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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA WILLIAM ROBERTO PERES GARCIA A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO DOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS NO PROCESSO PENAL Araranguá-SC 2017

A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO DOS …

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

WILLIAM ROBERTO PERES GARCIA

A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO

DOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS NO PROCESSO PENAL

Araranguá-SC

2017

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WILLIAM ROBERTO PERES GARCIA

A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO

DOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS NO PROCESSO PENAL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

ao Curso de Graduação em Direito da

Universidade do Sul de Santa Catarina, como

requisito parcial à obtenção do título de

Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Jeã Pierre Lopes Toledo, Esp.

Araranguá-SC

2017

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A minha filha Antonella. Sua existência faz-

me crescer diariamente. Encontrei nela o

verdadeiro significado do amor.

A minha mãe Eliane (in memoriam). Sempre

batalhou pela minha educação. Mesmo com

pouca escolarização me incentivava a estudar.

Estas mulheres me dão inspiração para buscar

o conhecimento e a sabedoria.

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AGRADECIMENTOS

Durante estes cinco anos de universidade fiz três amizades importantíssimas:

Indiana, Gustavo e Renata. Além de dividirmos carona diariamente dividimos alegrias e

tristezas, vitórias e derrotas. "O verdadeiro amigo é aquele que nos transforma num ser

humano melhor." (Johnny De Carli)

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―Não é a morte que me importa, porque ela é um fato. O que me importa é o que

eu faço da minha vida, enquanto a minha morte não acontece, para que essa vida não seja

banal, superficial, fútil e pequena.‖ (Mario Sergio Cortella).

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RESUMO

Neste artigo propomos analisar as influências das falsas memórias (FM‘s) na

produção das provas no sistema penal brasileiro. Essas influências podem vulnerabilizar os

depoimentos das testemunhas, dos acusados e das vítimas e ainda no reconhecimento de

pessoas ou coisas. Dessa maneira, ao estudarmos o princípio da ―verdade real‖, isto é, a busca

da verdadeira história do fato delituoso, vimos a necessidade de analisarmos as questões

relativas à memória. Durante a entrevista forense os entrevistados usam do processo

mnemônico para reconstruir os fatos. Nessa retroalimentação a memória pode sofrer com

influências internas e externas. De forma interna (autossugerida) quando o próprio

entrevistado pode adulterar as informações dos acontecimentos que presenciou. De forma

externa (sugerida) quando pode ser sugestionada por terceiros. Não obstante apresentaremos

uma hipótese preventiva no que tange a Entrevista Cognitiva, que tende a minimizar as

manifestações das falsas memórias. Em que pese, nossa metodologia de estudo foi

bibliográfica: livros, revistas, anais e homepage’s; e documental: livros, documentos oficiais,

leis, acórdãos, jurisprudências, doutrinas, revistas jurídicas, etc.

Palavras-chave: Prova penal. Verdade real. Memória. Falsas memórias. Entrevista Cognitiva.

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ABSTRACT

In this article we propose to analyze the influence of false memories on the

production of evidence in the Brazilian penal system. These influences can make the

testimonies of witnesses, accused and victims vulnerable and even recognize people or things.

In this way, when we study the principle of "real truth", that is, the search for the true history

of the criminal act, we have seen the need to analyze the questions concerning memory.

During the forensic interview the interviewees use the mnemonic process to reconstruct the

facts. In this feedback memory can suffer from internal and external influences. Internally

(self-hosted) when the interviewee himself may adulterate the information of the events that

he witnessed. External (suggested) when it can be suggested by third parties. Nevertheless we

will present a preventive hypothesis regarding the Cognitive Interview, which tends to

minimize the manifestations of the false memories. In spite of that, our methodology of study

was bibliographical: books, magazines, annals and homepage's; and documents: books,

official documents, laws, judgments, jurisprudence, doctrines, legal journals, etc.

Keywords: Criminal evidence. Real truth. Memory. False memories. Cognitive Interview.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 11

2 CONSIDERAÇÕES SOBRE O SISTEMA PROBATÓRIO NO PROCESSO PENAL

BRASILEIRO .................................................................................................................... 13

2.1 CONCEITO E FINALIDADE ..................................................................................... 13

2.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO SISTEMA PROBATÓRIO ........................................ 14

2.3 PRINCÍPIOS RELACIONADOS AO SISTEMA PROCESSUAL PROBATÓRIO

BRASILEIRO ...................................................................................................................... 16

2.3.1 Liberdade de prova ................................................................................................. 16

2.3.2 ...................................................................... 17

2.3.2.1 Ilícitas .................................................................................................................... 17

2.3.2.2 Ilícita por deriva o ................................................................................................ 18

2.3.2.3 Ilegítimas ............................................................................................................... 19

2.3.3 Autorresponsabilidade das partes .......................................................................... 19

2.3.4 .......................................................................................... 19

2.3.5 ................................................................................................ 20

2.3.6 ........................................................................................................... 20

2.3.7 Oralidade ................................................................................................................. 21

2.3.8 Publicidade .............................................................................................................. 21

2.3.9 Livre-convencimento fundamentado ...................................................................... 21

2.3.10 Imediatidade ............................................................................................................ 22

2.3.11 .......................................................................................... 22

2.3.12 Verdade real ............................................................................................................ 22

2.4 SISTEMA DE VALORAÇÃO .................................................................................... 24

2.5 DAS PROVAS EM ESPÉCIES NO SISTEMA PROCESSUAL CRIMINAL

BRASILEIRO ...................................................................................................................... 25

2.5.1 Prova pericial .......................................................................................................... 25

2.5.2 Prova documental ................................................................................................... 25

2.5.3 Prova testemunhal................................................................................................... 26

2.5.4 Interrogatório do acusado ...................................................................................... 27

2.5.5 Perguntas ao ofendido ............................................................................................. 28

2.5.6 Reconhecimento de pessoas e coisas ....................................................................... 28

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2.5.7 Acareação ................................................................................................................ 29

2.5.8 Da busca e apreensão .............................................................................................. 30

2.5.9 Indícios .................................................................................................................... 30

3 FORMAS DE APREENSÃO DO CONHECIMENTO .............................................. 32

3.1 IMAGINAÇÃO ........................................................................................................... 33

3.2 PENSAMENTO .......................................................................................................... 33

3.3 PERCEPÇÃO .............................................................................................................. 34

3.4 LINGUAGEM ............................................................................................................. 35

3.5 MEMÓRIA ................................................................................................................. 36

3.5.1 As falsas (FM’ ) ..................................................................................... 38

3.5.1.1 Teoria construtivista ............................................................................................... 40

3.5.1.2 Teoria dos esquemas............................................................................................... 40

3.5.1.3 Teoria do monitoramento da fonte .......................................................................... 41

3.5.1.4 Teoria do traço difuso (TTD) .................................................................................. 41

4 A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO DOS ELEMENTOS

PROBATÓRIOS NO PROCESSO PENAL ..................................................................... 43

4.1 FATORES GERADORES DE FALSAS MEMÓRIAS ................................................ 45

4.1.1 Fatores internos (endógenos) .................................................................................. 47

4.1.1.1 Emoções ................................................................................................................. 47

4.1.1.2 Tempo .................................................................................................................... 51

4.1.1.3 Subjetivismo do magistrado .................................................................................... 52

4.1.2 Fatores externos (exógenos) .................................................................................... 53

4.1.2.1 Mídia ...................................................................................................................... 53

4.1.2.2 Viés do entrevistador .............................................................................................. 56

4.2 A MINIMIZAÇÃO DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO DOS

ELEMENTOS PROBATÓRIOS NO PROCESSO PENAL.................................................. 57

5 CONCLUSÃO .............................................................................................................. 63

REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 65

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11

1 INTRODUÇÃO

As entrevistas forenses é uma das mais importantes e usuais maneiras de produção

probatória no processo penal brasileiro. Doutrinadores e operadores do Direito discutem e

questionam a fragilidade dos métodos usados na entrevista forense, que muitas vezes sendo o

único meio de prova possível de ser produzido em determinados processos. Contudo, redobra-

se o cuidado de como se colhe as informações necessárias baseadas nas memórias dos

entrevistados, pois não são inteiramente confiáveis.

Muitas influências confundem o entrevistado no momento de relatar/relembrar os

fatos delituosos. Trazem, assim, uma equivocada ―verdade real‖, que se mescla com outros

relatos de testemunhas, acusados e vítimas, tornando a decisão do magistrado mais complexa.

O resultado disto pode ser a condenação de um inocente ou até majoração de penas.

A memória humana é objeto de estudos da psicologia e neurociência. Constata-se

que são diversas as formas de contaminação do mundo externo e até mesmo de interpretação

interna do indivíduo. A memória subjetiva inteiramente as imagens percebidas e é passível de

diversas formas de contaminação que podem afastá-la da verdadeira história do evento

relembrado.

Nos processos que tentam a reconstrução do fato criminoso, podem existir

artimanhas do cérebro, informações armazenadas que se dizem verdadeiras, no entanto, não

condizem com a realidade. O indivíduo carrega consigo sua ética, moral, interpretação dos

fatos, experiências de vida, emo ões, traumas, etc., atribuindo sua ―didática‖ particular de

como interpretar os fatos presenciados, ou seja, de modo interno o sujeito sofre distorções na

reconstrução mnemônica. Não obstante, há também as distorções externas, que podem basear-

se na influência da mídia, do viés do entrevistador e de uma coação de terceiro que tenha

interesse em distorcer informações do delito. Estas distorções internas e externas chamaremos

de Falsas Memórias (FM‘s).

Diante deste contexto, as questões que guiarão a pesquisa serão de que maneira as

FM‘s influenciam a produ o dos elementos probatórios no processo penal brasileiro? Quais

as provas que sofrem mais incidência de FM‘s no processo penal? De que forma podemos

minimizar a incidência das FM‘s no recolhimento das provas penais?

Em que pese, nossa metodologia de estudo foi bibliográfica: livros, revistas, anais

e homepage’s; e documental: livros, documentos oficiais, leis, acórdãos, jurisprudências,

doutrinas, revistas jurídicas, etc.

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12

Este trabalho de conclusão de curso será dividido em três capítulos. Veremos no

primeiro capítulo as considerações sobre o sistema probatório penal brasileiro. Delimitaremos

seu conceito, finalidade e evolução histórica. Relacionaremos os princípios do sistema penal

brasileiro. Explicaremos o sistema de valoração das provas penais adotado no Brasil. E por

fim, elencaremos as espécies de provas da legislação penal.

No segundo capítulo apresentaremos as principais formas de apreensão do

conhecimento. Dentre elas: imaginação, pensamento, percepção, linguagem e a mais

significativa que é a memória. É através desta que temos a capacidade de lembrar e recordar

dos fatos, ideias e/ou conhecimentos adquiridos ao longo da nossa vida. Contudo, a mente não

reconstituirá absolutamente todo o fato que se tenta lembrar, por isso surgem as FM‘s. Por

esta razão, dentro deste capítulo esclareceremos sua conceituação e teorias.

No ápice deste trabalho, no terceiro capítulo, abordaremos a influência das FM‘s

na produção dos elementos probatórios no processo penal. Ponderaremos os fatores internos e

externos influenciadores no recolhimento das provas penais. Ao final sugeriremos para

minimiza o das FM‘s na entrevista forense a denominada Entrevista Cognitiva.

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2 CONSIDERAÇÕES SOBRE O SISTEMA PROBATÓRIO NO PROCESSO

PENAL BRASILEIRO

2.1 CONCEITO E FINALIDADE

Analisando etimologicamente a palavra ―prova‖ temos a origem de ―probatio‖,

significando ensaio, verificação, inspeção, exame, argumento, razão, aprovação ou

confirmação. Deriva-se dele o verbo latino ―probare‖ que traduz-se ―provar‖ e tem o

significado de ensaiar, verificar, examinar, reconhecer por experiência, aprovar, estar

satisfeito com algo, persuadir alguém a alguma coisa ou demonstrar. (NUCCI, 2015)

Podemos distinguir três sentidos para o termo ―prova‖ no processo jurídico,

segundo Nucci (2015).

(i) prova como ato de provar: é o processo pelo qual se verifica a exatid o ou a

verdade do fato alegado pela parte no processo (ex.: fase probatória); (ii) prova

como meio: trata-se do instrumento pelo qual se demonstra a verdade de algo (ex.:

prova testemunhal); (iii) prova como resultado: é o produto extraído da análise dos

instrumentos de prova oferecidos, demonstrando a verdade de um fato

No processo busca-se reconstruir, ideologicamente, os fatos ocorridos para poder

assim retirar as consequências daquilo que ficar demonstrado. Utiliza-se a prova para

demonstrar a ―verdade‖ dos fatos. Esta prova é a que contribui para o convencimento do

magistrado.

Por meio desta apreciação das provas nos autos o julgador decidi pela condenação

ou absolvição do réu. (T VORA; ASSUMP O, , p. 17). Lembrando que: ―[...] juízes

são seres humanos como quaisquer outros e, primeiro, guiam-se pela intuição; pela simpatia

ou antipatia, e por outras considerações não expressamente confessadas para, mais tarde, dar

forma silogística à fundamentação (ABELLÁN, 1999 apud NUCCI, 2015).

Pacelli ( 7) ressalta: ―A prova judiciária tem um objetivo claramente definido:

a reconstrução dos fatos investigados no processo, buscando a maior coincidência possível

com a realidade histórica‖, ou seja, tenta-se reconstruir a veracidade dos fatos como realmente

ocorreu no espaço-tempo. Reconstruir a verdade, entretanto, não é tarefa fácil, quiçá

impossível.

Nucci (2015) nos explica que o objetivo da parte durante o processo não é

construir a verdade objetiva, pois é quase impossível e por uma atividade complexa. A meta

da parte é produzir no espírito do julgador que os fatos alegados em sua peça correspondem

com a verdade, ou seja, por meio dos instrumentos legais previstos a parte convence o

julgador que a prova é a confirma o lógica da realidade. ―Desde logo, porém, um necessário

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14

esclarecimento: toda verdade judicial é sempre uma verdade processual. E não somente pelo

fato de ser produzida no curso do processo, mas, sobretudo, por tratar-se de uma certeza de

natureza exclusivamente jurídica.‖ (PACELLI, 2017)

Nucci (2015) distingue a verdade objetiva e subjetiva:

Em suma, ter certeza é, sempre, aspecto subjetivo, gerando, pois, uma verdade

igualmente subjetiva, que pode não ser compatível com a realidade (aquilo que

efetivamente ocorreu no mundo naturalístico).

Por outro lado, a verdade objetiva é a exatidão da noção da realidade com o que

efetivamente aconteceu. Ex.: é verdade que Fulano faleceu (há laudo necroscópico

comprobatório).

Quando a verdade coincide exatamente com a realidade, temos a verdade objetiva.

Quando se diz ter certeza, temos a verdade subjetiva, pois pode não ter exatidão com a

realidade.

2.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO SISTEMA PROBATÓRIO

O processo penal e o sistema de provas foram, durante suas histórias, ―exata

medida‖ de evolu o. A história do processo se mesclou com a história do sistema de prova.

Isto é, ―a maneira pela qual os sistemas de prova foram evoluindo ao longo do tempo foi

definindo também os vários tipos de processo que a história conheceu.‖ (MACHADO, 2014,

p. 462)

[...] o modo pelo qual os hebreus, egípcios, gregos, povos da Idade Média e povos

modernos, em diferentes lugares e épocas, foram imaginando e instituindo os seus

mecanismos de apura o e julgamento dos crimes, ou seja, os seus mecanismos de

prova, foi determinando também os tipos de processo que cada um desses povos

adotaram ao longo da história. (MACHADO, 2014, p. 462)

No período republicano de Roma e também da polis na Grécia antiga, o modelo

de processo penal adotado por ambos foi acusatório. Julgamentos e debates públicos tal como

provas baseadas, sobretudo, em testemunhos. (MACHADO, 2014, p. 462)

Foi no período imperial, sob forte intervenção do direito germânico e das invasões

bárbaras, queo exercício probatório do processo penal passou a inserir fundamentos

irracionais e religiosos, incomuns ao processo.

Machado ( 4, p. 463) lembra da ―ordálias de Deus‖, que foi uma cren a ―na

interven o divina para se estabelecer a verdade nos julgamentos.‖ Por exemplo, o acusado

era posto à prova passando por cima de brasas, caso saísse ileso ao final do percurso, era

considerado inequivocamente inocente. Contudo, assim como as torturas e as ordálias tais

práticas foram extintas em 1215, com o Concílio de Latrão.

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15

Percebemos que nesta irracionalidade em sistematizar as provas, surgia o sistema

de convicção íntima do julgador. Não era necessário motivar fundamentos e convicções sobre

suas decisões, pois este usava de sua autoridade fundamentando-se no misticismo, ainda sem

nenhum tipo de controle racional. (MACHADO, 2014, p. 463)

Este sistema probatório se harmonizou inteiramente ao processo inquisitivo da

Idade Média, que tinham como principais características apurações sigilosas e juízes com

perfis absolutistas.

Machado (2014, p. 463) nos explica sobre este sistema medieval:

Ainda na Idade Média, além da influência do direito germ nico (que deu também

contribui ões importantes para a evolu o do processo como a incorpora o do

direito de defesa e o modelo acusatório), juntou-se a contribui o do direito

can nico, quando ent o foram mantidos alguns dos meios irracionais de prova e se

estabeleceu o chamado sistema de provas taxadas, ou provas legais. Por esse

sistema, o processo medieval passou a estabelecer regras tanto para a produ o e

quantidade de provas, quanto para a avalia o delas pelo juiz. Pelo sistema das

provas taxadas, levado s ltimas consequências durante o absolutismo monárquico,

o juiz ficava completamente atado espécie e quantidade de prova permitida pela

lei, bem como ao valor que esta ltima viesse a conferir a cada uma das provas legalmente previstas.

O julgador se mantinha inerte e impotente perante o conjunto de provas. Não

possuindo condições para apreciá-la livremente a partir de critérios racionais. Muitas vezes os

julgamentos não eram justos e distantes da verdade, porque o julgador devia extrema

obediência às provas legais produzidas nos autos, e mesmo assim, poderia estar totalmente em

desacordo com as suas convicções pessoais. (MACHADO, 2014, p. 463-464)

Baseados nos ideais Iluministas, na Idade Moderna, por volta do século XVIII,

houve uma transição do misticismo para o método racional de apreciação das provas e

punições.

Na Modernidade, acalentada pelas ideias do Iluminismo que no século VIII

real ou a import ncia da raz o como meio de se superar o obscurantismo, as

crendices e as várias formas de misticismos do período medieval, sobretudo a partir

do importante esfor o realizado pelo marquês de eccaria, que propunha a

racionalidade das provas e dos métodos de puni o, o processo penal assumiu

definitivamente o modelo das provas racionais, adotando a inteira liberdade de

produ o e avalia o das mesmas, exigindo apenas que, livre para determinar a

realiza o de provas e livre para avaliá-las, o juiz doravante passasse a fundamentar

as suas decisões. (MACHADO, 2014, p. 464)

O sistema chamado de persuasão racional ou do livre convencimento motivado

surgiu desta necessidade de fundamentar as decisões e da liberdade da apreciação das provas.

Ou seja, o momento que o processo moderno se consolida como sistema avaliativo das provas

de modo racional ele adentra, em definitivo, na ―era do processo acusatório‖. O sistema

probatório se alicerça no método de descobrir a verdade a partir do raciocínio livre, baseado

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16

na lógica e da ciência. Descartam-se a interferência do misticismo e irracionalidade,

características dos sistemas probatórios antigos. (MACHADO, 2014, p. 464)

O sistema de persuas o racional, ―garante certa flexibilidade dos julgamentos, de

modo que se possa evitar decisões injustas, e s vezes até mesmo esdr xulas, proporcionadas

pela ‗ado o cega do sistema da prova legal‘‖, isto é, este sistema sempre proporcionará

controle externo e interno da legalidade diante das decisões dos julgadores, evitando a

possibilidade de ―arbítrio judicial decorrente da ado o do sistema de livre convencimento do

juiz‖.(MACHADO, 2014, p. 464)

Em síntese, pode-se ressaltar que no decorrer da história surgiu diferentes

maneiras de valorar e produzir as provas. Atualmente, no processo penal brasileiro, assim

como as modernas nações civilizadas, adota o sistema das provas racionais, que fica explícito

no artigo 155, do CPP: ―o juiz formará sua convic o pela livre aprecia o da prova‖.

(BRASIL, CPP, 2017)

Ao final, percebemos que, no nosso processo penal brasileiro, que decorre do

modelo de processo acusatório, ―vigora uma ampla liberdade na produ o da prova pelas

partes e na sua valora o pelo juiz, exigindo-se apenas, como controle dessa liberdade, que as

provas sejam lícitas e que as decisões judiciais sejam fundamentadas (art. 93, IX, da CF), ou

seja, no que diz respeito a prova, este baseia-se firmemente ao sistema de persuasão racional

ou livre convicção motivada. (MACHADO, 2014, p. 465)

2.3 PRINCÍPIOS RELACIONADOS AO SISTEMA PROCESSUAL PROBATÓRIO

BRASILEIRO

2.3.1 Liberdade de prova

A liberdade das provas deriva da verdade real, e por intermédio dela, ampara-se

que devem ser permitidos todos os meios de provas, previstos em lei. (MAGNO, 2013, p.

438)

Marcão (2016, p. 444) afirma que ― omo o próprio nome diz, é ampla a liberdade

probatória das partes‖.

Para Magno ( 3, p. 438), é evidente que ‖a liberdade para a produ o da prova

esbarra nos preceitos constitucionais. A liberdade, portanto, n o é plena.‖ O autor ainda

afirma que mesmo que não especificados na legislação, podem ser aproveitados quaisquer

meios de prova no processo penal. Noutras palavras, ―a lei estabelece expressamente o rol de

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17

provas existentes em processo penal. No entanto, n o se trata de ‘numerus clausus’, mas sim

‘numerus apertus’, ou seja, não é rol taxativo e sim rol exemplificativo. (MAGNO, 2013, p.

438)

2.3.2 I

Para entendermos o que são provas ilícitas inadmissíveis, devemos distinguir

primeiramente o que são provas ilegais, que dividem-se em ilícitas, ilícitas por derivação e

ilegítimas.

Avena (2017) nos detalha sobre o assunto:

A expressão prova ilegal corresponde a um gênero, do qual fazem parte três espécies

distintas de provas: as provas ilícitas, que são as obtidas mediante violação direta ou

indireta da Constituição Federal; as provas ilícitas por derivação, que correspondem

a provas que, conquanto lícitas na própria essência, se tornam viciadas por terem

decorrido de uma prova ilícita anterior ou a partir de uma situação de ilegalidade; e,

por fim, as provas ilegítimas, assim entendidas as obtidas ou produzidas com ofensa

a disposições legais, sem nenhum reflexo em nível constitucional.

Marcão (2016, p. 444) também introduz o assunto da inadmissibilidade das provas

ilícitas distinguindo-as:

Decorre do disposto no art. 5º, LVI, da F, segundo o qual s o inadmissíveis no

processo as provas obtidas por meios ilícitos. Também o art. 57 do PP dispõe a

respeito, determinando sejam desentranhadas do processo as provas consideradas

ilícitas e também as ilícitas por deriva o.

Não longe disto, Manzano (2013, p. 357) lembra que Ada Pelegrini Grinover

inaugurou a teoria Nuvolone, explicando que a ―prova ilícita é aquela que viola normas ou

princípios constitucionais, ou normas de direito penal, material; prova ilegítima é aquela que

fere normas de direito processual penal.‖

Vejamos agora as peculiaridades destas três provas citadas pelos autores.

2.3.2.1 Ilícitas

Compreendemos como ilícitas as provas auferidas através do descumprimento de

normas de conteúdo material, e necessariamente, essa violação provoque, direta ou

indiretamente, ferimento a garantia ou a princípio constitucional. (AVENA, 2017)

O mesmo autor nos lembra da adequação do Código de Processo Penal junto a

Constituição Federal ante as provas ilícitas:

Dentro da sistemática do art. 5.º da CF, que estabelece as regras e princípios visando à proteção dos direitos fundamentais, sobressai a vedação ao uso de provas obtidas

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18

por meios ilícitos (art. 5.º, LVI). Objetivando adequar o Código de Processo Penal

de 1941 a esta normatização ditada pela Magna Carta, tal proibição foi introduzida

pela Lei 11.690/2008 no art. 157, caput, do CPP, passando a estabelecer que são

inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas.

Pacelli (2017) diz que ―a vedação das provas ilícitas atua no controle da

regularidade da atividade estatal persecutória, inibindo e desestimulando a adoção de práticas

probatórias ilegais por parte de quem é o grande responsável pela sua produção‖.

2.3.2.2 Ilícita por deriva o

As provas ilícitas por derivação são obtidas ilicitamente, contudo, lícitas em si

mesmas. Para exemplificar, tomemos um caso onde haja uma interceptação telefônica

clandestina, e que a autoridade policial descobre um local onde será efetuada a entrega de

uma droga ilícita e assim os policiais conseguem aprende-las.

Ora, nesse caso, na doutrina, a tendência majoritária é, do mesmo modo, no

sentido da contamina o e inadmissibilidade da prova derivada da ilícita, dentro de um

critério da proporcionalidade. (MANZANO, 2013, p. 359)

Avena (2017) explica o conceito e a derivação da teoria norte-americana dos

Frutos da Árvore Envenenada:

Provas ilícitas por derivação são aquelas que, embora lícitas na própria essência,

decorrem exclusivamente de uma outra prova, considerada ilícita, ou de uma

situação de ilegalidade, restando, portanto, contaminadas. Trata-se, enfim, da

aplicação da teoria norte-americana dos Frutos da Árvore Envenenada (fruits of the

poisonous tree), segundo a qual o defeito existente no tronco contamina os frutos.

Sobre a Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada, Marcão (2016, p. 586) também

discorre:

Qualquer prova que decorra direta e essencialmente de prova ilícita, por

consequência lógica e inevitável, é considerada prova ilícita por deriva o. O nexo

de causalidade contamina de ilicitude a prova sequencialmente obtida. Aplica-se, in

casu, a doutrina da árvore dos frutos envenenados (fruits of the poisonous tree),

elaborada na jurisprudência norte-americana. Se determinada prova decorrer de

prova ilícita e também de outra fonte lícita independente, prevalecerá sua licitude.

No CPP aparece a conceituação no artigo 157, § 1o: ―S o também inadmissíveis

as provas derivadas das ilícitas, salvo quando n o evidenciado o nexo de causalidade entre

umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das

primeiras‖, assim, ―[...] a ilicitude de uma prova, uma vez reconhecida, causará a ilicitude das

provas que dela diretamente decorram.‖ (AVENA, 2017)

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19

2.3.2.3 Ilegítimas

Ao contrário das provas ilícitas, que violam conteúdo material constitucional, as

ilegítimas são elaboradas a partir da transgressão das regras de cunho processual. Avena

(2017) exemplifica:

É o caso da perícia realizada por apenas um perito não oficial: viola-se, com isso, a

regra geral do art. 59, § .º, do PP, determinando que, ―na falta de perito oficial, o

exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso

superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação

técnica relacionada com a natureza do exame‖. Ora, por que essa regulamenta o?

Porque assim entendeu o legislador. Quisesse, poderia ter estabelecido de modo

diverso, à semelhança do que fez no art. 50, § 1.º, da Lei 11.343/2006 (Lei de

Drogas), possibilitando a realização da perícia provisória por apenas um expert

(fala-se em ‗perito‘, no singular).

Como se percebe, diferentemente do que acontece com a ilicitude, a prova

ilegítima está em oposição a disposição à que contém, não ferindo qualquer norma

constitucional. (AVENA, 2017)

2.3.3 Autorresponsabilidade das partes

Durante o processo, as partes são responsáveis pelas consequências dos erros e

omissões, que por ventura venha a praticar na atividade probatória. (MARCÃO, 2016, p. 444)

Magno ( 3, p. 437) explica que ―cada parte é responsável pelas consequências

de sua inatividade probatória‖, ou seja, se as partes não exercerem sua faculdade probatória,

poderão acarretar consequências desfavoráveis.

No mesmo raciocínio, Marcão (2016, p. 444) discorre que ―conforme a

distribui o do nus da prova, cabe a cada parte dele desincumbir-se, e, se assim n o

proceder, arcará com as consequências que disso decorrem‖.

2.3.4 A

Origina-se do princípio do contraditório. Magno (2013, p. 438) reforça também

que ―é na fase instrutória que o princípio do contraditório ganha for a e concretude no

processo‖. O autor exemplifica: ―a defesa poderá reperguntar testemunha arrolada pela

acusa o; a acusa o poderá impugnar a perícia pleiteada pela defesa etc.‖, isto é, a parte

contrária sempre poderá contraditar as provas produzidas pela outra parte.

Page 21: A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO DOS …

20

―Toda prova produzida nos autos deve ser levada ao conhecimento da outra parte

ou das partes (quando decorrer de iniciativa exclusiva do juiz) podendo ser questionada e

contrariada.‖ (MAR O, 6, p. 444-445).

2.3.5 C

Depois que a prova é introduzida ao processo, ela não pertencerá exclusivamente

a ninguém, podendo ser utilizada por qualquer das partes.

Uma vez incorporada ao processo, a prova n o pertence parte que dela se ocupou.

Independentemente de quem a produziu nos autos, toda prova pertence ao processo,

de maneira que o conjunto probatório pode ser utilizado indistintamente, por

qualquer das partes. Exemplos: um documento juntado pela defesa pode ser usado para sustentar tese da acusa o; um depoimento prestado por testemunha da

acusa o pode ser usado para fundamentar tese da defesa etc. (MARCÃO, 2016, p.

445)

Há duas consequências relevantes neste princípio da comunhão da prova:

Primeiro: a prova produzida por uma das partes, ou trazida ao processo por iniciativa

judicial, pode ser aproveitada pela parte contrária. Assim, nada impede que a defesa

sustente a absolvi o do réu com fundamento no depoimento das testemunhas de

acusa o, e vice-versa. Segundo: tendo sido apresentada a prova por uma das partes,

só poderá haver desistência com o consentimento da parte contrária. (MAGNO,

2013, p. 437-438)

Analisando este princípio, vemos que as provas não pertencem ao juiz ou tão

somente as partes, elas pertencem ao processo e podem ser utilizadas por qualquer das partes

deste processo. (MAGNO, 2013, p. 437)

2.3.6 C

Almeja-se eu uma única audiência recolher todas as provas orais, mas em caso

determinados e necessários, pode-se fragmentar e designar outra audiência. Assim discorre

Marcão (2016, p. 445)

A audiência é una, mas isso n o impede que em casos determinados, por for a da necessidade, ocorra seu desmembramento e seja designada outra em continua o.

Também n o é vedada a colheita de prova oral fora da comarca do processo (fora da

terra), como ocorre nos casos em que se faz imprescindível a expedi o de carta

precatória, carta rogatória ou carta de ordem.

Capez (2017, p. 411) reforça este princípio explicando que se tem o intuito de

reunir toda produção das provas em uma única audiência e que o princípio da concentração

advém do princípio da oralidade, que explicaremos no próximo tópico.

Page 22: A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO DOS …

21

2.3.7 Oralidade

Em regra, a prova colhida em audiência deve ser produzida oralmente podendo ser

gravada em mídia (som e imagem) ou posteriormente reduzi-la a termo (transcrita em papel)

(MARCÃO, 2016, p. 445).

O Brasil adotou em seu processo penal o sistema alemão de colheita de provas,

que é designado sistema de oralidade. ―O magistrado julga melhor quando é ele quem preside

a colheita de provas e conhece o conte do fático que lastreia aquela determinada demanda‖,

ou seja, o magistrado deverá estar o mais próximo possível da colheita das provas, para assim

julgar melhor a causa. (MAGNO, 2013, p. 441)

2.3.8 Publicidade

Em regra, os atos processuais são públicos. Seguindo esta mesma regra a

produção de provas também será pública. Entretanto admite-se exceções a este princípio da

publicidade, podendo alguns processos seguir em segredo de justiça.

Capez (2017, p. 411) corrobora com esta explicação e nos lembra de que ―os atos

judiciais (e, portanto, a produ o de provas) s o p blicos, admitindo-se somente como

exce o o segredo de justi a.‖ N o obstante, Marc o ( 6, p. 445) também esclarece que

―excetuadas as situa ões excepcionais em que o juiz poderá decretar segredo de justi a, os

atos processuais s o p blicos, e, portanto, em regra a colheita da prova fica sujeita a tal

princípio.‖

2.3.9 Livre-convencimento fundamentado

Este princípio trás o entendimento que o juiz apreciará as provas produzidas nos

autos e formará, a partir destas, sua convicção para sentenciar este processo. Mesmo que seja

livre seu convencimento, o magistrado não poderá decidir contraditoriamente com as provas

levantadas nos autos. (MARCÃO, 2016, p. 445). Na mesma linha o autor nos lembra o

posicionamento do STF sobre este tema:

A exigência de motiva o dos atos jurisdicionais constitui, hoje, postulado

constitucional inafastável, que traduz poderoso fator de limita o ao exercício do

próprio poder estatal, além de configurar instrumento essencial de respeito e

prote o s liberdades p blicas. om a constitucionaliza o desse dever jurídico

imposto aos magistrados – e que antes era de extra o meramente legal – dispensou-

se aos jurisdicionados uma tutela processual significativamente mais intensa, n o

obstante idênticos os efeitos decorrentes de seu descumprimento: a nulidade

Page 23: A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO DOS …

22

insuperável e insanável da própria decis o. A import ncia jurídico-política do dever

estatal de motivar as decisões judiciais constitui inquestionável garantia inerente

própria no o do Estado Democrático de Direito. Fator condicionante da própria

validade dos atos decisórios, a exigência de fundamenta o dos pronunciamentos

jurisdicionais reflete uma expressiva prerrogativa individual contra abusos

eventualmente cometidos pelos órg os do Poder Judiciário.

Este princípio é de grande relevância, pois trás garantia de segurança jurídica e

política ao Estado Democrático de Direito, evitando abusos exercidos pelo Poder Judiciário.

2.3.10 Imediatidade

Este princípio provém da proximidade que o julgador tem da prova que ele

colherá nos autos.

Quando procede ao interrogatório do acusado; tomada de declara ões da vítima ou

inquiri o de testemunha, pela imediatidade que haverá entre eles (proximidade

entre o juiz e a pessoa por ele ouvida em audiência), o juiz reunirá condi ões de

compreender melhor a cena em que os fatos se deram; o ambiente em que o delito

ocorreu; aferir o nível de cultura ou simplicidade dos envolvidos; o grau de con-

fiabilidade e seguran a das informa ões colhidas etc. (MARCÃO, 2016, p. 446)

Esta proximidade (imediatidade) do juiz com a prova (testemunhas, vítimas,

acusados, etc.) terá como consequência uma influência na valoração das provas que colhera e

reunirá melhor convicção e raciocínio no momento de confeccionar a sentença. (MARCÃO,

2016, p. 446)

2.3.11 I

Aplicava-se somente no processo civil este princípio. A identidade física do juiz

foi inserida com a parcial reforma do CPP que aconteceu com a Lei 11.719/2008, e encontra-

se no art. 399, § 2o, nos seguintes termos: ―O juiz que presidiu a instru o deverá proferir a

senten a‖. Visivelmente que o magistrado reunirá melhores condições de proferir sentença se

foi ele mesmo que presidiu a audiência e colheu as provas. (MARCÃO, 2016, p. 446 – 447)

2.3.12 Verdade real

O princípio da verdade real ―É aquela a que chega o julgador, reveladora dos fatos

tal como ocorreram historicamente e não como querem as partes que apareçam realizados.‖

(MANSOLDO, 2010, p. 7). Diferente da formal que será verdade somente o que ser incluído

nos autos do processo a real preocupa-se com a veracidade do fato discutido, ou seja, por

Page 24: A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO DOS …

23

todos os meios cabíveis haverá a tentativa de trazer ao processo a verdadeira história do fato

discutido.

O juiz para proferir julgamento justo, buscará reconstruir, o mais próximo

possível, a verdade real ou substancial dos fatos. (MARCÃO, 2016, p. 446)

Ferrajoli (2002 apud RIBEIRO, 2006, p. 19) alerta sobre o ideal inalcançável de

busca da verdade real:

A impossibilidade de formular um critério seguro de verdade das teses judiciais

depende do fato de que a verdade ‗certa‘, ‗objetiva‘ ou ‗absoluta‘ representa sempre

a ‗expressão de um ideal‘ inalcançável. A idéia [sic] contrária de que se pode

conseguir e asseverar uma verdade objetiva ou absolutamente certa é, na realidade,

uma ingenuidade epistemológica.

Para o autor, a verdade real, também referida como absoluta é totalmente

inacessível. Esta verdade chegará tão somente à aproximação do que realmente aconteceu, ou

seja, verossimilhança.

Por esta raz o, adentraremos na discuss o que confronta ―verdade real‖ e

―verdade processual‖. Reconstituir um fato criminoso que já n o existe mais é uma tarefa que

nem sempre será possível. O crime não constitui mais a realidade, é pretérito e fica a cargo da

reconstrução da memória das partes do processo. A reconstrução de um fato a basear-se na

memória ficará suscetível ao subjetivismo dos sujeitos processuais.

Machado (2014, p. 461) disserta sobre o tema:

Deve-se considerar, porém, que a busca de uma verdade real nem sempre será uma

empresa possível. Primeiro, porque n o há como reconstituir no processo um fato

criminoso que já n o existe mais, que pertence ao passado e que, portanto, n o se

constitui mais numa realidade. Logo, só será possível representá-lo na memória, no

plano mental e na imagina o dos sujeitos processuais. E essa representa o, como

toda representa o, é sempre suscetível de subjetivismos, além do que os meios de

prova s o também suscetíveis de falhas, distor ões, manipula ões etc.

Diante disto, ao invés de falarmos ―verdade real‖, substitui-se por ―verdade

processual‖. Reconstruir dentro do processo o fato histórico do crime com auxílio das provas,

argumentações e demais instrumentos processuais. Assim teremos uma correspondência

razoável entre o que os autos apresentam, no presente, com o fato histórico, que pertence ao

passado. (MACHADO, 2014, p. 461)

O sentimento de justi a em dado caso concreto somente se aflora quando a verdade

processual (ou formal) corresponder verdade real (ou material). Quando houver

essa correspondência, pode-se concluir que o processo atingiu seu grau máximo de

eficácia. (MAGNO, 2013, p. 437).

Sabemos que a ―verdade processual‖ n o equivalerá ―verdade real‖, ou seja, os

fatos evidenciados no processo nem sempre corresponderá ao que realmente ocorreu. ―Todos

Page 25: A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO DOS …

24

os atos do juiz criminal no contexto da instru o probatória devem estar voltados busca

incansável pela verdade real.‖ Em outras palavras, independentemente das circunstâncias

processuais, o julgador deve sempre prevalecer à busca da verdade real, mesmo sabendo que

não equivalerá ao que realmente aconteceu. (MAGNO, 2013, p. 437)

2.4 SISTEMA DE VALORAÇÃO

O Brasil adotou, ao processo penal, o sistema de livre convencimento do juiz,

conforme já explicitado neste trabalho no item anterior. Para Marc o ( 6, p. 44 ) ―Para a

generalidade dos casos, o PP adotou o sistema da livre-convic o do juiz, persuas o racional

ou livre-convencimento fundamentado‖.

O artigo 55 do PP diz que ―O juiz formará sua convic o pela livre aprecia o

da prova produzida em contraditório judicial, n o podendo fundamentar sua decis o

exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas, as provas

cautelares, n o repetíveis e antecipadas‖. Avena (2017) discorre sobre este artigo:

Da adoção deste critério de apreciação decorre a regra geral de que não está o juiz condicionado a valores predeterminados em lei, podendo valorar a prova como bem

entender, bastando, para tanto, que fundamente sua decisão. Exemplo disso

encontra-se no art. 182, estabelecendo que o juiz não está vinculado à prova pericial,

podendo dela discordar no todo ou em parte.

Ao juiz dispõe-se ampla liberdade para apreciar os elementos probatórios,

podendo valorá-las conforme seus entendimentos. Entretanto, o magistrado deve motivar suas

decisões, ―que há de estar pautada nos elementos de convencimento coligidos aos autos, não

podendo ignorar o conteúdo dessas provas e tampouco as razões aduzidas pelas partes nos

debates ou alegações finais, sob pena de proferir decisão absolutamente nula.‖

(DEMERCIAN; MALULY, 2014)

Vejamos as observações do jurista Bento de Faria apud Marcão (2016, p. 440):

N o é permitido ao juiz fundar a sua convic o na notoriedade do fato, assim

conceituado pelo seu próprio conhecimento, desde que tal notoriedade só faz prova

quando resultar das circunst ncias emergentes do processo pela forma legal. Seria,

realmente, admitir o testemunho do juiz, e ninguém pode, no mesmo processo, figurar como julgador e testemunha. O princípio da liberdade da prova resultaria no

da exclus o de toda a prova. A liberdade de aprecia o da prova há de ser, portanto,

limitada análise da que existir nos autos. O julgamento há de, pois, assentar na

prova e n o na consciência de quem o profere.

O jurista afirma ainda que, para impedir um regime de insegurança e

arbitrariedade, o magistrado não pode decidir livremente, deve, pois, se ater aos elementos

Page 26: A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO DOS …

25

existentes nos autos e que dê sua valoração e crédito conforme seus conhecimentos,

exercendo sua faculdade de decidir baseada na sua livre convicção. (MARCÃO, p. 440)

2.5 DAS PROVAS EM ESPÉCIES NO SISTEMA PROCESSUAL CRIMINAL

BRASILEIRO

2.5.1 Prova pericial

Há algumas situações no decurso do processo penal que necessita de uma

certificação mais coerente e concreta de alguns fatos que se deseja provar. Para este tipo de

situação usa-se a prova pericial, que nada mais é que uma prova técnica, que deverá ser

desenvolvida por pessoas adequadamente habilitadas. (PACELLI, 2017).

Nucci ( 5) refor a que ―A perícia é o exame de alguma coisa ou de alguém,

realizado por técnicos ou especialistas, em determinados assuntos, que podem fazer

afirmações ou extrair conclusões pertinentes ao processo penal‖.

Nas palavras de Taruffo (2008 apud Nucci 2015):

Nem os juízes nem os jurados são oniscientes e este é um problema em todos os sistemas probatórios. (...) Por isso, todos os sistemas processuais têm que utilizar

algumas formas de prova pericial. Isto significa que se deve recorrer a peritos

expertos em diversos âmbitos para oferecer ao julgador toda a informação técnica e

científica necessária para decidir o caso.

O CPP em seu art. 6.º, VII ordena que quando ocorrer alguma infração penal que

vestígios materiais deixar, a autoridade policial deverá, logo tenha ciência da sua prática,

ordenar a realização do exame de corpo de delito. E caso não seja feito por alguma razão,

nessa fase, deve, posteriormente, ser determinado pelo magistrado (art. 156, II, CPP).

(BRASIL, CPP, 2017)

2.5.2 Prova documental

Tendo em vista a ascensão da tecnologia, não podemos de uma forma estrita

conceituar no processo penal um simples estrito de papel como sendo documento. Nucci

(2015) nos lembra de que:

Documento é toda base materialmente disposta a concentrar e expressar um

pensamento, uma ideia ou qualquer manifestação de vontade do ser humano, que

sirva para expressar e provar um fato ou acontecimento juridicamente relevante. São

documentos: escritos, fotos, fitas de vídeo e som, desenhos, esquemas, gravuras,

disquetes, CDs, DVDs, pen-drives, e-mails, entre outros. Trata-se de uma visão

Page 27: A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO DOS …

26

moderna e evolutiva do tradicional conceito de documento – simples escrito em

papel – tendo em vista o avanço da tecnologia.

Távora e Assump o, (2012, p. 53) fortalece a ideia que temos duas visões diante

do conceito de documento: ―Na concep o restrita dada pelo caput do art. 232 do CPP,

consideram-se ‗documentos quaisquer escritos, instrumentos ou papéis, p blicos ou

particulares‘‖. Por outro lado temos uma concep o mais atual e ampla que ―em face da

interpreta o progressiva da lei, considera-se documento qualquer objeto representativo de

um fato ou ato relevante, e aí poderíamos incluir, v.g., fotos, desenhos, esquemas, planilhas,

e-mails, figuras digitalizadas.‖ (T VORA; ASSUMP O, , p. 95)

Dependendo do conteúdo que se queira provar o conceito de documento tem que

ser mais flexível possível. A originalidade da prova é que será relevante na hora de sua

apreciação durante o processo. Pacelli (2017) dispõe sobre isto:

Daí dispor o art. 232 que se consideram documentos quaisquer escritos,

instrumentos ou papéis, públicos ou particulares, reconhecendo-se o mesmo valor à fotografia (ou à reprodução, à cópia, enfim) do documento, desde que devidamente

autenticada (art. 232, parágrafo único).

Entende-se que o documento seja qualquer expressão materializada por meio de

desenhos, grafias, símbolos, isto é, qualquer forma de comunicação ou linguagem que seja

possível o discernimento do seu conteúdo. (PACELLI, 2017)

2.5.3 Prova testemunhal

Uma das mais usadas regularmente no processo penal é a prova testemunhal. São

as pessoas que acabaram obtendo ciência do acontecimento do delito e contribuem no

recolhimento dessas provas. Esta testemunha tem que ser ―pessoa desinteressada que declara

em juízo o que sabe sobre os fatos, em face das percep ões colhidas sensorialmente. Ganham

relevo a vis o e a audi o, porém nada impede que a testemunha amealhe suas impressões por

meio do tato e do olfato.‖ (T VORA; ASSUMP O, , p. 78)

Nucci ( 5) nos esclarece que a ―Testemunha é a pessoa que toma conhecimento

de um fato juridicamente relevante, sendo apta a confirmar a veracidade do ocorrido, sob o

compromisso de ser imparcial e dizer a verdade. Cuida-se de autêntico meio de prova.‖ Na

mesma linha de raciocínio, porém em outros termos, o testemunho nada mais é que:

A declaração de uma pessoa física, não acusada pelo mesmo delito, recebida no

curso do processo penal, acerca do que possa conhecer, por percepção de seus sentidos, sobre os fatos investigados, com o propósito de contribuir à reconstrução

conceitual destes. (NORES; HAIRABEDÍAN, 2013 apud NUCCI, 2015)

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27

Pacelli (2017) alerta que devemos ter muito cuidado sobre este instrumento

probatório:

Todo depoimento é uma manifestação do conhecimento, maior ou menor, acerca de

um determinado fato. No curso do processo penal, a reprodução desse conhecimento

irá confrontar-se com diversas situações da realidade que, consciente ou

inconscientemente, poderão afetar a sua fidelidade, isto é, a correspondência entre o

que se julga ter presenciado e o que se afirma ter presenciado. Isso ocorrerá por uma razão muito simples.

O indivíduo quando portador do conhecimento dos fatos carrega junto de si

numerosas potencialidades e vulnerabilidades e usará dependendo da situação que lhe estiver

diante de si. Por este motivo que a noção de verdade buscada com a prova testemunhal muitas

vezes poderá ser equivocada. (PACELLI, 2017)

2.5.4 Interrogatório do acusado

O indivíduo que está sendo acusado tem oportunidade de apresentar sua versão

dos fatos ante o delito que lhe acusam. Pacelli ( 7) ressalta que ―Trata-se, efetivamente, de

mais uma oportunidade de defesa que se abre ao acusado, de modo a permitir que ele

apresente a sua versão dos fatos, sem se ver, porém, constrangido ou obrigado a fazê-lo‖.

O interrogatório do acusado somente se realizará após a apresentação escrita da defesa (art. 396, CPP), e, na audiência una de instrução (art. 400, CPP), após a

inquirição do ofendido, das testemunhas (de defesa e de acusação) e até dos

esclarecimentos dos peritos, acareações e demais diligências probatórias que devam

ali ser realizadas. (PACELLI, 2017)

Isto é, será no último ato da audiência de instrução que caberá o interrogatório ao

acusado, entretanto este poderá, por estratégia, preferir autodefesa que favoreça seus

interesses.

Nucci (2015) nos conceitua e lembra que também caberá o interrogatório na fase

extrajudicial:

O interrogatório é ato procedimental em que se propicia ao indiciado ou acusado o

momento formal e pessoal para fornecer a sua versão acerca da imputação criminal

formulada na investigação ou na ação penal. Pode realizar-se na fase extrajudicial,

durante o inquérito, perante a autoridade policial. Ocorre, também, na fase judicial,

em fase de instrução, perante a autoridade judiciária.

Não nos deixam de esclarecer sobre o interrogatório Távora e Assump o (2012,

p. 53): ―O interrogatório é a fase da persecu o penal que permite ao suposto autor da

infra o esbo ar a sua vers o dos fatos, exercendo, se desejar, a autodefesa.‖ E ainda, a

autoridade permitirá ao acusado ―indicar provas, confessar a infra o, delatar outros autores,

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28

apresentar as teses defensivas que entenda pertinente, ou valer-se, se lhe for conveniente, do

direito ao silêncio.‖

2.5.5 Perguntas ao ofendido

O ofendido é a vítima do crime, isto é, a pessoa que teve essencialmente seu bem

jurídico ou interesse próprio violado por alguma infração penal. (NUCCI, 2015). Ainda nesta

conceituação, Távora e Assump o (2012, p. 74) nos descreve que ―O ofendido é o titular do

direito lesado ou posto em perigo, é a vítima, sendo que suas declara ões, indicando a vers o

que lhe cabe dos fatos, têm natureza probatória.‖

Pacelli (2017) bem nos lembra que:

[...] o ofendido não integra o rol de testemunhas da acusação, por não poder ser considerado, rigorosamente, testemunha. Em consequência, não tem o compromisso

de dizer a verdade (art. 203, CPP), prevendo a lei, entretanto, a sua condução

coercitiva se, quando regularmente intimado, não comparecer em juízo.

O mesmo autor ainda sugestiona:

Por isso, quando o ofendido atribui a alguém a prática de um crime, pensamos que

ele tem o dever de depor, sempre que intimado, pois, ao final, poderá vir a ser

apurada a sua responsabilidade penal pela falsa imputação de crime. É claro que, na

hipótese de vir ele a ser processado pela denunciação caluniosa ou qualquer outro

tipo resultante da falsa atribuição de crime a outrem, o direito ao silêncio naquele

processo lhe será assegurado, mas isso apenas na posição de acusado e não de

acusador. (PACELLI, 2017).

Pacelli atribui o dever do ofendido em manifestar-se quando for intimidado para

que assim, ao final do processo, seja analisado se caluniou ou não o suspeito do crime.

2.5.6 Reconhecimento de pessoas e coisas

É o ato formal e solene pelo qual uma pessoa afirma como certa a identidade de

outra ou a qualidade de uma coisa, para fins processuais penais. Cuida-se de um meio de

prova. (NUCCI, 2015)

Eventualmente poderá ser essencial para o esclarecimento da causa que algum

indivíduo ou objeto seja identificado e vinculado, direta ou indiretamente, ao delito. ―Nessa

lógica, a pessoa que tenha tido contato anteriormente com a coisa ou pessoa a ser reconhecida

será chamada a prestar sua contribui o, confirmando se realmente se trata da pessoa ou coisa

que se imagina ser. (T VORA; ASSUMP O, , p. 92-93).

O procedimento previsto no art. 226, III, do CPP, fundado no receio que a testemunha possa ter em relação à pessoa a ser reconhecida, é feito de modo

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29

sigiloso, isto é, impedindo que o reconhecido possa ver aquele que o reconhece. Em

razão disso, a própria legislação estabelece não ser possível tal procedimento em

juízo (art. 226, parágrafo único), em obediência às exigências da ampla defesa.

(PACELLI, 2017)

Este procedimento pretende identificar pessoas ou coisas que de alguma forma

estavam intrometidas no fato delituoso, e que se provando sua veracidade serão relevantes

para o levantamento das responsabilidades.

2.5.7 Acareação

Buscando a verdade real, a autoridade judiciária ou policial, usufrui do ato

processual chamado acarea o. Segundo Nucci ( 5), este ato processual ―coloca frente a

frente depoentes e declarantes, confrontando-os, e comparando narrativas contraditórias ou

divergentes, no processo, visando à busca da verdade real.‖

No artigo 229 do CPP nos instrui que a acareação será realizada para solucionar

dúvidas pertinentes quando houver divergência entre as narrativas do acusado, testemunha e

ofendido. Serão feitas perguntas aos acareados sobre os pontos divergentes e depois o ato será

reduzido a termo.

―É importante ressaltar que só se justifica tal prova quando ocorrer divergência

sobre ponto relevante para a apuração da verdade real sobre o que estiver sendo apurado no

processo.‖ (DEMERCIAN; MALULY, 2014)

Nucci (2015) nos alerta que este meio de prova na maioria das vezes não é eficaz:

Acarear implica na ideia de afrontar ou enfrentar, significando embate entre opostos,

com a meta de triunfo do bem (verdade) sobre o mal (mentira). Certamente, não

passa de um ideal, pois, na prática, vê-se pouco resultado consistente no emprego da

acareação. O confronto entre pessoas cujos depoimentos, no processo, sobre o

mesmo fato, são divergentes, haveria de resultar em consenso, provocando a retratação de uma das partes acareadas, visto que a verdade não pode ter infinitas

versões.

O autor reforça que na maior parte das vezes, este meio de prova é de pouco valor

e que na prática, o acareado mantém suas posições original, não se preocupando que

eventualmente podem ser responsabilizados criminalmente por falso testemunho. (NUCCI,

2015)

Page 31: A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO DOS …

30

2.5.8 Da busca e apreensão

Este princípio tem como objetivo investigar, descobrir e pesquisar algo que seja

interessante ao processo penal, podendo assim apreender pessoas ou coisas consideradas

elementos probatórios. (NUCCI, 2015).

O autor ainda faz distinção da busca como meio de prova ou medida

assecuratória:

Conforme o caso, a busca pode significar um meio de prova, quando se vincule à

autorização conferida pelo juiz para a realização de uma diligência ou uma perícia

em determinado domicílio. Pode simbolizar um meio assecuratório, quando se ligar

ao ato preliminar de apreensão de produto de crime, razão pela qual se destina à devolução à vítima. (NUCCI, 2015)

Se bem que a legislação interprete a busca e apreensão como meio de prova pode-

se também considerar como ―uma medida assecuratória e coercitiva que visa a evitar o

perecimento de alguma prova e sua apresentação à autoridade para a elucidação da infração

penal‖. (DEMERCIAN; MALULY, 2014).

2.5.9 Indícios

Para Pacelli (2017), o indício que é citado no artigo 239 do CPP não chega ser

devidamente um meio de prova. Vale-se da utilização de um raciocínio dedutivo, que,

baseado na valoração da prova de um fato chegará até a veracidade da existência de outro

fato. Em outras palavras:

Com efeito, pelo indício, afirma-se a existência do conhecimento de uma circunstância do fato delituoso, por meio de um processo dedutivo cujo objeto é a

prova da existência de outro fato. Parte-se, então, para um juízo de lógica dedutiva

para a valoração de circunstâncias que estejam relacionadas com o fato em apuração.

(PACELLI, 2017)

Não obstante, Nucci (2015) explana que ―O indício é um fato secundário,

conhecido e provado, que, tendo relação com o fato principal, autorize, por raciocínio

indutivo-dedutivo, a conclusão da existência de outro fato secundário ou outra circunstância.‖

Távora e Assump o (2012, p. 98) nos explica sobre o uso da presunção na

análise dos fatos delitivos, fazendo-se valer pelo silogismo:

Já a presun o é o conhecimento daquilo que normalmente acontece, a ordem

normal das coisas, que, uma vez positivada em lei, estabelece como verídico

determinado acontecimento. Assim, fazendo silogismo, temos: (i) premissa menor: é

o indício, ou seja, a circunst ncia conhecida e provada; (ii) premissa maior: é o

princípio de raz o ou regra de experiência, utilizados na análise daquilo que

normalmente acontece (presun o); (iii) conclus o: compara o entre as premissas,

Page 32: A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO DOS …

31

que nos permite chegar ao resultado, ao denominador. Imaginemos o suspeito que é

encontrado, minutos depois do ocorrido, ao lado da vítima, com a arma na m o.

Colocando-nos como verdadeiro expectador, percebe-se que a circunst ncia

conhecida e provada é o fato de o indivíduo ter sido encontrado na cena do crime,

com a arma em punho (este é o indício – premissa menor). Ora, quem é

surpreendido nesta situa o, por uma premissa lógica, provavelmente é o autor do

crime (esta é a presun o – premissa maior).

Em suma, averiguando os fatos exemplificados acima, chegaremos a conclusão

que o resultado foi apanhado a partir da verificação das premissas.

Chegamos ao fim deste capítulo e iniciaremos o próximo estudando as formas de

apreensão de conhecimento, frisando suas conceituações, teorias e correntes.

Page 33: A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO DOS …

32

3 FORMAS DE APREENSÃO DO CONHECIMENTO

Depois de analisarmos as considerações sobre a prova penal, elencaremos neste

capítulo formas de apreender conhecimento: imaginação, pensamento, percepção linguagem e

a mais importante para nosso trabalho, a memória. Importante se faz a explicação desta forma

de apreender conhecimento pois é a mais pertinente e corriqueira na produção dos elementos

probatórios do sistema penal brasileiro. Por este motivo vejamos primeiramente as

considerações sobre o Conhecimento.

Conforme séculos, diversas teorias surgiram no sentido de explicar como funciona

a relação sujeito-objeto da compreensão humana. Tendo sempre em mente que somos a

espécie que mais evolui dentre todas já catalogadas, uma das várias características que marca

o nosso processo de desenvolvimento, uma nos faz marcante: Somos natural e extintivamente

questionadores de tudo. O conhecimento nos move.

Muitas das indagações do passado, ainda são pertinentes. Quem somos? Para onde

vamos? Para que existimos? Entre vários questionamentos já realizados pelo homem ao longo

da história, um abordaremos nesse capítulo: Podemos conhecer tudo?

Reale, (1999, p. 29-30) também se questiona: ―Que é que se conhece? Como se

conhece? Até que ponto o conhecimento do real é válido e certo? Quais as atitudes de nosso

espírito diante daquilo que é conhecido? Eis aí uma série de perguntas que se põem quanto ao

problema do conhecimento‖.

Nos ltimos séculos de nossa história, a busca do ― onhecer‖ vêem sendo

buscada incessantemente. Reale (2002), discorre:

A necessidade de procurar explicar o mundo dando-lhe um sentido e descobrindo-

lhe as leis ocultas é tão antiga como o próprio Homem, que tem recorrido para isso

quer ao auxílio da magia, do mito e da religião, quer, mais recentemente, à contribuição da ciência e da tecnologia. Mas é sobretudo nos últimos séculos da

nossa História, que se tem dado a importância crescente aos domínios do

conhecimento e da ciência. (apud SANTOS, [20--?])

Nas primeiras teorias usou-se o sobrenatural, isto é, o divino, mito, religião para

darmos as respostas convincentes às nossas indagações. Atualmente ciência e tecnologia

desbravam em horizontes longínquos para encontrar respostas.

Vejamos a explicação de Conhecer dada por Reale:

Conhecer é trazer para nossa consciência algo que supomos ou pré-supomos fora de

nós. O conhecimento é uma conquista, uma apreensão espiritual de algo. Conhecer é

abranger algo tornando-nos senhores de um ou de alguns de seus aspectos. Toda vez

que falamos em conhecimento, envolvemos dois termos: — o sujeito que conhece, e

algo de que se tem ou de que se quer ter ciência. Algo, enquanto passível de

Page 34: A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO DOS …

33

conhecimento, chama-se objeto, que é assim, o resultado possível de nossa atividade

cognoscitiva. (1999, p. 53)

Nesta senda, o sujeito terá formas de adquirir o objeto, ou seja, o conhecimento.

Vejamos a primeira forma de apreender conhecimento.

3.1 IMAGINAÇÃO

A imaginação, para Chauí (2000, p. 131), tem dois surgimentos: de um lado,

criação inteligente e inovadora, que consiste em acreditar e fazer aparecer algo que não existe.

De outro lado temos a característica de exagero, mentira e invencionice, que é incapaz de

reproduzir o que existe ou o que acontece.

Até porque se compreende que o imaginário não é um simples conjunto de imagens

que vagueia livremente na memória e na imaginação. Ele é uma rede de imagens na

qual o sentido é dado na relação entre elas; as imagens organizam-se de acordo com

certa lógica, certa estruturação, de modo que a configuração mítica do nosso

imaginário depende da forma como se arrumam nele nossas fantasias (GOMES, 2010, apud THROUP; GOMES, 2012, p. 47-48)

Na mesma linha, Eliade, (1991), afirma:

Ter imaginação é gozar de uma riqueza interior, de um fluxo ininterrupto e

espontâneo de imagens. Porém, espontaneidade não quer dizer invenção arbitrária. Etmologicamente, imaginação está ligada a ímago, representação, imitação, imitar,

reproduzir. Excepcionalmente, a etimologia responde tanto às realidades

psicológicas como à verdade espiritual. A imaginação imita modelos exemplares, as

imagens, reproduzindo-os, reatualizando-os, repetindo-os infinitamente. Ter

imaginação é ver o mundo na sua totalidade, pois as imagens têm o poder e a missão

de mostrar tudo o que permanece refratário ao conceito. (apud THROUP; GOMES,

2012, p. 46)

Imaginar e perceber são simultâneos, contudo os dois têm funções diferentes.

Quando visualizo a fotografia de uma pessoa amada percebo sua fisionomia, ou seja, as

características faciais e corporais. Ao mesmo tempo imagino a doçura do olhar, o sorriso

lindo, isto é, características pessoais idealizadas pelo indivíduo que vê a fotografia.

3.2 PENSAMENTO

Pesquisando em dicionários os significados de ―pensar‖ e ―pensamento‖,

depararemos com diversos sentidos. Chauí (2000, p.152)

A autora, na mesma linha de pensamento, resume bem os significados:

Pensar, dizem os dicionários, significa: 1. aplicar a atividade do espírito aos

elementos fornecidos pelo conhecimento; formar e combinar idéias [sic]; julgar,

refletir, raciocinar, especular; 2. exercer a inteligência; meditar, ver; 3. exercer o

espírito ou a atividade consciente de uma maneira global: sentir, querer, refletir; 4.

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ter uma opinião, uma convicção; 5. supor, presumir, crer, admitir, suspeitar, achar;

6. esperar, tencionar; 7. preocupar-se; 8. avaliar; 9. cismar.

Pensamento, de acordo com os dicionários, significa: 1. o ato de refletir, meditar ou

pensar, ou o processo mental que se concentra em idéias [sic]; 2. a atividade de

conhecimento ou tendo por objeto o conhecimento; 3. consciência, mente, espírito,

entendimento, intelecto, razão; 4. poder de formular idéias [sic] e conceitos; 5.

faculdade de pensar logicamente, raciocínio, ponto de vista, formulação de um juízo;

6. aquilo que é pensado ou o resultado do ato de pensar: idéia [sic], ponto de vista,

opinião, juízo; 7. fantasia, sonho, devaneio, lembrança, recordação, cuidado,

preocupação, expectativa; 8. conjunto das idéias [sic] ou doutrina de um pensador,

de uma sociedade, de um grupo, de uma coletividade. (p. 152)

A mesma autora ainda lembra sobre a origem das palavras pensamento e pensar.

Vêm do verbo latino ―pendere‖, que significa: ficar em suspenso, estar ou ficar pendente ou

pendurado, suspender, pesar, pagar, examinar, avaliar, ponderar, compensar, recompensar e

equilibrar. (CHAUÍ, 2000, p. 153)

Chauí pondera sobre o objetivo do pensamento:

Pensar, portanto, é suspender o julgamento (até formar uma idéia [sic] ou opinião),

pesar (comparar idéias [sic], opiniões, pontos de vista), avaliar (julgar o valor de uma idéia [sic] ou opinião, ou seja, se é verdadeira ou falsa, justa ou injusta,

adequada ou inadequada), examinar (idéias [sic], opiniões, juízos, pontos de vista),

ponderar (isto é, pesar idéias [sic] e pontos de vista para escolher um deles),

equilibrar (encontrar o meio-termo entre extremos ou entre opostos). (2000, p. 153)

A mesma autora ainda define: ―Pensare, derivando-se de pendere, caracteriza-se

mais como uma atividade sobre idéias [sic], opiniões, juízos e pontos de vista já existentes do

que como criação ou produção de uma idéia [sic] ou ponto de vista‖. (2000, p. 153), ou seja,

pensar não ato de criar e sim atividade de refletir com as informações já adquiridas.

3.3 PERCEPÇÃO

À luz de Chauí (2000, p. 122), a percepção contém as seguintes características:

[...] é sempre uma experiência dotada de significação, isto é, o percebido é dotado de sentido e tem sentido em nossa história de vida, fazendo parte de nosso mundo e de

nossas vivências;

[...] o próprio mundo exterior não é uma coleção ou uma soma de coisas isoladas,

mas está organizado em formas e estruturas complexas dotadas de sentido. Uma

paisagem, por exemplo, não é uma soma de coisas que estão apenas próximas umas

das outras, mas é a percepção de coisas que formam um todo complexo e com

sentido [...]

Para exemplificar, tomemos a imagem de uma paisagem onde podemos identificar

rio, montanha, árvores, pedras, céu, etc. O tamanho da montanha será percebido porque há o

céu, árvores e um rio para fazermos o contraste. As cores da montanha será percebido, pois

observamos as cores do rio, do céu e vegetação, etc.

Page 36: A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO DOS …

35

Depois de percebemos todos os detalhes julgaremos esta paisagem, como mero

espectador, um espetáculo de contemplação. Para a percepção de um pintor, uma maravilhosa

imagem para imprimi-la em sua tela de pintura. Para a percepção de um viajante, muitos

obstáculos a serem desbravados. ―Em resumo: na percepção, o mundo possui forma e sentido

e ambos são inseparáveis do sujeito da percepção;‖ (CHAUÍ, 2000, p. 122)

Chauí continua explicando o significado de percepção: (2000, p. 123)

A percepção envolve toda nossa personalidade, nossa história pessoal, nossa

afetividade, nossos desejos e paixões, isto é, a percepção é uma maneira

fundamental de os seres humanos estarem no mundo. Percebemos as coisas e os

outros de modo positivo ou negativo, percebemos as coisas como instrumentos ou como valores, reagimos positiva ou negativamente a cores, odores, sabores, texturas,

distâncias, tamanhos. O mundo é percebido qualitativamente, efetivamente e

valorativamente.

Ou seja, percebendo outro indivíduo, por exemplo, verificamos sua fisionomia e

intrinsecamente a julgamos agradável ou desagradável, sedutora ou repelente, serena ou

agitada, bela ou feia, sadia ou doentia, assim definiremos um modo de relacionamento com

ela.

Para Merleau-Ponty (1999 apud LIMA, 2012 p. 34), ―[...] é a percepção, como ato

inaugural, e não o sujeito da consciência representativa que nos abre o sentido dos dados

percebidos‖, isto é, não há uma ideia de realidade já estabelecida, a priori, na consciência do

indivíduo, é a percepção que abrirá o primeiro juízo de valor do objeto percebido, conforme

experiências já adquiridas pelo sujeito observador.

3.4 LINGUAGEM

Definir linguagem é uma problemática que há muito tempo estudiosos tentam

defini-la. Sausurre (2004) exprime:

O signo linguístico une não uma coisa a uma palavra, mas um conceito a uma

imagem acústica. O conceito reflete o que o objeto é em si, em termos gerais e

universais; suas propriedades e características o diferem de outros objetos. Os signos

são instrumentos de comunicação e representação dos objetos e da realidade. Assim,

a comunicação humana passa por esse processo de associação de ideias. Esse

processo é intrínseco à característica da língua, e a língua é uma regra livremente

consentida e adotada por uma coletividade. (apud LOPES; CUSTÓDIO, 2015, p.

218)

Ou seja, traduzimos objetos e ideias de nosso mundo interior e exterior com o

auxílio verbal (acústico) e/ou através dos signos ou sinais.

Com a ajuda de Chauí (2000, p. 141) podemos definir linguagem como um

sistema de sinais com função indicativa, comunicativa, expressiva e conotativa.

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36

Na mesma linha de raciocínio a autora subdivide os significados de linguagem:

1. a linguagem é um sistema, isto é, uma totalidade estruturada, com princípios e leis

próprios, sistema esse que pode ser conhecido; 2. a linguagem é um sistema de sinais ou de signos, isto é, os elementos que formam

a totalidade linguística são um tipo especial de objetos, os signos, ou objetos que

indicam outros, designam outros ou representam outros. Por exemplo, a fumaça é

um signo ou sinal de fogo, a cicatriz é signo ou sinal de uma ferida, manchas na pele

de um determinado formato, tamanho e cor são signos de sarampo ou de catapora,

etc. No caso da linguagem, os signos são palavras e os componentes das palavras

(sons ou letras);

3. a linguagem indica coisas, isto é, os signos linguísticos (as palavras) possuem

uma função indicativa ou denotativa, pois como que apontam para as coisas que

significam;

4. a linguagem tem uma função comunicativa, isto é, por meio das palavras entramos em relação com os outros, dialogamos, argumentamos, persuadimos,

relatamos, discutimos, amamos e odiamos, ensinamos e aprendemos, etc.;

5. a linguagem exprime pensamentos, sentimentos e valores, isto é, possui uma

função de conhecimento e de expressão, sendo neste caso conotativa, ou seja, uma

mesma palavra pode exprimir sentidos ou significados diferentes, dependendo do

sujeito que a emprega, do sujeito que a ouve e lê, das condições ou circunstâncias

em que foi empregada ou do contexto em que é usada. Assim, por exemplo, a

palavra água, se for usada por um professor numa aula de química, conotará o

elemento químico que corresponde à fórmula H2O; se for empregada por um poeta,

pode conotar rios, chuvas, lágrimas, mar, líquido, pureza, etc.; se for empregada por

uma criança que chora pode estar indicando uma carência ou necessidade como a

sede.

Assim afirma Hjelmslev (1975 apud DALGALARRONDO, 2008, p. 233) sobre

linguagem: "instrumento graças ao qual o homem modela seu pensamento, seus sentimentos,

suas emoções, seus esforços, sua vontade e seus atos, o instrumento graças ao qual ele

influencia e é influenciado, a base mais profunda da sociedade humana", ou seja, o homem se

torna social e cívico pelo fato de dominar a linguagem.

3.5 MEMÓRIA

Segundo Crook e Adderly (2001, p. 23): ―A memória pode ser definida a partir de

três perspectivas distintas: pela dura o; pelo conte do; e pelo processo de sua forma o.‖

Os mesmos autores dividem a memória de duração em quatro tipos: Memória

Imediata: a de curto prazo. Alguém cita-lhe um número de telefone, depois de discá-lo sua

memória esquece-o. Memória para fatos recentes é além do curto prazo. Registra-se na mente

por um período maior por ter uma importância mais relevante, porém esta tem uma função

temporária, ou seja, a informa o é ―apagada‖ da mente dentre minutos ou algumas horas.

Memórias de fatos antigos: caracteriza-se por estar em um ―banco de dados‖ com status de

―permanente‖. (CROOK; ADDERLY, 2001, p. 24-25)

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37

Porém este permanente pode ser esquecido pelo fator tempo, por isto usamos entre

aspas por ser difícil de apagar. Memória remota é aquela que pode ser considerada

inesquecível, que acompanha o indivíduo por toda vida. Memória de infância, seu próprio

nome, data de aniversário, etc. importante frisar que todos os tipos de memórias citados estão

sujeitos a declínio conforme idade e características biológicas de cada indivíduo.

No que tange ao conteúdo, dividem-se em: Eventos e fatos, Conhecimento e

Memória Processual. O primeiro, eventos e fatos, ele explica que: ―é a capacidade de lembrar

peda os isolados de informa o‖, isto é, eventos traumáticos, experiências alegres da vida,

casamentos, enterros, etc. (CROOK; ADDERLY, 2001, p. 28-29)

onhecimento: ―Assim, o conhecimento é de fato uma síntese de um conjunto

incomensuravelmente grande de fatos, sua soma se fundindo no amálgama da memória, que

nos dá a capacidade de discernir, julgar e, esperemos, até sabedoria.‖; e a memória processual

é a mais básica dentre todas as memórias. Nossa existência é baseada nesta, ou seja, os

movimentos de caminhar, dirigir, escrever não serão esquecidos até o final da vida do

indivíduo. (CROOK; ADDERLY, 2001, p. 29-30)

A última divisão da memória, diz respeito a sua forma o. ―Prestar a aten o‖ é a

primeira subdivis o. ―É o esfor o consciente para prestar aten o‖, ou seja, se n o decoramos

no nome de alguém que nos é apresentado é porque não focamos nesta apresentação, caso

contrário, lembraríamos posteriormente do nome desta pessoa. Seletividade é outra

característica da formação de memória. (CROOK; ADDERLY, 2001, p. 31)

A capacidade de selecionar o que realmente nos interessa, isto é, prestar atenção

nas coisas que achamos úteis e dignas de serem relembradas. A terceira subdivisão é

Lembranças e esquecimentos adaptativos. Tem teor de seletividade, mas é de caráter

inconsciente. Eventos traumáticos são esquecidos ou distorcidos inconscientemente enquanto

momentos eufóricos e de alegria são relembrados com mais prazer. Última subdivisão diz

respeito a Lembran as incorretas: ―As memórias n o s o registros exatos de uma

experiência‖. (CROOK; ADDERLY, 2001, p. 31-34)

De certo modo, usamos nosso conhecimento do mundo e experiências

semelhantes para preencher informações incompletas ou faltantes em nossa memória. Fazer

um exercício de relembrança de alguma experiência vivida faz com que o sistema nervoso

busque preencher as ―falhas‖ (lacunas) dos detalhes deste fato, isto é, a mente n o

reconstituirá absolutamente todo o fato que se tenta lembrar. (CROOK; ADDERLY, 2001, p.

31-34)

Chauí discorre sobre as lembranças:

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38

[...] podem ser trazidas ao presente tanto espontaneamente, quanto por um trabalho

deliberado de nossa consciência. Lembramos espontaneamente quando, por

exemplo, diante de uma situação presente nos vem à lembrança alguma situação

passada. Recordamos quando fazemos o esforço para lembrar. (2000, p. 130).

Ou seja, é através da memória que temos a capacidade de lembrar e recordar dos

fatos, ideias e/ou conhecimentos adquiridos ao longo da nossa vida.

Entretanto, até que ponto a memória é confiável? ―Qu o confiável é a memória

humana? Você julgaria possível que a memória sobre alguns fatos relevantes da sua história

seja falsa?‖ (STEIN et al., 2010, p. 19). Diante desta incógnita entraremos no instituto das

FM‘s.

3.5.1 As falsas memórias (FM’ )

Em 1881, um rapaz chamado Louis, de 34 anos, morador de Paris, despertou a

atenção de médicos, em razão de que estava lembrando de fatos que nunca haviam

acontecido. Theodule Ribot, psicólogo francês, intitulou este caso de FM‘s. A partir daí

surgiram as primeiras pesquisas sobre episódios de FM‘s. (STEIN et al., 2010, p. 22-23).

Ainda na França, em 1900 e na Alemanha, em 1910, Alfred Binet e Stem,

respectivamente, foram os precursores nos estudos acerca das FM‘s onde procederam

pesquisas sobre sugestionabilidade da memória. As pesquisas foram mais específicas em

crianças, onde conseguiram distinguir eventos espontâneos de origem interna e eventos

sugeridos de origem externa. (STEIN et al., 2010, p. 23)

Loftus, Miller e Burns (1978) frisa a importância dos estudos de Alfred Binet:

Uma das importantes contribui ões deste pesquisador foi categorizar a sugest o na

memória em dois tipos: autossugerida (isto é, aquela que é fruto dos processos

internos do indivíduo) e deliberadamente sugerida (isto é, aquela que provém do ambiente). As distor ões mnem nicas advindas desses dois processos foram

posteriormente denominadas de FM espont neas e sugeridas (apud STEIN et al.,

2010, p. 23)

A pesquisa feita em adultos partiu de arlett em 93 , na Inglaterra. ― artlett

demonstrou que a memória é influenciada pelas perspectivas individuais e culturais, sendo um

processo de compreens o e entendimento pessoais‖ (STEIN et al., 2010, p. 23-24).

Entretanto, foi por volta de 1970 que uma especialista chamada Elizabeth Loftus,

expôs ao mundo o que é, e como ocorrem as FM‘s. Loftus desenvolveu uma técnica intitulada

de ―Procedimento de Sugest o de Falsa Informa o‖. aseava-se em introduzir à uma

experiência vivenciada ou não uma informação não verdadeira. A pessoa acreditava

verdadeiramente ter passado por esta falsa informa o. ―[...] a partir da influência de um

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39

agente externo, a pessoa passa a recordar fatos que na verdade não foram vivenciados por ela,

ou que foram, mas a partir dessa indução alheia, o ocorrido se destorce.‖ (GESU, 2014, p.

127-128).

[...] a memória das pessoas não é somente a soma de tudo aquilo que fizeram, mas

talvez algo mais: as memórias são também a soma daquilo que as pessoas pensaram,

de tudo o que lhes foi dito, e de todas as suas crenças. Aquilo que somos pode ser

enquadrado nas nossas memórias, mas as nossas memórias estão dependentes

daquilo que somos e de tudo o que somos levados a acreditar. (LOFTUS, 2006 apud

IRIGONHÊ, 2014, p. 34)

―Nossa memória é suscetível distor o mediante sugestões de informa ões

posteriores aos eventos. Além disso, outras pessoas, suas percepções e interpretações podem

influenciar a forma como recordamos dos fatos‖ (STEIN et al., 2010, p. 26).

Aprofundando neste cenário, devemos frisar que há diferenças entre mentiras e

FM‘s. A mentira consiste em manipular e inventar os fatos que narra, ou seja, o sujeito sabe

que o que está relatando é inventado propositalmente. Nas FM‘s―[...] a pessoa acredita

veemente e de boa fé que o que lhe foi sugestionado realmente aconteceu, independe do

querer do sujeito[...]‖ (LOPES JÚNIOR, 2013, apud MORGENSTERN; SOVERAL,

[2014?])

Também explica Stein (et al., 2010, p. 22) a distin o entre mentira e FM‘s:

abe ressaltar que as FM n o s o mentiras ou fantasias das pessoas, elas s o

semelhantes s MV (Mentiras Verdadeiras), tanto no que tange a sua base cognitiva

quanto neurofisiológica. No entanto, diferenciam-se das verdadeiras, pelo fato de as

FM serem compostas no todo ou em parte por lembran as de informa ões ou

eventos que n o ocorreram na realidade. As FM s o frutos do funcionamento

normal, n o patológico, de nossa memória.

Quando a sugestão da falsa informação decorre do meio externo (exógeno) ao

indivíduo, denomina-se FM sugerida. Após o evento ter ocorrido, o sujeito acata uma falsa

informação externa e incorpora junto à memória original (LOFTUS, 2004 apud STEIN, 2010,

p. 26). A implantação da informação falsa pode ter ou n o o objetivo de gerar FM‘s de forma

proposital.

Na mesma linha, Brainerd e Reyna (2005) seguem o raciocínio:

Esse fen meno, denominado efeito da sugest o de falsa informa o, pode ocorrer

tanto de forma acidental quanto de forma deliberada. Nas FM sugeridas, após

presenciar um evento, transcorre-se um período de tempo no qual uma nova

informa o é apresentada como fazendo parte do evento original, quando na

realidade n o faz. [...] O efeito da falsa informa o tende a produzir uma redu o

das lembran as verdadeiras e um aumento das FM. (apud STEIN et al., 2010, p. 26)

A introdução da FM acontece quando a sugestão for depois do evento lembrado e

o sujeito n o tem ciência desta inten o de sugest o. ―Não se trata, portanto, de uma

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40

simulação, mas de algo em que a pessoa passa verdadeiramente a acreditar, uma lembrança de

algo que não ocorreu.‖ (MASI, 2015)

Em se tratando de influência interna (endógena), temos a FM autossugerida ou

espontânea. As falsas informações são alteradas internamente no indivíduo, sem nenhuma

influência externa. (STEIN et al., 2010, p. 25) A memória sofre distorções no seu próprio

funcionamento, isto é, ― ela pode decorrer de uma simples confus o mental, de uma distor o

de um fato inicialmente verdadeiro [...] meros erros da própria memória [...]‖ (MASI, 2015)

Vejamos no próximo tópico as Teorias relacionadas às FM‘s. Existem quatro

teorias que esclarecem a ocorrência e mecanismos das FM‘s: Teoria onstrutivista, Teoria

dos Esquemas, Teoria do Monitoramento e a Teoria do Traço Difuso.

3.5.1.1 Teoria construtivista

A teoria construtivista e dos esquemas estão no mesmo parâmetro do Paradigma

Construtivista, que compreende a memória ―como um sistema nico que vai sendo construído

a partir da interpreta o que as pessoas fazem dos eventos.‖ (STEIN et al.; 2010, p. 27).

Stein (et al., 2010) nos explica que para a Teoria Construtivista:

[...] as novas informações são unidas as informações mais antigas que a pessoa já

tem arquivada em memória, e por essa ‗integra o de memórias‘ o resultado muitas

vezes é a distorção, tanto dos fatos passados quanto dos fatos atuais, levando o

individuo a ter uma falsa memória. (apud MORGENSTERN; SOVERAL, [2014?],

p. 13)

A memória está sujeita às mudanças e será produzida ao longo da vida com base

na interpretação que o indivíduo fará sobre os eventos que presenciará. ―Assim, o que resulta

do processo de reconstrução é o significado que foi atribuído pela pessoa à experiência, e não

a experiência propriamente dita‖. (GESU, 2014 apud IRIGONHÊ, 2014, p. 47)

Assim, entende-se que, o que o sujeito recorda é produto da compreensão e

entendimento que colheu do fato que presenciou e que depois reorganizou de maneira

estruturada em sua memória. (STEIN et al., 2010, p. 27)

3.5.1.2 Teoria dos esquemas

Semelhante a Teoria Construtivista, a Teoria dos Esquemas sustenta, segundo

Stein (et al., 2010, p. 28-29):

[...] que a memória é criada a partir de esquemas mentais, os quais, por sua vez, são

como informações pré-existentes na mente e que quando uma nova informação entra

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41

ela é direcionada a um esquema que a defina, fazendo com que haja a compreensão

e o entendimento da situação vivenciada.

Com o redirecionamento errado das informações novas à memória surgem as

FM‘s sugeridas e espont neas, isto é, ―quando uma informação nova chega à memória ela é

interpretada segundo os esquemas que já est o fixados nela.‖ (STEIN et al., 2010 apud

MORGENSTERN; SOVERAL, [2014?], p. 14). Depois desta interpretação, a informação que

recém chegou irá ser inserida ao esquema que condiz à sua categoria. É dessa maneira que

acontece o ―erro‖, gerando assim as FM‘s. (STEIN et al., 2010, p. 29)

3.5.1.3 Teoria do monitoramento da fonte

Esta teoria tem como intuito diferenciar a fonte da memória verdadeira e outras

fontes, podendo ser interna e externa. As fontes internas referem-se, por exemplo, a

sentimentos, emoções, pensamentos próprios da memória do sujeito. As externas podem ser

relacionados aos fatos vivenciados pelo indivíduo. (STEIN et al., 2010, p. 31).

Irigonhê ( 4, p. 48) também dispõe que, ―Por sua vez, a Teoria do

Monitoramento da Fonte, explica que ‗a fonte de uma informação refere-se ao local, pessoa

ou situação de onde ela provém.‖

Desta forma ―uma vez que, por um descuido apenas, a pessoa deixa de monitorar

a fonte, informações novas se confundem com outras já vividas, ou até mesmo com

sentimentos, pensamentos, ocasionando assim, as falsas memórias‖ (STEIN et al., 2010, p.

31).

3.5.1.4 Teoria do traço difuso (TTD)

Nesta teoria trabalha-se com o conceito de que a memória não é constituída por

apenas um traço e sim múltiplos, tendo assim a divisão de dois sistemas da memória: literal e

de essência: ―A memória literal tem a fun o de armazenar detalhes específicos e superficiais

sobre algum acontecimento, já a memória de essência registra a compreensão do que

significou algum evento (GESU, 2014, p. 140).

Portanto, ―para a TTD a memória n o é um sistema unitário e sim composta por

dois sistemas, nos quais o armazenamento e a recuperação das duas memórias são

dissociados.‖ (STEIN et al., 2010, p. 34).

Page 43: A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO DOS …

42

Discorremos neste capítulo as formas de apreender conhecimento. A mais

pertinente é a memória. Percebemos que a memória sofre influências interna e externa,

gerando as FM‘s. Entraremos no próximo capítulo no que tange a explanação das influências

que as FM‘s proporcionam ao apreciarmos as provas no processo penal.

Page 44: A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO DOS …

43

4 A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO DOS

ELEMENTOS PROBATÓRIOS NO PROCESSO PENAL

Dentro do processo penal, no que tange o recolhimento probatório, percebemos a

necessidade de analisarmos as FM‘s, mais especificamente nas provas testemunhais,

interrogatório do acusado, perguntas ao ofendido e reconhecimento de pessoas e coisas. São

nestas modalidades de provas que inúmeras complexidades afetarão a memória em xeque a

busca da verdade real no processo penal.

Recapitulando o posicionamento de Ferrajoli (2008 apud RIBEIRO 2006, p. 19)

sobre o ideal inalcançável de busca da verdade real:

A impossibilidade de formular um critério seguro de verdade das teses judiciais

depende do fato de que a verdade ‗certa‘, ‗objetiva‘ ou ‗absoluta‘ representa sempre

a ―express o de um ideal‖ inalcançável. A idéia [sic] contrária de que se pode

conseguir e asseverar uma verdade objetiva ou absolutamente certa é, na realidade,

uma ingenuidade epistemológica.

Na mesma linha de raciocínio, Machado (2014, p. 461) disserta sobre o tema:

[...] n o há como reconstituir no processo um fato criminoso que já n o existe mais,

que pertence ao passado e que, portanto, n o se constitui mais numa realidade. Logo,

só será possível representá-lo na memória, no plano mental e na imagina o dos

sujeitos processuais. E essa representa o, como toda representa o, é sempre

suscetível de subjetivismos, além do que os meios de prova s o também suscetíveis

de falhas, distor ões, manipula ões etc.

Percebemos as complexidades envolvidas no decorrer do processo penal e que se

tornam ainda mais evidentes quando compreendemos que, na prática forense brasileira, existe

uma dependência da prova cujo conteúdo é fundamentalmente a memória. Estas possíveis

distorções da memória no recolhimento probatório podem acarretar condenações injustas,

acarretando efeitos desastrosos ao condenado.

Ávila (2016) lembra que não possuímos no nosso país uma estatística do número

de quantas pessoas foram condenadas baseadas nas FM‘s. Porém, existe um projeto nos EUA

baseado nisto. Vejamos alguns dados:

Nos EUA existe uma Organização não governamental chamada The Innocence

Project que analisou uma série de casos ocorridos fundamentalmente na década de

70 e se fez uma comparação do material genético daquela pessoa que está

cumprindo pena hoje com material genético que existia na década de 70 mas em

função de ainda não termos o avanço da técnica de DNA não se conseguir analisar por exemplo, aquele fio de cabelo que estava na cena do crime. E o Innocence

Project chegou a resultados bastante importantes. Essas ações são chamados nos

EUA de ações de Exoneração e nesse caso do Innocence Project que são utilizadas

fundamentalmente as baseadas no DNA. Alguns dos resultados do Innocence

Project chegou a conclusão que em média as pessoas exoneradas pelo Innocence

Project passavam 13 anos na prisão antes de serem libertadas. Em 70% dos casos a

pessoa exonerada era um membro de um grupo de minoria racial. Os erros de

identificação das testemunhas oculares contribuem em mais de 75% dos casos de

Page 45: A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO DOS …

44

prisão indevida nos EUA. Esses dados não podem ser ignorados, eles precisam ser

aplicados, apesar das realidades serem diferentes, eles precisam ser estudados e

levados a sério não só nos EUA mas também no Brasil. (ÁVILA, 2016)

―No rasil n o temos, ainda, nenhuma iniciativa semelhante ao [The Innocence

Project], portanto é difícil dizer com certeza o número de pessoas cujas condenações

criminais restaram equivocadas por erros originários da memória.‖ (CARVALHO; AVILA,

2015, p. 557)

Entretanto, Chaves (2017) nos recorda sobre um trabalho financiado pelo IPEA,

encomendado pelo Ministério da Justiça:

[...] feito em 2014 e publicado em 2015. Foram entrevistadas 87 pessoas, entre policiais militares e civis, defensores públicos e privados, promotores de justiça e

juízes, nas cinco regiões brasileiras na primeira instância e em varas criminais. As

entrevistas mostraram, por exemplo, que o reconhecimento é tido como de ‗muita

import ncia‘ para 69,2% dos entrevistados. Já os testemunhos são considerados de

‗muita importância‘ para 90,3% dos ouvidos.

Esta pesquisa nos dá um parâmetro similar ao do projeto The Innocence Project e

percebemos a importância que os operadores jurídicas dão ao recolhimento de provas

baseados na memória dos entrevistados.

Há uma tendência predominante no sistema de investigação criminal no Brasil que

a memória humana é fotográfica, contudo, estudos de área psicológica, vem há muito tempo

discordar sobre esta afirmação e que há diversos fatores que influenciam a memória.

(CHAVES, 2017)

Assim, é de extrema importância estudarmos as FM‘s no Direito Penal.

Como se sabe, para condenar um acusado exige-se absoluta certeza. Na maioria

das vezes esta ―certeza‖ é baseada no depoimento de testemunhas, principalmente das

vítimas, nos crimes de esfera privada, ou seja, os elementos probatórios estão fundados na

memória dos entrevistados.

É corriqueiro na atividade forense, que uma vítima ou testemunha conceda uma

narrativa não verdadeira, baseada em uma recordação falsa. Desta maneira, percebemos o

comprometimento integral da confiabilidade do testemunho, que por consequência gera um

grande prejuízo ao imputado no processo. (GESU, 2014 apud PRECISAMOS... 2015)

Nesta mesma senda, Ávila (2013) esclarece a problemática das FM‘s no sistema

penal:

[...] certamente existem pessoas presas em decorrência de problemas de memória da

testemunha/vítima, pois são justamente estas as provas mais utilizadas em matéria

criminal. Como a memória e seu funcionamento segue sendo um mistério para as

ciências, temos mais um motivo para levarmos a sério a radical redução das

respostas penais. (apud PRECISAMOS... 2015)

Page 46: A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO DOS …

45

Irigonhê (2015) nos alerta sobre a gravidade da influência que as FM‘s têm na

etapa de reconhecimento de pessoas e na prova testemunhal no processo criminal: "[...] entre

a verdade fidedigna e a mentira deliberada, surge o tema das FM‘s enquanto espinha dorsal da

prova testemunhal e de toda a atividade probatória que dela derive, tal qual o reconhecimento

de pessoas.‖ (apud PRECISAMOS... 2015)

Por certo, que existem uma série de peculiaridades da memória humana que se

intensificam no momento de reconhecer algo ou alguém. A má condução dos meios de provas

durante o processo agrava as FM‘s, aumentando a incidência de reconhecimentos errôneos,

tornando estes casos preocupantes. (IRIGONHÊ, 2015 apud PRECISAMOS... 2015).

Seger e Lopes Junior ([2012?] p. 8), levantam a preocupação de estudar as FM‘s

no âmbito jurídico, mais especificamente quando utilização a memória humana para obtenção

de provas:

Os atuais questionamentos referentes à habilidade de crianças e adultos – sejam eles

depoentes como vítimas de abuso físico (ou sexual) ou como testemunhas oculares

de crimes e contravenções em geral – de relatar fidedignamente os fatos vividos têm

aberto as portas para o estudo científico das falsas memórias, que constituem,

resumidamente, um fenômeno cujo efeito é nos lembrarmos de eventos que, na

realidade, não ocorreram.

Reconhecemos que no processo penal necessitamos da memória dos entrevistados

para constituirmos provas, e se plausíveis, usarmos para condenações. Entretanto, com o

decorrer dos estudos e constatações de doutrinadores vemos que a memória humana sofre

inúmeras influências, e que neste mesmo raciocínio Loftus ( 996) nos afirma que ―[...] a ideia

mais assustadora é que aquilo em que nós acreditamos com todo nosso coração pode não ser

necessariamente a verdade‖. (apud STEIN et al., 2010, p. 21).

Elencaremos no próximo capítulo, os fatores geradores das FM‘s para melhor

entendermos sua influência no recolhimento das provas penais.

4.1 FATORES GERADORES DE FALSAS MEMÓRIAS

Ao analisarmos o estudo do depoimento testemunhal e suas consequências

percebemos uma grande ligação aos estudos referentes a memória. Ao questionarmos a

testemunha pedimos para ela reconstruir a história, voltar para trás para reaver os fatos que

ocorreram no passado para enfim, trazê-los para o processo, já dizia Carnelutti (1995 apud

HENRIQUES; POMPEU, 2014, p. 8).

A prova testemunhal é uma das provas mais usadas constantemente no processo

penal brasileiro. Mas deve se ter um cuidado redobrado para com sua avaliação. A maioria

Page 47: A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO DOS …

46

dos processos penais no nosso país são submetidos a ela. (OLIVEIRA, 2009 apud

HENRIQUES; POMPEU, 2014, p. 8).

A testemunha pode em seu depoimento transmitir credibilidade, já que acredita

fielmente e jura dizer a verdade baseando-se em sua memória. Diante disto ―deve-se analisar

detidamente o seu conteúdo e a sua incorporação aos autos do processo‖. (HENRIQUES;

POMPEU, 2014, p.8)

Não podemos descartar que além das provas testemunhais, há outras espécies de

provas penais que podem sofrer influência das FM‘s: interrogatório do acusado, perguntas ao

ofendido e reconhecimento de pessoas ou coisas. As testemunhas cabais de um crime sofrem

distorções em suas memórias, e isto desponta no momento de recolher suas versões nas

entrevistas processuais. Entretanto, não podemos deixar de lado as versões do acusado e das

vítimas, pois estas também poderão ser influenciadas interna ou externamente por FM‘s.

Todos os envolvidos processualmente colocarão em sua reconstrução mnemônica do fato

delituoso sua carga emocional e traumática, ou seja, cada indivíduo terá uma visão

subjetivista do fato que narrará.

Lopes Júnior e Gesu nos orienta que ―[...] que dentre os indivíduos que são mais

propícios à ocorrência das falsas memórias, estão aqueles que sofreram algum tipo trauma ou

alguma falha de memória.‖ ( 6, p. 64). Nesta mesma linha ymrot esclarece que ―certos

acontecimentos, fatos traumáticos [...], podem servir para comprovar uma fantasia do sujeito e

para que ele a torne poderosamente real e justifique suas a ões.‖ ( apud

MORGENSTERN; SOVERAL, [2014?], p. 17)

Pessoas com capacidade intelectual reduzida apresentam maior ocorrência das falsas

lembranças, devido à falta de confiança no seu próprio juízo de valor, enquanto que

as pessoas com necessidade de desejabilidade social apresentam as falsas memórias

devido às tendências de distorção de auto-relatos para uma direção favorável,

negando traços e comportamentos socialmente indesejáveis (GOUVEIA et al., 2009

apud HENRIQUES; POMPEU, 2014, p. 10)

Compreende-se então, que o indivíduo que comete um fato criminoso, poderá

justificá-lo argumentando que em sua infância ou até mesmo na vida adulta agiram desta

maneira para com ele. ontudo, ―quem sofreu, foi ofendido, torturado n o precisaria criar

mentiras, se desculpar, ser castigado; mas a vergonha, o sofrimento vivido contribui para as

alterações de suas histórias.‖, isto é, n o só o criminoso sofre altera o da memória, mas as

vítimas também sofrem esta alteração com efeito dos traumas sofridos. (CYMROT, 2010

apud MORGENSTERN; SOVERAL, [2014?], p. 17)

Page 48: A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO DOS …

47

É possível constatar que há uma gama de fatores de contaminação no decorrer do

processo probatório. E que todos os indivíduos envolvidos no processo poderão sofrer

distorções em sua memória. Conforme a abordagem feita no título 3.5.1 (As Falsas

Memórias), faremos a conexão deste estudo com os fatores internos e externos que

influenciam o processo de recolhimento das provas penais.

4.1.1 Fatores internos (endógenos)

Estes fatores surgem da forma autosugerida, ou seja, o surgimento da FM‘s será

intrínseca ao sujeito de forma que emoções, humor, subjetivismo, tempo,etc. influenciará na

recorda o da memória, corroborando com a manifesta o das FM‘s.

4.1.1.1 Emoções

A memória está sujeita a várias influências. Em que pese ressaltar que as

emoções, ansiedade e ânimo são fatores que produzem distorções na memória, ou seja, ocorre

o surgimento das FM‘s. (IZQUIERDO, 2011 apud LEMBERG, 2016, p. 46),

Stein afirma que recentes estudos sobre memórias e sua ligação com as emoções

apresentam que os eventos emocionais são mais lembrados pelos indivíduos. Porém, noutros

estudos, percebeu-se que quando envolve um elemento desagradável e por terem uma carga

emocional envolvida, aumenta-se o índice de FM‘s, como, por exemplo, o uso de arma. (et

al., 2010 apud LEMBERG, 2016, p. 46)

Trazendo para o procedimento penal, Pergher (et al., 2006) nos esclarece:

O depoimento se dá, muitas vezes, em virtude de crimes traumatizantes, que abalam

de alguma forma o estado emocional das testemunhas, o que poderia levantar a

questão da influência da emoção na recordação de um evento. [...]

A emoção é compreendida como possuindo um caráter de reatividade, geralmente

breve, intensa e circunscrita, relacionada a um evento ambiental específico.

‗Humor‘, por sua vez, é concebido como sendo uma característica mais estável e constante, tendendo a ser mais abrangente e não tão vinculado a circunstâncias

específicas [...] (apud HENRIQUES; POMPEU, 2014, p. 9)

O autor nos lembra que os impactos da emoção sobre a memória devem ser

analisados na rela o em que ―o aumento dos níveis de estresse melhoraria a memória até

certo patamar e, passando deste ponto, os efeitos prejudiciais se intensificariam, provocando

uma piora nas lembranças, possivelmente relacionada à sua fragmentação.‖, ou seja, a

intensidade da emoção em decorrência do fato é que determinará uma facilidade de

recorda o ou o surgimento de FM‘s. (apud HENRIQUES; POMPEU, 2014, p. 9)

Page 49: A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO DOS …

48

Os estudos apresentados pelos autores apontam ―que a memória pode depender do

humor e que há um aumento da probabilidade do indivíduo recordar fatos que foram

aprendidos em um estado particular de humor quando ele se encontra novamente nesse

estado.‖, isto é, se o indivíduo se depara com um crime, num momento de um funeral, ele

estará, de humor triste ou depressivo, e futuramente lembrará deste acontecimento mais

facilmente quando novamente estiver de humor triste ou depressivo. (apud HENRIQUES;

POMPEU, 2014, p. 9)

Nessa perspectiva, para Gesu ( 4), ―o delito certamente gera uma emoção e o

que se pode perceber é que as testemunhas têm uma tendência a armazenar mais a emoção do

que os detalhes que seriam interessantes ao processo, uma situação bastante prejudicial ao

testemunho‖. (apud LEMBERG, 2016, p. 46).

Corroborando com isto, Kaplan (2015) elucida:

[...] as pessoas pensam e recontam eventos emocionais mais frequentemente do que

eventos neutros, assim cada um destes processos (pensar e recontar) melhora a

memória para a informação emocional. Além disso, confirma que o envolvimento

emocional prejudica a memória aumentando a suscetibilidade às falsas memórias.

(apud LEMBERG, 2016, p. 46).

A emoção facilita a recordação dos fatos, porém esta carga emocional sobrepõe-se

sobre os detalhes mais atinentes ao fato, ou seja, recorda-se de modo geral os principais

momentos em que a emoção floresceu, contudo surge as lacunas onde os mínimos detalhes a

memória não armazena e que podem ser estes o que resolveriam ou ajudariam a resolver um

caso delituoso.

Assim, as memórias verdadeiras dos eventos emocionais estressantes são mais

lembradas do que as memórias dos eventos neutros, mas, ainda nesses casos, as

falsas memórias também podem ocorrer, principalmente nas situações de estímulo

negativo, como um assalto ou algo que cause sofrimento. Haveria, então, um

aumento de falsas memórias para conteúdos emocionais negativos e uma diminuição

da memória verdadeira para os seus detalhes periféricos. (HENRIQUES; POMPEU,

2014, p. 10)

Os indivíduos tendem a relembrar com riqueza de detalhes dos acontecimentos

logo após sua ocorrência, contudo vão se apagando com o decorrer do tempo, onde

permanecerão na memória somente os momentos dramáticos. (IZQUIERDO, 2011 apud

LEMBERG, 2016, p. 46).

Vejamos o exemplo dado por Lopes Junior (2015 apud VALLE, 2016, p. 55) de

um processo de Embargos Infringentes no 70016395915:

[...] o réu foi acusado pelo delito de estupro, sendo que após a realização de exame

de conjunção carnal, constatou-se a virgindade da ofendida, direcionando-se para a

existência do delito de atentado violento ao pudor. A suposta ofendida vivia num

Page 50: A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO DOS …

49

ambiente de promiscuidade, pois sua mãe se dedicava à prostituição, advindo assim

os estímulos que contribuíram para a falsa memória, sendo que em juízo a menor

descreveu que a ‗cobra‘ colocada pelo réu em sua vagina, tinha aproximadamente

1,20cm, era cinza com preto e branco, tinha olhos, mas não tinha boca, tinha pés,

parecia uma lagartixa e que em seguida o réu cortou a cobra em pedacinhos e

preparou um risoto para ela comer. Por oportuno, o tribunal concluiu pela

inveracidade da imputação, numa demonstração clara da existência de falsa memória

infantil.

A ofendida convivia num ambiente não favorável, pois sua mãe se dedicava a

prostitui o. A menina ―armazenou‖ em sua memória exemplos que sua m e praticava. O

ambiente de promiscuidade pode ter sido de grande influência na memória da menor que ao

relatar o possível delito, o estupro, percebe-se muita fantasia e imaginação.

Forte indício que suas emoções tenham influenciado a sua imaginação e quando

buscou a recordação dos fatos narrou com detalhes na sua entrevista processual. Porém sua

narrativa foi de forma fantasiosa, demonstrando-se claramente o surgimento e consequências

das FM‘s.

Atentemos à exemplificação de outro caso explanado por Stein (et al., 2010, p.

22):

hamado para fazer uma corrida, um taxista foi vítima de um assalto, no qual sofreu

ferimentos, e foi levado ao hospital. O investigador do caso mostrou ao taxista, que

ainda estava em fase de recupera o, duas fotografias de suspeitos. O taxista n o

reconheceu os homens apresentados nas fotos como sendo algum dos assaltantes.

Passados alguns dias, quando foi delegacia para realizar o reconhecimento dos

suspeitos, ele identificou dois deles como sendo os autores do assalto. Os homens

identificados positivamente eram aqueles mesmos das fotos mostradas no hospital. Os suspeitos foram presos e acusados pelo assalto. Ao ser questionado em juízo

sobre seu grau de certeza de que os acusados eram mesmo os assaltantes, o taxista

declarou: ‗eu tenho mais certeza que foram eles, do que meus filhos s o meus

filhos!‘. Todavia, alguns meses depois, dois rapazes foram presos por assalto em

uma cidade vizinha, quando interrogados, confessaram diversos delitos, incluindo o

assalto ao taxista.

No caso deste taxista, deparemo-nos com uma das espécies das provas penais

chamada de reconhecimento de pessoas ou coisas. O taxista recebeu duas fotos de dois

supostos suspeitos. Em primeira mão não os reconheceu, contudo dias depois afirmou

categoricamente em juízo serem os dois suspeitos que lhe foram apresentados por fotos os

assaltantes.

Há possibilidade de que o taxista tenha se deixado levar pela emoção. A sede de

―justi a‖ (na maioria dos casos se traduz em ―vingan a‖) de encontrar um responsável pelo

assalto e ferimentos que lhe cometeram acabou acusando os sujeitos baseando-se em sua

memória.

Ainda na fase de recuperação, com um trauma psicológico ocorrido pelo assalto,

ainda não tinha recordação de quem foram os sujeitos do assalto. Ao mostrar-lhe as fotos,

Page 51: A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO DOS …

50

pode-se interpretar que a memória do taxista buscou encontrar os verdadeiros culpados,

inserindo a fisionomia dos suspeitos apresentados nas fotos em sua memória, preenchendo-se

assim a lacuna que faltava: a identifica o dos ―criminosos‖.

Gesu (2014) apresenta-nos uma Apelação Crime nº 70017367020 do caso de um

suposto estupro:

Nessa Apelação, os eméritos julgadores mantiveram a absolvição do réu, ora

padrinho da suposta vítima, pelo crime de atentado violento ao pudor. As acusações tiveram início em certa noite em que a menina, na época com 8 anos, assistia com a

sua mãe ao programa televisivo Globo Repórter, no qual passava reportagens sobre

abusos sexuais contra crianças. A suposta vítima ficou impressionada, em

específico, com a passagem de uma das reportagens que contava sobre um pai que

engravidou a filha e vivia normalmente com ela na mesma residência. A partir daí,

extremamente nervosa e chorando diz para a mãe que não queria engravidar, ao

mesmo passo em que esta pergunta se alguém a tocou, ao que a filha responde que

sim, acusando seu padrinho de tê-la beijado e feito carícias quando ia à sua casa. A

menina antes de depor em juízo, contou o fato a uma delegada em sua casa, a uma

psicóloga, aos policiais na Delegacia de Polícia. Ressalta-se que houve intervalos

significativos de tempo entre um relato e outro. Enfim, em juízo, ficou claro que toda essa situação não passou de um mal entendido e fantasias do psicológico da

própria menina, uma vez que, em depoimento, alegou que na creche que

frequentava, ela e as colegas já haviam insinuado comportamentos sexuais, bem

como em sua própria casa, já havia visto seu pai nu e por diversas vezes, como

confirmado pela mãe, beijado – por carinho – o irmão na boca. Restou comprovado

que o padrinho raras vezes esteve em casa quando a menina a frequentava e que

geralmente a madrinha a convidava para ir lá justamente quando o suposto agressor

estava viajando. (apud MORGENSTERN; SOVERAL, [2014?], p. 20)

A menina ao assistir uma reportagem em que se tratava de abuso sexual se

espantou com o caso que foi apresentado. Ficou extremamente nervosa e impressionada, ou

seja, uma elucidação de forte emoção, porém de cunho negativo. O maior problema que pode

ter induzido as FM‘s vítima foi quando a m e pergunta para filha se alguém havia a tocado,

ou seja, tentado estuprá-la. Esta abordagem foi feita erroneamente, pois a menina estava em

estado de choque.

A mãe deveria esperar sua filha se acalmar e fazer perguntas abertas e não

indutivas, isto é, não sugerir a ideia de estupro num momento em que o sistema psicológico

da vítima estava abalado. Vemos neste caso, forte possibilidade de que por falta de

experiência em lidar com a situação e querendo descobrir o motivo de sua filha ter se abalado

tanto com o caso televisivo, a mãe tenha sugerido uma ideia de estupro e influenciado as

FM‘s de sua filha.

Para Norman (1973 apud LEMBERG, 2016, p. 46) ―O cérebro, então, atua de

forma seletiva, codificando só o que lhe parece mais importante ou o que se encaixa mais

facilmente s memórias já existentes‖ e Altavilla (2003) ―[...] que o ato de narrar é fazer uma

interpretação de maneira que, ao passar pelo prisma da personalidade, se deforma um

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51

acontecimento. (apud LEMBERG, 2016, p. 46). As provas penais que estão baseadas na

memória não estão escapes do subjetivismo do entrevistado, em outras palavras, as vítimas e

testemunhas irão incluir em suas narrativas suas emoções, experiências de vida, personalidade

em busca de relembrar e reconstituir o fato litigado em juízo.

4.1.1.2 Tempo

Um dos fatores que mais influenciam as FM‘s no processo penal brasileiro. O

espaço-tempo entre o delito e o recolhimento da narrativa das vítimas e testemunhas pode ser

de meses até anos. Assim afirma Stein e Nygaard:

[...] os avanços das pesquisas em Psicologia Experimental Cognitiva, na última

década, possibilitaram a confirmação cientifica e, hoje em dia, inquestionável, de

que o transcurso do tempo pode transformar as lembranças. Essas recordações sobre

eventos vividos podem ser distorcidas internamente ou por sugestões externas

(intencionais ou acidentais).

[...] duração do intervalo de tempo entre o fato delituoso e as declarações das vítimas

e das testemunhas é diretamente proporcional à possibilidade de haver

esquecimentos e/ou influências externas na memória do depoente. (2003 apud

SEGER; LOPES JUNIOR, [2012?], p. 10)

A memória das testemunhas e vítimas sofrem grandes sequelas ocasionadas pelo

tempo, ou seja, ―a correspondência entre o que a testemunha viu, a imagem que registrou na

consciência e o que v o relatar ao juiz sofrem forte influência do tempo‖. (CARVALHO;

AVILA, 2015, p. 557)

O cérebro n o funciona como uma ―gaveta‖ onde conseguimos buscar nela a

memória que desejamos relembrar tal como ela realmente aconteceu. A memória tem um

funcionamento bastante complexo. ― om efeito, o transcurso do tempo é fundamental ao

esquecimento, pois além de os detalhes dos acontecimentos desvanecerem-se no tempo [...] a

cada evoca o da lembran a, esta acaba sendo modificada‖. (GESU; GIACOMOLLI, 2008,

p. 4346)

No seu artigo 5º, LXXVIII, a Constituição Federal garante razoável duração do

processo, ou seja, o processo não pode ser demasiadamente rápido, porém não pode ter

protelações indevidas.

Em que pese este assunto, Lopes Junior e adaró ( 6) afirmam que ―[...]

embora o processo não seja um instrumento apto a fornecer uma resposta imediata àqueles

que dele se valem, isto não pode levar ao extremo oposto de permitir que tal resposta seja

dada a qualquer tempo.‖ Isto é, o órg o julgador n o terá tempo ilimitado para proporcionar

uma resposta aos litigantes do processo. (apud GESU; GIACOMOLLI, 2008, p. 4346)

Page 53: A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO DOS …

52

4.1.1.3 Subjetivismo do magistrado

Espera-se do magistrado sua imparcialidade na apreciação, condução e sentença

no processo. Porém, o julgador não é meramente reprodutor de textos das leis. Vale lembra

que ―imparcialidade n o é sin nimo de neutralidade‖. (SEGER; LOPES JUNIOR, [ 2?], p.

14)

A neutralidade pode ser considerada utópica, pois o julgador não conseguirá se

desvencilhar de seus sentimentos, experiências e vivências pessoais. ―Seria utópico pensar a

prolação de decisões judiciais dissociadas de valores sociais, de paradigmas históricos,

filosóficos e psicológicos‖, já dizia Gesu e Giacomolli (2008, p. 4349).

[...] os fatos nunca são observados diretamente pelo juiz, que tem deles um conhecimento indireto, através dos depoimentos das testemunhas, da análise dos

documentos, das opiniões dos peritos, etc. [...] o juiz, ao analisar um depoimento,

deixa-se influir, inconscientemente, por fatores emocionais de simpatia, de antipatia,

que se projetam sobre as testemunhas, os advogados e as partes. As experiências

anteriores do julgador também podem acarretar reações inconscientes favoráveis ou

desfavoráveis a respeito de mulheres ruivas ou morenas, de homens com barba, de

italianos, ingleses, padres, médicos, de filiados a determinado partido político, por

exemplo [...] (PRADO apud SEGER; LOPES JUNIOR, [2012?], p. 14)

O julgador proferirá uma sentença de cunho imparcial, por causo do fato de não

ser parte no processo. Não significa que não sendo parte proferirá sentença neutra, pelo

contrário, o magistrado colocará inconscientemente seu subjetivismo sobre o processo, ou

seja, uma senten a ―aquela projetada sobre o processo que diz das vivências pessoais do juiz,

seus gostos e desgostos, suas paixões, seu eu, seu modo de ser no mundo, pois o sentido da

compreensão não acontece sem a sobreposição sobre o objeto a ser analisado [...]‖. (GESU;

GIACOMOLLI, 2008, p. 4349)

Para Seger e Lopes Junior, entende-se que ―se deve abandonar por completo a

ideia de ‗juiz infalível‘ e reconhecer o aspecto humano do julgador, sem olvidar do princípio

limitador da discricionariedade do magistrado, qual seja o princípio do livre convencimento

motivado ou da persuasão racional. ([2012?], p. 15)

Deste modo, nota-se que o julgador carrega dentro de si preconceitos e

subjetivismos de modo inconsciente ou involuntário e que ―podem afetar a memória ou a

atenção do juiz de tal maneira que, invariavelmente, influenciarão sobre a credibilidade das

testemunhas ou das partes no processo judicial‖ (SEGER; LOPES JUNIOR, [ ?], p. 15)

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53

4.1.2 Fatores externos (exógenos)

Estes fatores surgem da forma sugerida, ou seja, o surgimento da FM‘s será

extrínseca ao sujeito. O que influenciará na recorda o da memória e induzirá as FM‘s nos

indivíduos será a apelação da mídia, o modo de como os entrevistadores judiciais conduzirão

os depoimentos e interrogatórios e pessoas que possam, de alguma forma, sugerir FM‘s s

testemunhas ou vítimas. Explicaremos detalhadamente cada uma delas.

4.1.2.1 Mídia

No que pese os telejornais, grande parte de sua programação televisiva se

preocupam com conteúdo criminal. Muitas vezes acompanham por semanas todas as etapas

processuais de um caso, podendo, por exemplo, ser operações da Polícia Federal ou

investigações da Polícia Civil. (GESU; GIACOMOLLI, 2008, p. 4346)

Seger e Lopes Junior ([2012?], p. ) destaca a liga o das FM‘s com a influência

da mídia:

Já no que se refere à influência da mídia na formação das falsas memórias, deve-se destacar que o cenário veiculado pelos meios de comunicação acerca de determinado

fato delituoso pode, indubitavelmente, confundir a testemunha, fazendo-a emaranhar

aquilo que percebeu no momento do delito com o que leu, viu ou ouviu sobre o

evento posteriormente.

A mídia tende a induzir a população da forma que repassa de forma parcial

trechos dos processos, ou seja, não se tem todo o conhecimento acerca do realmente acontece

dentro do processo, gerando assim um alto grau de contaminação. O contexto demonstrado

pela mídia pode embaralhar a testemunha sobre aquilo que realmente percebeu no momento

do delito, com o que posteriormente ouviu ou o que leu sobre o fato delituoso. (GESU;

GIACOMOLLI, 2008, p. 4349)

Nos lembra Carnelutti (1995) que, devemos ainda, considerar a testemunha como

um ser humano, diferente de um documento, onde sua narrativa e depoimento estarão

carregados de juízo de valor e subjetivismo:

[...] um homem com seu corpo e com sua alma, com seus interesses e com suas

tentações, com suas lembranças e com seus esquecimentos, com sua ignorância e

com sua cultura, com sua coragem e com seu medo. Um homem que o processo

coloca numa posição incômoda e perigosa, submetido a uma espécie de requisição

para a utilidade pública, afastando de seus afazeres e sua paz, pesquisado,

espremido, inquirido, suspeitado. (apud GESU; GIACOMOLLI, 2008, p. 4349)

Page 55: A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO DOS …

54

Nessa perspectiva, a mente humana, mais especificamente a memória, não

consegue se desatar das experiências vividas, razão e emoção. Não obstante lembra que não

há estudos psicológicos acerca do tema, mas não podemos negar que os impactos da mídia e

da imprensa influenciam, de alguma maneira, a colheita dos atos investigativos, ―quer seja

sugestionando elementos em relação ao crime, quer seja insuflando preconceitos de classe e

de raça, o que terminou por execrar publicamente inocentes através dos meios de

comunicação. (SEGER; LOPES JUNIOR, [2012?], p. 12)

Os mesmos autores nos recordam do conhecido caso, identificado como um

―crime de imprensa‖ pelo jornalista arlos Dorneles ( 7), ― ar odega‖:

[...] o caso trata-se de um crime de latrocínio, ocorrido no Bar Bodega (São Paulo/SP), que resultou na morte de dois jovens locais de classe média alta. Pouco

tempo depois, a polícia, sob intensa pressão jornalística e em plena eleição para a

Prefeitura local, anunciou a prisão de dois supostos autores do delito: adolescentes

pobres, negros, barbaramente torturados para confessar crime que, depois se saberia,

não haviam cometido. O promotor Eduardo Araújo da Silva, chamado

posteriormente para acompanhar o caso, encontrou uma série de irregularidades no

procedimento do inquérito policial, e, em uma análise de indícios que já não admite

qualquer dúvida, requereu o relaxamento da prisão temporária, face à manifesta

insuficiência de provas e inocência dos acusados. (SEGER; LOPES JUNIOR,

[2012?], p. 12)

Este caso é uma exemplificação de que a mídia exerceu influência direta no caso.

Uma busca inconsequente e desenfreada pelos esclarecimentos dos fatos além das fortes

veiculações tendenciosas das notícias que contaminaram o recolhimento da prova penal do

fato delituoso. (SEGER; LOPES JUNIOR, [2012?], p. 12)

Ainda, para exemplificar a influência da mídia no processo penal, analisemos a

Apelação Criminal n° 10024043490044001:

[...] Segundo a exordial acusatória, no dia 09 de maio de 2003, por volta das

15h10min, as vítimas Geraldo Flávio Batista, Jacqueline Furtado de Oliveira e João

Raimundo dos Santos encontravam-se no interior do estabelecimento comercial da

Tripominas Comércio de Trigos e Salgados Ltda., sociedade empresária integrada

pelos dois primeiros e para a qual o último trabalha, situado na Avenida Nossa

Senhora de Fátima, nº. 1.787, loja B, Bairro Carlos Prates, nesta Capital, quando o

apelante e o seu comparsa Jonathas Benedito Simplício chegaram ao local, em uma motocicleta.

Consta que Jonathas Benedito Simplício, que portava uma arma de fogo, obrigou os

ofendidos a deitarem-se no chão e, ato contínuo, subtraiu os 02 (dois) celulares, da

marca Nokia; o telefone, da marca Vesper; os 03 (três) relógios de pulso; os R$

7.400,00 (sete mil e quatrocentos reais) em pecúnia; e os diversos cheques que

encontrou no local. Como se não bastasse, o mencionado indivíduo agrediu a vítima

Jacqueline Furtado de Oliveira com um chute antes de deixar o local dos fatos, com

o seu assecla, na mencionada motocicleta.

Os ofendidos anotaram a placa do veículo utilizado por Glaysson Alves de Oliveira

e seu cúmplice, mas tal sinal identificador fora clonado de outro veículo. Em

setembro do mesmo ano, a Polícia Militar logrou êxito em localizar o apelante e Jonathas Benedito Simplício.

Page 56: A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO DOS …

55

‗In casu‘, o conjunto probatório não conduz à certeza de que Glaysson Alves de

Oliveira subtraiu, mediante violência e grave ameaça, os objetos descritos na

denúncia. Por isso, pedindo vênia ao ilustre Juiz de primeiro grau, vou reformar a

respeitável decisão guerreada.

Ora, o apelante negou veementemente, nas duas oportunidades em que foi ouvido, a

prática do fato narrado na denúncia. Disse que adquiriu a moto utilizada para

praticar o crime apenas um dia antes da sua prisão e que nada sabia acerca do

ocorrido.

Na época dos fatos, as vítimas Jaqueline Furtado de Oliveira e Geraldo Flávio

Batista da Cruz disseram que não sabiam descrever bem os seus algozes, pois ambos

usaram capacetes durante a prática do delito (fls. 10 e 11). Cerca de 04 (quatro) meses depois, após verem, pela imprensa, que o apelante, que prestara serviços para

eles meses antes, fora preso com a moto utilizada na empreitada delituosa, os

ofendidos disseram, todavia, que reconheciam Glaysson Alves de Oliveira como um

dos autores do crime sob análise.

‗Permissa venia‘, a insegurança inicial das vítimas, aliada ao fato de a prisão do

apelante ter sido amplamente noticiada (fl. 12), torna plausível a tese de que

Jaqueline Furtado de Oliveira e Geraldo Flávio Batista da Cruz, inconscientemente,

aliaram a informação divulgada pela mídia, de que Glaysson Alves de Oliveira foi

encontrado com o veículo utilizado no cometimento do crime, ao que efetivamente

viram no dia dos fatos, tendo, por isso, e só por isso, certeza de que ele praticou o

delito sob análise. Não se está afirmando que os mencionados indivíduos agiram de má-fé, mesmo

porque não há qualquer indício de que eles têm algum interesse na condenação do

apelante. É possível, todavia, que as suas declarações estejam comprometidas por

uma ‗falsa memória‘. [...] (MINAS GERAIS, 2013)

Neste suposto crime de roubo, os ofendidos na época do fato não reconheceram os

supostos criminosos pelo motivo de que no momento do crime estes usavam capacetes. Cerca

de quatro meses após o delito, as vítimas viram pela imprensa ―que o apelante, que prestara

serviços para eles meses antes, fora preso com a moto utilizada na empreitada delituosa‖ e

consequentemente reconheceram-o este como sendo o responsável pelo fato delituoso.

Percebemos que as vítimas com o intuito de encontrar os responsáveis pelo fato

criminoso que lhe cometeram, foram influenciados pela notícia disseminada pela imprensa de

sua localidade e que num forte indício de FM‘s ―reconheceram‖ o criminoso.

Carnelutti (1995 apud GESU; GIACOMOLLI, 2008, p. 4346) nos lembra deste

velho problema. O fato delituoso não terá importância somente para as partes do processo e o

Estado. Por tornar-se uma forma de divertimento é considerada assim do interesse de todos.

Teremos o risco de contaminações das provas e sugestionamentos conforme aumentam

gradativamente os comentários e notícias sobre os fatos criminosos.

Uma das formas de reduzir o grau de contaminação nos casos de grande

repercussão midiática é a prova ser desenvolvida num prazo razoável no processo, ou seja,

quanto mais o tempo passa, maior contaminação terá.

Desta forma, para Gesu e Giacomolli, ―a exatid o da recorda o pode ser

gravemente afetada pela influência de fatos sabidos posteriormente através da televisão e dos

jornais, sem falar nos comentários de familiares e vizinhos. (2008, p. 4349)

Page 57: A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO DOS …

56

4.1.2.2 Viés do entrevistador

A coerência da narrativa do relato da testemunha ou da vítima muitas vezes será

decisivo conforme o viés do entrevistador. A maneira que o entrevistador formula sua

entrevista, não raro pode estar ligada ao seu interesse em receber respostas que deseja

alcançar. (SEGER; LOPES JUNIOR, [2012?], p.13)

Como esclarece Gesu (2014):

[...] há uma tendência, por parte daquele que interroga o imputado e colhe

declarações das vítimas e das testemunhas, se houver, em explorar unicamente a

hipótese acusatória, induzindo os questionamentos. E, na maioria das vezes, diante

da ausência de demais elementos probatórios o magistrado profere a sentença com base unicamente na palavra do (a) ofendido (a). Com isso, não sequer desacreditar

essa prova, mas demonstrar que, dependendo do contexto, ela não é suficiente a

derrubar a presunção de inocência. (apud PRECISAMOS... 2015)

Um dos maiores perigos, segundo Carnelutti (1995) é querermos julgar o que a

outra pessoa compreendeu, sentiu ou quis fazer segundo nossa maneira de querer, sentir ou

compreender. O autor continua explicando que as técnicas penais de entrevista às testemunhas

s o preocupantes. ―A testemunha é espremida, inquirida e suspeitada‖, isto é, coloca-se a

testemunha em situação desconfortável para a inquirição de perguntas. (apud HENRIQUES;

POMPEU, 2014, p. 11)

Observemos o que Henriques e Pompeu dizem sobre as inquirições:

A metodologia, a linguagem, a repetição e a reelaboração das perguntas, além de

servirem como pretexto para se descobrir a ‗verdade real‘, podem interferir no teor

dos relatos da testemunha ao intensificar a memória não do fato testemunhado, mas

da narrativa do fato contido nas perguntas do próprio entrevistador. (2014, p. 11)

Os mesmo autores acreditam que por despreparo o entrevistador pode

acidentalmente enviesar suas perguntas e eventualmente gerar FM‘s. N o obstante, de forma

intencional, o entrevistador busca em sua entrevista confirmar suas hipóteses, pois acredita ter

um papel punitivo em consequência do sentimento de impunidade e violência que a sociedade

vive atualmente. (2014, p. 11)

Como exemplificação para esta problemática, vejamos uma das mais tendenciosas

e geradoras de FM‘s nas inquiri ões judiciais: os depoimentos infantis.

Para Seger e Lopes Junior, no que diz respeito aos depoimentos infantis, o seu

testemunho pode ser perigosamente manchado conforme a maneira pela qual a criança é

interrogada. Na infância somos mais propícios à sugestão externa e portanto é nesta fase da

vida que as crian as est o mais suscetíveis gera o de FM‘s, ([ 2?], p.13)

Page 58: A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO DOS …

57

Stein e Nygaard (2003) discorre sobre os estudos de Binet acerca da

sugestionabilidade da memória infantil:

[...] Os estudos pioneiros sobre a sugestionabilidade da memória de crianças do

francês Alfred Binet (1900) levaram-no a concluir que as crianças respondem com

falta de acuidade porque elas esquecem a informação originalmente experimentada.

Ainda, as crianças podem se sentir pressionadas a dizer alguma coisa para responder

à pergunta feita pelo entrevistador. Ele também estudou os efeitos da conformidade das crianças ao grupo. Assim, num grupo de crianças, a tendência é que a resposta

dada pelas primeiras a serem questionadas, geralmente, é repetida pelas últimas

crianças. (SEGER; LOPES JUNIOR, [2012?], p. 13)

Há de se destacar que a criança tem um desejo de corresponder as perspectivas

dos adultos, que no caso do processo judicial, se atém ao entrevistador. Ao ser questionado

sobre determinado assunto, raramente a crian a responde ―n o saber‖, muito menos reconhece

n o compreender a proposta da pergunta. Percebemos uma ―clara tentativa de coopera o e

correspondência às expectativas do entrevistador, o que torna carecedor de muito cuidado o

depoimento infantil, pois, caso contrário, corre-se o risco de que a interpretação do

interrogador se torne a própria memória da crian a.‖ (SEGER; LOPES JUNIOR, [ ?], p.

13-14)

Vimos então que, o depoimento infantil como meio de prova judicial se torna

perigoso e frágil, suscetíveis aos erros de condenação, merecendo um cuidado redobrado

quanto a sua apreciação no procedimento processual. Não obstante, melhorar a entrevista

judicial, para que n o seja tendenciosa e influenciadora de FM‘s.

4.2 A MINIMIZAÇÃO DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO DOS

ELEMENTOS PROBATÓRIOS NO PROCESSO PENAL

Depois de analisarmos especificamente os fatores que influenciam as FM‘s

buscaremos uma maneira de minimizá-las. Como envolve uma compreensão no que tange a

memória dos indivíduos, dificilmente conseguiremos afirmar com precisão se determinados

casos foram maculados por FM‘s. Porém de forma preventiva podemos aperfei oar a

inquirição de perguntas nos procedimentos processuais.

Para Henriques e Pompeu, um dos principais aspectos geradores de FM‘s no

recolhimento das provas penais é o viés do entrevistador, que buscam de múltiplas maneiras

influenciar a resposta do entrevistado através de suas perguntas.

[...] o tipo da pergunta influencia demasiadamente na resposta do entrevistado. Exemplificando: as perguntas abertas possibilitam mais informa ões (‗O que você

viu no mercado naquele dia?‘); as fechadas limitam a resposta (‗Era de madrugada

quando o fato ocorreu?‘); as múltiplas confundem, estressam e tolhem as respostas

Page 59: A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO DOS …

58

(‗Você viu o rosto do acusado?‘-‗ om quem ele parece?‘-‗Ele estava com uma arma

na m o?‘); as tendenciosas conduzem o entrevistado a responder conforme a

orienta o do entrevistador (‗Se o acusado era preso foragido no dia do crime, então

poderia ser ele o autor?‘); as confirmatórias/inquisitivas podem confirmar o que o

entrevistador pensa sobre o assunto (A testemunha fala que o acusado parece com o

seu cunhado e o entrevistador pergunta: ‗Então você me disse que seu cunhado

estava na cena do crime, n o é mesmo?‘). (2014, p. 12)

Nestes exemplos citados vimos que nas entrevistas as perguntas elaboradas pelos

operadores jurídicos s o tendenciosas. Há uma espécie de ―batalha‖ de quem quer incriminar

e defender o(s) acusado(s) ou (des) favorecer a vítima do fato delituoso.

Os entrevistadores elaboram perguntas conforme suas convicções para conquistar

respostas que venham afirmar estas convicções. Diante disso os depoimentos que foram

maculados com FM‘s sugeridas s o os que o magistrado apreciará e decidir o o destino do

acusado. (STEIN et al., 2010 apud HENRIQUES; POMPEU, 2014, p. 12)

O ato de prestar depoimento, para Stein (2010), não é algo corriqueiro para a

grande parte das pessoas. Os entrevistados ao serem inquiridos carregam uma demanda de

emoções e por esta razão, usar técnicas inapropriadas no recolhimento de informações pode

prejudicar na qualidade do depoimento. Apesar que, raramente os entrevistados recordarão

com exatidão de detalhes o que realmente é importante ao processo. (apud HENRIQUES;

POMPEU, 2014, p. 12)

Regularmente no sistema penal brasileiro adota-se a denominada ―entrevista

standar‖, divididas em dois momentos: narrativa e interrogativa. Na fase narrativa corre-se o

risco de respostas induzidas por parte das perguntas dos entrevistadores, pois ela caracteriza-

se por formulação de perguntas abertas, como por exemplo, ―o que aconteceu?‖.

Já na fase interrogativa também teremos perguntas abertas, mas há a inclusão das

fechadas e identificadoras, que são exatamente nestas que há grande probabilidade das

memórias serem contaminadas, tendo em conta que ―quanto mais se restringe a pergunta,

maior a probabilidade de sugestão, e, portando, de indu o da reposta.‖ (SEGER; LOPES

JUNIOR, [2012?], p. 16)

Como forma de sugestão para a diminuição dos erros das entrevistas cometidas

pelos atores judiciais veremos a abordagem da autora Stein (et al., 2010) no que tange a

Entrevista Cognitiva (EC).

Esta forma de entrevista é uma das técnicas mais pesquisadas mundialmente.

Originalmente criada em 984 por Ronald Fischer e Edward Geiselman ―a pedido de policiais

e operadores do Direito norte-americano, para maximizar a quantidade e a precis o das

Page 60: A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO DOS …

59

informa ões colhidas de testemunhas ou vítimas de crimes. (MEMON, 1999 apud STEIN, et

al., 2010, p. 210).

Os autores apontam as 10 principais falhas mais comuns cometidas nas entrevistas

forenses:

. n o explicar o propósito da entrevista

. n o explicar as regras básicas da sistemática da entrevista

3. n o estabelecer rapport

4. n o solicitar o relato livre

5. basear-se em perguntas fechadas e não fazer perguntas abertas

6. fazer perguntas sugestivas confirmatórias

7. n o acompanhar o que a testemunha recém disse

8. n o permitir pausas

9. interromper a testemunha quando ela está falando

. n o fazer o fechamento da entrevista (STEIN, et al., 2010, p. 210)

A EC vem com sua principal finalidade angariar melhores informações, riqueza

de detalhes e precisão na narrativa, baseando-se nos conhecimentos científicos da Psicologia

Social e Cognitiva. Ao conhecermos cientificamente o funcionamento da memória chegamos

a conclus o que n o só os entrevistadores, mas nós mesmos ―somos suscetíveis a distorcer

nossas lembran as‖ (STEIN, et al., , p. )

Contudo, Memon, Vrij e Bull (1998 apud STEIN, et al., 2010, p. 212) reforça que

EC não tem a mesma eficácia com os suspeitos. Para a inquirição de perguntas exigem-se

técnicas mais específicas focada nestes indivíduos. ―Via de regra, ao se entrevistar um

suspeito, este tende a ser pouco colaborativo, o que prejudica o uso das técnicas da E .‖

(MEMON, 1999 apud STEIN, et al., 2010, p. 212)

O procedimento da E é baseado em 5 etapas: ―rapport‖, recriação do contexto

original, relato livre da testemunha, questionamento e fechamento. Tem como principais

características as perguntas de cunho não sugestiva, menor número de encontros possíveis

para n o haver repeti ões e assim evitar a ocorrência das FM‘s. (STEIN et al., 2010 apud

HENRIQUES; POMPEU, 2014, p. 12-13)

A primeira etapa, o rapport, inicia-se com o início do depoimento. O entrevistador

constrói um ambiente favorável e acolhedor para que estabeleça uma relação de empatia com

a testemunha. Estabelecer este vínculo facilitará na narrativa do entrevistado que

provavelmente vivenciou uma situação incomum, podendo ser de teor traumático, ou dolorosa

e terá que relatar minuciosamente o evento à uma pessoa que lhe é estranha, neste caso o

entrevistador. (STEIN et al., 2010, p. 212-213)

Page 61: A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO DOS …

60

Fischer e Geiselman (1992) lembra que quando uma testemunha está apreensiva e

interage com o entrevistador que demonstre acolhimento, segurança e tranquilidade tende a

agir da mesma forma. (apud STEIN et al., 2010, p. 215)

Stein aconselha principiar o rapport com:

[...] um agradecimento autêntico pela participa o da testemunha, o que transmite,

desde os primeiros momentos, a mensagem de que sua presen a é importante. Além

do agradecimento, o entrevistador deve iniciar com perguntas sobre alguns assuntos

neutros, sem rela o direta ou indireta com o evento em quest o. (et al., 2010, p.

214)

O entrevistador tem a função de explicitar de modo direto ao entrevistado o

objetivo daquele momento e o papel que cada um cumprirá. (FISHER; SCHREIBER, 2006

apud STEIN et al., 2010, p. 215)

Na segunda etapa temos a recriação do contexto original. A memória armazena

as informações conforme o contexto em que foram apreendidas. Para recuperar estas

informações que estão armazenadas na memória convém reconstituir o contexto original para

obter pistas e assim auxiliar a recordação do maior número de informações do evento que o

entrevistado presenciou. (FISHER; GEISELMAN, 1992, apud STEIN et al., 2010, p. 216-

217)

Para Stein, cabe ao entrevistador orientar explicitamente o entrevistado para que

consiga recriar o contexto original do evento, podendo utilizar de quaisquer sentidos

possíveis, ou seja, auditivos, olfativos, táteis, visuais ou gustativos. Desta maneira aumentam-

se as chances de serem fornecidas pistas relevantes à memória. (et al., 2010, p. 217)

A autora exemplifica uma orientação na abordagem da recriação do contexto

original:

Neste momento eu gostaria de te ajudar a lembrar tudo o que conseguir sobre (referir o evento em quest o). Você pode fechar os olhos, se preferir. Tente voltar

mentalmente ao exato momento em que aconteceu essa situa o. [pausa] Você n o

precisa me dizer nada ainda, apenas procure observar o local ao seu redor [pausa]. O

que você consegue ver? [pausa] Que coisas você consegue escutar? [pausa] Que

coisas passam pela sua cabeça? [pausa] Como você está se sentindo? [pausa] omo

está o clima nesse momento? [pausa] Tem algum cheiro que você consiga sentir?

[pausa] Quando você achar que estiver pronto, pode contar tudo que conseguir se

lembrar sobre o que aconteceu, do jeito que achar melhor. (p. 217)

Na mesma linha de raciocínio, Stein lembra que se por ventura o entrevistador

fornecer as instruções rapidamente e sem pausas, o entrevistado, provavelmente, não

detalhará pistas suficientes e assim não alcançará a reconstituição da situação em foco,

restando infrutífera a técnica aplicada. (et al., 2010, p. 217)

Page 62: A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO DOS …

61

Após esta etapa temos o relato livre da testemunha, onde o indivíduo é

requisitado a contar da sua maneira, de forma livre e sem interrupções o que puder relembrar

de informações acessando sua memória. Durante o relato da testemunha, quiçá o entrevistador

ficará em dúvida sobre alguns pontos da narrativa. Entretanto, deverá deixar para depois do

relato qualquer tipo de pergunta ou esclarecimento. (STEIN et al., 2010, p. 217-218)

Para Ceci e Bruck (1995) a postura que deverá ser adotada pelo entrevistador

neste momento é de demonstração de interesse, escuta e atenção ao que a testemunha está

relatando e anotar tópicos que lhe sejam necessários em retomá-los posteriormente para

dirimi-los. (apud STEIN et al., 2010, p. 218)

Stein refor a que ―nessas anota ões é importante que os mesmos termos e

informa ões trazidas pela testemunha sejam mantidos sem acréscimos e edi ões por parte do

entrevistador‖, isto é, o entrevistador n o deve interpretar ou escrever com suas palavras o

que o entrevistado relatou, para assim não haver contaminação nesta narrativa. (et al., 2010, p.

218)

Seguiremos com o raciocínio de Stein para a próxima etapa da EC, o

questionamento, “na qual o entrevistador fará perguntas baseadas nas informa ões trazidas

no relato livre, buscando coletar informa ões adicionais‖. (et al., 2010, p. 218)

Inicia-se esta etapa com os agradecimentos à testemunha pelas informações

expostas e pelo seu esforço até esta etapa. Enaltecer o entrevistado pelo seu esforço é de

grande valia para mantê-la comprometida com a proposta da entrevista.

Antes de fazer qualquer pergunta, o entrevistador antecipa que haverá uma nova

etapa da entrevista, na qual ele fará perguntas sobre alguns pontos, de modo a

compreender melhor o que ocorreu na situa o em quest o. Além de avisar sobre as

perguntas, o entrevistador retoma algumas das regras básicas. Em particular, refor a

que a testemunha pode dizer ‗n o sei‘ ou ‗n o entendi‘ diante de quaisquer questões.

(STEIN et al., 2010, p. 218)

Hall ( ) nos esclarece que ―é natural do ser humano dirigir sua aten o para

evidências que corroborem suas próprias cren as. Em fun o disso, os entrevistadores podem

acabar assumindo um viés confirmatório na etapa de questionamento‖, isto é, far o somente

questionamentos que possam confirmar suas hipóteses do fato em foco. (apud STEIN et al.,

2010, p. 218)

Para Stein, é necessário que durante a entrevista o entrevistador monitore-se para

não coletar somente as informações que corroborem com a sua versão do fato que tenha

ocorrido, ou seja, deverá coletar todas as informações na íntegra sem o seu viés. (et al., 2010,

p. 219-220)

Page 63: A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO DOS …

62

Chegamos à última etapa da EC, o fechamento. Neste momento será sintetizado

todos os dados relatados e por fim o encerramento da entrevista. Oferece-se ao entrevistado

última oportunidade de se necessário de incluir detalhes que tenha lembrado e seja de

importância à entrevista. (PINHO, 2006 apud STEIN et al., 2010, p. 222).

O entrevistador orientará o entrevistado que durante o momento da síntese ele

poderá interrompê-lo de imediato caso ele identifique alguma distorção no resumo ou até

mesmo de lembrar-se de algum detalhe que não fora relatado (FISHER; SCHREIBER, 2006

apud STEIN et al., 2010, p. 222). Ao finalizar o resumo retoma-se o rapport para encerrar a

entrevista de modo positivo, ou seja, o encerramento através de uma atmosfera positiva

deixará a última impressão também positiva da EC ao entrevistado. (FISHER; GEISELMAN,

1992 apud STEIN et al., 2010, p. 222)

Vimos até aqui que a EC possui cinco procedimentos bem delimitados e

funcionais. Preocupa-se com a obtenção de um ambiente favorável ao entrevistado para que

este consiga de modo livre fazer uma busca em sua memória dos detalhes do fato sem

nenhuma influência exógena (externa) e que de maneira preventiva vêm para minimizar as

influências dos vieses dos entrevistadores e operadores forenses.

Contudo, evidente que ainda sim poderá haver nesse processo interno de

recordação dos fatos influências endógenas (internas), pois não há possibilidade do

entrevistador conseguir distinguir o que é a ―verdade real‖ e o que é FM‘s.

Este tipo de entrevista, deveras, exige-se um grande espaço de tempo para poder

aplicá-la de modo efetivo, ou seja, a entrevista demandaria mais tempo do que a tradicional é

realizada hoje no nosso modelo processual.

Mas corroborando com Loftus ( 997) e Stein ( ) que afirma que ―em longo

prazo, a aplicação da EC poderia contribuir para um procedimento mais confiável, preciso e

ágil, ao se colher informações verossímeis e importantes e ao se evitar a repetição de provas.‖

(apud HENRIQUES; POMPEU, 2014, p. 14), isto é, desde já inserir algumas etapas da EC

nas entrevistas adotadas atualmente, para assim, de forma preventiva, evitar ao máximo as

FM‘s sob influência e indu o dos vieses dos entrevistadores.

Page 64: A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO DOS …

63

5 CONCLUSÃO

Expomos no primeiro capítulo as considerações sobre o sistema probatório penal

brasileiro. Delimitamos seu conceito e finalidade. Relacionamos os princípios do sistema

penal. Importante lembrar o da ―verdade real‖, que nada mais é a preocupa o de buscar a

veracidade do fato discutido através de todos os meios cabíveis, ou seja, a tentativa de trazer

ao processo a verdadeira história do fato discutido. Ainda neste capítulo, elencamos as

espécies de provas do sistema penal, que para nosso trabalho são mais pertinentes a

testemunhal, interrogatório do acusado, perguntas ao ofendido e reconhecimento de pessoas e

coisas, pois estas se apóiam na memória do sujeito.

No segundo capítulo apresentamos as principais formas de apreensão do

conhecimento. Dentre elas: imaginação, pensamento, percepção, linguagem e a mais

significativa ao nosso trabalho, que é a memória. É através desta que temos a capacidade de

lembrar e recordar dos fatos, ideias e/ou conhecimentos adquiridos ao longo da nossa vida.

Fazer um exercício de relembrança de alguma experiência vivida faz com que o

sistema nervoso busque preencher as ―falhas‖ (lacunas) dos detalhes deste fato, isto é, a mente

não reconstituirá absolutamente todo o fato que se tenta lembrar, por este motivo surgem as

FM‘s. Por esta razão, criamos este subtítulo esclarecendo sua conceituação e teorias.

No ápice deste trabalho, no terceiro capítulo, abordamos a influência das FM‘s na

produção dos elementos probatórios no processo penal. Ponderamos os fatores internos e

externos influenciadores no processo penal. Ao final sugerimos para minimiza o das FM‘s

na entrevista forense a denominada Entrevista Cognitiva.

Diante do exposto, iremos responder aos questionamentos pertinentes à este

trabalho. Percebemos que a produção dos elementos probatórios no sistema penal sofrem

influências. Mais especificamente nas espécies probatórias que se baseiam da reconstituição

mnemônica, ou seja, baseiam-se na memória dos entrevistados, que podem ser as

testemunhas, acusados, vítimas e ainda no reconhecimento de pessoas ou coisas atinentes ao

fato delituoso.

Observa-se a fragilidade destas provas quanto à memória dos entrevistados pois

através de influência interna e externa há grande possibilidade de surgirem FM‘s no momento

da entrevista, ou seja, a FM podem ser a maior influenciadora na produção das provas.

om intuito de minimizar as FM‘s na produção das provas sugerimos a Entrevista

Cognitiva. Uma alternativa plausível para o recolhimento dos depoimentos dos entrevistados.

As técnicas implantadas são meticulosas e baseadas em estudos científicos tornando a

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entrevista consistente e eficaz. Assim de forma preventiva evitar influências interna e externa

geradoras de FM‘s.

Diante de todas as problemáticas estudadas sugerimos para futuros trabalhos o

estudo e pesquisas de campo casos específicos de erros judiciais causados por FM‘s. A

importância da averiguação dos casos de condena ões injustas baseados nas FM‘s promoverá

mais políticas preventivas e trará mais segurança jurídica ao sistema criminal brasileiro.

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