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A INVENÇÃO PERMANENTE DA DEMOCRACIA Contribuições à discussão sobre o presente e o futuro do OP de Porto Alegre [publicado em VERLE, J. e BRUNET, L. (orgs.) Construindo um novo mundo. Avaliação da
experiência do Orçamento Participativo de Porto Alegre – Brasil. Guayí, 2002].
O espaço público requer o tempo público: a reflexão crítica permanente (Castoriadis).
A história já ensinou que o sucesso também pode ser razão do fracasso.
Luciano Fedozzi
Introdução
Ao contribuir com a discussão aberta pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre
através do Seminário Internacional de Avaliação do OP faz-se necessário ressaltar a
importância dessa iniciativa e do método adotado para tal. Reunir grande parte dos
pesquisadores sobre o OP e proporcionar momentos de reflexão coletiva é fato inédito nos
dos 12 anos de existência do OP que faz jus à fase de “maturidade” e de complexidade
alcançada por essa experiência. Além disso, a produção de um documento introdutório da
Administração Popular (AP) contendo, essencialmente, aspectos críticos e autocríticos é
fato que merece ser saudado por sua óbvia importância1. Parte-se, portanto, dos avanços
conquistados pelo OP, focalizando-se a discussão em alguns aspectos de sua prática que
merecem ser refletidos criticamente, com vistas ao seu contínuo aperfeiçoamento.
O OP se constituiu em Porto Alegre como a espinha dorsal de um projeto de
transformação – ainda que, inicialmente, nos limites do município – cujo marco qualitativo
foi a vitória inédita do campo popular e socialista em Porto Alegre nas eleições de 1988. A
construção desse projeto transformador que articula participação popular com justiça
distributiva não se esgota, evidentemente, no OP, embora essa forma de soberania popular
seja emblemática do caráter (democrático e popular) do projeto alternativo a ser construído
noa país, a fim de superar tanto a tradição autoritária brasileira e seu caráter excludente,
como o modelo neoliberal vigente há dez anos que nos afasta cada vez mais dos parâmetros
mínimos necessários à existência e à promoção da cidadania que aqui nunca vingou.
1 Outro documento que merece ser lembrado na história das avaliações do OP foi produzido pela Coordenação de Relações com a Comunidade ao final da primeira gestão (1989-92). Ver Processo de Avaliação da gestão da Administração Popular. CRC. Porto Alegre, novembro, 1992 (mimeo).
2
A discussão é oportuna e nela buscar-se-á participar através de uma abordagem
histórica e analítica que oferecerá, talvez, mais interrogações do que respostas concretas aos
dilemas complexos suscitados na atual fase “madura” do OP. Essa fase, ao lado das
positividades conquistadas nos planos social, político e cultural, já conhecidas e ressaltadas
em diversos estudos – ainda que por vezes de forma acrítica e apologética – vem
evidenciando alguns impasses (a) imanentes ao próprio modus operandi do OP2, ou (b)
decorrentes de outras determinações extrínsecas a ele, ligadas tanto a governança local,
como aos fatores estruturais e conjunturais do país – no contexto da globalização - que
limitam as mudanças na gestão sócio-estatal local em sua relação com a sociedade civil.
Reforma do Estado, governança local e o OP
Sem pretender estabelecer um diálogo de cunho eminentemente teórico tenho
insistido na importância de buscar conceitos que ajudem a interpretar teoricamente a
experiência empírica do OP-PoA como instituição política. A importância de se precisar
conceitualmente o OP decorre de suas implicações práticas e teóricas. Ao elucidar como
funciona a prática do mesmo pode-se compreender melhor as suas virtudes e os seus
limites, bem como as possibilidades (ou não) de superá-los mediante a escolha de formas e
caminhos a serem trilhados. A busca de precisão conceitual como critério interpretativo
desse processo é uma das condições necessárias para superar-se as abordagens meramente
ideológicas da experiência desencadeada pelo OP – seja em sua forma mitificadora, que o
entende como panacéia, seja através da argumentação conservadora e/ou populista, que o
considera mero embuste. Um debate crítico-racional e comprometido com a transformação
social não pode endossar as formas reducionistas e simplificadoras que geralmente
acompanham os embates político-partidários sobre a importância dos OP’s em geral.
2 Vale lembrar que a discussão sobre o “projeto” de mudanças nas relações sociais, políticas e culturais entre o governo municipal de Porto Alegre e a cidadania esteve presente nos momentos cruciais de construção da participação popular: na discussão sobre os “Conselhos Populares”, na criação do Conselho de Acesso à Terra e Habitação e outros Conselhos Setoriais durante a primeira gestão, na formação das Plenárias Temáticas do OP e no Programa Cidade Constituinte (na segunda gestão); na discussão sobre a reforma do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (iniciada na segunda gestão e concluída na terceira gestão). Uma discussão sobre a gênese social e política do OP e sobre os dilemas colocados à sua construção pode ser encontrada, entre outras fontes, em Fedozzi (2000).
3
Em outros oportunidades o conceito de “esfera pública de co-gestão” foi proposto
para uma interpretação aproximativa da realidade que constitui o OP-PoA (Fedozzi, 1997,
2000a e 2000b). A categoria “co-gestão” remete a uma característica dessa esfera pública
desenvolvida pela dinâmica do OP, que se define strictu sensu por não ser estatal mas,
também, não propriamente “não-estatal”3. O OP se constitui como um sistema político que
põe em contato (a) o poder administrativo da esfera pública estatal; (b) os fluxos
comunicativos gerados na esfera pública autônoma4 constituída pelas associações
voluntárias enraizadas no mundo da vida; (c) e as instâncias deliberativas criadas por esse
contato regular e, portanto, institucionalizadas pelo funcionamento sistemático e previsível
do OP. Compreender o OP como esfera pública de co-gestão, onde a elaboração das regras
de participação e as regras de distribuição dos recursos são compartilhadas através de um
processo comunicativo de construção de consensos entre o Executivo Municipal e as
comunidades, justifica-se pelo menos por duas razões: (a) descrever o funcionamento real
do OP, em sua estrutura e processo e, com isso, (b) possibilitar um melhor conhecimento
do papel e da prática dos atores sociais envolvidos, suas contribuições e limitações.
Sabe-se que apesar de a gênese do OP estar ligada à ação coletiva dos movimentos
de moradores (especialmente das áreas de subabitação) e dos diversos atores sociais
atuantes na esfera pública local no final dos anos 70 e início dos 80 (partidos de esquerda,
ONGs, CEBs, etc.), a construção desse sistema de co-gestão tornou-se historicamente
viável somente quando foi constituída uma nova correlação de forças políticas no
Executivo Municipal, através da Administração Popular. A vontade política dos dirigentes
da AP, a começar pelo Prefeito – como mandatário maior que detém a representação
legítima para reafirmar ou não a convicção interna e externa ao governo na viabilidade e na
3 Essa formulação diverge das interpretações que entendem o OP como uma “estrutura autônoma do Estado e auto-regulada”, advinda de normas de funcionamento definidas pela própria comunidade, com independência seja do Executivo seja do Legislativo” (Utzig, 1996, p. 215). Também a categoria “esfera pública não-estatal”, proposta por Genro (1995) não é capaz de explicar in totem essa experiência, uma vez que não são consideradas as diferenças de natureza das diversas esferas públicas interrelacionadas. Como abordei em outros momentos essas abordagens são mitificadoras da experiência real do OP, uma vez que supõem uma ausência (irreal) da participação do Executivo na operacionalização dessa esfera pública e superestimam os componentes autônomos da ação dos atores populares em relação ao Estado. 4 Para Habermas, as esferas públicas autônomas são aquelas “que não são criadas e mantidas pelo sistema político para fins de criação de legitimação” (Habermas, 1990).
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conveniência da partilha do poder5 –, foi decisiva para a construção e a consolidação do
OP. Essa intervenção ativa do Executivo, por vezes voluntarista, foi não só legítima como
necessária para viabilizar a construção de novas relações democráticas com a população da
cidade, em especial com os moradores dos bairros e vilas excluídos do desenvolvimento
urbano. Esse papel ativo do Executivo decorreu, fundamentalmente, do papel estrutural
desempenhado pelo Estado (principalmente o Executivo no sistema presidencialista),
oriundo do seu múltiplo poder administrativo, financeiro e político que, no caso brasileiro,
se realça ainda mais devido à tradição centralizadora e autoritária da formação do Estado.
A viabilidade e a qualidade do OP/PoA, entretanto, favoreceu-se amplamente do
capital social acumulado historicamente pela cidade, representado, sobretudo, pelo
associativismo comunitário e pela presença de uma cultura cívica em parcelas significativas
da sociedade civil porto-alegrense6. Nesse sentido, o OP-PoA é resultante do encontro de
trajetórias que se influenciaram mutuamente na história de sua construção: a existência
anterior a 1988 de setores dos movimentos comunitários que haviam superado a cultura de
submissão ao poder público institucionalizado (o “pedir e o favor”); o movimento de dentro
para fora do Estado, representado pelo conjunto das ações e das políticas da AP para
reformar essa fração do Estado (a Prefeitura), tornando-a “pública” e apta para receber os
imputs da cidadania, suas demandas e propostas; e o movimento cuja força foi de sentido
inverso, ou seja, de fora para dentro do Estado, representado por múltiplas formas
(associativas, individual ou coletivamente) de uma cidadania cada vez mais exigente e
indignada frente à frustração de suas altas expectativas em relação ao atendimento de suas
demandas nos momentos iniciais de construção do OP. Em vários momentos da história de
construção do OP essa indignação demonstrou-se decisiva, pois tensionou a Administração
5 Como se sabe, a dinâmica cotidiana da administração pública obriga os governantes a tomarem decisões rápidas sobre questões de natureza diversa, daí porque a implantação de sistemas participativos, tais como o OP, requer a plena convicção dos governantes de que determinadas decisões, principalmente sobre obras, devem ser compartilhadas com as esferas de co-gestão, sob pena de semear a desconfiança da população no sistema participativo. Por outro lado, a experiência de Porto Alegre mostra que a presença da figura do Prefeito nas instâncias de participação, como as Assembléias Regionais, por exemplo, é determinante para atestar simbolicamente a seriedade e a legitimidade do processo de participação no governo local. 6 Diversos estudos acadêmicos retratam a ação de parcela dos movimentos comunitários, especialmente das áreas de subhabitação, no período anterior às eleições de 1988. Esses estudos fortalecem a tese de que a existência de comunidades organizadas propensas a interagir com o Estado constitui-se como uma das principais condições facilitadoras para a criação de novas instituições participativas, a exemplo do OP de PoA. Para o caso de PoA ver Guareschi (1980); Ferreti (1984); Ribeiro (1985); Moura (1989); Baierle (1992); Menegat (1995). Uma síntese desses principais estudos constam do Capítulo “Participação Popular no Governo Municipal de Porto Alegre”, em “O Poder da Aldeia...”(Fedozzi, 2000).
5
a "fazer as coisas acontecerem”, no dizer de lideranças das comunidades. O OP, portanto, é
fruto de um aprendizado coletivo, tanto dos atores estatais como dos atores comunitários.
Ambos foram obrigados a superar as formas pré-determinadas imaginadas para implantar a
participação popular nas decisões locais, como será melhor comentado adiante.
Diversas experiências de implantação de OPs em cidades brasileiras7 têm
demonstrado que a vontade política do Executivo é uma condição sine qua non (embora
não suficiente) para o desenvolvimento efetivo dos mesmos. É a partir do reconhecimento
do papel ativo e indutor da prática governamental, inclusive em Porto Alegre, que se pode
discutir o grau e as formas dessa intervenção (necessárias ou não, corretas ou não), assim
como a necessidade de serem efetuadas mudanças no modelo da participação, como o
demonstra o próprio documento da Administração Municipal ao refletir sobre o estágio
atual do OP e indicar possíveis caminhos para o seu aperfeiçoamento e atualização.
Reconhecer o papel desempenhado pelo governo nesse processo exige, portanto, coerência
(ou seja, não-contradição lógica) entre a interpretação do próprio governo sobre o OP e sua
intervenção prática que se fez e que se faz necessária na construção e nos
aperfeiçoamentos requeridos pela forma dinâmica e complexa da participação popular.
Partindo desses pressupostos, são destacados alguns elementos para a reflexão
coletiva. Eles se atêm às seguintes dimensões separadas apenas para efeitos analíticos:
projeto de Reforma do Estado e atribuições do Executivo (fração do Estado); situação e
papel dos atores sociais (sociedade civil); as formas e os conteúdos que constituem o modus
operandi da relação interativa entre esses dois pólos esquematicamente definidos, bem
como os impactos resultantes desse encontro (novas aprendizagens ou continuidades).
A transformação do Estado: o papel do Executivo e a participação popular
Discutir o papel do Executivo na governança local - orientada por um projeto de
democratização radical do Estado e da sociedade civil e das relações entre ambos - remete,
7 Segundo levantamento preliminar do Fórum Nacional de Participação Popular existem hoje em torno de 140 cidades no país que desenvolvem algum tipo de participação social na definição do orçamento. Chama a atenção o fato de que embora o PT seja o partido que mais adota essa prática, também outros partidos estão adontando-a. Entre as cidades, 71 são administradas pelo PT, 25 pelo PDT, 22 pelo PSDB, 9 pelo PMDB, 6 pelo PSB, 4 pelo PFL, 3 pelo PMB, 2 pelo PTB e uma para cada um dos partidos, PV, PPS, PPRP. Algumas dessas cidades são capitais ou cidades de grande porte, como é o caso de Belo Horizonte e Belém. Não se sabe qual o número total de habitantes dessas cidades assim como não se tem ainda conhecimentos das diferenças de modelos participativos e de qualidade. O número de municípios no país é de 5.516.
6
entre outros aspectos, às dimensões quantitativas, qualitativas e ao grau de diversificação
desse processo. Vale lembrar que, do ponto de vista histórico, a construção do OP obrigou
os atores sociais envolvidos a reformularem suas concepções e práticas a respeito da
relação entre Estado, democracia e socialismo. Para os partidos da Frente Popular, a
fórmula dos Conselhos Populares, inspirada na tese marxista-leninista e trotskysta do duplo
poder, paradigma hegemônico até então na esquerda, revelou-se inadequada como
estratégia política e impotente diante de uma realidade social complexa que exigia amplas
relações do poder público com a pluralidade da cidadania, e não apenas com os setores
mais organizados dos movimentos de moradores. Sabe-se que, na evolução histórica do OP,
a noção calcada nos Conselhos Populares, instâncias embrionárias do novo Estado popular,
foi progressivamente superada em favor da idéia da democratização radical do Estado e da
necessidade de publicizá-lo mediante instrumentos de controle social. Essa noção de
democracia radical - baseada no conceito de cidadania ativa8 - viabilizou-se graças a um
conjunto de políticas institucionais capazes de efetivar a esfera pública de co-gestão dos
recursos públicos, dentre as quais destacam-se: a ruptura com o sistema tradicional
[normativo] do planejamento de governo e sua substituição pela gestão estratégica
situacional; as políticas para promover o saneamento financeiro e a justiça tributária; as
alterações na política de relações com as comunidades, cuja estratégia evoluiu da meta de
organização dos Conselhos Populares (na esfera da sociedade) para a elaboração de
políticas de democratização do Estado e promoção da cidadania ativa, em suas diversas
formas de expressão. A construção do OP exigiu, portanto, uma ruptura simultânea: com as
concepções tecnoburocráticas da administração municipal vigentes em especial no
planejamento urbano e orçamentário, e com as concepções dogmáticas que dominavam o
imaginário e a estratégia dos partidos de esquerda que compunham a Frente Popular.
Ressalta-se, assim, a importância assumida pelas tecnologias de gestão como
um fator decisivo para instaurar um tipo particular de governança baseada na participação
popular, na inversão de prioridades e no controle social sobre o Estado, pois a alteração do
caráter tradicional do Estado brasileiro (patrimonialista, clientelista e burocrático-
autoritário) requer, necessariamente, métodos de gestão e mudanças administrativas que
aumentem a eficiência do poder público, tornando-o transparente e competente para realizar
8 Sobre o conceito de cidadania ativa ver Benevides (1991); Comparato (1994); Dagnino (1994) e Telles,
7
o processamento técnico-político das demandas populares, transformando-as em ações
eficazes. No caso do OP-PoA, as funções de planejamento e de relações comunitárias
organizaram-se em unidades específicas, o Gaplan e a CRC, que passaram a atuar, a partir
de 1990, de forma coordenada e organizadas horizontalmente através do Fórum das
Asseplas (Assessorias de Planejamento) e do Fascom (Fórum dos Assessores
Comunitários). Integradas ao Gabinete do Prefeito, essas unidades conseguiram coordenar
um conjunto complexo de ações internas e externas, porque legitimadas pela Coordenação
de Governo, a qual, a partir de 1990, atuou com estratégias unificadas das secretarias.
Desde então, não foram muitas as mudanças no modelo administrativo de
gestão. Não há espaço aqui (e nem competência do autor) para discorrer sobre esse
candente e complexo tema das concepções e modelos de gestão pública por parte da
esquerda brasileira. Há que se registrar, entretanto, que a adoção de práticas participativas
no orçamento por mais avançadas que sejam, e o são, não são suficientes per se para dar
conta dos desafios colocados à reforma do Estado visando torná-lo público, eficaz e
moderno, no âmbito de um projeto mais amplo de democratização radical da sociedade e
conquista de hegemonia. Mas há que se registrar o quão superficial tem sido o debate e a
ação da esquerda em geral, no confronto com as visões neoliberais que, dentre outros males
advindos da concepção de “Estado mínimo”, propugnam a adoção de métodos empresariais
e mercadológicos na prática governamental. O debate geralmente é reduzido à polêmica
sobre o tamanho do Estado, donde as posições da esquerda inclinam-se ora para o
voluntarismo (reduzindo o projeto político à questão da vontade política), ora para o
ceticismo impotente, que entende nada poder transformar nas estruturas e na cultura
funcional da Administração Pública enquanto o “dia final” não chegar, alimentando assim
os imaginários ideológicos da “revolução explosiva” e do “Estado restrito” e, por
conseqüência, as teses clássicas do “duplo poder” como caminho para o socialismo9.
1994. 9 Os termos Estado “restrito” e concepção explosiva de revolução são usados aqui para designar uma determinada formulação teórica a respeito das relações entre o Estado e a revolução na forma como esses conceitos se articularam e evoluíram na reflexão marxista ao longo da história. De acordo com Carlos Nelson Coutinho a formulação original de Marx-Engels que, posteriormente, foi retomada por Lênin e Trotsky, pode ser sintetizada nos termos: (a) a noção restrita do Estado designa-o como uma espécie de “comitê executivo” da classe dominante (a sua expressão direta e imediata), um organismo que despolitiza a sociedade e se vale essencialmente da coerção para cumprir suas funções; (b) uma concepção da luta de classe como conflito bipolar e “simplificado” entre burgueses e proletários que pode ser definida como uma “guerra civil mais ou menos oculta”, que levará necessariamente a uma “explosão”; (c) uma visão da revolução socialista como
8
Essa limitação teórico-prática é mais grave no caso de PoA, por se tratar de
uma experiência de longo curso. A recorrente discussão sobre a Reforma Administrativa
nesses doze anos surtiu poucos efeitos, não sendo raras as abordagens ainda baseadas na
visão arcaica do Estado como mera “máquina administrativa”. É evidente que a história
organizacional e cultural da formação do Estado brasileiro tem ainda forte presença nas
relações administrativas e na “mentalidade dos funcionários” cujas características são, em
geral, infensas à accountability , ao controle social e à participação da cidadania. Além
disso, há que se levar em conta possíveis diferenças na articulação de interesses entre os
estratos técnicos - e sua ideologia do discurso “competente” - e o corpo burocrático-
administrativo (Chauí, 1980)10. Ainda não está claro, apesar dos doze anos de gestão, até
que ponto o governo municipal realizou ou vem realizando um esforço deliberado para
modificar esse quadro, incluindo-se capacitação de recursos humanos e introdução de novas
tecnologias gerenciais a fim de superar a fragmentação setorial, o verticalismo exacerbado
e o corporativismo do desenho institucional, assim como a formulação de políticas
orientadas para o comprometimento dos funcionários com formas de gestão eficientes,
participativas e formadoras de uma cultura “pública” republicana. Diga-se de passagem
que, a partir de 1993, houve retrocesso nas formas de gestão matricial (horizontal) de
projetos que tinham nos anos anteriores conseguido instaurar uma dinâmica contrária ao
verticalismo e à fragmentação administrativa, constituíndo-se, na prática, em “redes sócio-
governamentais” de planejamento participativo, a exemplo dos Programas Guaíba Vive e
Humaitá-Navegantes, além do Projeto Centro. Também a descentralização administrativa,
sempre demandada pelas comunidades desde o início do OP em 1989, andou lentamente.
“revolução permanente”, que leva à constituição de um contrapoder, ou seja, na criação – ao lado e em choque com o poder burguês – de um poder material armado da classe operária, que deve “derrubar violentamente” o poder burguês e substituí-lo (uma formulação que seria posteriormente complementada por Marx e Engels com a idéia de que a máquina estatal da burguesia deve ser “quebrada” – e não apenas apropriada – pelo proletariado); (d) uma percepção do duplo poder como algo transitório que não só implica a eliminação “violenta” de um dos dois contentores, mas também a construção de um governo ditatorial pela parte vencedora (resultando a convicção que Marx formularia logo após de que a luta de classe conduz necessariamente à “ditadura do proletariado”). Por meio de uma reflexão metodológica de cunho hitórico-ontológico, na análise da dinâmica de desenvolvimento objetivo do modo de produção e da formação econômica-social do capitalismo, Coutinho mostra – utilizando-se para isso das inovações produzidas por Gramsci, Poulantzas e Ingrao – como se produziu uma superação dialética, na história do marxismo, de uma concepção restrita do Estado e explosiva da revolução, para uma noção de Estado “ampliado” e de revolução “processual”. Ver Coutinho (1987, 1984). Uma reflexão a respeito dos dilemas vividos na trajetória do PT sobre a estratégica nacional do partido está em Democracia e socialismo (1992).
9
Somente nos últimos anos houve expansão dessa meta, com a criação de alguns Centros
Administrativos Regionais que, entretanto, funcionam mais pela dedicação “militante” dos
CCs lá instalados, pois é precária a estrutura administrativa e funcional dos mesmos.
Por isso, ao discutir os possíveis limites e/ou impasses colocados à participação
popular faz-se necessário responder a duas interrogações: (a) o desenvolvimento do OP, em
seu estágio maduro, defronta-se com um limite intransponível da atual estrutura
administrativa-burocrática do Estado? ou (b) há espaços para avançar na democratização e
modernização da administração compatibilizando-a com as exigências atuais do OP?
(In)efetividade das decisões e (des)estímulo à participação
O OP têm sido um vetor importante para promover a inversão de prioridades
nos gastos públicos que se contrapõem à espoliação urbana11. A experiência de Porto
Alegre tem demonstrado, entretanto, que a participação centrada nas despesas
orçamentárias é limitada para o enfrentamento das desigualdades urbanas. Sabe-se que as
lutas travadas no local de residência e convivência refletem não somente a luta pela
universalização e qualificação das políticas sociais do Estado, como também a luta do
trabalho contra formas secundárias de exploração e apropriação representadas pelo capital
mercantil, propriedade fundiária, etc, nos conflitos relacionados com a produção do
ambiente construído12 (Harvey, 1982, p.8). A compreensão do processo especificamente
urbano, territorial, de produção de desigualdade e concentração de renda, torna-se
fundamental pois, ao menos, toma-se consciência da lógica perversa de produção dessas
carências, devido a apropriação privada dos investimentos públicos, decorrentes da
valorização imobiliária e uso da terra como reserva de valor (Rolnick, 1994).
10 Para Chauí, o “discurso competente” significa o discurso “instituído”, isto é, a linguagem “institucionalmente permitida e autorizada” (1980, p. 7). 11 O processo de espoliação urbana refere-se ao “somatório de extorsões que se opera através da inexistência ou precariedade dos serviços de consumo coletivo que – conjuntamente com o acesso à terra e à habitação – se apresentam como socialmente necessários a subsistência das classes trabalhadoras” (Kowarick, 1979, p.59). 12 Apoiando-se nos conceitos marxianos de capital fixo e fundo de consumo, Harvey desenvolve o conceito de ambiente construído para a análise da questão urbana no modo de produção capitalista avançado. Conceitualmente, o ambiente construído compõe-se de elementos do capital fixo utilizados na produção (fábricas, rodovias, ferrovias, etc.) e em elementos do fundo de consumo (casas, ruas, parques, passeios, etc.). Alguns elementos, tais como as ruas e os sistemas de esgotos, podem funcionar quer como capital, quer como parte do fundo de consumo, dependendo do seu uso (Harvey, 1982, p.7).
10
A tendência é que ocorram processos de expulsão branca das populações
carentes, na medida em que, na cidade capitalista, a implementação de infra-estrutura
urbana é acompanhada por processos de valorização imobiliária. Hoje, em PoA, além das
ações judiciais para a retomada de áreas privadas ocupadas, está em curso um processo de
mercantilização das habitações gravadas com a concessão real de uso, amparada por
emenda do Legislativo que permite a venda das habitações, permanecendo as áreas como
propriedade pública. É possível que estejam ocorrendo alterações no mapa social do espaço
urbano em função desses processos de valorização imobiliária e da lógica mercantil
instaurada nas habitações populares produzidas pela Prefeitura. Cabe perguntar: trata-se de
tendência inexorável de vigência do valor de troca inerente ao uso e ocupação do espaço
urbano no mercado capitalista? Há alguma possibilidade de intervir na lógica de produção
contínua das desigualdades de acesso à cidade agravada com a crise social do país?
Vale lembrar que o ideário histórico da luta pela Reforma Urbana no Brasil13
tem ressaltado a necessária complementaridade entre os processos de inversão de
prioridades, universalizando o acesso à infra-estrutura e aos serviços públicos, e a
implementação de políticas que incidam sobre a lógica perversa de produção e reprodução
do espaço urbano, visando minimizá-la ou neutralizá-la a fim de consagrar o direito
universal à cidade. Nesse último aspecto a experiência de PoA tem revelado os seus
maiores limites. A implantação dos instrumentos urbanísticos, tributários e jurídicos
aprovados pela nova Lei Orgânica de 1990 (LOM), a fim de viabilizar os princípios da
Função Social da Cidade e da Propriedade (Artigo 182 e 183 da Carta de 1988), têm
13 O ideário do Movimento Nacional de Reforma Urbana (MNRU), constituído desde 1985, por ocasião da participação da sociedade na elaboração da nova Constituição Federal (1988), pode ser sintetizado em quatro conteúdos básicos: (a) a obrigação do Estado de assegurar os direitos urbanos a todo cidadão, para o qual é definida uma série de novos direitos para garantir o acesso à moradia, infra-estrutura e serviços urbanos; (b) a submissão da propriedade à sua função social, partindo-se do princípio de que a hegemonia do direito de propriedade privada do solo urbano é uma dos principais causas das desigualdades sociais na produção e estruturação do espaço urbano, o que exige instrumentos para a regulação pública do uso do solo urbano para que a prática privada e pública daquele direito não prejudique o interesse coletivo (público) da cidade; (c) o direito à cidade, a partir do princípio de que ela é um produto histórico e fruto do trabalho coletivo, o que pressupõe a adoção de políticas redistributivistas mediante a inversão de prioridades nos investimentos públicos e garantias de acesso de toda a população aos benefícios da urbanização; (d) gestão democrática da cidade, por meio da ampliação do direito à cidadania política pela participação ampla dos habitantes na condução dos seus destinos, complementando assim o instituto da democracia representativa (Ribeiro, 1994, p.14-15). O MNRU apresentou Proposta de Emenda Popular ao processo Constituinte de 1988, contendo 23 artigos e consignada por cerca de 150 mil assinaturas recolhidas no país, obtendo êxito parcial em relação à aprovação da Função Social da Propriedade e da Cidade (Art. 182 e 183). Ver: Ribeiro (1994), Santos Júnior (1996), Ribeiro e Santos Júnior, (1994), Grazia (1990), Silva (1990, 1991) e Rolnick (1988).
11
encontrado grandes obstáculos para a sua efetivação14. A criação do Programa de
Regularização Fundiária (PRF) na SPM, em 1990, por exemplo, sofreu fortes resistências
não só do corpo técnico-burocrático do setor do planejamento urbano, mas de setores
políticos da própria AP, apesar de o tema da regularização fundiária ter sempre se
destacado como uma das prioridades demandadas através do OP. A baixa iniciativa da
segunda gestão da AP (1993-96)15 para regulamentar e implementar os instrumentos de
Reforma Urbana previstos na nova LOM revelou não só despreparo teórico sobre a
dinâmica de produção e reprodução da cidade, mas também a forte influência dos setores
técnico-burocráticos identificados com as concepções urbanísticas tradicionais.16
A implementação desses instrumentos de Reforma Urbana - aprovados pela
Câmara de Vereadores em 1994 -, a serem geridos pelo Conselho de Acesso à Terra e
Habitação, em consonância com o OP, tornou-se mais difícil ainda devido à prevalência de
concepções “economicistas-conservadoras” na administração fazendária do município. A
criação do Conselho somente foi viabilizada após fortes confrontos (e rompimento das
negociações) entre o Fórum Municipal de Reforma Urbana e o Executivo, revelando, mais
uma vez, as limitações da AP sobre o tema do uso e ocupação do solo urbano e habitação.
Apesar do problema da regularização fundiária ser de difícil solução prática
devido à complexidade jurídica, burocrática, urbanística e política que envolve o tema,
percebe-se que a AP não criou, até o presente momento, estruturas administrativas, técnicas
e políticas capazes de corresponder operacionalmente ao status de prioridade que essa
demanda adquiriu durante os doze anos de existência do OP (Cidade, 1994, 1996; Fase,
14 Os principais instrumentos aprovados foram: Concessão do Direito Real de Uso e Usucapião Coletivo, Banco de Terras, Solo Criado, Fundo Municipal de Desenvolvimento, Função Social da Propriedade, Áreas Especiais de Interesse Social, Parcelamento do Solo, Conselho Municipal de Acesso à Terra e Habitação. Análise sobre o assunto pode ser encontrada em Alfonsin (1997), Rodriguez e Osório (1996) e boletim Rede Urbana: FASE (1994, n. 1, e 1995, n.2). 15 O retrocesso trazido pela decisão judicial, em 1997, contra o princípio da progressividade do IPTU talvez possa ser revertido com a recente decisão do Senado que, através de emenda constitucional, admitiu a progressividade do imposto. Registre-se também a importante aprovação, na gestão Tarso Genro (1993-96), da regulamentação do princípio da Função Social da Cidade e da Propriedade, a qual estabeleceu a progressividade relacionada ao tempo de permanência de áreas não construídas, a fim de combater a especulação das 307 maiores áreas vazias da cidade (991 hectares). 16 A base dessa concepção “é uma visão que alia a tradição do urbanismo higienista em sua versão funcionalista pós-Carta de Atenas a uma Economia Política desenvolvimentista com forte protagonismo do Estado” (Rolnick, 1994).
12
1994, 1995; Rodriguez e Osório, 1996)17 – aliás, demanda que mostra a continuidade
histórica das principais lutas pela posse/propriedade da terra empreendidas pelas vilas de
subabitação, desde o final da década de 70 e início dos anos 80. As dificuldades inerentes à
regularização das vilas e a ausência de respostas compatíveis à importância dessa demanda,
têm contribuído para disseminar, nas comunidades das vilas irregulares e/ou clandestinas, a
opinião de que "não adianta colocar a regularização em primeiro lugar [no OP] porque,
como ela não acontece, se perdem recursos" que poderiam ser destinados para atender
outras demandas prioritárias, tais como a pavimentação. A opinião abaixo de uma
liderança da Região Glória ilustra bem esse sentimento:
O nosso maior problema está na Administração. No governo Olívio Dutra, foi montada uma equipe para regularizar as vilas de Porto Alegre. Quando o Tarso Genro assumiu, a equipe foi desmantelada e ficou reduzida a praticamente 30%. Antes, quando o Programa de Regularização Fundiária (PRF) era na Secretaria de Planejamento Municipal (SPM), contávamos com sete advogados e 14 estagiários em planejamento urbano e advocacia que prestavam assessoria para todas as regiões da cidade. Tínhamos entre 50 e 72 vilas em processo de regularização em Porto Alegre e períodos em que chegavam a mais de cem. E a expectativa é de que englobassem quase 300 vilas (...) Nós temos um documento pronto que é uma radiografia da região (...) Vamos pedir audiência com o prefeito seguindo um encaminhamento que o Conselho da Glória tirou. Por volta de agosto de 1993, o Conselho Administrativo do DEMHAB tirou o seguinte encaminhamento: o DEMHAB não deveria investir na regularização fundiária porque não é sua área de atuação. Nós questionamos isso. Se o órgão que nós temos, Departamento Municipal de Habitação de Porto Alegre, não é quem gerencia a regularização fundiária, que significa habitação, moradia, quem é que vai gerenciar? (Maria Leonice, Jornal de Olho no Orçamento, Cidade, 1996, p.2-3)
A regulamentação recente dos artigos 182 e 183 da Constituição Federal através
da aprovação e sanção do chamado Estatuto da Cidade (em conseqüência da mobilização
social que resultou na emenda da Reforma Urbana na Constituínte de 1988 e que tramitou
por onze anos no Congresso Nacional), certamente irá beneficiar e agilizar os processos de
regularização fundiária, pois prevê o usucapião coletivo, o IPTU progressivo e outros
instrumentos de planejamento urbano. O tema da habitação – que, certamente não será
resolvido apenas com as políticas municipais -, tem se revelado, entretanto, como um dos
17 A regularização fundiária sempre foi apontada como uma das três prioridades escolhidas através do OP, sendo que, em 1994 foi eleita como a primeira prioridade, superando o saneamento básico e a pavimentação, outros setores escolhidos como prioritários nos doze anos de existência do OP-PoA. Sobre as dificuldades da regularização fundiária e da implantação de outros instrumentos de reforma urbana nesse período, ver as publicações das ONG's CIDADE (1994; 1996, Rodriguez e Osório, 1996) e FASE (1994 e 1995) e o Boletim Informativo do Fórum Municipal de Reforma Urbana, nov. 1995.
13
pontos críticos do OP. Às limitações políticas acima comentadas somam-se projetos de
loteamentos tecnicamente falhos e socialmente limitados no trabalho com as comunidades
reassentadas, a exemplo do Loteamento Chapéu do Sol na Zona Sul da cidade. Isso mostra
que não basta decidir obras no OP. Faz-se necessário desenvolver políticas estratégicas
amplas para a cidade. Além disso, a prática tem demonstrado que faz-se necessário agregar
ao processo deliberativo dos investimentos, a noção de planejamento participativo dos
projetos e o conceito de “comunidade auto-sustentável” - envolvendo políticas de
educação de adultos, de educação ambiental e preservação do patrimônio, políticas
preventivas de saúde e assistência social, de cultura, alternativas de geração de renda e
capacitação para o desenvolvimento de projetos – que poderiam trazer enorme contribuição
para a transformação da qualidade de vida e resultar em novos patamares de formação e
consciência cidadã, especialmente nos loteamentos ou reassentamentos (mas não só neles).
Por outro lado, a revisão do Plano Diretor – meta aprovada no Programa Cidade
Constituinte criado pela segunda gestão da AP - estendeu-se por seis anos, sendo o II Plano
Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (PDDUA), aprovado e sancionado ao
final da terceira gestão (março de 2000). Aqui, mais uma vez, revelou-se a resistência dos
técnicos à participação popular. As primeiras propostas metodológicas, por exemplo,
exigiam que os participantes das discussões tivessem escolaridade superior. A insistência
de ONGs vinculadas à luta pela reforma urbana fizeram com que houvesse uma progressiva
compreensão do governo sobre a viabilidade da participação popular, desde que fossem
criadas formas pedagógicas de informação e conceituação: “um tratamento pedagógico das
informações, dados e conceitos, através da formulação de cartilhas e vídeos; a realização de
reuniões nas regiões do OP e a admissão de lideranças comunitárias nas reuniões de
trabalho foram passos conquistados pelo movimento comunitário e não oferecidos por uma
Administração que compreendesse de antemão a importância dessa participação popular...”
(Alfonsin, 1998, p. 8-9)18. O gerenciamento real do plano, entretanto, indicará até que
18 Sob coordenação da SPM o início da reformulação do Plano se deu em 1994, quando foi discutida a sua metodologia. Após a Audiência Pública que abriu oficialmente os trabalhos, em 1995, foram iniciadas as discussões em quatro Grupos de Trabalho fixos ou ampliados: Planos Regionais, Grupo de Gestão e Sistema de Planejamento, Grupo de Estruturação Urbana e Grupo de Subsídios à Política Habitacional. O Grupo dos Planos Regionais realizou reuniões populares nas 16 regiões do OP, com participação de cerca de 800 pessoas (média de 50 pessoas por assembléia regional), número que, apesar de significativo, por seu ineditismo, atesta as dificuldades para obter-se a adesão das comunidades nas discussões públicas que fogem ao caráter "objetivo" e imediato. Foram registradas 162 entidades na discussão dos quatro grupos envolvendo mais de
14
ponto os avanços conquistados pelas mudanças de enfoque (centrado na noção de gestão
urbana e não na mera normatividade técnica) serão traduzidos na prática das políticas de
gestão do espaço e do uso do solo urbano. Isso porque a experiência desenvolvida até o
presente momento indica que a efetivação dos instrumentos de democratização do acesso à
terra, somente ocorrerá em níveis mais amplos se houver pressão para que a Administração
crie condições operacionais para tal. A julgar pela realidade atual tudo indica que a
indignação das lideranças de vilas irregulares não foram transformadas até o presente
momento, em movimentos capazes de realizar a pressão de fora para dentro do governo,
através do OP ou mediante táticas de enfrentamento (a exemplo do que ocorreu em 1990
contra o atraso das obras de pavimentação), já que, de dentro para fora do governo,
parecem ter-se exaurido as iniciativas na segunda gestão da AP, com a crise permanente e o
conseqüente enfraquecimento do Programa de Regularização Fundiária no DEMHAB19.
Por fim a baixa participação dos atores populares no programa Cidade
Constituinte (comparativamente à presença dos mesmos no OP) que culminou no I
Congresso da Cidade, em 1993, revelou a difícil transição da participação regionalizada,
calcada em problemas objetivos e imediatos, para o envolvimento ativo da população nos
1000 pessoas. (PDDU, n.1, 1995; PDDU, n.3, 1996). O Plano foi enviado à Câmara de Vereadores, em 1999, sendo aprovado e sancionado em marco de 2000. 19 Em outubro de 1995, os principais técnicos do PRF (nesse momento integrando a estrutura do DEMHAB) pediram demissão coletiva por causa de divergências políticas e de encaminhamento com a direção do órgão municipal. Em realidade, esse episódio representou o ápice das sucessivas instabilidades e incompreensões dos dirigentes dos governos da AP, que não demonstraram o empenho necessário para a concretização efetiva da regularização fundiária como prioridade de governo. Aliás, desde 1990, o PRF foi constituído por uma equipe de técnicos e militantes abnegados que sempre lutaram para superar não só as complexidades próprias do tema (estrutura técnico-burocrática da administração e estrutura jurídica do país), mas também as incompreensões e resistências existentes no próprio governo da AP. A crise do PRF foi plenamente prevista ainda em 1992, quando, ao avaliar o futuro do Programa, a equipe coordenadora apontava para o fato de que ele precisaria deixar de ser "uma estrutura paralela e ser efetivamente incorporado como uma política geral e hegemônica de habitação e reforma urbana no nosso governo", pois, caso isso não acontecesse, seria “a estagnação e o fim do Programa e a nossa derrota para o corporativismo tecnocrático que domina a área urbana há décadas na cidade" (Lima et alii, 1992). Não é estranho assim que o Fórum Municipal da Reforma Urbana tenha sido categórico ao afirmar em 1995: "É visível que a regularização fundiária não é uma prioridade nem de governo e nem do próprio DEMHAB, apesar de o ser para as comunidades..." (Boletim Informativo, 1995). Tentando reverter esse quadro, o Fórum Municipal de Reforma Urbana, juntamente com o Conselho de Acesso à Terra e Habitação (COMATHAB), o Conselho do Orçamento Participativo (COP), Uniões de Vilas e Conselhos Populares, realizou diversas ações de sensibilização e de pressão junto ao governo municipal (audiência com o Prefeito, SGM, etc.), à bancada do PT na Câmara de Vereadores e à presidência do PT, a fim de discutir os principais problemas que, no âmbito da Prefeitura, vinham dificultando o trabalho de regularização fundiária. Desse movimento, surgiu um Grupo de Trabalho formado por representantes do governo e do movimento popular com a função de "listar os problemas da regularização fundiária e discuti-los com as secretarias competentes". Mas esse processo parece não ter surtido efeitos práticos. Ver Boletim do FMRU, 1995 e Lima et alii, 1992.
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temas de caráter global e de maior complexidade, os quais exigem capacidade de abstração
e interesse por questões que, aparentemente, não têm influência direta sobre a qualidade de
vida. Apesar do mérito de promover uma discussão de maior abrangência visando construir
um projeto estratégico de desenvolvimento da cidade, a reduzida presença dos atores do OP
somados ao baixo engajamento dos segmentos empresariais e às limitações metodológicas
e propositivas por parte da Administração, colaboraram para que não surgisse um pacto
econômico-territorial de desenvolvimento integrado e sustentável (Rolnick, 1993).20
As questões acima discutidas mostram, entre outros importantes dilemas, a
importância de se pensar a complexa relação entre forma e conteúdo dos modelos
participativos de gestão. “Radicalizar a democracia” – insígnia central do discurso do
governo municipal nas últimas gestões – precisa orientar-se não só par a meta de alcançar
maior amplitude quantitativa da participação, mas, também, maior eficácia e poder
decisório sobre questões fulcrais relacionadas aos conteúdos das políticas públicas. Por isso
há que se pensar nos limites ou barreiras, objetivas e subjetivas à participação popular.
Aperfeiçoamentos do arranjo institucional para a gestão democrática
A prática da democracia participativa não é indiferente aos formatos institucionais
embora não possa ser reduzida a eles. Os formatos institucionais expressam a relação (não
mecânica) entre forma-conteúdo do processo, pois indicam o “lugar” que a participação
ocupa no sistema decisório (nuclear ou periférico), as “regras do jogo” (quais regras e como
são definidas) e quem são os atores da participação. Desde 1989 em PoA, vem se
discutindo a necessidade de se pensar globalmente a gestão democrática. Um aspecto
sempre presente nas discussões refere-se à relação entre o OP e as demais instâncias de
participação, especialmente os Conselhos Setoriais (hoje, mais de 20), relação essa que
tornou-se mais complexa com o surgimento das Plenárias Temáticas do OP.
A importância de redefinições nesse sentido justifica-se por razões práticas diante
da ampla experiência acumulada: evitar o “praticismo” e a estafa da participação devido à
20 O Programa Cidade Constituinte foi inspirado em parte no exemplo de Barcelona, quando, por ocasião das Olimpíadas, a cidade desenvolveu um projeto pactuado para torná-la competitiva e integrada ao novo contexto de globalização. De outra parte, esse programa também procurou responder à oposição quando, nas eleições de 1992, o candidato do PMDB no segundo turno, Cesar Schirmer, com o lema "pense grande" criticou a suposta "ausência de visão global" da AP devido à inexistência de visão global da Frente Popular e inexistência de "grandes obras" necessárias à cidade. Para o caso de Barcelona, ver Borja (1993).
16
sobrecarga de trabalho das comunidades; diminuir a fragmentação da participação devido
ao expressivo aumento da criação de canais formais ou informais; e imprimir racionalidade,
qualidade e efetividade ao processo de participação popular, solucionando duplicações de
instâncias. A atualização do arranjo institucional da gestão democrática em Porto Alegre
têm condições objetivas de articular três elementos existentes e complementares entre si: o
elemento orçamentário (através do COP); o elemento setorial (através dos Conselhos
Municipais e Temáticas), e o elemento territorial (unificação da regionalização)21.
Na prática isso significaria as seguintes atribuições e articulações: O COP
continuaria discutindo e deliberando sobre as prioridades dos recursos, mantendo suas
competências atuais de co-gestão; os Conselhos Setoriais (atendo-se aos marcos legais que
definem a alocação dos recursos, a exemplo da saúde e da educação) passariam a gerir as
discussões e demandas setoriais através das Plenárias Temáticas do OP, constituindo-se
essas Plenárias em assembléias deliberativas dos Conselhos Setoriais, sem perda do poder
co-gestor das políticas públicas setoriais pelos Conselhos; esses (os Conselhos), na medida
do possível, buscariam ainda complementar a sua composição através da representação
regional, consoante à política de descentralização administrativa e à regionalização adotada
pelo OP (a exemplo das Comissões Locais de Saúde, dos Conselhos Tutelares, dos Fóruns
Regionais de Assistência Social e da regionalização do Plano Diretor). Essa articulação
orgânica entre as três principais vertentes que realizam a mediação institucional entre a
administração municipal e a população viria a reforçar a articulação dessa ampla rede
democrática imprimindo-lhe racionalidade e efetividade (evitando – ainda que não
totalmente – os efeitos negativos da duplicação de instâncias), e proporcionando contatos
enriquecedores entre todos os atores sociais em favor de uma rede virtuosa da participação.
Provavelmente a mudança de maior impacto seria a de conferir aos Conselhos
Municipais um lugar de maior destaque sem, no entanto, suprimir a participação ampliada,
individual e direta que ocorre nas Temáticas (como fóruns deliberativos das prioridades
setoriais/temáticas dos Conselhos). A escolha dos conselheiros ao COP por essas
assembléias poderá indicar tanto membros dos Conselhos – o que talvez fosse profícuo ao
enlaçar os Conselhos Municipais ao OP – como outros integrantes de sua respectiva
Assembléia Temática. Ou seja, a proposta intenciona diminuir, sem perda da especificidade
21 Esse foi o teor da proposta da FASE quanto da criação do Conselho de Acesso à Terra e Habitação. A
17
enriquecedora do processo, o maior dos “achuriamentos” atuais: o que ocorre entre os
Conselhos Municipais e as Plenárias Temáticas. Quanto ao COP, continuaria
desempenhando o papel de espinha dorsal da participação, definindo as prioridades gerais
que subordinam – pelo menos em termos de recursos – as decisões das demais instâncias, a
exemplo dos Conselhos Setoriais - com exceção da alocação obrigatória (legal) de recursos.
A articulação entre os três elementos (orçamentário, setorial/temático e regional)
assenta-se sobre a larga experiência já acumulada nas relações entre a Prefeitura e a
população que ora encontra-se fragmentada e dando sinais de “estafa” quantitativa. Por
outro lado, o estágio atual do OP vem indicando a necessidade de simplificar o processo
participativo revendo a necessidade real de momentos ou instâncias do mesmo, como é o
caso da segunda rodada anual das Assembléias Regionais/Temáticas. A função de eleger os
representantes ao COP certamente pode ser absorvida na agenda da primeira rodada.
Chama atenção, entretanto, a ausência de registro do número de participantes das Reuniões
Intermediárias do OP-PoA, que vêm se destacando por serem momentos densos e amplos
da participação no OP – até porque a menor escala de atuação assim o permite. Conhecer
esse dado é importante por razões prática e teóricas que dispensam argumentos (há grande
disparidade sobre o possível número de participantes)22.
Da mesma forma, diante da sobrecarga da participação, é questionável a existência
de processo exclusivo em Porto Alegre para o OP Estadual. Embora política e
administrativamente assim seria mais indicado, pois se trata de uma realidade diversa,
talvez os ganhos participativos seriam maiores com a unificação dos procedimentos.
Outro aspecto diz respeito às possibilidades de aumento do número de participantes
e das formas de fazê-lo, sem perda da qualidade e da organização. O problema é de extrema
complexidade e, evidentemente, não há pretensão de oferecer soluções através deste texto.
Reconhecendo-se as dificuldades em comparar experiências apenas pelo aspecto
quantitativo (são múltiplas as realidades locais, objetivas e subjetivas, que podem ou não
determinar maior ou menor participação), sabe-se de outras experiências de OP’s, inclusive
constituição do novo Conselho do Plano Diretor também aproxima-se dessa concepção de formato. 22 Há que considerar, também, que o registro anual do número de participantes é impreciso, pois há diferença conceitual entre o número de indivíduos que participam e o número de participações, já que esse total é obtido pela soma das participações entre a I e a II rodadas e as Plenárias Temáticas. Como as pesquisam indicam, parcela dos mesmos indivíduos participam nas várias instâncias, por exemplo, na região e nas temáticas .
18
em cidades do interior do RS, cujos percentuais de adesão popular são proporcionalmente
maiores em relação ao número de habitantes e/ou ao número de eleitores. Creio que essa
questão enseja uma discussão salutar, entre os diversos interlocutores, incluindo-se
obviamente as próprias comunidades do OP, através da tentativa de obter-se respostas para
algumas questões, por exemplo: (a) quais as possíveis causas que explicam a estabilização
desse patamar quantitativo da participação em PoA, ou dito de outra forma, porque setores
das camadas populares – presumidamente os que teriam interesse “objetivo” em participar
ou demandas a apresentar - não participam em maior número que o atual nas oportunidades
criadas pelo OP? e (b) a concepção de participação através das assembléias e de uma série
de atividades que exigem tempo e dedicação – adotada até agora pelo OP vem se
constituíndo como fator limitador da ampliação quantitativa da participação? Uma alteração
nessa forma de participação nas reuniões implicaria em perda de qualidade?
São aspectos que evidentemente necessitam de pesquisa séria e metódica. Arrisco-
me a afirmar, entretanto, que esse fato da realidade permite refletir sobre as ilusões do
imaginário da esquerda centrado na figura clássica do “cidadão total” - o cidadão da
liberdade dos antigos – sempre apto e pronto a participar em todas as decisões da pólis,
bastando para isso criar oportunidades. Ter-se-ia aqui que comprovar a influência de
variáveis ligadas a certas determinações materiais e/ou às formas ideológicas que sustentam
a não-participação ativa dos cidadãos, especialmente das camadas populares que moram em
áreas com infra-estrutura e serviços deficientes. O não-ativismo no OP pode, entretanto,
não significar necessariamente “alienação” ou “falsa consciência” no sentido marxista. A
experiência de PoA mostra, por exemplo, que uma parcela considerável da população
prefere, de forma autônoma e voluntária, participar politicamente dos momentos eleitorais e
não das discussões do orçamento, talvez em boa parte porque tratam-se de estratos sociais
que não têm demandas importantes e imediatas a pleitear junto à Administração Municipal.
Já o segundo aspecto, diz respeito às propostas para adotar-se outras formas
participativas. Aqui faz-se necessário refletir sobre a atualidade ou não das concepções
teórico-ideológicas que entendem ser a participação sinônimo da presença dos indivíduos
nas assembléias (a democracia das assembléias). A possível instituição de novos
mecanismos de participação, tal como a votação direta para escolha de demandas através de
referendum, precisa, por isso, ser construída através de profunda reflexão de todos atores
19
sobre a necessidade real de maior envolvimento da população – frente ao reconhecimento
dos limites quantitativos da forma assembleísta e aos possíveis questionamentos da
legitimidade do OP. Ou seja, a possível adoção de novas formas de deliberação (por
exemplo: referendum das prioridades setoriais escolhidas em cada região) deve responder,
fundamentalmente, à necessidade de aperfeiçoamento do funcionamento do OP, e não a
outros objetivos extrínsecos a essa necessidade, a exemplo dos argumentos utilizados pelos
atores políticos que, se opondo ao OP, questionam a sua validade, entre outros argumentos,
com base no “baixo” número de participantes”, sob pena de configurar uma relação
instrumental e meramente formal com o novo expediente democrático a ser adotado. É
importante lembrar a maioria dos eleitores de Porto Alegre, segundo pesquisas recentes,
aprovam e julgam importante a existência do OP, o que determina um grau de legitimidade
desse procedimento que vai muito além do número de seus participantes (Labors, 2000)23.
É claro que as formas individuais de participação – em votações diretas nas regiões
(referendum) ou pela internet, ora introduzida pela quarta gestão da AP - traz vantagens e
desvantagens. Por um lado, elas podem aumentar o número de participantes que não
dispõem de tempo ou que não se propõem ao estafante processo requerido pelo OP, assim
como podem melhor contemplar a diversidade dos atores e das demandas. Por outro lado,
possivelmente tragam consigo perdas de qualidade somente possível de ser alcançada
através da interação dialógica e intersubjetiva que ocorre nas reuniões. O contato com os
outros, a elaboração conjunta de regras, a argumentação, a diversidade de interesses e de
visões criam, sem dúvida alguma, melhores condições para a aprendizagem democrática, a
cooperação e a solidariedade, se comparadas às formas de participação direta, mas
23 Segundo pesquisa realizada em 2000 pelo Laboratório de Observação Social do IFCH/UFRGS com 603 eleitores através de levantamento aleatório estratificado (AAE), à pergunta “Qual sua opinião sobre o OP de Porto Alegre”, 59% dos entrevistados consideraram o OP “importante porque aumenta a participação popular”, mais de 25% “porque aumenta a eficiência do governo”. Em contrapartida outros 9,5% consideraram o OP como “demagogia” e 4,5% declararam que ele “não acrescenta nada à administração da cidade”. Devido às respostas múltiplas a soma dos percentuais ultrapassa os 100%. É importante frisar que a ampla aprovação do OP não significa, necessariamente, a mesma proporção em termos de votos, pois à pergunta “caso você viesse a saber que o seu candidato a prefeito na próxima eleição não vai mais realizar o OP, qual seria sua reação?”, apenas 30% dos entrevistados afirmaram que “ficaria(m) decepcionado(s) e não votaria(m) mais nele”, contra 33% que declararam que “isso não afetaria o seu voto” e 13% que declararam que “não ficaria(m) sarisfeito(s), mas votaria(m) nele assim mesmo” e quase 6% “ficaria(m) satisfeito(s) e votaria(m) nele com mais convicção”. Ou seja, o apoio incondicional ao OP conta com cerca de 30% dos eleitores da cidade. Esses percentuais guardam certa coerência quando os eleitores são inquiridos sobre as causas das sucessivas vitórias eleitorais do PT em PoA. Verifica-se que isso não se deve a uma imagem que
20
individuais, como o referendum, o que não quer dizer que o debate estaria excluído. Talvez,
seja de bom senso experimentar formas mistas, ou seja: a escolha das prioridades setoriais
de cada região (p.ex: saneamento, habitação, saúde, etc.) decididas nas reuniões
intermediárias (como primeira etapa do processo de escolha das prioridades orçamentárias),
seriam submetidas ao referendum popular na própria região, processo coordenado pelos
representantes regionais e pelos representantes da Prefeitura. Assim seria preservado o
aspecto dialógico e interativo das discussões com a possibilidade de ampliação da
participação a outros moradores da região. Ao temor de esvaziamento das reuniões é
preciso lembrar dois aspectos importantes: provavelmente aqueles que realmente têm
interesse e vontade de participar não deixarão de ir às reuniões, até porque elas
continuariam com o poder de hierarquização das demandas em cada setor (p. ex: na
pavimentação, quais ruas a serem pavimentadas, etc); em segundo lugar, é preciso lembrar
que devido ao fato de o número de delegados eleitos ser proporcional ao número de pessoas
de cada vila ou associação civil participantes nas reuniões intermediárias, é comum ocorrer
o registro formal de pessoas nessas reuniões, sem que elas ali permaneçam. Ou seja, vão
apenas para assinar a lista de presença e contar para o número total de “participantes” da
vila ou associação que posteriormente indicará os delegados a quem tem direito ao Fórum
Regional. Isso não deixa de ser um certo “referendum”, e demonstra que mesmo nos
moldes de hoje, não está garantida a presença das pessoas nas reuniões do OP, pois há
pessoas (cuja quantidade não se pode precisar) que “participam” dessa forma e recebem os
“agradecimentos” do “líder” da vila por ter ido assinar a lista de presenças na reunião24.
Relação compartilhada: dilemas da interação Administração-Comunidades
A experiência do OP de Porto Alegre têm demonstrado as dificuldades reais
impostas à criação de esferas públicas democráticas de co-gestão em contextos sociais
complexos. Em PoA os governantes e os atores populares foram desafiados a um duplo e
simultâneo papel. Aos dirigentes da administração apresentou-se a tarefa de transformar o
modelo de gestão tradicional, baseado no autoritarismo, no patrimonialismo e no
combina “eficiência” (23,4%), “competência” (2,5%), “honestidade” (11%), priorização de “obras em áreas mais carentes” (18,1%), militância partidária forte (14,1%) e modo “democrático de governar”(6%).
21
clientelismo, reconhecendo – contrariamente às teorias do elitismo democrático – que a
população pode e deve adquirir a capacidade de tomar decisões em conjunto com o Estado,
cabendo à administração pública não só a tarefa de abrir-se à cidadania, tornar-se
transparente e criar canais de participação, mas, também, constituir-se como agente
educativo e incentivador da participação ativa (respeitando, porém, a organização autônoma
dos agentes sociais). Da mesma forma, aos atores populares, apresentou-se o desafio de
agregar às práticas de reivindicação – inalienáveis à constituição dos movimentos sociais –
novas capacidades propositivas sobre o conteúdo das políticas públicas e novas capacidades
de negociação de suas demandas com os demais atores da sociedade civil e com os
representantes do Estado (Executivo e Legislativo). Trata-se de uma tarefa difícil, porém,
imprescindível ao horizonte emancipatório dos atores populares, qual seja, desenvolver
capacidades de controlar o Estado e compartilhar decisões e, ao mesmo tempo,
autogestionar-se, como partícipes de esferas públicas autônomas e sujeitos independentes.
Esse é um ponto fulcral do atual estágio do OP. Se, por um lado, a presença do
Executivo nas regiões parece ser necessária, a bem da comunicação ágil entre a população e
o governo (informações, esclarecimentos), por outro lado, há uma clara situação de
dependência das comunidades em relação à Administração, especialmente representada no
papel desempenhado pelos CROP’s25, os quais, talvez até inconscientemente, estabelecem
(por vezes) relações de tutela e/ou de paternalismo na sustentação do processo. Em
verdade, parece-me estarmos diante de um paradoxo de difícil solução, qual seja: ponderar
maior autonomia política-organizativa das comunidades em relação à Administração e, ao
mesmo tempo, considerar a intervenção prática do governo como algo necessário, inclusive
para administrar e mediar divergências e conflitos que surgem entre as próprias
comunidades, na disputa por recursos ou nas práticas comunitárias excludentes.
Outro “nó crítico” associado a esse diz respeito à tendência de indiferenciação
entre os papéis dos atores sociais – governo e comunidades – com possíveis prejuízos ao
princípio da autonomia social e política dessas últimas. Alude-se, por exemplo, à situação
24 Cito o caso das reuniões intermediárias de duas microrregiões da Região Lomba do Pinheiro, em 2001, onde presenciei essa prática. É preciso dizer que várias pessoas da própria comunidade demonstraram total contrariedade e preocupação com a saída de pessoas após a assinatura da lista de presenças. 25 Assessores integrantes do FASCOM (Fórum de Assessores Comunitários), instância interna ao Executivo e coordenada pela CRC, que reúne os assessores comunitários de todas as Secretárias Municipais. Os CROP’s têm a função de mediar as relações entre a Administração e cada uma das Regiões e das Temáticas do OP.
22
objetiva de indiferenciação, em algumas regiões, entre as instâncias autônomas construídas
pelas comunidades, como os Conselhos Populares, as Articulação Regionais, as Uniões de
Vilas, e as instâncias institucionais do OP, tais como os Fóruns Regionais de Delegados.
Creio que, em parte, esses problemas decorrem de uma situação objetiva que
exige extrema dedicação dos indivíduos que participam com algum nível de
responsabilidade no OP. Não é por outra razão que parcela significativa dos participantes
(50,2%) é constituída por pessoas cujo tempo funciona como “capital político” (autônomos,
aposentados, “do lar”, desempregados) (Cidade; CRC/PMPA, 1999, p. 36). O fator
“tempo”, entretanto, não explica e/ou justifica a totalidade da situação. Há sérias
implicações políticas sobre esse “nó crítico”. Creio poder sugerir, a título de hipóteses, três
cenários alternativos para o futuro desenvolvimento das relações entre a Administração e as
comunidades em geral que constituem os atores da sociedade civil:
1) Autogestão “relativa”: delegar as funções organizativas e de regramento
do OP - incluindo a direção do COP, das regiões e temáticas (auto-regramento) - para as
comunidades. A “relatividade” dessa forma de autogestão deve-se aos empecilhos legais
para transferir o gerenciamento dos recursos orçamentários à população;
2) Manutenção do estado atual de interação dependente do governo,
realizando esforços para aumentar a adesão popular e qualificar o OP;
3) Repactuar a relação de co-gestão do OP, através de mudanças nas
responsabilidades e funções dos atores, oportunizando maior autonomia e independência
das comunidades nas regiões e temáticas; além de medidas visando simplificar o processo -
em sua estrutura e modo de funcionamento – e aumentar a participação;
Pelos argumentos expostos até o presente momento entendo ser a terceira opção a
mais factível e a que responde melhor às necessidades de mudanças do OP. Evidentemente
essa opção, que representa “superação com conservação” (Aufhebung, em sentido
hegeliano-marxista), é apenas uma linha de conduta geral na repactuação das relações entre
a Administração e as comunidades, que necessita ser complementada com vários outros
aspectos objetivando o aperfeiçoamento do OP e do conjunto da gestão participativa que
nunca são definitivos. Esta repactuação exige, entre outras coisas, discutir o papel dos
CROP’s e avaliar a prática de co-gestão em suas várias dimensões: COP, Comissões
Tripartites, Assembléias Regionais/Temáticas, Fóruns de Delegados, etc. buscando um
23
ajuste “fino” das competências e das regras “implícitas” e “explícitas” na operação real do
processo.
O OP e os atores da sociedade civil: práticas, limites e possíveis aprendizagens?
O OP representou uma conquista histórica dos movimentos populares urbanos de
Porto Alegre, pois, como se sabe, no período do regime ditatorial (anterior a 1986), o
movimento "brigava para conseguir falar com o poder público". Daí porque as táticas eram
de enfrentamento, de protestos nas ruas e de denúncias na imprensa, para serem ouvidos e,
por vezes, recebidos pelas autoridades. Com a construção do OP, os movimentos passaram
a atuar nos espaços institucionais da administração municipal. Como afirmou uma liderança
comunitária, "[a administração] tirou o movimento das ruas e deu a chance para que ele se
organizasse dentro desses canais, o que não quer dizer que as formas clássicas de pressão
não possam ser exercidas". O surgimento do OP, como esfera pública de mediação entre a
administração pública e as comunidades, vem suscitando, entretanto, diversos
questionamentos sobre os possíveis limites das práticas e concepções dos atores populares e
do próprio caráter da relação que surgiu desse encontro (do Estado com as comunidades).
Um dos aspectos que merece reflexão sobre essa interação é a relação até agora
estabelecida entre a discussão orçamentária e a discussão das políticas publicas em geral26.
Sabe-se que uma das razões do sucesso da experiência de PoA deve-se ao fato de que ela
está calcada na decisão sobre o principal instrumento de gestão do Estado: o orçamento
público. O lugar da participação no sistema decisório, portanto, é nuclear e não periférico.
Ora, se essa é uma das características que distingue qualitativamente o OP-PoA, o seu
estágio atual enseja duas ordens de questões que constituem um aparente paradoxo, qual
seja: a necessidade de contemplar a diversidade das demandas e dos atores sociais
(amplitude da participação) e a continuidade da percepção “localista” de setores
participantes cujas demandas são obviamente tão legítimas como as demandas “universais”.
Quanto ao primeiro aspecto vale lembrar que na história de construção do OP a
credibilidade da participação somente foi alcançada quando a população percebeu a
26 Entre outros aspectos, seria necessário discorrer sobre a diferença entre o planejamento governamental e o planejamento orçamentário. Não há espaço e nem é o objetivo do presente artigo realizar essa discussão. Ressalte-se apenas o fato de que, tanto em Porto Alegre como no Governo do Estado do RS, essas dimensões têm sido sonegadas, reduzindo-se o planejamento estratégico dos governos aos processos orçamentários.
24
materialização das intenções anunciadas no discurso da AP. O enfoque meramente
ideologizado e/ou voluntarista do tema da participação mostrou-se ineficiente, pois a
adesão ao projeto de democratização do Estado requer vínculos objetivos entre participação
e resultados materiais, sob pena de corrosão da confiança no processo. A tentativa de abrir
canais de participação, tal como o Fórum de Consulta Popular contido na proposta da
Reforma Administrativa (1990), é exemplo marcante a esse respeito. A população estava
mais interessada em soluções concretas para as suas reivindicações e por isso a construção
do OP ocorreu através de um ciclo virtuoso entre participação-resultados.
Nesse sentido, apesar de alguns avanços viabilizados pela criação das Plenárias
Temáticas, há que se reconhecer as dificuldades objetivas para a superação da participação
centrada na escolha das obras de infra-estrutura (caráter econômico do orçamento)
abrangendo a discussão do conteúdo das políticas públicas - incluindo as políticas sociais –
às quais se apresentam, para o senso comum, como algo abstrato e intangível. Certamente
não se trata de obstáculos intransponíveis. Entretanto, uma abordagem realista (não-
voluntarista e nem conformista) sobre esse limite, indica a probabilidade de continuidade
da “motivação objetivista” no OP, especialmente nas comunidades carentes de estrutura.
Cabe aprofundar a discussão no sentido de perceber o quanto as práticas e políticas
do governo tem contribuído ou não para a permanência desse estado e, também, o quanto
isso poderia ou não representar uma cultura pragmática dos sujeitos populares (não
necessariamente uma consciência acrítica ou “falsa consciência”). Ao mesmo tempo, há
que se considerar que essa aprendizagem é, provavelmente, proporcional aos níveis
hierárquicos das estruturas do OP, o que não quer dizer que seja impossível estendê-la,
ainda que de forma limitada, às bases do processo. Em 1991, por exemplo, a metodologia
de trabalho do COP possibilitou a discussão do conteúdo das políticas públicas previamente
à aprovação do Plano de Investimentos. Dois dados mostraram as possibilidades de avanços
qualitativos na visão dos conselheiros: o interesse em discutir as políticas públicas setoriais
(por exemplo, pela primeira vez a Secretaria de Cultura e a Secretaria de Administração,
entre as demais, compareceram ao COP, despertando grande interesse dos conselheiros e
ensejando novas atividades dos mesmos junto às Secretarias); e, ao mesmo tempo, a
compreensão dos mesmos sobre a importância da realização de obras e projetos de caráter
universal. O marco dessa evolução foi a discussão e a aprovação pelo COP do Projeto de
25
Revitalização da Área Central, incluindo a reforma do Mercado Público (contrariando
posição anterior que rejeitava toda e qualquer ação do governo que não fosse a alocação de
recursos para a periferia). Também nesse momento os conselheiros reagiram com
entusiasmo quando da apresentação do Programa Guaíba Vive, que previa projetos de
recuperação ambiental e paisagística da orla do Guaíba, a exemplo da despoluição da praia
do Lami. Ou seja, a percepção das necessidades gerais da cidade e a superação de
corporativismos localistas ou regionalistas tornaram-se viáveis no COP (topo das instâncias
de participação). Mas isso foi possível mediante um processo de aprendizagem e de
reciprocidade: as ações de caráter universal foram reconhecidas quando os conselheiros
perceberam que as suas reivindicações pontuais estavam sendo atendidas.
Caberia, talvez, analisar a importância de outros aspectos que, relacionados entre si,
poderiam contribuir para agregar avanços na amplitude e na diversidade da participação no
conjunto da gestão, assim como na tensão com a percepção localista. Um dos aspectos diz
respeito ao planejamento e à execução participativa de projetos. Certamente há um elenco
deles sendo realizados. Mas, pergunta-se: até que ponto há um envolvimento efetivo das
comunidades no planejamento e execução de projetos, sejam eles obras, qualificação de
serviços ou outras atividades sócio-educativas (a exemplo da limpeza de arroios,
preservação ambiental e do patrimônio público, gestão de espaços públicos, etc.),
atividades essas que exigem o envolvimento comunitário para a eficácia dos seus objetivos
e que podem ser excelentes oportunidades para a elevação do nível de consciência cidadã?
Além disso, que metodologias são utilizadas para promover o envolvimento das
comunidades nos projetos? Sabe-se há tempo – conforme a pedagogia freireana e a
psicologia genética piagetiana (construtivismo) - que a formação cidadã dos sujeitos não é
alcançada com discursos ideológicos ou através de práticas (anti-pedagógicas) diretivas
(p.ex: Estado=sujeito e comunidades=objetos). A dimensão pedagógica da participação
requer práticas calcadas na ação dos sujeitos que a partir de suas experiências de vida (dos
seus conhecimentos práticos e teóricos), constróem, na interação dialógica com os demais
sujeitos, novos conhecimentos e novas percepções em relação ao mundo objetivo (da
natureza) e subjetivo (intersubjetividade). Essas práticas podem ser desenvolvidas tanto no
planejamento e execução dos projetos, como em oficinas sobre o orçamento e as políticas
públicas e outras formas especialmente voltadas para a formação cidadã. Por isso, muito
26
além de se constatar acertadamente as deficiências nas linguagens utilizadas, como bem o
faz o documento do governo, coloca-se o desafio de adotar-se novos paradigmas
pedagógicos que contribuam para o desenvolvimento de uma consciência moral autônoma
(pós-convencional) e de competências cognitivas de percepção da realidade social.
Ao mesmo tempo, as possibilidades de superação da percepção restrita da realidade
e centrada nas demandas materiais (coerente com a realidade social excludente) visando à
formação cidadã dos sujeitos, exige um enfoque multidimensional de sensibilização e
formação, ou seja: práticas e atividades diversas que, associadas ou não ao OP, contemplem
outras motivações e despertem outros interesses dos sujeitos (cultura, lazer, atividades
lúdicas, esporte, diferenças étnicas, de gênero, de idade, etc.)27. Esse objetivo requer outras
formas de trabalhar com as demandas superando as reuniões-padrão, através de práticas de
sensibilização que levem a reflexão dos sujeitos, contribuindo assim com o objetivo da
formação de cidadãos. Trata-se, portanto, de um processo complexo, não redutível à
participação nas assembléias do OP, embora isso seja per se altamente significativo.
Esse desafio pressupõe a abertura do governo e das entidades formadoras (ONG’s,
etc) para novos paradigmas de aprendizagem democrática que contemplem: (a) humildade
de todos para aprender (todos são aprendizes e educadores) e (b) um trabalho de “escuta
densa, paciência e persistência no tempo” (Moll e Fischer in Fischer e Moll, 2000).
Alcançar tal objetivo exige grande esforço, capacitação pedagógica e, talvez, revisão das
próprias concepções democráticas e das práticas microssociais, entendendo-se a
“democracia” fundamentalmente como processo de construção social e não como adesão
política das “massas” a um projeto pré-determinado pela “vanguarda”, seja ela o governo
municipal ou as correntes internas do PT que disputam espaços de poder. A ampliação das
parcerias da Prefeitura com outras instituições poderia auxiliar nesse imenso objetivo.
A tendência de continuidade da visão regionalista e/ou localista não pode ser
analisada, entretanto, normativamente, pois a realidade objetiva das carências em infra-
estrutura e serviços, determina uma ação voltada para esse foco que, como já foi dito, é tão
legítima como outras demandas supostamente universalistas. A tensão entre os valores e as
práticas que expressam culturas antagônicas (competição/solidariedade,
egocentrismo/descentração, heteronomia/autonomia moral) são inerentes aos processos
27 Seria interessante neste aspecto considerar uma avaliação sobre o projeto de descentralização da cultura.
27
que, como o OP, enfrentam o clássico dilema “recursos escassos versus demandas
reprimidas”. Uma forma de intervir nesse processo, como bem aponta o documento do
governo, seria instituíndo regras mínimas obrigatórias às práticas internas das regiões,
como forma de mediar os conflitos, evitar exclusões e apropriação privada de informações,
além de proporcionar formas de mediação que preservem o princípio da justiça distributiva
na relação entre as comunidades. Há que se lembrar, entretanto, que na história do OP essa
tentativa já foi feita em 1995, quando o COP aprovou essa orientação sem torná-la
obrigatória para as regiões. Os resultados foram acanhados: algumas regiões criaram
normas de funcionamento e critérios distributivos de seleção de demandas, outras
permaneceram privilegiando a votação e o princípio da maioria (Abers, 1995).
Cabe lembrar, também, que historicamente a tensão inerente entre o particular e o
geral no OP-PoA encontrou no método de distribuição de recursos a mediação necessária
entre as demandas locais (e/ou regionais) e as chamadas demandas institucionais (obras e
projetos propostos pelo governo visando beneficiar mais do que uma região, ou toda
cidade). Sabe-se que o conflito entre os aspectos técnicos e políticos no processo de
participação da gestão sócio-estatal, é tema clássico do debate político, pois a dificuldade
para compatibilizar administração complexa, racionalidade e participação, é um dos
principais argumentos utilizados pelas correntes do chamado elitismo democrático28 para
28 As chamadas “teorias elitistas da democracia” surgiram na primeira metade do século XX tendo como pano de fundo o debate teórico e os dilemas práticos que envolveram a relação entre forma e conteúdo no interior da teoria democrática. As idéias sustentadas por Weber e por Schumpeter, os principais teóricos do elitismo democrático, possuem pelo menos duas características comuns: (1) a tentativa de justificar o estreitamento da prática democrática objetivando a própria consolidação da democracia, diante de outras formas não-democráticas que se apresentavam à direita e à esquerda do espectro ideológico e (2) o “realismo político” como pressuposto metodológico (Avritzer, 1996; Giddens, 1995). Ao discutirem o significado da democracia e sua relação com o socialismo, ambos os autores enfrentaram o legado das teorias clássicas da democracia, principalmente quanto à relação proposta por elas entre democracia e soberania popular. Diversamente da tradição teórica marxista que entendia a separação ocorrida entre trabalhadores e meios de produção como produto da ordem burguesa, Weber interpretou o crescimento da burocratização por causa do aumento da complexidade e da superioridade técnica requerida pelo processo de instauração do estado moderno (racional-legal). Para Weber, tal separação representou um fenômeno mais amplo associado à crescente complexidade das sociedades modernas e sua exigência de transferência dos meios de administração e produção para o controle de funcionários especializados. Por isso, Weber diagnosticou e prognosticou o aumento da burocratização como realidade do Estado moderno e o conseqüente aumento do controle sobre a vida dos indivíduos, indiferentemente da forma de produção ser capitalista ou socialista (Weber, 1992, p.178-9; 1994, p.258). Reconhecendo a impossibilidade do “governo diretamente democrático” nas sociedades complexas, Weber aponta a relação entre a democracia e a burocracia como um dos principais paradoxos da modernidade. Por isso, a democracia passa a significar a generalização da cidadania política baseada na igualdade formal dos direitos políticos de todos os membros do Estado nacional para a constituição do governo. Ao acentuar o papel das lideranças na democracia e ao tomar o governo das “elites” como algo inevitável, Weber entende que o parlamento pode, sob certas condições, contrapor-se à influência da burocracia e conduzir as massas
28
atestar a inviabilidade prática da democracia participativa nas sociedades contemporâneas
(Avritzer, 1996). A metodologia baseada em critérios objetivos e universais, para a
distribuição dos recursos de investimentos entre as regiões, viabilizou a relação entre
administração complexa e participação, sem perda da racionalidade do processo. A
evolução histórica do OP-PoA mostra, entretanto, a existência de uma curvatura no
processamento técnico-político das demandas. Se nos momentos iniciais – quando do
rompimento com o modelo tecnoburocrático de gestão – o componente técnico foi quase
negligenciado, o desenvolvimento do OP-PoA mostra um aumento progressivo da
utilização de critérios técnicos para a seleção, aceitação ou eliminação das demandas. Cabe
perguntar: há um desequilíbrio da balança em favor da dimensão técnica? Há aprendizagem
técnica das comunidades? Há limites instransponíveis nessa aprendizagem técnica? Que
impactos têm trazido a introdução dos critérios técnicos frente à justiça distributiva?
Essas questões trazem novamente à tona os dilemas relacionados ao caráter da
interação entre Administração-Comunidades. Como pretender autonomia político-
organizativa das comunidades e, ao mesmo tempo, interferir em suas relações internas? Eis
um paradoxo de difícil resolução. Por outro lado, no que tange aos atores populares, se a
prática do enfrentamento – que caracterizou grande parte das formas de ação coletiva
desses atores desde o final dos anos 70 – foi fundamental para a constituição de sua
identidade a partir de uma cultura cívica baseada nos direitos, hoje há dificuldades dos
atores comunitários para enfrentar a nova realidade de abertura do governo municipal à
participação, pois essa exige capacidades propositivas ou alternativas na disputa que se
afigurou sobre a criação das novas instituições democráticas, suas regras e estrutura de
funcionamento, assim como sobre o conteúdo das políticas públicas específicas (transporte,
(1992, p.744-6). Por sua vez, Schumpeter propõe – contrariamente à teoria democrática em que a seleção dos representantes era vista como algo secundário ante o objetivo principal do sistema democrático, qual seja, atribuir ao eleitorado o poder de decidir sobre assuntos políticos – uma teoria alternativa (realista) por meio da inversão desses papéis: a democracia seria um método de produção de governos e ao povo caberia formar um governo que, por seu turno, tomará as decisões. As atribuições governamentais capazes de gerar algum nível de racionalidade política seria um encargo das elites, as quais ganham esse atributo mediante a livre competição no mercado político. Conforme a sua teoria “... o método democrático é um sistema institucional, para a tomada de decisões políticas, no qual o indivíduo adquire o poder de decidir mediante uma luta competitiva pelos votos do eleitor. [...] a democracia não significa nem pode significar que o povo realmente governa em qualquer dos sentidos tradicionais das palavras povo e governo (Schumpeter, 1961, p.328 e 346). Portanto, para as teorias elitistas da democracia a racionalidade do sistema encontra na seleção das elites a sua melhor viabilidade prática e, conseqüentemente, o reduzido grau de participação política é condição desejável e necessária ao bom funcionamento da democracia. Para uma discussão crítica dos pressupostos do elitismo democrático com base na teoria comunicativa habermasiana, ver Avritzer (1996, p.99-123).
29
habitação, etc) e sua relação com a globalidade da reforma urbana em curso. A cultura dos
direitos [sociais], compartilhada por parcela significativa dos atores populares, significou,
provavelmente, uma superação em relação às práticas tradicionais de submissão, do pedir e
do favor, mas por outro lado, é temerário afirmar que ela [a cultura dos direitos] tenha se
estendido como demanda aos direitos políticos de participação nas decisões da gestão
sócio-estatal. Embora existentes nas instâncias de cúpula do movimento comunitário, tais
como os Congressos da UAMPA, foram raros os registros de demandas por participação
política nas decisões da gestão municipal. Fato que pode ser compreendido considerando-
se, por um lado, a histórica prática de tutela, de cooptação e de manipulação por parte do
Estado e, por outro lado, a situação de carência em infra-estrutura e serviços necessários à
subsistência das classes trabalhadoras, como características do modelo espoliador que vigeu
no Brasil. A demanda por participação como cultura política talvez esteja se constituindo
como um importante subproduto da ação dos sujeitos do OP-PoA, já que as comunidades
são instadas, nos últimos doze anos, a exercer os seus direitos políticos como forma de
alcançar os direitos sociais urbanos necessários à qualidade de vida. Todavia, não há ainda
condições de provar objetivamente essa hipótese, apesar dos sinais positivos que emanam
da prática e do discurso de parcela das comunidades. Por exemplo, a pesquisa com o
público do OP realizada em 1998 mostra um percentual significativo de pessoas (43,99%),
que se referem a temas ligados à participação, à finalidade de servir à comunidade, à
democracia e à cidadania, como principais motivações de suas presenças no mesmo29.
Vale lembrar que o movimento comunitário ressente-se, até hoje, de uma instância
autônoma capaz de estabelecer momentos de reflexão coletiva entre todas as regiões para a
tomada de posição diante de questões importantes da agenda municipal. A crise de
legitimidade da UAMPA persiste, na medida em que a entidade não se fez representar
durante a maior parte da construção do OP, abandonando-o após 1989. Atualmente, embora
participando, continua hegemonizada por concepções que entendem o movimento como um
sujeito social único, organizado verticalmente, perdendo-se, portanto, a pluralidade e a
29 Percentuais referentes à soma das respostas dadas à pergunta “Por que participa das reuniões do OP?” constante da pesquisa realizada através de parceria entre a Prefeitura/CRC, CIDADE e Giampaolo Baiocchi/University of Wisconsin, 1998. As respostas agrupam os seguintes itens: “servir à comunidade, democracia/cidadania, união/solidariedade, lutar, decidir, acompanhar/fiscalizar, conhecer/informar-se, referencias genéricas à participação”. Na mesma pesquisa, as “demandas” sociais (obras, etc) foram apontadas como razões principais da participação por 53,90% dos pesquisados (1998).
30
diversidade do associativismo em detrimento da defesa do monopólio da representação
comunitária pelas AM’s (Baierle, 1994). A forma cada vez mais regionalizada assumida
pela atividade comunitária na cidade, se por um lado se reveste de positividades, ao
proporcionar maior integração e densidade social, por outro lado, revela-se fragmentária,
com possível prejuízo à potencialização das ações dos atores populares na esfera pública
municipal (Fedozzi, 1994, p.28; Rodriguez e Osório, 1996, p.15). Não é incomum os
representantes das regiões utilizarem o COP – uma instância institucional de co-gestão –
para realizar discussões de temas pertinentes à esfera [autônoma] dos movimentos
populares, o que demonstra as dificuldades para construírem espaços próprios de
organização de suas ações coletivas. Ora, se não se justificam leituras que atestam o "fim
dos movimentos populares na cidade" – geralmente baseadas em concepções ultrapassadas
e/ou saudosistas sobre os movimentos sociais em geral – parece que a nova interação com o
Estado proporcionada pelo OP vem ensejando modificações nas práticas e nas formas dos
mesmos, suscitando dúvidas sobre a real dimensão da autonomia organizativa e política dos
atores comunitários, frente aos aparatos sistêmicos do Estado. Em sendo assim, os possíveis
impactos trazidos pela experiência do OP, seja na ação, nas formas de articulação e nos
valores que norteiam as práticas dos atores comunitários, das AM’s ou das demais
instituições sociais, ainda carecem de estudos mais aprofundados.
Todas essas razões justificam a imperiosa necessidade de que os atores populares,
que vem se fazendo ouvir no espaço público da cidade, exercitem o “tempo público”, pois a
reflexão sobre a prática – o pensar sobre o que se pensa e o que se faz - é tão importante
quanto a própria prática da participação, sob pena de reproduzir eternamente a heteronomia.
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Luciano Fedozzi é professor do Programa de Pós-Graduação de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Participou da implantação do OP como Coordenador do Gabinete de Planejamento da Prefeitura Municipal de Porto Alegre (1989-1992). É autor dos livros Orçamento Participativo. Reflexões sobre a experiência de Porto Alegre (1997) e O Poder da Aldeia. Gênese e História do Orçamento Participativo de Porto Alegre (2000) e de diversos artigos sobre o tema da participação popular. E-mail: [email protected]