil real e, a sua imagem construída pelos europeus, inclusive os alemães, constituíam duas unidades distintas e contrastantes. As imagens apoiavamse sobretudo em impressões secundarias e superficiais, resultantes de experiencias acumuladas pelos alemães durante uma permanência mais ou menos longa no país. Estas imagens feítas pelos alemães do grande país sulamericano condensavamse efetivamente, em uma série de juizos subjetivos e de cunho generalizador. Por falta de tem.po ternos que limitarnos à exposição de alguns dos aspectos mais relevantes de um amplo conjunto de relações culturais. Estas imagens dispersas e contraditórias permitem-nos porém, à semelhança de um quebra-cabeças, formar um todo relativamente articulado e correto. Os primeiros contactos de que se tem noticia evidenciam antes de tudo o interesse e o tino comercial do viajante. Isto é confirmado pelas observações contidas no livros dos «Paumgarten», em, que são retratados práticas e costumes comerciais, encontrando-se inclusive um parágrafo especialmente dedicado as mercadorias provenientes da Terra nova oder dem

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Estudios Latinoamericanos 6, p. II (1980), pp. 71-101

A imagen do Brasil na Alemanha do século XIX:

impressões e estereótipos: da independencia ao fim da

monarquia.

Hermann Kellenbenz

Jürgen Schneider

Introdução.

E necessário ressaltar que o Brasil real e, a sua imagem construída pelos

europeus, inclusive os alemães, constituíam duas unidades distintas e contrastantes. As imagens apoiavamse sobretudo em impressões secundarias e superficiais, resultantes de experiencias acumuladas pelos alemães durante uma permanência mais ou menos longa no país. Estas imagens feítas pelos alemães do grande país sulamericano condensavamse efetivamente, em uma série de juizos subjetivos e de cunho generalizador.

Por falta de tem.po ternos que limitarnos à exposição de alguns dos aspectos mais relevantes de um amplo conjunto de relações culturais. Estas imagens dispersas e contraditórias permitem-nos porém, à semelhança de um quebra-cabeças, formar um todo relativamente articulado e correto. Os primeiros contactos de que se tem noticia evidenciam antes de tudo o interesse e o tino comercial do viajante. Isto é confirmado pelas observações contidas no livros dos «Paumgarten», em, que são retratados práticas e costumes comerciais, encontrando-se inclusive um parágrafo especialmente dedicado as mercadorias provenientes da Terra nova oder dem

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Brasilland. Ão que tudo indica estes livros foram escritos entre 1502 e 15081.

A publicação da «Cópia da nova Gazeta do Brasil», em Augsburg, por volta de 1514, pelo impressor Erhard Oeglin, é mais uma prova do interesse comercial despertado pelo Brasil2.

As crônicas de viagem de Hans Staden, publicadas em 1557, em Marburg (Hessen), expressam categoricamente o valor excepcional de sua obra. No século XVI já se considerava que suas descricões das tribos brasileiras eram a melhores, em comparação com aquelas deixadas por seus contemporâneos3.

Além dos relatórios referentes a actividades comerciais deve-se fazer uma referência expressa a outras fontes e particularmente às contribuições de Georg Markgraf4 e Zacharias Wagner, ambos companheiros de Maurício de Nassau.

Zacharias Wagner pretendía com seu Tierbuch conseguir expor «com assoluta fidelidade, as características verdadeiras dos seres vivos, existentes no Nordeste Brasileiro, compreender os animais, plantas e frutos e os habitantes de diferentes raças humanas, com seus costumes eusancas rudo isso visto com os olhos de um europeu observador e perspicaz»5.

Estes exemplos deveriam ainda ser suplementados pelos relatos de jesuítas àtivos no Norte e no Sul do Brasil6, para que se possa ter uma idéia do caráter das informações sobre o Brasil circulantes na Alemanha antes da proclamação da Independéncia.

1 Karl-Otto Müller, Welthandelsbrauche 1480-1540, Deutsche Handelsakten des Mittelalters und der

Neuzeit, Stuttgart 1934. pp. 6 e 8. A interpretação de Müller foi corrigida porTheodor Gustav Werner, Repräsentanten der Augsburger Fugger und Nürnberger Imhoff als Urheber der wichtigsten

Handschriften des Páumgartner-Archivs über Welthandelsbräuche im Spätmittelalter und am Beginn

der Neuzeit, em: «Vierteljahrschrift für Sozial- und Wirtschaftsgeschichte». 52, 1956, 1-410. Mals detalhes in: Hermann Kellenbenz: As relações económicas entre o Brasil e a Alemanha no época

colonial, Recife 1961, 11 s. 2 Hermann Kellenbenz, Neue und Alte Welt. Rückwirkungen der Entdeckung und Eroberung Amerikas:

auf Europa im 16. Jahrhundert. em: «Lateinamerikastudien», l. München 1976. 15s. 3 Hans Staden, Duas Viagens ao Brasil. Transcrito em alemão moderno por Carlos Fouquet e traduzido desse original por Guiomar de Carvalho Franco, com uma introdução e notas de Francisco de Assis Carvalho Franco, São Paulo 1942, 11. 4 Ernst Gerhard Jacob, Georg Markgraf (1610-44). ein unbekannter deutscher Forscher in Brasilien

und Angola. em: V. Colóquio Internacional de estudos luso-brasileiros, Coimbra 1965, vol. II. 5 Enrico Schaeffer, João Mauricio de Nassau e as Ilustrações de Animais Braslleiros de Século XVII. em: II Colóquio de Estudos teuto-brasileiros. Recife 1974, 55. 6 Carlos Oberacker Jr., A Contribuição Teuta à Formação da Nação Brasileira, Rio de Janeiro 1968.

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O objetivo principal desta comunicação consiste na tentativa de composição da imagem que se fazia do Brasil desde a proclamação de independéncia até a queda da monarquía.

1. Relações políticas.

A situação política da Europa, no princípio de século XIX, foi de grande importancia para o destino do império colonial português na América. O Brasil torna-se em 1822 independente, pacíficamente, sem que todavía ocorra qualquer ruptura dos laços que o uniam à velha monarquía.

O ato de reconhecimento da joyero monarquía pelos Estados Unidos, em 1824, faz-se acompanhar no ano seguinte de igual gesto por parte de Portugal, viabilizado pela mediação da Inglaterra e formalizado através da assinatura de um tratado.

O estatuto legal da monarquia brasileira permitiu, automaticamente, seu reconhecimento pelas potencias da Santa Aliança e, em seguida, pelos demais países europeus. A Prussia e as cidades hanseáticas tiveram apenas que seguir o exemplo inglês no tocante à questão do reconhecimento; passando o mesmo a adquirir configuração jurídica quando da assinatura dos acordos comerciais de 1827.

A partir do momento da expiração daqueles acordos comerciais deixa de existir o privilégio alfandegario e, consequentemente, todas as nações obtêm igual tratamento. O governo da Prússia havia enviado Flémmig ao Rio de Janeiro na qualidade de embaixador plenipotenciário (1816) e nomeado Theremin cônsul da referida cidade (1820).

2. Relações comerciais

7.

O acordo comercial firmado em 1810 entre a Inglaterra e Portugal, cuja

duração prevista era de 15 anos, repercutiu prejudicialmente no

7 Erwin Hensel, Die Handelsbeziehungen Pre ubens und des Zollvereins zu Brasilien 1815-1870. Diss. BerHn 1943; Klaus Wyneken, Die Entwicklung der Handelsbeziehwzgen zwischen Deutschland und

Brasilien, Diss. Kaln 1958.

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comércio do Brasil com outros países. Não obstante, já em 1817, eram exportadas pela Prússia para o porto do Rio de Janeiro mercadorias no valor de 300 000 taler. Tratava-se principalmente dos seguintes produtos: metais de Remscheid e Iserlohn, peças de ferro e armas fabricadas em Solingen, fazenda e casemira de Aachen, latão e fios de arame de Stolberg, telas de Bielefeld e Silesia, linho e novelas de lã de Elberfeld.

Posteriormente, o Brasil tornava-se o major produtor e exportador de café do mundo, alcançando em 1848 50% da produção mundial8. O açúcar da cana, por sua vez, enfrentava a crescente concorrência, nos mercados europeus, do açúcar de beterraba.

Deve-se atribuir a expansão do poder de compra no Brasil sobretodo à exportação do café, que acarretou uma considerável ampliação do mercado interno, favorecendo assim às importações de produtos manufaturados, o mais das vezes provenientes da Europa ocidental.

3. Pesquisa científica, literatura e arte.

O público de língua alemã teve, através de descrições de viagens empreendidas por vários eruditos e artistas acesso à informações sobre o Brasil e suas riquezas exóticas, A liberdade de ir e vir, facultapa pela corte, possibilitou a realização de pesquisas étnicas, zoológicas, minerálógicas e botánicas. Alguns cientistas de renomé aceitaram o convite da princesa real ou imperial, Leopoldina, filha do imperador Francisco I da Áústria. No séquito da princesa encontravam-se oito cientistas, tres eruditos oriundos da Áústria, o zoólogo Natterer, o mineralogista Pohl, o professor de ciências naturais Mikan. Estes colaboraram estreitamente com o botánico Martius e o cientista Spix. Johann Buchberger, pintor vienen se, e Thomas Eder juntaram-se também a este grupo9.

O zoólogo Johann Baptist von Spix (nascido em 9/2/1781 em Höchstadt-Aisch) e o médico e botánico Karl Friedrich Philipp von

8 Jürgen Sehneider, Handel und Unternehmer im französischen Brasiliengeschäft 1815-1848. Versuch

einer quantitativen Strukturanalyse. «Forschungen zur internationalen Sozial- und Wirtsehaftsgeschichte», editada por Hermann Kellenbenz. vol. 9, Köln-Wien 1975. p. 283. 9 Florian Kienzl, Kaiser van Brasilien, Herrschaft und Sturz Pedros I und Pedros III., Berlin 1942.

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Martius nascido em 12/4/1794 (estiveram no Brasil de 1817 a 1820 e, juntamente com outro erudito, publicaram um livro, em 3 volumes, Viagem ao Brasil (1824-1831). As pesquisas destes autores resultaram em uma obra fundamental sobre a flora e a fauna do Brasil10. A Flora Brasiliensis de Martius, obra em 15 volumes, foi a consequência mais importante daquela expedição. A obra de Martius foi concluída postumamente (Martius faleceu em 1868) por uma equipe de 65 botánicos e, em 1906, o acervo montava em 40 volumes11.

Deve-se mencionar ainda, entre os cientistas de língua alema que estiveram no Brasil, o nome de Georg Wilhelm Freyreiss – ornitólogo e etnógrafo - tendo estado em 1813 no Brasil. O botánico Friedrich Sellow pesquisou sobretodo a flora, a fauna, as riquezas minerais e os índios da região sul do páís. As investigações realizadas pelo príncipe, Maximiliano de Wied-Neuwied em torno dos animais, plantas, pedras, insetos e dos índios botocudos alcançaram ressonância através de duas obras de grande prestígio, respectivamente, Viagem ao Brasil 1815-1817 (em 2 volumes) e História natural do Brasil. Entre os pintores que estiveram no Brasil, sobressai Johann Moritz Rugendas, cujo legado consiste em numerosos quadros e alguns milhares de esbocos e desenhos, de suma importância para o estudo dos grupos humanos, suas relacões sociais e da país agem natural do Brasil antigo12.

Não se pode de forma alguma omitir o nome do geólogo Wilhelm Ludwig Freiherr von Eschwege. Cabe-lhe o mérito de, pela primeira vez na história do Brasil (1812), ter extraído ferro em grandes quantidades, na «fábrica patriótica», em Congonhas do Campo (Minas Gerais)13. Sua obra Pluto Brasiliensis é um clássico no género14. Deve-se ao Barão de Eschwege não apenas a construção do

10 Hans Bayer, Wie denken Brasilianer über Deutschland, in: Roche, Jean/Woll, Dieter/Bayer, Hans: Die Deutschen im brasilianischen Schrifttum, em: «Romanistische Versuche und Vorarbeiten, Romanisches Seminar der Universität Bono», vol. 24, Bonn 1968, P. 81. 11 Hermann Matthias Görgen, Brasilien, Landschaft, Politische Organisation, Geschichte, in: «Bibliothek Kultur der Nationen», vol. 27, Nürnberg 1971,.p. 220. 12 Hans Bayer, op. cit., p. 81. 13 Ernest Arthur Boas, Die eisenschaffende Industrie Brasiliens, Grundlagen, Entstehung und bisherige

Entwicklung, em: «Volkswirtschaftliche Schriften», Heft 33, Berlin 1957, p; 16. 14 Ernst Gerhard Jacob, Grundzüge der Geschichte Brasiliens, em: «Grundzüge», vol. 24, Darmstadt 1974, p.21.

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primeiro alto-forno do Brasil, senão também a introdução pioneira em Minas Gerais de processos mais racionais para aextração do ouro15. Fundou em 1819, em Passagem, pequena cidade situada entre Ouro Preto e Mariana, a «Sociedade Mineralógica» para exploração de minas de ouro16.

E extraordinaria a participação desta geração de cientistas e artistas, dedicada a uma temática brasileira, conforme se verifica reiteradamente por intermédio de contínuas publicações e, principalmente, na obra de Alexander von Humboldt, Viagem ás

terras equinociais do novo continente... Infelizmente, em virtude de razões políticas, Humboldt não pôde ir pessoalmente ao Brasil.

A estas investigações científicas deve-se juntar a contribuição dos geógrafos. Um dos primeiros a trabalhar com objetivos científicos, particularmente no sul, foi o saxão Woldemar Schultz17. Os geógrafos J. E. Wappaus, K. Andree e K. Scherzer acharam a bacia do Rio da Prata altamente propícia à imigração alemã, Schultz limitou esta area às regiões do Brasil meridional.

Em sua principal obra, publicada em 186518, razões. econômicas e sociais fizeram aconselhar, enérgicamente, um isolamento exagerado aos imigrantes, ao mesmo tempo que chamava a atenção para as especulações de terreno por parte dos empresários colonizadores. Estes davam às famílias de imigrantes, contrariamente as necessidades a colonização do Estado, parcelas excessivamente pequenas de 5 a 15 ha, e assim faziam subir os precos. Schultz era da opinião de que para o impulso inicial do desenvolvimento agrícola seria útil a aceitação de métodos agrícolas dos índios da mata virgem.

Seguindo a Waibel19 e Kohlhepp, Schultz foi o único ainda a se ocupar com o problema da mínima base de produção agrícola. Considerando

15 Gustav Faber, Brasilien, Weltmacht von morgen, em: Erdmann Ländermonographien, vol. 2, Tübingen/Basel 1970, p. 241. 16 Eduard Dettmann, Brasiliens Aufschwung in deutscher Beleuchtung, Berlin 1908, p. 149. 17 Woldemar Schultz, Studien über agrarische und physikalische Verhältnisse in Südbrasilien im

Hinblick auf die Kolonisation und die freje Einwanderung, Leipzig 1865. 18 Gerd Kohlhepp, Contribuições Geográficas alemães para formação de um conhecimento científico

do Brasil: em: II Colóquio de Estudos Teuto-Brasileiros, Recife 1974, 401s. 19 Leo Waibel, Die europäische Kolonisation Südbrasiliens, em: «Colloquium Geographicum» 4, Bonn 1955, 87-88.

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como mínimo de propriedade 25 ha., exigiu, após dois anos de cultivação sem adubo, pelo menos dez anos de repouso da terra a fim de que o solo pudesse se regenerar. Avaliou para o início da pecuária um mínimo de propriedade por volta de 35 a 50 ha20.

Como consequencia da não observancia de suas teses, verifica-se hoje em día uma constante ameaça a existencia dos colonos, devido a permanencia da divisão dos lotes originais entre os herdeiros nas velhas regiões de colonização do sul brasileiro. Por falta de recursos uma mudança dos sistemas agrícolas se torna impossível. A área cultivável foi diminuindo ao mesmo tempo em que a rotação das terras se fazia de forma cada vez mais acelerada o que deixou o solo esgotado. Deste modo, crises económicas obrigavam os proprietarios a emigrar para zonas pioneiras ainda existentes21.

Schultz publicou outros trabalhos nas revistas «Globus»22, «Zeitschrift für Allgemeine Erdkunde»23, «Petermanns Mitteilungen»24 e nos «Jahresberichte do Verein von Freunden der Erdkunde zu Leipzig»25. Des graçadamente foi morto durante a guerra de Bismarck contra a Áustria na batalha de Königgrätz.

Mesmo assim a investigação científica sobre o Brasil deu frutos como o livro de J. E. Wappaus Das Kaiserreich Brasilien, parte integrante do Handbuch der Geographie und Statistik de C.G.D. Stein e E. Hörschelmann26. Em seguida publicou-se a primeira obra de história, o livro de Handelmann27. Comeca-se tambem a publicar traduções:28

20 Kohlhepp, Contribuição geográfica, 403 s. 21 Kohlhepp, Contribuição geográfica, 403. 22 W. Schultz, Aus meinem brasilianischen Tagebuche, em: «Globus, Illustrierte Zeitschrift für Länder und Völkerkunde», 6, Hildburghausen 1864, 97-103, 129-133. 23 W. Schultz, Historisch-geographisch-statistische Skizze der kaiserlich brasilianischen Provinz Rio

Grande do Sul, em: «Zeitschrift für Allgemeine Erdkunde», Neue Folge 9, Berlin 1860, 194-217, 285-308. 24 W. Schultz, Geographisches Material aus den brasilianischen Südprovinzen, em: Petermanns Mitteilungen, Gotha 1865, pp. 128-131. 25 W. Schultz, Einige kurze Mitteilungen über räumliche Verhältnisse der Südprovinzen von Brasilien,

bes. der Provinz Rio Grande do Sul, em. 1. «Jahresbericht des Vereins ven Freunden der Erdkunde zu Leipzig 1861». Leipzig 1862, 53-72; id., Die südamerikanischen Indier colonisationsfähig, em: 2. «Jahresberichte» etc., Leipzig 1863, pp. 68-99. 26 J. E. Wappäus, Das Kaiserreich Brasilien, em: Handbuch der Geographie und Statistik (C. G. D. Stein e H. Hörschelmann), Leipzig 1871. Traducão: Edicão condensada por J. C. de Abreu e A. do V. Cabral e div. aut.: A geografia física do Brasil, Rio de Janeiro 1884. 27 Gottfried Heinrich Handelmann, Geschichte von Brasilien, Berlin 1860. 28 Walter Mettmann, A Literatura Brasileira no Alemanha, em: II Colóquio teuto-brasileiro, 284.

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em 1873 a Editora Brockhaus publicou Nocões de Chorographia do

Brasil de Joaquium de Macedo; tendo publicado, anteriormente, em 1863, um romance de Viena Ferdinand Wolf publicou em dois volumes uma exposição sobre a literatura brasileira29.

4. Enciclopédias e obras de História.

Em consequência destas contatos científicos surgiu uma série de artigos e livros. Estes trabalhos influiram na produção de uma literatura mais geral, como por exemplo das Enciclopédias de Brockhaus30 e de Krünitz31 e das Histórias universais.

Heinrich Schäfer foi motivado por Jacob Grimm a estudar a história luso-espanhola. Estudou o període ate 1820 e, necessariamente, o Brasil em sua História de Portugal - 5° e último volume da coletânea História dos estados éuropeus, editada por Heeren e Ukert32.

Karl Marx, herdeiro legítimo da filosofia clássica alemã, discípulo e continuador de Hegel, ao referir-se marginal mente à emergência dos novos estados latino-americanos, permite entrever a impossibilidade de romper as injunções intelectuais de sua época, deixando-se influenciar pela visão eurocêntrica que dominava o ambiente científico europeu33.

5. Fontes acessíveis ao grande público alemão.

O grande público alemão tomava conhecimento do desenvolvimento do Brasil por meio de periódicos, regularmente editados, como por

29 Histoire de la littérature brésilienne, Berlin 1863. 30 Conversations-Lexicon oder encyklopädisches Handwörterbuch für gebildete Stünde, vol. 2, Leipzig/Altenburg 1814, p. 19-21; Allgemeine deutsche Real-Encyklopädie für die gebildeten Stände /

Conversations-Lexikon, vol. 2, Leipzig 1830, p. 161-170; Allgemeine deutsche Real-Eneyklopiídie /ür die gebildeten Stand e (Conversations-Lexikon), vol. 2, Leipzig 1843, p. 608-615. 31 Dr. Johann Georg Krünitz’s ökonomisch-technologische Encyklopädie, Berlin 1841, Art. Südamerika, pp. 104-209. 32 Heinrich Scháfer, Geschichte von Portugal, em: Geschichte der europäischen Staaten herausgegeben von A. H. L. Herren und F. A. Ukert. 5. Bd., Gotha 1854, pp. 628-722. 33 Karl Marx y Friedrich Engels, Materiales para la história de América Latina (Trad. por Pedro Scarón), Córdoba A. 1972.

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exemplo «Das Ausland» e «Gartenlaube», e traduções de relatórios de caixeiros-viajantes, comerciantes ou diplomatas - generalmente ingleses. As cartas enviadas pelos emigrantes alemães a seus familiares e amigos eram outra fonte de informações importante34.

Os editas de Karlsbad tiveram como consequencia principal a inibição do desenvolvimento da imprensa diária; redatores, editores, autores e livreiros tiveram que se concentrar na publicação de uma literatura amena, constante de descrições e reportagens.

Os primeiros jornais alemães de grande tiragem surgem no período da emigração. Nessa ocasião manifesta-se a relevância de o «Ausland»35 e a «Gartenlaube»36 enquanto fontes históricas. Não obstante ser bastante problemática a utilização destes jornais triviais como fontes históricas, consideramos, do ponto de vista da formação da ampla opinião pública, que tanto as narrativas bombásticas e sentimentalistas quanto as histórias patéticas, características daqueles periódicos, contem afirmativas de grande valor para a análise científica.

Não poucas vezes apareciam, em a «Gartenlaube» artigos de crítica social que se confundiam propositalmente com reportagens sobre o estrangeiro. A grande cidade de ultramar ou os países exóticos constituíam-se em temas atraentes e eram regiões totalmente desconhecidas do leitor citadino ou das aldeias-onde os conflitos sociais emergiam nítidamente37.

Não há dúida de que, durante a época da restauração, a imprensa aprimorou-se tecnicamente com as navas possibilidades de reprodução, contudo, em virtude de estritas determinações da censura, questão a que aludimos anteriormente, viu-se obrigada a evitar o tratamento de questões de ordem política38.

Em «Das Ausland» da década de 40 século passado encontra-se a seguinte lista de assuntos a respeito do Brasil: viagem à serra dos Orgãos; a vegetação da província de Goiás; esbocos sobre a Bahia e

34 Karl Faller, Deutsche in Brasilien, Hunsrücker Pfälzer, Schwaben und Pommern als Kolonisten seit

1824, Begegnungen 150 Jahre später, Simmern (Hunsrück) 1975, p. 13. 35 Siegmund Günther (ed.), «Das Ausland, Wochenschrift für - und Völkerkunde» Augsburg, maistarde Stuttgart, nr 1, 828. 36 Ernst Keil (ed.) «Gartenlaube, Illustriertes Familienblatt». 37 Heinz Klüter, Facsimile-Querschnltt durch die Gartenlaube, Bern, Stuttgart/Wien 1963, p. 34. 38 Heinz Klüter. op. cit., p. 6.

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o Pernambuco; viagens ao interior do Brasil; as Alagoas e o Rio São Francisco; o seringal ou árvore-da-borracha no Brasil; diamantes na Bahia; a biblioteca nacional do Rio de Janeiro; as minas de diamantes do Btasil; a província do Ceará; viagem de barco a vapor no Rio Amazonas, etc.

Trata-se, de um modo geral, de artigos de caráter instrutivo ou descrições de viagens que continham não raro exageros e, além disso, referiam-se a caçasas, descrições da flora e da país agem do Rio e de outras cidades.

Os livros dos agentes, mercenários, colones e caixeiros-viajantes que estiveram pessoalmente no Brasil, encontravam particular aceitação entre o público alemão. Escolhemos alguns escritos que se ocupam com o recrutamento e a subsistência do imigrante e, de mais a mais, não se deve fazer caso do que concerne ao país como um todo ou sob outros pontos-de-vista. A seleção realizada abrange escritos que possuem valores desiguais.

Mencionamos primeiramente o autor Georg Anton Aloys Schäffer, mais conhecido como Major Schäffer e que foi, de todos os agentes brasileiros, o mais frequentemente criticado. Publicou, em 1824, em Altona, Brasil como império independente

39, onde delineia a história,

a economía e a política do país bem como as possibilidades da colonização.

Eduard Theodor Bösche publicou, em 1836, em Hamburgo, Imagens

variadas de percursos marítimos e terrestres [...] quando de uma

viagem ao Brasil e de uma estada neste país de 10 anos - de 1825 a

1834...40. Este autor era um rapaz ao chegar no Rio, como membro do regimento estrangeiro no Brasil, e assistiu a rebelião de 1828. Suas narrativas são bastante exageradas. Tornou-se conhecido porque publicou um dicionário de alemão-portugues e uma gramática portuguesa. Escreveu até 1850 para o «Ausland» reportagens sobre viagens e país agens brasileiras (de 1843 a 1844 sem assiná-las).

39 Georg Anton von Schäffer, Brasilien als unabhängiges Reich in historischer, mercantilischer und

politischer Beziehung, Altona 1824; Carlos H. Hunsche, O Bienio 1824/25 da imigração alemã no Rio

Grande do sur (Província de São Pedro), 2 a edicio Porto Alegre 1975. capítulo III. 40 Eduard Theodor Bösche, Wechserbilder van Land - und Seereisen, Abenteuer, Begebenheiten,

Staatserignisse, Volks - und Sittenschilderungen während einer Fahrt nach Brasilien und eines 16-

jährigen Aufenthaltes daselbst, 1818-1834, Hamburg 1836.

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Johann Jakob Sturz41, cônsul-geral brasileiro na Prússia, desenvolvia um trabalho de propaganda muito ativo. Em 1845 publicou-se, entre outros trabalhos de sua autoria, Propostas para fundar uma

organização para a proteção e o apoio do irnigrante alemão no sul

do Brasil.

O Dr. Hermann Blumenau42 distinguía-se, desde 1846, pela publicação de livros, periódicos, artigos e reportagens, sem que entretanto indicasse sua condição de autor. Seu opúsculo propagandístico mais significativo foi publicado em 1850, em Rudolfstadt, sob o título O sul do Brasil: relações entre a emigração alemã e a colonização

(que, segundo o próprio autor, contém notícias incorentes, observacões e avisos juntamente com trechos da constituição e leis do império, tendo sido escrito no curso de uma viagem e sob a pressão de múltiplos deveres negociais).

Os livros de viagem, minuciosamente escritos por Avé-Lallement e Tschudi definiram os limites da representação que os alemães particularmente o instruídos, desde a década de 60 do século passado, tinham sobre o Brasil e as possibilidades de colonização. O Dr. Robert Avé-Lallement, nascido em Lübeck, trabalhou no Rio como médico e chegou a ser figura de prestígio nos altos escalões do Ministério da Saúje do império; mais tarde, já na Alemanha, foi recomendado por Humboldt e tornou-se assim membro da expedição científica austríaca Novara, porém desligou-se da mesma a fim de viajar independentemente. Suas qualidades de bom observador são confirmadas por seu trabalho mais relevante: Viagem através do sul

do Brasil (1858)43 e Viagem através do nordeste do Brasil

1859/60)44. As apreciações críticas do autor quanto ao assunto e pessoas em pauta indicam gens esforços em busca de objetividade analítico-expositiva45.

O suíço Johann Jakob von Tschudi conheceu quase todos os países da América do Sul pessoalmente, em função de suas expedições

41 Carlos Fouquet, Der deutsche Einwanderer und seine Nachkommen in Brasilien 1808-1824-1974,

San Paulo/Porto Alegre 1974, p. 76. 42 Hennann Blumenau, Südbrasilien in seinen Beziehungen zur deutschen Auswanderung und

Kolonisation, Rudolstadt 1850. 43 Robert Avé-Lallement, Reise durch Süd-Brasilien im Jahre 1858, 1. und 2. Theil, Leipzig 1859. 44 Robert Avé-Lallement, Reise durch Nord-Brasilien im Jahre 1859. 1. und 2. Theil, Leipzig 1860. 45 «Gartenlaube» 1860, pp. 262-264, 329-331.

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centíficas aqueles países. Viajando pelo Brasil como ministro plenipotenciário dedicou-se ão largo de 2 anos ao estudo sistemático dos problemas decorrentes da colonização, motivado por uma série de notícias inquietantes sobre o destino dos emigrantes alemães. Sua produção consiste em uma obra de 5 volumes, intitulada Viagens

pela América do Sul, tendo sido editada em Leipzig, de 1866 a 1869; e trata-se de uma ampla descrição dos problemas da colonização.

Lado a lado com a imagem de um país rico em minas de ouro, prata, sobre e ferro e das descobertas de pedras preciosas e diamantes coexistía a idéia da existencia de um país exótico e perigoso.

As fontes disponíveis ecompam-se fundamentalmente do estudo da flora e da fauna. Apesar dos inúmeros perigos decorrentes da floresta impenetrável e de índios selvagens, - que ainda praticariam, pretensamente, canibalismo46 cobras, formigas, níguas, as piranhas do Amazonas, isto é; de uma natureza hostil e desagradável ao viajante, a ameaçá-lo também sob a forma de epidemias, doenças e pragas (particularmente a febre-amarela) permaneceu essencialmente positiva a representação da natureza bela e exótica da terra brasileira. Descrevia-se o país, o mais das vezes, salientando-se suas belezas naturais. Mostrava-se com profundo entusiasmo a extrema variedade da flora, o suntuoso colorido do mundo animal e, antes de tudo, dos pássaros, a florescencia das flores e vegetação tropical, o desabrochar dos arbustos de café e os frutos tropicais. Enfim, qualificava-se, c:aracterísticamente, de luxuriosa, bela e exótica a natureza na imagem que se tinha do Brasil de então. Não se deve desprezar neste trabalho o significado expressivo dos aspectos geográfico e botânico contidos nas fontes com respeito, ao Brasil, pois são também partes essenciais das representações do Brasil antigo.

a. Panorama da cidade do Rio de Janeiro.

A chegada dos viajantes europeus ao Rio, a bordo de um navio, permitia-lhes, vislumbrar extasiados a beleza da paisagem verdejante adornada com casas brancas47. O «Ausland» oferecia variadas

46 «Das Ausland» 1860, p. 1171. 47 «Das Ausland» 1843, p. 100

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descrições da cidade. O porto que é estreito na entrada da barra e não chega a medir meia milha de largura, alarga-se e mais parece um lago interior48. A cidade apóia-se de um lado em elevadas montanhas e, de outro lado, está rodeada pela baía e seu porto ou seja: à esquerda, na entrada do porto, o Pão -de-açúcar com o castelo da Praia vermelha e, á direita, encontra-se o Forte de Santa Cruz. São muitos os montes a penetrar na cidade, a enfeitá-la de maneira mui peculiar com os mosteiros construídos em seus píncaros. O Corcovado é o mais alto rochedo da cidade e o porto tem um comprimento de cerca de 11 milhas alemftes e uma largura de até 2 milhas. A inexistência de portas na cidade do Rio de Janeiro, em contraste com as cidades alemaes, faz com que pareça interminável e a prolongar-se bem longe em direção ao interior.

A cidade vista do convés de um navio é um espetáculo incomun e impressionante que se desfaz porém com a aproximação, perde-se a bela ilusão49. As ruas são em geral diretas e cruzam-se formando angulos retos; são estreitas, angulosas e sujas50, «como era costume há 200 anos atrás«51, mal iluminadas e mal calçadas, apesar da proximidade das montanhas, que poderiam fornecer para tanto granito da melhor qualidade. Uma das ruas mais bonitas é a do Ouvidor; é mais limpa e mais bem calçada que as demais. Quase todos os prédios desta rua foram alugados ou comprados por franceses e as lojas são ocupadas por modistas, joalheiros, sapatarias e barbeiros franceses52. Além da rua do Ouvidor poder-se-ia talvez mencionar as Ruas Direita e dos Ciganos53. A rua Direita estende-se do cais do porto até o mirante imperial de São Christovão em um percurso de cerca de 1 hora. A maioria das praças públicas está ornamentada com repuxos, mas poderiam ser mais embelezadas.

O alemão recém-chegado depara-se com um mundo completamente diferente, onde tudo é absolutamente diverso do que conhece em seu país. Encontra-se pessoas de todas as nacionalidades e cores, «desde

48 «Das Ausland» 1836, p. 450. 49 «Das Ausland» 1847, p. 469. 50 «Das Ausland» 1847, p. 469, 1835, p. 445. 51 Carl von Koseritz, Bilder aus Brasilien, Leipzig/Berlin 1885. 52 «Das Ausland» 1847, p. 469. 53 «Das Ausland» 1836, p. 451.

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o filho negro do deserto africano até o branco dos países nórdicos»54, juntamente com todas as nuances intermediárias. As casas são baixas, de um modo geral sujas e as construções desprovidas de gosto e estilo. Não há no Rio nenhum prédio que se destaque pela beleza de sua arquitetura.

Ate mesmo o palácio imperial foi construído sem qualquier gosto e não podia sequer ser comparado com as mansões da gente rica na Alemanha que, por sua vez, eram mais bonitas e estilizadas. No interior do palácio não se verificava o menor sinal de fausto ou sentido artistico55. Encontra-se apenas algumas igrejas admiravelmente enfeitadas, entre as muitas existentes no Rio de Janeiro, sendo que sobressai especialmente a igreja da Candelária, construída no estilo da renascença56.

O clima do Rio de Janeiro faz com que os prédios prescindam de calefação e, consequentemente, de chaminés - tão comuns nas cidades alemães. O recém-chegado não pode evitar deixar de sentir sua falta. A gritaria nas uras é indescritível, o calor quase insuportável, o medo da febre, o constante movimento dos bondes a cavalo e o vai-e-vem constante das multidões enervava os repórteres dos anos 8057.

No Rio, os homens são amáveis e atenciosos, riem muito e de tudo, incluvise das coisas divinas e sagradas, e não falam bem do próximo. Não se encontra mulheres bonitas58.

O teatro do Rio de Janeiro está muito longe de poder ser comparado com seus congêneres europeus, conquanto seja espaçoso e tenha capacidade para receber 6 mil espectadores, é menos bonito e elegante que aqueles. Visto de fora assemelha-se a um armazém e de seu interior, no que concerne à decoração artística e à engenharia técnica, encontra-se ainda em um nível pueril59. A orquestra compõe-se de mulatos e o repertório é muito escasso. Os balés estão na ordem-do-dia e somente são apresentados espetáculos

54 «Das Ausland» 1843, p. 100. 55 «Das Ausland» 1843. p. 1023. 56 Carl von Koseritz, op. cit., p. 257. 57 Carl von Koseritz, op. cit., p. 24 e 25. 58 Carl von Koseritz, op. cit., p. 120 e 64. 59 Carl von Koseritz, op. cit., p. 169.

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multicoloridos. Aqui «a arte verdadeira, simplesmente sublime» não pode se fiar no aplauso e não se deve tampouco contar com «profundidade e devoção»60.

Não se deve no entanto desdenhar totalmente o Rio de Janeiro; por exemplo, a biblioteca nacional possui um valioso acervo que pertenceu outrora à biblioteca imperial de Portugal e foi trazido para o Brasil por. D. João VI61. A biblioteca possuía em 1882 aproximadamente 150 mil volumes, dispostos em quatro andares. A literatura de todos os países e línguas estava representada, poderíamos aludir, a feição de exemplo, à presença da obra de Frederico o Grande em 31 volumes, dois exemplares da edição da bíblia de Fust e Schöffer, impressa em Mainz, no ano de 1456, e mais uma grande quantidade de manuscritos dos séculos XI a XIII62.

A vida social no Rio não oferecia muita possibilidade de variação63. O acesso aos estreitos círculos familiares das camadas altas e médias da sociedade somente era facultado ao estrangeiro através de antigas relações de amizade. Com exceção das restas religiosas, não havia divertimento público. Por outro lado, em toda parte onde estavam estabelecidos os alemaes, organizaram um clube - «Germania» - em que se podia beber vinho e cerveja e ler os jornais alemães64. Em Rio havia também uma «Germania», fundada no día 7 de agosto de 1821 na casa da família Wülfing65.

A beleza encantadora dos arredores do Rio de Janeiro despertava as atenções por sua desordem caótica e a país agem repousante, por ser pouco construída e habitada, contrariamente às cidades comerciais européias e norte-américanas. Não há nas imediações do Rio fábricas e manufaturas, como seria de esperar nas cercanías de uma cidade comercial importante66.

A capital do Brasil era o terna principal dos relatórios sobre o país e os escritores que o visitavam não deixavam de fazer ao menos uma

60 «Das Ausland», 1843, p. 103. 61 «Das Ausland», 1845, p. 740. 62 Carl von Koseritz, p. 185. 63 «Das Ausland», 1843. p. 104; 1846, p. 804. 64 «Die Gartenlaube», 1879, p. 848. 65 H. Hinden, Deutsche und Deutscher Handel in Rio de Janeiro, ein hundertjähriges Kulturbild zur

Zentenar Feier der Gesellschaft «Germania» 1821-1921, Rio de Janeiro 1821, p.44. 66 «Das Ausland», 1850, p. 409.

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pequena alusão ao Rio. A beleza natural da cidade era contrastada fortemente com as opiniões formadas após a visitação da cidade em si, considerada suja, atordoante pela gritaría e dominada pelos vagabundos negros e mulatos. Descrevia-se frequentemente os pontos turísticos da cidade: repuchos, igrejas mosteiros e salientava-se o morro do Corcovado com seu aqueduto que alimentava as fontes da cidade. Os prédios eram considerados sem estilo, do que se não poupava inclusive o palácio imperial, mas a beleza natural extíca da cidade era bastante admirada. Sente-se a falta de um esboço minucioso da sociedade carioca mas, por antro lado, considerava-se a alta sociedade como inacessível. Sentia-se ainda falta da vida social e das cantigas romanticas a que estavam afeitos os alemães. As fontes conferiam grande destaque aos insólitos contrastes que se verificavam nas ruas entre negros andrajosos e semi-nus e pessoas a circular bem vestidas.

b. A escravidão.

Explorou-se sobremodo o tema da esqravidão e do comércio de escravos, somente abolida, em 1888. Em 1835 noticiava o «Ausland», sobre o qual nos baseamos, citando o testemunho de um relator norte-américano que afirmava haver visto em 1826 comércio de escravos, embora estivesse oficialmente proibido67. Mesmo assim continuar-se-ia a importar escravos clandestinamente, já que o comércio aberto não tinha mais lugar.

O Rio de Janeiro era juntamente com a Bahia um dos principais mercados de escravos. Era a partir do Rio que as provincias do sul eram providas de escravos - indispensáveis para a plantação68. Teriam sido trazidos em média da África para o Rio de Janeiro cerca de 10 mil negros, anualmente69. Segundo os relatórios de Bösche, havia comércio de escravos ainda em 1843 no Rio. «O mercado de escravos da rua do Valongo continuava a oferecer um espetáculo extremamente contrário á suspensão do comércio»70. «Das Ausland»

67 «Das Ausland», 1835, p. 446. 68 «Das Ausland», 1832, p. 259. 69 «Das Ausland», 1832, p. 259. 70 «Das Ausland», 1843, p. 1020.

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de 1832 relativa que as casas das mas do Valongo e Aljuba eram grandes edifícios no rés-do-chão, preparados para o comércio de escravos, arejados pela brisa marítima, e o chão e os quartos eram lavados várias vezes por dia71.

Os grandes depósitos continham de 4 a 5 aposentos e cada um era ocupado por grupos de 60 a 80 escravos. O Valongo assemelhava-se, sobretudo quando da chegada dos escravos, a um mercado de cavalos, com a diferença de que naquele se vendia animais e neste «criaturas com aparência humana»72.

Os transeuntes eram concitados à compra e à inspeção dos escravos pelos comerciantes desta mercadoria humana. Expostos à venda os escravos eram apalpados em toda parte pelos clientes que verificavam a força e a saúde das peças, «tal qual um animal em uma banca de acougue»73.

Calcula va-se a riqueza do plantador brasileiro frequentemente em função do número de escravos possuídos. Alguns plantadores chegaram a ser proprietários de 500 escravos. Normalmente o preço de um escravo (em 1843) importava entre 700 e 900 pesos espanhóis. Logo que um colono tivesse dinheiro disponível, cuidava de comprar novas unidades a fim de multiplicar o número de escravos de sua propriedade.

«Este comércio infame» subsistía em 1843 sem que pudesse ser efetivamente impedido74. Estima-se que em média de 70 a 80 mil negros tenham sido contrabandeados. Quando se conseguiu suprimir concretamente a importação de escravos, tornou-se mais intenso seu comércio interno e foram transferidos do norte, das plantações de cana-de-acúcar para o sul das plantações de café.

Os relatores alemães que se ocupavam dos assuntos brasileiros, consideravam a escravidão uma gangrena a corroer todo e qualquer sinal de vida no continente americano, país era evidente sua influência negativa sobre o caráter e os costumed do povo75.

71 «Das Ausland», 1832"p. 259. 72 «Das Ausland», 1832, p. 259. 73 «Das Ausland», 1843, p. 1020. 74 «Das Ausland», 1843, p. 776. 75 «Das Ausland», 1843, p. 103.

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c. O problema racial.

As relações étnicas características, fomentadas pela tradicional tendencia portuguesa à miscigenação e à indolecia condicionada pelo clima tropical, eram permitidas pela Igreja, porém contrariavam os observadores alemães de religião protestante, que reagiram algumas vezes com uma crítica muito dura e unilateral.

Naquela época não havia nenhum acesso à interpretação formulada posteriormente sobre a existencia de uma «democracia racial» e ao juízo positivo consistente na idéia do «lusotropicalismo» de Gilberto Freyre76.

Negros e índios eram aos olhos dos alemães seres inferiores, indivíduos degenerados, porque eram confrontados indiferentemente com as novas exigencias do aumento da produção e sempre eram apresentados nas narrativas de viagens como preguiçosos, vagabundos e desocupados. Os brasileiros eram qualificados na Alemanha como descendentes de uma raça efeminada e indolente, que não estaria em condições de explorar as riquezas do país77. Assim constata Bösche: «Os brasileiros, tal como os conheci, são um povo básicamente estragado, perdido na lama da volúpia, sem ímpeto para ações persistentes e para a luta em termos de urbanidade, incapaz de um elevado e vigoroso desenvolvimento [...] Perverso, abandonado aos próprios vícios que, aqui entre nós, graças a Deus, quase nem mesmo pelo nome são conhecidos; o espírito do povo brasileiro é apático, o remígio e as forças da razão estão adormecidos e a atividade física paralisada. Não se encontra no país, qualquer traço de um espírito empresarial infatigável que estivesse em condições de transformar as selvas em campos florescentes e criar instalações ferroviárias e canais para o uso comunitário»78.

76 Cf. Gilberto Freyre, Interação uerotropical: aspectos de alguns dos seus vários processos, inclusive o

lusoropical, in: «Journal of Inter-America-Studies and World Affairs», 8, 1, Jan. 1966, pp. 1-10; Schaden, p. 105 77 Walter Kundt, Brasilien una seine Bedeutung für Deutschlands Handel und Industrie, Berlin 1903, p. 24. Gerhard Robert, Dona Francisca, Hansa una Blumenau, Drei deutsche Mustersiedlungen im

südbrasilianischen Staate Santa Catharina, Breslau 1901, p. 17. Kart von Schlözer, Menschen und

Landschaften, Berlin/Leipzig 1926. 78 «Das Ausland», 1843, p. 1032.

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No mesmo sentido falam os escritores viajantes dos brasileiros «preguiçosos». Dever-se-ia, «preferivelmente chicotear» os trabalhadores (geralmente negros) para que trabalhassem mais depressa79. Dos fluminenses (habitantes do Província do Rio), do mesmo modo que da maioria dos brasileiros tem-se «éticamente quase nada de bom a dizer». Os traços fundamentais de seu caráter são : «a chocante sensualidade, o rancor, o fingimento, a perfídia e a falsidade»80. Não há crime suficientemente desprezível que os mulatos existentes no Rio não estivessem à altura de cometer81.

Certamente os negros são suceptíveis a um tratamento humanitário e na medida em que se considera valer a pena educá-los como pessoas de moral podem desenvolver uma grande quantidade de qualidades positivas82, porém onde estão abandonados á própria sorte - por exemplo no Rio - não podem existir «criaturas tão rudes e depravadas como estes escravos»83.

«Os negros da costa ou os recém-chegados encontram-se espiritual - e moralmente em um nível de instrução extremamente baixo e alguns tem tão pouca compreensão quemais se parecem a animais»84. Os negros são um horrendo produto da humanidade85, «no qual se ve a personificação da burrice»86. Os indígenas civilizados são todavia piores, «não são em nada melhor que os outros brasileiros». Quaisquer sentimentos nobles são incompatíveis com a essencia desses seres; a consciencia, ambição honradez, sentimentos de honra e de gratidão não lhes são absolutamente conhecidos87.

d. Religião e liberdade confessional.

79 Johannes Wilda, Amerika-Wanderungen eines Deutschen, Berlin 1907, Band 3, p. 358; «Das Ausland», 1832, p. 280: «die Peitsche mub oft kräftig gehandhabt werden». «Das Ausland», 1836, p, 466: «hat doch der Negro [...] weniger Lust zar Arbeit als der schwächere Creole und kann nur durch die Peitsche zar Tätigkeit und zum Fleibe angehalten werden». 80 «Das Ausland», 1843, p. 103. 81 «Das Ausland», 1843, p. 103. 82 «Das Ausland», 1832, p. 268. 83 «Das Ausland», 1932, p. 280. 84 «Das Ausland» 1832, p. 268. 85 «Das Ausland» 1857, p. 258. 86 «Das Ausland» 1836, p. 471. 87 «Das Ausland» 1857, p. 258.

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A crenca católico-romana era de fato religião de Estado, entretanto, garantia-se a liberdade confessional bem como a de expressão e de imprensa. O leitor alemão tomava conhecimento de que o assim chamado defeito nacional dos brasileiros, isto é, «ociosidade e luxúria» também se manífestava na vida espiritual e seria consequencia disto o abandono em que se encontravam os altares das províncias88.

A assistencia religiosa foi inicialmente deficiente também para o grupo de imigrantes evangélicos.

Somente muitos anos após o surgimento de lima colonia realiza-se uma assistencia religiosa adequada. No Rio de Janeiro, foi fundada, apenas em 1827, a «comunidade protestante franco-alemã», em Blumenau construiu-se, cinco anos depois, uma igreja e em 1856 outra em Pórto Alegre89. Considera-se que a comunidade evangélica de Nova Friburgo tenha sindo criada no dia 3 de majo de 1824.

Os imigrantes protestantes estranhavam profundamente a situação. O concubinato, o incesto e, além disto, os casamentos mistos eram condenados pela péssima legislação familiar brasileira que, por sua vez, não reconhecia os casamentos realizados de acordo com o ritual protestante. Se um membro da comunidade protestante quisesse cobrir o caixão de um familiar morto com uma mortalha, ao invés de cobri-lo com «cores berrantes incompativeis com nosso sentimento e gosto», precisava obter permissão do governo local. Procurava-se raramente a consolação de um pastor90.

Bösche considerava muito estranho que a intervenção da Igreja Católica mesmo em caso de abusos, não se realizasse: «Os padres brasileiros vivem quase sem exceção, apesar dos votos de castidade, em concubinato e estas relações são tão comuns que não se percebe e nem mesmo chegam a ser motivo de escandalo para os crentes»91.

Quando de sua visita à Colonia de Nova Friburgo observava: «Na pessoa de um padre católico do país, no caso um suíco de língua francesa, pude conhecer um homem extremamente fanático e ignorante, indigno servidor da igreja católica [...] Este padre indigno

88 «Das Ausland» 1838, p. 402. 89 Carlos Fouquet, op. cit., p. 186. 90 H. Hinden, op. cit., p. 184 e 185. 91 «Das Ausland» 1843, p. 108.

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não tinha somente, como se pensava, desonrado muitas das mulheres de sua paróquia, em parte violentamente e também através do emprego de métodos truculentos, praticando uma série de outros atos suficientes para levá-lo ão pelourinho, como também, mantinha duas amantes escandalosa e publicamente e fazia-se acompanhar dessas réprobas, vestidas com elegantes costumes de montaria, com as quais saía a passear a cavalo diariamente. A depravação e os excessos voluptuosos do sacerdócio brasileiro eram tão grande que a má conduta deste padre, apesar de desrespeitar a batina, não trazia qualquer prejuízo a sua reputação entre os habitantes do lugar»92. Bösche conclui: «A religião foi degradada no Brasil à condição de mero jogo de idéias. A depravação e volúpia do sacerdócio brasileiro tem: que exercer necessariamente uma influencia desfavorável sobre a moral e o caráter do povo»93.

A religião católica não representa nenhuma ajuda para gens adeptos. Os padres exercem as funções religiosas sem o menor recolhimento e além disso, sabe-se que acumulavam riquezas94. Durante uma excursão à Provincia de Minas Gerais, encontrou-se um sacerdote que era proprietário de minas de ouro e de plantações. Este sacerdote fazia construir pequenas capelas em diversos locais onde também instalava tendas para a venda de aguardente95. As festas religiosas eram transformadas em leilões e os objetos, que eram postos a leilão, após receber a benção aumentavam dez vezes o preço96.

A associação de diversas culturas provocava uma forma bastante original de consciencia religiosa que não era brasileira nem africana, mas sim, uma deliciosa mistura de ambas, como poderia se verificar por intermédio das danças e festejos. Como o intuito de melhor evangelizar e negro, a igreja organizou confrarias de pretos que elegiam seus reís e rainhas.

Honravam a Deus com seus cantos e danças sob a direção e vigilancia da igreja. De quando em vez, apresentavam autenticas peças de teatro na praça diante da igreja, onde se desenrolavam batalhas

92 «Das Ausland» 1843, p. 800. 93 «Das Ausland» 1843, p. 1032. 94 «Das Ausland» 1838, p. 398. 95 «Das Ausland» 1832, p. 154. 96 «Das Ausland» 1843, p. 112.

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tribais, e mostrava-se a conversão dos pagãos e a Santidade da Virgem97.

Bösche acrescenta ainda: «o que para uns se chama teatro corresponde à igreja entre os brasileiros, em suas fantásticas procissões e festejos representava-se formalmente comédias nas igrejas e por ocasião das festas»98. As numerosas festividades de santos e padroeiros constituíam-se em excelentes oportunidades para aventuras amorosas. O sexo feminino aproveitava-as sem qualquer discreção da liberdade que se lhe era reservada para estar na companhia masculina. Estas festas preenchiam efectivamente as consideráveis lacunas da vida social99. A missa vespertina era uma verdadeira festa popular. Acendia-se fogueiras e carvão diante de igreja no começo da missa e soltava-se fogoso Os cantos negros e o ruído de fogos indicavam o término da festa e a multidão barulhenta e extasiada, apressava-se em direção a suas casas. Com o sentido de tornar as festas paroquiais ainda mais atrativas, promovia-se, ás vezes, também, corridas. «O povo aprecia este culto e a corte não deixa de satisfaze-lo»100.

Os protestantes alemães não compreendiam a prática das festividades católicas e proibia-se-lhes enfeitar suas igrejas com campanários e, até 1864, negava-se-lhes o reconhecimento oficial do casamento. Não obstante «graças à tolerancia dos brasileiros [...] jamais ocorreu qualquer perseguição dos protestantes, como em outros países católicos»101. Das narrativas de viagem pode-se deduzir unanimamente que a igreja católica era uma verdadeira religião de Estado no Brasil e contribuía muito mais para o deleite do povo que para seu desenvolvimento espiritual. Estranhava-se particularmente o comportamento dissoluto dos sacerdotes bem como a prática dos festejos paroquiais. Verificava-se que os sacerdotes católicos não imprimiam a necessária seriedade ao exercício de suas funções religiosas e ainda se comportavam mundanamente e eram dados à devassidão. Certos sacerdotes não tiveram pejo de agir qual

97 Egon Schaden, Beiträge zur Brasilkunde. in: «Staden-Jahrbuch», vol. l., São Paulo 1953. 98 «Das Ausland» 1843, p. 104. 99 «Das Ausland» 1832, p. 140. 100 «Das Ausland» 1861, p. 88. 101 «Die Gartenlaube» 1880, p. 71.

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inteligentes homens de negócio e valer-se de sua posição para auferir enriquecimento pessoal. A religião católica não era de fato um apoio espiritual para seu rebanho, conforme se depreende da situação acima significada. Os festejos religiosos não passavam de autenticas comédias ou peças de teatro e exerciam uma influencia das mais negativas sobre a moral e o caráter popular.

Constatava-se com amargura que os imigrantes protestantes casados, do ponto de vista jurídico-legal, viviam de fato em concubinato e o governo não se esforcava para processar o reconhecimento da religião protestante. Esta imagem negativa da Igreja Católica deve contudo ser confrontada com o fato de que nunca se verificou uma perseguição dos protestantes.

e. A Imprensa.

O movimento da imprensa no Rio antigo era ativo. Um viajante ingles relatava que em 1845 havia 16 jomais em circulação e acrescentava: «Durante a dieta, publicava-se a transcrição entegral dos debates imediatamente na manhã seguinte. Observe-se porém, que os jornais locais não eram [...] orgãos representativos dos partidos políticos existentes; embora participassem calorosamente da discussão política, parece que consideravam seu dever colocar-se sempre ao lado do govemo, apoiando as resoluções finais, mesmo que as tivessem combatido anteriormente, referindo-se sempre a pretensos gloriosos resultados»102. Diversos autores acentuam o tom agressivo do jornalismo brasileiro que se fazia sentir progressivamente103. Neste sentido, canta-nos um viajante alemão: a imprensa brasileira mostra uma veemencia inigualável, desconhecida entre os europeus; enxovalha-se até mesmo o nome do imperador, não se lhe poupando a condição dos ataques mais raivosos104. Os jornais do Rio assemelham-se aos parisienses quanto ao formato, impressão e apresentação; os suplementos literários não passam de traduções de textos franceses.

102 «Das Ausland» 1845, p. 1262. 103 «Das Ausland» 1838, p. 334. 104 «Das Ausland» 1845, p. 90.

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6. A emigração.

As causas históricas abaixo aludidas incentivaram significativamente o

fluxo emigratório, concomitantemente com as promessas feitas pelos agentes da emigração: as devastações e contribuições tributárias decorrentes das guerras napoleónicas, a supressão dos privilégios de utilização das florestas, a favor da camada de «humildes das aldeias», a divisão da «Almende» (terras comuns segundo o direito germánico), as más colheitas, a dependencia dos grandes proprietários de terra, a escassez de terra, em consequencia da divisão das heranças, a queda dos preços dos produtos agrários, a sobre ocupação regional em certos setores artesanais, superpopulação em regiões com uma qualidade inferior do solo, o ódio ao serviço militar obrigatório, mais tarde a decadencia do artesanato em consequencia do avanço da indústria, a exigencia no sentido de permanecer fixado a terra105 e, finalmente, o fracasso dos movimentos revolucionários de 1830 e 1848. Após a publicação, em Bremen (1828)106, do edital que também servia aos emigrantes como instrumento contratual em suas relações com o governo brasileiro, concedia àqueles que se dirigiam ao Brasil por conta própria as seguintes vantagens:

1. Parte das pastagens e matas - terrenos medindo de 400 a 600 jeiras, conforme o tamanho de cada familia, assegurado o direito de propriedade;

2. Cavalos, vacas, bois, ovelhas, poarcos e galinhas seriam fornecidos gratuitamente;

3. Receberiam no primeiro ano um franco por cabeça, diariamente, e no segundo ano, meio franco na qualidade de ajuda;

4. Seriam liberados, durante dez anos, do pagamento de todos os impostos diretos porventura inidentes.

Estas afirmativas oficialmente autenticadas do governo brasileiro foram pelo Major Schäffer habilmente divulgadas e despertaram em muitos

105 Dietrich von Delhaes-Guenther, Industrialisierung in Südbrasilien, Die deutsche Einwanderung und

die Anfänge der Industrialisierung in Rio Grande do Sul, in: «Neue Wirtschaftsgeschichte», Ingomar Bog, vol. 9, Köln/Wien 1973, pp. 28 e 29, 106 Karl Faller, op. cit., p. 8.

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o desejo de escapar das relações opressivas de seu país. Tanto agente abastada como aquela sem recursos declarava que não poderia, de modo algum, viver pior no Brasil do que na Alemanha107 «El es teriam averiguado por si mesmos ou sabido através de cartas escritas do Brasil por colonos lá estabelecidos, que cada um teria direito a:

1. 1200 jeiras de terra, das quais 40 de florestas; 2. uma casa nas cercanias do local de trabalho e um jardim de 60 jeiras. 3. 3 cavalos, 4 bois, 2 vacas. 4. Ser-lhes-ia agraciada a dispensa dos impostos por vários anos108. «Entretanto eu prefiro dez veces mais viver no Brasil que na Alemanha.

A legião de preguiçsos que na Alemanha vive a explorar os camponeses é absolutamente desnecessária no Brasil: não há inspetores florestais a comandar os camponeses, nenhum guarda-noturno, nem prefeito, policía ou fiscal de qualquer tipo, muito poucos agentes tributários e cobradores de tal modo que os camponeses praticamente não são nada sobrecarregados. Os únicos impostos que pagamos são os direitos alfandegários fixados sobre mercadorias estrangeiras. Todavia o governo brasileiro poderia realizar em muitos aspectos bem mais do que faz. Nós somos aquí governados sem a influencia maléfica dos demonios a que nos referimos acima. [...] O Brasil é uro país adequado aos camponeses pobres que querem trabalhar, mas, na Alemanha, não dispõem de terras para tanto e nada mais podem oferecer a seus filhos além da condição de futuros mendigos». Este é o depoimento de um emigrante fixado em São Leopoldo, extraído de uma carta escrita em outubre de 1849 e enderecada à Alemanha109.

Através de narrativas desta natureza tomavam conhecimentó, os que se encontravam na Alemanha, da vida real do colono. O solo prescindía da utilização de adubos, pois os troncos das árvores abatidas qúe apodreciam naturalmente na terra e as cinzas da folhagem fertilizavam a solo. A floresta, contudo, não permitia que se passasse

107 Josef Mergen, Die Auswanderung aus dem ehemals preubischen Teilen des Saarlandes im 19. Jahrhundert (I), Voraussetzungen und Grundmerkmale, em: «Veröffentlichungen des Instituts für Landeskunde des Saarlandes»; ed. por Martin Born un Martin Klewitz, vol. 20, Saarbrücken 1973, p. 181. 108 Staatsarchiv Koblenz. Abt. 403, Nr. 7180, em: Josef Mergen, op. cit., p. 182. 109 Cópia da carta de Wilhelm Kopp, escrita em. 18. Picada, outubro 1849 «bei der Villa de São Leopoldo», citado por Faller: op. cit., p. 23.

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o arado porque as raízes das árvores o impediam. Os instrumentos utilizados no campo consistiam tão-somente no machado e na enxada. Os colonos não precisavam de preparar o feno, país eram favorecidos pela amenidade das condições climáticas. Os cavalos e o gado podiam locomover-se em torno dos salgueiros, os bezerros permaneciam no curral e as vacas, ao cair da noite, eram ajuntadas e ordenhadas. Os cavalos eram mansos e quando chamados atendiam prontamente. O número das galinhas era-nos desconhecido porque não tínhamos condições de contá-las110. Plantava-se trigo, aveia, cevada, arroz, feijão preto e branco, cana-de-acúcar, algodão, fumo, canhamo e linho e também ervilha e lentilha. Podía-se colher frutas duas vezes por ano e batatas até mesmo tres vezes. A produção era variada: pessegos, bananas, figos, lima, café, laranja e limão. A agricultura era preponderante e situava-se em primeiro plano; porém, os artesãos podíam executar seus múltiplos trabalhos. O calor era penoso, felizmente aqui não era muito quente.

Emigrantes voluntários (1852) respondiam, quando se lhes perguntava por que queriam deixar seu país, que na Alemanha não teriam nenhuma possibilidade de subsistencia, empobreceriam, e em ultramar teriam pelo menos a possibilidade de construir uma base de vida mais segura. Tinham um círculo de amigos bastante grande, os quais pareciam em conformidade com suas cartas viver bem e pelos quais seriam convidados a ir para lá111. O Brasil era um país onde se podía criar regiões de colonização, tornar-se grande proprietário e que atraía muita gente jovem oriunda de camadas superiores, para as quais as relações político-sociais da Alemanha após 1830-1848 se haviam tornado intoleráveis. No Brasil havia uma liberdade muito major, enquanto que, na Alemanha, lutava-se pela liberdade de armas na mão. Dos 1770 homens que participaram originariamente da legião alemã, recrutada para lutar contra o ditador argentino Rosas somente 80 lehionários puderam ser mobilizados. Uma grande parte desta tropa estabeleéeu-se, após o término da guerra, no Rio Grande do Sul. Estes eram chamados de «Brummer» e originavam-se principalmente do exército de Schleswig-Holstein que havia sido

110 Karl Faller, op. cit., p. 13. 111 Josef Mergen, op. cit., p. 283.

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desmobilizado após a solução militar da questão desta provincia. Na colônia Dona Francisca, encontravam-se entre os imigrantes (1851)112 – diferentemente de outras colônias alemães que se compunham basicamente de camponeses, trabalhadores rurais e artesãos – os primeiros colonos de origem social elevada (nobres, académicos e oficiais); que não deixaram seu país por causa de razões econômicas, mas sim polítitas113. Era normalmente muito dificil encontrar-se nas restantes colônias um bom pastor e sobretudo um professor114.

«Era aproximadamente de dais mil o número de soldados que veía para o Brasil e entre os quais havia vários homens instruídos. Os tempos excitantes da década de 40 afetaram-nos em cheio. Estes homens o mais das vezes ainda jovens também atravessaram o conturbado período de 1846 – 1864 na Alemanha e, em sua maior parte, combateram em Schleswig-Holstein. Trouxeram consigo em virtude das experiências vividas, um espírito autônomo e empreendedor e estimularam o cultura germânica de época»:

As comunidades protestantes de emigrantes podiam determinar independentemente as condições de formação de seus sacerdotes que foram registrados oficialmente pelo governo brasileiro. Assim é que, naturalmente, antigos alfaiates e sapateiros ou mestres-escolas expulsos da Alemanha e oficiais e sargentos trabalhavam como sacerdotes115 Um viajante referia-se da seguinte maneira a um «pastor» que havia conhecido no interior: «Como antigo reitor de uma cidade de Thüringen, havia sido em função de suas idéias liberais combatido e mais tarde [...] demitido«116. Por conseguinte, decidiu emigrar em companhia de sua numerosa família e alguns parentes e conhecidos para o Brasil.

Von Koseritz verifican, vinte anos após a chegada dos mercenários alemães, que os mesmos ocupavam mais da metade dos lugares de

112 Koseritz, Kalender 1879, p.122 sowie derselbe in Koseritz-Kalender 1874, p. 15, cf. Delhaes-Günther op. cit. 113 Ernst Gerhard Jacob, op. cit., p. 47. 114 «Gartenlaube» 1862, p. 455. 115 «Gartenlaube» 1874, p. 644. 116 «Gartenlaube» 1876, p. 512.

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professor nas colônias alemães117. Possivelmente, até mesmo os colonos mais velhos lhes deviam (aos chamados «Brummer») sua formação escolar quando existía alguma. Exoficiais do exército trabalhavam como agrimensores, diretores de colonias e como comerciantes; contribuíram expressivamente para o desenvolvimento dos jornais de língua alemã, publicados nas provincias118.

7. A vida de colono.

Era compreensível que o leitor alemão se interessasse, principalmente, pela vida do colono. Não se devia esperar muito das instalações domésticas de que se servia o colono; mesmo a casa de um colono rico tinha uma apârencia bem mesquinha, lá apenas se encontrava o absolutamente indispensável119.

Os móveis eram grosseiros e «esc1usivamente na casa deum alemão de renda média, residente na cidade poder-se-ia encontrar mais luxo»120, como é o caso entre os colonos brasileiros, cuja propriedade excede a, faixa do meio milhão o mobiliário é extremamente simples e quadros suntuosos ou outras obras de arte não poderiam combinar com ambiente tão rústico. Desconhencia-se o pequeno órgão121.

A alimentação do lavrador não poderia ser variada e não o fora. O almoco consistia dos mesmos componentes do café da manhá. Arroz, feijão, farinha de mandioca, «Bataden» melado, café, leite e mate eram servidos diariamente à mesa e ainda, em pequena quantidade carne e legumes122. Comia-se frutas entre as refeições. Cerveja e cachaça eram bebidas raras que, por ocasião das festas, não eram, entretanto, desprezadas. «Quase não se conhecia o pão no interior do país»123. As comidas eram parcialmente condimentadas com as mais fortes espécies de pimenta. Não havia quase variedade de tipos de legume, se bem que o solo brasileiro pudesse produzílos; espécies de

117 Alfred Schmid, Die Brummer, eine deutsche Fremdenlegion in brasilianichen Dienslen im Krieg gegen Rosas, 2. ed., Porto Alegre 1949, p. 23. 118 Dietrich von Delhaes-Günther, op. cit., p. 76. 119 «Das Ausland» 1843, p. 779. 120 «Das Ausland» 1850, p. 742. 121 Carlos Fouquet, op. cit., p. 146. 122 «Das Ausland» 1862, p. 739. 123 «Das Ausland» 1843,p. 772.

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legume como nabo, repolho, alface, etc. que a cozinha européia oferecia em grande quantidade não eram cultivados pelo lavrador brasileiro; este não plantava sequer batatas, comprovadamente de grande utilidade124.

Procurava-se-os em vão nas hortas, muito menos nas grandes plantações. Não havia «nenhuma caramanchão íntima ou canteira de flores acolhedor, artificialmente cuidada, pois a natureza domina»125. A jardinagem, arboricultura e semelhantes procedimentos eram totalmente desconhecidos e nem mesmo se encontrava uma horta. «Alma e coração estregam-se e secam-se aqui»126.

Não se pode em tais circunstâncias falar de ciência e arte que não se manifestam. Não há nenhuma exposição artística, música, teatro ou noitadas alegres em cervejarias e nenhuma aconchegante noite de inverno, como comumente na Alemanha. Muitos narradores não consideravam carreta a modesta maneira de viver do colonos que, mesma sendo ricos, podem viver sem qualquer luxo. Desta forma suvordinavam seus pontos de vista quanto à vida do colono a medidas típicamente alemães, ou seja a uma casa bem equipada, cómoda e confortável. Não podiam confraternizar-se com a comida brasileira que era muito modesta; admiravam-se da inexistência do pão e de que as hartas não fossemcuidadas como na Alemanha. Notava-se malhumoradamente a falta da intimidade alemã das cervejarias. Os costumes da vida no interior e os hábitos alimentares foram em virtud e de preconceitos, negativamente intera pretados. Estas interpretações subjetivas manifestavam-se sob a formde falta de compreensão e disposição para aclimatar-se à novas condições de vida. O significado da imigração de compatriotas alemães era cada vez mais relevante nas narrativas de viagem e a opinião pública alemã preocupa-se em tomar uma posição clara quanto ao problema. As declarações são bastante discrepantes e não possibilitam a formação de um guadro coerente sobre o processo de recepção e aclimatação do imigrante alemão.

124 «Das Ausland» 1851, p. 113. 125 «Das Ausland» 1843, p. 779. 126 «Das Ausland» 1857, p. 258.

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As colônias alemães continuavam a ser procuradas constantemente e podese dizer que sua imagem era, basicamente, positiva; sabia-se de antemão que uma mulher vestida com um avental colorido tinha que ser alemã e a sacada florida de uma casa só podia pertencer a um alemão. Avé-Lallemant visitan a colonia alemã de São Leopoldo e considerou-a próspera e destacan «sua vida doméstica e cantou-nos com sentimento deliciosas histórias de aldeias de imigrantes do norte da Alemanha127. Avé-Lallemant considerava a vida do emigrante em fons róseos, enquanto outros observadores concluem justamente o contrário e opinam que a colonização alemã é simplesmente uma nova forma de escravidão. Este ponto de vista evidencia-se a partir da década de 50, quando se passa a criticar resolutamente os contratos de parceria e a caracterizálos como contratos de opressão128.

Pode-se dizer de um modo geral que, até os anos 40, a imagem do imigrante era positiva, com exceção de algumas colônias em que o planejamento fracassou como por exemplo Nova Friburgo. A partir da década de 50 foram criadas colônias-modelo; não obstante, a imagem do imigrante tornou-se negativa. A partir de então, artigos e reportagens advertiam que a imigração era uma forma de «comércio de almas», assumindo assim uma atitude francamente contrária a mesma.

8. A queda da monarquía.

A interpretação do Brasil, independente, dependia da atitude subjetiva

de cada alemão que se ocupava do assunto. Pode-se dizer que naquela época o Brasil era visto como um país politicamente estável. O Brasil esteve por duas vezes em guerra contra países estrangeiros.

Pela primeira vez (1851-1852) com o objetivo parcial de derrubar o regime de Rosas na Argentina e pela segunda vez, de fato a única vez em que o Brasil esteve verdadeiramente em guerra, lutou contra o

127 Jean Roche, Die Deutsche Siedlung in Brasilien im Spiegel der brasilianischen Literatur, in: Roche, Jean/Woll, Dieter/Bayer, Hans: Die Deutschen im brasilianischen Schrifttum, em: «Versuche und Vorarbeiten, Romanisches Seminar der Universitat Bonn», Band 24, Bonn 1968, p. 28. 128 »Das Ausland» l860, p. 263.

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Paraguai (1865-1870). As dívidas de guerra acumuladas pelo Brasil marcaram o período de Dom Pedro II que, não fora isso, teria sido um governo pacífico.

O longo período de relativa estabilidade possibilitou ao país uma grande vantagem: a consciência da unidade nacional e quase um século da históriado país. D. Pedro II cometen uma série de erros ao longo dos 49 anos em que esteve à frente do governo. O velho problema do vazio demográfico permanecía isolúvel e a maior parte da população do país continuava analfabeta e, além do mais, dividida entre uma estreita camada de ricos e privilegiados e uma grande massa de pobres e marginalizados. Apesar da atenção que o imperador havia dedicado ao problema educacional, descurou de criar uma universidade. Havia certamente um círculo restrito de candidatos às escolas superiores e os métodos de ensino empregados eram medievais. Tinha-se a impressão de que o Brasil se encontrava aproximadamente no mesmo nivel da «Alemanha na época posterior às migrações». A simplicidade de D. Pedro II e sua recusa à ostentação da corte provocaram a impressão de que se tinha a ver na verdade com um «regente colonial com um título de imperador». No entanto, o imperador havia preparado ascondições necessárias para a emergência de uma moderna nação. Ao fim do período monárquico o Brasil deixara de ser apenas uma primitiva sociedade agrária e escravocrática e tornara-se uma abastada república de homens livres.

Os acontecimentos ocorridos no Rio de Janeiro em 1889 que conduziram à queda de D. Pedro II eram comentados e lastimados pela opinião pública, vivamente preocupada com o destino da família real129. Já se mostrou suficientemente que D. Pedro II, por seu caráter impecável e sua simplicidade contava com a simpatia de muitos130. E evidente que a família imperial contasse com a simpatia e a solidariedade da Alemanha em virtude das tendências pró-monárquicas deste país. A caracterização desta mudança e suas causas tomnou assim aspectos de uma boataria de grandes

129 Gerhard Brunn, Deutschland und Brasilien (1889-1914), em: «Lateinamerikanische Forschungen, Beihefte zum Jahrbuch für Geschichte von Staat, Wirtschaft und Gesellschaft Lateinamerikas» ed. Richard Konetzke, Hermann Kellenbenz, Günter Kahle, Hans Pohl, vol. 4, Köln/Wien 1971, p. 15. 130 «Kölnische Zeitung» 21.11.1889.

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proporções131. Pedro II proporcionou-se durante a época em que esteve à frente do estado várias viagens ao estrangeiro: visitou a Europa, os Estados Unidos, o Egito e aTerra Santa. Teve um contacto ativo com um grande número de cientistas contemporáneos seus que o visitavam quando de suas longas viagens pela Europa132. Esteve presente ao espetáculo de abertura do Festival de Bayreuth ao lado do imperador alemão133. Os governos ocidentais europeus, ao receberem a notícia da queda da monárquia brasileira solidarizaram-se primeiramente com ela. Pedro II não era, entretanto, muito bem considerado por seus pares europeos. Na Alemanha, não se admitia equiparar o monarca prussiano com aquele «regente colonial com título de imperador»134.

Observava-se, frequentemente, que D. Pedro II, seja no seu país ou no estrangeiro, não correspondia ao protocolo e aos princípios monárquicos. E possível que este preconceito, do ponto de vista alemão, deixe-se explicar através dos convulsivos esforços do imperador brasileiro, quando de suas viagens à Europa, para manter-se anónimo, tendo, em função disto, sido levado a situações ridículas que chocava os príncipes europeus135. O conde de Dõnhoff, ministro alemão plenipotenciário em Petrópolis, era da opinião de que o imperador teria confiado sempre na gratidão popular136. «O Imperador é sem dúvida o mais modesto de todos: seu velho palácio mais se parece com uma barraca, como o palácio do governo de Porto Alegre, sendo apenas aproximadamente cinco vezes maior. Velho, podre, em ruínas, mal tratado nunca foi caiado, la está ele [...] como um velho armazém»137. A abertura das câmaras em 1883 infundiu um impressão «mais próxima do cómico que de um sentimento de respeito»138, pois quando o imperador aparecen e saudou o plenário não foi correspondido.

131 Gerhard Brunn, op. cit., p. 15. 132 «Die Gartenlaube» 1892, p. 36. 133 «Die Gartenlaube» 1876, p. 569. 134 Gerhard Brunn. op. cit., p. 13. 135 Kienzle, op. cit., p. 355. 136 Gerhard Brunn, op. cit., p. 13. 137 Carl von Koseritz, op. cit., p. 43 e 44. 138 Carl von Koseritz, op. cit., p. 50.

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As carruagens imperiais seriam estragadas de acordo com a opinião do observador; do século passado, seu material estava desbotado e «as librés enferrujadas, vestidas pelos escravos que mais se assemelhavam o macacos em um circo de cavaleiros e provocavam uma impressão triste»139. O quadro lembrava ao espectador um flagrante carnavalesco.

Para o Conde de Dönhoff o povo brasileiro era a encarnação de muitos vicios: «Sem honra e sentimento de dever, imbuido exclusivamente de ufanismo e ganância, tais são os únicos valores e o direito reconhecido pelos brasileiros, isto e tudo o que lhes pode trazer vantagens; sendo de natureza covarde e pérfida, curvam-se semente diante da riqueza e da pompa»140.

O rei prussiano não se furtava a criticar, por ocasião dos acontecimentos de 1889, de haver faltado a devida atitude militar a D. Pedro II, o que teria ocasionado sua queda.

Esta imagem negativa sobre o Brasil e a corte imperial, fornecida por observadores e ministros diplomáticos alemães, foi exageradamente aprofundada durante os conselhos gerais do parlamento alemão em 1872141, quando o Dr. Friedrich Kapp afirmava, deixando-se conduzir pela palavra: «O Brasil é um país que se encontra aproximadamente no mesmo nível da Alemanha da Idade das migrações, isto é, da época, de Clodovico»142.

Resumo.

Em resumo: o que podemos apresentar aquí não é uma imagem do

Brasil completa, mas detalhes, contribuições à um tema grande, facetas de uma vista total: Brasil a única monarquía ao outro lado do Atlantico; Brasil um mercado para a exportação Alemã; Brasil país

139 Carl von Koseritz, op. cit., p, 48. 140 Gerhard Brunn, op. cit., p. 14. 141 Um grupo de alemães que vivia na provincia do sul do Brasil, redigiu uma peticão dirigida ao parlamento do Império alemão pedindo a anulação do decreto de 3/11/1859 (chamado Heydtsches

Reskript). 142 Henry Lange, Südbrasilien. Die Provinzen São Pedro do Rio Grande do Sul, Santa Catarina und

Parana mit Rücksicht auf die deutsche Kolonisation, Leipzig 1885, 2a ed., p. VI da reportagens stenográficas sobre asessão do 10 de Maio 1872.

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exótico para os botánicos, zoólogos e viajantes; juizos subjetivos muitas vezes de protestantes que não eram capazes de encontrar o equilibrio imparcial para julgar justa e corretamente os problemas étnicos e sociais num país tão vasto e com condições étnicas e climáticas bastante diferentes das européias; ao outro lado para o emigrante um país de esperança. Mas não esqueçamos do início de uma avaliação mais equilibrada sobre a base das investigações científicas da natureza como dos homens brasileiros, dos indígenas e dos immigrados.