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III Semana de Ciência Política Universidade Federal de São Carlos 27 a 29 de abril de 2015 A INOVAÇÃO NANOTECNOLÓGICA E SUAS CONSEQUÊNCIAS NAS CIÊNCIAS DE IMPACTO: A NECESSÁRIA INOVAÇÃO E ADAPTAÇÃO DO DIREITO PARA DAR RESPOSTAS JURÍDICAS ADEQUADAS Wilson Engelmann 1 Raquel von Hohendorff 2 Paulo Junior Trindade dos Santos 3 RESUMO: Brasil é considerado hoje como um país com potencial no mapa mundial das nanotecnologias, mas a política brasileira para esta tecnologia possui grandes desafios, entre eles a gestão dos riscos e o desenvolvimento de marco regulatório. É imprescindível a adoção de alternativas para a gestão dos riscos em consonância com uma abordagem responsável da inovação. Aqui ingressa o Direito, ciência de impacto que procura entender os impactos gerados pelas linhas de produção, ampliando a compreensão das forças dos processos produtivos e suas externalidades sobre o meio ambiente e a saúde humana. A movimentação do pluralismo de fontes jurídicas passa a ser uma das alternativas frente à necessidade de inovação do Direito, eis que a lei é incapaz de prever todos os casos concretos, além da morosidade do seu processo de criação. Assim, o diálogo entre as fontes do Direito, a ser realizado por meio das possibilidades geradas pela ferramenta da árvore de decisão, surge como uma alternativa para a inovação do Direito frente à inovação nanotecnológica nas ciências da produção. Somente assim o Direito poderá desenvolver respostas adequadas às demandas surgidas em função da nova realidade gerada pelo uso e impactos das nanotecnologias, conjugando o respeito ao ser humano e ao meio ambiente com a inovação. 1 Universidade do Vale do Rio dos Sinos, [email protected], Doutor em Direito. 2 Universidade do Vale do Rio dos Sinos, [email protected], Doutoranda em Direito. 3 Universidade do Vale do Rio dos Sinos, [email protected], Doutorando em Direito.

A INOVAÇÃO NANOTECNOLÓGICA E SUAS … · especialmente concernentes aos riscos altamente nocivos à saúde e ao meio ambiente. Assim, considerando as (in)certezas que margeiam

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III Semana de Ciência Política

Universidade Federal de São Carlos

27 a 29 de abril de 2015

A INOVAÇÃO NANOTECNOLÓGICA E SUAS

CONSEQUÊNCIAS NAS CIÊNCIAS DE IMPACTO: A

NECESSÁRIA INOVAÇÃO E ADAPTAÇÃO DO DIREITO

PARA DAR RESPOSTAS JURÍDICAS ADEQUADAS

Wilson Engelmann1

Raquel von Hohendorff2

Paulo Junior Trindade dos Santos3

RESUMO: Brasil é considerado hoje como um país com potencial no mapa mundial das

nanotecnologias, mas a política brasileira para esta tecnologia possui grandes desafios,

entre eles a gestão dos riscos e o desenvolvimento de marco regulatório. É imprescindível

a adoção de alternativas para a gestão dos riscos em consonância com uma abordagem

responsável da inovação. Aqui ingressa o Direito, ciência de impacto que procura

entender os impactos gerados pelas linhas de produção, ampliando a compreensão das

forças dos processos produtivos e suas externalidades sobre o meio ambiente e a saúde

humana. A movimentação do pluralismo de fontes jurídicas passa a ser uma das

alternativas frente à necessidade de inovação do Direito, eis que a lei é incapaz de prever

todos os casos concretos, além da morosidade do seu processo de criação. Assim, o

diálogo entre as fontes do Direito, a ser realizado por meio das possibilidades geradas

pela ferramenta da árvore de decisão, surge como uma alternativa para a inovação do

Direito frente à inovação nanotecnológica nas ciências da produção. Somente assim o

Direito poderá desenvolver respostas adequadas às demandas surgidas em função da nova

realidade gerada pelo uso e impactos das nanotecnologias, conjugando o respeito ao ser

humano e ao meio ambiente com a inovação.

1Universidade do Vale do Rio dos Sinos, [email protected], Doutor em Direito. 2Universidade do Vale do Rio dos Sinos, [email protected], Doutoranda em Direito. 3Universidade do Vale do Rio dos Sinos, [email protected], Doutorando em Direito.

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PALAVRAS-CHAVE: Nanotecnologias; Gestão; Risco; Direito.

1. INTRODUÇÃO:

As tecnologias em ultra-pequena escala com toda uma imensa gama de

benefícios já estão no mercado, sendo amplamente consumidas. Os mais diferentes

setores econômicos utilizam nanotecnologias (variadas produções tecnológicas na escala

nanométrica, representando uma alternativa de manipular átomos e moléculas na

bilionésima parte do metro). Como exemplo podem ser citados protetores solares,

calçados, telefones celulares, tecidos, cosméticos, automóveis, medicamentos produtos

para agricultura, medicamentos veterinários, produtos para tratamento de água, materiais

para a construção civil, plásticos e polímeros, produtos para uso nas indústrias

aeroespacial, naval e automotora, siderurgia, entre outros. Este rol não está fechado, uma

vez que as nanotecnologias estão em processo de desenvolvimento. Assim, deixam de

ser apenas promessas futurísticas e incorporam-se na rotina diária da sociedade deste

início do século XXI, exigindo, portanto, a atenção por parte do Direito.

Assim, a proposta deste artigo é trabalhar com as diferentes fontes do Direito,

nacionais e internacionais, de origem no Estado e em outros atores, na elaboração de uma

árvore de decisão(com origem na área da administração), para que o Direito consiga tratar

adequadamente as demandas provenientes desta nova revolução tecnocientífica, não

permanecendo estagnado à espera de um marco regulatório tradicional, fortemente

vinculado e embasado na lei, com conceitos fixos e inadequados à velocidade de

transformação e ampliação dos conhecimentos nas áreas das ciências duras,

especialmente em relação às nanotecnologias.

Quanto à metodologia, será utilizado o método fenomenológico hermenêutico,

através do qual não se fará uma análise externa, como se o sujeito e o objeto estivessem

cindidos, mas sim o pesquisador estará diretamente implicado, pois relacionado, com o

objeto de estudo, o qual interage com ele e sofre as consequências dos seus resultados,

suas descobertas e potencialidades. Os métodos de procedimento que sustentam a

construção do artigo são o histórico, funcionalista e estrutural. Já as técnicas de pesquisa

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empregadas são especialmente a pesquisa bibliográfica, além da documentação direta de

textos jurídicos e textos (papers e artigos) produzidos por outras áreas do conhecimento,

incluindo as publicações constantes em blogs e sites de grupos de pesquisa, redes de

pesquisa, de IES e outros organismos brasileiros e estrangeiros vinculados ao tema da

escala nano e dos riscos advindos destas tecnologias.

A ideia do uso do diálogo entre as fontes do Direito, que trabalha com o pluralismo

jurídico, retirando a lei de seu pedestal de fonte suprema do Direito, intocável, surge como

uma alternativa para que o Direito possa desenvolver respostas adequadas às demandas

surgidas em função da nova realidade gerada pelo uso e impactos das nanotecnologias,

unindo o respeito ao ser humano e ao meio ambiente com a inovação e ampliação do

conhecimento nas áreas das ciências duras.

2. APRESENTANDO AS NANOTECNOLOGIAS: SUAS

POSSIBILIDADES E SEUS RISCOS

As nanotecnologias são um conjunto de ações de pesquisa, desenvolvimento e

inovação, obtida graças às especiais propriedades da matéria organizada a partir de

estruturas de dimensões nanométricas. A expressão nanotecnologia deriva do prefixo

grego nános, que significa anão, techne que equivale a ofício, e logos que expressa

conhecimento. Atualmente, a tecnologia em escala nano traz consigo muitas incertezas,

especialmente concernentes aos riscos altamente nocivos à saúde e ao meio ambiente.

Assim, considerando as (in)certezas que margeiam este novo conhecimento, é

necessária uma configuração textual sobre as nanotecnologias, um dos tipos de inovação

tecnológica da pós-modernidade, destacando sua origem, o que realmente são, seus usos

na atualidade, os setores produtivos envolvidos, os investimentos mundiais e a

insegurança de não existir certeza quanto ao comportamento das partículas nesta nova

escala.

Ao mencionar a palavra nanotecnologias deve-se pensar em um conjunto de

técnicas multidisciplinares que permitem o domínio de partículas com dimensões

extremamente pequenas que exibem propriedades mecânicas, óticas, magnéticas e

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químicas completamente novas (Dupas, 2009, 57). O termo “Nanotecnologia” é

enganoso, uma vez que não é uma tecnologia única, mas um agrupamento

multidisciplinar de física, química, engenharia biológica, materiais, aplicações, e

conceitos nos quais o tamanho é a definição característica. Nano é uma medida, não um

objeto, ou seja, engloba “a habilidade de trabalhar a nível molecular, átomo por átomo,

criando estruturas com organizações moleculares diferentes e explorando as novas

propriedades exibidas em tal escala”, cujas partículas correspondem à ordem de 1-100

nanômetros (o que equivale a 0,000000001 metros), os quais não podem ser vistos a olho

nu.

O termo “nanotecnologia” tem despertado controvérsias acerca das medidas que

devem ser consideradas para a categorização de um produto ou processo que esteja sendo

trabalhado na nano escala. Portanto, deve-se partir de uma padronização e assim, adota-

se aqui a definição desenvolvida pela ISO TC 229 onde se verificam duas características

fundamentais: a) produtos ou processos que estejam tipicamente, mas não

exclusivamente, abaixo de 100nm (cem nanômetros); b) nesta escala, as propriedades

físico-químicas devem ser diferentes dos produtos ou processos que estejam em escalas

maiores.

As nanotecnologias são hoje um dos principais focos das atividades de pesquisa,

desenvolvimento e inovação em todos os países industrializados. Os nanomateriais são

utilizados nas mais diversas áreas de atuação humana, podendo-se destacar as seguintes

áreas: cerâmica e revestimentos, plásticos, agropecuária, cosméticos, siderurgia, cimento

e concreto, microeletrônica, e, na área da saúde, possuem aplicação tanto na odontologia

quanto na farmácia (especialmente em relação à distribuição de medicamentos dentro do

organismo), bem como em inúmeros aparelhos que auxiliam o diagnóstico médico

(ABDI, 2011,11). Estima-se que de 2010 a 2015, o mercado mundial para materiais,

produtos e processos industriais baseados em nanotecnologia será de US$ 1 trilhão

(Martins, 2007, 56).

Alguns objetos usados comumente, pelas pessoas, em seu dia-a-dia também

contêm compostos em escala nanométrica. Entre eles, os band-aids que possuem uma

nanocamada de prata que ajuda a aumentar área de contato com pele e que tem ação

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bactericida; a maioria dos cremes dentais que contém um nanocomposto de

hidroxiapatita, uma camada de fosfato de cálcio cristalino que preenche as pequenas

cavidades dos dentes, ajudando na prevenção de rachaduras; as bolas de tênis, que

possuem seu núcleo revestido por uma nanoargila, que as faz mais eficientes em manter

o ar preso em seu interior; os cosméticos com filtro solar, cujo principal ingrediente é

óxido de alumínio, que tem como desvantagem o desgaste à medida que entra em contato

com o suor da pele, assim, é adicionada uma nanoemulsão, tornando o creme hidrofóbico,

fazendo com que dure mais tempo sua ação; os preservativos masculinos, que contém

espuma de nanopartículas de prata, também bactericida; os para-choques automotivos

fabricados pela General Motors e pela Toyota utilizam um nanocomposto plástico que os

torna mais resistentes e ainda mais leves; os secadores de cabelo, que possuem em sua

composição um nanomaterial de óxido de titânio e partículas de prata que os deixa muito

mais higiênicos (um revestimento de partículas de prata que age como um bactericida no

interior do secador); bebedouros que tem nanocomposto de sulfato de titânio aplicado no

reservatório de água, agindo como um exterminador de micróbios, permitindo que a água

já filtrada não volte a se contaminar enquanto estiver parada dentro do bebedouro

(Machado, 2015)

As empresas dos setores farmacêuticos e cosméticos têm adotado diferentes

estratégias para melhorar a eficácia terapêutica, biodisponibilidade, solubilidade e

redução de doses de vários medicamentos por meio da manipulação física dos fármacos.

Para 2015, prospecta-se que os produtos terapêuticos de base nanotecnológica serão

responsáveis por vendas que alcançarão US$ 3,4 bilhões, incluindo sistemas de entrega

de fármacos e liberação controlada (delivery systems), bem como, nanorrevestimentos

biocompatíveis para implantes médicos e odontológicos. Com o desenvolvimento de

novos materiais biocompatíveis, a nanobiotecnologia pode ser considerada como uma

disciplina revolucionária em termos de seu enorme potencial na solução de muitos

problemas relacionados à saúde (ABDI, 20010, 219).

Embora neste momento, os benefícios da nanotecnologia dominam o nosso

pensamento, o potencial desta tecnologia para resultados indesejáveis na saúde humana e

no meio ambiente não deve ser menosprezado. Como as nanopartículas são muito

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pequenas, medindo menos de um centésimo de bilionésimo de metro, são regidos por leis

físicas muito diferentes daquelas com as quais a ciência está acostumada. Existem

probabilidades de que as nanopartículas apresentem grau de toxicidade maior do que as

partículas em tamanhos normais, podendo assim ocasionar riscos à saúde e segurança de

pesquisadores, trabalhadores e consumidores.

Vale dizer, há mais perguntas do que respostas. Os impactos nocivos e riscos

potenciais à saúde humana e animal, ao meio ambiente e até em relação ao

comportamento humano são ainda pouco conhecidos (ABDI, 2010, 40) Para a avaliação

desses aspectos, deverão ser aperfeiçoados e desenvolvidos testes que busquem

identificar: “(i) suas propriedades físico-químicas; (ii) seu potencial de degradação e de

acumulação no meio ambiente; (iii) sua toxicidade ambiental: e (iv) sua toxicidade com

relação aos mamíferos”. (ABDI, 2010, 41).

O número de trabalhos científicos em nanociência tem crescido quase que

exponencialmente, triplicando durante a última década, o que confirma que a nanociência,

como campo de conhecimento, está se desenvolvendo muito mais rápido do que o

conhecimento científico nas outras áreas (ABDI, 2010, 25). Como área científica

emergente, os nanomateriais têm várias características inerentes (incerteza, falta de

conhecimento e efeitos adversos potencialmente irreversíveis à saúde em longo prazo)

que são susceptíveis de gerar preocupação, desconfiança ou medo (EU-OSHA, 2012).

Frente aos riscos, há que se andar precaucionalmente, de modo que, Eric Drexler, ainda

em 1986, em seu livro “Engines of Creation”, menciona a necessidade de limitar à criação

nanotecnológica, sob pena de se sofrer as conseqüências. Deste modo, Drexler,

sabiamente, explica que “as leis da natureza e as condições do mundo irão limitar o que

nós fazemos. Sem limites, o futuro será totalmente desconhecido, algo disforme fazendo

uma zombaria de nossos esforços em pensar e planejar. Com limites, o futuro ainda é uma

turbulenta incerteza, mas ele é forçado a voar dentro de certos limites” (Drexler,

1986,147).

Existe uma necessidade premente de se avaliar os riscos que existem atrelados à

manipulação, ao desenvolvimento e à aplicação de novas nanotecnologias. Entre as

diversas dúvidas existentes, salientam-se: Qual a toxicidade destes materiais, que pode

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ser muito diferente da toxicidade dos mesmos materiais em escala maior? Quais são os

métodos apropriados para testes de toxicidade? Quais os impactos para a saúde daqueles

que eventualmente manipularão uma nano partícula? E para aqueles que receberão

medicamentos que são elaborados com nanopartículas? Qual a extensão da translocação

destas partículas no organismo? Qual o efeito dos produtos e seus dejetos em contato com

o meio ambiente? Como fazer, de modo seguro, o manuseio, transporte, armazenamento

e descarte dos nanomateriais?

O conhecimento das características das substâncias em tamanho maior não

fornece informações compreensíveis sobre suas propriedades no nível nano, uma vez que

as mesmas propriedades que alteram as características físicas e químicas das

nanopartículas podem também provocar consequências não pretendidas e desconhecidas

quando em contato com o organismo humano. A ausência de estudos sobre a interação da

aplicação das nanotecnologias com o meio ambiente (ar, água e solo) expõe a

possibilidade de ocorrência de riscos ambientais e também riscos em relação aos seres

humanos.

Em estudo realizado com peixes Cyprinus carpio (Cyprinidae), no âmbito do

projeto de pesquisa intitulado “Nanotoxicologia ocupacional e ambiental: subsídios

científicos para estabelecer marcos regulatórios e avaliação de riscos” (MCTI/CNPq

processo 552131/2011-3), que faz parte do projeto “A rede de nanotoxicologia brasileira”

(o que demonstra que há uma preocupação, ainda que incipiente, com a constatação de

riscos), há a comprovação de evidências de que os nanotubos de carbono são

potencialmente perigosos em ambientes aquáticos, e que o mecanismo de toxicidade é

complexo e insuficientemente compreendido até o momento (Britto et al, 2012, 86).

Outro estudo relacionado ao mencionado projeto mostra possíveis efeitos tóxicos no

cérebro (neurotoxicidade) dos peixes Zebrafish (Danio rerio) expostos aos nanotubos de

carbono (Ogliari Dal Forno, 2013, 15).

O foco de atenção não são apenas as descobertas na escala nano, mas também as

repercussões que essas pesquisas gerarão na natureza e os modos como elas atingirão a

vida humana no ecossistema. Como se pode verificar, o problema não são as descobertas

em si, mas os seus reflexos na vida das pessoas e na estrutura do planeta. Pesquisas já

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demonstraram que camundongos que receberam nanotubos de carbono desenvolveram

lesões biológicas semelhantes àquelas provocadas por inalação de amianto.

Mais de duas décadas atrás, estudos toxicológicos indicaram que seria prudente

examinar e abordar as preocupações ambientais e de saúde humana antes da adoção

generalizada da nanotecnologia. Com a exceção de algumas aplicações médicas da

nanotecnologia, os governos, as empresas e até mesmo as universidades ignoraram este

conselho. Como resultado, os governos permitiram que centenas, talvez mais de mil,

produtos de consumo com materiais nanoengenheirados incorporados, fossem

comercializados sem qualquer avaliação de segurança pré-mercado (Supan, 2013).

Em recente estudo foram analisadas 17 propostas de gestão de riscos com

nanomateriais, que não convergem para uma abordagem e consenso, mas de maneira

geral, todas fazem referência ao processo de identificação dos riscos, de avaliação da

exposição, da definição dos riscos, passando à eliminação, substituição ou controle destes

riscos através de medidas técnicas ou organizacionais (Andrade, Amaral, Waismann,

2013, 34).

Tal como acontece com as demais tecnologias emergentes, as nanotecnologias

apresentam riscos excepcionalmente difíceis, com muitas variáveis desconhecidas. Estes

desafios são complicados pelo fato de que há poucas previsões relacionadas ao risco que

tenham sido cientificamente confirmadas. Outras complicações derivam da natureza

física e química exclusivamente complexa de nanomateriais. Uma nova ciência dos

materiais está emergindo e informações de risco confiável são criticamente necessárias.

É imperativo que os fabricantes, os governos, os cientistas, a comunidade jurídica, e da

indústria de seguros trabalham em conjunto na tomada de uma abordagem pró-ativa na

identificação e quantificação dos riscos da nanotecnologia. A resposta do público e a

situação legal são fundamentais para a saúde do setor, os quais irão depender da

disponibilidade e precisão de informações relacionadas com o risco (Blaunstein, Linkov,

2010, 145).

Os produtos gerados pela tecnociência são projetados em uma velocidade estonteante e

utilizados em escalas sem precedentes, antes, muitas vezes, que seja possível vislumbrar

seus possíveis impactos sobre os sistemas globais e, sobre a própria humanidade.

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Uma abordagem que contemple toxicologia, ciências dos materiais, medicina, biologia e

bioinformática, entre outras disciplinas, torna-se obrigatória para que a pesquisa em

nanotoxicologia possa culminar em uma avaliação de risco adequada. Quanto mais cedo

for possível desenvolver as avaliações tecnológicas robustas sobre os produtos

nanoagroquímicos, com a participação de engenheiros, biológicos, cientistas do solo,

agricultores e cidadãos preocupados, mais cedo, se entenderá o que a nanotecnologia pode

fazer bem e com segurança.Materiais em nanoescala podem ser biologicamente mais

ativos do que os materiais em tamanho macro, e possuem capacidade única de interagir

com proteínas e outros elementos funcionais biológicos essenciais. Assim, a pesquisa

básica é necessária em questões como a interação com as estruturas subcelulares e

dose/concentração, e esta pesquisa deve ter uma abordagem interdisciplinar, fazendo uso

de especialistas em toxicologia, ciência dos materiais, medicina, biologia molecular e

bioinformática.

Como há um crescente interesse na produção de nanomateriais, deve-se considerar o

potencial destes materiais como contaminantes ambientais. Faz-se necessário que haja

anteriormente muitos testes, a fim de assegurar a qualidade dos produtos a serem

consumidos. Se existe a incerteza sobre as consequências da técnica, por que se precisa

ir tão rápido? (Lapa, 2012, 217).

O sucesso da nanotecnologia é particularmente baseado em sua versatilidade.

Ela vai trazer mudanças fundamentais da investigação básica, bem como de muitos

setores da indústria e também da vida diária, desde a eletrônica até o sistema de cuidados

de saúde. No entanto, muitos consumidores sentem falta de informações confiáveis e

compreensíveis sobre nanomateriais e nanotecnologia, por exemplo, em questões básicas,

como "O que são exatamente as nanopartículas?", "O que se quer dizer com a exposição?"

ou "Quando é que toxicologistas falam de um risco?" (Krug, 2014).

Desenvolver métodos de pesquisa e testes alternativos aos riscos dos

nanomateriais para o meio ambiente e a saúde é complicado. No entanto, pela infinidade

de aplicações da nanotecnologia, as propriedades expressas, vias de exposição, e os meios

de eliminação, é necessária a avaliação de materiais específicos e seus padrões de uso de

risco caso a caso (Porter et. al., 2012, 385). Não restam dúvidas de que as novas e

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diferentes propriedades físicas, químicas e biológicas dos nanomateriais tornam

necessária uma avaliação mais específica, aplicada ao caso concreto.

A gestão da nanotecnologia brasileira apresenta fragilidades em função da expansão que

a área sofreu na última década e do aumento de atores multi-setoriais envolvidos. A

estrutura de gestão atual tem comprometido a definição de novas políticas e iniciativas

para a área, dificultando a otimização de esforços e recursos (Brasil, 2012, 78).

O Brasil iniciou muito cedo ações para promover o desenvolvimento das nanotecnologias,

quase ao mesmo tempo em que muitos países desenvolvidos. O Ministério da Ciência e

Tecnologia conseguiu articular uma política nacional para o setor e investiu consideráveis

recursos, o que teve rápidos resultados em termos de organizar um conjunto importante

de investigadores, melhorar rapidamente a infraestrutura dos laboratórios e dinamizar a

produção científica na área. Mas esta política foi articulando-se mais estreitamente com

a política industrial, de modo coerente com seus objetivos de promover a competitividade

nacional e envolvendo um grupo crescente de instituições do governo. Como resultado

o país localizou-se em uma posição de liderança na região, e frequentemente é

mencionado como um país com potencial no mapa global da nanotecnologia. Não

obstante estes avanços, que podem ler-se como uma história exitosa, a política de

nanotecnologia brasileira enfrenta dois tipos de desafios: o primeiro em relação a

realização de seus próprios objetivos, e em segundo, em relação a incorporação de

aspectos que não foram considerados, ou que foram apenas marginalmente (Invernizzi,

Körbes, Fuck, 2012, 77).

Os avanços tecnológicos existentes na sociedade contemporânea detêm um reflexo

paradoxal; ao mesmo tempo em que acrescem qualidade de vida às pessoas, estes são

capazes de gerar riscos de potenciais altamente nocivos à saúde e ao meio ambiente.

Para que as instâncias de comunicação (Direito, Economia e Política) possam reagir

aos ruídos produzidos por uma nova forma social pós-industrial (produtora de riscos

e indeterminações científicas), estas devem construir condições estruturais para

tomadas de decisão em contexto de risco. Esse panorama é absolutamente novo para

o Direito e os juristas, que não foram educados para esse percurso.

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3. E AGORA ÁREA JURÍDICA, COMO TRABALHAR COM OS DESAFIOS

TRAZIDOS PELAS NANOTECNOLOGIAS?

O atual desafio imposto pela realidade das nanotecnologias aos juristas exige respostas

quanto ao estabelecimento de limites e para solução de conflitos que venham a surgir. O

Direito precisa desta evolução, para que não fique, novamente, atrasado em relação às

transformações que ocorrem no mundo e nas demais áreas do conhecimento e para que

não se permita que a regulação das nanotecnologias seja feita por áreas que não o Direito.

O Direito, como ciência social e de impacto, precisa buscar ocupar um novo

espaço em relação às demais ciências, especialmente no tocante às nanotecnologias. Os

mais diferentes ramos do conhecimento estão debatendo a questão dos riscos ambientais

e à saúde humana das nanotecnologias e como será possível regular isso. E, enquanto

todas as demais áreas discutem esta questão, o Direito segue em sua tranquilidade,

escondendo-se atrás da invisibilidade dos riscos, alegando que se o fato ainda não ocorreu,

não há o que fazer. E mais, não apenas a questão regulatória exige uma postura mais

proativa do Direito. As implicações sociais, ambientais, de saúde e segurança (seja no

meio ambiente do trabalho, seja em termos de direito internacional) das nanotecnologias

precisam ser observadas mais de perto e com mais cuidado pelos estudiosos do Direito e

de outras áreas das ciências sociais, sob pena de continuarmos a ver publicações e

imagens como a Figura 1 (Klaine et al, 2012, 3).

FIGURA 1 - Mapa das ciências envolvidas com a pesquisa de aspectos ambientais, de

saúde e de segurança relacionados à nanotecnologia

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Esta figura representa as áreas científicas envolvidas com os aspetos de saúde,

segurança e ambiente da Nano pesquisa. As disciplinas estão posicionadas no mapa perto

de outras com características correlatas ou afins, e o tamanho das esferas é proporcional

à percentagem de publicações da área científica. Na figura, observam-se grandes

concentrações de categoria de assunto em Ciências Biomédicas, Química, Ciência dos

Materiais e Ciências Ambientais. Incrivelmente não aparece nenhuma ciência social, nem

o Direito. Será que as ciências sociais nada têm a pesquisar sobre isso? Não podem

contribuir de nenhuma forma? Estas questões realtivas à saúde, meio ambiente e

segurança não atingem as demais áreas do conhecimento? Como fica a

transdiciplinaridade necessária no trato com as novas tecnologias, entre elas as

nanotecnologias? Os impactos na saúde, segurança e meio ambiente não terão

implicações sociais?

A Figura 2 (PUC-Rio, 2013) em formato de mandala, remete aos diferentes

campos de aplicação das nanotecnologias e às ciências envolvidas, e, mais uma vez, nada

das ciências sociais.

FIGURA 2 – Mandala de aplicações das nanotecnologias e das ciências

envolvidas nestes processos

Necessário ainda trazer mais provocações. Há várias maneiras de se classificar as

ciências. Ciências da natureza, da sociedade, humanas, exatas, duras e brandas, etc. E,

uma das diferenciações cabíveis, é a realizada em função da capacidade da ciência

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moderna em produzir capital e entender os impactos causados pelas externalidades

correlatas à produção de capital (Pereira, 2013, 240). Assim, Allan Schnaiberg oferece

uma distinção útil entre a ciência da produção e ciência de impacto e, como um ex-

engenheiro químico na indústria aeroespacial canadense, ele estava bem posicionado para

avaliar o papel das agendas institucionais na formação de investigação científica (Gould,

2012).

A Ciência de Produção é a que leva a um aumento na produção, distribuição e

consumo de bens e serviços (inclusive militares). Independentemente dos níveis em que

é aplicada, a ciência da produção visa gerar resultados, que podem vir na forma de novos

bens de consumo, novos sistemas de armas, novos processos de produção, ou novos

materiais. Verifica-se uma perfeita sintonia com esta categorização das Ciências de

Produção com a Revolução Nanotecnocientífica. Vale dizer, a Ciência moderna, diferente

da noção clássica de Ciência, não se contenta em observar e descrever a natureza, mas

precisa interagir, produzindo alguma coisa, ou seja, o conhecimento tecnocientífico

deverá gerar um produto de inovação. Já a Ciência do Impacto procura entender os

impactos gerados pelas linhas de produção, estando ligada as inter-relações que se

estabelecem entre o sistema natural e o social, ampliando a nossa compreensão dos

impactos dos processos produtivos e suas externalidades sobre o meio ambiente e a saúde

humana (Gould, 2012).

Através da comparação pode-se entender porque a ciência da produção é a que

atrai maiores atenções e investimentos pelos agentes responsáveis pela produção da

ciência nas sociedades atuais. Enquanto o investimento em ciência da produção

possibilita grandes ganhos financeiros, a ciência de impacto, oferece potencial para gerar

obstáculos sociais para a inovação na produção. Praticamente não existe nenhum

incentivo além da possibilidade de evitar importantes questões de cunho legal

(responsabilidades), para que as empresas financiem estudos que poderão denunciar os

impactos que geram. Mais ainda, quando realizam estudos sobre os impactos da ciência

da produção, as empresas têm grande tendência a concluir pela ausência de impactos

negativos ao meio ambiente e à saúde pública. Isto ocorre pelo quase completo silêncio

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das Ciências de Impacto, aí se incluindo o Direito. Nele pouco se está produzindo sobre

as nanotecnologias.

Nesta classificação o Direito é uma ciência de impacto e desta forma, carente de

atenções e investimentos, assim como outras ciências sociais. De certa maneira, explica-

se o que a figura 2 demonstrou a ausência total destas áreas do conhecimento na evolução

das pesquisas em relação ao meio ambiente, à saúde e à segurança. Mas, não tranquiliza,

pior, gera mais inquietação ainda sobre os rumos da discussão e da gestão dos riscos

provenientes das nanotecnologias.

O Gráfico 1 (Behar, Fugere, Passoff, 2013) demonstra os gastos nos últimos três

anos, estimados pela Iniciativa Nacional em Nanotecnologia norte-americana, em

desenvolvimento de produtos nano e em testes de segurança:

GRÁFICO 1 – Os gastos com desenvolvimento de produtos Nano versus Teste

de segurança

Da imagem percebe-se que os financiamentos em 2011 foram de 1,847 bilhões de

dólares com o desenvolvimento de produtos, contra 88 milhões de dólares para testes de

segurança (saúde e segurança ambiental); já em 2012, foram gastos 1,690 bilhões de

dólares com o desenvolvimento de produtos, contra 102,7 milhões de dólares para a

realização de testes de segurança e, para o ano de 2013, foram propostos os seguintes

valores: 1,760 bilhões de dólares para o desenvolvimento de produtos e 105,4 milhões de

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dólares para testes de segurança.A discrepância entre o financiamento para os estudos

envolvendo engenharia de nanomateriais e testes de segurança deve preocupar os

consumidores e ser de interesse máximo para a indústria de alimentos onde a exposição

humana é óbvia. Percebe-se, na realidade atual, que a disposição dos recursos entre as

ciências de impacto (aspectos negativos) e de produção (aspectos positivos e

possibilidades) continua extremamente discrepante, priorizando as ciências de produção,

apesar dos objetivos da Iniciativa Nacional em Nanotecnologia norte-americana serem

acelerar a descoberta, o desenvolvimento e a implantação de Nanociência e Tecnologia

para servir bem ao público, através de um programa de pesquisa coordenado e

desenvolvido alinhado com as missões das agências participantes (National Science and

technology Council Committee on Techology, 2013).

Gould aprofunda a discussão, mencionando que opinião pública é facilmente

manipulada em razão da legitimação social da ciência de produção, e como esta ciência

se mostra exitosa (entrega mercadorias para as pessoas) enquanto que a ciência de

impacto, ao revelar os problemas da ciência e apontar apenas um mundo possivelmente

com menos impactos negativos, não oferece o melhor do que há no mundo, ocorre o que

o autor denomina de legitimação da ciência de produção (Gould, 2012) pela sociedade.

Essa legitimação da ciência da produção pela sociedade fundamenta-se na premissa:

ainda que se desconfie da ciência, se é para duvidar, que seja daquela que não satisfaça.

Além disso, para o citado autor, ainda há mais problemas, pois o efeito mais

perverso da legitimidade social da ciência de produção talvez seja o de afastar, através da

apatia, o público das decisões políticas sobre ciência, inclusive das relacionadas aos

investimentos em ciência e tecnologia, mesmo em sociedades altamente democráticas

(Gould, 2012)

Ao final, o que acaba ocorrendo é que governos, corporações e universidades têm

interesses na ciência da produção e, eventualmente os governos podem ter interesse na

ciência de impacto quando o público pressionar por isto. Assim, o papel do público é

extremamente importante, mas isto exige engajamento o que não é muito fácil, ainda mais

em tempos de legitimidade social da ciência da produção (Gould, 2012).

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O Direito como ciência, precisa abrir espaços para discussões em torno de novas

formas de sociabilidade, por meio da criação de instrumentos jurídicos que busquem

medidas de gerenciamento preventivo do risco, baseado nos princípios da prevenção, da

precaução, da responsabilização e da informação.

Os juristas devem se esforçar para atuar nas questões complexas que envolvam o

meio ambiente e as nanotecnologias, objetivando dar vazão à ecologização do Direito e

não a juridicização da ecologia para o alinhamento com os riscos trazidos pelas

nanotecnologias.

Continua-se a gerar impactos sobre o meio ambiente e sobre a saúde humana sem

estudar profundamente seus mecanismos de ação e principalmente como mitigar estes

efeitos e a nossa capacidade social para compreender e monitorar as mudanças ambientais

depende em grande parte da quantidade e da qualidade do conhecimento científico.

Assim, se, inicialmente, na proteção da natureza, o legislador se preocupava

exclusivamente com tal espécie ou tal espaço, hoje cuida da proteção de objetos

infinitamente mais abstratos e mais englobantes, como o clima ou a biodiversidade (Ost,

1995, 212).

Desta forma, ao Direito, cabe manter-se aberto e disposto a responder às questões

relativas a este novo contexto de incertezas, atualizando-se e especialmente aprendendo

a lidar com as novas demandas e riscos que a ciência tem desenvolvido. Esta atuação

nova do Direito precisa, ainda, envolver a sociedade como um todo na gestão dos riscos

das nanotecnologias.

Neste momento onde há muito mais incertezas do que conhecimentos, ainda

faltam estudos mais profundos, a serem desenvolvidos em longo prazo e com abordagem

transdisciplinar, necessários ao entendimento das novas tecnologias. Como menciona

Gadamer, o decisivo é a colocação da questão.

Assim, apesar das incertezas sobre as consequências de determinadas atividades,

o Direito não pode se abster de tutelar os interesses das futuras gerações em relação às

qualidades ambientais necessárias a uma existência digna, expondo-se às consequências

de negar a sua função de construção de um futuro desejado. A relação entre o Direito e

os avanços nanotecnológicos na América Latina é muito recente, mas absolutamente

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necessária. A área jurídica continua imersa numa tradicional “tranquilidade” de

enfrentamento dos novos direitos e deveres que surgem diariamente.

O Direito ainda não se estruturou adequadamente para responder aos desafios

propostos pelas novas tecnologias. O Direito é mais devagar quanto à legitimação das

inovações cientificas, bem como quanto aos seus efeitos no meio ambiente e na saúde.

Isso porque o Direito temporaliza a sua complexidade por processos administrativos ou

jurisdicionais. Nessa mesma direção vai o alerta de Mireille Delmas-Marty “o

desenvolvimento dos laços de pesquisa biomédica é o próprio exemplo de uma mutação

que, por sua rapidez e amplitude, exigiria uma resposta jurídica mundial, sendo os riscos,

então, na medida em que os ônus financeiros são altos, de deixar os argumentos

econômicos e financeiros preponderarem sobre os direitos do homem e sobre as doenças”

(Delmas- Marty, 2003, 138).

Nota-se que não há resposta correta no Direito, ela deverá ser razoável, porque

adequada aos contornos da situação fática, e legítima, posto em consonância com as

diretrizes e princípios escritos na Constituição da República. Esta é a perspectiva que

deverá nortear o trabalho de regulação das pesquisas e dos resultados em nanoescala

(Engelmann, Flores, Weyermüller, 2010, 114).

Para que o Direito brasileiro não permaneça alheio e à margem da grande

revolução tecnológica que está em andamento, sendo capaz de, ao menos, propor

alternativas para decisões em relação às situações que já vem ocorrendo, é necessário que

se utilize da transdiciplinaridade. O estudo de diferentes temas da revolução

tecnocientífica que implicam em necessárias mudanças de paradigmas e da tradicional

visão do Direito de agir apenas após o fato se torna condição sinequa non para que a

ciência do Direito permaneça em evolução e adequada às necessidades da sociedade.

O Direito vai usar a probabilidade e a magnitude para verificar o risco e para

adequar-se a nova realidade, na qual a certeza não mais estará presente. O potencial

destrutivo da tecnologia pós-industrial, seu imediato e massificado consumo e a

magnitude dos danos e riscos desta era, demonstram uma necessidade de

consideração prioritária dos riscos pelo Direito, sendo estes objetos da decisão

jurídica autônoma (Pardo, 1999, 54). A gestão de riscos abstratos está diretamente

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ligada a uma metodologia transdisciplinar e é a partir desta metodologia que o

princípio da precaução deve ser capaz de avaliar a probabilidade de ocorrência dos

riscos abstratos, sua provável magnitude e irreversibilidade.

Entre os princípios e indicadores que devem ser seguidos para a supervisão das

nanotecnologias e nanomateriais podem ser citados (Nanoaction, 2012): a abordagem

precaucional; regulamentos específicos obrigatórios; preocupação com saúde e segurança

dos trabalhadores; preocupação com a sustentabilidade ambiental; transparência;

participação pública; estudos mais amplos acerca de impactos e a responsabilidade do

fabricante. Ocorre que, apesar de grandes discussões e debates, a questão da regulação da

nanotecnologia ainda não resta definida em muitos países, inclusive no Brasil, o que não

tem impedido que um grande número de produtos já esteja no mercado. Tal situação gera

inquietação e desconforto em vários segmentos da sociedade (comunidade científica,

organismos não-governamentais e empresariado) (ABDI, 2011, 29).

Quanto aos mecanismos de proteção ao meio ambiente e ao direito das

futuras gerações, as novas tecnologias exigem que o Direito se molde à real idade, e

seja capaz de fornecer respostas na medida em que as demandas jurídicas surgirem.

Em relação as respostas que o Direito ainda não tem para a questão das nanotecnologias

pode-se mencionar que quando ausente uma base científica sólida, se exigem do

Direito decisões juridicamente vinculativas em condições de grande incerteza, ou

seja, decisões de sim ou não sobre atividades, produtos, substâncias ou técnicas, de

modo que os juristas devem agir com prudência e um especial bom-senso na

aplicação das medidas evitatórias (Aragão, 2008, 35). Não apenas o princípio da

precaução deve ser invocado e servir de base na tomada de decisões, mas também o

princípio da informação precisa ser mencionado e efetivamente aplicado. É preciso

que as informações decorrentes do estudo dos riscos tenham ampla divulgação e

estejam disponíveis para a sociedade, para que os atores envolvidos diretamente nas

decisões sobre a limitação da nanotecnologia e a sociedade civil tenham melhores

condições frente aos desafios surgidos com esta nova tecnologia.

Desta forma, cabe ao Direito, como ciência, possibilitar a criação de

instrumentos jurídicos com objetivo de efetivar medidas de gerenciamento

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preventivo do risco, baseado nos princípios da prevenção, da precaução, da

responsabilização, da informação e da sustentabilidade, objetivando sempre o

cuidado com o ser humano e o meio ambiente. A proteção da saúde ambiental como

um todo deve permear as atitudes de todos os envolvidos no processo produtivo, tendo

sempre como objetivo a prevenção de novos incidentes e a busca de uma maior

qualidade de vida para todos. Diante disto, tendo em vista a amplitude dos reflexos da

revolução nanotecnológica nos mais diferentes campos da sociedade, torna-se imperioso

que o Direito também se preocupe com os diferentes aspectos desta revolução.

O cenário das nanotecnologias não será enfrentado com o conhecimento jurídico

especializado e protegido pelas características do positivismo jurídico, especialmente o

de viés legalista. Por meio da transdisciplinaridade se poderá a regulação com a ajuda do

diálogo entre as fontes do Direito, deslocando-se a Constituição para o centro do sistema

jurídico e desconstruindo-se a estrutura piramidal.

O pluralismo de fontes passa a ser uma das alternativas frente à necessidade de

evolução do Direito, para que este possa tratar dos desafios surgidos com o advento das

novas tecnologias, entre elas, as nanotecnologias. A lei demonstra ser incapaz de prever

todos os casos concretos, no entanto, as situações não previstas seguem exigindo posições

e soluções do jurídico. Um dos desafios é aprender a pluralidade das fontes, vencendo o

reducionismo codificador (Fachinn, 2008, 4). É necessário que os transformadores do

Direito desfaçam a ideia geral de que a lei pode (deve) resolver qualquer problema, pois

é exatamente essa crença que tem dificultado a evolução do Direito. Afirma-se em geral,

que a lei encerra todo o Direito, mas a concepção dogmática da lei, imaginada como uma

regra universal, editada para o futuro e para sempre, pode ser inexata (Cruet, 1908, 17).

As nanotecnologias exigirão uma nova Teoria das Fontes do Direito, que

promova um efetivo diálogo entre todas elas, sem uma hierarquia, mas canais de

comunicação e complementação conteudísticos. Por este modelo, onde as fontes

(nacionais e internacionais) estarão uma ao lado da outra, podendo conjugar contribuições

para a adequada resolução do caso concreto, o que se pretende é o trabalho conjunto das

fontes do Direito, movimentando-se horizontalmente, com caminho de passagem

obrigatório pelo centro, onde estará a Constituição da República. Assim, será possível

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colocar o Direito na rota de construção de uma sociedade onde o ser humano e o meio

ambiente efetivamente sejam protegidos, por meio de um conjunto normativo moderno,

flexível e em condições de viabilizar a comunicação do Direito nacional com a sua

interface internacional e vice-versa, cada vez mais importante, especialmente no caso da

construção dos marcos regulatórios para as nanotecnologias (Engelmann, 2011, 36).

Neste cenário atual, a lei não possui condições de acompanhar a velocidade da

produção de novidades tecnológicas e o diálogo entre as fontes passa a ser uma excelente

alternativa de geração do Direito, onde os marcos normativos e as respostas jurídicas

criadas deverão considerar a contribuição de cada uma das fontes, através de um filtro

dos controles de constitucionalidade e convencionalidade visando sempre à proteção dos

seres humanos e do meio ambiente.

Assim, as nanotecnologias passam a exigir um efetivo diálogo entre as fontes do

Direito, sem uma hierarquia, mas com canais de comunicação, onde as fontes

(nacionais/internacionais, de origem estatal ou não, leis, tratados, costumes, princípios,

resoluções, normas técnicas e instruções normativas de agências reguladoras estatais,

normas sobre a saúde e segurança do trabalhador da OIT, normas e princípios

Ambientais) estarão lado a lado, buscando soluções para a adequada resolução do caso

concreto, mas sempre sendo filtradas no arcabouço normativo-principiológico-axiológico

contido na Constituição Federal e pelo controle de Convencionalidade.

Este diálogo entre as fontes exigirá a desconstrução da pirâmide com a hierarquia

das normas, que possui a lei em seu ápice, mantendo as demais fontes em níveis

hierárquicos inferiores. Esta técnica se utiliza da aplicação simultânea e coordenada das

diferentes fontes do Direito, deslocando o centro de produção destas fontes do Estado

(que era o único criador da lei, mantida em seu pedestal) para várias outras instituições

nacionais e internacionais, de modo a adequar a ciência do Direito às inovações advindas

das nanotecnologias.

Desta forma, o diálogo entre as fontes parece ser um modo de aplicação da

necessária transdisciplinaridade, internamente à Ciência do Direito, para a construção de

respostas possíveis aos novos questionamentos surgidos devido aos riscos das novas

tecnologias. A falta de certeza e a necessidade do Direito ter de aprender a lidar com isso

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e de ser capaz de fornecer as respostas necessárias à nova realidade também fortalecem o

diálogo entre as fontes como alternativa possível.

Eis então o desafio para o Direito: lidar com os danos futuros, a partir de decisões

que deverão ser tomadas no presente. O Direito está confrontado com uma situação de

incerteza e complexidade, que necessitará de respostas criativas, através do uso de

instrumentos diferentes daqueles tradicionalmente usados pelo positivismo jurídico,

especialmente aquele de viés legalista.

Surge então a necessária a inovação no/do Direito, para que não fique à margem

da revolução nanotecnológica que vem acontecendo e possa criar respostas jurídicas

flexíveis (inclusive precaucionais, antecipando-se aos possíveis riscos) que respeitem

tanto o ser humano quanto o meio ambiente, em consonância com as reais necessidades

da sociedade.

Resta demonstrado que não serão soluções habituais que darão conta de fornecer

as respostas do Direito exigidas pela nova realidade das nanotecnologias. Caberá sim, ao

Direito, de forma criativa, inovadora e desapegada do positivismo legalista desenvolver

formas de atender às atuais demandas geradas pelos produtos com nanopartículas

engenheiradas na sociedade de risco. E isso somente será possível através de uma visão

transdisciplinar, que permita ao Direito ter uma visão mais integral do todo, da

complexidade, e não mais apenas uma visão fragmentada, disciplinar, de ciência de

impacto, com a qual a sociedade prefere não se envolver e tampouco fomentar a pesquisa.

Desta forma, cabe ao Direito possibilitar a criação de instrumentos jurídicos com objetivo

de efetivar medidas de gerenciamento preventivo do risco, baseado nos princípios da

precaução, da responsabilização e da informação almejando sempre o cuidado com o ser

humano e o meio ambiente. E, como exemplo destes instrumentos pode-se citar o uso das

árvores de decisão, com as diferentes fontes do Direito, para que se possa gerir

adequadamente o risco decorrente dos nanotecnológicos, sempre recebendo as irradiações

do princípio da precaução.

A árvore da decisão é uma técnica para sinalizar como as decisões sob condições

de risco devem ser tomadas e onde é possível atribuir valores e ganhos ou perdas em cada

alternativa (Chiavenato, 2004, 367). O uso de árvores de decisão na área de produtos com

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nanotecnologias foi demonstrado por Hohendorff e Engelmann (2014, 179-180), em

publicação acerca de nanoagroquímicos.

Assim, a árvore de decisão é apresentada como uma ferramenta para ajudar a

pensar de forma sistemática sobre a informação necessária para avaliar e garantir a

segurança das nanopartículas. Com esta ferramenta, todos os atores envolvidos com as

nanopartículas, incluindo reguladores, trabalhadores, indústria e consumidores podem

começar a coletar as informações que serão mais úteis na construção do conhecimento

nesta área, de modo que a saúde humana e ambiental continuem a ser protegidas. As

árvores de decisão representam caminhos a serem percorridos para que os fatores que

influenciam uma determinada situação possam ser compreendidos.

As árvores de decisão constituem uma técnica muito importante e amplamente

utilizada em problemas de classificação. Uma das razões para que esta técnica seja

bastante utilizada é o fato do conhecimento adquirido ser representado por meio de regras.

O uso das árvores, em relação ao caso dos produtos nanotecnológicos auxilia na

visualização das relações de causa e efeito, bem como facilitam a identificação das

lacunas ainda existentes e da necessidade de preenchê-las, conforme visualizado na

Figura 3 (Hohendorff, Engelmann, 179-180). Com o uso das árvores de decisão tem-se

uma abordagem flexível e poderosa para se lidar com os riscos que ocorrem em etapas,

em que as decisões para cada uma delas dependem dos desfechos da etapa anterior. Além

de propiciar medidas de exposição ao risco, elas levam a refletir como será a reação aos

diferentes desfechos, positivos ou negativos, em cada etapa.

FIGURA 3: Árvore de Decisão para a gestão dos riscos dos produtos

nanoagroquímicos

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Os variados ramos da árvore de decisão vão sendo ocupados com os

questionamentos e as respostas vão sendo fornecidas pelas mais diferentes fontes do

Direito, até o limite onde será necessário sim usar o princípio da precaução e da

informação, bem como o da responsabilidade do produtor, objetivando não o

“engessamento” da inovação, mas sim a preocupação com a saúde humana e ambiental,

em cada caso concreto. Este é o núcleo que a imersão constitucional da resposta produzida

por meio do diálogo entre as fontes do Direito deverá ter como guia: em qualquer

circunstância se estará tratando de coisas humanas, seja em relação direta ao ser humano,

seja em relação ao meio ambiente que são dois pontos centrais insculpidos na

Constituição (Engelmann, 2012, 4622).

Cabe sempre relembrar que deverá ocorrer uma espécie de passagem por um filtro

constitucional e convencional, de modo que a Constituição e as Convenções de Direitos

Humanos passarão a ocupar o lugar central no diálogo entre as fontes do Direito. Desta

forma, a produção do Direito não mais estará centralizada e focada no Estado e no Poder

Legislativo, mas sim nas mais diferentes fontes.

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O desafio da nanotecnologia hoje, para o Direito, é como a sociedade poderá

colher os benefícios da produção em nano escala e, concomitantemente não sofrer os

danos associados com a saúde humana e riscos ambientais que podem advir juntamente

com esta tecnologia. Não há hoje, conhecimento disponível para definir todos os possíveis

riscos associados aos nanomateriais, e assim, se torna necessária e imprescindível a gestão

dos riscos, de modo transdiciplinar, através do uso do Diálogo entre a s fontes do Direito,

para que as decisões possam objetivar a redução destes novos riscos.

4. CONCLUSÃO

A sociedade atual está vivendo o período da revolução nanotecnológica, onde os

mais diversos setores produtivos utilizam em seus processos insumos, materiais ou

equipamentos que contém nanopartículas engenheiradas. As pesquisas em nano escala já

deixaram os laboratórios e ganharam as linhas de produção das indústrias, incrementando

o número de produtos com nanotecnologia que chegam ao mercado.

Uma vez que as propriedades físico-químicas dos materiais em escala nano podem

diferir das propriedades dos materiais em escala macro, o comportamento destas

partículas torna-se uma incógnita, e assim, todo o ciclo de vida destes materiais também

é desconhecido. Não se sabe, por exemplo, se haverá reação com outras partículas, se

haverá agregação, como será a dispersão e a bioacumulação. Trata-se de riscos incertos,

abstratos, globais, invisíveis e irreversíveis que impactam as diversas áreas do

conhecimento de modo que a economia, a política, o Direito, e tantos outros sistemas

sofrerão mudanças com as estas novas tecnologias.

A dogmática jurídica é um pensamento estabelecido no passado, que enfatiza a

repetição, não plenamente capaz de regular as novas problemáticas da sociedade

globalizada atual. Em função da globalização, o papel do jurídico desloca-se

sucessivamente de uma perspectiva estrutural (preocupada com questões normativas do

direito) para uma perspectiva funcionalista (voltada para as funções sociais do direito),

possibilitando ao Direito o uso de técnicas transdiciplinares, de modo a não mais

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permanecer inerte e estanque frente aos novos desafios trazidos pela revolução

tecnocientífica.

Eis a questão: é preciso sair do castelo da certeza, que não possibilita a

visualização completa da realidade que se apresenta ao jurista e ao Direito, para um

espaço de incerteza, em um cenário novo e desafiador que a criatividade humana está

desenhando por meio das nanotecnologias e que precisará ser albergado pelo Direito.

Mas, e como o Direito vai lidar com isso? Como vai deixar este castelo, aparentemente

tão seguro e inviolável, protegido pelo positivismo? Como vai lançar-se na incerteza, no

inesperado, no risco? Como uma ciência que segue apartada dos demais ramos do

conhecimento, com a ilusória visão que possuiu todas as respostas apropriadas às

demandas sociais, vai adequar-se?

As áreas técnicas (ciências duras ou as ciências de produção) envolvidas deverão

valer-se das Ciências Humanas (ciências brandas ou as ciências de impacto), dentre as

quais o Direito, para fazer a ponte entre as investigações na escala nano e o destinatário

final, que são as pessoas. Assim ocorrerá a prática da transdiciplinaridade, como no

exemplo do uso das árvores de decisão, advindas da área da administração, para uma

gestão de riscos e diálogo entre as diferentes fontes do Direito.Os desafios ao Direito

estão lançados eis que hoje o jurista vive um momento fértil e difícil: fértil, porque seu

papel é por demais ativo e estimulador; e difícil não somente pelas graves

responsabilidades que pesam sobre suas costas, mas também pelo extenso quociente de

incerteza que envolve sua ação cognitivo-aplicativa” (Grossi, 2010,86).

Para que o Direito consiga dar conta dos desafios trazidos pelos avanços das

nanotecnologias deverá abrir-se para dois caminhos: perpassar outras áreas do

conhecimento que poderão ajudá-lo a compreender a complexidade das Realidades que

as nanotecnologias viabilizarão e deixar ingressar as ideias vindas de outras áreas e

saberes. Esta será a condição de possibilidade para a construção do jurídico na Era

Nanotech.

Por fim, cabe lembrar a citação de Jose Esteve Pardo (1999, 215): Se optar-se por

absolver os riscos técnicos que não são cognoscíveis pela ciência do conhecimento, estar-

se-á dando cobertura para que a técnica experimente com as pessoas e o meio ambiente.

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Então, se saberá que havia um risco apenas quando o dano ocorrer. A questão em aberto

é saber se se deve continuar a assumir riscos, não só do progresso, mas do papel de objetos

de experimentação de tecnologias que já operam no reduto mais íntimo e essencial da

pessoa ou tecnologias desenvolvidas em um ambiente perturbador de desconhecimento

cujo imenso potencial devastador se percebe- como se fosse uma experimentação em

laboratório - por danos a pessoas ou o ambiente que se prolongam, não se sabe até quando,

de geração em geração.

5. REFERÊNCIAS:

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