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A Inquisição e a Sodomia Religiosa: o pecado nefando em Portugal e na América Portuguesa Veronica de Jesus Gomes Monografia apresentada como pré- requisito para conclusão do curso de Licenciatura em História, do Centro de Ciências Humanas, da Universidade Veiga de Almeida, sob orientação da professora Vera Lúcia Bogéa Borges. UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA - UVA Rio de Janeiro - 2006

A Inquisição e a Sodomia Religiosa

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A Inquisição e a Sodomia Religiosa: o pecado nefando

em Portugal e na América Portuguesa

Veronica de Jesus Gomes

Monografia apresentada como pré-requisito para conclusão do curso de Licenciatura em História, do Centro de Ciências Humanas, da Universidade Veiga de Almeida, sob orientação da professora Vera Lúcia Bogéa Borges.

UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA - UVARio de Janeiro - 2006

Dedico este trabalho a minha mãe,

a pessoa mais importante da minha

vida, e ao seu marido, Amilton

Rocha.

Aos professores Vera Borges, Luiz

Mott, José Bello e Rosalvo do

Valle.

Ao PTG, alguém especial que veio

de longes terras...

AGRADECIMENTOS

Na elaboração deste trabalho devo meus agradecimentos aos

professores da Universidade Veiga de Almeida Vera Borges, que além de ser a

orientadora, sempre acreditou em mim e sempre esteve presente, e José Bello,

que muito contribuiu com as normas da ABNT, ótimos comentários e com

indicações de preciosas fontes. Agradeço imensamente as contribuições do

professor Rosalvo do Valle, que traduziu as expressões em Latim com muito

boa vontade.

Devo agradecer imensamente ao professor do Departamento de

Antropologia da Universidade Federal da Bahia, Luiz Mott. Graças à você, pude

definir o tema e discorrer acerca dele. Sem seu apoio fundamental, este

trabalho não existiria

Tenho que agradecer imensamente a paciência, o apoio, o incentivo,

enfim, tudo, tudo mesmo... à minha mãe, Nair Gomes, e ao seu marido Amilton.

Vocês foram super-atenciosos e pacientes para com alguém que não parava

de ler e escrever e que, quase não tinha tempo para conversar com vocês...

Meu Muito Obrigada!!!

Não tenho palavras para descrever a contribuição, a força, o carinho e o

apoio dos amigos da Universidade: Lia Regina, Bianca Pessanha, Luiz

Fernando, Maria Raquel, Luiza Guimarães, Marcelo Batista, Bárbara Machado,

Aline Gomes, Anna Meirelles, Daniella e Tales Vasconcellos. Também devo

agradecer aos amigos do estágio no Arquivo do Tribunal de Justiça: Marco

Rangel, Helena Moura, Luiz Eduardo, Nilson, Ingrid, Carolina Barcellos,

Maxwell Alves, Elaine Souza Cruz e Christine.

Não posso deixar de agradecer ao amigo, historiador e jornalista Ivan

Alves Filho. Sempre presente e me incentivando. À professora Cléia Schiavo,

meu muito obrigada. Agradeço os incentivos dos amigos Luis R. Cancel,

Patrick Sheehy, Nick Edwards, Vincent James Morkri, Pablo Sandoval, Ricardo.

Mesmo fora do Brasil, sempre acreditaram em mim. Aos amigos de Saquarema

Rodrigo Fernandes, Diana, Marli, Olivia Castillo, Gratia Cynthia João de

Carvalho e Belkiss Lemos. Agradeço ao poeta José Damião, que sempre me

incentivou a escrever.

Agradeço a todos aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram

para que este trabalho fosse feito. Muito abrigada e recebam todo o meu

carinho.

Por último, mas não menos importante, quero agradecer o apoio e os

cumprimentos do PTG, alguém que veio de longes terras, terras d’além - mar...

“Se, desde o início, a História tivesse apanhado e arrastado pelos cabelos os

tiranos civis e os tiranos religiosos, não creio que houvessem melhorado, mas

teriam sido mais detestados e os desventurados súditos teriam sido menos

pacientes.”

(Denis Diderot, filósofo francês)

“O futuro não projeta os erros do passado, quando as gerações presentes são

capazes de mudar o curso dos acontecimentos.”

(José Carlos Carvalho, ex-Ministro do Meio

Ambiente)

RESUMO

A reativação da Inquisição no contexto da Contra-Reforma objetivava reprimir as manifestações contrárias aos ideais católicos. A criação do Tribunal do Santo Ofício em Portugal não permitiria que a América Portuguesa passasse incólume e a atuação inquisitorial se daria através das três visitações do Tribunal lisboeta, ocorridas entre os séculos XVI e XVIII. Crimes contra a fé e a moral foram investigados e houve muitas condenações. O trabalho analisa a sodomia, crime sexual que estava sob a alçada da Igreja, e mostra a existência de inúmeros casos existentes na própria instituição que perseguia os sodomitas. O comportamento dos religiosos, suas relações homoeróticas e a caracterização do ambiente religioso existente em Portugal e na América Portuguesa dos séculos XVI e XVII revelam um conjunto de incoerências, a mescla entre o sagrado e o profano; entre absolvição e pecado.

Resumen

La reactivación de la Inquisición en el contexto de la Contra-Reforma tenía como objectivo reprimir las manifestaciones diferentes de los ideales católicos. La creación del Tribunal del Santo Oficio en Portugal no permitiría que la América Portuguesa quedase intacta. La actuación de la Inquisición ocurrió a través de las tres visitaciones del Tribunal de Lisboa, ocurridas entre los siglos XVI e XVIII. Los crimenes contra la fe y la moral fueron investigados y hubo muchas condenaciones. El trabajo hace un análisis de la sodomía, crimen sexual bajo la jurisdicción de la Iglesia, y muestra la existência de muchos casos de sodomitas en la propia institución que los perseguía. El comportamiento de los religiosos, sus relaciones homoeróticas y la caracterización del ambiente religioso que existía en Portugal y en la América Portuguesa revelan un conjunto de incoherencias, la mezcla entre el sagrado y el profano; entre el perdón y el pecado.

SUMÁRIO

Introdução

1 O Mundo Invertido/Subvertido da Igreja e a Inquisição

1.1 A Vulnerabilidade da Igreja Católica e as Reformas

1.2 O Tribunal do Santo Ofício

2 Reflexos do Tribunal do Santo Ofício na América Portuguesa

2.1 A Igreja, as Relações Sociais e a Inquisição na Colônia

2.2 As Visitações do Tribunal do Santo Ofício

3 A Inquisição e a Sodomia Religiosa em Portugal e na América Portuguesa

3.1 Considerações sobre o pecado e a cultura da superculpabilização no

Ocidente: os delitos da carne, a repressão sexual e a sodomia religiosa

3.2 Amor, assédio, poder e violência nas relações homoeróticas clericais

Conclusão

Referência

Introdução

“Que o mundo antigo s’erga e lance a maldiçãoSobre vós... remembrando a negra Inquisição,A hidra escura e vil da vil Teocracia,O Santo Ofício, as provas, o azeite, a gemonia...Lisboa, Tours, Sevilha e Nantes na tortura,Na fogueira Grandier, João Huss na sepultura,Colombo a soluçar, a gemer Galileu...De mil autos-da-fé o fumo enchendo o céu...”1[1]

(Castro Alves, Jesuítas e Frades)

Transgressão, contestação, heresia. Ações fortemente reprimidas pela

Igreja, detentora e controladora do saber e do pensamento desde a Idade

Média. Junto com essas ações, a repressão e a perseguição. Ambos coexistem

e são dependentes. Independentemente das tentativas de extirpá-las por

completo, a heterodoxia sempre renasce. Anita Novinsky acredita que

ortodoxia e heresia são, portanto, dois pólos inseparáveis e dependentes.

Afinal, “quando a Igreja ortodoxa torna-se mais severa e aumenta sua

repressão, é porque os hereges, os dissidentes, contestatários também

aumentaram.”2[2]

E mesmo com a existência de mecanismos repressivos, a heresia, ainda

assim, se mantém. Mesmo com o domínio católico sobre mentes e corpos

desde a Idade Média, ela resiste. E dentro deste contexto, acredita-se que “o

luteranismo foi a primeira heresia triunfante, no compasso da ruptura das

hierarquias do feudalismo.”3[3]

A história da Igreja é marcada pela coexistência das dicotomias

ortodoxia e heresia, repressão e transgressão. Com a finalidade de defender a

1[1] ALVES, Castro. Os Escravos. Rio de Janeiro: Klick, 1999. p. 6.2[2] NOVINSKY, Anita. A Inquisição. São Paulo: Brasiliense, 1982. p. 12.3[3] NOVAIS, Fernando A. Condições da privacidade na colônia. In: MELLO E SOUZA, Laura de (org.). História da vida privada no Brasil. Cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 35.

fé católica, um mecanismo de controle existente desde a Idade Média, seria

reativado na época Moderna: a Inquisição.

Objetivando legitimar e reforçar a estrutura da Igreja, imposta pela

pedagogia do medo, a Inquisição enviaria muitos hereges para seus cárceres e

até mesmo para suas fogueiras. Eram as contradições de uma época marcada

pelas Grandes Navegações, quando a Europa partia em busca de novas terras.

Momento em que a Europa descobria a América e em que Portugal descobria o

Brasil.

Este trabalho discute as contradições que marcaram a história da Igreja

Católica. Se por um lado era dedicada a perseguir os transgressores de sua

doutrina e controlar seus seguidores, mostrando-se preocupada com a moral e

os bons costumes, por outro, esses mesmos sustentáculos não eram

respeitados por muitos de seus próprios membros, uma vez que muitos

religiosos não obedeceram aos votos de castidade e renderam-se àquele que

era considerado o mais torpe e sujo pecado sexual, do qual não se podia nem

dizer o nome: a sodomia.

O contexto da Igreja desde o final da Idade Média e suas incoerências,

uma vez que havia grande distância entre aquilo que era ensinado e o que era

realizado na prática, elementos que permitiriam a realização da Reforma

protestante, são analisados no primeiro capítulo. A reação católica e a criação

do Tribunal do Santo Ofício em Portugal também são questões analisadas

aqui. Neste capítulo foram utilizados os livros de Rolando Mousnier e N. S.

Davidson, que tratam da Reforma e da Contra-Reforma. Abordando a criação

da Inquisição lusitana foram utilizados os livros de Anita Novinsky, Francisco

Bethencourt e do Padre António Vieira. O Manual do Inquisidor, de Nicolau

Eymerich e Francisco de la Peña, trata das torturas, enquanto o texto de

Daniela Calainho enfatiza o papel desempenhado pelos Familiares do Santo

Ofício. A obra de Geraldo Pieroni, além de analisar a questão do degredo, faz

referência aos Regimentos inquisitoriais.

O segundo capítulo discute o cotidiano colonial, as relações sociais

existentes e os reflexos da Inquisição na América Portuguesa através das três

visitações do Tribunal do Santo Ofício nos séculos XVI – XVIII. Os livros

consultados foram os de Eduardo Hoornaert, que trata da Igreja no Brasil,

Laura de Mello e Souza, que contextualiza o cotidiano colonial, mostrando a

falta de privacidade na colônia, Hilário Franco Júnior, Ronaldo Vainfas e Luiz

Mott analisam o universo do sexo na concepção católica. Para analisar as

visitações do Santo Ofício, utilizamos principalmente Anita Novinsky, Ângela

Vieira Maia, José Roberto do Amaral Lapa e Sonia Siqueira.

Por sua vez, o terceiro capítulo faz considerações sobre o pecado e a

cultura da culpa, a repressão sexual e as relações homoeróticas na América

Portuguesa e em Portugal. As principais fontes utilizadas foram os livros de

Jean Delumeau, que trata do pecado, do medo e da culpa, e de Marilena

Chauí, que aborda a repressão sexual. Ronaldo Vainfas e Luiz Mott foram os

autores mais utilizados no que se refere ao universo sexual de leigos e

religiosos sodomitas na Metrópole e na Colônia.

1 O Mundo Invertido/Subvertido da Igreja e a Inquisição

1.1 A Vulnerabilidade da Igreja Católica e as Reformas

“Às vezes é preciso morrer para que certas idéias permaneçam vivas.”

(Giordano Bruno, filósofo italiano, queimado pela Inquisição em fevereiro de 1600)

No final da Idade Média, a necessidade de uma Igreja renovada, mais

próxima dos fiéis e mais humilde, que fosse mais coerente com o pensamento

cristão era cada vez mais evidente. Afinal, resgatar a imagem de Cristo seria

resgatar a simplicidade e a sensibilidade. Mas o que se via naquele momento

eram os abusos e a corrupção na Igreja. É bem verdade que sempre existiram

alguns excessos – que provocaram algumas reformas ao longo dos tempos,

muito embora nunca tenham tocado na questão da verdade da doutrina -, mas

foi durante o século XVI que a situação tornou-se insustentável e surgiram as

condições favoráveis para uma Reforma.

Os fiéis mostravam-se descontentes com a cobrança dos impostos

pontificais, o alto clero possuía costumes faustosos em detrimento de suas

obrigações, muitos cargos clericais eram por nomeação, o que mostrava que a

vocação para a vida religiosa não era o requisito mais importante, e ainda havia

vendas de relíquias e de indulgências. A venda destas era, quase sempre,

concedida a pessoas privilegiadas, o que muitas vezes envolvia elevadas

somas ao Papa financiadas por importantes casas bancárias, como foi o caso

dos Függuer, na Alemanha.

A fragilidade da Igreja, com o Estado Papal vivendo o espetáculo das

cortes, uma vez que pobreza e sobriedade não eram suas virtudes naquele

momento, fizeram com que Roma fosse chamada de Nova Babilônia ou

Prostituta da Babilônia. É importante destacar que nem todos os clérigos

partilhavam da corrupção. Descreveria o cardeal Reginaldo Pole, em 1546:

Nós mesmos somos em grande parte responsáveis pelo infortúnio ocorrido – pelo surgimento da heresia e o colapso da moralidade cristã -, pois não conseguimos cultivar o campo a nós confiado. Somos como o sal que perdeu o sabor. A menos que nos penitenciemos, Deus não falará conosco.4[4]

A crítica ao pensamento clerical e o desejo de uma reelaboração e

rejuvenescimento do cristianismo já eram pontos discutidos por humanistas e

renascentistas. Segundo Jean Delumeau, “o Renascimento surge aos nossos

olhos como um oceano de contradições”5[5], uma vez que, por um lado, foi um

momento de beleza e inspiração intelectual, mas por outro, fortemente

marcado por intenso obscurantismo – seja de alquimistas, de astrólogos, de

feiticeiras e de caçadores de feiticeiras. Devido a esses fatores, o

Renascimento foi descrito por Delumeau como “tempo de ódios, de lutas

terríveis, de processos insensatos, a época de Barba-Azul e Torquemada, dos

massacres dos povos americanos e das execuções da Inquisição.”6[6]

O fervor religioso parece ter aumentado em fins do século XV e

princípios do XVI. E isto pode ser percebido devido ao grande número de

novas igrejas, da impressão de numerosos missais e orações, entalhe de

imagens de madeira e através da arte. Foi uma época em que a história de

Cristo, da Virgem Maria, dos Mártires e dos Santos era passada com grande e

4[4] DAVIDSON, N. S. A Contra-Reforma. São Paulo: Martins Fontes, 1991. p. 23.5[5] MOUSNIER, Roland. História Geral das Civilizações. Os Séculos XVI e XVII. São Paulo: Difel, 1960. p. 816[6] DELUMEAU, Jean. A Civilização do Renascimento. Lisboa: Estampa, 1984. v.1. p. 19-22.

crescente emoção. Uma verdadeira necessidade de sensibilidade, necessidade

de uma religião que tocasse e acalentasse o coração. Elementos que faziam

parte de um contexto no qual havia grande esforço por parte dos homens

daquela época para encontrar Deus: “Deus nunca está bastante perto de

nós.”7[7]

Esta busca incansável e incessante por Deus estava inserida num

período em que o medo e a culpa estavam muito presentes na sociedade.

Medo do “estado de pecado mortal, que podia mergulhar as pessoas no

inferno.”8[8]

Havia uma espécie de dicotomia no modo de pensar daquela sociedade

no que se refere ao medo do inferno e ao anseio pela redenção; vida carnal,

pagã e mundana e vida religiosa; o sagrado e o profano. Assim, diria Lucien

Febvre que “os homens deste tempo voltam-se para a vida, com um apetite e

uma paixão frementes.”9[9]

Os homens daquele tempo estavam imbuídos de um ardente desejo de

viver intensamente e, “encontravam-se unidas nestas naturezas impetuosas e

excessivas, por uma lógica mais profunda: a dos sentimentos.”10[10]

Nesse contexto de decadência da Igreja, período de angústia, culpa e

medo – sentimentos estes que não eram partilhados apenas pelos fiéis, mas

também pelos clérigos -, a descrição dos sentimentos destes pode ser

resumida pelas palavras de Monsenhor Surian, Bispo de Vence no fim do

Antigo Regime: “... Quando... eu penso que... o inferno será a residência fixa de

quase todos aqueles com quem eu vivo..., quando eu penso que talvez seja

7[7] MOUSNIER, Roland. Op. Cit. p.82. 8[8]Idem. p. 83.9[9] Idem.10[10] FEBVRE. Apud. MOUSNIER. Op. Cit. p. 83.

essa a minha sorte e meu quinhão, confesso que não sou mais dono de meu

terror.”11[11]

Diante de um momento em que os pecadores que possuíam bens

poderiam conquistar a salvação através da compra de relíquias e indulgências

– além do grande poder que possuíam as esmolas -, fazia-se realmente

necessária uma mudança na Igreja e um monge se destacaria na luta contra a

concepção do poder das obras com o objetivo de alcançar o paraíso. Martinho

Lutero, monge agostiniano, acreditava que a Igreja Católica era infiel, uma vez

que concedia absolvições, que, a seu ver, eram precipitadas e que pactuava

com a possibilidade do homem – que nada mais era, segundo Lutero, do que

pecado e contradição – obter méritos através de suas obras. Assim, ele não

acreditava no poder das obras como mediadora entre Deus e os homens, como

o veículo que levaria estes à salvação. Lutero acreditava no poder da fé, no

poder da justificação do homem pela fé em Cristo, que morreu para salvá-los.

Segundo Roland Mousnier, “o luteranismo é um Cristocentrismo”12[12], ou seja,

através da fé em Cristo o homem poderia conquistar a redenção. Uma vez que

Cristo morreu por amor aos homens e estes têm fé, Deus lhes daria e os

revestiria com os méritos de seu filho, muito embora a corrupção e o pecado –

inerentes ao homem, segundo a visão de Lutero - não fossem sanados.

Possuindo uma nova concepção do caminho que levaria o homem à

salvação, Lutero rompeu com Roma e estabeleceu uma nova forma de pensar,

que veio a ser muito bem aceita principalmente pela burguesia crescente. O

Protestantismo acabaria legitimando a moral burguesa durante um contexto em

que as relações comerciais mostravam-se cada vez mais importantes e

11[11] DELUMEAU, Jean. O Pecado e o Medo. A Culpabilização no Ocidente (séculos 13-18). São Paulo: EDUSC, 1983. v. 2. p.12.12[12] MOUSNIER, Roland. Op. Cit. p.87.

necessárias. Enquanto a Igreja condenava práticas como a usura e a

acumulação, o ideal protestante não os condenava e até os apoiava. Os

alemães, que viviam fartos da autoridade de Roma, se entusiasmaram com as

idéias de Lutero.

A Reforma Protestante quebraria com a hegemonia da Igreja, mexeria

com seus fundamentos, com as bases do pensamento católico, isto é, com

seus dogmas. Segundo N. S. Davidson, a Reforma teria sido “deflagrada pela

convicção de Lutero de que Roma abandonara a verdade dos evangelhos e

estimulada pela hostilidade de seus contemporâneos contra a corrupção da

Igreja.”13[13]

Com o objetivo de não perder fiéis, já que crescia a simpatia pelas idéias

da Reforma, a Igreja Católica também faria sua reforma. Temendo a pressão

protestante, a cúpula católica, convocada pelo Papa Paulo III, reagiu e decidiu

reunir-se em Trento, em 1542, para discutir seus ensinamentos, além de

“fortalecer o catolicismo em áreas onde o protestantismo ainda não se

estabelecera com firmeza, como a Itália.” 14[14]

Após algumas interrupções, o Concílio de Trento terminou em 1563.

Mesmo depois de um longo período de discussão intelectual, alguns pontos

ficaram pendentes, muito embora outros tenham sido acertados: a importância

dos sacramentos do batismo e da confissão – aquele redimiria o indivíduo

inteiramente do pecado original -, a necessidade do esforço humano aliado às

obras no que se refere à justificação, uma vez que “a graça divina e o esforço

humano devem operar em conjunto; a fé e as obras devem oferecer a sua

13[13] DAVIDSON, N. S. Op. Cit. p. 2.14[14] Idem.

contribuição.”15[15] O julgamento pessoal na interpretação das escrituras também

foi proibido.

Com o fim do Concílio de Trento, a Igreja entraria numa nova etapa de

sua existência. Quando analisamos a situação em que se encontrava o clero

secular antes do concílio, podemos perceber uma mistura entre dedicação e

deficiência, ou seja, muitos clérigos, além de possuir um estilo de vida

inadequado, já que muitos não cuidavam de seu rebanho e o confiava a

substitutos, além de cometer outras faltas, não possuíam qualquer

conhecimento da doutrina e não eram capazes sequer de ministrar os

sacramentos. Assim, após o conclave de Trento a Igreja definiu sua doutrina,

reorganizou a disciplina eclesiástica e rearfimou os dogmas de fé. Além disso,

houve o estabelecimento de “uma hierarquia efetiva de supervisão para

garantir que o clero e os leigos observassem as novas normas de disciplina e

ortodoxia que se esperavam deles”.16[16] Por fim, verificamos que a afirmação da

autoridade papal ficou bastante evidente.

A Companhia de Jesus, fundada em 1532 por Inácio de Loyola, e

aprovada pelo Papa Paulo III em 1540, teve papel fundamental no que se

refere à disciplina na Igreja. Autor dos “Exercícios Espirituais”, livro que

objetivava dominar a alma, Inácio de Loyola e seu método de oração tiveram

grande importância no contexto da Contra-Reforma. O êxito dos jesuítas está

ligado estritamente à severa disciplina e ao método de oração instituído por ele.

Graças à propagação deste movimento espiritual, a oração, houve

considerável recuo da Reforma protestante e o catolicismo ganhou novo fôlego.

Este movimento, segundo Roland Mousnier, teria contribuído para que medidas

15[15] Idem.16[16] Atlas da História Universal.Rio de Janeiro: O Globo, 1992. p. 182.

repressivas fossem adotadas por alguns Estados. Foi o que aconteceu na

Espanha e na Itália, por exemplo, com a adoção da Inquisição. Com o objetivo

de perseguir a heresia protestante, em 1542 “o Papa Paulo III estatuiu a

Sagrada Congregação da Inquisição Romana e Universal ou Santo Ofício

como corte suprema de resolução de todas as questões ligadas à fé e à

moral”.17[17]

Na Espanha, o objetivo da Inquisição seria alcançado, uma vez que a

Inquisição real se voltaria contra erasmianos e luteranos com mãos de ferro, o

que acabaria por depurar o catolicismo, levando a vitória aos católicos puros.

Com a definição da doutrina correta da Igreja, a Professio Fidei

Tridentina18[18], a necessidade da obediência tornou-se ainda mais evidente e

quem se recusasse, deixaria de ser católico. Neste contexto de depuração e

obediência católicas, houve a adoção dos decretos do Concílio pelos príncipes

católicos, a pedido do papa. A partir de então, os decretos adquiririam caráter

de leis de Estado. Portugal e Polônia foram alguns dos Estados que acataram

o pedido sem reservas.

Todo este aparato religioso surtiria efeito: os fiéis recomeçariam a voltar

para o seio da Igreja, que começaria a recuperar suas perdas. Mais uma vez o

papel dos jesuítas seria de suma importância, uma vez que se distinguiam

como confessores, professores e pregadores. Eram uma verdadeira

organização de combate, composta por homens enérgicos, bem preparados,

espiritualmente e intelectualmente, já que possuíam uma rígida formação.

Estes seriam os responsáveis pela disseminação exitosa da doutrina católica

pelo mundo. Portanto, a poderosa ofensiva católica do século XVI contra o

17[17]BOFF, Leonardo. Prefácio. In: EYMERICH, Nicolau, LA PEÑA, Francisco de. Manual dos Inquisidores. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1993. p. 13 - 14.18[18] Profissão Tridentina da Fé ou Profissão de Fé Tridentina.

advento do protestantismo, contou com a participação fundamental dos

jesuítas, responsáveis pela ampliação do número de seguidores católicos,

tanto na Europa quanto no Novo Mundo.

A Europa seria marcada, a partir de meados do século XVI e durante o

século XVII, pelas guerras de religião. O continente ficaria dividido em dois

campos antagônicos: de um lado, católicos, de outro, protestantes. O ataque

mútuo era acompanhado de pedido por apoio político de ambos os lados.

Esses conflitos acabariam causando uma falta de estabilidade nas relações

internacionais, uma vez que os Estados europeus passaram a guerrear entre si

de forma mais violenta e generalizada. Entre 1562 e 1598, a França foi palco

de várias guerras religiosas que praticamente paralisaram aquele Estado.

Embora houvesse o estabelecimento de acordos de paz, estes eram

geralmente rompidos por ações violentas.

Um dos conflitos mais sangrentos – e também um dos mais conhecidos

– foi a Noite de São Bartolomeu, ocorrida em agosto de 1572, quando milhares

de huguenotes, ou calvinistas franceses, foram massacrados pelos católicos. A

intolerância religiosa levaria à redução os protestantes franceses, que ficariam

restritos a pequenas áreas da França.

Mesmo com o Édito de Nantes, promulgado em 1598 pelo rei Henrique

IV, protestante convertido, não houve trégua nos conflitos religiosos. O Édito,

que possuía grande princípio de tolerância, não foi capaz de levar a paz a

huguenotes e católicos. O século XVII seria marcado por um dos conflitos

religiosos mais longos da História: a chamada Guerra dos Trinta Anos, que

“extirpou o protestantismo nas terras patrimoniais dos Habsburgos, mas não o

conseguiu ao norte da Alemanha, graças à intervenção da Dinamarca (1624 –

1629), Suécia (depois de 1630) e da França (depois de 1635), que ajudaram os

protestantes.”19[19]

1.2 O Tribunal do Santo Ofício

Dentro do contexto da Contra-Reforma várias modificações foram feitas

e uma das mais notáveis foi a criação de departamentos executivos chamados

Congregações. Uma das mais importantes foi a Congregação do Santo Ofício,

criada pelo Papa Paulo III em 1542, que restauraria a Inquisição romana.

É importante destacar que as raízes inquisitoriais encontram-se fincadas

ainda na Idade Média, quando a Igreja já sofria críticas em relação aos dogmas

sobre os quais se apoiava a doutrina cristã. Essas vozes contestadoras, que

ameaçavam o poder eclesiástico, eram os chamados hereges, aqueles que

pensavam diferente da doutrina estabelecida pela Igreja. Nesse contexto vale a

pena citar o exemplo de Menocchio, moleiro italiano do século XVI, caso

resgatado pelo historiador Carlo Ginzburg. Seria executado pela Inquisição

devido à sua surreal cosmogonia: “... tudo era um caos, isto é, terra, ar, fogo e

água juntos; e de todo aquele volume em movimento se formou uma massa, do

mesmo modo como o queijo é feito do leite, e do qual surgem os vermes, e

esses foram os anjos...”20[20]

Uma vez que a Igreja se sentia ameaçada por heresias como esta, ela

precisava de mecanismos de controle que suprimissem essas ameaças. Era a

19[19] Atlas da História Universal, 1992. p. 184.20[20] GINZBURG, Carlo. O Queijo e os Vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição. São Paulo: Companhia. das Letras, 1986. p. 43.

Igreja de Roma, abalada com suas perdas, que se voltava sobre si mesma e,

através dos jesuítas e das fogueiras da Inquisição, procurava recuperar-se.21[21]

O Tribunal do Santo Ofício em Portugal seria criado em 1536, meio

século depois da criação do Tribunal espanhol – através da bula Cum ad nihil

magis22[22], assinada pelo papa em maio daquele ano. A bula nomeava três

bispos – de Ceuta, de Coimbra, e de Lamego – como inquisidores-gerais.

Ainda concedia ao rei D. João III o “direito de nomear um quarto inquisidor-

geral entre os bispos religiosos ou clérigos seculares formados em teologia ou

direito canônico.”23[23]

O franciscano D. Diogo da Silva, bispo de Ceuta e confessor do rei e do

seu conselho, foi o primeiro inquisidor-geral da história da Inquisição

portuguesa. Aceitaria o cargo a pedido do rei, em nome do papa.

A bula inquisitorial seria publicada em 1536, numa cerimônia na qual

estariam incluídas a pregação do sermão da fé e a publicação do édito da

graça. Para a cerimônia seriam convocados o Cabido da Sé, o clero e o povo.

O inquisidor-geral publicou um monitório no qual estavam descritos –

pormenorizadamente – os crimes sob jurisdição inquisitorial e que deveriam ser

denunciados ao tribunal: judaísmo dos cristãos-novos, luteranismo, islamismo,

heresias, sortilégios, feitiçaria e bigamia.24[24] A sodomia também era um dos

pecados-crimes sob jurisdição inquisitorial.

É interessante notar o envolvimento, desde o início, do rei português na

organização do tribunal, “assumindo a responsabilidade da [sua] criação e

fazendo questão de estar presente na cerimônia de fundação da nova

21[21] COLOMBI, Cesare. A Grande Aventura do Homem. Da Sombra às Luzes. São Paulo: Abril, 1976. p.p. 354-359.22[22] Quando nada mais houver ou Quando não houver mais nada.23[23] BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições: Portugal, Espanha e Itália. Séculos XV-XIX. São Paulo: Companhia. das Letras, 2000. p. 24.24[24]BETHENCOURT, Francisco. Op. Cit. p. 25.

instituição.”25[25] Desta forma, Anita Novinsky diz que “apesar de todo o aparato

religioso e da auréola divina com que o Tribunal da Inquisição se revestiu,

apesar das funções ‘santas’ que alegou, foi uma instituição vinculada ao

Estado. Respondeu aos interesses das facções do poder: coroa, nobreza e

clero.”26[26]

Durante seus duzentos e oitenta e três anos de funcionamento, a

Inquisição portuguesa, que funcionaria até 1821, possuiu cinco Regimentos. O

que vigorou mais tempo foi o de 1640, que viria a sistematizar a experiência

dos tribunais inquisitoriais portugueses. Aprofundou-se na questão dos

diferentes tipos de crimes, suas circunstâncias e grau social dos acusados.

Assim, “por ser este Regimento um utensílio da manutenção da fé católica, é

evidente que as faltas cometidas contra a religião e contra a moral

sobressaem.”27[27] Um dos pecados-crimes cometidos contra a moral e contra os

princípios religiosos da Igreja Católica era a sodomia, que tinha, muitas vezes,

como pena, o degredo. Este era um castigo que tinha como principal objetivo a

correção, isto é, contribuiria para a salvação das almas pecaminosas.

Vale a pena destacar o exemplo de António Nogueira, que vivia na Vila

dos Arcos de Valdevez. Solteiro, aos vinte anos foi condenado ao açoite pelas

ruas da cidade portuguesa e ao degredo de cinco anos para o Brasil. Sua

sentença seria proferida pelo Auto-de-fé de julho de 1656. O auto-de-fé, que

era um “rito específico de apresentação pública dos penitentes e dos

condenados pelas Inquisições hispânicas”28[28], condenaria António por

sodomia. O réu teria cometido o pecado nefando com o frei Thomas Barreto,

25[25] Idem.26[26] NOVINSKY, Anita. A Inquisição. São Paulo: Brasiliense, 1982. p. 37.27[27] PIERONI, Geraldo. Vadios e ciganos, heréticos e bruxas: os degredados no Brasil-colônia. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. p. 95.28[28] BETHENCOURT, Francisco. Op. Cit. p. 221.

quando tinha dezoito anos, época em que o religioso estava de passagem pela

cidade para pregar a Quaresma.

Segundo Anita Novinsky, as bases da Inquisição Medieval e da

Inquisição Moderna, especialmente as ibéricas, eram comuns, uma vez que

estavam calcadas na delação e nos rumores. Para consolidar ainda mais o seu

poder, a Inquisição contava com o apoio dos chamados familiares. Estes

compunham uma “categoria de funcionários da Inquisição incumbidos de

prestar serviços policiais e investigatórios à máquina do Santo Ofício, tanto no

próprio reino como em todo o Império Colonial Português.”29[29] Os familiares do

Santo Ofício eram uma espécie de espiões possuidores de privilégios e que

contribuíam para a eficácia do trabalho inquisitorial.

O Padre António Vieira considerava os Tribunais ibéricos muito mais

severos que o de Roma. Acreditava que este agiria com muita equidade e

integridade em comparação com aqueles, que agiriam de forma extremamente

rigorosa. Assim, ele descreve:

[...] Daqui nasce o verem-se os reinos de Espanha despovoados, os vassalos pobres, o tesouro real sumamente exausto, e, o que mais importa, a majestade do rei católico despojada de seus fiéis e leais vassalos, como pode observar-se em os foragidos da Inquisição, que depois de lhes haver tirado a fazenda, a fama, e muitas vezes a vida, o pai e mãe, irmãos, mulheres, e depois de se verem ignominiosamente desterrados em terras alheias, não deixam de conservar o amor leal e sincero, perfeito e intacto que sempre tiveram a seu pai e à sua pátria, com tanto excesso e extremo, que não é crível,senão a quem cotidianamente o vê e experimenta.30[30]

Embora o padre faça alusão à Espanha, mais adiante ele destacaria que

o mesmo valeria para Portugal, “sem distinção nem exceção.”31[31] Anita

Novinsky compartilha da mesma posição de Vieira no que se refere ao fato de 29[29] CALAINHO, Daniela. Entre o Social e o Poder: os familiares do Santo Ofício no Brasil Colonial. In: História Hoje – Balanço e Perspectivas – ANPUH. Rio de Janeiro: UERJ, 1990. p. 203.30[30] VIEIRA, Padre António. De Profecia e Inquisição.Brasília: Senado Federal, 2001. p. 181-182.31[31] Idem.

Portugal não ter progredido na mesma medida que outros reinos europeus e

isto se deveria à Inquisição, que prejudicava a liberdade de ação da burguesia

cristã-nova, o que provocava, além da sua fuga, o êxodo de capitais.

Ainda segundo Vieira, as leis dos dois reinos seriam tiranas, uma vez

que excediam os limites da razão, da justiça e da eqüidade. E questiona o

tratamento dispensado aos acusados: “É eqüidade, justiça e razão, tratar aos

acusados como réus, antes que conste ao Tribunal da sua culpa?”32[32]

Dentro do contexto das formas de tratamento dispensadas aos

acusados, um dos artifícios muito usados era a tortura. Segundo Nicolau

Eymerich e Francisco de La Peña, a sua finalidade “é menos de provar um fato

do que obrigar o suspeito a confessar a culpa que cala.”33[33] As torturas ficariam

a cargo de inquisidores e bispos de acordo com as decretais de Clemente V

(Concílio de Viena) e seriam utilizadas principalmente nos casos em que o

acusado vacilasse nas respostas ou contra ele fossem reunidos vários indícios

graves. Na perspectiva dos autores havia cinco tipos de tortura, compostos de

cinco graus diferentes: pau, cordas, cavalete, polé, brasas. Ainda havia as da

água e a dos borzeguins. Em Portugal eram mais comuns as utilizações do

potro e da polé, torturas estabelecidas pelo Regimento português de 1640.

Além destes, “em Lisboa se retalhavam as plantas dos pés dos réus, untavam-

se de manteiga e em seguida os submetiam ao calor de um braseiro.”34[34]

A Inquisição portuguesa, que foi efetivamente estabelecida em 1547

através da bula Meditatio Cordis35[35], possuiu Tribunais em Lisboa, Coimbra,

Évora, Lamego, Tomar e Porto. Os três últimos seriam abolidos devido aos

32[32] Idem.33[33] EYMERICH, Nicolau, LA PEÑA, Francisco de.Op. Cit. p. 210.34[34] NOVINSKY, Anita. Op. Cit. p. 60.35[35] Meditação do Coração.

grandes abusos e à corrupção da administração e os outros funcionariam

intensamente até o século XIX.

2 Reflexos do Tribunal do Santo Ofício na América Portuguesa

2.1 A Igreja, as Relações Sociais e a Inquisição na Colônia

“A Igreja diz: o corpo é uma culpa. A Ciência diz: o corpo é uma máquina.

A Publicidade diz: o corpo é um negócio. O corpo diz: eu sou uma festa”.(Eduardo Galeano, escritor uruguaio)

Ao lado do plano de expansão territorial português, existia a

necessidade da expansão da fé católica, isto é, a expansão seria caracterizada

“pela bifrontalidade: por um lado, incorporavam-se novas terras, sujeitando-as

ao poder temporal dos monarcas europeus; por outro, ganhavam-se novas

ovelhas para a religião e para o papa”.36[36] Assim, a religião era mais um

elemento integrador da expansão ocidental.

D. João III, rei português entre 1521 e 1557, deixou bem clara as

intenções da expansão ao se dirigir a Tomé de Sousa, primeiro governador-

geral do Brasil: “A principal causa que me levou a povoar o Brasil foi que a

gente do Brasil se convertesse à nossa santa fé católica”.37[37] Lembramos ainda

que aquele era o contexto da Contra-Reforma, quando a Igreja promovia um

quadro de mudanças objetivando não perder fiéis.

O grande desejo de propagação da fé católica por parte do rei português

também é evidente no texto de Pero Vaz de Caminha: “fazer o que Vossa

Alteza tanto deseja, a saber, acrescentamento de nossa santa fé!”38[38]·No

contexto do Antigo Regime, a religião era um elemento indispensável à

36[36] SOUZA, Laura de Mello e. O Diabo e a Terra de Santa Cruz. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. p. 32.37[37] HOORNAERT, Eduardo. A Igreja no Brasil-colônia (1550-1800). São Paulo: Brasiliense, 1982. p. 8.38[38] SOUZA, Laura de Mello e. Op. Cit. p. 32. Grifo no original.

manutenção da ordem social hierárquica e do próprio Estado, uma vez que

estavam calcados no privilégio.

A religião acabaria fornecendo os mecanismos ideológicos que

fundamentariam a conquista e colonização da América. Fernando A. Novais

compreende que “a religião (por meio da catequese do gentio) aparece desde o

início como o discurso legitimador da expansão que era vista, assim, como

‘conquista espiritual’”, isto é, fundamentando a expansão territorial européia.39[39]

Naquele momento havia uma espécie de paradoxo, uma vez que “o

Estado Absolutista precisa [va] controlar a Igreja, e ao mesmo tempo dependia

de sua legitimação”40[40], ou seja, para a existência de ambos deveria existir

uma relação de equilíbrio mútuo. Neste período a Inquisição se estabeleceria

nos países ibéricos com o objetivo da manutenção da unidade religiosa

naqueles Estados, através da perseguição de mouriscos e de cristãos-novos.

É importante destacar que uma religiosidade profunda, exacerbada,

repleta de culpa e angústia marcou o fim da Idade Média e a época Moderna. A

religião exercia uma profunda influência na vida daquela sociedade. Não era

por acaso que cristianizar era um dos grandes propósitos dos portugueses. Já

dizia padre António Vieira que:

os outros homens, por instituição divina têm só obrigação de ser católicos: o português tem obrigação de ser católico e de ser apostólico. Os outros cristãos têm obrigação de crer a fé: o português tem obrigação de a crer e mais de a propagar.41[41]

E o exemplo de zelo missionário partia, como já foi dito, do próprio rei:

“todos os reis são de Deus feitos pelos homens: o rei de Portugal é de Deus e

39[39] NOVAIS. Fernando A. Condições da privacidade na colônia. In: SOUZA, Laura de Mello e. (Org.). História da Vida Privada no Brasil. Cotidiano e Vida Privada na América Portuguesa. v. I. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p.3340[40] Idem. p. 3541[41]VIEIRA, Pe. Antônio. Apud. SOUZA, Laura de Mello e. O Diabo e a Terra de Santa Cruz. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. p. 33.

feito por Deus e por isso mais propriamente seu.”42[42]. Os portugueses seriam

uma espécie de povo escolhido por Deus para propagar seus preceitos pelo

mundo. Como se repetissem o feito de Israel.

Dentro do contexto da Contra-Reforma houve um duplo sentido do

trabalho eclesiástico no Novo Mundo: catequese do gentio, que estava

intrinsecamente ligado ao projeto de ampliação de fiéis, além da estrita

ortodoxia em que os colonos deveriam viver. Então, “missionação e Inquisição,

em suma, cifram o processo de colonização das almas”.43[43] A Inquisição

portuguesa exerceria seu controle sobre seus domínios de ultramar e a

América Portuguesa ficaria sob jurisdição do Tribunal de Lisboa, que seria

responsável pelas Visitações dos séculos XVI ao XVIII.

Através, principalmente, dos documentos gerados pela Inquisição nos é

permitido saber um pouco sobre a intimidade, a vida privada e as relações

sociais nas diferentes esferas da colônia. Nos é permitido desvelar um mundo

marcado por contradições e pelo pensamento de que o maior inimigo do

homem era o próprio homem, uma vez que ele deveria lutar contra si mesmo e

seus desejos. Era o sentimento de medo de si mesmo. Para ilustrar o

pensamento da época convém citar Lefèvre d’ Etaples:

A vida de um cristão neste mundo, quando é bem considerada: não passa de uma guerra contínua... Mas o maior adversário que ele tem é ele mesmo. Não há nada mais difícil de vencer que sua carne, sua vontade: já que por sua própria natureza ela é propensa a todos os males.44[44]

Muito embora houvesse um discurso religioso baseado num modelo de

tradição ascética aliado ao terror imposto por mais um elemento da pedagogia

42[42] Idem.43[43]NOVAIS. Fernando A. In: SOUZA, Laura de Mello e. (org.). Op. Cit.v. 1. p.35.44[44] DELUMEAU, Jean. O Pecado e o Medo. A Culpabilização no Ocidente. (Séculos 13 – 18). São Paulo: EDUSC, 2003. v. 1. p.9.

cristã do medo, a Inquisição, que visava impressionar e controlar o

comportamento e os modos de vida não convencionais tanto dos habitantes da

Metrópole quanto da colônia, é possível perceber que ainda assim havia

aqueles que eram capazes de transgredir as leis e as convenções impostas

pela Santa Madre Igreja.

Os agentes eclesiásticos enviados à colônia tentaram através de todos

os meios que estavam ao seu alcance, realizar um dos grandes objetivos da

Igreja: transformar a América Portuguesa “numa parte legítima da cristandade

romana, o que implicava, entre outras coisas, difundir o modelo matrimonial

cristão.”45[45], isto é, baseado em uniões sacramentadas, na família conjugal, na

continência e na austeridade. Era a Igreja permeando – mais uma vez – todos

os campos da sociedade, inclusive a vida privada dos fiéis e daqueles que ela

pretendia trazer para seu interior.

A Cristandade estava fortemente presente na Europa e no Novo Mundo.

O homem estava inserido numa atmosfera que impregnava todos os aspectos

de sua vida: sua vida privada em seus múltiplos comportamentos, sua vida

pública em suas diversas ocupações, sua vida profissional onde quer que se

enquadrasse.46[46] Assim, a Igreja ocupava as esferas do público e do privado.

Era difícil o estabelecimento de espaços e de uma sociabilidade privada

na Europa dos séculos XVI e XVII. Mais difícil e complexo seria seu

estabelecimento na colônia durante o mesmo período, uma vez que o padrão

das casas e dos espaços domiciliares não contribuíam muito para que

houvesse privacidade. Exemplo disto é a planta de um engenho estudado por

Gilberto Freyre em que se percebe a escassa privacidade existente. O

45[45] VAINFAS, Ronaldo. Moralidades Brasílicas: deleites sexuais e linguagem erótica na sociedade escravista In: SOUZA, Laura de Mello e. (org.).Op. Cit. p. 224.46[46] FEBVRE, Lucien. Apud. MOTTA, Carlos Guilherme.Febvre. São Paulo: Ática, 1978.

problema não estava na imensidão do espaço, mas na grande população que

lá convivia: próprios senhores, visitantes e escravos.

Eram as próprias condições histórico-sociais as responsáveis pela falta

de privacidade nos primeiros séculos da colônia. A constituição das habitações

não permitia a liberdade de seus habitantes. A questão fica ainda mais

evidente principalmente entre os pobres. Ronaldo Vainfas, baseando-se nos

estudos de Maria Beatriz Nizza da Silva, constatou que “o domicílio rural não

raro se assemelhava à maloca indígena, espaços indivisos, ausência de portas,

o fogo a arder e cozinhar no interior da habitação.”47[47] Como se não bastasse a

ausência de portas, tampouco havia o que tapasse janelas e contribuísse para

a privacidade dos moradores.

Ainda segundo Vainfas, a situação das casas dos pobres mineiros não

seria muito diferente no século XVIII: “cafuas miseráveis espalhadas pelas

encostas dos morros ou dependuradas sobre despenhadeiros, cobertas com

capim e com folhas de palmeiras, e tendo por piso o solo de terra

esburacada.”48[48]

Todo esse ambiente devassado contribuía para que os colonos se

mantivessem atentos ao que se passava nas casas dos vizinhos e aos

assuntos alheios. Daí o escritor baiano Gregório de Mattos, não por acaso

conhecido como Boca do Inferno, ter escrito:

Em cada porta um freqüentado olheiro

Que a vida do vizinho e da vizinha

Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha

47[47]VAINFAS, Ronaldo. In: SOUZA, Laura de Mello e.Op. Cit. p226.48[48] Idem:

Para levar à Praça, e ao Terreiro.49[49]

Num contexto em que a vigilância sobre a vida alheia era imprescindível,

uma vez que a Inquisição trabalhava com as chamadas denúncias e delações,

a situação daqueles que se desviavam moral e sexualmente dos ideais

impostos pela Igreja ficava muito vulnerável.

Convém lembrar que a moral cristã tendia a fazer “apologia do

casamento monogâmico e indissolúvel e pela condenação absoluta do desejo e

do prazer.”50[50] Luiz Mott apresentaria o traço que define essa moral: a

sexofobia. Havia uma preocupação em decifrar a natureza do pecado, uma vez

que o modelo ascético deveria prevalecer. Algumas das virtudes consideradas

mais importantes eram o ideal da virgindade, da pureza, além da busca pela

castidade. Deste modo,

a vida sexual ideal passou a ser a inexistente. A virgindade tornou-se um grande valor, seguindo os modelos de Cristo e sua mãe. Vinha depois a castidade: quem já havia pecado podia em parte compensar essa falta abstendo-se de sexo pelo restante da vida.51[51]

Seria a renúncia da carne aos que ambicionavam um lugar no Reino dos

Céus.

Mas seria praticamente impossível que todos levassem uma vida

celibatária. Já no século I o próprio apóstolo Paulo definia que “é melhor casar

do que abrasar.”52[52] Assim, a vida sexual passaria a ser permitida, desde que

49[49] VAINFAS, Ronaldo. In: SOUZA, Laura de Mello e. (org.). Op. Cit. p. 227.50[50] VAINFAS, Ronaldo. Casamento, Amor e Desejo no Ocidente Cristão. São Paulo: Ática, 1986. p. 5.51[51] FRANCO JR., Hilário. A Idade Média. O Nascimento do Ocidente. São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 127.52[52] Idem.

fosse definida e supervisionada pela Igreja através de um de seus

sacramentos: o matrimônio.53[53]

Através de mecanismos de controle como a confissão, que se tornaria

obrigatória e periódica após o Concílio de Latrão, em 1215, a Igreja passou a

devassar e a ordenar o leito conjugal. Marilena Chauí destacaria: “como

observou um historiador, no leito conjugal os cônjuges nunca estão sozinhos:

partilham a cama com a sombra da Igreja.”54[54] Já que o matrimônio fora

elevado à categoria de sacramento, precisava ser vigiado e, embora existisse o

ato sexual, que, para alguns como Tomás de Aquino, dava valor ao

matrimônio, este deveria ser disciplinado, ou seja, o excesso, e o prazer eram

condenados. É interessante observar que mesmo legalmente casados e

reconhecidos como tal – após uma série de rituais -, o casal não possuía

liberdade para exercer sua vida sexual livremente: havia dias da semana em

que não podiam praticar sexo – como no sagrado domingo – e em certos

períodos do ano, isto é, durante as festas religiosas, especialmente na

Quaresma.

Havia punições aos transgressores, que implicavam em jejum,

excomunhão, abstinência sexual, dentre outras penitências. Hilário Franco Jr.

diz que:

Ademais, o sexo deveria ser apenas vaginal, visando à procriação, a mulher colocada debaixo do homem (posição missionária) e no escuro, para se evitar a visão da nudez. O sexo oral e sodomita, a magia para atrair o desejo de alguém, as práticas anticonceptivas e abortivas, as relações incestuosas e adúlteras eram pecados duramente castigados.55

[55]

53[53] O debate em torno dos sacramentos vinha desde os primeiros séculos medievais, mas foi estabilizado no século XII. Ficou definido que seriam sete após o Concílio de Latrão, em 1215: batismo, crisma, eucaristia, confissão, ordem, matrimônio e extrema-unção.54[54] CHAUÍ, Marilena.Repressão Sexual. Essa Nossa (Des) conhecida. São Paulo: Brasiliense, 1984. p. 99.55[55] FRANCO JR., Hilário. Op. Cit. Ocidente. p.130.

Assim, ficava definida a modalidade aceita pela Igreja: união

heterossexual e monogâmica, tendo por objetivo o combate de práticas como a

homossexualidade, considerado o pior de todos os pecados, uma vez que não

seguia os preceitos divinos da procriação. Por causa do pecado nefando,

segundo passagens bíblicas, Deus teria destruído Sodoma e Gomorra.

Ainda segundo Franco Júnior., “nesse processo de levar para a esfera

pública as coisas privadas, o sexo foi talvez o mais atingido.”56[56] No entanto,

vale ressaltar que, mesmo com toda a vigilância, havia aqueles que escapavam

ao controle eclesiástico e transgrediam as convenções morais.

E esta supervisão canina não estava relacionada apenas aos não

casados, uma vez que

a própria Igreja, evidentemente, considerava a sexualidade matéria de sua alçada, elevando à categoria do sagrado o sexo conjugal voltado para a procriação e lançando tudo o mais no domínio diabólico ou mesmo herético.57[57].

Ou seja, na concepção católica, o sexo deveria existir com fins de

procriação e não por prazer. Luiz Mott classifica essa moral como a dificuldade

da religião em conviver com os vícios da carne.58[58]

Nesse contexto entram em cena os defensores da moral cristã:

eram os visitadores da Igreja ou os arautos do Santo Ofício que anunciavam, à porta das igrejas, nos domingos e dias santificados, quais condutas deveriam ser delatadas às autoridades.59[59]

56[56]Idem.. p. 126.57[57] VAINFAS, Ronaldo. In: SOUZA, Laura de Mello e. (org.). Op. Cit.. p.246.58[58] MOTT, Luiz. História da Sexualidade no Brasil. [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <[email protected]> em 03 abr. 2005.59[59] VAINFAS, Ronaldo SOUZA. In: Laura de Mello e. (org.). Op. Cit.p.228.

A própria população se vigiava mutuamente e se mostrava interessada

pelo que via e ouvia sobre a vida alheia, sendo favorecida pela pouca

privacidade da vida íntima de cada um.

Colonos que se uniam a várias mulheres e que, além de fazerem de

suas escravas suas mancebas, ainda se mostravam interessados pelas livres e

pediam-nas aos índios, senhores praticando a sodomia com seus escravos,

dentre outros comportamentos condenáveis pela moral cristã, marcavam o

cotidiano e a vida privada na colônia.

Mas não eram apenas os colonos que possuíam comportamento sexual

questionável. Segundo o padre Manuel da Nóbrega, o próprio clero secular - os

padres de hábito de Cristo – não se preocupavam em dar bom exemplo e

viviam amancebados com índias, isto é, sendo fornicários. Escreveria Nóbrega

a respeito do clero: “a evitar pecados não veio, nem se evitarão nunca.”60[60]

O tripé fundamental que marcaria as relações amorosas na Colônia se

basearia no sexo pluriétnico, na escravidão e no concubinato. Este último

mostra que o casamento legal era raro e restrito à elite, até porque as uniões

conjugais implicavam interesses econômicos. O concubinato estava mais

presente na classe mais humilde e também clérigos se mantinham nessa

situação.

As relações na Colônia foram marcadas por uma enorme diversidade

sexual, composta pelo que Luiz Mott chamaria de sexualidades indígenas e

sexualidades africanas, que acabariam contrariando os ditames do modelo

cristão que condenava práticas como o adultério, a bigamia, o concubinato e a

sodomia, isto é, os “pecados da carne”.61[61]

60[60]NÓBREGA, Manuel. Apud.VAINFAS, Ronaldo In: SOUZA, Laura de Mello e. Op. Cit. p. 233.61[61] MOTT, Luiz. História da Sexualidade no Brasil. [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <[email protected]> em 03 abr. 2005.

Não foi por acaso que o “Santo Ofício, tribunal que além de cuidar dos

erros de fé propriamente ditos, imiscuiu-se também no território de certos atos

sexuais assimilados a heresias”,62[62] isto é, uma vez que a Igreja passou a

imprimir sua vigilância nas questões sexuais, legitimava sua ação contra os

transgressores de sua moral.

É interessante observar a existência de um grande paradoxo existente

naquela sociedade e que estava diretamente ligado à Igreja. Diz Ronaldo

Vainfas que

a mesma Igreja que controlava e punia não era capaz de guardar seus próprios templos, oferecendo-os como o espaço talvez mais nitidamente privado para as intimidades na sociedade colonial.63[63]

Por mais contraditório que possa parecer, muitas vezes os

recolhimentos, conventos, capelas e igrejas serviram como espaços

compartilhados por amantes e foram cenários de encontros de amores

proibidos, hetero e homossexuais.

Muitos abusos foram cometidos e a violência sexual também estaria

presente no contexto colonial. Bastante relevantes são os cometidos contra

crianças. Muito embora a noção de infância não existisse no mundo europeu e

muito menos na Colônia, e a idéia de violação de crianças seja considerado

anacrônico, vale registrar o caso do padre Jácome de Queirós, de quarenta e

seis anos. Durante a visitação quinhentista da Inquisição, confessou ter

praticado sodomia com meninas de entre seis e sete anos em duas ocasiões,

quando estaria bêbado. Apenas o crime de sodomia foi considerado.

62[62]VAINFAS, Ronaldo. In: SOUZA, Laura de Mello e. (org.). Op. Cit.. p. 22863[63] Idem. p.261.

Além dos crimes sexuais cometidos contra crianças e escravos, ainda

havia a chamada solicitação. De acordo com Lana da Gama, esse crime era

praticado por padres no refúgio do confessionário e nem os mais altos

dignitários da Igreja escapavam da tentação: seria o caso

de um certo frei Luís de Nazaré, carmelita da Bahia, que, no século XVIII, ancorado em seus supostos poderes de exorcista, ‘curava’ mulheres doentes mantendo com elas cópulas ou mesmo violentando-as.64[64]

Para que não fosse descoberto, se utilizava o artifício de que o remédio

era bom e vinha de Deus, devendo, portanto, ser mantido em segredo.

Processado pelo Santo Ofício, o frei se justificaria dizendo que não cometia o

crime por heresia e descreveria as mulheres da América Portuguesa como

rudes e simples, que facilmente eram enganadas.

Segundo Ronaldo Vainfas, “as linhas do colonialismo mesclado à vida

íntima e erótica de nosso passado colonial”65[65] podem ser resumidas pelas

palavras sedução e sujeição. Afinal, o racismo expresso pelos fornicários

desde o século XVI pregava que índias e negras não possuíam honra e podiam

ser violadas sem culpa.

2.2 As Visitações do Tribunal do Santo Ofício

Instalada em Portugal em 1536, a Inquisição possuiria três tribunais no

reino: Lisboa, Évora e Coimbra. Em suas colônias de ultramar a única a possuir

um tribunal da Inquisição foi Goa, na Índia, fundado em 1560. Este exerceria

64[64] Idem. p. 271 e 272.65[65] Idem.p. 272 e 273.

sua jurisdição sobre as possessões orientais portuguesas e sobre a costa

oriental da África. O Brasil ficaria sob a alçada do Tribunal de Lisboa até 1821.

Ainda há muita controvérsia em relação ao por quê da não existência de um

tribunal na América Portuguesa. O fato é que a colônia portuguesa do Atlântico

não teria sofrido uma ação inquisitorial tão intensa quanto a América Hispânica,

onde existiram os Tribunais de Lima, México e Cartagena.

Durante os primeiros anos de sua existência em Portugal, a Inquisição

não teria uma atuação significativa sobre o Brasil. A função inquisitorial, depois

da criação do bispado da Bahia, em 1551, fora confiada aos bispos e a atuação

episcopal na questão das heresias foi praticamente nula no século XVI. Essa

falta de uma ação inquisitorial sistemática na Colônia proporcionaria um

ambiente favorável para o estabelecimento de cristãos-novos portugueses,

perseguidos no reino. Bahia e Pernambuco seriam as localidades mais

procuradas, onde muitos deles se tornariam senhores de engenho e grandes

mercadores.

Com a União Ibérica66[66] (1580 – 1640) o quadro de tranqüilidade

mudaria. Portugal viveria um contexto político conturbado com a morte de D.

Sebastião na batalha de Alcácer Quibir, no Marrocos, fato que deixaria o trono

vago, uma vez que o rei não tinha herdeiros, e abriria caminho para que Felipe

II, da Espanha, ocupasse o poder.

Durante seu reinado, que terminaria em 1598, muitas mudanças seriam

implementadas e várias instituições de controle da justiça seriam criadas. No

que se refere ao mundo colonial, seria o momento do envio da primeira

66[66] Para os portugueses, o período em que Portugal permaneceu sob a coroa espanhola é chamado de dominação filipina ou Habsburgo. VAINFAS, Ronaldo.Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2000. p.571. Verbete: “União Ibérica”.

visitação do Santo Ofício ao Brasil, entre 1591 e 1595. Este período também

marcaria as visitações ao Açores, Madeira e Angola.

O inquisidor-geral era o cardeal arquiduque Alberto de Áustria, da casa

dos Habsburgos e vice-rei de Portugal. Heitor Furtado de Mendonça foi

nomeado responsável pela primeira visitação e atuaria nas Capitanias do

Açúcar: Bahia, Pernambuco, Itamaracá e Paraíba.

Os cristãos-novos sempre foram o alvo principal da Inquisição e, durante

a visitação, não seria diferente: vários seriam presos e enviados a Lisboa. O

caso mais expressivo foi o da octogenária Ana Rodrigues, que receberia a

pena máxima, isto é, a fogueira. Ana acabaria morrendo no cárcere lisboeta e

seria queimada em efígie.

Como a Inquisição havia ampliado sua área de atuação, uma vez que “o

delito de ‘heresia’ passou a incluir diversos comportamentos morais e sexuais,

assimilados por razões variadas a erros de fé”67[67], várias pessoas seriam

penitenciadas. Dentre elas, sodomitas, bígamos, blasfemos, feiticeiros, aqueles

que contestavam a virgindade de Maria, os que negavam o pecado de

fornicação e suspeitos de praticarem a seita de Lutero, isto é, o Luteranismo.

Os sodomitas foram o segundo grupo de hereges perseguidos pela

Inquisição, sendo superados, de longe, apenas pelos cristãos-novos

judaizantes. Segundo Luiz Mott, a primeira pessoa a se apresentar perante a

Mesa Inquisitorial durante a primeira visitação teria sido um padre... Sodomita.

Mott ainda registra outros três casos de clérigos, “entre sacerdotes e membros

de diferentes ordens religiosas, todos comprovadamente praticantes de

diferentes expressões homoeróticas”.68[68]

67[67] VAINFAS, Ronaldo.Op. Cit. p. 309. Verbete: “Inquisição”.68[68] MOTT, Luiz. Padres Sodomitas no Bispado da Bahia. [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <[email protected]> em 03 abr. 2005.

Padre Fructuoso Álvares, natural de Braga, Portugal, tinha sessenta e

cinco anos quando da chegada do Santo Ofício e seria o primeiro homossexual

da história da América Portuguesa a cair nas garras da Inquisição. Possuindo

predileção por jovens, confessou ter mantido relações sexuais com

aproximadamente quarenta moços e mancebos,

abraçando e beijando e ele tendo tocamentos torpes e desonestos em suas naturas e tendo ajuntamentos por diante e dormindo com alguns na cama algumas vezes, e tendo cometimentos pelo vaso traseiro com alguns deles, sendo ele o agente e consentindo que eles o cometessem a ele no seu vaso traseiro sendo ele o paciente, lançando-se de barriga para baixo e pondo em cima de si os moços, e lançando também os moços com a barriga para baixo, pondo-se ele confessante em cima deles, cometendo com seu membro os vasos traseiros e fazendo de sua parte por efetuar, posto que nunca efetuou o pecado de sodomia, penetrando...69[69]

Caracterizada como crime de heresia pela Inquisição portuguesa, a

chamada sodomia perfeitíssima – segundo a moral escolástica – implicava

penetração anal com emissão de sêmen. O número de parceiros era muito

importante para os inquisidores, uma vez que, aliado ao primeiro fator, provava

a culpa convicta de um sodomita.

A Inquisição portuguesa não julgaria muitos casos de homossexualidade

feminina, exceto durante a visitação quinhentista. Os documentos inquisitoriais

fazem referência a relações entre mulheres de idades e condições étnico-

sociais diferentes: relações entre adultas, entre moças e crianças, “tudo isso

envolvendo brancas, índias, negras e mestiças em circunstâncias as mais

variadas”.70[70]

69[69] MOTT, Luiz.Homossexuais da Bahia. Dicionário Biográfico. Salvador: Grupo Gay da Bahia, 1999. p. 31.70[70] VAINFAS, Ronaldo. In: SOUZA, Laura de Mello e. (org.). Op. Cit. p. 244.

O controle inquisitorial estava mais presente nas áreas mais prósperas

da Colônia: no Nordeste no século XVI, quando esta era uma região geradora

de riquezas com a exportação do açúcar. Este pode ser um dos fatores que

colaborariam para a presença da Inquisição, já que

os Cristãos-novos faziam parte de todos os segmentos sociais desde os mais humildes até ao dos senhores de engenho; mas concentravam-se mais no grupo médio onde sua cultura se misturou mais facilmente à cultura popular e pôde vir a anular ou desvirtuar os aspectos claramente heréticos, tornando-se uma cultura sincrética desvinculada dos padrões oficiais e ortodoxos. Por isso, a presença dos Cristãos-novos, mesmo não judaizantes, se tornava suspeita a partir de sua condição de grupo não completamente vinculado ao sistema cultural-religioso oficialmente padronizado.71[71]

Num contexto da pedagogia do medo, o saldo da visitação quinhentista

à Colônia foi de cento e vinte e uma confissões na Bahia, trinta e nove em

Pernambuco, quatorze em Itamaracá e nove na Paraíba. Quanto às denúncias,

surgiram duzentas e doze na Bahia, duzentas e quarenta em Pernambuco,

vinte e duas em Itamaracá e dezesseis na Paraíba72[72]. A maioria das

denúncias envolvia, direta ou indiretamente, os cristãos-novos, muito embora

poucos tenham procurado a Mesa Inquisitorial para confissões.

Enquanto em fins do século XVI o ponto central de atuação inquisitorial

foi o Nordeste, “á medida que vai se desenvolvendo o Sul, sua ação estende-

se também para essa área e em fins do século XVII e princípios do seguinte, já

a maioria dos denunciados são da região das Minas”.73[73]

A segunda visitação do Santo Ofício ocorreria na Bahia, onde

permaneceria de 1618 a 1621. Desta vez, o visitador seria Marcos Teixeira e a

motivação não seria diferente da anterior: investigar heresias, sobretudo a 71[71] MAIA, Ângela Vieira. À Sombra do Medo. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2003. p. 35.72[72]MAIA, Ângela Vieira. Op. Cit. p.89.73[73] NOVINSKY, Anita. Cristãos-Novos na Bahia: a Inquisição. São Paulo: Perspectiva, 1992. p. 111.

judaica. Mas aqui parece ter existido um elemento especial: a desconfiança,

mantida pelos Habsburgos, “de que os cristãos-novos, por suas ligações

diretas ou indiretas com os judeus de Amsterdam, poderiam vir a auxiliar a

temida invasão flamenga”.74[74] É interessante ressaltar que durante a União

Ibérica, Portugal herdaria os inimigos da Espanha, o que faria com que

passasse a sofrer incursões sistemáticas dos holandeses, que tentaram invadir

a Bahia em 1624, fato que seria consumado em 1630 em Pernambuco.

Segundo Ronaldo Vainfas, há indícios da colaboração de cristãos-novos nos

dois episódios.

Para Anita Novinsky, após a invasão holandesa na Bahia em 1624, o

mito dos cristãos novos transfere-se do plano religioso para o político. É principalmente em termos de inimigo da pátria, estrangeiro e colaborador dos holandeses que são apontados os cristãos novos nos relatórios enviados desde esta data para Lisboa.”75[75]

Além dos cristãos novos, os sodomitas também seriam muito

perseguidos e, segundo Luiz Mott, o século XVII seria o ápice da intolerância

por parte da Inquisição Portuguesa no Reino e no Novo Mundo. Entre 1620 –

1644 foram presos em Portugal noventa e quatro sodomitas (23%), o que

equivale ao total do século anterior! Ainda segundo Mott, a explicação estaria

ligada ao possível descuido dos homossexuais, que teriam se tornado mais

ousados, fazendo com que a repressão eclesiástica endurecesse ainda mais,

com receio de que a metrópole e seus domínios de além-mar se

transformassem em novas Sodomas.

Principalmente a partir do Regimento de D. Pedro de Castillo (1613), “a

legislação inquisitorial oficializou todo o minucioso casuísmo de como proceder

74[74] VAINFAS, Ronaldo. Op. Cit. p. 588. Verbete: “Visitações do Santo Ofício”.75[75] NOVINSKY, Anita. Cristãos-Novos na Bahia: A Inquisição. São Paulo: Perspectiva, 1992. p. 117.

contra o mau pecado.”76[76] E dentro desse contexto não é demais lembrar que

Portugal estava sob a Coroa de Castela e a Inquisição espanhola foi muito

mais homofóbica, tanto na severidade do julgamento, como na crueldade dos

castigos. Além disso, o número de prisões de sodomitas foi superior ao

efetuado pela Inquisição lusitana.

Na Bahia do século XVII foram registrados oitenta e quatro casos (42%)

de sodomia, envolvendo brancos e índios; negros e mestiços; livres e escravos;

artesãos e nobres; cristãos novos e velhos; professores e estudantes; padres e

dois importantes governadores da primeira capital brasileira: Diogo Botelho e

Câmara Coutinho.

Diogo Botelho seria denunciado por um de seus amantes, Fernão Rois

de Souza, cristão-velho, natural de Vila Galega, vinte e cinco anos, que

compareceria perante o segundo visitador Marcos Teixeira, sem ser chamado e

diria que:

depois de ter algum tempo o dito Diogo Botelho o tratar com muitos mimos e favores, o fez deitar consigo na cama e veio a dormir com ele carnalmente, pela parte traseira, efetuando o pecado nefando de sodomia, a primeira noite uma vez somente per força e contra vontade dele, confitente e com medo de o dito cúmplice o matar, não se atreveu a gritar. E depois, por espaço de dez anos continuou em cometer o dito pecado nefando com ele...77[77]

As duas Visitações do Santo Ofício (1591-1620) nos fornecem um total

de duzentas e oitenta e três culpas confessadas. Dentre estas, quarenta e

quatro casos de sodomia (15,5%), o que fazia com que depois da blasfêmia,

fosse o crime mais praticado. Assim,

76[76] MOTT, Luiz. Pagode Português: a subcultura gay em Portugal nos tempos da Inquisição. Publicado em Ciência e Cultura, (SBPC/SP). Vol.40, fev. 1988: 120-139.77[77] MOTT, Luiz. Sodomia na Bahia: o amor que não ousava dizer o nome. [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <[email protected]> em 03 abr. 2005.

dos denunciados, 61% eram brancos, 24% mestiços de variegados fenótipos, 9% negros e 6% índios, predominando as relações sodomíticas entre parceiros de diferentes cores, os quais ocupavam toda gama de profissões”78[78].

Isto é, as relações iam do Governador – Geral do Brasil a um escravo.

A mais significativa investigação do século XVII aconteceria em 1646,

com a chamada Grande Inquirição. Foi o momento em que “pessoas idôneas e

de maior prestígio na vida baiana são chamadas para prestar informações

sobre indivíduos cujo comportamento ou idéias não correspondiam às regras

impostas pela Igreja.”79[79] Os portugueses de origem judaica seriam o elemento

chave da investigação, que teve forte apoio do Governador da Bahia, Antônio

Teles da Silva, que mantinha estreita ligação com a Inquisição.

Uma carta, escrita por Baltazar Lopes de Mello em setembro de 1645,

expondo a situação pecaminosa em que se encontrava a terra brasílica,

especialmente a Bahia, contribuiria para a chegada da Inquisição. Com a

conclusão dos Ministros do Santo Ofício, reunidos em Lisboa, de que era

necessário visitar o Brasil, o inquérito foi entregue ao Provincial da Companhia

de Jesus, Padre Francisco Carneiro. Também da Companhia de Jesus, Padre

Manoel Fernandes, recebeu as cartas e as instruções dos inquisidores, aceitou

a Comissão e nomeou para escrivão da Diligência o também jesuíta, Sebastião

Teixeira.

Assim, na manhã de 12 de abril de 1646 começou a Grande Inquirição,

que revelaria a origem judaica de importantes personalidades da sociedade

78[78] MOTT, Luiz. Etno-história da Homossexualidade na América Latina. [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <[email protected]> em 03 abr. 2005.

79[79] NOVINSKY, Anita. Cristãos-Novos na Bahia: A Inquisição. São Paulo: Perspectiva, 1992. p. 129.

baiana. Alguns portugueses, principalmente mercadores, foram levados para o

cárcere inquisitorial de Lisboa.

Segundo Anita Novinsky, as Inquirições foram tão numerosas, que

surpreenderiam o próprio inquiridor. Cento e vinte pessoas, chamadas,

estiveram no Colégio porque sabiam de cousas importantes. Ao todo, cento e

dezoito pessoas foram denunciadas – a grande maioria era residente na Bahia.

Sessenta e três aparecem com seus nomes completos. Os denunciados

foram acusados de ser cristãos-novos, e suspeitos principalmente de maus católicos e inclinados ao estrangeiro. Dez dos mencionados eram judeus que vieram presos de Pernambuco, e ainda 17 somítigos, 8 feiticeiros e 8 blasfemos e hereges. Das testemunhas que vieram denunciar, 8 eram cristãos-novos.80[80]

Lembramos ainda que dos somítigos denunciados, alguns eram padres.

Ainda segundo Novinsky, a Grande Inquirição seria caracterizada,

principalmente, pelo vazio de sentido religioso, uma vez que grande parte das

denúncias se baseava em coisas como ouvi dizer, ou seja, os denunciantes

nada haviam testemunhado. As informações provenientes de diz-que-diz e

murmurações predominaram e foram raros os depoimentos baseados em fatos

objetivos.

A última visitação do Santo Ofício ao Brasil aconteceria na segunda

metade do século XVIII, no Estado do Grão-Pará. Considerada uma visitação

tardia, ela ocorreria na era pombalina, “tempo em que a Inquisição estava

debilitada e submetida ao Estado.”81[81]

Num contexto marcado pela decadência inquisitorial, quando suas

atividades já haviam diminuído bastante - tanto em Portugal, como nas colônias

80[80] Idem. p. 131.81[81] VAINFAS, Ronaldo. p.588. Verbete: “Visitações do Santo Ofício”.

de além-mar – a visitação foi confiada ao prelado Geraldo José de Abranches,

natural de Coimbra. Segundo o historiador Amaral Lapa, descobridor dos

documentos da visitação, naquele momento:

não há mais o rigor antigo, a mentalidade muda aos poucos, as perseguições ferozes aos judeus não mais se fazem. As penas de morte não mais existem, geralmente as penas são de penitência, muito raros os casos de açoite e degredo. No período que vai de 1760 a 1769 houve 22 autos-de-fé nas quatro Inquisições: Lisboa, Évora, Coimbra e Goa.82[82]

Para Amaral o que mais poderia atemorizar a população era a

confiscação de bens – que estava expressa no Alvará de S. Majestade fixada

no guardavento da Sé de Belém em 25 de setembro de 1763. Este fator

causaria mais temor do que as próprias sanções religiosas.

Esta foi a mais demorada visitação às partes do Brasil e após seis anos

de funcionamento, no qual promoveu audiências e sindicâncias, além de ter

proferido sentenças, rendeu os seguintes resultados:

12 feiticeiros, 9 feiticeiras, 6 blasfemos, 5 curandeiros, 4 curandeiras, 4 sodomitas, 5 bígamos sendo uma mulher, 2 hereges sendo uma mulher e um caso apenas de um senhor denunciado por prática de castigos corporais em seus escravos.83[83]

É interessante observar a constituição étnica das pessoas que aparecem

no Livro da Visitação do século XVIII: segundo Amaral Lapa, do total geral dos

que tiveram seus nomes registrados, trezentos e cinqüenta e três eram

brancos, quarenta e dois negros escravos, dezessete mamelucos, seis cafuzos

e doze mulatos.84[84] O contexto era o do século XVIII, quando mudanças na

ortodoxia metropolitana estavam ocorrendo e

82[82] LAPA, José Roberto do Amaral. Livro da Visitação do Santo Ofício da Inquisição ao Estado do Grão-Pará. Petrópolis: Vozes, 1978. p. 27.83[83] LAPA, José Roberto do Amaral. Op. Cit. p.32.84[84] Idem. p. 33.

o Brasil teria erigido uma sociedade aberta a todas as influências – heterodoxas também – mas o clima da Metrópole modificava-se. Abrandava-se. Abrandava o rigor da ortodoxia. Não interessava tanto àqueles homens, seduzidos pela tolerância difusa nas idéias do tempo, a criação de novos centros de vigilância das consciências. Passara a oportunidade de ereção de Tribunais nas Colônias.85[85]

Assim, com a decadência inquisitorial, Metrópole e Colônia entravam

numa nova etapa de suas existências.

85[85] SIQUEIRA, Sônia. A Inquisição Portuguesa e a Sociedade Colonial. São Paulo: Ática, 1978. p. 139.

3 A Inquisição e a Sodomia Religiosa em Portugal e na América

Portuguesa

3.1 Considerações sobre o pecado e a cultura da

superculpabilização no Ocidente86[86]: os delitos da carne, a repressão

sexual e a sodomia religiosa.

“(...) Pássaros da indiscrição que são os do partido e da Igreja, buscam hoje na cama em que dormimos o prazer para que estão mutilados, excomungando estas noites de que não sairão nunca filhos ou filhas que subam por nós a nenhum altar.Porque obsceno é tudo o que eles gostariam de fazer mas não são capazes (...). Eles. Não poderão nunca sonhar (por mais processos que nos movam a nós ou }àquilo que fazemos) a alegria que partilhamos nos lençóis ou o espaço que se nos abre quando caminhamos pela rua lado a lado.”87[87]

(Paulo Teixeira, poeta

português)

Em 1563, após longo período de discussão, a Igreja estabelecia novos

parâmetros disciplinares para o clero católico com o objetivo de “se dedicar à

restauração da disciplina eclesiástica, que entrou totalmente em colapso, e de

corrigir a conduta depravada do clero e dos cristãos.”88[88] Mesmo com todo

esse aparato, muitos dos problemas existentes no seio católico não foram

completamente sanados após o advento da Contra-Reforma. Ou seja, os

86[86] Expressão utilizada por Jean Delumeau em O Pecado e o Medo. A Culpabilização no Ocidente (séculos 13 - 18). São Paulo: EDUSC, 1983.87[87] TEIXEIRA, Paulo. A região brilhante. Lisboa: Caminho, 1988. p. 49 e 50. In: Linha de Pesquisa. Revista de Letras da Universidade Veiga de Almeida. Ano I – N.I. Out. 2000.p. 77 e 78.88[88] ALBERIGO et al., 1962, p. 657. Apud: DAVIDSON, N. S. A Contra-Reforma. São Paulo: Martins Fontes, 1991, p. 24.

abusos existentes ainda continuavam e o êxito dos primeiros programas

católicos reformistas foi apenas parcial. Segundo o historiador inglês Davidson,

o Papa Paulo III mudou a atmosfera de Roma, uma vez que possuía objetivos

para futuras reformas. Embora seus projetos tenham sofrido forte oposição por

parte de outros membros da cúria até sua morte, em 1549.

Cardeais mais preocupados com política do que com os interesses da

Igreja, membros de famílias patrícias dominantes ainda transmitindo aos seus

parentes as dioceses mais ricas, enfim, este era o quadro eclesiástico europeu

existente naquele período pós-tridentino. Era o velho, eram as permanências,

que ainda convivia com as tentativas de reformas. Os episódios deixam “claro

que o Concílio não conseguiu eliminar a disposição do clero para encarar seus

postos quase como propriedade particular.”89[89]

As visitas episcopais na Europa do século XVII, revelariam a existência

de clérigos imorais e escandalosos. Comportamentos contrários à moral cristã,

como a falta de castidade, uso de propriedade para venda de vinho, porte de

armas, agiotagem e direção de casas de jogos foram alguns dos abusos

revelados. Além disso, “em muitas áreas a doutrina do Concílio de Trento não

era adequadamente ensinada, e os abusos do final da Idade Média e do início

do século XVI ainda prevaleciam.”90[90]

Ainda segundo Davidson, essas imperfeições católicas seriam

creditadas às deficiências do ensino fornecidos pelos próprios seminários

católicos. Estes, muitas vezes, não estariam realmente capacitados para

oferecer um perfeito domínio das Escrituras ou da Teologia cristã. Afinal,

alguns bispos acreditavam que uma perfeita formação acadêmica não era

89[89] DAVIDSON, N. S. Op. Cit. p.30.90[90] Idem. p. 35.

realmente importante para um pároco que fosse viver durante bom tempo no

meio rural. Assim, “não é de surpreender que, nessas circunstâncias, mesmo

alguns dos clérigos bem preparados pelos seminários se afastassem da

probidade ou moral depois da ordenação.”91[91]

É interessante observar as dificuldades encontradas pelos partidários da

Contra-Reforma em impor seus projetos reformistas no próprio continente

europeu. Isto nos leva à constatação de que o movimento tridentino teve uma

repercussão limitada na própria Europa, o que conseqüentemente afetaria a

disseminação de seus ideais no mundo não-católico, isto é, nas colônias de

além-mar, onde as próprias condições do ambiente não colaboravam para sua

solidificação.

No contexto da não-solidificação da doutrina católica na América

Portuguesa é importante destacar o papel daqueles que transgrediram as

normas cristãs e foram degredados – tanto pela Inquisição portuguesa como

pela Coroa – para a Colônia. Para Sonia Siqueira, “o meio propiciava recaída

nas faltas.”92[92] Ela credita o fato à presença predominante nas Capitanias da

Bahia, Pernambuco, Paraíba e Itamaracá de degredados saídos das comarcas

de Entre-Douro-e-Minho, Beira, Algarve, regiões portuguesas onde as reformas

tridentinas ainda não haviam tido tempo para causar uma mudança das

mentalidades, estabelecendo um equilíbrio entre fé e vida.

Um exemplo de recaída nas faltas que merece ser destacado é o do

padre Fructuoso Álvares, já mencionado anteriormente. Natural de Braga,

Portugal, foi degredado para Cabo Verde, por sodomítico. Devido à

reincidência no mesmo crime, voltou a sofrer a mesma pena, só que desta vez

91[91] Idem. p. 34.92[92] SIQUEIRA, Sonia.A Inquisição Portuguesa e a Sociedade Colonial. São Paulo: Ática, 1978. p. 66.

foi mandado para a Bahia, onde ocupou a paróquia de Nossa Senhora da

Piedade de Matoim, no recôncavo, fato que levaria Sonia a questionar: “que

respeito poderia infundir tal pastor, que com suas ovelhas infringia tão

escandalosamente o sexto mandamento?”93[93]

A Igreja Católica definiria de forma bem rígida os limites relacionados à

sexualidade após o Concílio de Trento. Reforçou os valores cristãos e

solidificou o sacramento matrimonial. Na Colônia, em 1707, apareceriam as

Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, considerada uma legislação

eclesiástica pioneira nas terras brasílicas e que destacaria nove pecados-

crimes relacionados à sexualidade, os chamados delitos da carne. Estes eram:

sodomia, estupro, rapto, adultério, concubinato, incesto, bestialidade, lenocínio

e molície.94[94] Através desta medida, a Igreja exercia seu controle sobre a

sociedade partindo da dominação individual de corpos e de consciências,

criando “um mecanismo de delação organizado de maneira a garantir que

alcançasse com os ouvidos o que seus olhos não podiam atingir: a intimidade

dos colonos.”95[95] E para isso alguns mecanismos importantes foram acionados.

Entre eles, a criação de uma rede de informantes laicos e eclesiásticos, que

atuavam em três níveis: pessoal, temporal e espacial. Naquele, a fiscalização

era praticada de indivíduo para indivíduo, isto é, cada um preocupava-se com

as faltas do próximo, procurando emendá-lo através das delações. No nível

temporal, a forma de controle da população era oficial e diária e a sede do

Bispado recebia denúncias permanentemente. Já o nível espacial compreendia

93[93] Idem. p. 101.94[94] GOLDSCHMIDT, Eliana Maria Rea. Virtude e Pecado: sexualidade em São Paulo colonial. In: Entre a virtude e o pecado. COSTA, Albertina de Oliveira, BRUSCHINI, Cristina. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1992, p. 17.95[95] Idem. p. 17.

a instalação do instrumento oficial e temporário que averiguava as culpas

durante as devassas episcopais nos locais escolhidos.

Outro ponto importante para a Igreja observar a vida de colonos (e

mesmo dos habitantes da Metrópole), uma vez que exercia considerável

pressão sobre as almas foi a confissão. Lembrando que esta ganhou

notoriedade a partir do Concílio de Latrão, em 1215, sendo reafirmado após o

Concílio de Trento, permitia que o pecador confessasse seus pecados,

contribuindo para a vigilância e o controle por parte da Igreja. É interessante

observar que a questão da confissão era uma prática que já vinha ao longo dos

tempos. Jean Delumeau nos conta que no costume antigo, a confissão era feita

ao bispo de uma forma ignorada, mas não pública. Ele afirma que o processo

penitencial não era privado e os clérigos pecadores não podiam beneficiar-se

da reconciliação, que era uma espécie de perdão através de regimes

penitenciais. Enquanto os leigos beneficiavam-se dela apenas uma vez na

vida. Mais tarde, até meados do século XII, essas características penitenciais

mudariam um pouco e “todos os pecadores, clérigos ou leigos, podem

reconciliar-se quantas vezes quantas pecaram”96[96] e o pecador não precisava

dirigir-se apenas ao bispo, mas também a um padre, sempre em particular. No

entanto, a penitência pública ainda permaneceria para os pecados graves

públicos.

Um debate sobre os chamados pecados mortais, sobre a cultura dos

pecados ligados à sexualidade existe desde longa data. Marilena Chauí

acredita que é curioso que “as perversidades e perversões vistas por Deus

[sejam] todas sexuais.”97[97] Daí a Luxúria, um dos sete pecados capitais, ser

96[96] DELUMEAU, Jean. Op. Cit. p. 371.97[97] CHAUÍ, Marilena. Repressão Sexual. Essa Nossa (Des) Conhecida. São Paulo: Brasiliense, 1984. p.84.

considerada um dos pecados que mais deveria ser evitado, do qual os cristãos

deveriam se manter totalmente afastados e o qual implicava em pesadas

sanções.

Nesse contexto de confissões de pecados e culpas, de sanções e

perdões, o Bispo de Chartres, Pierre de Celle, diria no século XII que:

as lágrimas são o pão da alma arrependida: elas extinguem o fogo das paixões, sufocam os vícios, apagam os pecados, amolecem o coração, irrigam os bons propósitos, fecundam as virtudes, atraem a misericórdia e a benevolência de Deus.98[98]

O arrependimento, a culpabilização tendiam a fixar a teologia dos

sacramentos, além de aumentar e fortalecer os poderes do clero, uma vez que

apenas este segmento da sociedade possuía o poder de conceder a

absolvição, já que o homem de Deus era o “canal através do qual age toda a

Igreja enquanto corpo místico e comunhão dos santos.”99[99]

A partir do Concílio de Latrão percebemos um considerável aumento da

produção de uma literatura voltada para o pecado e o Concílio de Trento se

mostraria interessado na enumeração, de forma obrigatória, de todos os

pecados mortais.

Dentro dessa literatura podemos encontrar os chamados manuais de

confissão e as sumas de confessores. Era a preocupação relativamente grande

dos homens da Igreja, zelosos em relação às “diferentes categorias de faltas e

gravidade ontológica do pecado”100[100]

Esse debruçar sobre o pecado e a culpabilização foi uma característica

importante do Ocidente no início da época Moderna. E essa preocupação fica

bastante nítida quando vemos a enumeração, por ordem de gravidade

98[98] DELUMEAU, Jean. Op. Cit. p. 373.99[99]Idem. p. 374.100[100] Idem. p. 375.

crescente, dos diferentes pecados sexuais, de acordo com a Confessio

generalis, brevis et utilis101[101], um manual da época. São dezesseis categorias

de pecados, que tem como o primeiro da lista o beijo impuro. Em décimo

quarto lugar estão as relações sexuais não naturais, em décimo quinto está a

sodomia. A bestialidade ocupa o último lugar da lista.

Provavelmente essa preocupação excessiva com os pecados-crimes

sexuais esteja intrinsecamente ligada à crença bastante difundida de que “o

corpo não pode ser tratado de qualquer maneira, pois é recinto sagrado.”102[102]

São Paulo também faria sua classificação de pecados e os dividiria em cinco

categorias: contra Deus, contra a vida humana, contra o corpo, contra as

coisas e os bens e por palavras. Mais uma vez a preocupação com o corpo,

que, de acordo com o apóstolo, é o templo do Espírito Santo, está presente. Na

concepção paulina, os pecados da carne que se erguem contra o corpo são

quatro: fornicação – ligada à sujeira e à prostituição -, adultério, masturbação e

homossexualismo. Daí, na impossibilidade da virgindade, o casamento.

São Jerônimo defendia arduamente o casamento ao dizer que “atacar o

casamento é abrir as portas para o deboche... dos homens que deitam com

outros.”103[103] Mas a combinação perfeita seria a escolhida por Santo agostinho,

que mesclava duas tradições (Tertuliano e São Paulo): a conservação do par

virgindade/castidade, privilégio dos padres e das freiras, através do celibato,

elemento que fazia, e ainda faz, parte da disciplina eclesiástica.

No entanto, muitas vezes, esse privilégio clerical acabava não tendo o

resultado esperado. E o sagrado e o profano acabavam por se confundir.

Vistos como espaços dedicados à meditação e à contemplação religiosa, os

101[101] Confissão Geral Breve e Útil.102[102] CHAUÍ, Marilena. Op. Cit.. p.91.103[103] Idem. p. 92.

conventos e os mosteiros, os recolhimentos e as igrejas eram muitas vezes

cenários de amores proibidos entre leigos e entre os próprios religiosos. Um

caso que ilustra bem o contexto aconteceu num convento teatino de Pescia, no

início do século XVII, com a abadessa italiana Benedetta Carlini. Dedicada a

ponto de ser promovida a abadessa, Benedetta, através de suas experiências

místicas, alcançou uma fama que ultrapassaria os limites do convento italiano.

Mas todo esse furor religioso faria com que fosse submetida a uma

investigação, ordenada por Roma, que revelaria um escândalo e mostraria que

a religiosa não preenchia exatamente os requisitos exigidos para a obtenção da

visão beatífica autêntica. Após o depoimento de sua acompanhante especial,

uma mulher semi-analfabeta e ingênua, Benedetta Criveli, sua fama mística de

esposa de Cristo, guia espiritual das reclusas, cairia por terra e ela seria

desmascarada. Criveli informou, em seu depoimento, que a abadessa, “em

alguns de seus transes, encarnava o anjo Splenditelo e começava a falar com

voz grossa, beijando-lhe o pescoço, tocando em seus seios e prometendo-lhe

felicidade em voz celestial.”104[104] A religiosa perdeu seu cargo – é interessante

destacar que muitas vezes essas promoções estavam relacionadas a critérios

que envolviam importantes jogos políticos – e sua sentença foi a reclusão

perpétua em uma cela do convento.

E nesse contexto do proibido, do pecaminoso, é importante ressaltar a

distinção feita pela Igreja, entre o amor profano, isto é, carnal, e o amor divino,

ou espiritual. Segundo uma das perspectivas cristãs, “essa diferença aparece

como oposição e antagonismo: o amor profano, sempre insatisfeito, desvia e

distrai a alma do amor divino, único a dar contentamento pleno.”105[105] Enquanto

104[104] VAINFAS, Ronaldo. Os Protagonistas Anônimos da História. Rio de Janeiro: Campus, 2002. p. 92.105[105] CHAUÍ, Marilena. Op. Cit. p. 89.

o amor espiritual estava ligado ao divino e era o único capaz de elevar o

espírito, o amor profano estava intrinsecamente ligado à sexualidade, ao

desejo, à Luxúria.

A Luxúria, associada à sexualidade e à sensualidade, é também muito

associada ao demônio e suas múltiplas facetas, uma vez que é “o

conhecimento do bem e do mal, que vem da experiência concreta do prazer e

da sexualidade, o conhecimento totalizante que integra inteligência e emoção,

corpo e alma”.106[106] Rose Marie Muraro sustenta a idéia de que o homem

conhece o bem e o mal transgredindo as leis do Pai, e o sexo, atrelado ao

prazer, é mau e, portanto, proibido. É uma das transgressões à lei e, mesmo

limitado às funções procriativas, é ainda assim, uma culpa.

E muitos dos que ousaram transgredir as leis do Pai estavam presentes

na própria instituição que perseguia os transgressores, isto é, dentro da Igreja.

Mesmo numa época em que a transgressão sexual era vista pelos inquisidores

como transgressão à própria fé, uma vez que o pecado sexual acaba por

dominar todos os outros, muitos foram os religiosos que praticaram aquele que

era considerado o pecado carnal mais execrado e abominável pela Igreja

desde a Idade Média: a sodomia ou o amor que não ousava dizer o nome.107[107]

E o número destes foi tão relevante durante boa parte da época medieval, que

a sodomia seria conhecida popularmente como vício dos clérigos, uma vez que

era tão praticada dentro dos conventos, mosteiros, igrejas, cabidos...

Mesmo com a existência de uma rígida educação moral e religiosa, na

qual regras eram estabelecidas para aqueles que não desejavam correr o risco

de cair em tentação, o corpo ou “o ‘templo do Espírito Santo’ parece ter-se

106[106] MURARO, Rose Marie. Prefácio. In: KRAMER, Heinrich, SPRENGER, James. O Martelo das Feiticeiras. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1991. p. 10.107[107] Expressão utilizada pelo poeta irlandês Oscar Wilde.

convertido num baú do diabo...”108[108] , já que tantos foram os religiosos que

preferiram incorrer no pecado mortal. Mesmo que tivessem que passar

privações e sofrimentos. Mesmo que se sentissem culpados.

A tentação, ou infiltração demoníaca, perseguia até mesmo aqueles que

mais pareciam estar a salvo dela. Um pregador, o oratoniano Loriot, num de

seus sermões, disse que “se minhas palavras vos causam medo, elas também

me causam tanto quanto a vós. Se meus discursos vos assustam, é apenas

porque eu me assustei primeiro.”109[109] Mais adiante destaca ainda mais sua

apreensão em relação à salvação de sua alma e, citando São Crisóstomo,

declara: “estou numa apreensão muito grande quanto à minha salvação, dizia

esse santo prelado ao seu povo, porque rezando e chorando por vós, não

tenho tempo de chorar por mim mesmo.”110[110] Ainda dentro deste contexto da

pedagogia cristã, que utilizava o modelo ascético, o medo da danação e dos

tormentos era muito evidente e uma vez mais vale destacar a afirmação de

Loriot: “como o pecador não seria tomado de pavor ao pensar no que lhe deve

acontecer, uma vez que os próprios santos não estiveram isentos desse temor

e tremeram quando foi preciso morrer.”111[111] Era o caso de Santo Agostinho.

Nas suas Confissões, o religioso se mostra atormentado, e culpado, porque

todas as suas tentativas e esforços para controlar sua vontade, realizados

durante a vigília, eram totalmente perdidos durante o sono. Porque sonhava

pecados...

E os sonhos pecaminosos de Santo Agostinho estavam ligados à

concupiscência da carne, isto é, à Luxúria, pecado sexual que domina todos os

108[108] CHAUÍ, Marilena. Op. Cit. p.104.109[109] Apud. DELUMEAU, Jean. Op Cit.v .II. p. 12-13.110[110] Idem.111[111] Idem.

outros. De acordo com Marilena Chauí, “qualquer ato (dominar, reter,

encolerizar-se, comer, querer alguma coisa vista com outrem, descansar)

converte-se num dos pecados capitais toda vez que for praticado em excesso e

o excesso se chama: luxúria.”112[112] Todo esse excesso, esse furor, esse

desejo, só pode ser mantido se contribuirmos para sua existência, ou seja, se

lhe fornecemos matéria combustível, se o alimentamos. Daí, São Gregório ter

escrito que “o fogo, se nele não jogamos lenha, graveto ou palha, nem

qualquer matéria combustível, não é de natureza a conservar-se a si

mesmo...”113[113] O elemento fogo está há muito tempo relacionado ao sexo, ao

desejo, como um incêndio que se propaga. Daí, a expressão arder de desejo.

Na Bíblia, no Antigo Testamento, Salomão já dizia no Cântico dos

Cânticos: “pois o amor é forte como a morte! / Cruel como o abismo é a paixão;

/ suas chamas são chamas de fogo / uma faísca de Tavé.”114[114] Dentro desse

ideal de que para manter acesa essa chama é preciso alimentá-la – do

contrário, extingue-se – existe outro ideal, ainda mais profundo e que pode ser

definido como uma busca incessante pela plenitude, uma vez que

o prazer obtido por seres finitos também é finito, fugaz, passageiro, que a busca recomeça sem cessar tão logo passado o efeito da satisfação, dela só restando uma lembrança que estimula o recomeço, como se os mortais esperassem da multiplicação e repetição dos prazeres dar-lhes perenidade. Mas nunca será possível o pleno contentamento.”115[115]

112[112] CHAUÍ, Marilena. Op. Cit. p.102. Grifo nosso.113[113] CHAUÍ, Marilena. Op. Cit. p. 89.114[114] Idem.115[115] Idem.

Ninguém melhor do que o poeta português, Luís de Camões, para definir

este sentimento: “Amor é fogo que arde sem se ver... É nunca contentar-se de

contente.”116[116]

Ainda dentro do contexto de relação entre amor, paixão, desejo e sexo

com chamas e fogo, reproduzimos trechos de cartas do Frei Francisco da Ilha

da Madeira, escrita no final do século XVII e endereçada a outro religioso, Frei

Mathias de Mattos, ambos praticantes do pecado nefando: “... Vem me dizer

que teu coração é um incêndio, é um fogo muito aceso e ele me tem abrasado,

e gosto muito!”117[117] Numa outra carta, escreve o frei: “... E quando não me

queiras conceder nada disto, dá-me sequer os seus bracinhos, porque neles

quero morrer. Que sirvam de lenha de meu amor!”118[118] E ainda numa outra: “...

porque o teu amor me faz abrasar o coração...”119[119] É interessante observar

que as cartas foram escritas no século XVII, período de intenso rigor

inquisitorial, no qual o Tribunal do Santo Ofício se mostrou mais feroz em sua

perseguição aos sodomitas.

A existência do amor homossexual entre os religiosos deixava a Igreja

numa situação delicada e Luiz Mott descreve que a questão:

colocava em xeque um dos alicerces da moral cristã: a superioridade da castidade e do celibato vis-à-vis não só a incontinência sexual, como em face do próprio matrimônio, posto que a Teologia Moral defendia que o estado religioso, com a adoção dos três votos (pobreza, castidade e obediência), representava um estado mais elevado de perfeição do que a opção conjugal.120[120]

116[116] Idem.117[117] MOTT, Luiz. Meu Menino Lindo: cartas de amor de um frade sodomita, Lisboa (1690). Revista Entretextos, n. 4. dez. 2000. p. 95 – 117.118[118]Idem.119[119] Idem.120[120] MOTT,Luiz. A Revolução Homossexual. [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <[email protected]> em 03 abr. 2005.

3.2 Amor, assédio, poder e violência nas relações homoeróticas

clericais

A homossexualidade121[121] existe desde tempos muito remotos e

podemos afirmar que é uma prática tão antiga quanto a própria humanidade.

Contudo, sua existência e os mecanismos de repressão caminham juntos, uma

vez que desde tempos imemoriais já existiam leis que condenavam aqueles

que ousavam praticá-la. Uma dessas leis, o Édito de Constantino II, de 342, foi

retificado pelo imperador Teodósio e condenava os sodomitas à fogueira. Os

visigodos adaptaram suas leis ao Direito Romano cristianizado em 660 e

condenavam os sodomitas à castração.

No reino de Portugal as primeiras referências ao pecado nefando, datam

do século XIII e aparecem nos Cancioneiros. A famosa obra destaca a vida

sexual de pessoas comuns e da nobreza e já distinguia os papéis exercidos

durante a cópula anal: o ativo era chamado de fodincu e o passivo, de

fodidincu,

termos que, segundo o dicionarista Moraes, foram emprestados do italiano e correntes entre os portugueses desde o tempo do Código das Sete Partidas (1341). Insultar um confrade de fodidincu chegou a ser penalizado, na vila de Tomar, com o castigo de cinco açoites, comprovando-se o quão aviltante era considerada a passividade sexual.122[122]

Vale a pena ressaltar que se a sodomia já era considerada um crime

torpe e sujo, um dos elementos mais complexos estava realmente ligado à

passividade. Complexidade que não estava presente apenas na sociedade

121[121] Ver debate a respeito da diferença entre homossexualidade e sodomia em: VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos Pecados. Moral, sexualidade e Inquisição no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. p. 152.122[122] MOTT, Luiz.Pagode Português: a subcultura gay em Portugal nos tempos da Inquisição. In: Ciência e Cultura. SBPC/SP. V. 40. fev. 1988. pp. 120-139.

portuguesa daquele momento. As culturas grega e romana na Antiguidade, nas

quais acreditamos ter havido uma certa permissividade, também não viam com

bons olhos aqueles que se submetiam à passividade, homem ou mulher, esta

considerada naturalmente passiva. O valor fundamental pertencia ao homem

livre e ativo, política e socialmente. Em relação àquelas sociedades, Marilena

Chauí observa que:

o jovem livre, do sexo masculino, considerado “passivo” pela pouca idade, e o escravo, considerado “passivo” por sua condição de dominado e por obrigação, faziam com que as relações homofílicas só fossem admitidas entre um homem livre adulto e um jovem livre ou um escravo, jovem ou adulto. O jovem, pela idade, podia ser livre e “passivo” sem desonra; o escravo, por sua condição desonrosa, só podia ser “passivo”, mas um homem livre adulto que se prestasse a uma relação homofílica no papel “passivo” era considerado imoral e indigno. Assim, era repudiada a homofilia entre homens adultos livres, relação considerada imoral, ilegítima e infame, designada como “contra a natureza”.123[123]

Dentro do contexto da descrição da vida sexual da nobreza, Portugal

teve um monarca afastado do poder por este ser sodomita: D. Pedro I, que

reinou de 1439 a 1446. É interessante destacar que no mesmo ano em que o

rei foi afastado do trono, foram promulgadas as chamadas Ordenações

Afonsinas, uma compilação de documentos que expressam contundente

desagrado em relação à sodomia, e que, na qual, mais tarde, outras leis teriam

se inspirado. Definindo a sodomia como o pecado mais abominável, ela

expressa que:

Sobre todos os pecados, bem parece ser o mais torpe, sujo e desonesto o pecado de Sodomia [...]. Por este pecado foi destruída a Ordem dos Templários por toda a Cristandade em um dia. Portanto, mandamos que todo homem que tal pecado fizer, por qualquer guisa que se possa, seja queimado e feito

123[123] CHAUÍ, Marilena. Op. Cit.. p.23.

pelo fogo em pó, por tal que já nunca de se, corpo e sepultura, possa ser ouvida memória.124[124]

Durante meados do século XV, o número de leis – eclesiásticas e civis -

contra a sodomia se tornaria ainda mais expressivo e sua associação com as

desgraças e castigos divinos, ainda mais contundente. Ao longo dos próximos

séculos, as leis só viriam a se aprimorar e o cerco aos sodomitas se fecharia

cada vez mais. As Ordenações Manuelinas (1521) e Filipinas (1606) apenas

confirmariam a ojeriza aos sodomitas. As duas ordenações pregariam a

condenação dos somítigos à fogueira e estes passariam a ser comparados aos

criminosos de lesa-majestade e de traição nacional, fato que fazia com que

seus descendentes fossem estigmatizados por três gerações sucessivas.

Aqueles que delatassem os praticantes do nefando receberiam gratificação

régia.

A Inquisição, que fora instalada em Portugal em 1536, receberia uma

Provisão de D. João III, em 1553, para que fossem iniciados os procedimentos

contra a sodomia. Dois anos mais tarde, em 1555, uma nova Provisão,

assinada pelo cardeal D. Henrique, inquisidor-geral, confirmava o poder

adquirido pelo Tribunal do Santo Ofício para queimar os sodomitas. Segundo

Ronaldo Vainfas, do grande número de pessoas perseguidas pela Inquisição

lusitana e condenadas à morte, os sodomitas ocupavam o segundo lugar, uma

vez que a sodomia era o único crime moral que merecia a pena capital no

Santo Ofício português. Mesmo não possuindo o rigor da inquisição espanhola

contra os sodomitas, no que se refere à pena de morte, os três Tribunais

portugueses, Lisboa, Coimbra e Évora, entregaram trinta somítigos ao braço

124[124] MOTT, Luiz.Pagode Português: a subcultura gay em Portugal nos tempos da Inquisição. In: Ciência e Cultura. SBPC/SP. V. 40. fev. 1988. pp. 120-139

secular nos séculos XVI e XVII, sendo três no primeiro e vinte e sete neste.

Quatrocentos e quarenta e sete foram processados até o século XVIII, o que

representa 7% dos réus. Comparando com a Inquisição hispânica, no mesmo

período, em Valência, foram queimados quarenta somítigos, “contra 259

condenados de 1566 a 1775, perfazendo 5% dos processados; e em Zaragoza

15 ‘sométicos’ acabaram na fogueira apenas na segunda metade do século

XVI, isto é, 11% dos 132 processados por esse crime.”125[125] Para Ronaldo

Vainfas, a aparente benevolência da Inquisição portuguesa estaria na melhor

estrutura do Tribunal hispânico e no exacerbado anti-semitismo dos

inquisidores portugueses. Até porque, no que se refere aos sodomitas, os

critérios de julgamento eram rigorosamente iguais.

A sodomia não foi uma prática comum apenas entre os nobres ou entre

as camadas populares. Estava presente em todas as camadas sociais,

inclusive entre os eclesiásticos. Estes, segundo Luiz Mott, representavam:

25% do total dos nefandistas, datando de 1549 o primeiro processo contra um fanchono de batina: o minorista Bento Negreiros, 30 anos, que apesar de suas ordens sacras, ganhava a vida “tangendo e cantando numa casa de mulheres solteiras”126[126], assim como também usava sotaina o último sodomita a ser processado pelo Tribunal de Lisboa (1768), o confessor Felix Antonio Correia, ancião de 77 anos, acusado de “inquietar rapazes para atos torpes”127[127] apalpando-lhes a natura no ato da confissão sacramental.

Ainda segundo Luiz Mott, a Inquisição podia proceder contra os

somítigos, mesmo que fossem do clero secular, das ordens religiosas, os

súditos da Sé Apostólica, presbíteros e Ordens Militares. Amparados pelas

125[125] VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos Pecados. Moral, sexualidade e Inquisição no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. p.304.126[126] MOTT, Luiz.Pagode Português: a subcultura gay em Portugal nos tempos da Inquisição. In: Ciência e Cultura. SBPC/SP. V. 40. fev. 1988.p. 120-139.127[127] Idem.

bulas papais de Pio IV e Gregório III, o Santo Ofício cumpria o seu papel ao

perseguir os culpados, não importando se estavam, ou não, no seio religioso.

O inquisidor Nicolau Eymerich deixou claro que mesmo padres poderiam

ser torturados para que se obtivesse a verdade e, neste caso, apenas a

suspeita já seria suficiente. Se para outros crimes e em outros tribunais, certas

categorias de pessoas – autoridades e seus filhos, letrados, entre outros – não

eram torturadas, o mesmo não ocorria para o crime de heresia: aqui não

existiam privilégios, nem privilegiados e todos, sem exceção, podiam ser

torturados. O que estava em jogo era o domínio da fé e, para controlá-la, era

preciso banir e desenraizar a heresia. Impedir que, tal erva daninha, ela

crescesse e se espalhasse. Para o inquisidor não deveria haver espanto em

relação à rigorosidade. Afinal, para o crime de lesa-majestade – e vale lembrar

que a sodomia era equiparada a esse crime – não poderia existir privilégio nem

isenção. Assim, os membros clericais podiam ser torturados,

porém, os sacerdotes e monges serão torturados com menos rigor, em respeito ao seu ministério e para não incorrer na excomunhão, reservada a quem colocar a mão em cima deles. A menos que fortíssimas suspeitas justifiquem torturas mais violentas... Padres e religiosos não serão torturados por leigos, e sim por um sacerdote ou religioso, a menos que se encontre religioso ou padre que saiba torturar.128[128]

Várias foram as penas recebidas pelos clérigos que incorreram no crime

sexual: prestação de serviço nas galés, degredo para África e Brasil – convém

mencionar que o degredo era também uma forma de colonizar, ocupar as

regiões pertencentes à Coroa portuguesa, além de penalizar criminosos -,

seqüestro de bens, além de alguns terem recebido a pena capital, ou seja, a

morte. Segundo Luiz Mott, nove religiosos foram queimados pela Inquisição

128[128] EYMERICH, Nicolau, LA PEÑA, Francisco de. Manual dos Inquisidores. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1993. p. 211.

lusitana, ou seja, 1/3 dos sodomitas queimados eram representantes da Igreja,

o que mostra que a castidade, o celibato, sustentáculos da moral católica, não

eram assim tão obedecidos... É necessário acrescentar que nenhum sodomita

do Brasil, religioso ou não, foi condenado à morte na fogueira. Receberam

penas como o degredo para as galés ou para outras partes do Reino

português. Além disso, nenhuma mulher foi executada pelo Tribunal lusitano.

É interessante observar que os sodomitas eclesiásticos predominaram

dentre os clérigos seculares, alguns ainda não tendo sido ordenados

presbíteros. O que mais chama a atenção é o fato de que muitos mantiveram

uma vida sexual homoerótica com meninos do coro das igrejas e de catedrais.

No contexto de relações sodomíticas com meninos, convém citar o Frei João

de Valencuela, natural de Xerex, Sevilha. Este frade carmelitano, doutor em

Teologia e missionário do Peru, grande pregador, foi preso pelos Familiares do

Santo Ofício português em Badajoz, Estremadura, quando retornava dos

Andes no final do século XVI. A acusação? Dormir de portas trancadas com

seu criado, Joanilho, adolescente de treze anos. Segundo a investigação, o

eclesiástico acabaria sendo comparado aos putos italianos, isto é, aos

sodomitas da Itália, terra que era considerada a própria reencarnação de

Sodoma e Gomorra. O religioso ainda seria acusado de assédio, uma vez que,

após missionar no Peru e na Nova Espanha, na caravela em que retornou à Europa, por pouco não foi jogado no mar pelos marinheiros escandalizados, com medo de que Deus Nosso Senhor castigasse-os com desgraças e naufrágios, em castigo pela devassidão do padre somítigo.129[129]

Mesmo negando as acusações, foi obrigado ao jejum de pão e água

todas as quartas e sextas-feiras.

129[129] MOTT,Luiz. Etno-História da Homossexualidade na América Latina. In: História em Revista. Núcleo de Documentação Histórica da Universidade de Pelotas, RS. Dez. 1998.

Frei João de Valencuela não seria o único a assediar criados

adolescentes. Na América Portuguesa existem inúmeros casos documentados.

Padre Antônio Guerra, natural de Lisboa e morador da Bahia, foi denunciado

entre 1684-1689. Além de possuir fama de sodomita, sendo muito amigo de

rapazes, e de praticar alguns atos sodomíticos com Bento da Costa Mesquita,

de vinte e quatro anos, também assediou um jovem de quatorze anos.

Tentando convencer o menino a ir para sua cama, o religioso “lhe metera a

cabeça entre as pernas e metera o membro viril na boca.”130[130] Enquanto o

garoto fugia, assustado, o padre gritava: “Tanto perdes!”131[131] Acabou sendo

expulso da Ordem Carmelita Descalço. Este religioso era uma figura polêmica,

que não media esforços para conseguir aquilo que queria. Segundo acusações

da época, usava de violência e oferecia dinheiro a seus amantes. Ainda

possuía um discurso em que pregava que “ser fanchono não era pecado”132[132],

algo revolucionário e que faz parte daquilo que Luiz Mott descreveria como

uma incipiente subcultura gay133[133] existente na Colônia. Segundo Mott, o

próprio meio contribuía para sua disseminação, uma vez que aqui inexistia uma

legislação, civil e canônica, realmente severa contra o crime de sodomia, fator

que, em sua concepção, permitiu que existisse espaço para até mesmo o

exibicionismo desafiador de travestis.

Os próximos na lista dos religiosos representantes do nefando estavam

sacerdotes e donatos que pertenciam às ordens religiosas. Em Portugal, os

130[130]Apud. MOTT, Luiz. Homossexuais da Bahia. Dicionário Biográfico. Salvador: Grupo Gay da Bahia, 1999. p.54-55.131[131] Idem.132[132] Idem.133[133] Segundo Luiz Mott, baseando-se em estudos de J. Boswell, o termo gay era utilizado desde o século XIII no catalão-provençal (gai), denominando os praticantes – de forma aberta – do homoerotismo. Teria derivado, em português, os termos gaio, gaiato, gaiatice. Ver: BOSWELL, John. Christianity, social Tolerance and Homosexuality. Gay People in Western Europe from the Beginning of the Christian Era to the Fourteenth Century. The Chicago University Press, 1980. p. 43.

carmelitas, os dominicanos, franciscanos, jerônimos e agostinianos. Trinos,

mínimos, paulistas e mercedários também foram representantes do culto a

Sodoma, embora em menos número. Até a Companhia de Jesus não ficou

isenta. Os casos eram raríssimos, uma vez que quando eram descobertos, os

sodomitas eram expulsos, oportunidade aproveitada por muitos, que acabavam

ingressando em outras ordens religiosas mais tolerantes.

Nem o alto clero foi poupado pela Inquisição. Dois capelães del-Rei, um

arcediago, um prior, o deão da Sé do Porto, um cônego lisboeta, dois abades,

um secretário da Bula da Cruzada e o altareiro da Sé Patriarcal de Lisboa

fazem parte da lista dos processados pelo Tribunal do Santo Ofício pelo crime

de sodomia. Segundo os Cadernos do Nefando, onde eram registrados os

processados, o número de denunciados religiosos é ainda mais elevado. A lista

inclui bispos e até – pasmem! – altos funcionários da Inquisição. Vale a pena

registrar que coristas, sacristãos e ermitães também foram partidários do amor

homoerótico. O sacristão da Matriz de Silves, no Algarve, Francisco Correia

Netto, vulgo “Francisquinha”, assinou uma coleção de cartas de amor para seu

noivo. Acabou denunciado pelo vigário.

É importante contextualizar o clima existente em muitos mosteiros

lisboetas nos tempos inquisitoriais. Luiz Mott descreve que:

a licenciosidade nos mosteiros chegou a tal ponto, que alguns frades em Lisboa chamavam das janelas seus amantes, fugiam das celas em escadas de corda, realizavam animadas representações teatrais com noviços travestidos de mulher, trocavam apaixonadas cartas de amor entre si, violentavam criados ou visitantes do convento, emprestavam suas celas para leigos fornicarem com seus amantes, etc, etc. Tal desenvoltura incluía de noviço a prior, de irmão leigo a provincial. Os frades, malgrado as severas admoestações de São Pedro Damião tentando evitar que os conventos se transformassem em conventículos de sodomitas, são os campeões da homossexualidade nos processos da Inquisição:

os que tiveram o maior número de cópulas e amantes, os mais versáteis na performance erótica, os que mais avançados em idade ainda procuravam o gozo venéreo, os mais sátiros e insaciáveis em praticar o pecado contra a natureza.134[134]

Mais uma vez vemos a mescla do sagrado e do profano, da dicotomia

divino/diabólico, salvação/danação, virtude/pecado. Era o contexto da tentação

e da Luxúria...

E os mosteiros coloniais também foram cenários desses romances

proibidos. Frei Domingos, Monge Beneditino, foi denunciado pelo sobrinho do

abade do Mosteiro de São Sebastião de Salvador, na Bahia, em 1646, por

possuir fama de cometer o pecado nefando. O religioso foi pego em flagrante

durante um ato homoerótico com um negro dentro do próprio convento.

Recebeu do abade, como penitência, a missão de celebrar missa durante uma

semana. O ex-Governador de Angola, revoltado com o clima de soltura

existente, que implicava em insistentes solicitações homoeróticas por parte dos

beneditinos do citado mosteiro, teria comentado com o abade: “Viu Vossa

Mercê que já prende a Inquisição pelo pecado nefando? Pois agora querem

prender para que o cometam...”135[135]

Esses relacionamentos homoeróticos foram marcados por múltiplos

sentimentos. Amor, ódio, assédio, relações de poder e violência permearam

todo esse contexto religioso nos tempos inquisitoriais. Muitos religiosos

mantiveram cópulas com escravos, crianças e adolescentes, além de

subordinados na hierarquia eclesiástica. Um exemplo que ilustra bem esta

questão é o de Gaspar de Santo Agostinho. Frade Agostiniano, quarenta e dois

anos, quando estava hospedado no Colégio dos Jesuítas, na Bahia, cometeu o

134[134] MOTT, Luiz.Pagode Português: a subcultura gay em Portugal nos tempos da Inquisição. In: Ciência e Cultura. SBPC/SP. V. 40. fev. 1988. pp. 120-139.135[135]Apud. MOTT, Luiz. Homossexuais da Bahia. Dicionário Biográfico. Salvador: Grupo Gay da Bahia, 1999. p. 64.

nefando, sendo o agente, com Matias, de dezesseis anos, estudante do

mesmo colégio, quando um outro frade saíra da cela para celebrar uma missa.

O religioso foi acusado em 1651.

Um exemplo importante no que se refere a relações de poder, violência

e assédio ocorreu também na Bahia. Padre José Pinto de Freitas, Tesoureiro-

Mor da Sé, foi acusado de assédio, em 1669, por vários homens, inclusive pelo

vigário de Ilhéus, Padre Manoel Vieira. O religioso chegou a ameaçar de morte

um moço do coro da Sé, caso contasse que o padre tentara tocar em seus

órgãos genitais. O padre foi acusado de cometer sodomia com vários

eclesiásticos e seculares. Segundo a confirmação da denúncia do Chantre da

Sé da Bahia, Padre Domingos Vieira de Lima,

há fama pública e constante entre a plebe, clérigos, religiosos e nobreza que o Padre José Pinto de Freitas exercita o abominável pecado nefando com homens, estudantes e rapazes, pegando-lhes pela braguilha, abraçando-os e beijando-os, acometendo-os com dinheiro, ouro e jóias, por ser rico e poderoso.136[136]

A Bahia não seria o único recanto do nefando. Devido às diversas

denúncias, membros do clero de Sergipe estiveram sob os olhares atentos do

Santo Ofício, no século XVII, que enviaria uma diligência ou Sumário

Inquisitorial, liderada pelo Frei Inácio da Purificação, primeiro inquisidor a visitar

as terras sergipanas. Padre Diogo Pereira, morador de Cotinguiba, apareceu

num processo de 1678, acusado de sodomia. O religioso

aparece em outro processo acusado de sodomia no Sumário realizado em Sergipe no ano de 1683. Segundo os testemunhos, esse padre abusava sexualmente tanto dos escravos quanto das escravas de sua senzala.137[137]

136[136] Idem.137[137] ALBUQUERQUE, Samuel B. de M. O Clero Secular Sergipano no Banco dos Réus. Jornal da Cidade, Aracaju, 5 dez. 2002, Caderno B. p. 6.

O fato de confessar as culpas sem ter sido antes denunciado – era o que

prescreviam os Regimentos do Santo Ofício português –, fazia com que os

culpados fossem tratados com clemência. Concessão aproveitada com êxito

pelo Frei Luiz Moreira, Monge Beneditino, de quarenta e dois anos, letrado e

pregador, Examinador das Ordens Militares, morador em Lisboa. Quando viveu

na América Portuguesa, por três anos, ocupou o cargo de Abade Primacial na

Ordem de São Bento. Enquanto residiu no Mosteiro de São Sebastião, na

Bahia, manteve um relacionamento homoerótico por quatro ou cinco meses

com seu criado, o mameluco Jorge, de dezoito anos. Segundo Luiz Mott, o

religioso foi a mais graduada autoridade monástica conhecida da América

Portuguesa a praticar o nefando. Confessando-se perante a Mesa do Santo

Ofício de Lisboa, em 1610, declarou ter mantido relações homoeróticas

diversas vezes no Reino e na Colônia. Assim descreveu suas práticas de

sodomia com Jorge:

estando deitados ambos na cama em sua cela, com as calças embaixo, e o dito Jorge deitado de bruços e ele declarante em cima, lhe meteu sua natura no seu traseiro derramando nele semente... e este mesmo abominável pecado cometeu várias vezes de dia e de noite em outras partes, também nas fazendas do mosteiro.138[138]

Mas o contexto de relacionamentos homoeróticos clericais não seria

marcado apenas por violência e sentimentos menos nobres. Estas facetas

desconhecidas desse segmento social nos mostram que

que apesar das restrições canônicas proibitivas de atos ilícitos e desonestos, nem por isto deixou de possuir e desenvolver sentimentos nobres de amor e paixão – alguns; enquanto outros, à imitação dos demais homens seculares de sua época,

138[138]MOTT, Luiz. Homossexuais da Bahia. Dicionário Biográfico. Salvador: Grupo Gay da Bahia, 1999. p. 83.

nortearam-se pelo mesmo egoísmo e misoginia típicos de nossa ideologia.139[139]

Muitas dessas relações foram realmente permeadas por fortes

sentimentos. Eclesiásticos chegaram a arriscar suas carreiras religiosas e, até

mesmo, suas vidas, para viver suas paixões homoeróticas. Ao contrário do que

muitos podem acreditar, muitas relações homofílicas não foram apenas

carnais. Embora fosse uma época marcada pela existência do pecado em

quase todo tipo de ação, vários casos de amor impossível floresceram durante

a idade Moderna. E, se na concepção de Santo Agostinho, “ler e escrever são

janelas e portas preferenciais do Diabo”140[140], o que pensar a respeito de cartas

de amor trocadas entre dois religiosos em pleno século XVII, momento em que

a Inquisição portuguesa mais perseguiu os sodomitas?

Marilena Chauí observa que:

[...] é pela via da caça ao prazer que os pecados do corpo vão sendo sexualizados. E é pela via do prazer que a palavra passará a ser um pecado sexual. Faladas, escritas ou simplesmente pensadas em silêncio (isto é, sem comunicação), ouvidas ou lidas, estão submetidas a rigoroso exame.”141[141]

Num contexto em que pensamentos, intenções e até palavras

instigavam a concupiscência da carne, percebemos a presença da tentação do

maligno nas extraordinárias cartas de amor trocadas entre Frei Francisco da

Ilha da Madeira, corista do Convento de Belém, à beira da desembocadura do

Tejo, onde ambos viviam, e Frei Mathias de Mattos, da Ordem de São

Jerônimo. Este, que por ocasião de sua confissão perante a Mesa Inquisitorial,

em 13 de setembro de 1690, dizia ter quarenta anos, preferiu confessar-se

139[139] MOTT, Luiz. Amores Clericais em São Paulo Colonial.Diário Oficial, Leitura, Publicação Cultural da Imprensa Oficial do Estado de S. Paulo, n. 9, v. 101. Out. 1990. p. 1- 3.140[140] CHAUÍ, Marilena. Op. Cit. p. 107.141[141] Idem.. p. 106.

antes de ser acusado. Declarou que a confiança e a comunicação, facilitadas

pelas cartas, contribuíram para seus furtivos encontros. Acrescentou que

“depois de várias palavras amorosas que entre si tiveram e outros afagos,

incentivos da luxúria, se pôs o dito corista em cima dele, declarante e o

penetrou...”142[142]. Chamamos a atenção para o fato de que ambos eram

conscientes de seu pecado, uma vez que o religioso disse que eles “entendiam

que a fealdade e pena deste pecado só consistia em derramar dentro [do ânus]

a dita semente e não por fora, como o dito corista fez naquela ocasião”. 143[143]

Ou seja, houve o cuidado da não ejaculação dentro do ânus, uma vez que isto

implicaria na sodomia perfeita, crime sob jurisdição do Santo Ofício.

As cartas eram quase sempre iniciadas por diminutivos, os quais

estavam relacionados a sentimentos de ternura e paixão, o que, segundo Luiz

Mott, eram comuns no português barroco. Meu Feitiçozinho, Meu Cãozinho,

são alguns exemplos, que ainda contavam com expressões tipo Meu

coraçãozinho, minha vida, minha alma, meu tudo, palavras que realmente

enfatizavam sentimentos e doçura.

O contexto das cartas é quase sempre marcado por saudade e

ansiedades. Numa delas, Frei Francisco explicita todas suas tensões e

aflições:

[...] podes estar seguro, que se esse amor não acabar com a morte, além dela passará o meu, e assim estou vencido tanto de vontade quanto de amor, e podes estar seguro que nesta hora, me serve o coração por boca, porque escrevo o que me dita o coração. Ai Jesus, valha-me Deus, não sei em que me meto! Faz-me Deus matar, e se é o teu gosto este, mata-me, aqui me tens, mata-me, meu menino. Quem fora tão de ferro que estivera derramando sobre teu coração as lágrimas que os

142[142] MOTT, Luiz. Meu Menino Lindo: cartas de amor de um frade sodomita, Lisboa (1690). [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <[email protected]> em 03 abr. 2005.143[143] Idem.

meus olhos sobre este lançam! Mas ai que morro, não por te ver todos os instantes e morro porque então morrendo alcançarei a vida...”144[144]

O que podemos perceber, pelas palavras do religioso, é um sentimento

de loucura desenfreada e uma ânsia de paixão e fúria indescritíveis...

Infelizmente não temos maiores notícias sobre Frei Francisco, o

remetente das cartas. Quanto ao destinatário, Frei Mathias, sabemos que

pregou com entusiasmo até seu falecimento, em 26 de agosto de 1716. Os

dois acabariam sendo poupados de maiores castigos pela Inquisição lusitana,

uma vez que esta criminalizava apenas a sodomia perfeita.

Em 1821, era extinto o Tribunal do Santo Ofício em Portugal após um

período marcado pela decadência. No Brasil, com a promulgação da primeira

Constituição, em 1824, a sodomia deixava, finalmente, de ser crime.

144[144] Idem.

Conclusão

“Na história da Igreja, os fatos passados são lições para que evitemos cair nos mesmos erros. Por outro lado, não temos

nenhum direito de julgar as pessoas, ou de dizer que teríamos feito melhor em seu lugar.”

(Jean Delumeau, O Pecado e o Medo)

A Europa Moderna nasceu num mar de contradições. Ao mesmo tempo

em que era o momento do Renascimento, marcado por uma nova concepção

de homem e pelo período das Grandes Navegações, as fogueiras da Inquisição

atuavam para reprimir os hereges.

Foi a época na qual o mundo europeu, imbuído do desejo de “dilatação

da fé, colonização e fortalecimento do poder monárquico”145[145], chegava ao

Novo Mundo. Momento da Contra-Reforma, marcado pelo ideal predominante

de salvaguardar o poder da Igreja Católica, através da missionação de outros

povos, que, além de aumentar o número de ovelhas para o rebanho católico,

angariava súditos para a Coroa. Eram a Igreja e o Estado, religião e política,

unidos na conversão de povos e colonização de novas terras.

E neste contexto, Portugal, pioneiro das Grandes Navegações, chegava

àquela que seria sua maior e mais rentável colônia: a América Portuguesa.

Quando aqui desembarcaram os primeiros portugueses, aconteceria o

encontro de dois mundos desconhecidos, os quais possuíam concepções

religiosas, culturais e sexuais distintas. Era o começo de um novo capítulo de

nossa história e nada seria como antes...

Tentando transplantar o modo de viver e de pensar europeus para a

colônia, através de códigos e normas de conduta, a Igreja e a Coroa

145[145] SOUZA, Laura de Mello e. O Diabo e a Terra de Santa Cruz. São Paulo: Companhia das Letras, 1986. p. 33.

portuguesa interfeririam diretamente na vida dos colonos. Com objetivos de

ocupar as terras recém-conquistadas e de livrar o reino de elementos

desagradáveis, os dois sistemas enviariam às terras brasílicas muitos

degredados. Num ambiente em que floresciam comportamentos condenáveis

pela moral católica, estes degredados acabavam por recair em suas faltas,

uma vez que o próprio clima colonial contribuía para que isto ocorresse.

Os comportamentos que não agradavam à Igreja não eram privilégio

apenas dos simples colonos. Membros clericais também se mostrariam

pendentes às práticas não-ortodoxas. Assim, dentro de mosteiros, conventos,

igrejas e cabidos, pelas imensas matas coloniais, ocorreram inúmeros

relacionamentos homoeróticos religiosos e leigos.

Muito embora fosse considerada pela Igreja como o pior e mais odioso

crime, a sodomia, que chegou a ser chamada de vício dos clérigos, esteve

muito presente no seio religioso. Tanto em Portugal, como na América

Portuguesa. E mesmo com a feroz atuação do Tribunal do Santo Ofício,

especialmente no século XVII, quando o reino português estava sob domínio

da Coroa espanhola, que produziria um grande número de processos,

religiosos e leigos não deixariam de praticar o amor que não ousava dizer o

nome.

A interferência religiosa mais significativa na colônia começaria no final

do século XVI, com a primeira visitação da Inquisição lusitana. Outras duas

visitações ocorreriam ainda nos séculos XVII e XVIII e inúmeros sodomitas

seriam enviados aos cárceres de Lisboa, para as galés do reino e degredados

para outras partes do Império português.

Diante da intrínseca ligação entre Metrópole e Colônia, Laura de Mello e

Souza indaga: “onde termina a Europa, onde começa o Brasil?”146[146]. Ela

mesma observa que:

se não podemos nos entender sem olhar para a Europa, a Europa também não se entende de forma integral se não olhar para a América. [...] Portugal e Brasil formam um “continuum” contraditório e articulado, capaz de gerar especificidades de um lado e do outro do Atlântico, mas fecundo sobretudo nas relações que se oferecem no seio do Império colonial.147[147]

A Inquisição deixaria de funcionar em Portugal em 1821, um ano antes

da independência do Brasil. O saldo de seus séculos de funcionamento seriam

milhares de processados, centenas de relaxados ao braço secular, muitos

encarcerados em Lisboa, outros nas galés reais ou degredados. O contexto

inquisitorial terminava, muito embora deixasse marcas indeléveis nas vidas de

religiosos e seculares, metropolitanos e colonos, devido ao enorme impacto

causado por suas práticas.

146[146] SOUZA, Laura de Mello e. Inferno Atlântico. Demonologia e Colonização. Séculos XVI – XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p. 14.147[147] Idem. Op. Cit. p.18.

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