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Balneário Camboriú, 17 de setembro de 2011 24 Entrevista A inovação é um processo de humildade, de distanciamento do ego” Guto de Lima, Guta Orofino e Maurício Manhães nossa gente Caroline Cezar [email protected] Marcelo de Lima Nome - Guto de Lima Idade - 33 (diga, 33) Nascido em - Curitiba, PR Morando em - BC Formação - Designer Profissão - Designer Atua em (cidade) - Uma pá de lugares Lazer - Maracatu, Surf, Amigos, Fotografia Planos - Design Nome - Maria Augusta Orofino (Guta) Idade - 55 anos Nascido em - Florianópolis, SC Morando em - entre Florianópolis/ São Paulo e Rio de Janeiro Formação - Administradora Profissão - Consultora Organizacional Atua em (cidade) - no Brasil Lazer - Nadar; conversar com amigos; cinema; leitura em geral Planos - Aprender a viver sem planos, acredi- tando na variação cega da vida Nome - Maurício Manhães Idade - 41 Nascido em - Marília, SP Morando em - Floripa Formação - Mestre em Engenharia e Gestão do Conhecimento (Graduação: Comunicação Social - Mídia Eletrônica) Profissão - Designer de Serviço Atua em (cidade) - São Paulo/Florianópolis/ Curitiba/Brasília/Gotemburgo e pelo mundo Lazer - Ler/Ver/Saber Planos - Finalizar o Doutorado

A inovação é um processo dehumildade, de distanciamento do ego

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Inovação é palavra em alta no mundo corporativo, e segundo os especialistas, a única forma de se manter no mercado atual. Não basta mais ser eficiente é preciso diversificar, experimentar, buscar o novo. Mas como fazer isso na prática numa cultura que sempre foi baseada em copiar e fazer “mais do mesmo”? É preciso mudar o padrão de pensar. É o que propõe o “design thinking”, termo utilizado desde 1996 em países desenvolvidos mas que no Brasil ainda é recente. Santa Catarina é um dos estados à frente, graças à atuação de Maurício Manhães e Guta Orofino, de Florianópolis, que perceberam essa necessidade e passaram a ensinar a “pensar como um designer pensaria” em cursos práticos. Eles se juntaram ao designer Guto de Lima, de BC, que já estava aplicando o método com seus clientes, e estão trazendo pela primeira vez a Balneário Camboriú a oportunidade de experimentar na prática a solução que propõe a mudança de perspectiva para a farta geração de idéias.

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Balneário Camboriú, 17 de setembro de 201124 Entrevista

A inovação é um processo de humildade, de distanciamento do ego”Guto de Lima, Guta Orofino e Maurício Manhães n o s s a g e n t e

Caroline [email protected]

Marcelo de Lima

Nome - Guto de LimaIdade - 33 (diga, 33)Nascido em - Curitiba, PRMorando em - BCFormação - DesignerProfissão - DesignerAtua em (cidade) - Uma pá de lugaresLazer - Maracatu, Surf, Amigos, FotografiaPlanos - Design

Nome - Maria Augusta Orofino (Guta)Idade - 55 anosNascido em - Florianópolis, SCMorando em - entre Florianópolis/ São Paulo e Rio de JaneiroFormação - AdministradoraProfissão - Consultora OrganizacionalAtua em (cidade) - no BrasilLazer - Nadar; conversar com amigos; cinema; leitura em geralPlanos - Aprender a viver sem planos, acredi-tando na variação cega da vida

Nome - Maurício ManhãesIdade - 41Nascido em - Marília, SPMorando em - FloripaFormação - Mestre em Engenharia e Gestão do Conhecimento (Graduação: Comunicação Social - Mídia Eletrônica)Profissão - Designer de ServiçoAtua em (cidade) - São Paulo/Florianópolis/Curitiba/Brasília/Gotemburgo e pelo mundoLazer - Ler/Ver/SaberPlanos - Finalizar o Doutorado

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Balneário Camboriú, 17 de setembro de 2011 25Entrevista

JP3 - Vamos começar destrin-chando essa expressão “design thinking” que a gente tem ouvido falar mas não sabe direito o que é: um método? Uma prática? Uma cartilha? Um modelo?Guta - É uma forma de pensar. Eu vejo que é uma maneira de atuar a partir dos princípios do design, do design enquanto pro-cesso e não embelezamento. Por-que aí já é uma desconstrução da palavra: hoje a gente escuta que tudo é design, design do carro, do eletrodoméstico, e está sempre associado à beleza, perdeu o sen-tido do funcional e enquanto pro-cesso. A tradução da palavra para o português pode ser essa questão do embelezamento quanto pode ser processo. Nesse caso é traba-lhando o pensar enquanto um processo. Quando se traz isso pra dentro da organização está trazendo a possibilidade de con-siderar o erro, não como puni-ção, mas um ponto de observa-ção. Passa a ser uma forma de gerar e prototipar idéias, e não simplesmente jogar um produto no mercado. O pensar como um designer pensaria, que é o design thinking, -e hoje estão fazendo o design doing, que é o design do fazer, o design speaking etc-, estão criando uma série de termos, mas sempre tem o verbo. Verbo é ação, é trazer esse conceito pra dentro de uma gestão. Qualquer empresa hoje, qualquer padaria pode fazer design, na medida que ela está inovando na comida, no serviço, no alimento, na forma de distribuir aquilo numa gôndola sem ser exatamente dentro de um padrão estabelecido.

JP3 - Então é um jeito de pensar?Maurício - Uma coisa que gosto de falar, é quando, dentro do ambiente corporativo o cliente chega e diz: “surpreenda-me”. Como você faz isso? O que é surpreender o cliente? Por onde se começa? Quando você tenta resolver essa charada você entra automaticamente num processo de design. Se você entrar num processo de engenharia não vai surpreender o cara e sim entregar algo previsível. Não me surpre-enda numa ponte. Eu quero que ela não caia quando eu passar. O design é quando o cliente te exige a surpresa. A forma de fazer isso é entrar provavelmente num pro-cesso de inovação. Porque você pode surpreender e ter prejuízo, surpreender negativamente, e pode surpreender e ter lucro. Tem a arte e a engenharia e o design tá ali no meio, grosseiramente falando. Eu quero pensar fora da caixa, algo que não é arte, piração total, mas também não é enge-nharia, eu preciso surpreender. Guto - A nascente da neces-sidade pode ser quando o teu cliente diz “surpreenda-me”, que é quase regra no mercado, -hoje todo mundo quer uma experi-ência cada vez melhor, quer ser surpreso, ter uma experiência mais rica, mais envolvente, mais satisfatória em todos os sentidos-, mas também quando o mercado todo está se movendo diante dos seus olhos e você precisa se mover também. Só que não existe uma receita para isso, você vai ter que criar tua própria, aí você tem que ser criativo, inovador e tal. Tem outro aspecto que envolve bastante a base da coisa é que confunde-se bastante o design com a criatividade, ter “bastante

idéias”. Mas o pensar como desig-ner não significa só ter bastante idéias, significa ouvir as pessoas, significa saber o que observar, fazer aquilo para o usuário e não para si próprio, testar as coisas antes de lançar... Tem um terceiro motivo também, que dá relevân-cia pra esse serviço, que é a moda, hoje todo mundo acha que pre-cisa inovar, todo mundo bota lá no quadro de valores, virou moda essa história. Às vezes nem sabe o que é isso, nem sabe por quê...

JP3 - Inovação é o precisa-ter corporativo do momento.Guta - Eu não diria que é moda, eu vejo que na história das orga-nizações a gente passa por tendên-cias que permeiam o caminho. No Brasil, estamos num momento que passamos a ser olhados. E temos na nossa cultura um fator de cópia, sempre fomos para fora copiar o que estava sendo feito e trazer um pouco aperfeiçoado... O que estamos vivendo é que o Bra-sil passou a ser tendência, não só jogador de futebol, temos o briga-deiro entrando em Nova Iorque, outras comidas, desde a alimen-tação, manicure, depilação... Guto - ...em Cannes o maior fes-tival do mundo, pelo quarto ano consecutivo, na publicidade, a melhor agência é brasileira.Guta - ...é, e aí nós deixamos de ver o mundo cópia e temos que passar a ter o nosso próprio pro-cesso de criação e de inovação, porque a inovação significa ver aquilo como um valor percebido, e não só criar, inventar e deixar em casa. O que o meu cliente está disposto a pagar por isso aqui que inventei?

JP3 - Pode-se dizer que está nas-cendo uma cultura de inovação no Brasil, e que ela é recente? Guto - É, tem uma questão cul-tural bem importante aí que é do brasileiro, é engraçado, porque ao mesmo tempo que o Brasil é um país duro, ruim de inova-ção, a gente é muito cara de pau, corajoso, mas a gente não peita, não tem coragem de bancar as próprias idéias... poucos já tive-ram, que são expoentes, os caras da moda por exemplo, o cara da Osklen, o Rosenbaun também que todo mundo percebe o valor do trabalho dele, e é um traba-lho genuinamente brasileiro, que usa um monte de clichês culturais brasileiros e tal, mas não importa, não deixa de ser inovação que o mercado reconheceu como valor... o estilista, o Hercovitch...Guta - ...a Embraer é um modelo de inovação... o Instagram do Iphone é brasi-leiro, foi criado por um brasileiro, Mike Krieger... Temos hoje aplica-tivos pro Facebook sendo feitos por brasileiros...Guto - ...quem criou o primeiro algoritmo do Face-book foi um brasileiro.Guta - Mas continuando, por que eu acho que não é só moda, é uma questão de sair do foco de qualidade onde até então nós estávamos pautados, pra ir bus-car a inovação, no sentido de “ou eu começo a inovar ou não vou ter escala de comoditie com a China”. Porque hoje a China faz comoditie e vai ser a grande nação do mundo que está aí, todo mundo terceirizou com a China.

Ou nós vamos ter a nossa própria cara ou não vamos ter competiti-vidade, o que vai falar é a questão do lucro mesmo.Guto - Eu acho que realmente olhando o macro é isso, mas com a experiência que tenho de mercado local não chegou ainda para as pessoas essa noção, essa influência econômica macro não chegou à consciência... parece assunto de revista...Mauricio - ...não, não, eu vivi uma experiência uma vez, foi muito bom. Um cara que encon-trei num evento e ele comentando que “ esse negócio de globalização não chegou ainda, vai demo-rar...” e ele estava comendo um Talento, um chocolate da Garoto. - Você aceita? E eu leio tudo que cai na mão, olhei o rótulo, “made in Germany”. O cara estava me dizendo que ia demorar a chegar, e a globalização estava ali, no

chocolate dele.Guto - ...é, mas o conceito chegou antes da consci-ência. O conceito veio na capa da Veja, o cara con-some de imediato, mas a percepção da realidade em si demora mais

pra chegar, chega depois.Guta - É, isso também é uma questão de consciência e de onde a água está batendo. Tem empresas que não vão precisar inovar, vão acabar e acabou. É uma empresa de um eu sozinho, não tem inte-resse em perpetuar... outros não, querem perpetuar, tem processo de sucessão, continuidade, bolsa de valores que vai ter que se man-ter ativo... esse vai ter uma pre-mência de inovação...

“Não fiquei com pena de abrir mão de uma idéia,

porque tinha tantas outras na parede”

Inovação é palavra em alta no mundo corporativo, e segundo os especialistas, a única forma de se manter no mercado atual. Não basta mais ser eficiente é preciso diversificar, experimentar, buscar o novo. Mas como fazer isso na prática numa cultura que sempre foi baseada em copiar e fazer “mais do mesmo”? É preciso mudar o padrão de pensar. É o que propõe o “design thinking”, termo utilizado desde 1996 em

países desenvolvidos mas que no Brasil ainda é recente. Santa Catarina é um dos estados à frente, graças à atuação de Maurício Manhães e Guta Orofino, de Florianópolis, que perceberam essa necessidade e passaram a ensinar a “pensar como um designer pensaria” em cursos práticos. Eles se juntaram ao designer Guto de Lima, de BC, que já estava aplicando o método com seus clientes, e estão trazendo pela primeira vez a Balneário Camboriú a oportunidade de experimentar na prática a solução que propõe a mudança de perspectiva para a farta geração de idéias.

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Balneário Camboriú, 17 de setembro de 201126 Entrevista

JP3 - E podemos dizer que o design thinking é um dos méto-dos de aplicar inovação? Tem vários?Maurício - No final das contas são todos formas de design. O design thinking é uma dessas formas de design mas com cer-teza, a única coisa que é certa a respeito de inovação é que ela só acontece a partir de um processo de design.Guto - É, mas isso não é um pouco estratégico? Pegar tudo isso e chamar de design é oportuno...Maurício - Não, é o que a pes-quisa diz. Se você ler o que tem de mais acadêmico, mais teórico possível... bem ao contrário, não tem nada de marketing não, é dado científico, uma revelação: eu só consigo inovar através de um processo de design. Porque design não é embelezamento, é um processo mental de co-evolução de espaço, problema e solução. Eu só posso inovar numa coisa onde não tenha uma receita de bolo.

JP3 - E isso historicamente já é pertencente ao design?Maurício - Isso É design. Design não é design industrial, não é design gráfico, se não chamaria-se ao contrário, grafismo design; mas não, é design aplicado ao grá-fico; design aplicado ao industrial; design aplicado a qualquer coisa.Guta - Enquanto eu não sei qual a solução, e estou aberta a rece-ber a solução que o problema detectar... essa construção dessa resposta é o que a gente está chamando de design, eu sei que minha empresa precisa mudar, não sei bem o que é, e vou traba-lhando junto buscando soluções...depois a narrativa se forma.Mauricio - Quando nós está-vamos falando da China, acho que é importante, para as nos-sas indústrias aqui do Vale, é importante saber. Segundo as teorias as nações passam por três fases econômicas, a pri-meira é orientada a fatores de produção, terra, minério, agrí-cola, cresce um pouco, entra pra fatores de eficiência, consigo ali-

mentar minha população, estou extraindo minério, tenho que me industrializar, ir pra eficiên-cia; E no Brasil nós temos várias empresas eficientes, a Weg, a Embraco, Intelbras, empresas de engenheiros, tem essa carac-terística de eficiência, quem fala isso é o World Economic Forum. Só que aí chega um fator aqui que é a China: se estava todo mundo sendo eficiente em 10, ela botou isso pra mil. Ela tem gente a perder de vista, paga muito mal, elevou os níveis de eficiência para impraticáveis. Ela está precipitando -porque isso já era previsto, que iríamos entrar numa era de inovação- mas ela está precipitando isso. Por exemplo lá na Suécia eles não se preocupam com a China, porque eles sabem que a eficên-cia dela... vira empregada lá. De fato eles não se preocupam, e se a gente se preocupa é porque ainda está brigando com ela. E não vai ganhar. Nós temos que entrar na área da inovação, por-que aqui a gente não ganha da China na eficiência.

JP3 - Isso na teoria é uma coisa, mas na prática como você vai tirar a pessoa da zona de con-forto, do que ela sempre fez, para correr um risco, encarar um processo que é aparente-mente intuitivo na prática na busca de soluções?Guto - Quando o dinheiro dele parar de entrar...Guta - Quando ele começar a ter uma ruptura, cresce na dor...Mauricio - Duas coisas interes-santes: a inovação é um remédio milagroso...porque me diga um setor extremamente regulado, o mais apertado, que não podem olhar pro lado sem que uma lei permita: o farmacêutico. E qual o setor que mais pratica inova-ção no mundo? Farmacêutico. Qual o pior governo do mundo para você fazer negócio? China. Qual o país que cresce de 7 a 10% ao ano? China. Eles inovaram, quando mudaram o patamar de eficiência a um nível ofensivo. Só a inovação consegue lidar com essas coisas.

JP3 - Mas então a pessoa só vai buscar inovação só quando já está com problemas?Maurício - Não, seria ideal que ele se antecipasse, porque a mar-gem de lucro vai cair. É natural, é a tal da curva S, toda oferta tem um crescimento, estabilização e depois uma queda... quando ele entra nessa estabilização ele já devia estar pensando na próxima curva. A gente fala que inovação é a única forma de você comprar a margem de lucro, única forma. Não há muita escolha. Claro que alguns nichos vão continuar por muito tempo, não que são imu-táveis, mas é que a curva deles é mais longa, mas ele está nesse processo. Eu gosto dum “causo” que ocorreu aqui no nosso Vale com o caldo de cana.

JP3 - Barbeiro.Maurício - Lembra? Gente, caldo de cana tem há 500 anos nesse país. Quinhentos anos, literalmente. Tá lá, o cara fazia o caldo, era um negócio que não dava lucro, mas não dava preju-ízo nenhum, tranquilo. Deu um bug do barbeiro (risos), mudou, faliu o cara que estava ali na BR há 30 anos vendendo o caldo dele. Quem sobreviveu a isso? As pessoas que adotaram, por algum motivo, um hábito dife-rente de higiene, ou diversifica-ram a oferta. É só pra explorar essas possibilidades que o cara vai ter que estar ligado. Virá. Impávido que nem Mohamed Ali virá. Pode demorar mais, demorar menos, mas virá. Se ele puder se antecipar melhor. Guta - Porque quebrou quem só tinha o caldo de cana, se ele já vendia o pãozinho caseiro, o queijo feito ali, o temperinho verde, ele já teria distribuído melhor seu nicho de mercado... o sortimento né... que é outro princípio do design. Se ele tivesse variado enquanto oferta, ele não quebrava, agora se ele estava com um único produto achando que aquilo seria eterna fonte de lucro dele...Guto - É, o sortimento... não basta ser sortudo. Se você per-gunta para as pessoas qual a grande invenção do Thomas Edison eles vão dizer a lâmpada na lata.

JP3 - Quantas hipóteses que ele levantou antes né?Guto - Nove mil e tantas, foi o sistema que foi a grande inova-ção... até hoje vigente...Maurício - E na verdade cada parte daquele sistema também nasceu de um processo de varia-ção, porque ele não sabia como ia ser a distribuição, a transmis-são, geração, a comercialização,

Arquivo Pessoal

Maurício: “se eu sei onde estou indo, vou sempre para o mesmo lugar”.

“A gente só vai crescer quando aprender a brincalhar, desprovidos de conceito e de um ego regulador, que diz que tá certo ou errado, sem ter que falar sério, sem ter que estar no primeiro lugar, podendo errar”

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Balneário Camboriú, 17 de setembro de 2011 27Entrevista

ele foi em cada coisa dessas...hoje quando a gente olha, fala, “ah não, tem um nexo perfeito”.

JP3 - Qual a motivação, por que um empresário, uma pessoa, buscaria um curso desses?Guta - Ele vai vivenciar na prá-tica, sem uma teoria explícita, -porque não é repasse de teoria-, de forma lúdica e divertida como ele pode gerar idéias. É um pro-cesso de reciclagem de como ele pensa no negócio dele hoje, para trazer para o dia a dia. Segundo: vai ver possibilidade de moneta-rizar essas idéias, aprender o que é um protótipo, que não é aquele da indústria, que é um carro feito, acabado e polido, mas um protótipo feito numa caixa de papelão, em papéis, ou uma apresentação num power point, aprender a trazer enquanto idéia para ter um fee-dback. Trazendo apenas a idéia, ele vai estar reduzindo despesa, risco, sem ter que se apoderar de uma única idéia, e trazer isso pro campo, pro cliente, pro mer-cado pra ter feedback. Como são muitas idéias que um workshop gera ele não vai estar num pro-cesso de apego, e sim de desa-pego, se não der certo com essa, tenta com outra e pronto. Então ele vai praticar a possibilidade de gerar idéias, de ver como ele gera empatia com o cliente dele, como ele vai botar esa idéia de maneira tangível que é o protó-tipo e como ele vai monetarizar. Trazendo pra nossa realidade são esses os princípios.

JP3 - A área de atuação é limitada?Guta - Não. Se eu tenho uma padaria, eu posso participar? Pode, porque pode descobrir ser-viços que hoje não aplica e que amanhã podem ser a grande mar-gem de lucro. Se tenho uma loja pequena, posso participar? Pode, porque vai apren-der ali formas de gerar idéias com o teu cliente, buscar informações com ele e oferecer um produto novo e que pode ampliar a margem de lucro. Ah, eu tenho uma constru-tora, tudo engenheiro, posso par-ticipar? Pode, vão estar gerando idéias, aprendendo a trabalhar em equipe. Pessoa física, pode? Pode, pode reformular tua car-reira, prototipar um negócio pra ti e amanhã ser um novo profis-sional no mercado.JP3 - É muito acessível esse conhecimento então, para qualquer área.Guta - Sim, acho que precisa desmitificar esse negócio, por-que são duas palavras em inglês,

sugiro que traduza como “pro-cesso de pensar como um desig-ner pensaria”...Maurício - Pensar fora da caixa...JP3 - Não é de nenhuma forma para um público especializado, precisa ter requisitos, forma-ção, graduação?Guta - Pelo contrário, é impor-tante que tenha pessoas diferen-tes no grupo, trabalhar as gera-ções y, z, z, c, h, melhor.

JP3 - Quanto mais diversidade mais rico o exercício.Guto - Muito importante essa oportunidade, porque se você vai fazer isso dentro da sua empresa já consegue diversifi-car menos, então no curso você vai estar sentado com todo tipo de gente, estudante, empresá-rio, pipoqueiro, aproveitando a riqueza da diversidade.

JP3 - Até porque dentro da empresa, por mais que diga-se que “está livre para dar idéias”, tem a questão da hierarquia, as pessoas ficam com medo de falar uma besteira, ser demitido.Maurício - É, eu sempre falo aquela história, o cara pega os melhores funcionários, bota dentro duma sala, “ó podem pensar o que vocês quiserem”, a primeira coisa que o pessoal pergunta: “Ele é Figueirense ou Avaiano. - Figueirense. Ó então nada de produto azul héin!”Guta - Eu gosto de uma metáfora muito boa, aquela propaganda da Ustop de 1980, que falava “bela camisa fernandinho”. Chega todo mundo junto, o cara começa a crescer, vai copiando o chefe, copiando o chefe, até que ele está do lado, igual o chefe,

pensando igual.Guto - Eu falo da diversidade, por-que como experi-ência pessoal pra mim foi muito rico, quando fiz o curso tinha no mesmo grupo, por exemplo, um cientista e um ecologista, foi genial, conexões jamais imagina-das, seria impos-

sível que isso acontecesse dentro de uma mesma empresa. É bem bacana nesse sentido.

JP3 - E como funciona essa mis-tura na prática?Guta - Interessante é que não é considerado o que no mundo corporativo se considera, qual é teu background, tua formação, quantos títulos tu tens e onde você se posiciona. As pessoas entram como um ser capaz de dar contribuição e idéias. Ali se valoriza muito mais qual o hobby que ele tem e sua posição frente

à vida e não ao mundo corpora-tivo. Passa-se o workshop inteiro sem saber de qual empresa ele é, ou qual cargo que tem, isso gera uma ansiedade positiva, no final se abre o espaço para quem qui-ser se apresentar. O que vale na prática é quanto ele pode agre-gar enquanto pessoa.JP3 - E depois, como isso reper-cute no ambiente de trabalho?Guto - Um dos focos centrais do projeto é capacitar as pessoas que participam a replicar no seu ambiente depois. Guta - Ele vai ter condições, vai aprender fazendo, porque pres-supõe-se que o adulto aprende melhor quando está fazendo. Ele vai estar muito mais memo-rizando na medida que ele aplica, por isso é eminentemente prático, ele vai poder reaplicar, no trabalho, na vida, prototipar idéias, como ele quiser.Guto - Também experiência pessoal, não adianta ler, eu já tinha lido muito sobre o assunto, mas tem coisa que só cai a ficha praticando.

JP3 - Como vocês percebem a aceitação dessa idéia na região, porque não se fala muito em design thinking em Santa Catarina...Guta - Não se fala muito no Brasil inteiro. Sobre o curso uns gostam e continuam aplicando, outros esquecem, é uma seleção natural. O ideal é que seja feito em dupla na empresa, porque um dá apoio ao outro e não é uma voz sozinha na organiza-ção, nós vimos que as empresas que encaminharam dois partici-pantes tiveram mais condições de replicar internamente, por-que um complementa a infor-mação do outro, e isso dá uma continuidade. JP3 - Por que vocês entraram nesse ramo e hoje em Santa Catarina estão sendo os nomes mais atuantes?Guta - Foi uma variação cega que aconteceu, uma “vaca rosa”, eu e o Maurício fizemos um mestrado de engenharia e ges-tão de conhecimento na univer-sidade federal que nunca tinha abordado esse assunto, absolu-tamente nunca ninguém tinha falado. Isso foi no ano passado...

JP3 - Mas desde quando se fala em design thinking?Guta - O termo surgiu em 1994, foi a primeira vez que coloca-ram o design enquanto processo

de melhoria na organização. O Mauricio fez a pesquisa dele em design de serviço, abordava rapidamente design thinking; eu comecei a trabalhar modelos de negócios, que abordava muito. Aí identificamos que tinha esse ponto em comum, que era uma metodologia fundamental, tanto pra trabalhar design de serviço, quanto na geração de mode-los de negócios inovadores. Nós precisávamos oferecer essa pos-sibilidade para conversar sobre o que vinha a seguir, nivelando uma informação.Maurício - Eu costumo dizer que a “cauda balançou o cachorro”. Eu queria fazer um workshop de inovação, a Guta um de geração de modelos de negócios e a gente sentou pra conversar. E perce-bemos que as pessoas precisa-vam saber antes sobre o design thinking.Guto - Existe o fato, que é o que leva a gente a replicar aqui em Balneário, que é melhor pra todo mundo que todo mundo pense como designer. Não vai ser bom pra gente se a gente manter isso a sete chaves como se fosse um segredo. Vai ser melhor pro mundo todo, o mundo vai ser um lugar melhor se todo mundo uti-lizar isso, tanto é que o meu con-vidado de honra pro workshop é o George Varela, que poderia ser considerado nosso “concorrente” na teoria. Convidamos todos do setor aqui no mercado, porque o interesse é esse, que passem a fazer a coisa com a legitimidade, com a ética do design thinking, porque tem uma ética de você fazer pro outro, não pra você.Mauricio - Quanto mais pes-soas sabem e compartilham de um conhecimento, maior valor tem esse conhecimento. Se só eu souber falar português não tem utilidade nenhuma. Mas se mais pessoas sabem, eu posso eu ser mais eu porque todo mundo consegue me entender.

JP3 - E saber é também dizer que não sabe?Guto - Um dos gestores de Standford, eu vi num vídeo, fez a melhor definição que eu conheço até hoje sobre design thinking: é o gesto de distancia-mento do ego, você não é autor coisa nenhuma, você é quase que um meio, de integração, de colaboração... Maurício - A inovação é um processo de humildade. Você só está aberto porque não sabe, realmente. Reconheça. É antes de tudo, um exercício de humil-dade, de dizer que não sabe, essa é a grande força do negócio.Guto - E isso é difícil, talvez o ego seja o grande vilão dessa história toda.

JP3 - As pessoas querem estar certas, não querem errar.Guta - Eles pegam uma idéia e se apegam àquela idéia.

JP3 - Mas a gente vive numa sociedade que até então isso era o que se exigia, não errar, não divagar, ser completamente racional...Guta - Mas o mundo mudou e isso não funciona mais.Guto - É, no próprio workshop, quando eu fiz, percebi que as pessoas tendem a gerar as idéias e logo se apegarem, o cara quando descobre uma potencial, ele abraça. Nao é hora de se apai-xonar por idéia nenhuma não. A menina chegou pra mim no intervalo, “ó, já tive uma idéia, já sei textura, sei cor, sei tudo. Tá pronta”. Aí sugeri fazer o seguinte: não colocar essa idéia, deixar a coisa fluir e no fim ver o que dá. Beleza. E no fim da tarde ela veio me dizer: “Eu não acreditei e a idéia que saiu é totalmente diferente da minha, bem melhor, foi consenso, eu não precisei influenciar nada, a coisa fluiu coletivamente”. É isso.

“É interessante a mudança do paradigma da criação da necessidade para o atendimento das verdadeiras necessidades. Você não cria, você ouve, você sente, observa e procura ajudar a vida dela a ser melhor.”

“É melhor para todo

mundo que todos pensem

como um designer, por isso queremos compartilhar”

A Vaca Rosa é um símbolo pra lembrar da “Variação Cega Reten-ção Seletiva”, utilizado na prática do design thinking: primeiro ampliar, gerar muitas idéias, depois selecionar.