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A INFLUÊNCIA DAS AVALIAÇÕES EXTERNAS NAS ESCOLAS ORGANIZADAS EM CICLO: A REALIDADE DE QUATRO MUNICÍPIOS DA BAIXADA FLUMINENSE Amanda Mendes Soares *1 O presente artigo tem como objetivo central observar como os municípios, que apresentam organização do ensino em ciclos de aprendizagem, são afetados pelas avaliações externas. Para tal, é descrita a análise realizada a partir do estudo feito em quatro municípios, de pequeno porte, situados na baixada fluminense, no Estado do Rio de Janeiro, que integram uma pesquisa maior, realizada pelo Grupo de Estudos em Sistemas de Ensino sobre os Impactos das Políticas de Avaliação Externa nos Sistemas Municipais de Ensino, que adotaram a organização desseriada no Ensino Fundamental. Na primeira parte é apresentado como está organizado o ensino em cada um dos quatro municípios, seguida pela referência às avaliações encontradas e sobre como a avaliação externa vem sendo incorporada individualmente pelos sistemas, em um período situado entre Resumo * Amanda Mendes Soares, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora. E-mail: amandinhamsoares@ yahoo.com.br 1 O presente artigo é resultado de um estudo maior realizado em parceria com outros integrantes da pesquisa realizada pelo Grupo de Estudos em Sistemas de Ensino sobre os Impactos das Políticas de Avaliação Externa nos Sistemas Municipais de Ensino que adotaram a organização desseriada no Ensino Fundamental. São eles: Diva Chaves Sarmento, Camila de Freitas Tebas e Tânia Bittencourt do Nascimento.

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A influênciA dAs AvAliAções externAs nAs escolAs orgAnizAdAs em ciclo: A reAlidAde de quAtro municípios dA BAixAdA fluminense

Amanda Mendes Soares*1

O presente artigo tem como objetivo central observar como os municípios, que apresentam organização do ensino em ciclos de aprendizagem, são afetados pelas avaliações externas. Para tal, é descrita a análise realizada a partir do estudo feito em quatro municípios, de pequeno porte, situados na baixada fluminense, no Estado do Rio de Janeiro, que integram uma pesquisa maior, realizada pelo Grupo de Estudos em Sistemas de Ensino sobre os Impactos das Políticas de Avaliação Externa nos Sistemas Municipais de Ensino, que adotaram a organização desseriada no Ensino Fundamental. Na primeira parte é apresentado como está organizado o ensino em cada um dos quatro municípios, seguida pela referência às avaliações encontradas e sobre como a avaliação externa vem sendo incorporada individualmente pelos sistemas, em um período situado entre

Resumo

* Amanda Mendes Soares, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora. E-mail: [email protected]

1 O presente artigo é resultado de um estudo maior realizado em parceria com outros integrantes da pesquisa realizada pelo Grupo de Estudos em Sistemas de Ensino sobre os Impactos das Políticas de Avaliação Externa nos Sistemas Municipais de Ensino que adotaram a organização desseriada no Ensino Fundamental. São eles: Diva Chaves Sarmento, Camila de Freitas Tebas e Tânia Bittencourt do Nascimento.

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os anos de 2001 a 2011. Para identificar como a organização do Ensino Fundamental está estruturada e como os ciclos foram incorporados foram analisados regimentos, planos municipais, portarias e outros documentos localizados em que o tema foi tratado. O estudo sugere que as mudanças na organização do ensino fundamental aconteceram na busca de uma estrutura que permitisse responder à necessidade de uma educação inclusiva, permitindo a permanência do educando na escola com garantia de aprendizagem, que respeitasse os ritmos diferenciados de desenvolvimento e que as legislações municipais se encontram em constante processo de discussão e revisões, buscando adequação às legislações e políticas nacionais. A política nacional vai sendo gradativamente incorporada.Palavras-chave: Ensino fundamental – Avaliação – Relações federativas

introdução

A possibilidade de organizar a educação básica em séries anuais ou ciclos está prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n° 9394/96). A incorporação da perspectiva de ciclos resulta de um movimento anterior à Lei em que pensar nova organização da escola vinha mobilizando os meios escolares. A estrutura de ciclos tem sido vista como “objetivo de criar uma organização escolar que supere a escola graduada em suas limitações” (Mainardes, 2009, p.7). A escola em séries é uma construção da modernidade e trouxe consigo a ideia de homogeneidade, da meritocracia, da promoção com base em domínio de conteúdos a serem absorvidos pelos alunos em determinado período de tempo, em geral, o ano civil. É um modelo bem caracterizado no relatório apresentado por Condorcet à Assembléia Nacional francesa em 1792. Propunha uma educação elementar para todos e o secundário e superior para os que pudessem a eles se dedicar, segundo a disponibilidade de tempo e mérito (Sarmento, 2013). Esse modelo de escola ganhou o mundo com o avanço da modernidade. Recebeu, também, contes-tações estando entre elas a sua face reprodutiva (Althusser

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(1980), Bourdieu & Passeron (1975), Willis (1991), Frigotto (1989) e o seu caráter transmissor apontado por Freire (1978) no que ele chamou de educação bancária, entre outras.

Na busca de uma escola para todos, inclusiva, de uma educação que levasse em conta as diferenças numa perspectiva democrática, a organização da escola em ciclo emergiu na realidade brasileira. As experiências dessa nova orga nização multiplicaram-se por estados e municípios, no País, com base em várias concepções de organização e de visão política e provocando, também, muitos debates. Ao longo dos últimos anos percebe-se uma reversão nesse processo. A pesquisa em pauta constituiu uma busca por compreender como o processo foi sendo construído em alguns municípios e qual o efeito das avaliações em larga escala, nesses sistemas de ensino.

Tendo como objetivo central observar como os municípios que apresentam organização do ensino em ciclos de aprendizagem são afetados pelas avaliações externas, nesse texto é apresentada a análise realizada a partir do estudo feito em quatro municípios, de pequeno porte, situados na baixada fluminense, no Estado do Rio de Janeiro, que integram uma pes quisa maior realizada pelo Grupo de Estudos em Siste-mas de Ensino sobre os impactos das políticas de avaliação externa nos Sistemas Municipais de Ensino, que adotaram a orga nização desseriada no Ensino Fundamental. Na primeira parte é apresentado como está organizado o ensino em cada um dos quatro municípios, seguida pela referência às avaliações encontradas e sobre como a avaliação externa vem sendo incorporada individualmente pelos sistemas. A análise realizada na pesquisa considerou o período de 2001 a 2011.

concepções e desenvolvimento dA orgAnizAção em ciclo

Visando a compreender o impacto das políticas de avaliação externa nas redes de ensino que adotaram o regime de ciclos, uma parte do estudo foi dedicada à análise de como

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os municípios conceberam e implantaram a organização em ciclos em suas redes de ensino fundamental. Serão apontadas as mudanças percebidas nas legislações em relação à implantação da organização do ensino fundamental em ciclos e em relação à avaliação.

A orgAnizAção em ciclo nos municípios pesquisAdos

Para identificar como a organização do Ensino Fun-damental está estruturada e como os ciclos foram incorporados foram analisados regimentos, planos municipais, portarias e ou tros documentos localizados em que o tema foi tratado. A seguir apresenta-se como a referência a ciclos aparece, procurando-se ser fiel ao que consta nos documentos.

nilópolis

Em Nilópolis, segundo o Plano Municipal de Educação – PME o Ensino Fundamental, em que se atenderão prioritariamente menores entre seis e quatorze anos de idade, deverá se organizar em dois segmentos: o primeiro segmento, cons tituído por dois ciclos. No primeiro ciclo, incluem-se os de seis a oito anos de idade, sem retenção ou promoção. O segundo ciclo é constituído pela terceira e quarta série e, a par tir daí, prevê-se a possibilidade de retenção. Apresenta-se como diagnóstico para o ensino fundamental do Município que diversos fatores negativos, como o alto índice de repe tência neste nível, principalmente nas séries iniciais, levam a um inchaço nas matriculas e a uma cruel distorção no binômio idade-série. Isso contribui para o desestímulo e os altos índices de evasão escolar, assim como para elevação dos cus tos, não permitindo um atendimento melhor de toda a demanda referente. Está presente no documento a inten ção de se garantir ao alunado, em respeito às exigências de sua faixa etária, as condições ideais de seu desenvolvimento, res peitando os fatores tempo, espaço, recursos didáticos e as peculiaridades com que a juventude

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tem de conviver. Estas concepções nos levam a entender o porquê da opção pelo sistema de ciclo, ou seja, de acordo com o PME (2001) esse foi constituído como uma nova perspectiva no combate à repetência e à evasão escolar.

Entre os objetivos e metas implantados a partir de 2002, está a determinação de que a Educação Munici pal adotaria o sistema de ciclo no ensino fundamental que deve ria ser estruturado da seguinte maneira: o primeiro ciclo com três fases, de acordo com a idade da criança: fase I para seis anos, II para sete anos e III para oito anos. Neste ciclo, não se previa retenção. O ingresso no segundo ciclo, cons tituído pelas terceira e quarta séries, será automático. O sistema de seriação prosseguiu no segundo segmento, da quinta a oitava séries (NILÓPOLIS, 2001, p.9). Analisando-se estas configurações percebe-se que a ideia de ciclo está mais voltada para a própria seriação do que para uma nova pro posta de formação da aprendizagem. Ao se considerar a possibilidade de aprovação/reprovação no primeiro ciclo para ingresso, ou não, no segundo ciclo que, na verdade, é constituído por séries, mantém-se a estrutura básica do modelo de seriação.

Torna-se relevante destacar que o PME de Nilópolis demonstra em toda a sua concepção grande respeito às Leis, Diretrizes, normas e concepções de instâncias superiores como podemos perceber no trecho a seguir:

Deverá forçosamente este plano desenvolver-se em conjunto absolutamente harmônico com o nacional e o estadual, com ações coordenadas e complementares centralizadas pelo MEC, a Secretaria de Estado da Educação e a Secretaria Municipal de Educação de Nilópolis, na busca maior de uma elevação da qualidade da educação em nosso sistema. (PME, 2001, p.28. Grifo nosso)

O PME finaliza enfatizando que os objetivos e as metas do mesmo transcendem o Plano de Governo, representando um compromisso da sociedade consigo própria. A aprovação pela Câmara Municipal de Vereadores significa objetivamente a oficialização da proposta. O Documento registra a importância da participação social no acompanhamento e na avaliação

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perma nente da efetivação do que foi aprovado pelas instituições governamentais e pela sociedade civil.

Os documentos analisados não fazem referência clara so-bre o sistema de ciclo, apenas estabelecem o que permite a LDB, que a “educação básica poderá organizar-se em sé ries anuais, períodos semestrais, ciclos, (...) sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar (LDB, art.23)”.

Seria necessária uma análise mais detalhada sobre como fun ciona o sistema desseriado e do que se denomina como “ciclo”, como ele se organiza/funciona, assim como, se hou-ve mudanças nas ações municipais a partir dos resultados das ava liações e como o município se organizou para realizá-las. No entanto, outros documentos não foram localizados pela equi pe do projeto, nos impossibilitando de entender melhor seu funcionamento.

guApimirim

Em Guapimirim o Ensino Fundamental no Sistema Municipal de Ensino, em 2001, possuía duração de nove anos e era dividido em dois segmentos. O primeiro com duração de cinco anos, compreendendo um ciclo organizado em três fases anuais (1ª série elementar, 1ª série complementar e 2ª série) e duas séries seqüenciais (3ª e 4ª). Segundo o De creto n° 425 de 10 de abril de 2001, o ciclo único tinha co mo objetivo a alfabetização e as séries sequenciais a sis-tematização da mesma. O segundo segmento do ensino fundamental compreendia as quatro últimas séries anuais, com denominação de 5ª a 8ª séries do Ensino Fundamental.

A partir de 8 de julho de 2010 a regulamentação em todas as escolas da rede municipal de ensino passou a vir do Regimento Escolar, que organiza o ensino fundamental com dura ção de nove anos a partir dos 06 anos de idade. Este nível está constituído pelos anos iniciais que vão do 1° ao 5° ano e abrange um ciclo único de formação que contém o 1°, 2° e 3° anos e o segundo ciclo com os dois anos subseqüentes. Do 6° ao 9° ano do ensino fundamental, não há alteração na estrutura.

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No município de Guapimirim, de acordo com o Regimento Escolar (2010, p.15)

os ciclos compreendem períodos escolares que ultrapassam as séries, submetendo o tempo da escola ao tempo das aprendizagens e tendo como objetivo evitar a fragmentação do currículo que decorre do regime seriado, além de possibilitar maior integração dos conhecimentos, prevendo unidades maiores e mais flexíveis, motivo pelo qual a retenção do aluno só ocorre ao final dos ciclos, quando constatadas dificuldades de aprendizagens.

Ainda segundo o Regimento Escolar (2010, p.15),

este tipo de organização implica mudança nas concepções e práticas pedagógicas dos professores, tendo em vista que o foco é deslocado da aprovação/reprovação para o processo de construção dos conhecimentos pelos alunos.

Buscando atender aos alunos matriculados na rede municipal, o município oferece uniforme, todo material didático, merenda e transporte, tendo como prioridade assegurar a continuidade da universalização do Ensino Fun-damental, considerando a indissociabilidade entre acesso, permanência e qualidade da educação escolar oferecida (PMEG, 2010, p.29). O Plano Municipal de Educação de Guapimirim – PMEG reconhece a necessidade da universalização da educação escolar e esclarece que buscará garantir que as crianças, que adentrem aos 06 anos de idade na escola, só saiam quando concluírem o 9° ano, pontuando que utilizará, para evitar a evasão e repetência, a implementação de um plano que possibilite a efetiva aprendizagem dos alunos, por meio de aulas de reforço. Contudo, não são apresentados maiores esclarecimentos sobre esse plano.

Analisando o Plano de Ações Articuladas – PAR2 do Município verifica-se que o Ensino Fundamental de 09 anos

2 PAR– Plano de Ações Articuladas. Documento que cada município deve construir, conforme o Plano de Desenvolvimento da Educação- PDE, aprovado pelo decreto nº 6094 de 24 de abril de 2007 da Presidência da República para obtenção de recursos.

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está implantado e organizado e que houve reestruturação da proposta pedagógica e outras mudanças para ter condições compatíveis com a faixa etária da criança de 06 anos, mas não há referência quanto aos ciclos.

Apesar de apresentarem denominações diferentes os documentos de 2001 e 2010, ambos, já propunham o Ensino Fundamental de nove anos, bem como os três primeiros anos desse nível agrupados em um ciclo, em que a retenção do aluno só pode ocorrer ao final do mesmo. Observa-se que os demais anos apresentam a denominação de séries no documento de 2001, mantida no documento de 2010 com os mesmos critérios para promoção, focalizados na aprendizagem de um mínimo de conteúdo. No documento de 2010 há a justificativa de que os ciclos compreendem períodos escolares que ultrapassam as séries. Define-se que o tempo da escola deve ser submetido ao tempo das aprendizagens e que a estrutura de ciclo tem como objetivo evitar a fragmentação do currículo que decorre do regime seriado, além de possibilitar maior integração dos conhecimentos, prevendo unidades maiores e mais flexíveis, motivo pelo qual a retenção do aluno só ocorre ao final dos ciclos, quando constatadas as dificuldades de aprendizagens. Observa-se que o discurso presente nas legislações vai incorporando conceitos voltados para os princípios que norteiam a estrutura de ciclo, permeando os atinentes à escola seriada.

queimAdos

Na rede municipal de ensino de Queimados, o ensino fundamental é organizado em 9 (nove) anos, dividido em séries e ciclos. O ciclo compreende a etapa do 1º ao 3º ano, os demais são seriados. No Plano Municipal de Educação- PME encontra-se o seguinte registro:

apesar de ser significativo o aumento no percentual de aprovação da Rede Municipal de Ensino, podemos afirmar que na SME do Município de Queimados, a implantação

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do Ciclo de Aprendizagem3, processo bem sucedido em outras localidades Brasileiras, não efetiva na prática o objetivo implícito em sua concepção onde a construção do conhecimento respeita as diferenças, potencialidades e dificuldades entre os educandos (PME, 2009, p.80).

No próprio Plano (PME, 2009, p.80-82) há expressões de dúvidas, questionamentos e reflexões sobre o processo de organização do ensino. Perguntava-se se a razão das dificuldades de aprendizagem não resultaria da metodologia ado tada e se não seria necessário reorientar o trabalho pedagógico. Buscava-se encontrar uma explicação sobre os baixos desempenhos e criticava-se o modo como ocorreu a implantação do Ciclo de Aprendizagem nas escolas muni-cipais de Queimados. Registra-se preocupação com as conse-quências sociais na vida dos indivíduos, que estão passando pelo período escolar sem dominar os conteúdos básicos, essenciais para o desenvolvimento pessoal e profissional. Atribui-se à cultura da reprovação, presente nos sistemas de educação, a dificuldade em respeitar os tempos e os ritmos diferenciados dos educandos, resultando em agrupamentos de sujeitos em diferentes fases de desenvolvimento nas mesmas classes, desconsiderando os avanços da ciência que possibilitam maior compreensão dos processos de desenvolvimento humano.

A legislação consultada reproduz o art. 23 da LDB que dá autonomia para organizar a Educação Básica. São repro-duzidos inclusive os parágrafos 1º e 2º do referido artigo que tratam, respectivamente, da reclassificação de alu nos e da possibilidade de adequar o calendário escolar às espe-cificidades locais. Observa-se que a legislação do município vai sendo alterada sob a influência das mudanças na legislação federal de ensino. A Lei n° 11 274 de 06 de fevereiro de 2006, que alterou a redação dos artigos 29, 30 e 32 da LDB, dispondo sobre a duração de 9 (nove) anos para o Ensino

3 Na Resolução SEMEC no. 01/2001 o ensino dos primeiros anos é nomeado como Sistema de Progressão (ciclo). Na Deliberação CME no. 04/2007 aparece como Ciclo de Alfabetização.

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Fundamental com matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de idade, foi prontamente incorporada pelo município, por exemplo. Verifica-se, assim, que o Município está atento às alterações na legislação federal que vai moldando as políticas de organização do ensino.

Analisando-se as diretrizes definidas pela Secretaria Municipal de Educação, em documento que orienta a implantação da estrutura de Ciclo (Queimados,SME,s/d), nota-se antes da apresentação do texto a presença da fábula “A formiga e a folha” com destaque para a frase “a maior expressão dos vitoriosos é: vou fazer mais uma tentativa”. Isso dá a dimensão de como resolver o problema da aprendizagem e acabar com a repetência tem sido um grande desafio para o Município. A análise da apresentação dá outras indicações. Uma citação de Perrenoud4 chama a atenção para a especificidade do aprender: “não se pode programar as aprendizagens humanas como a produção de objetos industriais” (2000). A seguir ressalta-se a preocupação com os índices de repetência e consequentemente a evasão na 1ª série. Há, também, uma visão de que a estrutura do ciclo não resolverá o problema. Acredita-se que com maior flexibilidade no tempo e na adequação dos conteúdos às condições de aprendizagem dos alunos, será possível reduzir os índices de reprovação. A perspectiva é que o êxito do processo depende do compromisso de todos os educadores para que o tempo ganho não comprometa a qualidade.

O Ensino Fundamental de 09 anos está implantado. Na época do estudo estava sendo feita a reestruturação da proposta pedagógica, a capacitação dos profissionais da educação, mas o espaço físico, equipamentos e material didático e pedagógico não eram compatíveis com a incorporação das crianças de 6 anos, conforme observado no Plano de Ações Articuladas.

4 Philippe Perrenoud, doutor em Sociologia e Antropologia, leciona nas áreas de currículo e práticas pedagógicas nas faculdades de Psicologia e Ciências da Educação, na Universidade de Genebra.

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mesquitA

No Município de Mesquita, o Ensino Fundamen tal com duração mínima de nove anos, a partir dos seis anos de ida de, tem por objetivo a formação básica do cidadão.

Diz a legislação (Lei n° 442/2008) que o Siste ma Muni cipal de Ensino, por meio dos seus órgãos, definirá, com participação da comunidade escolar, a organização do cur rículo em séries, ciclos ou outras alternativas, de acordo com o interesse do processo de aprendizagem.

Segundo as informações coletadas não foi pos sível veri ficar se houve participação da comunidade nas discus sões e de finições quanto à reorganização do Ensino Fundamental. Na documentação do PAR também não existem informações so bre ciclos, ou melhor, sobre a organização do Ensino Fundamental.

Em síntese, o que a análise dos documentos dos quatro municípios demonstra é a preocupação em enfrentar o pro-blema da repetência e da evasão, com vistas a regularizar o fluxo escolar, racionalizar o uso dos recursos e estimular a permanência na escola, concluindo o Ensino Fundamental. A estrutura de ciclos, quando adotada, ainda carrega a lógica da seriação. Proibir a reprovação aparece nos três primeiros anos, correspondendo ao ciclo básico de alfabetização. Os regis tros em documentos revelam o esforço de repensar a estrutura para dar maiores condições de aprendizagem das habilidades básicas de leitura, mas revelam, também, a des-confiança em relação ao êxito da mudança. Percebe-se que é uma nova concepção que precisa ser melhor discutida junto com outras alterações no sistema como um todo, dadas as condições sociais dos alunos, a infra estrutura, a formação dos profissionais da educação, a cultura vigente nas escolas. Entende-se que a organização em ciclo, para ter êxito, precisa de ampla discussão com a comunidade, revisão da perspectiva do processo ensino aprendizagem e do processo de avaliação. A seguir procura-se destacar como a questão da avaliação aparece nos documentos municipais.

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A AvAliAção nos documentos municipAis

Como o objetivo do presente estudo é analisar o impacto das políticas de avaliação externa na organização do Ensino Fundamental dos municípios que adotaram a organização em ciclos, considerou-se que um dos elementos importantes para a análise seria o reflexo na avaliação.

No Município de Nilópolis, estabeleceu-se, na legislação municipal, que os procedimentos de avaliação adotados pelos professores e pela escola deverão ser articulados às avaliações realizadas em nível nacional e às congêneres no Estado e no Município, criadas com o objetivo de subsidiar os sistemas de ensino e as escolas, nos esforços de melhoria da qualidade da educação e da aprendizagem dos alunos. A análise do rendimento dos alunos, com base nos indicadores produzidos por essas avaliações, deve auxiliar os sistemas de ensino e a comunidade escolar a redimensionarem as práticas educativas com vistas ao alcance de melhores resultados. A avaliação do Plano Municipal de Educação deve ser pautada em resultados emanados de instâncias superiores, como os do Sistema de Avaliação do Ensino Básico – SAEB e outros afins, demonstrando o peso que as avaliações externas poderão ter para a Educação do Município.

Segundo a legislação consultada, os professores devem utilizar vários instrumentos e procedimentos para a avaliação dos alunos. Nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, os alunos do 1º e 2º anos terão registrados, em relatório, os estágios do desenvolvimento relacionados aos hábitos e atitudes, linguagem, desenvolvimento cognitivo, psicomotor e emocional, em consonância com os critérios definidos pela Secretaria Municipal de Educação. A partir do 3º ano do Ensino Fundamental faz-se o uso de notas, sendo necessário para aprovação Média Global (MG) maior ou igual a 6,0 (seis) com freqüência anual global, igual ou superior a 75% (setenta e cinco por cento). Observa-se que não se fala em ciclo, mas em anos de escolaridade, mesmo prevendo-se uma avaliação qualitativa nos dois anos iniciais.

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Para a verificação do rendimento escolar, traz como regra comum a avaliação contínua e cumulativa do desem-penho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais.

Ao final de cada período letivo, a escola deve realizar uma autoavaliação diagnóstica com o objetivo de identificar fra gilidades que comprometem o processo de ensino e de apren dizagem; identificar e difundir práticas bem suce didas de ensino e de gestão; indicar defasagem nos conteúdos desenvolvidos e redirecionar as ações pedagógicas na formação dos profissionais envolvidos.

Ao analisar o Plano de Ações Articuladas – PAR de Nilópolis verifica-se a informação de que os docentes geralmente geram o conceito final considerando somente os ele mentos informativos e não há estimulo à autoavaliação, sendo raras as atividades interdisciplinares. Justificativa apre-sentada para a demanda de capacitação dos professores inclui, como componente da política educacional, o estímulo à auto-avaliação e às práticas interdisciplinares. Apurou-se também que as escolas não oferecem tempo para assistência individual e/ou coletiva aos alunos que apresentam dificuldade de aprendizagem, sendo necessário implantar esta oferta.

A avaliação no município de Guapimirim está prevista no decreto n° 425/2001. A promoção no Ensino Fundamental deve estar condicionada à aprendizagem dos conteúdos mínimos exigidos, ao término do 1º Ciclo e de cada série. No ano de 2010, no Ensino Fundamental, estava estabelecido no Regimento Escolar do município, que no 1° e 2° anos do ciclo de formação, os alunos fossem acompanhados através do registro (relatórios) de seu desenvolvimento e no 3° ano do mesmo ciclo, que o acompanhamento deveria acontecer por verificação de notas bimestrais. Do 3° ao 9° ano as notas devem estar em uma escala de 0 (zero) a 10,0 (dez) e o aproveitamento de nota, ser superior a 5,0 (cinco).

Conforme os documentos analisados, a avaliação tem por objetivo o diagnóstico da situação de aprendizagem do edu cando, para estabelecimento dos objetivos que nortearão

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o planejamento da ação pedagógica, a verificação dos avanços e dificuldades do educando no processo de construção do conhecimento, em função do trabalho desenvolvido. Os resultados devem oferecer aos educadores elementos pa-ra reflexão sobre o trabalho realizado, tendo em vista o replanejamento, demonstração ao educando de seus avanços e dificuldades, estimulando maior envolvimento do mesmo no processo de aprendizagem, oportunizando a autoavaliação constante.

No Município de Queimados, o Regimento Escolar (2004) define que “a avaliação da aprendizagem deve ser com-preendida como processo contínuo, integral e cumulativo com a finalidade de verificar o alcance de objetivos no sentido de redimensionar a ação pedagógica”. No final do Ciclo de Alfabetização, isto é 3º ano de escolaridade, é possível a retenção dos que não atingirem os objetivos propostos.

Na época da instituição do Regimento das Unidades Escolares da Rede Pública Municipal de Ensino de Quei-mados, pelo Decreto n° 238 de 09 de maio de 2000, os resultados das avaliações bimestrais eram expressos sob a forma de notas, numa escala de 0 (zero) a 10 (dez). Para atender aos alunos que não atingissem o desenvolvimento esperado havia recuperação paralela e a recuperação final.

Analisando-se a forma como era disposto o processo de avaliação, ao longo do ano letivo, pode-se verificar o enten dimento de que o aluno, com rendimento insuficiente em um bimestre, pode se recuperar e as notas obtidas no semes tre subsequente, se maiores, substituem as inferiores.

O art. 66 do Regimento Escolar especifica que no Ciclo de Alfabetização e Classe de Aceleração a avaliação se dará “sob a forma de Relatório Individual, como resultado das observações feitas ao longo de cada bimestre, indicando os avanços e dificuldades demonstradas pelos alunos”, não sendo possível a reprovação, a não ser em caso de infre-quência (inferior a 75%). Nas demais turmas do 4º ao 9º ano de escolaridade do Ensino Fundamental os resultados da avaliação serão expressos sob a forma de notas numa escala de 1,0 (um) a 10,0 (dez). Existe política de correção de

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fluxo, mas não são integradas e não oferecem condições para superar dificuldades de aprendizagem e prevenir distorções idade/série.

Embora o Ciclo de Alfabetização faça parte da estrutura do Ensino Fundamental percebe-se que a lógica do regime seriado está presente. Percebe-se uma intenção de criar oportunidades várias para que o aluno possa ser apro-vado. A idéia é evitar a repetência e manter o fluxo escolar conforme a idade própria.

No Município de Mesquita foram encontradas poucas referências sobre o processo de avaliação. A verificação do rendimento escolar dos alunos, disciplinada no regimento das escolas, deverá observar os seguintes cri térios: avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com predominância dos aspectos qualitativos so bre os quantitativos e dos resultados ao longo do ano letivo sobre os de eventuais provas finais; possibilidade de ace leração de estudos para alunos com atraso escolar; possibilidade de avanço nas séries ou etapas, mediante verificação de aprendizagem, respeitada a faixa etária adequada; obrigatoriedade de estudos de recuperação, de preferência paralelos ao ano letivo, para os casos de baixo rendimento escolar.

Analisando-se o PAR do Município observou-se, também, que no conceito final consideram-se somente os aspectos informativos; os elementos formativos são, por vezes, utilizados em atividades interdisciplinares, não havendo estímulo à autoavaliação e são raras as atividades interdisciplinares. Essa parece ser a postura presente na ava liação em mais de um município. A distorção idade-série no município, nas séries iniciais e finais do ensino fundamental, evidencia taxas bem maiores do que a média nacional. Consta no PAR, no tópico práticas pedagógicas e avaliação, que existem políticas específicas para a correção de fluxo, mas estas não são integradas e não oferecem condições para superar as dificuldades de aprendizagem e prevenir as distorções idade-série

Como nos municípios de Nilópolis, de Mesquita e Guapimirim, segundo o que consta no PAR, os professores

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geram o conceito final considerando somente os elementos informativos, sendo os elementos formativos, por vezes, utilizados em atividades interdisciplinares, não havendo estímulo à auto-avaliação e sendo raras as atividades interdisciplinares.

Observa-se a persistência de comportamentos tra-dicionais mesmo quando as legislações passam a incorporar novos discursos. Focalizando-se os aspectos relacionados à avaliação nos municípios o que prevalece é a adoção da estrutura de ciclo no início do Ensino Fundamental, consi derando a necessidade de um tempo maior para a alfa betização. Nesse período prevê-se uma avaliação mais pau tada no acompanhamento e observação do professor que deve registrar o desenvolvimento do educando em diversas áreas, apresentando relatórios. A partir do 3º ano permanece a lógica da seriação com a avaliação expressa através de notas. O principal objetivo é enfrentar o problema da evasão e da repetência.

Seguindo o foco da pesquisa como as avaliações em lar ga escala têm influído nesse processo?

As AvAliAções em lArgA escAlA nos municípios

No que se referem às avaliações externas, três dos quatro municípios que compõem esta caracterização – Gua-pimirim, Queimados e Mesquita – tem como principal pon to de aproximação o fato de divulgarem, em parte, o resul tado das avaliações, mas não o discutirem com a escola, como consta em seus Planos de Ações Articuladas.

Apenas no município de Nilópolis aparece, em documentos, a incorporação política dos resultados da ava liação externa como instrumento orientador das ações em busca de melhoria da qualidade. Observa-se que, nesse muni cípio, a questão das avaliações começa a ganhar espaço e aparece atrelada à ideia de elemento indispensável para a me lhoria da qualidade do ensino. Em outros documentos como na Resolução 07/2010 da SME, estabeleceu-se que os procedimentos de avaliação, adotados pelos professores

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e pela escola, deverão ser articulados às avaliações reali-zadas em nível nacional e às congêneres no Estado e no Município. A análise do rendimento dos alunos, com base nos indicadores produzidos por essas avaliações, deve auxiliar os sistemas de ensino e a comunidade escolar a redimensionarem as práticas educativas com vistas ao alcance de melhores resultados. Entende-se que a avaliação externa do rendimento dos alunos refere-se apenas a uma parcela restrita do que é trabalhado nas escolas, de sorte que as referências para o currículo devem continuar sendo as contidas nas propostas político-pedagógicas das escolas, articuladas às orientações e propostas curriculares da SEMED, sem reduzir os seus propósitos ao que é avaliado pelos testes de larga escala (Resolução n° 07/2010, art. 6º). Nos documentos do município há o registro de que as avaliações externas têm o objetivo de subsidiar os sistemas de ensino no esforço de melhorias e auxiliá-los a redimensionarem as práticas educativas, o que nos leva a entender que provavelmente seus resultados causaram algum efeito no sistema de ensino em questão.

Nos demais municípios não há referência nos docu-mentos consultados às avaliações externas, o que não significa a ausência de sua influência, uma vez que após a criação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB, a divulgação dos resultados das escolas e dos municípios mobiliza discussões de seus resultados.

o que os estudos pArecem indicAr?

A análise da legislação e dos documentos elaborados pelos municípios referentes a organização do Ensino Fun-damental com o objetivo de analisar o impacto das avaliações externas nos municípios, que adotaram a organização desseriada, mostrou a complexidade da questão.

Uma observação inicial indica que os municípios são in fluenciados pelas políticas nacionais e, também, pelas de seus congêneres. As legislações vão sendo alteradas em cum-primento às mudanças no plano nacional. Todavia, observa-

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se um movimento de influência mútua que se exprime nos documentos orientadores das políticas. A grande questão tem sido encontrar soluções para resolver o problema da evasão e repetência e melhorar a qualidade da educação. As experiências de organização em ciclos adotadas por municípios maiores vão sendo incorporadas por outros da mesma região, mas que nem sempre tem os mesmos recursos humanos e financeiros para implementar as mudanças. As diferenças observadas entre os municípios podem ser resultado de condições locais. Há municípios que se tornaram independentes e organizaram suas secretarias de educação há poucas décadas, enquanto outros, há mais tempo, consolidaram uma estrutura administrativa e uma rede de ensino.

No tocante ao foco do estudo, a adoção da organização em ciclo foi sendo incorporada como uma possibilidade de res peitar os ritmos de aprendizagem, principalmente no que se refere ao processo de alfabetização, com vistas a possibilitar maior permanência na escola, isto é, evitar a repetência e a consequente evasão. O ciclo na maior parte dos municípios aca bou restrito à faixa dos 6 a 8 anos, consolidando o ciclo básico de alfabetização, processo referendado no plano nacional.5 A avaliação nesse ciclo é regulamentada com ênfase na observação do professor, fichas de acompanhamento, rela tório e não prevê a reprovação antes de seu término. A partir daí a organização seriada e a avaliação seletiva, com repro vação dos que não alcançaram os objetivos esperados, passa a vigorar. Verifica-se assim, que a lógica da educação tradicional é muito presente.

As avaliações externas aparecem como indicação de referência para subsidiar os esforços do sistema de ensino na melhoria da qualidade da educação apenas em documentos de um município. Nos demais, quando solicitados a realizar um diagnóstico para o Plano de Ações Articuladas – PAR do município, com vistas a obter recursos do governo federal, é que há referências à divulgação de parte das avaliações

5 Resolução CNE/CBE 7/10. Fixa Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos.2010.

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oficiais, mas os resultados obtidos não são discutidos com as escolas. O estudo focalizou a década de 2000 a 2011.

Nos documentos que tratam da implantação da estrutura de ciclos e que são datados do início da década, há referência à inclusão social, respeito ao ritmo e condições do aluno e a autores identificados com a perspectiva sócio-histórica na educação. Após a criação do IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica percebe-se uma preocupação maior com o fluxo escolar a par do desempenho das escolas. Percebe-se, também, que a lógica da seriação influencia as ações pedagógicas em seu todo e que a relação entre o desempenho dos alunos e o rendimento escolar, medido pelos índices de aprovação vão levando a novas discussões e medidas em busca da qualidade nos sistemas de ensino.

O que a análise dos documentos, como regimentos escolares, resoluções, planos municipais mostrou foi que as mudanças na organização do ensino fundamental foram sendo realizadas sob dois influxos: a) a busca de uma estrutura que permitisse responder à necessidade de uma educação inclusiva, permitindo a permanência do educando na escola com garantia de aprendizagem que respeitasse os ritmos diferenciados de desenvolvimento e, b) mudanças nas legislações, em constante processo de discussão e revisões no período de estudo, tanto no que se refere à Constituição, quanto à LDB e planos nacionais de educação.

Foi possível perceber a disputa entre duas visões de educação: uma privilegiando uma perspectiva de inclusão social e a concepção sócio-histórica na construção de conhe-cimentos, presente nas propostas municipais e outra, de cunho gerencialista, em que a produtividade, eficácia, eficiência e meritocracia se destacam, presente nas legislações federais. Em todos os municípios que participaram da pesquisa a preocupação principal é acabar com a evasão e a repetência e melhorar a qualidade da educação. As dis cussões e medidas para implantação e acompanhamento do processo de reorganização do ensino fundamental refletem as condições administrativas e de recursos físicos e financeiros de cada

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município. Foi possível perceber que uma cultura tradicional marcada pela seriação, reprovação, avaliação com base em provas e notas numéricas, ainda, está muito impregnada.

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the influence of externAl evAluAtions in schools orgAnized cycle: the reAlities of four municipAlities of BAixAdA fluminense

This article aims to observe how the municipalities with the organization of education in the learning cycles are affected

Abstract

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by external evaluations. To this end, we describe the analysis from the study done in four municipalities, small, located in the Baixada Fluminense, in the State of Rio de Janeiro, which are part of a larger research conducted by the Study Group Teaching System: “Impacts Policies of External Evaluation in Municipal Systems Education”. In the first part is presented as the teaching is organized in each of the four counties, followed by reference to ratings found and how the external evaluation has been incorporated for each of these systems, in the period between the years 2001-2011. To identify how the organization of elementary school is structured and how the cycles were incorporated were analyzed regiments, municipal plans, ordinances and other documents located on the subject was discussed. The study suggests that changes in the organization of the school took place in search of a framework to address the need for an inclusive education, allowing the student to remain in school to guarantee learning that respects the different paces of development. The municipal laws are in a constant process of discussion and review, seeking adaptation to national laws and policies. The national policy will be gradually incorporated.Keywords: Fundamental education - assessment - federative relations