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Este artigo agrupa as referências e demonstra os caminhos tomados para o desenvolvimento de uma coleção composta por dez looks com propósitos sustentáveis, e as devidas apresentações, para um público-alvo feminino observado pelos autores. O presente projeto parte do amplo universo formado entre o design de moda e a sustentabilidade para, em seguida, aprofundar-se no conceito de resiliência verificado em projetos de inclusão social, como o Desfile de Primavera do Hospital Pérola Byington em parceria com a Universidade Anhembi Morumbi. Para mais, trata-se da interdependência presente nas relações interpessoais que compõem o sistema equilibrado da, como é aqui nomeada, Teia da Vida.( VÍDEO DOCUMENTÁRIO DO PROCESSO: http://www.youtube.com/watch?v=i16Llg6Wm3c )
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A INTERDEPENDÊNCIA NA TEIA DA VIDA:
o pensar da resiliência entrelaçado ao design de moda
THE INTERDEPENDENCE IN THE WEB OF LIFE:
the thinking of resilience interlaced to fashion design
Jennyfer Santana Fiorilo; Luana Wouters Fernandes Monteiro; Nadine de Oliveira Campos; Stella Provinzano Gonçalves Silva;
Tainá Nascimento; Vinícius Prado Lima1
Orientadora Professora Mestre Regina Golden Barbosa
RESUMO
Este artigo agrupa as referências e demonstra os caminhos tomados para o desenvolvimento de uma coleção composta por dez looks com propósitos sustentáveis, e as devidas apresentações, para um público-alvo feminino observado pelos autores. O presente projeto parte do amplo universo formado entre o design de moda e a sustentabilidade para, em seguida, aprofundar-se no conceito de resiliência verificado em projetos de inclusão social, como o Desfile de Primavera do Hospital Pérola Byington em parceria com a Universidade Anhembi Morumbi. Para mais, trata-se da interdependência presente nas relações interpessoais que compõem o sistema equilibrado da, como é aqui nomeada, Teia da Vida.
Palavras-Chave: Design de Moda; Sustentabilidade; Inclusão Social; Hospital Pérola Byington; Resiliência; Interdependência.
ABSTRACT
This paper merges the references and demonstrates the roads taken to the development of a collection composed of ten looks with sustainable purposes, and the due presentations, to a female target audience observed by the authors. The present project parts from the broad universe formed between the fashion design and sustainability for, then, deepen itself into the concept of resilience checked into social inclusion projects, such as the Spring’s Parade of Pérola Byington Hospital in partnership with the Anhembi Morumbi University. Furthermore, it regards the interdependence present in the interpersonal relations that compose the balanced system of, as here named, Web of Life.
Keywords: Fashion Design; Sustainability; Social Inclusion; Pérola Byington’s Hospital; Resilience; Interdependence.
1 Alunos do quinto semestre de graduação em Design de Moda, da Universidade Anhembi Morumbi. Endereços eletrônicos: [email protected]; [email protected]; [email protected]; [email protected]; [email protected]; [email protected].
Introdução
Os projetos em design de moda são permeados pela interdisciplinaridade.
Visto isso, este artigo visa esclarecer ao leitor os métodos envolvidos para o
conceber de uma coleção de vestuário, formada por dez looks, com indicação de
ação sustentável, e os respectivos ensaio fotográfico e apresentações em forma de
documentário e livreto. Aqui, o grupo procura expor os caminhos investigados para
que haja a compreensão do trabalho por inteiro – das formas de pensá-lo à criação
das roupas.
Os campos do design, bem como os da moda, por vislumbrarem o futuro,
como mostra Navalon (2008), têm sinalizado a necessidade de refletir e agir
sustentavelmente atrelados às etapas de suas produções. Em suma, busca-se
estender, através de uma lente sustentável, os rumos e significados da moda – para
ser extraído, socialmente, o máximo de aspectos positivos a partir dela. A relação
entre design de moda e desenvolvimento sustentável é, destarte, o ponto inicial para
que se dê o discorrer da presente pesquisa.
1 Design de Moda e Desenvolvimento Sustentável
A Revolução Industrial coloca a indústria têxtil entre as mais potentes e
poluentes do século XXI, fato que configura a roupa como um produto voltado,
fundamentalmente, ao consumo, declarma Schulte e Lopes (2008). Bourdieu e
Delsaut (2006), ao contrário, tratam a moda como uma ampla ferramenta social,
usada para suprir as necessidades de diferenciação, exclusividade e expressão de
um indivíduo (figura 1).
Fig. 1: O poder comunicativo da moda. Fonte: blog Advanced Style. Disponível em: <http://advancedstyle.blogspot.com.br/2013/09/the-advanced-style-ladies-sit-front-
row.html>. Acesso em 28 de outubro de 2013.
1
Em suas investigações, os filósofos nos apresentam o paradoxo
contemporâneo da moda ao defini-la como um fenômeno coletivo que, ao mesmo
tempo, reforça a individualidade. Lipovetsky (1989) une os raciocínios dos autores
previamente mencionados ao relatar que a moda tornou-se essencial dentro do
cotidiano e que, por conta das particularidades apontadas por Bourdieu e Delsaut,
originou uma prática consumista e desenfreada, o fast fashion.
Martins e Busso (2010) enfatizam a importância de pensar a moda com uma
mentalidade sustentável ao declararem que seu sistema “impõe um ritmo de
obsolescência programada acelerado em que os produtos são descartados antes do
final da sua vida potencial” (p.1). A sustentabilidade, segundo Fletcher e Grose
(2011), tem o potencial para transformar a maneira como é tratada a moda, desde o
conceber das fibras até o vestir dos valores.
Trazendo à tona a barbárie da ética e da estética, Lipovetsky conclui que a atual sociedade do hiperconsumo deve criar formas de sustentabilidade, não sendo apenas destrutiva, como se vem observando, mas também responsável. Em termos históricos, do mesmo modo como a opção consumista seria uma invenção datada, a sua exaustão deve ocorrer não apenas a partir de uma revolução do modo de produção mercantil e de valores, mas por uma inversão hierárquica na qual o hedonismo não seria um princípio estruturante da vida. (SCORSOLINI-COMIN, 2009, p. 2)
As consequências de um consumo sustentavelmente responsável são
retratadas por Manzini e Vezzoli (2008) no trecho a seguir:
Nos próximos decênios, deveremos ser capazes de passar de uma sociedade em que o bem-estar e a saúde econômica, que hoje são medidos em termos de crescimento da produção e do consumo de matéria-prima, para uma sociedade em que seja possível viver melhor consumindo (muito) menos e desenvolver a economia reduzindo a produção de produtos materiais. (MANZINI e VEZZOLI, 2008, p. 31)
2
Figs. 2 e 3: Exemplos de sustentabilidade em um dos processos de produção do vestuário, planos de corte com zero desperdício, concebidos pela designer de moda Holly McQuillan. Fonte: o site pessoal de Holly McQuillan. Disponível em <http://hollymcquillan.com/design-practice/twinset-embedded-zero-
waste>. Acesso em 28 de outubro de 2013
A expressão desenvolvimento sustentável foi criada em 1987, no Relatório
Brundtland da Organização das Nações Unidas, também denominado Nosso Futuro
Comum. É importante destacar que, de acordo com o Relatório Brundtland,
sustentabilidade é:
(...) suprir as necessidades da geração presente sem afetar a habilidade das gerações futuras de suprir as suas. Algumas pessoas, hoje, referem-se ao termo "desenvolvimento sustentável" como um termo amplo, pois implica desenvolvimento continuado, e insistem que ele deve ser reservado somente para as atividades de desenvolvimento. (1987, apud NETO e DE SOUZA, 2010, p. 2)
3
Fig. 4: A tríplice que rodeia o desenvolvimento sustentável. Fonte: portal Rethink Group. Disponível em <http://www.rethink-group.com/resources/municipal-sustainability-indicators>.
Acesso em 28 de outubro de 2013.
Tendo em vista o tripé que compõe a base da sustentabilidade – ambiental,
econômico e social, como demonstrado pela figura 4 – e a necessidade de enfoque,
o grupo decide por tratar do assunto “Inclusão Social” no subtema do projeto.
2 A Inclusão Social no Design de Moda
O termo Inclusão Social denota a integração de indivíduos, antes excluídos
por conta de alguma distinção, à sociedade. Um leque de estudos atemporais, como
dialogam Roncoletta e Preciosa (2008), evidencia a capacidade transformadora que
permeia as áreas do design e da moda. Segundo as autoras, “o design socialmente
responsável está relacionado diretamente à qualidade de vida” (p. 1). Constata-se,
portanto, que o designer, por seu papel intimamente comprometido com uma
responsabilidade social, deve explorar as competências da moda.
4
Fig. 5: A paciente Lau Esmeralda sendo maquiada para o Desfile de Primavera do Hospital Pérola Byington em parceria com a Universidade Anhembi Morumbi – assunto devidamente tratado no objeto
de estudo da pesquisa. Fonte: Acervo Pessoal do designer de moda Paulo Samú.
Está na hora de a moda nos mostrar e nos fascinar com o que é possível, nos propiciar o imperativo moral de mudar cada aspecto da produção e da nossa segunda pele. Acredito firmemente que a humanidade sabe o que fazer quando conhece a tarefa que tem em mãos. (FLETCHER e GROSE, 2011, p. 5)
A moda pode ser considerada como um passaporte para a inclusão social,
dentre os motivos destacam-se a capacidade de elevar a autoestima por meio das
roupas e a gama de áreas para possível capacitação dentro do segmento. Dutra
(2013) assimila as atitudes sociais dentro da moda a reflexos de uma compreensão
cada vez mais coletiva, em prol das “singularidades humanas”– como identifica a
própria autora.
Após a comprovação de que a moda e as ações sustentáveis de caráter
social podem caminhar juntas, traremos alguns projetos que contemplam a inclusão
social na moda. O primeiro integra deficientes visuais ao prazer concedido pelo ato
de vestir-se.
Geraldo Coelho Lima Júnior traz, em sua dissertação de mestrado (2008), a
idealização e o processo de desenvolvimento da coleção Olhar, Olhares. A proposta
é, a partir da congruência entre o têxtil e o toque, abrir alas para que deficientes
visuais possam perceber, de fato, a moda. Nas palavras do designer, sobre os
portadores de deficiência visual:
5
Para eles, lidar com a roupa é disponibilizar outros sentidos para reconhecê-la em detrimento da falta do sentido da visão. O tato, em especial, funciona como reconhecedor da textura dos tecidos, das costuras, dos recortes e dos aviamentos. O olfato ajuda-os a identificar processos de beneficiamento como o de lavanderia. Baseado nestas informações, os novos projetos passaram a ser desenvolvidos a partir das relações táteis entre a roupa e o corpo. (LIMA JÚNIOR, 2008)
Lima Júnior (2008) destaca que, notados os casos expostos em sua pesquisa,
devem ser unidos às roupas dois diálogos principais: o visual, presente na estética,
e o tátil, nas texturas. Em função disso, é levantada uma abordagem diferenciada de
formas, volumes e superfícies. Um exemplo a ser destacado é como foi tratada a
dificuldade dos “não videntes” (p. 18), termo usado pelo próprio autor (2008), em
diferenciar os lados direito e avesso das peças. Assim, a coleção Olhar, Olhares
gera “possibilidades idênticas” (p. 19), vistos os lados externo e interno das roupas.
Figs. 6 e 7: Á esquerda, um look da coleção Olhar Olhares e, à direita, o designer de moda Geraldo Coelho Lima Júnior. Fontes: portais Uol e Paço das Artes, respectivamente .
Disponíveis em <http://www2.uol.com.br/modabrasil/acontece2/dragao_fashion_saldo/link_25.htm> e <http://www.pacodasartes.org.br/exposicao/por_nao_ser_existindo_e_vivo_desnudo_exposicao/
artistas.aspx). Acesso em 28 de outubro de 2013.
Outro projeto a ser realçado coloca a moda como agente capacitador e
reintegrante social – o Flor de Lótus, implementado na marca Doisellés e idealizado
e posto em prática pela designer Raquell Guimarães. Segundo ela (2012), a busca é
por instaurar sonhos e oferecer oportunidades, através das técnicas de tricô e
crochê, aos detentos condenados em regime fechado. Em função da recuperação
desses homens encontra-se a força de vontade, destacada como a principal aliada
da mão-de-obra carcerária. O trabalho confere, ainda, a redução penal – a cada três
dias trabalhados, diminui-se um da pena a ser cumprida –, simbolizando um
6
merecimento conquistado pelo preso e, ainda, possibilita-o a chance de reaceitação2
social. Raquell Guimarães3 conta sobre os resultados já alcançados:
Hoje a Doisélles tem uma unidade de produção dentro do pavilhão 1 da Penitenciária Professor Ariosvaldo De Campos Pires, onde 18 detentos condenados em regime fechado trabalham com excelência na produção de peças artesanais feitas com técnicas de tecelagem manual: tricô e crochê, que são inspecionadas por rígido controle de qualidade tipo exportação. A felicidade da parceria é legitimada pela certeza de que ambas as partes estão ganhando, crescendo e melhorando todos os aspectos que as envolve (GUIMARÃES, 2012).
Figs. 8 e 9: A capacitação de detentos para o fazer de tricô. Fontes: blog Georgial.Disponíveis em <http://www.georgiahalal.com.br/2013/08/projeto-flor-de-lotus.html>.
Acesso em 28 de outubro de 2013.
Ainda nesse âmbito de sustentabilidade e moda, encontra-se o projeto Pérola
Byington, do hospital de mesmo nome - explorado a seguir, abeira do objeto de
estudo.
2 Termo alcunhado pelo grupo para referir-se à outra chance ou nova aceitação.3 Retirado do site da marca Doisellés: <www.doiselles.com.br>. Acesso em outubro de 2013.
7
3 A Resiliência no Projeto Hospital Pérola Byington
O desfile de primavera é uma iniciativa da Comissão de Humanização do
hospital Pérola Byinton a datar do ano 2004, tendo a parceria da Universidade
Anhembi Morumbi desde 2011. Na passarela, as modelos são mulheres que
frequentam o hospital com um objetivo comum: lutar contra o câncer de mama. A
atitude utiliza-se, principalmente, da qualidade de bem estar proporcionada pela
roupa e o motivo é claro - prezar pela autoestima das pacientes.
O campo da medicina de nome Psiconeuroimunologia é, segundo Kemeny &
Gruenewald (1999 apud MEDEIROS e QUILICI, 2013), responsável por vislumbrar a
relação entre o cérebro, o comportamento e o sistema imunológico. Em entrevista,
Eloize Navalon4 afirma que, como apontam estudos, "quando estamos com a nossa
autoestima em dia, o nosso sistema imunológico fica mais fortalecido" e, assim, a
"chance de cura é maior".
O comportamento otimista e a boa relação social também exercem influência positiva em relação ao câncer, indicando uma redução na formação de vasos que nutrem o tumor, além de diminuir as dores, aumentar as células NK (Natural Killer), e registrar menores índices de metástases em grupos de pessoas com esse padrão comportamental. (MEDEIROS e QUILICI, 2013, p. 1)
Vanistendael (2009 apud PONT e VILAR, 2009) conta que o termo resiliência,
neste caso aplicado ao ser humano, remete à capacidade de superar os problemas
de forma criativa e, ancorando-se a um ponto positivo, reconstruir a própria vida.
Portanto, esse conceito diz respeito a um meio de transformação em que nada é
perdido e "é, também, um convite para viver com nossas fragilidades"
(VANISTENDAEL, 2009, apud PONT e VILAR, 2009, p. 97). Por mais que, segundo
o pesquisador, o estado de resiliência não seja plenamente visível no homem,
Medeiros e Quilici (2013) mostram a facilidade de observá-lo na natureza. Um
exemplo a destacar-se é constatado no processo em que a pérola é formada:
Assim o processo psíquico e comportamental do indivíduo resiliente perante uma situação traumatogénica seria comparável ao trabalho da ostra que, para se proteger do grão de areia que a fere, segregando nácar à volta do intruso, vai arredondar as asperezas do grão de areia e dar origem a uma joia preciosa. (CYRULNIK, 1999, adup MEDEIROS e QUILICI, 2013)
4 Coordenadora do curso de design de moda da Universidade Anhembi Morumbi e designer.8
Figs. 10 e 11: Exemplos da resiliência encontrada na natureza. Fontes: os autores.
Fig. 12: Exemplo da resiliência encontrada na natureza. Fonte: Artigo (Des)Natureza.Disponível em <http://pt.scribd.com/doc/125677473/Des-Natureza>. Acesso em novembro de 2013.
Com base no que foi até então afirmado, constata-se a celebração da vida
como foco do projeto Pérola Byington. Isso reside, inclusive, no fato do desfile
ocorrer na primavera, já que "é a estação da grande renovação", como explica
Navalon:
é uma homenagem à vida e uma homenagem a essas pacientes que estão ali, fazendo com que a vida brote a cada estação, mesmo quando não resistem, não sobrevivem e morrem (...) essa vida vai brotar de alguma outra maneira. (2013, apud CAMPOS, FIORILO, LIMA, et al.)
A sustentabilidade é pensada em todas edições do evento que, em 2013, foi
chamado O Bordado do Improviso. O nome se relaciona com a técnica do crochê
9
freeform5 usada no meio de produção da superfície das peças, o qual traz o conceito
de resiliência à tona. Segundo Navalon (2013, apud CAMPOS, FIORILO, LIMA, et
al.), as roupas frutos do projeto expressam uma nova maneira de lidar com os
padrões e, portanto, ao
pegar como mote uma moda que não trabalhe o padrão de corpo feminino e também que, por consequência, como esse corpo não é padronizado, essas peças também não são.
Figura 13: Algumas das peças desfiladas em O Bordado do Improviso e as respectivas modelos, pacientes do Hospital Pérola Byington. Fonte: página do facebook Maquiagem Profissional.
Disponível em <https://fbcdn-sphotos-c-a.akamaihd.net/hphotos-ak-ash3/1391624_443443675761959_293338473_n.jpg>. Acesso em novembro de 2013.
E complementa com o que podemos esperar dessa "nova moda", como
nomeia Navalon:
Acreditamos que a moda modifica valores e comportamento de consumo. Desejamos que a moda que criamos transforme as pessoas, a sociedade e sua maneira de consumir. Desta forma, começamos a pensar em como materializar essa ideia de transformação e criar algo para quem está em plena transformação. (apud Portal Anhembi Morumbi, 2011)
5 A técnica freeform (do inglês, “forma livre”) trabalha com o repensar dos erros. Navalon defende a escolha desse método para o fazer da superfície têxtil comparando os modos de lidar com o erro e com uma doença – ambos são involuntários, inesperados e devem ser solucionados de modo inteligente.
10
Painel Semântico
Figura 14: Painel Semântico. Fonte: os autores.
4 A Interdependência na Teia da Vida
Tomando como caminho um paralelo entre a resiliência no projeto do hospital
Pérola Byington e a rede da vida, por assim chamar, constata-se a relevância da
ajuda comunitária, mútua, para uma futura cura. Na trama da vida, a cura, não
necessariamente a da doença, é tratada como um enlaçamento de linhas, uma
emenda, e, portanto, como uma transformação na forma que se interseccionam as
linhas. Pressupõe-se que o encontro, o enovelamento, de duas ou mais linhas é
caracterizado por relações interpessoais, assim, é conferido à cura o atributo de ser
alcançada em conjunto.
É possível fazer uma analogia entre a vida e uma composição tecida por fios.
Nessa proposição, os fios simulam o percurso de um indivíduo ao longo da vida, que
cruzam-se e tomam novos rumos. Esses cruzamentos são caracterizados por
11
relações interpessoais, já que denotam as intersecções de dois ou mais fios.
Conforme se formam, intuitivamente, as tramas, constitui-se a própria teia da vida -
que prova a interconexão entre o indivíduo e o todo, determinando um pensamento
sistêmico (não linear). Nessa trama, as novas conexões são interdependentes de
duas ou mais linhas, ou seja, se uma linha se rompe, esse ponto se desfaz - e, para
que ainda haja o equilíbrio nessa trama, é notada a necessidade de uma solução
rápida, temporária como um nó. A partir desse raciocínio, notamos a importância de
um agir comunitário em função do amparo. Esses fios devem apresentar, por si,
resiliência, aqui tratada como na física - a habilidade de, após um trauma,
reestruturar-se. Portanto, a capacidade de resiliência é presente em uma linha
flexível, adaptável. Essa característica nos remete à teia de aranha que, a primeiro
momento, é percebida como algo frágil, mas a fragilidade pertence não à teia, e sim
aos olhos daquele que a vê.
5 Público-Alvo
O desenvolvimento do produto objetiva atender a uma parcela da sociedade
denominada público-alvo. Esse grupo tem seu perfil traçado de acordo com
averiguações que consideram rotina, condições socioculturais e econômicas,
hábitos, etc. Tomam-se como apoios para início da pesquisa de público-alvo as
definições de Sense Girls e Singular Women, ambas feitas por Morace (2009) em
Consumo Autoral. No primeiro grupo, essas mulheres se caracterizam por serem
refinadas, sensíveis, exóticas e estabelecerem uma revolução ética e estética que
evoca grande mudança paradigmática. Já as Singular Women recebem esse nome
por terem sua singularidade expressa por mulheres seguras, independentes e sem
preconceitos. A partir dessas características, e juntamente com a pesquisa
desenvolvida pelo grupo, identifica-se o público-alvo que pretendemos atingir.
O estudo desenvolvido anteriormente6 foi composto pela pesquisa de campo
juntamente com os dados secundários coletados para definição de público-alvo. Em
um primeiro momento, foram visitados locais como o MASP (Museu de Arte de São
Paulo), Shopping Eldorado e bairro da Liberdade, onde os frequentadores eram 6 Pesquisa desenvolvida pelo grupo no 4º Semestre, em 2013. Nela, delimitou-se o público-
alvo de nome Consumidores de Ideias, caracterizados, principalmente, por prezarem por uma prática consciente de consumo.
12
observados e percebidos pontos em comum entre essas pessoas. Depois, para
refinar os dados, foi usado o método de pesquisa quantitativa e um questionário foi
criado e aplicado. A partir dos questionários aplicados foi possível constatar que
conforto, durabilidade e versatilidade são as três principais características levadas
em consideração pelo público. Com o resultado obtido é possível afirmar que o
número de pessoas que se preocupam mais em consumir significado e não marcas
têm se mostrado importante no mercado consumidor de design. Ainda, foi
entrevistada a estudante de jornalismo da faculdade Casper Líbero, Gabriela
Soutello. Questionada sobre como eram seus costumes de consumo, Gabriela
afirma “busco autenticidade, em mim, nas pessoas e no que faço. Busco sempre
uma roupa que mostre quem eu sou”. Durante entrevista, Gabriela acrescenta que a
qualidade e a durabilidade também a influenciam a pagar mais caro por uma peça
de roupa.
Esses dados tornam visível a tentativa da expressão mais pura possível do
self7 e, assim, o ser sobressai o parecer, de acordo com Lipovetsky (2007). Isso está
relacionado ao neo-individualismo que, segundo o autor, é uma busca de
distanciamento da maioria a fim de tornar-se único e transparecer isso através da
imagem.
O grupo buscou informações sobre o cotidiano de mulheres que apresentem
as qualidades principais anteriormente apontadas. Esse raciocínio possibilitou que
fossem delimitadas áreas para uma futura observação – Cine Jóia (show da banda
CocoRosie) e a feira de antiguidades da Praça Benedito Calixto, ambos em São
Paulo, e o evento R Design, em Porto Alegre. Nos eventos do Cine Jóia e R Design
era maior o número de mulheres que chamou a atenção para que fossem levadas
em conta no presente trabalho. Isso se deve ao fato de que elas demonstram a
visível necessidade de diferenciação em relação à maioria, transmitida pela imagem
que é criada através da roupa, normalmente versáteis e confortáveis. Essas
mulheres estão, em grande parte do tempo, conectadas por meio de aparelhos
móveis como celulares e tablets.
7 Hartman, na psicologia, define em 1950 o self como “a imagem de si mesmo que compõe a personalidade total http://www.infopedia.pt/$self-(psicologia).
13
Figuras 15 e 16: Painéis de público-alvo. Fonte: os autores.
De encontro a isso, um aspecto que agrada ao público-alvo é a versatilidade.
Fletcher e Grose (2011) citam a necessidade de desenvolver roupas funcionais,
onde apresentam opções versáteis, fornecendo uma gama de possibilidades de uso
14
por um maior espaço de tempo, o que torna os produtos tanto adaptáveis quanto
duráveis. O projeto que é aqui apresentado pelo grupo oferece uma coleção
pensada, desde o começo, de forma socialmente sustentável e traz peças que
condizem com a ideia de inovação em seus detalhes, característica importante e
decisiva para o consumo desse público.
Portanto, o atual projeto atenderá a um público que procura se diferenciar e
ser inovador tanto em sua própria imagem quanto no produto adquirido,
características de um consumo que vai além do descartável.
6 Elementos Formais Projetuais
O grupo optou por looks formados por peças completas, como vestidos e
macacões, já que trazem a noção de interdependência tratada no conceito – a parte
superior depende da inferior e vice versa.
6.1 Estudo de Formas
Para aplicar o raciocínio sobre a rede da vida às pacientes do Pérola
Byington, seguiremos o raciocínio das figuras a seguir:
Figuras 17 e 18: Barbantes e fios simbolizando as relações interpessoais que tramam a teia da vida. Fonte: os autores.
Cada fio simboliza uma mulher que, ao descobrir a doença, tem a vida
cruzada em algum ponto do tratamento, o que forma um enlaçamento inicial entre
elas. As pacientes, ajudando umas às outras, conseguem a autoajuda - que pode
surgir através de experiências ou conselhos, fontes de esperança. Nota-se que a
15
união inicial dessas mulheres inclui sua causa comum, a luta contra o câncer, a
cura. É nas causas e etapas comuns que se dão os enlaçamentos característicos da
transformação. Essas mulheres, juntas, tramam um amparo, o que confere a elas
estímulo para "dar a volta por cima". Ao longo do processo, há também rompimentos
de linhas caracterizados, por exemplo, pela morte de uma companheira. Sendo
rompido um ponto no fio, nota-se a necessidade de uma solução rápida para que
seja mantida a forma da rede que apoia as demais pacientes - ali é dado um nó. A
construção dessa teia adaptável e interdependente é, como o processo, não linear, e
toma a forma intuitiva da vida.
6.2 Cartela de Materiais
As malhas reúnem a delicadeza proposta pelo conceito de criação, ao
aparentarem fragilidade, mas, por conta do modo como são tramadas, possuírem
resistência e não desfazerem-se com facilidade. Outro motivo pelo qual foi escolhida
a malha é compreendido pela boa resiliência física do material – visualizada no fato
de o tecido esticar e assumir, novamente, seu estado inicial. Dois tipos foram
testados com o método de moulage: a liganete e a viscolycra. Por conta do melhor
caimento, a coleção foi materializada em viscolycra.
Figura 19: A malha viscolycra vermelha utilizada na confecção de algumas peças. Fonte: os autores.
16
O fio de cobre, no qual foi tramado o crochê, é um material que, por si,
apresenta pouca resiliência. Por conta disso, foram crochetadas aplicações nos
locais de onde saem os drapeados. O cobre é, além de tudo, um material inusitado,
como a trama da vida, o que atrai o público-alvo.
Figura 20 e 21: Experimentos com o crochê no fio de metal. Fonte: os autores.
6.3 Cartela de Cores
A cartela de cores é constituída por cru e vermelho (figura 22). A escolha se
deu, inicialmente, pela predominância de alguns tons no painel semântico – são eles
cru, vermelho, azul e cinza. De modo a representar os percursos da vida, o grupo
constatou a necessidade de combinar cores mais e menos fortes. Portando, levando
em conta a proximidade das cores, foram agrupadas as cores quentes, o cru ao
vermelho, e as frias, o cinza ao azul. Em seguida, foram elegidos apenas os tons
quentes, já que a vida vislumbra o calor (com momentos e sensações calorosos, por
exemplo) excluindo da cartela o cinza e azul.
Figura 22: As cores e seus respectivos códigos na cartela da Pantone Têxtil.Fonte: os autores.
17
6.4 Superfície Têxtil: Drapeados
O drapeado é a chave para que o conceito de criação seja, por completo,
visualizado nas peças. Isto por conta da possibilidade de, a partir dele, abordarmos
os caminhos e rumos, inesperados e surpreendentes, da teia da vida. Com o
objetivo de sustentar e adaptar a peça ao modelo, esses drapeados provocam
buracos e pedem por nós. A interdependência também é relacionada a eles, já que
determinam cada caimento desigual, assimétrico, pelos perímetros das peças.
Por tratarem-se de drapeados, foi observada a necessidade de
experimentações com uso do moulage. O processo foi intuitivo, como a trama da
vida. As imagens trazidas a seguir comprovam os testes em tecido liganete:
Figuras 23, 24 e 25: Testes de caimentos a partir dos drapeados.
18
6.5 Estudo de Silhuetas e Croquis
O grupo realizou um estudo de silhuetas em que foram testadas as
possibilidades de caimentos a partir dos drapeados. As figuras 26 e 27 mostram
partes do processo, enquanto a figura 28 ilustra os caminhos.
Figuras 26 e 27: Experimentações de drapeados e silhuetas na moulage.Fonte: os autores.
Figura 29: Ilustrações desenvolvidas a partir dos experimentos.Fonte: os autores.
19
6.6 Croquis Definitivos
Figura 30: Croquis definitivos da coleção, sendo os quatro da parte superior, confeccionados.Fonte: os autores.
7 A Inserção do Crochê no Metal na Empresa Ranuccy
A Ranuccy Modas é uma empresa familiar presente desde 1987 no segmento
do vestuário, confeccionando e comercializando roupas. De acordo com o relado de
José Marcos de Lima8, é indispensável o pensamento voltado ao exclusivo, ao
diferente, para que o empreendimento de pequeno porte se sobressaia no mercado
da moda.
8 Presidente da marca Ranuccy Modas e jornalista.20
Figura 31: A Fábrica Ranuccy Modas da Ranuccy Modas. Fonte: os autores.
Figura 32: Funcionária da Ranuccy Modas na oficina de crochê no metal.Fonte: os autores.
O grupo propôs que, em troca de tecidos do acervo da Ranuccy Modas,
fossem capacitadas, através do crochê em fio de metal, as mulheres que trabalham
na área de produção da empresa. Aceito isso, verifica-se a importância dessa
permuta, tratada como ajuda mútua, tanto para suprir a necessidade de inovação da
empresa quanto para a realização da coleção abordada nesta pesquisa.
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Considerações Finais
Buscou-se, por meio de estudos acerca da inclusão social e resiliência na
moda, reunir referências e materiais de apoio para os fazeres exigidos pelo trabalho.
Propõe-se o convite para enxergarmos a vida sob um ponto de vista não linear, onde
participamos de um todo que está em incessantes movimento e mudança.
A chance de lidarmos diretamente com pessoas nos foi concedida em uma
série de etapas cá relatadas. Assim sendo, o atual projeto permitiu que
contaminássemos e fôssemos contaminados, racional e emocionalmente – seja ao
escrever e construir roupas, seja pela investigação e capacitação – foi criada uma
conexão. Essa pesquisa, durante a totalidade dos processos, também trama sua
própria teia pautada na interdependência, a qual agora nos envolve – nós e você
somos entrelaçados aqui.
Faz-se imprescindível lembrarmos que a experiência costuma ser a força de
arranque para a consagração de uma teoria, o que determina cada saber acadêmico
como um transmissor, também, de prévias relações interpessoais. Portanto, a
interdisciplinaridade que permeia as áreas do design é constituída por, além do
encontro de conhecimentos, troca de vivências. É necessário interagirmos a todo o
momento com o mundo enternecido dentro e entorno de nós, para que possamos
dessa maneira, contribuir positivamente com o mesmo.
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Referências
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