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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Sandra Miguel Abou Assali Bertelli A importância da prova como garantia de efetividade do processo do trabalho MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2009

A importância da prova como garantia de efetividade do ... Miguel... · 4 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel, Teoria Geral do

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Sandra Miguel Abou Assali Bertelli

A importância da prova como garantia de efetividade do

processo do trabalho

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO

2009

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Sandra Miguel Abou Assali Bertelli

A importância da prova como garantia de efetividade do

processo do trabalho

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora, como exigência parcial para

obtenção do título de Mestre em Direito (Direito

das Relações Sociais – Direito do Trabalho)

pela Faculdade de Direito da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, sob a

orientação da Professora Doutora Carla Teresa

Martins Romar.

SÃO PAULO

2009

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Banca Examinadora

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4

RESUMO

O presente trabalho tem por fim a análise dos aspectos gerais da prova

judiciária e da importância da atividade instrutória para o resultado útil do

processo.

Em todos os capítulos, o estudo objetiva sedimentar a idéia de que a

efetividade da prestação jurisdicional depende de uma instrução processual

plena, tendente a prestigiar o restabelecimento da verdade real dos fatos e, com

isso, conferir concretude à norma de direito substancial, bem como integridade ao

ordenamento jurídico.

Procuramos, neste contexto, valorizar a participação dinâmica do

magistrado em todos os momentos da atividade instrutória e na valoração dos

elementos de convicção coligidos ao processo, como fator essencial a possibilitar

que a prova cumpra sua finalidade instrumental na realização do direito material,

proporcionando o tão almejado bem-estar social.

Os esforços concentrados nestes debates convergem, acima de tudo,

à compreensão da função social da prova judiciária e de sua utilidade para a

solução justa e efetiva do litígio, assegurando que o processo seja o veículo

condutor da harmonia social, escopo maior da jurisdição.

E para lograr êxito em tais metas, realizamos ampla pesquisa

doutrinária e jurisprudencial, consultas a livros, a periódicos e a sítios de

Tribunais do Trabalho.

Palavras-chave: Prova, Atividade Instrutória, Instrumentalidade,

Efetividade, Utilidade, Justiça Social, Bem-Estar Social, Verdade Real, Iniciativa

Probatória Oficial, Ônus da Prova, Igualdade das Partes.

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ABSTRACT

This paper aims at analyzing the general aspects of the legal evidence

and the importance of the discovery activity for a profitable result in the action.

In all its chapters, the study intends to sediment the Idea that the

effectiveness of the judgment depends upon full procedural discovery, tending to

prestige the reinstatement of the truth of facts and, therefore, grant substantiality

to the legal norms as well as integrity to the legal order.

In this context, we seek to value the dynamic participation of the judge

throughout the discovery activity and in the valuation of conviction elements

compiled in the lawsuit, as essential factors to enable the evidence to fulfill its

instrumental purposes in the performance of material law, allowing the much

sought-after social welfare.

The concentrated efforts in these debates converge, above all, to the

understanding of the social function of the legal evidence and its usage towards

fair and effective solution of the litigation, guaranteeing that the proceeding may

be the conductor of social harmony, higher scope of jurisdiction.

And to be successful in such goals, we have carried out extensive

jurisprudence research, consultations to books, journals and Labor Court sites.

Key-words: Evidence, Discovery Activity, Instrumentality, Effectiveness,

Usefulness, Social Justice, Social Welfare, Real Truth, Official Probative Initiative,

Burden of Proof, Equality of the Parties.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................9

1. NATUREZA JURÍDICA DA PROVA JUDICIÁRIA ..........................................13

2. CONCEITO DE PROVA ..................................................................................22

3. PRINCÍPIOS REGENTES DO INSTITUTO .....................................................25

3.1. Necessidade e Obrigatoriedade da prova ......................................29

3.2. Unidade ou comunhão da prova ....................................................35

3.3. Lealdade ou probidade da prova....................................................36

3.4. Licitude da prova ............................................................................42

3.5. Igualdade de oportunidades e contraditório ...................................58

3.6. In dubio pro misero.........................................................................62

3.7. Iniciativa oficial na instrução e livre investigação da prova ............75

3.8. Imediatidade na colheita da prova..................................................78

3.9. Identidade física do juiz..................................................................81

3.10. Oralidade......................................................................................85

4. A IMPORTÂNCIA DA PROVA NO PROCESSO DO TRABALHO .................92

4.1. Verdade real e verdade formal .......................................................92

4.2. Finalidade da prova........................................................................98

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5. OBJETO DA PROVA ....................................................................................102

5.1. Fatos que dependem de prova.....................................................102

5.2. Fatos que dispensam prova .........................................................107

5.3. Direito...........................................................................................122

6. PRESUNÇÕES, INDÍCIOS E MÁXIMAS DE EXPERIÊNCIA........................126

6.1. Presunções e indícios ..............................................................126

6.2.1. Máximas de experiência...........................................................130

6.2.2. Máximas de experiência, fatos do conhecimento particular do

magistrado e fatos notórios .................................................................134

6.2.3. Importância das máximas de experiência para a efetividade da

prestação jurisdicional.........................................................................135

7. ÔNUS DA PROVA.........................................................................................141

7.1. Construção da teoria contemporânea do ônus da prova..............141

7.2. Ônus como “interesse” e “necessidade” de provar.......................145

7.3. Ônus objetivo e ônus subjetivo.....................................................146

7.4. Regras de distribuição do ônus da prova .....................................149

7.5. Visão contemporânea da teoria do ônus da prova e o princípio

inquisitivo ............................................................................................156

7.6. Inversão do ônus da prova...........................................................160

7.7. Convenção sobre ônus da prova..................................................165

7.8. O ônus da prova e o fato negativo ...............................................166

8. ATIVIDADE INSTRUTÓRIA DO JUIZ ...........................................................170

8.1. Princípios dispositivo e inquisitivo ................................................170

8.2. Princípio da imparcialidade do juiz ...............................................175

8.3. A atividade do juiz frente aos referidos princípios ........................178

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9. VALORAÇÃO DA PROVA ............................................................................185

10. PROVA EMPRESTADA ...............................................................................194

10.1. Aspectos gerais..........................................................................194

10.2. Condições para o aproveitamento da prova emprestada...........195

10.3. Prova emprestada e Juízo Criminal ...........................................204

10.4. Dispensa da prova pericial e a questão da prova emprestada...208

CONCLUSÃO .....................................................................................................214

BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................218

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INTRODUÇÃO

Considerando que o direito tem por objetivo regulamentar, disciplinar e

harmonizar a vida em sociedade (ubi societas ibi jus1), o processo e todos os

seus institutos devem ser analisados também em função da utilidade

demonstrada em benefício das relações sociais, coordenando os interesses

intersubjetivos e compondo, com equidade e justiça, os conflitos que possam

surgir.2

Com base nestas premissas, o presente estudo pretende fomentar o

debate acerca da instrumentalidade da prova judiciária. Embora destinada à

formação do convencimento do julgador, se revela uma garantia de concreção do

direito material e de realização do escopo social do processo, qual seja, o

restabelecimento do bem-estar da sociedade.

A importância do tema discorrido neste trabalho justifica-se, destarte,

em razão do nexo existente entre a atividade probatória e a efetiva, justa e

tempestiva prestação jurisdicional.

Cada etapa percorrida nesta empreitada - aspectos conceituais,

natureza jurídica, importância, finalidade do instituto, princípios norteadores,

regras sobre distribuição do ônus da prova, participação ativa e responsável do

juiz na instrução do processo, desde a colheita da prova até a sua adequada

valoração – orienta-se com vistas ao alcance deste fim.

Na visão publicista contemporânea, para que o processo pacifique o

conflito com justiça, resgatando o ideal de paz social almejada, todos os seus

institutos devem estar voltados à atuação plena da norma substancial.3

1 Onde há sociedade, há direito.

2 DINAMARCO, Cândido Rangel, A instrumentalidade do processo, p. 191.

3 BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Poderes Instrutórios do Juiz, p. 51.

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Neste contexto, visando à adequada atuação da lei material ao caso

concreto, imprescindível que a relação processual seja permeada por uma

instrução processual apta a impedir que as desigualdades reais existentes entre

as partes não impliquem ameaça ao descobrimento da verdade e, por

conseguinte, frustração à ordem jurídica vigente.

Como asseverado inicialmente, o processo não se justifica como um

fim em si mesmo, mas sim em função da relação instrumental que possui com o

direito material, motivo pelo qual deve, em todos os seus aspectos, refletir as

especificidades do direito em benefício do qual atua. Para tanto, o sistema

jurídico dotou a atividade probatória de recursos capazes de assegurar que a

tutela jurisdicional pudesse atender às demandas e aos desígnios do direito

substancial.

Neste cenário, ganha destaque a figura do juiz mais atuante, que

dialogue com as partes e se empenhe de forma comprometida para assegurar

que a prestação jurisdicional reflita da forma mais fiel possível a realidade,

prestigiando os propósitos da norma substancial.

A atividade probatória, assim, deve ser exercida não somente pelas

partes, mas também tem que contar com a participação ativa do magistrado. Na

concepção mais moderna do direito, o juiz não pode mais quedar-se à postura de

mero espectador da relação processual. Pelo contrário, tem que assumir a

corresponsabilidade pelo resultado do processo, dinamizando sua conduta, tanto

no momento da colheita dos elementos de convicção, ao determinar de ofício a

produção de provas, a fim de eliminar as diferenças de oportunidades entre as

partes, quanto na fase final de valoração dos elementos probatórios voltados à

formação de sua cognição.

Cintra, Grinover e Dinamarco destacam que a efetividade do processo

e, por conseguinte, a eliminação do conflito com a adequada e útil distribuição da

justiça social dependem diretamente da superação de alguns “pontos sensíveis”,

sendo que dois deles despertam interesse em relação ao objeto do nosso estudo:

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o “modo-de-ser do processo” e a “justiça das decisões”. Segundo os autores, o

“modo-de-ser do processo” precisa estar voltado ao diálogo permanente entre as

partes e o juiz, devendo este participar ativamente na “busca de elementos para

sua própria instrução”, deixando a condição de mero interlocutor para assumir o

papel de figura central da relação processual. Quanto ao segundo ponto sensível

destacado pela tríade de juristas, a utilidade do provimento jurisdicional

pressupõe não somente o aumento dos poderes instrutórios do juiz, mas também

que a conduta do magistrado, no momento do julgamento, esteja pautada no

critério de justiça, ao valorar o conjunto probatório, ao proceder à subsunção dos

fatos à norma e ao interpretar a legislação. 4

A propósito, o processo não se restringe mais ao confronto de

interesses dos contendores, mas é movido pelo interesse público do Estado em

restabelecer a verdade dos fatos, conferir concretude ao direito substancial,

assegurar a integridade do ordenamento jurídico e, com isso, resgatar o bem-

estar social ameaçado pelo litígio.

Daí porque o sistema jurídico atual conferiu ao magistrado poderes e

responsabilidades para que fizesse valer, por meio de uma atuação mais

ostensiva durante a instrução, a finalidade social do processo.

Nas lições de Bedaque:

“se todos os integrantes da relação processual têm interesse no

resultado do processo, não se deve deixar nas mãos das partes,

apenas, a iniciativa probatória. Ao contrário, tudo aconselha que

também o juiz desenvolva atividades no sentido de esclarecer os

fatos”.5

4 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel, Teoria Geral do

Processo, pp. 34-35

5 BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Poderes Instrutórios do Juiz, p. 55.

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Na seara trabalhista estes poderes investigatórios do magistrado

ganham contorno especial, porquanto o processo do trabalho é movido por

inequívoca finalidade social, motivo pelo qual a conduta de todos os sujeitos deve

ser pautada pelo compromisso de conferir plena realização aos direitos humanos

e sociais envolvidos nas relações submetidas a juízo.

Com vistas a estes objetivos, as regras sobre distribuição do ônus da

prova, conforme refletido em capítulo próprio, devem ser compreendidas apenas

como meras normas de julgamento, não servindo de óbice à perseguição da

verdade real e, por conseguinte, à justa pacificação do litígio.

Em suma, o presente trabalho tem o intuito de ressaltar a importância

da atividade instrutória, em todos os seus momentos, como veículo a conduzir o

magistrado ao caminho da verdade dos fatos, assegurando, por conseguinte,

concretude ao direito e efetividade à prestação jurisdicional, restabelecendo a

paz social, escopo maior da jurisdição.

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1. NATUREZA JURÍDICA DA PROVA JUDICIÁRIA

O exame acurado da natureza jurídica da prova justifica-se por fornecer

os fundamentos necessários à correta compreensão do instituto em pesquisa,

sobretudo no tocante à sua utilidade como instrumento hábil de realização e

atuação do direito substancial. Ao final deste capítulo esclarecemos que a

definição da natureza jurídica guarda relação direta com a função que a prova

judiciária exerce em prol da integridade do ordenamento jurídico, razão pela qual

nos dedicamos, nas linhas seguintes, à análise de cada uma das teorias

existentes acerca do tema.

Como verificamos ao longo deste capítulo, a pulverização da

disciplina entre as normas de direito material e de direito processual criou

verdadeira cizânia entre os doutrinadores a respeito da natureza jurídica da prova

judiciária.

A lei civil vigente, tal qual o Código Civil de 1916, destinou alguns

dispositivos genéricos às espécies de provas, valor, limites de validade,

admissibilidade em determinados casos e conseqüências, consoante leitura dos

artigos 212 a 232 do Código Civil de 2002.

Já o direito processual civil ocupou-se, de forma mais criteriosa, com

as regras de produção da prova, momento e lugar da produção, distribuição do

ônus da prova, poderes instrutórios do juiz, valoração da prova e meios em

espécie, consoante dispõem os artigos 332 a 443 do CPC.

A Consolidação das Leis do Trabalho destinou a Seção IX à análise

das provas (artigos 818 a 830), bem como nos dissídios submetidos ao rito

sumaríssimo, reservou os artigos 852-D e 852-H, buscando tratar dos

procedimentos gerais sobre colheita das provas, dos meios, da valoração e das

regras sobre ônus da prova.

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Ante o amplo tratamento legal da disciplina, abarcado por normas de

direito material – ainda que de forma sintética -, como por normas de caráter

processual, a definição da natureza jurídica da prova não encontrou consenso

entre os estudiosos.

Com o objetivo de demonstrar, de forma panorâmica, a divergência

doutrinária acerca do tema em debate, entendemos oportuno trazer à colação a

investigação realizada por Amauri Mascaro Nascimento6 das cinco correntes a

interpretar a natureza jurídica da prova: a) a primeira, advogada por Salvatore

Satta, considera que a prova tem natureza jurídica de direito material; b) outra

entende como de natureza mista, informada por regras de direito substancial,

bem como de direito processual; c) a terceira corrente preconiza a natureza

processual do instituto, já que a prova tem por escopo a revelação da verdade

dos fatos que fundamentam o litígio e destina-se exclusivamente ao

convencimento do juiz; d) há ainda a teoria que defende que há normas de direito

substancial e normas de direito processual que regulamentam a matéria, não

havendo prevalência de umas sobre as outras; e) por fim, a quinta teoria

esclarece que a prova tem natureza de direito judicial, este destinado a reger

relação jurídica exclusiva entre a justiça estatal e o indivíduo.

Francesco Carnelluti, dedicando-se ao tema, aduzia:

“Assim se explica que a instituição das provas se apresente como

pertencente ao direito material e ao direito processual, porque algumas,

e até as mais importantes, das normas referentes a provas estão

contidas no Código Civil (art. 1.312 e segs.) e no Código de Comércio

(art. 44 e segs.) em lugar de estar no Código de Procedimento Civil. A

verdade é que tais normas têm caráter processual enquanto

determinam o valor ou a eficácia de certas provas no processo; (...)

exatamente por que uma prova tem ou não tem uma eficácia

processual, a mesma é idônea para determinar mesmo fora do

6 NASCIMENTO, Amauri Mascaro, Curso de Direito Processual do Trabalho, pp. 419-420.

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processo a atitude das partes, e por isso tal eficácia é difundida, de

uma maneira reflexa, no campo do direito material”. 7

Segundo o magistério de Pontes de Miranda, a prova não se resume

exclusivamente ao direito material ou ao direito processual, embora este tenha se

ocupado de regular a atividade instrutória. Assim pensava o jurista:

“Compreende-se que o direito processual, que se dedica à aplicação

da lei, através da justiça, tenha regular a atividade probativa, porém

com isso não se pode esquecer o que o direito material preestabelece

para que faça prova de algum fato, ato-fato jurídico, ato jurídico ou

negócio jurídico. Daí termos escrito no Tratado de Direito Privado,

Tomo III, 404: ‘Dizer-se que prova é o ato judicial ou processual, pelo

qual o juiz se faz certo a respeito do fato controverso ou do assento

duvidoso que os litigantes trazem a juízo (...) é processualizar-se,

gritantemente, a prova. (...) Pensar-se em prova judicial quando se fala

em prova é apenas devido à importância espetacular do litígio, nas

relações jurídicas entre os homens’”. 8

De forma bastante conclusiva, Chiovenda reputava que a disciplina da

prova pertencia ao ramo do direito processual, em que pese o fato de muitos

códigos de direito substancial contemplarem normas sobre a admissibilidade e a

eficácia dos meios de prova, fato este que não se mostraria suficiente a

descaracterizar a natureza publicista da matéria. Asseverava o mestre italiano:

“(...) a matéria das prova pertence por inteiro ao direito processual.

Especialmente não deve a localização das normas sobre as provas nos

7 CARNELUTTI, Francesco, Sistema de direito processual civil, pp. 496-497.

8 MIRANDA, Pontes de, Tratado de direito privado, tomo III, parágrafo 345, pág. 404.

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códigos de direito substancial induzir a acreditar-se que elas tenham

caráter dispositivo”. 9

Na mesma esteira, o jurista uruguaio Eduardo Couture, fazendo

referência às várias tendências existentes acerca da matéria, também perfilhou

seu entendimento pela natureza processual das normas que regem a prova:

“O caráter processual das normas relativas à eficácia e à apreciação da

prova torna-se cada vez mais evidente à medida que se reflete a

respeito. Somente são de direito substancial as formalidades instituídas

para a validade de certos atos. Mas essa circunstância não autoriza a

supor que o juiz possa permanecer indefinidamente ligado a institutos

impróprios, sob o pretexto de que estes eram vigentes ao tempo em

que foram celebradas as convenções, ou ocorreram os fatos ou

jurídicos que deram origem ao conflito”. 10

Por outro lado, Clóvis Beviláqua, referido na obra de Fábio Guidi

Tabosa Pessoa, adotando posição intermediária, prelecionava que cada ramo do

direito se dedicava à disciplina de um determinado aspecto da prova, incumbindo

ao direito material a determinação das provas, seu valor jurídico e sua

admissibilidade, enquanto que o direito processual destinava-se à constituição da

prova e a sua produção em juízo, consoante se confere nas lições transcritas:

“(...) entra na esfera do direito civil a determinação das provas, e a

indicação tanto do seu valor jurídico quando das condições de sua

admissibilidade. Ao direito processual cabe estabelecer o modo de

constituir a prova e de produzi-la em juízo”. 11

9 CHIOVENDA, Giuseppe, Instituições de direito processual civil, pp. 118-119; 1053.

10 COUTURE, Eduardo Juan, Fundamentos de direito processual civil, pp. 127-128.

11 BEVILÁQUA, Código Civil Comentado, vol. I, pp. 64-65, apud PESSOA, Fabio Guidi Tabosa, Código de processo civil

interpretado, p. 991, comentários ao artigo 332.

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Norteando-se pela mesma diretriz de Beviláqua, o processualista

Tabosa Pessoa aduz que incumbe ao direito substancial a regulamentação sobre

a natureza, os requisitos e as consequência jurídicas da prova, integrando-se o

instituto na teoria geral dos atos e fatos jurídicos, “e abrange nesse contexto tudo

o quanto intrínseco à respectiva demonstração, estejam sendo analisadas em

juízo ou fora dele”. 12 E ao direito processual, dado seu caráter instrumental em

relação ao direito material, ainda segundo Tabosa Pessoa, fica reservada a

matéria relativa à atividade judicial da produção da prova, observados os critérios

gerais e parâmetros pré-estabelecidos pela lei civil.

Na seara dos juslaboralistas, Eduardo Gabriel Saad também adotou

posição mais moderada e eclética, no mesmo compasso de Clóvis Beviláqua: “o

instituto da prova interessa, a um só tempo, ao Direito Material e ao Direito

Processual”. 13

Tostes Malta, traçando panorama das diversas teorias existentes sobre

a natureza jurídica do instituto, acabou por concluir que a prova não pertence ao

ramo do direito material, sendo que este apenas dispõe sobre algumas normas

que regem a sua formação, que podem ou não ser utilizadas numa dada relação

processual:

“Também descabe dizer que a prova é de direito material. Pode-se

dizer com mais propriedade, que a prova pode ser regida pelo direito

material, quanto à sua formação”. 14 E adiante ponderou na mesma

obra dedicada ao assunto: “O momento em que as provas podem ser

produzidas, as formas de que podem revestir-se, as regras

concernentes à apreciação da prova, à formação do convencimento do

juiz a propósito do que ficou esclarecido etc. são atividade

inequivocamente regidas pelo direito processual”. 15

12 PESSOA, Fabio Guidi Tabosa, Código de processo civil interpretado, p. 991.

13 SAAD, Eduardo Gabriel, José Eduardo Duarte Saad e Ana Maria Saad Castelo Branco, Curso de direito processual do

trabalho, p. 563.

14 MALTA, Christovão Piragibe Tostes, A prova no processo trabalhista, p. 26.

15 Ob. cit., p. 27.

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Teixeira Filho, sem qualquer hesitação, se posicionou pela natureza de

direito processual da prova, fundamentando sua teoria nos seguintes

argumentos:

“Concluímos, por esta razão, com Pestana Aguiar (ob. cit., pág. 3), no

sentido de que embora o direito, sob o ponto de vista ontológico, deva

ser sempre concebido como uma unidade, onde se fundem o material e

o processual, na verdade é a ciência do processo ‘a única que se

dedica ao estudo sistematizado e completo do instituto da prova,

perquirindo sob todos os ângulos seus fins, suas causas e efeitos’ ”.16

Como verificamos nos parágrafos anteriores, nunca houve

unanimidade entre os estudiosos no que diz respeito à natureza jurídica da prova

judiciária.

Importante registrar, todavia, nossa simpatia em relação à tendência

mais contemporânea da doutrina, despontada a partir da releitura do Código de

Processo Civil vigente, categorizando a prova como matéria pertencente ao ramo

do direito processual, em razão não somente da inegável natureza jurídica

processual das normas legais que a disciplinam, como também da primordial

função que a prova exerce no processo, atuando diretamente no convencimento

do magistrado acerca da verdade dos fatos litigiosos.

A propósito, a lei processual em vigor, diversamente do Código de

Processo Civil de 193917, passou a regulamentar inteiramente o instituto da

prova, superando a taxação e a especificação das provas contempladas na lei

civil a partir do momento em que ampliou o seu espectro, admitindo como hábeis

16 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio, A prova no processo do trabalho, p. 31.

17 O CPC de 1939 fazia remissão expressa às provas apenas reconhecidas nas leis civis e comerciais.

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à demonstração dos fatos controvertidos “todos os meios legais, ou moralmente

legítimos” (CPC, art. 332), consoante leciona TEIXEIRA FILHO18:

“Nunca é inútil rememorar que o CPC de 1939 estatuía, em seu art.

208, serem admissíveis em Juízo ‘todas as espécies de prova

reconhecidas nas leis civis e comerciais’ (sublinhamos), ao passo que

o estatuto processual vigente estabelece, por seu art. 332, litteris:

‘Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que

não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos

fatos, em que se funda a ação e a defesa’. Constata-se, assim, que o

CPC de 1973 abandonou a referência às leis materiais, feito pelo de

1939, tendo dedicado todo o Capítulo VI, Título VIII, do Livro I, ao

instituto da prova (arts. 332 a 443), procurando, com isso, minudenciar

o disciplinamento da matéria que atraiu para si”.

Análise dos dispositivos da lei processual civil vigente, bem como dos

artigos celetistas de índole processual que trataram de matéria probatória, revela

que as normas de caráter processual dedicaram-se de forma mais sistemática e

cuidadosa à matéria, estudando minuciosamente o procedimento relativo à

colheita das provas, ao momento e ao lugar de sua produção, as regras sobre

distribuição do ônus probatório, a participação dos sujeitos do processo na

atividade instrutória, as espécies e o valor das provas.

Em contrapartida, como destacamos no prelúdio deste capítulo, a lei

civil conferiu tratamento genérico ao instituto. Neste sentido, o disciplinamento do

instituto pelo direito material, relativamente às espécies de provas de

determinados fatos, revela apenas que cada uma das áreas do direito substancial

atribui à matéria uma peculiaridade que lhe é própria. 19

18 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio, A Prova no Processo do Trabalho, p. 31.

19 Por exemplo, a lei civil trata de algumas formas de prova, sendo o casamento provado por certidão (CC, art. 543), o

pagamento por instrumento de quitação (CC, art. 319), o contrato de seguro pela apólice ou bilhete de seguro (CC, art.

758); da mesma forma, a lei trabalhista, na parte que destinada ao direito material, determina que a insalubridade e a

periculosidade sejam provadas por perícia (CLT, art. 195).

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20

Por isso não resta comprometida a conclusão no sentido de que a

prova, uma vez destinada ao resgate e à revelação da verdade dos fatos

controvertidos trazidos para a relação processual e, por conseguinte, apta a

formar o convencimento do julgador, tem natureza jurídica de direito processual.

A propósito, merecem destaque as preleções de Dinamarco:

“Admite-se que, sendo as fontes de prova elementos externos ao

processo, cada uma delas traz consigo conotações da área do direito a

que pertençam (uma escritura pública, um registro administrativo). Mas,

encaradas todas elas em sua capacidade instrutória, daí assoma sua

destinação a convencer quanto a alguma proposição de fato relevante

para um julgamento pretendido: a prova é invariavelmente preordenada

a alguma decisão, ato de poder que sempre terá lugar no processo.

Daí a natureza processual de toda sua disciplina, que foi

energicamente afirmada pelo vigente Código de Processo Civil

brasileiro, mediante integral regulação da matéria: derrogou, com isso,

o que a respeito constava em capítulo específico do Código Civil”20.

Acrescenta o mestre que o tema em questão, da forma como tratado

pela lei material, trouxe uma aproximação relevante entre os dois ramos do

direito, sendo que muitos dispositivos de caráter processual que regem a prova,

dada a sua aparência de direito substancial, passaram a ser vistos por muitos

doutrinadores equivocadamente como se tivessem natureza de direito material.

Dinamarco esclarece, ainda, que o “retorno metodológico” do Código

Civil em vigor ao critério adotado pelo Código de 1916, voltando a tratar da

matéria relativa à própria – o que para muitos se trata de um erro -, acaba por vir

de encontro com a teoria da “instrumentalidade do processo”, permitindo que o

20 DINAMARCO, Cândido Rangel, A instrumentalidade do processo, pp. 218-219.

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21

direito substancial e o direito processual convivam em perfeito equilíbrio, servindo

este como meio para a completa realização daquele21.

O processo, com isso, passa a atender de forma plena os desígnios e

as aspirações do direito material, de acordo com as peculiaridades da situação

substancial na qual se funda o litígio.

Na visão do processualista em comento, o instituto da prova deve ser

entendido como um dos “pontos de estrangulamento” do direito que permitem a

aproximação entre o direito substancial e o direito processual, dada a função que

a prova judiciária exerce para a plena realização do direito material.

Concluímos, com base em todo o exposto, que o instituto da prova,

embora regido parcialmente por algumas normas de direito substancial, nem por

isso deixa de ter natureza jurídica processual, eis que sempre dotado de

capacidade instrutória, haja vista a sua finalidade maior de demonstrar a verdade

de um fato controvertido no processo, fazendo valer a vontade concreta do direito

material numa verdadeira relação de instrumentalidade entre os dois ramos do

Direito.

21 DINAMARCO, ob. cit.

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22

2. CONCEITO DE PROVA

O vocábulo “prova” tem origem no latim da expressão probatio, esta

derivada do verbo probare, que representa, de forma geral, tornar evidente,

demonstrar, revelar, persuadir, mostrar, fazer conhecer um determinado fato. 22

Na acepção jurídica do termo, prova é a revelação da verdade dos

fatos jurídicos controvertidos, relevantes e pertinentes, dos quais emanam a

pretensão e a exceção arguidas em juízo.

É a partir dela que se forma a convicção do julgador, garantindo

efetividade ao provimento jurisdicional e, com isso, possibilitando que o processo

atinja seu escopo maior, qual seja, a justa composição do conflito.

Ao examinarmos o conceito de “prova”, temos que concentrar todos os

esforços em torno dos elementos que o informam, cuidando para evitar a erronia

técnica de identificá-lo com os “meios de prova” utilizados para evidenciar a

veracidade dos fatos.

Neste compasso, importante esclarecer que “prova” é a demonstração

da realidade dos fatos relevantes e controvertidos (e, excepcionalmente, da

existência e da vigência da norma municipal, estadual e alienígena evocada, art.

337, CPC), enquanto que o “meio” utilizado para elucidar tais fatos, tendentes a

formar a convicção do magistrado, é apenas o instrumento a viabilizar tal

revelação da realidade factual.

Nesta seara, Manoel Antonio Teixeira Filho23 tece considerações

importantes a respeito da distinção conceitual entre “prova” e “meios de prova”,

esclarecendo que a primeira traduz-se no próprio resultado objetivado no

processo, ou seja, a demonstração em si da verdade dos fatos, enquanto que o

22 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa, 3ª edição. Curitiba: Ed. Positivo,

2004, p. 1649.

23 A Prova no Processo do Trabalho, capítulo II.

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segundo refere-se aos recursos utilizados para viabilizar o descortinamento da

realidade perquirida durante a relação processual.

As partes podem lançar mão de inúmeros meios, legais e moralmente

legítimos, desde documentos, testemunhas, perícias etc, para trazer à luz a

realidade dos fatos controvertidos que servem de substrato ao litígio.

Tais meios de prova são, portanto, as vias utilizadas durante a

instrução processual com a finalidade de conduzir a inteligência do juiz à

descoberta da verdade. E tal resultado é obtido, considerando-se provado o fato

litigioso e, por conseguinte, convencido o magistrado, desde que sejam eficientes

os referidos meios.

Com efeito, superada esta distinção essencial à compreensão da

matéria, passemos à análise das considerações da doutrina sobre o tema.

Segundo Carnelutti, “provar significa uma atividade do espírito dirigida

à verificação de um juízo”. 24

Para Moacyr Amaral Santos, que muito se dedicou ao estudo do

instituto em questão, a prova “é a soma dos fatos produtores da convicção,

apuradas no processo”. 25 Ainda para referido jurista, a prova destina-se a

convencer o julgador da verdade dos fatos nos quais se lastreia o litígio.

Amauri Mascaro Nascimento assim definiu: “a prova judicial é a

confrontação da versão de cada parte, com os meios produzidos para aboná-la.

O juiz procura reconstituir os fatos valendo-se dos dados que lhe são oferecidos

e dos que pode procurar por si mesmo nos casos em que está autorizado a

proceder de ofício”. 26

24 Francesco Carnelutti, Sistema de Direito Processual Civil, vol. II, p. 495.

25 Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, 2º vol., p. 329.

26 Curso de Direito Processual do Trabalho, p. 419.

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24

No entendimento de Isis de Almeida, o conceito de prova encontrado

pelo jurista uruguaio Eduardo Couture é lapidar, consoante reproduzido in litteris:

“provar é demonstrar de algum modo a certeza de um fato ou verdade de uma

afirmação”. 27

Trazidas à colação as definições da prova judiciária elaboradas pelos

estudiosos, alinhavamos o nosso conceito do instituto em comento: Prova

judiciária é a revelação em juízo da verdade dos fatos controvertidos, relevantes

e pertinentes à questão essencial da lide, apta ao desenvolvimento de um

raciocínio lógico tendente à formação de uma convicção.28

A pretensão deduzida em juízo se consubstancia em uma determinada

suposição de fato, sendo que a instrução probatória tem por finalidade

transformar a alegação de fato trazida pelas partes em certeza, em realidade

tendente ao convencimento do magistrado.

A utilidade e a efetividade da tutela jurisdicional guardam relação de

dependência com a certeza da verdade dos fatos que fundamentam as

pretensões, daí a importância da prova judiciária para a justa e adequada solução

do litígio.

27 Couture, apud Isis de Almeida, Manual de direito processual do trabalho, 2º vol., p. 110.

28 “Probatio est rei dubiae per argumentum ostentio” (Prova é a demonstração de coisa duvidosa por argumento).

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25

3. PRINCÍPIOS REGENTES DO INSTITUTO

Para correta compreensão de uma dada disciplina jurídica, essencial o

conhecimento acurado dos princípios que a norteiam, eis que constituem linhas

matrizes das normas jurídicas, servindo-lhes de fonte criadora e, ao mesmo

tempo, delas derivando para auxiliar na interpretação do direito positivado e na

integração do ordenamento jurídico.

Neste sentido, como prelecionava Francesco Carnelutti, os princípios

“são o espírito ou a essência da lei” 29.

Os princípios são as vigas mestras, os preceitos, os postulados gerais

que fundamentam e inspiram a elaboração das normas, conferindo coerência e

integridade ao ordenamento jurídico. Regulamentam as relações jurídicas,

consistem em hábil instrumento para o preenchimento de lacunas normativas e

para correta interpretação das normas jurídicas, razão pela qual são entendidos

pela doutrina como idéias fundantes da organização jurídica.

Ademais, os princípios, dentre outras condições, garantem autonomia à

disciplina jurídica, por representarem as diretrizes de um determinado ramo do

direito. 30

Dada a importância dos princípios para a correta compreensão do

instituto da prova, destacamos alguns estudos doutrinários a respeito do tema:

O jusfilósofo Norberto Bobbio, em seu trabalho inovador sobre o

complexo de normas que compõem o sistema jurídico, destacou a missão de

auto-integração dos princípios, preenchendo lacunas das normas e, com isso,

garantindo completude ao ordenamento jurídico. Afirmou o jurista italiano que os

princípios são “normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas

29 Sistema di Diritto Processuale Civile, I, Funzione e Composizione Del Processo, 1936, p. 120, apud RODRIGUEZ,

Américo Plá, Princípios do Direito do Trabalho, p.20.

30 RODRIGUEZ, Américo Plá, in Princípios do Direito do Trabalho, p. 9, sustenta que a autonomia do Direito do Trabalho

justifica-se pela especificidade de seus princípios.

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26

mais gerais”. Complementou, ponderando: “são princípios, ou normas

generalíssimas, formuladas pelo intérprete, que busca colher, comparando

normas aparentemente diversas entre si, aquilo a que comumente se chama o

espírito do sistema” 31.

Nos estudos que consagraram a Teoria Tridimensional do Direito,

Miguel Reale, ao tratar da estrutura do conhecimento científico do Direito,

dedicou-se aos princípios, esclarecendo que são os pressupostos de toda e

qualquer ciência. Assim definiu princípios:

“Princípios são, pois, verdades ou juízos fundamentais, que servem de

alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados

em um sistema de conceitos relativos a dada porção da realidade”.32

E, com o objetivo de transmitir a real importância e grandeza dos

princípios, enquanto premissas fundamentais do direito, concluiu o jurista:

“Podemos, aqui, fazer uma comparação que, até certo ponto,

esclarecerá o problema. Um edifício tem sempre suas vigas mestras,

suas colunas primeiras, que são o ponto de referência e, ao mesmo

tempo, elementos que dão unidade ao todo. Uma ciência é como um

grande edifício que possui também colunas mestras. A tais elementos

básicos, que servem de apoio lógico ao edifício científico, é que

chamamos de princípios, havendo entre eles diferenças de destinação

e de índices, na estrutura geral do conhecimento humano”.33

A civilista Maria Helena Diniz, ao debruçar-se sobre o tema, destacou

que os princípios estão contidos no ordenamento jurídico, definindo-os como

31 BOBBIO, Norberto, Teoria do ordenamento jurídico, pp. 158-159.

32 REALE, Miguel, Filosofia do direito, p. 60

33 Idem.

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27

“normas de valor genérico que orientam a compreensão do sistema jurídico, em

sua aplicação e integração, estejam ou não positivadas”. 34

O jurista uruguaio Américo Plá Rodriguez conceituou os princípios

como sendo:

“linhas diretrizes que informam algumas normas e inspiram direta ou

indiretamente uma série de soluções, pelo que, podem servir para

promover e embasar a aprovação de novas normas, orientar a

interpretação das existentes e resolver os casos não previstos”.35

Partindo das diversas pesquisas doutrinárias a respeito do tema, é de

se concluir que os princípios, sejam gerais, sejam especiais de cada disciplina

jurídica, tem tripla função:

(1) informativa, quando servem de fonte de inspiração para a criação

do direito positivado; tal função objetiva atualizar o ordenamento jurídico,

harmonizando as regras que serão positivadas aos novos valores e aspirações

da sociedade destinatária do sistema normativo;

(2) normativa, integrativa ou supletiva, ao se prestarem à missão de

integração do ordenamento jurídico, conferindo-lhe completude nos casos de

lacuna normativa (art. 128 do CPC);

(3) interpretativa, ao auxiliarem os operadores do direito na

interpretação das normas, aferindo-lhe o real sentido e proporcionando dimensão

valorativa ao direito; dotados de conteúdo axiológico, os princípios podem

amenizar o rigor excessivo, e por vezes injusto, da norma positivada, como bem

34 DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, 1º vol., Teoria geral do direito, p. 79.

35 PLÁ RODRIGUEZ, Princípios do direito do trabalho, p. 16.

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ponderou Willis Santiago Guerra Filho, em seu estudo filosófico acerca da

importância valorativa dos princípios para a correta aplicação da regra legal. 36

Em nosso ordenamento jurídico há várias referências diretas e indiretas

aos princípios gerais, bem como aos específicos de cada um dos ramos do

direito, sendo que cada uma das normas se ocupou de uma determinada função

dos princípios (art. 5º, incisos XXXV, LIII, LIV, LV, LXXVIII e parágrafo 2º da

CF/88; artigo 4º da LICC; artigos 2º, 16, 17, 126, 132, 262 do CPC; artigos 8º,

840 parágrafo 2º, 852-D, 852-I, 893 parágrafo 1º da CLT, dentre outros

dispositivos legais).

Não nos olvidemos, todavia, daqueles princípios do direito que, embora

nem sempre expressos no ordenamento jurídico positivado, exercem não menor

importância para o aperfeiçoamento da ciência jurídica, justamente por

constituírem premissas fundamentais para toda e qualquer relação jurídica, tanto

no campo do direito substancial, quanto processual37.

E para a adequada compreensão da relevância do instituto, como fonte

norteadora da atividade instrutória, examinemos, de forma individualizada, cada

um dos princípios informadores do direito processual do trabalho em matéria de

prova.

36 Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais: estudos em homenagem à Professora Teresa Arruda Alvim

Wambier, “Notas para destacar a importância do princípio constitucional da proporcionalidade no delineamento dos

poderes do juiz”, p. 114.

37 Lembramos do princípio da “proporcionalidade ou razoabilidade”, conhecido na doutrina por “princípio dos princípios”,

por contemplar as idéias da “igualdade proporcional” e da “justiça distributiva”, como destaca Willis Santiago Guerra Filho,

consistindo, ainda segundo o autor, “mandamento de otimização do respeito máximo a todo direito fundamental, em

situação de conflito com outro(s)...”. Observe-se que tal princípio exerce função interpretativa, sendo instrumento de

ponderação de princípios que conflitam entre si, bem como equilibrando as relações entre normas e princípios. Também

exerce função informadora, no sentido de auxiliar na elaboração racional da norma, que deve estar sempre jungida aos

direitos fundamentais (GUERRA FILHO, in Notas para destacar a importância do princípio constitucional da

proporcionalidade no delineamento dos podres do juiz, apud MEDINA, José Miguel Garcia (coordenação), Os poderes do

juiz e o controle das decisões judiciais: estudos em homenagem à Professora Teresa Arruda Alvim Wambier, p. 118).

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3.1. Necessidade e Obrigatoriedade da prova:

Por questões metodológicas, resolvemos reunir os dois princípios num

mesmo tópico38, eis que a prova, destinada à revelação da verdade dos fatos

litigiosos e ao convencimento do magistrado, não é apenas de interesse das

partes, como também do Estado, para a justa composição do conflito.

Os fatos relevantes e controvertidos demandam atividade probatória,

não bastando para a formação da cognição do julgador as meras alegações dos

contendores (necessidade da prova); a partir do momento em que os fatos

integram o processo, a busca da verdade real e o efetivo deslinde do conflito não

ficam adstritos à esfera de atuação dos litigantes, mas passam a contar com a

intervenção oportuna do juiz (artigos 130 do CPC e 765 da CLT) –

obrigatoriedade da prova.

Se num primeiro momento a prova é necessária para que as partes

demonstrem em juízo as alegações de fato que servem de fundamento à

pretensão e à defesa oposta, após instaurada a lide torna-se obrigatória,

porquanto a perquirição da verdade e, por conseguinte, a solução justa do litígio,

passam a ser interesse do Estado, como forma de restabelecimento da paz

social.

O primeiro princípio, da necessidade da prova, está diretamente

vinculado às regras de distribuição do ônus da prova, incumbindo o encargo

probatório à parte a quem o fato aproveite (“secundum allegata et probata índex

iudicare debit”) – artigos 818 da CLT e 333 do CPC, este último de aplicação

subsidiária ao processo do trabalho, por força do art. 769 da CLT.

Isto porque o juiz não decide a favor de uma das partes por se

impressionar com seus argumentos, mas sim por se convencer das provas

38 NASCIMENTO, Amauri Mascaro, Curso de Direito Processual do Trabalho, pp. 420-421, analisa os dois princípios de

forma segmentada .

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produzidas ao longo da instrução. Esta é a garantia do devido processo legal,

bem como da imparcialidade do julgamento.

Da mesma forma, como decorrência do binômio necessidade-interesse

da parte na produção da prova, não pode o juiz julgar por seus conhecimentos

pessoais a respeito dos fatos controvertidos, devendo fundamentar seu

convencimento a partir dos fatos demonstrados e provados durante o processo.

Quanto à obrigatoriedade da prova, este princípio decorre do interesse

do Estado-juiz e, por conseguinte, da sociedade, no esclarecimento da verdade

dos fatos trazidos a julgamento, a fim de que o processo atenda a seus escopos

maiores, quais sejam, a justa solução do litígio e a efetividade do provimento

jurisdicional.

Assim, trasladados os fatos da esfera de conhecimento particular das

partes para a relação processual, a prova, tendente ao descobrimento da

verdade, se revela como hábil instrumento a assegurar utilidade à tutela

jurisdicional, permitindo o resgate do estado de bem-estar social ameaçado pelo

litígio.

Nas lições de Amauri Mascaro Nascimento: “sendo a prova de

interesse não só das partes mas também do Estado que quer o esclarecimento

da verdade, as partes podem ser compelidas pelo juiz a apresentar no processo

determinada prova, sofrendo sanções no caso de omissão, especialmente as

presunções que passam a militar contra aquele que se omitiu e a favor de quem

solicitou” 39.

Na mesma toada, o jurista Eduardo Gabriel Saad aduz: “Não é só as

partes que têm interesse na produção de prova nos processo, mas também o

Estado, por intermédio do Juiz, pois a ele cumpre preservar a paz social”40.

39 Ob. cit., p. 421.

40 SAAD, Eduardo Gabriel, José Eduardo Duarte Saad e Ana Maria Saad Castelo Branco, Curso de direito processual do

trabalho, p. 565.

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31

O princípio da obrigatoriedade da prova guarda íntima ligação com a

participação ativa do julgador na instrução processual, amplamente valorizada

pelo ordenamento jurídico em vigor, sobretudo no processo do trabalho (CPC,

art. 130 e CLT, art. 765).

Extrai-se daí que, ante a inércia dos contendores quanto à produção da

prova dos fatos controvertidos e relevantes, nos casos em que houver início de

prova, bem como naqueles em que a ineficiência dos meios de prova utilizados

comprometer a efetividade da prestação jurisdicional, pode o magistrado, que

tem direto interesse no restabelecimento da verdade, manejando adequadamente

os poderes instrutórios que lhe são conferidos por lei, determinar ex officio a

produção de outras provas, realizando inspeções judiciais e ordenando todas as

diligências úteis à solução do conflito, sem macular sua imparcialidade.

A propósito, muito se questiona na doutrina mais tradicional acerca do

procedimento de ofício do juiz na colheita da prova, se não estaria orientando seu

julgamento em favor de uma das teses advogada por qualquer das partes e, com

isso, não estaria comprometendo a sua atuação imparcial.

Todavia, não são estas as conclusões que se extraem da postura mais

ativa do magistrado, por três simples razões: (1) primeiro porque a decisão que

determina a produção de ofício de uma dada prova deve ser sempre justificada e

fundamentada; (2) ademais, o juiz está necessariamente vinculado, ao decidir

(princípio do livre convencimento motivado a ser estudado adiante), ao resultado

da prova produzida, independentemente de quem teve a iniciativa de fazê-lo, ou

seja, se foi trazida ao processo por provocação das partes ou de ofício; e ao

determinar a prova de ofício o juiz não conhece o resultado, razão pela qual não

há que se cogitar no comprometimento da parcialidade do julgador; (3) por fim,

não se deve confundir imparcialidade com neutralidade.41

41 Na visão contemporânea do processo, a dinamização da postura do magistrado não condiz mais com a concepção

doutrinária tradicional de neutralidade. Consultar AMENDOEIRA JR., Sidnei, Poderes do juiz e tutela jurisdicional: a

utilização dos poderes do juiz como forma de obtenção da tutela jurisdicional efetiva, justa e tempestiva, p. 111.

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Ademais, não se pode olvidar que as regras sobre o ônus da prova são

apenas meras regras de julgamento, não vinculando a atividade jurisdicional de

ofício (art. 130, CPC e art. 765, CLT), que deve ser exercida de forma

fundamentada, limitada aos meios existentes e disponíveis, em busca da

verdade42 e da garantia da entrega da prestação jurisdicional efetiva, cujo

conceito também abarca a idéia da tempestividade, sob pena de

comprometimento da harmonia social.

A propósito, quando o juiz determina a juntada aos autos de

documento que se encontra em poder da parte ou de terceiro, cominando-lhe

sanção processual (CPC, artigos 14, 341, 359 a 362), a oitiva de testemunha

referida (CPC, art. 418, I), ou ainda, ante a insuficiência dos meios de prova

utilizados durante a instrução, realiza a inspeção judicial de pessoas e coisas

(CPC, art. 440), não somente está exercendo a atividade instrutória porque não

se convenceu com as provas produzidas no interesse das partes, como também

o faz porque a demonstração da verdade dos fatos litigiosos é aspiração coletiva

da sociedade (obrigatoriedade da prova), como ideal de realização de justiça 43.

Enaltecendo a jurisprudência trabalhista por ter compreendido a atual

dimensão publicista do processo, Alexandre de Paula assim analisa o alcance do

art. 765 da CLT e da atividade instrutória do magistrado do trabalho:

“A atuação do juiz no processo tem seus parâmetros nas atribuições

que lhe são delegadas pelo Estado e na obrigação da distribuição da

Justiça. Todo conflito individual é, em sua exata medida, turbação da

42 “Vê-se daí que não há qualquer razão para continuar sublinhando a distinção entre ‘verdade real’ e verdade formal’,

entendendo a primeira própria do processo penal e a segunda típica do processo civil. O conceito de verdade, como já dito,

não é ontológico ou absoluto. No processo, penal ou civil que seja, o juiz só pode buscar uma verdade processual, que

nada mais é do que o estágio mais próximo possível da certeza. E para que chegue a esse estágio, deverá ser dotado de

iniciativa instrutória”. GRINOVER, Ada Pellegrini, ”A iniciativa instrutória do juiz no processo penal acusatório”, p. 8 (artigo

não publicado), apud AMENDOEIRA, Poderes do juiz e tutela jurisdicional: a utilização dos poderes do juiz como forma de

obtenção da tutela jurisdicional efetiva, justa e tempestiva, p. 113.

43 Exemplo muito comum na esfera trabalhista é a inspeção judicial realizada em empresa, para verificação do

procedimento de anotação de jornada de trabalho em cartão de ponto, do horário de intervalo para refeição e descanso

dos empregados, das normas de segurança adotadas etc.

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integridade coletiva e do bem-estar geral, cabendo ao juiz valer-se dos

meios ao seu alcance e em nome do interesse de todos, para alcançar

o ideal de justiça perseguido pela norma legal. Assim, não está o

julgador adstrito às provas produzidas pelas partes, cabendo-lhe, em

decorrência do art. 765 da CLT, determinar qualquer diligência que

julgar necessária ao esclarecimento da causa”44.

Neste contexto, a iniciativa instrutória do magistrado, ao agir com o

propósito da adequada administração da justiça, pode ir além das situações

expostas anteriormente. A exemplo disso, excepcionalmente, em casos

envolvendo confissão ficta45, é recomendado ao juiz, ao se deparar com

argumentos de fato que fogem à razoabilidade e evidentemente atritam com a

realidade do que ordinariamente acontece, proceder à dilação probatória, sem se

restringir aos elementos pré-existentes nos autos, mesmo em se tratando de

direitos disponíveis.46

Neste sentido, transcrevemos adiante ementas que ilustram

adequadamente os ideais que consubstanciam os princípios ora estudados:

“Confissão ficta. A ausência da reclamada à audiência em que deveria

ser interrogada importa confissão ficta quanto aos fatos alegados pelo

autor (Súmula 74 I, TST). Todavia, o julgador não é obrigado a

contentar-se com os parcos elementos que a confissão ficta lhe oferece

44 PAULA, Alexandre de, CPC anotado, vol. I, p. 398, n. 5, apud BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Poderes

instrutórios do juiz, p. 101, nota de rodapé 236.

45 Em que pese o entendimento jurisprudencial sedimentado na Súmula 74, II do Tribunal Superior do Trabalho (CPC, art.

400, I), há casos em que, excepcionalmente, tendo em vista o estado de perplexidade diante dos elementos dos autos,

incumbe ao magistrado, com seu poder de condução do processo, determinar novas provas, justificando e fundamentando

sua decisão.

46 A “ativização da conduta do magistrado”, expressão cunhada por Bedaque, ob. cit., p. 101, segundo o jurista, independe

da natureza jurídica do direito substantivo, sendo tal entendimento também amplamente defendido por AMENDOEIRA JR.,

Sérgio, in Poderes do juiz e tutela jurisdicional a utilização dos poderes do juiz como forma de obtenção da tutela

jurisdicional efetiva, justa e tempestiva, p. 117, inclusive nos casos de revelia envolvendo direitos disponíveis. Por outro

lado, a doutrina tradicional não comunga do mesmo entendimento, vinculando a iniciativa probatória do juiz, em

determinados casos, à natureza do direito substancial, a exemplo de Arruda Alvim e João Batista Lopes, mencionados na

obra de José Roberto Bedaque.

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34

para decidir, notadamente quando as questões postas em juízo

requeiram indagação mais ampla e aprofundada, como ocorre com a

justa causa e com o dano moral, que envolvem diretamente a dignidade

da pessoa humana do empregado. Assim, a ficta confessio não implica

vedação ao juiz de realizar instrução processual, mormente porque o

art. 765 da CLT lhe concede amplo poder na direção do processo,

podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento

da demanda”. Acórdão 20080727551. Recurso Ordinário. Data de

julgamento: 21/08/2008. Data de publicação: 05/09/2008. Juiz Relator:

Adalberto Martins. Processo nº: 02255-2005-015-02-00-8. Ano: 2007.

Turma: 12ª. TRT/SP.

Rito Sumaríssimo. Recurso Ordinário. Horas Suplementares. Encargo

da prova. As regras sobre o encargo da prova destinam-se a orientar o

juiz no momento de julgar a lide, quando toda a instrução foi concluída.

Significa que o disposto no artigo 818 da CLT não estabelece regra

pertinente a iniciativa da prova, inclusive porque há norma expressa

que assegura ao juiz, na direção do processo, "determinar qualquer

diligência ao esclarecimento das causas". RO. Data de julgamento:

19/06/2007. Data de publicação: 10/07/2007. Relator: Carlos Francisco

Berardo. Acórdão nº: 20070504444. Processo nº: 01566-2006-303-02-

00-5. Ano: 2007. Turma: 11ª. TRT/SP.

Não se pode imputar ao julgador, ao conduzir o processo por tais

caminhos, a prática de arbitrariedade, eis que qualquer decisão neste sentido

deve ser amplamente justificada e fundamentada, em respeito ao devido

processo legal e ao contraditório.

Da mesma forma, no nosso entender, a dinamização da conduta do

magistrado também não implica vulneração do princípio da celeridade

processual, alçado ao status constitucional (razoável duração do processo - art.

5º, inciso LXXVIII da Constituição da República, introduzido por força da Emenda

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45, de 08-12-2004), princípio este que se consubstancia no dever do juiz de

“velar pela rápida solução do litígio”, previsto no art. 125 do CPC. A propósito, a

almejada paz social depende de uma prestação jurisdicional não apenas

tempestiva, mas que seja também justa e efetiva, sendo que estes dois últimos

predicados dependem da forma de atuação do magistrado ao longo do processo,

norteada pelo interesse público maior na correta administração da justiça.

Portanto, independentemente da natureza jurídica do direito

substancial envolvido na relação jurídica, após ser provocado, o juiz tem o poder-

dever de cuidar para que sua decisão esteja lastreada em ampla e completa

atividade instrutória, que privilegie a perseguição da verdade, a fim de conferir

credibilidade e segurança à prestação jurisdicional e propiciar a justa definição da

controvérsia.

3.2. Unidade ou comunhão da prova:

Uma vez produzida em juízo, a prova passa a integrar o processo,

incumbindo ao julgador apreciá-la em seu conjunto, independentemente dos

meios utilizados e de quem tenha partido a iniciativa probatória necessária à

demonstração dos fatos.

Nas abalizadas lições do paranaense Manoel Antonio Teixeira Filho, “o

princípio em exame está a indicar que as provas devem ser apreciadas em seu

conjunto” 47.

O depoimento pessoal, o interrogatório das partes, o testemunho

colhido em audiência, o documento trazido aos autos, a perícia realizada, enfim,

qualquer prova acerca de um determinado fato controvertido deve ser analisada

em sua unidade, não havendo possibilidade de cisão quanto ao mesmo fato

sobre o qual recai a cizânia.

47 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio, A Prova no Processo do Trabalho, p. 69.

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36

A título ilustrativo, citamos o exemplo da prova da jornada de trabalho

exercida pelo empregado; embora sejam produzidos diversos meios de prova

acerca deste fato controvertido, dentre eles documentos (cartões de ponto),

testemunhas, inspeção judicial etc, todos estes meios deverão ser analisados de

forma global e conjunta pelo julgador.

Por conseguinte, da ponderação e da valoração destes diversos

elementos de prova colhidos deverá ser extraído o convencimento do magistrado

acerca da questão, julgando-a de maneira uniforme, acolhendo ou rejeitando a

pretensão posta em juízo.

3.3. Lealdade ou probidade da prova

Primeiramente, antes do exame acerca da aplicação do princípio em

epígrafe à matéria de prova judiciária, importante salientar que a relação

processual como um todo é regida por fundamentos de lealdade e de ética.

São destinatários deste princípio todos aqueles que participam do

processo, sendo-lhes impostos os deveres de moralidade, probidade e

compromisso com a verdade, rechaçando-se, por outro lado, condutas

processuais que visem à utilização do processo com fins escusos, simulados e

fraudulentos.

O Código de Processo Civil criou mecanismos para que o

comportamento desleal e o ilícito processual fossem reprimidos, munindo o juiz

de poderes inquisitoriais, por meio de imposição de multas, indenizações, além

de outras sanções civis, penais e processuais, tais como a proibição de falar nos

autos até a purgação do atentado e prolação de sentença extinguindo o processo

para obstar ato simulado ou fraudulento das partes (arts. 14 a 18, 129, 600, 601e

881 do CPC).

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37

Neste contexto, o comportamento das partes e de terceiros que

participam da relação processual tem que ser norteado pelos deveres de

lealdade, probidade e ética, sendo punidas condutas tendentes a imiscuir e

alterar a verdade dos fatos controvertidos.

Considerando que a lealdade e a boa-fé são imperativos de todas as

relações jurídicas e das relações processuais, em especial, não poderiam deixar

de sê-los no que pertine à matéria de prova judiciária.

Todos os sujeitos que participam do processo devem ter interesse na

demonstração da verdade dos fatos48, sem máculas ou desvios, eis que a

distribuição de justiça é interesse do Estado. Somente assim resta garantida a

efetividade do provimento jurisdicional, a harmonia social e, por conseguinte, a

credibilidade no Poder Judiciário.

É dever das partes, bem como dos terceiros em poder de quem

eventualmente esteja determinada prova, apresentá-la em juízo, ao serem

instados a fazê-lo, evitando a utilização de qualquer expediente com intenção de

simular uma verdade formal que não corresponda à realidade dos fatos.

Neste diapasão, merecem destaque as assertivas de Manoel Antônio

Teixeira Filho:

“Logo, o objetivo de apreender a verdade, de materializá-la nos autos

por intermédio de elementos palpáveis e apropriados, nem sempre

preside o comportamento dos litigantes, a quem, ao contrário, em

determinadas circunstâncias a verdade real não convém, razão por que

se interessam em construir, nos autos, uma verdade formal que não

coincida com aquela. Tais atitudes escusas, de que por vezes se valem

as partes, não eliminam nem comprometem o caráter ético do

48 COSTA, Coqueijo, Direito judiciário do trabalho, p. 296.

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processo, embora seja forçoso reconhecer que possam pôr em risco a

sua respeitabilidade, aos olhos dos jurisdicionados” 49.

Ao magistrado incumbe, portanto, ante as inúmeras investidas

praticadas pelos sujeitos que participam da relação processual contra a boa-fé e

a lealdade processual, o dever de restabelecer a respeitabilidade da sociedade

no Estado, manejando, para tanto, os instrumentos punitivos conferidos pela

própria lei para inibir e punir os referidos atos que configuram litigância de má-fé

(art. 17, CPC, de aplicação subsidiária ao processo do trabalho), notadamente

em matéria de provas judiciais.

A propósito, a jurisprudência trabalhista, dinâmica e atenta a eventuais

expedientes utilizados com o intuito de fraudar direitos e dissimular a realidade,

criou mecanismos e soluções hábeis a fazer frente às condutas desleais e de má-

fé de qualquer das partes, com a finalidade de preservar a credibilidade e eficácia

das decisões judiciais, conforme se observa a exemplo das hipóteses retratadas

na Súmula 338 do C. TST.

Situação semelhante encontramos na situação fática retratada na

ementa abaixo transcrita, incumbindo ao magistrado o dever de inibir a conduta

maliciosa e desleal da parte que tenta imiscuir a verdade:

“Horas extras. Ausência de controle de jornada. A verdadeira defesa da

ré consistia precisamente na juntada dos controles de jornada. Dessa

exibição procurou se furtar, certamente porque não teriam os

documentos conteúdo de real "defesa" no proveito de seus interesses.

Essa atitude furtiva não pode ser premiada com a condescendência

judicial, incentivando a malícia. O único propósito da ré foi o de

sobrecarregar o ônus da prova da parte contrária, sem nenhum apego

ao dever de lealdade e boa-fé processual (art. 14 do CPC). Confirmo a

condenação”. Relator: Des. Rafael E. Pugliese Ribeiro. Revisor: Des.

49 Ob. cit., p. 70.

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Valdir Florindo. Acórdão nº: 20030298967. Processo nº: 09210-2003-

902-02-00-0. Ano: 2003. Turma: 6ª. Data de Publicação: 04/07/2003.

TRT/SP.

Ademais, e sem embargo de todo o exposto anteriormente, no que se

refere à lealdade da conduta processual das partes, importante acrescentar que o

princípio em análise tem especial relevância no processo do trabalho, por guardar

íntima relação com um dos princípios basilares que regem o direito material do

trabalho, qual seja, o princípio da “primazia da realidade”.

Este princípio, consagrado na expressão “contrato-realidade” cunhada

por Mario de La Cueva, norteia o direito do trabalho, assegurando a plena

realização da finalidade social da norma trabalhista. Segundo o jurista, o contrato

de trabalho “existe não no acordo abstrato de vontades, mas na realidade da

prestação de serviços, e que é esta e não aquele acordo o que determina sua

existência”. 50

Disso decorre a conclusão de que, em matéria trabalhista,

notadamente no âmbito do processo, devem ser valorizados os fatos que

efetivamente ocorreram na relação de emprego, em detrimento da verdade

formal simulada em documentos e falsos acordos de vontade. A verdade

imprescindível para a justa composição do litígio deve ser perquirida sob as luzes

da realidade da prestação de serviços, independentemente do recurso utilizado

pela parte com o propósito de ocultá-la.

O cotidiano forense demonstra que os expedientes fraudulentos e

simulados encontram nas relações de trabalho ambiente fértil. Na intenção de

burlar a legislação trabalhista, as partes edificam uma relação jurídica inexistente,

calcada, em muitos casos, em falsas premissas de autonomia ou de

50 LA CUEVA, Mario de, Derecho Mexicano Del Trabajo, citado por Plá Rodriguez, apud Princípios de Direito do Trabalho,

p. 218.

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eventualidade do trabalhador, com o objetivo único de dissimular o verdadeiro

contrato-realidade, conforme se verifica da jurisprudência abaixo:

“RELAÇÃO DE EMPREGO. POLICIAL MILITAR. No campo do Direito

do Trabalho sempre deve prevalecer o contrato-realidade, cumprindo

observar que o fato da obreira - face a insuficiência da remuneração

que aufere como policial militar - ser quase que obrigada a prestar

serviços a empresas privadas, pode configurar, apenas, infração

disciplinar, o que, em hipótese alguma, se presta a lhe retirar o direito

de ver reconhecida a relação de emprego havida entre as partes”. RO.

Data de julgamento: 12/04/2007. Data da publicação: 27/04/2007.

Relatora: Des. VANIA PARANHOS. Acórdão nº 20070264419.

Processo nº 01028-2005-077-02-00-1. Ano: 2006. 12ª Turma. TRT/SP.

“COOPERATIVISMO. FRAUDE. RECONHECIMENTO DO VÍNCULO

DE EMPREGO. DEVIDO. A prestação de serviços mediante

subordinação, traduzida na obrigatoriedade de registrar o horário de

trabalho em cartões de ponto e retribuição pecuniária de cunho

verdadeiramente salarial, amolda-se perfeitamente aos institutos

celetistas e é incompatível com o cooperativismo apto a garantir relativa

autonomia que singulariza o verdadeiro associado e lhe garante

condições de ganhos significativamente superiores aquele que

alcançaria caso atuasse isoladamente, como mero empregado.

Alicerça, ainda, a conclusão de utilização fraudulenta do sistema

cooperado, outros aspectos relevantes como a fixação do trabalhador

junto a um único tomador. Ademais, a prevalência do princípio do

contrato-realidade repudia manobras destinadas a desvirtuar direitos

trabalhistas assegurados ao trabalhador (art. 9º da CLT) e impõe o

reconhecimento do vínculo de emprego”. RO. Data de julgamento:

22/04/2008. Data da publicação: 02/05/2008. Relator: Des. PAULO

AUGUSTO CAMARA. Acórdão: 20080337737. Processo nº 02147-

2004-066-02-00-7. Ano: 2007. 4ª Turma. TRT/SP.

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41

Em contrapartida, importante também destacar que, se da instrução

probatória resultar evidente a autonomia ou eventualidade do trabalho, em

desfavor, portanto, da tese advogada pelo trabalhador que vindica o

reconhecimento do contrato de emprego, os princípios da lealdade da prova e da

primazia da realidade também devem nortear o julgamento, decidindo o

magistrado de acordo com a verdade real, consoante situação fática contemplada

nos julgados transcritos:

“RECURSO ORDINÁRIO. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. A prova oral

produzida nos autos não favorece o reclamante no que concerne à

existência de trabalho subordinado, vez que existem elementos de

convicção que firmam o convencimento de o trabalho era prestado de

forma eventual. Ressalta-se que prevalecendo nesta justiça

especializada o princípio da primazia da realidade, razoável admitir-se o

desapego a aspectos formais das provas em favor das situações fáticas

estabelecidas. Isto porque o conjunto probatório dos autos não está a

serviço das partes, mas sim do Juiz, isto é, para a formação de seu livre

convencimento, já que encarregado de proferir a sentença, devendo

para tanto perseguir a verdade real”. Acórdão: 20080831804. Turma:

12. Data Julg.: 18/09/2008. Data Pub.: 03/10/2008. Processo:

20070773046. Relator: MARCELO FREIRE GONÇALVES. TRT/SP.

“Representante Comercial. A presunção relativa de existência do

vínculo de emprego gerada pela ausência de formalidade - registro em

órgão competente - pode ser afastada através de prova de trabalho

autônomo, isso porque deve ser observado o contrato-realidade”. RO.

Data de julgamento: 14/03/2006. Data de publicação: 24/03/2006.

Relator: Des. RAFAEL E. PUGLIESE RIBEIRO. Acórdão

nº 20060153363. Processo nº 00001-2005-482-02-00-0. Ano: 2005. 6ª

Turma. TRT/SP.

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42

Considerando que o direito do trabalho é orientado pelo princípio da

primazia da realidade, concluímos, em função da relação de instrumentalidade

havida entre o direito material e o direito processual, que o princípio da “lealdade

da prova” encontra seara fértil no processo do trabalho, porquanto este é pautado

no compromisso com a persecução da verdade real, assegurando a plena

realização da finalidade social da norma substancial.

3.4. Licitude da prova (art. 5º, inciso LVI, CF/88)

Inicialmente, importante esclarecer que a Constituição Federal, art. 5º,

inciso LVI, ao marginalizar as provas ilícitas, pretendeu referir-se especificamente

à conduta do interessado para obtenção da prova, e não aos instrumentos de

prova previstos na lei processual.

A propósito, o termo “meios ilícitos” utilizado pelo constituinte não

primou pela técnica, eis que o dispositivo constitucional não diz respeito à ilicitude

formal (processual) da prova, nem à irregularidade de sua produção em juízo,

mas sim à maneira como foi, anteriormente à sua apresentação no processo,

obtida pela parte interessada.

A prova ilícita vedada pela Carta Constitucional é aquela que, em

função da forma como foi colhida pelo interessado, tornou-se viciada e

imprestável para o fim a que se destinava no processo.

A legislação em vigor51 não estabeleceu parâmetros esclarecedores a

respeito do que seriam os meios imorais e ilegais de obtenção da prova e que lhe

trariam mácula insanável a ponto de inviabilizar seu aproveitamento na instrução

processual. Tais critérios decorrem de construção doutrinária e jurisprudencial.

51 Diversamente da legislação brasileira, que não especificou os meios ilícitos de prova, delegando os esclarecimentos à

construção doutrinária, o Código de Processo Penal português, art. 126, como registrado por Artur César de Souza, em

sua obra A Parcialidade Positiva do Juiz (p. 117, nota de rodapé 248), ocupou-se de forma expressa da questão:

considerou nula a prova obtida em desrespeito aos direitos individuais fundamentais (dignidade humana, privacidade,

intimidade, moralidade, vida, integridade física etc).

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Consoante magistério de Nelson Nery Júnior, “será ilícita a prova

quando sua proibição for de natureza material, vale dizer, quando for obtida

ilicitamente”52.

Ao comentar o art. 332 do CPC, pontuou Fábio Tabosa:

“Na verdade, a palavra meios não se confunde aí com os próprios

instrumentos ou modalidades de prova; trata de possíveis

irregularidades situadas em momento anterior ao da produção

probatória, aludindo destarte aos expedientes na prática utilizados pela

parte interessada para a obtenção de uma determinada prova. A

preocupação diz respeito, portanto, à conduta do agente, no sentido de

ofensa a direitos e garantias individuais, garantidas pela lei material, e

não à licitude formal da prova em si considerada, ou à regularidade de

sua produção em juízo (não obstante, é frequente nesses casos o

emprego da terminologia simplificada prova ilícita).” 53

Teixeira Filho considera imorais “os meios que atentem contra os

direitos de personalidade, particularmente quanto à liberdade de pensamento e à

privacidade, que foram alcandorados à categoria de direitos constitucionais (art.

5º, IV, X, XI, XII)” 54.

Para o jurista Eduardo G. Saad, são dois os meios ilícitos de obtenção

de prova: 1) o primeiro refere-se à utilização de procedimento não autorizado por

lei, como ocorre com a gravação clandestina, sem autorização legal, de conversa

telefônica, em processo não penal, método este que denomina “ilicitude

intrínseca”; 2) o segundo, embora sem vedação legal, ocorre com violação a

52 NERY JUNIOR, Nelson e Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado, p. 605, nota 1 ao art. 332.

53 PESSOA, Fabio Guidi Tabosa, Código de Processo Civil intepretado, coordenação de Antonio Carlos Marcato, nota 4

ao art. 332, p. 994.

54 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio, A prova no processo do trabalho, p. 95.

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direito individual e garantia fundamental, tratando-se este, conforme se refere o

autor, de “ilicitude extrínseca” 55.

Podemos asseverar, com base nestes ensinamentos, que prova ilícita é

aquela obtida por métodos ilícitos, em detrimento de preceitos albergados pelo

ordenamento jurídico a resguardar direitos e garantias individuais. É o que se

denomina “ilicitude material”.

A prova obtida de forma ilícita, com transgressão dos direitos referidos,

acaba por contaminar todos os fatos a ela pertinentes, bem como outras provas

produzidas por meio daquela que contém vício. Esta é a teoria dos “frutos da

árvore envenenada” que, segundo jurisprudência do STF56, considera inviável o

aproveitamento na instrução processual das provas colhidas de maneira ilícita, ou

seja, impregnadas de ilicitude material, ainda que produzidas no processo

validamente, eis que contaminadas em sua origem (“frutos da árvore

envenenada”) – “ilicitude por derivação”.

Para ilustrar tal situação, citamos um exemplo extraído do cotidiano

forense trabalhista: um empregado, para fazer prova de que teve sua imagem

profissional violada pelo empregador, procede à interceptação de conversa

telefônica mantida apenas entre este e um terceiro (sem participação direta do

trabalhador), pretendendo carrear a gravação aos autos; segundo a teoria

estudada, o aproveitamento da referida prova pode ser rechaçado pelo juiz, eis

que obtida de forma clandestina e, portanto, ilícita, contaminando todos os fatos e

demais provas dela derivadas.

A propósito da interceptação telefônica por terceiro não participante da

conversa, a legislação a autorizou em se tratando de processo penal ou de

procedimento de investigação criminal, conforme preceitua o art. 5º, XII da CF/88,

regulamentado pela Lei 9.296/96. A Constituição Federal e a lei mencionada

55 SAAD, Eduardo Gabriel, Curso de direito processual do trabalho, pp. 575-576.

56 HC 93050/RJ – RIO DE JANEIRO. HABEAS CORPUS. Relator(a): Min. CELSO DE MELLO. Julgamento: 10/06/2008.

Órgão Julgador: Segunda Turma. DJe 142. DIVULG 31-07-2008. PUBLIC 01-08-2008. EMENT VOL-02326-04 PP-00700.

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estabeleceram a licitude da interceptação telefônica por terceiro somente quando

autorizada pelo juiz, para fins de aproveitamento em procedimento de

investigação criminal ou em processo penal, devendo ser fundamentada neste

sentido (para apuração de infração penal – art. 4º). Desta feita, com o objetivo de

restringir o seu uso, porquanto implica violação da privacidade, da intimidade e do

sigilo das comunicações, a Lei 9296/96, em seu artigo 10, criminalizou a

interceptação quando realizada sem autorização judicial e com objetivo não

autorizado nos termos desta lei.

Ademais, examinando a questão sob o ponto de vista da possibilidade

de aproveitamento da prova obtida licitamente, por meio de interceptação

telefônica, em outro processo não criminal – prova emprestada -, a determinação

expressa do artigo 10 da lei em referência nos conduziria a duas soluções

diversas. Por um lado, poderíamos entender que, em razão da restrição do artigo

10, limitando o uso da prova obtida com o sacrifício de um direito individual

exclusivamente ao processo penal e à investigação criminal, o referido elemento

de convicção não estaria apto a ser trasladado como prova emprestada a outro

processo não criminal. Segundo este entendimento, seria inviável o empréstimo

do resultado da interceptação telefônica, ainda que colhida inicialmente na forma

da lei, a um processo civil ou trabalhista, já que estes não teriam finalidade

criminal, restando, portanto, violado um dos pressupostos de licitude da referida

prova, qual seja, a destinação exclusiva para fins penais. Em sentido contrário,

conforme entendimento mais atual do Supremo Tribunal Federal, seria viável o

aproveitamento da prova obtida por meio de interceptação telefônica, porquanto

produzida de forma lícita na origem – em sede de processo penal ou de

investigação criminal (art. 5o, inciso XII e Lei 9296/96) -, ocasião em que o

Tribunal já havia determinado legalmente o rompimento do direito à intimidade.57

57 Consultar decisão do STF em julgado recente, conforme ementa transcrita in litteris: “PROVA EMPRESTADA. Penal.

Interceptação telefônica. Escuta ambiental. Autorização judicial e produção para fim de investigação criminal. Suspeita de

delitos cometidos por autoridades e agentes públicos. Dados obtidos em inquérito policial. Uso em procedimento

administrativo disciplinar, contra os mesmos servidores. Admissibilidade. Resposta afirmativa a questão de ordem.

Inteligência do art. 5º, inc. XII, da CF, e do art. 1º da Lei federal nº 9.296/96. Voto vencido. Dados obtidos em interceptação

de comunicações telefônicas e em escutas ambientais, judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação

criminal ou em instrução processual penal, podem ser usados em procedimento administrativo disciplinar, contra a mesma

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Por outro lado, não constitui prova ilícita a gravação telefônica ou

ambiental de conversa quando realizada por um dos interlocutores, ainda que

sem o conhecimento e consentimento do outro, eis que neste caso, diversamente

do anterior, a prova não foi colhida em desconformidade com norma de caráter

material, em detrimento de direitos e garantias individuais.

Tratam-se, desta feita, de situações diversas, razão pela qual merecem

tratamentos jurídicos também distintos, conforme o magistério de Humberto

Theodoro Júnior:

“Urge, porém, distinguir entre as gravações lícitas e as ilícitas.

Conforme já se acentuou na jurisprudência, o contrato consensual pode

provar-se por qualquer meio, inclusive as gravações magnéticas (...)

Assim, como o destinatário da prova pode usar como prova as cartas e

telegramas que lhe tenham enviado o co-contratante, sem que isto

represente ofensa ao sigilo de correspondência, também o destinatário

da mensagem telefônica pode usá-la para provar a negociação ultimada

entre os interlocutores. O que não se tolera e que realmente ofende o

sigilo das telecomunicações é a interceptação da conversa telefônica

alheia. É essa violação de sigilo, praticada clandestinamente por

terceiro, que atenta contra a garantia constitucional da intimidade. Não

há ilicitude, portanto, quando o destinatário da ligação telefônica usa,

por exemplo, o registro captado pela secretária eletrônica.

Pode-se, enfim, ter como assente na jurisprudência atual a vedação às

provas obtidas por meio de interceptações telefônicas (prova ilícitas) e a

admissão das gravações feitas por um dos interlocutores da mensagem

telefônica (provas lícitas).” 58

ou as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidos” (Inq-QO-QO 2424 / RJ – RIO DE JANEIRO. SEG. QUEST.

ORDE. EM INQUÉRITO. Relator: Min. CEZAR PELUS. Julgamento: 20/06/2007. Órgão Julgador: Tribunal Pleno - STF.

DJe-087. DIVULG 23-08-2007. PUBLIC 24-08-2007. DJ 24-08-2007 PP-00055. EMENT VOL-02286-01 PP-00152).

58 Comentários ao Novo Código Civil, vol. III, tomo II, p. 401, art. 212, nota 423.1.

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47

Nesta direção a jurisprudência trabalhista tem acenado, em

conformidade com entendimento sedimentado pelo Supremo Tribunal Federal,

como se lê nas ementas transcritas adiante:

“Gravação telefônica – Interceptação da conversa por terceiro – Prova

ilícita – Art. 5º, XIII, da Constituição Federal de 1988 – É prova ilícita,

nos termos do art. 5º, XIII, da Constituição Federal de 1988, a gravação

de conversa telefônica entre o reclamado e o terceiro, interceptada pelo

reclamante, sem o conhecimento de ambos os interlocutores, para o fim

de comprovação de suposto dano moral. A jurisprudência, tanto do

excelso STF, quando a do colendo STJ, pacificou-se no sentido de que

é lícita a gravação de conversa telefônica somente quando feita por um

dos interlocutores, mesmo que sem o conhecimento do outro, mas não

se pode admitir que uma exceção ao princípio da inviolabilidade das

comunicações telefônicas venha a ser interpretada extensivamente, sob

pena de afronta à hermenêutica jurídica e à mens legis da Constituição

Federal de 1988. Recurso de revista não conhecido”. TST-RR-

761.175/01.6 – (Ac. 4ª T.) – 12ª Reg. – Rel. Min. Milton de Moura

França. DJU 26.3.04, p. 686.

“RECURSO ORDINÁRIO. PROVA. GRAVAÇÃO EM FITA CASSETE

DE CONVERSA POR UM DOS INTERLOCUTORES SEM O

CONHECIMENTO DO OUTRO. LICITUDE. Uníssona a jurisprudência

do STF, seguindo, o TST na mesma diretriz, no sentido de ser lícita a

gravação de conversa entre interlocutores, feita por um deles, sem o

conhecimento do outro, com a finalidade de servir de elemento

probatório em legítimo exercício de defesa. (Precedentes Inq. 657 - RTJ

155/75 - Ministro Carlos Veloso; RE-AGR 402035/SP; Min. Ellen Gracie;

TST-E-RR 88517/2003-900-04-00-5, Min. Corrêa da Veiga). Recurso a

que se nega provimento”. Acórdão: 20080651105. Turma: 3ª. TRT/SP.

Data Julg.: 10/06/2008. Data Pub.: 12/08/2008. Processo:

20060230538. Relator: Des. MARIA DORALICE NOVAES

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48

“PROVA ILÍCITA E DANOS MORAIS. A gravação ambiental de diálogo

por um dos interlocutores, sem conhecimento e autorização dos

demais, não constitui prova ilícita, mormente quando a ação versa

sobre danos morais, muitas vezes de difícil comprovação. A gravação

realizada, no caso em tela, configurou legítima defesa da reclamante

em face das ofensas por ela apontadas, o que afasta a argüição de

ilicitude da prova”. Recurso Ordinário. Julg.: 03/04/2008. Relator(A):

Adalberto Martins. Acórdão 20080267615. Processo 00624-2004-062-

02-00-4. 2007. Turma: 12ª. TRT/SP. Publicação: 11/04/2008.

Sem embargo de todo o exposto anteriormente, importante notar que o

estudo acerca do princípio em referência não se encerra apenas com os debates

sobre interceptações telefônicas e gravações de conversas por um dos

interlocutores.

Outras questões merecem reflexão neste particular, tais como aquelas

que envolvem sigilo de correspondência e revista íntima do empregado.

Quanto à primeira situação, entendemos que não pode ser utilizada

como prova pelo empregador, em determinada ação (por exemplo, envolvendo

imputação de justa causa), uma correspondência eletrônica obtida a partir de

consulta clandestina a arquivos contidos em computador de uso pessoal do

empregado, por desrespeitar duas garantias individuais fundamentais: a

inviolabilidade de correspondência e a intimidade do trabalhador (art. 5º, inciso

XII da CF/88). Neste caso a prova não deve ser aproveitada no processo por dois

motivos: primeiro porque obtida por meios ilícitos; segundo porque o bem da vida

violado pela prova ilícita (direito fundamental de primeira geração que é a

intimidade) suplanta o direito invocado pelo empregador (direito à propriedade).

Diferentemente, em se tratando o computador de mera ferramenta de

trabalho, fornecido pelo empregador para a finalidade exclusiva de utilização no

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ambiente laboral e em função dele, e tendo o trabalhador inequívoca ciência

deste fato, a solução da problemática poderia nos conduzir a dois caminhos

diversos.

O primeiro deles, atendo-se de forma intransigente à preservação das

liberdades individuais, dos direitos fundamentais de primeira geração (no caso, a

privacidade), da dignidade da pessoa humana, nos levaria à conclusão de que

não poderia haver, sob qualquer que fosse a justificativa, a violação ao sigilo de

correspondência. Neste caso, ainda que o empregado tivesse praticado uma

justa causa, sendo esta materializada ou arquivada em computador de

propriedade do empregador, a falta grave não deixaria de fundamentar a

dispensa motivada do trabalhador; todavia, o empregador haveria de se valer de

outros meios legais para a obtenção da prova, sem romper o sigilo do correio

eletrônico. 59

O segundo caminho é seguido por aqueles que reputam conciliáveis os

dois direitos, notadamente porque o trabalhador, ao fazer uso de instrumento de

trabalho e tendo inequívoca e prévia ciência quanto à possibilidade de

monitoramento do correio eletrônico utilizado indevidamente para fins pessoais,

acabaria por abrir mão de sua privacidade. Segundo este posicionamento, por se

tratar o computador de patrimônio do empregador, este poderia obter, por

exemplo, a partir da violação do sigilo do correio eletrônico, a prova da falta grave

imputada ao empregado, sem que fossem vulnerados os direitos constitucionais

em comento, conforme jurisprudência:

“Correio eletrônico. Monitoramento. Legalidade. Não fere norma

constitucional a quebra de sigilo de e-mail corporativo, sobretudo

quando o empregador dá a seus empregados ciência prévia das

normas de utilização do sistema e da possibilidade de rastreamento e

monitoramento de seu correio eletrônico”. (TRT/SP. RO. Data de

59 Neste sentido, Alberto Emiliano de Oliveira Neto e Luciano Augusto de Toledo Coelho, in “E-mail do empregado –

limites ao poder diretivo do empregador sob a óptica do Novo Código Civil”. Apud DALLEGRAVE NETO, José Affonso,

GUNTHER, Luiz Eduardo, O impacto do Novo Código Civil no direito do trabalho, p. 186-201.

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50

julgamento: 09/11/2006. Relator(a): Des. WILSON FERNANDES.

Acórdão nº: 20060929744. Processo nº: 01130-2004-047-02-00-4. Ano:

2005. Turma: 1ª. Data de publicação: 28/11/2006)

.

"Não se constitui prova fraudulenta e violação de sigilo de

correspondência o monitoramento pelo empregador dos computadores

da empresa. E-mail enviado a empregado no computador do

empregador e relativo a interesses comerciais da empresa não pode

ser considerado correspondência pessoal. Entre o interesse privado e o

coletivo de se privilegiar o segundo. Limites razoáveis do entendimento

do direito ao sigilo. Apelo provido." Acórdão: 20050881099. Turma: 01

Data Julg.: 01/12/2005. Data Pub.: 10/01/2006. Processo:

20050311829. Relator: PLINIO BOLIVAR DE ALMEIDA.

No mesmo diapasão, considerar-se-iam, pelos mesmos fundamentos

invocados por esta segunda corrente de pensamento, lícitas as provas obtidas

mediante consulta a sítios de relacionamento na internet (por exemplo, orkut) e

blogs, pois aqueles que inserem informações nestes modernos instrumentos de

comunicação renunciam ao direito à privacidade e à intimidade, à medida que

conferem ampla publicidade aos dados neles veiculados, disponibilizando-as a

qualquer pessoa que os tenha acessado.

Por fim, no tocante à revista íntima do empregado, a questão deve ser

analisada à luz do art. 5º, inciso X da Constituição da República, bem como do

art. 373-A, inciso VI da CLT, este último que, em nosso entendimento, também se

estende ao trabalho do homem, como corolário do princípio da igualdade.

A propósito, não se pode admitir, sob pretexto de conferir proteção ao

patrimônio do empregador (direito de propriedade - art. 5º, caput, CF/88), sejam

transgredidos os direitos à intimidade e à dignidade do trabalhador.

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Embora todos sejam garantias individuais, do sopesamento dos valores

que representam (princípio da proporcionalidade a ser analisado adiante) extrai-

se a conclusão de que a intimidade jamais poderia ser sacrificada em benefício

do direito à propriedade, eis que aquela toca diretamente à dignidade da pessoa,

direito humano fundamental e que, portanto, se sobrepõe aos demais direitos e

garantias positivadas no ordenamento jurídico.

A prova obtida por meio da revista íntima, portanto, deve ser

considerada ilícita, sendo banida da instrução probatória, conforme julgados:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS

- REVISTA ÍNTIMA - CONSTRANGIMENTO - VIOLAÇÃO DA

INTIMIDADE, VIDA PRIVADA E IMAGEM DO RECLAMANTE -

OFENSA AO ART. 5º, X, DA CF. 1. O dano moral constitui lesão de

caráter não material ao denominado patrimônio moral do indivíduo,

integrado por direitos da personalidade. 2. Tanto em sede constitucional

(CF, art. 5º, -caput- e incisos V, VI, IX, X, XI e XII) quanto em sede

infraconstitucional (CC, arts. 11-21), os direitos da personalidade

albergam basicamente os direitos à vida, integridade física, liberdade,

igualdade, intimidade, vida privada, imagem, honra, segurança e

propriedade, que, pelo grau de importância de que se revestem, são

tidos como invioláveis. Assim, do rol positivado dos direitos da

personalidade, alguns têm caráter preponderantemente material (vida,

integridade física, liberdade, igualdade, segurança e propriedade),

ainda que não necessariamente mensurável economicamente, e outros

têm caráter preponderantemente não material (intimidade, vida privada,

imagem e honra). Estes últimos se encontram elencados

expressamente no art. 5º, X, da CF. 3. Assim, o patrimônio moral, ou

seja, não material do indivíduo, diz respeito aos bens de natureza

espiritual da pessoa. Interpretação mais ampla do que seja dano moral,

para albergar, por um lado, todo e qualquer sofrimento psicológico,

careceria de base jurídico-positiva (CF, art. 5º, X), e, por outro, para

incluir bens de natureza material, como a vida e a integridade física,

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careceria de base lógica (conceito de patrimônio moral). 4. No caso, o

Regional entendeu ser ofensivo à intimidade, à honra, à imagem e à

dignidade do trabalhador sua submissão a revista em que era obrigado

a ficar em trajes íntimos ou nu, juntamente com outros colegas de

trabalho. Assentou que, embora seja compreensível a realização de

revista nos funcionários, mormente no ramo de atividade da

Reclamada, que comercializa produtos farmacêuticos, não pode o

empregador se exceder no seu poder diretivo. Assim, condenou a

Reclamada a pagar indenização no valor de R$ 20.000,00. 5. Neste

contexto fático e à luz do que estabelece o art. 5º, X, da CF, segundo o

qual são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem

das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou

moral decorrente de sua violação, revela-se acertada a conclusão a que

chegou o Regional, pois, independentemente dos motivos que

justificariam a realização da revista nos empregados, esta deve

observar critérios de razoabilidade, devendo o empregador adotar

medidas de fiscalização compatíveis com os direitos da personalidade

constitucionalmente protegidos. Agravo de instrumento desprovido”.

Processo: TST-AIRR - 1351/2006-012-06-40.3 Data de Julgamento:

17/09/2008, Relator Ministro: Ives Gandra Martins Filho, 7ª Turma, Data

de Publicação: DJ 19/09/2008.

“RECURSO DE REVISTA - DANOS MORAIS - REALIZAÇÃO DE

REVISTA ÍNTIMA 1. O poder fiscalizatório do empregador de proceder

a revistas encontra limitação na garantia de preservação da honra e

intimidade da pessoa física do trabalhador, conforme preceitua o artigo

5º, inciso X, da Constituição da República. 2. A realização de revistas,

sem a observância dos limites impostos pela ordem jurídica acarreta ao

empregador a obrigação de reparar, pecuniariamente, os danos morais

causados. Precedentes do Eg. TST. (...) Recurso de Revista

parcialmente conhecido e provido”. Processo: TST - RR - 1482/2003-

016-03-00.5 Data de Julgamento: 20/08/2008, Relatora Ministra: Maria

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Cristina Irigoyen Peduzzi, 8ª Turma, Data de Publicação: DJ

22/08/2008.

Não se trata de revista íntima abusiva, outrossim, aquela realizada com

absoluta moderação pelo empregador, sem exposição indevida da pessoa do

empregado, preservando a intimidade e a dignidade do trabalhador. Neste

sentido, a prova colhida a partir da revista feita pelo empregador em objetos de

uso do empregado, como bolsas e outros objetos que portar, desde que não seja

íntima, não implique desrespeito a direitos e garantias individuais e seja

divulgado no ambiente de trabalho o procedimento empresarial, pode ser

considerada lícita, consoante posicionamento da jurisprudência do Tribunal

Superior do Trabalho consubstanciado na ementa:

“RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL.

REVISTA EM BOLSAS. INVIABILIDADE DA CONDENAÇÃO POR

PRESUNÇÃO DE CONSTRANGIMENTO. A revista de bolsas e sacolas

daqueles que adentram no recinto empresarial não constitui, por si só,

motivo a denotar constrangimento nem violação da intimidade da

pessoa. Retrata, na realidade, o exercício pela empresa de legítimo

exercício regular do direito à proteção de seu patrimônio, ausente

abuso desse direito quando procedida a revista moderadamente, como

no caso em exame, não havendo se falar em constrangimento ou em

revista íntima e vexatória, a atacar a imagem ou a dignidade do

empregado. Recurso de revista conhecido e provido”. Processo: TST.

RR - 3587/2006-016-09-00.9 Data de Julgamento: 25/06/2008, Relator

Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª Turma, Data de Publicação: DJ

01/08/2008.

Por tudo que vimos, a aceitação da prova obtida por meios ilícitos

encontra na doutrina e na jurisprudência mais tradicionais acentuada resistência,

por resultar em infração a direitos fundamentais.

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A rigidez do referido princípio, entretanto, tem sido mitigada pela visão

vanguardista de alguns juristas, que passaram a interpretá-lo com vistas à

efetividade do provimento jurisdicional, em situações em que a supremacia do

bem da vida tutelado e os valores envolvidos no litígio autorizam o sacrifício do

direito individual.

Segundo tal entendimento mais atual, o aproveitamento da prova

obtida ilicitamente depende da natureza dos direitos envolvidos no litígio, sem

perder de vista que a paz social tão almejada nas relações jurídicas e a

credibilidade das decisões judiciais pressupõem o comprometimento dos sujeitos

do processo na busca da verdade.

Trata-se, portanto, de uma ponderação de valores e direitos, sendo que

o magistrado não deve, a despeito de preservar o direito individual vulnerado pela

forma de obtenção da prova, julgar em detrimento da realidade que emergiu nos

autos por força de prova ilícita, notadamente quando o bem da vida tutelado se

mostrar superior à garantia individual transgredida.

A solução, em que pese a taxatividade da previsão constitucional (art.

5º, inciso LVI), demandaria a ponderação de dois princípios, quais sejam, o da a

licitude da prova e o da proporcionalidade ou razoabilidade, sopesando o

interesse individual violado pela prova e o interesse público maior da revelação

da verdade dos fatos e, por conseguinte, da justa composição do litígio 60.

Recomenda-se que o julgador, ao se deparar com tal situação, proceda

a uma releitura do princípio em análise à luz da proporcionalidade e da

razoabilidade, com objetivo de adotar-se uma solução equilibrada, justa,

60 Willis Santiago Guerra Filho, “Notas para destacar a importância do principio constitucional da proporcionalidade no

delineamento dos poderes do juiz”, apud MEDINA, José Miguel Garcia, Os poderes do juiz e o controle das decisões

judiciais, estudos em homenagem à Professora Teresa Arruda Alvim Wambier.

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comprometida com a realidade dos fatos ocorridos e, sobretudo, garantidora de

efetividade da prestação jurisdicional. 61

O juiz, por conseguinte, conhecendo a realidade dos fatos por meio da

prova obtida de maneira ilícita, e sopesando os direitos envolvidos e a relevância

do bem da vida tutelado, não poderia proferir decisão em desconformidade com

tal verdade real, sob pena de comprometer a justa solução do litígio, consoante

magistério de José Roberto dos Santos Bedaque:

“A melhor solução, todavia, é tentar a conciliação dos dois valores

opostos. Da mesma forma que a orientação predominante visa à defesa

de princípios constitucionais e de direitos fundamentais da pessoa, a

efetividade do processo atende a um interesse público relevantíssimo.

E, com a rejeição de uma prova obtida irregularmente, poderá o

julgador ficar sem elementos suficientes para proferir uma decisão

justa. Tal decisão injusta, além de negar o fim da atividade jurisdicional,

certamente produzirá seus efeitos sobre a esfera jurídica de pessoas

que nada tiveram com a ilicitude cometida quando da obtenção da

prova. Essa conclusão não implica em desconhecer o caráter ilícito da

conduta daquele que obteve a prova. Apenas leva em consideração o

fato de que cabe ao julgador utilizar-se de todos os meios necessários à

descoberta da verdade. Inadmissível que irregularidade cometidas na

colheita da prova impeçam a sua apresentação e, possivelmente, uma

decisão justa”.62

Com fundamento nestas premissas, leciona o jurista Fábio Tabosa:

“Em torno do tema, a doutrina anterior a 1988, na ausência de previsão

legal expressa, tendia a seguir a orientação do direito comparado e a

61 Aristóteles, Ética a Nicômaco, já defendia a aplicação da proporcionalidade e da razoabilidade em seus estudos sobre a

mediania, a prudência, a temperança e a moderação, vistas como virtudes morais para se atingir a justa razão como

modelo de conduta.

62 BEDAQUE, Poderes instrutórios do juiz, “Aspectos Fundamentais da Atividade Instrutória”, p. 105.

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questionar a validade das provas obtidas ilicitamente, temperando esse

entendimento contudo pela observância de regra da proporcionalidade

e pela confrontação do direito violado na obtenção da prova com

possível direito dela dependente em termos de efetivação. A partir da

Constituição vigente, o quadro mudou de figura, com a introdução da

regra vedatória explícita do já citado art. 5º, LVI, de redação

peremptória; em torno da mesma, e considerado o grau hierárquico da

norma, formaram-se diferentes correntes interpretativas, a mais radical

pugnando pela inadmissibilidade pura e simples de tais provas,

mediante aplicação literal do texto constitucional. Outros

posicionamentos defendem, em diferentes graus, a adoção ainda agora

de certo critério de proporcionalidade, em face, por exemplo da

natureza da norma violada no iter probatório, da relevância da matéria

em discussão do processo e da importância da prova para a decisão da

causa, seja admitindo o aproveitamento em casos absolutamente

extraordinários (como a hipótese extrema da prova potencialmente

capaz de absolver o réu em processo penal), seja tolerando-o se

cometida mera ilicitude civil ou administrativa (e não violada portanto

garantia fundamental do cidadão), seja, mais liberalmente, concordando

em certos limites com a utilização da prova mesmo nas hipóteses de

lesão a garantias fundamentais, tudo sem prejuízo da punição em

separado do responsável pela irregularidade cometida.” 63

Vicente Greco Filho também faz a ponderação de princípios, conforme

se observa da leitura dos ensinamentos ora transcritos:

“O inc. LVI do art. 5º da Constituição proíbe a utilização de prova obtida

por meio ilícito, mas tal regra não é absoluta, porque pode haver

necessidade de conciliar a norma com outros direitos constitucionais,

63 PESSOA, Fábio G. Tabosa Pessoa, Código de processo civil comentado, p. 994.

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como sustentamos em nosso “Tutela constitucional das liberdades”

(Saraiva, 1989)”. 64

Na mesma toada a doutrina especializada, preconizando a mediação

dos referidos princípios, a tornar flexível a pertinência e a utilização de provas

colhidas em violação ao preceituado no direito material, como se verifica no

magistério de Bezerra Leite, ao comentar o princípio da proibição da prova ilícita:

“Este princípio tem sido mitigado por outro: o princípio da

proporcionalidade ou razoabilidade, segundo o qual não se deve

chegar ao extremo de negar validade a toda e qualquer prova obtida

por meios ilícitos, como, por exemplo, uma gravação sub-receptícia

utilizada por empregada que deseja fazer prova de que fora vítima de

assédio sexual pelo seu empregador ou superior hierárquico, sem o

consentimento deste”. 65

A solução que reputamos mais adequada, portanto, é aquela que

pugna pela conjugação dos princípios e pela ponderação dos valores e direitos

envolvidos no litígio, viabilizando, dependendo do caso concreto e do bem da

vida a ser preservado, o aproveitamento da prova obtida por meio ilícito.

Não podemos negar que, diante de questão tão complexa e

tormentosa, notadamente por se referir a garantias fundamentais, o princípio da

razoabilidade pode auxiliar na elucidação de conflitos que, num primeiro

momento, pareciam inconciliáveis.

Neste contexto, o princípio da proporcionalidade merece prestígio,

porquanto, ao possibilitar a conciliação de valores e direitos conflitantes, valoriza

a verdade real emergente por meio da prova coligida ao processo, assegurando,

64 GRECO FILHO, Vicente, Direito processual civil brasileiro, 2º vol., p. 186.

65 LEITE, Carlos Henrique Bezerra, Curso de direito processual do trabalho, “Princípios Probatórios”, p. 555.

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com isso, a justa composição do conflito, a efetividade da tutela jurisdicional, a

harmonia social e rendendo, por conseguinte, credibilidade à decisão judicial e

respeitabilidade ao próprio Estado.

3.5. Igualdade de oportunidades e contraditório:

“Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e

dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente,

independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na

apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para

que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil,

trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza” (Convenção

Americana sobre Direitos Humanos, Pacto de São José da Costa Rica,

ratificada pelo Brasil em 25.9.92, Decreto 878, de 6.11.92, art. 8.1)

É premissa maior do Estado de Direito a igualdade de todos perante a

lei, dela decorrendo a segurança de que todos tenham as mesmas oportunidades

de manifestação, de ouvir e de ser ouvido, fazendo uso de todos os meios

necessários e legítimos para tanto.

Diretamente vinculados ao princípio da ampla defesa (art. 5º, LV,

CF/88), os princípios da igualdade e do contraditório, encampados por

documentos internacionais e albergados diretamente pelo Texto Constitucional

de 1988, art. 5º, caput e LV, uma vez trazidos à seara do processo, velam para

que aos litigantes sejam resguardadas as mesmas possibilidades para fazer valer

suas razões em juízo, não somente pelas alegações e impugnações, como

também por meio da produção das provas e contraprovas.

De acordo com o preceituado no art. 125, I do CPC, fica assegurado às

partes, perante o juiz, tratamento igualitário, razão pela qual, no momento da

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produção da prova, devem ser garantidas as mesmas oportunidades, como forma

de preservação do exercício da ampla defesa, sob pena de nulidade.

A igualdade processual referida é princípio e também garantia às

partes, dizendo respeito à oportunidade que lhes é franqueada por expressa

disposição legal para alegações e produção das provas pretendidas. Por tal

motivo, não vincula e nem obriga a parte a produzir qualquer prova, uma vez que

estamos aqui a falar de um ônus processual, e não de uma obrigação ou uma

responsabilidade; tanto é assim que aquele que deixar de exercer o ônus de

provar, poderá ter sua situação jurídica no processo agravada, experimentando

as consequências de eventual omissão.

Como garantia do devido processo legal, decorre o dever do Estado-

juiz, até mesmo em razão da imparcialidade que deve nortear toda sua conduta,

de assegurar à parte contra quem foi produzida determinada prova a

possibilidade de exercer o contraditório (art. 5º, LIV e LV, CF). A propósito, o

litigante terá reservada oportunidade para que apresente impugnação por todos

os meios legais e, se for o caso, colacione aos autos contraprovas hábeis a

infirmar aquelas coligidas pela parte contrária.

E assim deve ocorrer ao longo da instrução processual, ou seja, toda

vez que uma das partes juntar determinado documento, deve ser assegurada a

vista do referido à parte contrária (CPC, 372), permitindo-lhe, inclusive, a

produção de contraprova apta a elidir o conteúdo do documento carreado pelo ex

adverso, conforme hipótese prevista no art. 397 do CPC; quando for ouvida

determinada testemunha, ao outro contendor deve ser resguardada a

oportunidade de contraditar a testemunha, pelos motivos previstos em lei (CPC,

art. 414 e CLT, art. 829), assim como ouvir outras testemunhas com a finalidade

de contrapô-las às da parte adversa.

Sem embargo do até então exposto, ao tratarmos de igualdade formal

no processo, não podemos nos olvidar da questão relativa à desigualdade

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material das partes no contrato de trabalho e sua relação com a aptidão para a

produção da melhor prova.

Por certo que igualdade jurídica não elimina as desigualdades

materiais, daí porque não se fala mais em igualdade absoluta, mas sim

proporcional, em que a lei destina o mesmo tratamento aos substancialmente

iguais e, por conseguinte, tratamentos desiguais aos que se encontram em

situações distintas, a fim de que seja atingida a “igualdade substancial”. É o que

ocorre, como bem lembrado por Cintra, Grinover e Dinamarco, com o direito

penal, em que há, por exemplo, absolvição do acusado por insuficiência de

provas (in dubio pro reo). 66

O princípio da igualdade pressupõe, portanto, que haja uma

proporcionalidade entre o tratamento normativo – quando o princípio servir de

norte ao legislador - ou interpretativo da norma – destinado ao aplicador da lei – e

a finalidade perseguida pelo próprio direito. A norma positivada, bem como a

aplicação da lei existente devem procurar mitigar as desigualdades naturais, e

não, sob o pretexto de uma falsa igualdade, fomentar aquelas já existentes entre

os destinatários do direito. Nas oportunas lições de Alexandre de Moraes:

“Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as

discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos

desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do

próprio conceito de Justiça, pois o que realmente protege são certas

finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional

quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma

finalidade acolhida pelo direito, sem que se esqueça, porém, como

ressalvado por Fábio Konder Comparato, que as chamadas liberdades

materiais têm por objetivo a igualdade de condições sociais, meta a ser

66 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel, Teoria geral do

processo, pp. 53-55.

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alcançada, não só por meio de leis, mas também pela aplicação de

políticas ou programas de ação estatal.”67

Na seara do processo do trabalho, como examinaremos adiante de

forma mais acurada, a legislação, especificamente em matéria de prova, não

destinou qualquer tratamento diferenciado a qualquer das partes, pressupondo a

igualdade formal entre os litigantes.

Assim, visando ao abrandamento das desigualdades materiais

existentes entre as partes e sua repercussão diante da aptidão para a produção

da prova, alguns setores da doutrina e da jurisprudência, sensíveis a esta

problemática, passaram a invocar o princípio in dubio pro misero não somente no

processo do trabalho, como, sobretudo, em se tratando de instrução probatória.

Registre-se, por oportuno, que a questão é bastante polêmica, sendo

que considerável parte dos processualistas especializados não concordam com

tal interpretação diferenciada do princípio da igualdade no direito processual do

trabalho, apoiando-se unicamente nos ensinamentos e ditames do processo civil

tradicional. 68

Considerando que nos dedicamos longamente à referida matéria ao

tratarmos do princípio in dubio pro misero, para melhor compreensão do tema

remetemos o leitor ao próximo item do estudo.

67 MORAES, Alexandre de, Direito constitucional, p. 31.

68 Consoante será exaustivamente analisado no item que tratar do princípio in dubio pro misero, há muita divergência a

respeito do tema, havendo aqueles que entendem que tal princípio é restrito ao direito material do trabalho, não sendo

aplicável em questões relativas à instrução probatória, nem a qualquer temática envolvendo relação processual.

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3.6. In dubio pro misero:

Dedicamo-nos, neste tópico, à análise de um princípio que tem origem

no direito material do trabalho, cujo enorme apelo se justifica em função da

natural desigualdade material existente entre as partes no contrato de trabalho.

O direito material do trabalho foi concebido com a finalidade social de

compensar, por meio de uma desigualdade jurídica criada por lei, a desigualdade

que permeia a realidade econômica das partes contratantes.

Assim, a desigualdade real entre empregado e empregador, haja vista

a distinção de patamar sócio-econômico em que cada um deles se encontra,

acaba por ser mitigada pelo tratamento jurídico desigual destinado pela

legislação, de modo a preservar o sentido teleológico do direito do trabalho e os

valores humanos que nele estão contemplados.

Do estudo do princípio da proteção, em seu desdobramento in dubio

pro operario, depreendemos que se trata de uma das expressões do princípio da

igualdade, tão caro pela Constituição Federal, art. 5º, inciso II.

O desequilíbrio sócio-econômico, o desemprego estrutural e o desnível

cultural entre empregado e empregador acabam por justificar o tratamento legal

diferenciado e protecionista ao trabalhador, sendo ideal de justiça a

compensação das desigualdades naturais das partes a quem a norma legal se

destina.

Neste contexto foi criado o direito do trabalho, com a finalidade de

atenuar a desigualdade econômica real existente entre as partes, estabelecendo

um arcabouço jurídico apto a minimizar tal desequilíbrio, razão pela qual as

normas que lhe informam são naturalmente mais favoráveis e protecionistas ao

empregado.

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Por conseguinte, o intérprete da norma trabalhista, em caso de

perplexidade, dúvida quanto ao seu real alcance, também deve se socorrer de tal

princípio em sua aplicação, ou seja, a interpretação da regra jurídico-laboral deve

levar a uma solução mais favorável ao empregado, sobretudo porque a legislação

especializada toca diretamente a direitos humanos do trabalhador. 69

Trasladado tema para o campo do processo do trabalho e, mais

especificamente, para o ambiente da instrução probatória, verificamos que a

aplicabilidade do princípio não encontra solução uniforme entre os estudiosos da

matéria.

Oportuno destacar, preliminarmente, a conclusão do IV Congresso

Ibero-Americano de Direito do Trabalho e Previdência Social (1972): “O princípio

in dubio pro operario incide nos processos trabalhistas, quando no espírito do

julgador não exista uma convicção derivada de análise das provas produzidas”70.

Em que pese a conclusão extraída no referido Congresso de Direito do

Trabalho, observamos que a doutrina tem se mostrado bastante dissonante.

Defendem sua extensão ao processo do trabalho, notadamente à

instrução probatória, dentre outros, os juristas Américo Plá Rodriguez, Santiago

Rubistein, Cesarino Júnior, Wagner Giglio, Carlos Alberto Reis de Paula e Carlos

Henrique Bezerra Leite.71

Plá Rodriguez, ao se debruçar sobre a questão, demonstrou

comedimento; defendeu a aplicação do referido princípio em matéria de prova,

69 “Não se trata de corrigir a norma, nem sequer integrá-la: somente cabe utilizar esta regra quando existe uma norma e

unicamente para determinar-lhe o verdadeiro sentido, entre os vários possíveis”. Ob. cit., p. 47.

70 Apud TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio, A prova no processo do trabalho, p. 151.

71 RODRIGUEZ, Américo Plá, ob. cit., p. 47; RUBINSTEIN, Santiago, “Fundamientos para la vigência del principio in dubio

pro operário”, na revista argentina “Derecho Laboral”, t. XIV, pág. 602, 1972, apud Plá Rodriguez, ob. cit., p. 47;

CESARINO JÚNIOR, Direito processual do trabalho, p. 38, apud TEIXEIRA FILHO, A prova no processo do trabalho, p.

151; GIGLIO, Wagner, Direito processual do trabalho, pp. 66-67; PAULA, Carlos Alberto Reis de, A especificidade do ônus

da prova no processo do trabalho, pp. 143-145; LEITE, Carlos Henrique Bezerra, Curso de direito processual do trabalho,

pp. 85-87.

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todavia, apenas no que tange à interpretação e à valoração do alcance da prova

já produzida no processo, e jamais no sentido de suprir deficiência probatória em

favor daquele que deixou de produzi-la, quando tinha o ônus de fazê-lo.

No magistério do mestre uruguaio:

“A nosso juízo, cabe aplicar a regra dentro desse âmbito em casos de

autêntica dúvida, para valorar o alcance ou o significado de uma prova.

Não para suprir omissões, mas para apreciar adequadamente o

conjunto dos elementos probatórios, tendo em conta as diversas

circunstâncias do caso”.72

Coqueijo Costa também comungou do mesmo posicionamento,

defendendo a incidência do princípio à esfera processual, em razão da relação de

instrumentalidade que guarda com o direito material do trabalho:

“O processo não é um fim em si mesmo, mas o instrumento de

composição de lides, que garante a efetividade do direito material. E

como este pode ter natureza diversa, o direito processual, por seu

caráter instrumental, deve saber adaptar-se a essa natureza diversa”. 73

Segundo esta corrente de pensamento, tal qual na relação de direito

material (contrato de trabalho), há evidente desigualdade entre as partes também

no processo do trabalho, desequilíbrio este que deve ser superado pelo

tratamento desigual entre os litigantes, bem como pela adequada interpretação

da prova produzida em instrução, em caso de fundada dúvida, em favor do

empregado.

72 Ob. cit., p. 48.

73 COSTA, Coqueijo, Direito processual do trabalho, p. 5.

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Este entendimento está sedimentado, dentre outros fundamentos, na

“instrumentalidade do processo”74, quando então o direito processual acaba por

adaptar-se e amoldar-se às peculiaridades e às necessidades da relação de

direito material, visando a conferir efetividade ao direito substancial, ao atender à

sua finalidade social, como preleciona Bedaque:

“A natureza instrumental do direito processual impõe sejam seus

institutos concebidos em conformidade com as necessidades do direito

substancial. Isto é, a eficácia do sistema processual será medida em

função de sua utilidade para o ordenamento jurídico material e para a

pacificação social”.75

Transportando a idéia de instrumentalidade para a seara do processo

do trabalho, destacam-se as ponderações de Francisco Rossal de Araújo:

“O processo deve se adaptar ao direito material sobre o qual opera. (...)

Se o Direito do Trabalho possui características e princípios próprios, por

decorrência o Processo do Trabalho também os terá, realizando a

adaptação teleológica mencionada no parágrafo anterior. Se no Direito

do Trabalho opera o princípio da proteção, também no Processo do

Trabalho ele operará, realizando-se as necessárias adaptações e

adequações aos outros princípios do processo. A boa regra de

prudência aconselha que não é a lide que deve adaptar-se ao processo,

mas a estrutura do processo que deve adaptar-se à natureza da lide. É

certo que não podem ser abandonadas no Processo do Trabalho as

conquistas fundamentais do processo, como o Juiz natural, o direito de

defesa, o contraditório, a simetria ou igualdade de oportunidades às

74 Título da obra com que Cândido Rangel Dinamarco adquiriu assento na cadeira de Direito Processual na FADUSP.

75 BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Direito e processo, p. 17.

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partes. Mas essas garantias deverão ter um novo enfoque, não mais

puramente individualista, mas sim de garantias sociais”. 76

Considerando que o processo não é um fim em si mesmo, mas um

mecanismo utilizado para a obtenção de um bem maior, que é a plena realização

do direito e, com isso, a justa composição do litígio, somente será atingida a sua

finalidade quando as partes na relação processual puderem “lutar com as

mesmas armas”.

As desigualdades naturais existentes entre os litigantes -

desigualdades estas que também se fazem sentir no processo, notadamente em

razão da dificuldade daquele que não detém os meios de obter a prova de seu

direito – somente restam mitigadas pela aplicação do princípio in dubio pro

operario à interpretação da prova produzida, nas hipóteses em que houver

perplexidade e dúvida razoável quanto ao material probatório colhido, ou seja, em

casos de prova efetivamente dividida ou empatada.77

Não se trata de proteção injustificada a uma das partes, porquanto o

que se deve ter em mente é a idéia da justiça social, sendo esta atingida apenas

quando o processo demonstrar adequação aos propósitos e às demandas do

direito substancial a quem serve de instrumento de concretização.

Tendo em vista que o escopo social do processo é a pacificação do

conflito com justiça, a eficácia da prestação jurisdicional está diretamente

vinculada à utilidade da relação processual para a plena efetivação do direito

material e dos direitos e valores humanos por ele representados, sendo esta a

76 ARAÚJO, Franciso Rossal de, Princípios de processo do trabalho, Revista Síntese Jurídica, Porto Alegre, n. 108,

maio/1998, p. 130 et seq., apud BEZERRA LEITE, ob. cit., p. 557.

77 Exemplo desta situação é a hipótese em que o empregado alega que recebia apenas gorjetas de clientes, trazendo aos

autos prova documental do fato; o empregador, por sua vez, também carreia os recibos de pagamento, pretendendo provar

que o trabalhador recebia salário fixo apenas; na valoração dos documentos carreados, segundo a corrente de

pensamento que defende a aplicação do princípio in dubio pro misero à matéria de prova, o magistrado deveria decidir em

favor do empregado, conferindo valor suficiente à prova por ele produzida para a demonstração de suas alegações.

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finalidade social do processo, sobretudo na seara trabalhista (Lei de Introdução

ao Código Civil, art. 5º).

Foi o que o Carlos Alberto Reis de Paula denominou de “princípio da

adequação”, associando-o à relação de instrumentalidade existente entre direito

material e processual, a justificar a aplicação do princípio in dubio pro operario

em matéria de valoração probatória, consoante ilações transcritas:

“A adequação significa uma comunhão entre o direito material e o

direito instrumental. Consagra esse princípio, de forma tácita, PAULO

EMÍLIO RIBEIRO VILHENA quando estabelece que ‘o princípio básico

que, no consenso dos autores, domina o Direito do Trabalho, é o

princípio pro operario. Daí vem a parêmia in dubio pro misero. Em caso

de dúvida, o juiz decide pelo trabalhador. Quer-se, com isto, salientar

que a ordem jurídica, ao organizar, em apartado, as relações entre

empregado e empregador, teve em vista, primordialmente, a tutela do

trabalhador.’ ” 78

Como o espírito da norma substancial trabalhista destina-se ao fim de

proteção ao empregado, que se encontra em situação real menos favorecida que

o empregador, natural que no processo seja conferido tratamento jurídico

compatível com a desigualdade real dos litigantes, transparecendo ser mais

favorável ao trabalhador, sendo esta a tônica a nortear a interpretação da lei

processual.

Neste sentido, merece destaque o estudo feito por Humberto Theodoro

Júnior, em que trata o princípio da “finalidade social” como um dos vetores do

direito processual do trabalho:

“o primeiro e mais importante princípio que informa o processo

trabalhista distinguindo-o do processo civil comum, é a finalidade social,

78 PAULA, Carlos Alberto Reis, A especificidade do ônus da prova no processo do trabalho, pp. 120-121.

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de cuja observância decorre uma quebra do princípio da isonomia entre

as partes, pelo menos em relação à sistemática tradicional do direito

formal”.79

E mais adiante, na mesma obra, fiando-se nas lições do juslaboralista

mexicano Nestor de Buen, Theodoro Júnior reverencia a relação de

instrumentalidade entre o direito processual e o direito material do trabalho,

sempre com vistas à realização do escopo social da norma:

“Em primeiro lugar, é obvio que tanto o direito substantivo como o

processual intentam a realização da justiça social. Para esse efeito,

ambos estimam que existe uma evidente desigualdade entre as partes,

substancialmente derivada da diferença econômica e, como

conseqüência, cultural, em que se encontram. Em virtude disso a

procura da igualdade como meta. O direito substantivo, estabelecendo

de maneira impositiva, inclusive acima da vontade do trabalhador,

determinados direitos mínimos e certas obrigações máximas. O direito

processual, reconhecendo que o trabalhador deve ser auxiliado durante

o processo pela própria autoridade julgadora, de maneira que, no

momento de chegar o procedimento ao estado de solução, a aportação

processual das partes permita uma solução justa”80.

No mesmo diapasão, o jurista Cesarino Júnior, prestigiando a

finalidade social do direito do trabalho e defendendo a aplicação do princípio da

proteção ao processo do trabalho, notadamente em matéria de valoração da

prova, assim concluiu:

79 “Os princípios do processo civil e do processo do trabalho”, in BARROS, Alice Monteiro de (coordenadora), Compêndio

de direito processual do trabalho: obra em homenagem a Celso Agrícola Barbi, 2001, p. 62.

80 “Os princípios do processo civil e do processo do trabalho”, in BARROS, Alice Monteiro de (coordenadora), Compêndio

de direito processual do trabalho: obra em homenagem a Celso Agrícola Barbi, 2001, p. 62.

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“Na dúvida, isto é, quando militam razões pró e contra, é razoável

decidir a favor do economicamente fraco, num litígio que visa, não

satisfazer ambições, mas a prover às necessidades imediatas da vida.

Isto é humano, isto atende ao interesse social, ao bem comum. Nada

tem de ousado, ou de classista. Classista seria sempre decidir a favor

do empregado, com dúvidas ou sem dúvidas, com a lei, sem a lei ou

contra a lei. (...) Assim, o elemento ético-social, concretizado na tutela

razoável do trabalhador, contribui para uma solução humana e justa.” 81

A própria jurisprudência trabalhista criou presunções em favor do

empregado, transferindo para o empregador o ônus da prova para rechaçá-las,

conforme verificamos, ilustrativamente, da leitura das Súmulas 212 e 338 do C.

TST.82

Para considerável parcela da doutrina, portanto, o princípio não deve

apenas servir de referência ao legislador e ao intérprete da norma processual em

caráter geral. Deve também migrar para o campo específico da instrução

probatória, notadamente no que concerne à valoração da prova, nos casos de

dúvida razoável do julgador ante o material probatório produzido nos autos, não

servindo, porém, para suprir omissão da parte que, por negligência ou interesse,

deixou de demonstrar um determinado fato que abonava seu direito.

Por outro lado, há aqueles que, invocando fundamentos jurídicos não

menos respeitáveis, se opõem diametralmente à incidência deste princípio à

81 CESARINO JÚNIOR, Direito processual do trabalho, p. 38, apud TEIXEIRA FILHO, ob. cit., p. 151.

82 S. 212: “O ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviços e o

despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao

empregado”.

S. 338: “I - É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho na

forma do art. 74, par. 2º, da CLT. A não-apresentação injustificada dos controles de freqüência gera presunção relativa da

veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário”; II (..); III – Os cartões de ponto que

demonstram horários de entrada e saída uniformes são inválidos como meio de prova, invertendo-se o ônus da prova,

relativo às horas extras, que passa a ser do empregador, prevalecendo a jornada de inicial se dele não se desincumbir”.

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instrução probatória, destacando-se, dentre eles, Manoel Antonio Teixeira Filho,

Francisco Antonio de Oliveira, Ari Possidônio Beltran e Júlio César Bebber83.

Para referidos juristas, o julgamento deve ser lastreado no “ônus da

prova” e na valoração dos elementos de convicção coligidos aos autos, tanto nos

casos de prova deficiente (falta ou insuficiência), como em se tratando de

hesitação do julgador ante a prova recíproca produzida (situação em que as duas

partes se desincumbem do ônus da prova).

Na hipótese de deficiência da prova, a solução parece mais simples,

eis que o julgamento será fundamentado, sem grande dificuldade, nas regras que

disciplinam a distribuição do encargo da prova. Quem deveria prová-lo e não o

fez, será sucumbente no objeto da demanda.

De outra banda, o julgamento deverá pender em favor daquele que

produziu a melhor prova, devendo o magistrado sopesar todos os elementos dos

autos em seu conjunto, pautando-se no princípio da persuasão racional, quando

se tratar de prova “dividida”.

É consenso, portanto, entre aqueles que repudiam a aplicação do

princípio em matéria de prova, o entendimento de que o princípio in dubio pro

misero não encontra ambiente fértil sequer em se tratando de prova dividida,

aquela que provoca dúvida na cognição do julgador ante a prova recíproca

produzida.

Isto porque, a referida perplexidade do juiz, ante a prova colhida, é

fator extremamente subjetivo e próprio de cada magistrado, não refletindo,

portanto, efetiva divisão da prova (no sentido objetivo), razão pela qual não se

justificaria a interpretação em favor do empregado, sob pena de sacrificar a

imparcialidade do julgador.

83 TEIXEIRA FILHO, ob. cit., pp. 151-153; OLIVEIRA, A prova no processo do trabalho, p. 72; BELTRAN, Dilemas do

trabalho e do emprego na atualidade, pp. 83-88; BEBBER, Processo do trabalho – temas atuais, pp. 47-55.

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Ademais, ainda no entendimento desta segunda corrente doutrinária,

julgamento neste sentido careceria de tecnicidade, eis que refletiria atitude

subjetiva e tendenciosa do julgador em favor do empregado, sendo que o

princípio em voga deveria, segundo enfatizado por Teixeira Filho, restringir-se a

dois únicos fins: servir de fonte inspiradora para o legislador (função informativa

do princípio); ou auxiliar o julgador na interpretação das normas legais de direito

material e de direito processual que eventualmente gerem dúvida quanto ao seu

sentido e ao seu alcance (função interpretativa).

Júlio César Bebber considera que o princípio em debate somente

poderia servir de critério de hermenêutica, a fim de auxiliar o intérprete a alcançar

a finalidade social a que a norma se destina. Não se estenderia, todavia, ao

campo processual específico da valoração da prova pelo julgador, que deve se

pautar “rigorosamente pelo critério igualitário, onde não se estabelecem

quaisquer diferenças quanto ao nível econômico e social das partes, de modo

que tudo deva ser resolvido à luz do onus probandi (CLT, art. 818)” 84.

No mesmo sentido, merece destaque a conclusão do jurista argentino

Benito Pérez que, a partir de análise da jurisprudência de seu país, defendeu que

o juiz não poderia suprir deficiência de prova por meio da aplicação do referido

princípio e, por conseguinte, decidir a favor do trabalhador: “Uma coisa é a

interpretação da norma para valorar seu alcance e outra muito diferente é a

apreciação de um meio de prova para decidir a litis” 85.

Como visto, a aplicação do princípio in dubio pro operario na valoração

da prova encontra bastante resistência na doutrina, sendo também vacilante a

jurisprudência de nossos Tribunais a respeito do tema, conforme se observa do

cotejo entre as ementas abaixo transcritas, extraídas da obra de Bezerra Leite86:

84 BEBBER, Processo do trabalho – temas atuais, p. 53.

81 “O princípio in dubio, pro operario é inaplicável em matéria de prova”, revista Trabajo y Seguridad Social, Buenos Aires,

Nov/1973, t. 1, pp. 56 e segs., apud RODRIGUEZ, Américo Plá, Princípios de direito do Trabalho, p. 47.

82 LEITE, Carlos Henrique Bezerra, Curso de direito processual do trabalho, pp. 557-558.

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“PROVA – CONVICÇÃO LIVRE DO JUIZ – PROVA EMPATADA –

APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO MISERO – Luiz de Pinho

Pedreira da Silva anota na avaliação do princípio interpretativo do

Direito do Trabalho, que sua singularidade está em ‘que ele constitui a

inversão de seu congênere do direito comum, pois enquanto neste o

favor, em caso de dúvida, é pelo devedor e pelo réu’, no Direito especial

do trabalho, conclui, ‘se faz na mesma situação, em benefício do

empregado, que normalmente é credor e autor’. Havendo paridade de

provas, ou ‘prova empatada’, escreve Pinho Pedreira, pelas maiores

dificuldades com que arca o empregado para a produção de provas,

numa situação como esta, a dúvida gerada no espírito do julgador há de

ser dirimida pro operario (Principiologia do Direito do Trabalho, LTr,

1999, págs. 42/58)” (TRT 2ª R. – RO 19990472559 – (20000640624) 8ª

T. – Rel. Juiz Jose Carlos da Silva Arouca – DOESP 16.1.2001).

“RELAÇÃO DE EMPREGO – BÓIAS-FRIAS – EXISTÊNCIA –

Presentes os pressupostos caracterizadores dos arts. 2º e 3º,

consolidados, mister reconhecer existência de vínculo empregatício

entre as partes litigantes, já que, em se tratando de relação de trabalho,

o importante é pesquisar a realidade fática. Há que prevalecer a

essência em detrimento da forma, em virtude do princípio da primazia

da realidade. Havendo dúvida quanto as repercussões sociais da

decisão, impera a regra in dubio pro misero” (TRT 3ª R. – RO 7298/96 –

2ª T. – Rel. Juiz Michelangelo Liotti Raphael – DJMG 31.1.1997).

“DIFERENÇA SALARIAL – ÔNUS DA PROVA – INDEFERIMENTO –

Alegando a reclamante que exercia outra função, negada pela

reclamada, o ônus da prova torna-se exclusivamente seu, não devendo

ser aplicado o princípio do in dubio pro misero, em razão de não ser

mais tolerado no Direito moderno. Não trazendo a reclamante prova

documental ou testemunha amparando sua pretensão, exclui-se da

condenação o pleito de diferença salarial. Recurso provido

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parcialmente”. (TRT 13ª R. – RO 198/2001 – (62736) – Rel. Juiz Aluisio

Rodrigues – DJPB 20.4.2001).

“APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO MISERO – Ao julgador

cabe aplicar o princípio in dubio pro misero no momento da

interpretação da lei, e não da prova dos autos. Somente assim estará

fazendo justiça sem o risco de utilizar-se de casuísmos”. (TRT 9ª R. –

RO 4.445/99 – Ac. 23. 803/99 – 5ª T. – Rel. Juiz Arnor Lima Neto –

DJPR 15.10.1999).

Após profunda reflexão acerca dos fundamentos das duas correntes,

tendo em vista que os escopos do processo são a revelação da verdade e a plena

realização dos ideais de justiça, razão pela qual a finalidade social deve ser uma

das premissas a nortear o julgador na entrega da prestação jurisdicional (CF,

artigos 1º, IV e 3º, I; LICC, artigo 5º), concluímos que não se pode negar que o

princípio in dubio pro operario, desde que corretamente ministrado, é medida

salutar e que, portanto, pode auxiliar o magistrado na valoração da prova

produzida nos autos, ante fundada dúvida que impeça a formação de sua

convicção.

Registre-se, por oportuno, que não se pretende aqui desconsiderar as

normas de distribuição do ônus da prova como regras de julgamento, mas apenas

esclarecer que o princípio em referência pode ser aplicado como hábil

instrumento a dirimir dúvida objetiva na interpretação da prova produzida pelas

partes, caso esta seja “hesitante” e “conflituosa”, auxiliando e coadjuvando na

formação da cognição do magistrado, ante o estado de perplexidade daí gerado.

Nesta toada, mais uma vez pertinentes as preleções de Coqueijo Costa:

“No processo do trabalho, dividida a prova, decide-se em favor do empregado, por

força do princípio in dubio pro operário (Ac. 5ª Região, 274/74, Pinho Pedreira)”.87

87 COSTA, Coqueijo, Direito judiciário do trabalho, pp. 286-287.

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Importante frisar, todavia, que o princípio não encontra acolhida, no

nosso sentir, com o propósito de suprir deficiência de prova (insuficiência ou falta

de prova), ocasião em que as regras sobre ônus da prova devem nortear o

julgamento, conforme bem ponderado por Carlos Alberto Reis de Paula na obra já

mencionada:

“No campo da valoração da prova, sustentamos que o princípio tutelar

se aplica quando a prova é insuficiente ou se apresenta dividida. Não

se trata de um princípio que será aplicado simplesmente para suprir

deficiências probatórias no processo, área específica do ônus da

prova”88.

É cabível, destarte, apenas como último recurso de julgamento de que

deve lançar mão o magistrado, após esgotar todos os meios para bem valorar a

prova (máximas de experiência, indícios, presunções e ponderação de todas as

provas à luz das regras do ônus da prova), sob pena de restarem comprometidos

seus próprios fundamentos.

A regra in dubio pro misero, assim, encontra ambiente fértil em matéria

de prova, em razão da desigualdade material havida entre as partes a refletir na

relação processual, como também em função da instrumentalidade que deve

haver entre o processo e o direito substancial.

Salutar, portanto, a incidência do princípio nesta seara do direito

processual, observados os limites de aplicabilidade já referidos, eis que ao assim

agir, o julgador orienta suas razões de decidir segundo a finalidade social do

direito, resgatando a igualdade ideal que deveria haver entre os litigantes e, por

conseguinte, garantindo efetividade à prestação jurisdicional como primado de

justiça.

88 PAULA, Carlos Alberto Reis, A especificidade do ônus da prova no processo do trabalho, p. 145.

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3.7. Iniciativa oficial na instrução e livre investigação da prova:

Os dois princípios enunciados devem ser analisados em cotejo com os

princípios dispositivo e inquisitivo.

O princípio dispositivo, que em sua plenitude atribui às partes ampla

iniciativa para todos os atos do processo, não somente no que diz respeito à

postulação, como também ao desenvolvimento da relação processual -

delimitação da prova e sua produção em juízo -, paulatinamente foi cedendo

espaço a um modelo processual em que o princípio inquisitivo passou a ganhar

campo e, com ele, a atuação ex officio do julgador.

Não se pretende dizer com isso que o princípio dispositivo tenha sido

totalmente superado pelo modelo jurídico-processual vigente em nosso país. Pelo

contrário, apenas houve uma mitigação da regra que anteriormente vigorava no

sentido de restringir todos os atos processuais, inclusive no que tange à

produção de provas, ao interesse privado das partes.

A propósito, o processo civil atual acolheu o princípio dispositivo quanto

à iniciativa das partes de postular e alegar exceções, delimitar o objeto da

demanda para efeito de instrução probatória, como também ao vincular o

julgamento aos fatos alegados pelos litigantes (princípio da demanda).

Quanto à investigação e colheita de provas, porém, passou a conferir

ao juiz ampla liberdade na direção do processo e na investigação das provas

para a busca da verdade (art. 130, CPC, c/c art. 765, CLT), aproximando-o

sobremaneira do modelo inquisitório.

José Roberto dos Santos Bedaque, ao comentar o art. 130 do CPC,

assim ponderou:

“No que se refere à participação do juiz na formação do conjunto

probatório, o CPC brasileiro adotou, sem qualquer sombra de dúvida, o

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modelo europeu-continental do ‘inquisitorial system’, repelindo o

‘adversarial system’ do sistema anglo-saxão” 89.

O julgador, portanto, deixou de ser mero espectador da relação

processual, em que lhe era reservada atuação apenas ao final da demanda,

decidindo exclusivamente a partir dos elementos trazidos pelas partes ao longo

da contenda, sem qualquer preocupação com o interesse social maior do Estado

(e superior ao interesse individual das partes) da justa pacificação do conflito.

Sob forte influência de Chiovenda, a partir do final do século XIX, o

processo adotou tendência moderna de publicização, em que o interesse público

no restabelecimento da verdade passou a preponderar sobre o interesse privado

das partes.

Neste sentido, oportunas as lições de Cintra, Grinover e Dinamarco:

“Todavia, diante da colocação publicista do processo, não é mais

possível manter o juiz como mero espectador da batalha judicial.

Afirmada a autonomia do direito processual e enquadrado como ramo

do direito público, e verificada a sua finalidade preponderantemente

sócio-política, a função jurisdicional evidencia-se como um poder-dever

do Estado, em torno do qual reúnem os interesses dos particulares e

do próprio Estado” 90.

Imbuído deste espírito inovador e voltando-se para as novas

tendências do processo publicista, o legislador procurou dotar o juiz de amplos

poderes instrutórios, não vinculando-o à mera atividade dos litigantes no sentido

89 Apud MARCATO, Antonio Carlos (coordenação), Código de processo civil interpretado.

90 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel, Teoria Geral do

Processo, 64.

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de coligir aos autos apenas as provas dos fatos controvertidos que melhor se

adequassem aos seus interesses.

Confiar a solução do processo somente aos interesses dos

contendores implica comprometer, muitas das vezes, o escopo da jurisdição e a

boa administração da justiça, o que se mostra incompatível com finalidade social

do processo contemporâneo.

O fato de o julgamento ter que se delimitar ao que restou provado não

significa, todavia, restringir a colheita das provas necessárias ao justo deslinde do

feito unicamente à iniciativa das partes.

Cabe notar que o direito processual atual, visando à plenitude do

devido processo legal e à administração adequada da justiça, tem superado

antigos dogmas que restringiam excessivamente a iniciativa oficial em matéria de

instrução probatória.

O juiz, portanto, segundo a ótica publicista hodierna, não deve

permanecer inerte na perquirição da verdade, sendo que as regras sobre

distribuição do ônus da prova devem atuar, conforme melhor será estudado no

capítulo próprio, na fase de julgamento, e não como instrumento inibitório da

iniciativa oficial durante a instrução, sem que, com isso, fique prejudicada a

imparcialidade do julgador.

O próprio ordenamento jurídico estabelece parâmetros que permitem

ao juiz determinar provas necessárias à elucidação dos fatos, complementar a

atividade das partes (inclusive por meio de acareação de testemunhas e partes,

realização de inspeção judicial, determinação de nova perícia, oitiva de

testemunhas referidas, requisição de documentos a órgãos oficiais91,

determinação de exibição de documentos pelas partes e por terceiros etc).

91 A propósito, a atividade instrutória do juiz no processo moderno tem sido bastante ostensiva. Demonstração disso é

convênio firmado entre o Judiciário e órgãos oficiais, como o Banco Central, a Receita Federal, os cartórios extrajudiciais,

possibilitando ao juiz, por meio eletrônico, ter acesso às informações necessárias da parte.

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E no processo do trabalho a atuação oficial ocorre de forma ainda mais

acentuada, seara em que o princípio dispositivo, em matéria de provas, cede

passo à intervenção ostensiva do julgador, em busca da elucidação da verdade.

O modelo processual trabalhista, vanguardista, a propósito, sempre se

mostrou mais afinado à visão publicista do processo (tendência mais moderna

encampada pela lei processual civil atual), aproximando-se do modelo

inquisitório, notadamente em se tratando de instrução probatória.

Sem a intenção de esgotar o tema neste item, esclarecemos, por fim,

que a temática relativa à atividade instrutória do juiz e à dicotomia entre os

princípios dispositivo e inquisitório será retomada no capítulo “8”.

3.8. Imediatidade na colheita da prova:

O referido princípio diz respeito à participação pessoal e direta do juiz

na instrução processual, dirigindo a atividade de colheita da prova.

No processo do trabalho a produção da prova se concentra, via de

regra, em audiência, ocasião em que são colhidos pessoalmente pelo julgador o

interrogatório das partes, os testemunhos e ouvidos os esclarecimentos do perito

(CPC, artigos 344, 410 e 446, inciso II; CLT, artigo 820).

O princípio da imediatidade ou imediação tem particular relevância no

processo do trabalho, por ser norteado pelos princípios da oralidade e da

concentração dos atos em audiência.

É por meio da oralidade e da imediatidade na colheita da prova que se

consagram a busca e o alcance da verdade, garantindo, destarte, efetividade à

prestação jurisdicional e harmonia social, escopo maior do processo.

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O contato direto e imediato do magistrado com a produção da prova,

sem intermediários, sobretudo ao analisar a forma como as partes e as

testemunhas depõem, como se comportam frente às perguntas que lhe são

feitas92, são fatores que influenciam diretamente na justa composição do litígio e

na ideal administração da justiça.

Nas lições lapidares de Teixeira Filho, “Esse princípio, segundo informa

Pestana de Aguiar (ob. cit., pág. 45), está, há muito, consagrado na doutrina

alemã (“Unmittelbarkeit”) e foi subdividido por Goldschmidt em dois outros: a) sob

o ângulo subjetivo ou formal, temos o que estabelece deva o Juiz manter

contacto pessoal e imediato com os meios de prova, sobretudo o oral; b) sob o

ângulo objetivo ou material, temos o que preconiza que os meios probantes

devem estar, o quanto possível, mais próximos da percepção sensorial do Juiz e

das partes” 93.

A imediatidade, assim, poderia ser entendida também como um

controle de ordem moral dos atos praticados perante o julgador, que “filtraria” as

provas produzidas, como também, dirigindo de forma direta os demais atos

praticados ao longo da relação processual e evitando provas inúteis, garantiria a

justa, eficaz e célere composição do litígio.

Como bem ponderado por Souto Maior, “...pode-se dizer que a

imediatidade permite um maior controle moral dos atos praticados em juízo. Os

92 A prova oral e a imediatidade na produção da prova possibilitam que o magistrado colha, no momento em que inquire

diretamente as partes e as testemunhas, todas as impressões necessárias à busca da verdade. Exemplo disso, e que tem

se mostrado comum na praxe forense, é o comportamento de determinadas testemunhas que, antecipando respostas

acerca de fatos que sequer foram objeto de pergunta do juiz, demonstram evidente intenção de favorecimento de uma das

partes, o que fragiliza o valor de seu depoimento, considerado no contexto. Por outro lado, a imediatidade também

possibilita que o magistrado diferencie o comportamento de uma testemunha que, ante a solenidade do ato e por ser a

primeira vez que comparece a juízo, mostra-se naturalmente insegura, e, por outro lado, da conduta confusa, embaraçada,

precipitada e descompromissada de outra testemunha que, da forma como depõe e se comporta frente às perguntas que

lhe são feitas, demonstra faltar com a verdade.

93 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio, A prova no processo do trabalho, p. 75.

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homens – dizia Ossorio y Gallardo – têm duas ordens morais, à semelhança dos

meninos: “uma para quando nos vêem, outra para quando não nos vêem” 94.

No contexto contemporâneo do processo, ganha especial importância a

figura do juiz participativo, que não somente dirige pessoalmente a atividade

instrutória (CPC, artigos 130 e 336; CLT, art. 765), como também fiscaliza

diretamente os atos praticados pelas partes, coibindo abusos, protelações,

deferindo ou indeferindo produção de provas e determinando diligências

complementares para melhor elucidação da verdade, visando à entrega, com

eficácia, da prestação jurisdicional.

Questão relevante que deve ser também superada diz respeito à

sustentação do princípio em referência frente à prova produzida por carta

precatória, inclusive a prova oral.

Importante ponderar que a imediatidade não fica prejudicada quando a

prova, mesmo a oral, for colhida por outro juízo diverso daquele que dirige a

relação processual, por meio de carta precatória, rogatória ou de ordem (CPC,

artigos 202, 338, 410, II)

Isto porque o juiz deprecado passará a atuar, na colheita daquela

determinada prova cujo ato judicial foi deprecado, como o magistrado

responsável pela causa, naquele momento processual, assumindo a direção do

processo para a produção daquele ato a ele confiado.

Neste sentido leciona Isis de Almeida:

“Essa imediatidade continua existindo mesmo quando não é o próprio

juiz da causa quem está presente na audiência, ou seja, quando a

prova houver de produzir-se fora da jurisdição da demanda, casos e

quem ela é colhida pelo juiz da localidade em referência, por meio da

94 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz, Direito processual do trabalho, p. 70, citando Eduardo Couture, “Oralidade e regra moral no

processo civil”, in Processo oral, Rio de Janeiro, Forense, 1940.

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carta precatória, rogatória ou de ordem (v. arts. 338, 410, II, 202, par. 1º

e 2º, e outros do CPC)”. 95

Por conseguinte, ao ouvir uma testemunha, o deprecado deverá, tal

como o seria com o juízo deprecante, agir de forma pessoal na produção desta

prova oral, colhendo do depoimento todas as impressões necessárias à busca da

verdade, fazendo constar no termo de audiência, da forma mais fidedigna

possível, não somente as respostas dadas pela testemunha ouvida, como

também eventual comportamento inadequado da mesma, desde que essencial à

valoração do testemunho prestado para auxiliar na formação da cognição do

julgador.

3.9. Identidade física do juiz:

Este princípio guarda estreita relação com a imediatidade ou imediação

do juiz na instrução probatória, estando também diretamente relacionado com o

princípio da oralidade que rege o processo, sobretudo o processo do trabalho.

Segundo este princípio, o juiz que concluir a audiência de instrução

deve também proferir a sentença, a fim de garantir que o julgado resgate, de

forma fiel, a verdade dos fatos captada pela cognição do magistrado que presidiu

pessoalmente a instrução processual, tendo, portanto, participado diretamente da

produção das provas (art. 132 do CPC).

A vinculação do juiz ao processo em que dirigiu a colheita do material

probatório, notadamente a prova oral, pode render maior segurança e

fidedignidade à decisão judicial em relação à realidade dos fatos.

95 ALMEIDA, Isis de, Manual de direito processual do trabalho, p. 132.

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Isto porque, ao ouvir as partes e as testemunhas em audiência, o juiz

não somente apura os fatos objetivos, como também capta, neste momento,

todos os elementos necessários à valoração das provas produzidas, analisando

detidamente a forma como se comportaram durante os depoimentos, os trejeitos,

as interjeições, a segurança e a certeza com que respondem às perguntas

formuladas pelo ex adverso e pelo próprio julgador.

Análise destes fatos, à luz do conjunto probatório, por outro juiz que

não presidiu a colheita da prova, principalmente a prova oral, poderia gerar

incerteza e insegurança à decisão judicial, eis que o julgador que não dirigiu a

instrução com pessoalidade não consegue, como aquele que dela participou

diretamente, resgatar todos os seus “sentidos”, consistentes nas impressões

obtidas durante a inquirição das partes e testemunhas e na avaliação psicológica

daqueles que depuseram.

Ademais, importante ressaltar que a prova oral, embora da maior

importância para o processo, sobretudo para o processo do trabalho, não deixa

de ser aquela que carrega em seu bojo a maior carga de subjetividade.

Isto porque, não há como negar que os depoimentos colhidos deixam-

se “contaminar” por uma carga psicológica considerável, eis que os fatos que são

transmitidos por meio da prova oral passam pelo crivo do juízo sensorial

daqueles que são inquiridos em audiência.

Por mais fidedigna que seja uma testemunha, por maior que seja a

boa-fé da parte, depõem sobre fatos que passaram por sua percepção, sendo

que esta operação complexa, que se inicia com a captação dos fatos pelo sujeito,

submetendo-se a seu juízo sensorial e findando com o depoimento em audiência,

acaba por contagiar a prova pelas impressões pessoais e pela carga emocional

daquele que viu ou ouviu o fato controvertido.

Nesta toada, entendemos que o juiz que presidiu a audiência de

instrução, ouvindo partes e testemunhas, determinando diligências

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complementares e encerrando a instrução processual, tem melhores condições

para proceder ao julgamento, uma vez que é durante a colheita pessoal da prova

oral que o magistrado percebe inúmeras situações relativas à conduta daqueles

que perante ele depõem, elementos estes que acabam por auxiliá-lo na formação

de seu convencimento.

Por todas estas razões, concluímos ser a identidade física do juiz de

suma importância para o processo, razão pela qual defendemos a sua aplicação

ao processo do trabalho após a extinção da representação classista na Justiça do

Trabalho e, por conseguinte, a instituição dos juízos monocráticos de primeira

instância (Emenda Constitucional 24).

Na situação pretérita que vigorava no modelo trabalhista, dos juízos

colegiados de primeiro grau, não havia qualquer sustentação jurídica para a

aplicação do referido princípio ao processo do trabalho, eis que o julgamento não

era ato monocrático.

No panorama atual, todavia, com o advento da Emenda Constitucional

nº 24 que conferiu nova roupagem aos juízos de primeiro grau, não há mais

porque se aplicar a Súmula 136 do Tribunal Superior do Trabalho96 que, a nosso

ver, se mostra incompatível com a nova estrutura do Judiciário Trabalhista.

Neste sentido, embora de forma minoritária, a jurisprudência trabalhista

já tem acenado nesta direção. Senão, vejamos:

“Recurso ordinário. Prova testemunhal. Valoração. O julgador que

colhe a prova oral e prolata a sentença, em face de sua proximidade

com as partes e testemunhas quando dos depoimentos, encontra-se

em situação privilegiada no que tange à valoração da prova produzida.

Neste compasso, as impressões por ele recolhidas e que firmam seu

convencimento não podem ser menosprezadas. tal máxima ganha

96 Súmula 136 do TST: JUIZ. IDENTIDADE FÍSICA. “Não se aplica às Varas do Trabalho o princípio da identidade física

do juiz”.

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relevância quando se reflete sobre o princípio da identidade física do

juiz para buscar a verdade real, sopesando os fatos para deles extrair

suas conclusões firmando seu convencimento”. 01656-2006-034-01-

00-5. Julgado em 27/11/2007, por unanimidade. Publicação DORJ de

23/01/2008, p. II, S. II, Federal. Relator designado: Desembargadora

Maria José Aguiar Teixeira Oliveira. 8ª Turma 97.

A doutrina também é vacilante acerca do tema, razão pela qual merece

destaque o entendimento vanguardista de Jorge L. Souto Maior, ao encontrar na

oralidade a razão principal para a aplicação inequívoca da identidade física do

juiz. Segundo o jurista, o Tribunal Superior do Trabalho, relativamente à Súmula

136,

“...adotou como regra aquilo que somente por exceção poderia ser

concebido, desconsiderando, por inteiro, o fato de que o procedimento

trabalhista é oral, desmantelando toda a sistemática processual

trabalhista e causando-lhe imensos transtornos no que se refere à sua

celeridade e efetividade” 98.

97 Prevalece, todavia, entendimento em sentido contrário, conforme se observa da leitura das seguintes ementas:

“PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. VARA DO TRABALHO. INAPLICABILIDADE. Nos termos da Súmula 136

do C. TST, não se aplica, no processo do trabalho, o princípio da identidade física do juiz, insculpido no art. 132 do diploma

adjetivo, tendo em vista que o processo trabalhista é informado também pelo princípio da celeridade. Recurso ordinário não

provido, no aspecto”. Recurso Ordinário. Data de julgamento: 29/05/2008. Relator(a): DAVI FURTADO MEIRELLES.

Acórdão nº: 20080463856. Processo nº: 01242-2005-201-02-00-5. Ano: 2007. Turma: 12.

“PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. INAPLICABILIDADE NA JUSTIÇA DO TRABALHO MESMO APÓS A

EXTINÇÃO DA REPRESENTAÇÃO CLASSISTA. A inobservância, no âmbito do Judiciário Trabalhista, do princípio da

identidade física do juiz que, aliás, tem sido paulatinamente mitigado, não fere os princípios de economia e de

concentração processual. Inolvidável a interpretação das regras de proteção ao trabalho, nas suas diretrizes basilares, em

que a informalidade, revestida de absoluta cautela, assume posição de relevância. A característica essencialmente

pragmática permite, por exemplo, que a constatação da inexistência de prejuízo às partes em decorrência da alteração da

presidência da Vara, inviabilize a decretação de nulidade da sentença, de conformidade com o artigo 794 da CLT, que

insculpe o princípio da transcendência norteador das lides trabalhistas”. TRT/SP - 20010262746 - RO - Ac. 2ªT

20030123164 - Rel. MARIANGELA DE CAMPOS ARGENTO MURARO - DOE 08/04/2003

98 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz, Direito processual do trabalho, p. 72.

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Concluímos, portanto, que negar a aplicação princípio da identidade

física do juiz é o mesmo que afastar a finalidade e os efeitos da oralidade e da

imediatidade na colheita da prova.

3.10. Oralidade:

Para melhor compreensão do princípio, iniciaremos o capítulo com

breve e sucinta análise histórica da oralidade na evolução do direito99.

O princípio teve berço no processo romano, circunstância em que o juiz

formava sua livre convicção a partir da observação pessoal e imediata dos fatos e

das provas que lhe eram submetidos, afastando-se de critérios formais e pré-

estabelecidos. O juiz romano julgava de acordo com sua consciência, extraindo a

conclusão dos elementos que lhe eram trazidos, não se prendendo a fórmulas,

nem a convenções preordenadas. Neste contexto, o princípio da oralidade teve

seu primado, possibilitando ao julgador melhor formar sua cognição daquilo que

apreciava diretamente.

Neste período a oralidade estava intimamente associada à

concentração dos atos, à imediatidade, à irrecorribilidade das decisões é à livre

convicção do juiz. Depois de ouvidas as partes, o juiz determinava diligências

para exame da coisa, ouvia testemunhas, procedia a inspeções pessoais,

ponderava os elementos e os indícios e proferia a sentença. As provas deveriam

ser colhidas pessoalmente pelo magistrado. Era defeso às partes interromper a

continuidade dos atos praticados ao longo do procedimento apelando das

decisões interlocutórias proferidas.

Na evolução histórica, sob acentuada influência germânica, formou-se

o processo romano-canônico, que tinha princípios muito diversos daquele modelo

que descrevemos no início. Neste período de profundas transformações, o

procedimento passou a ser caracterizado por uma série de normas formais,

99 CHIOVENDA, Instituições de direito processual civil, pp. 169-208.

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prevalecendo o sistema da prova legal em substituição à livre convicção do

magistrado. A oralidade e todos os paradigmas a ela vinculados, como a

imediatidade, a concentração e a identidade física do juiz, foram suplantados pela

escrita e pela formalidade. Os fatos e as provas não eram mais dirigidos ao

convencimento do magistrado, mas à parte contrária, a natureza pública do

processo não encontrou mais espaço num ambiente em que a relação processual

passou a ser entendida exclusivamente como um conflito de interesses privados.

Durante toda a Idade Média, atingindo a Idade Moderna, prevaleceu o

apego às formalidades, sendo que a escrita predominou nas relações

processuais.

O rompimento deste modelo deu seus primeiros passos com a

renovação dos estudos científicos, a restauração e o fortalecimento da idéia de

Estado (publicistas do século XVIII, como Montesquieu) e, juntamente com tais

ideais, a vinculação do processo com o direito público. Neste contexto foi

restabelecido o princípio da livre convicção do julgador.

Com o objetivo de consagrar os ideais de justiça, celeridade e eficácia

do procedimento, foi resgatada, no período das reformas processuais

empreendidas no século XIX, a oralidade que vigorava no direito romano no

período dos formulários (entre 149 a.C. até o século II d.C.) e da cognitio extra

ordinem (ano 294 a 534 d.C).

Importante notar que nesse movimento evolucionista do processo, a

culminar na redescoberta da oralidade, o que se objetivava era possibilitar que a

entrega da prestação jurisdicional ocorresse em conformidade com a pretensão,

ou seja, a realização da boa e tempestiva justiça.

E para a efetivação de tais objetivos, nada mais adequado do que a

aproximação entre o julgador e a prova, sendo a oralidade o instrumento hábil a

tal fim.

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A história, sobretudo o processo romano nos períodos em que

predominou a oralidade, permite-nos extrair a conclusão de que o processo oral é

o que melhor se adapta às demandas da vida cotidiana, eis que prestigia o

contato direto e imediato do juiz com os elementos necessários ao seu

convencimento.

A colheita da prova oral de forma pessoal pelo próprio juiz

(imediatidade) que irá julgar a causa (identidade física) facilita a aferição da

sinceridade da prova. Por conseguinte, assegura a excelência e a efetividade da

prestação jurisdicional, que podem restar comprometidas no processo

eminentemente escrito, em que a palavra falada e o contato imediato do julgador

com a prova são substituídos pela formalidade das petições e retratação dos

fatos por meio de documentos, tornando fria e distante a realidade ocorrida e que

se pretendia resgatar durante o processo.

Consoante ressaltamos nos itens anteriores, os sinais emitidos pelo

tom e firmeza da voz, a segurança na forma de apresentar e referir-se a certos

fatos, os trejeitos das partes e das testemunhas nos depoimentos são

transmitidos apenas por meio da oralidade, perdendo-se completamente ao

serem reproduzidos pela forma escrita.100

Neste diapasão, Jeremias Bentham prelecionava:

“Não pode o juiz conhecer por suas próprias observações esses

caracteres de verdade tão relevantes e tão naturais que se manifestam

na fisionomia, no som da voz, na firmeza, na prontidão, nas emoções

de medo, na simplicidade da inocência, no embaraço da má-fé; pode-

se dizer que ele cerrou a si próprio o livro da natureza, e que ele se

100 Para o mestre italiano Chiovenda, a oralidade é um princípio “segundo o qual as deduções das partes devem

normalmente fazer-se a viva voz na audiência, isto é, no momento e lugar em que o juiz se assenta para ouvir as partes e

dirigir a marcha da causa”, ob. cit., p. 93.

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tornou cego e surdo em casos nos quais é necessário tudo ver e tudo

ouvir”. 101

Assim, ao defendermos a vantagem da oralidade, notadamente na

instrução probatória, não estamos aqui fazendo mera apologia ao jogo de

palavras e aos debates entre os contendores, nem à eliminação de toda e

qualquer forma escrita de retratação dos atos. O que defendemos, na verdade, é

a prevalência da oralidade enquanto princípio a assegurar a entrega da prestação

jurisdicional eficaz, tempestiva e justa.

A importância do referido princípio, desta feita, além da correlação que

guarda com os princípios da imediatidade, da identidade física do juiz, da

concentração dos atos processuais em audiência e da irrecorribilidade das

decisões interlocutórias102, justifica-se por prestigiar de forma mais célebre,

eficiente e transparente o resgate da realidade dos fatos que se imiscui nas

formalidades do processo tradicionalmente escrito.

Em que pesem os benefícios rendidos pela oralidade ao resultado do

processo, todavia, podemos asseverar que não foi totalmente encampada pelo

direito processual civil brasileiro contemporâneo.

Embora tenha sido, por resultado da grande influência dos

ensinamentos de Chiovenda, acolhida de forma ampla pelo legislador no Código

de Processo Civil de 1939, seus ideais restaram mitigados no Código de

Processo Civil de 1973 (conforme exposição de motivos do Código103),

101 Apud CHIOVENDA, ob. cit., p. 999.

102 SANTOS, Moacyr Amaral, Primeiras linhas de direito processual civil, 2º vol., pp. 85-86.

103 Exposição de Motivos do CPC/73: Capítulo IV, “Do Plano de Reforma”, item II, 13: “O projeto manteve, quanto ao

processo oral, o sistema vigente, mitigando-lhe o rigor, a fim de atender a peculiaridades da extensão territorial do país. O

ideal seria atingir a oralidade em toda a sua pureza. Os elementos que a caracterizam são: a) a identidade da pessoa física

do juiz, de modo que dirija o processo desde o início até o julgamento; b) a concentração, isto é, que em uma ou em

poucas audiências próximas se realize a produção das provas; c) a irrecorribilidade das decisões interlocutórias, evitando

cisão do processo ou a sua interrupção contínua, mediante recursos, que devolvem ao Tribunal o julgamento da decisão

impugnada. (...) Atendendo a estas ponderações, julgamos de bom aviso limitar o sistema de processo oral, não só no que

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notadamente no que diz respeito à concentração dos atos e das provas em

audiência e à irrecorribilidade das decisões interlocutórias.

A propósito, o modelo processual do Código de 1973 resultou num

misto, em que a forma escrita passou a ter presença notável durante as várias

fases do procedimento.

Mesmo não tendo atingido sua plenitude na norma processual civil

positivada, a oralidade provocou, ao longo dos anos que sucederam à entrada

em vigor do CPC de 1973, reação entre os juristas, atentos para sua importância

em relação à efetividade e à celeridade da entrega da tutela jurisdicional. A

doutrina, por conseguinte, retomou os debates acerca da relevância do

procedimento oral, o que culminou em algumas reformas legislativas, sendo seu

maior exemplo a Lei nº 9.099/95, a disciplinar o procedimento dos Juizados

Especiais Cíveis e Criminais.104

Em contraposição ao que ocorreu com o modelo original de processo

adotado pelo CPC de 1973, o direito processual do trabalho trouxe logo em sua

gênese o princípio da oralidade105, tendo a Consolidação das Leis do Trabalho

lhe reservado tratamento especial em matéria de instrução probatória.

Sempre na vanguarda do direito, o processo do trabalho, também no

que refere à oralidade, acabou por influenciar grande parte das reformas havidas

no processo comum, notadamente a Lei dos Juizados Especiais.

Em análise do princípio da oralidade no processo civil, penal e

trabalhista, concluíram Cintra, Grinover e Dinamarco que o último foi o único a

homenagear em sua inteireza o princípio em comento:

toca ao princípio da identidade da pessoa física do juiz, como também quanto à irrecorribilidade das decisões

interlocutórias (...)”.

104 Art. 2º da lei 9099/95 – O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia

processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.

105 Embora não tenha vingado, o Anteprojeto de Código de Processo do Trabalho elaborado e apresentado por Mozart

Victor Russomano, em seu artigo 4º, prestigiava a simplicidade do processo do trabalho, elegendo a oralidade como um

dos mais importantes princípios a reger o procedimento.

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“Já as coisas se passam diversamente no processo trabalhista, que viu

romper com os esquemas clássicos, estruturados para acudir a um

processo de índole individualista e elitista. Correspondendo às

exigências específicas dos trabalhadores, o processo do trabalho

operou importantes modificações em direção a um processo simples,

acessível, rápido e econômico, permeado de verdadeira oralidade, de

publicização e democratização.” 106

A oralidade do processo trabalhista (CLT, artigos 848, 852 e 852-H),

com destaque na fase instrutória e na colheita das provas em audiência (princípio

da concentração), tem por fim garantir a plena realização da justiça social, à

medida que facilita a perquirição da verdade em decorrência da aproximação do

juiz em relação aos fatos e aos elementos necessários à sua cognição.

A predominância da oralidade no procedimento trabalhista justifica-se,

além da concentração dos atos em audiência, da imediatidade do juiz na colheita

da prova e da irrecorribilidade das decisões interlocutórias, também em razão da

íntima relação que mantém com outros princípios que a informam. São eles:

1) princípio do impulso oficial, que na instrução revela-se na livre

investigação das provas e nos amplos poderes instrutórios do juiz;

2) princípio inquisitório, com traços marcantes no processo trabalhista,

notadamente em matéria de produção de provas107.

Neste sentido, merecem destaque as lições de Chiovenda:

“Um processo, portanto, pode diferenciar-se dos outros:

106 CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, ob. cit., p. 326.

107 A iniciativa do juiz em matéria de instrução não prejudica e nem exclui a necessidade das partes na produção das

provas necessárias à demonstração dos fatos que servem de fundamento a suas alegações.

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a) Conforme aplica ou deixa de aplicar, ou aplica em diferente medida,

os princípios (entre si estritamente conexos): da oralidade (...).

(...)

d) Conforme sejam as atividades de simples impulso processual, a

saber, destinadas unicamente a fazer progredir a lide, confiadas às

partes (princípio do impulso processual da parte), ou ao juiz (princípio

do impulso processual de ofício), predominantemente, o segundo, nos

processos orais (adiante, nº 206).

e) Conforme se atribua a coleta do material de cognição (fatos e

provas) exclusivamente às partes (princípio de disposição ou da

iniciativa ou da responsabilidade das partes), ou se admita em maior ou

menor grau a ingerência do juiz nessa operação (princípio inquisitório

ou da iniciativa do juiz); ingerência que só se concebe praticamente no

processo oral (adiante, nº 261).

Por estas razões, concluímos que a oralidade exerce importância

singular na instrução processual, conferindo-lhe utilidade no resgate da verdade

dos fatos e, por conseguinte, assegurando efetividade e credibilidade à decisão.

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4. A IMPORTÂNCIA DA PROVA NO PROCESSO DO TRABALHO

4.1. Verdade real e verdade formal

A análise sobre a importância da prova no processo remete-nos à

reflexão acerca da verdade.

A verdade sempre despertou interesse nas mais diversas áreas da

atuação humana, desde a religião até as artes e a filosofia, tendo alguns filósofos

questionado a sua existência e outros, em contrapartida, sido condenados à

morte por defendê-la e venerá-la, como ocorreu com Sócrates (Platão, Fédon).

Para a ciência jurídica, notadamente no campo processual, a busca da

verdade absoluta diz respeito a um problema de ordem política e social do direito,

e não a uma questão de ordem meramente lógica.

A propósito, embora a verdade retratada nos autos seja a formal

(processual), ou seja, aquela resultante das provas produzidas durante a

instrução e, portanto, regra condicionante do julgamento porque a lei assim o

estabelece (CPC, art. 131), o objetivo maior da instrução processual é a busca da

verdade real (material), isto é, aquilo que efetivamente ocorreu no mundo.

Nas palavras de Nicola Framarino dei Malatesta, “a finalidade suprema

e substancial da prova é a verificação da verdade”. 108

A verdade formal, traduzida pelo objeto provado nos autos, todavia,

nem sempre corresponde à verdade real, embora o processo moderno tenha

108 A lógica das provas em matéria criminal, trad. de Waleska Girotto, Conan, 1995, apud PAULA, Carlos Alberto Reis de,

A especificidade do ônus da prova no processo do trabalho, p. 69.

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munido o juiz de vários instrumentos hábeis a possibilitar a perseguição desta

verdade material109.

E a discrepância verificada na prática entre a verdade processual e a

verdade material deve-se, em muitas das vezes, à atuação das partes, que

negligenciam na demonstração da verdade, ou utilizam de expedientes aptos a

imiscuí-la, razão pela qual a atuação do juiz, na visão moderna publicista

hodierna do processo, passou da posição de mero espectador (princípio

dispositivo) para uma função ativa no resgate da realidade ocorrida (CPC, art.

130; CLT, art. 765)110.

Em que pese a verdade formal vincular as razões do convencimento do

juiz (CPC, art. 131) – a sentença deve, por lei, obediência a esta “verdade” dos

autos -, como bem ponderou Teixeira Filho, “o processo somente atinge, com

plenitude, a sua verdadeira razão teleológica quando a verdade formal coincide

com a real” 111.

Importante esclarecer aqui, até mesmo com a finalidade de servir de

contraponto ao raciocínio e à conclusão que defendemos neste particular, que a

doutrina mais tradicional entende que a convicção do julgador deve contentar-se

com as provas que produzidas nos autos, limitando de certa forma a iniciativa do

magistrado na busca da verdade real.

Para referida corrente de pensamento, o processo deve concluir com

um conhecimento “relativo” dos fatos, sendo que a instrução processual objetiva

apenas resgatar a “verdade histórica” – e não a material -, ou seja, aquela que

encontra limite natural na demonstração dos fatos alegados pelos litigantes nos

autos, possibilitando assim a “tutela dos direitos subjetivos”, conforme

109 Na concepção publicista do processo, a instrução processual atribuiu ao juiz amplos poderes investigativos com a

finalidade maior de conferir credibilidade e respeitabilidade ao processo, enquanto método de efetivação concreta do

direito e de justiça social.

110 BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Poderes instrutórios do juiz.

111 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio, A prova no processo do trabalho, p. 40.

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prelecionava Chiovenda, ou, na lição de Carnelutti, a concreção da “vontade

abstrata da lei”.112

Carlos Alberto Reis de Paula assim analisou a dicotomia entre a

“verdade real e a verdade formal”, correlacionando-as com a finalidade do

processo (pp. 78 e 80): “Na investigação judicial não se buscam verdades

absolutas, mas verdades históricas, limitada à comprovação das afirmações e

dos fatos alegados pelas partes”. E mais adiante arremata: “A verdade

processual é uma verdade histórica, alcançada por um juízo histórico sobre os

fatos ocorridos. O julgado ao dizer que um fato é verdadeiro está simplesmente

consagrando que a prova foi suficiente para lhe dar a certeza do evento”. 113

Humberto Theodoro, buscando solução intermediária, assevera que,

embora o objetivo do processo moderno seja a busca da verdade real, é na

verdade formal, ou seja, aquela advinda da prova dos autos, que o juiz deve

firmar sua convicção, atribuindo às partes o ônus de demonstrar os fatos:

“O processo moderno procura solucionar os litígios à luz da verdade

real e é, na prova dos autos, que o juiz busca localizar esta verdade.

Como, todavia, o processo não pode deixar de prestar a tutela

jurisdicional, isto é, não pode deixar de dar solução jurídica à lide,

muitas vezes esta solução, na prática, não corresponde exatamente à

verdade real. O juiz não pode eternizar a pesquisa da verdade, sob

pena de inutilizar o processo e de sonegar a justiça postulada pelas

partes. (...) Assim, se a parte não cuida de usar das faculdades

processuais e a verdade real não transparece no processo, culpa não

cabe ao juiz de não ter feito a justiça pura, que, sem dúvida, é a

aspiração das partes e do próprio Estado.”114

112 CHIOVENDA, Princípios de derecho procesal civil, Madrid, Réus, I, p. 95; CARNELUTTI, La prueba civil, Depalma, p.

3; apud PAULA, Carlos Alberto Reis de, A especificidade do ônus da prova, p. 67.

113 PAULA, Carlos Alberto Reis de, A especificidade do ônus da prova no processo do trabalho (pp. 78-80).

114 THEODORO JÚNIOR, Humberto, Curso de direito processual civil, Vol. I, pp. 377-378.

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Entendemos, todavia, conforme razões exaradas neste capítulo, que a

concepção hodierna do processo, cujo principal escopo é assegurar a harmonia

social, não mais se contenta com a verdade formal e histórica dos fatos, sem que

tenha havido uma comprometida investigação da realidade durante a instrução.

A efetividade da prestação jurisdicional não é assegurada pela mera

“versão processual” emergente nos autos, resultante da atuação, muitas vezes

deficiente e incompleta das partes, daí porque se mostra adequada e útil a

iniciativa instrutória do juiz.

Neste sentido, Nery assim preleciona em seus comentários ao CPC:

“Verdade real e verdade formal. O ideal do Direito é a busca e o

encontro da verdade real, material, principalmente se o direito sobre o

que versam os autos for indisponível. No direito processual civil

brasileiro vige o princípio do livre convencimento motivado do juiz

(CPC, art. 131), mas sempre com o objetivo de buscar a verdade

real”.115

Na visão publicista contemporânea, para que o processo atinja sua

finalidade precípua de pacificar o conflito com justiça, necessária se faz uma

atuação mais ostensiva do magistrado na busca da verdade real, ou mais

próxima possível dela.

O que não se admite mais é a simples e cômoda adequação do

julgamento à verdade processual traduzida pela prova insuficiente produzida

pelos contendores, sem que tenha havido efetivo comprometimento do julgador

com o resgate da realidade dos fatos controvertidos, garantindo, com isso,

credibilidade e respeitabilidade ao poder-dever em que está investido pelo

Estado.

115 NERY, Nelson e NERY, Rosa Maria Andrade, Código de processo civil comentado, p. 606.

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Não podemos nos olvidar, a propósito, que toda relação processual é

movida por um interesse público estatal superior ao interesse particular dos

litigantes, representado pela administração adequada da justiça e, por meio dela,

a garantia da paz social.

O sentido ético de que é dotada a relação processual, destarte, permite

que o juiz, quando reputar necessário, determine a produção complementar de

provas para a busca da verdade real, suprindo a deficiência ou impossibilidade

de produção de prova pelas partes.

E no processo do trabalho, cuja relação de instrumentalidade com o

direito substancial deve pautar-se, dentre outros princípios, sobretudo na

primazia da realidade, a busca da verdade real é o vetor a nortear o julgador,

justificando uma atuação mais ostensiva, permanente e, outras vezes,

complementar à das partes, na perseguição e no resgate da realidade dos fatos.

Para ilustrar tal conclusão, confira-se o exemplo: o trabalhador alega

recebimento de salário “por fora”, porém, não detém meios de prova, eis que o

pagamento era feito através depósito em conta não identificada, não sendo

fornecido ao trabalhador qualquer extrato bancário; neste caso, a verdade real

somente seria obtida se o juiz, verificando a impossibilidade da prova pela parte,

utilizando-se de seus poderes instrutórios (CPC, art. 130 e CLT, art. 765),

determinasse a expedição de ofícios ao banco, a fim de obter as informações

elucidadoras dos fatos controvertidos relevantes ao deslinde do feito.

Outro exemplo: em demanda em que se pretende o reconhecimento de

vínculo de emprego, o reclamante não tem testemunhas; a reclamada, embora

negue inclusive a prestação de serviços (razão pela qual o ônus da prova seria

do empregado), junta, por equívoco, em sua defesa uma declaração do diretor-

presidente da empresa dando ordens expressas de serviços ao reclamante; ante

o documento, inquirida, a ré alega que se tratava apenas de um serviço

específico e eventual contratado (embora não alegado em defesa); ante a

contradição entre o documento juntado pela ré e a defesa apresentada, visando

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resgatar a verdade material dos fatos ocorridos, poderia o magistrado determinar

o comparecimento do emitente da declaração em juízo, como testemunha, para

esclarecer o conteúdo declarado no documento, a partir daí fazendo o elo entre

tal prova e o fato que serviu de fundamento ao pedido principal da demanda.

Da mesma forma, com o objetivo de prestigiar a prevalência da

verdade material sobre a processual, o julgador pode decidir em desfavor da tese

da petição inicial em caso de revelia116, se as alegações de fato do autor forem

abusivas, improváveis, inverossímeis ou contrárias aos elementos dos autos.

Vejamos: o empregado alega que trabalhava em jornada diária de 22 (vinte e

duas) horas, sem qualquer intervalo intrajornada, nem descanso semanal, em

contrato que perdurou por mais de cinco anos, sendo que todos os dias

demorava cerca de quatro horas para deslocar-se da residência para o trabalho e

vice-versa; o empregador é revel; em que pese o quanto preceituado no art. 319

do CPC, a ratio legis do presente dispositivo apenas dispensa a prova do quanto

alegado na inicial, todavia, não obriga o julgador a acolher como verdadeiros os

fatos alegados na inicial; no caso, ante a jornada absurda e inverossímil alegada

pelo trabalhador e a absoluta impossibilidade matemática de cumprimento de tal

horário, incompatível inclusive com o tempo de deslocamento residência-trabalho

e vice-versa, o julgamento será desfavorável ao empregado, em que pese a

revelia do empregador.

A busca da verdade real, assim, deve caminhar em harmonia com a

efetividade da prestação jurisdicional, sendo este o sentido a guiar a atividade

instrutória e justificar a produção de provas.

Por outro lado e sem prejuízo dos demais argumentos anteriormente

expostos, importante notar que a justa pacificação do conflito somente será

atingida se a tutela for entregue de forma tempestiva, em prazo razoável (art. 5º,

LXXVIII, CF/88), sob pena de comprometimento do ideal de efetividade.

116 AMENDOEIRA JR., Sidnei, Poderes do juiz e tutela jurisdicional: a utilização dos poderes do juiz como forma de

obtenção da tutela jurisdicional efetiva, justa e tempestiva, p. 116-117.

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A propósito, a omissão absoluta da parte em produzir a prova do fato

que a favorece, embora tendo disponibilidade sobre ela, deixando de fazê-lo por

incúria, negligência ou por opção, não justificaria a perpetuação da relação

processual em busca da verdade real, eis que, neste caso estar-se-ia

postergando a prestação jurisdicional imotivadamente, e aí também causando

injustiça com os litigantes que tem direito à entrega célere e eficiente do

provimento judicial.

No referido caso, o magistrado deve decidir de acordo com os

elementos existentes nos autos, pautando-se nas regras do ônus da prova e, em

caso de alegações absurdas e inverossímeis das partes, nortear seu julgamento

pelas máximas de experiência comum e científicas, presunções e indícios, bem

como juízos de probabilidade, razoabilidade, plausibilidade e verossimilhança.

4.2. Finalidade da prova

A prova tem por finalidade, conforme preconiza a doutrina, o

convencimento do juiz relativamente à verdade de um fato que117, ao final do

processo, poderá ou não corresponder à realidade (verdade absoluta).

Quando a verdade processual não corresponder à verdade material,

diz-se que representa uma certeza relativa (certeza psicológica118), apenas

suficiente a limitar o convencimento do magistrado à prova dos autos.

A atividade probatória deve consistir no liame entre o pedido de

prestação jurisdicional e a entrega do provimento, eis que o material de prova

117 MIRANDA, Pontes de, Comentários ao código de processo civil, p. 260.

118 LIEBMAN, Manuale di diritto processuale civile, Milano, 1973, vol. 2, p. 68, apud Vicente Greco Filho, Direito

processual civil brasileiro, volume 2, pág. 182, nota de rodapé: “por maior que possa ser o escrúpulo colocado na procura

da verdade e copioso e relevante o material probatório disponível, o resultado ao qual o juiz poderá chegar conservará,

sempre, um valor essencialmente relativo: estamos no terreno da convicção subjetiva, da certeza meramente psicológica,

não da certeza lógica, daí tratar-se sempre de um juízo de probabilidade, ainda que muito alta, de verossimilhança (como é

próprio a todos os juízos históricos)”.

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colhido ao longo da instrução destina-se ao convencimento do juiz acerca da

existência dos fatos alegados pelas partes.

Ao analisar a temática em estudo, Amaral Santos preconizava a

finalidade da prova como sendo:

“(...) a formação da convicção quanto à existência dos fatos da causa.

Visa, assim, em primeiro lugar, a verificar se os fatos afirmados são

certos, ou seja, a criar a certeza quanto à sua existência. A certeza

tornada inabalável, pela exclusão de todos os motivos contrários ou

divergentes, se faz convicção”. 119

Embora a doutrina tradicional preconize que a formação da cognição

do magistrado seja pautada em uma certeza relativa dos fatos, sendo esta a

finalidade prática da instrução processual, por outro lado, não nos olvidemos de

que o processo atingirá seu escopo social à medida que a verdade formal se

aproximar cada vez mais da verdade real.

Na visão processual contemporânea, notadamente na seara

trabalhista, em que o processo justifica-se por sua finalidade social, mostra-se

incompatível com as demandas da sociedade a idéia de acomodação do

magistrado com a “versão dos fatos” trazida apenas pelas partes, quando esta

“versão”, analisada à luz dos demais elementos dos autos, não corresponde à

verdade real.

Segundo Teixeira Filho:

“Ao juiz, inegavelmente, faz sobressaltar a mera possibilidade de saber

que terá, em determinado caso e sem culpa sua, de tomar a nuvem por

Juno (ou seja, a verdade formal pela real), que se é afligente para ele é

pior para o processo e desastroso para a credibilidade do próprio Poder

119 SANTOS, Moacyr Amaral, Comentários ao Código de Processo Civil, IV Vol., p. 9.

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Judiciário, notadamente aos olhos do vencido, com quem a verdade

real igualmente sucumbiu”. 120

Independentemente da natureza jurídica da relação de direito material

trazida aos autos, é certo que todo processo tem um interesse público maior, que

não fica restrito às partes, mas diz respeito ao Estado-juiz e à sociedade, que

buscam a plena realização da justiça e harmonia social (interesse coletivo

suplantando o interesse individual das partes).

Assim, ao tratarmos da finalidade, devemos ter em mente que é

“através da prova que se alcança o escopo do processo” 121.

A perseguição da verdade por meio de uma atividade instrutória

completa e exauriente, contando diretamente com uma participação ativa do

magistrado, segundo concepção mais atual da importância de sua atividade e

sua função para a melhor solução do litígio122, confere credibilidade e

respeitabilidade ao processo como instrumento de efetivação concreta do direito

e de justiça social.

Neste sentido, Russomano, ao analisar o alcance da atividade

instrutória oficial frente ao art. 765 da CLT, ponderou que juiz do século XX

deveria ser criativo, não se conformando mais em apenas refletir na decisão

aquilo que lhe era trazido pelas partes; portanto, para que fosse atendido o

interesse público maior de realização da justiça (bem coletivo), não poderia

continuar a ser passivo, aguardando necessariamente a provocação dos litigantes

para qualquer providência durante toda a relação processual.

120 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio, A prova no processo do trabalho, p. 41.

121 BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Poderes instrutórios do juiz, p. 110.

122 RUSSOMANO, Mozart Victor, Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, p. 830 (art. 765).

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Retomaremos o tema em referência, notadamente quanto à atuação do

juiz na instrução processual, no capítulo dedicado ao estudo da “atividade

instrutória do juiz do trabalho”.

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5. OBJETO DA PROVA:

A atividade probatória destina-se a trazer a lume a existência e a

certeza de um determinado fato que seja controvertido, relevante e pertinente à

demanda.

Em regra, a prova não se refere ao direito, como decorrência natural do

princípio segundo o qual é presumido seu conhecimento pelo juiz (iura novit

curia), sendo defeso alegar seu desconhecimento para integral observância de

seu preceito. Como será visto adiante, excepcionalmente a atividade probatória

dirige-se a demonstrar a existência e a vigência da norma municipais, estaduais e

estrangeiras, quando controvertidas, bem como no que se refere ao costume

como fonte de direito.

5.1. Fatos que dependem de prova:

A atividade probatória, conforme estudado anteriormente, tem por

finalidade a busca da verdade e a formação do convencimento do magistrado.

Neste contexto, o objeto de perquirição da prova são os fatos

controvertidos, relevantes e pertinentes ao litígio, sendo para a elucidação destes

fatos destinada a atividade instrutória.

Conforme preconiza o art. 332 do CPC, são objeto de prova os “fatos

em que se funda a ação ou a defesa”.

A atividade probatória deve girar em torno do esclarecimento dos fatos,

principais e secundários, sobre os quais se fundamenta o conflito de interesses

da lide, pois estes são os elementos desconhecidos pelo julgador. Somente a

partir do seu convencimento a respeito da existência destes fatos é que poderá

decidir-se em favor de uma parte ou de outra, entregando de forma eficaz a

prestação jurisdicional.

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Fatos controvertidos são objeto de prova, porque, em princípio, apenas

aqueles que foram contestados pelo réu é que deverão ser demonstrados em

juízo, eis que a ausência de impugnação acerca de um determinado fato

afirmado por uma parte dispensa atividade probatória, eis que se torna

incontroverso.

Todavia, conforme bem ponderado por Amaral Santos123, importante

destacar que há fatos que, a despeito de não terem sido contestados ou

impugnados de forma específica pela parte contrária, demandam dilação

probatória, consoante hipóteses a seguir referidas.

O primeiro caso trata-se de situação em que a lei determina que a

prova de um fato se faça por forma especial da prova, como ocorre com a

insalubridade e a periculosidade. Mesmo não havendo contestação acerca deste

fato, ou seja, o ambiente insalubre ou perigoso, em razão de previsão legal

taxativa (CLT, art. 195; CPC, art. 302), passa a ser imprescindível, sob pena de

nulidade, a produção da prova pericial.

Na mesma toada, há outros fatos que, embora também não

impugnados pela parte contrária, quando confrontados com os demais elementos

dos autos, reclamam atividade probatória por não serem verossímeis, ou por

provocarem no espírito do julgador um estado de perplexidade, situação em que

a segurança da decisão demanda atividade instrutória.

A respeito do estado de dúvida gerado por certas circunstâncias da

instrução processual, assim ponderou Isis de Almeida:

123 SANTOS, Moacyr Amaral, Comentários ao código de processo civil, IV vol., p. 42: “Nada obsta, porém, a que, embora

não contestados, em dadas circunstâncias deva ser feita a prova dos fatos, o que se verifica: a) quando reclamada pelo

juiz, para o fim de formar com mais segurança o seu convencimento; b) ou quando a lide versar sobre direitos indisponíveis

como nas ações de anulação de casamento; ou c) quando a lei exija que a prova do ato jurídico se revista de forma

especial (prova da propriedade imobiliária, de direito real de garantia, do casamento, da separação etc)”.

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“Finalmente, deve-se acrescentar que, se é certo que só o fato

controverso tem de ser provado, pode-se dar o caso de um fato

incontroverso provocar uma dúvida no espírito do julgador, quando as

circunstâncias indiquem que interessa à Justiça constatar a verdade

real daquele fato, por serem possíveis prejuízos a terceiros, ao Estado

ou ao interesse público, originados na incontrovérsia, que, afinal de

contas, revela-se nos autos apenas por concordância das partes. É a

ocorrência da simulação do CC (art. 102) que, em face das

circunstâncias do disposto no art. 129 do CPC, cumpre ao juiz

esclarecer.” 124

A título ilustrativo das situações mencionadas no parágrafo anterior,

relativamente ao estado de dúvida provocado no espírito do julgador, ante as os

elementos dos autos, invocamos dois exemplos:

1º) Na petição inicial é alegada determinada jornada extraordinária,

porém, os documentos juntados pelo autor fazem crer que naquele horário

prestava serviços em outra empresa; a despeito da ausência de impugnação

específica da ré, o horário de trabalho demanda dilação probatória, eis que em

confronto com outros elementos carreados aos autos pelo próprio titular do direito

perseguido.

2º) O empregador, embora não tenha impugnado especificamente a

jornada de trabalho alegada pelo autor e, portanto, deixando de se desincumbir

do ônus da impugnação especificada dos fatos, todavia, junta à defesa os cartões

de ponto que registram horário de trabalho bastante variado, com apontamento

de muitas horas extras, todavia, pagas e diversas das alegadas pelo empregado;

se o autor impugnar os documentos carreados pela ré, atrairá para si o ônus da

prova, do qual deverá se desincumbir, ainda que os fatos relevantes relativos à

jornada de trabalho não tenham sido especificamente contestados, mas sim

contrariados pela prova documental verossímil; neste caso, também necessária a

124 ALMEIDA, Isis de, Manual de direito processual do trabalho, 2º volume, p. 115:

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instrução probatória, eis que os elementos dos autos suscitam estado de

perplexidade no julgador.

Neste contexto, a confissão ficta de uma das partes, que resulta na

ausência de controvérsia acerca dos fatos, não conduz necessariamente à

dispensa de realização de provas, à medida que o abortamento da instrução

processual, em casos que demandariam melhor investigação da matéria fática,

dadas as circunstâncias dos autos, poderia comprometer a própria finalidade

social do processo e a adequada realização da justiça.

Daí porque, dependendo do quadro que se desenhar na relação

processual, deve o julgador, munido de poderes instrutórios assegurados por lei

(CPC, art. 130 e CLT, art. 765), investigar a verdade dos fatos, assegurando, com

tal iniciativa, credibilidade à decisão que proferirá.125-126

Ademais, não basta que os fatos sejam controvertidos para justiçar a

dilação probatória. Demandam prova aqueles fatos que sejam necessariamente

relevantes ao deslinde do feito, bem como pertinentes ao litígio, eis que neles se

fundamenta o conflito intersubjetivo de interesses. Prescindem, por outro lado, de

instrução os fatos que, embora alegados por alguma das partes, sejam

irrelevantes e impertinentes à controvérsia e, por conseguinte, à solução do

litígio. A propósito, a atividade instrutória deve obedecer aos princípios da

economia processual, da necessidade e da utilidade da prova.

125 "MANDADO DE SEGURANÇA - CONFISSÃO FICTA APLICADA AO RECLAMANTE - PRODUÇÃO DE PROVA

DETERMINADA ÀS RECLAMADAS PELO JUIZ - VIOLAÇÃO DO ART. 343, parágrafo 1º, DO CPC - Inocorre violação a

direito líquido e certo da parte quando o Juiz,"ex officio"(CPC, art. 130), complementa a prova iniciada pela parte,

notadamente para evitar julgamento em estado de perplexidade ou incerteza de justiça. Segurança que se denega".

(Mandado de Segurança. Data de Julgamento: 29/04/2003. Relator: Plinio Bolivar De Almeida. Acórdão nº: 2003011844.

Processo nº: 12565-2002-000-02-00-9. Ano: 2002. Turma: SDI. TRT/SP. Data de Publicação: 10/06/2003).

126 Por outro lado, também em razão do poder-dever de bem conduzir a relação processual (CPC, art. 125), notando o

julgador que a parte desfavorecida pela confissão pretende apenas postergar o deslinde da controvérsia (S. 74, II, in fine,

TST), e não havendo qualquer elemento nos autos que provoque estado de perplexidade e justifique, por conseguinte,

dilação probatória, deve ceifar diligências inúteis e protelatórias, que comprometeriam os princípios da economia

processual e da celeridade na entrega da prestação jurisdicional.

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106

A relevância e a pertinência dizem respeito a todos os fatos sobre os

quais versa o litígio, sejam principais ou secundários, desde que digam respeito

às questões suscitadas pelas partes e, portanto, exerçam influência no

julgamento do feito.

Com vistas à delimitação dos fatos controversos, relevante e

pertinentes que servem de substrato ao litígio, reputamos como medida salutar,

inclusive no processo do trabalho – haja vista a compatibilidade do procedimento

e a utilidade da providência ao resultado da relação processual - o juiz fixar, ao

início da audiência, os pontos sobre os quais deverão recair as provas

necessárias ao deslinde do feito, a teor do que dispõe o artigo 451 do CPC

(aplicado subsidiariamente ao processo do trabalho por força do artigo 769 da

CLT).

Por conseguinte, a prestação jurisdicional deverá considerar os fatos

relevantes alegados e provados pelas partes, submetidos ao contraditório,

adequando-os à norma legal pertinente, ainda que por fundamentos jurídicos

diversos daqueles em que assentaram os litigantes as suas respectivas teses (da

mihi factum, dabo tibi ius).

Ademais, o juiz deve também conhecer dos fatos relevantes

supervenientes à propositura da ação e que exercerão influência no julgamento

do litígio, desde que também submetidos ao contraditório, (CPC, art. 462).

Todavia, os fatos supervenientes que devem ser considerados pelo

julgador no ato da sentença e, portanto, não sujeitos à preclusão, são aqueles

efetivamente ocorridos após a distribuição da ação ou da apresentação da

defesa, momento em que se estabiliza a relação processual.

A propósito, a jurisprudência trabalhista sedimentou entendimento no

sentido de que o juiz deve conhecer de ofício, em qualquer instância, o fato

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107

superveniente de que trata o art. 462 da CLT, ou seja, independentemente da

provocação da parte, conforme se denota da leitura da Súmula 394 do C. TST.127

5.2. Fatos que dispensam prova:

Como visto acima, a atividade probatória recai sobre aquilo é duvidoso,

incerto, inverossímil, motivo pelo qual não é suficiente a mera alegação da parte

para demonstrar a existência ou inexistência do fato, bem como para formar o

convencimento do julgador.

Em contrapartida, dispensam atividade probatória os fatos notórios,

aqueles que são afirmados por uma parte e confessados pela outra, os admitidos

no processo como incontroversos e em cujo favor milita presunção legal de

existência ou veracidade (CPC, art. 334).

a) Fatos notórios:

Iniciemos o estudo pela análise pelos fatos notórios.

Piero Calamandrei definiu como notórios “aqueles fatos cujo

conhecimento faz parte da cultura normal própria de determinada esfera social no

tempo em que ocorre a decisão”. 128

Para Couture, “podem reputar notórios aqueles fatos que fazem

naturalmente parte do conhecimento, da cultura ou da informação normal dos

indivíduos, atendendo-se ao lugar ou ao círculo social e ao momento

determinado no qual ocorre a decisão”. 129

127 Súmula 394 do TST: “O art. 462 do CPC, que admite a invocação de fato constitutivo, modificativo ou extintivo do

direito, superveniente à propositura da ação, é aplicável de ofício aos processos em curso em qualquer instância

trabalhista”.

128 Apud AMARAL SANTOS, Moacyr, Primeiras linhas de direito processual civil, p. 338.

129 COUTURE, Eduardo Juán, Fundamentos do direito processual civil, p. 111. Em contraposição, BATALHA, Wilson de

Souza Campos, in Tratado de direito judiciário do trabalho, vol. II, pp. 95-96, limita o fato notório apenas ao de

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Humberto Theodoro Júnior assim definiu fatos notórios: “São fatos

notórios os acontecimentos ou situações de conhecimento geral inconteste, com

as datas históricas, os fatos heróicos, as situações geográficas, os atos de

gestão política etc. O conceito de generalidade pode não se referir à unanimidade

de um povo, já que a notoriedade pode ocorrer apenas num determinado círculo

social ou profissional”.130

Do cotejo entre os conceitos traçados por abalizados doutrinadores,

arriscamos uma definição nossa para os fatos notórios: são os acontecimentos

não contestados, que fazem parte do conhecimento geral ou de um determinado

grupo social, tais como datas históricas, fatos políticos e econômicos, situações

geográficas etc, que tem relevância no tempo em que a decisão for proferida.

A partir do estudo dos elementos que informam o conceito de fato

notório, destacamos que a notoriedade de que trata o art. 334 do CPC, para

prescindir de atividade probatória, deve ser dotada das seguintes características:

a) ser de conhecimento geral ou de um determinado grupo social ou comunidade

(ex: encerramento da atividade econômica de uma empresa local, proibição de

utilização de outdoor e outras mídias visuais como meio publicitário em

determinada cidade, dentre outros); b) ser inconteste a sua existência ou

inexistência; c) a notoriedade pode dizer respeito também a fatos históricos

ocorridos em épocas pretéritas, mas de conhecimento geral da sociedade (ex: dia

da independência do país, Natal, dia de eleição nacional, invasão de Paris pelos

alemães durante a Segunda Guerra etc).

Observe-se que o fato notório deve fazer parte do conhecimento geral

ou ser aceito por um dado segmento social, para que seja desnecessária a

produção de prova.

conhecimento geral, certo e indubitável; para o jurista, que discorda expressamente do entendimento de Couture, se o fato

for conhecido apenas de um círculo de interessados, passará a demandar dilação probatória.

130 Curso de direito processual civil, Vol. I, p. 377.

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109

Por trazer em seu bojo a generalidade do conhecimento, tal

característica já o distingue do fato de conhecimento pessoal do julgador.

A propósito, o princípio do livre convencimento motivado rechaça, de

plano, a utilização de conhecimentos pessoais do juiz para justificar as razões de

seu convencimento, eis que se assim o fizer não terá isenção necessária para

julgar, já que passará a funcionar como se fosse testemunha, ceifando o

exercício do contraditório pelas partes acerca dos fatos131.

Neste sentido o magistério de Pontes de Miranda:

“Dizem-se notórios os fatos ‘conhecidos’, sem ser pela prova feita, não

porque estejam na ciência privada do juiz, porém como fato que ele

deva conhecer. Não há, pois, exceção ao princípio de que o juiz não

pode julgar, quanto ao tema probatório, pelo que conhece de ciência

própria;”132

Na mesma esteira de entendimento, Campos Batalha faz clara

distinção entre os fatos notórios e aqueles que fazem parte do conhecimento

pessoal do julgador, fundamentando suas assertivas na ratio legis do art. 131 do

CPC:

“É preciso, nesta matéria, ter sempre em mente que os poderes

conferidos ao juiz, pelo art. 131 do CPC/73, não podem ir a ponto de

permitir que ele traga o seu próprio testemunho para a base do

julgamento, porque isto seria, como já o haviam reconhecido os

antigos, transformar-se em testemunha ou patrono de um dos

litigantes: patrocinari enim prorsus hoc esse aiunt, non judicare (Aulus

Gellius, ‘Noctes Atticae’, Liv. XIX, Cap. 2º)”.133

131 SANTOS, Moacyr Amaral, Primeiras linhas de direito processual civil, p. 339.

132 Comentários ao código de processo civil, tomo IV, p. 274.

133 BATALHA, ob. cit., p. 97.

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Desta feita, os fatos que são conhecidos pelo magistrado em razão de

terem sido por ele presenciados, e que, portanto, estejam restritos à sua esfera

pessoal e particular de conhecimento, colhidos fora de qualquer processo, não

podem ser aproveitados em instrução, sendo distintos dos fatos notórios134.

Ademais, o fato notório também se caracteriza, conforme destacamos

anteriormente, por ser inconteste, verdadeiro e certo, sendo incontroversa a sua

existência ou a sua inexistência, daí porque prescinde de atividade probatória.

Por outro lado, há controvérsia na doutrina acerca da possibilidade da

prova da notoriedade do fato (e não da existência do fato em si, eis que se houve

impugnação neste aspecto, o fato deixará de ser “notório”, demandando prova),

na hipótese da parte a quem desfavorecer o fato impugnar a sua característica de

“notoriedade”, e o juiz o desconhecer.135

Importante registrar que, em nosso entendimento, não perde a

característica de “notoriedade” por ser o fato ignorado pelo julgador. Neste

sentido, o que lhe garante tal feição é possibilidade da ciência do fato por simples

consulta aos comerciantes locais, aos agricultores da região, a qualquer

calendário especializado, a enciclopédias, a jornais e revistas que noticiaram o

fato à época, eis que pressupõem sejam de conhecimento geral daquela

determinada comunidade ou região (ex: acontecimentos geográficos, período de

colheita do café, época de seca ou enchente em determinadas regiões,

movimentos paredistas de grande impacto e repercussão).

134 Vale notar que os fatos de conhecimento pessoal e particular do juiz, além de serem diversos dos fatos notórios,

também não podem ser equiparados àqueles extraídos em função de experiência comum do que ordinariamente acontece

na vida (CPC, art. 335), nem aos que foram colhidos em outros autos que tramitaram perante aquele magistrado, e de cujo

contraditório participou a parte contra quem é trazida a prova. Exemplo desta última situação: as empresas que compõem o

pólo passivo da demanda, embora impugnem em defesa a alegação de que fazem parte do mesmo grupo econômico, em

processo anterior sobre mesma matéria confessaram expressamente, perante o mesmo juiz, que integravam grupo

empresarial para fins trabalhistas na mesma época referida na segunda ação; o aproveitamento da prova colhida em outro

feito e que integra o conhecimento do magistrado é medida que se impõe, eis que não se trata de fato do conhecimento

pessoal e particular do juiz, já que a parte contra quem é carreada a prova emprestada participou do contraditório daquele

outro feito, restando, por conseguinte, preservado o princípio da primazia da realidade e a busca da verdade real.

135 Se, inversamente, o juiz desconhecer o fato, mas o ex adverso não impugnar a sua notoriedade, perde a razão a

discussão.

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111

Deste modo, pode a característica de “notoriedade”, se contestada,

demandar prova, a fim de que reste demonstrada a sua efetiva repercussão e o

conhecimento geral do fato por um dado segmento da sociedade, sendo que

apenas será reconhecido pelo julgador como tal se houver prova efetiva desta

“notoriedade”.136 Frisemos, não se está aqui a colocar em dúvida a existência

pura e simples do fato, mas sim a sua notoriedade.

Novamente, nas oportunas lições de Pontes de Miranda,

“A notoriedade independe das partes e do juiz, tanto que o tribunal de

recurso pode reformar a sentença que teve o fato por fato notório, ou

lhe negou ser notório. O que a lei faz apenas consiste em dispensar a

prova se o fato é notório (Stein-Jonas, Kommentar, I, 840). Por isso

mesmo, as partes podem discutir essa notoriedade, e fazer dela da sua

existência, tema probatório (Leo Reosenberg, Lehrbuch, 3ª ed., 365;

diferente Jakob Weismann, Lehrbuch, I, 154)”. 137

Por derradeiro, outro aspecto da questão que merece esclarecimento

diz respeito à necessidade, para adquirir o status de “fato notório”, de alegação

da notoriedade pela parte a quem interessa.

Há quem entenda que o fato, quando é notório, motivo pelo qual deve

ser conhecido de forma genérica, prescinde de alegação desta característica pela

parte a quem aproveita.

136 Pode um fato ter sido objeto de divulgação na imprensa local, todavia, nem por isso se tornar notório, daí porque

necessária a prova da notoriedade. Neste sentido, destaque merece a nota inserta na obra de autoria de Nelson Nery

Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Código de processo civil comentado, p. 613: “A circunstância de o fato encontrar

certa publicidade na imprensa não basta para tê-lo como notório, de maneira a dispensar a prova. Necessário que seu

conhecimento integre o comumente sabido, ao menos em determinado estrato social por parcela da população que

interesse” (STJ, in Teixeira, CPCA, 334, p. 242).

137 Ob. cit., p. 276.

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Entendemos que a notoriedade é característica objetiva, portanto,

ainda que não alegada por aquele a quem aproveita o fato, pode ser conhecida

de ofício pelo julgador.

b) Fatos confessados:

Considerada ainda hoje por muitos doutrinadores como a “rainha das

provas”, a confissão referida no art. 334, II do CPC consiste na admissão por um

dos litigantes da veracidade dos fatos alegados pela parte contrária, fatos estes

que se opõem ao seu interesse e, em contrapartida, favorecem à tese do ex

adverso (CPC, art. 348).138

A confissão da parte passa a fazer prova plena contra ela, quanto aos

fatos confessados, à medida que os torna efetivamente incontroversos, razão

pela qual prescinde de produção de demais provas.

Todavia, importante registrar que a verificação desta consequência

processual tratada pelo art. 334 do CPC, qual seja, a dispensa de atividade

instrutória complementar, está vinculada à modalidade de confissão, ao objeto

confessado e, por fim, à capacidade do confitente, pressupostos de validade

estes que serão analisados a seguir.

De acordo com a lei processual civil, único diploma legal a descer a

detalhes sobre a matéria, a confissão pode ser feita em juízo, no processo em

curso, bem como extrajudicialmente (CPC, art. 348).

138 Importante esclarecer que a confissão refere-se única e exclusivamente a fatos, e não ao direito controvertido, razão

pela qual distingue-se do “reconhecimento jurídico do pedido”. Este é causa de extinção do processo com julgamento de

mérito (CPC, art. 269, II), na medida em que supera toda e qualquer controvérsia em que se fundamente a ação. Por outro

lado, a confissão representa apenas um meio de prova que, dependendo da forma como é feita, se submete ao crivo do

livre convencimento do julgador a respeito dos fatos sobre os quais se refere, podendo ou não conduzir à procedência do

pedido. Assim, se o fato confessado não for suficiente, por si só, a fundamentar o acolhimento do pedido da parte

adversária, o pleito poderá ser julgado a favor do confitente.

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Iniciemos o estudo pela confissão extrajudicial de que trata

especificamente o art. 353 do CPC.

Embora a norma processual tenha equiparado a eficácia probatória da

confissão extrajudicial, feita por escrito à parte ou a quem a represente, à da

confissão judicial, tal dispositivo legal mostra-se absolutamente incompatível com

o processo do trabalho. Entendemos, desta feita, que a confissão extrajudicial,

independentemente da forma como seja feita, tem valor relativo na seara

trabalhista, devendo ser livremente apreciada pelo julgador (CPC, art. 131) e se

submeter ao crivo do contraditório, como todos os demais meios de prova.139

Isto porque a confissão extrajudicial, firmada no curso do contrato de

trabalho, enquanto o empregado estiver sujeito ao poder diretivo do empregador

e, portanto, não imune à influência e à vontade deste, carece do elemento

essencial a validá-la, qual seja, a voluntariedade do confitente.

Da mesma forma, a confissão extrajudicial feita pelo empregador, ainda

que contida em documento escrito, deve também ser analisada de forma relativa

e à luz das demais provas e elementos dos autos, eis que pode não refletir a

verdade real, tratando-se de mera simulação entre as partes para a obtenção de

um determinado fim ilícito.

Neste sentido, comungamos do mesmo entendimento do

processualista Teixeira Filho, ao afirmar que “Qualquer confissão real (e não

fictícia) do trabalhador ou do empregador somente deverá ser aceita se realizada

em Juízo, onde eles poderão manifestar sua vontade livre de pressões,

constrangimentos ou coações”. 140

A confissão extrajudicial deve ser submetida ao crivo do livre

convencimento motivado do julgador, não tendo o condão de dispensar a

139 ALMEIDA, Isis de, Manual de direito processual do trabalho, 2º vol., p. 149 e ss.; BARROS, Alice Monteiro de

(coordenadora), Compêndio de direito processual do trabalho, pp. 409-410.

140 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio, A prova no processo do trabalho, p. 265.

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atividade probatória, motivo pelo qual reputamos que não se insere na

modalidade tratada pelo art. 334, II do CPC.

Quanto à confissão judicial, ou melhor, aquela firmada perante o juízo,

pode ser real ou ficta.

A confissão real, seja aquela feita espontaneamente pela parte perante

o juiz da causa (confissão espontânea), ou ainda aquela extraída do depoimento

pessoal ou interrogatório (confissão provocada), uma vez que se refira a fato

passível de ser confessado, fato este que prescinda de forma especial e que seja

realizada por quem tem capacidade para confessar, tem plena validade para

gerar os efeitos tratados pelo art. 334, II do CPC, dispensando, a partir daí, a

produção de outras provas.

Como destacamos, para que a confissão real tenha validade e gere o

efeito de prescindir de produção de outras provas, deve obedecer a alguns

requisitos:

Capacidade Plena do Confitente (capacidade processual ou capacidade

de estar em juízo): em se tratando de confissão provocada, ou seja,

aquela decorrente do depoimento pessoal ou interrogatório, não se admite

que seja feita pelos representantes legais dos incapazes, pois tanto o

depoimento, como a confissão, são atos pessoais. Neste particular, em se

tratando de menor trabalhador em juízo (menor de 18 anos), a doutrina

não é uníssona quanto aos efeitos da confissão por ele realizada; há quem

entenda que ele, embora não possa responder a crime de falso

testemunho, tendo capacidade para prestar depoimento nesta qualidade

(art. 406, CPC), também deve ser considerado capaz para confessar,

sobretudo em se tratando de fatos vivenciados por ele no seu cotidiano na

empresa; por outro lado, outros advogam a tese de que, se o menor em

juízo necessita da assistência das pessoas designadas no art. 793 da

CLT, por ser relativamente capaz, sob o ponto de vista processual, a

confissão extraída de seu depoimento somente teria validade se feita com

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a assistência de seu representante, ou seja, em sua presença,

assegurando-lhe, inclusive, interferir no depoimento pessoal do menor,

quando reputar necessário para assegurar os direitos do assistido141.

Embora compactue parcialmente com este segundo entendimento, Carrion

mostra-se ainda mais cauteloso: “A confissão do menor, assim como a

renúncia, não pode ser acolhida com a plenitude que muitos defendem,

por motivos óbvios: a incapacidade, mas o depoimento prestado, nessas

condições, deve ser recebido e pesado, como uma notícia a mais vinda

aos autos, a ser analisado em conjunto com as demais provas. Deve ser

permitido ao genitor, ou a quem o assiste, que intervenha no depoimento

do assistido.(...)”. 142

Disponibilidade do direito que se consubstancia no fato confessado (art.

351, CPC). 143

Inexigibilidade de forma especial para a validade do ato jurídico que tiver

fundamento na confissão; neste caso, não terá qualquer conseqüência

processual, para fins de dispensa de dilação probatória, a confissão

141 Neste mesmo sentido MARTINS, Sérgio Pinto Martins, Direito Processual do Trabalho, pág. 299, e SAAD, Eduardo

Gabriel, CLT Comentada, pág. 525. Este último, ao comentar o art. 793, assim aduziu: “A confissão de tais menores, sem a

assistência legal, é nula. Depoimento prestado nas mesmas condições será, quando muito, uma informação a ser colocada

nos autos, para completar prova já produzida de forma regular.” Em complemento, vale também citar as lições sempre

elucidativas do mestre Manoel Antonio Teixeira Filho, in A Prova no Processo do Trabalho, 7ª edição, Ed. LTr, pág. 220,

que passamos a transcrever: “O menor de dezoito anos e maior de 14 deve submeter-se ao interrogatório, contanto que

esteja regularmente assistido (não se há de falar em representação, ainda que possua menos de 16 anos, pois a hipótese

não se rege pelo Código Civil, mas sim pelos arts. 7º, XXXIII da CF e 792 da CLT, com necessária adaptação do art. 793,

do texto consolidado, aos dispositivos precitados), por seu pai, mãe, tutor, curador, a fim de, igualmente, esclarecer ou

complementar fatos relacionados à ação, e se do interrogatório resultar a confissão, nada obsta que seja reconhecida e

que produza os efeitos que lhe são inerentes (CPC, art. 348). Sabendo-se que o trabalhador, com menos de 18 anos, pode

assinar recibos (CLT, art. 439), dando quitação do valor correspondente, não há por que deixar de reconhecer-lhe a

capacidade para confessar, desde que: a) a confissão seja judicial; b) esteja assistido por pai, mãe, tutor, curador ou outro

responsável legal; ...”. Corroborando tais ensinamentos, vale destacar, por fim, a doutrina de Isis de Almeida, ob. cit., 10ª

edição, vol. 2, pág. 146: “É evidente que cabe ao juiz verificar até onde pode ir a inquirição quanto à natureza das

perguntas formuladas, devendo-se levar em conta o grau de amadurecimento mental do menor, sua instrução, status social

etc., condições especiais, enfim, que indiquem a sua aptidão para responder razoavelmente. É óbvio que a confissão

provocada, nesse caso, deve revestir-se das maiores cautelas, apesar da assistência”.

142 CARRION, Valentin, Comentários à consolidação das leis do trabalho, pág. 582.

143 Importante notar que a disponibilidade do direito objeto da confissão também é requisito para a validade da confissão

ficta, consoante preconiza o art. 320 do CPC.

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acerca de atividade insalubre ou perigosa, eis que a CLT, art. 195, exige

forma especial para a prova desta condição de fato.

Firmada a confissão real nestes termos, com observância de todos os

requisitos que lhe conferem validade, passa a ter valor praticamente

inquestionável, vinculando o convencimento do juiz acerca daquele fato

confessado e dispensando quaisquer outras provas.

Outrossim, a confissão presumida ou ficta, aquela decorrente da revelia

(art. 319, CPC, c/c art. 844, CLT)144, da falta de impugnação especificada dos

fatos (art. 302, CPC), do não comparecimento da parte para depor ou sua recusa

em fazê-lo (art. 343, § 2º, CPC) ou, por fim, da recusa injustificada de

apresentação de documentos determinados pelo juiz (art. 359, CPC), embora

também torne os fatos incontroversos, pode ser elidida por outros meios de prova

anteriormente colacionados aos autos, considerados em seu conjunto (Súmula

74, II do C. TST, antiga OJ nº 184 da SDI-1), justamente por gerar apenas

presunção relativa quanto à verdade dos fatos nela contemplados.

A confissão ficta deve ser livremente valorada pelo magistrado, em

cotejo com todos os demais elementos do processo, podendo ser inclusive

rechaçada por conjunto das provas preexistentes nos autos.

Em que pese o teor da Súmula 74, II do Tribunal Superior do Trabalho,

há divergência doutrinária a respeito da possibilidade de produção de provas

após a configuração da confissão. A propósito, discordam da jurisprudência

sedimentada pelo TST Isis de Almeida e Alice Monteiro de Barros, considerando

que o juiz poderá dar prosseguimento à instrução após caracterizada a confissão,

com vistas à busca da verdade real e desde que tal procedimento se dê em favor

144 Carlos Alberto Reis de Paula, em seu artigo intitulado “Revelia”, noticia a divergência doutrinária acerca do alcance da

presunção de veracidade decorrente da ficta confessio gerada pela revelia: de um lado, representada por Arruda Alvim, a

corrente mais ortodoxa, que sustenta que a confissão daí gerada é absoluta, não admitindo prova em contrário; de outra

banda, há aqueles doutrinadores que, como Galeno Lacerda, Ada Pellegrini e Humberto Theodoro Jr, entendem que a

presunção de veracidade decorrente da confissão é relativa, a fim de que o escopo maior do processo não reste

sacrificado com iniqüidades e inverdades lançadas pelo litigante beneficiado pela confissão (in BARROS, Alice Monteiro

de, Compêndio de direito processual do trabalho, p. 323).

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do empregado. Para os referidos autores, não há que se falar em confissão do

reclamante decorrente de seu não comparecimento em audiência para depor.145

Não nos parece razoável este entendimento dos juristas mineiros,

porquanto atenta contra o princípio da igualdade processual, não havendo, no

caso, justificativa jurídica plausível para tratamento desigual dos litigantes. A

confissão é situação jurídica decorrente de conduta processual adotada por

qualquer das partes, motivo pelo qual, não se pode afirmar que ao empregado

não se estendam os seus efeitos.

Portanto, a dilação probatória por iniciativa do julgador é recomendada

se, analisados os demais elementos dos autos, perceber o magistrado que os

fatos alegados pela parte favorecida pela confissão não são razoáveis e nem se

conformam com a realidade, independentemente de qual das partes seja

confessa (CPC, art. 130 e CLT, art. 765).

No tocante ao alcance da confissão judicial, esta restringe seus efeitos

ao confitente, não se estendendo aos litisconsortes. Disso decorre que havendo

pluralidade de réus na demanda e um deles contestar especificamente os

pedidos, a confissão de um dos litisconsortes não prejudicará aos demais, salvo

em se tratando de litisconsórcio unitário, em que a decisão será uniforme para

todos (art. 350, CPC).

Aqui devem ser lembradas as situações do litisconsórcio ativo (art. 842,

CLT) e passivo (arts. 2º, § 2º, 455, CLT e Súmula 331, TST) aplicáveis ao

processo do trabalho.

A independência do comportamento processual dos litigantes

preconizada no art. 48, CPC e corroborada pelo art. 350 do mesmo diploma legal,

é nitidamente sentida em relação ao litisconsórcio simples, já que neste a matéria

145 ALMEIDA, Isis de, Manual de direito processual do trabalho, p. 159; o referido autor, na p. 154, aduz que a confissão

ficta ocorre numa única hipótese: revelia; BARROS, Alice Monteiro de, Compêndio de direito processual do trabalho, pp.

412-413.

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em debate não é comum aos litigantes, razão pela qual a conduta de um não

influenciará a situação processual dos outros, inclusive em matéria de prova.

Já em se tratando de litisconsórcio unitário ou se houver solidariedade

entre eles (grupo de empresas, por exemplo), embora a confissão, de uma forma

direta, fique adstrita ao confitente, pode vir, de forma indireta, a influenciar

negativamente na situação jurídica dos demais litigantes. Corrobora tal conclusão

o fato de que a prova produzida em juízo passa a pertencer ao processo, em

razão do princípio da unidade da prova, independentemente de quem a tenha

produzido, influenciando na formação do convencimento do julgador.

Por derradeiro, também não ocorrerá a hipótese contemplada no art.

334, II do CPC em caso de ausência de ambas as partes na audiência em que

deveriam prestar depoimento pessoal, uma vez que não se configura a “confissão

recíproca”.

Isto porque os fatos contrapostos alegados pelas partes não podem ser

considerados, a um só tempo, verdadeiros, por serem excludentes entre si,

devendo, pois, o juiz valorar os elementos existentes nos autos, julgando de

acordo com as regras do ônus da prova146 ou, dependendo da situação do

processo, em caso de perplexidade ante as provas preexistentes, determinar a

realização de prova complementar para busca da verdade real.

Neste sentido, oportuno o magistério de Tostes Malta:

“Não havendo motivo para que uma das confissões prevaleça sobre a

a outra, considera-se não ter havido prova quanto ao que poderia ser

objeto da confissão. A ausência de prova prejudica, então, a parte que

tinha o ônus da prova.” 147

146 Se o julgamento se der exclusivamente pelas regras do ônus da prova, quanto aos fatos constitutivos, serão julgados

em desfavor do reclamante, pois este não fez a prova necessária a eles. Por outro lado, em se tratando dos fatos

modificativos, impeditivos ou extintivos alegados pelo réu em sua defesa indireta, serão considerados como não provados,

justamente em razão da ausência do réu à audiência.

147 MALTA, Cristovão Piragibe Tostes, Prática do processo do trabalho, p. 432.

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c) Fatos incontroversos:

Na hipótese em que as partes contra quem os fatos foram afirmados

não oferecer resistência ou impugnação específica, a matéria fática passa a ser

tida por incontroversa, razão pela qual, como no caso anterior, a produção de

prova se torna inútil (CPC, art. 334, III).

Aqui, para que o fato afirmado na inicial se torne efetivamente

controverso, necessário que o réu apresente contestação específica acerca da

matéria fática, não se admitindo, portanto, impugnação genérica (ônus da

impugnação específica, conforme art. 300 do CPC, aplicado subsidiariamente ao

processo do trabalho, por força do art. 769 da CLT).

Importante esclarecer que a impugnação específica acerca dos fatos

alegados na inicial deve ser interpretada à luz do conjunto da defesa apresentada

e dos documentos que a instruem, sobretudo quando esta é apresentada na

forma oral. Assim, se da análise do bojo da defesa apresentada, seja escrita ou

oral, emergir controvérsia acerca dos fatos afirmados na inicial, ainda que a

contestação não prime pela técnica processual, a matéria fática deve ser

considerada controvertida, não dispensando instrução probatória em homenagem

ao restabelecimento da verdade148.

Por outro lado, se o réu deixa de impugnar determinada alegação de

fato em que se fundamenta determinado pedido, simplesmente silenciando a

respeito da matéria, o referido fato será tido por incontroverso, dispensando

dilação probatória.149

148 Ainda que a verdade real não seja atingida, eis que o processo não pode se eternizar e a prestação jurisdicional deve

ser entregue em tempo hábil a fazer valer a vontade concreta da lei, todos aqueles que participam da relação devem agir

com fim de resgatar a realidade havida, sendo que somente assim será atingido o ideal de justiça social.

149 Mesmo nestes casos, como corolário da iniciativa oficial do julgador em matéria de instrução, pode o juiz, diante de

circunstâncias dos autos que justifiquem a decisão, como analisamos capítulos anteriores, diligenciar para a apuração da

verdade.

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O fato também poderá se tornar incontroverso caso a parte, tendo

plena disposição sobre o direito sobre o qual se fundamenta, e não sendo

qualquer hipótese legal que requeira prova específica, assim o reconheça

expressamente em defesa.

Por outro lado, desconfiando o magistrado, a partir da análise dos

elementos dos autos, que as partes se utilizam do processo para fim simulado,

deixando o réu de impugnar especificamente a matéria fática em que se lastreia o

litígio para beneficiar indevidamente o autor, causando prejuízo a terceiros, deve

determinar a realização de provas para tornar evidente a simulação e, uma vez

verificada, proferir sentença que obste a prática ilícita pelas partes (CPC, art.

129). Somente assim estaria preservando a finalidade social do processo e, ao

mesmo tempo, conferindo respeitabilidade ao Poder Judiciário.

Da mesma forma que ocorre no caso de confissão, em se tratando de

direitos indisponíveis, bem como nas situações em que houver expressa

disposição legal exigindo forma especial para a validade do ato jurídico, ou seja,

quando a lei for taxativa quanto ao meio de prova do fato, a ausência de

impugnação da parte contrária também não gerará qualquer efeito no sentido de

dispensar atividade probatória, como se verifica na situação tratada pelo art. 195

da CLT.

Por fim, insta acrescentar que a ausência de controvérsia também

pode advir da concordância do autor com a defesa apresentada pelo réu, quando

então será dispensada a dilação probatória.150

150 MIRANDA, Pontes de, Comentários ao código de processo civil, p. 276: “Os fatos incontroversos são os fatos, a que se

alude na petição inicial, a contestação e qualquer outro ato processual em que houve comunicação de conhecimento, mas

para a qual nenhuma comunicação de conhecimento contrário foi feita, conforme a apreciação do juiz”.

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d) Presunções legais:

Nas hipóteses em que, em favor do fato alegado pela parte, militar

presunção legal de existência ou veracidade, também restará desnecessária a

realização de prova, conforme previsto no art. 334, IV do CPC.

Presunção é um raciocínio lógico-dedutivo, por meio do qual se infere a

verdade ou a existência de determinado fato desconhecido e essencial para o

deslinde da controvérsia, a partir do conhecimento de outro fato secundário.

Diversamente dos meios de prova, que visam à demonstração do fato

litigioso, as presunções constituem método lógico do qual se utiliza o julgador

para, a partir da análise de fato conhecido e secundário ao litígio, obter-se, por

um raciocínio dedutivo, o fato desconhecido e principal à solução da controvérsia.

As presunções podem ser legais (de direito) ou simples (hominis). As

presunções legais podem ser absolutas (iuris et de iure), estabelecidas pelo

imperativamente pelo legislador de forma a não admitir prova em sentido

contrário (CPC, art. 334, IV), ou relativas (iuris tantum), quando então a

veracidade ou a existência do fato advindas da presunção poderão ser

rechaçadas por prova em sentido contrário.

A lei trabalhista estabeleceu alguns casos em que a presunção de

veracidade de um determinado fato dispensa a prova por quem o fato beneficia,

conforme se verifica nas situações contempladas nos artigos 447 e 456 da CLT.

São exemplos de presunções relativas, portanto, podem ser rechaçadas por

prova em sentido contrário.

Acrescente-se, ainda, o caso da revelia, a gerar efeitos que fazem

presumir verdadeiros os fatos afirmados pelo autor; esta presunção também é

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relativa, portanto, permitindo prova em sentido contrário (CPC, art. 319; CLT, art.

844).151

O julgamento por presunções e a influência destas na atividade

probatória serão enfrentados de forma mais específica no capítulo “6” deste

estudo.

5.3. Direito:

Quanto ao “direito”, via de regra, deve ser conhecido pelo juiz, logo,

não é objeto de prova (iura novit curia).

Tal conhecimento da norma legal pelo juiz, que inclusive a todos

obriga, é conseqüência do quanto dispõe o art. 3º da Lei de Introdução ao Código

Civil.

As partes precisam provar, em princípio, apenas os fatos

controvertidos, conforme anteriormente estudamos, cabendo ao julgador fazer a

subsunção do fato trazidos pelas partes à norma legal, conforme máxima latina

mihi factum dabo tibi ius.

Cabe ao julgador, a partir dos fatos trazidos pelos litigantes, analisá-los

frente às leis em vigor, interpretando-as e, se for o caso, integrando-as,

recorrendo também à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do direito

para tanto (CPC, art. 126), entregando a prestação jurisdicional reclamada com a

máxima efetividade.

Esta regra, todavia, não é absoluta. Conforme advertimos

anteriormente, em se tratando de direito municipal, estadual, estrangeiro ou

151 Embora a confissão decorrente da revelia deva ser afastada por elementos pré-existentes nos autos, conforme

entendimento sedimentado na Súmula 74, II, TST, ponderamos ao longo da pesquisa algumas situações em que restaria

justificada a dilação probatória.

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consuetudinário, será exigível, a critério do juiz, a prova do teor de da vigência

pelo interessado, consoante regra insculpida no art. 337 do CPC (aplicação

subsidiária ao processo do trabalho, pelos critérios de omissão e compatibilidade,

art. 769 da CLT).

Para Amaral Santos, todavia, o juiz deve conhecer lei estadual ou

municipal relativamente ao lugar onde exerça sua jurisdição, aplicando-se, no

caso, a regra geral do art. 3º da LICC. Assim leciona o processualista:

“Em tais condições, impõe-se a prova de lei estadual, ou municipal,

quando seja do Estado, ou Município, diversos daquele em que tenha

sede o juízo pó onde corre o feito. Tratando-se de lei do Estado, ou do

Município, onde o juiz exerça a jurisdição, sendo ela do seu obrigatório

conhecimento, independe de prova”. 152

A prova de que trata o art. 337 do CPC refere-se ao teor e à vigência

da norma, sendo assim demonstrados por meio de certidão firmada pela

repartição pública competente, jornal oficial que a publicou, repertório de leis ou

outros meios idôneos.

O direito estrangeiro pode ser provado por compêndio de legislação

atualizada, certidões diplomáticas, sendo também admitidas, ante a dificuldade

de outros meios, publicações particulares idôneas que façam expressa referência

à legislação estrangeira em vigor, como revistas jurídicas ou obras jurídicas de

jurisconsultos de renome (pareceres, livros etc).

Embora os tratados e as convenções internacionais não constituam

direito estrangeiro, a parte interessada na observância destas normas deverá

fazer prova de sua existência, seu conteúdo e sua vigência.

152 SANTOS, Moacyr Amaral, Primeiras linhas de direito processual civil, 2º vol., p. 341.

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O direito consuetudinário ou costumeiro, que não deve ser confundido

com os “usos e costumes” de uma dada região153, se traduz no direito

fundamentado na repetição de atitudes humanas que, em razão da aceitação

social, passam a se incorporar ao sistema jurídico, ganhando status de norma

jurídica.

Conforme bem definido por Pontes de Miranda:

“Direito consuetudinário, ou direito costumeiro, é o direito que se irradia

de repetição de atitudes humanas que o meio social fez regras

jurídicas. Não se há de confundir com os usos e costumes, que são

repetições de atos que não se inserem no sistema jurídico”154.

No mesmo sentido, Isis de Almeida: “direito consuetudinário ou

costumeiro é o conjunto de regras que se estabelece pelo costume ou pela

tradição” 155.

Caracteriza-se, portanto, pela presença destes elementos definidores,

quais sejam, reiteração, generalidade e uniformidade de abrangência,

conhecimento público e obrigatoriedade que vincula os destinatários.

O direito consuetudinário tem origem no direito primitivo, eis que todo o

sistema jurídico era baseado praticamente em costumes, ou seja, práticas

reiteradas que regulamentavam as condutas e as relações sociais, normas estas

que, embora, não escritas, obrigavam a sociedade.

Os costumes, como regras jurídicas, não têm força para revogar a lei

em vigor, sendo considerados contra legem quando com ela incompatíveis.

153 Os usos e costumes, embora respeitados pela sociedade, não se tratam de normas jurídicas, não integrando um dado

sistema jurídico.

154 Comentários ao código de processo civil, pp. 286-291.

155 Manual de direito processual do trabalho, pp. 114 e 115.

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Todavia, servem de fonte de direito, tendo função integrativa em caso

de omissão legal, como ocorreu, por exemplo, com a duplicata mercantil e o

seguro de vida, sendo ambas as práticas absorvidas pelo sistema legal

positivada, porém, com origem no direito costumeiro.

A prova do direito consuetudinário é das mais difíceis, eis que não se

trata de regra escrita e positivada, mas sim de uma prática reiterada, uniforme e

que vincula a sociedade com força de obrigatoriedade.

A respeito da prova do direito costumeiro, assim destaca Isis de

Almeida: “Já com o direito consuetudinário, a prova pode incluir presunções e até

mesmo exames periciais”. 156

Entendemos que o direito consuetudinário, justamente por obrigar com

caráter general e uniforme um dado segmento da sociedade, pode ser provado,

se assim o exigir o magistrado, por todos os meios legais e morais em direito

admitidos, desde que se mostrem suficientes à demonstração de que a reiteração

daquela conduta é prática aceita e integrada ao sistema jurídico que rege as

relações sociais.

Por derradeiro, importante acrescentar ainda, quanto à prova do direito

aplicável no âmbito especificamente do processo do trabalho, que devem

também ser provados o teor e a vigência das normas coletivas de trabalho

(acordo e convenções coletivas de trabalho – CLT, art. 611), bem como os

regulamentos de empresa.

156 Santiago Sentis Melendo, “El Juez y el Derecho”, 1957, pp. 172-185 e 229-252, in “Instituições de Direito Processual

Civil”, de José Frederico Marques, 1962, vol. III, págs. 372-3, apud Isis de Almeida, ob. cit., p. 116.

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6. PRESUNÇÕES

6.1. Presunções e indícios:

O Código de Processo Civil em vigor não trata a presunção como meio

de prova, mas como método de raciocínio para a obtenção do fato que se

pretende provar.

Há certos fatos que, embora constituam o fundamento do pedido, não

podem ser provados diretamente, mas cuja existência e veracidade pode ser

extraída a partir da prova de fatos circunstanciais, indiciários.

Prova-se, destarte, o indício, o fato secundário, circunstancial, não

consistente na causa da demanda. A partir da demonstração deste indício, o juiz

desenvolve um raciocínio lógico-dedutivo, dele inferindo a existência do fato

principal que constitui o fundamento do litígio.

O resultado deste exercício de raciocínio nada mais é do que a

presunção. Ou seja, a presunção é o elo que confere sentido ao fato secundário

dentro da relação processual, é o liame que vincula o indício, elemento este que,

isoladamente não despertaria qualquer interesse para o deslinde do feito, ao fato

principal, objeto do litígio.

Neste diapasão, importante acrescentar que o indício, quando

divorciado dos demais elementos dos autos, pode nada representar, incumbindo

à presunção estabelecer o vínculo de lógica que justifica a constatação do fato

controvertido a partir destes fatos circunstanciais.157

157 TEIXEIRA FILHO, A prova no processo do trabalho, p. 428: “É indubitavelmente ponderável a observação doutrinária

de que o indício, em si mesmo, isto é, considerado de maneira isolada pouco representa para o processo; a sua eficácia,

ou importância, só existe quando ele é correlacionado com outras circunstâncias ou elementos dos autos”.

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São exemplos de presunções no processo do trabalho: 1) presume-se

abusiva e nula a alteração contratual prejudicial ao trabalhador, ainda que conte

com sua expressa concordância (CLT, art. 468); 2) presume-se inválido o pedido

de demissão do empregado em contrato de trabalho com vigência igual ou

superior a um ano, se este não for firmado na forma legal (CLT, art. 477,

parágrafo 1º); 3) não há prova de que o empregado tenha vendido fórmula

secreta da empregadora à sua concorrente; todavia, resta provado que somente

este empregado conhecia a referida fórmula, bem como era o seu depositário;

desta prova indiciária, chega-se à presunção quanto à existência do fato principal

do litígio, qual seja, a venda da fórmula ao concorrente.

A presunção, desta forma, não é um meio de prova, uma vez que não

demonstra, de modo direto, o fato principal litigioso. O conhecimento do fato

principal para a solução do conflito é extraído de forma indireta, por meio do

raciocínio lógico-dedutivo a partir da análise dos fatos circunstanciais e indiretos

(indícios); já os meios de prova conduzem diretamente à conclusão sobre a

existência ou a veracidade do fato principal, sem necessidade de se socorrer a

quaisquer outros meios dedutivos (os documentos ou os testemunhos colhidos

durante o feito induzem diretamente ao fato principal controvertido, sem que seja

necessário o uso de qualquer raciocínio dedutivo).

Nas lições de João Monteiro, citado por Campos Batalha:

“O raciocínio chega à verdade por um de dois caminhos lógicos: ou

diretamente, induzindo do fato conhecido (prova objetiva, v.g., a

escritura, a confissão, o depoimento das testemunhas, a vistoria) a

prova (certeza, prova subjetiva) da existência positiva ou negativa do

fato litigioso, mas de modo imediato, isto é, de modo que a relação

lógica indutiva entre os dois fatos, o probante e o probando, se firme

sem mediação de outro qualquer instrumento de prova ou elemento de

raciocínio; ou então, indiretamente, induzindo, não do fato

conhecimento ou pretendidamente probante, pois que este é mudo

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acerca do fato litigioso ou probando, mas de outro fato ideologicamente

preso ao primeiro fato, isto é, mediatamente, a verdade disputada.” 158

Ademais, esta operação lógico-dedutiva, por meio da qual se obtém a

presunção humana necessária ao julgamento, pode partir não somente da

análise de fatos secundários que tocam diretamente ao caso concreto, que

consistem nos indícios, como também pode ser extraída das máximas de

experiência.

Alerta a doutrina159 que, embora os indícios e as máximas de

experiência atuem de forma semelhante, eis que constituem os “elementos

secundários” (conhecidos) a partir dos quais se obtém a presunção da existência

de determinados fatos essenciais (e desconhecidos) à solução das questões

controvertidas, são fundamentados em premissas diversas. Enquanto que os

indícios são baseados em prova de fatos secundários que envolvem o caso

concreto, as máximas de experiência se lastreiam na experiência vivencial, a

partir da observância pelo julgador do que ordinariamente acontece na vida

cotidiana, de forma genérica, e não especificamente no caso concreto.

Todavia, ambos podem ser considerados “instrumentos” pelos quais se

obtém o resultado pretendido, ou seja, a presunção da veracidade do fato

principal litigioso.

Superados estes esclarecimentos gerais acerca das máximas de

experiência (objeto do nosso estudo no próximo item), passemos à análise das

espécies de presunções: estas podem decorrer de previsão em norma legal ou

emanar simplesmente do raciocínio lógico do julgador a partir da análise de

elementos secundários contidos no processo. As primeiras são denominadas

158 O processo civil e comercial, parágrafo 172, apud BATALHA, Wilson de S. Campos, Tratado de direito judiciário do

trabalho, 2º volume, p. 136.

159 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio, A prova no processo do trabalho, p. 107. Nesta obra, há referência a outros

doutrinadores que analisaram o tema, dentre eles Pontes de Miranda, Pedro B. Martins e Devis H. Echandía.

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presunções legais e as segundas presunções humanas (“hominis”), também

conhecidas como judiciais, simples ou comuns.

As presunções legais são absolutas (juris et de jure), não admitindo

prova em contrário (CPC, art. 334, IV), ou relativas (juris tantum), passíveis que

serem rechaçadas por elemento dos autos (CPC, art. 319, CLT art. 844 e Súmula

74 do TST). As presunções humanas são sempre relativas.

Vários são os exemplos, na legislação trabalhista, de presunções

legais: arts. 447, 456, 468, 469 e 844 da CLT, dentre outros.

As presunções simples (hominis) resultam de um raciocínio lógico-

dedutivo, todavia, tal raciocínio não está sugerido e nem previsto em expressa

disposição legal, daí porque, para que o juiz fundamente o convencimento acerca

do fato na presunção humana, deve considerar o fato secundário em cotejo com

os demais elementos de provas existentes nos autos, tudo conforme o livre

convencimento motivado.

Com esse raciocínio por dedução, a presunção humana favorece

àquele litigante que teria o encargo de provar e, por conseguinte, os indícios

invertem o ônus da prova, na medida em que passa a incumbir à parte adversária

impugná-los.

Na seara do processo do trabalho, as presunções simples revelam-se

nas súmulas jurisprudenciais (Súmulas 12, 16, 43, 212, 338 do C. TST), sendo

assim consideradas porque, diversamente das presunções legais absolutas, não

vinculam a decisão judicial, podendo o julgador, à luz do princípio da persuasão

racional, afastar a presunção estabelecida no entendimento sumulado.

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6.2.1. Máximas de experiência:

O ato de julgar é realizado por um homem que não vive isolado do

mundo exterior, mas por um ser que está inserido no contexto social, razão pela

qual sofre influência deste mundo, vivência esta que lhe agrega experiência,

discernimento e sabedoria para bem decidir.

Em razão disso, ao interpretar a lei, subsumindo-a ao caso concreto, o

juiz não somente utiliza o raciocínio e a lógica, como também subministra as

experiências do que ordinariamente acontece em sua volta, nas mais diversas

áreas da atuação humana (comércio, indústria, artes etc), decidindo com

razoabilidade e bom senso.

E justamente por estar envolvido e em contato com o mundo que o

rodeio, ao avaliar a prova e os elementos que informam a instrução processual, o

magistrado acaba, por vezes, lançando mão de dados empíricos que acumulou

ao longo de sua vida, analisando-os e aplicando-os ao caso concreto, sempre

norteado por seu prudente arbítrio, como bem ponderou Eduardo J. Couture:

“O juiz, seja-nos permitido insistir, não é uma máquina de raciocinar,

mas, sim, essencialmente um homem que toma contato com o mundo

que o rodeia e que ele conhece por meio de seus processos sensoriais

e intelectuais. O prudente arbítrio é, portanto, a apreciação lógica de

certas conclusões empíricas do que todo o homem se serve para

movimentar-se na vida. ” 160

Consoante esclarecemos anteriormente, as máximas de experiência

consistem em juízos hipotéticos e empíricos constituídos a partir da análise do

que ordinariamente acontece na vida cotidiana (regras de experiência comum),

podendo também ser resultantes de conhecimentos técnicos, científicos ou de

um dado ramo profissional (regras de experiência técnica).

160 COUTURE, Eduardo J., Fundamentos do direito processual civil, p. 137.

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Estas regras de experiência, que fazem parte do cabedal de cultura do

julgador, são extraídas dos acontecimentos gerais da vida ou de verdades

científicas, não sendo específicas ao caso individual concreto para o qual se

destinam, razão pela qual pode o juiz delas se valer como importante instrumento

para a solução de quaisquer litígios, bem como método auxiliar para a busca da

verdade.

Embora decorram da análise dos fatos cotidianos observados na vida e

nas ciências, se caracterizam como normas abstratas, aplicáveis, por

conseguinte, às mais diversas situações não contempladas pelas normas

jurídicas particulares, adaptando-se às especificidades de cada caso concreto.

As máximas de experiência, portanto, consistem no meio pelo qual se

presume a verdade do fato principal objeto do litígio.

Assim como os indícios, tais regras de experiência comum e técnica

são métodos dos quais se utiliza o julgador para o desenvolvimento do raciocínio

lógico-dedutivo necessário à demonstração da verdade de um fato litigioso; a

única diferença entre tais instrumentos auxiliares de julgamento é que as regras

de experiência são verdadeiras “normas hipotéticas”, de caráter geral, enquanto

aqueles se constituem a partir dos fatos circunstanciais, secundários e

individualizados do processo. Porém, como dito, ambos conduzem à formação

das presunções hominis.

Coqueijo Costa, cujas lições foram transcritas por Isis de Almeida,

assim definiu máxima de experiência, cotejando-a com os indícios:

“É uma presunção natural que tem por fonte uma norma de

experiência. Ao invés de se apoiar nas circunstâncias que rodeiam o

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caso concreto, repousa exclusivamente na experiência da vida,

substituindo o fato básico pela máxima de experiência”.161

Da redação do art. 335 do CPC162 depreendemos que as regras de

experiência comuns e técnicas só podem ser utilizadas pelo julgador na ausência

de norma particular ao caso ou presunção legal específica ao fato.

O que o legislador disse no referido dispositivo legal foi que as regras

de experiência comum somente podem ser invocadas caso não haja: 1)

presunção legal expressamente prevista para aquele fato (CLT, art. 477) –

tornando inútil, por conseguinte, a utilização da presunção comum firmada a

partir das regras de experiência -; 2) norma legal estabelecendo taxativamente a

forma da prova do fato litigioso (é o caso de atos jurídicos cuja validade depende

de formalidade específica, a teor da situação contemplada no art. 366 do CPC).

Nada obsta, porém, que sejam utilizadas como hábeis instrumentos

coadjuvantes na interpretação da prova conflitante, como regras auxiliares de

julgamento, consoante lições de Tostes Malta: “As máximas têm sido apontadas

como capazes de sugerir uma justa solução dos conflitos de interesses quando a

interpretação da prova suscita dúvidas”.163

O sistema de valoração probatória adotado por nosso ordenamento

jurídico, como será analisado oportunamente, primou pela livre apreciação da

prova com vistas à preservação da finalidade social do processo, sendo que as

máximas de experiência, dependendo do panorama que se configurar ante as

circunstâncias dos autos, exercem função de destaque na interpretação da prova

duvidosa.

161 Manual de direito processual do trabalho, p. 170.

162 “Em falta de normas jurídicas particulares, o Juiz aplicará as regras de experiência comum, subministradas pela

observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame

pericial”.163 MALTA, Cristóvão Piragibe Tostes, “Interpretação da prova no processo trabalhista”, in PAMPLONA FILHO, Rodolfo

(coordenador), Processo do trabalho, p. 177.

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133

No magistério de Teixeira Filho:

“As máximas de experiência constituem, portanto, a expressão legal,

regras de que o Juiz poderá valer-se para atingir a verdade dos fatos e

cuja importância ainda mais se avulta nos sistemas que consagram o

princípio da livre apreciação da prova”. 164

Adequadamente subministradas ao caso concreto, portanto, as

máximas de experiência comum e técnicas são juízos empíricos de importante

valia para a decisão acerca de fatos que não restaram elucidados pelos

elementos concretos dos autos, hábil ferramenta a auxiliar o julgador na busca da

verdade e na humanização do processo, instrumento para a justa pacificação do

conflito, conforme bem retratado por Dinamarco:

“seja no processo das pequenas causas ou no comum, está

institucionalizado o valor das máximas de experiência, às quais é lícito

ao juiz recorrer para justificar sua convicção, sempre com a

preocupação de fazer justiça e evitar que a rigidez de métodos

preestabelecidos o conduza a soluções que contrariem a grande

premissa de que o processo é um instrumento sensivelmente ético e

não friamente técnico”.165

Neste sentido, as regras de experiência comum, por refletirem aquilo

que iterativamente acontece no cotidiano, são flexíveis, mutáveis, uma vez que

as relações fáticas evoluem, razão pela qual nada obsta que sejam estabelecidos

novos parâmetros para tais juízos hipotéticos extraídos da experiência da vida.

Da mesma forma, as ciências não são estáticas, motivo pelo qual podem ser

criadas novas regras de experiência técnica a partir do estabelecimento de novos

padrões científicos.

164 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio, A prova no processo do trabalho, p. 105.

165 DINAMARCO, Cândido Rangel, A instrumentalidade do processo, p. 254.

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134

Por todas estas razões as máximas de experiência exercem papel

fundamental não somente por atuarem como regras auxiliares de julgamento,

como também, por seu caráter dinâmico, por fomentarem a evolução do próprio

direito, enquanto ciência que visa a atender às demandas sociais.

6.2.2. Máximas de experiência, fatos do conhecimento particular do

magistrado e fatos notórios

Importante que se esclareça que as máximas de experiência referidas

no art. 335 do CPC, justamente por serem juízos hipotéticos e gerais, em nada se

relacionam com os fatos do “conhecimento pessoal” do julgador.

Caso o magistrado tenha ciência dos fatos específicos do litígio porque

os presenciou ou vivenciou a situação retratada nos autos, não tem a isenção

necessária para atuar no feito, já que passa a agir como testemunha, não tendo

mais a imparcialidade necessária para o julgamento.

Neste sentido, oportuno o magistério de Fábio Tabosa:

“Note-se que o uso da experiência pessoal, aqui admitido, não conflita

com o pressuposto da imparcialidade do juiz e com o distanciamento

que dele se espera: o que não se tolera é que tenha o julgador contato

prévio com o próprio fato a ser apreciado no processo ou com

circunstâncias que o cercam, ao passo que em matéria de presunção

se vale o magistrado da experiência comum (da qual partilham os

demais integrantes do grupo social) para desenvolver raciocínio lógico

que lhe permita chegar a uma conclusão em torno de fato que é, a

rigor, por ele desconhecido.” 166

166 Comentários de Fábio Guidi Tabosa Pessoa ao art. 335 do CPC inseridos na obra coordenada por MARCATO,

Antonio Carlos, Código de Processo Civil interpretado, nota 1, p. 1015.

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135

Cumpre salientar também que as máximas de experiência ora

estudadas não podem ser confundidas com fato notório.

Notório é o fato principal da demanda, dispensando prova por ser de

conhecimento geral e indubitável; os fatos notórios não dependem de um

raciocínio dedutivo do julgador para serem conhecidos.

Já as máximas induzem ao fato principal por meio de um raciocínio

lógico, resultam de uma atividade intelectual do julgador a partir da experiência

comum do que acontece na realidade ou de regras técnicas, não constituindo,

assim, o próprio objeto da demanda.

6.2.3. Importância das máximas de experiência para a efetividade da

prestação jurisdicional

Encampando o princípio da livre apreciação da prova, estabeleceu o

art. 131 do CPC, de aplicação subsidiária ao processo do trabalho, que “o juiz

apreciará livremente a prova”, observando com atenção os fatos e os elementos

dos autos, “ainda que não alegados pelas partes”.

Pretendeu, com isso, o legislador conferir liberdade ao magistrado na

apreciação das provas produzidas, atentando para todos os elementos

constantes nos autos, mesmo que as partes não os tenham alegado, a fim de

preservar o objetivo maior da atividade instrutória, qual seja, o resgate da

verdade dos fatos.

Como já ponderamos ao longo deste estudo, a grandeza da justiça se

atinge quando há um efetivo compromisso com a perquirição da verdade, motivo

pelo qual, a atividade judicial voltada para esta finalidade deve se valer de todos

os elementos e circunstâncias dos autos, sejam provas diretas, sejam métodos

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136

indiretos - presunções extraídas de fatos indiciários ou de máximas de

experiência.

A propósito, a verdade real emerge, por vezes, não da prova direta do

fato principal em que se fundamenta o litígio, mas da prova de fatos

circunstanciais, secundários à questão controvertida, tudo corroborado pelas

regras de experiência do que comumente ocorre, conforme se observa de

reiteradas situações semelhantes ocorridas no cotidiano, bem como retratadas

em outros processos.

Não raro ocorre tal situação no processo do trabalho, já que o contrato

laboral é consensual, não formal, caracterizando-se mais pela prestação de

serviços (animus contrahendi) do que pelo acordo formal, razão pela qual a

intenção e a vontade das partes externadas pelo labor por trato sucessivo

ganham especial importância.

No processo do trabalho as regras de experiência mostram-se de

grande valia na investigação da verdade e na solução justa dos conflitos, em

casos de inexistência de normas específicas aplicáveis às provas dos fatos

litigiosos.

Além de ser compatível com o processo laboral a regra do art. 335,

CLT, por força do quanto dispõem os artigos 765 e 769 da CLT, a própria

legislação consolidada prestigiou de forma expressa, na redação do art. 852-D, a

aplicação das regras de experiência comum e técnica, como poderosos

instrumentos a auxiliar o juiz na interpretação e na valoração dos elementos de

convicção dos autos, com vistas à justa pacificação do litígio.

A propósito, note-se que o juiz do trabalho, em razão da especialidade

da matéria de sua competência jurisdicional, acaba por acumular vasta

experiência a partir da análise dos fatos que ordinariamente acontecem nos

litígios ajuizados, extraindo daí regras de experiência comum que podem e

devem ser subministradas para a adequada distribuição da justiça. Por exemplo,

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137

o magistrado trabalhista sabe que diante de uma intensa precipitação pluvial, a

provocar a interrupção da atividade na lavoura, o trabalhado é provisoriamente

interrompido no respectivo período; em contrapartida, em períodos de safra, a

produção rural é maior, sendo intensificado o trabalho nestes dias; da mesma

forma, durante os períodos festivos intensifica-se o movimento no comércio, o

que demanda a prorrogação da jornada de trabalho, bem como fomenta as

contratações temporárias; os bancários estendem sua jornada em períodos de

balanço; as jornadas de trabalho apontadas de forma “britânica” nos cartões de

ponto presumem a ausência de veracidade das anotações.

Nas preleções de Carlos Alberto Reis de Paula o processo do trabalho

é seara fértil para aplicação das máximas de experiência como juízos auxiliares

no julgamento, in litteris:

“Se observarmos que o contrato é o núcleo do Direito do Trabalho, qual

seja, o contrato de trabalho é tecido no dia a dia, com todas as

circunstâncias e contingências que lhe são próprias, parece-nos lógico

chegarmos à conclusão que as máximas de experiência ocupam papel

de relevo na fase probatória no processo do trabalho. Em um pedido,

por exemplo, de equiparação salarial, a presunção que decorre da

circunstância de dois empregados desempenharem a mesma função, e

a observância de que, pelas normas de experiência, o previsível é que

o façam de forma igual, leva o juiz a presumir que o trabalho seja de

igual valor (art. 461, parágrafo 1º da CLT), cabendo ao empregador a

prova do contrário” 167.

A importância da utilização das regras de experiência, em

circunstâncias em que os meios de prova convencionais e as normas particulares

não se mostram adequados à justa solução da lide, também é largamente

acolhida pela jurisprudência. Senão, vejamos:

167 PAULA, Carlos Alberto Reis de, A especificidade do ônus da prova no processo do trabalho, p. 88.

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“Com sabedoria, o art. 852-D, trazido à CLT pela Lei nº 9.957/2000

(procedimento sumaríssimo), preceitua que neste tipo de ritualística

processual deve o juiz apreciar o conjunto probatório com "especial

valor às regras de experiência comum". Em assim sendo, correto o

entendimento de que descabe vale-transporte quando o reclamante

admite que ia trabalhar a pé e almoçava em casa, mormente quando

dos autos ainda se vê que residia próximo da empresa em que

laborava”. (RO – Rito Sumaríssimo. Data do julgamento: 20/01/2003.

Relator: Des. RICARDO VERTA LUDUVICE. Acórdão: 20030011714.

Processo nº 01295-2002-441-02-00-9. Ano: 2002. 7ª Turma do TRT/SP.

Data da Publicação: 07/02/2003)

“Estabilidade Acidentária - Art. 118 da Lei nº 8.213/91. Comprovado que

o trabalhador é portador de moléstia ocupacional adquirida no curso do

contrato de trabalho insta reconhecer a estabilidade preconizada no art.

118 da Lei nº 8.213/91, independentemente do afastamento mediante

percepção de auxílio-doença. Segundo as regras de experiência

subministradas pelo quê de ordinário ocorre, é razoável concluir que o

empregado somente não se afastou por temor às represálias patronais,

pois a doença de instalação lenta e insidiosa não ocorreu na última

semana da relação empregatícia. Reputa-se verificada a condição

quanto aos seus efeitos jurídicos na forma do artigo 120 do Código

Civil.” (RO. Data de julgamento: 23/04/2002. Relator: Des. PAULO

AUGUSTO CAMARA. Acórdão nº 20020261688. Processo nº:

20010168766. Ano: 2001. 4ª Turma do TRT/SP. Data de publicação:

07/05/2002).

“Jornadas "britânicas". A incidência do entendimento cristalizado na

Súmula no 338, III, do TST se justifica em face da hipossuficiência do

obreiro, segundo as regras ordinárias de experiência. Isto porque a

marcação de horário em moldes distintos do determinado pelo

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139

empregador implicaria eventual dificuldade em conservação do posto

de trabalho”. RO. Data de julgamento: 11/09/2008. Relator: Des.

ADALBERTO MARTINS. Acórdão: 20080801395. Processo nº: 01723-

2005-020-02-00-2. Ano: 2007. 12ª Turma do TRT/SP. Data da

publicação: 19/09/2008.

VÍNCULO DE EMPREGO. FATOS ALEGADOS PELAS PARTES.

FATOS NOTÓRIOS, USOS E COSTUMES COMO SUPORTES Á

SOLUÇÃO DA LIDE DIANTE DA FALTA DE CLAREZA ACERCA DA

RELAÇÃO MATERIAL. “Quando não há elementos nos autos que

evidenciem de maneira satisfatória qual a relação material efetivamente

havida entre as partes, diante da inafastabilidade da jurisdição e da fase

em que se encontra o feito, outra solução não há que não o uso de

fatos notórios, costumes e razoabilidade para se resolver o litígio. Não é

controvertido o fato de que houve prestação de trabalho, mas sim a

quem esta prestação esteve subordinada. Diante de tantas

contradições, considerando a notoriedade em torno do benefício que a

promoção de "ducha grátis" traz ao negócio de venda de combustível e,

ainda, considerando o costume nacional de se dar gorjetas, afasta-se a

tese de que não houve onerosidade, pois esta foi estribada no costume,

ambos os contratantes nele se pautaram para fixar a remuneração;

então, não poderá ser a forma de retribuição dos serviços (paga de

gorjetas, apenas) utilizada em juízo para beneficiar o reclamado como

significado de falta de onerosidade. Nem se diga que o raciocínio até

aqui realizado padece de suporte legal, pois o art. 8° da CLT prevê em

seu caput que se decida com base em usos e costumes e o art. 334 do

CPC, subsidiariamente aplicado ao Processo do Trabalho, prevê a

desnecessidade de se provarem fatos notórios, sendo que o art. 335 do

mesmo diploma processual autoriza o juiz a aplicar 'as regras de

experiência comum subministradas pela observação do que

ordinariamente acontece' para decidir o litígio”. RO. Data de julgamento:

04/11/2002. Relator: YONE FREDIANI. Acórdão: 20020726451.

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Processo nº: 36505-2002-902-02-00-8. Ano: 2002. 7ª Turma do

TRT/SP. Data da publicação: 22/11/2002.

“SIMULAÇÃO. UTILIZAÇÃO DE PROVAS INDICIÁRIAS. CABIMENTO.

Por sua própria natureza, o ato simulado não é facilmente detectável

por meio de provas concretas e diretas, pois realizado com o objetivo

de “dar aparência de legalidade”, apresentando-se externamente

perfeito “aos olhos da lei”, mas escondendo elementos subjetivos que

olvidam a legalidade e até mesmo a moralidade. Daí o porquê de o ato

simulado ser, por excelência, constatado através de indícios e máximas

de experiência, de forma a trazer à baila vícios ocultos em

contraposição ao aspecto exterior de legalidade” (Autos nº 0108/2004-

000-24-00-3-AR.0 – Relator: Amaury Rodrigues Pinto Júnior.

Publicação: DO Nº 6371 de 23.11.2004 pág. 26). Processo TST-ROAR-

213-2005-0024-00.3.

Como pudemos verificar, as presunções, os indícios e as máximas de

experiência desempenham função de destaque para a correta valoração da

prova, devendo o julgador, com fundamento no princípio da persuasão racional,

lançar mão destes instrumentos sempre que entender necessário para o resgate

da verdade dos fatos que, muitas vezes, não se revela pelos elementos diretos,

mas sim por meio das circunstâncias secundárias dos autos e pelas regras de

experiência da vida.

Assim o fazendo, estará o juiz preservando o escopo social do

processo (justa pacificação do conflito) e garantindo efetividade à prestação

jurisdicional.

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7. ÔNUS DA PROVA:

7.1. Construção da teoria contemporânea do ônus da prova:

As regras sobre distribuição do ônus da prova entre os litigantes

sempre renderam inúmeros debates no mundo jurídico, que remontam a priscas

eras.

Há registros de que na antiguidade a decisão penderia, caso as provas

produzidas não convencessem, em favor de quem tivesse maior honorabilidade,

quem fosse mais probo, sendo que na hipótese de idêntica reputação entre os

litigantes, o julgamento seria favorável ao réu.

O Direito Romano conferiu caráter mais objetivo às regras sobre

distribuição da prova, atribuindo, ainda que de forma incorreta, o ônus apenas ao

autor, eis que era ele quem afirmava e, com base nisso, provocava a atuação

judicial; o réu, ao negar o fato, não atraía para si o encargo da prova. O equívoco

da conclusão, nesta fase do direito, residia no fato de que ao réu nunca era

transferido o encargo de produzir a prova, ainda que, além de negar, alegasse

fatos que se opusessem aos aduzidos pelo autor.

Posteriormente, o Direito Romano, reconhecendo que a resposta do

réu poderia conter também uma afirmação (extintiva, impeditiva ou modificativa),

e não apenas a negação do quanto dito pelo autor, ao ele foi atribuído o ônus da

prova quanto à exceção alegada em defesa (“reus in excipiendo fit actor”),

segundo a regra de Ulpiano (Digesto): “reus in exceptione actor est”.

Os glosadores, ao manusearam os textos romanos, acabaram por

imprimir um retrocesso nas regras sobre provas, concluindo que apenas os fatos

afirmativos eram objeto de prova, e nunca os negativos (“negativa non sunt

probanda”); incorreta tal interpretação, eis que uma alegação negativa pode

trazer em si uma verdadeira afirmação, razão pela qual incumbe à parte que a

alegar a prova do “fato negativo”, conforme será melhor estudado adiante.

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Tal concepção acabou sendo encampada pelo direito medieval (em

razão do período da inquisição), passando pelo direito português antigo e

repercutiu no direito nacional, sendo incorporada pelo Código de Processo Civil

de 1939.

Entre este período romano e o estabelecimento das normas

contemporâneas que regem a distribuição do ônus da prova foram desenvolvidas

várias teorias a respeito do tema, tendo contribuído para a construção do que

conhecemos hoje na legislação processual vários doutrinadores, dentre eles

Lessona, Bentham, Webber, Bethmann-Hollweg, João Monteiro e outros,

conforme bem retratado por Moacyr Amaral Santos.168

Os diversos estudos desenvolvidos acerca da questão relativa ao ônus

da prova tiveram grande valor na construção da teoria atual, eis que conferiram

nova interpretação aos textos romanos, distribuindo adequadamente o ônus da

prova, atribuindo ao autor o encargo da prova quanto aos fatos sobre os quais se

fundamentava a pretensão, bem como ao réu o ônus da prova quando, a

despeito de negar a situação alegada na inicial, opusesse um fato impeditivo,

modificativo ou extintivo do direito do adversário. Conferiu-se, portanto, adequada

interpretação à antiga regra de Ulpiano: “reus in exceptione actor est”.

Carnelutti, ao elaborar uma teoria sobre o ônus da prova, vinculava o

ônus ao interesse na própria afirmação, vejamos:

“O ônus em provar recai sobre quem tem o interesse em afirmar;

portanto, quem propuser a pretensão tem o ônus de provar os fatos

constitutivos, e quem propuser a pretensão, tem o ônus de provar os

fatos extintivos ou as condições impeditivas ou modificativas (supra, nº

23). Este é um critério coerente com o conteúdo do litígio, posto que se

funda na diferença entre defesa e exceção (supra, nº 126); é, além

disso, um critério sugerido por uma regra de exceção, posto que quase

168 Primeiras linhas de direito processual civil.

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143

sempre aquele em cujo favor um fato constitui a base de uma

pretensão ou de uma exceção, proporciona-se a disponibilidade dos

meios necessários para demonstrá-lo”.169

Da mesma forma, contribuiu de forma relevante para a construção do

modelo albergado por nosso ordenamento jurídico o processualista italiano

Chiovenda, ao desenvolver teoria segundo a qual a cada uma das partes seria

atribuído o ônus de provar os fatos em relação aos quais tivesse interesse em

demonstrar como verdadeiros, atrelando a distribuição do encargo probatório

segundo a natureza destes fatos.170

Amaral Santos, perfilhando-se às lições de Chiovenda, assim

esclareceu acerca da teoria desenvolvida pelo consagrado jurista:

“Ao autor cabe dar a prova dos fatos constitutivos da relação jurídica

litigiosa. O réu, por seu lado, deve prover a prova de suas afirmações,

o que pode acontecer de dois modos: a) se alega fatos que atestam,

direta ou indiretamente, a inexistência dos fatos alegados pelo autor

(prova contrária, contraprova); b) se alega fatos impeditivos, extintivos

ou modificativos, ou que obstem efeitos ao fato constitutivo (prova da

exceção, no sentido amplo)”.171

Sem embargo das diversas teorias desenvolvidas acerca das regras da

distribuição do encargo probatório, importante ressaltar que em nosso

entendimento a maior colaboração da doutrina contemporânea para a evolução

do tema foi concluir que as regras do ônus da prova são, na verdade, “regras de

julgamento”.

169 CARNELUTTI, Francesco, Sistema de direito processual civil, p. 133.

170 CHIOVENDA, Giuseppe, Instituições de direito processual civil, p. 935.

171 SANTOS, Moacyr Amaral, Primeiras linhas de direito processual civil, p. 347.

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A propósito, embora a lei processual em vigor trace parâmetros,

segundo a natureza do fato (Chiovenda), a respeito de quem assume o risco da

prova, o juiz somente aplicará as regras do “ônus da prova” no momento da

prolação da sentença, proferindo decisão desfavorável à parte a quem incumbia

o encargo de provar o fato e não o fez.

Neste sentido, Pontes de Miranda assim ponderou:

“Em verdade, as regras sobre conseqüências da falta da prova

exaurem a teoria do ônus da prova. Se falta prova, é que se tem de

pensar em se determinar a quem se carga a prova. O problema da

carga ou ônus da prova é, portanto, o de determinar-se a quem vão as

conseqüência de se não haver provado; ao que afirmou a existência do

fato jurídico (e foi, na demanda, o autor), ou a quem contra-afirmou

(=negou ou afirmou algo que exclui a validade ou eficácia do fato

jurídico afirmado), seja o outro interessado, ou, na demanda, o réu”. 172

Neste sentido, o juiz socorrer-se-á destas regras se não restar provado,

por qualquer meio, ainda que adequada exaustivamente subministrados os

poderes instrutórios que lhe são conferidos por lei, o fato sobre o qual se baseia a

pretensão.

Por outro lado, se o fato for provado, a prova é incorporada ao

processo (princípio da comunhão da prova), não interessando ao julgador quem a

tenha produzido, razão pela qual, nesta situação ora delineada, as regras sobre

distribuição do ônus da prova passam a ser absolutamente irrelevantes.

Com isso, importante frisar que as regras sobre o risco da prova não

podem mais representar óbice à oportuna utilização dos poderes instrutórios do

juiz, sobretudo porque o momento crucial para a invocação destas regras é o da

prolação da sentença, e não durante a instrução processual. Não devem,

172 Comentários ao Código de Processo Civil, p. 271.

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portanto, inibir a atividade oficial na investigação da verdade, não servindo como

limitador à boa administração da justiça.

7.2. Ônus como “interesse” e “necessidade” de provar:

Ônus da prova consiste no interesse da parte em demonstrar os fatos

trazidos a juízo, em fazer valer a verdade dos fatos por alegados e sobre os quais

se fundamenta a pretensão ou a defesa, a fim de formar o convencimento do

julgador.

Vincula-se firmemente à idéia de encargo, de faculdade, de risco

processual, porquanto traz como consequência a potencial rejeição da pretensão

daquele que tinha o ônus de provar e não o fez.

Conforme sábias palavras de Ísis de Almeida:

“No ônus da prova há uma incumbência, um encargo. (...) O que se

pretende com ‘onus probandi’ é definir responsabilidades processuais

na demonstração legal de fatos que precisam vir à luz e cuja

veracidade precisa ser evidenciada ou revelada ao juiz.” 173

Verifica-se, portanto, que o ônus da prova vincula-se diretamente à

idéia de interesse e de risco da prova, arcando a parte a quem incumbia a

faculdade de produzir a prova e não o fez com o risco da decisão desfavorável à

sua pretensão.

Não se deve confundir “ônus” com dever ou obrigação, eis que o ônus

vincula-se à idéia de interesse, sendo que a omissão da parte que tinha o

encargo da prova e dele não se desonerou não lhe renderá a aplicação de uma

sanção processual, mas apenas experimentará os prejuízos decorrentes de sua

173 ob. cit., 10ª edição, vol. II, pág. 123:

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abstenção. Neste sentido, foi Carnelutti quem melhor distinguiu ônus de

obrigação.

7.3. Ônus subjetivo e ônus objetivo:

Consoante esclarecido anteriormente, a idéia de ônus está vinculada à

de “risco” da atividade probatória, que será suportado pelo litigante que deixar de

se desincumbir de seu encargo na realização da prova do fato que lhe favorecia.

Consiste, portanto, o ônus subjetivo em saber-se quem dos

contendores suportará o “risco da prova frustrada”174.

Neste sentido, oportunas as lições de Carlos Alberto Reis de Paula:

“Sob o primeiro aspecto, o ônus da prova aparece como uma regra de conduta

para as partes, na medida em que assinala os fatos que a cada um interessa

provar, para que logre êxito em sua pretensão ou exceção” 175.

O ônus subjetivo, portanto, diz respeito às regras de repartição do ônus

da prova, à distribuição entre as partes do encargo da produção da prova,

segundo os parâmetros estabelecidos nos artigos 333 do CPC e 818 da CLT.

Representa justamente a necessidade e a faculdade do litigante em

provar o fato sobre o qual se fundamenta sua pretensão, incumbindo ao autor a

prova do fato constitutivo do direito alegado e ao réu a prova do fato modificativo,

impeditivo ou extintivo do direito do ex adverso.

As partes, ao comparecerem em juízo, tem interesses antagônicos,

sendo que o êxito ao final da demanda depende da produção da prova da

veracidade do fato alegado e do convencimento do magistrado durante a

instrução do processo.

174 Neste passo, a doutrina de Manoel Antonio Teixeira Filho, A Prova no Processo do Trabalho, pág. 110.

175 A especificidade do ônus da prova no processo do trabalho, p. 115.

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147

Já o ônus objetivo, em que pese a impropriedade da denominação,

uma vez que ao juiz não incumbe qualquer ônus, reflete nada mais do que o

princípio da comunhão das provas.

Uma vez produzida a prova no processo, não interessa ao julgador, ao

formar o seu convencimento a partir dela, quem a produziu, mas sim o fato

demonstrado. Se, por exemplo, o reclamante pleiteia horas extras, que acabam

sendo provadas por meio das testemunhas da reclamada, a prova produzida

passa a pertencer ao juízo, sendo considerada como elemento de convicção do

julgador.

Tem, portanto, o condão de formar o convencimento do julgador,

independente de quem tenha produzido, razão pela qual o ônus objetivo é

considerado pela doutrina como regra de julgamento.

A partir do momento em que se produziu a prova, passa a pertencer ao

processo (destinatário da prova), tendo em vista o princípio da comunhão ou da

unidade da prova, sendo a finalidade primordial da atividade instrutória a

formação do convencimento do julgador.176

Neste sentido, leciona Vicente Greco:

“À parte incumbe o ônus da prova de determinados fatos (ônus

subjetivo), mas ao apreciar a prova produzida não importa mais quem a

apresentou, devendo o juiz levá-la em consideração (ônus objetivo).”177

Em complemento às lições do mestre civilista, trouxemos também o

magistério de Teixeira Filho:

176 NERY JUNIOR, Nelson, in Código de processo civil comentado, p. 606, assinala que o destinatário da prova é o

processo, embora afirme que a atividade probatória, após adquirida pelo processo, tem por fim “convencer o juiz da

existência do fato e do conteúdo da prova”.

177 ob. cit., pág. 190

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148

“Adotando como critério os sujeitos do processo, o eminente Coqueijo

Costa (“Direito Judiciário do Trabalho”, Rio de Janeiro, Forense, 1978,

pág. 290), provavelmente com apoio em Cintra, Grinover e Dinamarco

(ob. cit., pág. 318), distingue entre ônus subjetivo e ônus objetivo,

consistindo o primeiro na indagação que se deve fazer acerca de qual

dos litigantes deve suportar o “risco da prova frustrada”, sendo que o

segundo se volta para o magistrado, porquanto, para este, quando da

elaboração da sentença, importará o demonstrado e não quem o

demonstrou.”178

Analisemos a questão à luz de um exemplo extraído do cotidiano

forense: o autor reclama equiparação salarial; traz testemunhas que corroboram

a identidade de funções, bem como o trabalho com a mesma perfeição técnica e

a mesma produtividade; o réu, que em defesa admite a identidade funcional,

opondo-lhe, todavia, a diferença de qualidade de trabalho, produz prova

testemunhal que confirmam a tese ventilada na contestação; ante a prova

aparentemente conflituosa (testemunhos dissonantes sobre os mesmos fatos), o

juiz, esgotada a atividade instrutória da qual participou ativamente em busca da

verdade real – acareando as testemunhas e até mesmo ouvindo testemunhas

referidas -, provavelmente julgará em favor do autor, uma vez que o réu, embora

tenha oposto fato impeditivo, não se desvencilhou do ônus que lhe incumbia.179

Desta feita, sendo o juiz soberano na livre apreciação da prova colhida

durante a instrução processual, independentemente de ter sido produzida pelo

autor ou pelo réu, ou ainda provocada pela atividade instrutória complementar do

próprio julgador, deverá decidir segundo seu convencimento acerca dos

178 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio, A prova no processo do trabalho, pág. 110

179 Segundo Humberto Theodoro, ob. cit., pág. 382: “Falta de prova ou prova incompleta equivalem-se, na sistemática

processual do ônus da prova”. Em nota de rodapé, cita os seguintes julgados: “No entrechoque de provas, quando a prova

testemunhal de ambas as partes for de igual força, prevalece a produzida pelo réu” (TJSC, Apel. 22.741, ac. de 30.03.78,

in RT, 515/204). “Havendo equivalência das provas apresentadas pelos contendores, que se entrechocam e se excluem,

não se pode ter como provada a pretensão deduzida em juízo.” (TAMG, Apel. 22.741, ac. de 06.05.83, in DJMG de

15.11.83).

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149

elementos existentes nos autos, independentemente de quem o tenha trazido ao

processo.

7.4. Regras de distribuição do ônus da prova:

Respeitável parcela da doutrina trabalhista tem considerado a dicção

do art. 818 da CLT suficiente para regulamentar a matéria relativa à distribuição

do ônus da prova.

Neste compasso, César Pereira da Silva Machado Júnior, em seu

estudo sobre ônus da prova, esclarece que o art. 818 da CLT estabelece os

mesmos parâmetros sobre a distribuição do encargo probatório às partes

daqueles referidos no art. 333 do CPC, razão pela qual não se justificaria a

aplicação supletiva deste ao processo do trabalho, ex vi do art. 769 da CLT.

Assim justifica seu entendimento:

“No nosso ponto de vista, os artigos 818 da CLT e 333 do CPC dizem

única e exclusivamente a mesma coisa, e a aplicação exclusiva do art.

818, com exclusão da aplicação subsidiária do art. 333 do CPC, em

nada altera a situação que enfrentamos na prática diária do foro”.180

Na mesma toada, Manoel Antonio Teixeira Filho, cujo magistério

transcrevemos:

“Concluímos, portanto, que o art. 818 da CLT, desde que o intérprete

saiba captar, com fidelidade, o seu verdadeiro conteúdo ontológico,

deve ser o único dispositivo legal a ser invocado para resolver os

problemas relacionados ao ônus da prova no processo do trabalho,

vedando-se, desta forma, qualquer invocação supletiva do art. 333, do

180 MACHADO JR., César Pereira da Silva, O ônus da prova no processo do trabalho, p. 94.

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CPC, seja porque a CLT não é omissa, no particular, seja porque há

manifesta incompatibilidade com o processo do trabalho”.181

Os argumentos invocados por estes estudiosos atuam em duas frentes:

a existência de norma trabalhista expressa a respeito da distribuição do ônus da

prova, não havendo, portanto, omissão a autorizar a migração supletiva de norma

do processo civil, sendo tautológica a aplicação subsidiária da norma processual;

a outra reputa incompatível a regra esculpida no art. 333 do CPC, esteada na

igualdade formal entre as partes, com a relação de desigualdade real entre os

litigantes verificada no âmbito do processo do trabalho. Ausentes, portanto, os

requisitos previstos no art. 769 da CLT para a aplicação subsidiária da lei

processual civil, neste particular.

Teixeira Filho, procurando justificar o seu posicionamento, ilustra com o

seguinte exemplo: o empregador, ao impugnar em defesa a jornada

extraordinária aduzida na inicial, tem o ônus de provar o horário de trabalho

ordinariamente cumprido pelo trabalhador, eis que a tese da defesa

fundamentou-se na afirmação de um fato positivo, razão pela qual tem o encargo

de provar tal fato, conforme preconiza a regra eficaz do art. 818 da CLT;

esclarece que não se trata de uma inversão do ônus da prova, como alguns

desavisadamente entendem, mas sim da correta exegese do art. 818 da CLT.

Caso fosse aplicado o art. 333 do CPC, o ônus da prova seria exclusivamente do

empregado, eis que o labor extraordinário é fato constitutivo do direito

perseguido, interpretação esta equivocada, no entender do jurista em comento.

E assim arremata o doutrinador:

“Isto nos leva a afirmar, por conseguinte, que a grande tarefa da

doutrina trabalhista brasileira, que tanto se tem empenhado em

cristalizar o princípio da inversão do ônus da prova, em benefício do

trabalhador – cuja preocupação, aliás, tem unido pensadores de

181 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio, A prova no processo do trabalho, p. 126.

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diversos países – consistirá em encontrar, no próprio conteúdo do art.

818 da CLT, os fundamentos que até então vem procurando,

abstratamente, para dar concreção ao princípio da inversão do encargo

da prova em prol do trabalhador”.182

Neste ponto, a construção doutrinária desenvolvida por aqueles que

rejeitam a aplicação supletiva do art. 333 do CPC também tem por fundamento,

além dos motivos referidos acima, a relação de instrumentalidade entre o direito

substancial e o direito processual do trabalho. Segundo tal corrente de

pensamento, a desigualdade real existente entre as partes envolvidas no contrato

de trabalho não se dissipa quando transportada para o processo, como bem

retratado por Giovanni Tesorierí, in litteris:

“Quando o dador de trabalho e o trabalhador assumem no processo as

vestes formais de partes, não cessam por isso de ser o que sempre

terão sido; a história das suas relações não se transforma num outra

história: é a mesma, que continua”. 183

Em que pesem os habilidosos argumentos utilizados por este primeiro

segmento doutrinário, entendemos ser aplicável a regra de repartição do ônus da

prova prevista no art. 333 do CPC supletivamente ao processo do trabalho, no

que comungamos do mesmo posicionamento de Ísis de Almeida184, Amador Paes

de Almeida185, Wilson de Souza Campos Batalha186, Carlos Alberto Reis de

182 Ob. cit., p. 124.

183 Lineamenti di Diritto Processuale dei Lavoro, Padova, Cedam, 1975, p. 4, apud TEIXEIRA FILHO, ob. cit., p. 125.

184 Manual de direito processual do trabalho, p. 123.

185 Curso prático de direito processual do trabalho, p. 160.

186 Tratado de direito judiciário do trabalho, p. 496.

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Paula187, Francisco Antônio de Oliveira188, Jorge Luiz Souto Maior189, Carlos

Henrique Bezerra Leite190, dentre outros191.

No nosso sentir, a dicção do art. 818 da CLT é genérica e lacônica, não

contemplando com precisão a natureza do fato192, conforme lições de Chiovenda

ao dispor sobre repartição do encargo probatório.

Fiando-nos exclusivamente na regra do art. 818 da CLT,

encontraríamos grande dificuldade na repartição do ônus da prova, notadamente

no que pertine ao risco da prova frustrada, ou seja, a quem seria atribuído este

risco da prova desfavorável no momento do julgamento.

Ao enunciarmos que a prova incumbe a quem alega nada mais

preconizamos senão um princípio genérico, que requer uma explicitação

necessária, como o fez o art. 333 do Código de Processo Civil.

Em que pese não haver efetiva omissão na legislação trabalhista

acerca do tema, é certo que o art. 818 da CLT não é suficiente ao

estabelecimento das regras relativas à distribuição do ônus da prova. Já a norma

do art. 333 do CPC traz o detalhamento necessário das regras acerca da

distribuição do ônus da prova, tratadas de forma simplista pelo art. 818 da CLT.

187 Ob. cit., p. 130.

188 A prova no processo do trabalho, p. 58.

189 Direito processual do trabalho, p. 174.

190 Curso de direito processual do trabalho, pp. 560 e 561.

191 Há ainda quem entenda que nenhum dos dois artigos referidos se presta ao regramento da matéria de distribuição do

ônus da prova, já que ambos se mostram incompatíveis com as particularidades do direito do trabalho, conforme ponto de

vista expresso por Guilherme Guimarães Feliciano, no artigo “Distribuição Dinâmica do Ônus da Prova no Processo do

Trabalho – critérios e casuística”, Revista LTr de agosto/2008, p. 921, ora transcrito: “A regra do art. 818 da CLT é obsoleta

(...). Já as regras do art. 333 do CPC consubstanciam a teoria das normas jurídicas de Rosenberg, que pretendeu distribuir

o ônus da prova conforme a textura da norma jurídico-material a amparar as pretensões (meados do século XX). Ambas

são inaptas a regular, de modo absoluto, a dinâmica de um processo tão veloz, garantista e tuitivo como é o processo do

trabalho, que envolve, em via de regra, pretensões vinculadas à violação de direitos fundamentais”.

192 Abrindo parêntese, como será analisado no corpo do texto, a tese da “natureza do fato” e a igualdade formal entre as

partes, fundamentos em que se baseia a regra do art. 333 do CPC, devem sofrer adequações quando inseridas no

contexto do processo do trabalho, em razão de suas peculiaridades, todavia, nada a inviabilizar a aplicação subsidiária da

norma ao ramo especializado do direito.

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No que pertine à segunda condição para aplicação subsidiária do

dispositivo processual civil, qual seja, a compatibilidade com o processo do

trabalho (CLT, art. 769), também não vislumbramos qualquer óbice neste

particular. Embora a regra do art. 333 do CPC esteja fundamentada na igualdade

formal das partes, situação esta que não se verifica da mesma forma no processo

do trabalho, quando é transportada para a relação processual trabalhista, a

norma passa a sofrer algumas adaptações para atender aos ditames deste ramo

especializado do direito, consoante critérios adiante esclarecidos.

Com efeito, uma vez transplantado o art. 333 do CPC ao processo do

trabalho, deve adequar-se às particularidades do direito e do processo do

trabalho, notadamente em função da inegável desigualdade real das partes e da

dificuldade natural que um dos litigantes tem para dispor da prova dos fatos que

alega em juízo.

Para que o processo possa conferir efetividade ao direito material,

compondo o litígio com justiça, deve contar com os meios necessários a garantir

que este objetivo seja atingido.

Neste compasso, as regras sobre ônus da prova tratadas no art. 333

do CPC, aplicadas supletivamente ao processo do trabalho, devem se amoldar

às demandas e às necessidades do direito material, a quem o processo serve de

instrumento para a plena concreção.

Cumpre, assim, distribuir-se o encargo probatório entre as partes de

modo a observar quem tem aptidão para a produção da prova (o ônus deve ser

cumprido por aquele que tiver maior facilidade e acesso à prova), permitindo-se,

destarte, que o magistrado não fique adstrito ao rigor excessivo das regras de

distribuição do ônus da prova impostas abstratamente pela legislação processual

civil.193

193 PAULA, Carlos Alberto Reis de, A especificidade do ônus da prova no processo do trabalho, p. 130.

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A repartição do ônus da prova prevista no art. 333 do CPC, portanto,

para que tenha eficácia no processo laboral, merece ser feita de forma dinâmica,

com vistas sempre às especificidades deste ramo do direito, atendendo, em

última análise, aos fins sociais ao qual se destina.

Em abono à tese da aptidão para a prova como hábil meio a adequar

as regras de distribuição do ônus da prova com as peculiaridades do processo do

trabalho, oportuno o magistério de Jorge Luiz Souto Maior:

“De qualquer modo – não se pode negar – o texto da CLT é vago, e a

sua interpretação não está, obrigatoriamente, presa à sua gênese

histórica. Isto possibilita que se faça uma interpretação criativa de seu

conteúdo, para que se realize uma distribuição do ônus da prova no

processo do trabalho mais condizente com as características da

relação de direito material, utilizando-se da concepção de que a

realização da prova compete à parte que tiver maior aptidão para a sua

produção e do reconhecimento de que tal distribuição do onus probandi

pode, e deve, embasar-se em critérios determinados pela presunção

hominis (as máximas de experiência), que possibilitam adotar como

verdadeira, até prova em contrário, a alegação verossímil”. 194

Acrescente-se que a relação processual é regida também pelo princípio

da boa-fé dos litigantes, motivo pelo qual aquele que tiver maior acesso e,

portanto, mais aptidão para a produção da prova, deve fazê-lo, uma vez que na

visão publicística contemporânea, o processo não é movido em benefício das

partes, mas sim em prol do interesse público e coletivo maior da realização da

Justiça. Por esta razão, dos litigantes não pode ser exigida conduta processual

diversa, porquanto a existência da relação processual se justifica, no dias atuais,

por uma finalidade social superior à vontade e à autonomia privada.

194 Direito processual do trabalho, p. 174.

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Neste contexto, a Constituição Federal de 1988, atenta a esta

concepção mais moderna do direito e das relações sociais, inseriu no título

destinado à ordem econômica a função social da propriedade (art. 170, III e VIII).

Esta idéia traz em seu bojo a responsabilidade social da empresa, em juízo e fora

dele. Decorre daí a conclusão de que o empresário deve apresentar durante o

processo, por boa-fé e em razão da responsabilidade social que tem, todas as

provas de que disponha, notadamente aquelas que, por expressa disposição

legal, tem o dever de manter em seus arquivos (CLT, artigos 41, 42, 74, 157,

dentre inúmeros outros).

Com fundamento nestas premissas foi construída a jurisprudência

trabalhista, como se observa, por exemplo, na Súmula 338 do C. TST195. O

Judiciário Trabalhista, cujo principal escopo é a distribuição da justiça social,

sempre esteve atento ao dinamismo das regras de repartição do ônus da prova,

subministrando-as à luz das especificidades deste ramo do direito, do princípio da

aptidão para a produção da prova, das máximas de experiências e presunções.

Concluímos, com isso, que o juiz, no momento de decidir, deve

subministrar as regras de distribuição do ônus da prova previstas no art. 333 do

CPC à luz das demandas e das particularidades do direito e do processo do

trabalho, sem se olvidar dos demais recursos coadjuvantes196 a auxiliá-lo no

julgamento, tudo de modo a garantir que o escopo social do processo seja

atendido, eliminando os conflitos com o máximo de justiça.

195 Segundo a Súmula 338, embora o empregado esteja onerado com o risco da prova das horas extras (fato constitutivo

de seu direito ao pagamento), tendo em vista que o meio de prova está em poder da parte contrária (se, no caso, o

reclamante alegar que os cartões revelam a verdade dos fatos alegados na inicial) – aptidão para a prova, deste passa a

ser o ônus processual. Isto porque, empregando o réu mais de dez trabalhadores, de acordo com a regra do art. 74 da

CLT, tem o dever (agora não se trata de ônus) legal de manter tais documentos em seu poder, bem como de apresentá-los

em juízo, se intimado pelo magistrado, sobretudo porque os cartões contêm informações comuns às partes (arts. 355, 358,

incisos I e III, CPC). Deixando de apresentar em juízo os referidos documentos, os fatos constitutivos do direito do autor

serão presumidos verdadeiros (desonerando-se o autor do encargo da prova).

196 Tais mecanismos de que se vale o magistrado no julgamento, consoante já analisado, são as máximas de

experiências, as presunções e, em último caso, quando a prova conflituosa e dividida provocar estado de perplexidade, o

princípio in dubio pro misero, importante instrumento a auxiliá-lo na valoração dos elementos de convicção existentes nos

autos.

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Somente assim estará garantindo efetividade ao direito, à prestação

jurisdicional e atendendo ao fim social do processo do trabalho.

Neste sentido, lapidares são as lições de Francesco Carnelutti,

destacando a importância da interpretação teleológica das regras do ônus da

prova:

“Somente assim o ônus da prova constituiria um instrumento para

alcançar a finalidade do processo, que não é a simples composição,

mas a composição justa do litígio: destarte, reage sobre a parte que

pode contribuir mais utilmente para convicção do juiz; e, por isso,

quando tal convicção tiver de se formar da falta de prova, ou seja,

quando o juiz tiver de desatender uma afirmação porque a parte não a

provou, oferece a probabilidade máxima da coincidência de tal

convicção com a realidade”.197

7.5. Visão contemporânea da teoria do ônus da prova e o princípio

inquisitivo:

A instrução processual trabalhista é norteada eminentemente pelo

princípio inquisitivo198, incumbindo ao juiz ampla atividade oficial no sentido de

investigar a verdade dos fatos. Esta é a conclusão que se extrai da dicção do

artigo 765 da CLT.

Na concepção dos processualistas modernos, a instrução no processo

civil também conta com a ativização da conduta do julgador (CPC, art. 130), a fim

de que a decisão judicial se aproxime o máximo possível da realidade dos fatos,

decidindo o litígio de forma efetiva e justa.

197 CARNELLUTI, Sistema de direito processual civil, pp. 132 e 133.

198 Não se trata de exceção ao princípio dispositivo, uma vez que este se refere exclusivamente à impossibilidade do juiz

de conhecer de ofício questões que dependam da provocação das partes. O referido princípio não se estende, todavia, à

fase instrutória, eis que esta se desenvolve por impulso oficial, tendo sido a iniciativa probatória do juiz albergada pela

sistemática processual hodierna.

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157

Para tanto, a regra contemplada no art. 333 do CPC deve ser

interpretada com vistas à concretização destes ideais, notadamente com a

finalidade de possibilitar a justa composição do litígio.

Ao analisarmos o art. 333 do CPC, à luz dos artigos 130 do mesmo

diploma legal e 765 da CLT, notamos que a regra nele contida somente ganha

sentido como parte integrante do sistema processual em que está inserida se for

compreendida como regra de julgamento.

Não se pode admitir que a teoria do ônus da prova esculpida no art.

333 do CPC (e equivalente 818 da CLT) tenha o condão de obstar a atividade

instrutória oficial na busca da verdade, sob pena de tornar letra morta as

disposições contempladas nos artigos 130 do CPC e 765 da CLT.

As regras de distribuição do ônus da prova devem servir de orientação

às partes durante a instrução processual, não inibindo de forma alguma a

iniciativa oficial, cumprindo ao juiz determinar a produção de quaisquer provas

que entender pertinentes e cabíveis para o resgate da realidade que não tenha

sido revelada pelas partes nos autos.

A propósito, a respeitabilidade e a credibilidade no Poder Judiciário,

nos dias atuais, estão diretamente vinculadas à entrega de um provimento judicial

que seja efetivo e justo. E, não raras vezes, um dos litigantes sequer detém

aptidão para a produção da prova necessária à demonstração de seu direito,

motivo pelo qual a aplicação das regras do ônus da prova durante a instrução

processual, como método limitador da atividade instrutória oficial, como pensam

alguns, representaria entregar à sociedade uma solução cômoda e injusta, o que

não se coaduna com as demandas sociais no mundo contemporâneo.

Embora a doutrina tradicional vincule o resultado do litígio meramente

ao ônus da prova, não concordamos com tal conclusão, porquanto a própria

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legislação cuidou para dotar o juiz de amplos poderes investigatórios para que o

conflito fosse pacificado com justiça.

Neste sentido, ao analisar as “tendências modernas sobre o ônus da

prova”, Chiovenda, em sua visão vanguardista do processo, assim ponderou:

“Num sistema que admitisse a pesquisa de ofício da veracidade dos

fatos, não teria significação à repartição do ônus da prova. Ora,

acontece, justamente, que, a passo com a tendência contrária ao

princípio dispositivo na verificação dos fatos, se manifesta uma

tendência contrária a repartição legal do ônus da prova, do que

encontramos vestígios já na doutrina e mesmo nas obras legislativas

mais recentes.

Assim que, por exemplo, KOHLER, Civilprozessrecht, parágrafo 55,

reputa toda a doutrina sobre o ônus da prova como própria de um

período ‘já sobrepassado’, como uma derivação do sistema da prova

legal.”199

As regras de distribuição do ônus da prova, portanto, devem constituir

o último recurso de julgamento de que deve dispor o magistrado, a fim de evitar a

situação do non liquet expressamente vedada por lei (CPC, art. 126), após

esgotar todos os meios de que dispõem para a investigação da verdade real

(atividade instrutória ampla), conforme magistério do processualista Bedaque:

“As regras referentes à distribuição do ônus da prova devem ser

levadas em conta pelo juiz apenas e tão-somente no momento de

decidir. São regras de julgamento, ou seja, destinam-se a fornecer ao

julgador meios de proferir a decisão, quando os fatos não restaram

suficientemente provados. Antes disso, não tem ele de se preocupar

com as normas de distribuição do ônus da prova, podendo e devendo

esgotar os meios possíveis, a fim de proferir julgamento que retrate a

199 CHIOVENDA, Giuseppe, Instituições de direito processual civil, p. 945.

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realidade fática e represente a atuação da norma a situação

apresentada em juízo.” (...) Em síntese, o poder instrutório do juiz,

previsto no art. 130, não se subordina às regras sobre o ônus da prova;

e não as afeta, visto que são problemas a serem resolvidos em

momentos diversos.”200

No mesmo diapasão, o entendimento de Barbosa Moreira:

“Isso em nada afeta, e em nada se contrapõe à iniciativa oficial, porque

a aplicação das regras sobre o ônus da prova, o julgamento segundo o

ônus da prova, é uma tragédia psicológica para qualquer juiz de

sensibilidade apurada. Esse julgamento, segundo o ônus da prova, só

deve sobrevir depois que se esgotarem todos os meios. E não está dito

em parte alguma que entre esses meios não possa figurar a iniciativa

oficial do juiz.”201

Esclarecemos, por fim, que o fato do juiz ter o poder-dever de perquirir

a verdade durante da instrução processual, em razão do interesse público maior

na realização do direito, também não implica afirmar que as partes não tenham o

encargo de demonstrar os fatos em que fundamentam suas pretensões. O ônus

de provar persiste como orientação de conduta dos litigantes durante a instrução

processual, não obstando, porém, a iniciativa oficial no perquirição da verdade,

motivo pelo qual as regras que regem a distribuição deste encargo somente

podem ser invocadas pelo julgador no momento do julgamento.202

200 BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Poderes instrutórios do juiz, p. 86.

201 BARBOSA MOREIRA, “O juiz e a prova”, in Repro 35/181-182, apud BEDAQUE, ob. cit., p. 87, nota de rodapé 200.

202 NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade, Código de Processo Civil comentado, p. 389, nota 2 ao art.

130 do CPC.

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7.6. Inversão do ônus da prova:

A regra da distribuição do ônus da prova erigida no art. 333 do CPC,

como vimos, parte da igualdade formal entre os litigantes, que teriam as mesmas

oportunidades e semelhante aptidão para a produção da prova dos fatos em que

lastreiam suas pretensões e exceções.

Cediço é, todavia, que no direito do trabalho, a quem o processo serve

de instrumento de concreção e efetividade, há evidente desigualdade real entre

os contratantes. Por conseguinte, a relação processual também experimenta este

desnível entre as partes.

Transportando estas premissas para o campo da prova, as

desigualdades reais entre os litigantes se evidenciam, notadamente em razão da

aptidão maior do empregador para a prova dos fatos, porquanto detém, na maior

parte dos casos, os meios para trazer à luz os fatos realmente ocorridos.

Daí porque, conforme analisamos anteriormente, necessária a

adequação do rigor da regra esculpida norma processual civil às particularidades

do processo do trabalho, objetivando, com isso, resgatar o ideal de igualdade

entre os contendores.

Neste sentido, Carlos Alberto Reis de Paula assinalou:

“No âmbito específico das provas, temos as dificuldades probatórias

que podem ter o empregado e, em contrapartida, a maior facilidade

probatória do empregador, que normalmente é quem dispõe das

provas, principalmente a documental. Não se pode tratar igualmente os

dois, sendo que esse tratamento diferenciado é uma exigência do

próprio princípio da igualdade, tendo essa desigualdade de tratamento

uma justificativa objetiva e razoável. Sem se ofender o princípio do

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contraditório, que será sempre assegurado, facultando-se à parte a

prova ou contraprova de seu direito ou interesse”. 203

Neste ponto, o juiz do trabalho exerce papel dinâmico fundamental,

utilizando-se dos poderes instrutórios que a lei lhe confere (CPC, art. 131 e CLT,

art. 765), na condução da atividade probatória, consoante abordagem do item

antecedente. Deve atentar, assim, para a situação de desigualdade entre os

litigantes e para que a dificuldade de uma das partes tem para a produção da

prova não represente óbice ao resgate da verdade real.

A atividade instrutória do magistrado trabalhista, longe de ser arbitrária,

deve se mostrar em perfeita sintonia com os valores humanos representados

pelo direito do trabalho e com a finalidade social do processo, assegurando

máxima concretude ao direito.

Não se pode conferir o mesmo tratamento àqueles que não lutam com

as mesmas armas, sob pena de malferir-se os ideais de justiça a quem deve

servir o processo.

É neste contexto que ganha relevo a questão relativa à inversão do

ônus da prova. Ao flexibilizar a rigidez da regra do art. 333 do CPC, com vistas a

atender às especificidades do ramo do direito processual para o qual é

transportada, a inversão do ônus da prova, se corretamente subministrada,

assegura que o processo do trabalho cumpra sua finalidade primordial: conferir a

máxima efetividade ao direito substancial, compondo o litígio com justiça.

Oportuna a citação do jurista mexicano Trueba Urbina, ao asseverar

que a não inversão do ônus da prova em situações necessárias seria o mesmo

que “desconocer que la elaboración del Derecho Procesal del Trabajo se debe a

203 A especificidade do ônus da prova no processo do trabalho, p. 135.

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la necesidad de evitar que el litigante mas poderoso, economicamente hablando,

pueda desviar y obstaculizar los fines de la justicia social”.204

Importante ponderar, todavia, que a inversão do ônus da prova não

pode ser feita de forma aleatória e genericamente em todos os casos submetidos

à Justiça do Trabalho, mas deve ser adequadamente aplicada às situações em

que a dificuldade da prova, nas hipóteses em que não se pode exigir que o

empregado disponha dos meios para produzi-la, obste a realização da justiça

social.

Para melhor situarmos a problemática relativa à inversão do ônus da

prova, trazemos à colação três hipóteses casuísticas em que consideramos

oportuna a medida: a) ações que envolvem violação a direitos fundamentais

(intimidade, privacidade e dignidade da pessoa humana, como ocorre nos casos

em que é adotada pelo empregador a prática de revista íntima em detrimento dos

direitos de personalidade do empregado, mobbing); b) ações que denunciam

discriminação no ambiente laboral; c) ações relativas a atos de desrespeito às

normas de saúde, higiene e segurança do trabalho (tanto as ações de caráter

geral, como as de responsabilidade civil do empregador por acidente de

trabalho).

Nos casos referidos acima, a inversão do onus probandi se justifica em

função da aplicação direta do princípio da aptidão para a produção da prova.

Analisando o terceiro exemplo da responsabilidade civil por acidente de

trabalho, o quadro que se delineia é o seguinte: por expressa disposição legal

(CLT, art. 157), incumbe ao empregador observar as normas de segurança e

medicina do trabalho, adotando procedimentos preventivos de acidentes e

orientando os empregados no sentido de evitar tais eventos (uso de

equipamentos de proteção individual); ocorrendo acidente, e tendo em vista os

deveres legais do empregador, incumbe a ele, por ter mais aptidão para

produção da prova, já que detém o poder diretivo e a propriedade do ambiente de

204 Apud PAULA, Carlos Alberto Reis de, ob. cit., p. 138.

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trabalho, demonstrar durante a instrução processual que observou todas as

normas legais para manutenção do ambiente saudável (inversão do ônus da

prova), conforme entendimento compartilhado por Dallegrave Neto205 e

Raimundo Simão de Melo.206

Não podemos nos olvidar, a propósito do tema, que o empregador, na

concepção contemporânea do direito, deve cumprimento aos ditames legais não

apenas por temor à sanção da norma, mas, sobretudo, por ter responsabilidade

social, conforme previsto no art. 170, III e VIII da CF/88. Daí porque tem que zelar

pelo correto cumprimento da lei e, quando instado em juízo, apresentar as provas

de que deve dispor em razão de expressa disposição legal, atendendo, assim, ao

fim social a que se destina a relação processual.

No que pertine ao momento da inversão do ônus da prova,

entendemos que esta ser invocada pelo julgador, em casos excepcionais e

atendidas as condições acima delineadas, apenas como regra de julgamento,

consoante magistério de Kazuo Watanabe:

“Quanto ao momento da aplicação da regra da inversão do ônus da

prova, mantemos o mesmo entendimento sustentado nas edições

anteriores: é o do julgamento da causa. E que as regras de distribuição

do ônus da prova são regras de juízo, e orientam o juiz, quando há um

‘non liquet’ em matéria de fato, a respeito da solução a ser dada à

causa.

(...)

Efetivamente, somente após a instrução do feito, no momento da

valoração das provas, caberá ao juiz habilitado a afirmar se existe ou

não situação de ‘non liquet’, sendo caso ou não, consequentemente, de

inversão do ônus da prova. Dizê-lo em momento anterior será o mesmo

205 DALLEGRAVE NETO, José Affonso, Responsabilidade civil no direito do trabalho, p. 85.

206 MELO, Raimundo Simão de, “Responsabilidade objetiva e inversão da prova nos acidentes de trabalho”, Revista LTr,

Janeiro/2006, pp. 23-33.

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que proceder ao prejulgamento da causa, o que é de todo

inadmissível”.207

A propósito, assim como nos referimos à restrição de aplicabilidade das

regras de ônus prova exclusivamente ao momento julgamento, como último

recurso de que deve dispor o julgador, diferente não deve ser o tratamento

jurídico das normas sobre inversão do encargo probatório, eis que são duas

faces de uma mesma moeda.

Lembramos, por fim, que a teoria da inversão do ônus da prova

também foi encampada pelo direito do consumidor, todavia, de forma mais

explícita do que ocorreu no direito processual do trabalho.

Enquanto que a teoria da inversão do encargo probatório decorreu, na

seara trabalhista, de construção doutrinária e jurisprudencial, o direito do

consumidor a adotou de forma expressa, inserindo-a no art. 6º, inciso VIII da Lei

8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor).

A norma legal em comento estabeleceu duas condições alternativas

para que fosse invertido, a critério do julgador, o ônus da prova: a) debilidade

econômica do consumidor, daí decorrendo a dificuldade para a produção da

prova; ou b) verossimilhança de suas alegações do beneficiário da inversão.

O dispositivo legal referido é de vanguarda e, embora erigido em um

ramo especializado do direito, pode ser invocado subsidiariamente ao direito

processual do trabalho, porquanto ambos partem das mesmas premissas para a

inversão do onus probandi: a desigualdade real dos litigantes; a verossimilhança

das alegações do beneficiário da inversão.

207 Kazuo Watanabe, in GRINOVER, BENJAMIN, FINK, FILOMENO, WATANABE, NERY JÚNIOR e DENARI, Código

Brasileiro de Defesa do Consumidor, comentado pelos autores do anteprojeto, pp, 796-797.

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Ademais, tanto o direito do consumidor, quanto o direito do trabalho

foram concebidos para atender à finalidade social das relações jurídicas que

regulamentam, motivo pelo qual recomendável a aplicação subsidiária do art. 6º,

VIII do CDC ao processo do trabalho, instrumento que objetiva conferir plenitude

aos propósitos do direito substancial.

7.7. Convenção sobre ônus da prova:

Visando à preservação da igualdade das partes, um dos princípios

medulares da relação processual, o Código de Processo Civil considera nula a

convenção entre as partes que modifique as regras de distribuição do ônus da

prova, caso tal alteração crie dificuldade ao exercício do direito pela parte

prejudicada (art. 333, parágrafo único, II do CPC).

No mesmo diapasão, a hipótese de convenção extrajudicial sobre

distribuição do ônus da prova entre as partes, com mais razão ainda, também

não encontra guarida no processo do trabalho.

Primeiro porque, em se tratando de acordo extrajudicial firmado entre

empregado e empregador na vigência do contrato de trabalho, a manifestação de

vontade do empregado fica à mercê da interferência do empregador, motivo pelo

qual o consentimento daquele pode estar eivado de vícios que o tornem nulo.

No curso do contrato de trabalho não pode, destarte, ser admitida a

convenção extrajudicial entre as partes sobre a distribuição do ônus da prova.

Diferente não é a conclusão quando a convenção ocorre após o

término do contrato de trabalho. Embora a ingerência do empregador nos atos

praticados pelo empregado esteja, neste momento, mitigada, não podemos nos

olvidar que a transferência do encargo probatório para o trabalhador, em muitos

casos, torna a demonstração da verdade dos fatos inviável, eis que aquele ainda

detém maior aptidão para a realização da prova.

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Ora, se no processo civil, que pressupõe a igualdade formal das partes,

é reputada nula a convenção sobre repartição do ônus da prova, nos casos em

que haja oneração excessiva de um dos litigantes, no processo do trabalho, em

função de todas as suas especificidades, notadamente da menor aptidão do

trabalhador para a produção da prova, com mais razão ainda deve ser repudiado

qualquer ajuste neste sentido, porquanto a transferência do encargo probatório

ao empregado implica, não raras vezes, impossibilitar a realização da prova.

Permitir a livre disposição de vontade dos litigantes sobre repartição do

encargo probatório, a propósito, pode tornar inviável a produção da prova pela

parte que não detém acesso aos meios necessários à demonstração da

realidade.

Ademais, tendo em vista o caráter inquisitivo da instrução processual

trabalhista, nenhum acordo entre as partes, a fim de atender a interesses

privados de uma delas, pode comprometer solução justa do conflito e a

efetividade da prestação jurisdicional.

A liberdade de convenção entre as partes sobre a repartição do ônus

da prova, portanto, se mostra incompatível não somente com a dinâmica do

processo do trabalho, cujo principal escopo é a concreção do direito material,

como também é conflitante com a postura ativa do magistrado trabalhista (art.

765 da CLT) na perquirição da verdade.

7.8. O ônus da prova e o fato negativo:

Conforme analisamos anteriormente, as regras sobre distribuição do

ônus da prova, tratadas especificamente no art. 333 do CPC e genericamente no

art. 818 da CLT, estabelecem que ao autor incumbe a prova dos fatos

constitutivos de seu direito, cumprindo ao réu, se aduzir defesa indireta de mérito,

a prova dos fatos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito do ex adverso.

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Neste segundo caso, o encargo da prova se transfere ao réu, em função do

evento obstativo alegado na defesa.

Por outro lado, o réu pode adotar conduta diversa, simplesmente

negando a existência ou a ocorrência do fato constitutivo do direito do autor, não

opondo qualquer fato modificativo, extintivo ou impeditivo. Na hipótese, o risco da

prova permanece a cargo do autor, que será vencido na demanda, caso não se

desincumba de seu encargo; o réu terá êxito, ainda que fique inerte, eis que não

afirmou qualquer fato diverso daquele alegado na inicial, razão pela qual não

houve deslocamento do encargo da prova.

Referimo-nos, no caso supra, à típica situação de “negação de um

fato”, hipótese esta completamente diversa, tanto pelos fundamentos, quanto

pela consequência jurídica, da alegação de um “fato negativo”.

Diversamente do que acreditavam os glosadores, ao interpretarem os

antigos textos romanos sobre ônus da prova, o “fato negativo” demanda atividade

probatória, razão pela qual restou superada atualmente a máxima latina negativa

non sunt probanda.

Isto porque, se o “fato negativo” é previsto pela lei material como fato

constitutivo de um direito, obviamente reclama a prova respectiva.

A propósito, o “fato negativo” invocado por qualquer das partes traz em

si uma “aparente negativa”, que se revela, na realidade, como uma verdadeira

“afirmação” que visa a se opor àquela alegada na petição inicial.

A doutrina denomina o “fato negativo” que traz em si uma afirmação

como “negativa relativa”208.

Analisemos a temática à luz dos seguintes exemplos:

208 MACHADO JÚNIOR, César Pereira da Silva, O ônus da prova no processo do trabalho, p. 135.

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a) Súmula 338 do C. TST: empregador nega a jornada extraordinária

alegada na inicial, invocando na defesa horário diverso; o ônus de provar a

jornada ordinariamente cumprida pelo trabalhador é do empregador, não

somente porque a este incumbe a obrigação legal de manter os controles formais

de ponto, carreando-os aos autos para fazer prova do fato afirmado em sua

impugnação (art. 74 da CLT), como também porque opôs ao direito invocado pelo

reclamante (horas extras) um aparente “fato negativo” que, na realidade,

corresponde a uma “afirmação” contrária à articulada na inicial;

b) Orientação Jurisprudencial 301 da SDI-I do C. TST: delimitado o

período de não recolhimento de FGTS na inicial, desloca-se para o empregador o

encargo da prova, quanto à “afirmação” contida na defesa de regularidade dos

depósitos (inexistência de diferenças – “fato negativo”);

c) objetivando negar a dispensa imotivada, o empregador invoca a

justa causa por abandono de emprego; embora tenha sido alegado um aparente

“fato negativo”, consistente na não prestação de serviços durante determinado

período, o referido fato corresponde a uma verdadeira “afirmação” que serve de

fundamento à defesa, daí porque o ônus da prova é do empregador;

d) o empregado requer pagamento em dobro das férias, alegando que

não foram concedidas, tendo trabalhado no período respectivo; a defesa junta

aos autos o aviso de férias e o cartão de ponto correspondente; embora a

alegação da inicial constitua “fato negativo” (não houve descanso), ao trabalhador

incumbe o ônus da prova, eis que tal fato revela verdadeira afirmação de que

houve prestação de serviços no período das férias, sendo este o fundamento do

pedido alinhavado na inicial.

Por outro lado, a mera “negação de um fato” que tenha sido alegado

pela parte contrária prescinde de dilação probatória por quem simplesmente

negou, uma vez que a controvérsia continua girando em torno daquele fato

invocado inicialmente, sendo este o fundamento da demanda, porquanto não lhe

tenha sido oposta qualquer outra afirmação, razão pela qual não há

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deslocamento do encargo probatório. Esta situação é denominada por alguns

doutrinadores como “negativa absoluta” ou “indefinida”209, cuja prova não pode

ser exigida até mesmo por ser impossível, como nos referimos no exemplo citado

ao início do capítulo.

A questão relativa à prova de “negativas”, portanto, não é mais vista,

pela doutrina mais moderna, da forma singela como preceituavam os glosadores,

sendo a pedra de toque que define a quem incumbe o ônus da prova, nestes

casos, a inserção no litígio de novas afirmações opostas às anteriores e que se

dissimulem em meras “negativas”.

Por tudo isso, reputamos oportuna a conclusão de Couture: “A mais

importante entre as conseqüências do princípio enunciado é a diminuição do

valor do antigo preceito de que a prova incumbe a quem alega e não a quem

nega”.210

209 SANTOS, Moacyr Amaral, Primeiras linhas de direito processual civil, 2º vol., p. 348.

210 COUTURE, Eduardo J., Fundamentos de direito processual civil, p. 119.

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8. ATIVIDADE INSTRUTÓRIA DO JUIZ

8.1. Princípios dispositivo e inquisitivo

Antes mesmo da análise da amplitude da atividade instrutória do

julgador, reputamos oportunos alguns esclarecimentos acerca dos princípios em

referência, porquanto guardam nexo com a questão relativa à atuação oficial

durante a instrução probatória.

O princípio dispositivo, consagrado no Código de Processo Civil

vigente211 (artigos 2º, 262 e 460), refere-se à limitação da atuação do juiz aos

fatos e às matérias alegadas pelas partes, não podendo conhecer de ofício

questões não suscitadas pelos litigantes e a cujo respeito a lei exigir iniciativa

destes.

A doutrina mais tradicional212, procurando restringir a atividade oficial

em matéria de provas, vinculou o exercício dos poderes instrutórios do julgador

ao princípio dispositivo, conferindo-lhe espectro maior do que deveria213. Com

isso, a atividade investigatória oficial estaria delimitada, segundo esta corrente de

pensamento, face ao princípio referido, sendo vedado ao julgador substituir a

iniciativa dos litigantes no que pertine à produção de provas, sob pena de

subversão do princípio da imparcialidade e das regras do ônus da prova. O

princípio dispositivo, segundo tal linha de raciocínio, balizaria não somente a

matéria a ser conhecida pelo juiz, como também atividade ex officio durante a

instrução processual.

Amaral Santos, sem adotar posição ortodoxa, procurou temperar os

dois princípios, esclarecendo que a legislação processual civil em vigor conciliou

o dispositivo com o inquisitivo, à medida que ampliou sobremaneira os poderes

investigatórios do julgador, mantendo, todavia, o ônus da prova pelas partes

211 Exposição de motivos do CPC/1973, item 18.

212 GRECO FILHO, Vicente, Direito processual civil brasileiro, 2º vol., p. 187.

213 PAULA, Carlos Alberto Reis de, A especificidade do ônus da prova no processo do trabalho, p. 95.

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acerca dos fatos aduzidos e que serviam a seus interesses. Assim definiu o

autor:

“Diga-se, pois, que no campo da indicação das provas, com o princípio

da iniciativa das partes, que aí predomina, convive o princípio da

iniciativa oficial.” E, adiante, concluiu: “Cumpre observar, porém, que o

poder de iniciativa oficial, nesse terreno, deverá ser entendido como

supletivo da iniciativa das partes, para que seja somente utilizado nos

casos em que houver necessidade de melhor esclarecimento da

verdade, sem o que não fosse possível ao juiz, de consciência

tranquila, proferir sentença.” 214

Na mesma esteira, Batista Lopes defende que o art. 130 do CPC, em

que pesem as tendências modernas, não poderia ser superestimado; segundo o

jurista, a lei não conferiu ao magistrado poderes investigatórios tão amplos a

ponto de substituir a iniciativa das partes na produção de provas, sendo a

atuação oficial balizada pelo princípio dispositivo215.

Por outro lado, fundamentada no caráter publicista do processo, a

doutrina mais moderna, que tem em Bedaque um de seus precursores, considera

que o princípio dispositivo diz respeito apenas à disponibilidade das questões

deduzidas em juízo, aos limites da demanda (CPC, art. 128 e 460), não se

estendendo à instrução processual. Segundo o magistério do processualista

referido:

“Conclui-se assim que a denominação ‘princípio dispositivo’ deve

expressar apenas as limitações impostas ao juiz, em virtude da

disponibilidade do direito; e que são poucas, pois se referem aos atos

processuais das partes voltados diretamente para o direito disponível.

As demais restrições, quer no tocante ao início do processo, quer

214 SANTOS, Moacyr Amaral, Primeiras linhas de direito processual civil, 2º vol., p. 350.

215 LOPES, João Batista, A prova no direito processual civil, p. 76.

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referentes à instrução da causa, não têm qualquer nexo com a relação

material; não decorrem, portanto, do chamado ‘princípio dispositivo’.”216

Compartilhando do mesmo pensamento, Nelson Nery desvincula o

princípio dispositivo do poder instrutório do juiz, reputando que este “não se

configura como exceção ao princípio dispositivo”.217

A justificativa desta corrente de entendimento mais moderna, à qual

nos perfilhamos, vincula-se ao caráter publicista do processo, compreendendo

que a relação processual não pode mais ser encarada como mero cenário para o

duelo de forças entre as partes, em que o juiz é convocado apenas para proferir o

resultado de acordo com o espetáculo que os litigantes prepararam. Ao contrário,

há um interesse público maior do Estado e coletivo da sociedade no

restabelecimento da realidade dos fatos, razão pela qual cabe ao juiz a

responsabilidade de colaborar e investigar imparcialmente, “para evitar que a

inexperiência, a negligência, por vezes mesmo a má-fé, das partes, quando não

dificuldades de ordem material e jurídica, possam deixar na penumbra certas

circunstâncias de possível importância”.218

Daí porque o princípio dispositivo, em matéria de instrução, cedeu lugar

ao princípio inquisitivo, não podendo a atividade oficial ser obstada, ao

argumento de que haveria violação ao tratamento isonômico dos contendores. A

propósito, a participação efetiva do juiz durante a instrução é um dos meios de

que o processo dispõe para resguardar a igualdade dos litigantes, evitando que

possíveis desigualdades reais219 possam refletir negativamente no deslinde da

controvérsia e no descobrimento da verdade.

216 BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Poderes instrutórios do juiz, p. 71.

217 NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade, Código de Processo Civil comentado, p. 389, nota 3, art.

130.

218 CHIOVENDA, Instituições de direito processual civil, p. 898.

219 Referimo-nos ao princípio da aptidão para a prova.

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Na seara trabalhista, em função da concepção teleológica que sempre

orientou o processo do trabalho, haja vista sua finalidade social, o princípio

inquisitivo foi acolhido de forma marcante, notadamente no que pertine à

instrução processual (CLT, art. 765).

Embora a atuação do juiz do trabalho sofra restrições em razão da

presença do princípio dispositivo em vários momentos do processo, não

podendo, em regra, conhecer de ofício questões que não tenham sido suscitadas

pelas partes220, em contrapartida, em matéria de prova, dado o interesse público

maior do Estado na solução justa do conflito, predomina a iniciativa oficial.

A propósito do tema, Chiovenda chamou a atenção para a concepção

vanguardista encampada pela legislação trabalhista italiana, na valorização da

iniciativa instrutória oficial:

“Nossa lei sobre dissídios individuais do trabalho admite que o

magistrado ‘ordene, quando for o caso, mesmo de ofício, os meios de

instrução que julgue necessários, compreendida a produção de

documentos que as partes justifiquem não haver podido exibir

antes’(...)”221

Imbuída o mesmo espírito, a legislação trabalhista brasileira também

conferiu significativos poderes instrutórios ao magistrado (CLT, art. 765), com o

objetivo de fazer valer, de forma concreta, a finalidade social do direito

substancial.

Ao interpretar o art. 765 da CLT, a doutrina nacional, com algumas

exceções222, preleciona que a instrução processual trabalhista é regida pelo

220 Observem-se as exceções ao princípio dispositivo previstas nos artigos 39, 496, 856, 878 da CLT.

221 CHIOVENDA, Instituições de direito processual civil, p. 903.

222 CARRION, Valentin, Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, p. 579, art. 765, nota 1, preconiza que não se

trata de aplicar-se o princípio inquisitivo à instrução processual, sendo que a atuação ostensiva do juiz deve-se, na

verdade, à visão publicística do processo.

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princípio inquisitivo, motivo pelo qual a perquirição da verdade dos fatos, a

assegurar a efetividade da prestação jurisdicional, não deve depender

exclusivamente do interesse e da vontade das partes, contando também com a

iniciativa oficial.223

Neste sentido, as lições lapidares do jurista Isis de Almeida:

“...o juiz, como tanto já se tem apregoado, não é mero espectador de

uma luta, especialmente no processo trabalhista, em que o princípio

inquisitório é tão enfatizado e autoriza a intervenção dele, ampla e

profunda, na lide (cf. art. 765 da CLT).

Ele vai, até onde queira ir, na busca da verdade”.

Por todas estas razões, como vimos anteriormente, a rigidez das

regras de distribuição do ônus da prova, quando analisadas sob as luzes do

processo atual, caracterizado marcantemente pela ativização da conduta do

magistrado na investigação da realidade dos fatos, deixando a condição antiga

de mero espectador do litígio - princípio inquisitivo regente da instrução -, acaba

por sofrer mitigação, perdendo o sentido na fase de colheita de provas, razão

pela qual são as referidas regras relegadas, portanto, ao momento do

julgamento, como último recurso de que deve lançar mão o juiz para que possa

decidir o conflito.224

223 V. TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio, A prova no processo do trabalho, p. 143; LEITE, Carlos Henrique B., Curso de

direito processual do trabalho, pp. 71-72; ALMEIDA, Isis de, Manual de direito processual do trabalho, p. 135.

224 COUTURE, J. Eduardo, Fundamentos do direito processual civil, p. 115; CHIOVENDA, Instituições de direito

processual civil, p. 945.

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8.2. Princípio da imparcialidade do juiz

Um dos principais argumentos invocados por parte da doutrina que se

opõe à iniciativa oficial na instrução probatória é o de que a ativização da conduta

do juiz poderia comprometer sua imparcialidade.225

Justificam, ainda, os defensores deste segmento que o magistrado, ao

determinar de ofício a colheita de provas, sem qualquer requerimento das partes,

estaria privilegiando uma delas, advogando em favor de um determinado direito

em que acreditou desde o início do processo e que passou a ser objeto de sua

investigação.

Em que pesem os argumentos utilizados por esta linha doutrinária mais

tradicional, entendemos, todavia, que não lhe assiste razão.

A imparcialidade da conduta do magistrado não deve ser confundida

com a sua atuação responsável no processo destinada ao restabelecimento da

verdade dos fatos e à correta administração da justiça.

O legislador, ao confiar ao magistrado dinamismo maior em sua

atuação durante a instrução processual, deixou evidente que a paz social tão

almejada no processo poderia restar prejudicada se dependesse apenas daquela

figura de mero observador e intermediário do duelo de interesses entre as partes.

A imparcialidade do juiz não se revela, de forma alguma, na

passividade de sua atuação no iter processual, mas sim na certeza de que

assegure aos litigantes iguais oportunidades para a produção de provas e para

as respectivas manifestações (princípio do contraditório pleno), recusando-se a

conferir benefícios injustificados a qualquer delas e, por fim, não cedendo a

quaisquer elementos de influência e interesses estranhos aos autos.

225 MARQUES, José Frederico, Manual de direito processual civil, vol. II, p. 248: “O que há a registrar, portanto, é o

seguinte: o Código de Processo Civil, embora concedendo poderes instrutórios ao juiz para a descoberta da verdade,

preferiu afastá-lo ao máximo de intervenções nesse sentido, para resguardar-lhe a imparcialidade”.

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Ao determinar de ofício as provas, o juiz não advoga em favor do

interesse ou da tese de qualquer dos contendores, mas sim age no escopo de

resgatar a realidade, conferindo máxima concretude ao direito material e, com

isso, efetividade à tutela jurisdicional.

A propósito, ao decidir pela realização de uma perícia, juntada de um

documento, oitiva de uma testemunha, o magistrado não sabe de antemão a que

resultado aquela prova colhida poderá levar, nem qual das teses defendidas

pelas partes será encampada por aquele determinado material probatório. Sendo

preservado o contraditório, tanto no que diz respeito à participação dos litigantes

na produção da prova, quanto na garantia de iguais oportunidades para

manifestação quanto às provas colhidas, não se pode dizer que a instrução

processual foi conduzida em benefício do interesse de uma das partes e, por

conseguinte, não há que se alegar rompimento da imparcialidade do julgador,

conforme preleciona Dinamarco:

“O juiz moderno compreende que só se lhe exige imparcialidade no

que diz respeito à oferta de iguais oportunidades às partes e recusa de

estabelecer distinções em razão das próprias pessoas ou reveladoras

de preferências personalíssimas. Não se lhe tolera, porém a

indiferença”.226

Ademais, a determinação judicial para a produção de provas deve ser

fundamentada, colhendo às partes as mesmas possibilidades de impugnação da

decisão, inibindo, com isso, qualquer arbitrariedade por parte do magistrado.

A fundamentação das decisões e a preservação do regular exercício do

contraditório, destarte, são as condições que conferem imparcialidade à conduta

do magistrado ao determinar ex officio a realização de uma dada prova que

reputar pertinente ao deslinde da controvérsia.

226 DINAMARCO, Cândido Rangel, A instrumentalidade do processo, p. 231.

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Vale notar, por outro lado, que a imparcialidade poderia restar

comprometida caso o juiz, ciente de que determinada prova traria à lume os fatos

que deixaram de ser esclarecidos no interesse de uma das partes a quem a

omissão beneficia, permanecesse na condição de mero espectador, passivo e

descompromissado com a pacificação justa do conflito.

Na concepção publicística do processo, não se pode admitir um juiz

indiferente à finalidade social do direito, à efetivação do direito substancial e à

perquirição da verdade, temeroso de que o pleno e regular exercício dos poderes

instrutórios que lhe foram conferidos expressamente por lei (CPC, art. 130, CLT

art. 765) venha a comprometer a sua imparcialidade enquanto julgador. Este

sentimento que ainda domina parte do Judiciário traz estagnação, retrocesso,

estancando-lhe o desenvolvimento.227

Ora, se a própria legislação destinou amplos poderes investigatórios ao

magistrado, recusar-se à realização do poder-dever assegurado por lei seria o

mesmo que negar-lhe o sentido teleológico, qual seja, a busca da verdade real

não revelada por interesse de uma das partes.

O que o direito contemporâneo demanda é um juiz ativo, comprometido

e corresponsável pelo resgate da verdade, eis que o a relação processual não se

justifica mais como um palco onde se desenrola o duelo de interesses dos

particulares. Pelo contrário, atualmente o processo tem sua existência atrelada à

função social que exerce, porquanto movido pelo interesse público maior do

Estado que visa à manutenção da integridade da ordem jurídica e à realização do

ideal de Justiça.

227 BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Poderes instrutórios do juiz, p. 82.

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8.3. A atividade do juiz frente aos referidos princípios

“Juízes mais conscientes de seu papel social e de sua

responsabilidade estão assumindo a liderança de um processo de

reformas, tendo por objetivo dar ao Judiciário a organização e a

postura necessárias para que ele cumpra a função de garantidor de

direitos e distribuidor de Justiça” 228

Em que pese a autonomia do direito processual em relação ao direito

substancial, não se pode negar que o processo é o instrumento para a atuação

do direito material e, por conseguinte, para a obtenção da harmonia social,

devendo a conduta de todos os sujeitos nele envolvidos perfilhar-se neste

sentido.

É finalidade social do processo a manutenção da ordem jurídica,

pacificando os conflitos com justiça e, assim, garantindo o bem-estar social,

objetivo primordial do Estado contemporâneo.

Para que as normas criadas pelo Estado possam assegurar a paz

social, devem ser administradas de forma correta, destinando-se a concretizar o

escopo da jurisdição.

Como a jurisdição se realiza por meio do processo, para que haja a

composição justa do conflito, a tutela jurisdicional deve conferir plenitude ao

direito material, conformando-se e adequando-se às suas especificidades, no

plano do processo. A efetividade do provimento jurisdicional, portanto, está

diretamente vinculada à plena concreção do direito substancial.

Neste cenário, deve a atividade judicial voltar-se, de forma dinâmica e

responsável, à perquirição da verdade real dos fatos que servem de substrato ao

litígio, sendo que o êxito no desfecho da relação processual, na concepção

228 DALLARI, Dalmo de Abreu, O poder dos juízes, p. 82.

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hodierna, não se contenta mais com a mera verdade formal desvelada

exclusivamente por interesse e por iniciativa das partes.

O juiz, a pretexto dos princípios da demanda e do dispositivo229, não

pode formar sua cognição apenas a partir das provas trazidas pelos litigantes e

que, por vezes, se mostram insuficientes à elucidação da realidade, sob pena de

comprometer a efetividade do prestação jurisdicional.

A relação processual, na visão publicística que vigora na atualidade,

encontra-se em sua fase instrumentalista, segundo a qual o processo deve ser

compreendido como um meio pelo qual se atinge a realização do direito

substancial e, por conseguinte, a harmonização do conflito com justiça230.

A fim de que a relação litigiosa seja eficazmente solucionada e a paz

social seja atingida, o processo deve garantir a máxima elucidação dos fatos

controvertidos, aspirando de forma permanente ao resgate da verdade.

Para tanto, não se aceita mais a figura do juiz como mero espectador

da relação processual, dependente exclusivamente da iniciativa das partes; o

magistrado, na concepção atual do direito, deve ter participação ativa na

instrução probatória, envidando todos os esforços para a garantia da efetividade

da prestação jurisdicional e para o cumprimento da função social do processo.

A propósito, José R. Bedaque, encampando os ideais inovadores de

processualistas italianos como Cappelletti e Chiovenda, assim pondera:

“Tal resultado, que corresponde ao ideal de justiça, jamais será

atingido se o magistrado não participar ativamente da produção de

prova. Daí por que o art. 130 do Código de Processo Civil deve ser

interpretado da maneira mais ampla possível: o juiz pode, em qualquer

229 Princípios estes que, segundo Dinamarco, in Instrumentalidade do Processo, p. 229, não servem mais para afastar a

nova visão do direito processual moderno.

230 CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, Teoria geral do processo, p. 41.

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caso, determinar a realização de provas. E as regras particulares (arts.

342, 382, 437) devem ser consideradas meramente explicitantes. No

âmbito trabalhista, idêntica conclusão se aplica ao art. 765 da

Consolidação das Leis do Trabalho.”231

O exercício regular dos poderes instrutórios do juiz, que lhe foram

conferidos por lei (CPC, art. 130 e CLT, art. 765), como vimos, não compromete a

imparcialidade de sua atuação, nem o tratamento isonômico que deve ser

garantido às partes, eis que a atividade oficial deve surgir no contexto do

processo, sendo defeso ao julgador trazer aos autos conhecimentos pessoais

para suprir omissão da parte.

A dinamização da conduta do magistrado durante a instrução

processual, longe de comprometer sua atuação imparcial e de atentar contra a

igualdade de tratamento das partes, não encontra qualquer resistência no

ordenamento jurídico em vigor, pelo contrário, atende ao interesse público maior

da concretização da justiça.

Ademais, especificamente quanto à igualdade, relembramos que a

ativização da conduta do magistrado visa justamente a resguardar a isonomia

entre os litigantes, porquanto, não raras vezes, um deles tem maior aptidão para

a produção da prova, sendo que apenas a intervenção dinâmica do julgador,

determinando de ofício a realização da prova, poderá compensar a desigualdade

real existente entre os contendores232, garantindo efetividade ao processo. Neste

sentido leciona Bedaque:

“A maior participação do juiz na instrução da causa é uma das

manifestações da ‘postura instrumentalista’ que envolve a ciência

jurídica. Essa postura contribui, sem dúvida, para a ‘eliminação de

231 BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Poderes instrutórios do juiz, p. 109.

232 AMENDOEIRA JR., Sidnei, Poderes do juiz e tutela jurisdicional: a utilização racional dos poderes do juiz como forma

de obtenção da tutela jurisdicional efetiva, justa e tempestiva, pp. 110-115.

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diferenças de oportunidades em função da situação econômica dos

sujeitos. Contribui, enfim, para a ‘efetividade do processo’.” 233

O importante é que, ao determinar a prova de ofício, o juiz fundamente

sua decisão e garanta a igualdade de oportunidades para que as partes possam

se manifestar, zelando não somente pelo princípio da isonomia, como também

pelo princípio do contraditório.

Da mesma forma, também pudemos concluir que o princípio dispositivo

não pode ser entendido como um óbice ao exercício dos poderes instrutórios do

magistrado (art. 130, CPC e art. 765, CLT). No panorama publicista atual do

processo, o princípio dispositivo foi mitigado durante a fase instrutória, sendo

aumentados os poderes investigativos do magistrado, prestigiando, assim, a

busca da verdade e a plena realização do direito. O dispositivo cedeu passo, em

matéria de instrução processual, ao princípio inquisitivo e à iniciativa instrutória

oficial, demandando, por conseguinte, uma releitura das regras sobre distribuição

do ônus da prova, atualmente compreendidas apenas como recurso de

julgamento.

Na mesma esteira destacam-se os estudos de Humberto Theodoro:

“O Código, como se vê, não consagra o princípio dispositivo em sua

plenitude. Se a parte tem a disposição da ação, que só pode ser

ajuizada por ela, o impulso do processo, após o ajuizamento, é oficial.

Além do interesse da parte, em jogo na lide, há o interesse estatal, em

que a lide seja composta de forma justa e segundo as regras do direito.

Eis porque o juiz, no processo moderno, deixou de ser simples árbitro

diante do duelo judiciário travado entre os litigantes e assumiu poderes

de iniciativa para pesquisar a verdade real e instruir a causa. Antiga

doutrina, prestigiada nas edições anteriores deste curso, encontrava no

ônus da prova um empecilho a que o juiz tomasse a iniciativa de

233 BEDAQUE, ob. cit., p. 110.

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promover a prova não diligenciada oportunamente pela parte

interessada. Apenas nos estados de perplexidade entre elementos de

convicção conflitantes, já existentes nos autos, é que se admitia o juiz,

de ofício, determinar a produção de outras provas. A evolução do

direito processual, rumo à plenitude do devido processo legal,

modernamente visto como o processo justo, conduziu à superação dos

velhos limites opostos à iniciativa judicial em matéria de instrução

probatória. Acima do ônus da prova – cujas regras atuam na fase final

de julgamento da lide e não durante a coleta dos elementos de

instrução da causa – prevalece o compromisso com a verdade real.” 234

As demandas da sociedade contemporânea, a credibilidade e a

respeitabilidade do Poder Judiciário, enquanto meio a assegurar o bem-estar

social, não se contentam mais com a figura tradicional do magistrado passivo,

mero interlocutor do “jogo de interesses” particulares dos litigantes.

As relações sociais, na atualidade, são complexas, exigindo, para uma

solução justa, um juiz sensível e preparado, que não se mostre impermeável aos

influxos e às aspirações do mundo em que vive e indiferente ao contexto em que

está inserido. Nesta teia intrincada, para que o magistrado consiga atingir a

verdade, garantir a concreção do direito e, com isso, assegurar efetividade à

tutela, necessário não somente que esteja munido de amplos poderes

investigatórios, mas que se mostre disposto a romper antigos dogmas e

formalismos inaceitáveis e inadequados aos anseios da sociedade atual.

A integridade do ordenamento jurídico e a obtenção do estado de

bem-estar social dependem da assunção pelo magistrado de uma nova

mentalidade e de uma postura mais ativa, porquanto a solução justa do litígio é

interesse e finalidade do próprio Estado.235

234 THEODORO JÚNIOR, HUMBERTO, Curso de direito processual civil, vol. I, p. 380.

235 “Instrução. Provas. É dever do Juiz determinar a produção das provas necessárias ao esclarecimento dos fatos (CPC,

130). Ao encerrar a instrução o Juiz atesta que o processo está pronto para o julgamento. Dizer na sentença que há falta

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Prestigiando as razões teleológicas da atividade instrutória do juiz,

preleciona Isis de Almeida:

“Mas a busca sincera, imparcial e acurada é mesmo a procedida pelo

juiz, representando a sociedade, à qual interessa uma verdade que

vise à estabilidade das instituições, e, particularmente, no Direito do

Trabalho, que tenha como finalidade última a paz social, embora, na

oportunidade do processo, esteja servindo a uma pretensão

pessoal”.236

A atividade instrutória do juiz, portanto, deve perseguir de forma

comprometida e responsável a verdade, uma vez que o processo se justifica pelo

interesse público maior no restabelecimento da paz social, ainda que o

julgamento acabe por se lastrear no juízo de probabilidade e na verossimilhança

– resultado este que, em alguns casos, após o esgotamento de todos os meios

para o resgate da realidade, parece ser o único possível, embora não desejado

pelo Estado-juiz, nem pela sociedade.

Diante de hipóteses em que a dificuldade concreta de uma das partes

na realização de uma prova, em razão de sua menor aptidão para produzi-la

(prova em poder do outro litigante), puder comprometer o desvendamento da

verdade, bem como nas situações em que o magistrado se vê perplexo ante as

provas colhidas, eis que conflitantes não somente com os demais elementos dos

autos, mas também em descompasso com a razoabilidade e, por vezes, com as

regras que da experiência comum se extraem, tem o magistrado o poder-dever

de investigar, complementando a instrução processual.

de prova, sem que se tenha determinado a sua produção, é evidente contradição da intenção da busca da verdade real”.

(TRT/SP - 01966200206602005 - RO - Ac. 6ªT 20040141220 - Rel. RAFAEL E. PUGLIESE RIBEIRO - DOE 23/04/2004).

236 Manual de direito processual do trabalho, vol. II, pág. 135, item 35.

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Por certo que não estamos aqui a defender a perpetuação das

demandas em investigações infindáveis e cruzadas desenfreadas na perquirição

da verdade real, mesmo porque decisão morosa não se coaduna com o

verdadeiro ideal de justiça.237

Muito pelo contrário, pretendemos deixar indene de dúvidas que o juiz,

por ter o dever de entregar a prestação jurisdicional na medida certa da

pretensão, precisa fazê-lo de forma efetiva, justa e tempestiva, lançando mão,

para tanto, de todos os poderes instrutórios que lhe foram conferidos pelo

legislador, eis que é interesse do Estado o descobrimento da verdade.

Somente assim conferirá credibilidade e efetividade à prestação

jurisdicional ao Estado, assegurando que seja concretizada a finalidade social do

processo.

237 O princípio da duração razoável do processo foi encampado explicitamente pela Constituição da República, art. 5º,

inciso LXXVIII.

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9. VALORAÇÃO DA PROVA

Valorar a prova produzida corresponde à operação intelectual

desenvolvida pelo julgador, a partir do material probatório coligido aos autos,

destinada à obtenção da verdade dos fatos controvertidos.

O magistrado, ao apreciar o conjunto probatório de que previamente

tomou conhecimento durante a sua produção, forma sua cognição, seu juízo de

valor, contemplando a prova colhida, fazendo a ponderação de todos os

elementos que informam a instrução processual, de maneira criteriosa, segundo

um determinado método.

Valorar, portanto, representa a atividade mental do juiz voltada ao fim

de conferir um sentido e um significado à prova reunida no processo.

Segundo lições lapidares de Amauri Mascaro Nascimento:

“Entende-se por avaliação ou apreciação da prova a operação mental

que tem por fim conhecer do mérito ou valor da convicção que possa

ser deduzida do seu conteúdo. A avaliação da prova comporta dois

momentos que se completam: o primeiro é o conhecimento, pelo qual

se opera a representação mental do objeto do mundo exterior da

subjetividade do intérprete, pelos meios de percepção do sujeito; o

segundo é o juízo de valor formulado a respeito desse objeto

representado na mente do sujeito. Esta última etapa nada mais é que

um juízo crítico do conjunto sobre o significado da prova” 238.

A respeito dos métodos de valoração da prova, são conhecidos três

sistemas diferentes que podem orientar o julgador nesta atividade, concedendo-

lhe maior ou menor liberdade na formação deste juízo crítico: “livre

convencimento”, “prova legal” e, por fim, “persuasão racional”.

238 Curso de direito processual do trabalho, p. 421.

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O sistema do “livre convencimento” ou “convicção íntima” (julgamento

secundum conscientiam), de origem romana e eleito como ideal pelos povos

germânicos, permite que juiz tenha ampla liberdade para julgar, formando seu

convencimento a partir de fatores decorrentes de sua convicção íntima.

Baseado apenas no conhecimento pessoal acerca do fato, a cognição

do juiz independe dos elementos que constam nos autos, material este que

inclusive pode ser desprezado na decisão.

O juiz, pela livre convicção, busca a verdade por meio de um exercício

de sua consciência, avaliando a prova da maneira como melhor entender,

inclusive podendo rechaçar todos os elementos dos autos e decidir de acordo

com suas impressões pessoais, ficando também livre de fundamentar e motivar

sua decisão.

Este primeiro sistema é marcado pela arbitrariedade, pois permite ao

magistrado julgar segundo sua consciência, comprometendo os ideais de justiça

e a segurança das partes, eis que a ausência de motivação do julgamento, bem

como a possibilidade de formação da convicção do julgador desvinculada das

provas dos autos impedem o exercício do contraditório em sua plenitude, e, por

conseguinte, coloca em dúvida a credibilidade da própria decisão judicial.

Amaral Santos destacou, nas ponderações abaixo, as falhas do

sistema referido:

“O sistema peca, a nosso ver, por ofender dois princípios fundamentais

de justiça: o de que ninguém pode ser condenado sem ser ouvido (ne

inauditus condemnetur) e o da sociabilidade do convencimento. Com

efeito, se, independentemente das provas colhidas, o juiz forma

convencimento decorrente do seu próprio testemunho, as partes ficam

inibidas de contrariar e debater um tal testemunho, até porque nem

mesmo teriam meios para conhecê-lo. Por essa forma, com o sacrifício

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de um dos fatores vitais à eficácia da prova – o contraditório entre as

parte – aquela que fosse condenada teria justa razão para clamar

contra a justiça que a condenou sem tê-la ouvido” 239.

O segundo sistema de valoração é o da “prova legal” ou “tarifada”,

muito difundido entre os povos europeus, quando estiveram sob o domínio

germânico-barbárico (Idade Média), época em que havia larga utilização das

ordálias, segundo as quais Deus não deixaria o acusado sair com vida ou sem

qualquer sinal expressivo, caso faltasse com a verdade.

Na evolução dos tempos, com o advento do Direito Canônico e,

posteriormente, do Direito Romano, as ordálias cederam lugar para a prova

tarifada, cujo valor era predeterminado por lei, segundo critérios taxativos e

inflexíveis. Objetivava-se, como isso, neutralizar a convicção e o juízo crítico do

julgador, que passava à condição de mero espectador e aplicador autômato

daquilo que estivesse preestabelecido por norma legal.

De acordo com tal sistema, a prova recebia, por expressa disposição

legal, um valor fixo, hierarquizado e inalterável a critério do juiz, motivo pelo qual

foram adotadas, neste período, algumas máximas, algumas delas mencionadas a

título ilustrativo: testis unus, testis nullu (testemunha única é testemunha

nenhuma); testibus duobus fide dignis credendum (depoimento de duas

testemunhas fidedignas constituía prova plena).

Representando outro extremo, o sistema da prova legal também não se

coaduna com os ideais de justiça, eis que esvazia a função do julgador,

destituindo-o de qualquer liberdade na apreciação do valor da prova e mitigando-

lhe ao máximo a possibilidade de formação de um juízo crítico acerca das provas

dos autos, como bem concluiu Teixeira Filho240:

239 SANTOS, Moacyr Amaral, Primeiras linhas de direito processual civil, 2º vol, p. 379.

240 TEIXEIRA FILHO, Manoel, A prova no processo do trabalho, p. 148.

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“Salta aos olhos do processualista moderno a irracionalidade desse

sistema, onde a avaliação da prova era feita segundo critérios

estereotipados por lei, dando-se, inclusive, prevalência ao aspecto

quantitativo (e não qualitativo) da prova testemunhal. Afinal, sabemos

que há uma série de fatores que devem ser sopesados pelo Juiz,

sempre que tiver de apreciar o teor dos depoimentos das testemunhas

(...). 241

Finalmente, o terceiro sistema, oriundo dos códigos napoleônicos e

adotado por nosso ordenamento jurídico atual, é o da “persuasão racional” ou do

“livre convencimento motivado” (CPC, art. 131 e CLT, art. 765), resultou da

evolução dos dois sistemas anteriores, representando uma solução intermediária

e equilibrada242.

O mérito deste sistema da livre convicção motivada reside na adoção

de uma solução moderada, quanto aos critérios de valoração da prova pelo

julgador, evitando o radicalismo em que recaíram os outros dois sistemas

superados pelos regramentos jurídicos mais modernos.

Com efeito, no sistema da persuasão racional, embora o magistrado

tenha assegurada liberdade na valoração das provas produzidas nos autos, já

que não há tarifação legal do valor de cada uma delas, a decisão judicial deve ser

241 Em contraposição, defendendo a superioridade do sistema da prova legal sobre os demais, Carnelutti, in Sistema de

direito processual civil, pp. 580-581: “A verdadeira e grande vantagem da prova legal radica em que a avaliação de certas

provas feita pela lei, no sentido de que com respeito a umas não se pode reconhecer e com respeito a outras não se pode

reconhecer a eficácia por parte do órgão judicial, por um lado incita às partes a se munir, no limite possível, de provas

eficazes e assim facilita o desenvolvimento do processo, e por outro lado as permite prever, até determinado ponto, o

resultado e por isso as estimula a abster-se da pretensão ou da resistência nos casos em que uma ou outra não estejam

apoiadas por provas legalmente eficazes ou, quando menos, as impulsionam à composição do litígio sem processo. Desse

modo, o que o sistema das provas perde em justiça recupera em certeza”.

Na mesma obra, analisando os sistemas de valoração da prova, acaba por esclarecer o jurista italiano que mesmo no

sistema da prova legal, a lei não contempla todas as normas sobre as provas, incumbindo à prudência do julgador a

valoração destas não abarcadas pela norma legal (p. 583): “Há provas cuja avaliação se deixa livremente ao juiz. Da

continuação do estudo resultará que as regras legais não contemplam todas as provas possíveis...”

242 Novamente se fazem aqui presentes os ideais de mediania, temperança, equilíbrio, ponderação e justa razão como

forma de conduta, tão caros pelo filósofo estagirita Aristóteles, presentes na obra Ética a Nicômaco.

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firmada em juízo crítico, constituído a partir dos elementos colhidos durante a

instrução (id quod non este in actis non este in mundus), não podendo decidir por

convicção íntima, guiando-se apenas por sua consciência e por meros

conhecimentos pessoais a respeito dos fatos .243

A decisão precisa estar lastreada nos fatos e provas submetidas ao

crivo do contraditório das partes, sendo a avaliação destes elementos e a sua

utilização para o julgamento da lide realizadas segundo critérios racionais do

julgador.

Na livre apreciação da prova assegurada pelo sistema da persuasão

racional, o magistrado tem que pautar-se pela busca da verdade real, valorando

todos os elementos probatórios produzidos, ainda que não pretendidos pelas

partes em suas alegações. Nesta operação intelectual, o juiz considera as

consequência processuais advindas da recusa da parte em prestar alguma

informação ou apresentar determinada prova (lealdade na instrução), sopesa as

atitudes e o comportamento das testemunhas, a qualidade dos depoimentos

pessoais, enfim, extrai do conjunto probatório a melhor solução que se coadune

com o escopo do processo. 244

243 “CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DE LIMPEZA E CONSERVAÇÃO: INEXISTÊNCIA DE PROVAS DA EFETIVA

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS: IMPOSSIBILIDADE DE DECISÃO COM BASE EM MEROS INDÍCIOS. PRINCÍPIO DA

PERSUAÇÃO RACIONAL. Ante a inexistência de provas da prestação de serviços pela reclamante à empresa que

contratou a primeira reclamada para execução de serviços de limpeza e conservação, não pode o Juiz decidir com base

em meros indícios, julgando de acordo apenas com a consciência, sob pena de proferir decisão nula, por ausência de

fundamentação, nos termos do que dispõe o inciso IX, do artigo 93, da Constituição Federal. E isso porque o legislador

pátrio adotou o princípio da persuasão racional do Juiz, ou do livre convencimento motivado, consoante dispõe o artigo 131

do Código de Processo Civil, segundo o qual o juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias

constantes dos autos, mas deverá indicar na sentença os motivos que lhe formaram o convencimento”. Acórdão:

20080860545. Turma: 12. Data Julg.: 25/09/2008. Data Pub.: 10/10/2008. Processo 20080643714. Relator: VANIA

PARANHOS.

244 TESTEMUNHA - INFORMAÇÕES CONTRADITÓRIAS - DEPOIMENTO INVÁLIDO. “Constatando o juízo, na busca da

verdade real, contradição do depoimento da testemunha, que no processo como parte deu uma versão e, ao depor,

apresentou outra e sobre o mesmo fato, deve desprezar tal depoimento”. Acórdão: 20080746718. Turma: 03. TRT/SP.

Data Julg.: 26/08/2008. Data Pub.: 09/09/2008. Processo: 20070029509. Relator: JONAS SANTANA DE BRITO.

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Ademais, ainda com fundamento nos critérios racionais que devem

informar a cognição do julgador, este pode também determinar a realização de

novas diligências para melhor esclarecimento da controvérsia (CPC, artigos 130

e 131, CLT art. 765), se entender que os elementos dos autos não são

suficientes à elucidação da verdade perseguida na relação processual.

Por outro lado, o sistema do livre convencimento motivado possibilita

também ao julgador, caso existam nos autos elementos suficientes à elucidação

da verdade real dos fatos controvertidos, encerrar a instrução processual,

dispensando outras provas requeridas ou desconsiderando alguma determinada

prova já produzida, sempre indicando os fundamentos que o levaram à decisão

(CPC, artigos 130, 427 e 439; CLT, art. 765).245

O sistema da persuasão racional confere liberdade ao magistrado na

apreciação dos fatos e das provas, porém, não lhe assegura puro arbítrio, à

medida que exige que as decisões sejam regularmente fundamentadas, visando

possibilitar à parte prejudicada o amplo exercício do contraditório em relação ao

quanto decidido.

Ao debruçar-se sobre o princípio e a limitação que impõe ao arbítrio

judicial, assim ponderou Pontes de Miranda:

“Tem o juiz de dar os fundamentos, que lhe assistiram, para a

apreciação das provas: porque desprezou umas e acolheu outras,

porque não atribuiu o valor, que fora de esperar-se, a alguma, ou

algumas, e porque chegou às conclusões que expende”. 246

245 “CERCEAMENTO DE DEFESA. PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL. FACULDADE DO MAGISTRADO.

INTELIGÊNCIA DO ART. 131 DO CPC. O magistrado detém a faculdade de dispensar as provas que julgar

desnecessárias ou inoportunas à formação do seu convencimento, consoante o disposto no art. 131 do CPC. Preliminar de

nulidade rejeitada”. (TRT/SP. Acórdão: 20080293268. Turma: 12. TRT/SP. Data Julg.: 10/04/2008. Data Pub.: 18/04/2008.

Processo: 20070080369. Relator: DAVI FURTADO MEIRELLES.

246 Miranda, Pontes de, Comentários ao Código de Processo Civil, tomo IV, p. 253.

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191

Assim, no referido sistema, os motivos que formaram o convencimento

do juiz devem ser expostos na decisão, a fim de garantir a isenção no julgamento

(imparcialidade do juiz e legalidade da decisão) e, por outro lado, possibilitar a

insurgência das partes quanto à decisão (CF/88, art. 93, IX; CPC, arts. 131, 165 e

458, II; CLT, art. 832)247.

Nas lições de Teixeira Filho:

“sob a óptica desse sistema, a convicção do Juiz fica adstrita a quatro

pressupostos legais: a) aos fatos deduzidos na ação; b) à prova desses

fatos, feito nos autos; c) às regras legais específicas e às máximas de

experiência; e d) à indicação do motivo que determinou a formação do

seu convencimento”. 248

Disso decorre que o juiz, na formação de sua convicção, deve

considerar os fatos trazidos aos autos, ainda que não digam diretamente às

alegações das partes, apreciando livremente as provas produzidas e submetidas

ao crivo do contraditório, norteando-se pelas regras legais e também pelas

máximas de experiência comum (CPC, art. 335)249, declinando em sua decisão

os fundamentos que justificam a decisão.

Neste particular, embora o sistema abraçado por nosso ordenamento

jurídico vigente não se lastreie na prova com valor tarifado, deve ser feito um

247 “Bem andou o constituinte pátrio ao explicitar a garantia da necessária motivação de todas as decisões judiciárias,

pondo assim cobro a situações em que o princípio não era observado (como, v.g., na hoje extinta argüição de relevância,

da antiga disciplina do recurso extraordinário).” (CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini e

DINAMARCO, Cândido Rangel, Teoria geral do processo, p. 69.

248 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio, A prova no processo do trabalho, p. 150.

249 Não se deve confundir conhecimento pessoal e particular do juiz a respeito de um determinado fato com as “regras de

experiência comum” previstas no art. 335 do CPC. Tais regras de experiência comum podem ser utilizadas pelo julgador na

ausência de normas jurídicas particulares, conforme preconiza o texto legal. Neste sentido, destaque merecem as palavras

de João Batista Lopes, em sua obra A prova no direito processual civil, p. 55: “Com efeito, posto não esteja o juiz adstrito a

critérios e valores prefixados pelo legislador – exceções, como a disposição do art. 366 do CPC, apenas confirmam a

regra-, não pode ele, à evidência, desprezar as regras da lógica, os postulados das ciências positivas, os princípios básicos

da economia, as regras de experiência etc, porque, como foi dito, a livre convicção na tem caráter absoluto”.

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parêntese: tanto na lei processual civil como na legislação trabalhista, verificam-

se algumas hipóteses isoladas em que a norma contemplou situações que devem

ser provadas por determinado meio, conforme se observa da leitura dos artigos

366 do CPC, 195 250 e 464 da CLT 251.

Isto não significa, todavia, que o sistema de valoração da prova

acolhido pela legislação pátria em vigor tenha traços do sistema da prova

tarifada, já que as hipóteses especificadas no parágrafo anterior são

condicionantes apenas dos meios predeterminados de prova, não dizendo

respeito à valoração atribuída pelo julgador .252

Afinal, no sistema da livre convicção motivada o juiz também deve ser

pautar nas regras legais específicas aplicáveis, além dos elementos dos autos,

sem que tal orientação implique prejuízo à livre apreciação e valoração motivada

da prova.

Por tudo que analisamos, podemos asseverar que o sistema do livre

convencimento motivado foi encampado por nosso ordenamento jurídico por

melhor se harmonizar com os demais princípios orientadores do processo,

250 “A realização de perícia é obrigatória para a verificação de insalubridade. Quando não for possível sua realização

como em caso de fechamento da empresa, poderá o julgador utilizar-se de outros meios de prova” (TST, SDI-1, Orientação

Jurisprudencial 278).

251 “Apesar de ser documento ad probationem e não da substância do ato, o pagamento de salários somente se prova

documentalmente, mediante recibo solto ou em folha de pagamento da empresa; fora daí têm pleno valor a confissão do

credor e, excepcionalmente e se acompanhados de outros elementos de convicção, os créditos em conta corrente e

pagamentos em cheque, desde que inexista prejuízo para o empregado (...). A prova testemunhal não é aceitável (em

sentido contrário Catharino, Temas)”. CARRION, Valentim, Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, p. 333.

252 VÍNCULO EMPREGATÍCIO. PROVA. VALORAÇÃO: "Impera, no campo do direito processual, o princípio da livre

investigação das provas, constituindo, o poder jurisdicional de dirigir o processo, princípio inerente à figura do Juiz, a quem

incumbe preocupar-se pela busca a verdade, atuando de forma imparcial. O Magistrado não está adstrito a padrões fixos

para apreciação das provas, visto possuir liberdade para concluir, segundo seu livre convencimento, fazendo prevalecer os

meios probantes que entender melhor adequados à apreciação do litígio". Recurso Ordinário a que se nega provimento.

(TRT/SP. Acórdão: 20080122080. Turma: 11. Data Julg.: 19/02/2008. Data Pub.: 04/03/2008. Processo: 20060558274.

Relator: DORA VAZ TREVIÑO).

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sobretudo os princípios do devido processo legal, do contraditório e da

imparcialidade do julgador.

A motivação e a vinculação das decisões aos elementos dos autos são

garantias de segurança, legalidade e justiça do julgamento, assegurando

confiabilidade e respeitabilidade ao provimento jurisdicional, eis que a persuasão

do julgador deverá estar sempre lastreada nos fatos e nas provas produzidas e

debatidas nos autos.

Considerando que a instrução processual deve ser destinada a fazer

valer a finalidade social processo, assegurando efetividade à tutela jurisdicional e

apaziguando o conflito com justiça, a conduta do magistrado, tanto durante a fase

de colheita de provas, quanto na fase final de valoração destas provas, tem que

se corresponder ao meio de realização destes objetivos.

Neste cenário, o princípio da livre convicção motivada é o que melhor

se coaduna com os escopos da relação processual, pois, ao assegurar ao juiz

liberdade crítica na apreciação dos elementos colhidos durante a instrução,

funciona como um desfecho que se harmoniza com a idéia de dinamização da

conduta do magistrado a marcar toda a instrução processual.

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10. PROVA EMPRESTADA

10.1. Aspectos Gerais:

O processo e todos os elementos a ele vinculados devem ser

analisados sob a ótica contemporânea da instrumentalidade, segundo a

perspectiva teleológica que devem representar para a sociedade. Assim, o

processo deve ser entendido como um instrumento não somente de concreção do

direito, como também e, sobretudo, de realização de justiça.

A fim de que o conflito seja eficazmente solucionado, a relação

processual deve ter principal objetivo o restabelecimento da verdade dos fatos,

que a ser revelada por meio da atividade instrutória ampla, com todos os recursos

a ela inerentes.

A prova, como já tivemos oportunidade de estudar, nada mais é do que

o meio destinado à formação do convencimento do juiz acerca da verdade de

uma situação de fato controvertida.

Neste contexto, tal finalidade pode ser atingida tanto por meio da prova

produzida na relação processual sobre o qual se debruça o julgador, como

também pode ser extraída da prova emprestada, ou seja, aquela produzida

regular e licitamente em uma causa e trasladada para outro feito.

Esta modalidade de prova recebe tal denominação por ser produzida

em um determinado processo e aproveitada em outra demanda, evitando-se, com

isto, a reiteração da prática de atos processuais e produção de novas provas, em

homenagem aos princípios da economia e da celeridade processual.

Ao tratarmos da prova emprestada estamos nos referindo à prova oral,

à prova pericial e à inspeção judicial, que são provas casuais, ou seja, colhidas

durante a relação processual, o que as diferencia das provas documentais,

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preconstituídas por natureza253, eis que produzidas intencionalmente antes da

existência do processo para o fim de servir de prova em juízo, razão pela qual

podem ser aproveitadas em qualquer processo e a qualquer tempo, sem que se

submetam às mesmas condições de validade da prova emprestada.

A prova emprestada oral, pericial e a inspeção judicial mantém eficácia

probatória plena apenas no processo em que tenham sido produzidas,

submetendo-se, dependendo das condições em que foram colhidas, conforme

analisaremos adiante, ao crivo de valoração do julgador do processo para o qual

são transportadas, não tendo necessariamente força vinculante em relação ao

seu convencimento.254

10.2. Condições para o Aproveitamento da Prova Emprestada:

Por não ser produzida convencionalmente como as demais provas, a

eficácia da prova emprestada no processo para o qual é trasladada tem gerado

cizânia tanto na doutrina, quanto na jurisprudência, sendo dissonantes os

posicionamentos acerca de seu completo aproveitamento nos autos para o qual é

transportada.

Dentre os principais argumentos invocados por aqueles que são

contrários à possibilidade de aproveitamento da prova emprestada em outro

processo, destacam-se os seguintes: violação aos princípios da identidade física

do juiz, da imediatidade na coleta da prova, da oralidade e da concentração.

253 Fabio Tabosa, ao comentar o art. 336 do CPC, assim ponderou: “Além do mais, nem mesmo caberá falar,

rigorosamente, de empréstimo probatório, caso anexado aos autos de processo judicial documento de mesmo teor do que

se tenha sido levado a outro processo judicial, ou mesmo administrativo: diversamente do que se tem quanto ao

transplante do mero conteúdo de provas de natureza diversa, as diversas vias de um mesmo documento ou reproduções

que dele se façam têm valor probatório próprio (p. ex., CPC, arts. 365 e 384/385), e quando de sua juntada aos novos

autos constituirão, nele, prova documental originária”. Apud MARCATO, Antonio Carlos, Código de Processo Civil

Interpretado, p. 1021.

254 Assim, por exemplo, uma confissão realizada pela parte em processo submetido a juízo absolutamente incompetente,

tendo em vista que somente os atos decisórios são tidos por nulos, conforme dispõe o art. 113, § 2º, CPC, a prova deve

ser sopesada à luz dos outros elementos de convicção dos autos para os quais é trasladada, bem como do livre

convencimento motivado do julgador.

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Estes fundamentos são de fácil impugnação, vez que tais princípios

também não tem aplicabilidade nos casos em que (1) a prova é produzida por

carta precatória, (2) antecipadamente perante outro juiz e, por fim, (3) nas

hipóteses de provas produzidas perante juízo absolutamente incompetente255,

havendo aproveitamento de todos os elementos probatórios colhidos pelo juízo

incompetente, porquanto a nulidade a ser declarada atinge apenas os atos

decisórios, conforme dispõe o art. 113, § 2º, CPC.

Por outro lado, aqueles que defendem o aproveitamento pleno da prova

emprestada fundamentam-se nos seguintes argumentos:

1º) princípio da economia processual, com aproveitamento dos atos já

produzidos em outro juízo, em razão da impossibilidade de realização de nova

prova, por inexistência do próprio objeto a ser demonstrado;

2º) princípio da celeridade do procedimento, evitando produção de nova

prova sobre idênticos fatos já provados em outro feito;

3º) coerência nos julgamentos, evitando decisões conflitantes, à medida

que impedem que fatos idênticos sejam provados de forma distinta, produzindo

resultados diferentes.

Em abono a esta segunda linha de pensamento, acrescentamos que,

por se tratar de prova obtida por meios idôneos e moralmente legítimos, deve ser

prestigiada a sua plena utilização inclusive no processo para o qual é trasladada.

255 Importante esclarecer que Moacyr Amaral Santo, in Primeiras linhas de direito processual civil, p. 366-367, defendia

que se a prova tiver sido produzida em processo declarado nulo, somente poderá ser aproveitada e emprestada a outro

feito se o ato nulo ocorrer em momento processual posterior à produção da referida prova. Caso a prova que será

emprestada tenha sido produzida posteriormente ao ato declarado nulo, a prova restará invalidada, já que é regra do

processo que todos os atos praticados após aquele que foi anulado serão considerados nulos. Parece-nos, todavia, que tal

entendimento não se aplicaria ao caso de incompetência absoluta, pois o CPC, art. 113, § 2º, dispõe expressamente sobre

o aproveitamento dos atos praticados, à exceção dos decisórios.

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Uma vez que a prova emprestada tenha sido regularmente produzida

em determinado processo, com observância da legalidade, do contraditório e da

ampla defesa, não há razão para que não tenha eficácia na relação processual

para a qual é transferida, cabendo ao julgador, da mesma forma como procederia

em relação a qualquer outra prova colhida no próprio feito, sopesá-la à luz de

todos os demais elementos de convicção existentes nos autos, conferindo-lhe o

valor devido.

Notamos, assim, que mesmo aqueles que defendem o aproveitamento

da prova emprestada em outro feito não negam que a sua eficácia deva ser

criteriosamente analisada pelo juiz da causa, em consonância com a realidade

dos autos para o qual é aproveitada, bem como subordinada a algumas regras

que lhe conferem legalidade. Vejamos cada uma delas:

a) Licitude da prova emprestada:

A colheita da prova emprestada deve observar os preceitos legais para

a produção de qualquer prova, somente sendo admissível quando produzida

pelos meios lícitos, moralmente legítimos e idôneos (art. 332 do CPC).

Neste particular, uma questão chama atenção especial no estudo do

tema, qual seja, a prova obtida por meio de interceptação telefônica.

Sabemos que a interceptação telefônica, como meio de utilizado para a

produção da prova, somente é permitida em processo penal ou procedimento de

investigação criminal, conforme preceitua o art. 5º, XII da CF/88, regulamentado

pela Lei nº 9.296/96.

A mencionada lei federal e a Constituição da República restringem a

licitude da interceptação telefônica somente para fins de aproveitamento em

procedimento ou juízo criminal, devendo ser justificada neste sentido (art. 4º).

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Com o objetivo de limitar o seu uso, haja vista a violação da privacidade

e do sigilo das comunicações que representa a produção desta prova, a Lei nº

9.296/96, em seu artigo 10, criminalizou a prática de interceptação quando

realizada sem autorização judicial e com objetivo diverso daquele autorizado nos

termos da legislação.

Da exegese do artigo 10 da lei poderia decorrer conclusão, como vimos

no estudo do “princípio da licitude da prova”, de que a prova obtida por meio de

interceptação telefônica, ainda que produzida de forma lícita no processo a que se

destina, não deveria ser aproveitada em outro processo não criminal, já que

estaria sendo violado um dos pressupostos de licitude da referida prova, qual

seja, a destinação exclusiva para fins penais.

Registramos, todavia, entendimento em sentido contrário do Supremo

Tribunal Federal, conforme julgado cuja ementa foi transcrita no capítulo 3.4, para

onde reportamos o leitor.

b) Submissão ao Contraditório:

Esta é a segunda condição de eficácia da prova emprestada e, por

conseguinte, de seu aproveitamento em outra demanda.

A possibilidade de impugnação ampla da prova pelos contendores

confere transparência ao referido elemento de convicção, sendo que o exercício

do contraditório, como não poderia deixar de ser, funciona como um controle da

legalidade de sua utilização em outro processo.

O contraditório deve ser analisado tendo em vista a pessoa dos

litigantes.

Primeiramente, se for produzida a prova entre as mesmas partes que

litigam no feito para o qual é trasladada, sendo idêntico o objeto, guarda a eficácia

inicial, eis que espraia a verdade obtida por meio da prova para onde quer que os

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contendores estejam litigando. Isto porque a produção da prova foi, no processo

anterior, submetida ao crivo do contraditório em sua inteireza, tendo sido

assegurada à parte contra a qual é aproveitada no processo destinatário a

possibilidade de impugnação em todos os aspectos formais e materiais. Neste

sentido, oportuno o magistério de Couture:

“As provas produzidas em outro juízo podem ser válidas, se nele a

parte teve oportunidade de empregar contra elas todos os meios de

controle e de impugnação que a lei conferia no juízo em que foram

produzidas. Tais provas, produzidas com todas as garantias, são

eficazes para demonstrar os fatos que tenham sido debatidos no

processo anterior e que voltem a repetir-se no segundo caso. Não

serão, por outro lado, eficazes, se não puderam ser devidamente

fiscalizadas em todas as fases da sua produção, ou se se referem a

tatos que não foram objeto de prova (‘objeto’, no sentido que já foi

atribuído a esse conceito) no processo anterior.”256

Por outro lado, caso tenha resultado de um litígio em que litigavam uma

das partes do processo atual e um terceiro, a prova emprestada somente

conservará sua eficácia inicial se: 1) no processo anterior tenha sido submetida

ao contraditório em relação ao litigante atual contra o qual é aproveitada; 2)

trasladada para o novo processo por quem não tenha sido parte no processo

anterior. Ex: José ajuizou reclamação trabalhista em face da Indústria “X”,

pleiteando indenização decorrente de acidente de trabalho, em que se produziu

prova pericial, com vistoria do local de trabalho; Antônio, empregado da mesma

reclamada e também vítima do mesmo acidente que vitimou vários empregados,

promoveu ação em face da empregadora, postulando o mesmo objeto perseguido

por José; caso Antônio peça o aproveitamento do laudo pericial produzido na lide

entre José e a empresa, apenas quanto ao objeto compatível com o caso

concreto de sua demanda, a prova emprestada poderá ser admitida, já que a ré

256 COUTURE, Eduardo J., Fundamentos do direito processual civil, p. 125.

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exerceu o contraditório na primeira ação – sendo possível a Antônio o

requerimento, vez que abriu mão de interferir na produção daquela prova.

A contrario sensu, ainda nesta segunda hipótese tratada acima, ou seja,

prova produzida em processo em que litigavam uma das partes e um terceiro, não

terá a mesma eficácia a prova emprestada se tiver sido invocada no novo

processo apenas por quem participou do processo anterior e dela se beneficiou.

Neste caso, a prova não se submeteu ao contraditório em relação ao litigante do

processo atual em detrimento do qual se aproveita a prova emprestada, uma vez

que não participou do processo anterior. A hipótese aqui retratada nos reporta a

uma situação que tem sido recorrente na Justiça do Trabalho, face à nova

competência para ações acidentárias (art. 114 da CF/88, com a nova redação

promovida pela EC 45); a questão a ser ponderada diz respeito ao

aproveitamento ou não, na Justiça Especializada, do laudo pericial produzido em

ação acidentária promovida pelo trabalhador no Juízo Cível, em face do INSS;

não tendo o empregador participado do contraditório naquela demanda ajuizada

em face do órgão previdenciário, o laudo favorável ao trabalhador, uma vez

trasladado para a ação trabalhista, não teria a eficácia original, por todos os

motivos já expostos.

Por derradeiro, se a prova emprestada tiver sido produzida entre

terceiros, a eficácia probatória ficará absolutamente prejudicada, uma vez que a

produção da prova não foi submetida ao crivo do contraditório por nenhuma das

partes, vez que não participaram do processo anterior conforme bem delimitou

Nelson Nery:

“A condição mais importante para que se dê validade e eficácia à prova

emprestada é sua sujeição às pessoas dos litigantes, cuja

conseqüência primordial é a obediência ao contraditório. Vê-se,

portanto, que a prova emprestada do processo realizado entre terceiros

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é res inter alios e não produz nenhum efeito senão para aquelas

partes.”257

c) A eficácia e o aproveitamento da prova emprestada está na razão

inversa da possibilidade de nova produção no processo para a qual é

transportada: esta é a terceira condição para a sua utilização em outro processo.

Considerável parte da jurisprudência258 entende que a prova

emprestada somente poderá ser aproveitada no novo feito se houver

impossibilidade de reiteração da produção da prova, como no caso de falecimento

da parte que depôs em juízo ou da testemunha, desativação do local de trabalho

onde seria realizada a perícia. Segundo esta linha de pensamento, esta seria uma

condição de validade para a utilização da prova emprestada, e não apenas um

argumento em defesa de seu aproveitamento em outro feito.

Entendemos que a questão não deva ser interpretada de forma tão

inflexível, condicionando o aproveitamento da prova emprestada apenas e tão

somente nas situações em que não for possível a realização de nova prova.

Limitação desta ordem, em nosso sentir, estaria ceifando duas garantias do

processo: a amplitude na utilização dos poderes instrutórios do juiz e a submissão

da prova ao livre convencimento do julgador. Assim, à vista das circunstâncias e

dos elementos existentes nos autos, o juiz poderá, fundamentando sua decisão,

aproveitar a prova emprestada, ponderando a relevância na formação de seu

convencimento, ainda que seja possível a realização de nova prova (art. 130,

CPC e art. 765 da CLT e art. 131, CPC); a prova emprestada, neste contexto,

será sopesada pelo julgador como mais um meio tendente a formar sua cognição.

A propósito, destaque merece julgado do C. TST no mesmo sentido,

extraído do sítio do TRT da 2ª Região, jurismail, de 05/08/2002:

257 Nery Junior, Nelson, Código de Processo Civil Comentado, p. 693.

258 Verificar o item “10.4”: Dispensa da Prova Pericial e a Questão da Prova Emprestada.

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“Não existe qualquer dispositivo legal que proíba, numa determinada

causa, a utilização de uma prova produzida em outro processo judicial.

Sob este entendimento, a Quarta Turma do Tribunal Superior do

Trabalho confirmou, por unanimidade, a possibilidade de utilização da

chamada “prova emprestada” nos conflitos de âmbito trabalhista. No

caso concreto, a decisão foi tomada com base no voto do ministro

Milton de Moura França, proferido no julgamento de um agravo de

instrumento proposto ao TST por uma empresa paraense.

A firma Belágua – Belém Águas LTDA. foi condenada pela primeira

instância trabalhista ao pagamento dos valores correspondentes ao

adicional de insalubridade devidos ao auxiliar de embalagem José

Marcelo Dax da Costa. Durante a tramitação do processo na Vara

Trabalhista, o juiz local tomou emprestada uma prova pericial oferecida

pelo próprio trabalhador e que tinha sido produzida anteriormente nas

dependências da empresa e no mesmo local em que o empregado

atuava.

Diante das circunstâncias processuais e da prova pré-existente, o juiz

de primeiro grau entendeu ser desnecessária a realização de um novo

laudo pericial destinado a confirmar ou não as condições insalubres do

galpão da empresa, onde trabalhava José Marcelo. Segundo a perícia

aceita pelo magistrado da capital paraense, o nível do barulho no local

de trabalho era elevado e em desacordo com a legislação, “originando-

se o ruído de três máquinas de estrusão e uma máquina trituradora de

matéria-prima reciclável, principalmente no setor de fabricação de

garrafas plásticas”.

Este posicionamento foi mantido pelo Tribunal Regional do Trabalho do

Pará (segunda instância), que negou o recurso ordinário apresentado

pela empresa, quando argumentou ser necessária a realização de uma

nova perícia em seu galpão. Inconformada, a defesa da firma propôs ao

TRT-PA um recurso de revista, a ser encaminhado por este órgão

judicial ao TST. A remessa do recurso, contudo, não foi deferida pela

segunda instância.

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Para tentar submeter a análise da questão ao órgão de cúpula do

Judiciário trabalhista, a empresa propôs um agravo de instrumento,

distribuído ao presidente da Quarta Turma, ministro Moura França. A

alegação utilizada foi a de nulidade da decisão da Justiça do Trabalho

paraense, uma vez que o adicional de insalubridade teria sido

concedido ao trabalhador com base em prova emprestada de outro

processo e não por meio de um laudo pericial específico. Teria havido,

assim, infração ao art. 195 da CLT.

A argumentação, entretanto, não surtiu efeito. De acordo com o ministro

Moura França, “inexiste dispositivo legal vedando a utilização de prova

emprestada”. Além disso, o relator da questão de frisar que o TRT-PA

“em nenhum momento concluiu pela inexigibilidade da prova pericial

como comprovação de insalubridade, que poderia legitimar a pretensão

de ofensa ao art. 195 da CLT”. Ao contrário, o órgão de segunda

instância decidiu apenas que a prova emprestada possui eficácia. “Ante

referido contexto, que, inclusive, revela que outros empregados

recebem o adicional por força de perícia já realizada, efetivamente é

desnecessária a realização de perícia, porque plenamente eficaz a

prova emprestada da mesma natureza”, acrescentou o ministro Moura

França antes de concluir o seu voto contrário à concessão do agravo.

(AIRR 722927/01)

A entender de forma contrária, estaríamos praticamente impondo

amarras incompatíveis com o processo contemporâneo, limitando

injustificadamente a condução da instrução pelo julgador, vendando os olhos para

a realidade que, não raras vezes, emerge da prova emprestada e, por fim,

sacrificando a utilidade que este poderoso elemento de convicção terá para a

pacificação do litígio.

Conforme ressaltamos ao longo de todo este estudo, a atividade

instrutória do magistrado deve ser dinâmica e sempre destinada ao cumprimento

do escopo maior do processo, qual seja, a entrega da prestação jurisdicional com

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máxima efetividade e concreção do direito material, pois somente assim será

atendida a sua finalidade social.

Neste contexto, o juiz não somente deve acolher o pedido de um dos

litigantes para aproveitamento da prova emprestada, como também, com

fundamento nos artigos 765 da CLT e 130 do CPC, pode determinar ex officio que

a prova venha aos autos, sem que haja qualquer ofensa ao princípio da

imparcialidade, nem da isonomia.

10.3. Prova Emprestada e Juízo Criminal:

A prova produzida em determinado juízo tem eficácia plena no processo

em que for originalmente colhida, não vinculando necessariamente o

convencimento do magistrado em relação ao processo para o qual será

trasladada.

Em se tratando especificamente de prova trasladada de processos

penais, o juiz do trabalho não é obrigado a acolhê-la com o mesmo valor e com a

mesma eficácia que guarda nos autos de origem. Embora a prova tenha por pano

de fundo os mesmos fatos, o procedimento para sua colheita é conduzido pelos

dois juízos a partir de premissas e objetivos diversos. Neste diapasão, reputamos

oportunas as preleções de Campos Batalha:

“O aproveitamento, no juízo trabalhista, de provas produzidas no juízo

criminal depende de bastante ponderação, porque, em regra, os

pressupostos da responsabilidade penal não se confundem com os

pressupostos da responsabilidade trabalhista”.259

Isto não significa dizer que a prova oriunda de um processo criminal

seja absolutamente desprovida de valor e, portanto, não possa ser aproveitada na

259 BATALHA, Wilson de Souza Campos, Tratado de direito judiciário do trabalho, vol. II, p. 147.

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205

ação trabalhista. Terá, sim, utilidade como mais um elemento de convicção a ser

agregado à instrução processual, submetendo-se ao crivo do livre convencimento

do magistrado.

A referida prova emprestada, todavia, não deve substituir e evitar a

realização da instrução nos autos da própria ação trabalhista, sob pena de

implicar verdadeiro menoscabo à fase probatória no processo do trabalho,

momento dos mais importantes e significativos para a garantia da composição

justa do litígio de natureza trabalhista.

A propósito, havendo coincidência dos fatos que fundamentam as

ações que tramitam perante o juízo criminal e o trabalhista e, por conseguinte,

prejudicialidade entre as ações, estando as demandas em momentos processuais

compatíveis, pode o juiz, segundo seu prudente arbítrio, determinar o

sobrestamento do dissídio trabalhista pelo prazo legal, com fulcro nos artigos 110

e 265 do CPC, até que a justiça criminal decida sobre determinado fato que é

comum às duas esferas. Adotando tal medida, o juiz do trabalho poderá evitar

decisões conflitantes sobre os mesmos fatos.

A trasladação desta prova, como ressaltamos, embora recomendável

em determinadas situações, deverá ser submetida ao crivo do livre

convencimento do julgador (CPC, artigos 130 e 131 e CLT, artigo 765), sendo

valorada com liberdade e aproveitada naquilo que for pertinente à demanda

trabalhista, procedimento este sempre tendente a possibilitar a perquirição da

verdade, consoante entendimento jurisprudencial abaixo:

“I - É da reclamada o "ônus probandi" (arts.818/CLT e 333/CPC) relativo

a regular comissão de conciliação prévia referente à categoria

profissional induvidosamente diferenciada do reclamante, consoante

alegado em defesa e desde a exordial peremptoriamente negado; II -

Não resta dúvida da integral não vinculação dos entendimentos judiciais

trabalhistas e criminais sobre um mesmo fato que estaria enquadrado

no art.482 do Código Social de 1943. No entanto, também milita em

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206

favor do obreiro (sem prova robusta em contrário na reclamatória) o fato

de existir sentença criminal de absolvição com trânsito em julgado, e na

qual consta expressamente que a empresa realizava comumente

"transferência de mercadoria de uma loja para outra com prejuízo do

fisco", bem como que teria sido feita uma "cilada" ao trabalhador, que

levou às suas injusta prisão e conseqüente dispensa por ato de

improbidade”. (Recurso Ordinário em Rito Sumaríssimo. Data do

julgamento: 14/05/2002. Data de publicação: 28/05/2002. Relator Des.

RICARDO VERTA LUDUVICE. Acórdão nº: 20020322857. Processo nº:

13759-2002-902-02-00-8. ANO: 2002. TURMA: 10ª. TRT/SP).

Entendemos, destarte, que o aproveitamento da prova colhida perante

o juízo criminal como prova emprestada nas ações trabalhistas, desde que tenha

sido produzida naquele juízo com observância do devido processo legal –

submetendo-se ao contraditório -, pode ser considerada medida salutar,

porquanto prestigia o princípio da economia processual e evita decisões

contraditórias.

Vale notar, entretanto, que havendo decisão do juízo criminal sobre a

existência do próprio fato (materialidade) e a autoria da conduta, nestes casos, a

sentença proferida no juízo criminal terá efeito reflexo para fins de

responsabilidade trabalhista, nos termos preceituados no art. 935 do Código Civil

em vigor. Embora não se questione aqui a independência das duas esferas – o

que não é nossa intenção e nem mesmo poderia, em razão da expressa

disposição legal (art. 110, CPC) -, o juiz do trabalho, nestas hipóteses específicas,

deve sobrestar a ação trabalhista, afastando o risco de decisões colidentes, como

também de violação às questões decididas no juízo penal. No ponto, os

comentários de Fabrício Zamprona Matiello ao art. 935 do Código Civil são

concludentes:

“Em assim sendo, a apuração dos fatos em ambos os juízos pode

ocorrer em conjunto ou separadamente, mas a decisão definitiva da

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207

esfera criminal, apontando a existência do fato e quem seja o seu autor,

fará coisa julgada no juízo cível. Exatamente por isso é que existe

norma de caráter processual (art. 110 do Código de Processo Civil)

facultando ao julgador o sobrestamento da tramitação do processo

enquanto estiverem sendo apurados os fatos em persecução

criminal.”260

Neste diapasão, Bezerra Leite, utilizando como exemplo o caso de

empregado dispensado por justa causa, acusado de ato de improbidade, defende

a suspensão da demanda trabalhista, observado o prazo legal (CPC, art. 265)

para verificação da materialidade do fato e da sua autoria pelo juízo criminal,

como se verifica:

“Neste caso, o juiz poderá determinar a suspensão do processo e

aguardar o julgamento do processo criminal, na medida em que embora

responsabilidade civil (e trabalhista) seja independente da criminal, não

se poderá questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem

seja seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo

criminal (CC, art. 935).”261

Situação diversa refere-se à prova oriunda de procedimento de

inquérito policial. Na fase investigatória extrajudicial não há o exercício do

contraditório, sendo a prova produzida unilateralmente pela autoridade policial.

Daí o seu total desprestígio enquanto prova perante o juízo trabalhista, sendo que

as peças provenientes do inquérito valem apenas como elementos de informação,

quando trasladadas para os autos de uma ação trabalhista, não guardando a

mesma eficácia probatória daquela produzida perante o juízo criminal.

260 Código Civil comentado, nota 2 ao art. 935, p. 586.

261 LEITE, Carlos Henrique Bezerra, Curso de direito processual do trabalho, p. 597.

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Pode-se afirmar que tais provas teriam, no máximo, o valor equivalente

a um indício, a coadjuvar com os demais elementos de convicção do processo

para a formação do convencimento do magistrado trabalhista.262

Neste sentido, se o fato colhido pela prova oriunda de um inquérito

policial não encontrar eco na instrução processual trabalhista, não teria utilidade

para o deslinde do feito, conforme julgado adiante transcrito, a ilustrar a

fragilidade da prova produzida unilateralmente em inquérito policial:

“DANO MORAL - DOCUMENTOS DA ÁREA CRIMINAL: "Inservíveis

para amparar pleito de indenização por dano moral documentos da

esfera criminal, unilaterais, não corroborados por prova nesta Justiça

Especializada".". Recurso ordinário do obreiro a que se nega

provimento, no particular. Data de julgamento: 28/10/2008. Data de

publicação: 11/11/2008. Relatora: Des. DORA VAZ TREVIÑO. Acórdão:

20080962127. Processo nº: 02241-2003-442-02-00-8. Ano: 2007.

TURMA: 11ª. TRT/SP.

10.4. Dispensa da Prova Pericial e a Questão da Prova Emprestada:

Da análise dos arts. 420 e 427 do CPC depreende-se que há situações

em que a realização da perícia pode ser dispensada, conforme veremos abaixo.

Primeiramente, há que se destacar que somente é realizada a perícia

quando a elucidação dos fatos demandar conhecimento técnico, sendo

despicienda, por outro lado, caso as provas documental e oral se mostrarem

pertinentes ao esclarecimento da questão controvertida.

Da mesma forma, ainda que se tratem de fatos cuja elucidação possa

depender de conhecimentos técnicos, em homenagem ao princípio da economia

262 Defendendo tal linha de entendimento, Wilson de Souza Campos Batalha, Tratado de direito judiciário do trabalho, vol.

II, pp. 148-149.

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processual, o juiz poderá dispensar a realização da prova técnica, caso sejam

carreados aos autos pareceres ou outros documentos suficientes ao seu

convencimento.

Por certo que a solução sugerida anteriormente, embora prestigie a

economia e a celeridade processual, nem sempre é adequada ao caso concreto,

notadamente nas situações em que o próprio direito material estabelecer meio de

prova condicionante à demonstração do fato controvertido. É o que se observa da

leitura do art. 195, parágrafo 2º da CLT, sendo imprescindível, quando possível a

realização da prova, a perícia para a apuração da insalubridade ou da

periculosidade no ambiente laboral.

A prova pericial também não será realizada, outrossim, caso as

condições de fato tornem a sua produção impraticável, em função do perecimento

do objeto a ser periciado, bem como na hipótese de não ter deixado quaisquer

vestígios, a partir dos quais o expert judicial poderia desenvolver o seu trabalho.

A hipótese referida acima (art. 420, III do CPC) novamente nos reporta

ao caso da insalubridade e da periculosidade; tendo sido desativado o local de

trabalho, emergem duas soluções possíveis:

A primeira que reputa aproveitável o laudo emprestado produzido em

outro processo, desde que o ambiente e as condições de trabalho periciadas no

outro litígio sejam exatamente idênticos aos do processo para o qual se transporta

a prova emprestada, uma vez impraticável a realização de nova perícia. Tal tese,

que encontra reforço também na exegese do art. 427 do CPC.

As ementas abaixo ilustram com clareza este posicionamento:

RECURSO DE REVISTA. LOCAL DESATIVADO. PROVA

EMPRESTADA. PERICULOSIDADE NÃO CARACTERIZADA. “Não se

há falar em nulidade da decisão regional que, ante a impossibilidade de

realização de perícia técnica diante da desativação do setor, ou

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modernização de seu campo fabril com outras instalações em local

distinto do primitivo, decidiu com base no exame da prova emprestada

trazida aos autos, concluindo pela inexistência de periculosidade. O

Regional decidiu à luz do princípio da persuasão racional insculpido no

art. 131 do CPC, sendo inviável nesta instância recursal a reapreciação

do conjunto fático-probatório para fins de dar novo enquadramento

jurídico aos fatos (Súmula 126/TST)”. (Recurso não conhecido.

Processo: RR - 716675/2000.1 – TST. Data de Julgamento: 05/11/2008.

Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, 6ª Turma. Data de

Publicação: DJ 14/11/2008).

“Recurso de revista. Adicional de periculosidade. Admissibilidade da

prova emprestada desde que constatada a identidade de fatos entre o

trabalho do demandante e o consignado na perícia realizada em outro

processo. A revista não se viabiliza por dissenso pretoriano tendo em

vista que os arestos paradigmas não tratam da hipótese da utilização

de prova emprestada. A violação a dispositivo de lei federal não se

consubstancia na medida que esta Corte vem firmando entendimento

no sentido de admitir o instituto da prova emprestada desde que

configurada a identidade de contextos entre o labor do demandante e o

objeto da perícia realizada em processo diverso. Consignado, pois, no

acórdão a identidade de contextos entre as situações em apreço,

autorizada fica a utilização da prova emprestada, que vem, portanto,

atender a determinação constante no art. 195, § 2º do texto

consolidado. Revista não conhecida”. (TST-RR-668.133/2000.0 – Ac. 5ª

T. – 11ª Reg. – Rel. Juiz Convocado João Carlos Ribeiro de Souza.

DJU 19.9.03, pág. 619. Suplemento de Jurisprudência LTr 49/2003,

pág. 382).

“Periculosidade e insalubridade. Prova emprestada. Admissibilidade. A

prova pericial só é obrigatória quando é possível. Desativado ou

alterado o local de trabalho, admite-se a prova emprestada - que

também é prova técnica - desde que tenham sido avaliados o mesmo

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local (ou local semelhante) e as mesmas condições de trabalho, de

forma a fornecer ao juiz os elementos técnicos necessários ao seu

esclarecimento e convencimento”. (TRT/SP. Acórdão: 20020723797.

Turma: 03. Data Julg.: 05/11/2002. Data Pub.: 19/11/2002. Processo:

20020315303. Relator: EDUARDO DE AZEVEDO SILVA)

“PROVA EMPRESTADA. ADMISSIBILIDADE. Embora sem previsão

expressa na lei, a chamada prova emprestada encontra respaldo no

direito constitucional à ampla defesa (art. 5º, LV, CF) e é de larga

aceitação e manifesta utilidade no processo trabalhista, notadamente

quando se trata de evidenciar condições de trabalho ou ambientais

nocivas ou sob risco existentes na vigência do contrato de trabalho, e

que tenham sido alteradas após o desligamento do empregado. A prova

emprestada submete-se aos princípios da idoneidade e adequação, e

às regras gerais da livre apreciação, consoante o sistema da persuasão

racional adotado pelo nosso direito processual, formando o julgador a

sua convicção com base nos elementos probatórios existentes nos

autos (art. 131, CPC)”. (TRT/SP. Acórdão: 20050401810. Turma: 04.

Data Julg.: 21/06/2005. Data Pub.: 01/07/2005. Processo: 20030829970

Relator: RICARDO ARTUR COSTA E TRIGUEIROS)

Em contrapartida, há uma segunda tendência na doutrina e na

jurisprudência que se mostra mais refratária ao aproveitamento da prova

emprestada, caso existam outros elementos nos quais o perito pode se

fundamentar para o desenvolvimento do laudo, ainda que o local não conserve as

mesmas condições em que se deu a prestação de serviços à época. Segundo

esta corrente, a perícia pode ser realizada com base em outros elementos, quais

sejam, oitiva de testemunhas (colegas de profissão que se ativavam nas mesmas

condições), obtenção de informações, solicitação de documentos etc, além da

própria experiência profissional do expert em relação à matéria técnica (art. 429,

CPC), como se constata das ponderações de Sérgio P. Martins, in litteris:

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“Entretanto, no que diz respeito à insalubridade ou periculosidade, há

necessidade de perícia, por expressa disposição do art. 195 da CLT.

Assim, a prova não poderá ser emprestada, por se tratar de situação

personalíssima, que tem de ser investigada pelo perito no local de

trabalho. Dessa forma, salvo se as partes assim concordarem, a prova

pericial emprestada de outro trabalhador não valerá no processo em se

discute insalubridade ou periculosidade quando a seção em que o

reclamante trabalhava, por exemplo, foi fechada ou transferida.”263

No mesmo diapasão, a jurisprudência:

“Adicional de insalubridade. Perícia em local desativado. A realização

de perícia no local de trabalho do autor, ainda que desativado, é

possível através de informações de outros empregados que conheciam

as tarefas realizadas e em que condições eram executadas”. (TRT/SP.

Acórdão: 20030104518. Turma: 06. Data Julg.: 11/03/2003. Data Pub.:

28/03/2003. Processo : 20020387584 Relator: RAFAEL E. PUGLIESE

RIBEIRO)

“Perícia - Insalubridade ou periculosidade - Desativação do local de

trabalho - A desativação do local de trabalho não inviabiliza a produção

de prova pericial técnica quando os agentes agressivos derivam da

função exercida e não das condições do local de trabalho. O art. 429 do

CPC dá aos peritos e assistentes técnicos ampla liberdade na colheita

de informações necessárias à instrução do laudo. Na maioria das

vezes, o objeto da perícia refere-se a fato pretérito, o que obriga o

"expert" a "utilizar-se de todos os meios necessários, ouvindo

testemunhas, obtendo informações, solicitando documentos que

estejam em poder da parte ou repartições públicas, bem como

instruir o laudo com plantas, desenhos, fotografias e outras quaisquer

peças" (sic/art. 429 do CPC). (TRT/SP. Acórdão: 20030092749. Turma:

263 MARTINS, Sérgio Pinto, Direito processual do trabalho, p. 322.

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08. Data Julg.: 10/03/2003. Data Pub.: 25/03/2003. Processo:

20020177261. Relator: MARIA LUÍZA FREITAS)

Independentemente do caminho que se adote para a solução da

questão, é certo que o Tribunal Superior do Trabalho já sedimentou seu

entendimento, por meio da Orientação Jurisprudencial 278 da Seção de Dissídios

Individuais I264, tornando viável, na nossa concepção, o aproveitamento tanto da

prova emprestada, como também de outros meios de prova possíveis, se

inexistente outro laudo que tenha sido anteriormente produzido a partir dos

mesmos fatos e circunstâncias do processo para o qual seria trasladado.

E independentemente da tese que se acolha, importante que prevaleça

a idéia de que a prova emprestada deve ser mais um elemento de convicção

coligido à instrução processual, com o objetivo de desvendar a realidade dos fatos

controvertidos. A eficácia e o pleno aproveitamento, enquanto meio hábil de

prova, serão submetidos ao crivo do livre convencimento motivado, cabendo ao

julgador conferir-lhe o valor merecido (CPC, art. 131).

Não se pode perder de vista, porém, que todos os elementos de prova

lícitos e moralmente legítimos, tendentes à busca da verdade e à formação do

convencimento do juiz, devem ser considerados e valorados, em função da

utilidade que possam demonstrar para a composição justa e efetiva do conflito.

Estas são as considerações necessárias ao esclarecimento da utilidade

da prova emprestada no processo do trabalho.

264 Eis o texto da OJ 278, SDI-I do TST: “Adicional de insalubridade. Perícia. Local de trabalho desativado. A realização

da perícia é obrigatória para a verificação de insalubridade. Quando não for possível sua realização, como em caso de

fechamento da empresa, poderá o julgador utilizar-se de outros meios de prova”.

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CONCLUSÃO

As demandas da sociedade contemporânea não se conformam mais

com um processo meramente técnico e dogmático, clamando por um instrumento

hábil e capaz de garantir concretude ao direito substancial e, com isso,

restabelecer a harmonia social ameaçada pelo conflito.

A relação processual, neste ponto, deve deixar de ser vista sob o

ângulo introspectivo, formalista e teórico, passando a ser analisada sob o aspecto

teleológico, voltada aos fins sociais para os quais se destina.

Neste sentido, a prova judiciária exerce papel fundamental, porquanto

destinada a solucionar o conflito com justiça, cumprindo, assim, o escopo social

do processo.

Para que bem desempenhe esta função, a atividade probatória, em

todos os seus desdobramentos, deve estar voltada à descoberta da realidade dos

fatos que servem de substrato ao litígio, possibilitando que a prestação

jurisdicional assegure máxima realização ao direito material e, com isso, tenha

efetividade no plano concreto.

Com vistas ao resultado útil do processo, de forma a garantir o bem-

estar da sociedade, o legislador conferiu ao juiz participação mais dinâmica e

ostensiva na instrução processual, franqueando-lhe contribuição decisiva na

produção da prova e na perquirição da verdade.

Ao magistrado foram confiados, destarte, legítimos e amplos poderes

investigatórios (CPC, art. 130 e CLT, art. 765), sobretudo na seara trabalhista, em

que as especificidades do direito substancial clamam por uma intervenção oficial

capaz de restaurar o equilíbrio entre os contendores, compensando a

desigualdade real existente, sentida tanto no plano da relação material, quanto

reflexamente no processo.

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215

Neste contexto, não se justifica a redução da condição do julgador à

antiga e tradicional figura de mero espectador do duelo judicial travado entre as

partes, eis que a passividade e a inércia de sua conduta, durante a tramitação do

feito, mostram-se incompatíveis com a sistemática processual hodierna.

O magistrado, nos dias atuais, deve se mostrar sensível e permeável

às demandas da sociedade, dirigindo a instrução processual de forma atenta

para que o “jogo de vontades e de interesses particulares” dos litigantes não

acabe por “tomar a cena” em detrimento da verdade real.

Segundo a visão publicista que vigora hodiernamente, todo processo é

movido por um interesse público maior do Estado, destinado ao resgate da

verdade e, por conseguinte, à manutenção da integridade do ordenamento

jurídico. Tal interesse público a possibilitar, em última análise, a almejada

harmonia social, é superior ao ostentado pelas partes, tendo na figura do juiz seu

representante oficial.

E para a concretização deste desiderato, a sistemática processual

contemporânea dotou o magistrado de inúmeros instrumentos aptos a dinamizar

sua atuação durante a instrução processual, munindo-lhe de poderes e, ao

mesmo tempo, de responsabilidades tendentes à facilitação do efetivo acesso ao

Judiciário, eliminando as “diferenças de oportunidades em função da situação

econômica dos sujeitos”.265

Como estudamos ao longo deste trabalho, militam em favor da

ativização da conduta do juiz - em prol da solução efetiva do conflito - vários

meios, a saber: a iniciativa oficial para a realização de provas, sobretudo nos

casos em que a “aptidão maior de um dos litigantes” inviabilizar a realização da

prova; a utilização das presunções legais e humanas, das máximas de

experiências e dos indícios colhidos durante o feito como elementos

coadjuvantes às demais provas colhidas; o aproveitamento da prova emprestada;

a possibilidade de inversão do ônus da prova em determinadas e específicas

265 DINAMARCO, Cândido R., A instrumentalidade do processo, p. 24.

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situações; o adequado manejamento do principio in dubio pro misero na

valoração da prova; a invocação das normas sobre distribuição do ônus da prova

apenas como regras de julgamento; por fim, a subministração eficaz de todos

estes instrumentos na livre e fundamentada valoração do material probatório266.

Não podemos nos olvidar, todavia, que os poderes investigatórios do

magistrado, tendentes a restabelecer a verdade dos fatos e a assegurar

efetividade à prestação jurisdicional, devem ser administrados adequada e

tempestivamente, de modo a evitar que a instrução processual, em lugar de ser

útil à justa solução do conflito, eternize a demanda, tornando-se uma verdadeira

cruzada em perseguição da realidade em detrimento da celeridade na entrega da

provimento. Importante que se frise que todos estes conceitos devem ser

interpretados de forma sistemática, sendo que a efetividade e a justiça da tutela

e, por certo, da instrução processual, pressupõem a tempestividade de sua

realização.

De tudo que dissemos, uma idéia jamais pode ser esquecida: para que

a prova judiciária cumpra fielmente sua função social, como instrumento a

garantir efetividade à prestação jurisdicional, não basta que o legislador tenha

conferido ao juiz uma gama ampla de instrumentos aptos a tal fim, notadamente

dotando-lhe de poderes instrutórios.

Incumbe ao juiz moderno, sobretudo ao juiz do trabalho que sempre se

mostrou mais sensível aos diversos influxos do contexto social, assumir, sem

receio de violação da imparcialidade de sua conduta267, o poder-dever que lhe foi

atribuído pelo legislador, fazendo-o com responsabilidade e consciência de que

seus atos são decisivos para eficácia do resultado do processo.

266 Neste sentido, DINAMARCO, ob. cit., pp. 24-25, valoriza a “postura instrumentalista” do processo, defendendo o

“aumento da participação do juiz na instrução da causa e de sua liberdade na apreciação do resultado da instrução”.

267 Como pudemos verificar durante o estudo, a imparcialidade do julgador é medida pela preservação das garantias e

dos direitos constitucionais, notadamente a motivação das decisões, a ampla defesa, o contraditório e a igualdade das

partes, sendo que esta última, não raras vezes, depende diretamente da intervenção necessária do magistrado durante a

instrução processual, visando ao restabelecimento do equilíbrio entre os contendores.

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Por todo o analisado, concluímos que a atividade probatória somente

poderá atingirá seu escopo, no sentido de possibilitar que o processo colha um

resultado útil, harmonizando o conflito social com justiça, se houver uma profunda

e comprometida mudança de postura e de mentalidade de todos os sujeitos

envolvidos na relação processual (juízes, advogados, procuradores). Neste

sentido, deve haver uma convergência da conduta de todos aqueles que operam

o processo, notadamente do magistrado, para que a instrução processual seja

destinada ao fim de promover a verdade e, em decorrência, realizar o ideal de

justiça.

Somente assim será assegurada efetividade à atividade instrutória,

tornando o processo um hábil instrumento a serviço do bem-estar social, objetivo

maior do Estado contemporâneo.

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BIBLIOGRAFIA:

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