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João Dias de Araújo - Inquisição Sem Fogueiras

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Edição digital baseada no livro de João Dias de Araújo, Inquisição Sem Fogueiras,2ª Edição, Instituto Superior de Estudos da Religião, Rio de Janeiro, 1982.

 A presente versão não é final, pois podem haver possíveis erros de digitação notexto. Por isso, solicitamos que sejam enviadas as observações, sugestões e outras

opiniões para endereço eletrônico: [email protected] .

Capa: Júlio César de Oliveira.

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ÍNDICE 

O Autor 4Siglas 5 Apresentação da 1ª Edição 6

 Apresentação da 2ª Edição 8 Apresentação da Edição Digital 9Introdução 13Retrospecto Histórico 17Inquisição Sem Fogueiras 22Início da Radicalização Conservadora 31 A Extinção da Confederação Nacional da Mocidade Presbiteriana 35Pressões sobre Pastores e Leigos Preocupados com Problemas Sociais 43Impacto do Concílio Vaticano II 49Ecumenismo 54 A Revolução de 1964 61Expurgos nos Seminários 69Crise em São Paulo 79Templo com Correntes e Cadeados 85Dissoluções e Despojamentos na Bahia 91Dissolução do Sínodo Espírito-Santense 99Voz Profética dos Presbitérios de Vitória e de Colatina 104Expurgos e Isolacionismo 114Considerações Sociológicas 121Considerações Teológicas 130Perspectivas Para o Futuro 134

Bibliografia 138

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O AUTOR 

João Dias de Araújo nasceu num seminário da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB),em Campinas, SP, onde seu pai estudava para o ministério da Palavra. Retornouàquele seminário na década de quarenta para cumprir sua própria vocação. Após

sua ordenação, pastoreou por sete anos a Igreja Presbiteriana de Itacira, noPresbitério de Campo Formoso, da IPB. Lá, no centro geográfico do Estado daBahia, desenvolveu ministério fecundo, aconselhou obreiros e pacientes do GraceMemorial Hospital, professores e alunos na Escola de Auxiliares de Enfermagem eno Instituto Ponte Nova, e ajudou a organizar o Instituto Bíblico Waddell. Escrevepara vários periódicos, e seu artigo sobre os Manuscritos do Mar Morto foi o primeirosobre este assunto a ser publicado em português. Foi chamado pelo SupremoConcílio da IPB para ser professor de Teologia Sistemática e Ética Cristã noSeminário Presbiteriano do Norte (SPN), em Recife, PE. Fez pós-graduação noSeminário Teológico de Princeton, nos EE.UU. da A., e bacharelou-se em Direito,em Recife. Como representante do Fundo de Educação Teológica, viajou ao Exteriorrepetidas vezes, visitando seminários em países do Terceiro Mundo. Após dozeanos de cátedra no SPN, saiu de Recife para ser diretor do Colégio 2 de Julho, emSalvador, BA, talvez o educandário evangélico mais conhecido no nordeste do País.Muito conhecido como conferencista e professor de Bíblia, João Dias de Araújo éministro da Federação Nacional de Igrejas Presbiterianas (FENIP), atualmenteresponsável por um novo projeto de educação teológica para leigos no Estado daBahia. Publicou quatro livros: Escondendo-se na Luz, São Paulo, 1952; Portas Corde Rosa, São Paulo, 1959; O Jovem Cristão e o Jovem Comunista, Recife, 1964;Sê Cris tão Hoje, Recife, 1970.

J. N. W.19.11.82

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SIGLAS 

 AIPRAL Associação de Igrejas Presbiterianas e Reformadas da América Latina AIRB Aliança de Igrejas Reformadas do Brasil ASTE Associação de Seminários Teológicos Evangélicos do Brasil

BP Brasil PresbiterianoCD Código de Disciplina da Igreja Presbiteriana do BrasilCPJ Colégio Dois de JulhoCEB Confederação Evangélica do BrasilCES Comissão Especial de SemináriosCE/SC Comissão Executiva do Supremo ConcílioCESE Coordenadoria Ecumênica de ServiçoCE/SSP Comissão Executiva do Sínodo de São PauloCGT Comando Geral dos TrabalhadoresCI Constituição da Igreja Presbiteriana do BrasilCIIC Conselho Internacional de Igrejas CristãsCIP Conselho Inter-PresbiterianoCMI Conselho Mundial de IgrejasCMP Confederação Nacional da Mocidade PresbiterianaCNBB Confederação Nacional dos Bispos do BrasilCOEMAR Comissão de Missão e Relações Ecumênicas da Igreja Presbiteriana

Unida nos Estados Unidos da AméricaFECICS Fundação Educacional Cícero e Cecília SiqueiraFENIP Federação Nacional de Igrejas PresbiterianasICCR Igreja Cristã de Confissão ReformadaICR Igreja Cristã Reformada

IPB Igreja Presbiteriana do BrasilIPC Igreja Presbiteriana ConservadoraIPF Igreja Presbiteriana FundamentalistaIPI Igreja Presbiteriana Independente do BrasilIPR Igreja Presbiteriana RenovadaIPRJ Igreja Presbiteriana na Cidade do Rio de JaneiroIPS Igreja Presbiteriana nos Estados UnidosIPU Igreja Presbiteriana Unida nos Estados Unidos da AméricaISER Instituto Superior de estudos da ReligiãoJMN Junta de Missões NacionaisMPBC Missão Presbiteriana do Brasil Central

PBH Presbitério de Belo HorizontePOMN Presbitério Oeste de MinasPSP Presbitério de São PauloPSVD Presbitério de SalvadorPVSF Presbitério do Vale do São FranciscoSAF Sociedade Auxiliadora FemininaSBH Sínodo Belo HorizonteSBS Sínodo Bahia-SergipeSC Supremo ConcílioSES Sínodo Espírito-SantenseSES-RJ Sínodo Espírito Santo - Rio de Janeiro

SFC Seminário Presbiteriano do CentenárioSPN Seminário Presbiteriano do Norte

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SPS Seminário Presbiteriano de CampinasUCEB União Cristã de Estudantes do BrasilUPH União Presbiteriana de Homens

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APRESENTAÇÃO DA 1ª EDIÇÃO 

Era necessária documentar os fatos que se desenrolaram dentro de uma instituiçãoreligiosa brasileira, para servir de advertência e se constituir num brado de alerta àcomunidade ecumênica do século XX.

O que está acontecendo na Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) pode acontecer emqualquer outro lugar deste planeta.

Os aspectos patológicos da vida religiosa que se manifestaram nestas últimasdécadas dentro de uma Igreja de pouco mais de um século de existência, atraíram aatenção dos estudiosos do fenômeno religioso no Brasil e causaram espanto aosobservadores religiosos protestantes da Europa e dos Estados Unidos da América.

Entre os grupos que estudam a religião no Brasil está o Instituto Superior de Estudosda Religião (ISER) que reúne professores, clérigos, ex-clérigos, leigos, sociólogos eteólogos, formando uma equipe ecumênica voltada à pesquisa e ao estudo dasituação religiosa brasileira.

A crise na IPB, que sempre era mencionada nos seminários do ISER, merecia umtratamento mais detalhado.

Estimulado e encorajado pelos companheiros do ISER, o autor desta pesquisaresolveu fazer m estudo histórico descritivo e interpretativo, numa tentativa dedocumentar e de compreender o que está acontecendo mim dos mais significativose expressivos grupos protestantes que floresceram no Brasil, na segunda metade do

século XIX - o presbiterianismo.O ISER possibilitou a realização desta pesquisa, fornecendo os meios para que elafosse discutida e publicada. O autor apresenta aqui seu agradecimento aos colegasque cooperaram, com esta pesquisa e que ainda poderão oferecer criticas para amelhor compreensão dessa síndrome religiosa - o inquisitorialismo.

O trabalho é imperfeito e incompleto.

O autor diria, imitando a última frase de Euclides da Cunha em Os Sertões:

“É que ainda não existe um Alexandre Herculano para historiar a origem e oestabelecimento da Inquisição Protestante.”

J. D. A.Recife, dezembro de 1975.

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APRESENTAÇÃO DA 2ª EDIÇÃO 

 Após sete anos tenho a oportunidade de ver esta pesquisa novamente publicada.Neste ano também tive a alegria de ver este trabalho publicado em inglês, com atítulo: Inquisition Without Burnings.

 Agradeço as sugestões e críticas que recebi de vários leitores, amigos colegas, nosentido de corrigir e melhorar a lª edição, que está agora corrigida e parcialmenteatualizada.

Infelizmente, a situação da IPB continua a mesma. Fatos semelhantes aos descritosneste estudo continuam acontecendo. Alguns otimistas chegaram a profetizar que,com a proposta de “abertura democrática” feita pelo governo militar brasileiro, a IPBpassaria para uma posição mais cordial e democrática. Puro engano. O regimemilitar decretou a anistia, reintegrando punidos e banidos ao convívio da sociedadebrasileira. O regime eclesiástico, no entanto, nem cogita de compaixão emagnanimidade para com seus perseguidos e cassados. A cúpula da IPB não só foia precursora de golpes neste País mas também a mantenedora de regimesgolpistas. Todas as propostas de abertura feitas por vários setores da IPB foramsolene e drasticamente rechaçadas por aqueles que ainda detêm o poder na Igreja.

E ainda oportuna a publicação desta 2ª edição porque a memória do nosso povo émuito fraca, especialmente a do povo presbiteriano. Presbiterianos já estãoesquecendo os fatos destas duas décadas que marcaram profundamente a Igrejaque um dia foi implantada em nossa Pátria pelo ardente coração do jovem AshbelGreen Simonton.

Volta e meia amigos e colegas de denominações presbiterianas irmãs indagamsobre os acontecimentos inquisitoriais na IPB, preocupados em que taisbarbaridades não venham a se repetir em suas respectivas greis. Nutro a esperançade que este estudo venha a contribuir positivamente para evitar repetições que tais.

Tenho agradecimentos especiais nesta 2ª edição. Ao tradutor para o inglês, JaimeWright, à sua esposa Alma pelo rastreamento das referências bibliográficas e siglas,e à filha de ambos, Anita, pela sugestiva ilustração de capa. E ao Comitê de Defesade Direitos Humanos no Cone Sul (CLAMOR) por ter cedido sua máquina para esteserviço.

J. D. A.Wagner (ex-Ponte Nova, ex-Itacira), BA, novembro de 1982.

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APRESENTAÇÃO DA EDIÇÃO DIGITAL 

Algumas palavras devem ser ditas, hoje, sobre o que significou a obra de João Diasde Araújo para o protestantismo e presbiterianismo brasileiros. Quando Jaime Wrightverteu-o para o inglês, acrescentando uma preciosa bibliografia, subtitulou-a: Vinte

anos de história da Igreja Presbiteriana no Brasil: 1954-1974. O campeão dosdireitos humanos, conhecido como o mais importante entre os gigantes dopresbiterianismo brasileiro, rendeu-lhe um tributo merecido. O teólogo presbiteriano-unido, escorraçado pela IPB, registrou um momento dos mais importantes doprotestantismo e da opção calvinista e ecumênica, realçando o papel do grandemestre da Reforma Protestante, matriz do ecumenismo que conhecemos eaplaudimos, hoje (Zwínglio M. Dias).

Significativamente, é influenciado pelo movimento Igreja e Sociedade na AméricaLatina, impactado por uma teologia nova, social e politicamente realista, seu livrorebela-se contra a religiosidade “eqüidistante,” sem engajamento e definitivamente

decidida a ficar em cima do muro vendo o trem da história passar, enquanto aAmérica Latina se transformava, e o Brasil com ela.

Um protestantismo presbiteriano infiel à Reforma se estabelecia como irremovível,inclinado ao pietismo e ao fundamentalismo, sem comprometer-se com as lutascontra a miséria, a fome, a doença, o trabalho negado; contra o distanciamentoreferente à cobrança de dívidas sociais, políticas; contra a afirmação dos direitoshumanos e do exercício democrático de cidadania; contra as lutas doreconhecimento do ecumenismo histórico, do impedimento à comunhão com astradições cristãs diversas, e até contra a discriminação de expressões do pluralismoreligioso, evangelical ou afro-brasileiro, a ponto de ser classificada, a ala libertária

dentro da IPB, de “modernista e comunista”. Pejorativamente, sem dúvida.

A ala da qual João Dias de Araújo fazia parte arriscou-se na experiência dasolidariedade diante da necessidade de fazer o presbiterianismo histórico original,reformado, calvinista de fonte, essencialmente confessional, mais que umpresbiterianismo denominacional. Esforçou-se por fazer vigorar características latino-americanas em suas lutas libertárias do colonialismo religioso, político, econômico ecultural dentro do presbiterianismo e do protestantismo de fontes terciárias,ideológico, culturalmente tendencioso e arrogante; defensor de uma falsaoriginalidade reformada, como foi chamado no protestantismo das missões norte-americanas. Como comunidade de testemunho, propôs a resistência ao

autoritarismo religioso, enquanto se debatia contra o autoritarismo político daditadura militar. Sofreu, esse movimento presbiteriano libertário, a humilhação de serdeclarado pelos próprios presbiterianos de serem falsos teólogos, hereges, indignosda Igreja Presbiteriana, sob as conseqüências da retirada de direitos pastorais demuitos ministros; retirada de validade da ordenação de ministros, presbíteros,diáconos, inclusive.

O presente relato não corresponde a interesses internos das igrejas presbiterianasno Brasil, certamente refere-se à grande crise do protestantismo conservador, quereage simultaneamente nas duas frentes: ecumenismo irrestrito e missão da Igrejanas profundas transformações que ocorriam na América Latina. Responsabilidadesocial é a chave de tudo. Mas não se exclui a luta pelo resgate do presbiterianismooriginal, passando por João Calvino e João Knox, na Reforma Suíça e na Reforma

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Escocesa, respectivamente.Numa conferência proferida recentemente, João Diasdizia estas palavras: Havia já algum tempo que alguns teólogos presbiterianosestavam fazendo observações sobre o tipo de calvinismo que era valorizado noBrasil, especialmente pela IPB, mostrando que houve um afastamento histórico dafonte eclesial de Genebra e da eclesiologia de Calvino. Emil G. Leonard em sua obra

clássica “O Protestantismo Brasileiro” preocupou-se com essa característica doPresbiterianismo de segunda mão.

Escrevendo sobre o calvinismo dos primeiros missionários americanos queplantaram o presbiterianismo no Brasil, diria: “Do ponto de vista doutrinal, ocalvinismo que (os missionários) acreditavam difundir já era uma diluição dediluições anteriores; o presbiterianismo americano já era ele mesmo uma adaptaçãodo presbiterianismo britânico que por sua vez, através de um século de lutas contrao catolicismo e o anglicanismo, se havia distanciado longamente do pensamento deCalvino. E, quase sempre acontece com as Igrejas distantes de sua fonte deinspiração – e, por isso mesmo mais ortodoxas em vontade que em espírito,o que

era importante para estes missionários era a adesão aos textos denominacionaissob a forma da tardia e duvidosa Confissão de Fé de Westminster (1647).” 

Este trabalho reflete alguma coisa a mais, no entanto. A teologia presbiterianabrasileira teve sua origem na teologia presbiteriana do século XIX, nos EstadosUnidos. A teologia do presbiterianismo norte americano provinha, não só dopuritanismo inglês, mas também do calvinismo escocês, onde se define opresbiterianismo sistemático, eclesiológico, organizacional, que ganhou o mundo.Infelizmente, diz o próprio João Dias, os teólogos americanos que formaram osmissionários que atuariam no Brasil estavam mais preocupados com a polêmicaanti-liberal do que com o aprofundamento e a criatividade na teologia. Observemos

que Princeton, o grande reduto do presbiterianismo norte-americano, foi dominadopelo fundamentalismo até os anos 40, no século passado. John Mackayrevolucionou esse grande centro teológico restaurando a tradição reformadarepresentada pela presença de Karl Barth, Emil Brunner, Joseph Horomadka, edando grande força à teologia norte-americana representada por Richard eReinhold Niebuhr, Paul Lehman e outros. Esta fase, porém, só vai refletir-se nadécada de 60, especialmente com a presença no Brasil do teólogo precursor daTeologia da Libertação Richard Shaull.

“A história da teologia presbiteriana nos Estados Unidos, no século passado, foimarcada pelo conservantismo, pelo anti-liberalismo e pela volta ao Escolasticismo

Protestante do século XVII. Essas ênfases foram iniciadas pelo teólogo norteamericano Jonatham Dickinson, que na primeira metade do século XVIII, escreveuum livro para defender o calvinismo radical. O historiador missionário Paul E. Piersonenumera três características da teologia das Igrejas que enviaram missionários parao Brasil: Denominacionalismo; falta de interesse por uma teologia científica;preocupação com a disciplina e a retidão de caráter,”  acrescenta o teólogo JoãoDias na citada conferência.

O fundamentalismo formou correntes teológicas reacionárias à teologia libertária quebrotava, e João Dias, extremamente próximo de Richard Shaull, desde a famosaConferência do Nordeste, onde o protestantismo brasileiro foi sacudido pela atuação

da ISAL (Igreja e Sociedade na América Latina). Resultou num documentoimportantíssimo também conhecido como Compromisso Social, “assumido” pela IPB

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(1962). Contra a importância histórica do cristianismo primitivo acentuada nalibertação religiosa (História da Salvação); contra a pesquisa histórica da pessoa deJesus de Nazaré; contra o criticismo documental e hermenêutico das ênfasesneotestamentárias sobre a identidade real da comunidade primitiva,fundamentalistas expressavam, como acontece ainda hoje, uma reação à

modernidade com extrema virulência. O debate público para a restauração dopassado ideal onde a autoridade religiosa não era questionada, uma espécie decontra-reforma dentro do próprio protestantismo brasileiro, tomava corpo. Seusconteúdos abrangiam as igrejas e as famílias, a autoridade do varão, do pai; aautoridade de um governo central capaz de impor normas de conduta moral quantoao aborto, a homossexualidade, o feminismo, e em geral contra a secularização dasescolas públicas e dos cerimoniais nacionais que afirmavam o apoio e a presençadivina em todos os atos públicos do governo. No plano internacional, apóia ointervencionismo estadunidense, como ainda se vê.

Afirmava-se, entre presbiterianos, os cinco pontos inegociáveis com a modernidade:

1. Da inerrância da Bíblia, inclusive a literalidade dos escritos bíblicos, dondesurgiram traduções comentadas sob inspiração fundamentalista e do biblicismoliteralista idolátrico das Escrituras (como o legalismo neotestamentário) ; 2. Donascimento virginal do Salvador; sua mãe terrena, em acordo com o integrismocatólico-romano, que concebeu e deu à luz como virgem, preservando a concepçãohumana mas sem pecado, e a divindade de Cristo, enquanto homem de Nazaré,concomitantemente; 3. Do sacrifício vicário substitutivo: na cruz, em nosso lugar,confirmando o entendimento medieval da "satisfação" da justiça divina em um únicoescolhido e determinado; Cristo sempre foi divino, no entanto invulnerável àcondição humana; 4. Da ressurreição física e concreta de Jesus, sem discutirem-seas demais ressurreições citadas nos evangelhos e nos escritos apostólicos; 5. Davolta iminente de Cristo para julgar os pecadores, quando os salvos seriamarrebatados ainda em vida. Confirmavam-se teorias como a "dispensação da Lei" ea "dispensação da Graça", separadamente, mas ainda em vigor. A Lei condiciona aGraça, é o seu entendimento final. Fica patenteada a negação da teologia daReforma, portanto, e a restauração da escolástica medieval.

Talvez, à primeira vista, tal a familiaridade que temos com o fundamentalismo, nemnos damos conta dos significados desse "pontos fundamentais," uma vez que elesfazem parte indiscutível do que ensinaram os missionários fundadores doprotestantismo no Brasil e também da pregação fundamentalista na maioria absolutados púlpitos presbiterianos e evangelicais; e da negação da necessária releitura daBíblia. Quantos professam essa mesma concepção e não o confessam?

De qualquer forma, não corre o risco, esta versão eletrônica, de fazer citações quenão possam ser sustentadas documentalmente. Enquanto não se publica estetrabalho, materiais novos, pesquisa mais recente, têm chegado ao nosso ambientede estudos. Cito três, entre os mais importantes: O Novo Rosto da Missão, de LuizLonguini Neto, Ultimato, 2002 – Uma abordagem de grande interesse teológico,pesquisa científica de valor incalculável que relata grande parte dos acontecimentosdesde o período chamado Protestantismo de Missões, passando pelos albores domovimento ecumênico, Igreja e Sociedade na América Latina – ISAL, e as reaçõesdo movimento evangelical que o julgava demasiado interessado na revolução social.Esse trabalho recente valoriza as propostas eclesiológicas e teologias que alcançama realidade latino-americana que encontram um campo fértil de experimentos

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pastorais mais próximos da diaconia sugerida pela idéia da Missão Integral, ouMissio Dei (Missão de Deus).

Os outros dois, referem-se ao trabalho do extraordinário teólogo Richard Shaull. Umdeles Surpreendido pela Graça, Record,2003, uma biografia assinada pelo referido

autor, traduzida por Waldo César. O último é de autoria do teólogo EduardoGalasso, Fé e Compromisso, ASTE, 2002. É um trabalho resumo da teologia etrajetória de Richard Shaull no Brasil. Cito as três obras por sua relação direta coma Teologia da Libertação, inequivocamente inaugurada pelo grande teólogo R.Shaull, compartilhada por João Dias de Araújo e outros teólogos como JoaquimBeato, Jovelino Ramos, Claude Emanuel Labrunie, Zwínglio Mota Dias, e outrospresbiterianos, que gerou um movimento de busca da igreja confessionalreformada, mais que denominacional, com forte apoio no ecumenismo reformado,historicamente sustentador e apoiador das mais importantes idéias libertárias dentroda comunhão das igrejas provindas da revolucionária Reforma Protestante.

Não temos que afirmar o projeto eclesiástico presbiteriano triunfalmente, desde asbases, para reformar uma Igreja que por natureza é reformata semper reformanda. Épreciso evitar o que está em andamento, no entanto. Hoje, seguramente, nem tudoque se diz “evangélico” é, de fato, evangélico. O evangelicalismo pluralista,dispersivo, faz absoluta questão de esquecer o caráter protestante dopresbiterianismo calvinista , receoso, talvez, do universalismo ecumênico que elerepresenta. Concentração de poder pode ser solução para as igrejas autoritárias,conservadoras, fundamentalistas. Não é solução para uma igreja que propôsrenovar o protestantismo brasileiro enquanto se renovava a si mesma, dirá JoãoDias de Araújo nesta obra magistral. Esse princípio calvinista jamais permitirá que opresbiterianismo brasileiro pudesse considerar-se um projeto fechado, acabado. Não

se pode abandoná-lo, em seus conceitos libertários. Precisamos anular a ideologiaevangelical em nosso meio, e apostar na Igreja Protestante e Reformada,“reformada sempre se reformando” (Calvino).

Ela, a Igreja Presbiteriana, em alguns setores, já fez por merecer nossa confiança deque vai dar certo para nossos filhos, assim como deu certo para nós que brotamosde igrejas autoritárias e sempre prezamos a liberdade e o diálogo. Ela ama ahospitalidade, malgrado a hostilidade de seu governo ao ecumenismo e as novasteologias, ao mesmo tempo em que exercita sua criatividade diante dos desafios decomunidades novas, ecumênicas, proféticas, diaconais. Na verdade, crises deidentidade não se resolvem com políticas concentradoras de poder, como na IPB

legalista e fundamentalista. A história comprova que o poder concentrado consome-se por si mesmo. As novas comunidades, como a IPU, também não se livraramdesse interesse autoritário. De fato, é muito difícil viver sob governos conciliares,consensuais, onde as bases eclesiásticas das igrejas locais, o laós (povo) da Igreja,se pronunciem e façam parte das decisões da igreja toda bem como de autodeterminação sobre suas políticas eclesiásticas.

Derval Dasilio∗ 

∗ Professor da Faculdade de Teologia Richard Shaull / IPU. Filiado à ASETT (Associação Ecumênicade Teólogos/as do Terceiro Mundo) 

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INTRODUÇÃO 

No ano de 1954 inaugurava-se uma época de profunda crise política no Brasil, como suicídio inesperado do presidente Getúlio Vargas. Nesse mesmo ano, a IgrejaPresbiteriana do Brasil (IPB) resolve ser mais rígida e menos democrática.

Logo depois, um professor foi expulso do Seminário Presbiteriano do Norte (SPN)em Recife, por questões doutrinárias. Era um missionário da “Junta de Nova York”.

O movimento “fundamentalista” penetra nos arraiais presbiterianos e cria, pelaprimeira vez na história do cristianismo brasileiro, uma equipe de “caçadores deheresias”.

O movimento da Mocidade Presbiteriana, que era a vanguarda do presbiterianismonacional, dissolvido com o ato da extinção da Confederação Nacional da MocidadePresbiteriana (CMP), promulgado pela Comissão Executiva do Supremo Concílio daIPB (CE/SC). Os jovens mais dinâmicos e os futuros líderes são lançados noostracismo.

O jornal Mocidade, que durante 14 anos vinha debatendo os mais variados assuntosque preocupavam os moços, está interditado, proibido de circulação, e sua diretoriaestá dissolvida.

A direção da IPB exerce fortes pressões contra pastores e líderes que se preocupamcom problemas sociais do Brasil. Vários são perseguidos e repelidos porquedenunciaram males estruturais da realidade brasileira.

O diretor do jornal oficial da igreja, Brasil Presbiteriano, foi pressionado a deixar adireção do jornal porque debate assuntos políticos, sociais e econômicos.

Editorial do Brasil Presbiteriano recomenda que um seminarista de Campinas deve“usar batina”, porque chamou os católicos de “nossos irmãos”.

Vários pastores escrevem artigos nos quais opinam que os esforços do movimentoecumênico não passam de “laços de Satanás”, manobras astutas de Roma...

Vários pastores são despojados (expulsos do ministério) porque participam de

cerimônias ecumênicas, ao lado de sacerdotes católicos.

Estão proibidas as seguintes práticas ecumênicas: casamentos ecumênicos eparticipação de padres nos púlpitos presbiterianos, mesmo que fiquem em silêncio.

Fica decidido que concílios que não punem pastores e presbíteros que participam decerimônias ecumênicas proibidas, devem ser punidos.

O Supremo Concílio (órgão máximo da IPB) considera passíveis de disciplinaeclesiástica os membros de igrejas que aceitam ser testemunhas em casamentosrealizados pela Igreja Católica.

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A IPB tem participação no golpe militar da direita, apoiando o novo regime e, atravésde seus juristas elabora atos institucionais para a ditadura.

Vários pastores, presbíteros, professores de seminários e jovens estudantes sãoperseguidos pelas lideranças da IPB e acusados de comunistas, subversivos e

modernistas. Foi proposto, no jornal Brasil Presbiteriano, um expurgo dentro daIgreja.

Um jovem é elogiado pela Comissão Executiva do Suprem Concílio (CE/SC) porqueserviu como espião do presidente do SC e denunciou vários preletores e muitosparticipantes do VI Congresso Nacional da Mocidade Presbiteriana.

Foi criada a Comissão Especial dos Seminários (CES) para expulsar professores ealunos que eram favoráveis ao no movimento ecumênico e que se preocupam comproblemas sociais.

São expulsos cinco professores e trinta e nove alunos do Seminário Presbiteriano deCampinas (SPS), porque não aceitaram a investigação da CES.

É fechado o Seminário Presbiteriano do Centenário (SPC), em Vitória, no estado doEspírito Santo, e expulsos todos os professores e alunos porque não estão deacordo com a teologia e a estratégia da direção da IPB.

Foram expulsos quatro professores e vários alunos do SPN, porque eram favoráveisao movimento ecumênico e a participação da Igreja na solução dos problemassociais e econômicos do nordeste.

Foram dissolvidos o Sínodo Bahia-Sergipe e o Presbitério de Salvador e pastoresforam despojados porque não apoiavam os desmandos da direção da Igreja. Outrospresbitérios foram dissolvidos pelo mesmo motivo, no sul do país, porque, como osda Bahia, participavam do movimento ecumênico e da luta pela libertação dohomem.

Cerca de cinqüenta pastores são despojados, e outros renunciam o pastoradodurante esta crise.

O Sínodo Espiritossantense foi dissolvido e dois de seus presbitérios foram

transferidos ilegalmente para a jurisdição do Sínodo de São Paulo.Uma igreja é fechada com pesadas correntes e cadeados, porque seus membroselegeram um pastor que não é aceito pela direção da IPB. O templo só foi pelasautoridades judiciais.

O SC dá ultimato à Igreja Presbiteriana Unida nos Estados Unidos da América (IPU),exigindo a transferência incondicional das propriedades e instituições à IPB antes dequalquer nova reunião entre as duas Igrejas.

Quatro missionários da IPU são considerados inimigos da IPB, e dois deles são

denunciados Perante os órgãos de segurança.

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A CE/SC resolve fazer um dossiê  das atividades e pronunciamentos dosmissionários da IPU.

A IPB rompe, unilateralmente, as relações com a IPU, a Igreja que mandou osprimeiros missionários presbiterianos para o Brasil.

Foram rompidas as relações da IPB com a Associação dos Seminários TeológicosEvangélicos (ASTE), com a Sociedade Bíblica do Brasil (SBB), com a Associação deIgrejas Presbiterianas e Reformadas da América Latina (AIPRAL), com a AliançaMundial de Igrejas Reformadas (AMIR), com o Dia Mundial de Oração e, com todasas organizações que mantêm qualquer vínculo com o Conselho Mundial de Igrejas(CMI).

É rejeitada uma grande oferta a crianças órfãs do Nordeste, enviada pela IgrejaReformada da Holanda, pelo fato de ser enviada através de um órgão do CMI.

São retirados dos seminários teológicos quase todos os professores que têm cursosde doutorado, mestrado, e pós-graduação, ficando em seus lugares pastores depouca preparação teológica.

Nenhum candidato ao ministério pode ser ordenado ao pastorado sem a aprovaçãoda CES, negando assim os poderes natos dos presbitérios.

Os pastores perseguidos e injustiçados pela IPB não podem pleitear suas causas na justiça secular, sem primeiro ficarem afastados de suas atividades, através de umpedido de “licença compulsória”.

As igrejas locais que não estão de acordo com a administração da IPB sãoameaçadas de perder seus templos e propriedades.

Os pastores que foram despojados e os professores que foram expulsos dosseminários estão sem direito de defesa.

Agora é prática normal denúncias contra pastores, missionários, e concílios peranteos serviços de segurança.

As arbitrariedades, perseguições, ódios e vinganças do presidente do SC são

aprovados pelos seus auxiliares, que se desculpam dizendo que não podemcontrariar o “Chefão”.

Os concílios começam a agir e a funcionar mais como tribunais do que comoconcílios. O Código de Disciplina da IPB (CD) transforma-se em Código Penal.

Dezenas de pastores despojados e professores de seminários expulsos ficaram emdeplorável situação financeira porque perderam casas e salários.

A ênfase na evangelização é substituída pelo zelo farisaico, pela pureza e pelastradições da Igreja com armas para preservação do poder político-eclesiástico.

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O medo domina muitas igrejas e pastores: as igrejas com medo de perder suaspropriedades; os pastores, com medo de perder seus salários, suas casas e suasigrejas. O silêncio impera.

Nunca, em toda a sua história, a IPB precisa de tantos advogados para defesas e

acusações. Pela primeira vez ela é ré em dezenas de processos judiciais.

Instalou-se, na Igreja Presbiteriana do Brasil, a “inquisição sem fogueiras”.

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RETROSPECTOHISTÓRICO 

Na madrugada do dia 12 de agosto de 1859, um navio norte-americano aportou naBaía de Guanabara. Um dos passageiros era o jovem de 26 anos chamado AshbelGreen Simonton. Foi enviado pela Junta Missionária da Igreja Presbiteriana Unidados Estados Unidos da América, Com sede em Nova York.

A data da chegada de Simonton no Rio de Janeiro marca o início da IgrejaPresbiteriana do Brasil. Não desconhecemos as outras duas tentativas feitasanteriormente para o estabelecimento do cristianismo evangélico calvinista no Brasil.A primeira foi realizada pela Igreja Reformada da França, no ano de 1555, quandofoi iniciada a criação da França Antártica. A segunda foi efetuada pela IgrejaReformada da Holanda, no ano de 1624. Essas tentativas se frustraram e deixaramapenas vestígios em monumentos e em alguns aspectos culturais em Pernambuco e

na Bahia.A figura de Ashbel Green Simonton, que morreu de febre amarela aos 34 anos e queteve um ministério de apenas 8 anos no Brasil, deixou indelével marca depioneirismo.

Seus trabalhos mais importantes merecem uma lembrança permanente nestasterras sul-americanas. Ele criou o primeiro curso de alfabetização para adultos, como fim de popularizar a Bíblia (1860). Instalou, com o auxílio de outro missionário(Blackford), os primórdios da “Livraria Evangélica”, pois ambos eram colportores.Organizou a primeira Igreja Presbiteriana no Brasil (12.01.1862). Lançou o jornal

Imprensa Evangélica  (05.11.1864), órgão pioneiro do jornalismo evangélico emlíngua portuguesa em nossa pátria. Tomou parte na fundação da primeira “igrejafilha”, em São Paulo (1863). Instalou o primeiro concílio presbiteriano: Presbitério doRio de Janeiro (16.12.1865). Ordenou o primeiro pastor protestante brasileiro, o ex-padre José Manuel da Conceição (1865). Fez publicar o livro de hinos, CânticosSagrados , de autoria do poeta Santos Neves (1867). Fundou simultaneamente aprimeira escola mista de ensino primário no Brasil (chamada mais tarde de “EscolaAmericana”) e o primeiro seminário teológico da América Latina.

Este início se desdobra em vários períodos de expansão e de organização dopresbiterianismo no Brasil.

Para fazermos um retrospecto histórico, usaremos o esboço do historiador JúlioAndrade Ferreira que divide a história da IPB em 5 períodos.

1º Período (1859-1869) - Primeiros Esforços

Este primeiro período marcou uma das tendências que irá percorrer toda a históriado presbiterianismo brasileiro. Essa tendência se refletiu pela influência dosmissionários da Junta de Nova York e pela atuação marcante do primeiro ministropresbiteriano brasileiro o ex-Padre José Manuel da Conceição.

Foi uma fase pioneira, com já vimos pela lista dos principais trabalhos de Simonton.Estabeleceu-se a infra-estrutura tradicional da Igreja: (a) a escola dominical; (b)

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RETROSPECTO HISTÓRICO 

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distribuição de Bíblias; (c) as pregações evangelísticas; (d) a literatura devocional ede propaganda da fé; (e) o jornal da Igreja; (f) a educação teo1ógica; (g) a estruturaconciliar; (h) a hinódia; (i) a educação.

Os primeiros convertidos que professaram a fé, filiando-se à IPB, foram dois

estrangeiros: o norte-americano Henry Milford e o português Camilo Cardoso deJesus. Simonton recebeu a cooperação de seu cunhado Alexander LatimerBlackford, que veio para o Brasil por motivo de saúde, mas que aqui foi ordenado efez posteriormente um curso breve de teologia nos Estados Unidos. Outrocolaborador foi o missionário Rev. Francis Joseph Christopher Schneider, que tentoutrabalhar com os colonos alemães mas, diante do fracasso desse empreendimento,passou a trabalhar com Simonton, especialmente no seminário.

Sobre a obra e a importância do grande José Manuel da Conceição falaremos maisadiante, quando tratarmos das relações da IPB com a Igreja Católica.

2º Período (1869-1888) - Expansão Missionária até a organização do SínodoBrasileiro

No segundo período, o presbiterianismo brasileiro recebe outra influência com achegada de missionários da Igreja Presbiteriana do Sul dos Estados Unidos (IPS)enviados pela Junta de Nashville. A chegada desses missionários está relacionadacom a emigração de norte-mericanos que vieram para o Brasil após a Guerra daSecessão nos Estados Unidos. Estavam descontentes com a situação política eeconômica dos Estados Unidos e eram escravistas. Com os emigrantes vieram doispastores, Emerson e Baird, que trabalharam somente com os colonos. Os doismissionários enviados pela Junta de Nashville, George Nash Morton e Edward E.Lane, se fixaram em Campinas. Morton se destacou com educador, no ColégioInternacional de Campinas. Lane se dedicou mais à evangelização nos arredores deCampinas e ao largo da Estrada de Ferro Mogiana.

A IPS se interessou pelo Nordeste e enviou para Recife John Rockwell Smith,grande pioneiro e líder. Além de seus trabalhos de pregação, preparou os primeirospastores da região: Belmiro de Araújo César, José Primênio, João Batista de Lima,William Calver Porter, cunhado de Smith. Foram companheiros de Smith osseguintes missionários que chegaram depois ao Nordeste: Delacey Wardlaw,George William Butler e John Boyle. Este último estranhou o clima quente e úmido

do Recife e teve de ir para as paragens mais amenas do centro-sul, onde fez umintenso trabalho de evangelização, na Estrada de Ferro Mogiana e no TriânguloMineiro.

Outro feito importante deste período foi a recuperação do primitivo seminário no Rio,graças aos esforços de Blackford. Foram quatro os primeiros candidatos aoministério: Modesto Perestrelo Barros de Carvalhosa, Antônio Bandeira Trajano,Miguel Gonçalves Torres e Antônio Pedro de Cerqueira Leite. Esses quatro sãoconsiderados pelo historiador Ferreira com “esteios do ministério nacional”.

Em 1880, dois novos pastores foram ordenados, tendo obtido sua preparação na

companhia dos missionários e dos primeiros pastores nacionais, num tipo deseminário ambulante: Zacarias de Miranda e Eduardo Carlos Pereira. Alguns anos

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RETROSPECTO HISTÓRICO 

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mais tarde foram ordenados: João Pinheiro de Carvalho Braga, Caetano Nogueira eAntônio Manuel de Menezes.

Na Bahia o presbiterianismo chegou primeira que em Pernambuco, pois Schneiderchegou a Salvador em 1871, onde demorou até 1877. Em Sergipe o pregador

presbiteriano que primeiro chegou foi John Benjamin Kolb.

George W. Chamberlain funda a Escola Americana em São Paulo. George A.Landes e Robert Lenington evangelizam o Paraná. Emmanuel Vanorden funda otrabalho no Rio Grande do Sul.

No ano de 1888 havia no Brasil 20 missionários estrangeiros e 12 pastoresnacionais. Havia 59 igrejas. Havia quatro presbitérios: do Rio de Janeiro, dePernambuco, de Minas Gerais e de São Paulo. As sessões do 1º Sínodo foramrealizadas na igreja do Rio de Janeiro, de 30 de agosto a 19 de setembro de 1888.

3º Período (1888-1903) - Lutas eclesiásticas e a cisão de 1903

Neste período, a Igreja recebeu a influência do grande líder Eduardo Carlos Pereira.Sua personalidade marcante dividiu a Igreja.

Foi um período cheio de problemas. O primeiro foi o da febre amarela que dizimougrande parte dos missionários pioneiros.

Além disso surgiram problemas internos na Igreja.

O Sínodo criou o seminário, mas os missionários divergiam quanto à sualocalização, por isso demoravam em organizá-lo. Apesar disso, novos candidatosestavam sendo preparados e ordenados pelo sistema de aulas avulsas: Álvaro Reis,Benedito Ferraz de Campos, Herculano Gouveia, João Vieira Bezarro, Bento Ferraz,Flamínio Rodrigues e Lino da Costa.

O Colégio Internacional de Campinas foi transferido para Lavras. Novos missionáriosamericanos surgem para substituir os falecidos.

O seminário do Sínodo teve início em Nova Friburgo, no Estado do Rio de Janeiro.Eduardo Carlos Pereira organizou o instituto teo1ógico em São Paulo. O Sínodo de

1894 resolveu reunir essas duas escolas de teologia em São Paulo.Surge o problema do Mackenzie, dirigido por Horacio Lane. Eduardo Carlos Pereiraera contra a orientação dos missionários em relação ao Mackenzie. Pereira queria a“educação dos filhos da Igreja pela própria Igreja”. Houve uma divisão de opiniõessobre a política missionária em relação ao destino das verbas enviadas pelas Igrejasnorte-americanas.

Desapareceu o jornal Imprensa Evangélica, fundado por Simonton.

Em 1898 surge o problema da maçonaria. A pergunta era esta: “Pode o crente ser

maçom?” Uma discussão amarga em que brasileiros e norte-americanos sedesgastaram.

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RETROSPECTO HISTÓRICO 

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Quando o Sínodo se reuniu em 1903, três problemas agitavam a Igreja: a questãomissionária, a questão maçônica e a questão educativa. Nesse Sínodo se deu aprimeira cisão no protestantismo brasileiro. Sete ministros e catorze presbíteros seretiram da IPB no dia 31 de julho e fundam a Igreja Presbiteriana Independente do

Brasil (IPI).

4º Período (1903-1917) - Desde a or igem da IPI até a criação daComissão “Modus Operandi”  

No quarto período a figura de destaque é Erasmo Braga que é considerado com amaior expressão do protestantismo brasileiro.

Vários fatos importantes aconteceram neste período. Houve crescimento tanto naIPB com na IPI.

O seminário foi transferido para Campinas, em 1907. Foi também criado o Semináriodo Norte, em Garanhuns, que foi transferido para o Recife em 1918.

A missão em Portugal é incentivada por Álvaro Reis e Erasmo Braga.

Foi um período de criação de grandes colégios. Em Natal, em Recife (Colégio AgnesErskine), e “15 de Novembro” em Garanhuns, o Instituto Ponte Nova, no interior daBahia.

George W. Butler, em Pernambuco, e William A. Waddell, na Bahia, tornaram-sefiguras legendárias, o primeiro na medicina e o segundo na educação.

O presbiterianismo é estabelecida em Goiás com Franklin F. Graham, e em MatoGrosso com Philip S. Landes. O leste de Minas Gerais e o Espírito Santo tornam-seceleiro do evangelismo presbiteriano. O interior e o litoral de São Paulo sãoevangelizados.

O grande pregador Álvaro Reis brilha no púlpito do Rio e se destaca na direção do jornal O Puritano que passou a ser órgão oficial da IPB. Surge outro jornal no norte:Norte Evangélico.

Três sínodos formaram a Assembléia Geral (anos mais tarde, seria chamada,Supremo Concílio) da IPB em 1910: o Sínodo do Norte, o Sínodo do Sul e o SínodoCentral.

O congresso ecumênico do Panamá, em 1916, contou com a participação deErasmo Braga e Álvaro Reis.

A nova política de relação entre a Igreja brasileira e as missões norte-americanasera aprovada pela Assembléia Geral em 1917, na qual se estabeleceu uma divisãode campos entre missionários e pastores brasileiros. Aqueles ficavam nos novoscampos do interior e estes nos grandes centros e nas igrejas estabelecidas. Foi

criada a Comissão “Modus Operandi”, composta por 3 representantes de cadaentidade: da Junta de Nashville, da Junta de Nova York e da IPB.

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RETROSPECTO HISTÓRICO 

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5º Período (1917-1959) - Da Formação da Comissão “ Modus Operandi” até aCampanha do Centenário

Neste período há uma grande expansão dos campos missionários e uma

proliferação de novos presbitérios. Por outro lado, a Igreja começa a debaterseriamente a sua missão dentro da realidade brasileira, ao completar um século deexistência.

Criou-se a “Junta Mista de Missões Nacionais”, depois chamada Junta de MissõesNacionais (JMN), para os pontos estratégicos.

A Missão em Portugal prospera.

Foi criado o Seminário Unido no Rio que trouxe uma fase de debates desde 1918até 1932. Era uma tentativa interdenominacional que não se firmou. Houve

fortalecimento do Seminário de Campinas, do Seminário do Norte e começaram osplanos para a criação do Seminário do Centenário.

O Instituto José Manuel da Conceição foi criado por Wandell nos subúrbios de SãoPaulo, em Jandira, para servir de preparação pré-teo1ógica.

As senhoras presbiterianas tiveram a 1ª reunião da sua federação em Lavras, em1921. Os moços tiveram a 1ª reunião da sua federação, também em Lavras, em1938.

Hospitais evangélicos são estabelecidos em Ponte Nova (Bahia), Rio Verde (Goiás),Curitiba (Paraná), e em outras localidades. Novos colégios presbiterianos surgem:Buriti, em Mato Grosso, 2 de Julho, na Bahia, Ginásio do Alto Jequitibá, em MinasGerais. Organizações novas aparecem, como Instituto de Cultura Religiosa, UniãoCristã de Estudantes do Brasil (UCEB) e a Casa Editora Presbiteriana.

Finalmente, vem a Campanha do Centenário que inflamou a Igreja e que tinha comlema: “10 anos de gratidão por 1 século de bênçãos”. Houve grande ênfase naevangelização. Grande euforia e ufanismo. A Assembléia da Aliança Mundial deIgrejas Reformadas foi realizada pela 1ª vez no Brasil, de 7 de julho a 6 de agosto de1959, o ano do centenário. Foi planejada a formação do Museu Presbiteriano.1 

Na parte final deste período e nos 15 anos após a celebração do centenário houvegrandes lutas na IPB. Os limites desta pesquisa estão entre os 20 últimos anos -1954 a 1974.

1 Este retrospecto histórico foi baseado no livro do historiador do presbiterianismo brasileiro, JúlioAndrade Ferreira, Galeria Evangélica, Casa Editora Presbiteriana, São Paulo, 1952.

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INQUISIÇÃO SEM FOGUEIRAS 

“Os fundamentalistas nãoenxergam, nem com telescópio,as heresias de sua medieval epresumida ortodoxia que nãoqueima fisicamente, mas levantahorríveis fogueiras morais, nasquais torturam muitos servos doSenhor.”1 

O objetivo desta pesquisa é documentar fatos que ocorreram durante vinte anos dehistória da Igreja Presbiteriana do Brasil, e continuam a ocorrer, mostrando o

fortalecimento do espírito e das práticas inquisitoriais. No final tentaremos daralgumas explicações socio1ógicas; e teológicas; a essa expressão do fenômenoreligioso.

Várias instituições ecumênicas; e Igrejas dentro e fora do país estão espantadas eperplexas diante dos acontecimentos que estão se desenrolando dentro da IPB, que

 já foi considerada com a igreja protestante de maior importância e de maiorinfluência na América Latina. A Igreja Presbiteriana do Brasil e a Igreja Presbiterianada Coréia foram consideradas, pelo seu crescimento e pelo seu prestígio, com asmais importantes Igrejas do chamado “Terceiro Mundo”.

Foi essa a Igreja plantada por Simonton no Brasil e que produziu vultos de projeçãointernacional como Eduardo Carlos; Pereira, Erasmo Braga, Álvaro Reis, MiguelRizzo, Jerônimo Gueiros, José Borges dos Santos, Jr., Benjamin Moraes, RubemAlves e tantos outros. Foi essa mesma Igreja que, desastrosamente nos últimosvinte anos, tomou atitudes medievais, causando preocupações na comunidadeecumênica atual.

O ano de 1954 serve apenas como ponto de referência e marco simbólico da históriaque estamos escrevendo, porque foi nesse ano que o presidente Getúlio Vargas, noauge de uma crise política deu um tiro no coração, morrendo instantaneamente.

Também foi nesse mesmo ano que a CE/SC publicou a seguinte resolução: “Anossa democracia é demasiado liberal e o espírito do século, que infelizmente àsvezes nos contamina, adverte-nos que a nossa democracia deve ser maisautoritária. O governo presbiterial deve ser investido de autoridade maisrígida”.2 [grifos nossos]

O título “Inquisição Sem Fogueiras” pode escandalizar alguns leitores protestantes.Muitos pensam que quando se fala em “inquisição” deve-se entender que foi umaprática instituída pela Igreja Católica Apostólica Romana, na Idade Média, e que osprotestantes jamais foram inquisidores, pelo contrário, combateram essamonstruosidade. É puro engano. A história da Igreja mostra que os protestantes,

1 Lima, Joel Oliveira, Brasil Presbiteriano, (BP), junho-julho de 1962, pg. 5.2 Resumo de Atas, 1954. pgs. 123, 124.

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INQUISIÇÃO SEM FOGUEIRAS 

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desde a Reforma do século XVI, tiveram a sua inquisição e acenderam fogueiraspara queimar hereges, e outras vezes praticaram métodos inquisitoriais, semfogueiras, como acontece até o dia de hoje.3 

A palavra inquisição é derivada do verbo latino “ inquirere”, que significa, em sentido

eclesiástico: investigar, inquirir a retidão da fé dos membros da Igreja.4

  Desde osprimórdios da Igreja, membros cuja retidão da fé era posta em dúvida, eramsubmetidos à investigação e punição, para reconduzi-los à obediência. A união deIgreja e Estado trazia consigo a pergunta se este problema estava parcialmente namão do Estado, tanto no Império Bizantino, como no Reino dos Carolíngios,Otomanos, etc., porque minar ou subverter a união da Igreja era também minar ousubverter a união do Estado. Daí que o Estado perseguia os hereges, pregadores deerros e suspeitos. A primeira condenação à morte por causa de uma heresiaaconteceu no ano de 386. O herege foi condenado pela autoridade civil e não pelaIgreja. Os padres apologetas defendiam a liberdade religiosa (livre da ingerência doEstado), declarando explicitamente e com ênfase os direitos inalienáveis da pessoa

humana e impondo limites à competência do Estado. Santo Agostinho defendiainicialmente a liberdade religiosa, mas posteriormente admitia o uso de força “pararemover a má vontade”. Foi nesta última posição de Santo Agostinho que está abase da evolução da inquisição na Idade Média. Formas muito antipáticas desse“obrigue a entrar” foram as Cruzadas internas da Europa, sobretudo contra osValdenses, Albigenses e Cátaros. A comunidade da Idade Média estavafundamentada na unidade da religião e na íntima colaboração entre a autoridadecivil e a religiosa. Eram dois aspectos da mesma realidade. A Igreja não aprova ouso da força contra os pagãos, mas a usa contra os hereges, dizendo que a heresiaé subversão da ordem social estabelecida e que deve ser punida tanto como errocontra a religião como delito contra a sociedade civil.

São três as causas que explicam essa praxe e também a origem da Inquisição:

1. A influência do direito Justiniano que revive nas universidades da época (em529, Justiniano obrigava todos os súditos a “converter-se” ao cristianismo sobpena de confisco de bens e cassação dos direitos civis). Desta forma ele“converteu” 70.000 pagãos na Ásia. Bem diferente era a atitude do ostrogodoTeodorico, que concedia liberdade religiosa aos judeus. Dizia ele: “Nãopodemos impor a religião porque ninguém deve ser coagido a crer contra asua vontade”. O herege Teodorico julgava melhor do que o católico

Justiniano.2. O perigo da heresia dos Cátaros (séculos XI e XII) que condenavam o

casamento, a propriedade privada, o trabalho manual, a legitimidade daautoridade civil, instaurando, de fato, perturbação e verdadeira anarquia nasociedade.

3. Necessidade de impedir os suplícios, desde então aplicados aos hereges,com muito rigor.

3 Baiton, Roland H., The Travail of Religious Liberty. The Westminster Press, Philadelphia, 1951,

pg. 25.4 Herculano, Alexandre, História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal , vol. 1,Livraria Bertrand, Lisboa, 1852, pg. 69.

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INQUISIÇÃO SEM FOGUEIRAS 

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Na evolução da Inquisição devemos distinguir 4 etapas:

1) Inquisição episcopal  - A repressão da heresia foi confiada aos bispos nasvisitas pastorais inquisitoriais (1184).

2) Inquisição legatícia  - Exercida por legados. Os bispos se tinham mostradoum tanto “fracos e indulgentes” na repressão, e por isso ela é entregue alegados escolhidos pelo papa. Esse método evoluiu sob Inocêncio III queescolheu geralmente monges cistercienses da França.

3) Inquisição monástica  - Exercida por frades dominicamos e franciscanos,com missão permanente. Anteriormente a missão era confiada “ad tempus”ou “ad causam”, a fim de que nunca faltasse controle. Nomeava-se superioresprovinciais para exercer esse controle. Esse método foi introduzido porGregório IX.

4) Inocêncio IV permite o uso de torturas que era praxe na época, no direitopenal em vigor, embora já tivesse sido condenada por Nicolau I, no século IX,pois esse papa já previa os “incômodos” decorrentes dessa maneira de agir.

MÉTODOS USADOS NA INQUISIÇÃO:  (1) O inquisidor, ao chegar numdeterminado lugar, proclamava “um tempo de graça”: quem confessasse sua culpapoderia ser absolvido logo, e recebia apenas um castigo leve. (2) Esgotado essetempo de graça, proclamava-se um novo “Edito de Fé”. Os súditos eram chamadosao tribunal. Em caso de confissão, deveriam ser absolvidos com imposição depunição razoável. Em caso de resistência e negação: era preciso ouvir testemunhas,que ficavam anônimas, mas as respostas eram publicadas. Para “facilitar” asconfissões, usava-se a tortura: flagelação, fogo, cavalete, etc. (3)  A sentença  eradada pelo juiz eclesiástico, após ter ouvido “boni viri” (homens bons). Havia diversostipos de sentenças: (a) absolvição; (b) punição: cárcere, peregrinação, certo sinalexterno visível, e obra de caridade; (c) pena de morte: o herege era entregue aobraço secular, que então condenava à morte, em razão de delito contra a sociedade.A heresia era punida tanto como delito contra a religião como delito contra asociedade, contra a ordem social e sujeito às leis da época. A Igreja não condenavaà morte diretamente, mas é claro que, na maneira de agir, estava cooperando deperto para esse castigo supremo.

As duas primeiras fases da inquisição (a episcopal e a legatícia) foram consideradaspor alguns como indulgentes e por outros como envolvidas nas formas políticas eestatais porque os juizes inquisitoriais aplicavam o direito civil e o processo civil. Poresta razão o papa Gregório IX instituiu uma inquisição estritamente eclesiástica em1234, mas assumiu todas as práticas já introduzidas; antes daquele ano, e adotouas bases jurídicas do direito consuetudinário normando e franco. Por mandadoeclesiástico procurava-se defeitos na retidão da fé, tanto dentro da Igreja como emrelação a pessoas de outras convicções religiosas, mas morando em paísescató1icos ou sob autoridades católicas. Fazia-se isso usando todos os meios,inclusive as torturas corporais mais duras, para conseguir a confissão do erro. Em

casos de resistência à confissão, não se hesitava a aprovar a morte na fogueira edeixar a execução ao Estado. Mas a inquisição não julgava apenas delitos da fé,

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INQUISIÇÃO SEM FOGUEIRAS 

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mas também delitos morais e sociais e chegou a se revestir de formas inimagináveisem relação aos supersticiosos e às bruxas. A inquisição católica falhou durante aépoca da Reforma, no século XVI, e se extinguiu na Alemanha e na Holanda. Masna Espanha, em Portugal e na Itália conseguiu sobreviver até o início do século XIX.A forma antiga foi abandonada e a tarefa de proteger a retidão da fé foi entregue à

Congregação da Inquisição, do Santo ofício, cujo nome foi mudado em 1967 e hojetem a seguinte designação: Santa Congregação para a Doutrina da Fé.

Como sabemos, através da informação de Alexandre Herculano, “O ano de 1229 é averdadeira data do estabelecimento da Inquisição”,5  embora o mesmo autorreconheça que a Constituição promulgada por Lúcio III, em 1184, tem sidoconsiderado por alguns escritores como a origem e o germe da Inquisição. “Aqueleato do poder papal, expedido de acordo com os príncipes seculares, ordenava aosbispos que por si, pelos arcediagos, ou por comissão de sua nomeação visitem umaou duas vezes por ano as respectivas dioceses a fim de descobrir os delitos deheresias, ou por fama pública ou por denúncias particulares”.6 

Vamos notar que nos últimos 20 anos da história da IPB houve casos semelhantesinspirados pelos “papas” protestantes.

Mas convém que recordemos algumas técnicas usadas pela inquisição, tantocató1ica como protestante, para que, ao longo da pesquisa, possamos identificar oque está ocorrendo nos arraias presbiterianos.

G. G. Coulton, em seu livro Inquisition and Liberty, apresenta as seguintescaracterísticas e práticas inquisitoriais:

1. Absolvição de um condenado era quase desconhecida nos processos dainquisição.

2. Os juízes da inquisição eram puramente eclesiásticos, isto é, membros dospartidos religiosos interessados. As autoridades civis tentaram sustentar seudireito de, pelo menos, consultar os documentos, mas foi em vão. Houvecasos em que as autoridades civis eram ex-comungadas quando rejeitavamcumprir as leis contra os hereges.

3. Os procedimentos eram secretos e os inquisidores zelosamente guardavam

seus documentos para não serem vistos pelos de fora.4. Os nomes das testemunhas contra os hereges eram guardados em segredo

sob a alegação de que havia necessidade de proteger essas testemunhas.

5. Os hereges não tinham o direito de constituírem advogados para defendê-los.Essa medida foi decretada por Inocêncio III.

6. Uma pequena discordância podia ser exagerada ao ponto de tornar-se umcrime punível por morte. Às vezes somente ter em casa uma Bíblia na língua

5 Ibidem, pg. 69.6 Ibidem, pg. 83.

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vernácula ou usar roupas proibidas pelas autoridades, eram motivos para serlevado à fogueira.

7. Não havia lugar para a “heresia construtiva”. Qualquer aparente falta derespeito para com a Igreja podia formar uma base “prima facie” para suspeita.

8. Apesar do fato do perseguidor Trajano ter proibido Plínio de procurar oscristãos ocultos, a inquisição compeliu cada cristão a ser espião dos segredosde seu irmão. Um herege que abjurava, e assim trocava a fogueira pela prisãoperpétua, era obrigado a prometer primeiro que iria perseguir os hereges,dando informações contra eles e revelando o lugar onde eles seencontravam.7 

Sobre essa prática de denúncia, Alexandre Herculano informava que “a terça partedos bens dos que eram condenados como hereges ficava pertencendo aos seusacusadores... desse modo os inquisidores vendiam aos desgraçados os bens e a

vida a troco de traírem seus irmãos”.8 Foi um verdadeiro clima de terror implantadona Igreja e, “para que o terror não diminuísse, onde não podia achar culpados,queimavam os inocentes”.9 

A página da inquisição é tão negra que não tem sido totalmente estudada. Embora ainquisição protestante aparecida na época da Reforma fosse de proporção bemmenor do que a Católica, os protestantes não estão isentos de culpa.

Os pré-requisitos para a perseguição a hereges eram três: (1) o perseguidor devecrer que ele está certo; (2) que o ponto em questão é importante; (3) que a coerçãoserá efetiva. Sobre esses três pontos, católicos e protestantes estão de acordoquando perseguem hereges.10 

Tanto os católicos como os protestantes perseguiam os hereges porque viam nelesuma ameaça para a estrutura da Igreja e da sociedade. Argumentavam que oshereges danificavam e envenenavam as almas dos seus irmãos. Tanto os católicoscom os protestantes concordavam que erradicar o erro através da morte ou daprisão do herege era uma obra benéfica à Igreja, e devia ser feita para a glória deDeus.

Lutero, a princípio, procurou limitar a perseguição apenas aos blasfemos. Os

hereges eram Poupados, mas depois houve a identificação da blasfêmia com aheresia. Calvino não fazia essa distinção sutil e consentiu que Miguel Serveto fossequeimado, acusando-o abertamente com herege.

Dois argumentos a favor da perseguição foram usados por Calvino e fortaleceram ainquisição: (1) A gravidade de uma ofensa dependia do grau de importância dapessoa ofendida, logo uma ofensa contra a majestade de Deus era um crime deinfinita depravação. (2) Já que pela doutrina da dupla predestinação as almas jáestavam salvas ou perdidas, o propósito da perseguição aos hereges devia ser a

7 Coulton, G. G., Inquisition and Liberty. Beacon Hill, Boston. 1959, pgs. 119-130.8

 Herculano, op. cit., pg. 50.9 Bainton. op. cit., pg. 17.10 Ibidem, pg. 18.

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glória de Deus. “O propósito da perseguição não era alterar o decreto de Deus, masvindicar sua honra”.11 

Sobre esses dois fundamentos Calvino tentou argumentar, justificando aperseguição. “Aquele que despreza e rebaixa a majestade de Deus é pior do que um

bandido que corta a garganta de um viajante... E o Deus que nem mesmo poupou ascrianças dos amalequitas requer que nós sejamos inexoráveis. Se essa exigênciaparece cruel para nós devemos ter certeza que Deus somente sofreria pelascrianças dos amalequitas se elas já não tivessem sido por Ele condenadas edestinadas para a morte eterna”.12 

Assim a doutrina da predestinação foi invocada para endurecer os homens contraqualquer brandura de sentimento. Por que deveria ser o homem mais compassivodo que Deus?13 

Veremos que o argumento da morte dos amalequitas continua vivo na ala

inquisidora do presbiterianismo brasileiro: foi o texto usado para o sermão deabertura da reunião do Supremo Concílio em 1974, para justificar dissoluções desínodos e despojamentos de pastores e outras perseguições.

A inquisição protestante teve a sua casuística no Consistório de Genebra no tempode Calvino. Sobre o despojamento de pastores havia a seguinte orientação:

“Um ministro devia ser deposto por heresia, jogo de azar e baile,mas se ele fosse culpado de grosserias, obscenidade e avareza,bastaria uma admoestação fraternal”.14 

Sebastião Castéllio, contemporâneo e ex-cooperador de Calvino contestou essacasuística. “Por que”, perguntava Castéllio, “Calvino não efetua a morte doshipócritas e dos avarentos? Ou será que ele pensa que os hipócritas são melhoresdo que os hereges? Ele afirma que os hereges destroem as almas. Mas a mesmacoisa fazem os invejosos, os avarentos, e os orgulhosos. Mas se Calvino desejasseque todos os orgulhosos fossem punidos pelos magistrados, ninguém seria deixadopara punir os magistrados”.15 

Todos nós sabemos que o clímax da inquisição protestante foi a condenação deMiguel, grande gênio do século XVI que foi queimado vivo, juntamente com seus

livros, na cidade de Genebra. Seu acusador foi João Calvino. Serveto foi condenadoporque disse a verdade que ele sinceramente julgava ser a verdade. Ele podia ter seretratado e falado contra a sua consciência. Ele podia ter fugido. Ele foi executadoporque não quis mentir. Ele foi morto porque disse o que pensava.16 

Na sentença proferida pelo Conselho de Genebra podemos ver o verdadeiro objetivoda condenação: “Tu, Miguel Serveto, não te envergonhas nem horrorizas-te de te

11 Ibidem, pg. 22.12 Ibidem, pg. 70.13 Ibidem, pg. 71.14

 Ibidem, pg. 119.15 Ibidem, pg. 115.16 Ibidem, pg. 119.

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colocares contra a majestade de Deus e contra a Santa Trindade, e assim tu tensobstinadamente tentado infeccionar com o teu veneno fétido e herético... Por essase outras razões, desejamos purificar a Igreja de Deus de tal infecção e amputar oórgão podre. Falando em nome do Pai, Filho e Espírito Santo, nós escrevemos asentença final e te condenamos, Miguel Serveto, a seres conduzido a Champel e lá

seres amarrado num poste e seres queimado até às cinzas, com teus livros”.17

 

Todos os protestantes mais tarde lamentaram esse ato assassino e sepenitenciaram erguendo um monumento em homenagem a Serveto, mas osmecanismos que levaram o herege à fogueira não desapareceram. Um dessesmecanismos já era usado na inquisição católica, quando os inquisidores não podiamqueimar corporalmente o herege queimavam-no em efígie, isto é, faziam umaestátua representando o herege e a queimavam.18 

A inquisição protestante continuou. Os puritanos que vieram para a América em1620, no “Mayflower”, fugindo da inquisição anglicana, fundaram a colônia de

Massachusets para gozarem de liberdade religiosa, que não tinham na Inglaterra.Mas, logo depois, instauraram uma verdadeira inquisição na nova colônia eexpulsaram os que eram considerados hereges. Os deportados então fundaram anova colônia de Rhode Island. Mas não parou aí, porque os puritanos continuaram ainstaurar perseguições em outros lugares.19 

Esse espírito inquisitorial, sempre latente tanto no catolicismo como noprotestantismo, ressurge em certas épocas. No caso que estamos considerando noBrasil, o espírito inquisitorial foi despertado e reativado pelo movimento“fundamentalista” que tem levado muitos irmãos às barras dos tribunais religiosos eseculares, usando as armas da difamação, da mentira, da calúnia e acendendo asfogueiras morais e espirituais contra seus irmãos que pensam diferente.

Como resultado dessa perseguição, surgiu no meio presbiteriano um fenômenointeressante constatado em outras épocas. A tese de Castéllio era que aperseguição pode facilmente transformar um herege em um hipócrita. Issoaconteceu com David Joris, da Holanda (1501). Entre nós, na história da IPB,podemos distinguir os líderes que eram conservadores, mas não eram fariseus, deoutros líderes que, além de conservadores, eram fariseus perseguidores e fanáticos.E muitos, para não perderem posições de privilégio, tornaram-se hipócritas.

A inquisição sem fogueiras está em pleno funcionamento na IPB.Pastores e leigos são despojados e disciplinados sem oportunidade de defesa.

Professores são expulsos dos seminários sem terem oportunidade de defesa dasacusações que foram alegadas para sua expulsão. Alguns desses professores, paisde família numerosa, foram jogados na rua da amargura sem salário edesmoralizados perante a Igreja e a sociedade.

17

 Ibidem, pg. 119.18 Herculano, op. cit., pg. 89.19 Hicks, J. D., A Short History of American Democracy . Houghton Mifflin Co., Boston, 1943, pg. 16.

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Se tais professores recorrem à justiça secular são disciplinados pela “licençacompulsória” (nova arma da inquisição) e são ameaçados de despojamento. Se acausa na justiça não termina dentro de dois anos, são despojados. Os inquisidoresfazem tudo para que a causa demore, usando a baixeza das chicanas jurídicas.

Um desses professores que recorreram à justiça secular estava sendo ajudadofinanceiramente pela igreja da qual era pastor, em “licença compulsória”. O sínododa região mandou a igreja suspender a ajuda financeira sob ameaça de intervençãoe dissolução do presbitério. Os inquisidores; queriam que o pastor passasse porprivações econômicas e fosse reduzido à miséria.

Outro professor, no ano em que ficou viúvo, foi jogado fora do seminário com seusfilhos. Poucos meses depois era Natal. Ele não pode comprar, à prestação,presentes para os filhinhos órfãos da mãe porque a junta comercial da cidade foiavisada, pelo cartório, que o professor tinha sido demitido do seminário, portantonão tinha crédito. E quem avisou o cartório foi a direção do seminário.

Dezenas de pastores que discordam da direção da Igreja passaram por dificuldadesfinanceiras tremendas e humilhantes porque foram postos fora das igrejas e tiveramque procurar sustento em outro lugar.

A 2ª Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte passou por uma situação dramática. Asautoridades da IPB mandaram trancar o templo com correntes pesadas de ferro ecadeados enormes para que os crentes não entrassem para dar culto a Deus.Somente com o recurso da Justiça Civil os membros da igreja puderam reaver odireito ao templo.

Presbitérios e sínodos foram dissolvidos de maneira mais absurda e contra todos osprincípios democráticos.

O jornal da Igreja, Brasil Presbiteriano, que era um órgão para informações edebates de opinião, foi reduzido a um tipo de Diário Oficial que publica as decisõesdos concílios. Ninguém pode escrever artigo que contenha opinião diferente da dodiretor do jornal que é, ao mesmo tempo, o presidente da Igreja. Na 1ª página saemas notícias de despojamentos de pastores, dissoluções de presbitérios e sínodos.

E os pobres seminaristas e candidatos ao ministério? Se forem favoráveis aos

desmandos; da direção da Igreja são elogiados e protegidos, mas se tomamposições contrárias são tratados desumanamente, expulsos, às dezenas, dosseminários. Há um verdadeiro clima de terror dentro dos seminários. Esse terror seespalha por toda a Igreja.

Pastores e leigos são “denunciados” falsamente perante os órgãos de segurança.Missionários são expulsos e “acusados” de subversivos.

Comissões especiais são constituídas com poderes superiores a todos os concíliose não dão satisfação aos concílios sobre as arbitrariedades, com foi o caso dofechamento do Seminário Presbiteriano do Centenário, em Vitória.

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Além de todos esses fatos, não devemos nos esquecer da inquisição interna, dentrodas comunidades locais através da fiscalização rigorosa na vida dos crentes, atravésda censura dos atos dos membros das igrejas. Aquilo que Weber descrevia nocalvinismo nascente, como “a mais insuportável forma de controle eclesiástico quepode existir”.

Elter Maciel descreve esse controle nas igrejas brasileiras: “Isto significa que olegalismo e a fiscalização do comportamento individual chegam ao extremo dasugestão de exclusão (de jovens) por causa do pecado que consiste em ir aocinema. ... Inúmeros exemplos como este vão mostrando e confirmando afiscalização ‘insuportável’ e o controle eclesiástico a que chegam as congregaçõesprotestantes”.20 

Vários aspectos dessa situação serão examinados nos capítulos que se seguem.

20 Maciel, Elter, Pietismo no Brasil. Tese de Mestrado, Universidade de Goiás, pg. 152.

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INÍCIO DA RADICALIZAÇÃO CONSERVADORA 

A cristandade do século XX foi infelicitada pelo surgimento dos fariseus peripatéticos[aristotélicos] e turistas que atravessam os “sete mares”, espalhando por toda parteda terra as sementes da divisão, da cizânia [desarmonia, rixa, discórdia] e do ódiono meio das comunidades protestantes. Esses novos fariseus são chamados“fundamentalistas”.

O “fundamentalismo”, como movimento, surgiu com a publicação de um série delivros na cidade de Chicago (1910) com o título: “The Fundamentals: A Testimony tothe Truth”.1 Era um esforço sincero para combater o liberalismo do século XIX. Oobjetivo era defender as doutrinas preservadas pelos grupos conservadores, porisso os escritores da referida série de livros defendiam doutrinas básicas como: adivindade de Cristo, o nascimento virginal de Cristo, a inspiração da Bíblia, a

ressurreição corporal de Cristo, e outras.Esse movimento começou a se degenerar depois da 1ª Guerra Mundial (1914-1918)e chegou ao auge da degeneração depois da 2ª Guerra Mundial (1939-1945),quando foi fundado o Conselho Internacional de Igrejas Cristãs (1948) para fazeroposição ao movimento ecumênico.

Sob o pretexto de defender a ortodoxia, esses fariseus peripatéticos se ligaramindiretamente a todos os movimentos radicais da extrema direita política-social e atodos os fascismos nos Estados Unidos da América. Houve ligações obscuras com a“John Birch Society” e com os movimentos contrários à integração racial. A imprensa

norte-americana denunciou que os fundamentalistas apóiam a “Ku Klux Klan”.Combateram ostensivamente o pastor Martin Luther King. Foram fervorososdefensores da Guerra do Vietnã, e até foram considerados suspeitos no complô paraassassinar o presidente John F. Kennedy. Na América Latina, os fundamentalistasse apresentaram gratuitamente a governos militares da direita para serem espiõesde seus irmãos e se prontificaram a denunciar todos os inimigos do capitalismo.

Pelo que estamos vendo, o movimento fundamentalista procurou despertar dentroda IPB dois pontos: a) o fortalecimento do radicalismo conservador, combatendo as“novidades” daqueles que eles rotulam de “modernistas” e “ecumênicos”; b)defender ardorosamente o sistema capitalista e acusar de “comunista” todos aqueles

que não se simpatizavam com o “fundamentalismo”.

Depois do “1º Congresso Evangélico Pan-americano”, de 1961, a ofensivafundamentalista foi intensa nos arraiais presbiterianos.

Um velho missionário, Alexander Reese, que trabalhou várias décadas no Brasil, viucom tristeza, no final de sua carreira, os estragos do movimento fundamentalista. Eleescreveu: “Em apenas um ano, os métodos e atitudes dos fundamentalistas ... têm

1 Neve, History of Christian Thought , vol. II, pg. 290.

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INÍCIO DA RADICALIZAÇÃO CONSERVADORA 

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sido responsáveis por mais mentiras, injustiças e difamações do que eu tenho vistoem uma geração inteira no Brasil.”2 

Nelson Bell, conhecido líder conservador norte-americano, visitou o Brasil paraverificar se havia razões nas acusações dos fundamentalistas de que as igrejas

evangélicas do Brasil estavam eivadas de modernismo. Após sua visita declarou queera “o mais flagrante caso de acusações mentirosas e injustas contra irmãos cristãose instituições cristãs” que ele jamais tinha visto.3 

O velho pastor da IPB, Haroldo Cook, sempre conservador em suas doutrinas,escreveu um artigo no Brasil Presbiteriano  intitulado “Advertência Necessária”,combatendo os métodos do fundamentalismo e afirmando: “Os métodos dosMcIntiristas, para invadirem as outras denominações evangélicas a fim de desviaremos crentes incautos, são tão repreensíveis como os chamados ‘Testemunhas deJeová’. Há falta de ética cristã nesses métodos que usam. ... Bem diz o NorteEvangélico: ‘É uma inovação separatista provocada pela semeadura da intriga, da

discórdia, da difamação, e de suspeitas ruins, a serviço do movimento de McIntire efinanciado por ele’.”4 

Missionários fundamentalistas vindos dos Estados Unidos para combater omodernismo, passaram vários meses no Nordeste visitando igrejas presbiterianas eouvindo sermões, analisando a literatura das escolas dominicais e o ensino nosseminários e chegaram à conclusão de que o apelo de líderes fundamentalistasbrasileiros para enviar missionários e verbas sob pretexto de modernismo, era umexagero ou havia outras intenções. Como explicou o pastor José Matos: “Eu creiofirmemente que o verdadeiro problema não é ortodoxia, nem fundamentalismo, masé o de liderança e prestígio”.5 

O que estava acontecendo nos anos da década de 50 é que os presbiterianosbrasileiros discordavam apenas dos métodos fundamentalistas, mas louvavam o seucombate ao ecumenismo e sua defesa da ortodoxia.

Um parágrafo do presbítero Davi Mendonça é significativo: “E é necessário quedigamos, de passagem, que nesta oposição sistemática (ao movimento ecumênico)nada temos a ver com o Conselho Internacional de Igrejas Cristãs (CIIC), do Sr. CarlMcIntire, que também se opõe tenazmente ao tal movimento. ... Se o CIIC desfraldaa bandeira de combate a esse ecumenismo indiscriminado e reivindica para a Bíblia

seu caráter de autoridade única e infalível em Matéria de religião, parabéns a ele eque Deus o abençoe neste nobre tentâmen!  [tentativa] [grifos nossos] Apenaslamentamos que os métodos por ele usados nesse combate nem sempre sejamlouváveis, sendo às vezes até reprováveis. Nisto não o felicitamos. Está esclarecida,pois, nossa posição, que nada tem de compromisso com o CIIC, embora coincidaem parte com o seu programa”.6 

2 Pierson, Paul E., A Younger Church in Search of Maturi ty . Trinity University Press, San Antonio,1974, pg. 209.3 Ibidem, pg. 211.4

 Brasil Presbiteriano (BP), outubro de 1958, pg. 2.5 Norte Evangélico, outubro de 1956.6 BP, maio de 1962, pg. 2; e abril de 1967. pg. 2.

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Por enquanto a IPB não concordava com os métodos, mas depois acabouconcordando. O que estou mostrando neste documentário é que o movimentofundamentalista veio despertar a tendência inquisitorial do protestantismoconservador. A inquisição sem fogueiras apareceu justamente na época em que ofundamentalismo triunfou na esfera mais alta da administração da IPB.

Nesse ponto o sistema de governo presbiteriano adaptado pela IPB favorece essetipo de inquisição. As igrejas locais estão sujeitas aos presbitérios, estes aossínodos regionais e ao Supremo Concílio nacional. O governo presbiteriano temsuas bases populares, mas no ápice está à toda-poderosa Comissão Executiva doSupremo Concílio e a não menos poderosa Mesa do Supremo Concílio. Ora, aCE/SC é constituída dos 4 membros da Mesa e dos presidentes dos sínodosregionais. Durante os quatro anos de interregno das reuniões do Supremo Concílio,a CE/SC tem acesso a toda a vida da Igreja. Além dos documentos dos presbitériose dos sínodos, sobem para esse órgão todos os assuntos dos seminários, dassecretarias dos trabalhos da mocidade, dos homens e das senhoras, os assuntos

patrimoniais e financeiros, as relações inter-eclesiásticas, e os demais problemas. Éuma centralização administrativa que funciona razoavelmente numa época decalma. Quando surgem as crises, porém, a CE/SC tem se tornado ora deficiente, oraprepotente. A Mesa se reuniu em ocasiões de emergência para tomar decisões “adreferendum” à reunião da CE/SC. Quando esta tem a sua maioria a favor dopresidente, esta facilmente faz prevalecer ditatorialmente a sua opinião que sereflete em toda a vida da Igreja.

Há também os tribunais: os 4 concílios da IPB podem funcionar com tribunais, outem os seus tribunais. O conselho da igreja local pode funcionar com tribunal para

 julgar membros e oficiais daquela igreja. Os presbitérios podem funcionar comtribunais para julgar ministros, conselhos das igrejas locais e julgar, em grau derecurso, decisões de conselhos. Os sínodos e o Supremo Concílio tambémfuncionam com tribunais de recursos. O mais alto tribunal da IPB é o Tribunal deRecursos do Supremo Concílio, que recebe recursos provindos de outros concílios.Acontece que, numa época de crise, esses tribunais funcionam de tal maneirapartidária que, dificilmente, um acusado da ala da “oposição” ganharia uma causa.

Ora, o espírito fundamentalista, entrando nessa máquina burocrática, faz muita coisadesagradável, como já estamos vendo ao longo deste trabalho, porque ofundamentalismo faz acionar os mecanismos inquisitoriais.

Waldyr Carvalho Luz, num interessante artigo no Brasil Presbiteriano, mostra adiferença entre o fundamentalismo com “sistema doutrinário” e como “atitudeinquisitorial”. Escrevendo sobre o segundo tipo, afirma: “O fundamentalismo serianão o sistema teo1ógico mas a atitude inquisitorial, apanágio (atributo) de certo tipode expressão religiosa ... é esse espírito intransigente, inquisitorial que acabamos deretratar: a virulência, o estreitismo, o bitolamento, o inquisitorialismo”.7 

Foi essa “atitude inquisitorial” que começou a funcionar de maneira mais agressivanas últimas décadas, embora já tenha funcionado no passado.

7 Ibidem, 15 de outubro de 1967, pg. 2.

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INÍCIO DA RADICALIZAÇÃO CONSERVADORA 

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O primeiro alvo da intransigência conservadora foi o trabalho da MocidadePresbiteriana.

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A EXTINÇÃO DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA MOCIDADE PRESBITERIANA 

“É preciso reconhecer que se asmodificações desejadas pelos jovens fossem realizadas, aquiloque o protestante entende comoIgreja desapareceria.”1 

A Igreja Presbiteriana do Brasil foi fundada por um jovem solteiro de 26 anos. Apresença dos jovens foi sempre sentida pela direção da IPB, mas somente nadécada de 1930 o poder jovem começou a ser estruturado.

Atendendo aos reclamos da juventude da Igreja, o Supremo Concílio, em sua

reunião de 1936, resolveu que:“Os presbitérios deverão adotar, no que julgarem oportuno, o seguinte:A. Criação nas igrejas locais, pelos respectivos conselhos, de Uniões de

Mocidade, de caráter misto, com as finalidades expostas no trabalho:  A Adolescência na Igreja.

B. Constituição de Federações Presbiteriais por intermédio e com aaquiescência [consentimento] dos respectivos conselhos, e a aprovação dospresbitérios.

C. Constituição de uma Confederação Geral que congregue federaçõespresbiteriais para fins estatísticos, elaboração de programas uniformes e arealização de congressos gerais.”2 

Assim estava lançada a base estrutural do trabalho da mocidade presbiteriana. Em1938 foi nomeado o primeiro Secretário do Trabalho da Mocidade, BenjaminMoraes, que devia, entre outras atividades, “organizar e orientar o movimento damocidade e dispor a sua representação no 1º Congresso Nacional da MocidadePresbiteriana.”3 

Um evento de grande importância foi o aparecimento do jornal Mocidade no dia 1ºde maio de 1944, com o título de “Federação da Mocidade do Presbitério do Rio deJaneiro”. Sua primeira diretoria era assim composta - supervisão: Joel de OliveiraLima; orientação: Paulo Lenz César; diretor responsável: Boanerges Cunha;

redação: Dário Sarmento de Barros e Waldo César; secretária: Lucy J. Silva e CarlosDias; tesouraria: Gershan Wills.

O jornal Mocidade exerceu grande influência nos jovens presbiterianos de todo oBrasil e propagou os temas do 1º Congresso Nacional da Mocidade Presbiteriana,realizado em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, de 17 a 24 de janeiro de 1946. Apartir desse congresso, o jornal Mocidade passou a ser órgão oficial daConfederação da Mocidade Presbiteriana (CMP).

1

 Maciel, Elter, op. cit., pg. 122.2 Digesto Presbiteriano, pg. 24.3 Ibidem, pgs. 24, 25.

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A EXTINÇÃO DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA MOCIDADE PRESBITERIANA 

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Os principais assuntos tratados pelo jornal dos anos presbiterianos, de 1944 a 1951,foram os seguintes:1. Evangelização  - Em cada número saía um artigo ou uma entrevista sobre

esse tema.2. Estrutura do trabalho da mocidade  - Era uma discussão sobre a

importância da estrutura. Eram dados esclarecimentos sobre pontos queestavam em debate.3. Problemas sociais - Três eram os problemas debatidos amplamente:

a.  Analfabet ismo  - A mocidade se entusiasmou com a “CruzadaNacional de Educação”, fundada pelo ilustre presbiteriano GustavoArmbrust, em 1932. Waldo César chamou Armbrust de: “o Caxias daalfabetização”. O jornal fez uma campanha conclamando os jovenspara livrar a pátria desse inimigo - o analfabetismo.4 

b.  A guerra - Artigos, poemas e entrevistas tratavam da guerra mundial,chegando a condenar os reais ganhadores dessa guerra, isto é, osmonopólios internacionais sediados nos Estados Unidos.5 

c.  Ação social  - o jornal incentivou as Uniões de Mocidade das igrejaslocais a uma efetiva ação social. No Congresso da MocidadePresbiteriana do Rio, em 1945, foi declarado: “Cristo exige de nós boasobras e ação social”.6 

4. Ecumenismo  - como veremos em outro capítulo, os jovens seentusiasmaram pelo movimento ecumênico. Muitos artigos, notícias eentrevistas foram publicados no jornal.7 

5. Política - O jornal dava grande importância ao dever de votar nas eleições ecombatia fortemente a ditadura que foi implantada por Getúlio Vargas.8 

6. Recreações - Vários artigos tratavam do problema das diversões dos jovenscrentes.

7. Problemas da Igreja  - Em geral os problemas da Igreja eram tratados no jornal. Alguns continham críticas ao funcionamento do governo presbiteriano.

Esses sete assuntos, ventilados nos primeiros anos, marcaram a tônica do jornalnos anos futuros. Os jovens não tinham medo de criticar aquilo que achavam erradona Igreja e na sociedade. Criticaram a Constituição da IPB (CI) que, diziam eles,“ainda não foi reformada de modo a incluir no seu texto legal certas realidades dodesenvolvimento geral da causa”.9 Faziam críticas e davam sugestões em referênciaao trabalho da imprensa presbiteriana, especialmente ao órgão oficial, O Puri tano.10 Lysâneas Maciel critica a composição da Comissão do Centenário e pergunta:

“Como explicar a ausência de um elemento jovem na referida comissão?”

11

  Numeditorial o jornal condena “o silêncio da Igreja” e a falta de testemunho dos púlpitospresbiterianos face aos graves problemas do Brasil e do mundo. Critica também daIPB ao movimento ecumênico.12 

4 Mocidade, Ano I, nº 4, setembro 1944.5 Ibidem, maio de 1951, pg. 5.6 Ibidem, setembro de 1945, pg. 2.7 Ibidem, fevereiro de 1951, pg. 8; e abril de 1951, pg. 3.8 Ibidem, setembro de 1948, pg. 2.9 Ibidem, pg. 2.10

 Ibidem, julho de 1950, pg. 1.11 Ibidem, fevereiro de 1951. pg. 3.12 Ibidem, março de 1951, pg. 2.

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Os congressos nacionais dos jovens continuaram como pontos marcantes:Jacarepaguá (1946), Recife (1950), Lavras (1952), Salvador (1956), PresidenteSoares (1959), Campinas (1964).

Um dos líderes que exerceu poderosa influência na cúpula da CMP foi Richard

Shaull. Ex-missionário presbiteriano na Colômbia, Shaull foi enviado pela Junta deNova York para o Brasil, em 1952. Foi eleito professor do Seminário Presbiterianode Campinas (SPS), onde exerceu grande influência sobre os seminaristas, porcausa de sua grande cultura teológica e sua competência como mestre. Introduziuno seminário o pensamento da escola teológica “neo-ortodoxa” de Barth, Brunner,Reinhold Niebuhr e outros. Foi também secretário geral da atuando entreuniversitários evangélicos. Sua preocupação central era a missão da Igreja naAmérica Latina, especialmente no Brasil.

No contato que teve com os líderes da CMP, Shaull foi convidado para participarcomo escritor e como conferencista. Citaremos vários aspectos de sua influência

sobre a mocidade presbiteriana:a. Valorizou a preocupação política por parte da Igreja, mostrando a

necessidade de preparação de jovens crentes para atuação nas áreas dopoder político.13 

b. Despertou a mocidade para o sentido da “revolução social” que devia ser feitano Brasil, baseada na Revelação de Deus.14 

c. Mostrou aos jovens que os cristãos são enviados ao mundo para umtestemunho efetivo. Esse foi o tema do Congresso Nacional da Mocidade, emSalvador (1956). Para esse congresso Shaull escreveu, a pedido da CMP:Oito Estudos de Preparação para o Testemunho.15 

d. No congresso de Salvador, Shaull foi honrado com o apelido de “jovemmestre” enquanto José Borges dos Santos, Jr. já, desde os congressosanteriores, era chamado de “velho mestre”.16 

e. Na série de artigos que Shaull publicou no jornal Mocidade, a partir de maiode 1953, em forma de diálogo, mostrou a necessidade dos jovens sepreocuparem com os problemas sociais e políticos.

Além de Shaull, não poderíamos deixar de lado outros líderes que tiveram grandeinfluência na mocidade presbiteriana: Benjamin Moraes, Gutemberg de Campos,Jorge César Mota, Adauto Araújo Dourado, Teófilo Carnier, José Borges dos Santos,Jr. e muitos outros pastores que fizeram preleções nos congressos, e eram

considerados amigos da mocidade.O nome de Billy Gammon não pode ser esquecido como uma das grandes líderesde nossa mocidade. Filha de missionários, sempre atuou na Igreja com jovem eamiga dos jovens. Durante muitos anos ocupou o cargo de secretária geral dotrabalho da mocidade, tendo sido cedida pela Junta de Nashville para esse trabalho.Ela foi uma das fundadoras e organizadoras da estrutura da mocidade presbiteriana.Viajou intensamente pelo Brasil, visitando igrejas e federações sempre preocupadacom a situação dos jovens. Recebeu fortes pressões da direção da Igreja nas

13 Ibidem, agosto de 1953, pg. 6.14

 Ibidem, setembro de 1953, pg. 6.15 Ibidem, jornais de junho e dezembro de 1956.16 Ibidem, fevereiro de 1956.

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épocas das crises maiores da década de 50. Seu desaparecimento trágico, numacidente em Brasília, deixou muitos de seus colegas, companheiros e alunospesarosos, pela grande perda para o evangelismo pátrio.

Ao lado de Billy Gammon trabalharam Waldo César, Waldemar Xavier, José Leão de

Carvalho, Irecê Wanderley, Cirene Louro, Paulina Steffen, Paulo César, Homero daSilva, Esdras Borges Costa, Oswaldo Caetano, Lysâneas Maciel, Elter Maciel, Joelde Oliveira Lima e muitos outros nomes que não estamos citando, sabendo que nãoestamos fazendo justiça a tão dedicados colaboradores nesta fase que estamosestudando.

Diante da poderosa ação da mocidade, as reações começaram a surgir de maneiraaberta em duas áreas: dentro da própria mocidade e na liderança administrativa daIPB.

Um grupo de jovens presbiterianos do Recife, membros da Igreja Presbiteriana de

Boa Vista, baluarte do conservantismo no Nordeste, escreveu um documentocriticando fortemente o jornal Mocidade  porque: “difunde ou patrocina idéias eatitudes absolutamente antagônicas às idéias e atitudes da IPB.”17 

Guilherme Kerr, professor do SPS, no discurso de formatura da turma de 1952,criticou o entusiasmo dos jovens pelos teólogos neo-ortodoxos e ecumenistas: “Amocidade, sem o mínimo conhecimento de causa, mas com grande presunção desaber, redige os seus jornais e, no uso e abuso dos direitos que a Igreja lhe cede,enxovalha ministros e até igrejas; exalta esses falsos mestres revelando umaignorância revoltante dos fatos que se põe a comentar e das doutrinas em que deviacrer e recomenda ao leitor a sabedoria e a infalibilidade de tais mestres.”18 

Havia uma suspeita de que a CMP estava se transformando em um Igreja dentro daIPB. No início da década de 1950 foi estabelecido pela CE/SC que:“A experiência já agora aconselha que se estabeleça claramente esta orientação:a. A Confederação da Mocidade Presbiteriana do Brasil, filha predileta, não tem

atribuições além das que lhe outorgar os concílios de sua Igreja.b. Não é órgão de relações intereclesiásticas nem dentro, nem fora do país.c. A Secretaria Geral da Mocidade é o seu órgão de relações com a Igreja.d. O Conselho Consultivo é auxiliar da Secretaria nas suas relações com os

concílios. O progresso anda sempre condicionado à ordem e à disciplina. A

máquina só funciona bem quando suas diferentes peças se conservam eajustam no lugar próprio. A máquina da Igreja não faz exceção.”19 

No mês de julho de 1950, Benjamim César publicou um artigo no jornal Mocidade apontando quatro graves perigos entre os jovens presbiterianos e o trabalho damocidade:1) “Excesso de organização sem a necessária espiritualidade.2) O fato de a mocidade não se preocupar com a salvação dos sócios da UMP

(União da Mocidade Presbiteriana).3) Entusiasmo pelo falso ecumenismo.

17

 Ibidem, julho de 1951. pg. 2.18 Ibidem, fevereiro e março de 1953. pg. 2.19 Atas e Apêndices da IPB, 1954, pg. 121.

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4) Influência do mundanismo solerte.”

Esse artigo foi comentado durante mais de um ano nas páginas do jornal.

Os atritos entre a CMP e a direção da Igreja tomaram-se agudos no fim da década

de 1950. Esses atritos causaram um mal-estar na cúpula da Igreja.

Em fevereiro de 1960, através de um “coup d’Église”, a CE/SC, reunida emUmurama, resolveu extinguir a CMP:

“Quanto ao relatório do Secretário Geral da Mocidade, encaminhando plano dereestruturação da Mocidade, bem como parecer sobre o Departamento Estudantil, aComissão Executiva resolve: (1) Aprovar o relatório, expressando ao Secretário aapreciação desta Comissão Executiva pelo trabalho assíduo, consciencioso ecompetente com que orientou a Confederação da Mocidade Presbiteriana. (2)Convocar uma reunião de presidentes de Sínodos e Secretários Sinodais da

Mocidade para elaborarem um anteprojeto de reestruturação da MocidadePresbiteriana do Brasil.” (CE-60-01)

A reestruturação pretendida nada mais foi senão a extinção da CMP. Pois, em maiodesse mesmo ano, reuniu-se em São Paulo a CE/SC com os convidados especiaiscitados na resolução de fevereiro. A atitude nazista dessa reunião foi clara. Após ogolpe, os chefes disseram que foram os jovens que pediram a extinção da CMP. Oslíderes da IPB usaram a mesma tática dos ditadores militares da América do Sul,quando derrubam os governos e depois proclamam que fizeram a vontade do povo.

Nessa reunião de São Paulo foi assumida uma atitude paternalista. Perguntava-se:“A quem incumbe orientar a Mocidade Presbiteriana? Aos próprios moços ou aosConcílios? É evidente que aos Concílios, por pessoas que estes mesmosescolherem, mediante programas que os Concílios aprovem.”20 A cúpula da Igrejareconhece que existe uma atuação forte de sua mocidade, que estava muito além desuas bitolas eclesiásticas tradicionais, mas resolve emascular essa mocidade e tirar-lhe todo o seu dinamismo e sua criatividade. Tratá-la com uma simples “liga juvenil”e não com uma juventude alerta e consciente, apesar de todos os seus arrojos efalhas. A Velha Igreja sentiu-se ameaçada pela Nova Igreja que surgia no final deum século de história. Mas essa Nova Igreja que emergia, a Igreja dos Jovens, naopinião dos velhos, somente poderia sobreviver se fosse vigiada e controlada pelos

“Concílios Superiores”, o que significaria a sua morte.A última diretoria da CMP e que, simbolicamente, representa o fim de uma época, foieleita em Presidente Soares, MG, no Congresso Nacional das MocidadesPresbiterianas, que contou com a presença de jovens da Igreja PresbiterianaIndependente do Brasil (IPI), entre os dias 27 de janeiro e 3 de fevereiro de 1959.Era assim constituída: presidente - Josué da Silva Melo, representante daFederação de Salvador; vice-presidente - Maria Júlia Lopes da Costa, representanteda Federação Guanabara; 1º secretário - Gerson Moura , representante daFederação Sul de Minas; 2º secretário - Eny Morais Diniz, representante daFederação Sorocaba; 1º tesoureiro - Caio Castro Gomes, representante da

20 Mocidade, junho de 1960.

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Federação Campinas; 2º tesoureiro - Nelson Scott, representante da Federação SãoPaulo. Essa diretoria, tendo à frente o dinâmico sergipano Josué da Silva Melo,permaneceu por um ano e meio com atividades brilhantes e corajosas. Foi nessaépoca que a mocidade presbiteriana mostrou as lideranças mais velhas o que elaera capaz de pensar e fazer.

O jornal Mocidade teve redobrada atuação. Sua última diretoria teve comcomponentes: diretor - Adacir Seidel; gerente - Josué da Silva Melo; tesoureiro -Caio Castro Campos; circulação - Eunice Rubertti; redatores - Teófilo Carnier eMaria Júlia Lopes da Costa; colaboradores - Valdir Calemi, Paulo Wright, CarlosBelém, Joãozinho Tomás de Almeida e Gérson Moura.

Nos últimos meses o jornal dos jovens de tal maneira inquietou as liderançastradicionais da Igreja, especialmente depois da reunião da Aliança Mundial deIgrejas Reformadas, em 1959, no Brasil, que houve um momento crítico, em junhode 1960. O número 189, referente ao mês citado, foi tão vibrante e explosivo que o

 jornal foi interditado, censurado e proibido de circular pela direção da Igreja. Osartigos principais tratavam da situação da Igreja e de sua missão, o papel damocidade e dos leigos. Os artigos que causaram mais impacto foram: “Editoriais”,“Cláudius Revoluciona Catete”, “Relatório sobre o Papel da UMP na Igreja”, “Cartasde Homero”, “O Senhor do Mundo”, de Paulo Wright. As notícias tambémincomodaram. Houve um artigo que foi republicado porque passou pela censura. Erade autoria de Joaquim Beato e tratava do papel do leigo na Igreja. Pois houve umarepublicação do número 189 do Mocidade na qual foram desprezados todos osartigos julgados inconvenientes e contrários à orientação da Igreja. A diretoria do

 jornal foi deposta. O jornal passou a ser publicado na Casa Editora Presbiteriana,cujo diretor era Boanerges Ribeiro.

Esse golpe contra a jovem imprensa presbiteriana foi uma reação às declaraçõesoousadas e verdadeiras que culminaram com o número de junho de 1960. Para darapenas um exemplo desse número: o jovem Paulo Wright escreveu o artigo “OSenhor do Mundo”, no qual tratou da ação de Cristo na Igreja e no mundo e aconsequente liberdade para o cristão testemunhar. No final do artigo declarou: “Oproblema não é mais se dançar ou não dançar, se fumar ou não fumar é pecado,pois sendo Jesus nosso Senhor, estas coisas não têm mais poder sobre nós.”21 Essa e outras declarações abalaram os alicerces da velha ênfase da pregaçãomoralista da Igreja. Não podiam ser lidas pelos crentes de uma grei de um século de

vida eclesiástica.No ano seguinte, em a vacância do cargo de secretário geral do trabalho damocidade, a referida secretaria foi anexada à Junta de Educação Religiosa. OSecretário Geral Teófilo renunciou. Tinha sido eleito para esse cargo na reunião doSupremo Concílio de Lavras, em 1958. Ele não conseguiu superar a crise entre aCMP e a cúpula da IPB. Terminou pedindo afastamento do cargo.

Houve protestos e aplausos em todo o território nacional presbiteriano. Muitospresbiterianos se manifestaram contra a extinção da CMP, poucos a favor.

21 Ibidem.

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Os seminaristas de Campinas enviaram uma carta ao vice-presidente do SupremoConcílio, Natanael Cortês, protestando contra o golpe eclesiástico que dissolveu aCMP. O velho líder do Nordeste responde, explicando as razões, e entre elas aprincipal:

“Não via eu então (em 1950), e ainda não vejo, com enquadrar no sistemapresbiteriano de governo um órgão a mais (Confederação da MocidadePresbiteriana do Brasil), com governo próprio e com direito de censurar ministros,igrejas e concílios, preconizando novos métodos de vida eclesiástica. Isso já meparecia, em 1950, uma quinta roda no carro.”22 

Quando o Suprem Concílio se reuniu em 1962, no Rio de Janeiro, o debate em tornodo assunto foi grande mas, como a ala renovadora contrária à extinção era umaminoria, foi proposta uma estrutura provisória. Os argumentos para não voltar àestrutura anterior eram os de Natanael Cortês:

“Reconhecer que, efetivamente, havia necessidade de reestruturação ereconstituição da estrutura das sociedades internas que caminhavam à deriva dogoverno e da orientação presbiteriana, causando uma hipertrofia de entidades quedeveriam existir apenas como departamentos diversos orientados pelos concílios evisando a aproximação dos diversos grupos das comunidades evangélicas.” (SC-62-69)

O que os moços não entendem até hoje é porque a estrutura dos trabalhosmasculino e feminino não foi alterada até agora, visto que é a mesma estrutura quea mocidade tinha antes de 1960.

Paul E. Pierson explica as três razões que levaram a direção da IPB a extinguir aCMP:1) “As posições que a mocidade defendia sobre o ecumenismo eram diferentes

das posições da IPB.2) A suspeita de que a organização da mocidade estava despertando a

preocupação para com os problemas sociais do Brasil, levando muitos jovensa tomar uma posição ideológica diferente da tradição presbiteriana einduzindo jovens a criticarem o governo da nação pela sua inércia na soluçãodos problemas sociais e econômicos.

3) Porque a mocidade estava saindo da linha doutrinária conservadora e

admirando líderes teológicos da ‘neo-ortodoxia’”

23

 Depois da dissolução da CMP, o descontentamento dos jovens foi imenso e suadecepção ainda maior. Fizeram, em vão, muitos apelos para voltar a antigaestrutura.

Em janeiro de 1964 houve em Campinas o explosivo VI Congresso Nacional daMocidade Presbiteriana. o tema foi: “O Jovem Cristão e a Realidade Brasileira”.Foram preletores: João Dias de Araújo, Paulo Freire de Araújo, José Geraldo e CarlJoseph Hahn, Sr.

22 Brasil Presbiteriano (BP), janeiro de 1961, pg. 7.23 Pierson, op. cit., pg. 218.

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Esse congresso se realizou no auge da crise política e econômica que agitou oBrasil no governo de João Goulart. Era um ambiente de profunda agitação econfusão. Os debates dos problemas nacionais eram ostensivamente lideradospelas “esquerdas”. O jargão da época era “a realidade brasileira”. Os marxistas ecomunistas fizeram um grande ofensiva de ação e propaganda em todos os setores

da vida nacional. O Nordeste era a região do Brasil mais discutida por causa de suasituação explosiva.

Essa situação que envolveu todo o país culminou com o golpe militar da “direita”, em19 de abril de 1964. Dois meses antes estava reunido o congresso dos jovenspresbiterianos em Campinas.

O preletor principal, em cinco palestras, procurou convencer os jovens que abandeira da verdadeira revolução devia ser desfraldada pelos cristãos e não peloscomunistas. Mostrou que os problemas graves do Brasil deviam ser um desafio aotestemunho do jovem para a salvação não só do indivíduo mas também da

sociedade.24 

As conclusões do VI Congresso foram engavetadas e jamais consideradas pelacúpula da IPB.

Em 1967 os jovens ainda fizeram o último e melancó1ico apelo através de um artigode Enos Moura no Brasil Presbiteriano:

“Daqui lançamos o nosso apelo a cada um daqueles pastores e presbíteros: queeles procurem escutar os anseios da Mocidade Presbiteriana do Brasil; que elesvoltem a confiar nos jovens dando-nos mais uma oportunidade  ... de adotarpara a Mocidade a mesma estrutura da SAF e da UPH, para nós, a melhorsolução.”25 

24 Araújo, João Dias de, O Jovem Cristão e o Jovem Comunista, Recife, 1964.25 BP, janeiro de 1967, pg. 6.

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PRESSÕES SOBRE PASTORES E LEIGOS PREOCUPADOS COM PROBLEMAS SOCIAIS 

“A confiança de que a nova Fétraria progresso foi afirmada em

algumas situações, mas porcausa de sua tese de que amoralidade pessoal e aeducação resolveriam osproblemas sociais, opresbiterianismo não descobriu araiz mais profunda das injustiçasna nação e não empreendeunenhuma missão especial naesfera política a não ser o

chamamento à honestidade avida pública.”1 

Como sabemos pela história do presbiterianismo brasileiro, as ênfases principaiseram duas: (a) a conversão individual que resultaria numa pureza moral nos moldesda ética Puritana; (b) a educação com conseqüência da nova experiência religiosa.Foi desenvolvida uma ética “anti-social” no sentido de condenar quase tudo nasociedade brasileira de então.

Há três tônicas nas resoluções dos concílios da IPB a respeito da preocupaçãosocial de 1888 a 1974: (a) o moralismo individualista; (b) o assistencialismo; e (c) anecessidade de educação. Houve exceções, como veremos, mas justamente nasexceções é que vamos ver a inquisição funcionar.

A preocupação social se enveredava pelo caminho da pureza moral individual. Duasexpressões muito usadas de 1888 a 1974: “vícios sociais” e “males sociais”. Quaissão esses “vícios” e esses “males” que preocupavam e ainda preocupam? São osseguintes: “o baile moderno, o carnaval, excesso da moda e a transgressão dodomingo”.2 

“O Supremo Concílio recomenda que os púlpitos instruam os fiéis sobre os malessociais e abordem princípios que fortaleçam a Igreja para resistir as influências doambiente mundano.”3  Na reunião do Supremo Concílio, em 1974, ficouexplicitamente declarado: “(1) A Igreja Presbiteriana do Brasil defende e prega aaplicação integral dos princípios que a Bíblia contém, visando à edificação doscrentes; (2) os vícios sociais, tais com o fumo, o álcool, o jogo, inclusive aloteria esportiva, e, também, a freqüência a bailes , reconhecidamente,contribuem para a deteriorização da pessoa humana, cristã ou não; (3) é dever dasigrejas lutar por todos os meios e modos, continuamente, contra vícios. O SC

1

 Pierson, op. cit., pg. 95.2 Digesto Presbiteriano. pgs. 22, 23.3 Ibidem, pg. 208.

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desde que este país existe, que, no Nordeste, um grupo de servos de Deus, devárias denominações, se congregaram para estudar, in loco, os problemas destaregião e a revolução brasileira, à luz do ensino da palavra de Deus.”12 

A “Conferência do Nordeste” teve imensa repercussão dentro e fora das igrejas

evangélicas. Foi precedida e sucedida por debates violentos em algumas áreas.

Dentro da IPB o debate foi grande. Nas páginas do Brasil Presbiteriano  osassuntos foram amplamente debatidos. O deputado estadual de Pernambuco, InaldoLima, presbítero da Igreja Presbiteriana da Encruzilhada, no Recife, publica umasérie de artigos chamando a atenção da Igreja para os problemas sociais eestruturais do Brasil.13  João Dias de Araújo, professor do SPN, escreve um artigoconclamando a Igreja para a formulação de um Credo Social para nortear a ação daIgreja diante dos problemas sociais.14  Alcides Nogueira escreve que: “A Reformadeu grande ênfase aos princípios espirituais e morais da religião, sem sentir de pertoas necessidades sociais dos trabalhadores.”15 São publicadas críticas à situação dos

operários e condenação ao capitalismo.16  Um missionário dá sugestões à Igrejasobre ação social.17 

Somente nesta fase a IPB começa a discutir amplamente os assuntos que os jovensqueriam discutir dez anos antes.

O debate ferveu na reunião do Supremo Concílio, em julho de 1962, no Rio deJaneiro. A solicitação de um dos concílios do interior da Bahia (Presbitério deCampo Formoso) foi atendido e foi aprovado o “Pronunciamento Social da IPB”.Nessa reunião um grupo de pastores mais jovens teve muita influência naformulação e na aprovação do pronunciamento que dizia:“No propósito de avivar a consciência de todos os fiéis para os perigos, deveres e dahora presente, apresenta o seguinte pronunciamento sobre os problemas políticos esociais: ...As igrejas presbiterianas do Brasil compete, portanto:1. “Dar, pelo púlpito e por todos os meios de doutrinação, expressão do

Evangelho total de redenção do indivíduo e da ordem social.2. Incentivar seus membros a assumirem uma cidadania responsável, como

testemunhas de Cristo, nos sindicatos, nos partidos políticos, nos diretóriosacadêmicos, nas fábricas, nos escritórios, nas cátedras, nas eleições e noscorpos administrativos, legislativos e judiciários do País.

3. Clamar contra a injustiça, a opressão e a corrupção, a tomar a iniciativa deesforços aliviar os sofrimentos dos infelicitados por uma ordem social iníqua;colaborando, para também, com aqueles que, movidos por espírito de temor aDeus e respeito à dignidade do homem, busquem esses mesmos fins, assimcomo aceitando sua colaboração.

4. Opor, por uma pregação viva e poderosa, relevante e atual, uma barreirainespugnável contra as forças dissolventes do materialismo e do secularismo.

12 Brasil Presbiteriano, outubro de 1963, pg. 1.13 Ibidem, fevereiro de 1961, pg. 7.14 Brasil Presbiteriano, março de 1962. pg. 5.15

 Ibidem, novembro de 1961, pg. 10.16 Ibidem, dezembro de 1961, pg. 6.17 Ibidem, fevereiro de 1962, pg. 12.

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5. Lutar pela preservação e integridade da família e pela integração de gruposmarginalizados pela ignorância e analfabetismo, pelos vícios, pelas doenças epela opressão na plena comunhão do corpo social.

6. Dar à infância e à juventude uma formação cristã que as capacite aenfrentarem vitoriosamente o impacto dos paganismos contemporâneos, com

a força da interpretação cristã da vida total do homem total à luz de Deus.7. Defender, pelo exemplo de seus membros, a dignidade do trabalho, quermanual quer intelectual.

8. Fazer a proclamação profética incessante dos princípios éticos e sociais doEvangelho de modo que sejam denunciados todos os erros dos poderespúblicos, sejam de omissão ou comissão, que resultam em ameaças ouobstáculos à paz social ou tendam à destruição da nossa estruturademocrática.

9. Defender a necessidade de mais eqüitativa distribuição das riquezas,inclusive da propriedade da terra e advertir, em nome da justiça de Deus e dafraternidade cristã, aqueles cujo enriquecimento seja fruto da exploração do

próximo.10. Tornar o Estado consciente de todos os seus deveres, transmitindo-lhe

corajosamente a palavra profética, especialmente nas horas de crise,prestigiando sua ação no estabelecimento da justiça social e oferecendo-lhecolaboração para solução cristã de todos os problemas da comunidade.”

O debate continuou após a reunião do Supremo Concílio, principalmente naspáginas do Brasil Presbiteriano. Após a reunião de 1962, o jornal oficial voltou aser publicado no Rio de Janeiro e foi nomeado com redator-chefe Domício Pereirade Mattos que deu ampla liberdade para o debate que se travava sobre aresponsabilidade social da igreja. Num editorial sobre a posição do jornal, o redator-chefe pedia: “Não tirem do jornalista a liberdade democrática de deixar a cada qualdizer o que bem entende, desde que faça em termos”. E termina dizendo: “A hora érevolucionária. Precisamos ajudar a revolução com o Evangelho e dentro dademocracia, antes que a revolução seja feita sem o Evangelho e sem democracia.”18 No seu famoso editorial “Duas Tendências”, Domício de Mattos escreveu: “Bastauma corrida de olhos por alguns artigos publicados no BP para se sentir que elesespelham duas tendências de pensamento abrangendo os campos da culturaideológica e de política social. ... Mas há o fato inegável dessa galvanização depensamentos em torno das duas tendências: de um lado, os conservadoresextremados, defensores das velhas tradições, inimigos de qualquer renovação,

alérgicos às exigências da atualização; de outro lado, os liberais, às vezes tambémextremados que ameaçam derrubar tudo, anular o passado e começar de novo. ...Muitos já rotularam os representantes desses grupos: são os esquerdistas   e osdireitistas. E, em torno de DIREITA e de ESQUERDA fazem a 'guerra fria',transbordam em adjetivações e começam a perturbar a paz da Igreja.”19 

Até abril de 1964 o jornal publicou artigos memoráveis, entre eles um intitulado:“Jeca Tatu”, de Rubem Azevedo Alves, chamando a atenção para os pobres edesfavorecidos.

18 Ibidem, 16-31 de agosto de 1963.19 Ibidem, março de 1962.

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PRESSÕES SOBRE PASTORES E LEIGOS PREOCUPADOS COM PROBLEMAS SOCIAIS 

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Mas, com a mudança do regime político, vamos ver que quase todos aqueles quedefenderam a responsabilidade social da Igreja foram perseguidos, caluniados,acusados de comunistas, denunciados perante as autoridades como subversivos efilo-comunistas.

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O IMPACTO DO CONCÍLIO VATICANO II

Nas relações da Igreja Presbiteriana do Brasil com a Igreja Católica ApostólicaRomana há dois pontos a sublinhar:

1. Nunca houve por parte da Igreja Católica uma resolução oficial que aprovasseuma estratégia de perseguição ao protestantismo. O missionário Kidderchegou a afirmar: “Estamos firmemente convictos de que nenhum outro paíscatólico existe onde seja maior a tolerância ou a liberdade de sentimentospara com os protestantes.”1 

2. Por outro lado, no vasto território brasileiro houve muitos casos deperseguições promovidas ora por padres intolerantes, ora por católicosfanáticos, sem autorização dos sacerdotes. As perseguições iam desde aosapelidos dados aos protestantes como os “bíblias”, “os bodes”, os “nova

seita”, até aos atentados de morte, queima de Bíblias, apedrejamentos,destruição de templos, proibições para casamentos e sepultamentos emcemitérios católicos e a atitude de desprezo aos crentes. Alguns desses fatosaconteceram até depois da convocação do Concílio Vaticano II.

Por parte dos presbiterianos houve quatro atitudes em relação à Igreja Católicaatravés da história:

1. Hostilizar por meio de pregações e de polêmicas.2. Evitar uma atitude áspera para com a Igreja Católica, procurando atrair os

católicos para o protestantismo.

3. Aceitar o catolicismo como se apresentava no Brasil e procurar reforma-lo.4. Aceitar o diálogo com a Igreja Católica e cooperar com grupos católicos naapresentação de Cristo ao povo brasileiro. Isto, depois do Concílio Vaticano II.

O problema da hostilidade da IPB ao catolicismo teve a sua raiz na AssembléiaGeral da Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos que, em 1845, tomou uma posiçãofortemente anti-católica. Paul E. Pierson declara: “Os missionários norte-americanos;eram certamente um fator na formação de tal atitude (anti-católica) já que elestrouxeram a atitude típica do anti-catolicismo das igrejas donde vieram. ... Mas, porrazões inerentes à própria situação brasileira, a atitude de seus colegas brasileirosera quase sempre mais anti-católica do que a dos missionários”.2 Essa atitude dos

pastores brasileiros em parte se deve ao fato de haver no Brasil daquela época umaverdadeira “onda” de anticlericalismo por parte dos intelectuais, dos políticos liberaise dos maçons.

Um dos pontos principais da demonstração do anti-catolicismo foi no problema davalidade do batismo católico. A pergunta era esta: “O convertido, vindo da IgrejaCatólica, deve ser rebatizado?”

1

 Leonard, Émile, O Protestantismo Brasileiro, Revista de História, Ano II, Nº 5, janeiro-março 1951,pg. 126.2 Pierson, op. cit., pg. 60.

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A Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos tinha votado, quase por unanimidade,contra a posição dos Reformadores, e rejeitaram a validade do batismo católico, em1845. O grande teólogo Charles Hodge era da minoria que foi vencida naassembléia.3 O teólogo de Princeton argumentava: “A doutrina protestante ensinaque o batismo não inicia o recipiente em qualquer Igreja particular, mas na Igreja

Universal. ... Ninguém, portanto, se tornou ‘papista’ pelo fato de haver sido batizadopor um ‘papista’. Segue-se daí que a validade do batismo não depende do caráterparticular da denominação a que pertence o ministrante, porque ele não age emnome dessa denominação, mas com um membro da Igreja Universal. Nósmantemos, portanto, que o batismo romano é válido; válido para tornar o recipiente,membro da Igreja Universal, por um lavar com água em nome da Trindade, com ofim de significar, selar e aplicar os benefícios do pacto de graça.”4 

O pioneiro presbiteriano, Ashbel Green Simonton, que era discípulo de CharlesHodge, em Princeton, e que ouviu um sermão decisivo do grande teólogo, quandochegou ao Brasil não rebatizava a todos os convertidos provenientes do catolicismo

e explica que “no caso de eles não desejarem ser rebatizados, para evitar distúrbioem suas consciências”, eram aceitos para profissão de fé sem novo batismo.5 

Mas o fato era que a maioria dos pastores brasileiros e missionários das primeirasdécadas era a favor do rebatismo. O assunto foi debatido no Sínodo de 1891 eaprovado. Houve, porém, um significativo protesto assinado por John M. Kyle eEmanuel Vanorden:

“Nós abaixo assinados protestamos contra a decisão do Sínodo, declarando inválidoo batismo romano, visto o acharmos inconveniente:1. Porque grande parte dos teólogos da Igreja Protestante, incluindo Lutero,

Calvino, os Hodges, pai e filho, Patton, Schaff, Briggs e outros homensilustres o tem por válido.

2. Porque é fato histórico que só um ramo da Igreja Presbiteriana do Sul dosEstados Unidos da América se declara contra a validade desse batismo e oSínodo por este ato se opõe à posição histórica das Igrejas chamadasreformadas.

3. Porque as Igrejas Metodista e Episcopal reconhecem ambas esse batismo, edeve haver toda harmonia possível em questão dessa ordem.

4. Porque nesta questão deve haver a maior caridade possível.”6 

Apesar do Sínodo aprovar essa matéria sobre o rebatismo, encontramos emConceição, o primeiro pastor presbiteriano brasileiro, uma atitude diferente. Se a IPBtivesse seguido seu exemplo, não teria chegado a uma posição tão negativistadiante do Catolicismo:

“Conceição foi capaz de evitar uma atitude áspera para com a Igreja Católica dondeele saiu e onde, como padre, já lutava para retirar do catolicismo aquilo que ele

3 Ibidem, pg. 64.4

 Leonard, Revista de História, Ano II, Nº 5, pg. 363.5 Pierson, op. cit., pg. 65.6 Digesto Presbiteriano, pg. 157.

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achava ser anti-bíblico. Sua piedade Cristocêntrica era parecida com a de algunsmísticos do século XV.”7 

Erasmo Braga reconheceu mais tarde que: “a controvérsia com o romanismo tempreocupado o protestantismo, mais do que seria desejável.”8 

Eurípides Cardoso de Menezes, que deixou a IPB, escreveu: “Todavia, com ainstrução religiosa (na Escola Dominical) também se transmite uma profundaprevenção, às vezes ódio mesmo, a Igreja Católica, tida por todo protestantedaquele tempo e ainda hoje, pelos mais iconoclastas, como uma Igreja desviada dapureza primitiva, cheia de inovações doutrinárias, idólatra e paganizada.”9 

Sobre esse aspecto Paul E. Pierson afirma: “Ninguém pode escapar da impressãode que para muitos protestantes havia duas básicas diferenças entre sua religião e ocatolicismo: uma moral e outra doutrinária. O protestantismo tinha um elevadocódigo moral, o outro não tinha; eles criam que um proclamava as doutrinas bíblicas,

enquanto as doutrinas do outro eram falsas.”10 

Temos que admitir que, apesar de a Igreja Católica no Brasil não ter oficialmenteaprovado a perseguição aos protestantes, o clima era ainda o da “Contra Reforma” ehavia, por parte de alguns membros, posição marcadamente tridentina. A era da“Contra Reforma” só veio teoricamente terminar no Concílio Vaticano II.

Por outro lado, o protestantismo aqui implantado não era o protestantismo do séculoXVI, mas o do século XVII, na fase defensiva do Escolatismo Protestante, opondo-seàs investidas da Contra Reforma. Por isso não concordamos totalmente com a tesede Émile Leonard quando afirma: “Nesse sentido o protestantismo brasileiro, emseus campos missionários mais recentes, está na Idade da Reforma, em outroscampos ele se encontra nos primeiros tempos após a Reforma, e em alguns outrospontos em que já envelhecem, ele se aproxima ao estado atual das Igrejaseuropéias.”11 

É certo que Leonard mostra, no seu magistral livro sobre o ProtestantismoBrasileiro, que, no caso da IPB, dominou o século XVII e não o século XVI.“Ademais, tem-se a impressão de que, após os primeiros grandes missionáriosamericanos, houve uma certa queda em valor, não religioso é certo, mas intelectuale teológico. Do ponto de vista doutrinal, o calvinismo que acreditavam difundir já era

uma diluição de diluições anteriores; o presbiterianismo americano já era, elemesmo, uma adaptação do presbiterianismo britânico que, por sua vez, através deum século de lutas contra o catolicismo e o anglicanismo, se havia distanciadolongamente do pensamento de Calvino. E como quase sempre acontece com asIgrejas distantes de sua fonte de inspiração -- e, por isso mesmo, mais ortodoxas emvontade que em espírito -- o que era importante para estes missionários era aadesão aos textos denominacionais sob a forma da tardia e duvidosa Confissão de

7 Pierson, op. cit., pg. 22.8 Maciel, op. cit., pg. 65.9

 Menezes, Eurípedes Cardoso de, De Claridade em Claridade, pg. 47.10 Pierson, op. cit., pg. 97.11 Leonard, Revista de História, Ano II, Nº 5, janeiro-março 1951, pg. 106.

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Fé de Westminster   (1647), profundamente marcada pelas lutas às quais nosreferimos acima, em seus catecismos Maior e Breve.”12 

Dois acontecimentos prejudicaram a notícia da realização do Concílio Vaticano II. Asérie de violentas perseguições na Colômbia, movidas por católicos contra

protestantes. Essas perseguições trouxeram um impacto negativo em todas asigrejas protestantes da América Latina. Outro foi a perseguição no Nordeste. ODeputado Federal (presbiteriano) Paulo Freire de Araújo protestou, em novembro de1960, contra essas perseguições, da tribuna da Câmara dos Deputados, e terminaseu discurso afirmando: “As autoridades eclesiásticas da Igreja Católica Romanacondenam atos de selvageria quando os agentes são comunistas e as vítimas sãocatólicos romanas; omitem-se, silenciam quando o agente é um padre e a vítima umprotestante. E ainda se fala em união de igrejas cristãs!”13 

O que podemos perceber, pelas reações que houve no Brasil, é que nem a maioriado clero católico e do povo, nem a maioria dos protestantes estavam preparados

para enfrentar a nova realidade implantada pelo papa João XXIII, isto é, o fim daContra Reforma.

A IPB, como as demais igrejas protestantes históricas, procurava se distanciar daIgreja Católica. Havia reações contra o uso da cruz, uso de velas e tudo quelembrasse qualquer semelhança com o catolicismo. No ano de 1942 o SupremoConcílio declarou “não ser aconselhável que se inclua na liturgia um rito de cultos ‘inmemoriam’ por se aproximar de algum modo da doutrina romanista da missa.”14 Umpastor foi criticado porque escreveu um artigo estimulando crentes a oração erecomendou a “hora da prece”, tomando como exemplo o hábito católico do“angelus”.15 Houve campanha dos políticos presbiterianos contra a introdução doscrucifixos assembléias legislativas, contra verbas do governo para construção dacatedral católica de São Paulo, e contra a construção da estátua do Cristo doCorcovado.16 

Diante da notícia da convocação do Concílio Ecumênico Vaticano II, um pastor doNordeste escreveu um artigo dizendo que isso não passava da “velha tática docamaleão”.17 O que dentro da IPB era expresso nas seguintes frases: “No Brasilevangelizar ainda é desromanizar ”.18  “Como é possível ser cristão evangélico enão ser ao mesmo tempo anti-católico?”.19 

Em 1958, o seminarista Jovelino Ramos foi muito criticado porque, num artigo,chamou a Igreja Católica de “igreja irmã” e falou sobre “nossos irmãos católicos”. Oeditorial do Brasil Presbiteriano dizia que esse seminarista deveria usar batina.20 

12 Leonard, Revista de História, Ano II, Nº 7, julho-setembro 1951, pg. 180.13 Brasil Presbiteriano (BP), fevereiro de 1961, pg. 12.14 Digesto Presbiteriano, pg. 170.15 BP, maio de 1961, pg. 11.16 Digesto Presbiteriano, pg. 170.17 BP, março de 1959, pg. 9.18

 BP, fevereiro de 1968, pg. 5.19 BP, julho de 1960, pg. 5.20 BP, outubro de 1958, pg. 5; e janeiro de 1959, pg. 8.

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O ponto máximo da atitude anti-católica talvez seja a resolução do Supremo Concílioem 1947: “Respondendo à Consulta do Presbitério de Campinas sobre aparticipação de crentes em casamentos realizados pela Igreja Católica ApostólicaRomana, o Supremo, Concílio resolve: Considerar passíveis de disciplina osmembros da Igreja Presbiteriana do Brasil que participarem como testemunhas em

casamentos realizados pela Igreja Católica Apostólica Romana e de confissões nãoevangélicas.”21 Esses casamentos são aceitos pela lei brasileira, no entanto, quandosão “casamentos com efeito civil” em que o padre ou o pastor substitui o juiz.

Apesar da grande reação anti-católica, nesses últimos anos dezenas de pastores eleigos tem participado de encontros, cerimônias litúrgicas, ações comunitárias,debates e estudos, e outras formas de diálogo e de confraternização com padres,instituições e movimentos da Igreja Católica.

É verdade que esses pastores e leigos estão sendo perseguidos e alguns já foramdisciplinados. Trataremos desse aspecto no capítulo: “Ecumenismo”.

Mas a realização do Concílio Vaticano II foi considerado pela maioria presbiterianacomo “um laço de Satanás” para desviar a igreja evangélica do seu objetivo. Aatitude do papa foi interpretada de várias maneiras: (a) era uma hipocrisia; (b) era“uma tática da velha raposa”; (c) “Roma é sempre a mesma, portanto não hámudanças na Igreja Católica”, (d) “o Concílio Vaticano II teve uma atitude de medodiante das ameaças do materialismo”; (e) “o ecumenismo Católico é uma arma paraneutralizar o avanço do protestantismo”; (f) “eles querem mostrar que são nossosirmãos para provar que não precisamos mais evangelizar”; (g) “os padresecumênicos são falsos”.

Por trás de todas essas reações estão um ponto básico. É que para a maioriapresbiteriana, “evangelizar é desromanizar”, portanto o ecumenismo tiraria amotivação principal da evangelização. Se ser protestante é ser anti-católico, comoaceitar o ecumenismo? Se o objetivo principal da igreja protestante é tirar oscatólicos do catolicismo, como ter diálogo com a Igreja Católica?

Os pastores e leigos que aceitam diálogo ecumênico com a Igreja Católica sãoconsiderados, como traidores, com os “Judas” do protestantismo.

21 BP, outubro de 1974, pg. 7.

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ECUMENISMO 

“O Supremo Concílio é solidáriocom o movimento decooperação e mesmo de uniãodas igrejas evangélicas e sempreorará pela conversão doscatólicos romanos, gregos epagãos.”1 

Houve sempre, na Igreja Presbiteriana do Brasil, duas tendências: umadenominacionalista-sectária e outra ecumênica. Através de sua história essa Igrejatem afirmado essas duas tendências de modo claro. De um lado podemos dizer que

a tendência denominacionalista-sectária foi a mais forte e a que tem triunfado namaioria das decisões, determinando uma atitude vez mais isolacionista da IPB. Poroutro lado, a tendência ecumênica tem tido suas pequenas mas significativasvitórias. Podemos mesmo afirmar que todos os movimentos de cooperação entre asigrejas evangélicas do Brasil e mesmo os diálogos com a Igreja Católica contaramcom o pioneirismo e o trabalho decidido de pastores e leigos presbiterianos. A 1ªtendência denominacionalista-sectária-fundamentalista tem hoje um nome simbólico:Boanerges Ribeiro. A 2ª tendência teve o seu auge na atuação de outropresbiteriano de espírito fortemente ecumênico: Erasmo Braga. Aliás esses doisnomes representam o clímax de cada uma tendências. Infelizmente, nesta fase queestamos estudando, a IPB se fortaleceu como seita - tendo à frente Boanerges

Ribeiro.

O anti-ecumenismo hoje triunfante nos arraiais presbiterianos se deve aos seguintesfatores:

1. Medo de inovação  - Sendo a IPB uma Igreja conservadora, reage contratudo que seja novo qualquer mudança e inovação.

2.  Anti -catol icismo  - Visto que o CMI tem contactos com a Igreja Católica, aIPB rejeita o movimento ecumênico liderado pelo CMI como demonstração desua antipatia para com o catolicismo.

3. Medo de “modernismo”   - Visto que, no movimento ecumênico mundial acooperação entre as Igrejas não é considerada em termos de diferençasdoutrinárias, porque nesse movimento há igrejas ultra-conservadoras ao ladode Igrejas mais liberais, a IPB tem medo do contacto com essas igrejasliberais por causa da influência que elas poderiam trazer para o Brasil.

4. Denominacionalismo  - Todas as vezes que a IPB se mostrou favorável aoecumenismo ao mesmo tempo reafirmou o seu denominacionalismo. Citamosdois exemplos significativos: (a) Em 1932 houve a seguinte decisão: “OSupremo Concílio aplaude todo o trabalho de cooperação com as Igrejasirmãs, uma vez que sejam ressalvados os princípios presbiterianos ”.2 (b)Em 1936 o Supremo Concílio “Registra em ata haver o Presbitério de Minas

1 Digesto Presbiteriano, pg. 139.

2 Ibidem, pg. 139.

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ECUMENISMO 

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 julgado inoportuna a união orgânica da Igreja Presbiteriana com qualqueroutra denominação não sendo ele contrário, entretanto, à obra dacooperação, quando feita nos termos convenientes .”3 

5. Medo de divisão interna  - Muitas das decisões tomadas para impedir aparticipação oficial da IPB no movimento ecumênico mundial foi motivado pelo

medo de a IPB se dividir. De fato isso aconteceria porque tanto Erasmo Bragacomo José Borges dos Santos, Jr. sentiram esse perigo várias vezes, quandoestavam na liderança da Igreja.

6. Medo do comunismo  - Diante da mentirosa propaganda do“fundamentalismo”, de que o CMI estaria comprometido com o comunismointernacional, a IPB preferiu ser anti-ecumenista, porque assim seriaconsiderada também como anti-comunista e não teria problemas com osserviços de segurança tanto interno como externo.

 Além de todos esses fatores podemos notar que o povo presbiteriano, no nível damaioria do clero e das igrejas locais, é um povo mal doutrinado e mal informado. O

provincialismo, a estreiteza de visão e o farisaismo estão crescendo na IPB.

Podemos dividir as atitudes presbiterianas face ao ecumenismo em duas épocas. A1ª vai desde o início da IPB até o fim da 2ª Guerra Mundial. A 2ª, dos preparativospara a organização do CMI até 1974.

Na primeira época, o ano de 1884 é importante porque nesse ano Eduardo CarlosPereira organizou a “Sociedade Brasileira de Tratados Evangélicos”. Um dosobjetivos, segundo o próprio fundador, era: “Auxiliar os nobres esforços dosmetodistas, dos batistas, dos luteranos, dos episcopais, dos congregacionalistas edos presbiterianos, a todos dando a sua bênção fraternal, na sublime liberdade doEvangelho.”4 

Em 1888 o Sínodo Presbiteriano era favorável à “realização de um congresso deoficiais de todas as denominações evangélicas existentes no Brasil, e sugerir aomesmo tempo as bases de uma Aliança Evangélica”.5 

Em 1900 a IPB estabeleceu um “modus vivendi” com a Igreja Metodista em que:“Nenhuma cidade com menos de 25.000 habitantes será ocupada por mais de umadenominação.”6  Poucos anos mais tarde (1906) foi nomeada uma comissão paraestudar a união da IPB com a Igreja Metodista.7 

Em 1912 o Presbitério de Pernambuco foi solidário com o movimento deconfraternização das duas alas presbiterianas (IPB e IPI).

Já nos referimos à participação de Erasmo Braga no Congresso do Panamá em1916 e dos esforços feitos no Brasil, para a mais efetiva cooperação entre asIgrejas, que culminou com a formação da Confederação Evangélica do Brasil (CEB).

3 Ibidem, pg. 147.

4 Leonard, Revista de Histór ia, Ano II, Nº 7, julho-setembro 1951, pg. 185.

5

 Digesto Presbiteriano, pg. 135.6 Ibidem, pgs. 141, 142.

7 Ibidem, pg. 148.

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Leonard escreve: “Pequeno detalhe, porém muito significativo. A Igreja Presbiterianahavia tomado, em 1937, a designação de ‘Cristã’, para afirmar sua fraternidade comoutras denominações cristãs”.8 

Podemos afirmar que nessa primeira época houve altos e baixos em relação ao

espírito ecumênico.

Na 2ª época as posições se radicalizaram, como já descrevemos em outro capítulo.Com a presença atuante do CMI e do CIIC, a IPB afirmou, em 1950, sua teseisolacionista de “eqüidistância” que foi muito debatida pelos presbiterianos. Nessamesma reunião o Supremo Concílio resolveu retirar a palavra “Cristã” do nomeoficial da Igreja e firmou a sua eqüidistância: “Resolve: (1) Não ratificar a filiação daIgreja Presbiteriana do Brasil ao Conselho Mundial de Igrejas. (2) Não se filiar aoConselho Internacional de Igrejas Cristãs. (3) Declarar que não convém à IgrejaPresbiteriana do Brasil comprometer-se com polêmicas porventura em curso dentrode outras entidades eclesiásticas no Brasil e no exterior, porque está empenhada

numa obra da qual não pode desviar sua atenção, e porque a introduçãoextemporânea dessas, na Igreja, perturbaria desnecessariamente a paz de nossascomunidades. (4) Que sejam responsabilizados perante os respectivos presbitériosos ministros que se refiram de maneira imprópria à Igreja e a seus colegas, a fim deque sejam aplicadas as sanções que o caso comporte. Outrossim, devem seradvertidos os ministros que procuraram se afastar das doutrinas professadas pelaIgreja Presbiteriana do Brasil. (5) Declarar que a verdadeira unidade da IPB consistena submissão de seus membros e ministros a Cristo, na aceitação das EscriturasSagradas como a palavra de Deus, única regra de Fé e Prática, por seus membros,e dos símbolos de Fé, por parte de seus ministros e oficiais. (6) Exortar ospresbitérios a que velem para que seus ministros coloquem a unidade, a integridade,a doutrinária e a santificação da Igreja acima de todas as questões que, emboraimportantes são de plano secundário. Quanto ao documento 113, do ConselhoInternacional de Igrejas para que a Igreja Presbiteriana do Brasil se faça representarno II Congresso do Internacional de Igrejas Cristãs que se vai reunir em Genebra,em agosto deste ano, apresenta o seguinte parecer: (1) Que se respondaagradecendo e informando que a Igreja Presbiteriana do Brasil, em virtude daresolução que acaba de tomar, a saber, de se manter eqüidistante tanto doConselho Mundial de Igrejas com do Conselho Internacional de Cristãs, não se farárepresentar.9 

 Após a reunião de 1954, quando o SC, reunido no Recife, reafirmou sua posição deeqüidistante surgiu uma crise no Nordeste porque Israel Gueiros não conseguia seuobjetivo. Ele queria que o SC se pronunciasse a favor da filiação da IPB no CIICmas, como isso não aconteceu, passou a liderar uma campanha para dividir a Igreja,insistindo que a Igreja do Norte e Nordeste se separasse da IPB e se filiasse aomovimento de Carl McIntire, fundador e presidente do CIIC.

Nessa campanha inglória, Israel Gueiros, do púlpito da histórica Igreja Presbiterianado Recife da qual era pastor, começou a acusar a IPB de “adúltera” e “modernista”. Acusou todos os colegas que não concordavam com o movimento fundamentalista.Seu alvo principal era o corpo docente do SPN, aonde ele tinha sido professor e de

8 Leonard, op. cit., pg. 186.

9 Resumo de Atas do SC, de 1950, pg. 32.

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onde tinha saído por causa de atritos com professores e com a administração. Apoiado pelo jornal fundamentalista norte-americano “Christian Beacon”, e peloslíderes do movimento nos Estados Unidos, sua campanha se dirigiu para o alvo deconseguir verbas com o objetivo de organizar um seminário no Recife a fim de evitarque os futuros pastores fossem preparados no seminário “modernista” da IPB.

Em 1956 essa campanha de difamação e de divisionismo não podia mais sertolerada pelo Presbitério de Pernambuco. Onze pastores e cinco presbíterospediram uma reunião especial do qual Gueiros era presidente, na qual foi pedidomoderação. Tudo foi em vão. Ele não queria parar sua tentativa de dividir a IPB, jáque tinha apoio no exterior. O presbitério, então, reunido em tribunal sob apresidência de Victor Pester e, depois, de Abelardo Reinaux Paes Barreto, resolveususpender Israel Gueiros de suas funções de pastor e, duas semanas depois,decidiu despoja-lo.

Ele conseguiu levar metade dos membros da sua igreja com ele e as propriedades.

Fundou a Igreja Presbiteriana Fundamentalista (IPF) e, depois, o seminário. Omovimento que ele pretendeu fazer falhou por causa de sua falta de liderança einabilidade política.

Em 1958 a reunião do Supremo Concílio, em Lavras, contou com a presença deJohn A. Mackay que foi o preletor oficial contribuindo para melhor esclarecimentodas posições ecumênicas.

O problema do ecumenismo continua sendo polarizado pela discussão a respeitodos contacto com a Igreja Católica. O SC de 1958 deu a seguinte orientação: “Sobrea aproximação com a Igreja Romana através de consultas pessoais, a convite declérigos romanos, o SC resolve:1. Nada há na constituição da Igreja que impeça um ministro presbiteriano de

comparecer a uma reunião cordial entre pastores e padres romanos, sendo,pois, matéria de foro íntimo o decidir sobre tal comparecimento.

2. Entretanto impõe-se algumas considerações a título de orientação para ocaso da consulta e qualquer outras semelhantes, relativamente àaproximação com a Igreja Romana:a. A filosofia da Igreja Romana é de índole totalitária, crendo-se

depositária da verdade, estando todas as demais igrejas e religiões emerro.

b. Outro ponto fundamental da filosofia católica-romana é que só devehaver liberdade para a verdade, para o erro só deve haver tolerância, eisto mesmo enquanto não houver possibilidade de sua extinção total.

c. Nessas condições não há possibilidade de qualquer esperança deajuste ou compreensão entre pastores e clérigos romanos em assuntosdivergentes.

d. Por outro lado, a negativa de comparecimento deve ser clara e emtermos precisos para não dar a impressão de que haja fraqueza de nossaparte, ou medo de tais encontros.

e. Atendendo a este fato, revela que a Igreja Romana mudou claramentesua política, passando à ofensiva, é de bom aviso que os pastores

estudem a possibilidade de responder aos convites recebidos, fazendo

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No SC de 1966, em Fortaleza, são tomadas várias resoluções sobre o ecumenismoem relação ao com a Igreja Católica:

1. “Deixar a cargo dos concílios regionais e locais os casos de contactos eencontros com a Igreja Católica.

2. Declarar ser benéfico, salutar e cristão todo e qualquer contacto, estudo ouaproximação da Igreja com quaisquer grupos ou entidades, desde que seprocessem de acordo com a resolução SC-62-152 e sem a quebra dosprincípios estabelecidos em nossos símbolos de fé e governo e no espíritomissionário que define toda a dinâmica da Igreja Presbiteriana, fiel à suavocação.

3. Declarar que a IPB é pela unidade do Cristianismo. A aproximação com aIgreja Católica Apostólica Romana para fins de estudos das SagradasEscrituras e de prestar serviço que amor ao próximo, parece-nos benéfica.Entretanto, a união com a Igreja Católica com a conhecemos, não somenteestá fora de cogitação, como é impossível.

4. Sobre casamento misto, conjuntamente por pastores e sacerdotes romanos, oSC resolve recomendar que tal prática seja evitada por ser de todoinconveniente.

5. Determina pois que os púlpitos presbiterianos não sejam cedidos asacerdotes católico-romanos.”16 

Essas resoluções de 1966 não foram observadas totalmente no quadriênio 1966-1970 por causa do clima de entendimentos e aproximações entre presbiterianos ecatólicos. Assim, houve cerimônias ecumênicas de formatura, casamento, cultos, eoutras celebrações. Por causa desses fatos o Supremo Concílio, reunido emGaranhuns, PE, em 1970, tomou decisões drásticas. Entre elas as seguintes:

1. “Proibir a celebração de casamentos em cerimônias conjuntas de pastores esacerdotes católico-romanos, ou a participação destes nos púlpitos da IPB.

2. Proibir pastores e oficiais das igrejas jurisdicionadas à Igreja Presbiteriana doBrasil de participarem da direção de cerimônias do culto na companhia desacerdotes católico-romanos.

3. Caberá aos Conselhos, no caso de presbíteros; e diáconos, aos presbitérios,no caso de pastores (ou, no caso de pastores cujo presbitério haja sidodissolvida, à respectiva Comissão Executiva Sinodal) instaurar o processoeclesiástico, afastando preventivamente do exercício ministerial quem

desacate a resolução supra.4. Na ausência de providências disciplinares pelo órgão competente (CI, art. 70)deverá o Concílio imediatamente superior tomar as medidas necessárias,inclusive à dissolução do Concílio inoperante (ou demissão da ComissãoExecutiva, nos casos do Art. 11 do Código de Disciplina da IgrejaPresbiteriana do Brasil).

5. Na eventualidade de se encontrar um sínodo inoperante no cumprimento dapresente resolução, deverá a CE/SC declará-lo dissolvido e colocar ospresbitérios que o integram na jurisdição de outros sínodos, comrecomendação que dêem cumprimento, no caso do presbitério (ou

16 BP, 15 de julho, 1º de agosto e 15 de agosto de 1966, pg. 15.

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ECUMENISMO 

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presbitérios) inoperantes, à presente resolução, relatando à CE/SC, em prazofixado pela CE/SC, a execução da presente resolução.

6. Ao dissolver um concílio, deve o Concílio Superior tomar as providênciasnecessárias para que, quando for o caso, a dissolução produza efeitos junto àautoridade civil competente.”17 

Com essas resoluções, em 1970, a IPB armou o esquema inquisitorial que atingiupastores, oficiais, presbitérios e sínodos; nos anos subseqüentes.

Não contente em as medidas tomadas contra pastores, presbíteros, diáconos econcílios, o SC de 1974 se volta também contra os membros das igrejas locais:“Considerar passíveis de disciplina os membros da Igreja Presbiteriana do Brasil queparticiparem como testemunhas em casamentos realizados pela Igreja Católica Apostólica Romana.”18 

Por causa do seu preconceito contra a Igreja Católica, houve, na IPB, um

arrefecimento rio espírito ecumênico que já existia em pequena proporção entre ospresbiterianos, refletindo sobre os contatos fraternais com outras IgrejasEvangélicas. Identificando o movimento ecumênico unilateralmente como umatentativa de união orgânica com a Igreja Católica, os presbiterianos, que lideraram acooperação entre as Igrejas Evangélicas, tornaram-se pouco operantes. AConfederação Evangélica do Brasil se enfraqueceu muito. Os movimentos deaproximação entre as igrejas protestantes diminuíram sensivelmente. Muitospastores e igrejas foram constrangidos a deixar a IPB, formando novasdenominações presbiterianas, com aconteceu com o Presbitério de São Paulo(PSP), com a Aliança de Igrejas Reformadas do Brasil (AIRB) e com a presbiterianaRenovada (IPR). Tudo isso por causa do clima inquisitorial e ditatorial e a perda doamor e da compreensão por parte da direção da IPB.

Quando a primeira edição deste livro foi publicada, em 1976, havia oitodenominações presbiterianas no Brasil. Em meados de 1982 duas haviamdesaparecido (PSP e AIRB), se reestruturando em dois novos grupos: a FederaçãoNacional de Igrejas Presbiterianas (FENIP), criada em 1978, e a Igreja Cristã deConfissão Reformada (ICCR), criada em 1980. Uma nova denominaçãopresbiteriana (IPRJ) surgiu em junho de 1982, quando um dos presbitérios do Rio deJaneiro, retirou-se daquela denominação, tomando-se independente. Além da IPB(1859), IPI (1903), IPF (1956), IPR (1975), FENIP (1978), ICCR (1980), e IPRJ

(1982), existem mais igrejas Reformadas no Brasil: a Igreja PresbiterianaConservadora (IPC), criada em 1940 numa controvérsia com a IPI; e a Igreja CristãReformada do Brasil (ICR), criada em 1932 por imigrantes húngaros. Os reformadosholandeses mantêm tanto uma denominação quanto uma missão no Brasil,existindo, ademais, pequenos grupos reformados originários de outros países, taiscomo a Igreja Reformada Suíça, em São Paulo.

17 BP, Setembro de 1970, pgs. 3 e 5.

18 BP, Outubro de 1974, pg. 8.

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A R EVOLUÇÃO DE 1964

“Os crentes de fato acreditamque o problema fundamental doBrasil é o de ordem moral. Esta éa opinião geral defendida tantopelos incultos como por pessoasde educação média euniversitária. E esta generalizaçãofundamenta as opções políticasda maioria dos líderesprotestantes. Uma pregaçãodireitista de combate aoscorruptos e subversivos tem quedespertar admiração e apoiosubstancial desse tipo dementalidade.”1 

O período que estamos estudando na história da Igreja Presbiteriana do Brasil foidesenrolado dentro da mais profunda crise política, econômica e social.

A crise política teve um desfecho trágico em agosto de 1954 com o suicídio dopresidente Getúlio Vargas. Passou então a governar, o vice-presidente João Café

Filho.

A situação política não melhorou e, a 11 de novembro de 19S5, o Ministro daGuerra, general Teixeira Lott, com o apoio de outros oficiais superiores, depôsCarlos Luz, presidente da Câmara dos Deputados que ocupava interinamente apresidência da República, por achar-se, enfermo Café Filho. Foi então chamado aopoder o senador Nereu Ramos que, em janeiro de 1956, deu posse ao presidenteeleito Juscelino Kubitshek.

Apesar da má situação financeira, empenhou-se o governo do presidente JuscelinoKubitshek em atrair capitais estrangeiros e em desenvolver as indústrias,

particularmente a automobilística. De suas obras mais importantes, assinala-se aconstrução de Brasília, capital do Brasil a partir de 21 de abril de 1960.

Em janeiro de 1961, Jânio Quadros assumiu o governo, eleito no ano anterior. Onovo presidente traçou um programa de rigorosa economia, ordenou numerososinquéritos para apurar irregularidades em vários ministérios. Achou necessáriosnovos mercados para a compra da produção, agrícola e industrial do país e, porisso, iniciou negociações com os estados socialistas e com as novas nações docontinente africano. Nessa guinada para o socialismo, o líder revolucionário cubanoChe Guevara foi condecorado pelo presidente. Seu governo, porém, durou apenas

1 Ramos, Jovelino, Protestantismo Brasileiro, Visão Panorâmica, Revista Paz e Terra, Ano II, Nº 6,abril de 1968, pg. 77.

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A REVOLUÇÃO DE 1964

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sete meses, pois a 25 de agosto de 1961, sem que ninguém esperasse, elecomunicou ao Congresso que renunciava ao cargo de Presidente da República.Nessa ocasião o vice-presidente João Goulart, que o deveria substituir, viajava pelospaíses da Ásia, e o poder foi exercido pelo presidente da Câmara dos Deputados,Ranieri Mazzilli, durante uma semana de grave crise nacional quando foi

estabelecido o parlamentarismo no Brasil. O problema surgiu porque os ministrosmilitares declaram-se contrários à posse de João Goulart. Contra essa declaraçãohouve protesto, e Leonel Brizola, governador do Ria Grande do Sul, assumiuposição francamente revolucionária com o apoio das tropas do exército sediadasnesse Estado sob o comando do general Machado Lopes. Entretanto, o Congresso,afirmando haver perigo de guerra civil, resolveu adotar posição conciliadora,promulgando o Ato Adicional que estabeleceu o parlamentarismo.

Com o regime parlamentarista, cujo primeiro ministro foi Tancredo Neves, foramconcluídas as negociações e estabelecidas as relações diplomatas e comerciaiscom a União Soviética.

Para substituir Tancredo Neves, que deixara o cargo em junho de 1962, o presidenteJoão Goulart indicou o professor Santiago Dantas. A Câmara dos Deputados,porém, não aprovou seu nome. O presidente, então, de acordo com a lei, levou àconsideração da Câmara o nome do senador Auro de Moura Andrade. Poucodepois, contudo, irrompia violenta crise política, pois o presidente recusouenergicamente nomear novos ministros indicados por esse senador. Alegava nãoserem homens capazes de realizar um programa para salvar o país da criseeconômica, financeira e social. Esse programa consistia na realização daschamadas “reformas de base”, como a reforma agrária, e a manutenção da políticaexterna inaugurada pelo presidente Jânio Quadros (comércio e relações políticascom os países socialistas).

O último primeiro ministro, Hermes Lima, ainda ocupava o poder quando o plebiscitode 6 de janeiro de 1963 restabeleceu o presidencialismo.

Mas a inflação, com suas conseqüências; imediatas - desvalorização da moeda eaumento do custo de vida - foi uma das causas importantes das crises que agitaramo país durante todo de 1963 e princípio de 1964. Sucederam-se as greves, comfreqüência cada vez maior, principalmente nos Estados de São Paulo, Guanabara[atual cidade do Rio de Janeiro] e Pernambuco; muitas delas tiveram caráter político

e eram sempre promovidas pelo CGT (Comando Geral dos Trabalhadores),organização que contava, entre seus membros, com líderes extremistas.

Também no interior verificaram-se graves agitações, quando trabalhadores ruraisarregimentados em “ligas camponesas”, lideradas por Francisco Julião, dePernambuco, invadiram propriedades, ocorrendo graves conflitos com fazendeirosde Minas Gerais e Goiás, e com usineiros do Nordeste.

Em março de 1964, a situação política tornou-se mais grave: o governador dePernambuco, Miguel Arrais, de orientação socialista, entrava em choque com aslideranças econômicas; por lado, num comício realizado na Guanabara no dia 13,

com a presença do presidente da República, foram feitas violentas críticas aoCongresso, chegando-se a propor uma Constituinte para a realização imediata das

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A REVOLUÇÃO DE 1964

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reformas de base. Ocorreram, dias depois, atos de insubordinação de elementos daMarinha e do corpo de Fuzileiros Navais, sendo que os marinheiros pertenciam auma associação considerada subversiva pelos oficiais da Armada e pelo próprioMinistro.

Finalmente, a 31 de março, em apoio a um manifesto ao governador de MinasGerais, insurgiram-se tropas do exército sediadas; nesse Estado e resolverammarchar para o Rio de Janeiro. O governo federal que se havia deslocado para essacidade, compreendeu a inutilidade de qualquer resistência quando foi informado deque o 2º Exército, de São Paulo, apoiava o movimento, marchava também para oRio de Janeiro e aproximava-se de Resende onde obtivera a adesão da AcademiaMilitar de Agulhas Negras em 19 de abril. Retirou-se então o presidente daRepública para Brasília, em seguida para Porto Alegre e, antes de buscar refúgio noUruguai, faz uma declaração em que dispensava qualquer ajuda para a sua causa.

Nessa ocasião, na capital do país, já havia assumido o governo o presidente da

Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli. Seguiu-se a publicação do institucional quemodificou a constituição: suprimiram-se as garantias individuais para permitir acassação de mandatos dos eleitos, ou a supressão dos direitos políticos por 10anos, além do confisco de bens daqueles que fossem acusados de atividadessubversivas ou práticas de corrupção. Houve inúmeras prisões em todo o territórionacional. Também o mesmo ato estabeleceu eleição imediata, pelo Congresso, dopresidente, vice-presidente da república, sendo eleitos, respectivamente, o marechalHumberto de Alencar Castelo Branco e o deputado José Maria Alkmin. Para conter ainflação, o Governo tomou severas medidas financeiras; que culminou com a adoçãodo Cruzeiro Novo, em 1967.

Em outubro de 1965, depois da eleição para governador de alguns Estados, foipublicado novo Ato Institucional, que suprimiu os partidos existentes, reduzindo-os adois e estabeleceu a eleição indireta, pelo Congresso, dos governadores e dopresidente da República. Para suceder ao presidente Castelo Branco foi eleito, emoutubro de 1966, o marechal Artur da Costa e Silva e, em janeiro de 1967, foipromulgada a nova constituição.

Em dezembro de 1968 foi promulgado o Ato Institucional nº 5 que determinou ofechamento do Congresso. Sem a colaboração do poder Legislativo, portanto,continuou o governo a tomar severas medidas para resolver a situação financeira do

país.Em 1969 o marechal Costa e silva foi acometido de grave enfermidade. O poderpassou a exercido por uma junta militar que declarou vagos os cargos de presidentee vice-presidente, que era Pedro Aleixo. Foi indicado para a presidência o generalEmílio Garastazu Médici, que determinou nova constituição, em 17 de outubro de1969.2 

Podemos citar as seguintes características do movimento político-militar de01.04.64:

2 Borges Hermida, Antonio José, Compêndio de História do Brasil, Companhia Editora Nacional,São Paulo, 57ª Edição, 1972, pgs. 289-300.

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1. Foi um movimento conservador: achava que as reformas tinham que seguir aslinhas tradicionais.2. Foi um movimento moralizador combate à corrupção.3. Foi um movimento ideológico combate ao comunismo e o fortalecimento dademocracia liberal liderada pelos Estados Unidos.

Entre as igrejas evangélicas do Brasil, a Presbiteriana foi a mais envolvida e a maiscomprometida com a revolução de 1964 por causa das ligações dessa Igreja com aclasse média e por causa do prestígio que ela gozava nos meios políticos emilitares. “Três presbiterianos da ilustre família Gueiros vem tendo participação ativano delineamento dos destinos do país desde a deposição do Presidente Goulart.Eraldo Gueiros Leite, no momento em que escrevemos, é Procurador Geral daJustiça Militar da Presidência da República, Evandro é Procurador da Justiça Cível,e Nehemias Gueiros entrou para a História como redator do Ato Institucional nº 2.Vale mencionar o nome de Jeremias Fontes, outro filho do protestantismo(presbiteriano) designado por Castelo Branco e eleito em pleito indireto para

governador do Estado do Rio.3 

No governo Médici, o ministro Eraldo Gueiros ocupou o cargo de Governador dePernambuco.

Talvez por isso, a revista “Newsweek”, no ano de 1966, comentava que havia noBrasil uma “proliferação de legislação calvinista”.

Um representante do Sínodo Oeste de São Paulo publicou, em maio de 1964:

“Na certeza irrebatível de que a justiça exalta as nações e de que o pecado éo opróbrio dos povos, hipotecam, senhor Presidente, respeitosa epatrioticamente, enorme soma de confiança em seu governo.”4 

Esse é um trecho da representação que o referido sínodo enviou ao presidenteCastelo Branco. Nesse mesmo mês de maio um pastor escreveu: “Todos osverdadeiros cristãos estão se regozijando com os resultados da gloriosa revoluçãode março-abril: o expurgo de comunistas simpatizantes da administração do nossoquerido Brasil. (...) Deus agiu na hora certa, usando a coragem e o patriotismo dasForças Armadas e civis. A raiz da erva daninha, porém, será difícil de serextirpada.”5 No editorial do Brasil Presbiteriano foi escrito: “Merece o seu governo

(Castelo Branco) o apoio dos cristãos que devem constantemente orar a Deus porele, e positivamente participar da vida nacional.”6  Outro pastor também que:“Ninguém que verdadeiramente ame este país e aprecia o regime de liberdade, teráde aplaudir com entusiasmo a reviravolta que, de um momento para outro, nos livroue impediu que o Brasil caísse nas mãos dos comunistas, já eufóricos no antegozo daposse do poder.”7  Esse pastor, todavia, pede moderação aos revolucionários eadvoga as reformas para o povo.

3 Ramos, op. cit., pg. 75.4 Brasil Presbiteriano (BP), maio de 1964, pg. 1.5

 Ibidem, pg. 76 BP, junho de 1964, pg. 3.7 Ibidem, pg. 4.

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Campinas, em março de 1964, aprovado as referidas conclusões.”13 Nessa mesmareunião de abril foi aprovado um vento de agradecimento a um jovem que serviu de“espião” do presidente do SC no VI Congresso da Mocidade, em janeiro de 1964.

2. Outra providência foi a retirada do redator-chefe do Brasil Presbiteriano, Rev.

Domício Pereira de Mattos, alegando, entre outras; coisas, que: “a orientação doRev. Domício, à frente do BP, não representa o pensamento da Igreja.”14 O Rev.Domício, debaixo de pressões, resolveu pedir demissão e em seu lugar foi escolhidoo Rev. Boanerges Ribeiro que está à frente do jornal desde 1964.

3. A terceira providência foi a CE/SC aceitar 2 documentos irregulares porque nãoprocediam de concílios: um era o abaixo-assinado de membros da Igreja de Niterói,e outro era uma carta de um jovem criticando o VI Congresso Nacional da MocidadePresbiteriana. O único assunto de “urgência”, assim considerado, assim consideradopelo presidente e seus companheiros, eram “acusações contra ministrospresbiterianos: um o presidente do Sínodo da Guanabara que cumpria função na

imprensa presbiteriana, acusado de ofender e insultar o presidente do SC; e outrosseis ministros presbiterianos acusados de heterodoxia, de adotarem ideologiacontrária à fé e a ética cristã. A acusação contra os seis ministros presbiterianos(Reverendos: Jovelino Ramos, Nilo Rédua, Cyro Cormack, João Dias de Araújo,Lemuel Nascimento e Rubem Alves), assinada por membros de igrejas locais, foilevada à CE/SC pelo próprio presidente, sem passar pelos respectivos conselhos deigrejas e sem transitar por qualquer concílio presbiteriano. A CE/SC não só recebeua queixa como nomeou comissão para investigar a vida desses ministros, emflagrante desrespeito à Constituição da IPB, e adotando o desumano processo dedelação sem prova e sem oportunidade de defesa aos acusados.15 

Em junho de 1964, o próprio presidente do Supremo Concílio, Amantino AdornoVassão, esteve no Recife e convocou uma reunião extraordinária da diretoria doSPN com o objetivo de afastar do cargo de professor o Rev. João Dias de Araújo. Odocumento que o presidente tinha contra esse professor era uma carta de difamaçãoe de injúria escrita por um jovem inexperiente que esteve no VI Congresso daMocidade Presbiteriana. Essa carta foi distribuída, com a aprovação e incentivo dopresidente, por quase todas as igrejas presbiterianas do Brasil. A diretoria se reuniue examinou o documento e, depois de interrogar o professor durante 3 horas, nãoencontrou nenhum motivo para afastá-lo. O presidente, num verdadeiro acesso decólera, abandonou a reunião.

Foi esse mesmo professor do SPN que quase foi preso porque, no dia 1º de abril de1964, membros da Igreja Presbiteriana Fundamentalista distribuíram, no centro dacidade do Recife, um panfleto de Israel Queiros que acusava o SPN de ser um focosubversivo de alunos e professores esquerdistas e apontava João Dias de Araújocom “professor de teologia marxista”. Foi necessário que a mesa da diretoria doSPN, ajudada por dois presbiterianos de influência na cidade (Dr. Mardônio Coelho eo presbítero Torquato Marques dos Santos), se dirigisse às autoridades civis emilitares desmentindo as acusações.

13

 Ibidem, pg. 26.14 Ibidem, pg. 25.15 BP, abril de 1964, pg. 3.

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O Brasil Presbiteriano, visivelmente satisfeito, publica a notícia da prisão do pastorGerd Jurgen Menzel, acusado de subversão. Mas não publica que ele foi, depois deinterrogado, considerado inocente pelas autoridades militares.16 

Na campanha para eleição de Boanerges Ribeiro como presidente do Supremo

Concílio em Fortaleza (julho de 1966), a propaganda era feita no sentido de salvar aIgreja da infiltração do “evangelho social”. Em outras palavras, adaptar à novasituação implantada pela revolução de 1964. Para ajudar a propaganda eleitoral deBoanerges Ribeiro, o jornal Brasil Presbiteriano publicou, na sua edição de maio,dois meses antes da reunião, uma ficha para dos delegados. Acima da ficha está apropaganda em letras garrafais de um livro de autoria do Rev. Alcides Nogueira, OEvangelho Social e a Igreja de Cristo , com a seguinte nota, “Está em circulação olivro O Evangelho Social e a Igreja de Cristo que o Rev. Alcides acaba de publicare no qual faz uma análise documentada sobre novas tendências ideológicas dentrodo protestantismo brasileiro. Graves e surpreendentes revelações vêm a lumenaquelas páginas, que precisam ser conhecidas e meditadas, a fim de que se tenha

ciência da atuação socialista que consciente ou não da extensão do mal, vemanunciando um ‘evangelho social’, um ‘outro evangelho’ (Gl. 1:6) que abre ala para ainfiltração sócio-comunista nos meios evangélicos do Brasil.”17 O livro nada mais édo que uma série de “acusações” infundada , calúnias, meias-verdades, edistorções de pensamento. Muitos pastores são “acusados”: Richard Shaull, RubemAlves, Jovelino Ramos, Cyro Cormack, João Dias, Nilo Rédua, Domício de Mattos ea própria CE/SC é considerada culpada porque retirou as acusações contra essesministros.

Durante a reunião do Supremo Concílio em Fortaleza (1966), falou-se em “regime deexceção” da Igreja. Um presbítero, general do exército, propôs que nenhum pastorpodia pertencer a um partido político de orientação socialista. Essa proposta não foiaceita. Outro presbítero, também oficial do exército, dizia aos delegados, noscorredores, que “era soldado de Cristo e soldado da pátria e como soldado da pátriatinha o dever de denunciar às autoridades qualquer irmão suspeito de subversão”.

Devido à crise no SPS, foi criada a Comissão Especial dos Seminários (CES), sobrea qual falaremos no próximo capítulo. Essa comissão tem várias características deum tribunal da inquisição medieval.

Iríamos longe relatando as repercussões que a situação político-militar trouxe para

dentro da IPB. Quantas injustiças! Quantas denúncias falsas! Quantas mentiras!Quanto farisaísmo! Foi Jovelino Ramos quem resumiu tudo isso no seguinteparágrafo:

“[A Igreja] identificou-se com o conservantismo político; condenou os renovadorescomo modernistas, mundanos e comunistas, postulou que a Igreja nada tem a vercom a situação social; acabou com a organização dos jovens, participou da marchada família, fechou o Setor de Responsabilidade Social da Igreja; denunciou aoDOPS e ao SNI muitos pastores e leigos com subversivos e corruptos; expulsou dosseminários professores considerados ‘avançados’ e baixou o nível da educação

16 BP, 1 a 15 de maio de 1969, pg. 7.17 BP, maio de 1966.

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A REVOLUÇÃO DE 1964

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teológica; e, através de um astuta manobra política, tirou os elementos ‘suspeitos’dos postos importantes da hierarquia eclesiástica.”18 

18 Ramos, op. cit., pg. 93.

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EXPURGOS NOS SEMINÁRIOS 

“A diversidade de idéias naspresentes conjunturas do séculoe da Pátria, só podem serenfrentadas por idéias e não porações inquisitórias.”1 

Nesta fase da história da Igreja Presbiteriana do Brasil constatamos a existência detrês seminários: o Seminário Teológico Presbiteriano de Campinas (SPS), oSeminário Presbiteriano do Norte (SPN), no Recife, e o Seminário Presbiteriano doCentenário (SPC), em Vitória.

Estes seminários, considerados como ‘meninas dos olhos’ da Igreja, lacrimejaramcom as fumaças da inquisição. Sempre houve crises nos seminários, mas nesteperíodo a crise destruiu praticamente a educação teológica da Igreja.

Seminário de Campinas

Começaremos considerando a crise no Seminário de Campinas que chegou a ser omelhor e mais afamado seminário da América Latina, reputado em todo ocontinente. Foi justamente na de 50, quando o seminário tinha mais de 100estudantes, que a crise se aprofundou. Destacaremos os pontos mais salientes:

1. Crise teológica  – Com a presença de Richard Shaull, os estudantes eprofessores tiveram contato mais direto com a renovação teológica na Europa e nosEstados Unidos. As teologias de Karl Barth, Emil Brunner, Reinhold Niebuhr, RichardNiebuhr, Otto Piper, Paul Tillich e outras foram amplamente apresentadas ediscutidas. Além do professor Shaull, outros professores contribuíram. Júlio AndradeFerreira, depois de um ano em Strasburgo, trouxe novas contribuições às suasaulas. Outros professores missionários também, como: Floyd Sovereign, EarleRoberts, Robert Evans. Novos professores brasileiros: Osmundo Miranda, Franciscoda Penha Alves, Adauto Araújo Dourado, Samuel Martins Barbosa, Américo Ribeiroderam contribuições preciosas para o seminário. A crise teológica se instalou porcausa do conflito entre conservantismo da Igreja e do seminário e a discussão dosnovos teólogos, especialmente da teologia “neo-ortodoxa”. A. A. Strong, velhoteólogo calvinista cujo compêndio tinha sido por várias décadas no Seminário, agoraera alvo de criticas e de reservas. Por desses fatos o SPS foi acusado de ter entreseus alunos e professores alguns “modernistas”. A pessoa mais criticada foi a doprofessor Shaull cuja influência sobre os estudantes foi enorme.

2. Conflito administrativo - Houve conflitos e desentendimentos entre dois órgãosda administração do seminário: a Diretoria e a Congregação dos Professores. Na“Representação de Professores do Seminário Teológico Presbiteriano de Campinas”temos um parágrafo que explica o assunto: “O bom andamento dos trabalhos do

1 Representação dos Professores do Seminário Teológico Presbiteriano de Campinas, ediçãomimeografada, pg. 2.

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EXPURGOS NOS SEMINÁRIOS 

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a. As de ordem piedosa - Há quem zombe da Bíblia, da oração e da vida espiritual;a vida devocional é baixa; os cultos mal assistidos ou desprezados; o círculo deoração combatido.

b.  As de ordem doutrinár ia  - Desprezo ao calvinismo, apego ao modernismo,

negação da Inspiração. etc.

c.  As de ordem ética  - Há libertinagem, imoralidade, fumo, bebida, amor livre,palavrões, piadas atentando à pureza feminina, etc.

d.  As de ordem admin istrat iva  - Há os que desmoralizam a liderança da Igreja,hostilizam professores. “Uma cúpula ativista, politiqueira, de simpatiaspronunciadamente esquerdistas, exerce inexorável pressão sobre colegas”; “tramamde maneira traiçoeira contra os lideres da igreja que não obedecem à sua linha depensamento”; “elementos de fora, até ministros, vem aqui, tramam, etc.”.

O pior de tudo é que esse manifesto foi distribuído fartamente fora do seminário, nasigrejas, antes de ser conhecido pela Congregação do Seminário.

Duas igrejas, uma de Belo Horizonte e outra do Presbitério de Rio Claro, seincumbiram distribuir esse manifesto para mostrar que o Supremo Concílio tinha queeleger um presidente para “salvar o Seminário”.4 De fato, o assunto podia ser tratadoe resolvido pela Diretoria e pela Congregação, mas os abutres do escândaloqueriam explorar politicamente os exageros dos 15 alunos, e os problemas noseminário.

6. Problemas financeiros  - Não podemos deixar de mencionar a crise financeira.Numa época em que o seminário mais precisava da presença e da assistência dosprofessores, estes eram obrigados a ficar muito tempo fora, dando aulas outrabalhando em outras cidades porque, além de seus salários serem baixos, erampagos com atraso de até 3 meses. Houve professores que bateram às portas deestudantes para tomar dinheiro emprestado para fazer feira. Não era possível exigirdesses homens e de suas famílias mais do que eles estavam dando para oseminário.

Infelizmente, essa grave crise foi mal encaminhada para a reunião do SC emFortaleza e lá explorada e transferida para os outros dois seminários que tinham

crises diferentes, fazendo surgir na vida presbiteriana a esdrúxula “ComissãoEspecial dos Seminários”. Vejamos da resolução:

“1. Reconhecer que um situação de fato existe que compromete o futuro da Igreja.2. Declarar que embora respeitando o foro íntimo de cada indivíduo a IPB nãoentende que a liberdade de exame implique na abertura de suas portas a toda sortede dúvidas e heresias.3. Determinar que os professores dos seminários da IPB se dediquem ao preparointelectual e espiritual de seus alunos e se abstenham de propagandas e práticasecumenistas e ideológico-políticas.

4 Ibidem, pg. 14.

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EXPURGOS NOS SEMINÁRIOS 

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Monteiro; 24. Ricardo Swain Alíssio; 25. José Salomão Pereira; 26. Obed JúlioCarvalho; 27. Josemir Comes da Silva; 28. Ephraim Santos de oliveira; 29. EdsonLacerda; 30. Daniel Nogueira; 31. Rubem Alexandre da Silva; 32. Wilson Arroyo; 33.Paulo Sérgio Emeriques; 34. Ciro Rodrigues de Figueredo; 35. Oscar Pugsley; 36.Eduardo Oscar Chaves; 37. Hermes Gonçalves Arana; 38. Javan Dicas Laurindo;

39. Jaime Cleto da Silva.

A situação educacional do seminário estava precária. Já tinham saído de láanteriormente: Richard Shaull, Osmundo Miranda, Robert McIntire, Adauto AraújoDourado, Floyd Sovereign. Mais tarde haveriam de sair: Earle Roberts, RobertEvans, Klaus van der Grijp, Américo Ribeiro, Waldyr Luz, e outros que passarampouco tempo. Falecidos já estavam: Guilherme Kerr, Herculano Gouveia Junior eJorge Goulart.

A saída dos 39 alunos comprometeu a futura liderança da Igreja. Comentando comum pastor da Igreja Evangélica da Espanha sobre a expulsão de 39 candidatos ao

ministério, ele, espantado, comentou: “A nossa Igreja na Espanha nunca teve 39candidatos ao ministério e vocês expulsam essa quantidade de futuros pastores?!”

O seminário se tornou uma escola vigiada por dentro e por fora. Um clima de terrorfoi implantado. A liberdade acadêmica foi extinta.

Seminário do Recife

Nas décadas de 50 e 60 o Seminário do Norte teve o seu auge. Até 1924 o SPN erauma “Escola Teológica do Presbitério de Pernambuco”. Em 1924 o SupremoConcílio reconheceu-o como instituição da IPB e deu-lhe o título de SeminárioEvangélico do Norte e “aberto para franca cooperação com as igrejas irmãs”.6 Em1936 o Supremo Concílio aprova o plano do Sínodo Setentrional para a fusão doSeminário Evangélico do Norte com o Instituto Bíblico do Norte, da IgrejaCongregacional. Em 1946 o Supremo Concílio toma novas medidas em relação aoSeminário Evangélico do Norte que volta à administração direta do SupremoConcílio. Há divisão de responsabilidades para o fortalecimento e a estabilidade doSPN, entre o Supremo Concílio, Missão Presbiteriana do Norte do Brasil e a MissãoPresbiteriana do Brasil Central. Nos primeiros anos de 1950, iniciou-se a campanhapara a construção dos novos edifícios, liderada por Oton Guanaes Dourado eSamuel Falcão. Na década de 60, o seminário agora Seminário Presbiteriano do

Norte, conta com a presença de novos professores: Victor Thomas Foley, João Diasde Araújo, Paul E. Pierson e Áureo Bispo dos Santos.

O SPN serve as regiões Norte e Nordeste, da Bahia ao Amazonas. O espíritoinquisitorial funcionando nesta área da IPB. Em 1956, o professor Hershey Julien foiretirado do seminário acusado de heresia. O “fundamentalismo” triunfava noNordeste e, principalmente, no seminário pela atuação de Israel Gueiros que, diantede uma reunião de pastores e líderes da em 1950, declarou: “Eu sou 100%intolerante”. Essa intolerância contaminou muita gente e eclodiu nos anos de 60.Nesses anos houve no seminário uma crise administrativa e teológica. A criseadministrativa surgiu com a substituição do reitor Oton Guanaes Dourado por Paul

6 Digesto Presbiteriano, pg. 53.

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E. Pierson em 1962. Apesar da crise, Pierson deu um grande impulso ao programade construção, as bases patrimoniais para o futuro do seminário. Sendo um homemde grande visão e poderoso dinamismo, Pierson marcou época na administração doseminário. Despertou, por isso, invejas e ciúmes. Tendo sido ele missionário emMato Grosso, quando veio para ser professor do seminário, já possuía grande

experiência sobre a expansão da Igreja.

A crise teológica teve início com a expansão da biblioteca do seminário que semodernizou, aos esforços dos bibliotecários Hershey Julien, Catarina Varhaug eIthamar Bueno Dias de Araújo. Com verbas da Igreja e do Fundo de EducaçãoTeológica, a Biblioteca “Alexander Reese” se enriqueceu com as obras mais atuaisdos teólogos e exegetas contemporâneos. Os estudantes entraram em contacto coma renovação teológica que abalava a Europa e os Estados Unidos.

Mas a crise teológica se aguçou porque o professor de Teologia Sistemática e ÉticaCristã, João Dias de Araújo, não quis fugir dos graves problemas que agitavam a

opinião do Brasil a da situação de injustiças e de desigualdades no Nordeste. Traziasempre para a sala de aula não sé uma ênfase sobre a correlação de teologia com ocontexto cultural da região mas pregava contra as injustiças da ordem sócio-econômica. Por causa dessas ênfases, o referido Professor foi taxado de“esquerdista” e “pró-comunista”. O próprio presidente do SC veio ao Recife econvocou a diretoria para expulsar o professor. Mas a diretoria reagiu e declarou:

“1. Esclarecer que a terminologia empregada pelo Rev. João Dias de Araújo é umesforço para comunicar as verdades evangélicas ao homem contemporâneo, emtermos que o alcancem nas suas preocupações e ansiedades.2. Destacar a atuação e o cuidado do Rev. Orlando de Morais, presidente destaDiretoria, em preservar a dignidade e o bom nome do SPN, procurando esclareceros rumores e as dúvidas a respeito das opiniões teológico-político-sociais esposadase ensinadas pelo Rev. João Dias de Araújo, professor deste Seminário.3. Destacar que o Rev. João Dias de Araújo não evita tratar de problemas de caráterpolítico-social que agitam os nossos dias, antes tem procurado combater a infiltraçãocomunista, tanto por palestras, como por trabalhos escritos, de maneira leal efranca, contrastando com as afirmações comunistas, a excelência do Evangelho.4. Declarar que a preocupação do Rev. João Dias de Araújo em orientar a Igreja e asua Mocidade nas questões político-sociais está coerente com o pronunciamentosocial da IPB, na reunião ordinária do Supremo Concílio em 1962.”7 

A crise administrativa e teológica não foi superada e, depois de 1966, comoresultado de atuação da CES, 4 professores do SPN foram atingidos: Paul E.Pierson e Thomas Foley, que foram retirados pelas Missões antes que fossemexpulsos pela CES; o Rev. João Dias de Araújo foi afastado após o ano letivo de1970 e o Rev. Áureo Bispo dos Santos foi suspenso das aulas em março de 1975.

Mais de uma dezena de estudantes ficou sob a pressão da CES e da administraçãodo SPN. Alguns foram para o Seminário do Centenário, outros para o seminário daIgreja Episcopal em São Paulo, e outros abandonaram a candidatura ao ministério.

7  Livro de Atas da Diretoria do SPN, folha 175, pgs. A e B, de 05 de julho de 1964. [PULOU AREFERENCIA ANTERIOR DE Nº 7]

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O Seminário de Vitória

O Seminário do Centenário (SPC), o mais novo seminário da IPB, criado porresolução do Supremo Concílio em Lavras (1958), um ano antes da celebração docentenário da obra presbiteriana no Brasil, tinha por finalidades:

“a) ... preparar ministros habilitados especificamente a servir em regiões rurais esemi-rurais.b) ... oferecer cursos que dêem aos ministros educação teológica tão boa como aque dão o outros dois Seminários da Igreja.” (Resolução: SC-58-20)

Iniciado provisoriamente em Presidente Soares, o SPC foi localizado, em 1962, pordecisão do Supremo Concílio na cidade de Vitória. Começou a funcionar a partir deagosto de 1963.

Desde a sua fase embrionária, o SPC se preocupou em dar aos estudantes umacendrado interesse pela teologia bíblica e o seu relacionamento com a realidade

brasileira. A figura de maior destaque na formulação dos objetivos de educaçãoteológica nesse seminário foi, sem dúvida, Joaquim Beato, uma das inteligênciasmais lúcidas do presbiterianismo. Ao lado dele outros de grande valor deram a suacontribuição formando una equipe de alto nível da qual tomavam parte: RichardShaull, José Borges dos Santos, Jr., Esdras Borges Costa, Celso Loula Dourado,Carlos Vagner, Wilson de Souza Lopes, Claude Labrunie, J. Marhall Guthrie, AlfredDurand Sunderwirth, Eduardo Ramos Coelho e outros.

Mesmo antes de 1966, havia na IPB um grupo contrário à orientação do SPC, masos líderes seminário tinham superado as crises através de informações eprincipalmente através das primeiras turmas de concluintes.

A resolução do Supremo Concílio em sua reunião de Fortaleza, em julho de 1966,que estabeleceu uma Comissão Especial de Seminários, constituiu para a diretoriado SPC a mais amarga e desalentadora surpresa de sua História. Criada peloplenário do Supremo Concílio em Lavras, apresentou o seu primeiro relatório em1962 que foi aprovado pelo SC nos seguintes termos: “1. Aprovar o relatório daDiretoria do SPC. 2. Reconhecer o grande esforço da Diretoria e agradecer ointeresse pela manutenção e orientação dessa casa de ensino teológica”. (SC-62-197) Seu relatório apresentado ao plenário em Fortaleza, foi, também, aprovado.Além disso, nos interregnos todos os seus orçamentos tinham sido aprovados pela

CE/SC e cumpridos pelo tesoureiro do SC.Nunca foi apresentada à diretoria do referido seminário qualquer situaçãocomprometedora vida interna do seminário. Não obstante tudo isso, o SPC e suadiretoria foram colocados sob o poder discricionário de uma Comissão Especial deSeminários, nomeada com fundamento em suspeitas e denúncias que nada tinhama ver com aquele seminário.

Em 1966, após a reunião do SC, a diretoria do seminário envia uma representação àCE/SC tecendo considerações sobre a inconstitucionalidade da CES, suaincompetência e pede que seja suspensa a sua atividade. A representação é

assinada por Jader Gomes Coelho, Presidente.

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A CE/SC, reunida em fevereiro de 1967, não respondeu a representação da diretoriae mandou que ela cumprisse o que o SC tinha resolvido.

O SPC começa a sofrer pressões de todos os lados, a começar da pressãoeconômica. Os professores; e suas famílias entram em um estado desesperador

diante da falta de pontualidade da tesouraria do SC. Vamos transcrever algunsparágrafos de uma carta dramática escrita por uma esposa de professor daqueleseminário endereçada ao tesoureiro da IPB.

“Vitória, 10 de outubro de 1967.

Prezado Sr. Heitor:

Há alguns dias passei-lhe um telegrama, que espero tenha recebido. Repito osdizeres: ‘Ordenados professores Seminário Centenário novamente atrasados trêsmeses pt. Solicito prezado irmão tesoureiro IPB seja efetuado pagamento urgente

pois professores precisam manter sociedade bom nome cristão cumpridores suaspalavras. Atenciosamente em Cristo. Clicia Siqueira Labrunie.’ Quero explicarporque passei-lhe esse telegrama: A situação em que a Igreja Presbiteriana temcolocado os professores de seus seminários é tristemente penosa. O Rev. JoaquimBeato viajou há poucos dias para a Inglaterra. Foi com toda a família graças a umabolsa de estudos que lhe foi dada por organizações estrangeiras que apreciaram oseu valor e compreenderam a necessidade de lhe dar maiores oportunidades parase preparar para melhor servir ao seu mestre e Senhor.  A sua esposa viajou muitodoente. Teve várias crises nervosas.  O seu estado psíquico agravou-se emvirtude da situação econômica a que ele e sua família tem sido submetidas desdeque seu esposo passou a ser, em Vitória, professor do Seminário da IgrejaPresbiteriana. Houve questões em que, disse-me ela, só por milagre tiveram o quecomer. A esposa do Rev. Wilson Sousa também tem necessitado constantementede cuidados médicos, pelo mesmo motivo. E agora aproxima-se a minha vez, pois,se o atraso do pagamento dos ordenados do meu marido continuar, é provável queeu também tenha de recorrer a médico psiquiatra. O senhor já imaginou o que é terque viver recorrendo a amigos pedindo duzentos cruzeiros a um, cem a outro eassim por diante para ter o suficiente para atender às necessidades básicas dafamília, alimento, roupa, remédios? Ficar devendo a um e a outro e explicar quepagará assim que a Igreja me pagar? Ou então recorrer a bancos reformando asletras, pagando os juros sem a possibilidade de saldar o compromisso? ... É cristão

esse tipo de tratamento que a Igreja Presbiteriana está dando a homens quededicam todo o seu tempo à preparação de seus futuros ministros? Francamente,como pessoa que se criou dentro da Igreja Presbiteriana, filha do Rev. CíceroSiqueira que me orgulho de ser, não posso entender esse modo de agir de minhamuito amada Igreja. ... Desculpe-me, Sr. Heitor, ... mas é que não desejo ficardoente dos nervos, como as minhas irmãs, esposas dos outros professores doSeminário e assim lanço esse grito, faço este apelo antes que isso aconteça.”

Em 1967 a CES começou a agir no SPC. Proibiu que o seminário funcionasse noprédio da Igreja Luterana, onde as aulas eram dadas. Um dos motivos banais paraessa decisão foi porque membros da CES viram tocos de cigarros num dos

corredores do prédio. Ora, ali funcionava uma escola secundária na qual muitos

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alunos não crentes freqüentavam. O seminário ocupava apenas algumas salas deaula. Mas a medida foi para prejudicar e não para resolver problemas.

No Brasil Presbiteriano  de 19 a 15 de novembro de 1968 saiu a seguinteinformação da Comissão Especial dos Seminários:

“A CES ... considera que:a. O SPC, por sua Diretoria e Congregação, não deu cumprimento às determinaçõesconstantes dos itens 3 e 4 da resolução Nº 6, de julho de 1966, do SC;b. Não dispensou o devido acatamento à CES, pedindo até a sua extinção eobstando-lhe, outrossim, o cumprimento dos termos da citada resolução;c. Persiste no SPC a situação de fato denunciada na mesma resolução, agravadapor fatos recentes em que se ensejou a ministração do curso por ex-professor queaciona o SPS da IPB perante a Justiça do Trabalho, além da prova documental emque professor ressalta a linha eminentemente ecumênica do ensino do SPC emdesacordo com resolução do SC-IPB;

Resolve a CES, dentro de sua estrita competência e após dois anos de infrutíferastentativas de cumprimento da resolução Nº 6, de julho de 1966 do SC, pelo SPC:a. Reestruturar a presente diretoria do SPC, substituindo os seus atuais diretores apartir de 19 de janeiro de 1969 por uma Mesa Diretiva Provisória a ser nomeadaoportunamente e que se encarregará de reformulação dos seus atuais estatutos;b. Considerar dispensados os atuais professores e respectiva Congregação do SPC,a partir de 1º de janeiro de 1969;c. Dar ciência desta resolução à CE/SC e à Diretoria do SPC;d. Pedir a publicação da mesma no órgão oficial da IPB, para conhecimento detodos os interessados.”

Essa decisão foi tomada no dia 19 de setembro de 1968. A última reunião dadiretoria do SPC foi realizada nos dias 9 e 10 de dezembro do mesmo ano, com apresença de Boanerges Ribeiro. Diante da palavra dos representantes da diretoria edos professores, o presidente do SC respondeu que se eles achassem errada adecisão da CES, que apelassem para a CE/SC. Era a única saída do presidente doSC diante do grave erro de dispensar professores sem terem oportunidade de seremouvidos, desobedecendo a própria resolução que criou a CES.

Todos os professores dispensados sofreram as conseqüências morais, espirituais e

financeiras dessa resolução.Os alunos também foram prejudicados. Alguns foram transferidos para o Semináriode Campinas e os seguintes não puderam continuar a estudar: 1. Aldemir O.Balmart; 2. Alonso P. dos Santos; 3. Andrés Oramas Burgos; 4. Átila José dosSantos; 5. César Lima e Barros; 6. Clério Andrade; 7. Ivair Florenço Barroso; 8.Manoel de Sousa Miranda; 9. Pedro José Bussinger; 10. Sebastião Milton deCamargo; 11. Clover Aloysio Cesar; 12. Derval Dasilio; 13. Enoelmo Albuquerque.

Não é necessário comentar o prejuízo tremendo para a IPB e para o evangelismonacional esses atos de vandalismo eclesiástico praticado contra a educação

teológica.

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E assim que se mata um sonho, e uma Igreja.

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CRISE EM SÃO PAULO 

“Pateticamente, nalgum tempofuturo, os filhos espirituais deCalvino virão a condenar o errode seus pais, a menos que apresente geração o faça. (...)Uma voz que se levantou comfome e sede de justiça foisufocada para ecoarulteriormente na história daIgreja.”1 

O clima insuportável que foi instalado na Igreja Presbiteriana do Brasil, a partir dareunião do Supremo Concílio, em Fortaleza, em julho de 1966, foi o responsávelpela destruição de campos presbiterianos em franco e extraordinário progresso. Foio que aconteceu no Estado de São Paulo, especialmente na capital, onde a IPBvinha marcando vitórias expressivas na expansão evangelística, nessa cidade maispopulosa do Brasil e uma das maiores do mundo.

Desde 1963, o Presbitério de São Paulo (PSP) estava preocupado com odesdobramento dos dois presbitérios daquela área a fim de propiciar maioresensanchas para o desenvolvimento evangelístico e eclesiástico.

Depois de 1966, a divisão e o desdobramento dos presbitérios de São Paulo ePaulistano deixaram de ter como objetivos a evangelização e o progressoeclesiástico para se tornar um assunto político, eivado de paixões pessoais e quevisava o fortalecimento da posição do presidente do SC. O problema do Mackenzieestava por trás de muitos outros problemas.

O PSP, na sua maioria, em 1967, tinha criticado veementemente atos da direção daIgreja, especialmente em relação ao SPC.

Essa atitude de oposição à direção da Igreja resultou em muitas amarguras para as

igrejas e pastores do presbitério que acabou tendo que se desvincularadministrativamente da IPB.

Desde 1966 a direção da IPB resolveu abusar de dois recursos do sistemapresbiteriano: (a) as Comissões Executivas dos Concílios; e (b) as ComissõesEspeciais. A hipertrofia desses dois órgãos tem causado muitas arbitrariedades eilegalidades nestes últimos anos.

No Brasil Presbiteriano de 1º a 15 de maio de 1968 apareceu uma convocação depastores e igrejas feita pela Comissão Executiva do Sínodo de São Paulo (CE/SSP).

1 Manifesto do Presbitério de Campinas, 1968.

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CRISE EM SÃO PAULO 

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Nóbrega Lício e Rubens Pires do Amaral Osório. Dias depois, Josué Duarte Jr.atendeu à convocação para a primeira reunião de um dos presbitérios instaladospela CE/SSP, e fez-se arrolar como membro desse presbitério. Foramacompanhados pelas igrejas que o presbitério lhes tinha confiado para dirigir. Essespastores faziam parte do grupo que tinha apoiado, em 1965, a proposta de divisão

que foi rejeitada pela quase totalidade dos membros do presbitério na votação doplenário.

A quase totalidade das igrejas do PSP, além da votação dada em plenário, contráriaà decisão da CE/SSP, oficiou ao presbitério, manifestando-lhe sua solidariedade e,algumas estranhando a medida tomadas pela CE/SSP e, outros, protestando edesaprovando. Entre essas igrejas que oficiaram ao presbitério, solidárias com ele,estava a Igreja de Taubaté. Na carta que essa igreja enviou ao concílio está adeclaração do pastor da Igreja, Aureliano Lino Pires, afirmando sua solidariedadecom a atitude tomada pelo conselho da igreja de Taubaté. Entretanto, segundo seveio saber depois, esse ministro compareceu à reunião de instalação convocada

pela CE/SSP, fez-se arrolar como membro de um dos presbitérios dito instalados efoi eleito secretário.

Ao pedida do PSP de reconsideração do assunto, a CE/SSP deu a seguinteresposta:

“Com relação à Representação do Presbitério de São Paulo sobre divisão doPresbitério de São Paulo e do Presbitério Paulistano, a Comissão Executiva doSínodo de São Paulo resolve:

1. Que o seu procedimento foi legal sobre todos os aspectos ou ângulos em quepossa ser examinada a matéria, não cabendo nenhum reexame ou reconsideraçãoda medida tomada;

2. Indeferir a Representação do Presbitério de São Paulo sobre a divisão depresbitérios;

3. Prosseguir na instalação dos novos presbitérios, independente de quaisquerrecursos que, legalmente, subam à instancia superior.”4 

Em face dessa resolução, o PSP, em sua reunião de 8 de julho de 1968, tomou, por

unanimidade, as seguintes medidas:“1º) Considerando que a PSPL, quando se dirigiu à CE/SSP, fundamentou a suadecisão com arrazoados sobre dispositivos da CI/IPB, e que a CE/SSP, na suaresposta, não entrou no mérito do arrazoado, limitando-se a declarar que a suadecisão é legal, como se bastasse tal declaração para estabelecer legalidade;

2º) Considerando que essa forma de resposta aberra completamente das normasindispensáveis ao bom relacionamento entre Concílios ou Tribunais, é precisoamparar a declaração com a menção da lei,

4 Desdobramento dos Presbitérios de São Paulo e Paulistano, publicação da Comissão Executiva doSSP, 1968.

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CRISE EM SÃO PAULO 

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5º) O PSPL, entidade jurídica, que tem os seus direitos assegurados pela ordem jurídica do país, que se atendam os dispositivos da CI ou até que o Poder Judiciáriodeclare de que lado está o direito;

6º) Resolve-se dar ingresso de imediato com ação declaratória, na qual a Justiça

Civil se pronunciará normativamente sobre o assunto.”

Após essa decisão, o PSP ingressou na Justiça e após uma grande luta conseguiu avitória. O presbitério passou a funcionar fora da IPB. Uma série de acontecimentosdramáticos se sucederam, tais como: invasões de igrejas, despojamentos depastores, reuniões de conselhos de igrejas protegidas pela polícia, presbíteroseminentes ultrajados pelas autoridades do sínodo, lutas internas, ódios, denúnciasmentirosas, cassações de candidatos ao ministério e outros episódios indignos deirmãos na Fé.5 

Outros exemplos aconteceram no interior do Estado. Os presbitérios de Campinas e

Ribeirão Preto entram numa luta renhida contra os desmandos da cúpula da IPB.Um festival de abusos se instaurou em todo a território paulista.6 

Em outras partes do Brasil, igrejas, pastores e presbíteros tiveram que levar suascausas à Justiça Civil e à Justiça do Trabalho para não serem massacrados pelosdesmandos desumanos de líderes da IPB. Era a única saída, era o único meio deprotesto, já que a Confissão de Fé  declara que “É dever dos Magistrados civisprotegerem a pessoa e bom nome de cada um dos seus filhos jurisdicionados, demodo que a ninguém seja permitido, sob pretexto de religião ou de incredulidade,ofender, perseguir, maltratar ou injuriar qualquer outra pessoa”. (Capítulo XXIII, item3)7 

5

 Resumo de Atas do Sínodo de São Paulo, 1967.6 Manifesto do Presbitério de Ribeirão Preto, 1968.7 O Livro de Confissões, Missão Presbiteriana do Brasil Central, São Paulo, 1969, parágrafo 6.121.

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TEMPLO COM CORRENTES E CADEADOS 

“Grande virtude é a tolerância;detestável vício o inquisitorialismofanático, o farisaísmodesumano.”1 

O Brasil Presbiteriano, em sua edição de 19 a 15 de outubro de 1968, publicounotícias e resoluções da Comissão Executiva do Supremo Concílio reunida emsetembro do mesmo ano, envolvendo o que se convencionou chamar de “Caso da2ª Igreja”. A versão do jornal oficial da IPB reflete a opinião da direção da Igreja que,para não se colocar em posição difícil diante dos leitores em geral, conta os fatos demaneira unilateral, que não corresponde à verdade. A narrativa que passaremos a

fazer é baseada nos testemunhos daqueles que viveram a situação e que sofreramum das maiores injustiças praticadas contra uma igreja local, seu pastor e seu povo.Invoco aqui os testemunhos de Antônio Quinan, Paulo Bueno da Fonseca, BerndWalter Bartels, Dalmir Fonseca de Oliveira, Alfredo Castanheira de Lima, EuricoTeixeira, Erb Carneiro, Euclides Gonçalves Martins e outras liderem e membrosdaquela igreja em Belo Horízonte.

O caso narrado neste capítulo é um dos mais vergonhosos incidentes na história daIPB e da Igreja terrena de Jesus Cristo neste continente.

Em novembro de 1967 venceria o mandato de Lemuel Cunha do Nascimento no

pastorado da 2ª Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte. Por unanimidade o conselhodaquela igreja resolveu indicá-lo para reeleição e dar oportunidade à igreja paraindicar outros nomes que pudessem ser consultados e com ele concorrerem naeleição. Decorrido o prazo estabelecido de quatro semanas, nenhum nome, foiindicado pelos membros da igreja, permanecendo como candidato único o Rev.Lemuel.

Cumprindo norma interna do Presbitério de Belo Horizonte (PBH) quanto à eleiçãoou reeleição de pastores no seu campo, o conselho da 2ª Igreja oficiou à ComissãoExecutiva do referido presbitério, em março de 1967, pedindo autorização paraindicar o nome do Rev. Lemuel às eleições. Em princípio de abril, a ComissãoExecutiva do presbitério se reuniu e autorizou a indicação.

Foi convocada a assembléia geral da igreja para o dia 22 de outubro, quando se deua eleição. Tudo correu de acordo com a constituição da IPB e com os estatutos daigreja local. Compareceram à assembléia 229 membros comungantes (adultos): 174votaram a favor da reeleição do pastor; 38 votaram contra. Os votos restantes foramnulos ou em branco.

Na reunião ordinária do PBH, em janeiro de 1968, foram tomadas várias decisõescontra a eleição do pastor da 2ª Igreja, as quais podem ser assim resumidas:

1. Declarar nula a eleição.1 Waldyr Carvalho Luz.

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2. Considerar “não conveniente” a reeleição do Rev. Lemuel.3. Aplicar a pena de admoestação ao conselho e ao pastor da 2ª Igreja por causa doecumenismo.

Diante de tamanhas arbitrariedades, o conselho e o pastor não se conformaram e

recorreram ao Sínodo Belo Horizonte (SBH), dentro das normas e dos prazos legaisda IPB. O SBH se reuniu extraordinariamente na 1ª Igreja Presbiteriana de Lavras,deu provimento aos recursos e decidiu:

1. Reconhecer a legalidade da eleição do Rev. Lemuel e a inconsistência daalegação do presbitério ao considerá-la nula e “não conveniente”.

2. Declarar nulas de pleno direito às penas aplicadas pelo presbitério ao conselho eao pastor, porque foram cominadas sem processo.

3. Determinar ao Presbitério de Belo Horizonte a efetivação da posse do pastor.

Em vez do presidente do PBH acatar a decisão e recorrer ao Supremo Concílio,aguardando o resultado do recurso, começou a cometer irregularidades.Descumprindo as normas presbiterianas para tramitação de documentos e derecursos, passou por cima da autoridade do SBH e recorreu diretamente à CE/SC.Mas o fato mais grave é que o presidente do SC e o secretário executivo do mesmonão somente deram sozinhos “provimento ao recurso” mas sozinhos também“determinaram” ao PBH o não cumprimento das deliberações do SBH.“Determinação” francamente inconstitucional, uma vez que se baseava emdispositivo do Regimento Interno da CE/SC que não é parte integrante da CI e, porisso, não pode ser usado contra essa CI. Nada mais, nada menos, o que houve foi àsubversão da ordem e da lei presbiteriana. Mais que isso; a institucionalização dopoder discricionário na IPB.

Daí por diante, o PBH passou a ignorar o SBH e suas decisões. Passou adesrespeitar o SBH e a tratar seu presidente e demais membros de maneiradescortês e anti-cristã. O presidente do SBH, respeitável ministro da IPB, o maisvelho entre seus companheiros, foi tratado com desrespeito no plenário. O PBHdesignou pastor para a 2ª Igreja à revelia da assembléia, contrariando a lei e a praxepresbiterianas, e do próprio presbitério, que sempre consultou a vontade das Partes:igreja e pastor. Numa reunião extraordinária, convocada no prazo de 48 horas, o

PBH resolveu dissolver a 2ª Igreja, sem processo regular. Arbitrária e ilegalmente oPBH arriscou-se em dono das propriedades da igreja “dissolvida”. Convém frisar quea tônica das decisões do PBH, bem como da direção geral da IPB, tem sido apreocupação com os bens e propriedades das igrejas e nunca com o povo dessasigrejas.

Na reunião extraordinária que dissolveu a 2ª Igreja, o PBH tomou as seguintesmedidas:

a. Intimou a todos quantos exercem cargos na igreja a entregar os bens edocumentos sob sua guarda.

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b. Determinou ao pastor por ele indicado que assumisse a posse dos bens da igreja,inclusive a tesouraria. [Verdadeiro assalto!]

c. Colocou cadeados à entrada do templo.

d. Deu ampla divulgação dessas decisões pela imprensa falada, escrita etelevisionada do Estado de Minas Gerais e fora dele, pois até jornais de São Paulopublicaram essas notícias causando grande escândalo na opinião pública erepercutindo negativamente a causa do Evangelho.

O Conselho da 2ª Igreja apelou outra vez para o SBH. Este, reunidoextraordinariamente em Caxambu, revogou as decisões do PBH. Antes, tentou umasolução conciliatória que se tornou impossível em virtude da intransigência dopresbitério que recebia ordens do “coronel” da IPB.

Novamente o presbitério passou por cima do sínodo, não aceitou suas decisões e

recorreu diretamente à CE/SC. E, mais uma vez, os dois “Cosme e Damião”, com sediz no Nordeste, o presidente e o secretário executivo do SC, deliberaram sozinhosno sentido de anular as resoluções do SBH. Veicularam notícia falsa na imprensa deBelo Horizonte, fazendo publicar tal “deliberação” como sendo do “SupremoConcílio, órgão máximo da Igreja Presbiteriana do Brasil”, e com se este, de fato,tivesse acabado “de decidir definitivamente a questão ligada à dissolução da 2ªIgreja”.2 

O presbitério continuou ignorando o sínodo. As comunicações continuavamdiretamente entre o PBH e os dois membros da CE/SC. Só muito tempo depois éque oficiaram ao SBH.

Não obstante aquela revogação do SBH, o PBH continuou a tratar a 2ª Igreja com“dissolvida” e como se ela não existisse. Mais uma vez colocou cadeados ecorrentes ultra-reforçados na sede e nas duas congregações da 2ª Igreja. Mais umavez os membros da igreja retiraram as correntes e reabriram o templo para prestarculto a Deus. Por causa desse ato as autoridades da IPB apelidaram aquelescrentes de “arrombadores de templo”.

Enquanto isso ocorria, o PBH instaurou processo contra o Rev. Lemuel Cunha doNascimento que culminou com sua deposição do pastorado. Nesse episódio

também o presbitério foi pródigo em arbitrariedades e ilegalidades. Desrespeitou, decomeço ao fim, o Código de Disciplina e a Constituição da IPB. Dentre muitas outrasirregularidades cometeram as seguintes: (a) a comissão executiva do presbitériofuncionou como tribunal, antes de o próprio plenário do concílio se reunir com tal; (b)seguiu o rito do Processo Sumário, embora o CD determine que seja o ProcessoOrdinário, quando se trata de julgamento de ministro.

Foi enviado recurso ao tribunal do SBH procurando anular o processo movido peloPBH.

2 Estado de Minas, 16 de julho de 1968, pg. 5.

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Diante desses acontecimentos, o conselho e a assembléia da 2ª Igreja resolveram,por unanimidade, não acatar, nem cumprir as decisões inconstitucionais, arbitráriase prepotentes não só do PBH mas também dos senhores presidente e secretárioexecutivo do SC, as quais se evidenciaram com evidente abuso do poder.Resolveram ainda que: (1) até a decisão da última instancia, ou seja, o plenário do

Supremo Concílio, só serão consideradas competentes, com base na CI, asresoluções do SBH; (2) reafirmar sua fidelidade às leis presbiterianas e, em razãodesta fidelidade, reafirmar também o propósito de continuar lutando contra odesrespeito a essas mesmas leis por parte do presbitério e de autoridades da IPB.

Em setembro de 1968, reunida a CE/SC em Belo Horizonte, resolveu, por oito votoscontra quatro, “referendar” aqueles atos inconstitucionais dos senhores presidente esecretário executivo do SC. Ao fazê-lo, referendou o legalmente inexistente, caindono vazio.

Afirma a notícia no Brasil Presbiteriano: “O sínodo, sem analisar as razões pelas

quais o presbitério considerava inconveniente aquele pastor para aquela igreja,açodadamente deu provimento ao recurso, e ordenou ao presbitério que, 'dentro de8 dias', empossasse o pastor”.3 Mas de quem foi o açodamento? Do SBH ou dosdois membros da CE/SC? Vejamos: O sínodo, convocado com antecedência,reuniu-se extraordinariamente para apreciar a matéria. Ouviu todas as partesenvolvidas, inclusive o PBH, cuja delegação compareceu em peso à reunião.Discutiu amplamente os diversos ângulos da questão. Enfim, examina e sobre eladeliberou como podia e devia. Agora, os senhores presidente e secretário executivodo SC tomaram conhecimento da matéria apenas por parte do presbitério. Ouviramapenas o presbitério. Houve encontros com o presidente em São Paulo e com osecretário executivo em Uberlândia, sem que nenhum deles conhecesse as peças edocumentos do processo. Não sabiam e nem se interessaram em saber as razõesalegadas pela igreja local ou pelo sínodo. E foi assim que resolveram: “determinarque não fosse empossado o pastor”. O que vale dizer: presidente e secretárioexecutivo do SC, discricionariamente, partidariamente, pisaram na Constituição daIPB e rasgaram-na. Ditatorialmente passaram por cima de um concílio maior daIgreja, o sínodo, e determinaram a outro concílio menor, e presbitério, a não cumpriras decisões daquele. Quebraram a princípio da hierarquia conciliar e oficializaram adesordem.

Continua o Brasil Presbiteriano: “Recorreu o Presbitério, e o Sínodo, em vez de

encaminhar esse recurso... reteve o recurso, obrigando o presbitério a dirigir-sediretamente ao Sr. Secretário Executivo da Igreja”.4  Mas é preciso corrigir essainformação. O sínodo, em momento algum, negou-se a receber o recurso. Mas, aocontrário, acolheu-o para encaminhamento. Só que, em se tratando de processoadministrativo, o prazo para esse encaminhamento é de 90 dias.

Mas o presbitério não queria isso. Queria que o prazo fosse o da vontade dele, opresbitério, e não o da CI.

A CE/SC ouviu parcialmente os fatos. Atentou-se apenas para o que o sínodo fez oudeixou de fazer. Em momento algum se falou nas arbitrariedades e violências do

3 BP, 19 a 15 de outubro de 1968.4 Ibidem.

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presbitério contra a igreja e o pastor: (a) cadeados por duas vezes na igreja; (b)dissolução da igreja sem processo; (c) processo sumário contra o pastor; d) medidasinconstitucionais dos dois membros da direção da IPB.

O único ponto em que o sínodo tomou uma atitude “extra-legal” foi quando deu

assistência pastoral a uma igreja vítima. Mas o sínodo foi obrigado, pela consciênciacristã a agir dessa maneira já que o presbitério não teve nenhuma preocupaçãopastoral, mas sim, inquisitorial, não teve nenhuma preocupação de conciliar, mas deusar violências.

Ainda o Brasil Presbiteriano informa: “Arrombam o templo e dele se apossam ex-membros”.5  É preciso esclarecer que foi o PBH que invadiu e esbulhou aspropriedades da igreja. Os representantes do presbitério tiveram que pular umagrade que protege o templo contra ladrões e invasores, e afixaram papéis e editaisna porta principal. Colocaram cadeados enormes e correntes pesadas, daquelas dearrastar toras, no portão de entrada da igreja dos “arrombadores de templo”. Mas

antes dos crentes retirarem as correntes, os invasores e esbulhadores tinhamchegado para impedir que uma comunidade prestasse culto a Deus no seu templo.

É patente o clima ditatorial que se inaugurou na Igreja Presbiteriana do Brasil.Constituição, Código de Disciplina, nada disso vigora mais. O que impera é avontade daqueles que têm maior parcela de poder nas mãos. Lei presbiteriana? Há“um jeitinho” e uma forma de torce-la, ao sabor das opiniões pessoais. Há como queuma nova “santa inquisição” (nós diríamos “diabólica inquisição”) instalada na IPB.Afirmou certa autoridade do PBH (com funções na cúpula da IPB e pessoa “deconfiança” do presidente do SC), que o despojamento do Rev. Lemuel era inevitável,porque “obedecia a um esquema nacional”.

Quem acompanhou este triste episódio até o fim sabe que Lemuel da CunhaNascimento teve de conseguir uma bolsa de estudos nos Estados Unidos. Foiobrigado a fazer isso, apavorado pela inquisição.

Houve também uma luta judiciária nos tribunais do Estado de Minas Gerais em tornodas propriedades da 2ª Igreja. Finalmente, a justiça secular deu ganho de causa aosmembros da 2ª Igreja, declarando-os com legítimos proprietários do templo que elesconstruíram com sacrifício.

A 2ª Igreja elegeu o seu pastor, Márcio Moreira, e continua funcionandonormalmente corno igreja presbiteriana, ligada à FENIP.

Esse fato doloroso, inédito nos arraiais protestantes do mundo inteiro, tem que serregistrado com uma advertência às comunidades cristãs, para não caírem emsemelhantes pecados.

Não poderíamos terminar este capítulo sem transcrever, na íntegra, a “Proclamação”feita pelos heróicos presbíteros da 2ª Igreja de Belo Horizonte, em plena fase deluta.

5 Ibidem.

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Proclamação

“Ao contrário do que possa parecer – e até se tem propalado -, não estamos lutandocontra pessoas, nem por causa ou a favor de pessoas. Lutamos contra asinjustiças e arbitrariedades. Evidentemente cometidas por pessoas. É o que

fazemos, não tanto da defesa de nossos próprios direitos mas, principalmente, noexercício de um dever cristão, herdado de Cristo e da Reforma: o de combater aviolentação de consciências e cerceamento da liberdade de pensar (e até daliberdade de prestar culto a Deus no templo para isto destinado, quando nossasportas foram fechadas e cadeados e correntes); o dever sagrado de testemunharcontra a clericalização dentro da Igreja; contra as arbitrariedades e mentalidadeinquisitorial que assolam a IPB; contra o abuso de poder, que pretende esmagarconsciência e aniquilar personalidades. Nesse sentido, aceitamos, prazerosamente,os epítetos com que nos tem agraciado: ‘inconformados’, ‘rebeldes’, dentre outras.De fato, não nos conformamos com o erro e as injustiças, venham de onde vierem.E nos rebelamos contra elas, por em dever de consciência.

Na luta que ora enfrentamos não nos preocupa a ‘vitória’ ou a ‘derrota’. Move-nos,tão somente, o sentido e o dever cristão na luta em si, como expressão dotestemunho a que sentimos obrigados, nesta hora de tristeza da história da IgrejaPresbiteriana do Brasil, no limiar de seu segundo centenário. Anima-nos: o ensinodo Evangelho, o espírito da Reforma e dos reformadores (fonte dos princípiosdemocráticos e da liberdade de pensamento) e o exemplo do próprio Cristo quelutaram contra as estruturas eclesiásticas apodrecidas e esclerosadas, prepotentese carcomidas pela ‘politicagem’ de bastidores; que só sabem condenar e crucificar(sem cogitar se com ou sem razão). Em resumo: divorciados do amor cristão.Portanto, não nos preocupa o desejo de ‘ganhar’ ou o receio de ‘perder’. É umproblema que não nos colocamos, e um tipo de cogitação que deixamos a outrem,que assim o desejar. Preocupa-nos, apenas, com o dever cristão de lutar, qualquerque seja o resultado dessa luta, no espaço e no tempo. Nossa missão é a luta contraas injustiças. O resultado dela não nos pertence.

 A última palavra. Não salientamos ódios, nem rancores contra quem quer que seja.Nem mesmo contra aqueles que mais nos tem feito sofrer. Embora estejamos, aindaque transitoriamente, a nosso dever, em posições diferentes, todos continuam a seralvo de nossa consideração, nosso respeito e nosso amor cristão. O que não implicaem aceitar seus erros. Aceitamos as pessoas, não seus erros. Todos têm sido

objetos constantes de nossas orações e sempre suplicamos o perdão de Deus paraas nossas próprias faltas, pedimos ao criador que perdoe, também, os erros deles. EDeus é testemunha de nossa sinceridade.”

[Seguem as assinaturas]

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DISSOLUÇÕES E DESPOJAMENTOS NA BAHIA 

“O Supremo Concílio iniciouverdadeira inquisição, que deveria sera nota dominante no segundosemestre de 1966. (...) É a injustificávelvolta aos métodos da Idade Média.(...) Não é possível que, em nome doDeus-Homem se crie umaadministração tão desumanizante edesumanizadora que, farisaicamente,proscreve homens, inverte valores,prejudica reputações, causa perdasirreparáveis. Não é possível copiar dosgovernos ditatoriais a administraçãode nossa igreja. Não é possível queódios individuais e paixões pessoaisdeterminem arbitrariamente fatos detão grande prejuízo a toda acomunidade.”1 

No Estado da Bahia a inquisição dissolveu o sínodo, dois presbitérios e despojoudois brilhantes pastores.

O Presbitério Vale do São Francisco (PVSF), formado por igrejas do campo daMissão Presbiteriana do Brasil Central (MPBC), foi dissolvido por pretextos claros. Omotivo principal de sua dissolução foi diminuir quatro votos ao candidato apoiadopelo grupo contrário à reeleição para presidente do SC, Boanerges Ribeiro. Osquatro representantes do referido presbitério chegaram a Garanhuns para a reuniãodo SC, em 1970, e suas credenciais não foram aceitas pela Mesa presidida pelopróprio candidato à reeleição. Foi alegado, na ocasião, que havia irregularidades noato da organização do presbitério. Os representantes não tomaram assento e nãovotaram porque Boanerges Ribeiro tinha medo de não ser reeleito. E, de fato, a suavitória periclitava, pois a diferença foi apenas de seis votos entre ele e Benjamin

Moraes.

Quanto ao Presbitério de Salvador (PSVD), sua dissolução foi ocasionada por trêsfatos principais:

O primeiro fato está relacionado com o Colégio 2 de Julho, fundado em 1927, emSalvador, pelo casal Baker, da MPBC. Em 1967 o Conselho Deliberativo dessecolégio modificou seus estatutos de tal maneira que retirou toda a possibilidade detransferência de suas propriedades para o patrimônio da IPB.

1 Manifesto do Presbitério de Ribeirão Preto, op. cit.

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DISSOLUÇÕES E DESPOJAMENTOS NA BAHIA 

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“1) Considerar improcedente a solicitação em apreço, em virtude de nenhum deseus membros ter cometido falta passível de disciplina;

“2) Informar ao solicitante que na referida Consulta não houve envolvimento formalde nenhum concílio presbiteriano regional, muito menos da Igreja Presbiteriana do

Brasil, havendo apenas a participação pessoal de alguns de seus membros;

“3) Esclarecer que a participação mais efetiva de alguns dos membros desteConcílio se prendeu ao fato de estarem envolvidos em projetos de ação cristã epromoção do homem no Nordeste do Brasil;

“4) Repudiar a atitude de insinuação do Rev. Edésio de Oliveira Chéquer queobjetiva intimidar ilustres colegas de ministério, deixando também transparecer aidéia de que os mesmos teriam cometido falta grave;

“5) Congratular-se com os colegas que participaram da referida Consulta, sem

envolverem os concílios a que estão vinculados, mas assinalaram uma presença detestemunho e ação cristã diante dos problemas que atingem o homem brasileiro,nordestino, especialmente.”

Diante da resolução do PSVD, Edésio Chéquer, em julho de 1973, encaminhou umdocumento ao plenário do Sínodo Bahia-Sergipe, enviando cópia ao presidente doSupremo Concílio. A resposta do SBS foi a seguinte:

“1) Ratificar a decisão do Presbitério de Salvador, por entender que não houveenvolvimento da Igreja Presbiteriana do Brasil, nem de qualquer dos seus concílios,na Reunião-Consulta promovida pelo Conselho Mundial de Igrejas, em Salvador, em julho de 1972, mas sim a participação pessoal de alguns pastores e líderesevangélicos de várias denominações;

“2) Declarar ainda que entende que as informações publicadas na imprensa secularde referência à Igreja Presbiteriana do Brasil ou a algum de seus líderes são deautoria de jornalistas pertencentes ao quadro desses órgãos de divulgação, nãopodendo, portanto, serem atribuídas aos pastores presbiterianos que participaramdo encontro.”

No dia 29 de fevereiro de 1974 a CE/SC se reuniu, ordinariamente. O presidente do

SC trouxe para essa reunião um papel escrito à mão, pedindo a dissolução doPSVD. Ele tinha recebido toda a documentação que Edésio Chéquer lhe haviamandado, bem com tinha mantido entendimentos pessoais prévios. O papel dopresidente baixou para uma comissão de expediente composta pelos Revs. OsvaldoHack, Volmer Portugal, Edésio Chéquer e o presbítero José Costa. Por questão deprudência e lisura, Edésio Chéquer não devia estar presente nessa comissão, masinfluenciou tanto a comissão, como o plenário.

A comissão apresentou ao plenário uma proposta que seguia de perto o manuscritopreparado por Boanerges Ribeiro. Ei-la:

“Considerando: 1º) que membros do Presbitério de Salvador participaramcomprovadamente da Consulta promovida pelo Conselho Mundial de Igrejas e

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DISSOLUÇÕES E DESPOJAMENTOS NA BAHIA 

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instalada com culto ecumênico na Biblioteca Central do Estado da Bahia, com aparticipação de sacerdotes católico-romanos;

2º) que essa participação deu ensejo ao envolvimento e a críticas injustas edesabonadoras contra a IPB e sua CE;

3º) que essas críticas não foram desmentidas pelos referidos participantes;

4º) que o Presbitério de Salvador, respondendo à consulta feita sobre o assunto,congratulou-se com os seus membros participantes da referida Consulta;

5º) que o Sínodo Bahia-Sergipe, ao tomar conhecimento do assunto, retificou aposição do Presbitério de Salvador, deixando assim de tomar as providênciasdeterminadas pelo Supremo Concílio em sua última reunião em julho de 1970,

6º) que o atual presidente do Sínodo Bahia-Sergipe, ouvido por esta CE, reconheceu

que é procedente e de fato a matéria foi encaminhada ao Sínodo Bahia-Sergipe,

7º) a solicitação do presidente do Sínodo Bahia-Sergipe de uma oportunidade paraque aquele Sínodo volte a tratar do assunto;

8º) a suspeição do Sínodo Bahia-Sergipe no tratamento deste assunto, visto ter emsua Comissão Executiva elemento implicado nos acontecimentos em pauta, o quedificultaria a reconsideração da matéria;

9º) os bons antecedentes dos outros presbitérios membros do Sínodo Bahia-Sergipe;

A Comissão Executiva do Supremo Concílio resolve:

A) Transferir o Presbitério de Salvador à jurisdição do Sínodo de Pernambuco;

B) Determinar, de acordo com resolução do Supremo Concílio em sua última reuniãode julho de 1970, à Comissão Executiva do Sínodo de Pernambuco que declaredissolvido o Presbitério de Salvador e tome as providências para apurar a extensãoe a natureza da participação de pastores jurisdicionados ao Presbitério de Salvadorem celebrações ecumênicas, tomando as providências necessárias;

C) Permitir o funcionamento do Sínodo Bahia-Sergipe, com os três presbitériosrestantes, devendo ser supridos os cargos vagos em sua mesa, se necessário, emvirtude da transferência do Presbitério de Salvador ao Sínodo de Pernambuco.”

Essa resolução foi tomada no fim de fevereiro de 1974. No dia 20 de março domesmo ano a Comissão Executiva do Sínodo de Pernambuco se reúne e convocaos membros do PSVD para uma reunião urgente no dia 6 de abril, no templo daIgreja Presbiteriana da Boa Vista, no Recife. Nesse dia a Comissão Executiva sereuniu e declarou dissolvido o PSVD, cujos representantes não compareceram.

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O presidente do Sínodo de Pernambuco, presbítero Misael Vasconcelos, foi aSalvador e teve uma reunião áspera com o PSVD resultando em maior acirramentodos ânimos.

No dia 11 de abril o secretário executivo do Sínodo de Pernambuco comunicou às

igrejas do presbitério “dissolvido” de que, a partir do dia 06 de abril, todas aquelasigrejas passariam a jurisdição do referido sínodo. E, logo depois, no dia 27 domesmo mês, resolve a executiva do sínodo “afastar preventivamente os ministrosJosué Mello e Celso Dourado, considerando serem graves e notórios os fatosarticulados contra os mesmos”. Eles foram disciplinados sem serem ouvidos. Depoisde afastados são ainda convocados a comparecerem perante o tribunal do sínodono dia 25 de maio.

Nesse ínterim, o Presbitério de Salvador passa procuração ao Dr. Josaphat Marinho,em Brasília “para defender os direitos e interesses” do PSVD. Foi interposta, no dia15 de maio, uma Ação Declarativa de Nulidade contra a IPB que dissolveu o PSVD,

por iniciativa de sua Comissão Executiva.

Os pastores Celso Loula Dourado e Josué da Silva Mello não compareceram aoTribunal Especial do Sínodo de Pernambuco e explicaram porque:

“Não comparecemos, nem tomamos conhecimento até aqui das decisões dessaComissão Executiva do Sínodo de Pernambuco, que agora se denomina de“tribunal”, por ser ilegal e inconstitucional. Basta ver Art. 88, alínea “C” da CI. Não háum só parágrafo que faculte ao sínodo a competência para reunir-se em tribunalpara julgar pastor. Isso é competência exclusiva do presbitério. O tribunal do sínodoé de recurso  (Art. 21 do Código de Disciplina). Não é o caso. Estabeleça-se umtribunal legal, constitucional e estamos dispostos a obedecer às suas decisões, aoseu julgamento. Fora disso é violência e protestamos.”

Em outubro a Comissão Executiva do Sínodo de Pernambuco não só nomeiapastores para as igrejas cujos pastores estavam afastados, mas também nomeiatesoureiros auxiliares com autorização de ter vista aos livros. As igrejas oficiam àcomissão executiva do sínodo não acatando essas decisões e mostrando queestava em curso, em Brasília, uma ação civil contra a IPB, movida pelo presbitério.

Finalmente, no dia 6 de junho de 1975, Josué da Silva Mello e Celso Loula Dourado

são despojadas do ministério porque participaram de cerimônias ecumênicas.Mais duas vítimas da Inquisição Sem Fogueiras que se implantou dentro da IPB.Esses dois jovens pastores de grande valor espiritual e intelectual, dinâmicos eoperosos, que ocupam cargos de alta responsabilidade no Estado da Bahia, sãohumilhados e despojados por inquisidores que perderam a virtude principal docristão, o amor , e, por isso, vão carregar pela vida em fora o peso na consciênciapor terem despojado colegas, sem chegarem a conhecer quais eram os seusmotivos e as suas idéias.

O Presbitério de Salvador se reúne e resolveu declarar:

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“1) que não reconhece e não aceita o despojamento dos seus pastores Celso LoulaDourado e Josué da Silva Mello, executado pela Comissão Executiva do Sínodo dePernambuco, continuando os mesmos a desempenhar os encargos pastoraisdesignados por este concílio.”

Para que o PSVD pudesse participar da reunião ordinária do SC em julho de 1974,em Belo Horizonte, teve que requerer Medida Cautelar na Justiça Civil de Brasília.

Foi antes dessa reunião do SC, para ser mais exato, 12 horas antes da abertura

dos trabalhos, que aconteceu uma das maiores arbitrariedades já cometidas pelacúpula da IPB. A CE/SC dissolveu sumariamente, o Sínodo Bahia-Sergipe, sob aalegação de ter cometido irregularidades que não foram comprovadas eexaminadas.

O ex-presidente do SBS, Josué da Silva Mello, contesta a alegação do presidente doSupremo Concílio com as seguintes explicações:

"Declarou o presidente [do Supremo Concílio] que o Sínodo Bahia-Sergipe foradissolvido ‘porque vinha incidindo em faltas pelas quais teria sido anteriormenteadvertido’, deixando meridianamente claro que o referido concílio incorrera em faltasque achavam documentadas.

É espantoso, é mesmo de estarrecer, que o presidente do SC, que se diz defensorda ordem, da pureza e da ortodoxia da Igreja, recorra a explicações falsas, adeclarações destituídas de fundamento, a afirmações mentirosas para, mais umavez, de público, ludibriar o povo e tentar justificar mais um de seus atos dedesordem, de atrocidade, de violência e de politiquice.

“Pesquisei os arquivos do sínodo, desde sua fundação até 1974 e revistei todos osboletins oficiais da IPB e não encontrei uma só falta apontada contra o SínodoBahia-Sergipe em toda a sua história e, muito menos, que tenha sido advertido porqualquer concílio inferior ou superior. Mesmo no período mais sombrio da IPB (de1966 até os nossos dias), nenhuma falta ou advertência foi encontrada contra oconcílio arbitrariamente dissolvido. Vejamos o que dizem os boletins oficiais.

“No Supremo Concílio de 1966, realizado em Fortaleza, teve seu relatório e atasaprovados com apreciação pelo bom trabalho desenvolvido (Doc. SC-66-32 e 66-57

do Boletim Oficial/IPB). No Supremo Concílio de 1970, em Garanhuns, o SCresolveu se congratular com c Sínodo Bahia-Sergipe pela manutenção dosfundamentos da boa doutrina presbiteriana (Doc. SC-70-CXLV-18).

“Fui presidente do Sínodo Bahia-Sergipe em duas legislaturas (1969-1973),participei de todas as reuniões da CE/SC, e nunca ocorreu advertência ao sínodopor falta cometida. Embora o sínodo tenha assumido posição de nãocomprometimento com a desordem, a farsa e a mentira instaladas na IPB desde1966, procurou manter-se sempre dentro da CI, submetendo-se às decisões dosconcílios superiores. Um exemplo foi a organização do Presbitério Vale do SãoFrancisco. Em virtude de haver sido organizado com a participação de um pastor-

missionário da Missão Presbiteriana do Brasil Central, a CE/SC lhe negou registro, oSC de 1970 considerou a organização irregular e determinou fosse feita a

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DISSOLUÇÕES E DESPOJAMENTOS NA BAHIA 

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Os dois presidentes do Sínodo Bahia-Sergipe no período 1966-1974 foram Josué daSilva Mello e Neemias Araújo. Esses dois pastores tiveram suas vidas chamuscadaspelas labaredas psicológicas da inquisição nas reuniões da CE/SC. Foramdesprezados, ultrajados, injuriados e considerados como se fossem criminosos, aponto de não serem hospedados em casas de membros das igrejas hospedeiras,

como os demais. Rendemos um tributo a esses dois mártires da inquisição quesofreram, mas não se renderam aos inquisidores, nem se tornaram hipócritas paranão sofrerem, como fizeram alguns pastores. Esses dois homens de fibra, que nãosão invertebrados, nem títeres, estão na lista dos mártires da Igreja de Jesus Cristo. 

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DISSOLUÇÃO DO SÍNODO ESPÍRITO-SANTENSE 

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Considerando que, levando-se em conta o CD, Art. 42, suas alíneas e parágrafos,nem mesmo ilegalmente subiu qualquer queixa ou denúncia contra o Sínodo;

Considerando que, em conseqüência, não foi possível ao autor oferecer a menor justificativa que fosse para fundamentar tão intempestiva proposta;

Considerando a já longa e, até agora, inútil lista de manifestos e recursos desteSínodo contra os desmandos da atual administração da Igreja Presbiteriana doBrasil;

Considerando que essa insistente e incansável vigilância do SES, exigindo respeitopela Constituição da Igreja e pelo Sistema Presbiteriano, tem sido consideradaoposição incômoda e que, por causa dela, já foi até usada contra ele ameaça dedissolução, como tentativa de intimidação;

Considerando que fica demonstrado pela observação nº 9 do SC/1974 ao livro de

Atas do SES – em que se registra satisfação do SC por observância do Sínodo derecomendação do Concílio Superior – que este Concilio jamais foi intransigente eobstinado (mesmo que essa transigência era decidida a custo de profundas agoniasmorais), à Igreja Presbiteriana não lhe permitia outra alternativa;

Considerando que a Constituição da Igreja está acima de qualquer Concílio aindaquando este seja o Supremo Concílio,

Considerando que ainda estão em vigor a Constituição e o Código de Disciplinapromulgados pelo Supremo Concílio em 1950 e 1951;

Considerando que qualquer emenda ou reforma da CI e do CD tem que seguirtramitação estabelecida em lei conforme CI, Arts. 139, 140, 141, e CD, Art. 135;

Considerando que eles não são, portanto, automaticamente, modificados pordecisões do plenário do SC, mas, muito ao contrário, ‘são nulas de pleno direitoquaisquer disposições que, no todo ou em parte, implícito ou expressamente,contrariem ou firam a Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil’ (cf. CI, Art. 145),mesmo quando tais disposições emanem do Plenário do Supremo Concílio;

Considerando as numerosas ilegalidades praticadas pela atual administração contra

Sínodos, Presbitérios e Ministros; o Sínodo Espírito-Santense resolve:1º) Declarar nula de pleno direito a resolução do Supremo Concílio que dissolve oSínodo;

2º) Dar conhecimento desta resolução ao Supremo Concílio, por intermédio doSE/SC;

3º) Reafirmar que, em conseqüência, continuam sob sua jurisdição os presbitériosarrolados na SE/SES;

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DISSOLUÇÃO DO SÍNODO ESPÍRITO-SANTENSE 

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4º) Proibir, terminantemente, que qualquer desses Presbitérios atenda convocaçãoou citação que não parta de Concílios regulares ou de tribunais competentes, tendoem vista a CI, Arts. 61 e 94 e alíneas, e CD, Art. 21;

5º) Conclamar a todos os Concílios, Presbíteros docentes e regentes, e a todo o

povo de Deus na Igreja Presbiteriana, nos limites da região sinodal, que se ponhamde pé,

a) na defesa da legalidade e da ordem, contra a ilegalidade e arbitrariedade;

b) contra o abuso do poder pessoal e autocrático, na defesa do sistema conciliar edemocrático, que sempre caracterizou a Igreja Presbiteriana;

c) contra o reinado da difamação, da vingança pessoal, da delação, da perseguição,da opressão, do ódio e do terror, que os que se consideram ‘senhores’ da IgrejaPresbiteriana do Brasil vêm impondo entre o povo de Deus;

d) na defesa de uma vida comum na paz e na unidade do Espírito de Cristo;

e) na defesa do reinado do amor fraterno, da concórdia, da reconciliação em Cristo,e do reconhecimento da soberania exclusiva do Único Senhor da Igreja, JesusCristo;

f) defesa do direito de obediência e submissão, sem reservas, à vontade soberanade Deus, como esta se apossa de nossa consciência, pela iluminação do EspíritoSanto, através de nossa vida no corpo de Cristo, a Igreja, e da nossa meditação dasSagradas Escrituras;

g) Nós também somos cristãos. Nós também somos presbiterianos. Nós tambémfomos batizados. Nós também fomos ordenados para o ministério de Cristo, naIgreja e no mundo. Assim, Deus nos abençoe.”1 

A partir de agosto de 1974 travou-se uma luta judicial entre os concílios dessa regiãoe a direção da IPB. Foi necessária essa providência na justiça secular parasalvaguardar direitos ameaçados dentro da Igreja. A frente dessa luta está WellsteGuida, pastor da Igreja Presbiteriana de Maruípe e atual presidente do Presbitério deVitória. O pastor Guida, além de pastorear a referida igreja é advogado brilhante,

homem de luta e de coragem. Tem enfrentado nestes últimos anos uma verdadeirabatalha na qual tem sofrido as maiores humilhações por parte dos dirigentes da IPB.Não só em Vitória, mas também em Brasília, São Paulo, Rio, Belo Horizonte. O Rev.Guida tem atuado em defesa do sínodo e dos presbitérios da região, especialmenteo de Vitória. Viajando de cidade em cidade, procurando encontrar os representantesda IPB, especialmente o presidente, para assinar cartas precatórias de intimações,citações e notificações. Pela providência de Deus esse pastor está preparado paradefender concílios e pastores na justiça secular a fim de que eles não sofressem asinjustiças que a direção da Igreja tem praticado. Daremos exemplos do que estamosafirmando, enumerando essas lutas judiciais.

1 Aprovada pelo SES, aos 31 de julho de 1974.

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VOZ PROFÉTICA DOS PRESBITÉRIOS DE VITÓRIA E DE COLATINA 

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um esqueleto de Igreja a aceitarem a Igreja viva, atuante e dinâmica que lhesescapa ao domínio; - nesta hora, queridos irmãos do SER, em que de boa fé já nosperguntam “O vosso Deus, onde está”, Salmo 42:3, 10 - esta resolução nos chegacom a resposta de Deus ao seu povo naquelas crises de outrora. Ela é a voz quenos lembra que não estamos só; o sinal de que nem tudo está perdido; o prelúdio da

alegria que vem pela manhã, mesmo que o pranto possa durar uma noite inteira, Sl.30:5; como a voz do profeta que anuncia o caminho paradoxal do Senhor, queatravés do juízo efetua a salvação do seu povo; do profeta que se levantacorajosamente diante dos poderosos em defesa dos humildes; que fala por aquelesa quem não se concede o direito de falar, ou que não encontram ouvidos para osouvir; que exige justiça para aqueles que jamais foram considerados em seusdireitos pelos que detêm o poder com um privilégio e não com umaresponsabilidade.

II. Nesta hora em que a administração da IPB vem-se afastando cada vez mais doSistema Presbiteriano, calvinista, reformado, que constitui o precioso legado que

irmãos de outras terras implantaram entre nós, algumas vezes com sacrifício daprópria vida; desse sistema que se demonstrou o mais vigoroso entre as grandescorrentes da Reforma Protestante, influindo teológica e administrativamente namaioria dos ramos da Igreja Evangélica no mundo inteiro; desse sistema que se temconstituído, na história contemporânea, em inspiração para os sistemasdemocráticos das sociedades mais desenvolvidas do ocidente – sociedadesmodeladoras, sustentáculos de uma infra-estrutura de valores que dão sentido e

 justificação e dignidade à vida de elites, como os humanitaristas, artistas, políticos,cientistas, professores e estadistas, mas também de homens comuns, anônimos,com os trabalhadores rurais, operários, funcionários públicos, artesãos,comerciários, doqueiros, motoristas e ferroviários, todos eles felizes por sentirem-secercados das garantias básicas como pessoas humanas, e de seus direitosconcernentes à vida, à liberdade, à busca da felicidade, à igualdade deoportunidades; sentindo-se, sobretudo, protegidos pela igualdade perante a lei, e pornormas jurídicas que não permitem que jamais sejam tomadas acusações contraeles com prova de culpa, que sobre algum deles recaia jamais o ônus de provar suainocência, porque todos eles são inocentes até prova em contrário. É claro que ademocracia pode passar por períodos de febre e decadência, como o maccarthysmoque assolou a sociedade americana há alguns lustros, mas de dentro do sistemavem a própria cura da infecção. Pode ser vulnerável a escândalos e desvios como orecente caso de Watergate, também nos Estados Unidos, mas não foi necessário

senão um apelo aos recursos vitais do próprio sistema democrático para combater omal, extirpar o tumor e retornar aos saudáveis caminhos abandonados da própriademocracia, em seu significado mais pleno e mais enriquecido. Não foi à toa que,em duas guerras mundiais recentes, as gerações jovens, inclusive brasileira, nãonegaram seu sangue generoso pela democracia contra o totalitarismo, pelo que demelhor e mais cristão está corporificado nas instituições das sociedades ocidentais.E o Sistema Presbiteriano, a respeito do qual sempre aprendemos a considerá-loinspiração da democracia no mundo ocidental e incompatível com totalitarismos esistemas que não respeitem a dignidade fundamental da pessoa humana, - é

 justamente esse o sistema que, às mãos da atual administração da IPB, vemsofrendo deformações tais que se tornou totalmente irreconhecível. Pode-se mesmo

afirmar que o isolamento crescente de nossa Igreja em relação às co-irmãsevangélicas do Brasil e presbiterianas reformadas do mundo inteiro, isolamento

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VOZ PROFÉTICA DOS PRESBITÉRIOS DE VITÓRIA E DE COLATINA 

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sectário e intolerante, é, e só pode ser, uma confissão, embora implícita einvoluntária, de que é a própria IPB desses administradores que não se sente maispresbiteriana. O relacionamento com a família de Igrejas Presbiterianas eReformadas do mundo inteiro deixou de ser uma aspiração de uma igreja jovem esaudável, como era a nossa, quando tinha consciência e orgulho de suas raízes

históricas numa verdadeira sucessão apostólica, para se tornar uma aversão paraum grupo sectário, que quanto mais se preocupa com ortodoxia mais se entrega àdestruição de seminários teológicos, menos se preocupa em colocar nas mãos dopovo os Símbolos da Fé, e mede a vitalidade da Igreja pelo número de templosconstruídos, pelo valor dos seus bens e propriedades.

Irmãos do SER, ficamos felizes porque sentimos que é esse o Sistema que o novoSínodo procura zelosamente restaurar, ou ver restaurado, como base das relaçõeseclesiásticas, jurídicas e administrativas na IPB, quando, pelos motivos expostos,resolve solicitar a inclusão de nosso Presbitério em sua jurisdição. E os seus sãomotivos válidos, temos certeza, quando a boa fé preside às relações mútuas,

quando os legítimos interesses da Causa ocupam o lugar que, infelizmente, vemsendo agora ocupado pela vindita, pela “autolatria”, pela “hybris”, pela intolerância,pela opressão e pelo sectarismo. Saber que existem outros que além de nós sesentem incomodados e inconformados com “anomalias eclesiásticas”, nesta épocada vida da IPB em que tais anomalias se tomaram tantas e tão constantes, que atantos já não causam inquietação nem estranheza, saber de outros que se senteminconformados e incomodados como nós é causa de extremo conforto e consolo.

O maior mal que nos causará para sempre essa fase de subversão do Sistema edos valores presbiterianos há de ser, sem dúvida, essa incapacidade de discernir osespíritos, I CO. 12:10; 1 Jo- 4:1; essa perda da sensibilidade espiritual do povocristão, de sua acuidade moral; da iluminação divina que o capacita a distinguir ocerto e o errado; a autoridade legítima estabelecida para a edificação da Igreja e oarbítrio do tirano em busca de seus próprios fins; o zelo pela verdade sagrada “umavez entregue aos santos”, Jd 3, e a imposição de um “doxia” esdrúxula, produto desubjetivas elocubrações de falsos “salvadores” da Igreja de Cristo. Nesta perspectivaa longo prazo, cresce ainda mais a importância histórica dessa resolução do SER.

III. A IPB tem uma Constituição promulgada em 1950, no templo da IgrejaPresbiteriana de Alto Jequitibá, em Presidente Soares, Minas Gerais, no PresbitérioLeste de Minas. E tem um Código de Disciplina e seus Princípios de Liturgia

promulgados em 1951, ambos declarados leis constitucionais, C/D art. 135 e P/L art.44. Antes disso, regia-se ela pela Constituição de 1937, promulgada em Fortaleza.Antes de Fortaleza, tínhamos o Livro de Ordem, herança que nos ficara, em suamaior parte, de nossa vinculação com a História do trabalho das Missõespresbiterianas americanas no Brasil.

Uma constituição não é jamais fruto de uma partenogênese, de geraçãoespontânea, de uma criação em abstrato, a-histórica. Ela sempre documenta,incorpora e dá continuidade a uma tradição, uma linha horizontal contínua, contendoconcepções e praxes vetustas que identificam um sistema eclesiástico no seu“ethos” básico. Em nosso caso, elas identificam o sistema calvinista, reformado, e

são em termos sociológicos, os usos, costumes  e mores  de nossa “cultura”eclesiologia reformada. Esta, por sua vez, resultou da maneira como a tradição

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Desse poder aproveita-se bem o sr. Presidente, chegando a definir a IgrejaPresbiteriana do Brasil em termos dos que o seguem e lhe obedecem ou daquelesque se lhe opõem. A estes marginaliza, desmoraliza, persegue, assassinaeconômica e moralmente, sem remorsos e sem peias. Daqueles, ele é ocomandante Supremo e incontestável de sua vida, pensamento, ação e ministério, e

aceito com o guia iluminado e infalível da Igreja.

Mas a decisão do SER nesta ocasião é o sinal de que nem todas as consciênciasestão adormecidas, nem todos os corações acovardados, nem todos os gruposconiventes. É o sinal de que nem todos os concílios estão apáticos ou introvertidos,preocupados exclusivamente com sua própria sobrevivência, isolacionistas eincapazes de se sentirem solidários com o restante do corpo. Nem todos osconcílios estão racionalizando os motivos pelos quais a voz da conveniência abafa avoz da consciência. E o sinal de que se pode aprender da História, já que esta tãorecentemente nos demonstrou a insaciabilidade dos regimes totalitários, que exigemsempre concessões cada vez maiores e querem impor obediência cada vez mais

ilimitada. É o sinal de que está para chegar o acerto de contas, pois o juízo jácomeçou pela própria casa de Deus, I Pe. 4:17. É o prenúncio de uma retomada deposição, de um reconscientização, de uma revulsão do organismo afetado em buscada sanidade perdida. É o sinal da graça e do poder de Deus, que não abre mão deseu povo, que inquieta seus servos e exige que se arrisquem sem desfalecimentopela justiça, pela eqüidade, pelo direito. A decisão do SER é uma verdadeiraalvorada.

IV. Para que a ninguém soe demasiadamente pessimista o quadro que vimosdescrevendo dos desmandos da atual administração da IPB, vamos recapitularapenas alguns deles posteriores à reunião do Supremo Concílio, em Belo Horizonte,em julho de 1974. E vamos cingir-nos apenas aos que vêm afetando nossa região:

1. A iníqua resolução daquele plenário que dissolveu o Sínodo Espírito-Santenseresultou de proposta do próprio Sr. Presidente do SC. E não contente de propor amedida à comissão de expediente, por detrás dos bastidores, portanto, veio aplenário defendê-la com um libelo contra o SES em que o que mais impressionavaera a baba do ódio e não a linguagem da razão, ou a coerência dos argumentos.

2. Daí para cá, os adeptos do Sr. Presidente em nossa região vêm estudadamenteprovocando cisões a nível de comunidades locais. Presbíteros são instruídos a

agredirem pastor e colegas seus do conselho quando os não apóiam. Criamescândalos, promovem tumultos e violências, acusam, caluniam, espalhamsuspeitas, negam velhas amizades, dividem famílias, inquietam a juventude.Retornam ao velho e desmoralizado processo de acusar de comunistas os ministrosque consideram adversários de seu chefe idolatrado. Seu odium theologicum transforma-se em mero pretexto para agressões que só não chegam a ser físicasporque os que procuramos continuar adeptos de Cristo e do presbiterianismogenuíno nos deixamos ainda governar por uma ética cristã. Para tudo isso, qualquermembro da Igreja pode receber instruções diretas do Sr. Presidente, o número decujo telefone anda à disposição de quem quer que deseje juntar-se à sua campanhadifamatória, que chega até a propalar a sempre iminente prisão pela Policia Federal,

dos ministros que se lhe opõem.

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VOZ PROFÉTICA DOS PRESBITÉRIOS DE VITÓRIA E DE COLATINA 

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(c) Dos sete presbitérios que compunham o Sínodo Espírito-Santense, os quatrocitados integram, então, o SER. O São Mateus, integra o Rio Doce. Ficam fora osPresbitérios de Vitória e Colatina.

Refletindo melhor a sanha do que a eclesiologia do inspirador da famosa decisão emtela, o SC-74 autoriza a CE a “dissolver presbitérios, quando julgar necessário”, ea “colocar-se sob jurisdição de Sínodo da IPB, da escolha da mesma ComissãoExecutiva, presbitérios que possam ser exonerados de responsabilidades”. [Grifosnossos, em ambos os casos]

É então que a CE/SC toma uma atitude para com os Presbitérios de Vitória eColatina que produz a maior surpresa. Tendo anteriormente investido contra essespresbitérios com uma medida inédita na história da Igreja Presbiteriana do Brasil,isto é, transferindo algumas de suas igrejas para outros concílios sem, antes,dissolver o PVTR ou o PCOL; remetendo-lhes, antes, interpelações que só poderiam

significar o reconhecimento tácito de sua continuidade como concílios regulares daIPB, embora litigantes – a CE/SC resolve colocar esses dois presbitérios sob

 jurisdição do Sínodo de São Paulo.

Em vista dos termos da resolução acima citada, esta medida só poderia significar,onde quer que as palavras mantenham seu valor semântico, que esses presbitériospuderam “ser exonerados de responsabilidade” e, neste contexto, isso significa deresponsabilidade “em casos de desobediência a decisões do SC”.

Será que a CE/SC resolveu considerar isentos de responsabilidade essespresbitérios que estão em litígio contra ela na justiça civil estadual e federal?Resolveu isentar de responsabilidade esses presbitérios contra os quais vemincessantemente agindo com a máxima hostilidade, agressividade edesconsideração? Mas então porque não incluí-los no novo Sínodo, sponte sua,mas no Sínodo São Paulo?

Não é possível manter nenhuma ilusão a respeito do significado da medida, emboraseu valor literal, bona fide, à luz da mais racional interpretação do texto daresolução do plenário do SC não possa ser outra que não o que vimos apontando.Mas não tenhamos ilusões. A Constituição da Igreja j é desprezada. As resoluçõesdo plenário são dirigidas e modificadas. As resoluções da CE/SC mesma são

modificadas sem reconsideração. Não é preciso haver preocupação nem com aspalavras em que as decisões são formuladas, porque as palavras sempre terão osentido que lhes quiserem dar aqueles que têm o poder. É o caos. Não há mais um“universo” chamado Igreja Presbiteriana do Brasil, que está aí antes da eleição dequalquer administração particular, e que aí estará depois de passada qualqueradministração particular. Para a presente administração não importam nem opassado nem a futuro da Igreja. Não há nenhuma obrigação de coerência, nenhumcompromisso de manter uma ordem inteligível, seja eclesiástica, jurídica ousemântica.

Porque, usando da irresponsabilidade do poder desmedido que se atribui, a única

intenção possível da CE/SC ao colocar os Presbitérios de Vitória e Colatina sob jurisdição do Sínodo São Paulo só pode ser:

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1. dificultar ao máximo a presença dos representantes desses presbitérios noSínodo, e assim tornar impossível sua defesa;

2. facilitar ao máximo a pressão direta do poder pessoal do Sr. Presidente, num

Sínodo de sua absoluta confiança;

3. fazer que, caso haja ainda um arremedo de julgamento, o resultado coincida comaquele veredito que ele mesmo, pessoalmente, já proclamou em público, quando desua recente visita a Governador Valadares, MG. Ali, diretamente interpelado sobreos ministros desses presbitérios, declarou-os todos inaproveitáveis e destinados aodespojamento (exceto, claro, os seus adeptos). E é o que nos resta esperar.

Irmãos do Sínodo Espírito Santo-Rio de Janeiro: nada mais temos a dizer, excetoreafirmar uma vez mais o quanto significou para nós a resolução que nos foicomunicada.

Não pretenderíamos, nesta altura da situação geral da Igreja, a que chegamos, fazersupor que nossa posição se altera, que nossa disposição de luta se modifica.

Poderemos rever, e para isso estamos abertos, alguma afirmação menos justa comque involuntariamente tenhamos ferido quem quer que seja; mas em nossa tesegeral nos mantemos inamovíveis e destemidos.

Desejamos ser julgados, e não “pré-julgados”.

Desejamos nos seja concedida, alguma vez, em algum lugar a oportunidade dedefesa.

Não desejamos anistia. Seremos suficientemente humildes para aceitar asconseqüências dos erros que possam provar  que cometemos.

Se negamos os votos de nossa profissão de fé ou de nossa ordenação para opresbiterato, que se queixe quem quiser apresentar queixa, que nos denuncie quemquiser apresentar denúncia, mas que o faça diante de um tribunal competente.

E se como Presbitérios nos calamos diante de nossos erros ou nos negamos a dar

provimento a qualquer queixa ou denúncia jamais levantada contra nós, sejamostambém queixados, denunciados, julgados – sempre, porém diante de tribunalcompetente.

E é por isso que, mesmo sem abrir mão de um jota ou um til das posições que vimosaté agora afirmando e defendendo, aceitamos submeter-nos a qualquer processoque se tenha que abrir contra nossos dois presbitérios, ou mesmo declará-lossuspeitos e, na forma da CI, submeter seus ministros a um tribunal de igualcategoria. Entendemos, à luz do conteúdo do documento, que este é um Sínodo deboa fé, de coragem, de envergadura, descomprometido e imparcial, insubornável,não intimidável e, acima de tudo, zeloso da história e das responsabilidades do

presbiterianismo em nossa região, porque, como nós também, com oração, esangue, suor e lágrimas, vêm os presbitérios que o compõem, há mais de 50 anos,

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EXPURGOS E ISOLACIONISMO 

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com as instituições mantidas pela IPU e para com as propriedades que ainda estãoem nome da IPU.

“2/ É verdade que o escritório da IPU, em São Paulo, tornou-se lugar de encontropara alguns grupos não pertencentes a IPB. O artigo está tecnicamente correto

quando me apelida de ‘ex-missionário’ porque, para ser designado representante daIPU, tive de me desvincular da MPBC, embora o salário e benefícios que recebo seenquadrem dentro do mesmo padrão de todos os meus colegas missionários noBrasil.

“3/ Não foi ‘voto unânime’, pois os presidentes dos seguintes sínodos votaram contraessa decisão: Sínodo Bahia-Sergipe, Sínodo Espírito-Santense e SínodoGuanabara.

“4/ Na reunião de 1966, em Fortaleza, o Rev. Boanerges Ribeiro foi eleito para o seuprimeiro quadriênio na presidência da IPB.

“5/ Por causa da crise, de nível mundial, nas finanças da IPU, onze missionários noBrasil foram retirados para outros trabalhos ou campos, no final do ano de 1972.Chalmers e Polly Browne, Bob e Becky Dodson, George e Helena Glass, JanetGraham, Charles e Hazel Harken, Bill e Fern Jennings. Os únicos evangelistas sãoDodson e Jennings. Todo mundo sabe que Dodson teve de ser removido de SantaCatarina, devido ao virtual veto da CE/SC à continuação de seu trabalho noPresbitério de Florianópolis. Ninguém pode negar que Bob era não somente umdedicado missionário, mas também um amigo da IPS. Milton Daugherty, antes de seaposentar, já estava sondando a possibilidade de Jennings ser cedido pela IPU paratrabalhar no Brasil, sob os auspícios da IPS. Este interesse fortuito da IPS facilitou aindicação de Bill e Fern pela Junta de Nashville. O que poucas pessoas sabem éque já estava programada a volta dos Jennings para o Brasil, mantidos pela IPU.Sua indicação pela IPS evitou que outro casal saísse do Brasil e assim não entrassena lista dos onze que iam transferidos do Brasil. (A presença deles nos EstadosUnidos, na época em que estavam sendo tomadas as decisões para astransferências, sem dúvida contribuiu para a inclusão dos Jennings no grupo dosonze.)

“6/ Apesar das cartas de Olson Pemberton no Brasil Presbiteriano, ele foi advertidoque saísse de férias, que seu regresso ao Brasil, sob os auspícios da IPU, poderia

não ocorrer, caso obtivesse uma licença para tratar de assuntos particulares nosEE.UU. da A. Esta era uma política geral tanto em Nova York como em Nashville,naquela época, mesmo antes que o processo drástico de remoção se iniciasse emtodo o mundo. Não somente Olson foi uma ‘vítima’ dessa política como tambémoutros ex-missionários da IPU no Brasil, tais como Mark Moore e Bill Read. Apesarde dedicado amigo da IPB, Olson não é agora um evangelista.

“Eu sinceramente desconheço qualquer missionário que tenha sido impedido deretornar ao Brasil pela estúpida razão de que era amigo da IPB. Diante dessascircunstâncias, pode-se muito bem fazer as seguintes perguntas: ‘O que significa seramigo da IPB? Pode-se manter uma atitude indiferente quando está em jogo a

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CONSIDERAÇÕES SOCIOLÓGICAS 

“O mandonismo patriarcal, pelasua própria organização derigidez e autoritarismo, nãocomportaria, na verdade, outraatitude, pois quem vivia comotrabalhador de engenho oufazenda tinha forçosamente dese sujeitar à disciplina rígida eunilateral da Casa Grande. Osistema de obediência dopatriarcalismo não comportavaméis tintas; exigia servilismocompleto, adesão irrestrita, nadade diálogo, de acordo, deconciliação. A ordem, omonólogo e não o diálogo era otema fundamental...”1 

A Igreja Presbiteriana do Brasil, como parte da sociedade brasileira, está sujeita, emgrande parte, às características do contexto social em que ela está vinculada. Natentativa de explicar o fenômeno inquisitorial que aqui surgiu dentro do

presbiterianismo não podemos deixar de procurar as raízes desse fenômeno noambiente sócio-cultural.

A sociedade brasileira está passando por um período de modernização e desecularização, saindo de um longo estágio rural-patriarcal para a nova era urbana-burguesa. Por isso é pertinente a observação do sociólogo O'Dea sobre o queacontece nas igrejas quando se verifica esse fenômeno na sociedade:

“Deve-se notar, além disso, que, como a instituição tende à cristalização deformas estabelecidas, e como a secularização da cultura freqüentemente fazcom que as pessoas religiosas se tornem ‘defensivas’, aumentam as

tendências para autoritarismo e rigidez.”2 

Uma das marcas predominantes da sociedade brasileira é o seu “ethos” rural, porisso podemos aplicar ao Brasil, em relação ao protestantismo, a mesma conclusão aque chegou o sociólogo Christian Lalive d'Epinay no seu estudo sobre opentecostalismo chileno. Jovelino Ramos nos ajuda nessa colocação quandoescreveu:

“O conservantismo também se expressa na mentalidade rural deste movimento (oprotestantismo brasileiro). (...) O sociólogo suíço Christian Lalive d'Epinay

1 Morais, Pessoa de, Sociologia da Revolução Brasileira, pg. 146.2 Maciel, Elter, Pietismo no Brasil, pg. 19.

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CONSIDERAÇÕES SOCIOLÓGICAS 

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Os metodistas, batistas e presbiterianos levaram para as povoações das fronteirasdo “Far-West” os “avivamentos” religiosos com uma forte ênfase ao emocionalismo,o que serviu de lenitivo para aquelas almas aflitas e perturbadas que freqüentavam,aos milhares, as reuniões das tendas e os “retiros espirituais”.14 

Ao mesmo tempo em que as Igrejas mandavam seus missionários para as fronteirasamericanas, enviaram outros missionários para as fronteiras do Sul, abaixo do RioGrande, isto é, para a América Latina. Assim o Brasil também era uma fronteira pagãna qual a Igreja devia atuar, porque, além de haver índios por aqui, havia tambémuma sociedade tida pelos americanos como corrompida e imoral.

Um estudo dos dados biográficos de 26 missionários presbiterianos enviados aoBrasil pela Junta de Nova York, da IPU, de 1859 a 1930, mostrou que todos, excetodois, vieram de pequenas cidades ou de áreas rurais, do Oeste e do Centro-Oestedos Estados Unidos.15 

Ora, esses missionários imprimiram no Brasil o modelo da “igreja-fazenda”. Comoafirma Pierson: “A orientação era natural porque muitos missionários vieram daspequenas cidades da área rural americana, das áreas do Oeste da Pensilvânia, doCentro-Oeste e do Sul, onde as lembranças da fronteira eram recentes durante seusanos de formação. Às vezes eles tendiam a equacionar a virtude com o ambienterural e pecado com a cidade.”16 

Mais tarde, em 1916, essa idéia ainda era forte porque no chamado “Brazil Plan” daComissão “Modus Operandi”, que foi o acordo da IPB com os missionários, ficouestabelecido que os missionários ficariam trabalhando fora dos presbitérios e nasregiões rurais.

Não aconteceu isso apenas com o trabalho missionário, porque a maioria daliderança nacional era de origem rural. J. M. Davis constatou que “em 1942” 80%dos estudantes do Seminário de Campinas eram de lares pobres e rurais, e este temsido um padrão consistente na história do presbiterianismo brasileiro”.17 

Ainda é Pierson que apresenta os seguintes dados: “A maioria dos pastores era dasáreas rurais. Dos 98 candidatos ao ministério em 1953, 60 eram de dois sínodos:Minas-Espírito Santo e Norte, que são áreas predominantemente rurais. Um escritor,em 1964, afirmava que as igrejas rurais são ‘a espinha dorsal’ do presbiterianismo,

mostrando que possivelmente 801 das igrejas presbiterianas; eram congregações deaproximadamente 100 membros comungantes.”18 

Áureo Bispo dos Santos fez um estudo estatístico sobre 50 estudantes do SeminárioPresbiteriano do Norte, em Recife, no ano de 1970. Mostrou que 60% dosestudantes tinham vindo de cidades com menos de 5.000 habitantes, e 40% tinhamvindo de centros maiores, sendo mais da metade do interior.19 

14 Ibidem, pgs. 153-154.15 Pierson, op. cit., pg. 255.16 Ibidem, pg. 77.17

 Ibidem, pg. 122.18 Ibidem, pg. 236.19 Ibidem, pg. 263.

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CONSIDERAÇÕES SOCIOLÓGICAS 

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Essa predominância rural muitas vezes criou conflitos dentro da IPB. Dois exemplossão significativos: o problema da centralização administrativa e o problema daordenação de diaconisas.

O problema da centralização administrativa  foi levantado especialmente pelasáreas rurais do Norte e Nordeste que clamavam contra a centralização ditatorial dasigrejas do Centro-Sul. Emile Leonard faz uma aguda observação sobre esse conflito:“Encarando um pouco mais de perto esses debates, poderíamos pensar que setrata, sobretudo, do eterno conflito entre o protestantismo rural, orgulhoso, se assimpodemos dizer, de seu direito de primogenitura, e um protestantismo urbano, segurode suas vantagens de centralização e organização, e dos talentos particularmenteaparentes de que dispõe. As capitais e os ilustres das capitais pretenderam sempretomar a direção das Igrejas”.20 Leonardo conclui que, no fundo, o conflito é tambémentre os campos novos do interior que acabam de se abrir à Reforma e os camposde um protestantismo já velho e cansado que, por isso, se preocupava com a

centralização administrativa.

Outro exemplo sobre o conflito dentro da IPB por causa da predominância rural, foi adiscussão sobre a ordenação de diaconisas, que quase dividiu a Igreja.

O Supremo Concílio, reunido em Constituinte em dezembro de 1937, no Rio deJaneiro, aprovou a nova Constituição que continha o Artigo 59: “Para o ofício dediaconato não há distinção de sexo”. A aprovação desse artigo causou uma fortereação nas regiões do Norte e Nordeste, liderada especialmente pelos pastores dafamília Gueiros que disseram que a ordenação de diaconisas era um “modernismofeminista”. O Sínodo Setentrional, em 1943, ameaçou a IPB que, se no próximoSupremo Concílio de 1946 o assunto das diaconisas não fosse resolvido, o sínodose retiraria da Igreja. Finalmente, as igrejas presbiterianas do Centro-Sul, para evitardivisão, aceitaram a opinião do Sínodo Setentrional e revogaram o artigo 59 daConstituição. “Isso também mostrou a confusão da ortodoxia teológica com certosaspectos da cultura patriarcal tradicional daquela área.”21 

O assunto da missão da mulher na Igreja apareceu várias vezes. Num artigo do jornal Mocidade, o Rev. Benjamim César declarou o seguinte:

“É uma questão de lógica. Ao meu ver está havendo um pecado em

sacramentar o púlpito. O púlpito não é privilégio de um ministro ordenado. Sea mulher pode pregar, porque então não pode assumir o púlpito?”22 

Essa declaração causou um ano de discussão dentro da Igreja, não só nas áreas doNorte, mas também nas do Sul. Em 1974 o Supremo Concílio reafirmou que a IPBnão admite diaconisas, nem ordenação de mulheres para o pastorado.23 

O que podemos ver, com os exemplos citados, é que a ética rural-patriarcal aindatem muito poder dentro da IPB, por isso não comporta meias tintas, exige servilismo

20 Leonard, Revista de Histó ria, Nº 11, pg. 162.21

 Pierson, op.cit., pg. 195.22 Mocidade, abril de 1950, pg. 8.23 BP, setembro de 1947. pg. 2; e outubro de 1974, pg. 7.

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CONSIDERAÇÕES SOCIOLÓGICAS 

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O clima de grupo de minoria produz a tendência inquisitorial que se manifestoutremendamente contra pastores, presbíteros, membros de igreja, seminaristas,professores de seminários, igrejas inteiras, presbitérios e sínodos.

Outros aspectos sociológicos podem ser considerados, tais como a relação entre a

IPB e a classe média brasileira. Na fase eufórica da Campanha do Centenário(1949-1959) a referência insistentemente citada era: “A IPB é a igreja da elite”. Haviauma convicção de que os presbiterianos faziam parte da elite dominante no Brasil.Não era mais a Igreja do povo, mas a Igreja dos que mandavam no povo, por issodevia ser a Igreja do “status quo” que reagia contra qualquer inovação.

Nesse sentido já foi constatado que o presbiterianismo no Brasil não deixou derevelar a sua tendência para fortalecer o “espírito do capitalismo”, pois, entre grupospresbiterianos conservadores, há quem defenda a tese de que Jesus ensinou ocapitalismo na Parábola dos Talentos (Mateus, cap. 25).

Enfim, não podemos negar que os fatores sociológicos explicam muitos aspectos dacrise da IPB.

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PERSPECTIVAS PARA O FUTURO 

Quanto ao futuro, mencionaremos sete tópicos.

I. MISSÃO DA IGREJA 

Muitos problemas surgidos nestas duas últimas décadas do presbiterianismobrasileiro estão relacionados com esse tema central – a Missão da Igreja no Brasil. Amotivação básica que deu impulso ao desenvolvimento da Igreja Presbiteriana doBrasil foi a “desromanização” do povo brasileiro. Essa motivação foi posta em dúvidaapós o advento do movimento ecumênico. Já saímos da era da “Contra Reforma”,portanto não é mais possível manter o “Escolasticismo Protestante” na segundametade do século XX.

É preciso reconhecer que a “Reforma” dentro do catolicismo é uma realidade e nãouma escamoteação. O Supremo Concílio da IPB tem agido muitas vezes como um“Supremo Concílio de Trento” e instaurado a “Contra Reforma” protestante paracombater os novos “Luteros” e “Calvinos” do catolicismo atual.

O pensamento oficial da Igreja Católica, não só no Brasil, mas também em toda aAmérica Latina, reconhece hoje a necessidade de evangelização, a urgência de umapastoral que leve as populações a uma “adesão pessoal” ao Cristo com todas assuas implicações individuais e sociais.

A motivação do protestantismo não deve ser mais a de “desromanizar”, mas a de

cooperar com o autêntico cristianismo católico reformado no esforço de apresentarCristo ao homem brasileiro.

II. FIDELIDADE A CRISTO 

Outro ponto que é digno de nota nesta última década foi a ênfase que asautoridades presbiterianas deram à fidelidade aos homens que dirigiam os concíliose às propriedades imóveis da Igreja. Criou-se um mito de que os homens eleitospara os altos postos da administração eram intocáveis e de que as propriedadesmateriais faziam parte da essência da Igreja, num verdadeiro retorno ao espíritomedieval. Assim, para ser considerado “bom cristão” era preciso ser “bom

presbiteriano”, fiel aos dirigentes da Igreja e sempre pronto a reconhecer que osbens imóveis das comunidades locais não pertenciam, por direito, aos membrosdessas comunidades, mas aos concílios superiores. Deu-se claramente a entenderque a fidelidade a Cristo não era tão importante como a subserviência aospresidentes dos concílios e aos guardiões dos bens imóveis.

III.  A CONSTITUIÇÃO DA IGREJA 

Quando a IPB entrou em crise a sua Constituição Jurídica deixou de funcionar demodo positivo. Os concílios transformaram-se em tribunais e o Código de Disciplinafoi considerado como um Código Penal. Para o futuro seria necessário reformar a CI

ou aboli-la para dar lugar a uma expressão mais espontânea de vida eclesiástica.Creio que a CI se transformou num estímulo enrijecedor e radicalizador de posições

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PERSPECTIVAS PARA O FUTURO 

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que impediram a assimilação de novas expressões de vida espiritual dentro daIgreja. Os grupos da “renovação espiritual”, da “responsabilidade social” e do“ecumenismo” foram marginalizados ou extirpados porque se constituíram emameaça à estrutura rígida arquitetada pelo “cimento armado” da constituição.

A Igreja tem que estar aberta aos movimentos do Espírito Santo, para não se tornarum empecilho às manifestações genuínas da vida cristã.

IV. ESPIRITUALIDADE BRASILEIRA 

O Pentecostalismo e o Umbandismo funcionam no Brasil como grandes forçasreligiosas que ameaçam as estruturas das igrejas históricas católicas e protestantes.Como encarar esses movimentos novos? Como canalizar esses caudaisestrepitosos da espiritualidade brasileira? Até onde as Igrejas históricas devem darguarida às religiões de “massa”, aos movimentos carismáticos? São perguntas quetêm que ser respondidas neste final de século.

V. NOVA EXPERIÊNCIA 

Na IPB há hoje um dilema: permanecer na Igreja ou sair dela para uma novaexperiência? Muitos já optaram por um das alternativas. Os que permaneceramacham que essa é a melhor posição porque, embora com dificuldades, devem dartestemunho dentro da estrutura. Outros que saíram entendem que o sulco entre asposições teológicas é tão grande que não é mais possível continuar a “coexistênciapacífica” dentro de uma “guerra fria” religiosa.

Por outro lado, a vinculação da IPB com a ideologia da classe média é um obstáculointransponível para que a Igreja fique livre das flutuações do regime político.

Há, pois, necessidade de um rompimento. Com o advento da “teologia da libertação”abriram-se as perspectivas para a experiência do “deserto”, como no Êxodo, ou paraa experiência do “exílio” em que a verdadeira expressão da Igreja estaria na“diáspora” e não na instituição.

VI. P ARÁGRAFO TRISTE 

É lamentável e chocante constatar que por trás de toda esta história triste da

inquisição que relatamos nesta pesquisa estão os interesses de poder econômico ede mando representados na luta por cargos altamente remunerados de Presidentedo Instituto Mackenzie, Presidente do Conselho Deliberativo, Vice-presidenteEducacional, Vice-presidente Financeiro, Chanceler da Universidade e outros postosdo grande patrimônio que é o Mackenzie. Onde está a luta pela ortodoxia? Ondeestá o empenho pela paz e pela pureza da Igreja? Onde está o zelo pela Bíblia, pelaIgreja e pela doutrina? Tudo isso está na Rua Itambé, 135, Higienópolis, 01239 SãoPaulo, SP, telefone 256-6611.

Omitimos, de propósito, nesta pesquisa, o “problema Mackenzie”, porque ele mereceum tratamento mais acurado e mais extenso. Seria outra pesquisa. Nestas duas

décadas que estudamos, a Universidade Mackenzie e o Instituto Mackenzie tiverampapel relevante dentro da crise presbiteriana. Tanto a Universidade com o Instituto

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PERSPECTIVAS PARA O FUTURO 

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E agora, o que é ela? A máscara caiu.

Balbuciando humildemente, diria que parece que Deus permitiu tudo isso não sópara deixar cair a mascara, mas também para que a memória dessa crise fosse

sempre uma advertência para que os protestantes brasileiros e do mundo inteiraaprendam a lição de que o caminho da Fé Reformada apareceu no século XVI paraapontar a Igreja do século I e não a Igreja do século XIII. O que os Reformadoresbuscaram sincera e ardentemente foi a inspiração da Igreja dos tempos apostólicos,aquela que sempre serviu de estímulo para as aberturas do futuro. Mas oProtestantismo, em várias ocasiões, teve mais saudade do século XIII do que doséculo I.

Esta crise que enfrentamos é um desafio para que os presbiterianos e todos oscristãos no Brasil busquem suas origens Reformadas e apostó1icas para que haja,na terra brasileira, expressões autênticas da comunidade do Cristo.

[Terminei esta pesquisa numa sala desocupada da casa onde residiu o missionáriobanido, Paul Everett Pierson. Dezembro de 1975. Recife.]

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Conferenciais e Teses - Primeiro Congresso Evangélico Pan Americano emCooperação com o Conselho Internacional de Igrejas Cristãs. São Paulo, 1951.

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La Naturaleza de La Iglesia y su Misión en Latino América. Bogotá, CCPAL,1963.

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Manifesto do Presbitério de Campinas. 1968.

Manifesto do Presbitério de Ribeirão Preto. 1968.

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Manual Presbiteriano  - Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil, Código deDisciplina e Princípios de Liturgia. São Paulo, Casa Editora Presbiteriana, 1951.

Mocidade  - Jornal da Confederação Nacional da Mocidade Presbiteriana: 1944-1966.

Norte Evangélico - Jornal publicado em Recife, 1909-1958, e incorporado ao BrasilPresbiteriano em 1958 juntamente com O Puri tano.

O Livro de Confissões, Missão Presbiteriana do Brasil Central, São Paulo, 1969.

O Puritano - Jornal Oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil, 1899-1958 (substituídopelo Brasil Presbiteriano).

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Revista das Missões Nacionais - 1887-1924.