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Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 43 – O ensino do Português e as novas tecnologias. 21 A INCLUSÃO DIGITAL DO PROFISSIONAL DE LETRAS Ana Maria Nápoles VILELA 1 RESUMO: A todo momento, temos provas de que os atuais avanços tecnológicos provocam transformações nas formas de comunicação, nos processos produtivos, na organização do trabalho e na consequente formação de recursos humanos. Sendo assim, é importante que sejam elaboradas, desenvolvidas e implementadas propostas para a integração das tecnologias no cotidiano escolar, a partir de conteúdos curriculares específicos. Neste trabalho, proponho-me analisar as matrizes curriculares dos cursos de graduação e de pós-graduação de Letras das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) do Brasil, tendo como pressuposto que, diante da política do governo de inserção digital dos cidadãos, tais instituições estão (ou deveriam estar) formando profissionais reflexivos para atuarem em um ambiente construtivista de aprendizagem mediada pelo computador. Vale lembrar que isso está previsto e assegurado pelos documentos oficiais, considerados prescritivos. Por essa razão, considero importante pesquisar, na perspectiva do interacionismo sociodiscursivo (ISD), o que está sendo ensinado ao futuro profissional de Letras para que se torne um letrado digital capaz de inserir seu aluno no ambiente digital. O corpus foi coletado no site do SESU/MEC, no endereço http://portal.mec.gov.br/sesu/index.php?option=content&task=view&id=477&Itemid=3 00#federais . PALAVRAS-CHAVE: Inclusão digital, Letramento digital, Currículo, Profissional de Letras, Tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC), Interacionismo sociodiscursivo (ISD). INTRODUÇÃO Este trabalho é o fruto de um estágio de pós-doutorado no Instituto de Estudos de Linguagem (IEL) da Unicamp, sob a orientação da Profa. Dra. Ingedore Villaça Koch, para cujo objeto de estudo elegi o hipertexto como instrumento para apresentação de informações em ambiente digital, na perspectiva do designer (do profissional que alimenta a máquina). Propus-me a analisar o papel mediador desse profissional, sua 1 Profa. Dra. do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG), Departamento de Linguagem e Tecnologia. Rua Bambuí, 788 – apto. 302. CEP 30.310.320 – Belo Horizonte (MG) – Brasil; [email protected] .

A INCLUSÃO DIGITAL DO PROFISSIONAL DE LETRAS organização do trabalho e na consequente formação de recursos humanos. Sendo assim, é importante que sejam elaboradas, desenvolvidas

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A INCLUSÃO DIGITAL DO PROFISSIONAL DE LETRAS

Ana Maria Nápoles VILELA1 RESUMO: A todo momento, temos provas de que os atuais avanços tecnológicos provocam transformações nas formas de comunicação, nos processos produtivos, na organização do trabalho e na consequente formação de recursos humanos. Sendo assim, é importante que sejam elaboradas, desenvolvidas e implementadas propostas para a integração das tecnologias no cotidiano escolar, a partir de conteúdos curriculares específicos. Neste trabalho, proponho-me analisar as matrizes curriculares dos cursos de graduação e de pós-graduação de Letras das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) do Brasil, tendo como pressuposto que, diante da política do governo de inserção digital dos cidadãos, tais instituições estão (ou deveriam estar) formando profissionais reflexivos para atuarem em um ambiente construtivista de aprendizagem mediada pelo computador. Vale lembrar que isso está previsto e assegurado pelos documentos oficiais, considerados prescritivos. Por essa razão, considero importante pesquisar, na perspectiva do interacionismo sociodiscursivo (ISD), o que está sendo ensinado ao futuro profissional de Letras para que se torne um letrado digital capaz de inserir seu aluno no ambiente digital. O corpus foi coletado no site do SESU/MEC, no endereço http://portal.mec.gov.br/sesu/index.php?option=content&task=view&id=477&Itemid=300#federais. PALAVRAS-CHAVE: Inclusão digital, Letramento digital, Currículo, Profissional de Letras, Tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC), Interacionismo sociodiscursivo (ISD). INTRODUÇÃO

Este trabalho é o fruto de um estágio de pós-doutorado no Instituto de Estudos

de Linguagem (IEL) da Unicamp, sob a orientação da Profa. Dra. Ingedore Villaça

Koch, para cujo objeto de estudo elegi o hipertexto como instrumento para apresentação

de informações em ambiente digital, na perspectiva do designer (do profissional que

alimenta a máquina). Propus-me a analisar o papel mediador desse profissional, sua

1 Profa. Dra. do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG), Departamento de Linguagem e Tecnologia. Rua Bambuí, 788 – apto. 302. CEP 30.310.320 – Belo Horizonte (MG) – Brasil; [email protected].

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formação e atuação como organizador da informação e da comunicação nos ambientes

de aprendizagem mediados pela Internet, a partir do resultado de pesquisas sobre a

leitura e a escrita em suporte eletrônico.

Com essa pesquisa, esperava contribuir com um levantamento dos critérios a

serem observados pelo profissional que se propõe a produzir hipertextos digitais com

fins acadêmicos. Infelizmente, encontrei muita literatura teórica, mas pouca literatura

prática para a constituição de meu corpus2. Cheguei à conclusão de que estava

idealizando um profissional que ainda não existe.

Na Unicamp, tive a oportunidade de cursar duas disciplinas sobre letramento

digital (uma delas com a Ilana Snyder) que me fizeram refletir sobre algumas questões,

entre elas a que deu origem ao redirecionamento de minha pesquisa: em que sentido

matrizes curriculares das Instituições Federais de Ensino têm contribuído para

qualificar o profissional de Letras em termos de tecnologia digital? Dito de outro

modo: as matrizes curriculares preveem sua inclusão digital?3

Assim sendo, passei a investigar as tendências das matrizes curriculares da área

de Letras e de Pedagogia das Instituições Federais de Ensino (IFES), observando,

especificamente, a atenção dada ao letramento digital4 na formação profissional do

graduando prevista nos documentos oficiais.

Neste trabalho, proponho-me a analisar as matrizes curriculares dos cursos de

graduação e de pós-graduação das IFES, tendo como pressuposto que, diante da política

2 Apresentei parte desta pesquisa no I SIMELP, em trabalho intitulado “Considerações sobre a escrita acadêmica para a web” (VILLELA, 2009). 3 Para um estudo sobre inclusão e letramento digital, ver Buzato (2007). 4 Termo adotado de acordo com a concepção proposta por Ribeiro (2005, p. 38): “Letramento digital é a porção do letramento que se constitui das habilidades necessárias e desejáveis desenvolvidas em indivíduos ou grupos em direção à ação e à comunicação eficientes em ambientes digitais, sejam eles suportados pelo computador ou por outras tecnologias de mesma natureza”.

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do governo de inserção digital dos cidadãos, as instituições federais estão (ou deveriam

estar) formando profissionais reflexivos para atuarem em um ambiente construtivista de

aprendizagem mediada pelo computador.

A análise será feita com base na concepção de inclusão digital proposta por

Buzato (2007), que supera a noção tradicional de inclusão como acesso puro e simples

às novas tecnologias da informação e da comunicação (TIC), considerando-a

um processo contínuo e conflituoso, marcado pela tensão entre

homogeneização e proliferação da diferença, tradição e modernidade,

necessidade e liberdade, através do qual as TIC penetram contextos

sócioculturais (sempre heterogêneos), transformando-os, ao mesmo

tempo em que são transformadas pelas maneiras como os sujeitos as

praticam nesses contextos (op. cit., p. 75).

POR QUE ANALISAR OS CURRÍCULOS?

O currículo – uma das dimensões da política educacional – é, sem dúvida, um

componente de fundamental importância na concretização das ações pedagógicas que se

desenvolvem no contexto da estrutura e funcionamento de um sistema educacional. O

currículo deve refletir os princípios, os objetivos e as intenções de um projeto educativo.

Além do mais, atua, nas instituições escolares, como mediador do ato pedagógico.

Snyder (2008, pp. 183-212) mostra que o currículo envolve ideologias e que a

visão de educação afeta a visão de currículo; que concepções ideológicas afetam os

objetos de ensino a serem abordados; que desenvolver a consciência crítica nos

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currículos passa pela cooperação entre sujeitos e reflexão sobre linguagem e poder; que

as questões de currículo para o ensino virtual impõem-se à medida que essa modalidade

de formação de professor precisa dar conta da área específica, mas também das questões

pedagógicas. Eis aí um grande desafio para esse novo modelo de

ensino/aprendizagem/formação.

Assim, considero importante pesquisar como se dá a inclusão digital do futuro

profissional de Letras para que se torne um letrado digital, capaz de inserir-se e inserir

seu aluno nesse ambiente. Muito se tem falado e investido em formação continuada –

mas, sem uma formação inicial, continuar o quê?

Tais questionamentos podem até parecer inoportunos depois de já se ter falado

tanto da necessidade de inserção digital dos professores para atuarem em um ambiente

construtivista de aprendizagem mediada pelo computador. Qual de nós, contudo, não

tem um colega que desconhece as possibilidades de comunicação via computador: o

e-mail, o fórum, o bate-papo e o Skype. E, principalmente, os recursos da Web 2.0 – o

novo paradigma de produção de conteúdo, que parte dos usuários para os próprios

usuários – sites de compartilhamento de vídeos (como o YouTube), de fotos

(Flickr), bookmarks (Del.icio.us), blogs e redes sociais que fazem parte do dia a dia

das novas gerações de alunos. Por outro lado, todos nós temos casos para contar de

primos, sobrinhos ou netos que já manobram a tecnologia melhor que seus pais.

A minha inquietação é: o professor não quer, não sabe, ou não lhe foi dada a

oportunidade de conviver com essas tecnologias que estão chegando às escolas?

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Trata-se de resistências ou limitações em relação às novas habilidades exigidas pelas

Tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC)5?

Daí surgem outras questões: como formar profissionais na perspectiva da

sociedade do conhecimento? Que habilidades esse profissional deve ter? De acordo com

Snyder (2009, p. 33),

em tempos digitais, em que textos que assumem posições extremas

sobre as novas tecnologias representam um aspecto dominante do

nosso panorama cultural, temos um conjunto de responsabilidades

adicional. Precisamos nos assegurar que nossos alunos adquiram

competência crítica para que compreendam o panorama de letramento

contemporâneo e então possam participar efetivamente na vida após a

escola e no trabalho como cidadãos informados e ativos. Proporcionar

oportunidades cuidadosamente estruturadas para os alunos

desenvolverem as habilidades de letramento e um forte senso de

ceticismo instruído é mais importante do que nunca.

A posição da autora reforça o fato de que a introdução das TDIC na educação

deve ser acompanhada de uma reflexão sobre a necessidade de mudança na concepção

de aprendizagem que atualmente vigora na maioria das escolas brasileiras.

Buzato (2006, p. 3), por sua vez, propõe um rápido brainstorming “para

compreender o que se espera do professor e da escola enquanto atores nesse processo de

transformações”:

5 Seguindo Manovich (2001), considero mais apropriado falar de Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação quando se trata das novas formas culturais que dependem dos computadores: CD-ROM, DVD-ROM, sítios Web, jogos de computador, aplicações de hipertexto e hipermídia, uma vez que o termo digital adiciona a possibilidade de formação de redes, que implica “todos por todos”.

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ter autonomia na construção de projetos pedagógicos que utilizem a Internet

de forma significativa;

conhecer maneiras de ensinar o aluno a fazer o mesmo em relação a seus

próprios interesses e necessidades de formação;

saber compatibilizar materiais e recursos da sala de aula e do mundo off-line

com os objetos simbólicos e as formas de interação típicas do mundo on-

line;

negociar e compatibilizar mecanismos institucionais ainda muito necessários

(frequência, avaliação, certificação, etc.) com as possibilidades da

aprendizagem assistida por computador e do ensino a distância;

envolver-se ativa e criticamente na implantação, manutenção e renovação da

infra-estrutura tecnológica da escola.

Examinando essa lista de produtos, de objetivos a atingir, o próprio autor conclui

que ela “não dá conta dos processos pelos quais poderíamos chegar lá, e das condições

de partida do professor que já estava na escola, ou daquele que foi formado no

paradigma tradicional, para chegar lá”. Ele acrescenta, então, mais dois itens:

valorizar e compatibilizar as práticas, linguagens, conteúdos e ferramentas

que os alunos trazem para a escola quando chegam do seu quotidiano on-line

e off-line, o que, muitas vezes não decorre simplesmente das diferenças de

idade entre professores e alunos, mas do tipo de prática de escrita e leitura

que caracteriza o cotidiano desses dois grupos sociais;

compatibilizar um papel de professor construído historicamente sobre a

premissa de que ele tinha o conhecimento que o aluno vinha buscar, com a

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necessidade de admitir que agora ambos precisam ensinar aprendendo ou

aprender ensinando (op. cit., p. 4).

Dar oportunidade ao aluno de apropriar-se das TDIC demanda um novo

paradigma: mais do que ensinar, o professor tem de fazer aprender. Para tanto, a escola

deixa de centrar-se no ensino (suas finalidades, seus conteúdos, sua avaliação, seu

planejamento, sua operacionalização sob forma de aulas e de exercícios) e passa a

centrar-se nas aprendizagens. Essa mudança só é possível se o professor adotar uma

concepção construtivista sobre aquisição do conhecimento e estiver convicto de que

“conhecer não é assimilar e repetir, mas construir em interlocução ou interação com o

mundo, organizando a experiência de modo a tornar-se compreensível para o ator do

conhecimento” (SILVA, 2003, p. 25). Essa revolução na educação apresenta-se como

uma necessidade de mudanças na atuação profissional dos professores em todos os

níveis de ensino, que começa no momento de sua formação.

POR QUE O ISD?

Em qualquer área de estudo, a perspectiva do interacionismo sociodiscursivo

(ISD) pressupõe que se veja o fenômeno a partir da interação entre as ações (sociais,

culturais, epistemológicas, discursivas, etc.) e o desenvolvimento do individuo a partir

da interação que estabelece com o vivido, com o experienciado (ou seja, as capacidades

também desenvolvidas socialmente). Resumindo, as interações possibilitam a

construção dos conhecimentos. No campo da formação do professor, isso é visível e

precisa ser trabalhado, uma vez que reflete o tipo de profissional privilegiado pela

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instituição. Na visão do ISD, o agir é entendido como a capacidade inerente do

indivíduo de ser actante.

Ao propor a análise do conteúdo temático das ementas que tratam da inclusão

digital do profissional de Letras, procuro estabelecer uma interface entre a ação que se

exige do graduando, no decorrer do estudo da disciplina, e a atividade de interação pela

linguagem que lhe é propiciada. Essa interface demonstra a perspectiva epistemológica

e metodológica que está por trás da concepção de currículo.

Vale ressaltar que, de acordo com Buzato (2006, p. 2) a linguagem deve ser

entendida “não apenas um código ou sistema, mas também os usos desse código/sistema

e os meios/tecnologias que possibilitam esses usos”. Paralelamente, segundo

Motta-Roth, Reis & Marshall (2007, p. 129), “na perspectiva sociointeracionista, é

fundamental a metaconsciência do aluno sobre seu engajamento em eventos

comunicativos e sobre a interação que estabelece com o meio nos processos de ensino e

de aprendizagem.” Ainda segundo as autoras – que baseiam a experiência pedagógica

relatada nesses princípios – “a interação pela linguagem contribui para o refinamento e

a reelaboração do conhecimento do aluno sobre os sistemas gramatical e discursivo da

língua” (id., ibid.). Para desenvolverem a experiência pedagógica relatada, que trata do

ensino mediado pelo computador, as autoras partem de três crenças:

1. o aluno deve ser corresponsável pelo processo de aprendizagem junto com

os colegas e o professor;

2. o conhecimento é construído no engajamento do aluno em atividades que

pressuponham o uso efetivo da linguagem;

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3. a linguagem é vista como parte de uma atividade humana, social,

contextualizada e, portanto, depende da interação entre o aluno e o meio

social (id., ibid.).

Em outras palavras, é a relação do futuro profissional de Letras com os

instrumentos que lhe possibilita o desenvolvimento intelectual a partir da observação

dos usos, do funcionamento e do próprio agir frente às tecnologias.

Seguindo essa linha de análise, parece-me relevante verificar de que modo as

Instituições Superiores de Ensino têm integrado as novas mídias em seus currículos,

com o objetivo de aprimorar as práticas letradas do futuro profissional, tendo em vista

sua responsabilidade no processo de ensino e de aprendizagem da língua materna, nas

mais variadas situações de uso.

ANÁLISE DOS DADOS

Das 53 Instituições Federais de Ensino Superior, 11 não oferecem curso de

Letras. Das 42 instituições que ofertam esse curso, 9 não tinham a grade curricular no

portal do MEC no momento em que foi feita a coleta dos dados (23 e 24 de julho de

2009). Assim sendo, o corpus analisado constituiu-se de 33 matrizes curriculares, em 15

das quais consta alguma disciplina que tem como objeto o uso da informática na

educação. Infelizmente, nem todas apresentaram a ementa da disciplina.

A Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFRP) oferece 3 disciplinas:

1) Educação e Tecnologia (30h, campus Curitiba);

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2) Estudos de Informática. Ementa: Sistemas Operacionais. Editores de Textos.

Programas de Apresentação. Internet (60h, campus Pato Branco);

3) Educação Tecnologia e Sociedade. Ementa: Tecnologias da informação e

comunicação. Papéis dos aprendizes e dos educadores em ambientes de

aprendizagem baseados nas TICs. Impacto das TICs em diferentes contextos

educacionais. Educação à distância mediada pelas TICs (60h, campus Pato

Branco).

Não é possível fazer uma leitura da relação entre os conteúdos propostos. Na

verdade, o título dessas disciplinas sugere que há uma soma de conteúdos. A formação

em Tecnologia na Educação apresenta certas peculiaridades. É preciso considerar que o

uso da tecnologia na educação não significa a soma de informática e educação, mas a

integração dessas duas áreas. Para haver integração, é necessário haver domínio dos

assuntos que estão sendo integrados e apreensão dos conteúdos de informática. Para

muitos educadores que têm formação em ciências humanas, tal exigência pode se tornar

problemática. Além disso, o domínio da tecnologia implica, entre outras coisas, o

domínio do funcionamento do computador. Por outro lado, os aspectos educacionais,

psicológicos e sociais para o profissional que conhece somente informática também

podem ser muito problemáticos. Pelo título, as duas primeiras disciplinas não

privilegiam uma abordagem pedagógica em relação à sua aplicação; apenas contemplam

o aspecto instrumental.

Na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ministra-se a disciplina

eletiva Uso de Softwares Educativos em Sala de Aula (60h), cuja ementa é:

Fundamentos linguísticos na avaliação e uso do software educativo no ensino de língua

portuguesa.

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Da grade da Universidade Federal Fluminense (UFF), consta a disciplina

denominada Ementa Variável, cuja ementa é a seguinte: Vivência profissional em área

compatível ao curso de Letras. Organização de sistemas. Conceito de informação e de

dados. Conceito de processamentos de dados. Conceito de software: linguagens e

aplicações. Conceito de sistema operacional.

A formação e a atuação de professores para o uso da informática em educação

são processos que interrelacionam o domínio dos recursos tecnológicos com a ação

pedagógica e com os conhecimentos teóricos necessários para refletir, compreender e

transformar essa ação. Quando se fala em “inserção da informática na educação”,

nota-se uma preocupação excessiva com a aquisição de equipamentos, além da

proliferação de programas de computadores para a educação (os chamados softwares

educativos), como se isso pudesse garantir uma utilização eficaz do computador nos

diferentes níveis e modalidades de ensino.

A preparação dos professores para tais utilizações não tem feito parte das

prioridades educacionais na mesma proporção, deixando transparecer a ideia

equivocada de que o computador e o software resolverão os problemas educativos. Mas,

pelas ementas propostas, essas duas disciplinas exigem uma postura crítica sobre essa

questão.

A Universidade Federal Maranhão (UFM) oferece Informática Aplicada à

Educação (30h) como disciplina optativa. Por sua vez, a Universidade Federal da Bahia

(UFBA) propõe Introdução à Informática na Educação com a mesma configuração.

Ambas não apresentam ementa, mas, pelos seus títulos, pode-se inferir que seja dado

um tratamento prático ao tema, na medida em que esses títulos sugerem que o objetivo

dessas disciplinas é analisar o uso do computador na educação e desenvolver uma visão

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crítica sobre a utilização da informática, a fim de favorecer o uso adequado dos recursos

e das facilidades oferecidas pelo computador para organizar e elaborar material

pedagógico.

De acordo com Altoé (2001), o ideal é que o graduando vivencie situações que

usem a informática como recurso educacional, a fim de entender o que significa o

aprendizado através da informática, o seu papel como educador nessa situação e que

metodologia é mais adequada a seu estilo de trabalho. Somente com essa experiência o

profissional terá condições de assumir uma nova postura como educador que utiliza a

informática em educação. É interessante observar que essa disciplina é dada no 1º

período do curso, o que possibilita aos alunos envolverem-se mais com as atividades

pedagógicas sobre o uso do computador na sala de aula.

Do currículo das quatro instituições seguintes, constam disciplinas bastante

voltadas para a prática:

1) Publicadores de Texto na Internet – Curso de Bacharelado em Redação e

Revisão de Textos da Universidade Federal de Pelotas (UFP);

2) Recursos Tecnológicos no Ensino de Português – Universidade Federal do

Pará (UFPA);

3) Introdução aos Multimeios. Ementa: O papel da tecnologia no ensino de

línguas. Visão crítica do uso de multimeios no ensino do português como

segunda língua. Preparação de material didático-pedagógico – Universidade de

Brasília (UnB);

4) Laboratório 8 – ênfase III – Texto e Discurso: “as atividades laboratoriais

objetivam a análise e produção de materiais do ponto de vista de sua

constituição, formulação e circulação. Privilegiar-se-á a análise de coerções de

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gênero em diferentes tecnologias de comunicação” – Universidade Federal de

São Carlos (UFSCar).

Pelas nomenclaturas, é possível imaginar disciplinas de familiarização dos

alunos com a tecnologia, para que aprendam a usar as ferramentas do computador. Mas

o que se espera é que os cursos de formação de professores dêem oportunidades aos

alunos de incorporarem o uso do computador em sua disciplina como uma ferramenta

educacional, possibilitando que os aprendizes utilizem e promovam discussões sobre o

uso do computador em todas as disciplinas do curso. E isso só ocorre na medida em que

os futuros docentes se apropriarem do computador e o incorporarem em suas atividades

pedagógicas.

A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), por seu turno, oferece

duas disciplinas no curso de licenciatura e uma no bacharelado, respectivamente:

1) Projetos de Aprendizagem em Ambientes Digitais. Ementa: Nesta disciplina

serão estudadas situações experimentais desenvolvidas na modalidade de

Projetos de Aprendizagem, enfocando a construção de conhecimento nas

diferentes áreas do currículo, os usos dos recursos tecnológicos para atividades

colaborativas, a introdução de metodologias interdisciplinares e formas

alternativas de avaliação da aprendizagem (30 h, alternativa);

2) Mídia e Tecnologias Digitais em Espaços Escolares. Ementa: Disciplina de

caráter teórico-prático que visa estudar os processos pedagógicos da mídia e

das tecnologias digitais e suas implicações/relações no que diz respeito ao

ensino e aprendizagem escolar (30h, eletiva);

3) Introdução á informática. Ementa: Arquitetura e organização de

computadores. Sistemas operacionais. Arquivos e banco de dados. Linguagens

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de programação. Comunicação de dados, redes e internet. Aplicativos:

processadores de textos, gerenciadores de banco de dados, planilha eletrônica,

softwares de apresentação (60h, eletiva).

O título e a ementa desta última disciplina sugerem que seu objetivo seja

familiarizar os alunos com a tecnologia, para que eles aprendam a usar efetivamente as

ferramentas do computador.

Em 2009, duas disciplinas constam da grade da graduação da Universidade

Federal de Minas Gerais (UFMG):

1) Tecnologia para Produção Coletiva de Textos. Ementa: Produção Textual em

equipes: técnicas e tecnologias. Conteúdo Programático (unidades e

subunidades): 1. Dinâmica de grupo: hierarquia vs. Meritocracia; 2. O tema:

como organizar a proposta inicial [a) Esquemas; b) Resumo]; 3. Ferramentas

[a) Editores de Texto: vantagens e desvantagens da correção automática;

b) Usando um gerenciador de projetos: WebCollab; c) Trabalhando no Wiki];

4. Apresentação: texto multimidia na web; 5. Artigo a várias mãos: da teoria à

prática (obs: disciplina semi-presencial);

2) Linguística Aplicada ao Ensino: Letramento Digital. Ementa: Introdução ao

letramento digital através do uso de ferramentas computadorizadas e de

produção de gêneros digitais. Reflexão sobre a utilização de ferramentas

disponibilizadas pelo computador e pela Internet no processo de ensino e

aprendizagem de língua materna e línguas estrangeiras. Conteúdo

Programático (unidades e subunidades): 1. Colaboração na rede: listas de

discussão, fórum, chats; 2. Mecanismos de busca: estratégias de busca; busca

de textos, sons e imagens; 3. Produção de textos multimídia: processador de

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texto, hipertextos, inserção de imagens e sons, formatação, narrativas

multimidiáticas; 4. Publicação na rede: homepage, wikis, blogs;

5. Desenvolvimento de material: ferramentas de editor de textos, ferramentas

de editor de apresentações, quebra-cabeças, webquests; 6. Recursos da

Internet: dicionários e enciclopédias, corpora – concordanciadores, boots;

7. Reflexões sobre a inserção do computador e da Internet na sala de aula.

Considero oportuno trazer para esta discussão o conteúdo programático dessas

disciplinas, pois ambas possibilitam ao graduando a aquisição de conhecimento para:

(i) usar a informática em suas atividades e com seus alunos; (ii) observar as dificuldades

do aluno frente à máquina; (iii) intervir e auxiliar o aluno a superar suas dificuldades; e

(iv) diagnosticar os potenciais e as deficiências do aluno. Trata-se de disciplinas

essencialmente práticas, pois, antes de tudo, o aluno aprende a fazer. Elas atendem o

perfil do profissional exigido pelo mercado de trabalho, uma vez que o aluno é levado a

discutir, manusear e implementar suas atividades profissionais com o auxílio das novas

tecnologias. Há um espaço de reflexão e discussão sobre o avanço da tecnologia da

informação e comunicação e da tecnologia da imagem e seu impacto no cenário

educacional.

A formação e a atuação de professores para o uso da informática em educação é

um processo que interrelaciona o domínio dos recursos tecnológicos com a ação

pedagógica e com os conhecimentos teóricos necessários para refletir, compreender e

transformar essa ação. Tal como exposto no plano de curso, essas duas disciplinas

atendem a todas essas exigências e às proposições de Xavier (2007, p. 8):

Neste momento, os profissionais de educação e linguagem precisam

desenvolver estratégias pedagógicas eficazes em seus mais variados

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espaços educacionais (salas de aula e laboratório de informática, por

exemplo) para enfrentar os desafios que estão sendo colocados:

alfabetizar, letrar e letrar digitalmente o maior número de sujeitos,

preparando-os para atuar adequadamente no Século do Conhecimento.

As disciplinas apresentadas acima são aquelas a que eu tive acesso pelo Portal

do Ministério da Educação (MEC). Pode ser que outras IFES que não disponibilizaram

informações na web ofereçam disciplinas dessa natureza, mas só é possível analisar os

dados a que consigo ter acesso. Acredito que possam ser ministradas sob outros títulos,

como, por exemplo, Tópicos Variáveis; Seminário; Produção de Texto; Oficina ou

Laboratório, Atividades Complementares ou Disciplinas Eletivas. Mas é interessante

observar que, mesmo nas instituições que oferecem Educação à Distância (EaD), as

demais disciplinas do currículo continuam sua trajetória metodológica na forma

tradicional, sem desenvolver, destacar ou implementar metodologias que possibilitem

aos alunos vivenciar experiências que possam oferecer oportunidade de realização de

uma docência mais rica sobre o uso de computador na educação.

O ideal é que o futuro profissional vivencie situações em que use a informática

como recurso educacional, a fim de poder entender o que significa o aprendizado

através da informática, seu papel como educador nessa situação e que metodologia é

mais adequada a seu estilo de trabalho. Somente com essa experiência o profissional

terá condições de assumir uma nova postura como educador que utiliza a informática

em educação.

Outro ponto que merece destaque é o fato de muitas universidades mencionarem

a importância da inserção tecnológica de seus alunos e não oferecerem disciplinas que

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possibilitem essa inserção. Como exemplo, podemos citar a Universidade Federal de

Alagoas (UFAL) que, ao tratar do perfil do egresso afirma que

considerando as habilidades e competências a serem desenvolvidas

durante a formação do professor de Língua e suas literaturas, em

conformidade com as contingências sociais e acadêmico-científicas da

área, espera-se desse profissional o seguinte perfil: (...) assimilação

crítica de novas tecnologias e conceitos científicos.

Entre as habilidades gerais a serem desenvolvidas, consta a “utilização de

recursos de informática necessários ao exercício da profissão”.

Vale lembrar que pode ocorrer oferta de uma disciplina em um semestre e não

no seguinte, como é o caso da disciplina Linguística Aplicada ao Ensino: Letramento

Digital, oferecida pela UFMG no 2º semestre de 2008, mas que não consta da grade do

1º semestre de 2009, o que significa que nem todos dos alunos terão oportunidade de

frequentá-la – o que não aconteceria se ela tivesse caráter obrigatório.

Nota-se que a preocupação com o estudo dos gêneros digitais e das

interferências das novas tecnologias no processo de ensino e de aprendizagem que se

observa na matriz curricular da UFMG está presente também na pós-graduação. Uma

das três linhas de pesquisa de Linguística Aplicada denomina-se Linguagem e

Tecnologia; ela contempla cinco projetos:

1) Práticas sociais da linguagem mediadas pela tecnologia;

2) Da reflexão à prática: Recursos de colaboração on-line no desenvolvimento

da competência comunicativa do aluno no processo de compreensão e

produção de textos escritos de diferentes gêneros textuais em L2 em diferentes

contextos de ensino;

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3) Texto Livre: suporte à documentação em software livre em aulas de oficina de

texto;

4) SetFon – algoritmo para produção e organização de semioetiquetas

fonológicas;

5) Tecnologia da informação e da comunicação na sala de aula de línguas.

É interessante observar que algumas IFES não oferecem disciplinas visando à

inclusão digital na graduação, mas as oferecem na pós-graduação ou mantêm linhas de

pesquisas voltadas para esse tema. É o caso, por exemplo, da UFGD (Grande

Dourados), em cujo Mestrado em Estudo de Linguagem constam estas duas disciplinas:

1) Novas Tecnologias no Ensino-aprendizagem de Línguas. Ementa: Limites e

possibilidades pedagógicas atuais das novas tecnologias para o

ensino/aprendizagem de línguas; questões emergentes na relação entre as

novas tecnologias digitais, teorias de aprendizagem de línguas, e formação de

professores de língua materna e estrangeira; prática de elaboração e avaliação

de materiais didáticos, atividades e projetos de colaborativos de cunho

intercultural mediados pela Internet;

2) Novos Letramentos e os Processos Contemporâneos de Inclusão. Ementa: A

relação sociedade-tecnologia e os processos de inclusão e exclusão social via

linguagem no contexto sócio-histórico da globalização cultural. Repercussões

das novas tecnologias na natureza da linguagem e das práticas letradas

escolares e não-escolares. Os conceitos de novos letramentos e letramento

digital e suas formas de aquisição, legitimação e evolução.

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O mesmo ocorre na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), que oferece

disciplinas que visam ao letramento digital no Programa de Pós-Graduação em Estudos

Literários tanto quanto no de Linguística:

1) Literatura e Tecnologias do Texto. Ementa: Questões da representação e da

recepção literárias em ambientes regidos pela técnica. Literatura eletrônica na

esfera dos estudos culturais. A técnica na composição literária. Teorias do

Hipertexto;

2) Linha de Pesquisa Linguística e Ensino: Letramento e Alfabetização;

Letramento Digital; Teorias de Gênero.

De modo similar, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) mantém o

Programa Interdisciplinar de Linguística Aplicada, na Linha de Pesquisa 1: Discurso e

Práticas Sociais, em que se estudam os diferentes processos de interação e de produção

de significado (por meio da oralidade, escrita, imagem, música etc.) em contextos

culturais (tais como sala de aula, família, trabalho, mídia, clínica, conversas e situações

sociais informais e toda sorte de ambientes digitais e multimidiáticos) atravessados,

cada vez mais, por uma variedade de sistemas semióticos.

Por sua vez, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) oferece, no

doutorado, a Linha de pesquisa Corpora e Gênero: Análise e Aplicações, que acolhe

projetos que investiguem questões tais como o contraste entre língua falada e língua

escrita, análise de gêneros e uso de novas tecnologias.

No Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG) foi

implantado, no 2° semestre de 2009, o Mestrado em Estudos de Linguagens. Tendo em

vista a área de concentração em Processos Discursivos e Tecnologias, o curso já conta

com três linhas de pesquisa:

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Linha 1: Discurso, Cultura e Tecnologia. Ementa: (...) Discussão do papel da

tecnologia na dimensão da cultura;

Linha II: Escrita, Leitura e Processos Interdiscursivos. Ementa: Estudo das

estratégias de construção de sentido em diferentes suportes. (...) Análise da

interferência de novas tecnologias nos processos de produção de escrita e

leitura;

Linha III: Linguagens, Ensino e Mediações Tecnológicas. Ementa: Reflexão

sobre o lugar das tecnologias nos âmbitos do ensino e da aprendizagem de

Língua e Literatura.

Como se pode observar, nesse novo mestrado vinculado à área de Letras,

enfatiza-se a formação de profissionais com perfil mais afinado com a atual conjuntura

dos estudos de linguagem, pela relevância dada ao papel da tecnologia no contexto

social contemporâneo, sua utilidade no âmbito dos processos discursivos, suas

potencialidades para o ensino e outros usos sociais.

Segundo Snyder (2009, p. 43), “por ora, como professores, ainda estamos

encarregados com a responsabilidade de encontrar maneiras inovadoras para incorporar

os novos letramentos na prática da sala de aula”. Para a autora, as habilidades e os

conhecimentos de letramento impresso são essenciais, mas não são suficientes para dar

assistência aos alunos de hoje, pertencentes a uma sociedade de informação e de rede.

Ela considera também que noções de letramento – como um conjunto de habilidades

básicas prescritas por um mundo baseado no impresso – parecem cada vez mais

limitadas, “quando o letramento é visto como um repertório de habilidades linguísticas e

intelectuais que os alunos necessitam para atuar nos níveis mais elevados em um mundo

multimídia” (id., ibid.).

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As ementas das disciplinas ministradas na pós-graduação revelam a

possibilidade de os já profissionais de Letras assumirem o papel de multiplicadores do

letramento digital. Os dados levantados até o momento mostram que há uma distância

muito grande entre o que apregoam os documentos oficiais e o que é proporcionado ao

aluno, durante o período de formação profissional, para sua inclusão digital. Mesmo nas

instituições que oferecem EaD, as demais disciplinas continuam sua trajetória

metodológica na forma tradicional, sem condições para desenvolver, destacar ou

implementar metodologias que possibilitem aos alunos vivenciar experiências que

possam oferecer oportunidade de realização de uma docência mais rica sobre o uso de

computador na educação.

De acordo com Coscarelli (2005, p. 31), os professores precisam encarar o

desafio de se preparar para essa nova realidade, aprendendo a lidar com os recursos

básicos e planejando formas de usá-los em suas salas de aula. Além disso, essa autora

questiona as instituições de ensino: “aproveito para alfinetar a universidade e os centros

de formação de professores: o que têm feito para preparar os professores para essa

realidade?”.

Para Altoé (2001, p. 41), “a chegada da tecnologia da informática na escola

favorece a possibilidade de fazer com que os educadores possam vivenciar práticas

inovadoras que atualmente estão restritas a um grupo pequeno de professores”. É de se

esperar que a formação dos futuros professores seja também afetada pela mudança de

postura teórico-metodológica dos pós-graduandos/graduados, possibilitando, assim,

uma melhor formação dos futuros profissionais de Letras para a realidade social ora

vivida.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Reconhecendo que muitos docentes não têm, ainda, uma formação que lhes

permita absorver a complexidade das TDIC, em virtude de sua implantação

relativamente recente, o governo tem multiplicado oportunidades de atualização nessa

área. As pesquisas têm mostrado, contudo, que a maioria dos professores ainda não é

capaz de fazer delas um uso pedagógico e muitos resistem até em usá-las no seu dia a

dia. Acredito que esse quadro pode ser revertido à medida que os jovens profissionais,

oriundos de uma geração informatizada, já familiarizados com as especificidades das

TDIC, forem assumindo as salas de aula. Para tanto, o currículo dos cursos de formação

de professores têm que oferecer disciplinas que preparem os docentes a levar seus

alunos a usar efetivamente as potencialidades dos recursos tecnológicos em suas aulas, a

fim de buscar informações e produzir conhecimentos.

Não basta, contudo, conhecer os recursos computacionais. Outro fator

importante na formação do profissional é a aquisição de conhecimento sobre como estar

preparado para: (i) usar a informática com seus alunos, (ii) observar as dificuldades do

aluno frente à máquina, (iii) intervir e auxiliar o aluno a superar suas dificuldades e

(iv) diagnosticar os potenciais e as deficiências do aluno, a fim de promover os

potenciais e superar as deficiências.

Por maior que seja o grau de letramento de digital do graduando, um trabalho

sistemático, seguido de uma análise crítica é fundamental. Assim, corroboro as palavras

de Buzato (2006, p. 9):

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o que torna a formação do professor um desafio fantástico não é a

idéia ingênua de que podemos/devemos recomeçar do zero, mas

justamente a necessidade de integrar o novo com o que já

temos/sabemos, a partir do que já temos/sabemos, transformando esse

conjunto de práticas, habilidades e significados da mesma forma como

novos letramentos transformam os seus precursores.

Segundo o Anuário Brasileiro Estatístico de Educação Aberta e a Distância

(ABRAEAD) de 2006, um em cada 86 brasileiros fez um curso à distancia. Em 2007,

essa taxa aumentou para um em cada 73 brasileiros. Essa eclosão da EaD faz surgir um

impasse: muitos professores não tiveram a oportunidade de assimilar as TDIC ou não

foram preparados para usá-las como instrumento pedagógico; eles se veem, então,

diante de um novo desafio: ser um professor virtual. Esses dados nos fazem afirmar que

os cursos de graduação não podem mais ignorar a importância e a relevância da

informática – como conteúdo e como forma – na prática docente e profissional.

A tecnologia pode ser de grande valia para a escola, mas, para que o profissional

de Letras comece a mudar suas práticas, é preciso, primeiramente, que saiba utilizar

essa ferramenta para não se tornar, ele também, um excluído do mundo digital

(BUZATO, 2006). Assim, de nada adianta propor projetos de inclusão digital, se não

houver, primeiro, educação digital.

Faço minhas as palavras de Valente (1993), membro do Núcleo de Informática

Aplicada à Educação (NIED) da Unicamp e conhecido de todos aqueles que se

preocupam com o uso inteligente do computador na sala de aula. Segundo esse

pesquisador, está ficando cada vez mais claro que, sem um profissional devidamente

capacitado, o potencial – tanto do aluno quanto do computador – certamente será

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subutilizado. A verdade é que a informática não se disseminará na educação se não

houver profissionais formados e capazes de explorar o potencial educacional do

computador. Ainda segundo Valente (op. cit.), sem saber trabalhar em rede não se

sobrevive, hoje, no mundo da empresa e da informação – e sem a presença do educador

letrado digitalmente não será possível pensar em TIC na educação.

Snyder (2009, p. 39) pergunta “como os professores do letramento, bem como os

professores de maneira geral, têm respondido ao uso das tecnologias computacionais na

educação?”. Ela responde logo após: “Em geral os professores de letramentos de todos

os níveis de escolarização têm usado as novas tecnologias para continuar fazendo o que

eles têm sempre feito” (p. 40). Segundo a autora, o processo de ensino e de

aprendizagem nas escolas australianas e brasileiras não tem se transformado, apesar do

imenso investimento dos dois governos nos sistemas elétricos das escolas para

reduzirem a proporção de alunos por computador, além de assegurarem que os

documentos curriculares considerem as novas tecnologias em todos os níveis da

educação. Contudo, esperamos que essas medidas, em um futuro muito próximo,

tenham reflexos positivos na formação do profissional de Letras.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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