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1 A INVENÇÃO PERMANENTE DA DEMOCRACIA Contribuições à discussão sobre o presente e o futuro do OP de Porto Alegre [publicado em VERLE, J. e BRUNET, L. (orgs.) Construindo um novo mundo. Avaliação da experiência do Orçamento Participativo de Porto Alegre – Brasil. Guayí, 2002]. O espaço público requer o tempo público: a reflexão crítica permanente (Castoriadis). A história já ensinou que o sucesso também pode ser razão do fracasso. Luciano Fedozzi Introdução Ao contribuir com a discussão aberta pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre através do Seminário Internacional de Avaliação do OP faz-se necessário ressaltar a importância dessa iniciativa e do método adotado para tal. Reunir grande parte dos pesquisadores sobre o OP e proporcionar momentos de reflexão coletiva é fato inédito nos dos 12 anos de existência do OP que faz jus à fase de “maturidade” e de complexidade alcançada por essa experiência. Além disso, a produção de um documento introdutório da Administração Popular (AP) contendo, essencialmente, aspectos críticos e autocríticos é fato que merece ser saudado por sua óbvia importância 1 . Parte-se, portanto, dos avanços conquistados pelo OP, focalizando-se a discussão em alguns aspectos de sua prática que merecem ser refletidos criticamente, com vistas ao seu contínuo aperfeiçoamento. O OP se constituiu em Porto Alegre como a espinha dorsal de um projeto de transformação – ainda que, inicialmente, nos limites do município – cujo marco qualitativo foi a vitória inédita do campo popular e socialista em Porto Alegre nas eleições de 1988. A construção desse projeto transformador que articula participação popular com justiça distributiva não se esgota, evidentemente, no OP, embora essa forma de soberania popular seja emblemática do caráter (democrático e popular) do projeto alternativo a ser construído noa país, a fim de superar tanto a tradição autoritária brasileira e seu caráter excludente, como o modelo neoliberal vigente há dez anos que nos afasta cada vez mais dos parâmetros mínimos necessários à existência e à promoção da cidadania que aqui nunca vingou. 1 Outro documento que merece ser lembrado na história das avaliações do OP foi produzido pela Coordenação de Relações com a Comunidade ao final da primeira gestão (1989-92). Ver Processo de Avaliação da gestão da Administração Popular. CRC. Porto Alegre, novembro, 1992 (mimeo).

A Invenção Permanente da democracia

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Page 1: A Invenção Permanente da democracia

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A INVENÇÃO PERMANENTE DA DEMOCRACIA Contribuições à discussão sobre o presente e o futuro do OP de Porto Alegre [publicado em VERLE, J. e BRUNET, L. (orgs.) Construindo um novo mundo. Avaliação da

experiência do Orçamento Participativo de Porto Alegre – Brasil. Guayí, 2002].

O espaço público requer o tempo público: a reflexão crítica permanente (Castoriadis).

A história já ensinou que o sucesso também pode ser razão do fracasso.

Luciano Fedozzi

Introdução

Ao contribuir com a discussão aberta pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre

através do Seminário Internacional de Avaliação do OP faz-se necessário ressaltar a

importância dessa iniciativa e do método adotado para tal. Reunir grande parte dos

pesquisadores sobre o OP e proporcionar momentos de reflexão coletiva é fato inédito nos

dos 12 anos de existência do OP que faz jus à fase de “maturidade” e de complexidade

alcançada por essa experiência. Além disso, a produção de um documento introdutório da

Administração Popular (AP) contendo, essencialmente, aspectos críticos e autocríticos é

fato que merece ser saudado por sua óbvia importância1. Parte-se, portanto, dos avanços

conquistados pelo OP, focalizando-se a discussão em alguns aspectos de sua prática que

merecem ser refletidos criticamente, com vistas ao seu contínuo aperfeiçoamento.

O OP se constituiu em Porto Alegre como a espinha dorsal de um projeto de

transformação – ainda que, inicialmente, nos limites do município – cujo marco qualitativo

foi a vitória inédita do campo popular e socialista em Porto Alegre nas eleições de 1988. A

construção desse projeto transformador que articula participação popular com justiça

distributiva não se esgota, evidentemente, no OP, embora essa forma de soberania popular

seja emblemática do caráter (democrático e popular) do projeto alternativo a ser construído

noa país, a fim de superar tanto a tradição autoritária brasileira e seu caráter excludente,

como o modelo neoliberal vigente há dez anos que nos afasta cada vez mais dos parâmetros

mínimos necessários à existência e à promoção da cidadania que aqui nunca vingou.

1 Outro documento que merece ser lembrado na história das avaliações do OP foi produzido pela Coordenação de Relações com a Comunidade ao final da primeira gestão (1989-92). Ver Processo de Avaliação da gestão da Administração Popular. CRC. Porto Alegre, novembro, 1992 (mimeo).

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A discussão é oportuna e nela buscar-se-á participar através de uma abordagem

histórica e analítica que oferecerá, talvez, mais interrogações do que respostas concretas aos

dilemas complexos suscitados na atual fase “madura” do OP. Essa fase, ao lado das

positividades conquistadas nos planos social, político e cultural, já conhecidas e ressaltadas

em diversos estudos – ainda que por vezes de forma acrítica e apologética – vem

evidenciando alguns impasses (a) imanentes ao próprio modus operandi do OP2, ou (b)

decorrentes de outras determinações extrínsecas a ele, ligadas tanto a governança local,

como aos fatores estruturais e conjunturais do país – no contexto da globalização - que

limitam as mudanças na gestão sócio-estatal local em sua relação com a sociedade civil.

Reforma do Estado, governança local e o OP

Sem pretender estabelecer um diálogo de cunho eminentemente teórico tenho

insistido na importância de buscar conceitos que ajudem a interpretar teoricamente a

experiência empírica do OP-PoA como instituição política. A importância de se precisar

conceitualmente o OP decorre de suas implicações práticas e teóricas. Ao elucidar como

funciona a prática do mesmo pode-se compreender melhor as suas virtudes e os seus

limites, bem como as possibilidades (ou não) de superá-los mediante a escolha de formas e

caminhos a serem trilhados. A busca de precisão conceitual como critério interpretativo

desse processo é uma das condições necessárias para superar-se as abordagens meramente

ideológicas da experiência desencadeada pelo OP – seja em sua forma mitificadora, que o

entende como panacéia, seja através da argumentação conservadora e/ou populista, que o

considera mero embuste. Um debate crítico-racional e comprometido com a transformação

social não pode endossar as formas reducionistas e simplificadoras que geralmente

acompanham os embates político-partidários sobre a importância dos OP’s em geral.

2 Vale lembrar que a discussão sobre o “projeto” de mudanças nas relações sociais, políticas e culturais entre o governo municipal de Porto Alegre e a cidadania esteve presente nos momentos cruciais de construção da participação popular: na discussão sobre os “Conselhos Populares”, na criação do Conselho de Acesso à Terra e Habitação e outros Conselhos Setoriais durante a primeira gestão, na formação das Plenárias Temáticas do OP e no Programa Cidade Constituinte (na segunda gestão); na discussão sobre a reforma do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (iniciada na segunda gestão e concluída na terceira gestão). Uma discussão sobre a gênese social e política do OP e sobre os dilemas colocados à sua construção pode ser encontrada, entre outras fontes, em Fedozzi (2000).

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Em outros oportunidades o conceito de “esfera pública de co-gestão” foi proposto

para uma interpretação aproximativa da realidade que constitui o OP-PoA (Fedozzi, 1997,

2000a e 2000b). A categoria “co-gestão” remete a uma característica dessa esfera pública

desenvolvida pela dinâmica do OP, que se define strictu sensu por não ser estatal mas,

também, não propriamente “não-estatal”3. O OP se constitui como um sistema político que

põe em contato (a) o poder administrativo da esfera pública estatal; (b) os fluxos

comunicativos gerados na esfera pública autônoma4 constituída pelas associações

voluntárias enraizadas no mundo da vida; (c) e as instâncias deliberativas criadas por esse

contato regular e, portanto, institucionalizadas pelo funcionamento sistemático e previsível

do OP. Compreender o OP como esfera pública de co-gestão, onde a elaboração das regras

de participação e as regras de distribuição dos recursos são compartilhadas através de um

processo comunicativo de construção de consensos entre o Executivo Municipal e as

comunidades, justifica-se pelo menos por duas razões: (a) descrever o funcionamento real

do OP, em sua estrutura e processo e, com isso, (b) possibilitar um melhor conhecimento

do papel e da prática dos atores sociais envolvidos, suas contribuições e limitações.

Sabe-se que apesar de a gênese do OP estar ligada à ação coletiva dos movimentos

de moradores (especialmente das áreas de subabitação) e dos diversos atores sociais

atuantes na esfera pública local no final dos anos 70 e início dos 80 (partidos de esquerda,

ONGs, CEBs, etc.), a construção desse sistema de co-gestão tornou-se historicamente

viável somente quando foi constituída uma nova correlação de forças políticas no

Executivo Municipal, através da Administração Popular. A vontade política dos dirigentes

da AP, a começar pelo Prefeito – como mandatário maior que detém a representação

legítima para reafirmar ou não a convicção interna e externa ao governo na viabilidade e na

3 Essa formulação diverge das interpretações que entendem o OP como uma “estrutura autônoma do Estado e auto-regulada”, advinda de normas de funcionamento definidas pela própria comunidade, com independência seja do Executivo seja do Legislativo” (Utzig, 1996, p. 215). Também a categoria “esfera pública não-estatal”, proposta por Genro (1995) não é capaz de explicar in totem essa experiência, uma vez que não são consideradas as diferenças de natureza das diversas esferas públicas interrelacionadas. Como abordei em outros momentos essas abordagens são mitificadoras da experiência real do OP, uma vez que supõem uma ausência (irreal) da participação do Executivo na operacionalização dessa esfera pública e superestimam os componentes autônomos da ação dos atores populares em relação ao Estado. 4 Para Habermas, as esferas públicas autônomas são aquelas “que não são criadas e mantidas pelo sistema político para fins de criação de legitimação” (Habermas, 1990).

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conveniência da partilha do poder5 –, foi decisiva para a construção e a consolidação do

OP. Essa intervenção ativa do Executivo, por vezes voluntarista, foi não só legítima como

necessária para viabilizar a construção de novas relações democráticas com a população da

cidade, em especial com os moradores dos bairros e vilas excluídos do desenvolvimento

urbano. Esse papel ativo do Executivo decorreu, fundamentalmente, do papel estrutural

desempenhado pelo Estado (principalmente o Executivo no sistema presidencialista),

oriundo do seu múltiplo poder administrativo, financeiro e político que, no caso brasileiro,

se realça ainda mais devido à tradição centralizadora e autoritária da formação do Estado.

A viabilidade e a qualidade do OP/PoA, entretanto, favoreceu-se amplamente do

capital social acumulado historicamente pela cidade, representado, sobretudo, pelo

associativismo comunitário e pela presença de uma cultura cívica em parcelas significativas

da sociedade civil porto-alegrense6. Nesse sentido, o OP-PoA é resultante do encontro de

trajetórias que se influenciaram mutuamente na história de sua construção: a existência

anterior a 1988 de setores dos movimentos comunitários que haviam superado a cultura de

submissão ao poder público institucionalizado (o “pedir e o favor”); o movimento de dentro

para fora do Estado, representado pelo conjunto das ações e das políticas da AP para

reformar essa fração do Estado (a Prefeitura), tornando-a “pública” e apta para receber os

imputs da cidadania, suas demandas e propostas; e o movimento cuja força foi de sentido

inverso, ou seja, de fora para dentro do Estado, representado por múltiplas formas

(associativas, individual ou coletivamente) de uma cidadania cada vez mais exigente e

indignada frente à frustração de suas altas expectativas em relação ao atendimento de suas

demandas nos momentos iniciais de construção do OP. Em vários momentos da história de

construção do OP essa indignação demonstrou-se decisiva, pois tensionou a Administração

5 Como se sabe, a dinâmica cotidiana da administração pública obriga os governantes a tomarem decisões rápidas sobre questões de natureza diversa, daí porque a implantação de sistemas participativos, tais como o OP, requer a plena convicção dos governantes de que determinadas decisões, principalmente sobre obras, devem ser compartilhadas com as esferas de co-gestão, sob pena de semear a desconfiança da população no sistema participativo. Por outro lado, a experiência de Porto Alegre mostra que a presença da figura do Prefeito nas instâncias de participação, como as Assembléias Regionais, por exemplo, é determinante para atestar simbolicamente a seriedade e a legitimidade do processo de participação no governo local. 6 Diversos estudos acadêmicos retratam a ação de parcela dos movimentos comunitários, especialmente das áreas de subhabitação, no período anterior às eleições de 1988. Esses estudos fortalecem a tese de que a existência de comunidades organizadas propensas a interagir com o Estado constitui-se como uma das principais condições facilitadoras para a criação de novas instituições participativas, a exemplo do OP de PoA. Para o caso de PoA ver Guareschi (1980); Ferreti (1984); Ribeiro (1985); Moura (1989); Baierle (1992); Menegat (1995). Uma síntese desses principais estudos constam do Capítulo “Participação Popular no Governo Municipal de Porto Alegre”, em “O Poder da Aldeia...”(Fedozzi, 2000).

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a "fazer as coisas acontecerem”, no dizer de lideranças das comunidades. O OP, portanto, é

fruto de um aprendizado coletivo, tanto dos atores estatais como dos atores comunitários.

Ambos foram obrigados a superar as formas pré-determinadas imaginadas para implantar a

participação popular nas decisões locais, como será melhor comentado adiante.

Diversas experiências de implantação de OPs em cidades brasileiras7 têm

demonstrado que a vontade política do Executivo é uma condição sine qua non (embora

não suficiente) para o desenvolvimento efetivo dos mesmos. É a partir do reconhecimento

do papel ativo e indutor da prática governamental, inclusive em Porto Alegre, que se pode

discutir o grau e as formas dessa intervenção (necessárias ou não, corretas ou não), assim

como a necessidade de serem efetuadas mudanças no modelo da participação, como o

demonstra o próprio documento da Administração Municipal ao refletir sobre o estágio

atual do OP e indicar possíveis caminhos para o seu aperfeiçoamento e atualização.

Reconhecer o papel desempenhado pelo governo nesse processo exige, portanto, coerência

(ou seja, não-contradição lógica) entre a interpretação do próprio governo sobre o OP e sua

intervenção prática que se fez e que se faz necessária na construção e nos

aperfeiçoamentos requeridos pela forma dinâmica e complexa da participação popular.

Partindo desses pressupostos, são destacados alguns elementos para a reflexão

coletiva. Eles se atêm às seguintes dimensões separadas apenas para efeitos analíticos:

projeto de Reforma do Estado e atribuições do Executivo (fração do Estado); situação e

papel dos atores sociais (sociedade civil); as formas e os conteúdos que constituem o modus

operandi da relação interativa entre esses dois pólos esquematicamente definidos, bem

como os impactos resultantes desse encontro (novas aprendizagens ou continuidades).

A transformação do Estado: o papel do Executivo e a participação popular

Discutir o papel do Executivo na governança local - orientada por um projeto de

democratização radical do Estado e da sociedade civil e das relações entre ambos - remete,

7 Segundo levantamento preliminar do Fórum Nacional de Participação Popular existem hoje em torno de 140 cidades no país que desenvolvem algum tipo de participação social na definição do orçamento. Chama a atenção o fato de que embora o PT seja o partido que mais adota essa prática, também outros partidos estão adontando-a. Entre as cidades, 71 são administradas pelo PT, 25 pelo PDT, 22 pelo PSDB, 9 pelo PMDB, 6 pelo PSB, 4 pelo PFL, 3 pelo PMB, 2 pelo PTB e uma para cada um dos partidos, PV, PPS, PPRP. Algumas dessas cidades são capitais ou cidades de grande porte, como é o caso de Belo Horizonte e Belém. Não se sabe qual o número total de habitantes dessas cidades assim como não se tem ainda conhecimentos das diferenças de modelos participativos e de qualidade. O número de municípios no país é de 5.516.

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entre outros aspectos, às dimensões quantitativas, qualitativas e ao grau de diversificação

desse processo. Vale lembrar que, do ponto de vista histórico, a construção do OP obrigou

os atores sociais envolvidos a reformularem suas concepções e práticas a respeito da

relação entre Estado, democracia e socialismo. Para os partidos da Frente Popular, a

fórmula dos Conselhos Populares, inspirada na tese marxista-leninista e trotskysta do duplo

poder, paradigma hegemônico até então na esquerda, revelou-se inadequada como

estratégia política e impotente diante de uma realidade social complexa que exigia amplas

relações do poder público com a pluralidade da cidadania, e não apenas com os setores

mais organizados dos movimentos de moradores. Sabe-se que, na evolução histórica do OP,

a noção calcada nos Conselhos Populares, instâncias embrionárias do novo Estado popular,

foi progressivamente superada em favor da idéia da democratização radical do Estado e da

necessidade de publicizá-lo mediante instrumentos de controle social. Essa noção de

democracia radical - baseada no conceito de cidadania ativa8 - viabilizou-se graças a um

conjunto de políticas institucionais capazes de efetivar a esfera pública de co-gestão dos

recursos públicos, dentre as quais destacam-se: a ruptura com o sistema tradicional

[normativo] do planejamento de governo e sua substituição pela gestão estratégica

situacional; as políticas para promover o saneamento financeiro e a justiça tributária; as

alterações na política de relações com as comunidades, cuja estratégia evoluiu da meta de

organização dos Conselhos Populares (na esfera da sociedade) para a elaboração de

políticas de democratização do Estado e promoção da cidadania ativa, em suas diversas

formas de expressão. A construção do OP exigiu, portanto, uma ruptura simultânea: com as

concepções tecnoburocráticas da administração municipal vigentes em especial no

planejamento urbano e orçamentário, e com as concepções dogmáticas que dominavam o

imaginário e a estratégia dos partidos de esquerda que compunham a Frente Popular.

Ressalta-se, assim, a importância assumida pelas tecnologias de gestão como

um fator decisivo para instaurar um tipo particular de governança baseada na participação

popular, na inversão de prioridades e no controle social sobre o Estado, pois a alteração do

caráter tradicional do Estado brasileiro (patrimonialista, clientelista e burocrático-

autoritário) requer, necessariamente, métodos de gestão e mudanças administrativas que

aumentem a eficiência do poder público, tornando-o transparente e competente para realizar

8 Sobre o conceito de cidadania ativa ver Benevides (1991); Comparato (1994); Dagnino (1994) e Telles,

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o processamento técnico-político das demandas populares, transformando-as em ações

eficazes. No caso do OP-PoA, as funções de planejamento e de relações comunitárias

organizaram-se em unidades específicas, o Gaplan e a CRC, que passaram a atuar, a partir

de 1990, de forma coordenada e organizadas horizontalmente através do Fórum das

Asseplas (Assessorias de Planejamento) e do Fascom (Fórum dos Assessores

Comunitários). Integradas ao Gabinete do Prefeito, essas unidades conseguiram coordenar

um conjunto complexo de ações internas e externas, porque legitimadas pela Coordenação

de Governo, a qual, a partir de 1990, atuou com estratégias unificadas das secretarias.

Desde então, não foram muitas as mudanças no modelo administrativo de

gestão. Não há espaço aqui (e nem competência do autor) para discorrer sobre esse

candente e complexo tema das concepções e modelos de gestão pública por parte da

esquerda brasileira. Há que se registrar, entretanto, que a adoção de práticas participativas

no orçamento por mais avançadas que sejam, e o são, não são suficientes per se para dar

conta dos desafios colocados à reforma do Estado visando torná-lo público, eficaz e

moderno, no âmbito de um projeto mais amplo de democratização radical da sociedade e

conquista de hegemonia. Mas há que se registrar o quão superficial tem sido o debate e a

ação da esquerda em geral, no confronto com as visões neoliberais que, dentre outros males

advindos da concepção de “Estado mínimo”, propugnam a adoção de métodos empresariais

e mercadológicos na prática governamental. O debate geralmente é reduzido à polêmica

sobre o tamanho do Estado, donde as posições da esquerda inclinam-se ora para o

voluntarismo (reduzindo o projeto político à questão da vontade política), ora para o

ceticismo impotente, que entende nada poder transformar nas estruturas e na cultura

funcional da Administração Pública enquanto o “dia final” não chegar, alimentando assim

os imaginários ideológicos da “revolução explosiva” e do “Estado restrito” e, por

conseqüência, as teses clássicas do “duplo poder” como caminho para o socialismo9.

1994. 9 Os termos Estado “restrito” e concepção explosiva de revolução são usados aqui para designar uma determinada formulação teórica a respeito das relações entre o Estado e a revolução na forma como esses conceitos se articularam e evoluíram na reflexão marxista ao longo da história. De acordo com Carlos Nelson Coutinho a formulação original de Marx-Engels que, posteriormente, foi retomada por Lênin e Trotsky, pode ser sintetizada nos termos: (a) a noção restrita do Estado designa-o como uma espécie de “comitê executivo” da classe dominante (a sua expressão direta e imediata), um organismo que despolitiza a sociedade e se vale essencialmente da coerção para cumprir suas funções; (b) uma concepção da luta de classe como conflito bipolar e “simplificado” entre burgueses e proletários que pode ser definida como uma “guerra civil mais ou menos oculta”, que levará necessariamente a uma “explosão”; (c) uma visão da revolução socialista como

Page 8: A Invenção Permanente da democracia

8

Essa limitação teórico-prática é mais grave no caso de PoA, por se tratar de

uma experiência de longo curso. A recorrente discussão sobre a Reforma Administrativa

nesses doze anos surtiu poucos efeitos, não sendo raras as abordagens ainda baseadas na

visão arcaica do Estado como mera “máquina administrativa”. É evidente que a história

organizacional e cultural da formação do Estado brasileiro tem ainda forte presença nas

relações administrativas e na “mentalidade dos funcionários” cujas características são, em

geral, infensas à accountability , ao controle social e à participação da cidadania. Além

disso, há que se levar em conta possíveis diferenças na articulação de interesses entre os

estratos técnicos - e sua ideologia do discurso “competente” - e o corpo burocrático-

administrativo (Chauí, 1980)10. Ainda não está claro, apesar dos doze anos de gestão, até

que ponto o governo municipal realizou ou vem realizando um esforço deliberado para

modificar esse quadro, incluindo-se capacitação de recursos humanos e introdução de novas

tecnologias gerenciais a fim de superar a fragmentação setorial, o verticalismo exacerbado

e o corporativismo do desenho institucional, assim como a formulação de políticas

orientadas para o comprometimento dos funcionários com formas de gestão eficientes,

participativas e formadoras de uma cultura “pública” republicana. Diga-se de passagem

que, a partir de 1993, houve retrocesso nas formas de gestão matricial (horizontal) de

projetos que tinham nos anos anteriores conseguido instaurar uma dinâmica contrária ao

verticalismo e à fragmentação administrativa, constituíndo-se, na prática, em “redes sócio-

governamentais” de planejamento participativo, a exemplo dos Programas Guaíba Vive e

Humaitá-Navegantes, além do Projeto Centro. Também a descentralização administrativa,

sempre demandada pelas comunidades desde o início do OP em 1989, andou lentamente.

“revolução permanente”, que leva à constituição de um contrapoder, ou seja, na criação – ao lado e em choque com o poder burguês – de um poder material armado da classe operária, que deve “derrubar violentamente” o poder burguês e substituí-lo (uma formulação que seria posteriormente complementada por Marx e Engels com a idéia de que a máquina estatal da burguesia deve ser “quebrada” – e não apenas apropriada – pelo proletariado); (d) uma percepção do duplo poder como algo transitório que não só implica a eliminação “violenta” de um dos dois contentores, mas também a construção de um governo ditatorial pela parte vencedora (resultando a convicção que Marx formularia logo após de que a luta de classe conduz necessariamente à “ditadura do proletariado”). Por meio de uma reflexão metodológica de cunho hitórico-ontológico, na análise da dinâmica de desenvolvimento objetivo do modo de produção e da formação econômica-social do capitalismo, Coutinho mostra – utilizando-se para isso das inovações produzidas por Gramsci, Poulantzas e Ingrao – como se produziu uma superação dialética, na história do marxismo, de uma concepção restrita do Estado e explosiva da revolução, para uma noção de Estado “ampliado” e de revolução “processual”. Ver Coutinho (1987, 1984). Uma reflexão a respeito dos dilemas vividos na trajetória do PT sobre a estratégica nacional do partido está em Democracia e socialismo (1992).

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Somente nos últimos anos houve expansão dessa meta, com a criação de alguns Centros

Administrativos Regionais que, entretanto, funcionam mais pela dedicação “militante” dos

CCs lá instalados, pois é precária a estrutura administrativa e funcional dos mesmos.

Por isso, ao discutir os possíveis limites e/ou impasses colocados à participação

popular faz-se necessário responder a duas interrogações: (a) o desenvolvimento do OP, em

seu estágio maduro, defronta-se com um limite intransponível da atual estrutura

administrativa-burocrática do Estado? ou (b) há espaços para avançar na democratização e

modernização da administração compatibilizando-a com as exigências atuais do OP?

(In)efetividade das decisões e (des)estímulo à participação

O OP têm sido um vetor importante para promover a inversão de prioridades

nos gastos públicos que se contrapõem à espoliação urbana11. A experiência de Porto

Alegre tem demonstrado, entretanto, que a participação centrada nas despesas

orçamentárias é limitada para o enfrentamento das desigualdades urbanas. Sabe-se que as

lutas travadas no local de residência e convivência refletem não somente a luta pela

universalização e qualificação das políticas sociais do Estado, como também a luta do

trabalho contra formas secundárias de exploração e apropriação representadas pelo capital

mercantil, propriedade fundiária, etc, nos conflitos relacionados com a produção do

ambiente construído12 (Harvey, 1982, p.8). A compreensão do processo especificamente

urbano, territorial, de produção de desigualdade e concentração de renda, torna-se

fundamental pois, ao menos, toma-se consciência da lógica perversa de produção dessas

carências, devido a apropriação privada dos investimentos públicos, decorrentes da

valorização imobiliária e uso da terra como reserva de valor (Rolnick, 1994).

10 Para Chauí, o “discurso competente” significa o discurso “instituído”, isto é, a linguagem “institucionalmente permitida e autorizada” (1980, p. 7). 11 O processo de espoliação urbana refere-se ao “somatório de extorsões que se opera através da inexistência ou precariedade dos serviços de consumo coletivo que – conjuntamente com o acesso à terra e à habitação – se apresentam como socialmente necessários a subsistência das classes trabalhadoras” (Kowarick, 1979, p.59). 12 Apoiando-se nos conceitos marxianos de capital fixo e fundo de consumo, Harvey desenvolve o conceito de ambiente construído para a análise da questão urbana no modo de produção capitalista avançado. Conceitualmente, o ambiente construído compõe-se de elementos do capital fixo utilizados na produção (fábricas, rodovias, ferrovias, etc.) e em elementos do fundo de consumo (casas, ruas, parques, passeios, etc.). Alguns elementos, tais como as ruas e os sistemas de esgotos, podem funcionar quer como capital, quer como parte do fundo de consumo, dependendo do seu uso (Harvey, 1982, p.7).

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A tendência é que ocorram processos de expulsão branca das populações

carentes, na medida em que, na cidade capitalista, a implementação de infra-estrutura

urbana é acompanhada por processos de valorização imobiliária. Hoje, em PoA, além das

ações judiciais para a retomada de áreas privadas ocupadas, está em curso um processo de

mercantilização das habitações gravadas com a concessão real de uso, amparada por

emenda do Legislativo que permite a venda das habitações, permanecendo as áreas como

propriedade pública. É possível que estejam ocorrendo alterações no mapa social do espaço

urbano em função desses processos de valorização imobiliária e da lógica mercantil

instaurada nas habitações populares produzidas pela Prefeitura. Cabe perguntar: trata-se de

tendência inexorável de vigência do valor de troca inerente ao uso e ocupação do espaço

urbano no mercado capitalista? Há alguma possibilidade de intervir na lógica de produção

contínua das desigualdades de acesso à cidade agravada com a crise social do país?

Vale lembrar que o ideário histórico da luta pela Reforma Urbana no Brasil13

tem ressaltado a necessária complementaridade entre os processos de inversão de

prioridades, universalizando o acesso à infra-estrutura e aos serviços públicos, e a

implementação de políticas que incidam sobre a lógica perversa de produção e reprodução

do espaço urbano, visando minimizá-la ou neutralizá-la a fim de consagrar o direito

universal à cidade. Nesse último aspecto a experiência de PoA tem revelado os seus

maiores limites. A implantação dos instrumentos urbanísticos, tributários e jurídicos

aprovados pela nova Lei Orgânica de 1990 (LOM), a fim de viabilizar os princípios da

Função Social da Cidade e da Propriedade (Artigo 182 e 183 da Carta de 1988), têm

13 O ideário do Movimento Nacional de Reforma Urbana (MNRU), constituído desde 1985, por ocasião da participação da sociedade na elaboração da nova Constituição Federal (1988), pode ser sintetizado em quatro conteúdos básicos: (a) a obrigação do Estado de assegurar os direitos urbanos a todo cidadão, para o qual é definida uma série de novos direitos para garantir o acesso à moradia, infra-estrutura e serviços urbanos; (b) a submissão da propriedade à sua função social, partindo-se do princípio de que a hegemonia do direito de propriedade privada do solo urbano é uma dos principais causas das desigualdades sociais na produção e estruturação do espaço urbano, o que exige instrumentos para a regulação pública do uso do solo urbano para que a prática privada e pública daquele direito não prejudique o interesse coletivo (público) da cidade; (c) o direito à cidade, a partir do princípio de que ela é um produto histórico e fruto do trabalho coletivo, o que pressupõe a adoção de políticas redistributivistas mediante a inversão de prioridades nos investimentos públicos e garantias de acesso de toda a população aos benefícios da urbanização; (d) gestão democrática da cidade, por meio da ampliação do direito à cidadania política pela participação ampla dos habitantes na condução dos seus destinos, complementando assim o instituto da democracia representativa (Ribeiro, 1994, p.14-15). O MNRU apresentou Proposta de Emenda Popular ao processo Constituinte de 1988, contendo 23 artigos e consignada por cerca de 150 mil assinaturas recolhidas no país, obtendo êxito parcial em relação à aprovação da Função Social da Propriedade e da Cidade (Art. 182 e 183). Ver: Ribeiro (1994), Santos Júnior (1996), Ribeiro e Santos Júnior, (1994), Grazia (1990), Silva (1990, 1991) e Rolnick (1988).

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encontrado grandes obstáculos para a sua efetivação14. A criação do Programa de

Regularização Fundiária (PRF) na SPM, em 1990, por exemplo, sofreu fortes resistências

não só do corpo técnico-burocrático do setor do planejamento urbano, mas de setores

políticos da própria AP, apesar de o tema da regularização fundiária ter sempre se

destacado como uma das prioridades demandadas através do OP. A baixa iniciativa da

segunda gestão da AP (1993-96)15 para regulamentar e implementar os instrumentos de

Reforma Urbana previstos na nova LOM revelou não só despreparo teórico sobre a

dinâmica de produção e reprodução da cidade, mas também a forte influência dos setores

técnico-burocráticos identificados com as concepções urbanísticas tradicionais.16

A implementação desses instrumentos de Reforma Urbana - aprovados pela

Câmara de Vereadores em 1994 -, a serem geridos pelo Conselho de Acesso à Terra e

Habitação, em consonância com o OP, tornou-se mais difícil ainda devido à prevalência de

concepções “economicistas-conservadoras” na administração fazendária do município. A

criação do Conselho somente foi viabilizada após fortes confrontos (e rompimento das

negociações) entre o Fórum Municipal de Reforma Urbana e o Executivo, revelando, mais

uma vez, as limitações da AP sobre o tema do uso e ocupação do solo urbano e habitação.

Apesar do problema da regularização fundiária ser de difícil solução prática

devido à complexidade jurídica, burocrática, urbanística e política que envolve o tema,

percebe-se que a AP não criou, até o presente momento, estruturas administrativas, técnicas

e políticas capazes de corresponder operacionalmente ao status de prioridade que essa

demanda adquiriu durante os doze anos de existência do OP (Cidade, 1994, 1996; Fase,

14 Os principais instrumentos aprovados foram: Concessão do Direito Real de Uso e Usucapião Coletivo, Banco de Terras, Solo Criado, Fundo Municipal de Desenvolvimento, Função Social da Propriedade, Áreas Especiais de Interesse Social, Parcelamento do Solo, Conselho Municipal de Acesso à Terra e Habitação. Análise sobre o assunto pode ser encontrada em Alfonsin (1997), Rodriguez e Osório (1996) e boletim Rede Urbana: FASE (1994, n. 1, e 1995, n.2). 15 O retrocesso trazido pela decisão judicial, em 1997, contra o princípio da progressividade do IPTU talvez possa ser revertido com a recente decisão do Senado que, através de emenda constitucional, admitiu a progressividade do imposto. Registre-se também a importante aprovação, na gestão Tarso Genro (1993-96), da regulamentação do princípio da Função Social da Cidade e da Propriedade, a qual estabeleceu a progressividade relacionada ao tempo de permanência de áreas não construídas, a fim de combater a especulação das 307 maiores áreas vazias da cidade (991 hectares). 16 A base dessa concepção “é uma visão que alia a tradição do urbanismo higienista em sua versão funcionalista pós-Carta de Atenas a uma Economia Política desenvolvimentista com forte protagonismo do Estado” (Rolnick, 1994).

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12

1994, 1995; Rodriguez e Osório, 1996)17 – aliás, demanda que mostra a continuidade

histórica das principais lutas pela posse/propriedade da terra empreendidas pelas vilas de

subabitação, desde o final da década de 70 e início dos anos 80. As dificuldades inerentes à

regularização das vilas e a ausência de respostas compatíveis à importância dessa demanda,

têm contribuído para disseminar, nas comunidades das vilas irregulares e/ou clandestinas, a

opinião de que "não adianta colocar a regularização em primeiro lugar [no OP] porque,

como ela não acontece, se perdem recursos" que poderiam ser destinados para atender

outras demandas prioritárias, tais como a pavimentação. A opinião abaixo de uma

liderança da Região Glória ilustra bem esse sentimento:

O nosso maior problema está na Administração. No governo Olívio Dutra, foi montada uma equipe para regularizar as vilas de Porto Alegre. Quando o Tarso Genro assumiu, a equipe foi desmantelada e ficou reduzida a praticamente 30%. Antes, quando o Programa de Regularização Fundiária (PRF) era na Secretaria de Planejamento Municipal (SPM), contávamos com sete advogados e 14 estagiários em planejamento urbano e advocacia que prestavam assessoria para todas as regiões da cidade. Tínhamos entre 50 e 72 vilas em processo de regularização em Porto Alegre e períodos em que chegavam a mais de cem. E a expectativa é de que englobassem quase 300 vilas (...) Nós temos um documento pronto que é uma radiografia da região (...) Vamos pedir audiência com o prefeito seguindo um encaminhamento que o Conselho da Glória tirou. Por volta de agosto de 1993, o Conselho Administrativo do DEMHAB tirou o seguinte encaminhamento: o DEMHAB não deveria investir na regularização fundiária porque não é sua área de atuação. Nós questionamos isso. Se o órgão que nós temos, Departamento Municipal de Habitação de Porto Alegre, não é quem gerencia a regularização fundiária, que significa habitação, moradia, quem é que vai gerenciar? (Maria Leonice, Jornal de Olho no Orçamento, Cidade, 1996, p.2-3)

A regulamentação recente dos artigos 182 e 183 da Constituição Federal através

da aprovação e sanção do chamado Estatuto da Cidade (em conseqüência da mobilização

social que resultou na emenda da Reforma Urbana na Constituínte de 1988 e que tramitou

por onze anos no Congresso Nacional), certamente irá beneficiar e agilizar os processos de

regularização fundiária, pois prevê o usucapião coletivo, o IPTU progressivo e outros

instrumentos de planejamento urbano. O tema da habitação – que, certamente não será

resolvido apenas com as políticas municipais -, tem se revelado, entretanto, como um dos

17 A regularização fundiária sempre foi apontada como uma das três prioridades escolhidas através do OP, sendo que, em 1994 foi eleita como a primeira prioridade, superando o saneamento básico e a pavimentação, outros setores escolhidos como prioritários nos doze anos de existência do OP-PoA. Sobre as dificuldades da regularização fundiária e da implantação de outros instrumentos de reforma urbana nesse período, ver as publicações das ONG's CIDADE (1994; 1996, Rodriguez e Osório, 1996) e FASE (1994 e 1995) e o Boletim Informativo do Fórum Municipal de Reforma Urbana, nov. 1995.

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13

pontos críticos do OP. Às limitações políticas acima comentadas somam-se projetos de

loteamentos tecnicamente falhos e socialmente limitados no trabalho com as comunidades

reassentadas, a exemplo do Loteamento Chapéu do Sol na Zona Sul da cidade. Isso mostra

que não basta decidir obras no OP. Faz-se necessário desenvolver políticas estratégicas

amplas para a cidade. Além disso, a prática tem demonstrado que faz-se necessário agregar

ao processo deliberativo dos investimentos, a noção de planejamento participativo dos

projetos e o conceito de “comunidade auto-sustentável” - envolvendo políticas de

educação de adultos, de educação ambiental e preservação do patrimônio, políticas

preventivas de saúde e assistência social, de cultura, alternativas de geração de renda e

capacitação para o desenvolvimento de projetos – que poderiam trazer enorme contribuição

para a transformação da qualidade de vida e resultar em novos patamares de formação e

consciência cidadã, especialmente nos loteamentos ou reassentamentos (mas não só neles).

Por outro lado, a revisão do Plano Diretor – meta aprovada no Programa Cidade

Constituinte criado pela segunda gestão da AP - estendeu-se por seis anos, sendo o II Plano

Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (PDDUA), aprovado e sancionado ao

final da terceira gestão (março de 2000). Aqui, mais uma vez, revelou-se a resistência dos

técnicos à participação popular. As primeiras propostas metodológicas, por exemplo,

exigiam que os participantes das discussões tivessem escolaridade superior. A insistência

de ONGs vinculadas à luta pela reforma urbana fizeram com que houvesse uma progressiva

compreensão do governo sobre a viabilidade da participação popular, desde que fossem

criadas formas pedagógicas de informação e conceituação: “um tratamento pedagógico das

informações, dados e conceitos, através da formulação de cartilhas e vídeos; a realização de

reuniões nas regiões do OP e a admissão de lideranças comunitárias nas reuniões de

trabalho foram passos conquistados pelo movimento comunitário e não oferecidos por uma

Administração que compreendesse de antemão a importância dessa participação popular...”

(Alfonsin, 1998, p. 8-9)18. O gerenciamento real do plano, entretanto, indicará até que

18 Sob coordenação da SPM o início da reformulação do Plano se deu em 1994, quando foi discutida a sua metodologia. Após a Audiência Pública que abriu oficialmente os trabalhos, em 1995, foram iniciadas as discussões em quatro Grupos de Trabalho fixos ou ampliados: Planos Regionais, Grupo de Gestão e Sistema de Planejamento, Grupo de Estruturação Urbana e Grupo de Subsídios à Política Habitacional. O Grupo dos Planos Regionais realizou reuniões populares nas 16 regiões do OP, com participação de cerca de 800 pessoas (média de 50 pessoas por assembléia regional), número que, apesar de significativo, por seu ineditismo, atesta as dificuldades para obter-se a adesão das comunidades nas discussões públicas que fogem ao caráter "objetivo" e imediato. Foram registradas 162 entidades na discussão dos quatro grupos envolvendo mais de

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14

ponto os avanços conquistados pelas mudanças de enfoque (centrado na noção de gestão

urbana e não na mera normatividade técnica) serão traduzidos na prática das políticas de

gestão do espaço e do uso do solo urbano. Isso porque a experiência desenvolvida até o

presente momento indica que a efetivação dos instrumentos de democratização do acesso à

terra, somente ocorrerá em níveis mais amplos se houver pressão para que a Administração

crie condições operacionais para tal. A julgar pela realidade atual tudo indica que a

indignação das lideranças de vilas irregulares não foram transformadas até o presente

momento, em movimentos capazes de realizar a pressão de fora para dentro do governo,

através do OP ou mediante táticas de enfrentamento (a exemplo do que ocorreu em 1990

contra o atraso das obras de pavimentação), já que, de dentro para fora do governo,

parecem ter-se exaurido as iniciativas na segunda gestão da AP, com a crise permanente e o

conseqüente enfraquecimento do Programa de Regularização Fundiária no DEMHAB19.

Por fim a baixa participação dos atores populares no programa Cidade

Constituinte (comparativamente à presença dos mesmos no OP) que culminou no I

Congresso da Cidade, em 1993, revelou a difícil transição da participação regionalizada,

calcada em problemas objetivos e imediatos, para o envolvimento ativo da população nos

1000 pessoas. (PDDU, n.1, 1995; PDDU, n.3, 1996). O Plano foi enviado à Câmara de Vereadores, em 1999, sendo aprovado e sancionado em marco de 2000. 19 Em outubro de 1995, os principais técnicos do PRF (nesse momento integrando a estrutura do DEMHAB) pediram demissão coletiva por causa de divergências políticas e de encaminhamento com a direção do órgão municipal. Em realidade, esse episódio representou o ápice das sucessivas instabilidades e incompreensões dos dirigentes dos governos da AP, que não demonstraram o empenho necessário para a concretização efetiva da regularização fundiária como prioridade de governo. Aliás, desde 1990, o PRF foi constituído por uma equipe de técnicos e militantes abnegados que sempre lutaram para superar não só as complexidades próprias do tema (estrutura técnico-burocrática da administração e estrutura jurídica do país), mas também as incompreensões e resistências existentes no próprio governo da AP. A crise do PRF foi plenamente prevista ainda em 1992, quando, ao avaliar o futuro do Programa, a equipe coordenadora apontava para o fato de que ele precisaria deixar de ser "uma estrutura paralela e ser efetivamente incorporado como uma política geral e hegemônica de habitação e reforma urbana no nosso governo", pois, caso isso não acontecesse, seria “a estagnação e o fim do Programa e a nossa derrota para o corporativismo tecnocrático que domina a área urbana há décadas na cidade" (Lima et alii, 1992). Não é estranho assim que o Fórum Municipal da Reforma Urbana tenha sido categórico ao afirmar em 1995: "É visível que a regularização fundiária não é uma prioridade nem de governo e nem do próprio DEMHAB, apesar de o ser para as comunidades..." (Boletim Informativo, 1995). Tentando reverter esse quadro, o Fórum Municipal de Reforma Urbana, juntamente com o Conselho de Acesso à Terra e Habitação (COMATHAB), o Conselho do Orçamento Participativo (COP), Uniões de Vilas e Conselhos Populares, realizou diversas ações de sensibilização e de pressão junto ao governo municipal (audiência com o Prefeito, SGM, etc.), à bancada do PT na Câmara de Vereadores e à presidência do PT, a fim de discutir os principais problemas que, no âmbito da Prefeitura, vinham dificultando o trabalho de regularização fundiária. Desse movimento, surgiu um Grupo de Trabalho formado por representantes do governo e do movimento popular com a função de "listar os problemas da regularização fundiária e discuti-los com as secretarias competentes". Mas esse processo parece não ter surtido efeitos práticos. Ver Boletim do FMRU, 1995 e Lima et alii, 1992.

Page 15: A Invenção Permanente da democracia

15

temas de caráter global e de maior complexidade, os quais exigem capacidade de abstração

e interesse por questões que, aparentemente, não têm influência direta sobre a qualidade de

vida. Apesar do mérito de promover uma discussão de maior abrangência visando construir

um projeto estratégico de desenvolvimento da cidade, a reduzida presença dos atores do OP

somados ao baixo engajamento dos segmentos empresariais e às limitações metodológicas

e propositivas por parte da Administração, colaboraram para que não surgisse um pacto

econômico-territorial de desenvolvimento integrado e sustentável (Rolnick, 1993).20

As questões acima discutidas mostram, entre outros importantes dilemas, a

importância de se pensar a complexa relação entre forma e conteúdo dos modelos

participativos de gestão. “Radicalizar a democracia” – insígnia central do discurso do

governo municipal nas últimas gestões – precisa orientar-se não só par a meta de alcançar

maior amplitude quantitativa da participação, mas, também, maior eficácia e poder

decisório sobre questões fulcrais relacionadas aos conteúdos das políticas públicas. Por isso

há que se pensar nos limites ou barreiras, objetivas e subjetivas à participação popular.

Aperfeiçoamentos do arranjo institucional para a gestão democrática

A prática da democracia participativa não é indiferente aos formatos institucionais

embora não possa ser reduzida a eles. Os formatos institucionais expressam a relação (não

mecânica) entre forma-conteúdo do processo, pois indicam o “lugar” que a participação

ocupa no sistema decisório (nuclear ou periférico), as “regras do jogo” (quais regras e como

são definidas) e quem são os atores da participação. Desde 1989 em PoA, vem se

discutindo a necessidade de se pensar globalmente a gestão democrática. Um aspecto

sempre presente nas discussões refere-se à relação entre o OP e as demais instâncias de

participação, especialmente os Conselhos Setoriais (hoje, mais de 20), relação essa que

tornou-se mais complexa com o surgimento das Plenárias Temáticas do OP.

A importância de redefinições nesse sentido justifica-se por razões práticas diante

da ampla experiência acumulada: evitar o “praticismo” e a estafa da participação devido à

20 O Programa Cidade Constituinte foi inspirado em parte no exemplo de Barcelona, quando, por ocasião das Olimpíadas, a cidade desenvolveu um projeto pactuado para torná-la competitiva e integrada ao novo contexto de globalização. De outra parte, esse programa também procurou responder à oposição quando, nas eleições de 1992, o candidato do PMDB no segundo turno, Cesar Schirmer, com o lema "pense grande" criticou a suposta "ausência de visão global" da AP devido à inexistência de visão global da Frente Popular e inexistência de "grandes obras" necessárias à cidade. Para o caso de Barcelona, ver Borja (1993).

Page 16: A Invenção Permanente da democracia

16

sobrecarga de trabalho das comunidades; diminuir a fragmentação da participação devido

ao expressivo aumento da criação de canais formais ou informais; e imprimir racionalidade,

qualidade e efetividade ao processo de participação popular, solucionando duplicações de

instâncias. A atualização do arranjo institucional da gestão democrática em Porto Alegre

têm condições objetivas de articular três elementos existentes e complementares entre si: o

elemento orçamentário (através do COP); o elemento setorial (através dos Conselhos

Municipais e Temáticas), e o elemento territorial (unificação da regionalização)21.

Na prática isso significaria as seguintes atribuições e articulações: O COP

continuaria discutindo e deliberando sobre as prioridades dos recursos, mantendo suas

competências atuais de co-gestão; os Conselhos Setoriais (atendo-se aos marcos legais que

definem a alocação dos recursos, a exemplo da saúde e da educação) passariam a gerir as

discussões e demandas setoriais através das Plenárias Temáticas do OP, constituindo-se

essas Plenárias em assembléias deliberativas dos Conselhos Setoriais, sem perda do poder

co-gestor das políticas públicas setoriais pelos Conselhos; esses (os Conselhos), na medida

do possível, buscariam ainda complementar a sua composição através da representação

regional, consoante à política de descentralização administrativa e à regionalização adotada

pelo OP (a exemplo das Comissões Locais de Saúde, dos Conselhos Tutelares, dos Fóruns

Regionais de Assistência Social e da regionalização do Plano Diretor). Essa articulação

orgânica entre as três principais vertentes que realizam a mediação institucional entre a

administração municipal e a população viria a reforçar a articulação dessa ampla rede

democrática imprimindo-lhe racionalidade e efetividade (evitando – ainda que não

totalmente – os efeitos negativos da duplicação de instâncias), e proporcionando contatos

enriquecedores entre todos os atores sociais em favor de uma rede virtuosa da participação.

Provavelmente a mudança de maior impacto seria a de conferir aos Conselhos

Municipais um lugar de maior destaque sem, no entanto, suprimir a participação ampliada,

individual e direta que ocorre nas Temáticas (como fóruns deliberativos das prioridades

setoriais/temáticas dos Conselhos). A escolha dos conselheiros ao COP por essas

assembléias poderá indicar tanto membros dos Conselhos – o que talvez fosse profícuo ao

enlaçar os Conselhos Municipais ao OP – como outros integrantes de sua respectiva

Assembléia Temática. Ou seja, a proposta intenciona diminuir, sem perda da especificidade

21 Esse foi o teor da proposta da FASE quanto da criação do Conselho de Acesso à Terra e Habitação. A

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17

enriquecedora do processo, o maior dos “achuriamentos” atuais: o que ocorre entre os

Conselhos Municipais e as Plenárias Temáticas. Quanto ao COP, continuaria

desempenhando o papel de espinha dorsal da participação, definindo as prioridades gerais

que subordinam – pelo menos em termos de recursos – as decisões das demais instâncias, a

exemplo dos Conselhos Setoriais - com exceção da alocação obrigatória (legal) de recursos.

A articulação entre os três elementos (orçamentário, setorial/temático e regional)

assenta-se sobre a larga experiência já acumulada nas relações entre a Prefeitura e a

população que ora encontra-se fragmentada e dando sinais de “estafa” quantitativa. Por

outro lado, o estágio atual do OP vem indicando a necessidade de simplificar o processo

participativo revendo a necessidade real de momentos ou instâncias do mesmo, como é o

caso da segunda rodada anual das Assembléias Regionais/Temáticas. A função de eleger os

representantes ao COP certamente pode ser absorvida na agenda da primeira rodada.

Chama atenção, entretanto, a ausência de registro do número de participantes das Reuniões

Intermediárias do OP-PoA, que vêm se destacando por serem momentos densos e amplos

da participação no OP – até porque a menor escala de atuação assim o permite. Conhecer

esse dado é importante por razões prática e teóricas que dispensam argumentos (há grande

disparidade sobre o possível número de participantes)22.

Da mesma forma, diante da sobrecarga da participação, é questionável a existência

de processo exclusivo em Porto Alegre para o OP Estadual. Embora política e

administrativamente assim seria mais indicado, pois se trata de uma realidade diversa,

talvez os ganhos participativos seriam maiores com a unificação dos procedimentos.

Outro aspecto diz respeito às possibilidades de aumento do número de participantes

e das formas de fazê-lo, sem perda da qualidade e da organização. O problema é de extrema

complexidade e, evidentemente, não há pretensão de oferecer soluções através deste texto.

Reconhecendo-se as dificuldades em comparar experiências apenas pelo aspecto

quantitativo (são múltiplas as realidades locais, objetivas e subjetivas, que podem ou não

determinar maior ou menor participação), sabe-se de outras experiências de OP’s, inclusive

constituição do novo Conselho do Plano Diretor também aproxima-se dessa concepção de formato. 22 Há que considerar, também, que o registro anual do número de participantes é impreciso, pois há diferença conceitual entre o número de indivíduos que participam e o número de participações, já que esse total é obtido pela soma das participações entre a I e a II rodadas e as Plenárias Temáticas. Como as pesquisam indicam, parcela dos mesmos indivíduos participam nas várias instâncias, por exemplo, na região e nas temáticas .

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18

em cidades do interior do RS, cujos percentuais de adesão popular são proporcionalmente

maiores em relação ao número de habitantes e/ou ao número de eleitores. Creio que essa

questão enseja uma discussão salutar, entre os diversos interlocutores, incluindo-se

obviamente as próprias comunidades do OP, através da tentativa de obter-se respostas para

algumas questões, por exemplo: (a) quais as possíveis causas que explicam a estabilização

desse patamar quantitativo da participação em PoA, ou dito de outra forma, porque setores

das camadas populares – presumidamente os que teriam interesse “objetivo” em participar

ou demandas a apresentar - não participam em maior número que o atual nas oportunidades

criadas pelo OP? e (b) a concepção de participação através das assembléias e de uma série

de atividades que exigem tempo e dedicação – adotada até agora pelo OP vem se

constituíndo como fator limitador da ampliação quantitativa da participação? Uma alteração

nessa forma de participação nas reuniões implicaria em perda de qualidade?

São aspectos que evidentemente necessitam de pesquisa séria e metódica. Arrisco-

me a afirmar, entretanto, que esse fato da realidade permite refletir sobre as ilusões do

imaginário da esquerda centrado na figura clássica do “cidadão total” - o cidadão da

liberdade dos antigos – sempre apto e pronto a participar em todas as decisões da pólis,

bastando para isso criar oportunidades. Ter-se-ia aqui que comprovar a influência de

variáveis ligadas a certas determinações materiais e/ou às formas ideológicas que sustentam

a não-participação ativa dos cidadãos, especialmente das camadas populares que moram em

áreas com infra-estrutura e serviços deficientes. O não-ativismo no OP pode, entretanto,

não significar necessariamente “alienação” ou “falsa consciência” no sentido marxista. A

experiência de PoA mostra, por exemplo, que uma parcela considerável da população

prefere, de forma autônoma e voluntária, participar politicamente dos momentos eleitorais e

não das discussões do orçamento, talvez em boa parte porque tratam-se de estratos sociais

que não têm demandas importantes e imediatas a pleitear junto à Administração Municipal.

Já o segundo aspecto, diz respeito às propostas para adotar-se outras formas

participativas. Aqui faz-se necessário refletir sobre a atualidade ou não das concepções

teórico-ideológicas que entendem ser a participação sinônimo da presença dos indivíduos

nas assembléias (a democracia das assembléias). A possível instituição de novos

mecanismos de participação, tal como a votação direta para escolha de demandas através de

referendum, precisa, por isso, ser construída através de profunda reflexão de todos atores

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19

sobre a necessidade real de maior envolvimento da população – frente ao reconhecimento

dos limites quantitativos da forma assembleísta e aos possíveis questionamentos da

legitimidade do OP. Ou seja, a possível adoção de novas formas de deliberação (por

exemplo: referendum das prioridades setoriais escolhidas em cada região) deve responder,

fundamentalmente, à necessidade de aperfeiçoamento do funcionamento do OP, e não a

outros objetivos extrínsecos a essa necessidade, a exemplo dos argumentos utilizados pelos

atores políticos que, se opondo ao OP, questionam a sua validade, entre outros argumentos,

com base no “baixo” número de participantes”, sob pena de configurar uma relação

instrumental e meramente formal com o novo expediente democrático a ser adotado. É

importante lembrar a maioria dos eleitores de Porto Alegre, segundo pesquisas recentes,

aprovam e julgam importante a existência do OP, o que determina um grau de legitimidade

desse procedimento que vai muito além do número de seus participantes (Labors, 2000)23.

É claro que as formas individuais de participação – em votações diretas nas regiões

(referendum) ou pela internet, ora introduzida pela quarta gestão da AP - traz vantagens e

desvantagens. Por um lado, elas podem aumentar o número de participantes que não

dispõem de tempo ou que não se propõem ao estafante processo requerido pelo OP, assim

como podem melhor contemplar a diversidade dos atores e das demandas. Por outro lado,

possivelmente tragam consigo perdas de qualidade somente possível de ser alcançada

através da interação dialógica e intersubjetiva que ocorre nas reuniões. O contato com os

outros, a elaboração conjunta de regras, a argumentação, a diversidade de interesses e de

visões criam, sem dúvida alguma, melhores condições para a aprendizagem democrática, a

cooperação e a solidariedade, se comparadas às formas de participação direta, mas

23 Segundo pesquisa realizada em 2000 pelo Laboratório de Observação Social do IFCH/UFRGS com 603 eleitores através de levantamento aleatório estratificado (AAE), à pergunta “Qual sua opinião sobre o OP de Porto Alegre”, 59% dos entrevistados consideraram o OP “importante porque aumenta a participação popular”, mais de 25% “porque aumenta a eficiência do governo”. Em contrapartida outros 9,5% consideraram o OP como “demagogia” e 4,5% declararam que ele “não acrescenta nada à administração da cidade”. Devido às respostas múltiplas a soma dos percentuais ultrapassa os 100%. É importante frisar que a ampla aprovação do OP não significa, necessariamente, a mesma proporção em termos de votos, pois à pergunta “caso você viesse a saber que o seu candidato a prefeito na próxima eleição não vai mais realizar o OP, qual seria sua reação?”, apenas 30% dos entrevistados afirmaram que “ficaria(m) decepcionado(s) e não votaria(m) mais nele”, contra 33% que declararam que “isso não afetaria o seu voto” e 13% que declararam que “não ficaria(m) sarisfeito(s), mas votaria(m) nele assim mesmo” e quase 6% “ficaria(m) satisfeito(s) e votaria(m) nele com mais convicção”. Ou seja, o apoio incondicional ao OP conta com cerca de 30% dos eleitores da cidade. Esses percentuais guardam certa coerência quando os eleitores são inquiridos sobre as causas das sucessivas vitórias eleitorais do PT em PoA. Verifica-se que isso não se deve a uma imagem que

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individuais, como o referendum, o que não quer dizer que o debate estaria excluído. Talvez,

seja de bom senso experimentar formas mistas, ou seja: a escolha das prioridades setoriais

de cada região (p.ex: saneamento, habitação, saúde, etc.) decididas nas reuniões

intermediárias (como primeira etapa do processo de escolha das prioridades orçamentárias),

seriam submetidas ao referendum popular na própria região, processo coordenado pelos

representantes regionais e pelos representantes da Prefeitura. Assim seria preservado o

aspecto dialógico e interativo das discussões com a possibilidade de ampliação da

participação a outros moradores da região. Ao temor de esvaziamento das reuniões é

preciso lembrar dois aspectos importantes: provavelmente aqueles que realmente têm

interesse e vontade de participar não deixarão de ir às reuniões, até porque elas

continuariam com o poder de hierarquização das demandas em cada setor (p. ex: na

pavimentação, quais ruas a serem pavimentadas, etc); em segundo lugar, é preciso lembrar

que devido ao fato de o número de delegados eleitos ser proporcional ao número de pessoas

de cada vila ou associação civil participantes nas reuniões intermediárias, é comum ocorrer

o registro formal de pessoas nessas reuniões, sem que elas ali permaneçam. Ou seja, vão

apenas para assinar a lista de presença e contar para o número total de “participantes” da

vila ou associação que posteriormente indicará os delegados a quem tem direito ao Fórum

Regional. Isso não deixa de ser um certo “referendum”, e demonstra que mesmo nos

moldes de hoje, não está garantida a presença das pessoas nas reuniões do OP, pois há

pessoas (cuja quantidade não se pode precisar) que “participam” dessa forma e recebem os

“agradecimentos” do “líder” da vila por ter ido assinar a lista de presenças na reunião24.

Relação compartilhada: dilemas da interação Administração-Comunidades

A experiência do OP de Porto Alegre têm demonstrado as dificuldades reais

impostas à criação de esferas públicas democráticas de co-gestão em contextos sociais

complexos. Em PoA os governantes e os atores populares foram desafiados a um duplo e

simultâneo papel. Aos dirigentes da administração apresentou-se a tarefa de transformar o

modelo de gestão tradicional, baseado no autoritarismo, no patrimonialismo e no

combina “eficiência” (23,4%), “competência” (2,5%), “honestidade” (11%), priorização de “obras em áreas mais carentes” (18,1%), militância partidária forte (14,1%) e modo “democrático de governar”(6%).

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21

clientelismo, reconhecendo – contrariamente às teorias do elitismo democrático – que a

população pode e deve adquirir a capacidade de tomar decisões em conjunto com o Estado,

cabendo à administração pública não só a tarefa de abrir-se à cidadania, tornar-se

transparente e criar canais de participação, mas, também, constituir-se como agente

educativo e incentivador da participação ativa (respeitando, porém, a organização autônoma

dos agentes sociais). Da mesma forma, aos atores populares, apresentou-se o desafio de

agregar às práticas de reivindicação – inalienáveis à constituição dos movimentos sociais –

novas capacidades propositivas sobre o conteúdo das políticas públicas e novas capacidades

de negociação de suas demandas com os demais atores da sociedade civil e com os

representantes do Estado (Executivo e Legislativo). Trata-se de uma tarefa difícil, porém,

imprescindível ao horizonte emancipatório dos atores populares, qual seja, desenvolver

capacidades de controlar o Estado e compartilhar decisões e, ao mesmo tempo,

autogestionar-se, como partícipes de esferas públicas autônomas e sujeitos independentes.

Esse é um ponto fulcral do atual estágio do OP. Se, por um lado, a presença do

Executivo nas regiões parece ser necessária, a bem da comunicação ágil entre a população e

o governo (informações, esclarecimentos), por outro lado, há uma clara situação de

dependência das comunidades em relação à Administração, especialmente representada no

papel desempenhado pelos CROP’s25, os quais, talvez até inconscientemente, estabelecem

(por vezes) relações de tutela e/ou de paternalismo na sustentação do processo. Em

verdade, parece-me estarmos diante de um paradoxo de difícil solução, qual seja: ponderar

maior autonomia política-organizativa das comunidades em relação à Administração e, ao

mesmo tempo, considerar a intervenção prática do governo como algo necessário, inclusive

para administrar e mediar divergências e conflitos que surgem entre as próprias

comunidades, na disputa por recursos ou nas práticas comunitárias excludentes.

Outro “nó crítico” associado a esse diz respeito à tendência de indiferenciação

entre os papéis dos atores sociais – governo e comunidades – com possíveis prejuízos ao

princípio da autonomia social e política dessas últimas. Alude-se, por exemplo, à situação

24 Cito o caso das reuniões intermediárias de duas microrregiões da Região Lomba do Pinheiro, em 2001, onde presenciei essa prática. É preciso dizer que várias pessoas da própria comunidade demonstraram total contrariedade e preocupação com a saída de pessoas após a assinatura da lista de presenças. 25 Assessores integrantes do FASCOM (Fórum de Assessores Comunitários), instância interna ao Executivo e coordenada pela CRC, que reúne os assessores comunitários de todas as Secretárias Municipais. Os CROP’s têm a função de mediar as relações entre a Administração e cada uma das Regiões e das Temáticas do OP.

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objetiva de indiferenciação, em algumas regiões, entre as instâncias autônomas construídas

pelas comunidades, como os Conselhos Populares, as Articulação Regionais, as Uniões de

Vilas, e as instâncias institucionais do OP, tais como os Fóruns Regionais de Delegados.

Creio que, em parte, esses problemas decorrem de uma situação objetiva que

exige extrema dedicação dos indivíduos que participam com algum nível de

responsabilidade no OP. Não é por outra razão que parcela significativa dos participantes

(50,2%) é constituída por pessoas cujo tempo funciona como “capital político” (autônomos,

aposentados, “do lar”, desempregados) (Cidade; CRC/PMPA, 1999, p. 36). O fator

“tempo”, entretanto, não explica e/ou justifica a totalidade da situação. Há sérias

implicações políticas sobre esse “nó crítico”. Creio poder sugerir, a título de hipóteses, três

cenários alternativos para o futuro desenvolvimento das relações entre a Administração e as

comunidades em geral que constituem os atores da sociedade civil:

1) Autogestão “relativa”: delegar as funções organizativas e de regramento

do OP - incluindo a direção do COP, das regiões e temáticas (auto-regramento) - para as

comunidades. A “relatividade” dessa forma de autogestão deve-se aos empecilhos legais

para transferir o gerenciamento dos recursos orçamentários à população;

2) Manutenção do estado atual de interação dependente do governo,

realizando esforços para aumentar a adesão popular e qualificar o OP;

3) Repactuar a relação de co-gestão do OP, através de mudanças nas

responsabilidades e funções dos atores, oportunizando maior autonomia e independência

das comunidades nas regiões e temáticas; além de medidas visando simplificar o processo -

em sua estrutura e modo de funcionamento – e aumentar a participação;

Pelos argumentos expostos até o presente momento entendo ser a terceira opção a

mais factível e a que responde melhor às necessidades de mudanças do OP. Evidentemente

essa opção, que representa “superação com conservação” (Aufhebung, em sentido

hegeliano-marxista), é apenas uma linha de conduta geral na repactuação das relações entre

a Administração e as comunidades, que necessita ser complementada com vários outros

aspectos objetivando o aperfeiçoamento do OP e do conjunto da gestão participativa que

nunca são definitivos. Esta repactuação exige, entre outras coisas, discutir o papel dos

CROP’s e avaliar a prática de co-gestão em suas várias dimensões: COP, Comissões

Tripartites, Assembléias Regionais/Temáticas, Fóruns de Delegados, etc. buscando um

Page 23: A Invenção Permanente da democracia

23

ajuste “fino” das competências e das regras “implícitas” e “explícitas” na operação real do

processo.

O OP e os atores da sociedade civil: práticas, limites e possíveis aprendizagens?

O OP representou uma conquista histórica dos movimentos populares urbanos de

Porto Alegre, pois, como se sabe, no período do regime ditatorial (anterior a 1986), o

movimento "brigava para conseguir falar com o poder público". Daí porque as táticas eram

de enfrentamento, de protestos nas ruas e de denúncias na imprensa, para serem ouvidos e,

por vezes, recebidos pelas autoridades. Com a construção do OP, os movimentos passaram

a atuar nos espaços institucionais da administração municipal. Como afirmou uma liderança

comunitária, "[a administração] tirou o movimento das ruas e deu a chance para que ele se

organizasse dentro desses canais, o que não quer dizer que as formas clássicas de pressão

não possam ser exercidas". O surgimento do OP, como esfera pública de mediação entre a

administração pública e as comunidades, vem suscitando, entretanto, diversos

questionamentos sobre os possíveis limites das práticas e concepções dos atores populares e

do próprio caráter da relação que surgiu desse encontro (do Estado com as comunidades).

Um dos aspectos que merece reflexão sobre essa interação é a relação até agora

estabelecida entre a discussão orçamentária e a discussão das políticas publicas em geral26.

Sabe-se que uma das razões do sucesso da experiência de PoA deve-se ao fato de que ela

está calcada na decisão sobre o principal instrumento de gestão do Estado: o orçamento

público. O lugar da participação no sistema decisório, portanto, é nuclear e não periférico.

Ora, se essa é uma das características que distingue qualitativamente o OP-PoA, o seu

estágio atual enseja duas ordens de questões que constituem um aparente paradoxo, qual

seja: a necessidade de contemplar a diversidade das demandas e dos atores sociais

(amplitude da participação) e a continuidade da percepção “localista” de setores

participantes cujas demandas são obviamente tão legítimas como as demandas “universais”.

Quanto ao primeiro aspecto vale lembrar que na história de construção do OP a

credibilidade da participação somente foi alcançada quando a população percebeu a

26 Entre outros aspectos, seria necessário discorrer sobre a diferença entre o planejamento governamental e o planejamento orçamentário. Não há espaço e nem é o objetivo do presente artigo realizar essa discussão. Ressalte-se apenas o fato de que, tanto em Porto Alegre como no Governo do Estado do RS, essas dimensões têm sido sonegadas, reduzindo-se o planejamento estratégico dos governos aos processos orçamentários.

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materialização das intenções anunciadas no discurso da AP. O enfoque meramente

ideologizado e/ou voluntarista do tema da participação mostrou-se ineficiente, pois a

adesão ao projeto de democratização do Estado requer vínculos objetivos entre participação

e resultados materiais, sob pena de corrosão da confiança no processo. A tentativa de abrir

canais de participação, tal como o Fórum de Consulta Popular contido na proposta da

Reforma Administrativa (1990), é exemplo marcante a esse respeito. A população estava

mais interessada em soluções concretas para as suas reivindicações e por isso a construção

do OP ocorreu através de um ciclo virtuoso entre participação-resultados.

Nesse sentido, apesar de alguns avanços viabilizados pela criação das Plenárias

Temáticas, há que se reconhecer as dificuldades objetivas para a superação da participação

centrada na escolha das obras de infra-estrutura (caráter econômico do orçamento)

abrangendo a discussão do conteúdo das políticas públicas - incluindo as políticas sociais –

às quais se apresentam, para o senso comum, como algo abstrato e intangível. Certamente

não se trata de obstáculos intransponíveis. Entretanto, uma abordagem realista (não-

voluntarista e nem conformista) sobre esse limite, indica a probabilidade de continuidade

da “motivação objetivista” no OP, especialmente nas comunidades carentes de estrutura.

Cabe aprofundar a discussão no sentido de perceber o quanto as práticas e políticas

do governo tem contribuído ou não para a permanência desse estado e, também, o quanto

isso poderia ou não representar uma cultura pragmática dos sujeitos populares (não

necessariamente uma consciência acrítica ou “falsa consciência”). Ao mesmo tempo, há

que se considerar que essa aprendizagem é, provavelmente, proporcional aos níveis

hierárquicos das estruturas do OP, o que não quer dizer que seja impossível estendê-la,

ainda que de forma limitada, às bases do processo. Em 1991, por exemplo, a metodologia

de trabalho do COP possibilitou a discussão do conteúdo das políticas públicas previamente

à aprovação do Plano de Investimentos. Dois dados mostraram as possibilidades de avanços

qualitativos na visão dos conselheiros: o interesse em discutir as políticas públicas setoriais

(por exemplo, pela primeira vez a Secretaria de Cultura e a Secretaria de Administração,

entre as demais, compareceram ao COP, despertando grande interesse dos conselheiros e

ensejando novas atividades dos mesmos junto às Secretarias); e, ao mesmo tempo, a

compreensão dos mesmos sobre a importância da realização de obras e projetos de caráter

universal. O marco dessa evolução foi a discussão e a aprovação pelo COP do Projeto de

Page 25: A Invenção Permanente da democracia

25

Revitalização da Área Central, incluindo a reforma do Mercado Público (contrariando

posição anterior que rejeitava toda e qualquer ação do governo que não fosse a alocação de

recursos para a periferia). Também nesse momento os conselheiros reagiram com

entusiasmo quando da apresentação do Programa Guaíba Vive, que previa projetos de

recuperação ambiental e paisagística da orla do Guaíba, a exemplo da despoluição da praia

do Lami. Ou seja, a percepção das necessidades gerais da cidade e a superação de

corporativismos localistas ou regionalistas tornaram-se viáveis no COP (topo das instâncias

de participação). Mas isso foi possível mediante um processo de aprendizagem e de

reciprocidade: as ações de caráter universal foram reconhecidas quando os conselheiros

perceberam que as suas reivindicações pontuais estavam sendo atendidas.

Caberia, talvez, analisar a importância de outros aspectos que, relacionados entre si,

poderiam contribuir para agregar avanços na amplitude e na diversidade da participação no

conjunto da gestão, assim como na tensão com a percepção localista. Um dos aspectos diz

respeito ao planejamento e à execução participativa de projetos. Certamente há um elenco

deles sendo realizados. Mas, pergunta-se: até que ponto há um envolvimento efetivo das

comunidades no planejamento e execução de projetos, sejam eles obras, qualificação de

serviços ou outras atividades sócio-educativas (a exemplo da limpeza de arroios,

preservação ambiental e do patrimônio público, gestão de espaços públicos, etc.),

atividades essas que exigem o envolvimento comunitário para a eficácia dos seus objetivos

e que podem ser excelentes oportunidades para a elevação do nível de consciência cidadã?

Além disso, que metodologias são utilizadas para promover o envolvimento das

comunidades nos projetos? Sabe-se há tempo – conforme a pedagogia freireana e a

psicologia genética piagetiana (construtivismo) - que a formação cidadã dos sujeitos não é

alcançada com discursos ideológicos ou através de práticas (anti-pedagógicas) diretivas

(p.ex: Estado=sujeito e comunidades=objetos). A dimensão pedagógica da participação

requer práticas calcadas na ação dos sujeitos que a partir de suas experiências de vida (dos

seus conhecimentos práticos e teóricos), constróem, na interação dialógica com os demais

sujeitos, novos conhecimentos e novas percepções em relação ao mundo objetivo (da

natureza) e subjetivo (intersubjetividade). Essas práticas podem ser desenvolvidas tanto no

planejamento e execução dos projetos, como em oficinas sobre o orçamento e as políticas

públicas e outras formas especialmente voltadas para a formação cidadã. Por isso, muito

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26

além de se constatar acertadamente as deficiências nas linguagens utilizadas, como bem o

faz o documento do governo, coloca-se o desafio de adotar-se novos paradigmas

pedagógicos que contribuam para o desenvolvimento de uma consciência moral autônoma

(pós-convencional) e de competências cognitivas de percepção da realidade social.

Ao mesmo tempo, as possibilidades de superação da percepção restrita da realidade

e centrada nas demandas materiais (coerente com a realidade social excludente) visando à

formação cidadã dos sujeitos, exige um enfoque multidimensional de sensibilização e

formação, ou seja: práticas e atividades diversas que, associadas ou não ao OP, contemplem

outras motivações e despertem outros interesses dos sujeitos (cultura, lazer, atividades

lúdicas, esporte, diferenças étnicas, de gênero, de idade, etc.)27. Esse objetivo requer outras

formas de trabalhar com as demandas superando as reuniões-padrão, através de práticas de

sensibilização que levem a reflexão dos sujeitos, contribuindo assim com o objetivo da

formação de cidadãos. Trata-se, portanto, de um processo complexo, não redutível à

participação nas assembléias do OP, embora isso seja per se altamente significativo.

Esse desafio pressupõe a abertura do governo e das entidades formadoras (ONG’s,

etc) para novos paradigmas de aprendizagem democrática que contemplem: (a) humildade

de todos para aprender (todos são aprendizes e educadores) e (b) um trabalho de “escuta

densa, paciência e persistência no tempo” (Moll e Fischer in Fischer e Moll, 2000).

Alcançar tal objetivo exige grande esforço, capacitação pedagógica e, talvez, revisão das

próprias concepções democráticas e das práticas microssociais, entendendo-se a

“democracia” fundamentalmente como processo de construção social e não como adesão

política das “massas” a um projeto pré-determinado pela “vanguarda”, seja ela o governo

municipal ou as correntes internas do PT que disputam espaços de poder. A ampliação das

parcerias da Prefeitura com outras instituições poderia auxiliar nesse imenso objetivo.

A tendência de continuidade da visão regionalista e/ou localista não pode ser

analisada, entretanto, normativamente, pois a realidade objetiva das carências em infra-

estrutura e serviços, determina uma ação voltada para esse foco que, como já foi dito, é tão

legítima como outras demandas supostamente universalistas. A tensão entre os valores e as

práticas que expressam culturas antagônicas (competição/solidariedade,

egocentrismo/descentração, heteronomia/autonomia moral) são inerentes aos processos

27 Seria interessante neste aspecto considerar uma avaliação sobre o projeto de descentralização da cultura.

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27

que, como o OP, enfrentam o clássico dilema “recursos escassos versus demandas

reprimidas”. Uma forma de intervir nesse processo, como bem aponta o documento do

governo, seria instituíndo regras mínimas obrigatórias às práticas internas das regiões,

como forma de mediar os conflitos, evitar exclusões e apropriação privada de informações,

além de proporcionar formas de mediação que preservem o princípio da justiça distributiva

na relação entre as comunidades. Há que se lembrar, entretanto, que na história do OP essa

tentativa já foi feita em 1995, quando o COP aprovou essa orientação sem torná-la

obrigatória para as regiões. Os resultados foram acanhados: algumas regiões criaram

normas de funcionamento e critérios distributivos de seleção de demandas, outras

permaneceram privilegiando a votação e o princípio da maioria (Abers, 1995).

Cabe lembrar, também, que historicamente a tensão inerente entre o particular e o

geral no OP-PoA encontrou no método de distribuição de recursos a mediação necessária

entre as demandas locais (e/ou regionais) e as chamadas demandas institucionais (obras e

projetos propostos pelo governo visando beneficiar mais do que uma região, ou toda

cidade). Sabe-se que o conflito entre os aspectos técnicos e políticos no processo de

participação da gestão sócio-estatal, é tema clássico do debate político, pois a dificuldade

para compatibilizar administração complexa, racionalidade e participação, é um dos

principais argumentos utilizados pelas correntes do chamado elitismo democrático28 para

28 As chamadas “teorias elitistas da democracia” surgiram na primeira metade do século XX tendo como pano de fundo o debate teórico e os dilemas práticos que envolveram a relação entre forma e conteúdo no interior da teoria democrática. As idéias sustentadas por Weber e por Schumpeter, os principais teóricos do elitismo democrático, possuem pelo menos duas características comuns: (1) a tentativa de justificar o estreitamento da prática democrática objetivando a própria consolidação da democracia, diante de outras formas não-democráticas que se apresentavam à direita e à esquerda do espectro ideológico e (2) o “realismo político” como pressuposto metodológico (Avritzer, 1996; Giddens, 1995). Ao discutirem o significado da democracia e sua relação com o socialismo, ambos os autores enfrentaram o legado das teorias clássicas da democracia, principalmente quanto à relação proposta por elas entre democracia e soberania popular. Diversamente da tradição teórica marxista que entendia a separação ocorrida entre trabalhadores e meios de produção como produto da ordem burguesa, Weber interpretou o crescimento da burocratização por causa do aumento da complexidade e da superioridade técnica requerida pelo processo de instauração do estado moderno (racional-legal). Para Weber, tal separação representou um fenômeno mais amplo associado à crescente complexidade das sociedades modernas e sua exigência de transferência dos meios de administração e produção para o controle de funcionários especializados. Por isso, Weber diagnosticou e prognosticou o aumento da burocratização como realidade do Estado moderno e o conseqüente aumento do controle sobre a vida dos indivíduos, indiferentemente da forma de produção ser capitalista ou socialista (Weber, 1992, p.178-9; 1994, p.258). Reconhecendo a impossibilidade do “governo diretamente democrático” nas sociedades complexas, Weber aponta a relação entre a democracia e a burocracia como um dos principais paradoxos da modernidade. Por isso, a democracia passa a significar a generalização da cidadania política baseada na igualdade formal dos direitos políticos de todos os membros do Estado nacional para a constituição do governo. Ao acentuar o papel das lideranças na democracia e ao tomar o governo das “elites” como algo inevitável, Weber entende que o parlamento pode, sob certas condições, contrapor-se à influência da burocracia e conduzir as massas

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28

atestar a inviabilidade prática da democracia participativa nas sociedades contemporâneas

(Avritzer, 1996). A metodologia baseada em critérios objetivos e universais, para a

distribuição dos recursos de investimentos entre as regiões, viabilizou a relação entre

administração complexa e participação, sem perda da racionalidade do processo. A

evolução histórica do OP-PoA mostra, entretanto, a existência de uma curvatura no

processamento técnico-político das demandas. Se nos momentos iniciais – quando do

rompimento com o modelo tecnoburocrático de gestão – o componente técnico foi quase

negligenciado, o desenvolvimento do OP-PoA mostra um aumento progressivo da

utilização de critérios técnicos para a seleção, aceitação ou eliminação das demandas. Cabe

perguntar: há um desequilíbrio da balança em favor da dimensão técnica? Há aprendizagem

técnica das comunidades? Há limites instransponíveis nessa aprendizagem técnica? Que

impactos têm trazido a introdução dos critérios técnicos frente à justiça distributiva?

Essas questões trazem novamente à tona os dilemas relacionados ao caráter da

interação entre Administração-Comunidades. Como pretender autonomia político-

organizativa das comunidades e, ao mesmo tempo, interferir em suas relações internas? Eis

um paradoxo de difícil resolução. Por outro lado, no que tange aos atores populares, se a

prática do enfrentamento – que caracterizou grande parte das formas de ação coletiva

desses atores desde o final dos anos 70 – foi fundamental para a constituição de sua

identidade a partir de uma cultura cívica baseada nos direitos, hoje há dificuldades dos

atores comunitários para enfrentar a nova realidade de abertura do governo municipal à

participação, pois essa exige capacidades propositivas ou alternativas na disputa que se

afigurou sobre a criação das novas instituições democráticas, suas regras e estrutura de

funcionamento, assim como sobre o conteúdo das políticas públicas específicas (transporte,

(1992, p.744-6). Por sua vez, Schumpeter propõe – contrariamente à teoria democrática em que a seleção dos representantes era vista como algo secundário ante o objetivo principal do sistema democrático, qual seja, atribuir ao eleitorado o poder de decidir sobre assuntos políticos – uma teoria alternativa (realista) por meio da inversão desses papéis: a democracia seria um método de produção de governos e ao povo caberia formar um governo que, por seu turno, tomará as decisões. As atribuições governamentais capazes de gerar algum nível de racionalidade política seria um encargo das elites, as quais ganham esse atributo mediante a livre competição no mercado político. Conforme a sua teoria “... o método democrático é um sistema institucional, para a tomada de decisões políticas, no qual o indivíduo adquire o poder de decidir mediante uma luta competitiva pelos votos do eleitor. [...] a democracia não significa nem pode significar que o povo realmente governa em qualquer dos sentidos tradicionais das palavras povo e governo (Schumpeter, 1961, p.328 e 346). Portanto, para as teorias elitistas da democracia a racionalidade do sistema encontra na seleção das elites a sua melhor viabilidade prática e, conseqüentemente, o reduzido grau de participação política é condição desejável e necessária ao bom funcionamento da democracia. Para uma discussão crítica dos pressupostos do elitismo democrático com base na teoria comunicativa habermasiana, ver Avritzer (1996, p.99-123).

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habitação, etc) e sua relação com a globalidade da reforma urbana em curso. A cultura dos

direitos [sociais], compartilhada por parcela significativa dos atores populares, significou,

provavelmente, uma superação em relação às práticas tradicionais de submissão, do pedir e

do favor, mas por outro lado, é temerário afirmar que ela [a cultura dos direitos] tenha se

estendido como demanda aos direitos políticos de participação nas decisões da gestão

sócio-estatal. Embora existentes nas instâncias de cúpula do movimento comunitário, tais

como os Congressos da UAMPA, foram raros os registros de demandas por participação

política nas decisões da gestão municipal. Fato que pode ser compreendido considerando-

se, por um lado, a histórica prática de tutela, de cooptação e de manipulação por parte do

Estado e, por outro lado, a situação de carência em infra-estrutura e serviços necessários à

subsistência das classes trabalhadoras, como características do modelo espoliador que vigeu

no Brasil. A demanda por participação como cultura política talvez esteja se constituindo

como um importante subproduto da ação dos sujeitos do OP-PoA, já que as comunidades

são instadas, nos últimos doze anos, a exercer os seus direitos políticos como forma de

alcançar os direitos sociais urbanos necessários à qualidade de vida. Todavia, não há ainda

condições de provar objetivamente essa hipótese, apesar dos sinais positivos que emanam

da prática e do discurso de parcela das comunidades. Por exemplo, a pesquisa com o

público do OP realizada em 1998 mostra um percentual significativo de pessoas (43,99%),

que se referem a temas ligados à participação, à finalidade de servir à comunidade, à

democracia e à cidadania, como principais motivações de suas presenças no mesmo29.

Vale lembrar que o movimento comunitário ressente-se, até hoje, de uma instância

autônoma capaz de estabelecer momentos de reflexão coletiva entre todas as regiões para a

tomada de posição diante de questões importantes da agenda municipal. A crise de

legitimidade da UAMPA persiste, na medida em que a entidade não se fez representar

durante a maior parte da construção do OP, abandonando-o após 1989. Atualmente, embora

participando, continua hegemonizada por concepções que entendem o movimento como um

sujeito social único, organizado verticalmente, perdendo-se, portanto, a pluralidade e a

29 Percentuais referentes à soma das respostas dadas à pergunta “Por que participa das reuniões do OP?” constante da pesquisa realizada através de parceria entre a Prefeitura/CRC, CIDADE e Giampaolo Baiocchi/University of Wisconsin, 1998. As respostas agrupam os seguintes itens: “servir à comunidade, democracia/cidadania, união/solidariedade, lutar, decidir, acompanhar/fiscalizar, conhecer/informar-se, referencias genéricas à participação”. Na mesma pesquisa, as “demandas” sociais (obras, etc) foram apontadas como razões principais da participação por 53,90% dos pesquisados (1998).

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diversidade do associativismo em detrimento da defesa do monopólio da representação

comunitária pelas AM’s (Baierle, 1994). A forma cada vez mais regionalizada assumida

pela atividade comunitária na cidade, se por um lado se reveste de positividades, ao

proporcionar maior integração e densidade social, por outro lado, revela-se fragmentária,

com possível prejuízo à potencialização das ações dos atores populares na esfera pública

municipal (Fedozzi, 1994, p.28; Rodriguez e Osório, 1996, p.15). Não é incomum os

representantes das regiões utilizarem o COP – uma instância institucional de co-gestão –

para realizar discussões de temas pertinentes à esfera [autônoma] dos movimentos

populares, o que demonstra as dificuldades para construírem espaços próprios de

organização de suas ações coletivas. Ora, se não se justificam leituras que atestam o "fim

dos movimentos populares na cidade" – geralmente baseadas em concepções ultrapassadas

e/ou saudosistas sobre os movimentos sociais em geral – parece que a nova interação com o

Estado proporcionada pelo OP vem ensejando modificações nas práticas e nas formas dos

mesmos, suscitando dúvidas sobre a real dimensão da autonomia organizativa e política dos

atores comunitários, frente aos aparatos sistêmicos do Estado. Em sendo assim, os possíveis

impactos trazidos pela experiência do OP, seja na ação, nas formas de articulação e nos

valores que norteiam as práticas dos atores comunitários, das AM’s ou das demais

instituições sociais, ainda carecem de estudos mais aprofundados.

Todas essas razões justificam a imperiosa necessidade de que os atores populares,

que vem se fazendo ouvir no espaço público da cidade, exercitem o “tempo público”, pois a

reflexão sobre a prática – o pensar sobre o que se pensa e o que se faz - é tão importante

quanto a própria prática da participação, sob pena de reproduzir eternamente a heteronomia.

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Luciano Fedozzi é professor do Programa de Pós-Graduação de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Participou da implantação do OP como Coordenador do Gabinete de Planejamento da Prefeitura Municipal de Porto Alegre (1989-1992). É autor dos livros Orçamento Participativo. Reflexões sobre a experiência de Porto Alegre (1997) e O Poder da Aldeia. Gênese e História do Orçamento Participativo de Porto Alegre (2000) e de diversos artigos sobre o tema da participação popular. E-mail: [email protected]