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Universidade Estadual de Maringá 26 e 27/05/2011 1 A IMPLANTAÇÃO DA LÍNGUA ESPANHOLA NO ENSINO MÉDIO PÚBLICO: CONQUISTAS E DESAFIOS MACIEL, Daniela Terezinha Esteche (UEPG) OLIVEIRA, Rita de Cássia da Silva (Orientadora/UEPG) Introdução Nos últimos anos a língua espanhola adquiriu relevante importância em âmbito nacional, com o advento da globalização e o estreitamento de relações econômicas e comerciais entre os países da América, efetiva-se a difusão da Língua Espanhola no Brasil de maneira a contemplar todas as pessoas em diferentes instâncias. A partir da década de 90 iniciou-se então um processo de divulgação e reconhecimento da importância do espanhol na vida dos brasileiros. Segundo Sedycias (2005, p.36) a posição que a língua espanhola ocupa hoje no mundo é de tal importância que quem decidir ignorá-la não poderá fazê-lo sem correr o risco de perder muitas oportunidades de cunho comercial, econômico, cultural, acadêmico ou pessoal. No caso do Brasil, a criação do Mercosul foi um fator determinante para despertar o interesse pela língua espanhola. Com um tratado comum entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai com intuito de desenvolvimento econômico, o domínio de um idioma que abranja a todos os países envolvidos é relevante para favorecer os contatos. Aos poucos se foi percebendo a necessidade de aprender e dominar o idioma espanhol e a partir de então a participação do sistema educativo brasileiro torna-se fundamental, pois se entende que a escola é o espaço mais propício para oferecer oportunidades de aprendizado aos alunos.

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A IMPLANTAÇÃO DA LÍNGUA ESPANHOLA NO ENSINO

MÉDIO PÚBLICO: CONQUISTAS E DESAFIOS

MACIEL, Daniela Terezinha Esteche (UEPG)

OLIVEIRA, Rita de Cássia da Silva (Orientadora/UEPG)

Introdução

Nos últimos anos a língua espanhola adquiriu relevante importância em âmbito

nacional, com o advento da globalização e o estreitamento de relações econômicas e

comerciais entre os países da América, efetiva-se a difusão da Língua Espanhola no

Brasil de maneira a contemplar todas as pessoas em diferentes instâncias.

A partir da década de 90 iniciou-se então um processo de divulgação e

reconhecimento da importância do espanhol na vida dos brasileiros. Segundo Sedycias

(2005, p.36)

a posição que a língua espanhola ocupa hoje no mundo é de tal importância que quem decidir ignorá-la não poderá fazê-lo sem correr o risco de perder muitas oportunidades de cunho comercial, econômico, cultural, acadêmico ou pessoal.

No caso do Brasil, a criação do Mercosul foi um fator determinante para

despertar o interesse pela língua espanhola. Com um tratado comum entre Brasil,

Argentina, Paraguai e Uruguai com intuito de desenvolvimento econômico, o domínio

de um idioma que abranja a todos os países envolvidos é relevante para favorecer os

contatos.

Aos poucos se foi percebendo a necessidade de aprender e dominar o idioma

espanhol e a partir de então a participação do sistema educativo brasileiro torna-se

fundamental, pois se entende que a escola é o espaço mais propício para oferecer

oportunidades de aprendizado aos alunos.

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Devido à lei 11. 161 de 05 de agosto de 2005 que prevê o ensino da língua

espanhola, de oferta obrigatória pela escola e de matrícula facultativa para o aluno nos

currículos plenos do ensino médio num prazo previsto de 05 anos a partir da data da

implantação da lei, faz-se necessário verificar as condições existentes e/ou necessárias

para a real efetivação desta lei em termos de estrutura física, currículo, profissionais do

ensino e todos os fatores determinantes que garantam um ensino efetivo, pois ao inserir

uma disciplina no currículo não se pode limitar-se à sua oferta, mas garantir um ensino

que prime pela qualidade e que seja coerente com as propostas educacionais, lembrando

que a partir dos conhecimentos adquiridos o aluno exercerá sua cidadania.

Desta forma, propõe-se com esta pesquisa analisar a implantação da língua

espanhola na grade curricular do Ensino Médio público, analisando as definições em

políticas públicas para o ensino de espanhol, a posição que este idioma ocupa no Brasil,

a legislação nacional existente para o ensino de línguas estrangeiras e os documentos

que norteiam o ensino público. Tudo isso a fim de perceber as verdadeiras motivações

para a implantação do espanhol na grade curricular, as contribuições das políticas

públicas, como a lei está sendo colocada em prática nos estabelecimentos de ensino e

verificar os desafios encontrados no transcorrer do processo de implementação.

A partir destas motivações para o desenvolvimento da pesquisa surgiram

algumas questões que levam à reflexão sobre o histórico da língua espanhola no Brasil

para assim compreender o momento atual que se configura pela prática da lei 11.161

nos estabelecimentos de ensino.

Como as línguas estrangeiras foram valorizadas ao longo do tempo pelas

reformas ocorridas no sistema de ensino brasileiro?

A partir de quando o espanhol é inserido nos currículos?

Quais são as motivações encontradas pelos brasileiros para aprender

espanhol?

Qual é a posição do sistema educacional frente à difusão da língua

espanhola a partir dos anos 90?

Quais os interesses por parte do governo em tornar o espanhol

obrigatório a partir da sanção da Lei 11.161 de 05 de agosto de 2005?

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A partir da realidade evidenciada nos estabelecimentos de ensino, quais

as contribuições das políticas públicas para o cumprimento da lei?

A sanção da Lei 11.161 foi mais um ato político que educacional? Quais

as reais possibilidades para que ela se efetive pensando nos fins educacionais, com

garantia de aprendizado para os alunos?

Quais os principais desafios a serem superados para que a lei do espanhol

seja implementada?

A partir das questões levantadas, o objetivo geral é pesquisar a história da

implantação da Língua Espanhola na grade curricular do Ensino Médio Público. As

escolas públicas, no prazo determinado, deveriam colocar em prática o que direciona a

lei 11.161, que prevê o ensino da Língua Espanhola. Para que a lei realmente entre em

vigor muitas serão as mudanças dentro do ambiente escolar: estrutura física, grade

curricular, formação de docentes, entre outros. Neste sentido, faz-se necessário uma

pesquisa sobre como ocorreu/ocorre tal implantação na escola pública, ou seja, de que

forma as políticas públicas deram conta dessa implantação.

Os objetivos específicos são os seguintes:

Verificar as verdadeiras motivações para a implantação da Língua

Espanhola na grade curricular do Ensino Médio Público;

Se há a promulgação de uma nova lei é porque existem diversos motivos que

contribuem para que ela seja assinada e talvez colocada em prática. Não seria diferente

com a educação e o ensino de línguas estrangeiras. Então será fundamental para o

desenvolvimento deste estudo verificar as motivações encontradas, sejam elas

educativas, sociais, políticas ou econômicas para que o espanhol faça parte da grade

curricular das escolas públicas brasileiras.

Fazer um levantamento das ações efetivas do governo para esta

implantação;

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Não basta simplesmente assinar uma lei e não dar subsídios para sua prática

efetiva. A educação pública depende dos recursos ofertados pelo estado para que possa

atender as necessidades existentes. No caso da implantação de uma nova disciplina estes

recursos não se limitam ao âmbito financeiro, mas também à formação e capacitação de

profissionais para que estejam preparados para efetivar tal mudança.

Refletir sobre o papel da Língua Estrangeira na escola;

Para muitos alunos a escola representa o único espaço de apropriação e

socialização de saberes, por isso refletir sobre a postura da escola frente ao ensino de

língua estrangeira é contribuir para a formação desses alunos.

Investigar a implantação do ensino de espanhol em algumas escolas

públicas de Ponta Grossa – Paraná;

A partir da data de assinatura da lei algumas escolas públicas brasileiras foram

aos poucos ofertando o espanhol em suas grades curriculares, outras deixaram para o

último momento e muitas fizeram a opção pela oferta através dos Centros de Línguas

(CELEM). Assim, para perceber as diferentes dinâmicas ocorridas em Ponta Grossa

para a oferta obrigatória do espanhol, serão realizadas entrevistas para entender todo

este processo.

Verificar os desafios encontrados para a implantação do espanhol na

grade curricular;

A partir dos dados levantados será possível perceber os desafios encontrados

para a efetivação da lei e as possibilidades para que haja a garantia de sua

implementação.

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Referencial Teórico e Revisão de Literatura

Compreendendo a educação como parte do aparelho do Estado, não está neutra

às práticas seguindo a estrutura do sistema capitalista em vigor, numa sociedade com

diferenças de classes sociais, onde muitas vezes, as ações são voltadas para manter a

ordem reinante e a hegemonia da classe dominante. Assim, determinantes históricos,

sociais, econômicos e culturais contribuem para como se dá o desenvolvimento da

educação e principalmente as reformas que ocorrem no sistema de ensino.

Ao desenvolver a pesquisa com base no materialismo histórico dialético

pretende-se compreender e relacionar o objeto de estudo a partir de contextos que

ultrapassam o âmbito educacional, pois a educação está atrelada a outros âmbitos da

sociedade – político, econômico, social, cultural. Assim, ao estudar as reformas a partir

de uma lei não se pode limitar-se ao aspecto educacional, pois há de se refletir sobre o

que contribuiu para a sanção desta lei em termos de interesses do próprio Estado para

que então seja possível analisar as mudanças dentro dos estabelecimentos de ensino para

a efetivação ou não da lei. Gamboa (2007, p. 130) referindo-se ao materialismo

histórico dialético explica:

Nenhum fenômeno está isolado, pelo contrário, insere-se numa rede de contextos e determinantes progressivamente mais amplos e complexos. Nesse sentido, nenhum fenômeno pode ser considerado um todo autônomo, isolado ou separado de uma totalidade maior que é a própria realidade, que por ser histórica não se esgota na percepção presente.

A partir da proposição que todo fenômeno está relacionado a outros fenômenos,

nesta pesquisa torna-se necessário buscar o histórico das línguas estrangeiras (LEs) no

Brasil e em específico a língua espanhola como disciplina curricular, as reformas

ocorridas no ensino e relacioná-las com os acontecimentos históricos, políticos,

econômicos e até mesmo culturais que favorecem para este histórico das LEs no Brasil e

as respectivas reformas. Assim, se chegará ao momento atual e ao objeto de estudo

próprio da pesquisa.

Portanto, ao realizar esta pesquisa procurar-se-á a partir do método materialismo

histórico dialético, relacionar o objeto de pesquisa com as categorias deste método, na

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tentativa de compreender o processo educacional articulado à sociedade capitalista.

Segundo Cury (1986, p. 14)

A educação e sua análise, então, devem ter como ponto de partida sua presença imanente numa totalidade histórica e social. Ela manifesta essa totalidade, ao mesmo tempo que participa na sua produção. Tal manifestação se dá na própria estruturação capitalista dessa totalidade. A educação então não reproduz as relações de classe, mas estas se fazem presentes na educação, articulando-a com a totalidade.

Desta forma, ao procurar pesquisar o processo de implantação da língua

espanhola na grade curricular do ensino médio público, torna-se necessário relacionar

esta reforma definida por Carnoy e Levin (1993) como microtécnica (inserção de novas

matérias) não somente ao âmbito educacional mas a todos os segmentos da sociedade na

compreensão dos verdadeiros objetivos com tal reforma a partir da sanção da Lei 11.161

de 05 de agosto de 2005.

As categorias, segundo Cury (1986) só adquirem real consistência quando

elaboradas a partir de um contexto econômico-social e político, historicamente

determinados. Sendo assim, as categorias aqui utilizadas estarão sendo abordadas de

acordo com o contexto da pesquisa e o desenvolvimento de seu objeto que como já foi

explicitado refere-se à inserção da disciplina de língua estrangeira moderna – espanhol

no currículo do ensino médio da escola pública.

As explicações para as categorias de contradição, totalidade e mediação

utilizadas nesta pesquisa seguem as colocações de Cury (1986). A contradição se refere

ao desenvolvimento da sociedade, as relações contrárias, as especificidades, no decorrer

dos fenômenos. Através desta categoria se pode compreender o real e as contradições

existentes neste real e então haver uma possibilidade de interferência.

Neste trabalho, as contradições são identificadas através da análise da sanção da

Lei 11.161, a realidade encontrada nos estabelecimentos de ensino para a aplicação da

lei e as contribuições das políticas públicas para a implantação do espanhol na grade

curricular. Através das contradições é possível verificar as diversidades encontradas a

partir de um ato político (a lei) e sua compreensão como um ato educacional.

A educação em si é contraditória, pois ao concebê-la como forma de transmissão

de saber, deveria unicamente voltar-se para um saber que leve à aprendizagem

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contribuindo para a formação de um sujeito crítico, capaz de compreender o meio em

que vive e ser capaz de transformá-lo e não como forma de reprodução de valores que

contemplam aos interesses dominantes da sociedade capitalista.

Sendo a educação como um todo contraditória, as práticas pedagógicas, os

currículos, as reformas ocorrem seguindo esta contradição e inerentes as contradições da

sociedade. Portanto, não se pode desconsiderar a categoria da contradição no

desenvolvimento desta pesquisa, pois segundo Cury (1986, p. 27)

Sob o ponto de vista da sociedade, negar a contradição no movimento histórico é falsear o real, representando-o como idêntico, permanente e a- histórico. O que termina por afetar a concepção de educação, pois, ao retirar dela a negação, passa-se a representá-la dentro de um real que se desdobra de modo linear e mecânico.

A categoria da totalidade pode ser visualizada nas particularidades do objeto de

estudo e suas relações externas, ou seja, qual a relação estabelecida a partir da

implantação da lei do espanhol com a sociedade capitalista, com os interesses da ordem

dominante, com as questões políticas e econômicas que envolvem a inserção do

espanhol como disciplina obrigatória e ainda as questões de ordem educacional

presentes neste processo. Assim, a totalidade justifica-se por uma compreensão de um

processo particular conectado dialeticamente com outros processos. (Cury, 1986, p. 27)

Ainda citando Cury (1986, p. 67)

A educação é uma totalidade de contradições atuais ou superadas, aberta a todas as relações, dentro da ação recíproca que caracteriza tais relações em todas as esferas do real. A ação recíproca entre essas esferas do real se mediam mutuamente através das relações de produção, relações sociais e relações político-pedagógicas.

Portanto, não se podem desconsiderar as relações estabelecidas pelas

particularidades do objeto de pesquisa com as determinações mais amplas na busca de

uma compreensão mais significativa.

A categoria da mediação expressa as relações concretas e vincula mútua e

dialeticamente momentos diferentes de um todo. (Cury, 1986, p. 43). Torna-se assim

fundamental por compreender que os fenômenos não ocorrem isoladamente, mas

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passíveis de determinações a partir de interações diversas. Ainda de acordo com Cury

(1986, p. 28)

Sob o ponto de vista da sociedade, as mediações concretizam e encarnam as ideias ao mesmo tempo que iluminam e significam as ações. No caso da educação, essa categoria torna-se básica porque a educação, como organizadora e transmissora de ideias, medeia as ações executadas na prática social.

Desta forma, a mediação faz-se presente nesta pesquisa na busca da

compreensão entre as particularidades na implantação do espanhol na grade curricular,

as questões educacionais e suas relações com a lei, a política, os interesses além do

âmbito educacional. Assim, pode ser visualizada através da análise reflexiva dos

acontecimentos que levaram à difusão da língua espanhola no Brasil e assim à sanção da

lei do espanhol e ainda sua repercussão na educação e mais precisamente nos

estabelecimentos de ensino através de sua possível aplicação.

As informações sobre o histórico das línguas estrangeiras no Brasil estão

embasadas em Romanelli (1987) que aborda a história da educação no Brasil, Chagas

(1967), com as colocações acerca das línguas modernas e em específico sobre o

espanhol, são utilizadas as reflexões de Picanço (2003) com relação à história, memória

e ensino de espanhol no Brasil e em específico no Paraná.

Para as reflexões sobre a presença do espanhol no Brasil são utilizados os

conceitos de pré-construído de Pêcheux (1988) e acontecimento discursivo (1990).

Pêcheux utiliza o termo pré-construído para designar o que remete a uma construção

anterior, exterior, mas sempre independente, em oposição ao que é “construído” pelo

enunciado. Assim, pode-se dizer que há uma relação de pré-construído dos brasileiros

com a língua espanhola anterior as mudanças ocorridas a partir da década de 90 que

levam à difusão do espanhol e a sanção da Lei 11.161 de 05 de agosto de 2005,

entendida aqui, segundo Pêcheux (1990) como um acontecimento discursivo capaz de

causar uma dinâmica nunca antes vivenciada no que concerne ao histórico das LEs no

Brasil.

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Os conceitos de habitus e campo de Bourdieu são utilizados na compreensão

desta mudança que ocorreu com a presença do espanhol na vida dos brasileiros,

principalmente a partir da década de 90. De acordo com Setton (2002)

Habitus é então concebido como um sistema de esquemas individuais, socialmente constituído de disposições estruturadas (no social) e estruturantes (nas mentes), adquirido nas e pelas experiências práticas (em condições sociais específicas de existência), constantemente orientado para funções e ações do agir cotidiano.

Os brasileiros, em geral, passam a visualizar o espanhol com significativa

importância, nunca antes ocorrida na história deste idioma no Brasil, percebem a

importância em estudar este idioma a partir de interesses diversos e da mesma maneira

direcionados por um momento político e econômico marcante – o Mercosul. Desta

forma, um novo habitus consolida-se e vem a definir mudanças na postura do brasileiro

com relação ao espanhol, há o desejo pelo aprendizado e neste contexto torna-se

marcante a posição do sistema de ensino que pode proporcionar a estes sujeitos

(brasileiros) o aprendizado da língua espanhola.

O conceito de habitus não pode ser compreendido sem o conceito de campo que

segundo Nogueira (2006) citando Bourdieu (1983) se refere a certos espaços de

posições sociais nos quais determinado tipo de bem é produzido, consumido ou

classificado. Assim sendo, nesta pesquisa compreende-se por campo todo o espaço

brasileiro de difusão da língua espanhola e a dimensão que este idioma atingiu a partir

da década de 90, as mudanças ocorridas até a sanção da chamada lei do espanhol e sua

repercussão no sistema de ensino brasileiro, bem como o processo de implantação da lei

dentro dos estabelecimentos de ensino.

Para explicitar os motivos que podem induzir os brasileiros ao estudo do

espanhol são aproveitadas as razões apontadas por Sedycias (2005). A partir destes

motivos, aponta-se a importância do sistema de ensino, pois se entende a escola como o

espaço mais propício para a transmissão de saberes e a formação de intelectuais,

seguindo o conceito de Gramsci, de Intelectual orgânico- qualquer pessoa que é

possuidora de uma capacidade técnica particular e dos elementos de organização e

pensamento de uma classe social. (Carnoy, 1984, p. 30)

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Também é utilizado o conceito de capital cultural de Bourdieu como definição

para a busca dos brasileiros pelo aprendizado da língua espanhola. Segundo Nogueira

(2006, p. 41) o domínio da língua culta funciona como uma moeda (um capital) que

propicia a quem o possui uma série de recompensas, seja no sistema escolar, seja no

mercado de trabalho, seja até mesmo no mercado matrimonial.

Estabelecendo um comparativo entre o domínio da língua culta e o domínio da

língua espanhola, pode-se dizer que buscam os brasileiros um capital cultural através do

domínio deste idioma, que para tanto possuem motivos diversos que vem a proporcionar

novas oportunidades sejam elas pessoais ou profissionais.

Já para definir o espanhol como disciplina curricular são abordados os conceitos

de currículo de Goodson (1995), o qual faz uma distinção entre currículo escrito e

currículo ativo, aquele que é posto em prática na sala de aula e que a relação entre

ambos depende da natureza da construção pré-ativa dos currículos – quanto ao teor e à

teoria – bem como da sua realização interativa em sala de aula. Com relação à disciplina

de língua espanhola presente nos currículos, deve-se exatamente refletir sobre esta

distinção entre currículo escrito e currículo ativo, pois pode até ocorrer a sua inserção na

grade curricular, mas a sua efetivação na prática da sala de aula é uma questão que leva

a outras reflexões inerentes ao ensino, entre elas: espaço adequado, capacitação de

professores, material didático.

Desta forma, pode-se pensar de acordo com Goodson (1995, p. 107)

Como observamos, isto muitas vezes leva a afirmar ou pressupor que o currículo escrito é, em sentido real, irrelevante para a prática, ou seja, que a dicotomia entre o currículo adotado por escrito e o currículo ativo, tal como é vivenciado e posto em prática, é completa e inevitável. Existem inúmeras versões da tese da dicotomia completa. Algumas versões da “teoria conspiratória” assim argumentariam: uma vez que a escolarização, particularmente a promovida pelo Estado, está intimamente relacionada com a reprodução econômica e social, e é compulsória e carente de recursos, certos aspectos da prática e da vida em sala de aula, embora inabordáveis, são praticamente inevitáveis (certo); portanto, a “retórica” do currículo escrito é basicamente irrelevante (não comprovado).

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É evidente que há uma distinção entre o currículo escrito e o currículo ativo, mas

deve-se refletir sobre os motivos, intrínsecos e extrínsecos ao contexto escolar que

levam a tal ação. Saviani (1994, p.56)

De grande interferência em uma disciplina escolar – no tocante à sua inclusão/exclusão do currículo, à ordem de importância na “hierarquia” das disciplinas de uma série, nível, grau ou modalidade de ensino, e, inclusive, ao seu conteúdo – são as finalidades educacionais: as específicas das escolas e as da sociedade (demandas da família, da religião, do regime sócio-político), que variam conforme a época e o lugar.

As colocações de Saviani também são utilizadas para compreender a prática

pedagógica a partir dos currículos e em específico a partir da reforma curricular com

inserção de novas disciplinas.

Para aprofundar as reflexões a partir da Lei 11.161 de 05 de agosto de 2005 são

utilizadas as abordagens de González (2006), Celada (2002), Parraquetti (2004), Lemos

(2008) e também as informações postadas pela Copesbra (Comissão Permanente de

Acompanhamento da implantação do espanhol no Sistema educativo brasileiro e sites

das Associações de Professores de Espanhol que mantêm atualizadas as informações

sobre a implantação do espanhol. Também são utilizados as publicações da Embaixada

da Espanha no Brasil (Consejería de Educación), como por exemplo: Anuário Brasileiro

de Estudos Hispânicos.

Além de todos estes autores são utilizados os documentos oficiais: Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/1996), Parâmetros Curriculares

Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM), Diretrizes Curriculares Estaduais de Língua

Estrangeira Moderna (DCEs), Orientações Curriculares Nacionais (OCMs).

Para compreender a dinâmica ocorrida com a língua espanhola dentro do sistema

de ensino brasileiro e as definições em políticas públicas para a obrigatoriedade de seu

ensino na lógica da sociedade capitalista atual, são utilizadas as concepções de Estado e

as relações Estado e educação de Carnoy (1984, 1990), Carnoy e Levin (1985) e Gruppi

(1986) e ainda Mészáros (2005).

Segundo Carnoy (1984, p.21)

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Em segundo lugar, Marx argumentava que o Estado, emergindo das relações de produção, não representa o bem comum, mas é a expressão política da classe dominante. O Estado capitalista é a resposta à necessidade de mediar o conflito de classe e manter a “ordem” que reproduz o domínio econômico da burguesia.

Seguindo esta concepção de Estado, no decorrer desta pesquisa, torna-se

necessário procurar compreender quais as intenções que imbuíram o governo à sanção

da lei do espanhol, quais os objetivos educacionais e quais os interesses articulados às

questões de ordem política e econômica. Mészáros (2008, p. 43) afirma:

As determinações gerais do capital afetam profundamente cada âmbito particular com alguma influência na educação, e de forma nenhuma apenas as instituições educacionais formais. Estas estão estritamente integradas na totalidade dos processos sociais. Não podem funcionar adequadamente exceto se estiverem em sintonia com as determinações educacionais gerais da sociedade como um todo.

Neste sentido, entende-se que as mudanças não ocorrem de forma alheia a

momentos marcadamente importantes para a efetivação de transformações que atingem

os diferentes âmbitos da sociedade e que acontecem muitas vezes, para manter a lógica

do capital. Referindo-se às mudanças de cunho educacional e em específico ao ensino

da língua espanhola de forma obrigatória, depreende-se da citação acima que não se

pode deixar de compreender as determinações da lei 11.161 de 05 de agosto de 2005 e,

além disso, os interesses para a sanção desta lei e ainda as reais mobilizações para a sua

real efetivação, aliados aos conceitos de Estado e sociedade.

Procedimentos Metodológicos

Busca-se a análise crítica do objeto de estudo através de uma pesquisa

qualitativa, na análise do discurso dos sujeitos para a compreensão de todo o processo

envolvendo a inserção da nova disciplina (língua espanhola) no currículo, as conquistas

e os desafios.

O instrumento utilizado para coleta de dados é entrevista com diretores seguindo

os critérios abaixo:

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Estabelecimento de ensino que implantou a disciplina de espanhol antes

da Lei 11.161 (05/08/05) e mantêm atualmente;

Estabelecimento de ensino que havia implantado a disciplina de espanhol

antes da Lei 11.161 (05/08/05) e que neste ano (2011) retirou da grade curricular;

Estabelecimento de ensino que implantou a disciplina de espanhol este

ano (2011) na grade curricular;

Estabelecimento de ensino que implantou a disciplina de espanhol este

ano (2011) no CELEM.

Ainda, uma entrevista com a coordenadora de Espanhol no Núcleo Regional de

Educação de Ponta Grossa, pois ela teve contato com todos os diretores neste processo

de implantação do espanhol nas Escolas Públicas do Município.

As entrevistas contaram com perguntas abertas, a fim de analisar o discurso dos

sujeitos e perceber a realidade acerca do espanhol como disciplina obrigatória. Os dados

encontram-se em processo de análise, de leituras diversas, estabelecendo comparativos

entre as respostas com o objetivo de perceber alguns indicativos para a realidade

encontrada nos estabelecimentos de ensino com relação à implantação do espanhol

como disciplina obrigatória a partir de uma política pública que foi a sanção da Lei

11.161 (05/08/05)

Os dados coletados são de extrema importância para estabelecer uma relação

entre teoria e prática, ou seja, entre a lei e a sua aplicação, verificando as conquistas e os

desafios a partir da lei do espanhol, uma reforma que prevê muitas mudanças até a

obtenção de uma conclusão plausível.

Por tratar-se de uma pesquisa com uma problemática recente, sente-se a carência

de referencial teórico específico, portanto busca-se uma leitura diária de páginas

eletrônicas relacionadas ao assunto e a busca de novas informações a partir de contatos

estabelecidos entre professores, estabelecimentos de ensino e Núcleo de educação.

Com relação aos conceitos utilizados, acredita-se aproximar-se da proposta de

pesquisa que é análise crítica do objeto de estudo, considerando o contexto de uma

sociedade capitalista, dividida em classes.

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Considerações Finais

Evidencia-se, a importância, enquanto pesquisadora em vincular-se aos aspectos

acadêmico, pedagógico e prático da pesquisa, ou seja, compreender a ciência, a teoria e

a prática pedagógica relacionada à problemática estudada.

Como se refere a um estudo voltado para a educação, os conceitos utilizados são

analisados considerando o contexto escolar, numa perspectiva em que o modo de ver

(teoria) e o modo de fazer (metodologia) devem estar bem delineados para que assim

possa o desenvolvimento da pesquisa ser bem definido.

REFERÊNCIAS

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Médio. Linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: Secretaria de Educação

Média e Tecnológica, 1999.

BRASIL, Ministério da Educação. Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Linguagens, códigos e suas tecnologias. Conhecimentos de Espanhol. Secretaria da Educação Básica. Brasília: Mistério da Educação, 2006.

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Universidade Estadual de Maringá 26 e 27/05/2011

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