251
Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas Júlio Verne A Jangada - 800 léguas pelo Amazonas SUMÁRIO Primeira Pare Um !api"o-do-mao  O homem que segurava o documento cujo último par!gra"o era "ormado por essa estranha mistura de letras "icou pensativo por alguns instantes depois de rel#-lo atentamente$ O documento possu%a uma centena dessas linhas que n&o eram nem mesmo divididas por palavras$ 'arecia ter sido escrito h! muitos anos e na "olha de papel grosso co(erta pelos hier)gli"os o tempo j! depositara sua p!tina amarelada$  'orém de ac or do com que regra as letras haviam sido reunidas* Aq uele homem era o únic o qu e po de ria diz#-lo$ +a verdade as linguagens ci"radas s&o como as "echaduras dos co"res- "ortes modernos, elas s&o protegidas da mesma maneira$ ! (ilh.es de com(ina/.es poss%veis e toda a vida de um calculador n&o seria su"iciente para enumer!-las$ 'recisamos da senha para a(rir um co"re de seguran/a1 precisamos da ci"ra para ler um criptograma desse tipo$ 'or isso é o que veremos o documento resistira 2s tentativas mais engenhosas de deci"r!-lo e nas circunstancias da mais alta gravidade$    3   

A-jangada

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 1/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

Júlio Verne

A Jangada - 800 léguas pelo AmazonasSUMÁRIO

Primeira Pare

Um !api"o-do-mao

 O homem que segurava o documento cujo último par!gra"oera "ormado por essa estranha mistura de letras "icou pensativo poralguns instantes depois de rel#-lo atentamente$

O documento possu%a uma centena dessas linhas que n&oeram nem mesmo divididas por palavras$ 'arecia ter sido escrito h!muitos anos e na "olha de papel grosso co(erta pelos hier)gli"os otempo j! depositara sua p!tina amarelada$

  'orém de acordo com que regra as letras haviam sidoreunidas* Aquele homem era o único que poderia diz#-lo$ +averdade as linguagens ci"radas s&o como as "echaduras dos co"res-"ortes modernos, elas s&o protegidas da mesma maneira$ ! (ilh.esde com(ina/.es poss%veis e toda a vida de um calculador n&o seriasu"iciente para enumer!-las$ 'recisamos da senha para a(rir umco"re de seguran/a1 precisamos da ci"ra para ler um criptogramadesse tipo$ 'or isso é o que veremos o documento resistira 2stentativas mais engenhosas de deci"r!-lo e nas circunstancias da

mais alta gravidade$

Page 2: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 2/250

O homem que aca(ara de reler o documento n&o passava deum simples capit&o-do-mato$

+o 4rasil rece(iam a denomina/&o de capit&es-do-mato osagentes empregados na (usca dos negros "ugitivos$ 5ssa institui/&o

data de 3677$ +aquela época as idéias anti-escravagistas s)eistiam no esp%rito de alguns "ilantropos$ 9oi preciso que sepassasse mais de um século para que os povos civilizadosaceitassem e adotassem essas idéias$ +o entanto é o que pareceisso é um direito o primeiro dos direitos naturais do homem- que eser livre dono de si mesmo e todavia milhares de anostranscorreram antes que surgisse em algumas na/.es o generosopensamento de ousar proclam!-lo$

5m 38:7 ; ano em que se passa esta hist)ria ; aindahavia escravos no 4rasil e conseq<entemente capit&es-do-matopara ca/!-los$ Algumas raz.es de economia pol%tica retardaram omomento da emancipa/&o geral1 mas o negro j! tinha o direito decomprar sua al"orria e os "ilhos que dele nasciam j! nasciam livres$=ontudo n&o estava longe o dia em que esse magn%"ico pa%s noqual poderiam ca(er tr#s quartos da 5uropa n&o teria um únicoescravo entre seus dez milh.es de ha(itantes$

+a realidade a "un/&o de capit&o-do-mato estava destinada adesaparecer num per%odo muito pr)imo e na época desta hist)riaos ganhos conseguidos com a captura dos "ugitivos haviamdiminu%do sensivelmente$ Ora se durante o longo per%odo em queos lucros dessa pro"iss&o eram (em compensadores os capit&es-do-mato constitu%am um mundo de aventureiros mais comumente"ormado de escravos li(ertos e desertores que mereciam poucaestima é natural que naquele momento os ca/adores de escravospertencessem 2 esc)ria da sociedade e muito provavelmente ohomem do documento n&o denegria a pouco recomend!vel mil%ciados capit&es-do-mato$

5sse >orres ; assim ele se chamava ; n&o era um mesti/onem um %ndio nem um negro como a maioria dos seuscompanheiros, era um (ranco de origem (rasileira que rece(era umpouco mais de instru/&o do que o necess!rio para a sua situa/&opresente$ 5"etivamente devemos v#-lo apenas como um dessesdesclassi"icados igual a tantos outros encontrados nas long%nquasregi.es do +ovo ?undo e se numa época em que a lei (rasileiraainda eclu%a os mulatos e outros mesti/os de alguns empregosessa eclus&o o atingira n&o havia sido por causa da sua origem esim devido 2 indignidade pessoal$

Page 3: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 3/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

 Ali!s >orres j! n&o estava no 4rasil$ @ecentementeatravessara a "ronteira e havia alguns dias percorria as "lorestas do'eru por onde avan/ava o curso do Alto Amazonas$

>orres era um homem de uns trinta anos "%sico (em

constitu%do so(re o qual a "adiga de uma vida um tantopro(lem!tica n&o parecia ter e"eito gra/as a um temperamentoecepcional e a uma saúde de "erro$

e estatura média om(ros largos tra/os regulares andar"irme rosto (ronzeado pelo clima ardente dos tr)picos usava umaespessa (ar(a preta$ Os olhos perdidos so( uma grossaso(rancelha lan/avam esse olhar vivo mas seco das naturezasimpudentes$ ?esmo na época em que o clima ainda n&o o havia(ronzeado seu rosto em vez de enru(escer "acilmente devia antes

se contrair so( a in"lu#ncia das pai.es conden!veis$>orres trajava-se de acordo com a moda rudimentar dosca/adores$ Buas roupas davam mostras de um uso prolongado, naca(e/a usava um chapéu de couro de a(as largas colocado detravés1 da cintura para (aio uma cal/a de l& grossa que se perdiano cano das pesadas (otas a parte mais resistente do vestu!rio1por cima de tudo um poncho des(otado amarelado n&o deiavaver como era o casaco nem o que restava do colete que lhe co(riamo peito$

  ?as se >orres era um capit&o-do-mato evidentemente j! n&oeercia essa pro"iss&o pelo menos nas condi/.es atuais$ Csso se vianos insu"icientes meios de de"esa e ataque para a persegui/&o dosnegros$ +enhuma arma de "ogo, nem espingarda nem rev)lver$ +acintura apenas um desses o(jetos que parecem mais um sa(re doque uma "aca de ca/a e que e chamado de machete$ Além disso>orres estava munido de uma enada usada particularmente naca/a aos tatus e 2s cutias que a(undam nas "lorestas do Alto Amazonas onde geralmente n&o h! muito o que se temer dos

animais selvagens$5m todo o caso naquele dia D de maio de 38:7 oaventureiro devia estar totalmente a(sorvido na leitura dodocumento diante de seus olhos ou ent&o acostumado aperam(ular pelos (osques da América do Bul mostrava-seindi"erente aos esplendores das "lorestas$ e "ato nada poderiadistra%-lo da sua ocupa/&o, nem o (erro prolongado dos macacosgritadores que acertadamente o senhor Baint-ilaire comparou aoru%do da machadada do lenhador descendo so(re os galhos das

!rvores1 nem o seco tilintar dos anéis do cr)talo serpente poucoagressiva é verdade mas altamente venenosa1 nem a voz agudado sapo-de-chi"re que leva o pr#mio de "eiúra na classe dos répteis1

Page 4: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 4/250

nem mesmo o coaar ao mesmo tempo sonoro e grave da r& quemuge que se n&o consegue ultrapassar o (oi em =orpul#nciaiguala-o na intensidade dos mugidos$

>orres n&o ouvia nada de todos esses alaridos que "ormam a

complea voz das "lorestas do +ovo ?undo$ eitado ao pé de uma!rvore magn%"ica nem ao menos admirava a alta ramagem do pau-"erro de casca escura cheio de (agos duro como o metal o qualsu(stitui na arma e nos o(jetos do %ndio selvagem$ +&oF A(stra%donos seus pensamentos o capit&o-do-mato virava e revirava entre osdedos o singular documento$ =om a ci"ra cujo segredo possu%adava a cada letra o verdadeiro sentido1 lia dominava o sentido daslinhas incompreens%veis para qualquer outro que n&o ele e ent&oa(ria um sorriso maldoso$

epois ele se deiou levar num murmúrio a meia-voz dealgumas "rases que ninguém poderia ouvir nesse lugar deserto da"loresta peruana e que ali!s ninguém compreenderia,

 ; Bim ; ele disse ; eis uma centena de linhasnitidamente escritas que t#m para alguém que eu sei quem é umaimportGncia da qual nem descon"iaF 5sse alguém é ricoF H umaquest&o de vida ou morte para ele e em qualquer lugar isso custacaroF

5 olhando o documento com avidez,; Apenas um conto de réis para cada palavra da última "rase

é uma (oa quantiaF 5ssa "rase tem seu pre/oF 5la resume todo odocumentoF ! os verdadeiros nomes 2s verdadeiras pessoasF'orém antes que alguém tente compreend#-la deveria come/ar pordeterminar o número de palavras que contém e mesmo assim overdadeiro sentido ainda lhe escapariaF

ito isso >orres come/ou a contar mentalmente$; ! cinq<enta e sete palavras ; gritou ; o que soma

cinq<enta e sete contosF B) com isso é poss%vel viver no 4rasil na América em qualquer lugar que se queira e viver sem "azer nadaF 5o que seria ent&o se todas as palavras do documento me "ossempagas a esse pre/oF

; Beriam centenas de contos de réisF AhF ?il dia(osF >enhoaqui uma "ortuna para rece(er ou serei o último dos idiotasF

'arecia que as m&os de >orres apalpando a enorme soma j!se "echavam so(re os pacotes de ouro$

4ruscamente seu pensamento tomou um novo curso$; 9inalmente ; ele gritou ; atingi meu o(jetivo e n&o

lamento o cansa/o da viagem que me levou das margens do

 AtlGntico ao curso do Alto AmazonasF 5sse homem poderia terdeiado a América poderia estar além dos mares e a% como eu

Page 5: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 5/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

poderia chegar até ele* ?as n&oF 5le est! aqui e se eu su(ir notopo de uma dessas !rvores poderei ver o telhado da casa ondemora com toda a "am%liaF

5m seguida pegou o papel e agitou-o "e(ril,

; Ainda hoje ; disse ; estarei diante deleF Ainda hojesa(er! que sua honra e sua vida est&o contidas nestas linhasF 5quando quiser conhecer a ci"ra para poder l#-las (om ter! de pagarpor elaF 'agar! se eu quiser com toda a sua "ortuna como tam(émpagar! com seu sangueF AhF ?il dia(osF O digno companheiro demil%cia que me deu este documento precioso que me deu osegredo que me disse onde eu encontraria seu e-colega e o nomeso( o qual ele se esconde h! tantos anos esse digno companheironem suspeitava que "azia a minha "ortunaF

>orres olhou uma última vez para o papel amarelado e depoisde do(r!-lo com cuidado guardou-o num estojo de co(re quetam(ém lhe servia de porta-moedas$

+a verdade se toda a "ortuna de >orres estava nesse estojodo tamanho de um porta-charutos em nenhum pa%s do mundo elepassaria por rico$ Ali havia um pouco de cada uma das moedas dospa%ses vizinhos, dois condores de ouro dos 5stados Inidos da=olm(ia cada um deles valendo em torno de dez pesos (ol%varesvenezuelanos que davam uma soma igual soles peruanos que

somavam o do(ro alguns escudos chilenos e outras moedas de(aio valor$ ?as tudo isso n&o dava uma soma muito alta e aindapor cima >orres "icaria muito em(ara/ado para dizer onde e como aconseguira$

 A única certeza é que alguns meses antes depois dea(andonar (ruscamente o tra(alho de capit&o-do-mato que eerciana prov%ncia do 'ar! >orres havia su(ido a (acia amaznica eatravessara a "ronteira para entrar em territ)rio peruano$

 Além do mais para esse aventureiro n&o seria preciso muito

para viver$ Kuais as despesas necess!rias* +ada para moradianada para roupas$ A "loresta dava-lhe o alimento que ele preparavasem gastos 2 moda dos ca/adores do mato$ 4astavam-lhe algunsréis para o ta(aco que comprava nas miss.es ou nos povoadosoutro tanto para a aguardente do cantil$ =om pouco podia ir longe$

epois de acondicionar o papel no estojo de metal cujatampa "echava hermeticamente em vez de guard!-lo de volta no(olso da japona co(erta pelo poncho achou melhor por ecesso deprecau/&o deposit!-lo ao seu lado no v&o da raiz de uma !rvore

em cujo pé estava deitado$Ima imprud#ncia que lhe custaria caroF

Page 6: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 6/250

9azia muito calor$ O tempo estava carregado$ Be a igreja daaldeia mais pr)ima possu%sse um rel)gio teria soado as duashoras da tarde e com o vento que transporta o som >orres teriaescutado porque n&o estava a mais de duas milhas de distGncia$

?as sem dúvida a hora era-lhe indi"erente$ a(ituado aguiar-se pela altura mais ou menos calculada do sol no horizonteum aventureiro n&o sa(eria dar eatid&o militar aos di"erentes atosda vida$ 5le almo/a e janta quando lhe apraz ou quando pode$orme onde e quando é tomado pelo sono$ Be nem sempre a mesaest! posta a cama est! sempre "eita ao pé de uma !rvore namaciez de uma moita em plena "loresta$ >orres n&o era muitoeigente em quest.es de con"orto$ A prop)sito havia andado umagrande parte da manh& aca(ara de comer um pouco e agorasentia que precisava dormir$ uas ou tr#s horas de repouso iriamdei!-lo em condi/.es de retomar a caminhada$ 5nt&o deitou-se narelva o mais con"ortavelmente que pde esperando o sono chegar$

+o entanto >orres n&o era dessas pessoas que dormem semse preparar para essa opera/&o com algumas preliminares$ 5letinha o h!(ito de em primeiro lugar tomar alguns goles de uma(e(ida "orte depois "umava um cachim(o$ A aguardentesuperecita o cére(ro e a "uma/a do ta(aco mistura-se 2 "uma/ados sonhos$ Ao menos essa era a opini&o dele$

>orres come/ou ent&o por levar aos l!(ios o cantil que traziaao seu lado$ 5le continha uma (e(ida conhecida geralmente pelonome de chica no 'eru e mais particularmente pelo de caisumano Alto Amazonas$ 5la e produzida com uma r!pida destila/&o daraiz de mandioca doce provocando-se sua "ermenta/&o e 2 qual ocapit&o-do-mato um homem de paladar meio em(otado achavaque devia acrescentar uma (oa dose de ta"i!$

epois de tomar alguns goles dessa (e(ida >orres agitou ocantil e constatou n&o sem pesar que estava quase vazio$

; A ser renovadoF ; disse simplesmente$5m seguida tirando um cachim(o curto "eito de raiz ele o

encheu com o ta(aco acre e in"erior do 4rasil cujas "olhaspertenciam 2 petúnia levada para a 9ran/a por +icot a quemdevemos a vulgariza/&o da mais produtiva e mais divulgada dassolan!ceas$

O ta(aco n&o tinha nada em comum com o sca"erlati de altaqualidade produzido nas manu"aturas "rancesas mas >orres n&o eramais eigente nesse ponto do que em outros$ 5le atritou o "uzil napedra ps "ogo num pouco dessa su(stGncia viscosa conhecida

pelo nome de isca de "ormiga secretada por alguns himen)pterose acendeu o cachim(o$

Page 7: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 7/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

+a segunda aspira/&o seus olhos se "echaram o cachim(oescapou-lhe dos dedos e adormeceu ou melhor caiu numa espéciede torpor que n&o era um sono de verdade$

 

Assalane e assalado

 >orres dormia havia mais ou menos meia hora quando umru%do se "ez ouvir so( as !rvores$ 5ra um ru%do de passossorrateiros como se alguém andasse descal/o tomando certasprecau/.es para n&o ser ouvido$ 9icar de so(reaviso contraqualquer aproima/&o suspeita teria sido o primeiro cuidado doaventureiro se estivesse de olhos a(ertos naquele momento$ ?as o

(arulho n&o "ora su"iciente para acord!-lo e quem se aproimavapde chegar perto dele a dez passos da !rvore sem ser perce(ido$+&o era um homem era um guari(a$e todos os macacos de cauda pre#nsil encontrados nas

"lorestas do Alto Amazonas sag<is de "ormas graciosas sajum dechi"re monos de p#lo cinza micos que parecem usar uma m!scarano rosto careteiro o guari(a é incontestavelmente o mais original$Boci!vel menos selvagem no que di"ere muito do mucura (ravioe "étido ele tende a se associar e em geral anda em grupos$ Bua

presen/a é assinalada de longe por um concerto de vozesmon)tonas que se parecem com as ora/.es salmodiadas do clero$'orém mesmo que a natureza n&o o tenha "eito agressivo n&o sepode atac!-lo sem precau/.es$ e qualquer "orma comovamos ver um viajante adormecido n&o deia de "icar epostoquando um guari(a o surpreende nessa situa/&o sem poderde"ender-se$

5sse macaco que tam(ém é conhecido no 4rasil pelo nomede (ar(ado é (em grande$ A agilidade e o vigor dos seus

mem(ros "azem dele um animal ro(usto apto tanto a lutar no ch&oquanto a saltar de galho em galho no topo das gigantescas !rvoresdas "lorestas$

?as o tal macaco avan/ava devagar com prud#ncia$ Man/avaolhares 2 direita e 2 esquerda agitando rapidamente a cauda$ =omesses representantes da ra/a dos s%mios a natureza que n&o secontentou em dar-lhes quatro m&os ; tornando-os quadrúmanos; mostrou-se mais generosa e na verdade eles t#m cinco m&ospois a etremidade de seu ap#ndice caudal possui uma per"eita

capacidade de preens&o$O guari(a aproimou-se sem "azer (arulho segurando ums)lido peda/o de pau que manejado por seu (ra/o "orte podia

Page 8: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 8/250

tornar-se uma arma tem%vel$ 5le devia ter perce(ido o homemdeitado ao pé da !rvore havia alguns minutos mas a imo(ilidade dodorminhoco sem dúvida incitou-o a v#-lo mais de perto$ 5nt&oavan/ou n&o sem alguma hesita/&o e parou en"im a tr#s passos

do homem$O rosto (ar(udo es(o/ou uma careta que mostrava os dentesa"iados (rancos como o mar"im e o (ast&o "oi agitado de umamaneira pouco tranq<ilizadora para o capit&o-do-mato$

=om certeza a vis&o de >orres n&o inspirava ao guari(aidéias amig!veis$ Ber! que ele tinha raz.es particulares para n&ogostar da amostra da ra/a humana que o acaso lhe entregava semde"esa* >alvezF Ba(emos que alguns animais guardam na mem)riaos maus-tratos rece(idos e era poss%vel que esse tivesse algumaraiva de reserva contra o ca/ador$

+a verdade so(retudo para os %ndios o macaco era umaca/a 2 qual se dava muito valor e independentemente da espécieeles o perseguiam com a determina/&o de um +emrod n&osomente pelo prazer de ca/ar mas tam(ém pelo prazer de com#-lo$

Beja como "or se o guari(a n&o parecia disposto a dessa vezinverter os papéis se n&o chegava ao ponto de esquecer que anatureza "izera dele um simples her(%voro que pensava em devoraro capit&o-do-mato ele parecia ao menos decidido a destruir um deseus inimigos naturais$

  'or isso depois de olh!-lo por alguns instantes o guari(acome/ou a rodear a !rvore$ Andava lentamente prendendo arespira/&o aproimando-se mais e mais$ Bua atitude eraamea/adora sua cara "eroz$ +&o havia nada mais "!cil do quematar com um B) golpe esse homem im)vel e naquele momentoé certo que a vida de >orres estava por um "io$

O guari(a parou uma segunda vez (em perto da !rvorepostou-se de lado de modo a "icar por cima da ca(e/a do homemadormecido e levantou o peda/o de pau para atingi-lo$

'orem se >orres havia sido imprudente ao depositar ao seulado no v&o de uma raiz o estojo com o documento e sua "ortunaessa imprud#ncia salvou-lhe a vida$

Im raio de sol esgueirando-se por entre os galhos atingiuo estojo e o metal polido (rilhou como um espelho$ Omacaco com a "rivolidade caracter%stica da espécie imediatamentedistraiu-se$ Beu pensamento ; se é que um animal pode terpensamentos ; tomou na mesma hora um outro rumo$ 5le se

a(aiou catou o estojo recuou alguns passos e levantando-o naaltura dos olhos olhou-o n&o sem surpresa "azendo-o cintilar$

Page 9: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 9/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

'rovavelmente "icou ainda mais con"uso ao ouvir ressoar as moedasde ouro contidas no estojo$ A música encantou-o$ 5ra como umchocalho nas m&os de uma crian/a$ 5m segui- da levou-o 2 (oca eseus dentes arranharam o metal mas n&o tentaram cort!-lo$

Bem dúvida o guari(a devia acreditar que encontrara umnovo tipo de "ruta uma espécie enorme de am#ndoa (rilhante comum caro/o que se movia livremente na casca$ ?as logo perce(eu oengano e mesmo assim n&o achou que essa "osse uma raz&o paralivrar-se do estojo$ Ao contr!rio apertou-o mais na m&o esquerda elargou o peda/o de pau que ao cair que(rou um galho seco$

>orres acordou com o (arulho e com a presteza das pessoassempre alertas que passam do sono para o estado de vig%lia semtransi/&o "icou imediatamente de pé$

+o mesmo instante perce(eu que tinha um pro(lema$ ; Imguari(aF ; gritou$'or isso depois de olh!-lo por alguns instantes o guari(a

come/ou a rodear a !rvore$ Andava lentamente prendendo arespira/&o aproimando-se mais e mais$ Bua atitude eraamea/adora sua cara "eroz$ +&o havia nada mais "!cil do quematar com um s) golpe esse homem im)vel e naquele momentoé certo que a vida de >orres estava por um "io$

O guari(a parou uma segunda vez (em perto da !rvore

postou-se de lado de modo a "icar por cima da ca(e/a do homemadormecido e levantou o peda/o de pau para atingi-lo$'orém se >orres havia sido imprudente ao depositar ao seu

lado no v&o de uma raiz o estojo com o documento e sua "ortunaessa imprud#ncia salvou-lhe a vida$

Im raio de sol esgueirando-se por entre os galhos atingiu oestojo e o metal polido (rilhou como um espelho$ O macaco com a"rivolidade caracter%stica da espécie imediatamente distraiu-se$ Beupensamento ; se é que um animal pode ter pensamentos ;

tomou na mesma hora um outro rumo$ 5le se a(aiou catou oestojo recuou alguns passos e levantando-o na altura dos olhosolhou-o n&o sem surpresa "azendo-o cintilar$ 'rovavelmente "icouainda mais con"uso ao ouvir ressoar as moedas de ouro contidas noestojo$ A música encantou-o$ 5ra como um chocalho nas m&os deuma crian/a$ 5m seguida levou-o 2 (oca e seus dentes arranharamo metal mas n&o tentaram cort!-lo$

Bem dúvida o guari(a devia acreditar que encontrara umnovo tipo de "ruta uma espécie enorme de am#ndoa (rilhante com

um caro/o que se movia livremente na casca$ ?as logo perce(eu oengano e mesmo assim n&o achou que essa "osse uma raz&o para

Page 10: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 10/250

livrar-se do estojo$ Ao contr!rio apertou-o mais na m&o esquerda elargou o peda/o de pau que ao cair que(rou um galho seco$

>orres acordou com o (arulho e com a presteza das pessoassempre alertas que passam do sono para o estado de vig%lia sem

transi/&o "icou imediatamente de pé$+o mesmo instante perce(eu que tinha um pro(lema$; Im guari(aF ; gritou$5 pegando a machete que estava perto dele ps-se na

de"ensiva$O macaco assustado recuou de imediato e menos valente

diante de um homem acordado do que de um homem adormecidodeu uma r!pida cam(alhota e esgueirou-se por entre as !rvores$

; J! n&o é sem tempoF ; gritou >orres$ ; O pati"e ia mematar sem a menor cerimniaF

e repente entre as m&os do macaco que parar! a uns vintepassos e o olhava "azendo caretas como se quisesse desa"i!-lo eleperce(eu o precioso estojo$

; >ratanteF ; gritou de novo$ ; 5le n&o me matou mas "ezpiorF @ou(ou-meF

O pensamento de que o estojo continha o seu dinheiro n&o "oio que o preocupou de in%cio$ ?as o que o "ez pular "oi a lem(ran/ade que o estojo guardava o documento cuja perda irrepar!velarrastaria com ela todas as suas esperan/as$

; ?il dia(osF ; gritou$5 dessa vez custasse o que custasse querendo pegar seu

estojo de volta >orres lan/ou-se atr!s do guari(a$5le sa(ia muito (em que apanhar o !gil animal n&o seria "!cil$

+o ch&o ele "ugiria muito r!pido1 nos galhos >orres n&o oalcan/aria$ B) um tiro de "uzil com uma (oa pontaria conseguiriapar!-lo na corrida ou no trajeto aéreo1 mas >orres n&o possu%anenhuma arma de "ogo$ O sa(re e a enada poderiam vencer oguari(a desde que conseguisse golpe!-lo$

Mogo "icou evidente que o macaco s) poderia ser pego desurpresa$ a% a necessidade de >orres usar de artimanhas com omalicioso animal$ 'arar esconder-se atr!s de algum tronco de!rvore desaparecer em(aio de uma moita incitar o guari(a aparar ou a voltar atr!s n&o havia outra coisa a tentar$ 5 "oi o que>orres "ez come/ando a persegui/&o nessas condi/.es1 porémquando o capit&o-do-mato desaparecia o macaco esperavapacientemente que reaparecesse e com essa mano(ra >orres secansava sem resultado$

; uari(a danadoF ; (errou em seguida$ ; 5u nunca vouconseguir e desse jeito ele vai levar-me de volta 2 "ronteira

Page 11: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 11/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

(rasileiraF Be ao menos deiasse cair o estojoF ?as n&oF O tinidodas moedas de ouro o diverteF AhF Madr&oF Be eu conseguir peg!-loF$$$

>orres recome/ou a persegui/&o e o macaco continuou

escapulindo com mais rapidezF'assou-se uma hora nessas condi/.es sem nenhum

resultado$ 5ra natural que >orres insistisse$ =omo sem odocumento conseguiria "azer dinheiro*

 A raiva tomou conta de >orres$ 5le (las"emava (atia com o péno ch&o amea/ava o guari(a$ O impertinente animal respondia comum (elo de(oche que o deiava "ora de si$

5 ent&o >orres voltava a persegui-lo$ =orria até perder o"lego em(ara/ando-se na relva alta nos ar(ustos espinhosos nos

cip)s entrela/ados pelos quais o guari(a passava como se "osseum saltador de o(st!culos$ Ps vezes grossas ra%zes ocultas so( arelva surgiam no seu caminho$ 5le trope/ava e levantava-senovamente$ 'or "im surpreendeu-se a gritar,

; AcudamF AcudamF Madr&oF ; como se alguém pudesseouvi-lo$

5m pouco tempo no "im das "or/as sem conseguir respirar"oi o(rigado a parar$

; ?il dia(osF ; disse$ ; Kuando eu perseguia os negros

"ugitivos dentro do matagal eles me davam menos tra(alhoF ?asvou pegar esse maldito macaco1 vou simF Vou atr!s dele enquantoas pernas me ag<entarem e a% veremosF$$$

O guari(a "icara im)vel ao ver que o aventureiro deiara depersegui-lo$ >am(ém descansava em(ora estivesse longe doestado de esgotamento que impedia >orres de "azer qualquermovimento$

O animal permaneceu assim por uns dez minutos roendoduas ou tr#s ra%zes que aca(ara de arrancar 2 "lor da terra e de

tempos em tempos "azia tilintar o estojo na orelha$5asperado >orres jogava-lhe pedras que o atingiam massem lhe causar grandes danos devido 2 distGncia$

5ra preciso tomar uma atitude$ 'or um lado continuar aperseguir o macaco com t&o pouca pro(a(ilidade de peg!-lo seriainsensato1 por outro aceitar como de"initiva essa o(je/&o do acasoa todos os seus planos ser n&o s) vencido mas "rustrado eenganado por um animal idiota era desesperador$

+o entanto >orres tinha de reconhecer que quando a noite

chegasse o assaltante desapareceria "acilmente e ele o assaltado"icaria atrapalhado até para encontrar o caminho de volta na

Page 12: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 12/250

espessa "loresta$ +a verdade a persegui/&o levara-o a v!riasmilhas das margens do rio e ele j! teria di"iculdade para voltar$

>orres hesitou tratou de recapitular os pensamentos comsangue-"rio e depois de soltar uma última impreca/&o j! ia desistir

totalmente da idéia de recuperar a posse do estojo quando contrasua pr)pria vontade pensou de novo no documento em todo o"uturo que projetara contando com o dinheiro e disse a si mesmoque precisava "azer um último es"or/o$

5nt&o levantou-se$O guari(a tam(ém levantou-se$5le deu alguns passos 2 "rente$O macaco "ez o mesmo para tr!s1 porém agora em vez de se

a"undar na "loresta parou ao pé de um enorme "%cus ; !rvore cujoseemplares variados s&o muito numerosos em toda a (acia do Alto Amazonas$

Begurar no tronco com as quatro m&os trepar com a agilidadede um acro(ata como "az o macaco pendurar-se com a caudapre#nsil nos primeiros galhos horizontais quarenta pés acima dosolo depois i/ar-se ao topo da !rvore até o ponto em que os últimosramos se do(ram com seu peso "oi apenas uma (rincadeira para o!gil guari(a e levou alguns poucos minutos$

 Ali muito (em instalado ele continuou a re"ei/&o interrompidacolhendo os "rutos que estavam ao alcance da sua m&o$ H "ato que>orres tam(ém sentia necessidade de (e(er e de comer mas eraimposs%velF Beu em(ornal estava murcho seu cantil vazioF

5ntretanto em vez de voltar >orres caminhou na dire/&o da!rvore em(ora a situa/&o do macaco "osse ainda mais des"avor!velpara ele$ +em adiantava >orres pensar em trepar nos galhos do"%cus pois o ladr&o logo trocaria essa !rvore por outra$

5 o inalcan/!vel estojo continuava a ressoar no seu ouvidoF'or isso na sua "úria na sua loucura >orres insultava o

guari(a$ izer a série de palavras injuriosas com que grati"icou omacaco seria imposs%vel$ =hegou a cham!-lo n&o B) de mesti/o oque j! era uma grave injúria na (oca de um (rasileiro de ra/a(ranca como tam(ém de curi(oca isto é mesti/o de (ranco com%ndioF Ora de todos os insultos que um homem podia dirigir a outron&o havia nenhum mais cruel nessa latitude equatorial$

=ontudo o macaco que n&o passava de um quadrúmanoestava pouco ligando para o que teria revoltado um representanteda espécie humana$

>orres recome/ou a atirar-lhe pedras peda/os de ra%zes tudo

o que pudesse servir de projétil$ Ber! que esperava "erir gravementeo macaco* +&oF 5le n&o sa(ia o que estava "azendo$ 'ara dizer a

Page 13: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 13/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

verdade a raiva pela sua impot#ncia tirava-lhe todo o racioc%nio$>alvez esperasse pelo momento em que num movimento doguari(a ao passar de um galho para o outro o estojo lhe ca%sse dasm&os e até mesmo que para pagar na mesma moeda ao agressor

ele se atrevesse a jog!-lo na sua ca(e/aF ?as n&oF O macaco "aziaquest&o de continuar com o estojo e mesmo segurando-o com umadas m&os ainda lhe restavam tr#s para movimentar-se$

>orres desesperado ia a(andonar de"initivamente a partida evoltar para o Amazonas quando um ru%do de vozes se "ez ouvir$Bim um ru%do de vozes humanasF

 Alguém "alava a uns vinte passos do lugar onde o capit&o-do-mato estava parado$

O primeiro cuidado de >orres "oi esconder-se num espesso

ar(usto$ =omo homem prudente que era n&o queria mostrar-se semsa(er ao menos quem iria encontrar$=om o cora/&o palpitando muito intrigado ouvidos (em

a(ertos "icou esperando quando de repente ecoou a detona/&ode uma arma de "ogo$

Beguiu-se um grito e o macaco mortalmente atingido caiupesadamente ao solo ainda segurando o estojo de >orres$

; =om os dia(osF ; ele gritou$ ; 5is uma (ala que veio acalharF

5 ent&o sem se preocupar em ser visto saiu do ar(usto nomomento em que dois rapazes surgiam em(aio das !rvores$5ram (rasileiros vestidos como ca/adores (otas de couro

um leve chapéu de "i(ras de palmeira um casaco ou melhor um jaquet&o apertado por um cinto mais cmodo do que o ponchonacional$ 'elos seus tra/os pelo tom de pele podia-se reconhecer"acilmente que eram de sangue portugu#s$

 Am(os estavam armados com longos "uzis de "a(rica/&oespanhola que lem(ram um pouco as armas !ra(es "uzis de longo

alcance de mira certeira e que os ass%duos "req<entadores das"lorestas do Alto Amazonas manejavam com #ito$O que aca(ara de acontecer era uma prova disso$ A uma

distGncia o(l%qua de mais de oitenta passos o quadrúmano haviasido atingido por uma (ala (em na ca(e/a$

 Além disso os dois rapazes levavam na cintura uma espéciede punhal que tem o nome de "oca no 4rasil e que os ca/adoresn&o hesitam em usar para atacar uma on/a e outras "eras queem(ora n&o sejam muito tem%veis s&o (em numerosas nessas

"lorestas$5videntemente >orres n&o tinha nada a temer desse encontroe continuou a correr na dire/&o do corpo do macaco

Page 14: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 14/250

5 os rapazes que avan/avam na mesma dire/&o e tinham umcaminho menor a percorrer com apenas alguns passosencontraram-se diante de >orres$

5ste j! havia recuperado a presen/a de esp%rito$

; ?uito o(rigado senhoresF ; disse-lhes alegrementelevantando a a(a do chapéu$ ; Ao matar o perverso animalprestaram-me um grande servi/oF

Os ca/adores olharam-se n&o compreendendo por querece(iam os agradecimentos$

>orres em algumas palavras deiou-os a par da situa/&o$; 'ensam ter matado um simples macaco ; disse-lhes ;

mas na realidade mataram um ladr&oF; Be lhe "omos úteis ; respondeu o mais mo/o dos dois ;

"oi certamente sem sa(er1 mas n&o deiamos de "icar muito "elizespor termos ajudado em alguma coisa$

  5 dando alguns passos para tr!s inclinou-se so(re oguari(a1 em seguida n&o sem es"or/o retirou o estojo da m&o aindacrispada$

; Aqui est! ; disse ele ; sem dúvida é isto que lhepertence senhor$

; H isso mesmo ; respondeu >orres que pegourapidamente o estojo e n&o pde conter um suspiro de al%vio$

; A quem devo agradecer senhores ; disse ; pelo servi/oque me "oi prestado*

 Ao meu amigo ?anoel médico-cirurgi&o assistente doeército (rasileiro ; respondeu o rapaz$

; Be "ui eu quem matou o macaco ; o(servou ?anoel ;ele me "oi mostrado por voc# meu caro 4enito$

; +esse caso senhores ; replicou >orres ; é aos dois quedevo o "avor tanto ao senhor ?anoel quanto ao senhor$$$ *

; 4enito arral ; respondeu ?anoel$O capit&o-do-mato precisou de um grande autocontrole para

n&o estremecer ao ouvir esse nome principalmente quando o rapazacrescentou cortesmente,

; A "azenda do meu pai Joam arral est! apenas a tr#smilhas3 daqui$ Be "or do seu agrado senhor$$$

; >orres ; respondeu o aventureiro$

1  As medidas iiner#rias no $rasil eram% a pe&uena mil'a(

e&ui)alene a * 0+0 meros( e a légua !omum ou grande mil'a( e&ui)alene a +

,80 meros( n../

Page 15: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 15/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

; Be "or do seu agrado ir até l! senhor >orres ser!hospitaleiramente rece(ido$

; +&o sei se posso ; respondeu >orres que surpreso como encontro totalmente inesperado n&o conseguia tomar uma

decis&o$ ; +a verdade temo n&o poder aceitar a sua o"ertaF$$$ Oincidente que aca(ei de relatar "ez-me perder tempoF$$$ 'recisovoltar imediatamente para o Amazonas$$$ pois que pretendo desceraté o 'ar!$$$

; 4om senhor >orres ; retomou 4enito ; é prov!vel quenos vejamos de novo durante o seu trajeto porque antes de umm#s meu pai com toda a nossa "am%lia tomar! o mesmo caminhoque o senhor$

; AhF ; disse >orres com vivacidade$ ; Beu pai pensa em

atravessar a "ronteira (rasileira*$$$; Bim para uma viagem de alguns meses ; respondeu4enito$ ; 'elo menos é essa a decis&o que esperamos que tome$+&o é ?anoel*

?anoel "ez um sinal a"irmativo com a ca(e/a$; 4em senhores ; respondeu >orres ; é poss%vel

de "ato que nos encontremos pelo caminho$ ?as n&o posso apesarde lament!-lo aceitar sua o"erta no momento$ >odavia souduplamente agradecido$

ito isso >orres saudou os rapazes que lhe devolveram asauda/&o e retomaram o caminho da "azenda$Kuanto a >orres "icou olhando-os a"astarem-se$ 5m seguida

quando os perdeu de vista,; Ah ele vai atravessar a "ronteiraF ; disse em voz (aia$

; 5nt&o que a atravesse pois "icar! mais ainda 2 minha merc#F4oa viagem Joam arralF

5 pronunciadas essas palavras o capit&o-do-mato dirigindo-se para o sul de modo a voltar para a margem esquerda do rio pelo

caminho mais curto desapareceu na espessa "loresta$ 

A am1lia 2arral

O povoado de Cquitos est! localizado pr)imo 2 margemesquerda do Amazonas mais ou menos no meridiano 6D na partedo rio que ainda rece(e o nome de ?aranon e cujo leito separa o'eru da @epú(lica do 5quador cinq<enta e cinco léguas a oeste da

"ronteira (rasileira$Cquitos "oi "undada por mission!rios como todas as outrasaglomera/.es de choupanas vilas e povoados que encontramos na

Page 16: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 16/250

(acia do Amazonas$ Até o décimo sétimo ano deste século os%ndios Cquitos que por algum tempo "ormaram a única popula/&odo lugar "oram retornando para o interior da prov%ncia (em longe dorio$ 'orém um dia as "ontes de suas terras secaram devido a uma

erup/&o vulcGnica e eles precisaram mudar-se para a margemesquerda do ?aranon$ A ra/a n&o demorou a ser alterada emconseq<#ncia das alian/as contra%das com os %ndios ri(eirinhosticunas e om!guas e Cquitos passou a ter uma popula/&o mesclada2 qual convém acrescentar alguns espanh)is e duas ou tr#s "am%liasde mesti/os$

Imas quarenta choupanas cujo telhado de palha as tornavadignas apenas do nome de palho/as era todo o povoado ali!spitorescamente agrupado numa esplanada que dominava a unssessenta pés de altura as margens do rio$ Ima escada de troncostransversais levava até a parte de cima mas por "icar totalmenteoculta aos olhos do viajante este n&o a su(ia pois lhe "altava odistanciamento para energ!-la$ Ima vez no alto a pessoa sedeparava com uma cerca pouco de"ensiva de ar(ustos variados eplantas ar(orescentes amarradas com cord.es de liana queultrapassavam aqui e acol! os topos das (ananeiras e daspalmeiras da espécie mais elegante$

+aquela época ; e sem dúvida a moda demoraria muitotempo para mudar-lhes a primitiva vestimenta ; os %ndios de Cquitosandavam quase nus$ Apenas os espanh)is e os mesti/os quedesdenhavam seus conterrGneos ind%genas andavam vestidos comuma simples camisa uma cal/a leve de algod&o e um chapéu depalha na ca(e/a$ >odos viviam miseravelmente nesse povoadoali!s n&o tinham muita conviv#ncia uns com os outros e se poracaso se reuniam era somente quando o sino da miss&o oschamava para a choupana deteriorada que servia de igreja$

'orém se a vida era quase rudimentar n&o B) no povoado deCquitos como na maioria das vilas do Alto Amazonas antes de sepercorrer uma légua descendo o rio havia uma rica propriedadeonde podiam ser encontrados todos os elementos para uma vidacon"ort!vel$

5ra a "azenda de Joam arral para onde se dirigiram os doisrapazes depois do encontro com o capit&o-do-mato$

 Ali num cotovelo do rio na con"lu#ncia com o rio +anaQ dequinhentos pés de largura muitos anos antes havia sido assentadaa "azenda para usar a epress&o do pa%s as terras regidas ameias agora em plena prosperidade$ Ao norte a margem direita do

+anaQ passava por uma pequena milha e numa igual distGncia aleste a "azenda (eirava o grande rio$ A oeste pequenos cursos

Page 17: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 17/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

dR!gua a"luentes do +anaQ e algumas lagoas de med%ocreetens&o separavam-na dos campos e das campinas reservadospara o pasto dos animais$

 Ali Joam arral em 387L ; vinte e seis anos antes da época

em que come/a essa hist)ria ; havia sido acolhido pelo propriet!rioda "azenda$

O portugu#s que se chamava ?agalh&es tinha como únicaatividade eplorar as "lorestas do pa%s e sua propriedaderecentemente "undada n&o ocupava ent&o mais do que meia milhada margem do rio$

+esse lugar ?agalh&es hospitaleiro como todos osportugueses das antigas "am%lias vivia com a "ilha Saquita quedepois da morte da m&e assumira a dire/&o da casa$ ?agalh&es

era um (om tra(alhador resistente ao cansa/o mas a instru/&o lhe"azia "alta$ 5m(ora se mostrasse apto a dirigir os poucos escravosque possu%a e uma dúzia de %ndios cujos servi/os alugavamostrava-se menos capaz para as diversas opera/.es do seucomércio eterno$ 'or isso por "alta de conhecimento apropriedade de Cquitos n&o prosperava e as transa/.es comerciaisdo negociante portugu#s eram um pouco con"usas$

9oi nessas circunstGncias que Joam arral ent&o com vinte edois anos encontrou-se um dia diante de ?agalh&es$ 5le

conseguira chegar 2 regi&o mas no "im das "or/as e dos recursos$?agalh&es encontrara-o semimorto de "ome e de cansa/o na"loresta vizinha$ >inha um (om cora/&o o portugu#s$ +&o perguntouao desconhecido de onde ele vinha e sim do que precisava$ A"isionomia no(re e altiva de Joam arral apesar do esgotamentosensi(ilizara-o$ Ajudou-o a "icar de pé e inicialmente o"ereceu-lhepor alguns dias uma hospitalidade que duraria a vida inteira$

5ssa "oi a situa/&o que introduziu Joam arral na "azenda deCquitos$

4rasileiro de nascen/a Joam arral n&o tinha "am%lia nem"ortuna$ Os so"rimentos disse ele "or/aram-no a eilar-sea(andonando qualquer idéia de regresso$ 'ediu permiss&o ao seuan"itri&o para n&o eplicar as adversidades passadas ;adversidades t&o graves quanto imerecidas$ O que (uscava o quequeria era uma vida nova uma vida de tra(alho$ avia sa%do semdestino certo pensando em "iar-se em alguma "azenda do interior$5ra instru%do inteligente$ Buas maneiras tinham aquele n&o sei oqu# anunciando um homem sincero de alma pura e retil%nea$

=ompletamente cativado ?agalh&es o"ereceu-lhe "icar na "azendaonde estava em condi/.es de proporcionar o que "altava ao digno"azendeiro

Page 18: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 18/250

Joam arral aceitou sem hesitar$ Bua inten/&o inicial era "azerparte de um seringal da eplora/&o de (orracha onde um (omempregado ganhava na época cinco ou seis piastras por dia ehavia a possi(ilidade de se tornar patr&o por menos que a sorte o

"avorecesse1 porém ?agalh&es o "ez ver que em(ora o pagamento"osse alto B) se encontrava tra(alho nos seringais por ocasi&o dacoleta ou seja somente durante alguns meses por ano o que n&opodia constituir uma posi/&o est!vel tal como o rapaz devia querer$

O portugu#s tinha raz&o$ Joam arral compreendeu e aceitouresolutamente o servi/o da "azenda decidido a consagrar-lhe todasas suas "or/as$

?agalh&es n&o se arrependeu da (oa a/&o$ Os neg)cios"oram recuperados$ O comércio de madeira que pelo Amazonasestendia-se até o 'ar! com o impulso de Joam arral n&o demoroua se epandir consideravelmente$ A "azenda come/ou a crescer namesma propor/&o e "oi ampliada na margem esquerda do rio até adesem(ocadura do +anaQ$ a casa "izeram uma admir!vel moradacom mais um andar e cercada de varanda meio escondida so((elas !rvores como mimosas sicmoros "igueiras (auh%nias epaul%nias cujo tronco desaparecia so( uma rede de passi"loras de(romélias com "lores escarlates e lianas caprichosas$

 Ao longe atr!s dos ar(ustos gigantes so( os maci/os deplantas ar(orescentes ocultava-se o conjunto de constru/.es ondemoravam os empregados da "azenda onde "icavam asdepend#ncias comuns as ca(anas dos negros as malocas dos%ndios$

'ortanto da margem do rio guarnecida de juncos e deplantas aqu!ticas B) se via a casa envolvida pela "loresta$

Ima vasta campina la(oriosamente arroteada e queacompanhava as lagoas o"erecia ecelentes pastagens$ Ali osanimais a(undavam$ 5ra uma nova "onte de altas rendas nas ricasterras onde um re(anho duplicava em quatro anos dando dez porcento de lucro apenas com a venda da carne e das peles dosanimais a(atidos para o pr)prio consumo dos criadores$ Algunss%tios ou planta/.es de mandioca e de ca"é "oram assentados empartes da "loresta onde as !rvores haviam sido cortadas$ =ampos decana-de-a/úcar logo eigiram a constru/&o de um moinho paraesmagamento das hastes sacar%"eras destinadas 2 "a(rica/&o domela/o do ta"i! e do rum$ 5m resumo dez anos depois da chegadade Joam arral 2 "azenda de Cquitos o lugar tornara-se uma dasmais ricas propriedades do Alto Amazonas$ ra/as 2 (oa dire/&o

dada pelo jovem administrador aos tra(alhos internos e aosneg)cios eternos a prosperidade aumentava dia a dia$

Page 19: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 19/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

O portugu#s n&o esperou muito tempo para demonstrar seureconhecimento a Joam arral$ 'ara recompens!-lo de acordo como que merecia primeiro incluiu-o nos lucros da sua eplora/&o1depois quatro anos ap)s a sua chegada o portugu#s "ez de Joam

arral um s)cio com direitos iguais aos dele e as divis.es passarama ser "eitas em partes iguais entre os dois$

?as ele pensava em dar mais ainda$ Saquita sua "ilhatam(ém sou(era reconhecer no rapaz silencioso delicado com osoutros duro consigo mesmo verdadeiras qualidades de cora/&o ede alma$ 5la o amava1 contudo mesmo que por seu lado Joam n&o"osse insens%vel aos méritos e 2 (eleza dessa mo/a t&o corajosa 2svezes altiva 2s vezes reservada n&o parecia pensar em pedi-la emcasamento$

Im grave incidente apressou a solu/&o$Im dia ao orientar o corte de !rvores ?agalh&es "oimortalmente "erido na queda de uma delas$ Mevado de volta para a"azenda quase sem movimento e sentindo que corria perigo devida "ez se erguer Saquita que chorava ao seu lado tomou-lhe am&o e colocou-a na de Joam arral "azendo-o jurar que a tomariacomo esposa$

; Voc# re"ez a minha "ortuna ; disse ele ; e s) morrereitranq<ilo se com essa uni&o eu sentir o "uturo da minha "ilha

asseguradoF; 'osso ser um empregado devotado um irm&o um protetorsem ser esposo ; respondeu inicialmente Joam arral$ ; 5u lhedevo tudo ?agalh&es nunca esquecerei disso e o pre/o que querpagar por meus es"or/os ultrapassa o méritoF

O velho insistiu$ A morte n&o lhe permitia esperar eigiu umapromessa que lhe "oi "eita$

Saquita tinha vinte e dois anos na ocasi&o Joam vinte e seis$ Am(os se amavam e casaram-se algumas horas antes da morte de

?agalh&es que ainda teve "or/as para a(en/oar a uni&o$9oi em conseq<#ncia dessas circunstGncias que em 38E0Joam arral tornou-se o novo "azendeiro de Cquitos para etremasatis"a/&o de todos aqueles que "aziam parte do pessoal da"azenda$

 A prosperidade do lugar s) poderia aumentar com as duasalmas reunidas num único cora/&o$

Im ano depois do casamento Saquita deu um "ilho aomarido e dois anos depois uma "ilha$ 4enito e ?inha como netos

do velho portugu#s deviam ser dignos do av como "ilhos dignosde Joam e Saquita$

Page 20: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 20/250

 A menina tornou-se encantadora$ +unca saiu da "azenda$=riada naquele am(iente puro e saud!vel no meio da (ela naturezadas regi.es tropicais a educa/&o dada pela m&e a instru/&orece(ida do pai eram-lhe su"icientes$ O que teria para aprender a

mais num convento de ?anaus ou de 4elém* Onde encontrariamelhores eemplos de todas as virtudes pessoais* Bua mente e seucora/&o poderiam ser mais delicadamente "ormados longe da casapaterna* Be o destino n&o lhe reservasse suceder 2 m&e naadministra/&o da "azenda ela estaria 2 altura de qualquer situa/&ovindoura$

Kuanto a 4enito a coisa "oi di"erente$ O pai quis com raz&oque rece(esse uma educa/&o t&o s)lida e t&o completa como a quese dava nas grandes cidades do 4rasil$ O rico "azendeiro j! n&oprecisava negar nada ao "ilho$ 4enito possu%a (oas inclina/.esmente a(erta viva intelig#ncia cora/&o com qualidades iguais 2s doesp%rito$ =om doze anos de idade "oi enviado ao 'ar! em 4elém eali so( a orienta/&o de ecelentes pro"essores encontrou oselementos de uma educa/&o que mais tarde "ariam dele umhomem %mpar$ +ada nas letras nem nas ci#ncias nem nas artes odeiava indi"erente$ 5le estudava como se a "ortuna do pai n&o lhepermitisse "icar ocioso$ +&o era daqueles que acham que a riquezadispensa o tra(alho e sim desses esp%ritos valorosos determinadose %ntegros que acreditam que ninguém deve "ugir dessa o(riga/&onatural se quiser ser digno de ser chamado de homem$

+os primeiros anos da estada em 4elém 4enito conheceu?anoel Valdez$ 5sse rapaz "ilho de um negociante do 'ar! "aziaseus estudos na mesma institui/&o que 4enito$ A semelhan/a decaracteres de gostos n&o tardou a uni-los numa estreita amizade eeles se tornaram companheiros insepar!veis$

?anoel nascido em 38E7 era um ano mais velho do que4enito$ +&o tinha ninguém além da m&e que vivia da modesta"ortuna deiada pelo marido$ 'or isso assim que terminou osprimeiros estudos ?anoel seguiu o curso de medicina$ 5raapaionado por essa no(re pro"iss&o e tinha inten/&o de entrar parao servi/o militar que o atra%a$

+o momento em que o encontramos com o amigo 4enito?anoel Valdez j! havia o(tido a primeira gradua/&o e viera usu"ruiralguns meses de licen/a na "azenda onde costumava passar as"érias$ O rapaz de (oa apar#ncia "isionomia marcante uma certaaltivez natural que lhe ca%a (em era um "ilho a mais que Joam eSaquita tinham na casa$ ?as se a qualidade de "ilho "azia dele um

irm&o de 4enito esse t%tulo lhe pareceu insu"iciente em rela/&o a

Page 21: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 21/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

?inha e em (reve deveria ligar-se 2 jovem por um la/o maisestreito do que aquele que une um irm&o a uma irm&$

+o ano de 38:7 ; do qual quatro meses j! haviam passadodo in%cio dessa hist)ria ; Joam arrai estava com quarenta e oito

anos$ Bo( um clima devastador que consome rapidamente aspessoas ele conseguira resistir pela sua so(riedade gostosausteros vida honrada toda dedicada ao tra(alho onde outroseram vencidos antes da hora$ O ca(elo que usava curto e a (ar(aque lhe co(ria todo o rosto j! estavam grisalhos e davam-lhe oaspecto de um homem puritano$ A honestidade prover(ial dosnegociantes e "azendeiros (rasileiros estava desenhada na sua"isionomia e a retid&o era a caracter%stica que mais se destacava$5m(ora de temperamento calmo perce(ia-se nele um "ogo interior

que a vontade sa(ia dominar$ A limpidez do olhar indicava uma "or/avivaz para a qual nunca apelava em v&o quando se tratava de umes"or/o pessoal$

5 no entanto nesse homem calmo de sangue "orte queparecia ter sucesso em tudo na vida notava-se um "undo detristeza que nem a ternura de Saquita conseguira vencer$

'or que esse homem justo respeitado por todos com todasas condi/.es que garantem a "elicidade n&o era radiosamenteepansivo* 'or que s) parecia "eliz pelos outros n&o por si mesmo*

evia-se atri(uir esse estado de esp%rito a alguma dor secreta* Cssoera motivo de constante preocupa/&o para a sua mulher$Saquita tinha ent&o quarenta e quatro anos$ +esse pa%s

tropical onde suas semelhantes j! eram velhas aos trinta elatam(ém sou(era resistir 2s de(ilitantes in"lu#ncias clim!ticas$ Beustra/os um pouco envelhecidos mas ainda (onitos conservavam aaltiva determina/&o do tipo portugu#s no qual a no(reza do rosto seune naturalmente 2 dignidade da alma$

4enito e ?inha respondiam com uma a"ei/&o sem limites e a

qualquer hora ao amor que os pais tinham por eles$4enito ent&o com vinte e um anos vivo corajoso simp!ticomuito epansivo contrastava nesse aspecto com o amigo ?anoelmais sério mais pensativo$ 5ra uma grande alegria para 4enitodepois de todo um ano passado em 4elém t&o longe da "azendaregressar com o jovem amigo para a casa paterna1 rever o pai am&e a irm&1 voltar como ca/ador determinado que era para asmagn%"icas "lorestas do Alto Amazonas da qual por muitos anosainda o homem n&o conheceria todos os segredos$

?inha na época estava com vinte anos$ 5ra uma mo/aencantadora morena com grandes olhos azuis desses olhos ques&o a a(ertura da alma e estatura média (em-"eita de corpo uma

Page 22: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 22/250

gra/a eultante ela lem(rava o (elo tipo "%sico de Saquita$ Impouco mais séria do que o irm&o (oa caridosa a"!vel era amadapor todos$ Bo(re esse aspecto podia-se interrogar sem receio osmais humildes servos da "azenda$ 'orém n&o se devia perguntar ao

amigo do irm&o ?anoel Valdez o que achava delaF 5le estavamuito envolvido na quest&o e n&o responderia sem algumaparcialidade$

O desenho da "am%lia arral n&o "icaria completo e "altariamalguns tra/os se n&o se "alasse dos numerosos empregados da"azenda$

+o primeiro escal&o convém citar uma velha negra desessenta anos =Q(ele livre por vontade do patr&o escrava pelaa"ei/&o que sentia por ele e pela "am%lia e que havia sido ama-de-leite de Saquita$ 5la era da "am%lia$ >ratava com intimidade a "ilha ea m&e$ 5ssa (oa criatura passara toda a vida nesses campos nomeio dessas "lorestas na margem do rio que demarcava o horizonteda "azenda$ Viera para Cquitos ainda crian/a na época em que aindase "azia o tr!"ico de negros nunca sa%ra desse povoado ali secasara e viúva muito cedo tendo perdido o único "ilho "icara aservi/o dos ?agalh&es$ o Amazonas B) conhecia o trecho quecorria diante de seus olhos$

4enito e ?inha respondiam com uma a"ei/&o sem limites e aqualquer hora ao amor que os pais tinham por eles$

4enito ent&o com vinte e um anos vivo corajoso simp!ticomuito epansivo contrastava nesse aspecto com o amigo ?anoelmais sério mais pensativo$ 5ra uma grande alegria para 4enitodepois de todo um ano passado em 4elém t&o longe da "azendaregressar com o jovem amigo para a casa paterna1 rever o pai am&e a irm&1 voltar como ca/ador determinado que era para asmagn%"icas "lorestas do Alto Amazonas da qual por muitos anosainda o homem n&o conheceria todos os segredos$

?inha na época estava com vinte anos$ 5ra uma mo/aencantadora morena com grandes olhos azuis desses olhos ques&o a a(ertura da alma$ e estatura média (em-"eita de corpo umagra/a eultante ela lem(rava o (elo tipo "%sico de Saquita$ Impouco mais séria do que o irm&o (oa caridosa a"!vel era amadapor todos$ Bo(re esse aspecto podia-se interrogar sem receio osmais humildes servos da "azenda$ 'orém n&o se devia perguntar aoamigo do irm&o ?anoel Valdez o que achava delaF 5le estavamuito envolvido na quest&o e n&o responderia sem algumaparcialidade$

Page 23: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 23/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

O desenho da "am%lia arral n&o "icaria completo e "altariamalguns tra/os se n&o se "alasse dos numerosos empregados da"azenda$

+o primeiro escal&o convém citar uma velha negra de

sessenta anos =Q(ele livre por vontade do patr&o escrava pelaa"ei/&o que sentia por ele e pela "am%lia e que havia sido ama-de-leite de Saquita$ 5la era da "am%lia$ >ratava com intimidade a "ilha ea m&e$ 5ssa (oa criatura passara toda a vida nesses campos nomeio dessas "lorestas na margem do rio que demarcava o horizonteda "azenda$ Viera para Cquitos ainda crian/a na época em que aindase "azia o tr!"ico de negros nunca sa%ra desse povoado ali secasara e viúva muito cedo tendo perdido o único "ilho "icara aservi/o dos ?agalh&es$ o Amazonas B) conhecia o trecho que

corria diante de seus olhos$=om ela e mais especialmente ligada ao servi/o de ?inhahavia uma (onita e risonha mulata da mesma idade da mo/a e quelhe era totalmente devotada$ =hamava-se Mina$ 5ra uma dessasgentis criaturas um pouco caprichosas 2s quais permitimos umagrande "amiliaridade mas que em compensa/&o adoram aspatroas$ =heia de vida irrequieta carinhosa meiga tudo lhe erapermitido na casa$

Kuanto aos outros servi/ais eles podiam ser divididos em

dois tipos, os %ndios em número de cem que rece(iam pagamentopelo tra(alho na "azenda e os negros que somavam o do(ro eainda n&o eram livres mas cujos "ilhos n&o nasciam mais escravos$Joam arral precedera nessa conduta ao governo (rasileiro$ +essepa%s ali!s mais do que em qualquer outro os negros trazidos de4enguela do =ongo da =osta do Ouro sempre "oram tratados comclem#ncia e n&o seria ali na "azenda de Cquitos que se deveriam(uscar os tristes eemplos de crueldade t&o "req<entes nasplanta/.es estrangeiras$

 3esia45es

?anoel amava a irm& do amigo 4enito e a jovemcorrespondia 2 a"ei/&o$ Am(os puderam "azer uma avalia/&o, eramverdadeiramente dignos um do outro$

Kuando teve certeza dos sentimentos que eperimentava por?inha ?anoel a(riu-se primeiro com 4enito$

; Amigo ?anoel ; respondeu imediatamente o rapazentusiasmado ; est! certo em querer desposar minha irm&F eie-

Page 24: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 24/250

me agirF Vou come/ar "alando com minha m&e e creio poderprometer-lhe que o consentimento dela n&o se "ar! esperarF

?eia hora depois estava "eito$ 4enito n&o precisara contarnada 2 m&e, a (oa Saquita lera antes deles o cora/&o dos dois

 jovens$ez minutos depois 4enito estava diante de ?inha$ >emos deadmitir que com ela tam(ém n&o precisou usar da sua eloq<#ncia$ Ps primeiras palavras a gentil crian/a apoiou a ca(e/a no om(ro doirm&o e esta con"iss&o =omo estou contenteF escapou do seucora/&oF

 A resposta praticamente precedeu 2 pergunta, ela era clara$4enito n&o perguntou mais nada$

Kuanto ao consentimento de Joam arral n&o podia haverdúvidas$ ?as se Saquita e os "ilhos n&o lhe "alaram imediatamenteso(re o projeto da uni&o "oi porque com o assunto do casamentoqueriam tratar ao mesmo tempo de uma quest&o que poderia sermais di"%cil de resolver, o lugar onde seria cele(rado$

+a verdade onde seria realizado* +a modesta palho/a dopovoado que servia de igreja* 'or que n&o* J! que ali Joam eSaquita haviam rece(ido a (#n/&o nupcial do padre 'assanha queent&o era o vig!rio da par)quia de Cquitos$ +aquela época comoatualmente no 4rasil o ato civil era associado ao ato religioso e osregistros da miss&o eram su"icientes para comprovar a regularidadede uma situa/&o que nenhum o"icial do registro civil havia sidoencarregado de regularizar$

'rovavelmente o desejo de Joam arral seria que ocasamento "osse realizado no povoado de Cquitos numa grandecerimnia com a presen/a de todo o pessoal da "azenda1 porém seesse era o seu pensamento ia so"rer um vigoroso ataque a esserespeito$

; ?anoel ; disse a jovem ao noivo ; se eu "osseconsultada n&o seria aqui e sim no 'ar! que nos casar%amos$ Asenhora Valdez est! doente n&o pode vir a Cquitos e eu n&o gostariade tornar-me sua "ilha sem que ela me conhecesse e sem conhec#-la$ ?inha m&e pensa como eu a respeito disso tudo$ 'ortantovamos convencer meu pai a levar-nos a 4elém para perto daquelacuja casa em (reve ser! a minhaF =oncorda conosco*

 P pergunta ?anoel respondeu apertando a m&o de ?inha$5ra para ele tam(ém o mais caro desejo que a m&e assistisse 2cerimnia do casamento$ 4enito aprovara o projeto sem reservas eB) "altava a decis&o de Joam arral$

5 naquele dia os dois jovens "oram ca/ar na "loresta paradeiar Saquita a s)s com o marido$

Page 25: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 25/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

 P tarde estavam am(os na grande sala da casa$Joam arral que aca(ara de voltar para casa estava

recostado no div& de (am(u "inamente tran/ado quando Saquitaum pouco emocionada veio colocar-se ao seu lado$

 Anunciar a Joam quais eram os sentimentos de ?anoel porsua "ilha n&o era o que a preocupava$ A "elicidade de ?inha B)podia estar garantida com esse casamento e Joam "icaria "eliz ema(rir os (ra/os para o novo "ilho cujas qualidades sérias conhecia eapreciava$ ?as convencer o marido a sair da "azenda Saquita sentiaque ia ser uma quest&o di"%cil$

+a verdade desde que Joam arral ainda jovem chegara 2regi&o nunca se ausentara nem mesmo um único dia$ Apesar de avis&o do Amazonas com suas !guas suavemente levadas para o

leste ser um convite para que se acompanhasse o seu cursoapesar de Joam enviar todos os anos um com(oio de madeira a?anaus a 4elém ao litoral do 'ar! apesar de ter visto 4enito partirtodos os anos depois das "érias para voltar aos estudos parece quenunca lhe veio 2 ca(e/a o pensamento de acompanh!-lo$

Os produtos da "azenda os da "loresta (em como os dacampina o "azendeiro despachava-os sem sair de l!$ 'odia-se dizerque n&o queria ultrapassar nem com o pensamento nem com oolhar o horizonte que delimitava o Hden onde se concentrava a sua

vida$ =onseq<entemente se havia vinte e cinco anos que Joamarral n&o atravessava a "ronteira (rasileira a mulher e a "ilhatam(ém nunca haviam posto os pés em solo (rasileiro$ 5 noentanto n&o lhes "altava o desejo de conhecer um pouco desse (elopa%s do qual 4enito lhes "alava sempreF uas ou tr#s vezes Saquitasondara o marido em rela/&o a isso$ ?as ela vira que a idéia dedeiar a "azenda mesmo que "osse por algumas semanasredo(rava a tristeza de sua "ronte$ Beus olhos enevoavam-se e

num tom de suave reprova/&o,; 'or que deiar nossa casa* +&o somos "elizes aqui* ; elerespondia$

5 Saquita n&o ousava insistir diante desse homem cuja(ondade mani"esta cuja inalter!vel ternura a tornavam t&o "eliz$

essa vez no entanto havia uma séria raz&o comoargumento$ O casamento de ?inha era uma ocasi&o muito naturalpara levar a "ilha a 4elém onde iria morar com o marido$

M! como ela veria iria aprender a gostar da m&e de ?anoel

Valdez$ =omo Joam arral poderia hesitar diante de um desejo t&oleg%timo* =omo por outro lado n&o compreenderia o desejo dela de

Page 26: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 26/250

tam(ém conhecer aquela que ia ser a segunda m&e da sua crian/ae como ele n&o sentiria o mesmo*

Saquita pegara a m&o do marido e com a voz carinhosa que"ora toda a música da vida do rude tra(alhador disse,

; Joam quero "alar-lhe de um projeto cuja realiza/&odesejamos ardentemente e que tam(ém o deiar! t&o "eliz quanton)s estamos nossos "ilhos e eu$

; o que se trata Saquita* ; perguntou Joam$; ?anoel ama nossa "ilha e é amado por ela e nessa uni&o

encontrar&o a "elicidade$$$ Ps primeiras palavras de Saquita Joam arral levantou-se

sem poder controlar o (rusco movimento$ 5m seguida a(aiou osolhos parecendo querer evitar o olhar da mulher$

; O que voc# tem Joam* ; ela perguntou$; ?inha*$$$ =asar-se*$$$ ; Joam murmurou$; ?eu querido ; retomou Saquita com o cora/&o apertado

; tem alguma o(je/&o a esse casamento* Voc# n&o perce(eu h!muito tempo os sentimentos de ?anoel por nossa "ilha*

; 'erce(iF$$$ 5 h! mais de um anoF$$$5m seguida Joam voltou a sentar-se sem completar o

pensamento$ Isando da sua "or/a de vontade conseguira dominar-se$ A ineplic!vel sensa/&o que tivera dissipara-se$ 'ouco a poucoseus olhos voltaram a procurar os de Saquita e ele "icou pensativoolhando para ela$

Saquita tomou-lhe a m&o$; ?eu Joam ; disse ; ser! que me enganei* Voc# n&o

havia pensado que esse casamento se realizaria um dia e que eletraria para nossa "ilha todas as condi/.es de "elicidade*

; Bim$$$ ; respondeu Joam ; todasF$$$ =ertamenteF$$$5ntretanto Saquita esse casamento$$$ 5sse casamento que est! naca(e/a de todos$$$ Kuando ser! cele(rado*$$$ 5m (reve*

; Ber! "eito na época que voc# escolher Joam$; 5 ser! realizado aqui$$$ 5m Cquitos*5ssa pergunta levaria Saquita a tratar da segunda quest&o

que lhe atormentava o cora/&o$ 5ntretanto ela n&o o "ez sem umahesita/&o (em compreens%vel$

; Joam ; disse ela depois de um instante de sil#ncio ;escute-me (emF A respeito da cele(ra/&o desse casamento tenhouma proposta a "azer que voc# deve aprovar é o que espero$ uasou tr#s vezes em vinte anos propus que nos levasse a minha "ilhae a mim até as prov%ncias do 4aio Amazonas e do 'ar! que

nunca visitamos$ As o(riga/.es com a "azenda os tra(alhos quereclamavam sua presen/a aqui n&o permitiram que satis"izesse

Page 27: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 27/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

nosso desejo$ Ausentar-se mesmo que por alguns dias poderiaprejudicar seus neg)cios$ ?as eles prosperaram além de tudo o quesonhamos e se a hora do repouso ainda n&o chegou voc# poderiaao menos a"astar-se por algumas semanas do tra(alhoF

Joam arral n&o respondeu1 mas Saquita sentiu a m&o deleestremecer na sua como se so"resse o choque de uma sensa/&odolorosa$ 5ntretanto um meio sorriso desenhou-se nos l!(ios domarido, era como um convite mudo para a mulher terminar o quetinha a dizer$

; Joam ; ela retomou ; essa é uma ocasi&o que n&o seapresentar! mais em toda a nossa vida$ ?inha vai casar-se longeela vai deiar-nosF H a primeira tristeza que nossa "ilha causar! emeu cora/&o "ica apertado quando penso nessa separa/&o t&o

pr)imaF H claro eu "icaria "eliz em poder acompanh!-la a 4elémF Ali!s n&o lhe parece conveniente conhecermos a m&e do maridoaquela que vai su(stituir-me ao lado de ?inha aquela a quemvamos con"i!-la* 5 devo acrescentar que ?inha n&o deseja causar2 senhora Valdez a tristeza de casar-se longe$ +a época da nossauni&o meu Joam se sua m&e "osse viva voc# n&o gostariaque pudesse assistir ao nosso casamento*

=om as últimas palavras de Saquita Joam arral "ez ummovimento involunt!rio$

; ?eu querido ; voltou a "alar Saquita ; com ?inhacom nossos dois "ilhos 4enito e ?anoel com voc# ah como eugostaria de ver o nosso 4rasil de descer esse (elo rio até o litoralaté as últimas prov%ncias atravessadas por eleF Binto que l! asepara/&o seria menos cruelF e volta em pensamento eu poderiaver minha "ilha na casa onde é esperada pela segunda m&eF 5u n&oa (uscarei no desconhecidoF Acreditarei estar menos a"astada dosatos da vida delaF

essa vez Joam estava com os olhos "ios na mulher e

olhou-a longamente sem nada responder ainda$; O que se passava com ele* 'or que essa hesita/&o emsatis"azer um pedido t&o justo em dizer o sim que daria umimenso prazer a toda a "am%lia* A o(riga/&o com os neg)cios n&oera uma raz&o su"icienteF Algumas semanas de aus#ncia n&o oscomprometeria em nadaF Beu administrador na verdade poderiasem preju%zo algum su(stitu%-lo na "azendaF 5 mesmo assim eleainda hesitavaF

Saquita segurou a m&o do marido nas suas e apertou-a mais

ternamente$; ?eu Joam ; disse ela ; n&o é a um capricho que lhepe/o para ceder +&oF @e"leti muito tempo na proposta que aca(ei

Page 28: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 28/250

de "azer e se voc# consentir ser! a realiza/&o do mais caro dosmeus desejos$ +ossos "ilhos sa(em do pedido que lhe "a/o nessemomento$ ?inha 4enito e ?anoel pedem a voc# que lhes d# a"elicidade de n)s dois os acompanharmosF 5 h! mais gostar%amos

de cele(rar o casamento em 4elém e n&o em Cquitos$ Beria (ompara a nossa "ilha para a adapta/&o dela para a situa/&o quedever! assumir em 4elém que chegasse com a "am%lia poisparecer! menos estranha na cidade onde dever! passar a maiorparte da sua vidaF

Joam arral apoiou-se nos cotovelos$ 'or um instanteescondeu o rosto nas m&os como um homem que sentenecessidade de recolher-se antes de responder$ 5videntementehavia nele uma hesita/&o contra a qual queria reagir e até mesmouma pertur(a/&o que a mulher sentia mas n&o podia eplicar$ Imaluta secreta ocorria so( a "ronte pensativa$ Saquita preocupadachegou ao ponto de censurar a si mesma por haver tocado noassunto$ e qualquer modo acataria o que Joam decidisse$ Be aviagem lhe custasse muito ela "aria calar os seus desejos1 nuncamais "alaria em deiar a "azenda1 nunca perguntaria a raz&o dessarecusa ineplic!vel$

'assaram-se alguns minutos$ Joam arral levantou-se$ 9oiaté a porta sem se voltar$ 'arecia lan/ar um último olhar so(re a(ela natureza so(re esse recanto do mundo onde conseguiraencerrar toda a "elicidade de sua vida nos últimos vinte anos$

5m seguida voltou a passos lentos na dire/&o da mulher$ Bua"isionomia assumira outra epress&o a de um homem que meditaraso(re uma decis&o suprema e cujas dúvidas haviam terminado$

 Joam arral levantou-se$; Voc# tem raz&oF ; disse com voz "irme a Saquita$ ; 5ssa

viagem é necess!riaF Kuando quer partir*; AhF Joam meu JoamF ; eclamou Saquita entregue 2

alegria ; O(rigada por mimF$$$ O(rigada por elesF5 l!grimas enternecidas vieram-lhe aos olhos enquanto o

marido a apertava ao peito$+esse momento vozes alegres "oram ouvidas do lado de "ora

na porta da casa$Mogo depois ?anoel e 4enito apareceram na soleira quase

ao mesmo tempo que ?inha que aca(ava de sair do quarto$; O pai de voc#s consentiu meus "ilhosF ; gritou Saquita$

; Cremos todos a 4elémFJoam arral com a "isionomia séria sem pronunciar uma

única palavra rece(eu o carinho do "ilho e os (eijos da "ilha$

Page 29: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 29/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

; 5 em que data meu pai ; perguntou 4enito ; quer que ocasamento seja cele(rado*

; A data*$$$ ; respondeu Joam$$$ A data*$$$ Vamos verF$$$Vamos marc!-la em 4elémF

; =omo estou contenteF =omo estou contenteF ;repetia ?inha como no dia em que sou(era do pedido de ?anoel$; Vamos ver o Amazonas em toda a sua gl)ria em todo o seupercurso através das prov%ncias (rasileirasF Ah pai o(rigadaF

5 a jovem entusiasmada cuja imagina/&o j! come/ava avoar dirigiu-se ao irm&o e a ?anoel,

; Vamos 2 (i(liotecaF ; disse ela$ ; Vamos pegar todosos livros todos os mapas que possam ajudar-nos a conhecer estamagn%"ica (aciaF +&o vamos viajar 2s cegasF Kuero ver tudo e sa(er

tudo so(re o rei dos rios da terraF; O Amazonas ; O maior rio do mundoF7 ; disse 4enito nodia seguinte a ?anoel Valdez$

+aquele momento os dois sentados na margem no limitemeridional da "azenda olhavam passar lentamente as moléculasl%quidas que partindo da enorme cadeia dos Andes iam perder-se aoitocentas léguas dali no oceano AtlGntico$

; 5 é o rio que lan/a ao mar o maior volume de !guaF ;respondeu ?anoel$

; Im volume t&o grande ; acrescentou 4enito ; que auma grande distGncia da sua "oz a !gua do mar ainda n&o ésalgada e a oitenta léguas da costa ainda leva os navios 2 derivaF

; Im rio com um curso longo que se estende por mais detrinta graus de latitudeF

; 5 numa (acia que do sul ao norte n&o tem menos do quevinte e cinco grausF

; Ima (aciaF ; eclamou 4enito$ ; ?as o que é uma (aciasen&o a vasta plan%cie através da qual corre o Amazonas essa

savana que se estende a perder de vista sem uma colina paramanter sua declividade sem uma montanha para delimitar seuhorizonteF

;5 por toda a etens&o ; continuou ?anoel ; como os miltent!culos de um polvo gigantesco duzentos a"luentes vindos do

2 6 A airma4"o de $enio( )erdadeira na épo!a em &ue as no)as

des!o7eras ainda n"o 'a)iam sido eias( n"o pode ser !onsiderada eaa 'o9e

em dia. O :ilo e o Mississipi-Missouri( segundo os úlimos le)anamenos(

pare!em er um !urso superior ao do Amazonas( em eens"o.n../

Page 30: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 30/250

norte e do sul eles pr)prios alimentados por su(a"luentes semconta e perto dos quais os grandes rios da 5uropa n&o passam desimples riachosF

;5 um curso onde quinhentas e sessentas ilhas sem contar

as ilhotas "ias ou 2 deriva "ormam uma espécie de arquipélago esozinhas "azem a riqueza de um reinoF;5 nas laterais canais lagunas lagoas e lagos como n&o

encontramos em toda a Bu%/a na Mom(ardia na 5sc)cia e no=anad! juntosF

;Im rio que engrossado por mil rios tri(ut!rios n&o joga nooceano AtlGntico menos do que duzentos e cinq<enta milh.es demetros cú(icos de !gua por horaF

;Im rio cujo curso serve de "ronteira para duas repú(licas eatravessa majestosamente o maior reino da América do Bul comose na verdade "osse o pr)prio oceano 'ac%"ico que por um canalse lan/asse por inteiro no AtlGnticoF

;5 que "ozF Im (ra/o de mar no qual uma ilha ?araj) temum per%metro de mais de quinhentas léguasF

;5 o oceano B) consegue repelir suas !guas ao levantarnuma luta "enomenal uma corrente violenta uma pororoca pertoda qual os re"luos as ressacas e os macaréus dos outros rios n&opassam de pequenas marolas levantadas pela (risaF

Im rio que tr#s nomes mal conseguem designar e em cujoestu!rio os navios de alta tonelagem podem su(ir até cinco milquilmetros sem sacri"icar nada da cargaF

Im rio que por si B) ou por seus a"luentes e su(a"luentesa(re uma via comercial e "luvial por todo o norte da Américapassando de ?agdalena a Ortequaza de Ortequaza a =aqueta de=aqueta a 'utumaQo de 'utumaQo ao AmazonasF Kuatro mil milhasde rotas "luviais que precisariam apenas de alguns canais para quea rede naveg!vel "osse completaF

; 5n"im o mais admir!vel e o mais amplo sistemahidrogr!"ico do mundoF

Os dois jovens "alavam do incompar!vel rio com uma espéciede pai&oF 5les eram "ilhos desse Amazonas cujos a"luentesdignos dele "ormavam caminhos que andavam através da 4ol%viado 'eru do 5quador de +ova ranada da Venezuela e das quatrouianas inglesa "rancesa holandesa e (rasileiraF

Kuantos povos quantas ra/as cujas origens se perdem emtempos long%nquosF H claro isso tam(ém acontece com os grandesrios do glo(oF Buas verdadeiras nascentes ainda n&o "oram

de"inidas pelas investiga/.es$ V!rios pa%ses reclamam a honra delhes dar origemF O Amazonas n&o poderia escapar dessa lei$ O

Page 31: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 31/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

'eru o 5quador e a =olm(ia disputaram por muito tempo agloriosa paternidade$

5ntretanto agora parece que n&o h! mais dúvidas de que o Amazonas nasce no 'eru no distrito de uaraco zona territorial

su(metida 2 autoridade de >arma e que sua origem é no lagoMauricocha situado aproimadamente entre onze e doze graus delatitude sul$

 Aos que insistem em dizer que ele nasce na 4ol%via caindopelas montanhas do >iticaca ca(eria a o(riga/&o de provar que overdadeiro Amazonas é o Icaiali que se "orma na jun/&o do 'aro edo Apurimac1 mas doravante essa opini&o deve ser rejeitada$

 Ao sair do lago Mauricocha o rio nascente vai na dire/&onordeste num percurso de quinhentas e sessenta milhas e B) se

dirige decididamente para o leste depois de rece(er um importantea"luente o 'ante$ 5le se chama ?aranon nos territ)rios colom(ianoe peruano até a "ronteira (rasileira ou melhor ?aranh&o porque?aranon é apenas o nome portugu#s a"rancesado$ a "ronteira do4rasil até ?anaus onde o magn%"ico rio +egro nele se perde onome muda para Bolimaés ou Bolim.es por causa do nome da tri(osolim&o da qual ainda podemos encontrar alguns remanescentesnas prov%ncias ri(eirinhas$ 5 por "im de ?anaus até o mar elepassa a ser o Amasenas ou rio das Amazonas nome dado pelos

espanh)is descendentes do aventureiro Orellana cujos relatosduvidosos mas entusiasmados nos "izeram pensar que eistia umatri(o de mulheres guerreiras instalada no rio +hamunda um dosa"luentes médios do grande rio$

esde o seu in%cio j! se pode prever que o Amazonas setrans"ormar! num magn%"ico curso dR!gua$ Bem (arragens nemo(st!culos de qualquer tipo desde a nascente até o lugar em queseu curso um pouco estreitado corre entre duas di"erentespitorescas e pequenas cadeias de montanhas$ As quedas-dR!gua B)

come/am a interromper a corrente no ponto em que ele vira para oleste enquanto atravessa a cadeia intermedi!ria dos Andes$ Alieistem alguns saltos sem os quais ele certamente seria naveg!veldesde a "oz até a nascente$ e qualquer modo como o(servouum(oldt ele é livre em cinco setos do percurso$

5 desde o come/o n&o "altam a"luentes eles pr)priosalimentados por um grande número de su(a"luentes$ >emos o=hincipé que vem do nordeste 2 esquerda$ P direita o=hachapuQas que vem do sudeste$ P esquerda o ?arona e o

'astuea e o uallaga 2 direita que nele se perde pr)imo 2miss&o da Maguna$ 'ela esquerda ainda chegam o =ham(Qra e o>igre vindos do nordeste1 pela direita o uallaga que a% se lan/a a

Page 32: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 32/250

duas mil e oitocentas milhas do AtlGntico e cujo curso os (arcosainda podem su(ir por mais de duzentas milhas para penetrar até ocora/&o do 'eru$ 9inalmente 2 direita perto da miss&o de Ban-Joachim-dROmaguas depois de passear majestosamente suas

!guas pelos pampas de Bacramento surge o magn%"ico Icaiali nolocal onde termina a (acia superior do Amazonas grande artériaengrossada por numerosos cursos dR!gua derramados pelo lago=hucuito no nordeste de Arica$

5sses s&o os principais a"luentes acima do povoado deCquitos$ escendo os tri(ut!rios s&o t&o grandes que os leitos dosrios europeus certamente seriam estreitos para cont#-los$ 5 dessesa"luentes Joam arral e sua "am%lia iam conhecer adesem(ocadura durante a descida do Amazonas$

 Ps (elezas desse rio sem rival que rega o mais (elo pa%s doglo(o mantendo-se quase constantemente alguns graus a(aio dalinha :6 equatorial convém acrescentar uma qualidade que nem o+ilo nem o ?ississipi nem o Mivingstone antigo =ongo-Taire-Mouala(a possuem$ H que aparte o que possam dizer os viajantesevidentemente mal in"ormados o Amazonas corre através de todauma parte salu(re da América meridional$ Bua (acia éconstantemente varrida por ventos generosos do oeste$ +&o é umvale encaiado em altas montanhas que contém o seu curso e simuma grande plan%cie que mede trezentos e cinq<enta léguas denorte a sul intumescida apenas por algumas colinas e percorridalivremente pelas correntes atmos"éricas$

O pro"essor Agassiz protesta com raz&o contra a pretensainsalu(ridade do clima de um pa%s sem dúvida destinado a tornar-se o centro mais ativo de produ/&o comercial$ Begundo ele sente-se todo o tempo uma (risa leve e agrad!vel que produz evapora/&ogra/as 2 qual a temperatura cai e o solo n&o é inde"inidamenteaquecido$ A constGncia dessa (risa re"rescante torna o clima do riodas Amazonas agrad!vel e até mesmo um dos mais deliciosos$

O a(ade urand e-mission!rio no 4rasil tam(ém constatouque se a temperatura nunca "ica a(aio de vinte e cinco grauscent%grados ela nunca so(e acima de trinta e tr#s graus ; o que d!uma média anual de vinte e oito graus a vinte e nove graus com umdesvio de oito graus apenas$

epois de tais constata/.es podemos a"irmar que a (acia do Amazonas n&o tem nada dos calores t)rridos das regi.es da Usia eda U"rica atravessadas pelos mesmos paralelos$

 A vasta plan%cie que lhe serve de vale é inteiramente varrida

por generosas (risas enviadas do oceano AtlGntico$

Page 33: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 33/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

'or isso as prov%ncias 2s quais o rio deu o nome t#m umdireito incontest!vel de se considerar as mais salu(res de um pa%sque j! é um dos mais (elos da terra$

5 que ninguém pense que o sistema hidrogr!"ico do

 Amazonas n&o é conhecidoF+o século VC Orellana tenente de um dos irm&os 'izarro

desceu o rio +egro desem(ocou no grande rio em 3:D0 aventurou-se sem guia através dessas regi.es e ap)s dezoito meses denavega/&o da qual "ez um maravilhoso relato atingiu a sua "oz$

  5m 3LEL e 3LE6 o portugu#s 'edro >eeira su(iu o Amazonas até o +apo com uma "lotilha de quarenta e sete pirogas$

5m 36DE Ma =ondamine depois de medir o arco do meridianoao 5quador separou-se dos companheiros 4ouguer e odin des

Odonais seguiu pelo =hincipé descendo-o até a con"lu#ncia com o?aranon atingiu a desem(ocadura do +apo em E3 de julho atempo de o(servar a emers&o do primeiro satélite de Júpiter ; oque permitiu a esse um(oldt do século VCCC esta(elecer alongitude e a latitude eata desse ponto ; visitou os povoados dasduas margens e em L de setem(ro chegou diante do "orte do 'ar!$ A longa viagem teve resultados consider!veis, n&o s) o curso do Amazonas "oi esta(elecido de "orma cient%"ica mas tam(ém pareciaquase certo que ele se comunicava com o Orenoco$

=inq<enta e cinco anos depois um(oldt e 4onplandcompletaram o precioso tra(alho de Ma =ondamine levantando omapa do ?aranon até o rio +apo$

H claro depois dessa época n&o mais cessaram as visitas aopr)prio Amazonas e a todos os seus principais a"luentes$

5m 3876 Mister-?aW1 em 38ED e 38E: o ingl#s BmQth1 em38DD o tenente "ranc#s que comandava o 4oulonnaise1 o (rasileiroValdez em 38D01 o "ranc#s 'aul ?arcoQ de 38D8 a 38L01 o pordemais "antasioso pintor 4riard em 38:N1 o pro"essor Agassiz de

38L: a 38LL1 em 38L6 o engenheiro (rasileiro 9ranz Xeller-Minzenger1 e "inalmente em 386N o doutor =revau1 todos eleseploraram o curso do rio su(iram por v!rios de seus a"luentes everi"icaram a navega(ilidade dos principais tri(ut!rios$

=ontudo o "ato mais consider!vel honra seja "eita ao governo(rasileiro "oi o seguinte,

+o dia E3 de julho de 38:6 depois de inúmeras contesta/.esde "ronteira entre a 9ran/a e o 4rasil so(re o limite da uiana ocurso do Amazonas declarado livre "oi a(erto a todas as (andeiras

e para pr a pr!tica no n%vel da teoria o 4rasil assinou um tratadocom os pa%ses lim%tro"es para a eplora/&o de todas as vias "luviaisda (acia do Amazonas

Page 34: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 34/250

5nt&o as linhas de (arcos a vapor con"ortavelmenteinstalados em correspond#ncia direta com Miverpool passaram aservir o rio da "oz até ?anaus1 outros su(iam até Cquitos1 outrosen"im pelo >apaj)s pelo ?adeira pelo rio +egro e pelo 'urus

penetravam até o interior do 'eru e da 4ol%via$H "!cil imaginar o avan/o que ter! um dia o comércio emtoda essa imensa e rica (acia sem rival no mundo$

>odavia para essa medalha do "uturo eiste o reverso$ Oprogresso B) se "az em detrimento das ra/as ind%genas$

Bim no Alto Amazonas muitas ra/as de %ndios j!desapareceram entre outras os curicicurus e os solim&os$ +o'utumaQo em(ora ainda possam ser encontrados alguns Quris osQahuas a(andonaram-no para re"ugiar-se em a"luentes long%nquose os maoos j! em pequeno número deiaram as margens paraandar sem rumo pelas "lorestas do Japur!F

Bim o rio dos >ocantins est! quase despovoado e h! apenasumas poucas "am%lias de %ndios nmades na desem(ocadura doJuru!$ O >e""é est! praticamente a(andonado e restam apenasalguns vest%gios da grande na/&o umaua pr)imo 2 nascente doJapur!$ O =oari "oi a(andonado$ 5istem poucos %ndios muras nasmargens do 'urus$ os antigos manaos s) restam "am%liasnmades$ P (eira do rio +egro B) podem ser citados mesti/os deportugueses e %ndios onde j! "oram contadas até vinte e quatrona/.es ind%genas di"erentes$

H a lei do progresso$ Os %ndios desaparecer&o$ iante da ra/aanglo-sa& australianos e tasmanianos desapareceram$ iante dosconquistadores do 5tremo Oeste etinguiram-se os %ndios da América do +orte$ Algum dia provavelmente os !ra(es ser&odizimados diante da coloniza/&o "rancesa$

?as precisamos voltar 2 data de 38:7$ Os meios decomunica/&o t&o ampliados agora ainda n&o eistiam e a viagemde Joam arral n&o eigiria menos do que quatro meses so(retudonas condi/.es em que ia ser "eita$

a% essa re"le&o de 4enito enquanto os dois amigosolhavam as !guas do rio correr lentamente a seus pés,

;Amigo ?anoel uma vez que logo depois de nossa chegadaa 4elém ser! o momento de nossa separa/&o ela vai parecer-lhe(em curtaF

;Bim 4enito ; respondeu ?anoel ; mas tam(ém muitocomprida pois ?inha B) ser! minha mulher no "im da viagemF

Page 35: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 35/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

;oda uma loresa derru7ada

 A "am%lia de Joam arral estava "eliz$ O magn%"ico trajeto pelo Amazonas seria realizado em condi/.es (em agrad!veis$ +&o B) o

"azendeiro e a "am%lia partiriam para uma viagem de alguns mesesmas como veremos seriam acompanhados de uma parte dosempregados da "azenda$

Bem dúvida ao ver todo o mundo "eliz a sua volta Joamarral esqueceu-se das preocupa/.es que pareciam pertur(ar asua vida$ A partir daquele dia a decis&o tendo sido "irmementetomada passou a ser um outro homem e quando precisou cuidardos preparativos da viagem retomou a atividade de outrora$ 9oiuma grande satis"a/&o para a "am%lia v#-lo em a/&o$ O ser moral

reagiu contra o ser "%sico e Joam arral voltou a ser o que era nosprimeiros anos vigoroso e s)lido$ 5le voltou a ser o homem quesempre vivera ao ar livre na vivi"icante atmos"era das "lorestas doscampos das !guas correntes$

 Além do mais as poucas semanas que precederiam a partidaiam ser (em cheias$

=omo "oi dito anteriormente nessa época as !guas do Amazonas ainda n&o eram sulcadas pelos inúmeros (arcos a vaporque as companhias j! pensavam em lan/ar no rio e nos seus

principais a"luentes$ O transporte "luvial B) era "eito por particularespor conta deles e no mais das vezes as em(arca/.es B) eramusadas a servi/o das "azendas ri(eirinhas$

5ssas em(arca/.es eram as Yu(!s uma espécie de piroga"eita de um tronco cavado a "ogo e com o machado pontudas eleves na "rente pesadas e arredondadas atr!s podendo levar deum a doze remadores e carregar até tr#s ou quatro toneladas demercadorias1 as égaritéias grosseiramente constru%daslargamente "a(ricadas com uma parte co(erta no meio por um teto

de "olhagens que deiava livre uma coia na lateral da em(arca/&oonde se posicionavam os remadores1 as jangadas impulsionadaspor uma vela triangular e que comportavam uma ca(ana de palhaque servia de casa "lutuante para o %ndio e sua "am%lia$

5ssas tr#s espécies de em(arca/.es constitu%am a pequena"lotilha do Amazonas e o"ereciam um transporte n&o mais do quemed%ocre para pessoas e itens comerciais$

avia outras que eram maiores as vigilingas que tinhamcapacidade para oito a dez toneladas com tr#s mastros equipados

de velas vermelhas e impelidas em tempos de calmaria por quatrolongos e pesados remos para lutar contra a corrente1 as co(ertasRque tinham capacidade para vinte toneladas uma espécie de junco

Page 36: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 36/250

com uma tolda atr!s uma ca(ine interna dois mastros com velasquadradas e desiguais e que compensavam um vento insu"icienteou um vento contr!rio com o uso de dez longos remos que os%ndios manejavam do alto do castelo de proa$

?as esses diversos meios de transporte n&o convinham aJoam arral$ Kuando resolveu descer o Amazonas ele pensou emaproveitar a viagem para transportar um enorme com(oio demercadorias que precisava entregar no 'ar!$ +o que se re"eria 2entrega pouco importava se a descida do rio "osse realizada numprazo curto ou n&o$ 5 "oi essa decis&o que ele tomou ; umadecis&o que contou com todos os su"r!gios salvo talvez o de?anoel$ Bem dúvida o rapaz pre"eriria um r!pido (arco a vapor ecom raz&o$

>odavia por mais rudimentar por mais primitivo que "osse omeio de transporte imaginado por Joam arral ele permitiriaem(arcar um grande número de criados e se deiar levar pelacorrente do rio em ecepcionais condi/.es de con"orto e seguran/a$

+a verdade seria como se uma parte da "azenda de Cquitosse soltasse da margem e descesse o Amazonas com tudo o que "azparte de uma "am%lia de "azendeiros patr.es e criados suas casassuas malocas suas ca(anas$

 A "azenda de Cquitos tinha em suas terras algumas dasmagn%"icas "lorestas que s&o pode-se dizer inesgot!veis nessaparte central da América do Bul$

Joam arral entendia per"eitamente do corte desses (osquesricos das espécies mais preciosas e mais variadas pr)prias para acarpintaria para a marcenaria para o mastreamento e para aconstru/&o e com elas tirava anualmente lucros consider!veis$

+a verdade o rio n&o estava l! para transportar os produtosda "loresta amaznica com mais seguran/a e mais economia do queuma via "érrea* 'or isso todos os anos Joam arral ao derru(aralgumas centenas de !rvores da sua reserva organizava umadessas imensas jangadas com grande quantidade de madeiratransportadas pelo rio carregadas de pranch.es de vigas e detroncos apenas des(astados que eram levadas ao 'ar!conduzidas por h!(eis pilotos que conheciam (em a pro"undidadedo rio e a dire/&o das correntes$

+aquele ano Joam arral agiria da mesma maneira que nosanos precedentes$ =ontudo depois de preparado o carregamentode madeira pensava em deiar para 4enito todos os detalhes dagrande negocia/&o comercial$ ?as ele n&o tinha tempo a perder$ +a

verdade o come/o de junho era a época "avor!vel para a partida

Page 37: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 37/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

pois as !guas elevadas pelas cheias da parte alta do riocome/avam a (aiar pouco a pouco até o m#s de outu(ro$

Os primeiros tra(alhos deviam ser iniciados sem demoraporque o com(oio de madeira tomaria propor/.es inusitadas$ essa

vez a(ateriam meia milha quadrada da "loresta situada nacon"lu#ncia do +anaQ com o Amazonas ou seja todo um Gngulo daparte ri(eirinha da "azenda e "ariam uma enorme em(arca/&o ;igual a essas jangadas do rio 2 qual se dariam as dimens.es deuma ilhota$

Ora nessa jangada mais segura do que qualquer outraem(arca/&o da regi&o mais ampla do que cem égaritéias ouvigilingas engatadas umas nas outras Joam arral tinha a inten/&ode em(arcar com a "am%lia os criados e a carga$

; 5celente idéiaF ; eclamou ?inha (atendo palmas aosa(er do projeto do pai$; Csso mesmoF ; respondeu Saquita$ ; 5 nessas

condi/.es chegaremos a 4elém sem correr perigo e descansadosF; 5 durante as paradas poderemos ca/ar nas "lorestas das

margens ; acrescentou 4enito$; >alvez seja um pouco demoradoF ; o(servou ?anoel$ ;

+&o seria mais conveniente escolher um modo de locomo/&o maisr!pido para descer o Amazonas*

5videntemente seria demorada1 mas a reclama/&o calculadado jovem médico n&o "oi aceita por ninguém$5nt&o Joam arral mandou chamar um %ndio que era o

principal administrador da "azenda$; entro de um m#s ; ele disse ; a jangada deve estar

terminada e pronta para navegar$; oje mesmo senhor arral come/aremos os tra(alhos ;

respondeu o administrador$9oi uma dura tare"a$ 5les eram uma centena de %ndios e de

negros que durante a primeira quinzena do m#s de maioconseguiram um verdadeiro prod%gio$ >alvez algumas pessoasconscienciosas pouco ha(ituadas a esses grandes massacres de!rvores lamentassem ao ver esses gigantes com muitos séculos devida ca%rem em duas ou tr#s horas so( o machado dos lenhadores1mas havia tantas e tantas nas margens su(indo o rio nas ilhas edescendo até os limites mais long%nquos do horizonte das duasmargens que a derru(ada dessa meia milha de "loresta n&o deiarianem mesmo um vazio percept%vel$

O administrador e seus homens depois de rece(erem asinstru/.es de Joam arral come/aram por limpar o solo dos cip)sdos ar(ustos das relvas das plantas ar(orescentes que o

Page 38: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 38/250

o(stru%am$ Antes de pegar a serra e o machado eles se armaramcom uma "oice uma "erramenta indispens!vel para qualquer um quequisesse em(renhar-se na "loresta amaznica, ela é "eita de umalGmina grande meio curva comprida e chata medindo de dois a

tr#s pés solidamente encaiada no ca(o e que os %ndiosmanejavam com not!vel ha(ilidade$ 5m poucas horas com a ajudadas "oices eles ro/aram o solo eliminaram a vegeta/&o mais (aiae a(riram grandes clareiras até o "undo da mata$

5 assim "oi "eito$ O solo "oi limpo pelos lenhadores da"azenda$ Os velhos troncos despiram suas vestimentas de cip)s decactos de samam(aias de musgos e de (romélias$ Buas cascas"icaram nuas e eles aguardavam a vez de serem es"olados vivos$

5m seguida todo o (ando de tra(alhadores diante dos quais"ugiram v!rias legi.es de macacos que n&o eram mais !geis do queeles su(iu nas !rvores nos ramos superiores serrando os "ortesgalhos (i"urcados desprendendo a ramagem que devia serqueimada no local$ 5m pouco tempo B) restaram da "lorestacondenada longos estipes envelhecidos sem a coroa no topo e junto com o ar o sol penetrou aos (or(ot.es até o solo úmido quetalvez nunca houvesse acariciado$

+&o havia uma única dessas !rvores que n&o pudesse serusada em o(ras resistentes vigamento ou marcenaria pesada$ Alicresciam como colunas de mar"im pintadas de marrom algumascerieiras de cento e vinte pés de altura e quatro de largura na (aseque "orneciam uma madeira resistente1 castanheiras com al(urnosresistentes que produziam nozes tricornes1muricis procurados paraa constru/&o (arrigudos medindo duas toesas na intumesc#nciaque se acentuava alguns pés acima do ch&o !rvores de cascaarruivada e (rilhante cheias de tu(érculos cinza cujas pontas em"orma de "uso suportam um guarda-sol horizontal1 (om(ac!ceas detronco (ranco liso e reto de altura grandiosa$ 'erto desseseemplares magn%"icos da "lora amazonense tam(ém surgiamquati(os cuja a()(ada cor-de-rosa dominava as !rvores vizinhase que d&o "rutos semelhantes a pequenos vasos com "ileiras decastanhas neles dispostas e cuja madeira de um violeta claro eraespecialmente apreciada nas constru/.es navais$ avia ainda paus-"erro e especialmente a Yi(irirata% com uma polpa quase preta t&ocheia de granula/.es que os %ndios "a(ricavam com ela suasmachadinhas de com(ate1 os jacarand!s mais preciosos do que oacaju1 as coesalpinas cuja espécie B) pode ser encontrada nasantigas "lorestas que Bo(reviveram ao ataque dos lenhadores1 as

sapucaias com a altura de cinq<enta pés e com arcos naturaisque saindo a tr#s metros da (ase v&o encontrar-se a trinta pés

Page 39: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 39/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

enrolando-se em torno do tronco como roscas de uma colunatorcida e cujo topo se a(re num ramalhete de arti"%cios vegetaisque as plantas parasitas colorem de amarelo de roo e de um(ranco cor de neve$

>r#s semanas depois do in%cio dos tra(alhos das !rvores queco(riam o Gngulo "ormado pelo encontro do +anaQ com o Amazonasn&o restava mais nenhuma de pé$ A derru(ada havia sido completa$Joam arral nem precisava preocupar-se com a recupera/&o deuma "loresta que vinte ou trinta anos (astariam para re"azer$+enhuma (aliza de !rvore nova ou velha havia sido poupada paraesta(elecer a marca de um corte "uturo nenhuma dessas !rvoresde canto que marcam o limite do des"lorestamento1 "oi umaderru(ada total todos os troncos "oram cortados rentes ao ch&o

aguardando o dia em que apareceriam as ra%zes nas quais aprimavera seguinte estenderia os ramos verdejantes$+&o essa milha quadrada (anhada pelas !guas do rio e seu

a"luente estava destinada a ser arroteada lavrada plantadasemeada e no ano seguinte campos de mandiocas de ca"eeirosde inhames de canas-de-a/úcar de ararutas de milhos deamendoins co(ririam o solo até ent&o som(reados pelas ricasplantas da "loresta$

 A última semana de maio ainda n&o havia chegado e os

troncos separados de acordo com sua natureza e grau de"lutua(ilidade j! haviam sido arrumados simetricamente na margemdo Amazonas$ 5ra ali que se construiria a imensa jangada que comas diversas ha(ita/.es necess!rias para o alojamento das equipesde mano(ra seria uma verdadeira aldeia "lutuante$ epois na horamarcada as !guas do rio aumentadas pela cheia viriam levant!-lae arrast!-la por centenas de léguas até o litoral do AtlGntico$

urante todo o tempo Joam arral dedicou-se inteiramenteaos tra(alhos$ irigiu-os pessoalmente primeiro no local do corte

depois na (eira do rio numa grande !rea "ormada de cascalhosonde "oram dispostas as pe/as da jangada$Saquita e =Q(ele cuidavam dos preparativos para a partida se

(em que a velha negra n&o compreendesse porque queriam sair deonde estavam t&o (em$

;Voc# ver! coisas que nunca viuF ; repetia sem cessarSaquita$

;Ber! que valem tanto quanto as que estamos ha(ituadas aver* ; respondia invariavelmente =Q(ele$

5nquanto isso ?inha e sua criada "avorita pensavameclusivamente no que lhes dizia respeito$ 'ara elas n&o se tratavade uma simples viagem, era uma partida de"initiva eram mil

Page 40: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 40/250

detalhes da mudan/a para um outro pa%s onde a jovem mulatacontinuaria a viver perto da mo/a 2 qual estava ternamente ligada$?inha estava meio triste mas a alegre Mina n&o se preocupava pora(andonar Cquitos$ =om ?inha Valdez ela seria o que era com

?inha arral$ 'ara apagar aquele sorriso seria preciso separ!-la dapatroa o que nem havia sido cogitado$4enito ajudava ativamente o pai nos tra(alhos realizados$

 Assim aprendia a pro"iss&o de "azendeiro que talvez "osse a suaalgum dia como iria aprender a de negociante ao descer o rio$

Kuanto a ?anoel ele se dividia tanto quanto poss%vel entre acasa onde Saquita e a "ilha n&o perdiam nem um minuto e o teatroda derru(ada de !rvores onde 4enito queria lev!-lo mais do que 5legostaria ir$ ?as no "im das contas a divis&o n&o "oi nada igual oque é (em compreens%vel$

Seguindo um !ip<

5nquanto isso num domingo 7L de maio os rapazesresolveram procurar alguma distra/&o$ O tempo estava magn%"ico oar impregnado de (risas "rescas vindas da cordilheira o quesuavizava a temperatura$ >udo convidava a uma ecurs&o pelocampo$

4enito e ?anoel ent&o convidaram a jovem paraacompanh!-los através dos grandes (osques que de(ruavam amargem direita do Amazonas do lado oposto da "azenda$

5ra uma "orma de despedir-se dos encantadores arredores deCquitos$ Os dois rapazes iam ca/ar mas iriam como ca/adores quen&o largam as companheiras para correr atr!s da ca/a e quanto aisso podiam con"iar em ?anoel ; e as duas jovens j! que Mina n&ose separava da patroa iriam simplesmente passear numa ecurs&ode duas ou tr#s léguas o que n&o era de assustar$

+em Joam arral nem Saquita tinham tempo para se juntar aeles$ 'or um lado a o(ra da jangada n&o estava terminada e aconstru/&o n&o podia so"rer o menor atraso$ 'or outro Saquita e=Q(ele apesar de auiliadas por todo o pessoal "eminino da"azenda n&o tinham nem um minuto a perder$

?inha aceitou o o"erecimento com grande prazer$ 5nt&onaquele dia por volta de onze horas depois do almo/o os doisrapazes e as duas mo/as "oram para a margem no Gngulo "ormadopela con"lu#ncia dos dois cursos dR!gua$ Im dos negros os

acompanhava$ >odos em(arcaram numa das u(!s destinadas ao

Page 41: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 41/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

servi/o da "azenda e depois de passarem entre as ilhas Cquitos e'arianta atingiram a margem direita do Amazonas$

 A em(arca/&o acostou junto a um (er/o de magn%"icassamam(aias ar(orescentes coroadas a trinta pés de altura por

uma espécie de auréola "eita de delicados galhos de veludo verdecom "olhas en"eitadas por uma "ina renda vegetal$

; 5 agora ?anoel ; disse a jovem ; ca(e a mim "azer-lheas honras da "loresta pois voc# n&o passa de um estrangeironessas regi.es do Alto AmazonasF ; Aqui estamos em casa e vaideiar-me cumprir os deveres de dona de casaF

;Kuerida ?inha ; respondeu o rapaz ; n&o ser! menosdona de casa na nossa cidade de 4elém do que na "azenda deCquitos e tanto l! quanto aqui$$$

; Ora essaF ?anoel e voc# minha irm& ; eclamou 4enito; n&o vieram aqui para trocar ternas inten/.es imaginoF$$$5sque/am por algumas horas que est&o noivosF$$$

;+em por uma hora nem por um instanteF ; replicou?anoel$

;5 se ?inha ordenar*;?inha n&o vai ordenarF;Kuem sa(e* ; disse Mina rindo$;Mina tem raz&oF ; respondeu ?inha estendendo a m&o

para ?anoel$ ; Vamos tentar esquecerF$$$ 5squecerF$$$ ?eu irm&oeigeF$$$ 5st! tudo aca(ado tudoF 5nquanto durar o passeio n&oestamos noivosF 5u n&o sou a irm& de 4enitoF Voc# n&o é o amigodeleF$$$

;5ssa é (oaF ; eclamou 4enito$;4ravoF 4ravoF Bomos todos estranhos aquiF ; replicou a

 jovem mulata (atendo palmas$;5stranhos que se v#em pela primeira vez ; acrescentou 2

 jovem ; que se encontram se cumprimentam$$$

; Benhorita$$$ ; disse ?anoel inclinando-se diante de?inha$;=om quem tenho a honra de "alar senhor* ; perguntou a

 jovem com a maior seriedade$;=om ?anoel Valdez que "icaria "eliz se seu irm&o quisesse

apresent!-lo$$$;AhF Ao dia(o com esse modo de agirF ; eclamou 4enito$

; ?! idéia a que eu tiveF$$$ Bejam noivos meus carosF Bejam oquanto quiseremF Bejam sempreF

;BempreF ; disse ?inha a quem a palavra escapou t&onaturalmente que as risadas de Mina redo(raram$

Page 42: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 42/250

Im olhar reconhecido de ?anoel recompensou a jovem pelaimprud#ncia da sua l%ngua$

; Be and!ssemos "alar%amos menosF 5m marchaF ;reclamou 4enito para tirar a irm& do em(ara/o$

'orém ?inha n&o estava com pressa$; Im instante irm&o ; disse ela$ ; Voc# viuF 5u iao(edecerF Voc# queria o(rigar ?anoel e a mim a esquecermos umdo outro para n&o estragar o seu passeioF 'ois (em agora é aminha vez de pedir-lhe um sacri"%cio para n&o estragar o meuF Voc#se quiser "azer-me o "avor ou mesmo se n&o quiser vai prometer-me 4enito pessoalmente que vai esquecer$$$

;5squecer*$$$;5squecer que é ca/ador senhor meu irm&oF;O qu#* Voc# me pro%(e*;'ro%(o-o de atirar em todos esses p!ssaros encantadores

nos papagaios nos periquitos nos caciques nesses cucos quevoam t&o "elizes pela "lorestaF ?esma proi(i/&o para a ca/apequena pois n&o teremos o que "azer com ela hojeF Be algumaon/a jaguar ou qualquer outra espécie desse tipo de animalaproimar-se demais de n)s pode serF

;?as$$$ ; o(jetou 4enito$;Ben&o pego o (ra/o de ?anoel e vamos em(ora n)s nos

perderemos e ser! o(rigado a procurar-nos$;ein* Voc# (em que gostaria que eu me recusasse a

o(edecerF ; eclamou 4enito olhando para o amigo ?anoel$; H o que eu queroF ; respondeu o rapaz$;H claro que n&oF ; "alou 4enito$ ; 5u n&o me recusoF

O(edecerei s) para contrari!-lo$ A caminhoF5 eis que os quatro seguidos do negro se em(renharam por

(aio das (elas !rvores cujas espessas "olhagens impediam osraios de sol de atingir o ch&o$

+&o havia nada mais maravilhoso do que essa parte damargem direita do Amazonas$ Ali numa pitoresca con"us&ocresciam tantas !rvores di"erentes que num quarto de léguaquadrada seria poss%vel contar até cem variedades dessasmaravilhas vegetais$ Além do mais um silv%cola perce(eria"acilmente que nunca um lenhador passeara por ali com seumachado ou sua acha$ ?esmo depois de muitos séculos daderru(ada a "erida ainda seria vis%vel$ As novas !rvores até comcem anos de vida n&o teriam esse aspecto dos primeiros diasso(retudo porque a singularidade das espécies da liana e de outras

plantas parasitas estaria modi"icada$ 5sse é um sintoma curioso quen&o deiaria nenhum %ndio se enganar$

Page 43: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 43/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

O alegre (ando em(renhou-se por entre a alta vegeta/&opelo meio das moitas por (aio das !rvores menores conversandoe rindo$ +a "rente manejando a "oice o negro a(ria caminho quandoum dos ar(ustos era muito espesso pondo em "uga milhares de

passarinhos$?inha tivera raz&o ao interceder por todo o pequeno mundo

alado que esvoa/ava so(re as altas "olhagens$ Ali havia os mais(elos representantes da ornitologia tropical$ Os papagaios verdes eos periquitos gritadores pareciam ser uma conseq<#ncia natural dasgigantescas espécies$ Os coli(ris com todas as suas variedades os(ar(as-azuis os ru(is-top!zios os tesouras de ra(o longo em"orma de tesoura pareciam "lores soltas que o vento levava de umgalho para outro$ Os melros de plumagem alaranjada de(ruada de

marrom os papa-"igos dourados nas etremidades das penas e ossa(i!s pretos como corvos reuniam-se num concerto de trinadosensurdecedores$ O grande (ico do tucano destru%a os cachosdourados dos Yguiriris$ Os pica-paus ou pican/os do 4rasilsacudiam suas ca(ecinhas salpicadas de pontos púrpuras$ Imencantamento para os olhos$

 'orém todo esse mundo se calava se escondia quando notopo das !rvores rangia a ventoinha en"errujada da Yalma-de-gatoum tipo de "alc&o "ulvo-claro$ 5m(ora planasse orgulhosamente

estendendo as longas penas (rancas do ra(o escondia-secovardemente quando mais acima aparecia o gavi&o uma grande!guia de ca(e/a (ranca terror de toda a na/&o alada das "lorestas$

?inha "azia ?anoel admirar essas maravilhas que nasprov%ncias mais civilizadas do leste ele n&o encontraria nessasimplicidade primitiva$ ?anoel escutava a jovem mais com os olhosdo que com os ouvidos$ Ali!s os gritos os cantos dos milh.es depassarinhos eram 2s vezes t&o penetrantes que ele n&o conseguiaouvi-la$ Apenas a gargalhada de Mina tinha acuidade su"iciente para

dominar com sua nota de alegria os cacarejos os pios os ululos ostrinados e os arrulhos de todos os tipos$ Ap)s uma hora n&o tinham atravessado mais do que uma

pequena milha$ Ao se a"astarem da margem as !rvores tomavamum outro aspecto$ A vida animal j! n&o se mani"estava no ch&o esim a sessenta ou oitenta pés de altura com a passagem de (andosde macacos que seguiam uns aos outros nos altos galhos$ Aqui eali alguns cones de raios de sol penetravam até a vegeta/&o mais(aia$ +a verdade nas "lorestas tropicais a luz n&o parece ser um

agente indispens!vel para a eist#ncia da vegeta/&o$ O ar ésu"iciente para o desenvolvimento dos vegetais grandes oupequenos !rvores ou plantas e todo o calor de que precisam para a

Page 44: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 44/250

epans&o da seiva n&o etraem da atmos"era am(iente e sim dopr)prio solo onde ele est! armazenado como se "osse um enormeaquecedor$

5 em cima das (romélias das serpentinas das orqu%deas

dos cactos en"im de todas as parasitas que "ormavam umapequena "loresta em(aio da "loresta maior eram muitos os insetosmaravilhosos que se queria colher como se "ossem verdadeiras"lores, nestores de asas azuis "eitas de um (rilho cintilante1(or(oletas leilus com re"leos dourados ze(radas de listrasverdes1 "alenas agripinas com dez polegadas de comprimento easas semelhantes a "olhas1 a(elhas mari(undas parecendoesmeraldas vivas engastadas numa armadura de ouro1 depoislegi.es de cole)pteros lamp%rios ou pQrophorus vaga-lumes com umcorpete de (ronze e élitros verdes cujos olhos projetavam uma luzamarelada e que quando vinha a noite iluminavam a "loresta comsuas cintila/.es multicoresF

;Kuantas maravilhasF ; repetia entusiasmada a jovem$; Voc# est! em casa ?inha ou pelo menos "oi o que disse

; eclamou 4enito ; e olhe B) como "ala das suas riquezasF;'ode ca/oar irm&ozinhoF ; respondeu ?inha$ ; >enho o

direito de elogiar coisas t&o (onitas n&o é ?anoel* 5las "oram"eitas pela m&o de eus e pertencem a todo o mundoF

;eie 4enito rir 2 vontadeF ; disse ?anoel$ ; 5le dis"ar/amas tem suas horas de poeta e admira tanto quanto n)s todasessas (elezas naturaisF B) que quando carrega um "uzil em(aiodo (ra/o adeus poesiaF

;Beja poeta irm&oF ; respondeu a jovem$;5u sou poetaF ; replicou 4enito$ ; Oh natureza

encantadora$5ntretanto convenhamos que ao proi(ir ao irm&o o uso do

"uzil de ca/ador ?inha impusera-lhe uma verdadeira priva/&o$ Aca/a n&o "altava na "loresta e ele teve sérias raz.es para lamentaralguns (ons tiros$

+as partes menos ar(orizadas onde se a(riam grandesclareiras apareceram alguns casais de avestruz da espécie dosnaudus medindo de quatro a cinco pés$ 5les andavamacompanhados das insepar!veis seriemas uma espécie de perumas in"initamente melhor do ponto de vista comest%vel que asgrandes voadoras que as acompanhavam$

;Olha o quanto me custa a maldita promessaF ; reclamou4enito que com um gesto da irm& ps em(aio do (ra/o o "uzil

que instintivamente levara ao om(ro$

Page 45: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 45/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

;H preciso respeitar as seriemas ; respondeu ?anoel ;porque s&o grandes destruidoras de serpentes$

;o mesmo modo que devemos respeitar as serpentes ;replicou 4enito ; porque comem os insetos nocivos e estes porque

vivem dos pulg.es ainda mais nocivosF esse jeito é precisorespeitar tudoF

?as o instinto do jovem ca/ador ia ser posto a uma duraprova$ A ca/a estava "icando a(undante na "loresta$ Veados r!pidose elegantes ca(ritos escapuliam por (aio da vegeta/&o ecertamente uma (ala (em assestada teria interrompido a "uga$epois aqui e ali apareciam perus de penas ca"é-com-leitepecaris uma espécie de porco selvagem muito apreciado pelosamantes de vea/&o agutis similares aos coelhos e 2s le(res na

 América meridional tatus com a carapa/a escamosa desenhada emmosaicos que pertencem 2 ordem dos desdentados$5 na verdade 4enito mostrava mais do que virtude um

verdadeiro hero%smo quando perce(ia algum tapir daqueleschamados de antas no 4rasil esses diminutos ele"antes j! quasedesaparecidos das margens do Alto Amazonas e de seus a"luentespaquidermes t&o procurados pelos ca/adores devido a sua raridademuito apreciados pelos gourmets por sua carne superior 2 do (oi eso(retudo pela protu(erGncia na nuca que é um (elo petiscoF

Bim o "uzil queimava os dedos do rapaz1 porém "iel ao juramento ele o deiava em repouso$; AhF 'orém ; e ele preveniu a irm& ; o tiro partiria ainda

que ele n&o quisesse se "icasse ao alcance de um tamandu!-a/uuma espécie de grande "ormic%voro muito curioso e que pode serconsiderado como um tiro de mestre nos anais cinegéticos$

?as "elizmente o grande "ormic%voro n&o apareceu e nem aspanteras os leopardos os jaguares os guepardos os pumasindi"erentemente designados por on/as na América do Bul e que

n&o devemos deiar que se aproimem demais$;A"inal ; disse 4enito que parou por um instante ;passear é muito (om mas passear sem um o(jetivo$$$

;Bem o(jetivoF ; protestou a mo/a$ ; ?as nosso o(jetivo éver é admirar é visitar pela última vez essas "lorestas da América=entral que n&o encontraremos no 'ar! é dar-lhes um últimoadeusF

;AhF >enho uma idéia$9oi Mina quem "alou$

;Ima idéia de Mina B) pode ser uma idéia loucaF ;respondeu 4enito meneando a ca(e/a$

Page 46: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 46/250

;?eu irm&o ; disse a jovem ; n&o é certo zom(ar de Minaquando precisamente ela tenta dar ao nosso passeio o o(jetivo quevoc# lamenta que n&o tenhaF

; Ainda mais senhor 4enito porque tenho certeza de que

minha idéia vai agrad!-lo ; respondeu a jovem mulata$; Kual é a sua idéia* ; perguntou ?inha$;5st! vendo essa liana*5 Mina mostrou uma dessas lianas da espécie dos cip)s

enrolada numa gigantesca mimosa sensitiva cujas "olhas levescomo plumas se "echavam ao menor ru%do$

;5 da%* ; disse 4enito$;'roponho ; continuou Mina ; seguirmos essa liana até a

sua etremidadeF$$$;H uma (oa idéia é um o(jetivo de "atoF ; disse 4enito$ ;

Beguir esse cip) quaisquer que sejam os o(st!culos os ar(ustosas !rvores os rochedos os riachos as torrentes n&o ser impedidopor nada passar de qualquer jeito$$$

;ecididamente voc# tinha raz&o irm&oF ; disse ?inharindo$ ; Mina é meio loucaF

Ora vamosF ; respondeu o irm&o$ ; Voc# est! dizendo queMina é louca para n&o dizer que 4enito é louco pois eu aprovoF

;+a realidade sejamos loucos se isso os agradaF ;respondeu ?inha$ ; Vamos seguir o cip)F

;Voc#s n&o t#m medo$$$ ; o(servou ?anoel$;?ais o(je/.esF ; retrucou 4enito$ ; AhF ?anoel voc# n&o

"alaria assim e j! estaria a caminho se ?inha o esperasse na outraponta$

;Vou calar-me ; respondeu ?anoel$ ; +&o "alo mais nadas) o(ede/oF Vamos seguir o cip)F

5 eles sa%ram "elizes como crian/as em "ériasF5sse "ilamento vegetal poderia lev!-los longe se teimassem

em segui-lo até a ponta como um "io de Ariadne ; com a di"eren/ade que o "io da herdeira de ?inos ajudava a sair do la(irinto e o cip)B) podia arrast!-los mais para o "undo da "loresta$

+a verdade era uma liana da "am%lia das salsas um dessescip)s conhecidos pelo nome de japecanga vermelha cujocomprimento chega a medir v!rias léguas$ ?as no "inal das contasa honra n&o estava em jogo$

O cip) passava de !rvore em !rvore sem interrup/&o dacontinuidade ora enrolado nos troncos ora enla/ando os galhosaqui saltando de um dragoeiro para uma palissandra ali de um

gigantesco castanheiro o (ertholletia ecelsaR para uma dessaspalmeiras da qual se "az um tipo de vinho essas (aca(as cujos

Page 47: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 47/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

galhos "oram com eatid&o comparados por Agassiz a longas varasde coral salpicadas de verde$ 5m seguida as Ytucum&s os "%cuscaprichosamente contornados como oliveiras centen!rias e que sepodem contar n&o menos do que quarenta variedades no 4rasil1 as

espécies de eu"or(i!ceas que produzem a (orracha1 as gualtes(elas palmeiras de tronco liso "ino elegante1 os cacaueiros quecrescem espontaneamente nas margens do Amazonas e dosa"luentes1 melastomas variados uns de "lores cor-de-rosa outrosen"eitados de pan%culas de (agas es(ranqui/adas$

?as quantas paradas quantos gritos de decep/&o quando oalegre (ando pensava ter perdido o "io condutorF 5ra precisoencontr!-lo desem(ara/!-lo do pelot&o das plantas parasitas$

;AliF AliF ; dizia Mina$ ; 5stou vendoF

;5st! enganada ; respondia ?inha$ ; +&o é ele é um cip)de outra espécieF;+&oF Mina tem raz&o ; dizia 4enito$;+&oF Mina est! errada ; respondia com naturalidade

?anoel$a% surgiam sérias discuss.es muito demoradas nas quais

ninguém queria ceder$5nt&o o negro de um lado 4enito do outro trepavam nas

!rvores su(indo nos galhos envolvidos pelo cip) para resta(elecer

a verdadeira dire/&o$Ora com certeza isso n&o era nada "!cil no emaranhamentode tu"os entre os quais serpenteava o cip) no meio das (roméliasZaratas armadas de espinhos agudos das orqu%deas de "lorescor-de-rosa e la(elos violetas t&o grandes como uma luva osonc%dios mais em(ara/ados do que uma meada de l& entre aspatas de um gatinhoF

5 depois quando o cip) descia até o ch&o que di"iculdadepara recuper!-lo nos maci/os de licop)dios de helicnias com

grandes "olhas de caliandras com (orlas cor-de-rosa de rips!lidesque o envolviam como a armadura de um "io de (o(ina elétricaentre os n)s das grandes ipoméias (rancas so( as hastes carnudasdas (aunilhas no meio de todas as passi"loras vergnteas videirasselvagens e sarmentosF

Kuando encontravam o cip) quantos gritos de alegria erecome/avam o passeio interrompido por alguns instantesF

avia uma hora que os rapazes e as mo/as caminhavam enada indicava que estivessem perto de atingir o céle(re o(jetivo$

Bacudiam vigorosamente o cip) mas ele n&o cedia e ospassarinhos sa%am voando 2s centenas os macacos pulavam de!rvore em !rvore como se quisessem mostrar o caminho

Page 48: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 48/250

Im ar(usto (arrava o caminho* A "oice "azia uma a(ertura etodo o (ando passava por ela$ Ou ent&o podia ser uma alta rochaatapetada de relva onde o cip) evolu%a como uma co(ra$ 5lessu(iam e passavam pela rocha$

Ima clareira a(riu-se$ Ali naquele espa/o mais livrenecess!rio como a luz estava a !rvore dos tr)picos por ecel#nciaaquela que segundo a o(serva/&o de um(oldt haviaacompanhado o homem desde a in"Gncia da civiliza/&o a grandenutriz do ha(itante das zonas t)rridas a (ananeira apareciaisolada$ A longa grinalda de cip) enrolada nos seu altos galhosprendia-se de uma etremidade a outra da clareira e introduzia-senovamente na "loresta$

;Vamos parar "inalmente* ; perguntou ?anoel$;+&o mil vezes n&oF ; gritou 4enito$ ; +&o antes de atingir

o "im do cip)F;>odavia ; o(servou ?inha ; j! é tempo de se pensar em

voltarF;Oh querida patroa mais um pouco mais um poucoF ;

mani"estou-se Mina$;Até o "im até o "imF ; acrescentou 4enito$5 atormentou-os para entrar mais para o "undo da "loresta

que mais desa"ogada permitia-lhes avan/ar mais depressa$ Além do mais o cip) enviesava-se para o norte e tendia a

voltar na dire/&o do rio$ 'ortanto havia menos inconvenientes emsegui-lo pois os jovens se aproimavam da margem direita queseria "!cil de su(ir depois$

Im quarto de hora mais tarde no "undo de um (arrancodiante de um pequeno a"luente do Amazonas todos precisaramparar$ Ima ponte de lianas "eita de (ejucos ligados entre si poruma rede de ramagens atravessava o riacho$ O cip) que se dividiaem dois "ilamentos servia de corrim&o e passava assim para a outramargem$

4enito sempre na "rente j! avan/ara pelo ta(uleiro vacilanteda passarela de vegeta/&o$

?anoel quis segurar a jovem$;9ique "ique ?inhaF ; declarou ele$ ; 4enito ir! mais

longe se quiser mas n)s vamos esper!-lo aquiF;+&oF Venha venha querida patroa venhaF ; disse Mina$ ;

+&o tenha medoF O cip) est! "icando mais "ino$ 5stamos com uma(oa vantagem e vamos desco(rir sua etremidadeF

5 sem hesitar a jovem mulata aventurou-se corajosamente

atr!s de 4enito$

Page 49: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 49/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

;B&o umas crian/asF ; respondeu ?inha$ ; Venhameu querido ?anoelF 'recisamos segui-losF

5 todos atravessaram a ponte que oscilava acima da ravinacomo um (alan/o mergulhando novamente so( a a()(ada das

grandes !rvores$+&o haviam andado nem dez minutos seguindo o

intermin!vel cip) na dire/&o do rio quando todos pararam e dessavez com raz&o$

;Ber! que "inalmente chegamos ao "im do cip)* ;perguntou a jovem$

;+&o ; respondeu 4enito ; mas ser! (om avan/armoscom prud#ncia$ OlheF$$$

5 4enito mostrou o cip) que perdido entre os galhos de um

alto "%cus era agitado por violentos sacolejos$;Kuem ser! que est! "azendo isso* ; perguntou ?anoel$;>alvez algum animal do qual n)s devemos aproimar com

prud#nciaF4enito carregando o "uzil "ez sinal para que n&o

inter"erissem e deu dez passos 2 "rente$?anoel as duas mo/as e o negro "icaram im)veis no lugar$e repente 4enito deu um grito e viram-no correr para uma

!rvore$ >odos se precipitaram para o mesmo lado$

Im espet!culo inesperado e que n&o era de agradar aosolhosFIm homem pendurado pelo pesco/o de(atia-se na ponta de

um cip) leve como uma corda no qual "izera um n) corredi/o e ossacolejos eram provocados pelos (ruscos movimentos que oagitavam nas últimas convuls.es da agonia$

4enito jogou-se so(re o in"eliz e com um golpe da "aca deca/a cortou o cip)$

O en"orcado escorregou para o ch&o$ ?anoel inclinou-se

so(re ele para ajud!-lo e traz#-lo de volta 2 vida se n&o "osse tardedemais$;'o(re homemF ; murmurou ?inha$;Benhor ?anoel senhor ?anoel ; gritou Mina ; ele ainda

respiraF O cora/&o est! (atendoF H preciso salv!-loF;5ssa é a minha inten/&o ; respondeu ?anoel ; e acho

que chegamos na hora certaFO en"orcado era um homem de uns trinta anos (ranco (em

mal vestido muito magro e que parecia haver so"rido muito$

 Aos seus pés estavam um cantil vazio jogado no ch&o e um(il(oqu# de madeira de palmeira ao qual a (ola "eita com a ca(e/ade uma tartaruga estava presa por um "io

Page 50: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 50/250

;5n"orcar-se en"orcar-se ; repetia Mina ; e t&o mo/oFO que ser! que o levou a isso*

?as os cuidados de ?anoel logo troueram o po(re-dia(o devolta 2 vida ele a(riu os olhos e soltou um humF t&o "orte t&o

inesperado que Mina assustada respondeu ao grito dele com outro$;Kuem é o senhor amigo* ; perguntou 4enito$;Im e-en"orcado pelo que vejoF;5 seu nome*$$$;5spere preciso lem(rar ; disse ele passando a m&o na

testaF ; Ah eu me chamo 9ragoso para servi-lo se eu ainda "orcapaz para pente!-lo (ar(e!-lo prepar!-lo segundo as regras daminha arteF Bou um (ar(eiro ou melhor dizendo o maisdesesperado dos 9%garosF$$$

;5 como pde pensar em$$$ *;5 o que queria caro senhorF ; 9ragoso respondeu

sorrindo$ ; 9oi um momento de desespero do qual eu mearrependeria se houvesse arrependimentos no outro mundoFOitocentas léguas do pa%s para atravessar e nenhuma pataca no(olso n&o é nada recon"ortanteF 5videntemente perdi a coragemF

O tal 9ragoso tinha em suma uma cara (oa e agrad!vel$ Pmedida que se re"azia via-se que devia ter um car!ter alegre$ 5leera um dos (ar(eiros nmades que corriam as margens do Alto Amazonas indo de povoado em povoado pondo os recursos da suapro"iss&o a servi/o dos negros das negras dos %ndios e das %ndiasque muito o apreciavam$

O po(re 9%garo muito a(andonado muito miser!vel semcomer havia quarenta e oito horas desorientado nessa "lorestaperdera a ca(e/a por alguns instantes$$$ e o resto j! se sa(e$

;?eu amigo ; disse-lhe 4enito ; o senhor vai voltarconosco para a "azenda de Cquitos$

;=omo* ?as com prazerF ; respondeu 9ragoso ; >irou-meda "orca eu lhe perten/oF +&o devia ter-me soltadoF

;Viu querida patroa "izemos (em em continuar o passeioF ;disse Mina$

;>am(ém achoF ; respondeu a jovem$;Beja o que "or ; disse 4enito ; nunca pensei que

aca(ar%amos encontrando um homem na ponta do nosso cip)F;'rincipalmente um (ar(eiro numa situa/&o em(ara/osa a

"im de se en"orcarF ; respondeu 9ragoso$O po(re-dia(o de volta 2 vida "oi posto a par do que

acontecera$ 5le agradeceu calorosamente a Mina pela (oa idéia de

seguir o cip) e todos retomaram o caminho da "azenda onde

Page 51: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 51/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

9ragoso "oi acolhido de modo a n&o ter mais vontade nemnecessidade de repetir a triste o(raF

A Jangada

?eia milha quadrada de "loresta havia sido a(atida$ Agoraca(ia aos carpinteiros o tra(alho de trans"ormar em jangada as!rvores de muitos séculos que jaziam no cascalho$

>are"a "!cil na verdadeF Bo( a dire/&o de Joam arral os%ndios agregados 2 "azenda mostrariam sua incompar!velha(ilidade$ Cndu(itavelmente tanto numa o(ra de alvenaria quantonuma constru/&o naval os %ndios eram oper!rios surpreendentes$

=om um machado e uma serra apenas tra(alhavam madeiras t&oduras que a lGmina aca(ava se que(rando$ ?esmo assim ostroncos a serem aparelhados os estipes a serem trans"ormados emvigotas as pranchas "inas e grossas a serem cortadas sem o au%lioda serra elétrica era um tra(alho "eito por m&os destras pacientesdotadas de uma prodigiosa e natural ha(ilidade$

Os cad!veres das !rvores n&o seriam imediatamentelan/ados no leito do Amazonas$ Joam arral procedia de um mododi"erente$ 'or isso o amontoado de troncos "oi simetricamente

arrumado na !rea plana que ele mandara re(aiar e "orrar decascalhos na con"lu#ncia do +anaQ com o grande rio$ 5ra ali que a jangada seria constru%da1 era dali que o Amazonas a "aria "lutuarquando chegasse o momento de conduzi-la ao destino$

Ima palavra eplicativa so(re a situa/&o geogr!"ica desseimenso curso dR!gua único no mundo e a prop)sito de um singular"enmeno constatado pelos moradores das zonas ri(eirinhas$

Os dois rios provavelmente mais etensos do que a artéria(rasileira o +ilo e o ?issouri-?ississipi correm um deles do sul

para o norte no continente a"ricano e o outro do norte para o sulatravés da América setentrional$ 'ortanto atravessam territ)rios delatitudes variadas e conseq<entemente so"rem a a/&o de climas(em di"erentes$

O Amazonas pelo menos depois que se volta inteiramentepara o leste na "ronteira do 5quador e do 'eru est! inteiramentesituado entre o quarto e o segundo paralelo sul$ 'or isso a imensa(acia so"re a in"lu#ncia das mesmas condi/.es clim!ticas em toda aetens&o do percurso$

B&o duas esta/.es distintas durante as quais as chuvasocorrem com um intervalo de seis meses$ +o norte do 4rasil oper%odo chuvoso come/a em setem(ro +o sul come/a em mar/o

Page 52: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 52/250

'or conseguinte as !guas dos a"luentes da direita e da esquerdaatingem seu maior volume de seis em seis meses$ O resultadodessa alternGncia é que o Amazonas ap)s atingir o seu n%velm!imo em junho decresce gradativamente até outu(ro$

Joam arral sa(ia disso por eperi#ncia e pretendiaaproveitar esse "enmeno para pr a jangada na !gua depois deconstru%-la comodamente 2 margem do rio$ e "ato a altura m!imado Amazonas acima do n%vel médio podia chegar a quarenta pés ea m%nima podia (aiar até trinta$ 5ssa varia/&o "acilitava o tra(alhodo "azendeiro$

 A constru/&o come/ou sem demora$ +a enorme margem decascalho os troncos "oram colocados de acordo com a grossura e ograu de "lutua(ilidade que era preciso levar em conta$ +o meiodessas madeiras pesadas e duras havia algumas cuja densidadeespec%"ica era quase igual 2 densidade da !gua$

 A primeira camada n&o devia ser "eita de troncos justapostos$avia um pequeno intervalo entre esses troncos unidos por vigotasatravessadas respons!veis pela solidez da em(arca/&o$ =a(os depia/a(a uniam os troncos com tanta "irmeza quanto um ca(o decGnhamo$ 5sse material que é "eito dos pec%olos de uma certapalmeira muito a(undante nas margens do rio era usado em todo opa%s$ A pia/a(a "lutua é resistente 2 imers&o e sua "a(rica/&o é(arata$ 5ssas s&o as raz.es que "izeram dela um artigo precioso j!comercializado no Velho ?undo$

5m cima dessas duas "ileiras de troncos e de vigotas "oramcolocados pranch.es e t!(uas que "ormariam o piso da jangadatrinta polegadas acima da linha de "lutua/&o$ esses pranch.es et!(uas havia uma quantidade consider!vel o que é "!cil de estimarcorretamente se levarmos em conta que a jangada de madeiramedia mil pés de comprimento por sessenta de largura ou sejauma super"%cie de sessenta mil pés quadrados$ +a realidade todauma "loresta seria levada pela corrente do Amazonas$

5sse tra(alho de constru/&o "oi realizado so( a dire/&o deJoam arral$ ?as depois de terminado quando chegou o momentoda divis&o do espa/o a quest&o "oi discutida por todos e até ovalente 9ragoso "oi convidado a participar$

 Apenas algumas palavras para eplicar a nova situa/&o dorapaz na "azenda$

O (ar(eiro nunca havia sido t&o "eliz como era agora depoisde ser recolhido pela hospitaleira "am%lia$ Joam arral o"ereceu-separa lev!-lo ao 'ar! aonde 9ragoso se dirigia quando o cip) o

prendera pelo pesco/o e o detivera (ruscamenteF como ele dizia$9ragoso havia aceitado e agradecera de todo o cora/&o$ 5 desde

Page 53: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 53/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

ent&o para mostrar reconhecimento procurava ser útil de milmaneiras$ Ali!s era um rapaz muito inteligente uma pessoa dequem se podia dizer que possu%a duas m&os direitas ou sejapodia "azer de tudo e "azer de tudo (em "eito$ >&o alegre quanto

Mina sempre cantando sempre com uma resposta alegre n&odemorou muito para que todos gostassem dele$

'orém 9ragoso achava que sua d%vida maior era para com a jovem mulata$

9oi uma idéia "a(ulosa senhorita Mina ; ele repetia semparar ; a de (rincar de cip) condutorF AhF H mesmo um jogo)timo se (em que nem sempre se encontre um coitado de um(ar(eiro na pontaF

;9oi por acaso senhor 9ragoso ; respondia Mina rindo ; e

eu lhe asseguro que n&o me deve nadaF;=omo nadaF 5u lhe devo a vida e rogo que sejaprolongada por mais uns cem anos para que minha gratid&o duremais tempoF Ba(e eu n&o tinha inclina/&o para en"orcar-meF Betentei "oi por necessidadeF epois de pesar tudo muito (em pre"eriisso a morrer de "ome e servir de alimento para os animaisselvagens antes de estar totalmente mortoF 'or isso essa liana éum elo entre n)s e nem adianta dizer$$$

5m geral a conversa continuava num tom alegre$ +o "undo

9ragoso estava muito grato 2 jovem mulata pela iniciativa do seusalvamento e Mina n&o "icava insens%vel 2s declara/.es do corajosorapaz t&o espontGneo t&o sincero de cara alegre eatamentecomo ela$ A amizade deles n&o deiava de provocar algunsdivertidos AhF AhF por parte de 4enito da velha =Q(ele e de muitosoutros da casa$

 Assim voltando 2 jangada depois da discuss&o "icou decididoque suas instala/.es seriam as mais completas e con"ort!veisposs%veis pois a viagem duraria v!rios meses$ 9aziam parte da

"am%lia arral o pai a m&e a jovem ?inha 4enito ?anoel e maisas empregadas =Q(ele e Mina que deviam ocupar um alojamento 2parte$ A essa pequena multid&o acrescentavam-se quarenta %ndiosquarenta negros 9ragoso e o piloto a quem seria entregue adire/&o da jangada$

>antos empregados eram apenas su"icientes para o servi/o de(ordo$ +a verdade navegariam no meio de remoinhos por entrecentenas de ilhas e ilhotas que atrapalhariam a passagem$ 5m(oraa corrente do Amazonas servisse de motor ela n&o "iava a dire/&o$

'or isso esses cento e sessenta (ra/os eram necess!rios paramano(rar os croques destinados a manter a enorme jangada numamesma distGncia das duas margens

Page 54: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 54/250

'rimeiro trataram de construir a casa do patr&o no "undo da jangada$ 5la "oi constru%da de modo a ter cinco quartos e uma amplasala de jantar$ Im dos quartos seria de Joam arral e da mulheroutro de Mina e =Q(ele pr)imo das patroas e um terceiro para

4enito e ?anoel$ ?inha disporia de um quarto a mais que n&o seriados menos con"ort!veis$5sse alojamento principal "oi cuidadosamente "eito de t!(uas

im(ricadas (em impregnadas de resina "ervente o que as tornavaimperme!veis e per"eitamente vedadas$ Janelas laterais e "rontaisdeiavam os aposentos alegremente iluminados$ +a "rente a(ria-sea porta de entrada que dava acesso 2 sala comum$ Ima pequenavaranda que protegia a parte da "rente contra a a/&o direta dosraios solares estava apoiada em delicados (am(us$ >oda a o(ra "oipintada com uma tinta ocre recém-preparada que re"letia o calor emvez de a(sorv#-lo o que garantia 2 parte interna uma temperaturaagrad!vel$

'orém quando a grande o(ra "icou pronta de acordo comos planos de Joam arral ?inha resolveu dar sua opini&o$

;'ai ; disse ela ; agora que com seus cuidados j! temosum a(rigo voc# vai permitir que decoremos a casa de acordo com anossa imagina/&o$ A parte eterna é sua mas o interior é nosso$?inha m&e e eu queremos que d# a impress&o de que a casa da"azenda est! viajando conosco assim voc# pensar! que n&o saiu deCquitosF

;9a/a como quiser ?inha ; respondeu Joam arral comseu triste e quase ha(itual sorriso$

;Vai "icar encantadoraF;=on"io no seu (om gosto querida "ilhaF;Csso vai mostrar nossa dignidade paiF ; respondeu ?inha$

; H preciso mostrar dignidade a esse (elo pa%s que vamosatravessar esse pa%s que é nosso e para onde voc# vai voltardepois de tantos anos de aus#nciaF

;>em raz&o ?inhaF >em raz&o ; respondeu Joam arral$ ;H como se volt!ssemos do e%lio$$$ de um e%lio volunt!rioF 9a/a omelhor que puder minha "ilhaF Aprovo antecipadamente tudo o que"izerF

 P jovem e 2 Mina 2s quais se juntaram ?anoel de um lado e9ragoso do outro ca(ia o tra(alho de decorar o interior doalojamento$ =om um pouco de imagina/&o e de sensi(ilidadeart%stica conseguiriam "azer muitas coisas$

+o interior os m)veis mais (onitos da "azenda encontraram

um lugar adequado$ B) haveria o inconveniente depois da chegadaao 'ar! de mand!-los de volta por alguma egaritéia do Amazonas,

Page 55: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 55/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

mesas cadeiras de (am(us so"!s de cana aparadores de madeiraesculpida tudo o que constitui o agrad!vel mo(ili!rio de umaresid#ncia da zona tropical "oi arrumado com gosto na casa"lutuante$ Visivelmente além da cola(ora/&o dos dois jovens eram

m&os de mulheres que dirigiam toda essa arruma/&o$ 5 queninguém pense que as t!(uas "icaram nuasF +&oF As paredesdesapareciam por (aio de encantadores revestimentos$ 5ramtape/arias "eitas de maravilhosas cascas de !rvores os tuturisque se real/avam em grossas pregas como os (rocados e osadamascados dos mais leves e mais ricos tecidos dos m)veismodernos$ +o piso dos quartos peles de jaguar etraordinariamentetigradas espessas peles de macacos o"ereciam aos pés os p#losaveludados$ Algumas cortinas leves de seda arruivada produzida

pela Ysumaúma pendiam das janelas$ Kuanto 2s camas elas "oramenvolvidas pelos mosquiteiros com travesseiros colch.es ealmo"adas cheios da el!stica e "resca su(stGncia que d! o (m(ana alta (acia do Amazonas$

5spalhados por todo o lado nos aparadores nos consolesesses (elos en"eites trazidos do @io de Janeiro ou de 4elém eainda mais preciosos para a jovem porque "oram dados por ?anoel$+&o h! nada mais agrad!vel aos olhos do que esses (i(els dadospor uma m&o amiga que "alam sem nada dizerF

5m alguns dias o interior "oi totalmente decorado e parecia apr)pria casa da "azenda$ 5ra ideal até para uma resid#ncia "iade(aio de um (elo (uqu# de !rvores 2 (eira de uma !guacorrente$ Ao descer por entre as margens do grande rio ela n&odesmereceria em nada os s%tios pitorescos que des"ilariam ao seulado$

H preciso acrescentar que essa moradia encantava os olhostanto do lado de "ora quanto do lado de dentro$

+o eterior os jovens haviam competido no gosto e na

imagina/&o$ A casa estava literalmente co(erta de "olhagens desde a (aseaté os mais altos ara(escos do telhado$ 5ra uma mistura deorqu%deas (romélias trepadeiras todas em "lor que colhiam oalimento em caias cheias de (oa terra vegetal en"iadas so(maci/os de "olhas verdes$ Os troncos de uma mimosa ou de um"%cus n&o poderiam estar en"eitados de uma "orma maistropicalmente pomposaF Kuantos ramos volúveis quantas ru(ialesvermelhas quantos pGmpanos amarelo-ouro quantos cachos

multicores quantos sarmentos enroscados n&o s) nos modilh.esque sustentavam a ponta da cumeeira mas tam(ém nos arcos dotelhado e nos someiros das portasF 'ara conseguir tudo isso (astou

Page 56: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 56/250

pegar a m&os-cheias nas "lorestas vizinhas 2 "azenda$ Imgigantesco cip) unia todos esses parasitas1 ele dava v!rias voltasna casa prendia-se em todas as arestas enguirlandava-se emtodas as sali#ncias (i"urcava-se "ormava tu"os espalhava para

todos os lados suas ec#ntricas rad%culas n&o deiava ver nada dacasa que parecia a"undada num enorme ar(usto "lorido$=omo toque de delicadeza cujo autor se reconheceria

"acilmente a etremidade do cip) desa(rochava na janela da jovemmulata$ 'arecia um (uqu# de "lores sempre "rescas que esse longo(ra/o lhe entregava através da persiana$

5m resumo tudo era encantador$ Be Saquita sua "ilha e Minaestivessem satis"eitas nem adiantava opinar$

; Be voc#s quiserem ; disse 4enito ; plantaremos !rvoresna jangadaF

;OhF UrvoresF ; "alou ?inha$;'or que n&o* ; respondeu ?anoel$ ; Be "orem

transplantadas com terra (oa para essa s)lida plata"orma tenhocerteza de que crescer&o ainda mais porque n&o h! que temer umamudan/a de clima j! que o Amazonas corre invariavelmente nomesmo paralelo$

;Ali!s ; respondeu 4enito ; as !guas n&o carregamdiariamente as ilhotas de vegeta/&o arrancadas das margens dasilhas e do rio* 5las n&o passam com suas !rvores seus (osquesseus ar(ustos seus rochedos suas campinas e a oitocentas léguasdaqui se perdem no AtlGntico* 'or que nossa jangada n&o podetrans"ormar-se num jardim "lutuante*

;Kuer uma "loresta senhorita Mina* ; perguntou 9ragosoque estava pronto para qualquer coisa$

;KueroF Ima "lorestaF ; eclamou a jovem mulata$ ; Ima"loresta com p!ssaros macacos$$$

;=o(ras on/as-pintadas$$$ ; replicou 4enito$;[ndios tri(os nmades$$$ ; disse ?anoel$;5 até antrop)"agosF;?as aonde vai 9ragoso* ; "alou ?inha ao ver o !gil

(ar(eiro su(ir pela margem$;4uscar a "lorestaF ; respondeu 9ragoso$; Kue (o(agem meu amigo ; respondeu ?inha sorrindo$

; ?anoel deu-me um (uqu# e estou contente com eleF Be (em que; ela acrescentou mostrando a casa oculta pelas "lores ; se (emque escondeu nossa casa no (uqu# de noivadoF

Page 57: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 57/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

A arde do dia = de 9un'o

5nquanto a casa principal estava sendo constru%da Joamarral tam(ém cuidou da constru/&o das depend#ncias de

servi/o que compreendiam a cozinha e as despensas nas quais"icariam armazenados todos os tipos de provis&o$

5m primeiro lugar havia um grande estoque de mandiocasque s&o ra%zes de um ar(usto que tem de seis a dez pés de altura eque é o principal alimento dos ha(itantes das regi.es intertropicais$5ssa raiz parecida com um grande ra(anete escuro d! em tu"osigual 2 (atata$ +as regi.es a"ricanas ela n&o é t)ica porém na América do Bul contém um suco dos mais venenosos que se etraiantecipadamente por press&o$ epois disso a raiz é trans"ormada

numa "arinha que se prepara de diversos modos inclusive em"orma de tapioca de acordo com o gosto dos %ndios$'or isso a (ordo da jangada havia um verdadeiro silo desse

produto t&o útil reservado para a alimenta/&o de todos$ Além de todo um re(anho de carneiros alimentados num

est!(ulo especial e a(atidos antecipadamente as conservas decarne consistiam numa (oa quantidade de presuntos da regi&o deecelente qualidade1 tam(ém contavam com o "uzil dos rapazes ede alguns %ndios (ons ca/adores para os quais haveria muita ca/a

; e eles as matariam ; nas ilhas ou nas "lorestas 2 (eira do Amazonas$ Além do mais o rio "orneceria alimento para o consumo di!rio,

camar.es que se poderia chamar de lagostins1 tam(aquis omelhor peie de toda a (acia de gosto mais requintado do que osalm&o ao qual j! "oi comparado1 pirarucus de escamasvermelhas grandes como os esturj.es e que salgados s&odespachados em grandes quantidades para todo o 4rasil1candirus perigosos de pegar mas (ons de comer1 piranhas ou

peies-dia(os rajadas de "aias vermelhas e com trinta polegadasde comprimento1 tartarugas grandes e pequenas encontradas aosmilhares e que "azem parte da alimenta/&o dos %ndios1 sem "altarnenhum deles todos esses produtos do rio estariam presentes namesa dos patr.es e dos empregados$

5m (reve se poss%vel a ca/a e a pesca seriam praticadasregularmente$

Kuanto 2s (e(idas havia uma (oa provis&o de tudo o que opa%s produzia de melhor, caisuma ou machacha do Alto e do

4aio Amazonas l%quido agrad!vel de sa(or acidulado que sedestila "ervendo a raiz da mandioca-doce1 (eiju do 4rasil umaespécie de aguardente nacional1 chicha do 'eru esse mazato de

Page 58: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 58/250

Icaiali etra%do dos "rutos "ervidos espremidos e "ermentados da(ananeira1 guaran! uma espécie de pasta "eita com a semente daY'aul%nia que pela cor parece um verdadeiro ta(lete de chocolatee trans"ormada num p) "ino é adicionada 2 !gua resultando numa

ecelente (e(ida$5 isso n&o é tudo$ +essa regi&o h! uma espécie de vinhovioleta escuro que é etra%do do suco das palmeiras a/a%s cujogosto "orte e arom!tico é apreciado pelos (rasileiros$ >am(ém haviaa (ordo um número respeit!vel de "rascos de vinho que semdúvida estariam vazios quando chegassem ao 'ar!$

5 além disso a adega especial da jangada era digna de4enito que elegera a si mesmo como organizador-che"e$ Algumascentenas de garra"as de erez de Betú(al de 'orto lem(ravam osnomes caros aos primeiros conquistadores da América do Bul$ 5 o jovem sommelier tam(ém guardara na adega alguns garra".esempalhados cheios do ecelente ta"i! que é uma aguardente decana-de-a/úcar com o gosto um pouco mais acentuado do que o(eiju nacional$

Kuanto ao ta(aco n&o era essa planta de qualidade in"eriorcom a qual os %ndios da (acia amaznica se contentavam$ 5le vinhaem linha direta de Villa-4ella da Cmperatriz isto é da regi&o onde serecolhe o ta(aco mais apreciado da América =entral$

5nt&o na parte de tr!s da jangada "icava o alojamentoprincipal com seus aneos a cozinha a despensa a adega que eraa parte reservada para a "am%lia arral e os empregados pessoais$

+a parte central ao longo da em(arca/&o "oram montadas as(arracas destinadas ao alojamento dos %ndios e dos negros$ Osempregados deviam usu"ruir das mesmas condi/.es que na "azendade Cquitos e "icar num lugar onde pudessem "azer as mano(ras so(a orienta/&o do piloto$

'ara alojar todos os empregados seria preciso um grandenúmero de ha(ita/.es e a jangada daria a impress&o de umpequeno povoado 2 deriva$ +a verdade ela teria mais casas e maisha(itantes do que muitas aldeias do Alto Amazonas$

'ara os %ndios Joam arral reservara verdadeiras malocasuma espécie de ca(ana sem paredes cujo telhado de "olhagens eraapoiado em delicados espeques$ O ar circulava livremente pordentro dessas constru/.es a(ertas e (alan/ava as redespenduradas do lado de dentro$ +elas os %ndios entre os quais haviatr#s ou quatro "am%lias completas com mulheres e crian/as "icariamalojados como se estivessem em terra "irme$

Os negros encontraram no com(oio "lutuante as ca(anasha(ituais$ 5las eram di"erentes dos car(etos porque eram

Page 59: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 59/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

hermeticamente "echadas nos quatro lados e B) um dava acessoao interior$ Os %ndios acostumados a viver ao ar livre em plenali(erdade n&o se ha(ituariam a "icar aprisionados numa ca(anamais conveniente para os negros$

'or "im na "rente erguiam-se verdadeiros armazéns queguardavam as cargas que Joam arral transportaria para 4elém junto com os produtos das "lorestas$

+esses amplos dep)sitos so( a dire/&o de 4enito a ricamercadoria estava t&o organizada que parecia ter sidocuidadosamente arrumada no por&o de um navio$

5m primeiro lugar as mil arro(as de (orracha eram a partemais preciosa da carga pois a li(ra desse produto valia de tr#s aquatro "rancos$ A jangada levava tam(ém cinq<enta quintais de

salsaparrilha essa esmilac!cea que constitu%a um ramo importantedo comércio de eporta/&o em toda a (acia amaznica e que "oi"icando cada vez mais rara nas margens do rio porque os %ndioseram pouco cuidadosos e n&o respeitavam os caules quando acolhiam$ 9avas-da-%ndia conhecidas no 4rasil pelo nome decumarus e que serviam para "azer certos )leos essenciaissassa"r!s das quais se etra%a um (!lsamo importante contra as"eridas "ardos de plantas tintoriais caias de diversas gomas e umacerta quantidade de madeira preciosa completavam a carga de

venda lucrativa e "!cil nas prov%ncias do 'ar!$>alvez cause uma certa surpresa o "ato de os %ndios e osnegros em(arcados terem sido limitados aos eigidos para amano(ra da jangada$ +&o teria sido mais sensato levar um númeromaior de empregados prevendo um poss%vel ataque das tri(osri(eirinhas do Amazonas*

Cnútil$ +&o se tinha nada a temer dos %ndios da América=entral1 longe ia o tempo em que era preciso precaver-se contraessas agress.es$ Os %ndios que ha(itavam as margens pertenciam

a tri(os pac%"icas e os mais "erozes j! se haviam retirado com achegada da civiliza/&o que "oi se espalhando ao longo do rio e deseus a"luentes$ Os negros evadidos os que haviam escapado dascolnias penitenci!rias do 4rasil da Cnglaterra da olanda e da9ran/a eram os únicos a quem se devia temer$ ?as esses "ugitivoseram em pequeno número e peram(ulavam em grupos isoladospelas "lorestas e cerrados e a jangada estava equipada para repelirqualquer ataque desses seres errantes da mata$

 Além do mais havia v!rios postos cidades povoados e um

grande número de miss.es no Amazonas$ +&o era um deserto queo imenso curso dR!gua atravessava e sim uma (acia que se

Page 60: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 60/250

colonizava dia a dia$ 'ortanto esse tipo de perigo n&o se devia levarem conta$ +enhuma agress&o estava prevista$

'ara terminar a descri/&o da jangada B) "alta "alar de duasou tr#s constru/.es de natureza (em di"erente que lhe davam um

aspecto (em pitoresco$+a "rente erguia-se o assento do piloto$ +a "rente e n&oatr!s onde ha(itualmente é o lugar do timoneiro$ +esse tipo denavega/&o n&o se "az uso do leme$ Mongos remos n&o teriamnenhuma a/&o so(re uma em(arca/&o desse comprimento mesmoque "ossem mano(rados por cem (ra/os vigorosos$ 5ralateralmente por meio de longos croques ou escoras apoiados no"undo do leito do rio que se mantinha a jangada na corrente ou quese corrigia sua dire/&o quando ela se a"astava$ 5sse era o meiousado para se aproimar das margens quando se queria "azer umaparada por um motivo qualquer$ >r#s ou quatro u(!s e duas pirogascom suas aparelhagens estavam a (ordo e permitiam umacomunica/&o "!cil com as margens$ O papel do piloto se resumia areconhecer as passagens do rio os desvios da corrente osremoinhos que se deviam evitar as enseadas ou angras queapresentavam uma ancoragem "avor!vel e para isso seu lugar erae devia ser na "rente$

Be o piloto era o orientador material dessa imensa m!quina ;n&o se pode usar com acerto essa epress&o* ; um outropersonagem ia ser o orientador espiritual, o padre 'assanhaencarregado da miss&o de Cquitos$

Ima "am%lia t&o religiosa quanto a "am%lia de Joam arralaproveitou prontamente a ocasi&o de levar consigo o velho padrevenerado$

O padre 'assanha ent&o com setenta anos era um homemde (em cheio de "ervor evangélico uma pessoa caridosa e (oa enessas regi.es onde os representantes da religi&o nem sempredavam o eemplo da virtude ele era o maior eemplo dos grandesmission!rios que tanto "izeram pela civiliza/&o no meio das regi.esmais selvagens do mundo$

avia cinq<enta anos o padre 'assanha vivia em Cquitos namiss&o onde era o che"e$ ?erecidamente era amado por todos$ A"am%lia arral o tinha em grande estima$ 5le havia casado a "ilha do"azendeiro ?agalh&es com o jovem comissionado a(rigado na"azenda$ Vira nascer os "ilhos do casal ele os (atizara e instru%ra eesperava tam(ém dar-lhes a (#n/&o nupcial$

 A idade do padre 'assanha j! n&o lhe permitia eercer seu

la(orioso ministério$ A hora da aposentadoria j! soara para ele$avia sido su(stitu%do em Cquitos por um mission!rio mais jovem e

Page 61: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 61/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

resolvera voltar ao 'ar! para ali aca(ar os seus dias num dessesconventos reservados aos velhos servos de eus$

Kue ocasi&o melhor poderia ser o"erecida do que descer o riocom essa "am%lia que era como se "osse a sua* 5les lhe haviam

proposto e ele aceitara participar da viagem e quando chegassema 4elém casaria o jovem casal ?inha e ?anoel$

?esmo que durante a viagem o padre 'assanha devessesentar-se 2 mesa da "am%lia Joam arral quis construir para eleuma ha(ita/&o 2 parte e eus sa(e o cuidado que Saquita e a "ilhativeram para torn!-la con"ort!velF =ertamente o (om e velho padrenunca "icara t&o (em alojado no seu modesto pres(itério$

>odavia o pres(itério n&o era su"iciente para o padre'assanha$ 5le precisava tam(ém de uma capela$

 A capela "oi constru%da no centro da jangada encimada porum pequeno campan!rio$5ra (em pequena sem dúvida e n&o ca(eria todo o pessoal

que estava a (ordo1 mas era ricamente ornamentada e se Joamarral teria sua pr)pria casa nesse com(oio "lutuante o padre'assanha tam(ém n&o lamentaria sua po(re igreja de Cquitos$

5ssa era ent&o a maravilhosa aparelhagem que ia descer ocurso do Amazonas$ 5la estava l! em cima do cascalho esperandoque o rio viesse carreg!-la$ e acordo com os c!lculos e com as

o(serva/.es da cheia isso n&o ia demorar$>udo estava pronto para a data de : de junho$O piloto que chegara na véspera era um homem de

cinq<enta anos muito entendido das coisas da sua pro"iss&o masque gostava de (e(er um pouco$ ?esmo assim Joam arral tinhamuita considera/&o por ele e por v!rias vezes contratara-o paralevar com(oios de madeira para 4elém sem nunca se terarrependido$

 Ali!s é preciso acrescentar que Araújo ; esse era o seu

nome ; via muito melhor quando alguns copos do rústico ta"i!etra%do do suco da cana-de-a/úcar clareavam-lhe a vis&o$ 'orisso nunca navegava sem um certo garra"&o cheio dessa (e(ida 2qual "azia uma corte ass%dua$

 A cheia do rio j! se mani"estava sensivelmente havia diversosdias$ e minuto em minuto o n%vel da !gua su(ia e durante asquarenta e oito horas que precederam o n%vel m!imo as !guassu(iram o su"iciente para co(rir a !rea de cascalho da "azenda masainda n&o o (astante para levar a jangada$

Be (em que o movimento da !gua "osse garantido que n&ohouvesse a possi(ilidade de erro so(re a altura que a cheia deveriaatingir acima do n%vel mais (aio a hora psicol)gica n&o deiava de

Page 62: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 62/250

dar alguma emo/&o a todos os envolvidos na viagem$ +a verdadese por uma causa ineplic!vel as !guas do Amazonas n&o su(issemo (astante para ocasionar a "lutua/&o da jangada todo esse enormetra(alho teria de ser re"eito$ 5 como a diminui/&o da cheia

aconteceria rapidamente muitos meses teriam de passar paracondi/.es id#nticas serem encontradas$'ortanto no dia : de junho perto do "im da tarde os "uturos

passageiros da jangada se reuniram numa plata"orma que "icavauns cem pés acima do cascalho e todos aguardaram a hora comuma espécie de ansiedade (em compreens%vel$

M! estavam Saquita sua "ilha ?anoel Valdez o padre'assanha 4enito Mina 9ragoso =Q(ele e alguns dos empregados%ndios e negros da "azenda$

9ragoso n&o conseguia "icar parado1 ele ia e vinha descia atéa margem su(ia na plata"orma anotava os pontos de re"er#ncia esoltava hurras quando a !gua os atingia$

; 5la vai "lutuar ela vai "lutuar ; gritava ; a jangada quevai nos levar a 4elémF 5la vai "lutuar quando todas as cataratas docéu se a(rirem para encher o AmazonasF

  Joam arral estava na jangada com o piloto e umanumerosa equipe$ A ele ca(ia tomar todas as medidas necess!riasno momento da opera/&o$ Além do mais a jangada estava (emamarrada 2 margem por grossos ca(os e n&o poderia ser arrastadapela corrente quando viesse a "lutuar$

>oda uma tri(o de cento e cinq<enta a duzentos %ndios dosarredores de Cquitos e mais a popula/&o do povoado vieram assistirao interessante espet!culo$

>odos olhavam o sil#ncio era quase completo na multid&oimpressionada$

'or volta das cinco horas da tarde a !gua havia atingido umn%vel superior ao da véspera ; mais de um pé ; e o cascalho j!desaparecia por inteiro so( o len/ol de !gua$

Im certo ru%do propagou-se pelas t!(uas da enormearma/&o mas ainda "altavam algumas polegadas para que ela "osseinteiramente erguida e se soltasse do "undo$

urante uma hora os ru%dos "oram aumentando$ >odos ospranch.es estalavam$ Im tra(alho estava sendo "eito e elearrancava os troncos aos poucos do seu leito de areia$

'or volta das seis e meia gritos de alegria eclodiram$9inalmente a jangada "lutuava e a corrente a levava para o meio dorio1 mas chamada de volta pelas amarras ela veio tranq<ilamente se

colocar perto da margem no instante em que o padre 'assanha a

Page 63: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 63/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

(enzia como teria (enzido uma em(arca/&o de mar que tem o seudestino nas m&os de eusF

>e I&uios a Pe)as

+o dia seguinte L de junho Joam arral e a "am%liadespediram-se do administrador e dos empregados %ndios e negrosque "icariam na "azenda$ Ps seis horas da manh& a jangadarece(eu todos os seus passageiros ; seria mais justo cham!-los deha(itantes ; e cada um tomou posse da sua ca(ine ou melhordizendo da sua casa$

O momento de partir havia chegado$ O piloto Araújo tomou

seu lugar na "rente e as pessoas da equipe armadas com seuslongos craques se mantiveram nos postos de mano(ra$Joam arral ajudado por 4enito e ?anoel "iscalizava a

opera/&o da partida$ Ao comando do piloto os ca(os "oram desamarrados os

craques se apoiaram na margem para desatracar a jangada acorrente n&o demorou a peg!-la e (eirando a margem esquerda dorio ela deiou para tr!s na margem direita as ilhas Cquitos e'arianta$

 A viagem havia come/ado$ Onde aca(aria* +o 'ar! em4elém a oitocentas léguas desse pequeno povoado peruano senada modi"icasse o itiner!rio escolhidoF =omo ela aca(aria* Csso eraum segredo do "uturo$

O tempo estava magn%"ico$ Im (elo pampeiro temperava ocalor do sol$ 5ra um desses ventos de junho e julho que v#m dacordilheira a algumas centenas de léguas dali depois de deslizarpela imensa plan%cie de Bacramento$ Be a jangada "osse equipadacom mastros e velas teria sentido os e"eitos da (risa e sua

velocidade teria sido acelerada1 mas com as sinuosidades do rio os(ruscos remoinhos que o(rigariam a navegar com o maior cuidadoposs%vel precisava-se renunciar aos (ene"%cios de um motor comoesse$

+uma (acia t&o plana quanto a do Amazonas que para dizera verdade n&o passa de uma plan%cie sem "im o declive do leito dorio mal pode ser perce(ido$ 9oi calculado que entre >a(atinga na"ronteira (rasileira e a nascente desse grande curso dR!gua adi"eren/a de n%vel n&o ultrapassaria um dec%metro por légua$ +&o

eiste nenhuma artéria "luvial no mundo cuja inclina/&o seja t&opouco pronunciada$

Page 64: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 64/250

 A conseq<#ncia disso é que a velocidade da corrente do Amazonas em média n&o deve ser estimada em mais de duasléguas a cada vinte e quatro horas e algumas vezes essaestimativa é ainda menor na época da seca$ 5ntretanto no per%odo

da cheia ela j! chegou a aumentar para trinta e até quarentaquilmetros no mesmo per%odo$9elizmente essas seriam as condi/.es em que a jangada

navegaria1 mas como era muito pesada ela n&o poderia andar coma mesma rapidez da corrente que se deslocava mais r!pido do queela$ 5 se levarmos em conta os atrasos ocasionados pelos cotovelosdo rio pelas inúmeras ilhas que precisariam ser contornadas pelos(aiios que deveriam ser evitados pelas horas de parada quenecessariamente seriam perdidas pelas noites muito escuras quen&o permitiriam viajar em seguran/a a estimativa n&o poderia serde mais de vinte e cinco quilmetros de caminho percorrido a cadavinte e quatro horas$

 Ali!s a super"%cie do rio n&o era totalmente livre$ Urvoresainda verdes restos de vegeta/&o e ilhotas de plantasconstantemente arrancadas das margens "ormavam uma "lotilha dedestro/os que a corrente carregava e que constitu%am o(st!culospara uma r!pida navega/&o$

 A desem(ocadura do +anaQ logo "oi ultrapassada e se perdeuatr!s de uma ponta da margem esquerda com seu tapete degram%neas arruivadas queimadas pelo sol que "ormavam um t)rridoprimeiro plano das verdejantes "lorestas do horizonte$

 A jangada n&o demorou a se "irmar na corrente$ A jangada n&o demorou a se "irmar na corrente entre as

inúmeras e pitorescas ilhas das quais contamos uma dúzia deCquitos até 'ucalppa$

 Araújo que n&o se esquecia de clarear a vis&o e a mem)riaservindo-se do garra"&o mano(rou ha(ilmente no meio dessearquipélago$ Kuando ele dava a ordem cinq<enta croques selevantavam simultaneamente de cada lado da jangada e ca%am na!gua com um movimento autom!tico$ 5ra curioso de se ver$

5nquanto isso Saquita ajudada por Mina e =Q(ele aca(avade pr tudo em ordem e a cozinheira %ndia cuidava do preparo doalmo/o$

Os dois jovens e ?inha passeavam na companhia do padre'assanha e de tempos em tempos a jovem parava para regar asplantas dispostas ao pé da casa$

;5 ent&o padre ; disse 4enito ; conhece uma maneira

mais agrad!vel de se viajar*

Page 65: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 65/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

; +&o meu querido "ilho ; respondeu o padre 'assanha$ ;+a verdade isso é viajar com a pr)pria casaF

;5 sem nenhum cansa/o ; acrescentou ?anoel$ ;'oder%amos viajar assim centenas de milhasF

;'or isso ; disse ?inha ; o senhor n&o vai se arrependerde viajar em nossa companhia$ +&o lhe parece que em(arcamosnuma ilha e que essa ilha separada do leito do rio com suascampinas suas !rvores vai tranq<ilamente 2 deriva* B) que$$$

;B) qu#*$$$ ; repetiu o padre 'assanha$;5ssa ilha padre "omos n)s que "izemos com nossas

pr)prias m&os ela nos pertence e é a minha pre"erida entre todasas ilhas do AmazonasF >enho o direito de me orgulhar delaF

;>em querida "ilha ; respondeu o padre 'assanha ; e eu

a a(solvo do sentimento de orgulho$ Ali!s n&o me permitiriarepreend#-la diante de ?anoelF;Ao contr!rioF ; respondeu alegremente a jovem$ ; H

preciso ensinar ?anoel a me censurar quando eu merecerF 5le éindulgente demais com a minha pessoa que tem l! os seusde"eitos$

;5nt&o minha querida ?inha ; disse ?anoel ; vouaproveitar a permiss&o para lem(r!-la$$$

;e qu#*

;e que "req<entou muito a (i(lioteca da "azenda e quehavia prometido tornar-me muito s!(io em tudo o que se re"ere aoseu Alto Amazonas$ +)s n&o o conhecemos (em no 'ar! e eis quea jangada passa por v!rias ilhas sem que pense em me dizer onome delas$

;5 quem poderia "az#-lo* ; eclamou a jovem$;BimF Kuem poderia* ; repetiu 4enito depois dela$ ; Kuem

poderia guardar as centenas de nomes no idioma tupi com que s&oquali"icadas todas essas ilhas* H imposs%vel identi"ic!-lasF Os

americanos "oram mais pr!ticos com suas ilhas do ?ississipi elass&o numeradas$$$;=omo s&o numeradas as avenidas e as ruas das cidades

delesF ; respondeu ?anoel$ ; 9rancamente eu n&o gosto muitodesse sistema de numerar$ Csso n&o mee com a imagina/&o ilhasessenta e quatro ilha sessenta e cinco igual 2 seta rua daterceira avenidaF +&o compartilha minha opini&o querida ?inha*

;Bim ?anoel independentemente do que possa pensar omeu irm&o ; respondeu a jovem$ ; ?as em(ora n&o conhe/amos

os nomes as ilhas do nosso grande rio s&o realmente (elasF Veja-aspassarem so( a som(ra de gigantescas palmeiras com suas "olhaspendentesF 5 esse cintur&o de junco que as cerca no meio dos

Page 66: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 66/250

quais uma estreita piroga mal conseguiria a(rir passagemF 5 essasriz)"oras cujas ra%zes "ant!sticas v#m arquear-se nas margenscomo patas de monstruosos caranguejos$ Bim essas ilhas s&o(onitas mas por mais (onitas que sejam n&o podem deslocar-se

como a nossaF;A pequena ?inha est! (em entusiasmada hojeF ; o(servouo padre 'assanha$

;Ah 'adreF ; eclamou a jovem$ ; 5stou t&o "eliz porsentir todo o mundo "eliz a minha voltaF

+esse momento ouviu-se a voz de Saquita que chamava?inha para dentro da casa$

 A jovem "oi em(ora correndo e sorrindo$; ?anoel ter! uma am!vel companheira ; disse o

padre 'assanha ao rapaz$ ; H toda a alegria da "am%lia que vaiem(ora com o senhor meu amigo$

  ; Kuerida irm&zinhaF ; disse 4enito$ ; Vamos sentir muitoa "alta dela e o padre tem raz&oF +a verdade se voc# n&o secasasse com ela ?anoelF$$$ Ainda é tempoF 5la "icaria conoscoF

;5la "icar! com voc#s 4enito ; respondeu ?anoel$; Acredite em mim o "uturo tenho esse pressentimento reunir!todos n)sF

O primeiro dia correu (em$ Almo/ar jantar sesta passeiostudo acontecia como se Joam arral e a "am%lia ainda estivessemna con"ort!vel "azenda de Cquitos$

+essas vinte e quatro horas as desem(ocaduras dos rios4acali =hochio 'ucalppa 2 esquerda do rio e as dos rios Ctinicari?aniti ?oQoc >uQuca e as ilhas com o mesmo nome 2 direita"oram transpostas sem incidentes$ P noite iluminada pela luapermitiu economizar uma parada e a longa jangada deslizoutranq<ilamente pela super"%cie do Amazonas$

+o dia seguinte 6 de junho a jangada passou pelas margensdo povoado de 'ucalppa tam(ém chamado de +ovo-Oran$ O antigoOran situado quinze léguas a(aio na mesma margem esquerdado rio est! agora a(andonado$ A popula/&o de +ovo-Oran eracomposta de %ndios que pertenciam 2s tri(os maQorunas e orejones$+&o havia nada mais pitoresco do que esse povoado com suasmargens que pareciam pintadas com sanguina a igreja inaca(adaas palho/as com altas palmeiras que som(reavam os colmos e duasou tr#s u(!s meio encalhadas nos (arrancos$

urante todo o dia 6 de junho a jangada continuou a seguir amargem esquerda do rio passando por alguns a"luentes

desconhecidos sem importGncia$ 'or um instante ela correu o riscode "icar presa na ponta de cima da ilha Binicuro1 mas o piloto (em

Page 67: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 67/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

servido pela equipe conseguiu evitar o perigo e se manteve nadire/&o da corrente$

+o "im da tarde chegaram ao lado de uma ilha mais etensachamada Clha +apo com o mesmo nome do rio que nesse lugar

corre para o noroeste e mistura suas !guas com as do Amazonaspor uma "oz que tem por volta de oitocentos metros de larguradepois de haver (anhado os territ)rios dos %ndios cotos da tri(o dosorejones$

9oi nessa manh& de 6 de junho que a jangada chegou naaltura da pequena ilha ?ango que o(riga o +apo a se dividir emdois (ra/os antes de desaguar no Amazonas$

 Alguns anos depois um viajante "ranc#s 'aul ?arcoQidenti"icou a cor das !guas desse a"luente que ele comparou com

muita propriedade 2 nuan/a de a(sinto da opala verde$ Ao mesmotempo ele reti"icou algumas medidas indicadas por Ma =ondamine$?as naquela época a desem(ocadura do +apo estavasensivelmente aumentada pela cheia e era com uma certa rapidezque seu curso que se origina na encosta oriental do =otopai vinhase misturar (or(ulhando 2s !guas amareladas do Amazonas$

 Alguns %ndios peram(ulavam na desem(ocadura desse cursodR!gua$ 5les eram ro(ustos de estatura elevada ca(elos soltos anarina transpassada por uma argola de palmeira o l)(ulo da orelha

esticado até o om(ro pelo peso de rodelas "eitas de madeirapreciosa$ 5stavam acompanhados de algumas mulheres$ +enhumdeles mani"estou a inten/&o de su(ir a (ordo$

izem que esses ind%genas eram antrop)"agos1 mas dizemisso de tantas tri(os ri(eirinhas que se o "ato "osse verdadeter%amos testemunhos dos h!(itos de cani(alismo que até hoje n&o"oram encontrados$

 Algumas horas mais tarde o povoado de 4ela-Vistaassentado numa margem mais (aia mostrou seu (uqu# de (elas

!rvores que dominavam algumas choupanas co(ertas de palhaso(re as quais as (ananeiras de altura média deiavam cair suaslargas "olhas como a !gua de uma vasilha cheia demais$

epois o piloto a "im de seguir uma corrente melhor quedeveria a"ast!-lo dos (arrancos dirigiu o com(oio para a margemdireita do rio da qual ele ainda n&o se havia aproimado$ A mano(ran&o "oi "eita sem uma certa di"iculdade que "elizmente "oi vencidadepois de alguns a(ra/os dados no garra"&o$

Csso permitiu de passagem ver as numerosas lagoas de

!guas escuras semeadas ao longo do curso do Amazonas e queem geral n&o t#m nenhuma comunica/&o com o rio$ Ima delasque tem o nome de lagoa de Oran de tamanho med%ocre rece(ia

Page 68: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 68/250

as !guas por uma larga passagem$ +o meio do leito do rioper"ilavam-se v!rias ilhas e duas ou tr#s ilhotas curiosamenteagrupadas e na margem oposta 4enito distinguiu o lugar da antigaOran da qual n&o se viam mais do que vest%gios indistintos$

urante dois dias de acordo com as eig#ncias da corrente a jangada ia ora para a margem direita ora para a margem esquerdasem que o seu madeiramento tocasse algo suspeito$

Os passageiros j! estavam acostumados 2 nova vida$ Joamarral que deiara para o "ilho o cuidado de tudo o que se re"eriaao lado comercial da epedi/&o "icava quase todo o tempo noquarto meditando e escrevendo$ Bo(re o que escrevia ele n&o dizianada nem mesmo a Saquita e no entanto isso j! adquiria otamanho de uma verdadeira mem)ria$

4enito de olho em tudo conversava com o piloto e revezavana dire/&o$ Saquita a "ilha e ?anoel "ormavam quase sempre umgrupo 2 parte ou se entretinham com projetos so(re o "uturo oupasseavam como se estivessem no jardim da "azenda$ 5raverdadeiramente a mesma vida$ B) n&o era para 4enito que aindan&o tivera oportunidade de se entregar ao prazer da ca/a$ 5m(orasentisse "alta das "lorestas de Cquitos com suas "eras cutiasqueiadas e capivaras havia os p!ssaros que voavam em (andosnas margens e nem mesmo temiam pousar na jangada$ Kuandopodiam "igurar na mesa como ca/a 4enito atirava neles e sua irm&n&o se opunha pois era para o interesse de todos1 mas quando setratava da gar/a-real cinza ou amarela do %(is rosa ou (ranco que"req<entavam as margens eram poupados por considera/&o a?inha$ B) uma única espécie de mergulh&o se (em quea(solutamente n&o comest%vel n&o era atraente aos olhos do jovemnegociante, era o caiararaR t&o h!(il para mergulhar quanto paranadar ou voar um p!ssaro com um grito desagrad!vel mas cujapenugem é muito valorizada nos v!rios mercados da (aciaamaznica$

9inalmente depois de passar pelo povoado de Om!guas epela desem(ocadura do Am(iacu a jangada chegou a 'evas natarde do dia 33 de junho e "oi amarrada 2 margem$

=omo ainda restavam algumas horas antes do anoitecer4enito desem(arcou levando com ele o sempre pronto 9ragoso eos dois ca/adores "oram percorrer a cerrada "loresta nos arredoresdo pequeno povoado$ Ima cutia e uma capivara sem "alar de umadúzia de perdizes vieram enriquecer a cozinha depois dessa "elizecurs&o$

  5m 'evas com uma popula/&o de duzentos e sessentaha(itantes talvez 4enito pudesse "azer algumas trocas com os

Page 69: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 69/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

irm&os leigos da miss&o que tam(ém eram negociantes de atacado1mas eles haviam epedido recentemente alguns "ardos desalsaparrilha e um (om número de arro(as de (orracha para o4aio Amazonas e o dep)sito deles estava vazio$

 A jangada partiu ao amanhecer e entrou pelo pequenoarquipélago "ormado pelas ilhas Catio e =ochiquinas depois depassar 2 direita pelo povoado que tem o mesmo nome$ V!riasdesem(ocaduras de pequenos a"luentes sem nome "oram notadasna margem direita do rio através dos intervalos que separam asilhas$

 Alguns ind%genas de ca(e/a raspada tatuados nas "aces e natesta usando argolas de metal nas asas nasais e em(aio do l!(ioin"erior apareceram por alguns instantes nas margens$ 5stavam

armados de "lechas e zara(atanas mas n&o as usaram e nemmesmo tentaram entrar em comunica/&o com a jangada$

>e Pe)as ? roneira

urante os dias que se seguiram a navega/&o n&oapresentou nenhum incidente$ As noites eram t&o (onitas que alonga jangada se deiou levar pela corrente sem "azer nenhuma

parada$ As duas margens pitorescas do rio pareciam locomover-selateralmente como esses cen!rios de teatro que v&o de um (astidorao outro$ 'or uma espécie de ilus&o de )ptica que aconteceinconscientemente com os olhos parecia que a jangada estavaim)vel entre duas (ordas que se moviam$

4enito n&o pde ca/ar nas margens pois n&o "izeramnenhuma parada1 mas a ca/a "oi vantajosamente su(stitu%da pelosprodutos da pesca$

+a verdade eles pegaram uma grande variedade de peies

ecelentes pacus suru(is gamitanas de uma carne deliciosae algumas grandes raias chamadas de Yduridaris de (arriga rosa ecostas pretas armadas com um "err&o venenoso$ >am(émrecolheram aos milhares esses candirus uma espécie depequenos siluros sendo alguns microsc)picos que "izeram umaal"ineteira das panturrilhas do (anhista que imprudentemente seaventurou nas paragens deles$

V!rios outros animais aqu!ticos "req<entadores das ricas!guas do Amazonas acompanhavam a jangada por v!rias horas$

avia os gigantes pirarucus com dez a doze pés decomprimento co(ertos por grandes escamas com a (eiradaescarlate mas cuja carne B) era apreciada pelos %ndios >am(ém

Page 70: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 70/250

nem tentavam pescar os graciosos gol"inhos que vinham (rincar 2scentenas (atiam com o ra(o nas vigotas da jangada jogavam-se na"rente e atr!s da em(arca/&o animando as !guas do rio comre"leos coloridos e com jatos dR!gua que a luz re"ratada mudava

em v!rios arco-%ris$+o dia 3L de junho depois de navegar pr)imo 2s margensdevido aos (aiios que "elizmente conseguiram evitar a jangadachegou perto da grande ilha de Ban-'a(lo e no dia seguinte 2 noiteparou no povoado de ?oromoros situado na margem esquerda do Amazonas$ Vinte e quatro horas depois passou pelasdesem(ocaduras do Atacoari e do =ocha e em seguida pelo "uroou canal que se comunicava com o lago de =a(allo-=ocha namargem direita e "ez escala na altura da miss&o de =ocha$

5ssa era a regi&o dos %ndios marahuas de longos ca(elossoltos que tinham em volta da (oca uma espécie de leque deespinhos de palmeiras com seis polegadas de comprimento que osdeiava com um aspecto "elino e isso ; segundo a o(serva/&o de'aul ?arcoQ ; com a inten/&o de se parecerem com o tigre doqual eles admiravam acima de tudo a aud!cia a "or/a e a astúcia$ Algumas mulheres estavam com esses marahuas e "umavamcharutos segurando-os entre os dentes acesos$ >odos eles assimcomo o rei das "lorestas amaznicas andavam quase nus$

 A miss&o de =ocha era na época dirigida por um monge"ranciscano que quis visitar o padre 'assanha$

Joam arral acolheu muito (em o religioso e até convidou-o asentar-se 2 mesa da "am%lia$

5atamente naquele dia havia um jantar que ealtava acozinha %ndia$

Im caldo tradicional com ervas arom!ticas um empad&o quena maioria das vezes su(stitu%a o p&o no 4rasil e que era compostode "arinha de mandioca (em impregnada de caldo de carne e deuma massa de tomate galinha com arroz nadando num molhopicante de vinagre e malagueta um prato de verdurasapimentadas e (olo "rio salpicado de canela1 tudo isso tentava umpo(re monge reduzido ao trivial da par)quia$ 'ortanto insistirampara que ele "icasse$ Saquita e a "ilha "izeram tudo o que puderamcom esse prop)sito$ ?as naquela mesma noite o "ranciscano deviavisitar um %ndio doente em =ocha$ 5le agradeceu 2 hospitaleira"am%lia e partiu n&o sem levar alguns presentes que deveriam ser(em rece(idos pelos ne)"itos da miss&o$

urante dois dias o piloto Araújo teve muito tra(alho$ O leito

do rio se alargava pouco a pouco1 mas as ilhas eram maisnumerosas e a corrente atrapalhada por esses o(st!culos tam(ém

Page 71: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 71/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

aumentava$ 5ra preciso tomar grandes precau/.es para passarentre as ilhas =a(allo-=ocha >arapote =acao "azer paradas"req<entes e por v!rias vezes os homens "oram o(rigados adesem(ara/ar a jangada que amea/ava encalhar$ >odo o mundo "oi

o(rigado a pr m&os 2 mano(ra e "oi nessas condi/.es (em di"%ceisque no dia 70 de junho 2 tarde eles conheceram +uestra-Benora-de-Moreto$

Moreto era a última cidade peruana situada na margemesquerda do rio antes de se chegar 2 "ronteira do 4rasil$ 5la n&opassava de um simples povoado composto de umas vintes casasagrupadas numa ri(anceira ligeiramente acidentada cujaseleva/.es eram de uma terra de ocre e argila$

5ssa miss&o havia sido "undada em 3660 por mission!rios

 jesu%tas$ Os %ndios ticunas que ha(itavam esses territ)rios ao nortedo rio eram ind%genas de pele avermelhada ca(elos grossos comdesenhos ze(rados no rosto como a laca de uma mesa chinesa1tanto os homens quanto as mulheres se vestiam com pequenas"aias de algod&o que lhes circundavam o peito e a cintura$ 5les n&oeram ent&o mais do que duzentos nas (ordas do Atacoari umresto %n"imo de uma na/&o que outrora havia sido poderosa so( ocomando de grandes che"es$

5m Moreto tam(ém viviam alguns soldados peruanos e dois

ou tr#s negociantes portugueses que comerciavam algod&o peiesalgado e salsaparrilha$4enito desem(arcou para se poss%vel comprar alguns "ardos

dessa esmilac!cea que era muito solicitada nos mercados do Amazonas$ Joam arral sempre muito ocupado com um tra(alhoque a(sorvia todo o seu tempo n&o ps o pé em terra$ Saquita e a"ilha tam(ém "icaram a (ordo da jangada com ?anoel$ Csso porqueos mosquitos de Moreto tinham uma (em-"eita reputa/&o paraa"astar os visitantes que n&o queriam dar um pouco do pr)prio

sangue para esses tem%veis d%pteros$Justamente ?anoel aca(ava de dizer algumas palavras so(reesses insetos que n&o davam a menor vontade de en"rentar suaspicadas$

;izem ; ele acrescentou ; que as nove espécies quein"estam o Amazonas marcaram encontro no povoado de Moreto$ 5uacredito nisso e n&o quero tirar a prova$ M! querida ?inha poderiaescolher entre o mosquito cinza o peludo o de pata (ranca o an&oo tocador de "an"arra o pequeno p%"aro o urtiquis o arlequim o

negro grande o ruivo dos (osques ou provavelmente todos aescolheriam como alvo e voltaria para c! irreconhec%velF 5u acho naverdade que esses d%pteros sanguin!rios guardam melhor a

Page 72: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 72/250

"ronteira (rasileira do que esses po(res dia(os dos soldadosp!lidos e magros que vemos na margemF

;?as se tudo serve para alguma coisa na natureza ;perguntou a jovem ; para que servem os mosquitos*

;'ara "azer a "elicidade dos entomologistas ; respondeu?anoel ; e eu "icaria con"uso para lhe dar uma eplica/&o melhorFO que ?anoel disse so(re os mosquitos de Moreto n&o era

mais do que a verdade$ A conseq<#ncia "oi que terminadas ascompras quando 4enito voltou a (ordo tinha o rosto e as m&ostatuados por um milh&o de pontos vermelhos sem "alar nos (ichos-de-pé que apesar do couro dos sapatos se haviam introduzidosso( seus dedos$

;Vamos partir vamos partir agora mesmoF ; gritou 4enito$; Ou as malditas legi.es de insetos v&o invadir-nos e a jangada"icar! ina(it!velF

;5 n)s os importar%amos para o 'ar! ; retrucou ?anoel ;que j! tem o su"iciente para o seu pr)prio consumo$

;5nt&o para n&o passar a noite nessas margens a jangadadesamarrada retomou a corrente$

 A partir de Moreto o Amazonas se inclinava um pouco parasudoeste entre as ilhas Arava =uQari e Irucutea$ A jangadadeslizava nas !guas escuras do =ajuru misturadas com as !guas(rancas do Amazonas$ epois de transpor esse a"luente da margemesquerda no "im da tarde de 7E de junho ela ia 2 derivatranq<ilamente ladeando a grande ilha de Jahuma$

O pr do sol no horizonte sem nenhuma nuvem anunciavauma dessas (elas noites dos tr)picos que as zonas temperadasn&o conhecem$ Ima ligeira (risa re"rescava a atmos"era$ A lua logoia se levantar no "undo do céu cheio de constela/.es e su(stituirpor algumas horas o crepúsculo ausente das (aias latitudes$ 5nesse per%odo ainda o(scuro as estrelas (rilhavam com umapureza incompar!vel$ A imensa plan%cie da (acia parecia prolongar-se até o in"inito como um mar e na etremidade dessa linha quemede mais de duzentos mil (ilh.es de léguas apareciam ao norteo diamante único da estrela polar e ao sul os quatro (rilhantes do=ruzeiro do Bul$

 As !rvores da margem esquerda e da ilha Jahuma meioem(a/adas destacavam-se em recortes negros$ B) se podiaidenti"icar as indecisas silhuetas os troncos ou melhor as colunasdas copa%(as que se a(riam em guarda-chuvas os grupos desandis da qual se etrai um leite espesso e a/ucarado que dizem

d! a em(riaguez do vinho os vinh!ticos com a altura de oitentapés cuja copa tremelicava com a passagem de leves correntes de

Page 73: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 73/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

ar$ Kue (ela hom%lia s&o as "lorestas do AmazonasF poder%amosdizer$ BimF 5 pod%amos acrescentar, Kue hino maravilhoso s&o asnoites dos tr)picosF$

Os p!ssaros soltavam suas últimas notas da noite, (em-te-

vis que penduram seus ninhos nos juncos das margens1nham(us uma espécie de perdiz cujo canto é composto de quatronotas num acorde per"eito e que repetiam os imitadores da ra/a dosvoadores1 camiis de melopéia t&o lamurienta1 ?artins-pescadores cujo grito responde como um sinal aos últimos gritosdos seus cong#neres1 canindés com clarins sonoros1 e ararasvermelhas que do(ravam as asas nas "olhagens dos jequiti(!sdas quais a noite etinguia as espl#ndidas cores$

+a jangada todos os empregados estavam nos seus postos

numa atitude de repouso$ Bozinho o piloto de pé na "rente deiavaver sua alta estatura apenas delineada nas primeiras som(ras$ Atripula/&o de guarda com o longo croque no om(ro lem(rava umacampamento de cavaleiros t!rtaros$ A (andeira (rasileira pendiana ponta do mastro na "rente da jangada e a (risa j! n&o tinha"or/a para levantar-lhe a estamenha$

 Ps oito horas as tr#s primeiras (adaladas do Gngelusevolaram-se do sino da pequena capela$ As tr#s (adaladas dosegundo e do terceiro verseto soaram na sua vez e a ave-maria

terminou com a série de toques mais r!pidos do pequeno sino$>oda a "am%lia depois desse dia do m#s de junho "icousentada na varanda para respirar o ar mais "resco do lado de "ora$>odas as noites transcorriam desse modo e enquanto Joam arralsempre silencioso se contentava em escutar os jovensconversavam alegremente até a hora de dormir$

;Ah nosso lindo rio nosso magn%"ico AmazonasF ;eclamou a jovem cujo entusiasmo por esse grande curso de !guasul-americano n&o diminu%a nunca$

;Cncompar!vel na verdade ; respondeu ?anoel ; e euperce(o todas as suas su(limes (elezasF Agora estamos descendoo rio como Orellana como Ma =ondamine "izeram h! séculos en&o surpreende que tenham "eito t&o maravilhosas descri/.esF

;Im pouco "a(ulosasF ; replicou 4enito$;?eu irm&o ; recome/ou gravemente a jovem ; n&o "ale

mal do nosso AmazonasF;+&o estou "alando mal B) por lem(rar que ele tem suas

lendas irm&zinhaF

;Bim é verdade ele tem lendas e maravilhosasF ;respondeu ?inha$

Page 74: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 74/250

;Kue lendas* ; perguntou ?anoel$ ; evo con"essar queelas ainda n&o chegaram ao 'ar! ou pelo menos da minha parteeu n&o as conhe/oF

;?as ent&o o que lhes ensinam nos colégios de 4elém* ;

respondeu a jovem rindo$;5stou come/ando a perce(er que n&o nos ensinam nadaF; "alou ?anoel$

  ;=omo senhorF ; retomou ?inha com uma voz séria maslevando na (rincadeira$ ; Cgnora entre outras "!(ulas que umenorme réptil chamado de ?inhoc&o 2s vezes vem visitar o Amazonas e que as !guas aumentam ou diminuem con"orme essaserpente mergulha ou sai do rio t&o gigantesca ela é*

;5 j! viram alguma vez esse ?inhoc&o "enomenal* ;perguntou ?anoel$

;9elizmente n&oF ; respondeu Mina$;Kue penaF ; 9ragoso achou que devia acrescentar$;5 a ?&e dRUgua retomou a jovem ; essa maravilhosa e

tem%vel mulher cujo olhar "ascina e arrasta para o "undo do rio osimprudentes que a contemplam*

;OhF Kuanto 2 ?&e dRUgua ela eisteF ; eclamou aing#nua Mina$ ; izem até que ela ainda por cima passeia nasmargens e desaparece como uma ondina quando alguém seaproimaF

;?uito (em Mina ; respondeu 4enito ; a primeira vez quevoc# a vir venha avisar-me$

;'ara que ela o pegue e o leve para o "undo do rio* +uncasenhor 4enitoF

;H nisso que ela acreditaF ; eclamou ?inha$;! muita gente que acredita no tronco de ?anausF ; disse

ent&o 9ragoso sempre pronto a intervir a "avor de Mina$;O tronco de ?anaus* ; perguntou ?anoel$ ; O que é

esse tronco de ?anaus*;Benhor ?anoel ; respondeu 9ragoso com uma seriedade

cmica ; parece que h! ou melhor que houve antigamente umtronco de turum& que todos os anos na mesma época descia o rio+egro detinha-se alguns dias em ?anaus e ia em dire/&o ao 'ar!"azendo uma parada em todos os portos onde os %ndios oornamentavam devotadamente com (andeirinhas$ Kuandochegava a 4elém ele parava dava meia-volta su(ia o Amazonasdepois o rio +egro e retornava para a "loresta de ondemisteriosamente partira$ Im dia quiseram lev!-lo para terra mas o

rio encolerizado se encheu e tiveram de desistir de peg!-lo$ Imoutro dia o capit&o de um navio arpoou o tronco e tentou re(oc!-

Page 75: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 75/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

lo$$$ ?ais uma vez o rio en"urecido arre(entou a corda e o troncoescapou miraculosamenteF

;5 o que aconteceu com ele* ; perguntou a jovem mulata$;'arece que na última viagem senhorita Mina ; respondeu

9ragoso ; em vez de su(ir o rio +egro ele errou o caminho eseguiu pelo Amazonas$ epois disso ninguém mais o viuF

;OhF Be pudéssemos encontr!-loF ; eclamou Mina$;Be n)s o encontrarmos ; disse 4enito ; poremos voc#

em cima do tronco Mina1 ele vai lev!-la para a "loresta misteriosa evoc# passar! a ser uma n!iade lend!ria$

;'or que n&o* ; respondeu a jovem tresloucada$;B&o muitas lendas ; disse ent&o ?anoel ; e con"esso

que o rio de voc#s é digno delas$ ?as h! tam(ém algumas hist)rias

muito interessantes$ 5u conhe/o uma e se n&o temesse entristec#-los porque ela é verdadeiramente lament!vel eu a contaria$;OhF =onte senhor ?anoel ; eclamou Mina$ ; osto tanto

de hist)rias que "azem chorar$;Voc# chora Mina* ; disse 4enito$;=horo sim senhor 4enito mas eu choro rindoF;Vamos conte logo ?anoel$;H a hist)ria de uma "rancesa cujas desgra/as ilustraram

essas margens no século VCCC$

;=ontinue ; "alou ?inha$;Vou come/ar ; retomou ?anoel$ ; 5m 36D3 por ocasi&oda eperi#ncia de dois cientistas "ranceses 4ourguer e Ma=ondamine que "oram enviados para medir um grau da >erra a(aiodo 5quador a eles se juntou um astrnomo muito "amoso chamadoodin des Odonais$

5nt&o odin des Odonais partiu mas n&o "oi sozinho para o+ovo ?undo, levou consigo a jovem esposa os "ilhos o sogro e ocunhado$

>odos os viajantes chegaram a Kuito saud!veis$ 5 "oi ali quecome/ou uma série de desgra/as para a senhora Odonais porqueem poucos meses ela perdeu v!rios de seus "ilhos$

Kuando odin des Odonais terminou seu tra(alho por voltado "im do ano de 36:N ele teve de sair de Kuito e ir para =aiena$ Assim que chegou 2 cidade quis mandar vir a "am%lia1 mas como aguerra havia sido declarada "oi o(rigado a solicitar ao governoportugu#s uma autoriza/&o que desse passagem livre para asenhora Odonais e os outros "amiliares$

5 d! para acreditar* ?uitos anos se passaram sem que aautoriza/&o "osse concedida$

Page 76: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 76/250

5m 36L: odin des Odonais desesperado com essesatrasos resolveu su(ir o Amazonas para (uscar a mulher em Kuito1mas quando ia partir uma sú(ita doen/a impediu-o e n&o pdeeecutar o projeto$

5ntretanto os pedidos n&o haviam sido inúteis e a senhoraOdonais sou(e "inalmente que o rei de 'ortugal lhe concediaautoriza/&o e mandara preparar uma em(arca/&o para que pudessedescer o rio e ir ao encontro do marido$ Ao mesmo tempo umaescolta rece(era ordens de esper!-la nas miss.es do Alto Amazonas$

A senhora Odonais era uma mulher de grande coragemcomo ver&o$ 'or isso n&o hesitou e apesar dos perigos de umaviagem como essa através do continente ela partiu$\

;5ra o dever dela de esposa ?anoel ; disse Saquita$ ; 5eu teria agido da mesma "orma$

;A senhora Odonais ; retomou ?anoel ; "oi até @io4am(a ao sul de Kuito levando com ela o irm&o os "ilhos e ummédico "ranc#s$ 5les precisavam chegar 2s miss.es da "ronteira(rasileira onde deviam encontrar a em(arca/&o e a escolta$

+o in%cio a viagem "oi "eliz1 ela passava pelos a"luentes do Amazonas que se desciam de canoa$ 5ntretanto as di"iculdades"oram crescendo pouco a pouco devido aos perigos e ao cansa/onum pa%s dizimado pela var%ola$ os poucos guias que vieramo"erecer seus servi/os a maioria desapareceu alguns dias depois eum deles o último que havia permanecido "iel aos viajantes a"ogou-se ao socorrer o médico "ranc#s$

A canoa meio que(rada pelas rochas e pelos troncos 2deriva j! n&o servia mais$ 'recisaram ent&o desem(arcar e ali na(eira de uma impenetr!vel "loresta "oram o(rigados a construirumas ca(anas de "olhagens$ O médico se o"ereceu para ir na "rentecom um negro que nunca deiara a senhora Odonais$ Os doispartiram$ 5les "oram esperados por v!rios dias$$$ em v&oF +uncamais voltaram$

Os v%veres estavam aca(ando$ Os que haviam "icadotentaram inutilmente descer o 4o(onasa numa jangada$ >iveramde voltar para a "loresta e seguir a pé no meio da vegeta/&ocerrada quase impratic!vel$

5ra demais para essas po(res pessoasF 5las "oram morrendouma a uma apesar dos cuidados da valente "rancesa$ 'assadosalguns dias "ilhos parentes empregados todos estavam mortosF\

; Oh que mulher in"elizF ; disse Mina$

;A senhora Odonais "icou sozinha ; continuou ?anoel$ ;5la ainda estava a mil léguas do oceano que precisava atingir$ J!

Page 77: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 77/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

n&o era a m&e que continuava a andar na dire/&o do rioF$$$ A m&ehavia perdido os "ilhos enterrara-os com as pr)prias m&osF 5ra amulher que queria rever o marido$

5la andou dia e noite e "inalmente encontrou o curso do

4o(onasa$ Ali "oi recolhida por %ndios generosos que a conduziram2s miss.es onde a escolta a esperava$

?as a senhora Odonais chegava B) deiando atr!s de si umcaminho semeado de túmulos$

A esposa de Odonais chegou a Moreto onde est!vamos h!alguns dias$ esse povoado peruano ela desceu o Amazonascomo n)s nesse momento e en"im reencontrou o marido depois dedezenove anos de separa/&oF\

;'o(re mulherF ; disse ?inha$

;'o(re m&e principalmenteF ; retrucou Saquita$+esse momento o piloto Araújo apareceu na parte de tr!s da jangada e disse,

;Joam arral estamos diante da ilha da @onda$ Vamospassar a "ronteiraF

;A "ronteiraF ; respondeu Joam$5 levantando-se "oi até a (orda da jangada e olhou

longamente para a ilhota da @onda onde se que(rava a corrente dorio$ 5m seguida ps a m&o na testa como se quisesse epulsar

uma lem(ran/a$; A "ronteiraF ; murmurou a(aiando a ca(e/a nummovimento involunt!rio$

=ontudo um minuto depois a ca(e/a estava erguida e seurosto era o de um homem resolvido a cumprir o dever até o "im$

@ragoso em a4"o

 4razaR ou (rasa é uma palavra que encontramos na l%nguaespanhola desde o século CC$ 5la serviu para "ormar a palavra\(razil para designar certas madeiras que "ornecem uma tintavermelha$ a% vem o nome de 4rasil dado 2 vasta etens&o da América do Bul que é atravessada pela linha equinocial e ondeessa madeira era "req<entemente encontrada$ 5la "oi ali!s e numa(oa hora o(jeto de um grande comércio com os normandos$5m(ora seja denominada i(irapitanga no lugar em que éproduzida "oi o nome de (razil que "icou e que passou a ser o

nome do pa%s que parece uma imensa (rasa in"lamado pelos raiosdo sol tropical$

Page 78: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 78/250

Os portugueses "oram os primeiros a ocup!-lo$ +o in%cio doséculo VC Ulvares =a(ral tomou posse dessa terra$ 5m(ora maistarde a 9ran/a e a olanda se tenham esta(elecido numa parte dopa%s ele continuou sendo dos portugueses com todas as qualidades

que distinguem esse pequeno povo valente$ =onsiderado um dosmaiores pa%ses da América meridional teve no seu comando o reiartista e inteligente dom 'edro$

Kue direito voc# tem na tri(o* perguntou ?ontaigne a um%ndio que encontrou no avre$

O direito de ser o primeiro a ir para a guerraF respondeusimplesmente o %ndio$

 A guerra é sa(ido "oi por muito tempo o mais in"al%vel e omais r!pido ve%culo da civiliza/&o$ 'or isso os (rasileiros "izeram oque "azia esse %ndio, lutaram de"enderam sua conquistaampliaram-na e era na primeira "ila que os v%amos marchar naestrada da civiliza/&o$

5m 387D seis anos depois da "unda/&o do império luso-(rasileiro o 4rasil proclamou sua independ#ncia pela voz de domJuan que os eércitos "ranceses haviam epulsado de 'ortugal$

9altava acertar a quest&o das "ronteiras entre o novo impérioe o 'eru seu vizinho$

 A coisa n&o era "!cil$e um lado o 4rasil queria estender suas terras até o rio

+apo a oeste do outro o 'eru pretendia ampliar as suas até o lago5ga isto é mais oito graus a oeste$

'orém nesse meio tempo o 4rasil precisou intervir paraimpedir um levante dos %ndios do Amazonas a "avor das miss.eshispano-(rasileiras$ O melhor meio encontrado para impedir essetipo de tratado "oi "orti"icar a ilha da @onda um pouco acima de>a(atinga e ali esta(elecer um posto$

9oi uma solu/&o e desde essa época a "ronteira dos doispa%ses passa pelo meio da ilha$

 Acima o rio é peruano e se chama ?aranon como "oi dito$ A(aio ele é (rasileiro e tem o nome de rio das Amazonas$+o dia 7: de junho 2 noite a jangada parou diante de

>a(atinga a primeira cidade (rasileira situada na margemesquerda na nascente do rio que lhe d! o nome e que depende dapar)quia de Ban-'a(lo esta(elecida mais a(aio na margemdireita$

Joam arral resolveu passar ali trinta e seis horas para darum descanso aos empregados$ 'ortanto a partida B) ocorreria no

dia 76 pela manh&$

Page 79: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 79/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

essa vez Saquita e os "ilhos talvez menos amea/ados doque em Cquitos de servir de comida aos mosquitos ind%genasmani"estaram a inten/&o de descer em terra e visitar a aldeia$

 A popula/&o de >a(atinga era estimada em quatrocentos

ha(itantes quase todos %ndios incluindo sem dúvida os nmadesque iam de um lado para o outro e n&o se "iavam 2 (eira do Amazonas nem dos seus pequenos a"luentes$

O posto da ilha da @onda estava a(andonado havia algunsanos e "ora transportado para >a(atinga$ 'odia-se dizer que setratava de uma cidade de guarni/&o1 porém a guarni/&o eracomposta apenas de nove soldados quase todos %ndios e de umsargento que era o verdadeiro comandante do lugar$

Ima ri(anceira de uns trinta pés de altura na qual "oram

cortados os degraus de uma pequena escada n&o muito s)lida"ormava nesse lugar a cortina da esplanada onde estava o pequeno"orte$ A resid#ncia do comandante era composta de duas choupanasdispostas num Gngulo reto e os soldados ocupavam umaconstru/&o o(longa erguida a cem passos dali ao pé de umagrande !rvore$

5sse conjunto de ca(anas seria per"eitamente parecido comtodos os povoados e vilarejos disseminados pelas margens do riose um mastro com uma (andeira en"eitada com as cores

(rasileiras n&o se elevasse em cima de uma guarita sempreprivada da sentinela e se quatro pedreiros de (ronze n&oestivessem ali para atirar se necess!rio em todas as em(arca/.esque avan/assem sem ordem$

Kuanto ao povoado propriamente dito estava situado maisa(aio além do planalto$ Im caminho que n&o passava de umaravina som(reado de "%cus e de miritis levava até ele em poucosminutos$ Bo(re uma escarpa de pedra argilosa meio rachadaerguiam-se uma dúzia de casas co(ertas de "olhas de palmeira

(oia/u dispostas em torno de uma pra/a central$>udo isso n&o era muito interessante mas os arredores de>a(atinga eram encantadores so(retudo na desem(ocadura doJavari larga o su"iciente para conter o arquipélago das ilhas Aramasa$ +esse lugar estavam agrupadas (elas !rvores e entreelas um grande número de palmeiras cujas "i(ras "le%veisempregadas na "a(rica/&o de redes de dormir e redes de pesca"aziam parte de um certo comércio$ 5m resumo esse lugar era umdos mais pitorescos do Alto Amazonas$

 Ali!s >a(atinga estava destinada a se tornar em poucotempo um ponto de parada muito importante e sem dúvida a terum r!pido desenvolvimento Ali deveriam parar os vapores

Page 80: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 80/250

(rasileiros que su(iam o rio e os vapores peruanos que o desciam$ Ali seria "eita a mudan/a de carga e de passageiros$ 'ara umaaldeia inglesa ou americana nem precisaria tanto para se tornar emalguns anos o centro de um movimento comercial dos mais

consider!veis$O rio era muito (onito nessa parte do seu curso$5videntemente o e"eito das marés n&o era sentido em >a(atingasituada a mais de cem léguas do AtlGntico$ ?as era di"erente com apororoca essa espécie de macaréu que durante tr#s dias nosgrandes "luos de siz%gia aumenta as !guas do Amazonas e asempurra com uma velocidade de dezessete quilmetros por hora$iziam realmente que esse maremoto se propagava até a "ronteira(rasileira$

+o dia seguinte 7L de junho antes do almo/o a "am%liaarral preparou-se para desem(arcar e visitar a cidade$

5m(ora Joam 4enito e ?anoel j! houvessem posto os pésem mais de uma cidade do império (rasileiro isso n&o haviaacontecido com Saquita e a "ilha$ Beria ent&o para elas umatomada de posse$

Cmagina-se o valor que Saquita e ?inha deviam dar a essavisita$

Be por um lado 9ragoso na qualidade de (ar(eiro nmade j! havia corrido as diversas prov%ncias da América =entral tantoMina como sua patroa ainda n&o haviam pisado em solo (rasileiro$

'orém antes de deiar a jangada 9ragoso "oi ao encontro deJoam arral e teve uma conversa com ele que segue a(aio,

;Benhor arral ; disse ele ; desde o dia em que o senhorme rece(eu na "azenda de Cquitos me alojou vestiu alimentounuma palavra me acolheu t&o hospitaleiramente eu lhe devo$$$

;+&o me deve a(solutamente nada meu amigo ;respondeu Joam arral$ ; 'ortanto n&o insista$$$

;OhF >ranq<ilize-se ; eclamou 9ragoso ; n&o estou 2altura de saldar minha d%vida com o senhorF 5 digo mais o senhorme troue para (ordo e possi(ilitou que eu descesse o rio$ 5 eis queestamos aqui no 4rasil que segundo todas as pro(a(ilidadesnunca mais veria$ Be n&o "osse o cip)$$$

;H para Mina somente 2 Mina que deve trans"erir seureconhecimento ; disse Joam arral$

;5u sei ; respondeu 9ragoso ; e nunca esquecerei o quedevo a ela n&o mais do que ao senhor$

;5st! parecendo 9ragoso ; voltou a "alar Joam ; que veio

dizer adeusF Bua inten/&o é "icar em >a(atinga*

Page 81: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 81/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

;e jeito nenhum senhor arral pois o senhor me permitiuacompanh!-lo até 4elém onde poderei ao menos é o que esperoretomar minha antiga pro"iss&o$

;4om ent&o se essa é a sua inten/&o o que veio pedir meu

amigo*;Vim perguntar se o senhor v# algum inconveniente em eu

eercer no caminho essa pro"iss&o$ ?inha m&o n&o pode en"errujare além do mais alguns punhados de réis n&o "ariam mal ao "undodo meu (olso so(retudo se eu ganh!-los$ Ba(e senhor arral um(ar(eiro que é ao mesmo tempo um pouco ca(eleireiro e n&oouso dizer um pouco médico por respeito ao senhor ?anoel sempreacha alguns clientes nessas aldeias do Alto Amazonas$

;'rincipalmente entre os (rasileiros ; respondeu

Joam arral ; porque entre os ind%genas$$$;esculpe-me ; respondeu 9ragoso ; principalmenteentre os ind%genasF AhF +&o h! (ar(a para "azer pois a natureza semostrou muito avara desse ornamento para com eles mas h!sempre um ca(elo para arrumar de acordo com a última modaF Osselvagens gostam disso sejam eles homens ou mulheres$ Be eu meinstalar na pra/a de >a(atinga com o meu (il(oqu# na m&o ; é o(il(oqu# que os atrai inicialmente e eu jogo muito (em ; antes dedez minutos um c%rculo de %ndios e %ndias estar! "ormado a minha

volta$ 5les disputam meus "avoresF Be eu "icar um m#s aqui toda atri(o dos ticunas ser! penteada pelas minhas m&os$ +&o tardar&o asa(er que o "erro que "risa ; é assim que me chamam ; est! devolta entre os muros de >a(atingaF J! passei aqui por duas vezes eminhas tesouras e pentes "izeram maravilhasF Ah mas n&o se devevoltar constantemente 2 mesma "reguesia$ As senhoras %ndias n&oarrumam o ca(elo todos os dias como as mulheres elegantes dascidades (rasileirasF +&oF epois de penteadas isso "ica por um anoe durante um ano elas tomam todo o cuidado para n&o estragar a

o(ra que eu "iz com algum talento modéstia 2 parteF Acontece que"az um ano que estive em >a(atinga$ 'ortanto vou encontrar todosos meus monumentos em ru%nas e se o senhor n&o se incomodarsenhor arral eu queria tornar-me uma segunda vez digno dareputa/&o que adquiri nessa regi&o$ Antes de tudo é uma quest&ode dinheiro e n&o de amor-pr)prio pode acreditar$

;V! ent&o meu amigo ; respondeu Joam arral sorrindo; mas v! depressaF +&o devemos "icar mais do que um dia em>a(atinga e partiremos amanh& pela manh&$

;+&o vou perder um minuto ; disse 9ragoso$ ; B) o tempode pegar os utens%lios da minha pro"iss&o e desem(arcoF

Page 82: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 82/250

;V! 9ragosoF ; retomou Joam arral$ ; Kue chovadinheiro no seu (olsoF

;H o que espero e é uma chuva (en"azeja que nunca caiuem ecesso so(re o seu servoF

ito isso 9ragoso saiu rapidamente$ Alguns minutos depois a "am%lia eceto Joam arral estavaem terra$ A jangada pudera aproimar-se o su"iciente da margempara que o desem(arque se "izesse sem di"iculdade$ Ima escadaem mau estado cortada no (arranco permitiu que os visitanteschegassem ao alto do plat$

Saquita e os seus "oram rece(idos pelo comandante do "orteum po(re-dia(o que no entanto conhecia as leis da hospitalidade econvidou-os para almo/ar na sua casa$ Aqui e acol! iam e vinhamalguns soldados do posto enquanto na entrada da casernasurgiam suas mulheres de sangue ticuna com algumas crian/asprodutos (astante medianos dessa mistura de ra/as$

5m vez de aceitar o almo/o do sargento Saquita "ez ocontr!rio convidou-o e 2 mulher para partilhar de sua re"ei/&o a(ordo da jangada$

O comandante n&o se "ez de rogado e o encontro "oi marcadopara as onze horas$

5nquanto isso Saquita a "ilha e a jovem mulataacompanhadas de ?anoel "oram passear pelos arredores do postodeiando para 4enito acertar com o comandante o pagamento pelodireito de passagem porque esse sargento era che"e da al"Gndega eche"e militar ao mesmo tempo$

epois de "azer isso como de h!(ito 4enito sairia para ca/arnas matas vizinhas$ essa vez ?anoel se recusou a acompanh!-lo$

5 por seu lado 9ragoso que havia descido da jangada emvez de su(ir para o posto dirigiu-se ao povoado seguindo pelaravina que se a(ria 2 direita no n%vel da margem$ 5le contava maise com raz&o com a clientela ind%gena de >a(atinga do que com a daguarni/&o$ Bem dúvida para as mulheres dos soldados n&o haverianada melhor do que se entregar 2s suas h!(eis m&os1 mas osmaridos n&o pensavam em despender alguns réis para satis"azer as"antasias das suas coquetes caras-metades$

5ntre os ind%genas seria di"erente$ ?aridos e mulheres o(ar(eiro sa(ia disso iriam rece(#-lo (em$

5nt&o su(indo pelo caminho som(reado de "%cus eis que9ragoso chega ao centro de >a(atinga$

 Assim que chegou o "amoso ca(eleireiro "oi notado

reconhecido cercado$

Page 83: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 83/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

9ragoso n&o tinha (um(o nem tam(or nem cornetim paraatrair os clientes nem um carro com co(res (rilhantes "ar)isresplandecentes painéis co(ertos de vidros nem um guarda-solgigantesco nada que pudesse provocar o interesse do pú(lico

como se "aziam nas "eiras da época$ +&oF 'orém 9ragoso tinha oseu (il(oqu# e como esse (il(oqu# era jogado em suas m&osF =omque destreza ele rece(ia a ca(e/a de tartaruga que servia de (olana ponta a"ilada do ca(oF =om que gra/a "azia a (ola descreveressa curva di"%cil da qual provavelmente os matem!ticos ainda n&ohaviam calculado o valor em(ora j! houvessem determinado a"amosa curva do c&o que segue o donoF$

>odos os ind%genas estavam l! homens mulheres velhoscrian/as com suas vestimentas um pouco primitivas olhando com

todos os olhos escutando com todos os ouvidos$ O am!velmala(arista metade em portugu#s metade na l%ngua ticunaderramava so(re eles sua lengalenga ha(itual num tom dos maisalegres$

O que ele lhes dizia era o que dizem todos os charlat&es quep.em seus servi/os 2 disposi/&o do pú(lico sejam eles 9%garosespanh)is ou ca(eleireiros "ranceses$ +o "undo a mesmaautocon"ian/a os mesmos conhecimentos das "raquezas humanaso mesmo g#nero de (rincadeiras repetidas a mesma simp!tica

ha(ilidade o mesmo assom(ro a mesma curiosidade a mesmacredulidade dos (as(aques do mundo civilizado$ A conseq<#ncia "oi que dez minutos mais tarde o pú(lico

estava entusiasmado e se apertava pr)imo a 9ragoso instaladonuma loja da pra/a que servia de ta(erna$

 A loja pertencia a um (rasileiro domiciliado em >a(atinga$+esse lugar por alguns vinténs que s&o os soles do pa%s e valemvinte réis os %ndios podiam comprar (e(idas "a(ricadas ali mesmoespecialmente o a/a%$ >rata-se de uma (e(ida meio s)lida meio

l%quida "eita dos "rutos de uma palmeira tomada numa cuia oumeia ca(a/a a qual em geral se usa na (acia do Amazonas$5 ent&o homens e mulheres ; eles com menos pressa do

que elas ; sentaram-se no esca(elo do (ar(eiro$ 'rovavelmente atesoura de 9ragoso n&o ia ter muito uso pois n&o se tratava decortar as opulentas ca(eleiras quase todas etraordin!rias pela"ineza e qualidade1 mas que emprego ele ia "azer do pente e dos"erros que esquentavam no canto num (raseiroF

5 o artista encorajava as pessoasF

; Vejam vejam ; ele dizia ; como isso permanecer! meusamigos se voc#s n&o dormirem em cimaF Até por um ano e essa éa nova moda de 4elém e do @io de JaneiroF As damas de honra da

Page 84: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 84/250

rainha n&o s&o penteadas com tanta ha(ilidade e notem que eu n&oeconomizo na pomadaF

;+&oF 5le n&o economizavaF H verdade que n&o passava deum pouco de gordura 2 qual misturava o sumo de algumas "lores

mas emplastrava como cimento$'or isso seria poss%vel dar o nome de edi"%cios capilares aosmonumentos constru%dos pelas m&os de 9ragoso que comportavamtodo tipo de arquitetura$ Anéis cachos carac)is tran/as enroladasno alto da ca(e/a tran/as soltas encrespamentos enroladosencaracolados papelotes todos tinham o seu lugar$ +ada "also poreemplo nada de "itas em volta da ca(e/a nem coques nadaposti/o$ Os ca(elos dos ind%genas n&o eram como !rvorespequenas en"raquecidas pelos cortes a"inadas pelas quedas e sim"lorestas em toda a sua virgindade nativaF 5ntretanto ele n&odeiava de acrescentar algumas "lores naturais duas ou tr#s longasespinhas de peie "inos en"eites de ossos ou de co(re que lhetraziam as elegantes do lugar$ =om certeza as mulheresrequintadas do iret)rioE  teriam invejado o arranjo dessespenteados de grande imagina/&o de tr#s e quatro andares e ogrande Méonard em pessoa ter-se-ia inclinado diante do rival dealém-marF

;5 ent&o os vinténs os punhados de réis ; única moedapela qual os ind%genas do Amazonas trocavam suas mercadorias ;choveram no (olso de 9ragoso que os guardava com evidentesatis"a/&o$ ?as certamente a noite chegaria antes que pudessesatis"azer 2 demanda de uma clientela incessantemente renovada$+&o era B) a popula/&o de >a(atinga que se espremia na porta daloja$ A not%cia da chegada de 9ragoso n&o demorara a se espalhar$Os %ndios vinham de todos os lados, ticunas da margem esquerdado rio maQorunas da margem direita assim como os que moravam2 (eira do =ajuru além dos que residiam nas aldeias do Javari$

'or isso uma longa "ila de impacientes se delineava na pra/acentral$ Os "elizardos e "elizardas que sa%am das m&os de 9ragosoiam orgulhosamente de uma casa 2 outra como crian/as grandesque eram se pavoneando e sem ousar se meer demais$

O que ocorreu "oi que o meio-dia chegou e o ocupadoca(eleireiro n&o teve tempo de voltar a (ordo para almo/ar e tevede se contentar com um pouco de a/a% "arinha de mandioca e dois

3 Regime pol1i!o da @ran4a( de ,B= a ,BB( em &ue o poder

ee!ui)o era !omposo por um !onsel'o de !in!o mem7ros( n../

Page 85: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 85/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

ovos de tartaruga que engoliu rapidamente entre duas enroladascom o "erro$

5 era tam(ém uma (oa colheita para o ta(erneiro porquetodas essas opera/.es n&o se realizavam sem uma grande

consuma/&o de (e(idas da adega da loja$ +a verdade era umgrande evento para a cidade de >a(atinga a passagem do céle(re9ragoso ca(eleireiro etraordin!rio e ha(itual das tri(os do Alto AmazonasF

;orres

 Ps cinco horas da tarde 9ragoso ainda estava l! n&o

ag<entando mais e se perguntando se seria o(rigado a passar anoite no local para satis"azer a multid&o que ainda esperava$+esse momento um "orasteiro chegou na pra/a e ao ver a

reuni&o de ind%genas encaminhou-se para a ta(erna$'or alguns minutos o estranho o(servou 9ragoso

atentamente com uma certa circunspec/&o$ Bem dúvida o eame odeiou satis"eito porque ele entrou na loja$

5ra um homem de uns trinta e cinco anos mais ou menos$Isava um traje elegante de viagem que valorizava a sua pessoa$

?as a grande (ar(a negra que havia muito tempo n&o era aparadacom tesoura e o ca(elo um pouco comprido reclamavamimperiosamente o (om tra(alho de um ca(eleireiro$

; 4oa tarde amigo (oa tardeF ; ele disse (atendoligeira mente no om(ro de 9ragoso$

9ragoso voltou-se quando ouviu as palavras pronunciadas empuro (rasileiro e n&o no idioma misturado dos %ndios$

; Im compatriota* ; perguntou sem parar de torcerum cacho re(elde da ca(e/a de uma maQoruna$

; Bim ; respondeu o "orasteiro ; um compatriota queprecisa dos seus servi/os$;=omo n&oF +um instante ; disse 9ragoso$ ; Assim que

terminar a senhoraF;5 isso "oi "eito com duas enroladas do "erro quente$5m(ora n&o tivesse direito ao lugar vago o recém-chegado se

sentou no esca(elo sem que isso provocasse alguma reclama/&oda parte dos ind%genas que teriam a vez atrasada$

9ragoso trocou os "erros de enrolar pela tesoura de

ca(eleireiro e segundo o h!(ito dos colegas de pro"iss&o,;O que deseja senhor* ; perguntou$;=ortar a (ar(a e o ca(elo ; respondeu o estranho

Page 86: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 86/250

;=omo queiraF ; disse 9ragoso introduzindo o pente naespessa ca(eleira do cliente$

5 imediatamente a tesoura come/ou o seu tra(alho$;O senhor vem de longe* ; perguntou 9ragoso que n&o

conseguia tra(alhar sem uma grande a(undGncia de palavras$;Venho dos arredores de Cquitos$;Veja B) como euF ; eclamou 9ragoso$ ; esci o

 Amazonas de Cquitos a >a(atingaF 5 posso perguntar seu nome*;Bem nenhum inconveniente ; respondeu o "orasteiro$ ;

5u me chamo >orres$Kuando o ca(elo do cliente j! estava cortado na última

moda 9ragoso come/ou a cortar a (ar(a mas nesse instantecomo o olhava diretamente no rosto parou retomou o tra(alho een"im,

;5i senhor >orres ; disse ; ser! que$$$* Acho queo conhe/oF$$$ Ber! que j! n&o nos encontramos em algum lugar*

;Acho que n&oF ; respondeu >orres animado$;5nt&o estou enganadoF ; disse 9ragoso$ 5 se preparou

para terminar o tra(alho$'ouco depois >orres retomou a conversa que a pergunta de

9ragoso havia interrompido,;=omo veio de Cquitos* ; perguntou$;e Cquitos para >a(atinga*; Bim$;A (ordo de uma jangada na qual me troue como

passageiro um digno "azendeiro que desce o Amazonas com toda a"am%lia$

;AhF Verdade amigo* H uma sorte se o "azendeiro quisesselevar-me$$$

;>am(ém tem a inten/&o de descer o rio*;5atamente$;Até o 'ar!*;+&o B) até ?anaus onde tenho neg)cios$;4om meu an"itri&o é um homem que gosta de ajudar e

acho que lhe prestar! esse servi/o de (oa vontade$;Acha*;iria até que tenho certeza$;5 como se chama o "azendeiro* ; perguntou >orres

displicentemente$;Joam arral ; respondeu 9ragoso$+esse momento murmurou para si mesmo, >enho certeza de

que j! vi esse homem em algum lugarF$

Page 87: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 87/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

>orres n&o era homem de deiar terminar uma conversa queparecia interess!-lo e dessa vez com mais raz&o$

;5nt&o ; disse ele ; acha que Joam arral consentiria emlevar-me como passageiro*

;@epito que n&o tenho dúvidas ; respondeu 9ragoso$ ; Oque ele "az para um po(re-dia(o como eu n&o recusar! a "azer pelosenhor um compatriotaF

;5st! sozinho a (ordo da jangada*;+&o ; replicou 9ragoso$ ; Aca(ei de dizer que viaja com

toda a "am%lia uma "am%lia de pessoas )timas e est! acompanhadode uma equipe de %ndios e de negros que "azem parte dosempregados da "azenda$

;H rico esse "azendeiro*

;H sim muito rico ; respondeu 9ragoso ; muito rico$ B)as madeiras "lutuantes que "ormam a jangada e a carga que elatransporta constituem uma "ortunaF

; 5nt&o Joam arral passou pela "ronteira (rasileira comtoda a "am%lia* ; retomou >orres$

;Bim ; respondeu 9ragoso ; a mulher o "ilho a "ilha e onoivo da senhorita ?inha$

;AhF 5le tem uma "ilha* ; disse >orres$;Ima "ilha encantadora$

;5 vai casar- se*$$$;Vai com um rapaz "ormid!vel ; respondeu 9ragoso ; ummédico militar da guarni/&o de 4elém que se casar! com ela assimque chegarmos ao "im da viagem$

;4omF ; disse >orres sorrindo$ ; 5nt&o é o que podemoschamar de uma viagem de noivadoF

;Ima viagem de noivado de prazer e de neg)ciosF ;respondeu 9ragoso$ ; A senhora Saquita e a "ilha nunca haviamposto os pés em territ)rio (rasileiro e quanto a Joam arral é a

primeira vez que atravessa a "ronteira desde que entrou na "azendado velho ?agalh&es$;Buponho tam(ém ; perguntou >orres ; que a "am%lia

esteja acompanhada de alguns empregados*;=ertamente ; retorquiu 9ragoso ; da velha =Q(ele h!

cinq<enta anos na "azenda e uma (onita mulata senhorita Minaque é mais uma companheira do que uma criada da jovem patroa$ AhF Kue natureza gentilF Kue cora/&o e que olhosF 5 tem idéiaspr)prias so(re todas as coisas so(retudo so(re cip)s$$$

 Ao entrar por esse caminho sem dúvida 9ragoso n&oconseguiria parar e Mina seria o(jeto de declara/.es entusiastas se

Page 88: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 88/250

>orres n&o tivesse sa%do do esca(elo para dar lugar a um outrocliente$

;Kuanto lhe devo* ; perguntou ao (ar(eiro$;+ada ; respondeu 9ragoso$ ; 5ntre compatriotas que se

encontram na "ronteira n&o h! nada dissoF;5ntretanto ; retorquiu >orres ; eu queria$$$;4om resolveremos mais tarde a (ordo da jangada$;?as ; retrucou >orres ; n&o sei se terei coragem de pedir

a Joam arral que permita$$$  ;+&o hesiteF ; eclamou 9ragoso$ ; Be pre"erir "alarei

com ele que "icar! "eliz em poder ser-lhe útil nessas circunstGncias$+esse momento ?anoel e 4enito que vieram 2 cidade depois

do jantar apareceram na porta da loja desejosos de ver 9ragoso noeerc%cio da sua pro"iss&o$

>orres voltou-se para eles,;5i os dois rapazes que conhe/o ou melhor que reconhe/oF

; eclamou$;O senhor os conhece* ; perguntou 9ragoso um tanto

surpreso$;Bim sem dúvidaF ! um m#s na "loresta de Cquitos

tiraram-me de um grande em(ara/oF;?as s&o eatamente 4enito arral e ?anoel Valdez$;5u seiF 5les me disseram seus nomes mas n&o esperava

encontr!-los aquiF>orres "oi em dire/&o aos dois jovens que o olhavam sem

reconhec#-lo,;+&o se lem(ram de mim senhores* ; perguntou$;5spere ; respondeu 4enito$ ; Benhor >orres se a

mem)ria n&o me "alha n&o "oi o senhor que na "loresta de Cquitosteve alguma di"iculdade com um guari(a*$$$

;5u mesmo senhoresF ; con"irmou >orres$ ; ! seissemanas que continuo a descer o Amazonas e passei a "ronteira aomesmo tempo que voc#sF

;5ncantado em rev#-lo ; disse 4enito$ ; ?as esqueceu deque eu o convidei para ir até a "azenda do meu pai*

;+&o esqueciF ; respondeu >orres$;5 teria "eito (em em aceitar minha o"erta senhorF 'oderia

aguardar nossa partida descansando e depois descer conosco atéa "ronteiraF Kuantos dias de marcha seriam poupadosF

;H verdade ; anuiu >orres$;+osso compatriota n&o vai parar na "ronteira ; disse

ent&o 9ragoso$ ; 5le vai até ?anaus$

Page 89: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 89/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

;4om ; props 4enito ; se quiser ir a (ordo da jangadaser! (em rece(ido e tenho certeza de que meu pai ir! considerarum dever lev!-lo como passageiro$

; =om prazerF ; respondeu >orres$ ; 5 permita que

lhe agrade/a antecipadamenteF?anoel n&o tomou parte da conversa$ eiou que o am!vel

4enito "izesse as gentilezas e "icou o(servando >orres atentamentede quem n&o conseguia lem(rar-se$ avia realmente uma "altaa(soluta de sinceridade na epress&o desse homem cujo olhar sedesviava todo o tempo como se temesse olhar de "rente1 mas?anoel guardou essa impress&o para si mesmo pois n&o queriaprejudicar um compatriota a quem se devia agradar$

; Benhores ; disse >orres ; se quiserem estou pronto

para segui-los até o porto$; VenhaF ; respondeu 4enito$Im quarto de hora depois >orres estava a (ordo da jangada$

4enito apresentou-o a Joam arral eplicando as circunstGncias emque se haviam conhecido e pedindo que >orres "osse comopassageiro até ?anaus$

; 9ico "eliz senhor de poder prestar-lhe esse servi/o ;respondeu Joam arral$

; 5u lhe agrade/o ; retorquiu >orres que no momento de

estender a m&o ao an"itri&o pareceu "az#-lo contra a vontade$; 'artimos amanh& ao raiar do dia ; acrescentou Joamarral$ ; J! pode portanto instalar-se a (ordo$$$

; OhF A instala/&o n&o ser! demoradaF ; respondeu >orres$; H B) a minha pessoa e nada mais$

; A casa é sua ; completou Joam arral$;+a mesma noite >orres tomava posse de uma ca(ine

pr)ima 2 do (ar(eiro$Bomente 2s oito horas 9ragoso de volta 2 jangada relatava

2 jovem mulata os seus "eitos e repetia-lhe n&o sem um pouco deamor-pr)prio que a "ama do ilustre 9ragoso havia aumentado aindamais na (acia do Alto Amazonas$

>es!endo ainda +o dia seguinte de manh& 76 de junho assim que clareou o

dia as amarras "oram soltas e a jangada continuou a derivar na

corrente do rio$Ima pessoa a mais estava a (ordo$ +a realidade de ondevinha esse >orres* +&o se sa(ia ao certo Aonde ia* A ?anaus ele

Page 90: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 90/250

havia dito$ Além do mais >orres procurou n&o deiar transparecernada da sua vida passada nem da pro"iss&o que ainda eercia "aziadois meses e ninguém podia imaginar que a jangada havia dadoasilo a um e-capit&o-do-mato$ Joam arral n&o queria estragar

com perguntas muito insistentes o "avor que lhe prestaria$ Ao dei!-lo su(ir a (ordo o "azendeiro havia o(edecido a umsentimento de humanidade$ +o meio do vasto deserto amaznicoso(retudo naquela época em que os (arcos a vapor ainda n&osingravam as !guas do rio era muito di"%cil encontrar meios detransporte seguros e r!pidos$ As em(arca/.es n&o prestavam umservi/o regular e quase todo o tempo o viajante era o(rigado acaminhar através das "lorestas$ Assim >orres "izera e assimcontinuaria a "azer e para ele havia sido uma sorte inesperada seraceito como passageiro a (ordo da jangada$

epois que 4enito contou em que condi/.es havia encontrado>orres a apresenta/&o estava "eita e ele podia considerar-se umpassageiro a (ordo de um transatlGntico que era livre para participarda vida em comum se lhe conviesse e livre para se mantera"astado se "osse anti-social$

5ra vis%vel pelo menos nos primeiros dias que >orres n&oprocurava entrar na intimidade da "am%lia arral$ 5le se mantinhareservado respondendo quando lhe dirigiam a palavra mas n&o"azia perguntas$

Be ecepcionalmente parecia mais epansivo com alguémesse alguém era 9ragoso$ +&o devia ao alegre companheiro a idéiade ser levado como passageiro na jangada* Ps vezes perguntavaso(re a situa/&o da "am%lia arral em Cquitos so(re os sentimentosda jovem para com ?anoel Valdez e mesmo assim com uma certadiscri/&o$ +a maior parte do tempo quando n&o passeava sozinhona "rente da jangada "icava na ca(ine$

Os almo/os e jantares ele partilhava com Joam arral e a"am%lia mas participava muito pouco da conversa e se retiravaassim que a re"ei/&o terminava$

e manh& a jangada passou pelo pitoresco grupo de ilhassituadas no amplo estu!rio do Javari$ 5sse importante a"luente do Amazonas mostrava na dire/&o do sudoeste um curso que danascente até a desem(ocadura n&o parecia o(stru%do por nenhumailha nem por nenhuma corredeira$ A desem(ocadura media porvolta de tr#s mil pés de largura e a(ria-se a algumas milhas do localocupado anteriormente pela cidade de mesmo nome cuja posseespanh)is e portugueses disputaram por muito tempo$

 Até o dia E0 de junho de manh& n&o houve nada especial aassinalar na viagem$ Ps vezes encontravam algumas em(arca/.es

Page 91: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 91/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

que deslizavam ao longo das margens presas umas 2s outras detal modo que um único %ndio (astava para conduzi-las$ +avegar de(o(ina assim diziam as pessoas do pa%s para designar esse tipode navega/&o ou seja navegar com con"ian/a$

Mogo "oram transpostos a ilha Araria o arquipélago das ilhas=alderon a ilha de =apiatu e muitas outras cujos nomes ainda n&ohaviam chegado ao conhecimento dos ge)gra"os$ +o dia E0 de junho o piloto assinalou 2 direita do rio a pequena aldeia Jurupari->apera onde "izeram uma parada de duas ou tr#s horas$

?anoel e 4enito "oram ca/ar nas redondezas e troueramalguns animais de penas que "oram (em rece(idos na cozinha$ Aomesmo tempo os dois jovens "izeram a captura de um animal a queum naturalista teria dado mais importGncia do que a cozinheira da

 jangada$5ra um quadrúpede de cor escura que se assemelhava umpouco a um grande terra-nova$

;Im tamandu!-(andeiraF ; gritou 4enito jogando-o noconvés da jangada$

;H um espécime magn%"ico que n&o desprestigiaria a cole/&ode um museuF ; completou ?anoel$

;9oi di"%cil pegar esse curioso animal* ; perguntou ?inha$;?as claro irm&zinha ; respondeu 4enito ; e voc# n&o

estava l! para pedir miseric)rdia$ AhF 5sses c&es s&o di"%ceis demorrer e "oram necess!rias mais de tr#s (alas no "lanco para "azerdormir este aquiF

O tamandu! era magn%"ico com um longo ra(o cheio dep#los acinzentados1 o "ocinho em ponta que ele mergulha nos"ormigueiros cujo principal alimento s&o os insetos1 as patascompridas e magras armadas de unhas pontudas que medemcinco polegadas e que podem "echar-se como os dedos da m&o$?as que m&o a do tamandu!F Kuando segura alguma coisa é

preciso cort!-la para "az#-la soltar$ 9oi so(re esse "ato que oviajante 5mile =arreQ se re"eriu quando disse que até o tigre morrenesse a(ra/o$

+o dia 7 de julho pela manh& a jangada chegou perto deBan-'a(lo-dROliven/a depois de deslizar no meio de v!rias ilhasque em qualquer esta/&o s&o co(ertas de verde e som(readas por!rvores magn%"icas cujos nomes principais eram Jurupari @ita?aracanatena e =ururu-Bapo$ 'or muitas vezes tam(ém ela haviapassado ao lado de a(erturas de igarapés ou de pequenos a"luentes

de !guas escuras$

Page 92: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 92/250

 A colora/&o dessas !guas é um "enmeno muito curioso e épr)pria de alguns a"luentes do Amazonas independentemente dasua importGncia$

?anoel "ez com que notassem como essa nuan/a era de uma

cor carregada pois era poss%vel distingui-la nitidamente nasuper"%cie das !guas es(ranqui/adas do rio$ >entaram eplicar essa colora/&o de diversas maneiras ; ele

disse ; e n&o creio que os estudiosos o tenham "eito de maneirasatis"at)ria$

;As !guas s&o realmente pretas com um magn%"ico re"leodourado ; respondeu a jovem mostrando um pequeno len/oldR!gua castanho-dourado que chegava 2 jangada$

;B&o ; respondeu ?anoel ; e um(oldt j! haviao(servado como a senhorita querida ?inha esse re"leo t&ocurioso$ 'orém se olhar mais atentamente ver! que é a cor sépiaque domina em toda a colora/&o$

;4omF ; eclamou 4enito$ ; ?ais um "enmeno so(re oqual os estudiosos n&o est&o de acordoF

;>alvez possamos perguntar aos caim.es aos gol"inhos eaos peies-(oi so(re esse assunto ; o(servou 9ragoso ; porquecertamente eles t#m uma pre"er#ncia por essas !guas para (rincar$

;H verdade que elas atraem mais especialmente essesanimais ; acrescentou ?anoel$ ; ?as por qu#* 9icar%amosatrapalhados para dizerF +a verdade essa colora/&o se deve 2quantidade que essas !guas cont#m em dissolu/&o de hidrog#niocar(onado ou ent&o porque correm em leitos de tur"a por entrecamadas de hulha e de antracito1 ou ser! que n&o devemos atri(uir2 enorme quantidade de minúsculas plantas que carregam* +&o h!nenhuma certeza em rela/&o ao assunto$D  5m todo o caso s&oecelentes para (e(er de um "rescor invej!vel neste clima semnenhum amargor e totalmente in)cuas$ >ome um pouco dessa !guacara ?inha (e(a n&o h! inconveniente$

 A !gua era l%mpida e "resca de "ato$ 5la poderia su(stituircom vantagens as !guas que v&o 2s mesas na 5uropa$

J! "oi dito que na data de 7 de julho de manh& a jangadahavia chegado a Ban-'a(lo-dROliven/a onde s&o "a(ricados aosmilhares longos ter/os cujas contas s&o "eitas da casca do cocode pia/a(a$ 5les s&o o(jeto de um comércio muito concorrido$ 'odeparecer estranho que os antigos donos do pa%s os tupinam(!s os

4  Inúmeras o7ser)a45es eias por )ia9anes poseriores n"o

!on!ordam !om as de 3um7old( :;/

Page 93: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 93/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

tupiniquins tenham chegado a ter como principal atividade o(jetosdo culto cat)lico$ ?as a"inal por que n&o* 5sses %ndios n&o eramcomo os %ndios de outrora$ 5m vez de se vestirem com o trajenacional um cocar de penas de arara arco e zara(atana n&o

adotaram as roupas sul-americanas cal/a (ranca e poncho dealgod&o tecido pelas mulheres que se tornaram h!(eis emcon"eccion!-los*

Ban-'a(lo-d]Oliven/a cidade (em importante n&o tinhamenos de dois mil ha(itantes vindos de todas as tri(os vizinhas$ +aocasi&o capital do Alto Amazonas ela come/ou como uma simplesmiss&o "undada por "rades carmelitas portugueses por volta de3LN7 que "oram sucedidos pelos jesu%tas$

Cnicialmente essa era a regi&o dos om!guas cujo nome

signi"ica ca(e/as chatas$ 5sse nome teve origem no (!r(arocostume das m&es ind%genas de apertar entre duas pequenast!(uas a ca(e/a dos recém-nascidos de modo a "icarem com umcrGnio o(longo que estava muito na moda$ ?as como todas asmodas essa tam(ém mudou1 as ca(e/as passaram a ter a "ormanatural e n&o se encontra mais nenhum vest%gio de de"orma/&o naca(e/a desses "a(ricantes de ter/os$

>oda a "am%lia eceto Joam arral desem(arcou$ >orrestam(ém pre"eriu "icar a (ordo e n&o mani"estou nenhuma vontade

de visitar Ban-'a(lo-d]Oliven/a que no entanto n&o pareciaconhecer$ecididamente se esse aventureiro era taciturno é preciso

reconhecer que tam(ém n&o era curioso$4enito conseguiu "azer trocas com "acilidade de modo a

completar a carga da jangada$ A "am%lia e ele "oram muito (emrece(idos pelas principais autoridades da cidade o comandante emservi/o e o che"e da al"Gndega cujas "un/.es n&o lhes impediam dese entregarem ao comércio$ Até con"iaram diversos produtos da

regi&o destinados a serem vendidos para eles pelo jovemnegociante tanto em ?anaus como em 4elém$ A cidade era "ormada de umas sessenta casas dispostas num

plat que nesse lugar terminava numa ri(anceira do rio$ Algumasdas choupanas eram co(ertas de telhas o que era muito raronessas regi.es1 mas em contrapartida a modesta igreja dedicadaa B&o 'edro e B&o 'aulo era protegida por um telhado de palhaque "icaria mais conveniente no est!(ulo de 4elém do que numao(ra dedicada ao culto num dos pa%ses mais cat)licos do mundo$

O comandante o tenente e o che"e de pol%cia aceitaram jantara mesa da "am%lia e "oram rece(idos por Joam arral com ade"er#ncia devida aos cargos que ocupavam

Page 94: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 94/250

urante o jantar >orres n&o se mostrou mais "alante do quede costume$ =ontou algumas de suas ecurs.es pelo interior do4rasil como um homem que parecia conhecer o pa%s$

 Ao "alar de suas viagens >orres n&o deiou de perguntar ao

comandante se ele conhecia ?anaus se o seu colega estaria l!naquela época se o juiz de direito o primeiro magistrado daprov%ncia tinha o h!(ito de se ausentar nessa época da esta/&oquente$ 'arecia que ao "azer essa série de perguntas >orres olhavapara Joam arral de uma "orma dissimulada$ Csso "icou t&o evidenteque 4enito notou n&o sem alguma surpresa que o pai escutavaatentamente as perguntas um tanto estranhas "eitas por >orres$

O comandante de Ban-'a(lo-dROliven/a garantiu aoaventureiro que as autoridades n&o estavam ausentes de ?anausnessa época e até encarregou Joam arral de lhes apresentar seuscumprimentos$ Begundo as pro(a(ilidades a jangada chegaria aessa cidade em sete semanas o mais tardar entre 70 e 7: deagosto$

Os visitantes do "azendeiro despediram-se da "am%lia arral 2noite e no dia seguinte pela manh& E de julho a jangadarecome/ou a descer o curso do rio$

 Ao meio-dia deiaram 2 esquerda a desem(ocadura doSacurupa$ 5sse a"luente para "alar a verdade n&o passava de umcanal pois jogava suas !guas no C/a que é ele sim um a"luenteesquerdo do Amazonas$ Im "enmeno estranho é que em certoslugares o pr)prio rio alimenta seus a"luentes$

'or volta das tr#s horas da tarde a jangada transps adesem(ocadura do Jandiatu(a que traz do sudoeste suasmagn%"icas !guas negras e as joga na grande artéria por uma (ocade quatrocentos metros depois de (anhar os territ)rios dos %ndiosculinos$

  'assaram ao lado de inúmeras ilhas como 'imaticaira=atirua =hico e ?otachina1 algumas ha(itadas e outras desertasmas todas co(ertas de uma suntuosa vegeta/&o "ormando umaespécie de guirlanda verde ininterrupta de uma ponta a outra do Amazonas$

 

>es!endo sempre

5ra o dia : de julho$ A atmos"era pesada desde a vésperaprometia tempestades (em pr)imas$ randes morcegos de cor

arruivada davam vos rasantes na corrente do Amazonas com umlongo (ater de asas$ 5ntre eles distinguiam-se os cachorros

Page 95: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 95/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

voadores de um marrom escuro e (arrigas claras pelos quais?inha e principalmente a jovem mulata sentiam uma repulsainstintiva$

e "ato eram os horr%veis vampiros que chupavam o sangue

dos animais e atacavam até mesmo o homem queimprudentemente dormisse nos campos$

OhF Kue animais "eiosF ; eclamou Mina tapando os olhos$; 5les me causam horrorF

;5 além do mais s&o perigosos ; acrescentou a jovem$ ;+&o é verdade ?anoel*

;?uito perigosos de "ato ; respondeu o rapaz$ ; 5ssesvampiros t#m um instinto particular que os leva a chupar o sanguenos lugares onde ele corre mais "acilmente principalmente atr!s da

orelha$ urante a opera/&o continuam a (ater as asas e assimprovocam um agrad!vel "rescor o que torna o sono de quem dormeainda mais pro"undo$ ! casos de pessoas su(metidasinconscientemente a uma hemorragia de v!rias horas que nuncamais acordaramF

;+&o continue a contar essas hist)rias ?anoel ; disseSaquita ; sen&o ?inha e Mina n&o conseguir&o dormir 2 noiteF

;+&o h! perigo ; respondeu ?anoel$ ; Be "or precisovelaremos seu sonoF

;Bil#ncioF ; disse 4enito$;O que houve* ; perguntou ?anoel$;+&o est&o ouvindo um ru%do di"erente deste lado* ;

retomou 4enito mostrando a margem direita$;e "ato ; respondeu Saquita$;e onde vem esse (arulho* ; perguntou a jovem$ ;

'arecem cascalhos rolando nas praias das ilhasF;Ora j! sei o que é ; respondeu 4enito$ ; Amanh& ao

alvorecer haver! um (anquete para aqueles que gostam de ovos de

tartaruga e das pequenas tartarugas (em "rescasF+&o havia possi(ilidade de engano$ O ru%do era produzido porv!rios quelnios de todos os tamanhos que a opera/&o da posturalevava 2s ilhas$

+a areia das margens esses an"%(ios escolhiam o lugar maisconveniente para depositar os ovos$ A postura que come/ava aopr do sol terminava ao amanhecer$

+aquele momento a tartaruga-che"e j! havia sa%do do leito dorio para escolher o local mais "avor!vel$ As outras reunidas aos

milhares ocupavam-se em cavar com as patas anteriores uma valade seiscentos pés de comprimento doze de largura e seis depro"undidade1 depois de enterrar os ovos B) lhes "altava co(ri-los

Page 96: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 96/250

com uma camada de areia que amassavam com as carapa/as paracomprimi-la$

 A opera/&o de postura era um grande neg)cio para os %ndiosri(eirinhos do Amazonas e a"luentes$ 5les "icavam de tocaia

esperando a chegada dos quelnios procediam 2 etra/&o dos ovosao som dos tam(ores e da coleta que era dividida em tr#s partesuma "icava para os vigias outra para os %ndios e a terceira para ogoverno representado pelos capit&es da praia que ao mesmotempo que a pol%cia "aziam o rece(imento dos seus direitos$ Acertas margens que o decl%nio das !guas deia a desco(erto e quet#m o privilégio de atrair um grande número de tartarugas "oi dado onome de praias reais$ Kuando a coleta terminava era uma "estapara os %ndios que se entregavam aos jogos 2 dan/a e 2s li(a/.es; e um (anquete para os caim.es do rio que "aziam umacomilan/a dos restos desses an"%(ios$

>anto as tartarugas quanto os seus ovos eram portantoo(jeto de um grande comércio em toda a (acia do Amazonas$ Alguns quelnios eram virados isto é postos de costas quandovoltavam da postura e mantidos vivos em cercados como osviveiros de peies ou eram amarrados a estacas por uma corda(em longa para que pudessem ir e vir para a terra e para a !gua$esse modo era poss%vel ter sempre a carne "resca dessesanimais$

=om as tartaruguinhas que aca(avam de sair da casca oprocedimento era di"erente$ +&o havia necessidade de coloc!-lasem viveiros nem de amarr!-las$ O casco ainda era mole a carneetremamente macia e eram comidas inteiras como as ostrasdepois de cozidas$ esse jeito eram consumidas em quantidadesconsider!veis$

5ntretanto n&o era costume geral nas prov%ncias do Amazonas e do 'ar! preparar ovos de quelnios$ A "a(rica/&o damanteiga de tartaruga que podia ser comparada aos melhoresprodutos da +ormandia e da 4retanha n&o consumia menos do queduzentos e cinq<enta a trezentos milh.es de ovos por ano$ ?as astartarugas eram incont!veis nos cursos de !gua da (acia e eramquantidades incalcul!veis de ovos que elas punham na areia daspraias$

5ntretanto devido ao consumo que delas "aziam n&o apenasos %ndios mas tam(ém as aves pernaltas da regi&o costeira osuru(us voadores os caim.es do rio o número de tartarugasdiminuiu muito e cada pequeno eemplar passou a custar uma

pataca (rasileira$

Page 97: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 97/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

+o dia seguinte ao alvorecer 4enito 9ragoso e alguns %ndiospegaram uma das pirogas e "oram 2 praia de uma das grandes ilhasque haviam margeado 2 noite$ +&o era preciso que a jangadaparasse$ 5les a alcan/ariam$

+a praia viam-se pequenas tume"a/.es que indicavam o localonde naquela noite cada postura havia sido depositada na valacontando de cento e sessenta a cento e noventa ovos$ 5stas nemse pensava etrair$ 'orém uma postura anterior havia sido "eita doismeses antes os ovos j! haviam eclodido so( a a/&o do calorarmazenado na areia e alguns milhares de tartaruguinhas j! corriampela praia$

Os ca/adores "izeram uma (oa ca/a$ 5les encheram a pirogadesses interessantes an"%(ios que chegaram a tempo de serem

preparados para a hora do almo/o$ O achado "oi dividido entre ospassageiros e os empregados da jangada e se so(rasse para o jantar n&o seria muito$

+o dia 6 de julho de manh& estavam diante de Ban-José-de-?atura uma aldeia situada pr)imo a um pequeno rio com umavegeta/&o alta em cujas margens a lenda dizia viveram os %ndiosde ra(o$

+o dia 8 de julho de manh& cedo avistaram o povoado deBan Antonio duas ou tr#s casinhas perdidas entre as !rvores e em

seguida a desem(ocadura do C/a ou 'utumaQo que medianovecentos metros de largura$O 'utumaQo é um dos mais importantes a"luentes do

 Amazonas$ +esse lugar no século VC miss.es inglesas e"undadas por espanh)is "oram destru%das pelos portugueses edelas n&o so(rara nenhum vest%gio$ O que ainda se podiamencontrar eram os representantes das diversas tri(os de %ndios"acilmente reconhec%veis pela diversidade das tatuagens$

O C/a é um curso dR!gua enviado para leste pelas montanhas

de 'asto a nordeste de Kuito através de (elas "lorestas decacaueiros selvagens$ +aveg!vel por uma etens&o de cento equarenta léguas pelos (arcos a vapor que n&o tinham mais de seispés de calado ele seria algum dia uma das principais vias "luviais nooeste da América$

O mau tempo chegou$ +&o era "eito de chuvas cont%nuas1 mas"req<entes tempestades j! pertur(avam a atmos"era$ 5ssesmeteoros n&o atrapalhavam a marcha da jangada que n&o seepunha muito ao vento1 seu comprimento tornava-a até insens%vel

ao marulho do Amazonas1 porém durante os torrenciais aguaceirosa "am%lia arral precisava manter-se dentro da casa$ 5ra preciso

Page 98: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 98/250

preencher as horas de )cio$ 5nt&o eles conversavam trocavamimpress.es e as l%nguas n&o tinham descanso$

9oi nessa situa/&o que >orres come/ou aos poucos aparticipar mais ativamente da conversa$ As particularidades das

suas diversas viagens por todo o norte do 4rasil "orneciam-lhev!rios temas de conversa$ =ertamente esse homem vira muitascoisas1 mas suas o(serva/.es eram as de um cético e na maioriadas vezes chocavam as pessoas (oas que o ouviam$ H precisodizer que ele se mostrava mais dedicado a ?inha$ =ontudo em(orasua "req<ente presen/a desagradasse a ?anoel ela n&o era t&omarcante para que o rapaz achasse necess!rio intervir$ Ali!s a jovem sentia por >orres uma instintiva repulsa que n&o procuravaocultar$

+o dia N de julho a desem(ocadura do >ocantins apareceu namargem esquerda do rio "ormando um estu!rio de quatrocentospés pelo qual o a"luente derramava suas !guas escuras vindas dooeste-noroeste depois de irrigar os territ)rios dos %ndios cacenas$

+esse lugar o curso do Amazonas tinha um aspectoverdadeiramente grandioso mas seu leito era mais do que nuncao(stru%do por ilhas e ilhotas$ 5ra preciso toda a destreza do pilotopara dirigir através desse arquipélago indo de uma margem paraoutra evitando os (aiios "ugindo dos remoinhos mantendo suaimpertur(!vel dire/&o$

>alvez ele pudesse ter seguido pelo AhuatQ-'aran! umaespécie de canal natural que sa%a do rio um pouco a(aio dadesem(ocadura do >ocantins e permitia voltar para o curso dR!guaprincipal cento e vinte milhas mais 2 "rente pelo rio Japur!1 contudoem(ora a parte mais larga desse "uro medisse cento e cinq<entapés a mais estreita tinha apenas sessenta e a jangada teriadi"iculdade para passar$

5m suma depois de atingir no dia 3E de julho a ilha =apurodepois de passar pela (oca do JutahQ que vindo do leste-sudoeste jogava suas !guas escuras por uma a(ertura de mil e quinhentospés depois de admirar legi.es de (elos macacos de cor (rancaamarelada cara vermelho cina(re insaci!veis apreciadores dasnozes produzidas pelas palmeiras 2s quais o rio deve o nome osviajantes chegaram no dia 38 de julho 2 pequena cidade de9onte(oa$

+esse lugar a jangada "ez uma parada de doze horas paradar um descanso 2 tripula/&o$

9onte(oa como a maioria das aldeias-miss.es do Amazonas

n&o escapou ao capricho da lei que as "azia mudar por um longoper%odo de um lugar para outro$ +o entanto era prov!vel que essa

Page 99: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 99/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

vila houvesse deiado a vida nmade e se trans"ormadode"initivamente em sedent!ria$ ?elhor ainda porque eraencantador v#-la com umas trinta casas co(ertas de "olhagens e aigreja dedicada a +ossa Benhora de uadalupe Virgem +egra do

?éico$ 9onte(oa possu%a mil ha(itantes a(astecidos pelos %ndiosdas duas margens que criavam animais nas opulentas campinasdos arredores$ A ocupa/&o desses %ndios n&o se limitava 2 cria/&o,eram tam(ém intrépidos ca/adores ou se pre"erirmos intrépidospescadores de peies-(oi$

'or isso na mesma noite da chegada os jovens puderamassistir a uma interessante epedi/&o desse tipo$

ois desses cet!ceos her(%voros haviam sido perce(idos nas!guas escuras do rio =aQaratu que des!gua em 9onte(oa$ Viam-se

seis pontos marrons moverem-se na super"%cie$ 5ram os dois"ocinhos pontudos e as quatro nadadeiras dos peies-(oi$ P primeira vista pescadores pouco eperientes poderiam

tomar esses pontos m)veis por destro/os 2 deriva mas os %ndios de9onte(oa n&o se enganavam$ Ali!s logo os sopros ruidososindicaram que animais com ori"%cios respirat)rios epulsavam com"or/a o ar que se tornara impr)prio 2s suas necessidades derespira/&o$

uas u(!s cada uma com tr#s pescadores sa%ram da

margem e se aproimaram dos peies-(oi que imediatamente"ugiram$ 'rimeiro o pontos negros tra/aram uma longa esteira nasuper"%cie da !gua depois desaparecerem ao mesmo tempo$

Os pescadores continuaram a avan/ar prudentemente$ Imdeles armado com um arp&o (em primitivo ; um grande prego naponta de um (ast&o ; mantinha-se de pé na piroga enquanto osoutros dois remavam sem (arulho$ 5les aguardavam que os peies-(oi "icassem ao seu alcance quando sentissem necessidade derespirar$ ez minutos no m!imo e os animais certamente

reapareceriam num c%rculo mais ou menos restrito$e "ato decorrido esse tempo os pontos negros emergirama pouca distGncia e dois jatos de ar misturado com vapor "oramruidosamente lan/ados$

 As u(!s aproimaram-se1 os arp.es "oram arremessados aomesmo tempo1 um deles n&o acertou o alvo mas o outro atingiu umdos cet!ceos na altura da vérte(ra caudal$

Csso (astou para atordoar o animal que n&o conseguiude"ender-se ao ser atingido pelo "erro do arp&o$ A corda troue-o

aos poucos para perto da u(! e ele "oi re(ocado até a margem aopé do povoado$

Page 100: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 100/250

+&o passava de um peie-(oi de tamanho pequeno porquemedia apenas tr#s pés de comprimento$ Os po(res cet!ceos "oramt&o perseguidos que se tornaram raros nas !guas do Amazonas edos seus a"luentes e como mal tinham tempo de crescer os

gigantes da espécie n&o ultrapassavam sete pés$ O que s&o eles secomparados aos peies-(oi de doze e de quinze pés que aindaa(undam nos rios e lagos da U"rica*

?as seria (em di"%cil impedir essa destrui/&o$ +a verdade acarne do peie-(oi é ecelente até mesmo superior 2 do porco e o)leo "ornecido pela sua gordura com tr#s polegadas de espessuraum produto de grande valor$ 5ssa carne quando de"umadaconservava-se por muito tempo e "ornecia um alimento saud!vel$ Bea isso acrescentarmos que o animal era relativamente "!cil de sercapturado ninguém se surpreenderia de que a tend#ncia da espécie"osse ser totalmente destru%da$

oje um peie-(oi adulto que rendia dois potes de )leopesando cento e oitenta li(ras n&o d! mais do que quatro arro(asespanholas equivalente a um quintal$

+o dia 3N de julho ao raiar do sol a jangada saiu de9onte(oa e deiou-se levar por entre as duas margens do rioa(solutamente desertas ao longo das ilhas som(readas de "lorestasde cacaueiros que causam grande impress&o$ O céu ainda estavacarregado de grossos cúmulos eletrizados que "aziam pressentirnovas tempestades$

O rio Juru! vindo do sudeste destacou-se na margemesquerda$ Bu(indo por ele uma em(arca/&o poderia chegar ao'eru sem encontrar nenhum o(st!culo intranspon%vel percorrendosuas !guas claras alimentadas por um grande número desu(a"luentes$

; >alvez "osse conveniente ; disse ?anoel ; procurarnesses territ)rios as descendentes das mulheres guerreiras quetanto maravilharam Orellana$ ?as é preciso dizer que a eemplodas antepassadas elas n&o "ormam uma tri(o 2 parte$ B&osimplesmente mulheres que acompanham os maridos na luta eque entre os juru!s t#m reputa/&o de uma grande valentia A jangada continuou a descer1 porém que édalo o AmazonasapresentavaF O rio Japur! cuja desem(ocadura a(ria-se oitentamilhas a "rente e que é dos seus grandes a"luentes corria quaseparalelamente ao rio$

5ntre eles havia canais igarapés lagunas lagos tempor!riosuma rede inetric!vel que tornava (em di"%cil a hidrogra"ia dessa

regi&o$

Page 101: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 101/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

=ontudo em(ora n&o tivesse um mapa para guiar-se aeperi#ncia de Araújo deiava-o totalmente seguro e eramaravilhoso v#-lo virar-se nesse caos sem nunca se a"astar dogrande rio$

5m suma ele se saiu t&o (em que em 7: de julho 2 tardedepois de passar pelo povoado de 'arani->apera a jangada pdeancorar na entrada do lago de 5ga ou >e""é no qual era inútil entrarpois seria preciso sair dele para pegar o Amazonas$

?as a cidade de 5ga era (em importante$ ?erecia que se"izesse uma parada para visit!-la$ 9icou ent&o com(inado que a jangada permaneceria ali até 76 de julho e que no dia seguinte 78a grande piroga transportaria toda a "am%lia para 5ga$

Csso daria um descanso (em merecido 2 la(oriosa tripula/&o

do com(oio$ A noite "oi passada na amarra/&o perto de uma margemelevada sem que nada pertur(asse sua tranq<ilidade$ AlgunsrelGmpagos tropicais in"lamaram o horizonte mas eles vinham deuma tempestade ao longe que n&o chegou 2 entrada do lago$

Cga

+o dia 78 de julho 2s seis horas da manh& Saquita ?inhaMina e os dois jovens se preparavam para deiar a jangada$Joam arral que n&o havia mani"estado a inten/&o de

desem(arcar decidiu dessa vez por insist#ncia da mulher e da "ilhaa(andonar o a(sorvente tra(alho cotidiano e acompanh!-las naecurs&o$

>orres n&o se mostrou interessado em visitar 5ga paragrande satis"a/&o de ?anoel que tomara avers&o por esse homeme s) aguardava a ocasi&o para demonstr!-la$

Kuanto a 9ragoso n&o podia ter para ir a 5ga os mesmosinteresses "inanceiros que o haviam levado a >a(atinga vilarejo depouca importGncia ao lado dessa pequena cidade$

Csso porque ao contr!rio 5ga é uma sede administrativa demil e quinhentos ha(itantes onde residem todas as autoridades quea administra/&o de uma cidade de tamanho consider!vel eige ;consider!vel para o pa%s ; ou seja comandante militar che"e depol%cia juiz de paz juiz de direito pro"essor prim!rio e mil%cia so( asordens de o"iciais de todas as patentes$

Ora quando uma cidade é ha(itada por tantos "uncion!rioscom suas mulheres e "ilhos sup.e-se que n&o haja "alta de

Page 102: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 102/250

(ar(eiros-ca(eleireiros$ 5ra isso o que ocorria ali e 9ragoso n&oganharia o seu dinheiro$

Bem dúvida o am!vel rapaz em(ora n&o tivesse neg)ciosem 5ga contava no entanto "azer parte do grupo uma vez que

Mina acompanhava a jovem patroa1 porém quando iam deiar a jangada ele se resignou em "icar a pedido de Mina$;Benhor 9ragoso* ; disse ela depois de a"ast!-lo do grupo$;Bim senhorita Mina ; respondeu 9ragoso$;+&o creio que seu amigo >orre tenha a inten/&o de nos

acompanhar a 5ga$;e "ato ele deve "icar a (ordo senhorita Mina mas "icaria

agradecido de n&o cham!-lo de meu amigoF;+o entanto o senhor lhe deu a idéia de pedir que "osse

nosso passageiro antes que mani"estasse qualquer inten/&o$;Bim naquele dia se posso dizer o que penso creio ter "eito

uma asneiraF;4om se posso dizer o que penso esse homem n&o me

agrada nem um pouco senhor 9ragoso$;A mim tam(ém n&o senhorita Mina e continuo com a

sensa/&o de que j! o vi em algum lugar$ ?as a vaga lem(ran/a queme deiou B) é eata num ponto, é que a impress&o estava longede ser (oa$

;5m que lugar em que época poderia ter encontrado esse>orres* +&o pode lem(rar-se* >alvez "osse (om sa(er quem ele ée so(retudo quem ele "oiF

;+&o$$$ 5u tento$$$ 9oi h! muito tempo* 5m que pa%s em quecircunstGncias*$$$ 5 n&o consigo$

;Benhor 9ragoso*;Bim senhorita Mina*;evia "icar a (ordo para vigiar >orres na nossa aus#nciaF;O qu#* ; eclamou 9ragoso$ ; +&o acompanh!-la a 5ga

e "icar todo um dia sem v#-la*;5u lhe pe/oF;H uma ordem*$$$;H uma súplica$;5u "icarei$;Benhor 9ragoso*;Bim senhorita Mina$;5u lhe agrade/o$;Agrade/a-me dando um (om aperto de m&o ; respondeu

9ragoso$ ; A% valeria a penaF

Mina estendeu a m&o ao (om rapaz que a reteve por algunsminutos olhando o rosto encantador da jovem$ 5is porque 9ragoso

Page 103: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 103/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

n&o entrou na piroga e "icou sem deiar transparecer vigiando>orres$ Ber! que esse homem perce(ia os sentimentos de repulsaque inspirava a todos* >alvez1 mas sem dúvida tinha raz.es paran&o lev!-los em conta$

Ima distGncia de quatro léguas separava o ancoradouro dacidade de 5ga$ Oito léguas ida e volta numa piroga com seispessoas mais dois negros como remadores era um trajeto quelevava algumas horas sem "alar do cansa/o provocado pela altatemperatura em(ora o céu estivesse co(erto por algumas nuvens$

9elizmente soprava uma deliciosa (risa de nordeste e se elacontinuasse a vir desse lado a navega/&o no lago >e""é seria"acilitada$ 'ossi(ilitaria ir a 5ga e voltar rapidamente em linha reta$

 A vela latina "oi ent&o i/ada no mastro da piroga$ 4enito

tomou o leme e sa%ram depois de um gesto de Mina pararecomendar a 9ragoso que "osse um (om vigia$4astava seguir o litoral sul do lago para chegar a 5ga$ uas

horas depois a piroga chegava ao porto dessa antiga miss&o"undada outrora por carmelitas que se trans"ormou numa cidadeem 36:N e que o general ama "ez passar de"initivamente para odom%nio (rasileiro$

Os passageiros desem(arcaram na margem plana decascalho perto de onde "icavam n&o B) as em(arca/.es da regi&o

mas tam(ém algumas das pequenas goletas que "aziam aca(otagem no litoral do AtlGntico$'ara as duas jovens "oi um deslum(ramento quando entraram

em 5ga$;AhF A cidade grandeF ; eclamou ?inha$;Kuantas casasF Kuanta genteF ; replicou Mina cujos olhos

se a(riam ainda mais para ver melhor$; H mesmo ; respondeu 4enito rindo ; mais de mil e

quinhentos ha(itantes pelo menos duzentas casas algumas com

mais um andar e duas ou tr#s ruas ruas verdadeiras que asseparamF;Kuerido ?anoel ; disse ?inha ; de"enda-nos do meu

irm&oF 5le est! rindo de n)s porque j! visitou as mais (elas cidadesda prov%ncia do Amazonas e do 'ar!F

;4om ele estar! zom(ando tam(ém da m&e ; acrescentouSaquita ; porque con"esso que nunca vi nada parecidoF

;5nt&o tomem cuidado minha m&e e minha irm& ; replicou4enito ; porque entrar&o em #tase quando estiverem em ?anaus

e v&o desmaiar quando chegarem a 4elémF

Page 104: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 104/250

;+&o tema nada dissoF ; respondeu sorrindo ?anoel$ ; As damas ser&o preparadas aos poucos para essas grandessurpresas ao visitarem as primeiras cidades do Alto Amazonas$

;=omo* O senhor tam(ém ?anoel* ; disse ?inha$ ; 9ala

como meu irm&o* 5st! zom(ando*$$$;+&o ?inhaF 5u juro$$$;Vamos deiar esses senhores rindo ; completou Mina ; e

olhar (em cara patroa porque isso é muito (onitoF?uito (onitoF Ima aglomera/&o de casas constru%das de

(arro ou pintadas com cal a maioria co(erta de palha ou com "olhasde palmeiras algumas é verdade constru%das com pedras oumadeira com varandas portas janelas pintadas de um verdenatural no meio de um pequeno pomar com laranjeiras em "lor$ 5havia duas ou tr#s constru/.es pú(licas uma caserna e uma igrejadedicada a Banta >erezinha que parecia uma catedral perto damodesta capela de Cquitos$

epois virando-se na dire/&o do lago via-se um (elopanorama cercado por uma moldura de coqueiros e de a/a%s queterminava nas !guas vizinhas do l%quido len/ol e mais além a tr#sléguas no etremo oposto a pitoresca aldeia de +ogueira mostravasuas casinhas perdidas no tu"o de velhas oliveiras da margem decascalhos$

=ontudo para as duas jovens havia um outro motivo deencantamento ; ali!s um encantamento (em "eminino, as roupasdas elegantes de 5ga n&o eram os trajes ainda primitivos deind%genas do (elo seo omaas ou muras convertidas mas a modada verdadeira (rasileiraF Bim as mulheres as "ilhas dos "uncion!riospú(licos ou dos principais negociantes da cidade usavampretensiosamente toaletes parisienses relativamente ultrapassadase isso a quinhentas léguas do 'ar! que tam(ém est! a milhares demilhas de 'aris$

;?as veja olhe B) patroa estas (elas senhoras nos seus(elos trajesF

;Mina vai enlouquecerF ; eclamou 4enito$;5stas toaletes se "ossem adequadas ; respondeu ?inha

; talvez n&o "ossem t&o rid%culasF;Kuerida ?inha ; disse ?anoel ; com o seu simples

vestido de algod&o e o chapéu de palha acredite est! mais (emvestida do que todas estas (rasileiras com toucados na ca(e/asaias drapeadas e (a(ados que s&o de outro pa%s e de outra ra/a$

;Be eu lhe agrado assim ; respondeu a jovem ; n&o tenho

nada a invejar de ninguémF

Page 105: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 105/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

+o entanto estavam ali para ver$ 'assearam pelas ruas quetinham mais tendas do que lojas1 andaram sem destino pela pra/alugar de encontro dos elegantes e das elegantes que su"ocavamnos trajes europeus1 almo/aram num hotel ; que era apenas um

al(ergue ; cuja cozinha era sensivelmente pior do que o ecelentetrivial da jangada$

epois do jantar no qual B) "igurou tartaruga preparada dediversas maneiras a "am%lia arral "oi uma última vez admirar a(eira do lago que o sol poente dourava com seus raios1 emseguida voltou para a piroga um pouco desiludida talvez com asmagni"ic#ncias de uma cidade que apenas uma hora "ora su"icientepara visitar e tam(ém um pouco cansada do passeio pelas ruasquentes que n&o se podia comparar aos caminhos som(reados de

Cquitos$ 5 isso ocorreu até com a curiosa Mina cujo entusiasmohavia diminu%do um pouco$>odos tomaram seus lugares na piroga$ O vento se mantinha

a nordeste e re"rescava o "im de tarde$ A vela "oi i/ada$ 9izeram devolta a mesma trajet)ria da manh& no lago alimentado pelo rio>e""é de !guas negras que de acordo com os %ndios para osudoeste era naveg!vel no tempo equivalente a quarenta dias demarcha$ Ps oito horas da noite a piroga j! estava pr)ima aoancoradouro e encostava na jangada$ Assim que pde Mina chamou

9ragoso 2 parte,;Viu alguma coisa de suspeita senhor 9ragoso* ;perguntou$

;+ada senhorita Mina ; respondeu 9ragoso$ +adasenhorita Mina ; respondeu 9ragoso$ ; >orres n&o saiu da ca(ineonde leu e escreveu$

;5le n&o entrou na casa na sala de jantar como eu temia*;+&o todo o tempo que "icou "ora da ca(ine passeou na

parte da "rente da jangada$

;O que "azia*;'arecia consultar atentamente um velho papel que tinha nam&o e resmungava umas palavras incompreens%veis$

;>udo isso n&o pode ser t&o ino"ensivo quanto imaginasenhor 9ragosoF 5ssas leituras essas escritas esses velhos papéisdevem ter algum interesseF 5sse leitor e escritor n&o é nenhumpro"essor nem um homem da leiF

;A senhorita tem toda a raz&oF;Vamos continuar vigiando senhor 9ragoso$

;Vamos sempre senhorita Mina ; respondeu 9ragoso$+o dia seguinte 7N de julho assim que amanheceu o dia4enito deu ao piloto o sinal para partir

Page 106: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 106/250

'elo meio das duas ilhas que emergiam da (a%a de Arenapoa desem(ocadura do Japur! com seis mil e seiscentos pés delargura "icou logo vis%vel$ 5sse grande a"luente desaguava por oito(ocas no Amazonas como se desem(ocasse num oceano ou num

gol"o$ ?as suas !guas vinham de longe e eram as montanhas darepú(lica do 5quador que as enviava num curso que B) erao(stru%do por quedas dR!gua a trezentas léguas do seu a"luente$

Mevaram o dia inteiro para descer até a ilha de Sapura edepois com o rio menos o(stru%do a navega/&o "icou mais "!cil$ Acorrente mais lenta permitia evitar mais "acilmente as ilhotas e n&ohouve nenhum choque nem encalhe$

+o dia seguinte a jangada passou ao lado de amplasmargens de cascalho e areia grossa "ormadas de altas dunas muitoacidentadas que serviam de (arragem a pastos enormes nos quaisse poderia criar e alimentar o gado de toda a 5uropa$ 5ssasmargens eram consideradas como as que tinham um maior númerode tartarugas na (acia do Alto Amazonas$

+o dia E0 de julho no "im da tarde a jangada "oi solidamenteamarrada 2 ilha de =atua para passar a noite que amea/ava sermuito escura$

+essa ilha enquanto o sol ainda estava no horizonte surgiuum (ando de %ndios muras remanescentes da antiga e poderosatri(o que outrora entre o >e""é e o ?adeira havia ocupado mais decem léguas 2 (eira do rio$

5sses %ndios que iam e vinham o(servaram o com(oio"lutuante agora im)vel$ 5les eram uma centena armados dezara(atanas con"eccionadas com um junco caracter%stico daquelasparagens e re"or/ada eteriormente por uma c!psula "eita da hastede uma palmeira an& da qual se tirava o miolo$

Joam arral deiou por um instante o tra(alho que tomavatodo o seu tempo para recomendar que vigiassem (em e n&oprovocassem os %ndios$ +a verdade a partida n&o seria igual$ Osmuras tinham uma not!vel destreza para lan/ar com aszara(atanas a uma distGncia de trezentos passos "lechas queprovocam "eridas incur!veis$

5ssas "lechas tiradas da "olha de uma palmeira coucouritecom penas de algod&o e nove a dez polegadas de comprimentopontudas como uma agulha eram envenenadas com curare$

O curare ou Wourah uma su(stGncia que mata tudo o que é(aio como diziam os %ndios era preparado com o suco de umaespécie de eu"or(i!cea e o suco de uma strQchnos (ul(osa sem

contar a pasta de "ormigas venenosas e as presas de serpentestam(ém venenosas que nela eram misturadas$

Page 107: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 107/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

; H mesmo um veneno terr%vel ; disse ?anoel$ ; 5le atacadiretamente o sistema nervoso relacionado aos movimentosvolunt!rios$ ?as o cora/&o n&o é atingido e n&o p!ra de (ater até aetin/&o das "un/.es vitais$ 5 entretanto contra esse

envenenamento que come/a com o entorpecimento dos mem(rosn&o se conhece um ant%dotoF

9elizmente os muras n&o "izeram demonstra/.es hostisem(ora tivessem pelos (rancos um )dio pronunciado$ 5les n&otinham mais é verdade o valor dos seus ancestraisF

 Ao cair da noite uma "lauta de cinco ori"%cios atr!s das!rvores da ilha "ez soar alguns cantos num arranjo em tom menor$Outra "lauta respondeu$ 5ssa troca de "rases musicais durou dois outr#s minutos e os muras desapareceram$

9ragoso num momento de (om humor tentou responder-lhescom uma can/&o ao seu modo1 mas Mina estava presente (em aprop)sito para meter a m&o na (oca do cantor e impedi-lo dedemonstrar seus pequenos talentos que ele prodigalizava com amaior (oa vontade$

+o dia 7 de agosto 2s tr#s horas da tarde a jangada chegoua vinte léguas dali 2 entrada do lagoa Apoara que alimenta comsuas !guas negras o rio do mesmo nome e dois dias depois porvolta das cinco horas ela parou na entrada do lago =oari$

5sse lago dentre os que se comunicam com o Amazonas eraum dos maiores e servia de reservat)rio para di"erentes rios$ =incoou seis a"luentes se lan/avam no lago a% eram armazenados semisturavam e por uma passagem desaguavam na artéria principal$

epois de ver a alta vila de >ahua-?iri montada so(re pilotiscomo pernas de pau para escapar das inunda/.es causadas pelascheias que em geral invadiam as margens (aias a jangada "oiamarrada para ali passar a noite$

 A parada "oi "eita diante do povoado de =oarQ uma dúzia de

casas (em deterioradas constru%das no meio de um espessoajuntamento de laranjeiras e ca(a/ais$ +ada mais mut!vel do que oaspecto dessa vila porque de acordo com a eleva/&o ou ore(aiamento das !guas o lago apresentava uma vasta etens&ol%quida ou se reduzia a um estreito canal que n&o tinha apro"undidade necess!ria nem para se comunicar com o Amazonas$

+o dia seguinte de manh& : de agosto partiram aoamanhecer passaram diante do canal de Sucura que pertence aoem(aralhado sistema de lagos e passagens do rio Tapura e no dia

L de agosto pela manh& chegaram 2 entrada do lago ?iana$+enhum novo incidente ocorreu na vida a (ordo quetranscorria com uma regularidade quase met)dica

Page 108: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 108/250

9ragoso sempre estimulado por Mina vigiava >orres todo otempo$ 'or v!rias vezes 9ragoso tentou "az#-lo "alar so(re a vidapassada1 mas o aventureiro se esquivava de qualquer conversaso(re o assunto e aca(ou mantendo uma certa reserva com o

(ar(eiro$Beu relacionamento com a "am%lia arral continuava omesmo$ 5m(ora "alasse pouco com Joam arral dirigia-se comnaturalidade a Saquita e 2 "ilha parecendo n&o notar a evidente"rieza que o acolhia$ Ali!s as duas diziam que depois da chegada a?anaus >orres iria dei!-los e nunca mais ouviriam "alar dele$Saquita seguia os conselhos do padre 'assanha que a estimulava ater paci#ncia1 mas o (om padre tinha um pouco mais de di"iculdadecom ?anoel seriamente disposto a pr o intruso t&odesastradamente em(arcado na jangada no seu devido lugar$

O único "ato que ocorreu nessa noite "oi o seguinte,Ima piroga que descia o rio encostou na jangada depois do

convite que lhe "oi "eito por Joam arral$;Vai a ?anaus* ; ele perguntou ao %ndio que su(ia na

 jangada e dirigia a piroga$;Vou ; respondeu o %ndio$;Vai chegar l!$$$;5m oito dias$;5nt&o chegar! (em antes de n)s$ 'ode encarregar-se de

entregar uma carta num certo endere/o*;+aturalmente$; 'egue ent&o essa carta meu amigo e leve-a a ?anaus$O %ndio pegou a carta que Joam arral lhe apresentava e um

punhado de réis "oi o pre/o da encomenda que se comprometeu aentregar$

+enhum dos mem(ros da "am%lia na ocasi&o recolhidosdentro de casa tomou conhecimento do "ato$ Apenas >orres opresenciou$ 5le chegou até a ouvir algumas das palavras trocadasentre Joam arral e o %ndio e pela sua "isionomia agora som(riaera "!cil ver que o envio dessa carta n&o deiava de surpreend#-lo$

Um aa&ue

+o entanto em(ora n&o dissesse nada para n&o provocarnenhuma cena violenta a (ordo no dia seguinte ?anoel pensou emconversar com 4enito so(re >orres$

; 4enito ; disse ele depois de lev!-lo para a "rente da jangada ; preciso "alar com voc#$

Page 109: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 109/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

;+ormalmente muito sorridente 4enito parou olhando?anoel e seu rosto anuviou-se$

;Bei o porqu# ; replicou$ ; >rata-se de >orres*;Bim 4enitoF

;4om eu tam(ém quero "alar com voc# so(re ele ?anoel$;Voc# notou como se "az presente ao lado de ?inhaF ;

disse ?anoel empalidecendo$;AhF Ber! que n&o é um sentimento de ciúme que o p.e

contra um homem como esse* ; disse 4enito vivaz$;+&o de jeito nenhumF ; respondeu ?anoel$ ; eus me

livre de "azer uma tal injúria 2 jovem que ser! minha mulherF +&o4enitoF 5la tem horror ao aventureiroF +&o tem nada a ver com issocontudo "ico repugnado ao ver esse homem se impor

continuamente pela sua presen/a pela sua insist#ncia a sua m&ee sua irm& e procurar entrar na intimidade da sua "am%lia que j! é aminhaF

;?anoel ; respondeu seriamente 4enito ; partilho da suarepulsa por essa pessoa duvidosa e se eu ouvisse somente meussentimentos j! haveria epulsado >orres da jangadaF ?as n&oouseiF

;Voc# n&o ousou* ; replicou ?anoel pegando a m&o doamigo$ ; Voc# n&o ousouF$$$

;Ou/a ?anoel ; retomou 4enito$ ; Voc# o(servou (em>orres n&o é* +otou a solicitude dele para com a minha irm&F +adamais verdadeiroF 'orém enquanto voc# via isso n&o perce(eu queesse homem inquietante n&o tira os olhos do meu pai tanto de pertoquanto de longe e que ele parece ter algum pensamento odiosopreconce(ido ao olh!-lo com essa o(stina/&o ineplic!velF

;O que est! dizendo 4enito* Voc# tem raz.es para pensarque >orres n&o gosta de Joam arral*

;+enhuma$$$ +&o penso nadaF ; respondeu 4enito$ ; H

apenas um pressentimentoF ?as o(serve (em >orres estude comcuidado sua "isionomia e ver! o sorriso maldoso quando seu olharalcan/a meu paiF

;4om ; retrucou ?anoel ; se é assim 4enito uma raz&oa mais para epuls!-loF

;@az&o a mais$$$ Ou raz&o a menos$$$ ; respondeu o rapaz$; ?anoel$$$ tenho medo$$$ de qu#*$$$ +&o sei$$$ ?as o(rigar meu paia pr >orres para "ora$$$ 'ode ser uma imprud#nciaF 5u repito$$$>enho medo sem que nenhum "ato positivo permita eplicar a mim

mesmo esse medoF4enito teve uma espécie de estremecimento de raivaenquanto "alava

Page 110: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 110/250

;5nt&o ; disse ?anoel ; voc# acha que é precisoesperar*

;Acho$$$ esperar antes de tomar uma atitude masso(retudo "icarmos atentosF

;A"inal ; voltou a "alar ?anoel ; dentro de uns vinte diaschegaremos a ?anaus$ H l! que >orres vai "icar$ H l! que nosdeiar! e "icaremos livres dessa presen/a para sempreF Até l! olhoneleF

;Voc# me entende ?anoel ; respondeu 4enito$;5u o entendo meu amigo meu irm&oF ; replicou ?anoel$  ; 5m(ora n&o concorde em(ora n&o partilhe do seu medoF

Kue v%nculo poderia eistir entre seu pai e o aventureiro*5videntemente seu pai nunca o viuF

;+&o digo que meu pai conhe/a >orres ; "alou 4enito$ ;?as simF$$$ A mim me parece que >orres conhece o meu paiF$$$ Oque "azia esse homem nos arredores da "azenda quando oencontramos na "loresta de Cquitos* 'or que na ocasi&o recusou ahospitalidade que lhe o"erecemos para dar um jeito de quaseo(rigatoriamente ser nosso companheiro de viagem* =hegamos a>a(atinga e parecia que ele nos esperavaF O acaso é o únicorespons!vel por todos esses encontros ou seria o resultado de umplano preconce(ido* iante do olhar "ugidio e ao mesmo tempoo(stinado de >orres tudo isso me vem 2 menteF$$$ +&o sei$$$ 5stouperdido no meio dessas coisas ineplic!veisF AhF 'or que tive a idéiade o"erecer para ele em(arcar na jangadaF

;Acalme-se 4enito eu lhe pe/oF;?anoel ; eclamou 4enito que parecia n&o se conter ;

acha que se o caso "osse B) comigo eu hesitaria em pr para "orada jangada esse homem que B) nos inspira repulsa e antipatia*?as de "ato se se trata do meu pai tenho medo de que ao seguirminhas impress.es eu piore tudoF Alguma coisa me diz que comesse homem tortuoso pode ser perigoso agir antes que um "ato nostenha dado esse direito$$$ O direito e o deverF$$$ 5m suma na jangada n)s o temos 2 m&o e se n)s dois montarmos uma (oaguarda ao lado do meu pai aca(aremos "or/ando qualquer queseja o jogo dele a se desmascarar a se trairF 'ortanto vamosesperar mais um poucoF

 A chegada de >orres na parte da "rente da jangadainterrompeu a conversa dos dois rapazes$ >orres olhou-os desoslaio mas n&o lhes dirigiu a palavra$

4enito n&o se enganara ao dizer que os olhos do aventureiro

"icavam pregados na pessoa de Joam arral todas as vezes emque n&o se sentia o(servado$

Page 111: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 111/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

+&oF 5le n&o estava errado ao dizer que a "isionomia de>orres "icava sinistra ao olhar o seu paiF

Kue misterioso v%nculo entre esses dois homens um delesa no(reza em pessoa poderia ligar ; sem o sa(er era evidente ;

um ao outro*iante da situa/&o seria di"%cil que >orres agora vigiado pelos

dois rapazes e ao mesmo tempo por 9ragoso e Mina pudesse "azeralgum movimento sem ser imediatamente reprimido$ >alvez elesou(esse$ 5m todo o caso nada demonstrava e n&o mudara emnada a maneira de ser$

Batis"eitos com a conversa que tiveram ?anoel e 4enitoprometeram um ao outro manter >orres so( vigia sem "azer nadapara chamar a aten/&o$

+os dias seguintes a jangada passou pela entrada dos "uros=Gmara Aru Suripari da margem direita cujas !guas em vez deca%rem no Amazonas iam para o sul alimentar o rio 'urus e porele voltavam ao rio$ +o dia 30 de agosto 2s cinco horas da tarde"oi "eita uma escala na ilha dos =ocos$

M! havia a "azenda de um seringueiro$ 5sse é o nome doprodutor de (orracha decorrente da seringueira !rvore cujo nomecient%"ico é siphonia el!sticaR$

iziam que por neglig#ncia ou eplora/&o inadequada o

número dessas !rvores diminu%a na (acia Amaznica1 mas as"lorestas de seringueiras ainda eram consider!veis 2 (eira do?adeira do 'urus e de outros a"luentes do rio$

Ins vinte %ndios coletavam e manipulavam a (orrachaopera/&o que era "eita principalmente nos meses de maio junho e julho$

epois de veri"icar se as !rvores estavam em (oas condi/.espara a coleta (em preparadas pela cheia do rio que inundara ostroncos numa altura que chegava em torno de quatro pés os %ndios

come/avam o tra(alho$+as incis.es "eitas no al(urno das seringueiras eles prendiampequenos potes em(aio dos cortes que vinte e quatro horas eramsu"icientes para encher com uma su(stGncia leitosa que tam(émpodia ser recolhida com um (am(u oco e um recipiente ao pé da!rvore$

epois de coletada a su(stGncia para impedir o isolamentode suas part%culas resinosas os %ndios su(metiam-na a uma"umiga/&o so(re um "ogo "eito com madeira de palmeira a/a%$ Ao

espalhar essa su(stGncia leitosa so(re uma p! de madeira que eraagitada na "uma/a produzia-se instantaneamente sua coagula/&o1ela mudava para uma cor cinza amarelada e se solidi"icava As

Page 112: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 112/250

camadas que se "ormavam sucessivamente eram ent&o tiradas dap! e epostas ao sol para endurecerem mais e tomavam a cormarrom que se conhece$ epois disso a "a(rica/&o estavaterminada$

 Aproveitando a ecelente ocasi&o 4enito comprou dos %ndiostoda a (orracha armazenada nas ca(anas erguidas so(re pilotis$ Opre/o que ele lhes pagou "oi su"icientemente lucrativo e os %ndios semostraram muito satis"eitos$

Kuatro dias depois 3D de agosto a jangada passou na (ocado 'urus$

5sse ainda é um dos grandes a"luentes 2 direita do Amazonase parece o"erecer mais de quinhentas léguas de curso naveg!velmesmo para grandes em(arca/.es$ 5le desaparece para sudoestee mede quase quatro mil pés na desem(ocadura$ epois de correrem(aio da som(ra de "%cus tahuaris palmeiras nipas cecr)piasé realmente por cinco (ra/os que des!gua no Amazonas$: +esselugar o piloto conseguia mano(rar com mais "acilidade$ O curso dorio era menos o(stru%do por ilhas e além disso a largura de umamargem a outra podia ser estimada em duas léguas no m%nimo$

5 tam(ém a corrente levava a jangada com tantaregularidade que no dia 38 de agosto ela parava diante do povoadode 'esquero para ali passar a noite$

O sol j! estava (em (aio no horizonte e com a rapidezespecial das (aias latitudes ia desaparecer quaseperpendicularmente como um enorme ()lido$ A noite sucederia aodia quase sem crepúsculo como as noites nos teatros que seconsegue imitar a(aiando (ruscamente a ri(alta$

Joam arral e a mulher Mina e a velha =Q(ele estavam na"rente da casa$

epois de "icar rodeando Joam arral como se quisesse"alar-lhe em particular constrangido pela chegada do padre'assanha que viera desejar (oa-noite 2 "am%lia >orres entrara"inalmente na ca(ine$

Os %ndios e os negros estendidos ao longo da (eirada semantinham nos postos de mano(ra$ Araújo sentado na "renteestudava a corrente cujo "io se alongava numa linha retil%nea$

?anoel e 4enito de olho vivo mas conversando e "umandocom um ar indi"erente passeavam pela parte central da jangadaaguardando a hora de dormir$

5 Seis!enas léguas desse rio oram esudadas por M. $aes( um

ge<grao inglDs.:;/

Page 113: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 113/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

e repente ?anoel segurou 4enito detendo-o e disse,;Kue odor di"erenteF Ber! que estou enganado* +&o est!

sentindo* $$$ 'arece mesmo$$$;'arece alm%scar come/ando a decompor-seF ; respondeu

4enito$ ; eve haver caim.es adormecidos na margem vizinhaF;4om a natureza agiu sa(iamente ao permitir que eles se

tra%ssem desse modoF;Bim ; disse 4enito ; isso é uma sorte porque s&o

animais que se devem temer$+a maioria das vezes ao cair da noite esses s!urios

gostavam de deitar-se na areia das margens onde se instalavammais comodamente para passar a noite$ Ali encolhidos num (uracono qual entravam de costas dormiam de (oca a(erta e com o

mailar superior a(erto na vertical a n&o ser que esperassem ouespreitassem alguma presa$ 'recipitar-se para pegar a presa sejanadando so( as !guas usando a cauda como único motor sejacorrendo nas margens de areia e cascalho com uma rapidez que ohomem n&o conseguia igualar n&o passava de uma (rincadeirapara esses an"%(ios$

5ra ali nas vastas margens que os caim.es nasciam viviame morriam n&o sem dar eemplos de uma etraordin!rialongevidade$ Os mais velhos centen!rios podiam ser reconhecidos

n&o B) pelo musgo esverdeado e as proemin#ncias que reco(riamsuas carapa/as como tam(ém pela "erocidade natural queaumentava com a idade$ =omo disse 4enito esses animais podiamser terr%veis e convinha montar guarda contra seus ataques$

e repente gritos "oram ouvidos da parte da "rente,;=aim.esF =aim.esF?anoel e 4enito se voltaram para olhar$ >r#s grandes s!urios

com quinze a vinte pés de comprimento haviam conseguido su(irna plata"orma da jangada$

;Aos "uzisF Aos "uzisF ; gritou 4enito "azendo sinais aos%ndios e aos negros para chegar para tr!s$;'ara casaF ; respondeu ?anoel$ ; H mais r!pidoFe "ato como n&o se podia lutar contra eles o melhor era

primeiro procurar a(rigo$Csso "oi "eito num minuto$ A "am%lia arral se re"ugiou dentro

de casa onde os dois rapazes se juntaram a ela$ Os %ndios e onegros havia voltado para suas malocas e ca(anas$

 A porta da casa j! ia ser "echada,

;5 ?inha* ; perguntou ?anoel$;+&o est! aquiF ; respondeu Mina que aca(ava de voltar doquarto da patroa

Page 114: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 114/250

;?eu eusF Onde ela est!* ; gritou a m&e$ 5 todosgritaram ao mesmo tempo,

;?inhaF ?inhaF +enhuma resposta$;Ber! que est! na "rente da jangada* ; disse 4enito$

;?inhaF ; gritou ?anoel$Os dois rapazes 9ragoso e Joam arral sem pensar noperigo sa%ram da casa armados de "uzis$

?al puseram os pés do lado de "ora dois caim.es dandomeia-volta correram em dire/&o a eles$

Ima (ala de chum(o grosso na ca(e/a perto do olho atiradapor 4enito interceptou um dos monstros que mortalmente "eridose de(ateu em violentas convuls.es e caiu de lado$

?as o segundo j! estava l! correndo para "rente e n&o haviamais jeito de impedi-lo$

O enorme caim&o correu na dire/&o de Joam arral e depoisde derru(!-lo com um movimento do ra(o vinha para cima delecom os mailares a(ertos$

+esse momento saindo da ca(ine com um machado na m&o>orres deu um golpe t&o "eliz que a lGmina entrou no mailar docaim&o e a% "icou en"iada sem que ele conseguisse se livrar dela$Bem poder energar por causa do sangue o animal se jogou para olado e voluntariamente ou n&o caiu e desapareceu no rio$

;?inhaF ?inhaF ; continuou gritando ?anoeldesatinado chegando 2 "rente da jangada$

Bu(itamente a jovem apareceu$ 5la se re"ugiara na ca(anade Araújo1 mas a ca(ana havia sido derru(ada com o possanteataque do terceiro caim&o e ?inha "ugia para tr!s perseguida pelomonstro que n&o estava nem a seis pés de distGncia$

?inha caiu$Ima segunda (ala atirada por 4enito n&o conseguiu parar o

caim&oF Apenas (ateu na coura/a do animal e algumas escamasvoaram estilha/adas sem penetr!-lo$

?anoel atirou-se na dire/&o da jovem para levant!-lacarreg!-la arranc!-la da morteF$$$ Im golpe com a cauda lan/adopelo animal derru(ou-o$

?inha desmaiada estava perdida e a (oca do caim&o j! sea(ria para tritur!-laF$$$

9oi ent&o que 9ragoso pulando so(re o animal en"iou-lheuma "aca no "undo na garganta com o risco de ter o (ra/o cortadopelos dois mailares no caso de se "echarem (ruscamente$

9ragoso pde retirar o (ra/o a tempo1 mas n&o conseguiu

evitar o choque do caim&o e "oi arrastado para o rio cujas !guas"icaram vermelhas por um longo tempo$

Page 115: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 115/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

;9ragosoF 9ragosoF ; gritava Mina ajoelhando-se na (eirada jangada$

Im minuto depois 9ragoso reapareceu 2 super"%cie do Amazonas$$$ 5stava s&o e salvo$

'ondo a sua vida em perigo ele salvara a jovem que j!voltara a si e como de todas as m&os que lhe estendiam ?anoelSaquita ?inha e Mina 9ragoso n&o sa(ia qual delas pegar aca(ousegurando a da jovem mulata$

  +o entanto se 9ragoso havia salvado ?inha era certamente2 interven/&o de >orres que Joam arral devia a sua salva/&o$

'ortanto n&o era a vida do "azendeiro que queria oaventureiro$ iante desse "ato evidente era preciso admiti-lo$

?anoel mostrou isso a 4enito em voz (aia$

;H verdadeF ; respondeu 4enito em(ara/ado$ ; Voc#tem raz&o e nesse sentido é uma preocupa/&o a menosF +oentanto ?anoel minhas suspeitas ainda permanecemF H poss%velser o pior inimigo de um homem sem querer a morte deleF

+esse meio tempo Joam arral se havia aproimado de>orres$

;O(rigado >orres ; ele disse estendendo a m&o$O aventureiro deu alguns passos para tr!s sem responder$;>orres ; retomou Joam arral ; lamento que esteja

chegando ao "im de sua viagem e que devamos separar-nos emalguns diasF 5u lhe devo$$$;Joam arral ; respondeu >orres ; n&o me deve nadaF

Bua vida me é a mais preciosa de todasF 5 se permitir$$$ 5u pensei(em$$$ 5m vez de parar em ?anaus descerei em 4elém$ 'odelevar-me até l!*

Joam arral respondeu com um sinal a"irmativo$ Ao ouvir o pedido num movimento espontGneo 4enito ia

intervir1 porém ?anoel impediu-o e o rapaz se conteve n&o sem um

enorme es"or/o$ 

O 9anar da !'egada

+o dia seguinte depois de uma noite que servira para acalmartantas emo/.es desatracaram da praia dos caim.es e continuarama viagem$ Antes de cinco dias se nada atrapalhasse o seu curso a jangada deveria chegar ao porto de ?anaus$

 A jovem estava totalmente re"eita do susto1 seus olhos e seusorriso agradeciam ao mesmo tempo a todos aqueles que haviamarriscado a vida por ela

Page 116: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 116/250

Mina estava muito reconhecida ao corajoso 9ragoso como se"osse ela que houvesse sido salvaF

;5u lhe retri(uirei mais cedo ou mais tarde senhor 9ragoso; ela disse sorrindo$

;5 como senhorita Mina*;OhF O senhor sa(e muito (emF;5nt&o se eu sei que seja mais cedo e n&o mais tardeF ;

respondeu o am!vel rapaz$5 a partir daquele dia "icou esta(elecido que a encantadora

Mina estava noiva de 9ragoso que o casamento deles seriarealizado ao mesmo tempo que o de ?inha e ?anoel e que o novocasal "icaria em 4elém perto dos recém casados$

  ;5st! tudo (em ; repetia 9ragoso todo o tempo ;mas nunca pensei que o 'ar! "icasse t&o longeF

Kuanto a ?anoel e 4enito eles tiveram uma longa conversaso(re o que havia ocorrido$ 5stava "ora de cogita/&o conseguir queJoam arral epulsasse quem o havia salvado$

Bua vida me é a mais preciosa de todas dissera >orres$4enito ouvira e guardara essa resposta hiper()lica e ao

mesmo tempo enigm!tica que havia escapado do aventureiro$'or enquanto os dois jovens n&o podiam "azer nada$ ?ais do

que nunca tinham de esperar ; esperar n&o quatro ou cinco diasmas sete ou oito semanas ainda isto é todo o tempo que a jangadalevaria para descer até 4elém$

;5m tudo isso h! um mistério que n&o consigo compreenderF; disse 4enito$

;Bim mas podemos "icar tranq<ilos num ponto ; respondeu?anoel$ ; 5st! claro 4enito que >orres n&o pretende tirar a vidado seu pai$ e resto continuaremos vigilantesF

 Ali!s parecia que a partir daquele dia >orres se mostravamais reservado$ 5le n&o procurou de "orma alguma se impor 2"am%lia e "oi menos ass%duo ao lado de ?inha$ 'ortanto houve umapausa nessa situa/&o da qual todos eceto talvez Joam arralsentiam a gravidade$

+a noite do mesmo dia deiaram para tr!s 2 direita do rio ailha 4aroso "ormada por um "uro com esse nome e o lago?anaoari alimentado por uma série con"usa de pequenos a"luentes$

 A noite passou sem incidentes mas Joam arralrecomendara que vigiassem com muita aten/&o$

+o dia seguinte 70 de agosto o piloto que "azia quest&o deacompanhar de perto a margem direita por causa dos imprevistos

remoinhos da esquerda resolveu passar entre a margem e as ilhas$

Page 117: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 117/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

 Além da margem a regi&o era semeada de lagos grandes epequenos como o =alderon o uarandeina e alguns outrosmenores de !guas escuras$ 5sse sistema hidrogr!"ico marcava aaproima/&o do rio +egro o mais importante de todos os a"luentes

do Amazonas$ +a realidade o grande rio ainda era denominadoBolim.es1 porém depois da desem(ocadura do rio +egro eletomava o nome que o tornou o mais "amoso de todos os cursosdR!gua do mundo$

+esse dia a jangada teve de navegar em condi/.es (emsingulares$

O (ra/o de rio seguido pelo piloto entre a ilha =alderon e aterra era muito estreito em(ora parecesse (em largo$ Csso se deviaao "ato de uma grande parte da ilha pouco acima do n%vel médio

ainda estar co(erta pelas !guas da cheia$e cada lado se amontoavam "lorestas de !rvores gigantescujos topos "icavam cinq<enta pés acima do solo e ao se unirem deuma margem 2 outra "ormavam uma imensa a()(ada$

 P esquerda nada mais pitoresco do que a "loresta inundadaque parecia plantada no meio de um lago$ O tronco das !rvores sa%ade uma !gua tranq<ila e pura na qual os entrela/amentos dosgalhos se re"letiam com incompar!vel nitidez$ Be "ossem colocadosso(re um imenso espelho como essas plantas em miniatura de

alguns centros de mesa n&o teriam um re"leo mais per"eito$ =om aaltura duplicada terminados tanto em cima como em(aio por umvasto guarda-sol de vegeta/&o eles como que "ormavam doishemis"érios e a jangada parecia seguir por dentro de um dosgrandes c%rculos$

e "ato havia sido necess!rio deiar a jangada aventurar-seso( esses arcos nos quais se que(rava a gr!cil corrente do rio$Cmposs%vel recuar$ =onseq<entemente era-se o(rigado a mano(rarcom etrema precis&o para se evitar as colis.es 2 direita e 2

esquerda$9oi a% que se mostrou toda a ha(ilidade do piloto Araújo queali!s "oi per"eitamente secundado por sua equipe$ As !rvores da"loresta "orneciam s)lidos pontos de apoio para os longos croques ea dire/&o "oi mantida$ A menor colis&o que poderia "azer a jangada"icar de través teria provocado a destrui/&o completa da enormeestrutura e causado a perda se n&o do pessoal ao menos da cargaque ela transportava$

;+a verdade é muito (onito ; disse ?inha ; e seria muito

agrad!vel viajar sempre assim nessas !guas calmas protegidosdos raios de solF

Page 118: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 118/250

;Beria agrad!vel e ao mesmo tempo perigoso querida ?inha; respondeu ?anoel$ ; +uma piroga n&o haveria nada a temer senaveg!ssemos assim1 mas para uma grande jangada é melhor ocurso livre e desimpedido de um rio$

;Antes de duas horas teremos atravessado toda a "loresta; disse o piloto$;5nt&o vamos olhar (emF ; eclamou Mina$ ; >odas essas

coisas (elas passam t&o depressaF Ah cara patroa veja os (andosde macacos que (rincam nos altos galhos das !rvores e osp!ssaros que se olham na !gua l%mpidaF

;5 as "lores que se entrea(rem na super"%cie ; respondeu?inha ; e que a corrente em(ala como uma (risaF

;5 os longos cip)s caprichosamente estendidos de uma!rvore a outra ; acrescentou a jovem mulata$

;5 nenhum 9ragoso na pontaF ; disse o noivo de Mina$ ;+o entanto "oi uma (ela "lor que a senhorita colheu na "loresta deCquitosF

;Vejam s) uma "lor única no mundoF ; respondeu Minazom(ando$ ; Ah patroa olhe essas plantas magn%"icasF

5 Mina mostrava as nin"éias de "olhas colossais cujas "loresproduziam (ot.es t&o grandes como as nozes-da-%ndia$ 5m seguidano lugar em que se desenhavam as margens imersas havia "eiesde junco mucumucuR de "olhas largas cujas hastes el!sticasa"astavam-se para dar passagem a uma piroga e se "echavam atr!sdela$ A regi&o era uma tenta/&o para os ca/adores porque ummundo de p!ssaros aqu!ticos voejava entre os altos tu"os agitadospela corrente$

[(is pousados numa atitude epigr!"ica em algum tronco velhomeio em(orcado gar/as-cinzentas im)veis num único pé sérios"lamingos que de longe pareciam som(rinhas rosas a(ertas na"olhagem e muitos outros "enicopter%deos de todas as coresanimavam esse pGntano tempor!rio$

?as 2 "lor da !gua tam(ém deslizavam enormes e r!pidasco(ras e talvez alguns desses tem%veis gimnotos cujas repetidasdescargas elétricas uma ap)s outra paralisavam um homem ou oanimal mais ro(usto e aca(avam por mat!-lo$

5ra preciso tomar cuidado com eles e talvez mais ainda comas serpentes sucurijus que enroscadas no estipe de alguma!rvore se desenrolam se esticam pegam a presa e espremem-nacom seus anéis que de t&o potentes podem esmagar um (oi$ +&o"oram encontrados na "loresta amaznica esses répteis com trinta

a trinta e cinco pés de comprimento* 5 segundo ?$ =arreQ eistem

Page 119: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 119/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

alguns cujo comprimento atinge quarenta e sete pés e que s&o t&ogrossos quanto uma (arricaF

+a verdade uma dessas sucurijus lan/adas na jangada seriat&o aterrorizante quanto um caim&oF

9elizmente os passageiros n&o precisaram lutar contragimnotos nem contra serpentes e a passagem através da "lorestainundada que durou por volta de duas horas terminou semincidentes$

>r#s dias se passaram$ Aproimavam-se de ?anaus$ ?aisvinte e quatro horas e a jangada estaria da desem(ocadura do rio+egro diante da capital da prov%ncia do Amazonas$

5"etivamente no dia 7E de agosto 2s cinco horas da tardeela chegou 2 ponta setentrional da ilha ?uras na margem direita do

rio$ 4astava atravess!-lo o(liquamente numa distGncia de algumasmilhas para chegar ao porto$=ontudo o piloto n&o quis e com raz&o arriscar-se naquele

dia com a noite se aproimando$ As tr#s milhas que "altavampercorrer eigiriam tr#s horas de navega/&o e para cortar o cursodo rio o mais importante era poder ver claramente$

+aquela noite o jantar que deveria ser o último dessaprimeira parte da viagem "oi servido com uma certa cerimnia$Vencida a metade do curso do Amazonas nessas condi/.es valia a

pena que se "izesse um jantar "estivo$ 9icou com(inado que(e(eriam 2 saúde do rio Amazonas alguns copos do generoso licordestilado pelas vertentes do 'orto ou de Betú(al$

 Além disso seria o jantar de noivado de 9ragoso e daencantadora Mina$ O de ?anoel e de ?inha havia sido realizado na"azenda de Cquitos algumas semanas antes$ epois do jovempatr&o e da jovem patroa era a vez do "iel casal ao qual estavampresos por la/os de gratid&oF

'or isso no meio dessa honesta "am%lia Mina que continuaria

a servi/o da sua patroa e 9ragoso que come/aria a tra(alhar para?anoel Valdez sentaram-se 2 mesa comum no lugar de honra quelhes "ora reservado$

+aturalmente >orres participava do jantar digno da despensae da cozinha da jangada$

O aventureiro sentado em "rente a Joam arral sempretaciturno ouvia o que se dizia mais do que tomava parte daconversa$ 4enito sem deiar transparecer o o(servavaatentamente$ O olhar de >orres constantemente "iado em seu pai

tinha um (rilho estranho$ 'arecia o olhar de um animal selvagemprocurando hipnotizar a presa antes de atac!-la$

Page 120: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 120/250

?anoel conversava quase todo o tempo com ?inha$ +osintervalos seus olhos tam(ém se dirigiam a >orres1 mas em sumaele achava que se essa situa/&o n&o terminasse em ?anauscertamente terminaria em 4elém$

O jantar "oi (em alegre$ Mina animou-o com o seu (om humor9ragoso com suas réplicas joviais$ O padre 'assanha olhava "elizesse pequeno mundo que tanto prezava e os dois jovens casaisque em (reve sua m&o (enzeria nas !guas do 'ar!$

;=oma (astante padre ; disse 4enito que aca(ou seenvolvendo na conversa em geral ; "a/a jus a essa re"ei/&o denoivadoF 'recisar! de "or/as para cele(rar tantos matrimnios aomesmo tempoF

;BimF ?inha querida crian/a ; respondeu o padre 'assanha; encontre uma (ela e honrada jovem que se prenda a voc# ever! se n&o consigo casar os dois tam(émF

;4em respondido padreF ; eclamou ?anoel$ ; Vamos(e(er ao casamento t&o pr)imo de 4enitoF

;5ncontraremos uma jovem e (ela noiva em 4elém ; disse?inha ; e ele dever! "azer como todo o mundo$

;Ao casamento de 4enitoF ; disse 9ragoso que gostariaque o mundo inteiro casasse ao mesmo tempo que ele$

;5les t#m raz&o meu "ilho ; eps Saquita$ ; 5u tam(émvou (e(er ao seu casamento que voc# possa ser "eliz como o ser&o?inha e ?anoel e como eu "ui ao lado de seu paiF

;=omo continuar! sendo é o que esperamos ; disseent&o >orres (e(endo um copo de 'orto sem se justi"icar comninguém$ ; >odos aqui temos a "elicidade nas m&osF

+&o seria poss%vel dizer o porqu# mas esses votos vindos doaventureiro causaram uma impress&o desagrad!vel$

?anoel sentiu isso e quis reagir contra esse sentimento,;Vejamos padre enquanto estamos aqui ser! que n&o h!

mais alguns casais para casar na jangada*;Acho que n&o ; respondeu o padre 'assanha ; a menos

que >orres$$$ o senhor n&o é casado é*;+&o sou e sempre "ui solteiroF4enito e ?anoel pensaram ver que ao "alar assim o olhar de

>orres (uscara o da jovem$;5 quem impedir! que se case* ; retomou o padre

'assanha$ ; 5m 4elém poder! encontrar uma mulher que tenhauma idade semelhante 2 sua e talvez seja poss%vel se "iar nacidade$ Beria melhor do que essa vida errante da qual até agora

n&o tirou muita vantagem$

Page 121: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 121/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

;>em raz&o padre ; respondeu >orres$ ; +&o digo quen&oF Ali!s o eemplo é contagioso$ Ao ver todos esses jovensnoivos d! vontade de casarF ?as sou totalmente estranho em4elém e a n&o ser por circunstGncias especiais isso pode tornar

mais di"%cil que me esta(ele/a na cidade$;e onde é* ; perguntou 9ragoso que continuava com a

impress&o de j! haver encontrado >orres em algum lugar$;a prov%ncia de ?inas erais$;5 nasceu*$$$;+a pr)pria capital do arraial diamantinense em >ijuco$Kuem olhasse para Joam arral naquele momento "icaria

horrorizado com a "iidez do seu olhar que cruzava com o de >orres$ 

3is<ria aniga

 5 a conversa continuou com 9ragoso que quaseimediatamente a retomou nos seguintes termos,

;O qu#* O senhor é de >ijuco da capital do distrito dosdiamantes*

;Bou ; respondeu >orres$ ; Ber! que tam(ém é origin!riodessa prov%ncia*

;+&oF Bou das prov%ncias do litoral do AtlGntico do norte do4rasil ; respondeu 9ragoso$;+&o conhece a regi&o dos diamantes senhor ?anoel* ;

perguntou >orres$Im sinal negativo do rapaz "oi a única resposta$;5 o senhor 4enito ; continuou >orres dirigindo-se ao jovem

arral que evidentemente queria envolver na conversa ; nuncateve a curiosidade de visitar o arraial diamantinense*

;+unca ; respondeu secamente 4enito$

;AhF 5u gostaria de ver essa regi&o ; eclamou 9ragosoque inconscientemente "azia o jogo de >orres$ ; Acho que aca(ariaencontrando algum diamante de grande valorF

;5 o que teria "eito com esse diamante de grande valor9ragoso* ; indagou Mina$

;5u o teria vendidoF;+esse caso agora seria rico*;?uito ricoF;4om se voc# "osse rico h! tr#s meses nunca teria tido a

idéia de$$$ do cip)*

Page 122: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 122/250

;5 se eu n&o a houvesse tido ; eclamou 9ragoso ; n&ohaveria uma encantadora mulherzinha que$$$ Vamos decididamenteeus sa(e o que "azF

;H isso mesmo 9ragoso ; interveio ?inha ; pois o est!

casando com minha pequena MinaF iamante por diamante n&o saiuperdendo na trocaF;?as como senhorita ?inha ; admirou-se galantemente

9ragoso ; eu sa% ganhandoFBem dúvida >orres n&o queria mudar de assunto porque

retomou a palavra,;+a verdade ; disse ele ; em >ijuco apareceram "ortunas

repentinas que devem ter virado muitas ca(e/asF +&o ouviram "alardo "amoso diamante do A(aeté cujo valor "oi estimado em mais dedois milh.es de contos de réis*L 4om "oram as minas do 4rasil queo produziram e essa pedra pesava uma on/aF 9oram tr#scondenados ; sim tr#s condenados ao e%lio perpétuo ; que oencontraram por acaso no rio A(aeté a noventa léguas do Berrodo 9rio$

;e repente "icaram ricos* ; perguntou 9ragoso$;+&oF ; respondeu >orres$ ; O diamante "oi entregue ao

governador geral das minas$ >endo sido reconhecido o valor dapedra o rei Jo&o VC de 'ortugal mandou "ur!-la e a usava nopesco/o nas grandes cerimnias$ Kuanto aos condenados eleso(tiveram o perd&o mas "oi tudo$ 'essoas mais h!(eis teriamconseguido uma (oa renda com ele$

;O senhor sem dúvida ; disse secamente 4enito$;Bim$$$ euF$$$ 'or que n&o* ; respondeu >orres$ ; +unca

visitou o distrito diamantinense* ; ele acrescentou dirigindo-sedessa vez a Joam arral$

;+unca ; respondeu Joam olhando para >orres$;Csso é lament!vel ; continuou este ; deveria algum dia

"azer essa viagem$ H muito interessante eu garantoF O distrito dosdiamantes é um enclave no vasto império do 4rasil algo como umparque de doze léguas de circun"er#ncia e que pela natureza dosolo a vegeta/&o os terrenos arenosos limitados por um c%rculo dealtas montanhas é (em di"erente da prov%ncia circunvizinha$ ?ascomo eu disse é o lugar mais rico do mundo pois de 3806 a 3836a produ/&o anual "oi em torno de dezoito mil quilates$6 AhF Kuantos

6 See 7il'5es e &uin'enos mil'5es de ran!os( de a!ordo !om a

a)alia4"o( sem dú)ida 7em eagerada( de Romé de ,EIsle. :;/.7 O &uilae )alia &uaro gr"os e doze miligramas

Page 123: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 123/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

golpes eram dados n&o B) pelos garimpeiros que procuravampedras preciosas até no cume das montanhas como tam(ém peloscontra(andistas que as repassavam de "orma "raudulentaF Agora aeplora/&o est! mais di"%cil e os dois mil negros empregados no

tra(alho das minas pelo governo s&o o(rigados a desviar os cursosdR!gua para deles etrair a areia diamantina$ Antigamente era maiscmodoF

;H verdade ; opinou 9ragoso ; os (ons tempos j!passaramF

;O que continuou "!cil é conseguir o diamante 2 maneira dosmal"eitores quero dizer pelo rou(o$ 5 vejam s) por volta de 387L; eu tinha oito anos na época ; ocorreu em >ijuco um dramaterr%vel que mostra como os criminosos n&o recuam diante de nada

quando querem ganhar uma "ortuna com um golpe audaciosoF ?assem dúvida isso n&o os interessa$$$;Ao contr!rio >orres continue ; respondeu Joam arral

com uma voz estranhamente calma$;Kue seja ; continuou >orres$ ; essa vez tratava-se de

rou(ar diamantes e um punhado dessas (elas pedras equivalia aum milh&o algumas vezes a doisF

5 >orres cujo rosto eprimia os mais vis sentimentos decupidez "ez quase inconscientemente o gesto de a(rir e "echar a

m&o$ ; 5is o que se passou ; ele retomou$ ; 5m >ijuco eracostume epedir numa única vez os diamantes recolhidos durante oano$ 5les eram divididos em dois lotes de acordo com o tamanhodepois de separados por doze crivos com (uracos di"erentes$ 5sseslotes eram colocados em sacos "echados e enviados para o @io deJaneiro$ 'orém como valiam v!rios milh.es podem imaginar queeram (em acompanhados$ Im empregado escolhido pelointendente quatro soldados a cavalo do regimento da prov%ncia e

dez homens a pé "ormavam o com(oio$ 'rimeiro iam para Vila @icaonde o general comandante punha a sua chancela nos sacos e ocom(oio retomava o caminho para o @io de Janeiro$ evoacrescentar que por precau/&o a partida era sempre mantida emsegredo$ Acontece que em 387L um jovem empregado chamadoacosta de vinte e dois a vinte e tr#s anos no m!imo que haviaalguns anos tra(alhado em >ijuco nos escrit)rios do governadorgeral com(inou esse golpe$ 5le se entendeu com um grupo decontra(andistas e contou-lhes o dia da partida do com(oio$ Os

mal"eitores numerosos e (em armados tomaram certasprovid#ncias$ epois de Vila @ica na noite de 77 de janeiro o (andoatacou repentinamente os soldados que escoltavam os diamantes

Page 124: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 124/250

5les se de"enderam corajosamente1 porém "oram massacradoseceto um que em(ora gravemente "erido conseguiu escapar erelatou a not%cia do terr%vel atentado$ O empregado que osacompanhava n&o havia sido poupado assim como os guardas da

escolta$ ?orto so( os golpes dos mal"eitores deve ter sido arrastadoe sem dúvida jogado de algum precip%cio porque o seu corponunca "oi encontrado$

;5 esse tal acosta* ; perguntou Joam arral$;?uito (em o resultado do crime n&o "oi (om para ele$ 'or

diversas circunstGncias as suspeitas n&o tardaram a recair so(reele acusado de che"iar o golpe$ 5le alegou inoc#ncia em v&o$ra/as ao cargo que ocupava tinha a possi(ilidade de sa(er o diaem que a partida do com(oio seria e"etuada$ 5ra o único quepoderia prevenir o (ando de mal"eitores$ 9oi acusado preso julgadoe condenado 2 morte$ Acontece que uma condena/&o desse tipo eraeecutada nas vinte e quatro horas seguintes$

;O in"eliz "oi eecutado* ; perguntou 9ragoso$;+&o ; respondeu >orres$ ; 5le havia sido encarcerado na

pris&o de Vila @ica e durante a noite apenas algumas horas antesda eecu/&o agindo sozinho ou ajudado pelos cúmplicesconseguiu escapar$

;epois nunca mais se ouviu "alar desse homem* ;perguntou Joam arral$

;+unca maisF ; respondeu >orres$ ; eve ter deiado o4rasil e agora sem dúvida leva uma vida "eliz em algum pa%slong%nquo com o produto do rou(o que conseguiu realizar$

;Ao contr!rio ele pode ter levado uma vida miser!velF ;retrucou Joam arral$

;5 possa eus ter "eito com que sentisse remorso pelocrimeF ; acrescentou o padre 'assanha$

+esse momento os convivas se levantaram da mesa eterminado o jantar todos sa%ram para respirar o ar puro do "im datarde$ O sol j! descia no horizonte mas ainda "altava uma hora paraque a noite chegasse$

;5ssas hist)rias n&o s&o nada alegres ; julgou 9ragoso ;e nosso jantar de noivado havia come/ado melhorF

;?as a culpa é sua senhor 9ragoso ; retrucou Mina$;=omo minha culpa*;HF 9oi o senhor quem continuou a "alar desse distrito e dos

diamantes e n&o pod%amos "azer nadaF;=ulpa minha é verdadeF ; respondeu 9ragoso$ ; ?as eu

n&o imaginava que aca(aria desse jeitoF;O senhor é o primeiro culpadoF

Page 125: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 125/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

;5 o primeiro a ser punido senhorita Mina pois n&o a ouvi rirdurante a so(remesaF

>oda a "am%lia se dirigiu ent&o para a "rente da jangada$?anoel e 4enito andavam lado a lado sem "alar$ Saquita e a "ilha os

seguiam tam(ém em sil#ncio e todos sentiam uma ineplic!velsensa/&o de tristeza como se pressentissem um graveacontecimento$

=aminhando de ca(e/a (aia Joam arral pareciapro"undamente imerso nas suas re"le.es quando >orres que semantinha ao lado dele ps a m&o no seu om(ro,

;Joam arral ; ele disse ; poder%amos conversar poruns quinze minutos*

Joam arral olhou para >orres$

;Aqui* ; perguntou$;+&oF 5m particularF;5nt&o venha$Os dois voltaram para a casa entraram e a porta "oi "echada

atr!s deles$Beria di"%cil descrever o que todos sentiram quando Joam

arral e >orres sa%ram$ O que poderia haver em comum entre oaventureiro e o honesto "azendeiro de Cquitos* 'arecia que umagrande desgra/a pairava so(re aquela "am%lia mas ninguém ousava

se perguntar$;?anoel ; disse 4enito pegando o (ra/o do amigo epuando-o ; o que quer que aconte/a esse homem desem(arcar!em ?anausF

;BimF$$$ H precisoF$$$ ; respondeu ?anoel$;5 se por causa dele$$$ BimF 'or causa dele ocorrer alguma

desgra/a com o meu pai$$$ 5u o matareiF

Cnre os dois 'omensepois de alguns minutos sozinhos no quarto onde ninguém

podia ouvi-los nem v#-los Joam arral e >orres se olhavam sempronunciar uma única palavra$ 5nt&o o aventureiro hesitava "alar*Ber! que havia perce(ido que Joam arral B) responderia com umsil#ncio desdenhoso 2s perguntas que lhe seriam "eitas*

Bim sem dúvidaF 'or isso >orres n&o perguntou$ +o in%cio daconversa "oi a"irmativo assumindo o papel de acusador$

;Joam ; ele disse ; seu so(renome n&o é arral e simacosta$

Page 126: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 126/250

 Ao ouvir o nome criminoso que >orres lhe dava Joam arraln&o pde impedir um ligeiro estremecimento mas n&o respondeu$

;O senhor é Joam acosta ; recome/ou >orres ;empregado h! vinte e tr#s anos nos escrit)rios do governador-

geral de >ijuco e "oi o condenado naquele caso de rou(o eassassinatoF+enhuma resposta de Joam arral cuja estranha calma

surpreendeu o aventureiro$ Ber! que estaria enganado ao acusar oseu an"itri&o* +&oF 'ois Joam arral n&o reagia diante das terr%veisacusa/.es$ Bem dúvida perguntava-se onde >orres queria chegar$

;Joam acosta ; ele continuou ; vou repetir o senhor"oi perseguido no caso dos diamantes "oi culpado pelo crime econdenado 2 morte e escapou da pris&o de Vila @ica algumas horasantes da eecu/&oF Vai responder*

Im longo sil#ncio seguiu-se 2 pergunta direta que >orresaca(ara de "azer$ Joam arral sempre calmo sentara-se$ =om o(ra/o apoiado numa pequena mesa olhava "iamente para oacusador de ca(e/a erguida$

;Vai responder* ; repetiu >orres$;Kue resposta espera que eu d#* ; disse simplesmente

Joam arral$;Ima resposta ; replicou >orres lentamente ; que me

impe/a de procurar o che"e de pol%cia de ?anaus e dizer-lhe, l! est!um homem cuja identidade ser! "!cil de esta(elecer que ser!reconhecido mesmo depois de vinte e tr#s anos de aus#ncia e essehomem é o instigador do rou(o de diamantes de >ijuco é o cúmplicedos assassinos dos soldados da escolta é o condenado que "ugiuao supl%cio ele é Joam arral cujo nome verdadeiro é Joamacosta$

;5nt&o ; disse Joam arral ; n&o terei nada a temer>orres se eu der a resposta que est! esperando*

;+ada porque nesse caso nem o senhor nem eu temosinteresse em "alar desse caso$

;+em o senhor nem eu* ; respondeu Joam arral$ ;5nt&o n&o é com dinheiro que devo comprar o seu sil#ncio*

;+&o qualquer que seja a soma que me o"erecerF;O que quer ent&o*;Joam arral ; respondeu >orres ; eis a minha proposta$

+&o se apresse em respond#-la com uma recusa "ormal e lem(re-se de que est! em meu poder$

;Kual é a proposta* ; perguntou Joam arral$

>orres re"letiu por um minuto$ A atitude do culpado cuja vidaestava em suas m&os surpreendia-o$ 5le esperava por um violento

Page 127: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 127/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

de(ate por súplicas por l!grimas$$$ +a sua "rente estava umhomem culpado dos piores crimes e esse homem n&o contestava$'or "im ele cruzou os (ra/os,

;O senhor tem uma "ilha ; disse$ ; 5ssa "ilha me agrada

e quero casar-me com ela$Bem dúvida Joam arral esperava tudo da parte de um

homem como aquele e o pedido n&o o "ez perder a calma$;5nt&o ; ele disse ; o honor!vel >orres quer entrar para a

"am%lia de um assassino e de um ladr&o*;Bou o único juiz do que me convém "azer ; respondeu

>orres$ ; Kuero ser o genro de Joam arral e o serei$;+o entanto >orres n&o ignora que minha "ilha vai casar-se

com ?anoel Valdez$

;O senhor conseguir! justi"icar-se diante de ?anoel Valdez$;5 se minha "ilha se recusar*;O senhor lhe contar! tudo e eu a conhe/o ela consentir!

; respondeu >orres sem nenhum pudor$;>udo*;>udo se "or preciso$ 5ntre os pr)prios sentimentos a honra

da "am%lia e a vida de seu pai ela n&o hesitar!$;O senhor é um grande miser!vel senhor >orresF ; disse

tranq<ilamente Joam arral cujo sangue-"rio n&o o a(andonava$

;Im miser!vel e um assassino "oram "eitos para seentenderF Ao ouvir essas palavras Joam arral levantou-se e "oi em

dire/&o ao aventureiro que olhou (em nos olhos,;>orres ; ele disse ; se pede para entrar na "am%lia de

Joam acosta é que sa(e que Joam acosta é inocente do crimepelo qual "oi condenadoF

;H verdadeF;5 digo mais ; voltou a "alar Joam arral ; tem a prova de

sua inoc#ncia e essa inoc#ncia deiar! para proclam!-la no dia emque se casar com a sua "ilhaF;Vamos ser "rancos Joam arral ; respondeu >orres

a(aiando a voz ; e quando ouvir o que tenho a dizer veremos seousar! me recusar sua "ilhaF

;'ode "alar >orres$;?uito (em sim ; disse o aventureiro reprimindo as

palavras como se lamentasse dei!-las escapar pelos l!(ios ;sim o senhor é inocenteF 5u sei porque conheci o verdadeiro

culpado e sou capaz de provar a sua inoc#nciaF;5 o miser!vel que cometeu o crime*$$$;5st! morto

Page 128: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 128/250

;?ortoF ; eclamou Joam arral que essa palavra "ezempalidecer contra a sua vontade como se lhe houvessem tiradotoda a possi(ilidade de se rea(ilitar$

;?orto ; respondeu >orres$ ; ?as esse homem que

conheci muito tempo depois do crime e sem sa(er que era umcriminoso havia escrito com a pr)pria m&o o relato do caso dosdiamantes para lem(rar-se dos menores detalhes$ Bentindo que o"im se aproimava "oi tomado de remorsos$ 5le sa(ia onde Joamacosta se havia re"ugiado com que nome o inocente re"izera avida$ Ba(ia que era rico numa "am%lia "eliz mas tam(ém sa(ia quelhe devia "altar a "elicidadeF 4om essa "elicidade ele quis devolv#-lacom a honra a que ele tinha direitoF$$$ ?as a morte estavachegando$$$ e ele me encarregou a mim seu companheiro de "azero que n&o teria tempoF$$$ 5ntregou-me as provas da inoc#ncia deacosta para que eu "izesse chegar 2s suas m&os e morreu$

;O nome desse homemF ; eclamou Joam arral com umtom de voz que n&o conseguiu controlar$

;Ba(er! quando eu "or da sua "am%liaF;5 o que "oi escrito*$$$Joam arral estava a ponto de se atirar so(re >orres para

revist!-lo para lhe arrancar a prova da sua inoc#ncia$;5sse escrito est! em lugar seguro ; respondeu >orres ; e

B) o ter! depois que sua "ilha se tornar minha esposa$ Agora aindarecusa*

;Bim ; respondeu Joam arral$ ; ?as em troca desseescrito a metade da minha "ortuna é suaF

;A metade da sua "ortunaF ; eclamou >orres$ ; Aceitodesde que venha com ?inha no casamentoF

; 5 é assim que respeita a vontade de um mori(undo de umcriminoso atingido pelo remorso e que o encarregou de repararenquanto estava consciente o mal que havia "eitoF

;H assim$;Volto a dizer >orres ; en"atizou Joam arral ; o senhor é

um grande miser!velF;Kue seja$;5 como n&o sou um criminoso n&o podemos entender-nosF;5nt&o se recusa*$$$;5u me recusoF;O senhor sai perdendo Joam arral$ >udo o acusa na

instru/&o que "oi "eitaF 9oi condenado 2 morte e como sa(e nascondena/.es por crimes desse tipo o governo n&o tem o direito de

comutar a pena$ enunciado ser! presoF 'reso ser! eecutado$$$ 5eu vou denunci!-loF

Page 129: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 129/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

'or mais senhor de si que "osse Joam arral n&o conseguiamais se controlar$ 5le ia atirar-se so(re >orres$$$

Im gesto do trapaceiro "ez sua raiva desaparecer$;>ome cuidado ; disse >orres$ ; Bua mulher n&o sa(e que

é mulher de Joam acosta seus "ilhos n&o sa(em que s&o "ilhos deJoam acosta e vai "azer com que "iquem sa(endoF

Joam arral parou$ 5le recuperou o autocontrole e suas"ei/.es demonstraram a calma ha(itual$

;5ssa discuss&o j! durou demais ; disse ele caminhandopara a porta ; e sei o que me resta a "azerF

;>ome cuidado Joam arral ; disse >orres mais uma vezque n&o conseguia acreditar que seu ign)(il procedimento dechantagem "osse "alhar$

Joam arral n&o respondeu$ 5mpurrou a porta que se a(riapara a varanda "ez sinal a >orres para que o seguisse e os dois"oram para o centro da jangada onde a "am%lia estava reunida$

4enito ?anoel todos tomados de pro"unda ansiedade selevantaram$ 5les podiam ver que a atitude de >orres ainda eraamea/adora e que o "ogo da raiva (rilhava nos seus olhos$

+um etraordin!rio contraste Joam arral mostrava-sesenhor de si quase sorridente$

 Am(os pararam diante de Saquita e dos outros "amiliares$

+inguém ousava dirigir-lhes a palavra$;'ela última vez Joam arral ; disse >orres ; querouma respostaF

;5is a minha resposta$5 se dirigiu 2 mulher,;Saquita ; disse ; circunstGncias especiais me o(rigam a

mudar o que hav%amos decidido anteriormente so(re o casamentode ?inha e de ?anoel$

;9inalmenteF ; eclamou >orres$

Joam arral sem responder lan/ou so(re o aventureiro umolhar com o mais pro"undo desprezo$'orém com essas palavras ?anoel sentiu que seu cora/&o

havia disparado$ A jovem levantara-se p!lida como se procurasseum apoio na m&e$ Saquita a(riu os (ra/os para proteg#-la parade"end#-laF

;?eu paiF ; disse 4enito em voz alta que se colocara entreJoam arral e >orres$ ; O que quer dizer*

;Kuero dizer ; respondeu Joam arral elevando a voz ;

que esperar a chegada ao 'ar! para casar ?inha e ?anoel éesperar demaisF O casamento ser! realizado aqui mesmo amanh&na jangada aos cuidados do padre 'assanha se depois de uma

Page 130: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 130/250

conversa que vou ter com ?anoel convier a ele como a mim n&oadiar maisF

;AhF ?eu pai meu paiF$$$ ; eclamou o rapaz$;5spere para me chamar assim ?anoel ; respondeu Joam

arral com um tom de indiz%vel so"rimento$;+esse momento >orres que havia cruzado os (ra/oslan/ou so(re a "am%lia um olhar de inigual!vel insol#ncia$

;5nt&o essa é sua última palavra ; disse ele estendendo am&o para Joam arral$

;+&o n&o é minha última palavra$;Kual é ent&o*;H essa >orres$ Kuem manda aqui sou euF O senhor vai de

(oa vontade ou de m! vontade deiar a jangada agoraF;Bim agora ; disse 4enito ; ou vou jog!-lo na !guaF>orres deu de om(ros$;+ada de amea/as ; disse ; elas s&o inúteisF A mim

convém desem(arcar e sem demora$ ?as vai lem(rar-se de mimJoam arralF +&o "icaremos muito tempo sem nos verF

;Be depender de mim ; respondeu Joam arral ; n)s nosveremos talvez mais cedo do que o senhor gostariaF Amanh& irei vero juiz de direito @i(eiro primeiro magistrado da prov%ncia a quemavisei da minha chegada a ?anaus$ Be tiver coragem v! encontrar-meF

;O juiz @i(eiroF$$$ ; respondeu >orres evidentementecon"uso$

;O juiz @i(eiro ; respondeu Joam arral$?ostrando a piroga para >orres com um gesto de etremo

desprezo Joam arral encarregou quatro de seus empregados dedei!-lo sem demora no ponto mais pr)imo da ilha$

O miser!vel en"im desapareceu$ A "am%lia ainda tr#mula respeitou o sil#ncio do che"e$ ?as

9ragoso n&o perce(endo totalmente a gravidade da situa/&o elevado pela sua ha(itual desenvoltura aproimou-se de Joamarral$

Be o casamento da senhorita ?inha e do senhor ?anoel "orrealizado amanh& na jangada$$$

;O seu ser! realizado ao mesmo tempo meu amigo ;respondeu amavelmente Joam arral$

5 "azendo um sinal para ?anoel retirou-se para o quarto comele$

 A conversa de Joam arral e de ?anoel j! durava mais de

meia hora o que parecia um século para a "am%lia quando a portado quarto "inalmente "oi a(erta$

Page 131: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 131/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

?anoel saiu sozinho$Ima no(re resolu/&o (rilhava no seu olhar$Cndo até Saquita disse ?inha m&eF e a ?inha disse

?inha mulher a 4enito disse ?eu irm&o e se virando para Mina

e 9ragoso disse a todosAté amanh&F$5stava a par de tudo o que ocorrera entre Joam arral e

>orres$ Ba(ia que contando com o apoio do juiz @i(eiro depois deuma correspond#ncia que mantinha com ele havia mais de um anosem contar para a "am%lia Joam arral en"im conseguiraesclarec#-lo e convenc#-lo da sua inoc#ncia$ 5le sa(ia que Joamarral "izera essa viagem com o único o(jetivo de conseguir umarevis&o do odioso processo de que havia sido v%tima e para n&odeiar cair so(re o genro e a "ilha o peso da terr%vel situa/&o que

tivera por muito tempo de aceitar para si mesmoFBim ?anoel sa(ia de tudo isso mas tam(ém sa(ia que Joamarral ou melhor Joam acosta era inocente e que suain"elicidade aca(ava de o tornar ainda mais querido e respeitadoF

O que n&o sa(ia era que a prova material da inoc#ncia do"azendeiro eistia e que essa prova estava nas m&os de >orres$Joam arral quisera reservar para o juiz o uso dessa prova quedeveria inocent!-lo se é que o aventureiro dizia a verdade$

?anoel limitou-se a anunciar que ia ao quarto do padre

'assanha para pedir-lhe que preparasse tudo para os doiscasamentos$+o dia seguinte D de agosto apenas uma hora antes da

cerimnia ser realizada uma grande piroga que sa%ra da margemesquerda do rio encostou na jangada$

Ima dúzia de remadores a trouera rapidamente de?anaus e com alguns guardas conduzia o che"e de pol%cia que sedeu a conhecer e su(iu a (ordo$

+esse momento Joam arral e a "am%lia j! vestidos para a

"esta sa%am da casa$;Joam arral* ; perguntou o che"e de pol%cia$;Bou eu ; respondeu Joam arral$;Joam arral ; voltou a dizer o che"e de pol%cia ; o senhor

tam(ém "oi Joam acostaF 5sses dois nomes "oram usados por ummesmo homemF O senhor est! preso$

 Ao ouvir essas palavras Saquita e ?inha atnitas "icaramparadas sem conseguir sair do lugar$

;?eu pai um assassinoF ; eclamou 4enito que ia dirigir-

se a Joam arral$=om um gesto o pai lhe imps sil#ncio$

Page 132: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 132/250

;Kuero sua permiss&o apenas para uma pergunta ;disse Joam arral com voz "irme dirigindo-se ao che"e de pol%cia$; O mandado em virtude do qual estou sendo preso "oi enviadopelo juiz de direito de ?anaus pelo juiz @i(eiro*

;+&o ; respondeu o che"e de pol%cia ; ele me "oientregue com a ordem de eecut!-lo imediatamente pelosu(stituto$ O juiz @i(eiro atacado de apopleia ontem 2 tardemorreu essa noite mesmo 2s duas horas sem voltar a si$

;?ortoF ; "alou Joam arral por instantes aterrado com anot%cia ; ?orto$$$ mortoF

'orém erguendo a ca(e/a dirigiu-se 2 mulher e aos "ilhos,;O juiz @i(eiro ; disse ; era o único a sa(er que eu era

inocente meus queridosF A morte desse juiz talvez me seja "atalmas n&o é uma raz&o para eu "icar desesperadoF

5 virando-se para ?anoel,;=om a gra/a de eus ; ele disse ; agora veremos se a

verdade pode descer do céu so(re a terraFO che"e de pol%cia "ez um sinal aos guardas que avan/aram

para pegar Joam arral$;?as "ale meu paiF ; gritou 4enito louco de desespero$ ;

iga uma palavra e n)s terminaremos nem que seja pela "or/acom esse horr%vel equ%voco de que o senhor é v%timaF

;+&o h! nenhum equ%voco meu "ilho ; respondeu Joamarral$ ; Joam acosta e Joam arral s&o a mesma pessoa$ 5usou na verdade Joam acostaF Bou o homem honesto que um erro judici!rio condenou injustamente 2 morte h! vinte e tr#s anos nolugar do verdadeiro culpado$ A minha completa inoc#ncia meus"ilhos de uma vez por todas eu juro diante de eus pela vida devoc#s e da sua m&eF

;Kualquer comunica/&o com a sua "am%lia é proi(ida ;disse ent&o o che"e de pol%cia$ ; O senhor é meu prisioneiro Joamarral e eecutarei o mandado rigorosamente$

Joam arral conteve com um gesto os "ilhos e os empregadosconsternados,

;Kue seja "eita a justi/a dos homens ; disse ; enquantose espera a justi/a de eusF

5 de ca(e/a erguida em(arcou na piroga$+a verdade parecia que de todos os presentes Joam arral

havia sido o único a n&o ser atingido pelo terr%vel raio que t&oinopinadamente ca%ra so(re a sua ca(e/a$

Segunda pare

Page 133: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 133/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

Manaus

 A cidade de ?anaus est! situada eatamente a E^8 RD de

latitude austral e L6^76R de longitude a oeste do meridiano de 'aris$Kuatrocentas e vinte léguas quilométricas a separam de 4elém esomente dez quilmetros da "oz do rio +egro$

?anaus n&o "oi constru%da 2 (eira do rio Amazonas$ +amargem esquerda do rio +egro ; o mais importante o maior dosa"luentes da grande artéria (rasileira ; havia sido erguida a capitalda prov%ncia que dominava toda a campina circunvizinha aopitoresco conjunto de casas particulares e edi"%cios pú(licos$

O rio +egro desco(erto em 3LD: pelo espanhol 9avella tem

a sua nascente na encosta das montanhas situadas a noroesteentre o 4rasil e +ova ranada no cora/&o da prov%ncia de'opaQan e se comunica com o Orenoco isto é com as uianaspor dois a"luentes o 'imichim e o =assiqui!rio$

epois de um magn%"ico curso de mil e setecentosquilmetros o rio +egro derrama por uma "oz de mil e cem toesassuas !guas escuras no Amazonas mas sem que elas se misturempor uma distGncia de v!rias milhas t&o "orte e ativo é esseescoadouro$ +esse lugar as pontas das duas margens se a(rem

"ormando uma ampla (a%a com a pro"undidade de quinze léguasque se estende até as ilhas Anavilhanas$ Ali numa estreita chan"radura se agitava o porto de ?anaus$

5ra onde se dava o encontro de inúmeras em(arca/.es algumasparadas no meio do rio aguardando um vento "avor!vel outrassendo reparadas nos numerosos igarapés ou canais que sulcavam acidade de uma "orma surpreendente dando-lhe um aspecto meioholand#s$

=om a escala dos (arcos a vapor que n&o tardaria a se

esta(elecer pr)imo 2 jun/&o dos dois rios o comércio de ?anausdeveria crescer sensivelmente$ e "ato madeira para constru/&o emarcenaria cacau (orracha ca"é salsaparrilha cana-de-a/úcar%ndigo noz-moscada peie salgado manteiga de tartaruga todosesses o(jetos tinham v!rios cursos dR!gua para transport!-los emtodas as dire/.es, o rio +egro ao norte e a oeste o ?adeira ao sul ea oeste e "inalmente o Amazonas que se desdo(ra até o litoral do AtlGntico$ A situa/&o dessa cidade era portanto privilegiada emrela/&o a todas as outras o que contri(u%a muito para a sua

prosperidade$?anaus chamava-se antigamente ?oura depois "oichamada de 4arra de @io +egro e 36:6 a 380D a cidade apenas

Page 134: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 134/250

"ez parte da capitania que tinha o nome do grande a"luente cuja "ozera por ela ocupada$ 'orém em 387L ao ser trans"ormada nacapital da etensa prov%ncia do Amazonas tirou seu novo nome deuma tri(o de %ndios que outrora havia ha(itado os territ)rios centrais

da América$'or v!rias vezes viajantes mal in"ormados con"undiram essacidade com a "amosa ?anoa uma espécie de cidade "ant!sticaerguida segundo diziam perto do lend!rio lago de 'arima que eraapenas o 4ranco superior ou seja um simples a"luente do rio+egro$ M! "icava o império de 5l orado em que todas as manh&sse podemos acreditar nas "!(ulas do pa%s o so(erano era co(ertode ouro em p) t&o a(undante era esse precioso metal que se podiacat!-lo com uma p! nessas terras privilegiadas$ ?as "eitas asveri"ica/.es as pretens.es diminu%ram pois toda essa pretendidariqueza aur%"era "oi reduzida 2 presen/a de inúmeros mineraismic!ceos sem valor que haviam enganado os olhares !vidos dosgarimpeiros$

  5m suma ?anaus n&o tinha nada dos "a(ulososesplendores da mitol)gica capital de 5l orado$ +&o passava deuma cidade de uns cinco mil ha(itantes dos quais pelo menos tr#smil eram empregados do governo$ =onseq<entemente havia umcerto número de prédios pú(licos para uso desses "uncion!rios, acGmara legislativa o pal!cio da presid#ncia a tesouraria geral oscorreios e a aduana sem contar um colégio "undado em 38D8 e umhospital inaugurado em 38:3$ Be acrescentarmos um cemitério queocupava a vertente oriental da colina onde em 3LLN havia sidoerguida uma "ortaleza agora em ru%nas contra os piratas do Amazonas sa(eremos como avaliar a importGncia dosesta(elecimentos pú(licos da cidade$

Kuanto 2s constru/.es religiosas seria di"%cil nomear mais deduas, a pequena igreja da =oncei/&o e a capela de +ossa Benhorados @emédios constru%da quase em campo raso numa pequenaeleva/&o que dominava ?anaus$

O que é muito pouco para uma cidade de origem espanhola$ Aesses dois monumentos convém acrescentar ainda um convento decarmelitas incendiado em 38:0 do qual B) restaram ru%nas$

 A popula/&o de ?anaus n&o passava do número indicadoacima e além dos "uncion!rios empregados do governo e soldadosera composta so(retudo de negociantes portugueses e de %ndiosque pertenciam 2s diversas tri(os do rio +egro$

>r#s ruas principais (em irregulares eram as respons!veis

pela comunica/&o da cidade1 tinham nomes signi"icativos para opa%s e que davam (em sua cor, a rua eus 'ai a rua eus 9ilho e a

Page 135: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 135/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

rua eus 5sp%rito Banto$ Além delas na dire/&o do poenteestendia-se uma magn%"ica avenida de laranjeiras centen!riasreligiosamente respeitada pelos arquitetos que "izeram a novacidade sem destruir a antiga$

5m torno das ruas principais entrecruzava-se uma rede deruelas n&o pavimentadas cortadas sucessivamente por quatrocanais transpostos por passarelas de madeira$ 5m alguns lugaresos igarapés passeavam suas !guas escuras em grandes terrenos(aldios co(ertos de mato e de "lores de cores cintilantes, eram jardins naturais som(reados de !rvores magn%"icas entre as quaisdominava a sumaumeira uma !rvore gigantesca revestida deuma casca (ranca e cujo enorme domo se arredondava como umguarda-sol acima de uma ramagem nodosa$

Kuanto 2s diversas casas particulares devia-se procur!-lasentre algumas centenas de moradias (em rudimentares algumasco(ertas de telhas outras de "olhas de palmeira justapostas com assali#ncias de seus mirantes e as sacadas das (oticas que namaioria pertenciam a negociantes portugueses$

5 que tipo de pessoas se via sair na hora do passeio tantodos prédios pú(licos como das casas particulares*

omens de aspecto distinto com so(recasaca preta chapéude seda sapatos de verniz luvas de cores suaves diamantes no n)

da gravata1 mulheres com toaletes volumosas e espalha"atosasvestidos com "al(al!s chapéus na última moda1 "inalmente os%ndios que tam(ém se europeizavam e aca(avam com tudo o quepoderia permanecer da cor local nessa parte média da (acia dos Amazonas$

 Assim era ?anaus que "oi preciso dar a conhecer ao leitorem(ora super"icialmente para entender a hist)ria$ Ali a viagem da jangada t&o tragicamente interrompida aca(ava de ser suspensano meio do longo percurso que deveria realizar1 ali em pouco

tempo ocorreriam as peripécias desse misterioso caso$ 

Os primeiros momenos

 A piroga que levava Joam arral ou melhor Joam acosta ;convém lhe restituir esse nome ; nem (em havia desaparecidoquando 4enito dirigiu-se a ?anoel$

;O que sa(e voc#* ; perguntou$

;Bei que seu pai é inocenteF BimF CnocenteF ; repetiu?anoel$ ; 5 que uma condena/&o capital lhe "oi aplicada h! vintee tr#s anos por um crime que n&o cometeuF

Page 136: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 136/250

;5le lhe contou tudo ?anoel*;>udo 4enitoF ; respondeu o rapaz$ ; O honesto

"azendeiro n&o queria que nada do seu passado "osse omitido paraaquele que ia se tornar seu segundo "ilho ao se casar com a sua

"ilhaF ;5 a prova da sua inoc#ncia meu pai pode en"im mostr!-laa(ertamente*

;5ssa prova 4enito est! nos vinte e tr#s anos de uma vidahonor!vel e honrada na atitude de Joam acosta que disse 2 justi/a, 5stou aquiF +&o quero mais essa vida "alsaF +&o quero maisme esconder so( um nome que n&o é meu nome verdadeiroF Voc#scondenaram um inocenteF @ea(ilitem-noF\

;5 meu pai$$$ 5nquanto ele "alava$$$ voc# n&o duvidou nempor um instante* ; indagou 4enito$

;+em por um instante irm&oF ; respondeu ?anoel$ As m&os dos dois rapazes se con"undiram num mesmo e

cordial aperto$5m seguida 4enito dirigiu-se ao padre 'assanha,;'adre ; ele disse ; leve minha m&e e minha irm& para

os seus quartosF +&o as deie durante todo o diaF +inguém aquiduvida da inoc#ncia de meu pai ninguém$$$ O senhor sa(eF Amanh& minha m&e e eu iremos procurar o che"e de pol%cia$ +&onos recusar&o uma autoriza/&o para entrar na pris&o$ +&oF Beriacruel demaisF Vamos ver meu pai e decidiremos que atitude tomarpara conseguir o(ter sua rea(ilita/&oF

Saquita estava praticamente inerte1 mas essa mulher valentea princ%pio arrasada por esse sú(ito golpe logo se recuperaria$Saquita acosta seria o que havia sido Saquita arral$ 5la n&oduvidava da inoc#ncia do marido$ +em lhe vinha ao pensamentoque Joam acosta poderia ser censurado por despos!-la com umnome que n&o era o seu$ 5la s) pensava na vida de "elicidade quelhe havia dado esse homem honesto injustamente acusadoF BimF+o dia seguinte estaria na porta da pris&o e n&o sairia de l!enquanto n&o a encontrasse a(ertaF

O padre 'assanha levou-a com a "ilha que n&o conseguiaconter as l!grimas e os tr#s se "echaram na casa$

Os dois rapazes "icaram sozinhos$;5 agora ; disse 4enito ; é preciso que eu sai(a tudo o

que meu pai lhe disse ?anoel$;+&o tenho nada a lhe esconder 4enito$;O que >orres veio "azer a (ordo da jangada*

;Vender a acosta o segredo do seu passado$

Page 137: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 137/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

;5nt&o quando encontramos >orres nas "lorestas de Cquitosele j! nutria a inten/&o de entrar em contato com meu pai*

;+&o h! dúvida ; respondeu ?anoel$ ; O miser!vel dirigia-se para a "azenda com a idéia de "azer uma ign)(il opera/&o de

chantagem preparada de longa data$;5 quando n)s lhe dissemos ; continuou 4enito ; que meu

pai e toda a "am%lia se preparavam para passar a "ronteira mudousu(itamente o plano de conduta*$$$

  ;Bim 4enito porque uma vez em territ)rio (rasileiro Joamacosta "icaria mais 2 merc# dele do que além na "ronteiraperuana$ 9oi por isso que encontramos >orres em >a(atinga ondeaguardava ou espreitava a nossa chegada$

;5 eu que o"ereci para que em(arcasse na jangadaF ;

eclamou 4enito com um movimento de desespero$;Crm&o ; disse ?anoel ; n&o se recrimine por nadaF >orresteria se juntado a n)s mais cedo ou mais tardeF 5le n&o é homemde desistir de uma pista como essaF Be nos deiasse escapar em>a(atinga n)s o encontrar%amos em ?anausF

;H ?anoel$ >em raz&oF ?as agora n&o tratemos mais dopassado$$$ vamos tratar do presenteF$$$ +ada de recrimina/.esinúteisF VejamosF$$$

5 ao "alar assim 4enito passava a m&o na testa procurando

relem(rar todos os detalhes do triste caso$;Vejamos ; ele indagou ; como >orres "icou sa(endo quemeu pai havia sido condenado h! vinte e tr#s anos por essea(omin!vel crime de >ijuco*

;+&o sei ; respondeu ?anoel ; e tudo me leva a crer queseu pai tam(ém ignora$

;?as >orres tinha conhecimento do so(renome arral so( oqual se escondia Joam acosta*

;5videntemente$

;5 ele sa(ia que era no 'eru em Cquitos que depois detantos anos meu pai se havia re"ugiado*;Ba(ia ; respondeu ?anoel$ ; ?as como "icou sa(endo

n&o posso compreenderF;Ima última pergunta ; disse 4enito$ ; Kue proposta

>orres "ez ao meu pai na curta conversa que precedeu a suaepuls&o*

;5le amea/ou denunciar Joam arral como sendo Joamacosta se ele se recusasse a comprar o seu sil#ncio$

;5 qual o pre/o*$$$;O pre/o da m&o da sua "ilhaF ; respondeu ?anoel semhesitar mas (ranco de raiva

Page 138: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 138/250

 ;=omo esse miser!vel pde ousar*$$$ ; "alou 4enito emvoz alta$

;A esse in"ame pedido 4enito voc# j! viu qual a resposta doseu paiF

;Bim ?anoel simF$$$ A reposta de um homem honestoindignadoF 5le epulsou >orresF ?as a epuls&o n&o "oi su"icienteF+&oF +&o "oi su"icienteF 9oi com a denúncia de >orres que vieramprender meu pai n&o é verdade*

;HF =om a denúncia deleF;4om ; eclamou 4enito cujo (ra/o amea/ador se dirigiu

para a margem esquerda do rio ; preciso encontrar >orresF 'recisosa(er como "icou de posse do segredoF$$$ 5le tem de me dizer setomou conhecimento do caso pelo verdadeiro autor do crimeF 5le vai"alarF$$$ Ou se se recusar a "alar$$$ Bei o que me resta a "azerF

;O que resta a "azer$$$ >anto a mim quanto a voc#F ;acrescentou mais "riamente ?anoel mas n&o menos resolutamente$

;+&o$$$ ?anoel$$$ +&oF B) a mim$;Bomos irm&os 4enito ; respondeu ?anoel ; essa

vingan/a ca(e a n)s doisF4enito n&o replicou$ Bo(re esse assunto evidentemente sua

resolu/&o j! havia sido irrevogavelmente tomada$+esse momento o piloto Araújo que o(servara a situa/&o do

rio aproimou-se dos dois rapazes$;J! decidiram ; perguntou ; se a jangada vai "icar

ancorada na ilha ?uras ou ir! até o porto de ?anaus*5ra uma quest&o que devia ser resolvida antes do anoitecer e

devia ser cuidadosamente eaminada$+a verdade a not%cia da pris&o de Joam acosta j! se devia

ter espalhado pela cidade$ Kue ela "osse capaz de despertar acuriosidade da popula/&o de ?anaus n&o havia dúvida$ ?as ser!que n&o provocaria mais do que curiosidade em rela/&o aocondenado em rela/&o ao principal autor do crime de >ijuco quenaquela época tivera tanta repercuss&o* Ber! que n&o deveriamtemer um movimento popular a prop)sito desse atentado que nemmesmo havia sido epiado* iante dessa hip)tese n&o seria melhordeiar a jangada amarrada perto da ilha ?uras na margem direitado rio a algumas milhas de ?anaus*

Os pr)s e os contras da quest&o "oram pesados$;+&oF ; gritou 4enito$ ; 9icar aqui poderia parecer que

a(andonamos meu pai e duvidamos da sua inoc#nciaF 'areceriaque tememos envolver-nos na causa dele$ 'recisamos ir para

?anaus e sem demoraF;>em raz&o 4enito ; respondeu ?anoel$ ; VamosF

Page 139: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 139/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

 Araújo aprovando com um sinal de ca(e/a tomou asmedidas necess!rias para deiar a ilha$ A mano(ra pedia algumcuidado$ >eriam de pegar o(liquamente a corrente do Amazonasengrossada pela do +egro e se dirigir para a "oz desse a"luente

que se a(ria doze milhas a(aio na margem esquerda$ As amarras "oram soltas da ilha$ A jangada de volta ao leito

do rio come/ou a se desviar em diagonal$ Araújo aproveitandoha(ilmente os desvios da corrente pelas pontas das margensconseguiu lan/ar a imensa em(arca/&o na dire/&o desejada sendoajudado pelos imensos croques da sua equipe$

uas horas depois a jangada estava na outra margem do Amazonas um pouco acima da "oz do rio +egro e a correnteencarregou-se de conduzi-la para a margem in"erior da etensa (a%a

a(erta na margem esquerda do a"luente$9inalmente 2s cinco horas da tarde a jangada estava"ortemente amarrada ao longo dessa margem n&o no porto de?anaus que ela n&o poderia atingir sem ter de navegar contra umacorrente (em r!pida mesmo que "osse por uma pequena milha amontante$

 A em(arca/&o repousava ent&o nas !guas escuras do rio+egro perto de uma ri(anceira co(erta de cecr)pias com (ot.escastanho-dourados e estaqueadas com esses juncos de hastes

duras conhecidos pelo nome de "roas dos quais os %ndios "aziamarmas o"ensivas$ Alguns citadinos passeavam pela margem$ +&o havia dúvida

de que eram levados pela curiosidade até o local onde a jangadaestava ancorada$ A not%cia da pris&o de Joam acosta n&odemorara a espalhar-se1 mas a curiosidade dos manauenses n&ochegava 2 indiscri/&o e eles se mantinham reservados$

 A inten/&o de 4enito era descer 2 terra naquela mesma tarde$?anoel o dissuadiu$

;5spere até amanh& ; ele disse$ ; A noite vai chegar e n&odevemos sair da jangada$;Kue sejaF Até amanh& ; respondeu 4enito$+esse momento Saquita seguida da "ilha e do padre

'assanha sa%a da casa$ ?inha ainda estava em l!grimas mas orosto da m&e estava seco toda ela se mostrava enérgica e resoluta$Bentia-se que a mulher estava preparada para tudo n&o s) paracumprir o seu dever mas para "azer valer os seus direitos$

Saquita "oi lentamente na dire/&o de ?anoel,

;?anoel ; ela disse ; ou/a o que vou lhe dizer porqueé assim que me ordena a consci#ncia$;Bou todo ouvidosF ; respondeu ?anoel

Page 140: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 140/250

Saquita virou-se para olh!-lo (em de "rente$;Ontem ; ela retomou ; depois da conversa que teve com

Joam acosta meu marido o senhor veio até mim e disse, minham&eF 'egou a m&o de ?inha e disse, minha mulherF J! sa(ia de

tudo e o passado de Joam acosta lhe havia sido revelado$;Bim ; respondeu ?anoel ; e que eus me castigue seda minha parte houve alguma hesita/&oF$$$

;Kue seja ?anoel ; voltou a "alar Saquita ; mas naquelemomento Joam acosta ainda n&o havia sido preso$ Agora asitua/&o mudou$ 'or mais inocente que seja meu marido est! nasm&os da justi/a1 seu passado "oi revelado pu(licamente1 ?inha é"ilha de um condenado 2 pena capital$$$

;?inha acosta ou ?inha arral pouco importaF ;eclamou ?anoel que n&o pde se conter por mais tempo$

;?anoelF ; murmurou a jovem$5 certamente ela teria ca%do se os (ra/os de Mina n&o

estivessem l! para sustent!-la$;?inha m&e se n&o quiser mat!-la ; disse ?anoel ; trate-

me por "ilhoF;?eu "ilhoF ?inha crian/aF  9oi tudo o que Saquita conseguiu responder pois as

l!grimas que até ent&o reprimira com di"iculdade jorraram de seusolhos$

>odos entraram na casa$ ?as nem uma hora de sono tornariaessa longa noite mais curta para a honesta "am%lia que passava port&o cruéis prova/.esF

 

Volando ao passado

avia sido uma "atalidade a morte do juiz @i(eiro com quemJoam acosta tinha certeza de poder contar totalmenteF

 Antes de ser juiz de direito em ?anaus isto é primeiromagistrado da prov%ncia @i(eiro conhecera Joam acosta na épocaem que o jovem "uncion!rio "ora processado pelo crime do arraialdiamantinense$ @i(eiro era ent&o advogado em Vila @ica$ 5le seencarregou de de"ender o acusado no >ri(unal =riminal$ edicou-se2 causa empenhando-se intensamente$ o eame dos documentosdo processo dos detalhes do inquérito ele adquiriu n&o apenasuma simples convic/&o pro"issional mas a certeza de que seucliente estava sendo incriminado sem raz&o porque n&o tivera

nenhuma participa/&o no assassinato dos soldados da escolta e no

Page 141: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 141/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

rou(o dos diamantes de que a instru/&o estava totalmente erradaem resumo de que Joam acosta era inocente$

'orém independentemente do seu talento e do seu zelo oadvogado @i(eiro n&o conseguiu "azer com que a sua convic/&o

entrasse na mente do júri$ 'ara quem poderia desviar a presun/&odo crime* Be n&o havia sido Joam acosta que tinha todas ascondi/.es requeridas para in"ormar os mal"eitores da partida secretado com(oio quem poderia ser* O "uncion!rio que acompanhava aescolta havia morrido com a maioria dos soldados e as suspeitasn&o podiam recair so(re ele$ >udo concorria para "azer de Joamacosta o único e verdadeiro autor do crime$

@i(eiro de"endeu-o com etremo ardorF 5le "oi de umadedica/&o totalF$$$ ?as n&o conseguiu salv!-lo$ O veredicto do júri

havia sido a"irmativo em todas as perguntas$ Joam acostacondenado por assassinato com a agrava/&o de premedita/&o n&oo(teve o (ene"%cio de circunstGncias atenuantes e ouviu a suacondena/&o 2 morte$

+enhuma esperan/a poderia ter o acusado$ +enhumacomuta/&o da pena era poss%vel pois tratava-se de um crime quetinha rela/&o com o arraial diamantinense$ O condenado estavaperdido$$$ 'orém durante a noite que precedeu a eecu/&o quandoo pat%(ulo j! estava montado Joam acosta conseguiu "ugir da

pris&o de Vila @ica$$$ O resto j! sa(emos$Vinte anos depois o advogado @i(eiro "oi nomeado juiz dedireito em ?anaus$ o "undo do seu retiro o "azendeiro de Cquitossou(e dessa mudan/a e viu a% uma circunstGncia que poderia levar2 revis&o do seu processo com alguma possi(ilidade de #ito$Ba(ia que as antigas convic/.es do advogado a seu respeitodeviam continuar intactas na mente do juiz$ 5le resolveu que tentariade tudo para conseguir a rea(ilita/&o$ Bem a nomea/&o de @i(eiropara a "un/&o de magistrado supremo na prov%ncia do Amazonas

talvez houvesse hesitado porque n&o havia nenhuma nova provamaterial da sua inoc#ncia a ser inclu%da$ ?esmo que esse homemhonesto so"resse terrivelmente por ser o(rigado a se esconder nume%lio em Cquitos talvez esperasse o tempo apagar a lem(ran/adesse caso terr%vel mas uma circunstGncia o "ez agir sem demora$

+a verdade (em antes que Saquita lhe "alasse Joamacosta j! havia perce(ido que ?anoel amava a sua "ilha$ A uni&odo jovem médico militar e da jovem lhe convinha em todos osaspectos$ 5ra evidente que um pedido de casamento seria "eito

mais cedo ou mais tarde e Joam n&o quis ser pego desprevenido$?as ent&o o pensamento de que precisaria casar a "ilha comum nome que n&o lhe pertencia que ?anoel Valdez ao pensar que

Page 142: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 142/250

entrava na "am%lia arral entraria na "am%lia acosta cujo che"e n&opassava de um "ugitivo ainda so( o impacto de uma condena/&ocapital era-lhe intoler!vel$ +&oF 5sse casamento n&o seria "eito nascondi/.es em que o seu pr)prio casamento "ora realizadoF +&oF

JamaisFMem(ramos do que se passou na época$ Kuatro anos depoisque o jovem empregado j! s)cio de ?agalh&es chegou 2 "azendade Cquitos o velho portugu#s "oi levado de volta para a "azendamortalmente "erido$ B) lhe restavam alguns dias de vida$ 5le "icouapavorado com a idéia de que sua "ilha "icaria sozinha sem apoio1sa(endo que Joam e Saquita se amavam quis que a uni&o serealizasse sem demora$

 A princ%pio Joam recusou$ 5le se o"ereceu para ser o protetoro servo de Saquita sem se tornar seu marido$$$ A insist#ncia de um?agalh&es mori(undo "oi tanta que lhe resistir passou a serimposs%vel$ Saquita ps a sua m&o na m&o de Joam e Joam n&o aretirou$

BimF 9oi um erro graveF BimF Joam acosta deveria tercontado tudo ou "ugido para sempre dessa casa na qual havia sidot&o hospitaleiramente rece(ido dessa "azenda cuja prosperidade eleconseguiraF BimF Beria melhor ter contado tudo do que dar 2 "ilha deseu (en"eitor um nome que n&o era seu o nome de um condenado2 morte por crime de assassinato por mais inocente que "ossediante de eusF

?as a situa/&o pedia urg#ncia o velho "azendeiro ia morrer eele estendeu as m&os para os jovensF Joam acosta "icou calado ocasamento "oi realizado e toda a vida do jovem "azendeiro "oiconsagrada 2 "elicidade daquela que se tornara sua mulher$

; +o dia em que eu con"essar tudo ; repetia Joam ;Saquita ir! perdoar-me$ 5la n&o duvidar! de mim um s) momentoF?as se precisei engan!-la n&o enganarei o homem honesto quequer entrar para a "am%lia ao desposar ?inhaF +&oF Beria melhorentregar-me e aca(ar com essa vidaF

=ertamente cem vezes Joam acosta pensara em dizer 2mulher o que havia sido seu passadoF BimF A con"iss&o estava nosseus l!(ios so(retudo quando ela pedia que a levasse ao 4rasilque a levasse e 2 "ilha para descer o (elo rio AmazonasF 5le j!conhecia Saquita o su"iciente para ter certeza de que n&o sentiriadiminuir a a"ei/&o que sentia por eleF$$$ A coragem lhe "altouF

Kuem n&o o compreenderia diante de toda essa "elicidade da"am%lia a seu redor que era o(ra sua e que poderia ser destru%da

sem possi(ilidade de volta*

Page 143: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 143/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

5ssa "oi a sua vida por longos anos essa "oi a origem semprerenascente de seus terr%veis so"rimentos cujo segredo guardavaessa "oi en"im a vida desse homem que n&o tinha uma única m!a/&o a esconder mas que a suprema injusti/a o(rigava a se

esconderF9inalmente no dia em que n&o pde mais duvidar do amor de

?anoel por ?inha no dia em que calculou que n&o passaria um anosem que "osse necess!rio dar o seu consentimento para omatrimnio ele j! n&o hesitou e resolveu agir rapidamente$

Ima carta sua dirigida ao juiz @i(eiro in"ormou aomagistrado o segredo da vida de Joam acosta o nome so( o qualele se escondia o lugar em que vivia com a "am%lia e ao mesmotempo a inten/&o "ormal de se entregar 2 justi/a do seu pa%s e de

requerer a revis&o de um processo que signi"icaria a rea(ilita/&o oua eecu/&o do in%quo julgamento realizado em Vila @ica$Kue sentimentos (rotaram no cora/&o do honesto

magistrado* H "!cil adivinhar$ +&o era ao advogado que o acusadose dirigia era ao juiz supremo da prov%ncia que um condenadoapelava$ Joam acosta se entregava inteiramente a ele e nemmesmo lhe pedia segredo$

O juiz @i(eiro a princ%pio chocado com a revela/&oinesperada logo se recuperou e pesou escrupulosamente os

deveres que a situa/&o lhe impunha$ A ele ca(ia o tra(alho deperseguir os criminosos e eis que um criminoso deiava tudo emsuas m&os$ H verdade que havia de"endido esse criminoso1 n&oduvidava de que ele havia sido injustamente condenado1 "icaraimensamente "eliz ao v#-lo "ugir do supl%cio "inal1 se "ossenecess!rio teria provocado teria "acilitado a evas&oF$$$ 'orém oque o advogado teria "eito naquela época o magistrado poderia"azer agora*

; 4om simF ; disse a si mesmo o juiz$ ; ?inha consci#ncia

ordena que eu n&o a(andone esse homem justoF A atitude que est!tendo agora é uma nova prova da sua n&o-culpa(ilidade uma provamoral j! que ele n&o tem outras mas que talvez seja a maisconvincente de todasF +&oF +&o irei a(andon!-loF

 A partir daquele dia uma correspond#ncia secreta "oiesta(elecida entre o magistrado e Joam acosta$ 'rimeiramente@i(eiro aconselhou ao cliente que n&o se comprometesse com umato imprudente$ 5le queria retomar o caso rever o processo revisara in"orma/&o$ 'recisava sa(er se nada de novo ocorrera no arraial

diamantinense que tivesse rela/&o com essa causa t&o séria$ Ber!que algum cúmplice dos contra(andistas que haviam atacado ocom(oio n&o havia sido preso depois do atentado* =on"iss.es

Page 144: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 144/250

meias con"iss.es n&o haviam sido "eitas* Joam acosta havia sidopreso e sempre alegara inoc#nciaF 'orém isso n&o era su"iciente eo juiz @i(eiro queria encontrar nos pr)prios "undamentos do caso aquem ca(ia realmente a culpa$

Joam acosta devia portanto ser prudente$ 5le prometeuque seria$ ?as "oi um enorme consolo para todas as suas prova/.esencontrar em seu antigo advogado que se tornara juiz supremo atotal convic/&o de que n&o era culpado$ BimF Joam acosta apesarda condena/&o era uma v%tima um m!rtir um homem honesto aquem a sociedade devia uma not)ria repara/&oF 5 quando omagistrado tomou conhecimento do passado do "azendeiro deCquitos desde a condena/&o da situa/&o atual da sua "am%lia detoda essa vida de dedica/&o de tra(alho consagrada semdescanso a garantir a "elicidade de todos ele "icou n&o apenasmais convencido como tam(ém mais emocionado e jurou a simesmo que "aria tudo para conseguir a rea(ilita/&o do condenadode >ijuco$

urante seis meses houve uma troca de correspond#nciaentre os dois homens$

Im dia "inalmente so( a press&o das circunstGncias Joamacosta escreveu ao juiz @i(eiro, entro de dois meses estarei aoseu lado 2 disposi/&o do primeiro magistrado da prov%nciaF$ 'oisque venhaF respondeu @i(eiro$

 A jangada estava pronta para descer o rio Joam acostaem(arcou com toda a "am%lia mulher "ilhos empregados$ Ba(emosque durante a viagem para grande espanto da mulher e dos "ilhosraramente ele desem(arcava$ +a maioria das vezes "icava "echadono quarto escrevendo tra(alhando n&o nos seus neg)cios e simsem nada dizer numa espécie de mem)ria que chamou de, ist)riada minha vida e que deveria ser usada na revis&o do processo$

Oito dias antes da nova deten/&o devido 2 denúncia de>orres que iria antecipar e talvez destruir seus projetos ele con"ioua um %ndio do Amazonas uma carta na qual prevenia o juiz @i(eiroda sua chegada iminente$

 A carta partiu "oi entregue ao destinat!rio e o magistrado B)aguardava Joam acosta para iniciar esse caso grave que tinha aesperan/a de encerrar com sucesso$

+a noite que precedeu a chegada da jangada a ?anaus o juiz@i(eiro so"reu um ataque de apopleia$ 'orém a denúncia de>orres cuja chantagem "racassara diante da no(re indigna/&o dav%tima surtira e"eito$ Joam acosta havia sido preso diante da

"am%lia e seu velho advogado n&o estaria l! para de"end#-loF

Page 145: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 145/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

BimF @ealmente era um golpe terr%velF e qualquer "orma asorte estava lan/ada1 n&o havia como voltar atr!s$

Joam acosta resolveu en"rentar a desgra/a que o atingia t&oinopinadamente$ +&o era apenas a sua honra que estava em jogo

era a honra de toda a sua "am%lia$

Pro)as morais

O mandado de pris&o contra Joam acosta conhecido comoJoam arral havia sido epedido pelo suplente do juiz @i(eiro quedeveria eercer as "un/.es desse magistrado na prov%ncia do Amazonas até a nomea/&o de um sucessor$

O suplente se chamava Vicente Jarriquez$ 5ra umhomenzinho etremamente ra(ugento que quarenta anos deeerc%cio da pro"iss&o e de processos criminais n&o haviamcontri(u%do para tornar mais (enévolo para com os acusados$ 5lehavia instru%do tantos casos desse tipo julgado e condenado tantosmal"eitores que a inoc#ncia de um réu independente de quem"osse lhe parecia a priori inadmiss%vel$ =ertamente n&o julgavacontra a sua consci#ncia que pro"undamente endurecida n&o sedeiava a(alar "acilmente pelos incidentes de um interrogat)rio ou

pelos argumentos da de"esa$ =omo muitos presidentes de tri(unaiscriminais ele reagia ha(itualmente contra a indulg#ncia do júri equando depois de passar pelo crivo da inquiri/&o da in"orma/&o eda instru/&o um acusado comparecia diante dele todas aspresun/.es eram aos seus olhos de que o acusado "osse dezvezes culpado$

  +o entanto Jarriquez n&o era a(solutamente um homemmau$ +ervoso irrequieto loquaz h!(il sutil era interessante de seo(servar com uma ca(e/a grande so(re um corpo pequeno ca(elo

desgrenhado que n&o era piorado pelo (arrete dos tempos antigosolhos pequenos e penetrantes com um olhar de surpreendenteacuidade nariz proeminente com o qual certamente ele gesticulariase tivesse uma pequena mo(ilidade orelhas de a(ano para ouvirmelhor tudo o que se dizia mesmo que estivesse "ora do alcance deum aparelho auditivo normal os dedos tam(orilando todo o temposo(re a mesa do tri(unal como se "osse um pianista se eercitandonum piano mudo um (usto comprido demais para as pernas muitocurtas e os pés que cruzava e descruzava todo o tempo quando

tronava na cadeira de magistrado$+a vida particular d juiz Jarriquez celi(at!rio inveterado s)deiava os livros de direito criminal pela (oa mesa que n&o

Page 146: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 146/250

desdenhava pelo u%sque de que gostava muito pelo adrez no qualera especialmente competente e so(retudo pelos jogos de que(ra-ca(e/as chineses pelos enigmas charadas ré(us anagramaslogogri"os e outros mais dos quais como alguns magistrados

europeus ; verdadeiras es"inges por gosto e por pro"iss&o ; "aziaseu passatempo principal$5le era uma pessoa original como se v# e tam(ém se v# o

quanto Joam acosta perdia com a morte do juiz @i(eiro pois suacausa iria cair nas m&os desse pouco indulgente magistrado$

+esse caso ali!s a miss&o de Jarriquez seria muitosimpli"icada$ 5le n&o teria de "azer o tra(alho de inquiridor nem o deinstrutor nem dirigir as arg<i/.es nem incitar a um veredicto eaplicar os artigos do =)digo 'enal nem en"im pronunciar umacondena/&o$ Cn"elizmente para o "azendeiro de Cquitos essas"ormalidades n&o eram necess!rias$ Joam acosta havia sidopreso julgado e condenado vinte e tr#s anos antes pelo crime de>ijuco a prescri/&o ainda n&o alcan/ara a sua condena/&o nenhumpedido de comuta/&o da pena poderia ser introduzido nenhumaapela/&o de indulto poderia ser acolhida$ 5m resumo (astavaesta(elecer sua identidade e com a ordem de eecu/&o quechegaria do @io de Janeiro a justi/a n&o teria mais nada a "azer an&o ser seguir o seu curso$

  'orém sem dúvida Joam acosta alegaria inoc#ncia diriater sido condenado injustamente$ O dever do magistrado qualquerque "osse sua opini&o a esse respeito seria ouvi-lo$ >oda a quest&oseria sa(er que provas o condenado daria das suas asser/.es$ 5 seele n&o pudesse entreg!-las ao comparecer diante dos primeiros ju%zes seria capaz de d!-las agora*

 A% estaria todo o interesse do interrogat)rio$5ntretanto é preciso con"essar que o "ato de um homem "eliz

e contumaz em seguran/a no eterior deiar tudoespontaneamente para en"rentar a justi/a que o passado lheensinara a temer era um caso di"erente raro que devia despertar ointeresse até de um magistrado indi"erente 2s peripécias de umde(ate judicial$ Beria da parte do condenado de >ijuco cansado davida uma ousada tolice ou o arrou(o de uma consci#ncia que queriaa qualquer pre/o vencer uma iniq<idade* =onvenhamos opro(lema era estranho$

+o dia seguinte da pris&o de Joam acosta o juiz Jarriquez"oi 2 pris&o da rua eus 9ilho onde o prisioneiro estavaencarcerado$

 A pris&o era um antigo convento de mission!rios constru%do 2(eira de um dos principais igarapés da cidade$ Aos voluntariamente

Page 147: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 147/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

enclausurados de outrora haviam sucedido nesse prédio poucoapropriado para a sua nova destina/&o os prisioneiros de agoramesmo contra a vontade$ O quarto ocupado por Joam acosta n&oera uma dessas celas tristes do sistema penitenci!rio moderno$ 5ra

um antigo quarto de monge com janela sem clara()ia mas comgrades que se a(ria para um terreno (aldio com um (anco numdos cantos uma espécie de catre no outro alguns utens%liosgrosseiros e nada mais$

9oi desse quarto que no dia 7: de agosto Joam acosta "oiretirado por volta das onze horas da manh& e levado ao ga(inete deinterrogat)rios preparado na antiga sala comum do convento$

O juiz Jarriquez estava l! atr!s da mesa empoleirado na suacadeira alta com as costas voltadas para a janela para que sua

pessoa "icasse na som(ra enquanto a do prisioneiro "icaria emplena luz$ O escriv&o estava sentado na ponta da mesa com a penaatr!s da orelha e a indi"eren/a que caracteriza as pessoas da justi/a pronto para anotar perguntas e respostas$

  Joam acosta "oi introduzido no ga(inete e a um sinal domagistrado os guardas que o haviam trazido se retiraram$

O juiz Jarriquez olhou longamente para o acusado$ 5ste sehavia inclinado diante dele e em seguida mantinha uma atitudeconveniente nem impudente nem humilde aguardando com

dignidade que as perguntas lhe "ossem "eitas para respond#-las$;Beu nome* ; disse o juiz Jarriquez$;Joam acosta$;Bua idade*;=inq<enta e dois anos$;O senhor mora*$$$;+o 'eru no povoado de Cquitos$;Kue so(renome usa*;O so(renome arral que é o da minha m&e$

;5 porque usa esse so(renome*;'or que durante vinte e tr#s anos quis escapar dapersegui/&o da justi/a (rasileira$

 As respostas eram t&o precisas pareciam indicar t&o (em queJoam acosta estava resolvido a con"essar tudo so(re o seupassado e o seu presente que o juiz Jarriquez pouco acostumadocom esse procedimento tomou uma atitude ainda mais desa"iadorado que de h!(ito$

;5 por que ; ele continuou ; a justi/a (rasileira o

perseguia*;'orque "ui condenado 2 pena capital em 387L no caso dosdiamantes de >ijuco

Page 148: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 148/250

;=on"essa ent&o que é Joam acosta*;5u sou Joam acosta$>odas essas perguntas haviam sido respondidas com muita

calma da "orma mais simples do mundo$ 'or isso os olhos

pequenos do juiz Jarriquez dissimulados so( as p!lpe(raspareciam dizer, 5is um caso que vai caminhar sozinhoF$B) que era chegado o momento em que seria "eita a invari!vel

pergunta que levaria 2 invari!vel resposta dos acusados de qualquercategoria protestando a sua inoc#ncia$

 Os dedos do juiz Jarriquez come/aram a dedilhar um r!pidotrilo na mesa$

; Joam acosta ; ele perguntou ; o que "az emCquitos*

;Bou "azendeiro e me ocupo em dirigir um consider!velesta(elecimento agr%cola$

;5le é pr)spero*;?uito pr)spero$;5 quando deiou a "azenda*;! umas dezenove semanas$;'or qu#*;'ara isso senhor ; respondeu Joam acosta ; aleguei

um preteto mas na realidade havia um (om motivo$;Kual "oi o preteto*O tra(alho de levar ao 'ar! pelo rio um com(oio de madeira

e uma carga de diversos produtos da Amaznia$;AhF ; "ez o juiz$ ; 5 qual "oi o verdadeiro motivo da sua

viagem* Ao "azer essa pergunta ele disse a si mesmo, 9inalmente

vamos entrar na trilha das nega/.es e das mentirasF$;O verdadeiro motivo ; respondeu com voz "irme Joam

acosta ; "oi a resolu/&o que havia tomado de me entregar 2 justi/a do meu pa%sF

;5ntregar-seF ; gritou o juiz levantando-se da cadeira$ ;5ntregar-se$$$ espontaneamente*$$$

;5spontaneamenteF;5 por qu#*;'orque eu j! estava cansado estava "arto dessa vida de

mentiras da o(riga/&o de viver com um "also nome1 daimpossi(ilidade de poder devolver 2 minha mulher e aos meus "ilhoso que lhes pertencia en"im senhor porque$$$

;'orqu#*$$$

;Bou inocenteF

Page 149: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 149/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

Y5ra isso o que eu esperavaF\ disse a si mesmo o juizJarriquez$ 5nquanto seus dedos (atucavam uma marcha maisacentuada ele "ez um sinal com a ca(e/a para Joam acosta quesigni"icava claramente, VamosF =onte a sua hist)riaF 5u j! conhe/o

mas n&o quero impedi-lo de narr!-la do seu jeitoF$Joam acosta que n&o se deiou enganar por essa pouco

encorajador disposi/&o de esp%rito do magistrado "ingiu n&operce(#-la$ 5 ent&o contou a hist)ria inteira da sua vida "alandoso(riamente sem perder a calma que se havia imposto sem omitirnenhuma das circunstGncias que haviam precedido ou seguido asua condena/&o$ 5le n&o insistiu a(solutamente na vida honrada ehonor!vel que levara desde a "uga nem so(re os deveres de che"ede "am%lia de marido e de pai que t&o dignamente cumprira$ B)

en"atizou uma circunstGncia ; a que o levara a ?anaus parademandar a revis&o do processo e conseguir a sua rea(ilita/&o eisso sem que nada o o(rigasse$

O juiz Jarriquez com uma natural preven/&o contra qualqueracusado n&o o interrompeu$ 5le se limitava a "echar e a(rirsucessivamente os olhos como um homem que ouve a mesmahist)ria pela centésima vez1 e quando Joam acosta ps so(re amesa a mem)ria que havia escrito n&o "ez nenhum movimento parapeg!-la$

;>erminou* ; disse ele$;Bim senhor$;5 persiste em a"irmar que B) deiou Cquitos para pedir a

revis&o do julgamento*;+&o tenho outro motivo$;5 quem prova isso* Kuem prova que sem a denúncia que

levou 2 sua pris&o o senhor teria se entregado*;5m primeiro lugar essas mem)rias ; respondeu Joam

acosta$

;5ssas mem)rias estavam com o senhor e nada atesta quese n&o tivesse sido preso teria "eito delas o uso que est! alegando$! senhor ao menos um documento que j! n&o est! comigo

e cuja autenticidade n&o pode ser posta em dúvida$;Kual*;A carta que escrevi ao seu antecessor o juiz @i(eiro carta

que o prevenia da minha chegada$;AhF O senhor havia escrito*$$$;Bim e essa carta que deve ter chegado ao endere/o dele

n&o deve demorar a lhe ser entregueF;@ealmente* ; "alou o juiz Jarriquez com um tom um poucoincrédulo ; O senhor havia escrito ao juiz @i(eiro*

Page 150: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 150/250

;Antes de ser juiz de direito desta prov%ncia ; respondeuJoam acosta ; o juiz @i(eiro havia sido advogado em Vila @ica$5le me de"endeu no processo criminal de >ijuco$ +&o duvidava da justi/a da minha causa$ 9ez tudo para me salvar$ Vinte anos depois

quando se tornou o che"e da justi/a de ?anaus eu lhe contei quemera onde estava e o que queria "azer$ Bua convic/&o em rela/&o amim n&o havia mudado e "oi a seu conselho que deiei a "azendapara vir pessoalmente demandar minha rea(ilita/&o$ ?as ele "oiinopinadamente atingido pela morte e talvez eu esteja perdidosenhor se no juiz Jarriquez n&o encontrar o juiz @i(eiroF

O magistrado diretamente interpelado esteve a ponto dereagir a despeito do h!(ito da magistratura criminal1 mas conseguiuse conter e limitou-se a murmurar essas palavras,

;=on"iante demais na verdade con"iante demaisF5videntemente o juiz Jarriquez j! estava calejado e nada

mais conseguia surpreend#-lo$+esse momento um guarda entrou no ga(inete e entregou

uma carta lacrada com o endere/o do magistrado$5le rompeu o lacre e tirou uma carta do envelope$ A(riu-a e

leu-a n&o sem uma certa contra/&o da so(rancelha e disse,;+&o tenho nenhum motivo Joam acosta para esconder

que essa é a carta de que havia "alado dirigida pelo senhor ao juiz@i(eiro e que me "oi entregue$ +&o h! portanto nenhuma raz&opara duvidar do que havia dito quanto a isso$

;+&o B) quanto a isso ; respondeu Joam acosta ; comotam(ém quanto a todas as circunstGncias da minha vida que aca(eide lhe contar e de que n&o se pode duvidarF

;?uito (em Joam acosta ; respondeu energicamente o juiz Jarriquez ; o senhor alega inoc#ncia mas todos os acusados"azem a mesma coisaF +o "im das contas s) apresenta presun/.esmoraisF >em alguma prova material*

; >alvez senhor ; respondeu Joam acosta$iante dessas palavras o juiz Jarriquez levantou-se da

cadeira$ 9oi mais "orte do que ele e "oi preciso dar duas ou tr#svoltas na sala para se acalmar$

Pro)as maeriais

Kuando o magistrado voltou ao lugar como um homem queacreditava estar totalmente senhor de si ele se jogou na cadeira

com a ca(e/a para cima olhos voltados para o teto e num tom deper"eita indi"eren/a sem nem mesmo olhar para o acusado disse,

Page 151: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 151/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

; 9ale$Joam acosta "icou em sil#ncio por um minuto como se

hesitasse entrar nesse assunto e respondeu nos seguintes termos,; Até aqui senhor s) lhe dei da minha inoc#ncia presun/.es

morais (aseadas na dignidade na dec#ncia na honestidade daminha vida inteira$ Achei que essas provas eram (astante dignas deserem entregues 2 justi/a$$$

O juiz Jarriquez n&o pde reprimir um movimento de om(rosindicando que essa n&o era a sua opini&o$

; J! que n&o s&o su"icientes eis as provas materiais quetalvez eu tenha condi/.es de "ornecer ; voltou a "alar Joamacosta$ ; 5u digo talvez porque ainda n&o sei qual o crédito quedevemos dar a elas$ 'or esse motivo senhor n&o "alei so(re isso

com minha mulher nem com meus "ilhos pois n&o queria lhes daruma esperan/a que poderia ser decepcionante$;e "ato ; respondeu o juiz Jarriquez$;>udo me leva a crer senhor que minha pris&o na véspera

da chegada da jangada a ?anaus tenha sido motivada por umadenúncia dirigida ao che"e de pol%cia$

;+&o est! enganado Joam acosta mas devo lhe dizer que"oi uma denúncia annima$

;'ouco importa pois sei que B) pode ter vindo de um

miser!vel chamado >orres$;5 com que direito ; perguntou o juiz Jarriquez ; o senhortrata assim esse$$$ enunciante*

;H um miser!vel sim senhorF ; respondeu en"aticamenteJoam acosta$ ; 5sse homem que acolhi hospitaleiramente B)veio até mim para propor que eu comprasse o sil#ncio dele para meo"erecer um pacto odioso que nunca lamentarei ter recusadoquaisquer que sejam as conseq<#ncias da sua denúnciaF

Bempre o mesmo sistema pensou o juiz Jarriquez, acusar os

outros para se eimir da culpaF\?as ele n&o deiou de escutar com etrema aten/&o o relatoque lhe "ez Joam acosta das suas rela/.es com o aventureiro atéo momento em que >orres lhe disse que conhecia o verdadeiro autordo atentado de >ijuco e que estava apto a revelar seu nome$

5 qual o nome do culpado* ; perguntou o juiz Jarriqueza(alado na sua indi"eren/a$

;+&o sei ; respondeu Joam acosta$ ; >orres n&o medisse$

;O culpado est! vivo*;5le morreu$

Page 152: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 152/250

Os dedos do juiz Jarriquez tam(orilavam mais rapidamente eele n&o pde deiar de dizer,

; O homem que pode entregar a prova da inoc#ncia de umacusado sempre est! mortoF

; 5m(ora o verdadeiro culpado esteja morto senhor ;respondeu Joam acosta ; >orres pelo menos est! vivo e dessaprova inteiramente escrita pelo autor do crime a"irmou ter a posseF5 quis vend#-laF

 ;Ora Joam acosta ; a"irmou o juiz Jarriquez ; n&o serianada caro pag!-la com toda a sua "ortunaF

;Be >orres B) houvesse pedido a minha "ortuna eu a teriaentregue e ninguém da "am%lia teria protestado$ Bim o senhor temraz&o nunca se paga caro o resgate da pr)pria honraF ?as omiser!vel sa(endo que eu estava a sua merc# eigiu mais do queminha "ortunaF

;O qu#*;A m&o da minha "ilha deveria ser o pre/o desse pactoF 5u

n&o aceitei ele me denunciou e eis por que estou agora diante dosenhorF

;5 se >orres n&o o houvesse denunciado ; perguntou o juizJarriquez ; se >orres n&o houvesse ido ao seu encontro o queteria "eito ao sa(er na chegada da morte do juiz @i(eiro* O senhorteria se entregado 2 justi/a*$$$

;Bem nenhuma hesita/&o senhor ; respondeu Joamacosta com voz "irme ; pois repito n&o tinha outro o(jetivo aosair de Cquitos para vir a ?anaus$

5ssas palavras "oram ditas com tal entona/&o de verdadeque o juiz Jarriquez sentiu uma espécie de emo/&o penetrarnaquele recesso do cora/&o onde as convic/.es se "ormam1 mas B)que ele n&o se deu conta$

  5 n&o é de surpreender$ ?agistrado procedendo a uminterrogat)rio n&o sa(ia nada do que sa(emos n)s queacompanhamos >orres desde o come/o dessa hist)ria$ +&opodemos ter dúvidas de que >orres tinha em suas m&os a provamaterial da inoc#ncia de Joam acosta$ >emos certeza de que odocumento eiste que contém essa atesta/&o e talvez sejamoslevados a pensar que o juiz Jarriquez dava mostras de umaimpiedosa incredulidade$ ?as devemos pensar o seguinte, asitua/&o do juiz Jarriquez era di"erente1 ele estava acostumado comesses invari!veis protestos dos indiciados que a justi/a lhe enviava1Joam acosta invocava um documento que n&o havia conseguido1

n&o sa(ia nem mesmo se realmente eistia e no "im das contas o

Page 153: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 153/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

 juiz estava diante de um homem cuja culpa tinha para ele a "or/a decausa julgada$

5ntretanto quis por curiosidade talvez deiar que Joamacosta "osse até o "im da sua de"esa$

; 5nt&o ; ele disse ; toda sua esperan/a repousa agora nadeclara/&o que lhe "ez esse >orres*

;Bim senhor ; respondeu Joam acosta ; j! que toda aminha vida n&o serve como de"esaF

;Onde acha que >orres est! agora*;Acho que deve estar em ?anaus$;5 espera que "ale que consinta em lhe entregar de (oa

vontade esse documento cujo pre/o o senhor se recusou a pagar*;H o que espero senhor ; respondeu Joam acosta$

; Agora a situa/&o de >orres é outra$ 5le me denunciou econseq<ente mente n&o pode mais ter esperan/a alguma deretomar a negocia/&o nas condi/.es em que desejava conclu%-la$?as esse documento ainda pode valer uma "ortuna para ele e se eu"or li(ertado ou condenado ela pode escapar-lhe para sempre$ Ora j! que seu interesse é vender-me esse documento sem que issopossa prejudic!-lo de "orma alguma penso que agir! de acordo como pr)prio interesse$

O racioc%nio de Joam acosta n&o admitia réplica$ O juiz

Jarriquez perce(eu (em$ 5 s) "ez a única o(je/&o poss%vel,;Kue seja ; disse$ ; O interesse de >orres é sem dúvidavender-lhe esse documento$$$ Be é que ele eisteF

;Be n&o eistir senhor ; retrucou Joam acosta com umavoz penetrante ; B) poderei contar com a justi/a dos homensenquanto aguardo a justi/a de eusF

=om essas palavras o juiz Jarriquez se levantou e ent&odisse num tom menos indi"erente,

;Joam acosta ao interrog!-lo aqui ao deiar que contasse

as particularidades da sua vida e alegasse inoc#ncia "ui mais longedo que pedia o meu mandado$ Ima in"orma/&o j! "oi "eita so(reesse caso e o senhor compareceu diante do júri de Vila @ica cujoveredicto "oi dado por unanimidade de votos sem circunstGnciasatenuantes$ O senhor "oi condenado por instiga/&o e cumplicidadeno assassinato dos soldados e no rou(o dos diamantes de >ijuco apena capital "oi pronunciada e B) devido 2 evas&o o senhorescapou do supl%cio$ ?as quer tenha vindo entregar-se ou n&o 2 justi/a depois de vinte e tr#s anos "oi preso novamente$ 'ela última

vez reconhece que é Joam acosta o condenado no caso doarraial diamantinense*;5u sou Joam acosta

Page 154: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 154/250

;5st! pronto para assinar essa declara/&o*;5stou$5 com uma m&o que n&o tremia Joam acosta assinou seu

nome em(aio da narra/&o circunstanciada e do relat)rio que o juiz

mandara o escriv&o redigir$;O relat)rio dirigido ao ?inistério da Justi/a vai para o@io de Janeiro ; disse o magistrado$ ; B) depois de muitos diasrece(eremos a ordem para eecutar o julgamento que o condena$Be ent&o como diz esse >orres possui a prova da sua inoc#nciapor sua pr)pria conta com a sua "am%lia "a/a de tudo para que aentregue em tempo h!(ilF

;Kuando chegar a ordem nenhum sursis ser! mais poss%vele a justi/a seguir! o seu cursoF

Joam acosta se inclinou$;>enho permiss&o para ver minha mulher e meus "ilhos* ;

perguntou$;oje mesmo se quiser ; respondeu o juiz Jarriquez$ ; O

senhor n&o est! incomunic!vel e eles ser&o levados para v#-loassim que se apresentarem$

O magistrado tocou a sineta$ Os guardas entraram noga(inete e levaram Joam acosta$

O juiz Jarriquez olhou-o partir sacudindo a ca(e/a$;HF O caso é realmente mais estranho do que penseiF ;

ele murmurou$ 

O úlimo golpe

5nquanto Joam acosta passava pelo interrogat)rio Saquitapor um pedido "eito por ?anoel "icou sa(endo que os "ilhos e elaseriam admitidos para ver o prisioneiro no mesmo dia por volta dasquatro horas da tarde$

esde a véspera Saquita n&o sa%ra do quarto$ ?inha e Minahaviam "icado ao lado dela aguardando o momento em que teriapermiss&o para ver o marido$ 9osse ela Saquita arral ou Saquitaacosta ele continuaria a encontrar a mulher devotada a valentecompanheira de toda a vida$

+aquele dia em torno das onze horas 4enito "oi ao encontrode ?anoel e 9ragoso que conversavam na dianteira da jangada$

;?anoel ; ele disse ; tenho um tra(alho a lhe pedir$;Kual*

;'ara o senhor tam(ém senhor 9ragoso$;5stou 2s ordens senhor 4enito ; respondeu o (ar(eiro$

Page 155: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 155/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

;e que se trata* ; perguntou ?anoel o(servando oamigo cuja atitude era a de um homem que tomou uma resolu/&oina(al!vel$

;=ontinuam acreditando na inoc#ncia de meu pai n&o é* ;

disse 4enito$;AhF ; eclamou 9ragoso$ ; Beria mais "!cil acreditar que

"ui eu que cometi o crimeF;?uito (em hoje mesmo vamos eecutar um projeto que

idealizei ontem$;5ncontrar >orres* ; perguntou ?anoel$;Bim e sa(er dele como desco(riu a condena/&o de meu

paiF 5m tudo isso h! coisas ineplic!veisF Ber! que j! o conhecia*+&o posso compreender como pois meu pai n&o sa%a de Cquitos

havia vinte anos e o miser!vel tem apenas trintaF ?as o dia n&o vaiterminar antes que eu sai(a isso ou po(re do >orresF A resolu/&o de 4enito n&o admitia nenhuma discuss&o$ 'or

isso nem ?anoel nem 9ragoso pensaram em "az#-lo desistir doprojeto$

;'e/o portanto ; continuou 4enito ; que os doisme acompanhem$ Vamos partir neste instante$ +&o devemosesperar que >orres saia de ?anaus$ 5le j! n&o pode mais vender oseu sil#ncio e essa hip)tese pode lhe ocorrer$ VamosF

Os tr#s desem(arcaram na margem do rio +egro e sedirigiram para a cidade$?anaus n&o era t&o grande que n&o pudesse ser revistada

em algumas horas$ Be "osse preciso iriam de casa em casa paraprocurar >orres1 mas seria melhor "alarem primeiro com os donosdos al(ergues e das ta(ernas onde o aventureiro poderia ter-sere"ugiado$ Bem dúvida o e-capit&o-do-mato n&o daria seu nome etalvez tivesse raz.es pessoais para evitar qualquer contato com a justi/a$ +o entanto se n&o houvesse sa%do de ?anaus ele n&o

escaparia da (usca dos rapazes$ 5m todo o caso estava "ora decogita/&o dirigir-se 2 pol%cia porque era (em prov!vel ; e "oie"etivamente como sa(emos ; que a denúncia houvesse sidoannima$

urante uma hora 4enito ?anoel e 9ragoso percorreram asruas principais da cidade interrogando os comerciantes nas lojasos ta(erneiros nos seus (otequins e os pr)prios transeuntes semque ninguém pudesse identi"icar o indiv%duo cujas caracter%sticaseles descreviam com etrema precis&o$

Ber! que >orres havia sa%do de ?anaus* everiam perder asesperan/as de ach!-lo*

Page 156: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 156/250

?anoel tentava em v&o acalmar 4enito que estava ealtado$=ustasse o que custasse ele acharia >orresF

O acaso iria ajud!-los e "oi 9ragoso que encontrou averdadeira pista$

+um al(ergue da rua eus 5sp%rito Banto ao descrever ascaracter%sticas do aventureiro responderam-lhe que o indiv%duo emquest&o havia ido na véspera até a ta(erna$

;5le dormiu no al(ergue* ; perguntou 9ragoso$;ormiu ; respondeu o dono do al(ergue$;5st! aqui agora*;+&o ele saiu$;?as pagou a conta como um homem que se disp.e a ir

em(ora*;e jeito nenhum$ 5le saiu do quarto depois de uma hora e

sem duvida voltar! para o jantar$;Ba(e que caminho tomou ao sair*;5le "oi visto se dirigindo ao Amazonas descendo para a

cidade (aia e é prov!vel que seja encontrado por J!$9ragoso n&o precisou perguntar mais$ Alguns minutos depois

ele se encontrava com os dois rapazes e dizia,;Achei a pista de >orres$;5le est! l!F ; eclamou 4enito$+&o aca(ou de sair e viram-no se dirigir para o Amazonas

passando pelo campo$;VamosF ; disse 4enito$Beria preciso descer em dire/&o ao rio e o caminho mais

curto seria pegar a margem esquerda do rio +egro até a "oz$4enito e os companheiros logo deiaram para tr!s as últimas

casas da cidade e seguiram pela margem mas "izeram um desviopara n&o passar diante da jangada$

 A plan%cie estava deserta 2quela hora$ O Olhar podia alcan/arao Jorge através da campina onde as terras cultivadas haviamsu(stitu%do as "lorestas de outrora$

4enito n&o "alava, n&o conseguiria pronunciar uma únicapalavra$ ?anoel e 9ragoso respeitavam esse sil#ncio$ Cam assim ostr#s per- correndo a distGncia entre a margem do rio +egro e amargem do Amazonas$ >r#s quartos de hora depois de sa%rem de?anaus ainda n&o haviam perce(ido nada$

Ima ou duas vezes encontraram os %ndios que tra(alhavamna terra1 ?anoel interrogou-os e um deles "inalmente lhe disse queum homem parecido com o que descrevia havia aca(ado de

passar e se dirigira para o Gngulo "ormado pela con"lu#ncia dos doiscursos dR!gua$

Page 157: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 157/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

Bem mais perguntas 4enito inconscientemente come/ou aandar r!pido e os dois companheiros tiveram de se apressar paran&o se distanciarem demais$

 A margem esquerda do Amazonas aparecia a menos de um

quarto de milha$ Ima espécie de escarpa se desenhava ocultandouma parte do horizonte e limitando o alcance da vista num raio dealgumas centenas de passos$

4enito acelerando a corrida logo desapareceu atr!s de umadas eleva/.es de areia$

; ?ais r!pidoF ?ais r!pidoF ; disse ?anoel a 9ragoso$ ;+&o podemos dei!-lo sozinho um único instanteF

Os dois correram nessa dire/&o e de repente ouviram umgrito$

Ber! que 4enito havia visto >orres* Ber! que este o haviavisto* 4enito e >orres j! estavam juntos*?anoel e 9ragoso que estavam cinq<enta passos atr!s

depois de passarem rapidamente por uma das pontas da margemviram dois homens parados "rente a "rente$

5ram 4enito e >orres$+um minuto ?anoel e 9ragoso estavam ao lado deles$ Acreditavam que ealtado como estava 4enito n&o

conseguiria controlar-se quando estivesse na presen/a do

aventureiro$+&o "oi isso o que ocorreu$ Assim que o rapaz se viu diante de >orres quando teve

certeza de que ele n&o poderia escapar sua atitude mudoucompletamente "icou mais aliviado recuperou o sangue-"rio voltoua ser senhor de si$

Os dois homens se olhavam havia alguns minutos sempronunciar uma s) palavra$

 >orres "oi o primeiro a romper o sil#ncio e com seu ha(itual

tom atrevido disse,;AhF Benhor 4enito arral*;+&oF 4enito acosta ; respondeu o rapaz$;e "ato ; continuou >orres ; senhor 4enito acosta

acompanhado do senhor ?anoel Valdez e do meu amigo 9ragosoFiante dessa quali"ica/&o ultrajante que lhe dava o

aventureiro 9ragoso resolvido a se vingar ia avan/ar para cimadele quando 4enito sempre impass%vel o reteve,

;O que h! com o senhor meu rapaz* ; eclamou

>orres recuando alguns passos$ ; 5iF Acredito que seria melhor eu"icar de so(reavisoF

Page 158: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 158/250

5 enquanto "alava tirou do poncho uma machete essa armao"ensiva ou de"ensiva ; como queira ; que um (rasileiro nuncaa(andona$ 5m seguida meio curvado esperou sem recuar$

;5u vim procur!-lo >orres ; disse ent&o 4enito que n&o

havia se meido diante da atitude provocadora$;'rocurar-me* ; respondeu o aventureiro$ ; +&o sou di"%cilde encontrarF 5 por que estava me procurando*

;'ara ouvir da sua (oca o que demonstra sa(er do passadodo meu paiF

;H mesmo*;HF 5spero que me diga como o reconheceu por que estava

rondando nossa "azenda na "loresta de Cquitos por que esperava em>a(atinga$$$

;4om parece que n&o h! nada mais claroF ; respondeu>orres ca/oando$ ; 5u o esperava para em(arcar na sua jangada eem(arquei com a inten/&o de "azer uma proposta muito simples$$$Kue provavelmente ele errou ao rejeitarF

 A essas palavras ?anoel n&o conseguiu se conter$ =om orosto p!lido o olhar em "ogo avan/ou para cima de >orres$

4enito querendo usar todos os meios de concilia/&ointerps-se entre o aventureiro e ele$

;=ontrole-se ?anoel ; ele disse$ ; 5u estou controladoF  5m seguida voltando ao assunto,

;+a verdade >orres sei quais "oram as raz.es que o"izeram em(arcar na jangada$ 'ossuidor de um segredo que semdúvida lhe "oi entregue quis "azer chantagemF ?as n&o é disso quese trata agora$

;5 do que se trata*;Kuero sa(er como reconheceu Joam acosta no

"azendeiro de CquitosF;=omo pude reconhec#-lo ; retrucou >orres ; é assunto

meu isso n&o preciso contar-lhe$ O importante é que n&o meenganei quando vi nele o verdadeiro autor do crime de >ijucoF

;+&o me digaF$$$ ; gritou 4enito que come/ava a perder ocontrole$

;+&o vou dizer nadaF ; respondeu >orres$ ; AhF Joamacosta rejeitou minhas propostasF 5le se recusou a me admitir na"am%liaF 4om agora que o segredo j! é conhecido que est! presosou eu quem se recusar! a entrar na "am%lia na "am%lia de umladr&o de um assassino de um condenado que o pat%(ulo aguardaF

;?iser!velF ; eclamou 4enito que por sua vez tirou uma

machete do cinto e se ps na o"ensiva$

Page 159: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 159/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

?anoel e 9ragoso num movimento id#ntico tam(ém searmaram rapidamente$

;>r#s contra umF ; disse >orres$;+&oF Im contra umF ; respondeu 4enito$

;+&o digaF 5u j! estava imaginando um assassinato porparte do "ilho de um assassinoF

;>orresF ; gritou 4enito$ ; e"enda-se ou vou mat!-locomo a um c&o enraivecidoF

;5nraivecido que sejaF ; respondeu >orres$ ; ?aseu mordo 4enito acosta e cuidado com as mordidasF

5m seguida trazendo para perto a machete ele se ps emguarda preparado para se atirar so(re o advers!rio$ 4enito recuoualguns passos$

;Benhor >orres ; ele disse recuperando o sangue-"rioque perdera por alguns instantes ; o senhor "oi h)spede de meupai o senhor o amea/ou o traiu o denunciou acusou um inocentee com a ajuda de eus vou mat!-loF

Im sorriso insolente "oi es(o/ado nos l!(ios de >orres$ >alvezo miser!vel pensasse nesse momento como impedir a luta entre4enito e ele e podia "az#-lo de "ato$ >orres havia compreendido queJoam acosta nada dissera do documento que continha a provamaterial da sua inoc#ncia$

Ora ao revelar a 4enito que ele >orres possu%a essa provaconseguiria desarm!-lo no mesmo instante$ 'orém n&o somentequeria esperar o último minuto sem dúvida para conseguir ummelhor pre/o pelo documento como a lem(ran/a das palavrasinsultantes do rapaz o )dio que sentia por toda a "am%lia "izeram-noesquecer seus interesses$

 Além do mais muito acostumado ao manejo da machete daqual tivera muitas ocasi.es para se servir o aventureiro era ro(ustoligeiro e h!(il$ 'ortanto contra um advers!rio de apenas vinte anos

que n&o podia ter a sua "or/a nem a sua destreza tinha maioreschances de vencer$+um último es"or/o ?anoel insistiu para lutar no lugar de

4enito$;+&o ?anoel ; respondeu "riamente o rapaz ; ca(e a

mim e s) a mim vingar o meu pai e como tudo aqui deve serdentro das regras voc# ser! minha testemunhaF

;4enitoF$$$Kuanto ao senhor 9ragoso recusaria se pedisse para servir

de testemunha para esse homem*

Page 160: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 160/250

;Kue seja ; respondeu 9ragoso ; em(ora n&ohaja nenhuma honra nissoF Be "osse eu sem tantas cerimnias ;acrescentou ; iria mat!-lo como um animal selvagemF

O lugar onde o com(ate seria realizado era uma margem

plana que media uns quarenta passos de largura e que "icava unsquinze pés acima do Amazonas$ 5la era cortada na verticalportanto muito escarpada$ 5m(aio dela o rio corria lentamente(anhando os "eies de junco que guarneciam a sua (ase$

'ortanto havia pouco espa/o nessa margem no sentido dalargura e dos dois advers!rios o que "raquejasse primeiro teriaatr!s de si um a(ismo$

 Ao sinal dado por ?anoel >orres e 4enito caminharam nadire/&o um do outro$

4enito estava totalmente controlado$ e"ensor de uma santacausa seu sangue-"rio prevalecia e muito so(re o de >orres cujaconsci#ncia por mais insens%vel por mais implac!vel que "ossedevia nesse momento atrapalhar a sua vis&o$

Kuando os dois "icaram pr)imos o primeiro golpe "oi dadopor 4enito$ >orres evitou-o$ Os dois advers!rios recuaram1 masquase imediatamente avan/aram um para cima do outro e seagarraram com a m&o esquerda pelo om(ro$$$ +&o mais sesoltaram$

>orres mais "orte deu um golpe lateral com a machete que4enito n&o conseguiu evitar totalmente$ Beu lado direito "oi atingidoe o tecido do poncho "icou vermelho de sangue$ ?as ele respondeuenergicamente e "eriu >orres ligeiramente na m&o$

iversos golpes "oram trocados sem que nenhum "ossedecisivo$ O olhar de 4enito sempre em sil#ncio mergulhava nosolhos de >orres como um lGmina que penetra até o cora/&o$Visivelmente o miser!vel come/ava a "raquejar$ 5le recuou ent&oum pouco empurrado pelo implac!vel justiceiro que estava maisdecidido a tirar a vida do denunciante do seu pai do que de"ender asua$ Acert!-lo era tudo o que 4enito queria enquanto o outro agoraB) procurava aparar os golpes$

+&o demorou muito e >orres se viu acuado na (eirada damargem num lugar onde ligeiramente escavada ela se projetavaso(re o rio$ 5le compreendeu que corria perigo quis retomar ao"ensiva e recuperar o terreno perdido$$$ Beu atordoamentoaumentava o olhar l%vido se apagava so( as p!lpe(ras$$$9inalmente teve de se curvar so( o (ra/o que o amea/ava$

; ?orraF ; gritou 4enito$

O golpe "oi dado no meio do peito mas a ponta da macheteacertou um o(jeto duro oculto so( o poncho de >orres$

Page 161: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 161/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

4enito voltou a atacar$ >orres cuja resposta n&o chegou aatingir o advers!rio sentiu-se perdido$ 5le "oi o(rigado a recuarmais$ Kueria gritar$$$ ritar que a vida de Joam acosta estavapresa 2 suaF$$$ ?as n&o teve tempo$

Im segundo golpe da machete penetrou dessa vez até ocora/&o do aventureiro$ 5le "oi para tr!s e como de repente lhe"altasse o ch&o caiu da margem$ Ima última vez suas m&os seagarraram convulsivamente num tu"o de junco mas n&oconseguiram segur!-lo$$$ 5 ele desapareceu nas !guas do rio$

4enito estava apoiado no om(ro de ?anoel1 9ragoso lheapertava as m&os$ 5le n&o quis perder tempo para deiar oscompanheiros tratarem da sua "erida que era super"icial$

;'ara a jangada ; disse ; para a jangadaF

?anoel e 9ragoso dominados por pro"unda emo/&oseguiram-no sem dizer uma palavra$Im quarto de hora depois os tr#s chegavam perto da

margem onde a jangada estava amarrada$ 4enito e ?anoelprecipitaram-se para o quarto de Saquita e de ?inha e puseram asduas a par do que havia aca(ado de acontecer$

;?eu "ilhoF ?eu irm&oFOs gritos sa%ram ao mesmo tempo$;'ara a pris&oF ; disse 4enito$

;BimF$$$ VamosF$$$ VamosF ; "alou Saquita$4enito seguido de ?anoel conduziu a m&e$ Os tr#sdesem(arcaram se dirigiram para ?anaus e meia hora depoischegavam 2 pris&o da cidade$

e acordo com a ordem dada previamente pelo juiz Jarriquez"oram imediatamente introduzidos e conduzidos ao quarto ocupadopelo prisioneiro$

 A porta "oi a(erta$Joam acosta viu entrar a mulher o "ilho e ?anoel$

;AhF Joam meu JoamF ; eclamou Saquita$;SaquitaF ?inha mulherF ?eus "ilhosF ; respondeu oprisioneiro que lhes a(riu os (ra/os e apertou-os ao peito$

;?eu Joam inocenteF;Cnocente e vingadoF ; eclamou 4enito$;Vingado* O que quer dizer*;>orres est! morto meu pai e morto por mimF;?ortoF$$$ >orresF$$$ ?ortoF$$$ ; "alou em voz alta Joam

acosta$ ; AhF ?eu "ilhoF$$$ Voc# causou a minha desgra/aF

 

Page 162: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 162/250

Resolu45es

 Algumas horas mais tarde toda a "am%lia j! de volta 2 jangada estava reunida na sala comum$ >odos estavam l! ; menos

o homem %ntegro que havia sido atingido por mais um golpeF4enito arrasado acusava-se de haver causado a desgra/a dopai$ Bem as súplicas de Saquita da irm& do padre 'assanha e de?anoel talvez o in"eliz rapaz tivesse cometido nos primeirosmomentos de seu desespero algum ato etremo$ ?as ninguém operdeu de vista nem o deiou sozinho$ +o entanto que no(reconduta havia sido a suaF +&o "ora uma vingan/a leg%tima contra odenunciante do seu pai*

 AhF 'or que Joam acosta n&o havia dito tudo antes de deiara jangadaF 'or que quis reservar para o juiz essa prova da sua n&o-culpa(ilidade* 'or que na sua conversa com ?anoel depois daepuls&o de >orres ele se calou so(re esse documento que oaventureiro dizia ter em m&os* 5 no "im das contas que crédito sedevia dar ao que >orres lhe havia dito* 'oderia ter certeza de queesse documento estivesse na posse do miser!vel*

e qualquer modo agora a "am%lia sa(ia de tudo e da pr)pria(oca de Joam acosta$ Ba(ia que segundo >orres a prova dainoc#ncia do condenado de >ijuco eistia realmente1 que essedocumento havia sido escrito pela pr)pria m&o do autor do crime1que esse criminoso tomado de remorsos na hora da morteentregara-o ao companheiro >orres e que este em vez de eecutara vontade do mori(undo "izera da entrega desse documento ummeio de chantagemF$$$ ?as a "am%lia tam(ém sa(ia que >orres haviamorrido no duelo que seu corpo "ora engolido pelas !guas do Amazonas e que morrera sem dizer o nome do verdadeiro culpadoF

 A n&o ser por um milagre agora Joam acosta podia serconsiderado irremissivelmente perdido$ e um lado a morte do juiz@i(eiro do outro a morte de >orres era um golpe duplo do qual elen&o conseguiria se reerguerF

=onvém dizer aqui que a opini&o pú(lica de ?anausinjustamente ealtada como sempre estava contra o prisioneiro$ Apris&o t&o inesperada de Joam acosta "azia voltar 2 mem)ria ohorr%vel atentado de >ijuco esquecido havia vinte e tr#s anos$ Oprocesso do jovem "uncion!rio das minas do arraial diamantinensesua condena/&o 2 pena capital sua evas&o algumas horas antesdo supl%cio tudo "oi relem(rado eplorado comentado$ Im artigopu(licado em O i!rio dRo rand 'ar! o jornal de maior penetra/&o

nessa regi&o depois de relatar todas as circunstGncias do crime eramani"estamente hostil ao prisioneiro$ 'or que se acreditaria na

Page 163: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 163/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

inoc#ncia de Joam acosta quando se ignorava tudo que osmem(ros da "am%lia sa(iam ; tudo que B) eles sa(iam*

'or isso a popula/&o de ?anaus n&o demorou a "icarencolerizada$ A tur(a de %ndios e negros com "úria cega come/ou a

a"luir ao local da pris&o soltando gritos de morte$ +esse pa%s dasduas Américas das quais uma v# mais constantemente seremaplicadas as odiosas eecu/.es da lei de MQnch a multid&o sedeiou levar por seus instintos cruéis e temia-se que numa ocasi&ocomo essa quisesse "azer justi/a com as pr)prias m&osF

Kue noite triste para os passageiros da jangadaF 'atr.es eempregados haviam sido atingidos por esse golpeF >odo o pessoalda jangada n&o era mem(ro de uma mesma "am%lia* >odos ali!squiseram velar pela seguran/a de Saquita e de seus "amiliares$ +a

margem do rio +egro havia um incessante ir e vir de %ndiosevidentemente ealtados com a pris&o de Joam acosta e quemiria sa(er a que ecessos poderiam se deiar levar essas pessoasmeio (!r(arasF

+o entanto a noite passou sem nenhuma mani"esta/&o contraa jangada$

+o dia seguinte 7L de agosto ao nascer do sol ?anoel e9ragoso que n&o haviam deiado 4enito nem por um minutodurante essa noite de angústia tentaram arranc!-lo do desespero$

5les o chamaram 2 parte e "izeram-no compreender que n&o haviatempo a perder que era preciso tomar uma decis&o e agir$;4enito ; disse ?anoel ; recupere seu autocontrole volte

a ser um homem volte a ser um "ilhoF;?eu pai ; eclamou 4enito ; eu o mateiF;+&o ; respondeu ?anoel ; e com a ajuda dos céus é

poss%vel que nem tudo esteja perdidoF;Ou/a-nos senhor 4enito ; disse 9ragoso$O rapaz passando a m&o nos olhos "ez um enorme es"or/o$

;4enito ; continuou ?anoel ; >orres nunca disse nadaque nos pudesse pr na pista do seu passado$ 'ortanto n&opodemos sa(er quem é o autor do crime de >ijuco nem em quecondi/.es ele o cometeu$ 'rocurar desse lado seria perda de tempoF

;5 o tempo urgeF ; acrescentou 9ragoso$;Além disso ; disse ?anoel ; mesmo que

consegu%ssemos desco(rir quem "oi esse companheiro de >orresele est! morto e n&o poderia dar testemunho da inoc#ncia de Joamacosta$ ?as n&o deia de haver uma certeza de que a prova da

inoc#ncia eiste n&o h! motivo para duvidar da eist#ncia de umdocumento pois >orres "ez dele um o(jeto de negocia/&o$ 5lemesmo disse isso 5sse documento é uma con"iss&o que o acusado

Page 164: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 164/250

escreveu inteiramente de pr)prio punho no qual relata o atentadonos m%nimos detalhes e que rea(ilita nosso paiF BimF =em vezessimF 5sse documento eisteF

+o entanto >orres n&o eiste mais ; eclamou 4enito ; e o

documento desapareceu com esse miser!velF  ; =alma e n&o se desespere aindaF ; "alou ?anoel$; Voc# se 3em(ra em que condi/.es conhecemos >orres* 9oi nomeio da "loresta de Cquitos$ 5le perseguia um macaco que lhe haviarou(ado um estojo de metal que ele queria muito e a persegui/&o j! durava duas horas quando o macaco morreu com as nossas(alas$ 4om voc# acha que "oi por algumas moedas de ouroguardadas nesse estojo que >orres "azia tanta quest&o de reav#-loe n&o se lem(ra da etraordin!ria satis"a/&o que deioutransparecer quando lhe entregou o estojo arrancado das m&os domacaco*

;Mem(roF$$$$Mem(roF ; respondeu 4enito$ ; O estojoque segurei e que lhe devolviF$$$ H prov!vel que o documentoestivesse l! dentroF

;H mais do que prov!velF H quase certoF$$$ ; disse ?anoel$;5 digo mais ; acrescentou 9ragoso ; porque isso me

vem agora 2 mem)ria$ urante a visita que voc#s "izeram a 5ga eu"iquei a (ordo a conselho de Mina para vigiar >orres e o vi$$$ sim$$$eu o vi ler e reler um velho papel todo amarelado$$$ murmurandopalavras que n&o consegui compreenderF

;5ra o documentoF ; eclamou 4enito que se prendia aessa esperan/a$ ; O único que lhe restavaF ?as ser! que n&o psesse documento num lugar seguro*

;+&o ; respondeu ?anoel ; n&oF$$$ 5ra muito preciosopara que >orres pensasse em se separar deleF evia traz#-losempre consigo e sem dúvida nesse estojoF$$$

;5spere$$$ espere$$$ ?anoel ; gritou 4enito$ ; 5u melem(roF BimF 5u me lem(roF$$$ urante o duelo o primeiro golpe quedei em >orres (em no peito a machete (ateu num o(jeto duroem(aio do poncho$$$ =omo uma placa de metal$$$

;5ra o estojoF ; eclamou 9ragoso$;BimF ; respondeu ?anoel$ ; Bem som(ra de dúvidaF 5sse

estojo estava num (olso da sua japona$;?as e o cad!ver de >orres*$$$;Vamos ach!-loF;?as o papelF A !gua deve t#-lo molhado talvez destru%do

tornando-o indeci"r!velF

;=omo ; retrucou ?anoel ; se esse estojo de metal erahermeticamente "echado*

Page 165: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 165/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

;?anoel ; disse 4enito que n&o queria deiar de lado essaesperan/a ; voc# tem raz&oF H preciso achar o cad!ver de >orresFBe "or necess!rio revistaremos toda essa parte do rio mas vamosach!-loF

O piloto Araújo "oi imediatamente chamado e posto a par doque iam "azer$

;4om ; respondeu Araújo$ ; =onhe/o os remoinhos eas correntes do rio +egro e do Amazonas e é poss%vel conseguirencontrar o cad!ver de >orres$ Vamos pegar as duas pirogas osdois u(!s uma dúzia dos nossos %ndios e em(arcar$

O padre 'assanha sa%a do quarto de Saquita$ 4enito "oi atéele e contou em algumas palavras o que iam tentar para conseguira posse do documento$

;+&o diga nada ainda 2 minha m&e nem 2 minha irm&F ;acrescentou$ ; 5ssa última esperan/a se "or decepcionante vaimat!-lasF

;V! minha crian/a v! ; "alou o padre 'assanha ; e queeus o ajude nas (uscasF

=inco minutos depois as quatro em(arca/.es "oramdesatracadas da jangada1 em seguida depois de descerem o rio+egro elas chegaram perto da margem do Amazonas no mesmolugar em que >orres mortalmente atingido havia desaparecido nas

!guas do rio$

Primeira 7us!a

 As (uscas deveriam come/ar sem demora e por duas raz.es(em sérias, A primeira ; quest&o de vida ou morte ; era que aprova da inoc#ncia de Joam acosta precisava ser ei(ida antesque chegasse alguma ordem do @io de Janeiro$ +a verdade depois

de esta(elecida a identidade do condenado essa ordem B) poderiaser uma ordem de eecu/&o$ A segunda era que o corpo de >orres devia "icar na !gua o

m%nimo tempo poss%vel para que encontrassem intacto o estojo e oque ele poderia conter$

+esse caso Araújo deu provas n&o B) de zelo e intelig#nciacomo tam(ém de um per"eito conhecimento do rio na con"lu#nciacom o rio +egro$

;Be >orres ; disse ele aos rapazes ; "oi levado

imediatamente pela corrente ser! preciso dragar o rio numa longadistGncia porque esperar que o corpo reapare/a na super"%cie pore"eito da decomposi/&o demandaria v!rios dias

Page 166: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 166/250

;+&o podemos esperar ; respondeu ?anoel ; precisamosresolver isso ainda hojeF

; Be ao contr!rio ; continuou o piloto ; o corpo "icoupreso na vegeta/&o e nos juncos em(aio da margem antes de

uma hora n)s o teremos achado$;5nt&o m&os 2 o(raF ; a"irmou 4enito$+&o havia outra maneira de tra(alhar$ As em(arca/.es se

aproimaram da margem e os %ndios munidos de longos croquescome/aram a sondar todas as partes do rio verticalmente 2quelamargem cujo plat servira de lugar para o com(ate$

 Ali!s o local podia ser "acilmente reconhec%vel$ Im rastro desangue manchava o talude na sua parte gredosa que desciaperpendicularmente até a super"%cie do rio$ Ali inúmeras got%culasespalhadas em cima do junco indicavam o lugar em que o cad!verhavia desaparecido$

Ima ponta da margem que se desenhava a uns cinq<entapés a jusante mantinha a !gua im)vel numa espécie de remansocomo uma grande (acia$ +enhuma corrente passava pela margeme normalmente o junco se mantinha numa rigidez a(soluta$'ortanto podia-se esperar que o corpo de >orres n&o houvesse sidoarrastado para o meio da !gua$ Ali!s se por acaso o leito do rioacusasse um declive su"iciente no m!imo ele poderia ter descido aalgumas toesas do talude mas ali tam(ém n&o se sentia nem um "iode corrente$

 As u(!s e as pirogas dividindo a tare"a limitaram ent&o ocampo das (uscas ao per%metro etremo do remanso e dacircun"er#ncia até o centro os longos croques da equipe n&odeiaram nenhum ponto ineplorado$

'orém nenhuma das sondagens encontrou o corpo doaventureiro nem na con"us&o dos juncos nem no "undo do leitocuja inclina/&o "oi cuidadosamente esquadrinhada$

uas horas depois do in%cio do tra(alho tiveram dereconhecer que o corpo tendo sem dúvida se chocado com otalude devia ter ca%do o(liquamente e rolado para "ora dos limitesdo remanso onde a a/&o da corrente j! se "azia sentir$

;?as n&o é motivo para se desesperar ; disse ?anoel ;me nos ainda para desistir da (uscaF

  ;Ber! preciso ; perguntou 4enito ; revistar o rio em todaa sua largura e em todo o seu comprimento*

;5m toda a sua largura talvez ; respondeu Araújo$ ; 5mtodo o seu comprimento n&oF$$$ 9elizmenteF

;5 por qu#* ; perguntou ?anoel$

Page 167: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 167/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

'orque o Amazonas uma milha a(aio da con"lu#ncia com orio +egro "orma um cotovelo muito pronunciado ao mesmo tempoem que o "undo do seu leito so(e (ruscamente$ 'ortanto ali eisteuma espécie de (arragem natural (em conhecida pelos

marinheiros com o nome de (arragem de 9rias que B) os o(jetosque "lutuam na super"%cie podem atravessar$ 'orém se se tratam deo(jetos que a corrente leva um pouco mais no "undo eles n&oconseguem ultrapassar o talude dessa depress&oF

5ssa era convenha uma "eliz circunstGncia se Araújo n&oestivesse enganado$ =ontudo em suma era preciso acreditar nessevelho conhecedor do Amazonas$ avia trinta anos ele eercia apro"iss&o de piloto e a passagem da (arragem de 9rias onde acorrente se acentuava por causa do seu estreitamento muitas vezes

lhe causara pro(lemas$ A estreiteza do canal a altura do "undotornavam essa passagem muito di"%cil e mais de uma jangada j!passara por grandes di"iculdades nesse lugar$

'ortanto Araújo tinha raz&o ao dizer que se o corpo de>orres pelo seu peso espec%"ico ainda estivesse no "undo arenosodo leito n&o poderia ser levado para além da (arragem$ H verdadeque mais tarde quando em conseq<#ncia da epans&o dos gasesele su(isse 2 super"%cie ninguém duvidava que seguiria o "io dacorrente e se perderia irremediavelmente a jusante depois da

passagem$ ?as esse e"eito puramente "%sico B) se produziria depoisde alguns dias$+&o encontrariam um homem mais h!(il e que conhecesse

melhor essas paragens do que o piloto Araújo$ 'ortanto se elea"irmava que o corpo de >orres n&o podia ser arrastado para alémdo estreito canal numa distGncia de uma milha ou duasvasculhando toda essa por/&o do no necessariamente haveriam deencontr!-lo$

 Além do mais nenhuma ilha nenhuma ilhota rasgava o curso

do Amazonas nesse lugar$ =onseq<entemente quando as (asesdas duas margens do rio "ossem eaminadas até a (arragem seriano pr)prio leito com quinhentos pés de largura que se deveriaproceder 2s mais minuciosas investiga/.es$

5 "oi assim que tra(alharam$ Beguindo pela direita e pelaesquerda do Amazonas as em(arca/.es acompanharam as duasmargens$ O junco e a vegeta/&o "oram vasculhados com golpes decroque$ +as menores sali#ncias do rio nas quais um corpo poderia"icar preso nem um único ponto escapou 2 (usca de Araújo e dos

%ndios$

Page 168: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 168/250

'orém todo esse tra(alho n&o produziu nenhum resultado e ametade do dia j! havia transcorrido sem que o corpo desaparecidopudesse ser trazido 2 super"%cie do rio$

Ima hora de repouso "oi concedida aos %ndios$ +esse meio-

tempo eles comeram alguma coisa e em seguida voltaram aotra(alho$essa vez as quatro em(arca/.es dirigidas respectivamente

pelo piloto por 4enito por 9ragoso e por ?anoel dividiram emquatro zonas o espa/o compreendido entre a "oz do rio +egro e a(arragem de 9rias$ Criam eplorar o leito do rio$ Acontece que emcertos locais o uso dos croques n&o parecia su"iciente paravasculhar o "undo$ 'or isso uma espécie de draga ou melhor derastelo "eito de pedra e de sucata dentro de uma grossa rede "oiinstalado a (ordo e enquanto as em(arca/.es eram empurradasperpendicularmente 2s margens eram imergidos esses redenhosque deviam raspar o "undo do rio em todos os sentidos$

+esse tra(alho di"%cil "oi que 4enito e os companheiros seempenharam até o "im da tarde$ As u(!s e as pirogas mano(radasa remo andaram pela super"%cie de todo esse trecho do rioterminado a jusante pela (arragem de 9rias$ ouve momentosde emo/&o nesse per%odo de tra(alho quando os rastelos presos aalgum o(jeto no "undo opunham resist#ncia$ 5les eram i/ados masem vez do corpo t&o ansiosamente procurado B) traziam 2 tonaalgumas pedras grandes ou "eies de vegeta/&o que arrancavam dacamada de areia$

+o entanto ninguém pensava em a(andonar a eplora/&ocome/ada$ >odos esqueciam de si mesmos por essa o(ra desalvamento$ 4enito ?anoel e Araújo n&o precisavam incitar os%ndios nem encoraj!-los$ 5sses (ravos homens sa(iam quetra(alhavam pela "azenda de Cquitos para o homem que amavampara o che"e dessa grande "am%lia que compreendia em pé deigualdade patr.es e empregadosF

BimF Be "osse preciso sem pensar no cansa/o passariam anoite a sondar o "undo do rio$ O valor de cada minuto perdido todoseles sa(iam muito (em$

'orém um pouco antes de o sol desaparecer achando inútilcontinuar a opera/&o de (usca na escurid&o Araújo deu o sinal paraque as em(arca/.es se reunissem voltando para a con"lu#ncia dorio +egro a "im de voltar 2 jangada$

O tra(alho por mais minucioso e inteligentemente que tenhasido conduzido n&o teve sucessoF

Page 169: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 169/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

?anoel e 9ragoso ao voltar n&o ousavam "alar do "racassodiante de 4enito$ >emiam que o desGnimo o levasse a cometeralgum ato de desesperoF

?as nem a coragem nem o sangue-"rio haviam a(andonado

o rapaz$ 5le estava decidido a ir até o "im nessa suprema luta parasalvar a honra e a vida do pai e "oi ele quem interpelou oscompanheiros dizendo,

;Amanh& recome/aremos em melhores condi/.es se "orposs%velF

;Bim ; disse ?anoel ; tem raz&o 4enito$ ! mais tra(alhoa "azerF +&o podemos ter a pretens&o de haver eploradototalmente essa (acia por (aio das ri(anceiras e em toda aetens&o do "undoF

;+&oF +&o podemos ter essa pretens&o ; a"irmou Araújo ;e mantenho o que disse$ O corpo de >orres est! l! est! l! porquen&o pode ter sido arrastado porque n&o poderia passar pela(arragem de 9rias porque s&o necess!rios v!rios dias para quesu(a 2 super"%cie e seja levado rio a(aioF Bim ele est! ali e quenunca mais um garra"&o de ta"i! se aproime dos meus l!(ios se eun&o o encontrarF

5ssa a"irma/&o na (oca do piloto tinha um grande valor eera capaz de dar esperan/as$

5ntretanto como n&o se contentava com palavras e pre"eriaver as coisas tais como elas eram 4enito achou que devia dizer,;Bim Araújo o corpo de >orres ainda est! nessa (acia e n)s

o acharemos se$$$; Be* ; interrompeu o piloto$;Be ele n&o se tornou uma presa para os caim.esF?anoel e 9ragoso aguardavam n&o sem emo/&o a resposta

que Araújo daria$O piloto "icou calado por alguns instantes$ 'erce(ia-se que

queria re"letir antes de responder$;Benhor 4enito ; disse "inalmente ; n&o tenho o h!(ito de"alar irre"letidamente$ >am(ém tive o mesmo pensamento que osenhor mas escute (em$ urante essas dez horas de (usca queaca(aram de passar perce(eu um único caim&o nas !guas do rio*

;+enhum ; respondeu 9ragoso$;Be n&o os viu ; continuou o piloto ; é porque n&o eistem

por aqui e se n&o est&o aqui é porque esses animais n&o t#mnenhum interesse em se aventurar nas !guas claras quando a um

quarto de milha est&o as grandes etens.es de !guas escuras queeles pre"eremF Kuando a jangada "oi atacada por alguns dessesanimais "oi porque naquele lugar n&o havia nenhum a"luente do

Page 170: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 170/250

 Amazonas onde pudessem se re"ugiar$ Aqui é di"erente$ V! ao rio+egro e l! encontrar! vintenas de caim.esF Be o corpo de >orreshouvesse ca%do nesse a"luente provavelmente n&o haverianenhuma esperan/a de ach!-loF ?as "oi no Amazonas que ele se

perdeu e o Amazonas vai devolv#-loF Aliviado 4enito pegou a m&o do piloto apertou-a e contentou-se em dizer,

;Até amanh& amigosFez minutos depois todos estavam a (ordo da jangada$urante o dia Saquita havia passado algumas horas ao lado

do marido$ Antes de desem(arcar quando n&o viu o piloto nem?anoel nem 4enito nem as em(arca/.es compreendeu o tipo de(usca que iam "azer$ +o entanto n&o quis contar nada a Joamacosta esperando que no dia seguinte pudesse revelar-lhe o#ito da investiga/&o$

'orém assim que 4enito ps os pés na jangada perce(euque a (usca havia "racassado$

?esmo assim dirigiu-se a ele$;+ada* ; indagou$; +ada ; respondeu 4enito ; mas amanh& ser! o nosso

diaF>odos os mem(ros da "am%lia se retiraram para o quarto e n&o

se "alou so(re o que havia ocorrido$?anoel queria o(rigar 4enito a deitar para que tivesse ao

menos uma ou duas horas de descanso$; e que adiantaria* ; perguntou 4enito$ ; Acha que eu

conseguiria dormir* 

Segunda 7us!a

+o dia seguinte 76 de agosto antes do nascer do sol 4enitopuou ?anoel de lado e disse,

 A (usca que "izemos ontem "oi em v&o$ Be come/armos hojenas mesmas condi/.es provavelmente n&o seremos mais "elizesF

;5ntretanto é preciso recome/ar ; a"irmou ?anoel$;Bim ; continuou 4enito ; mas no caso de o corpo de

>orres n&o ser encontrado pode dizer-me qual o tempo necess!riopara que venha 2 tona*

;Be >orres houvesse ca%do vivo na !gua ; respondeu?anoel ; e n&o em conseq<#ncia de uma morte violenta seriam

necess!rios de cinco a seis dias$ ?as como B) desapareceu depois

Page 171: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 171/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

de haver sido mortalmente "erido talvez dois ou tr#s dias sejamsu"icientes para que reapare/a$

 A resposta de ?anoel que estava a(solutamente certa pedeuma eplica/&o$

>odo ser humano que cai na !gua pode "lutuar desde quepossa ser esta(elecido um equil%(rio entre a densidade do corpo e ada camada l%quida$ 5stamos nos re"erindo o(viamente a umapessoa que n&o sai(a nadar$ +essas condi/.es se ela se deiara"undar por inteiro mantendo s) a (oca e o nariz "ora da !gua"lutuar!$ ?as em geral n&o é isso o que ocorre$ O primeiromovimento de um homem que est! se a"ogando é procurar manter amaior parte do corpo "ora da !gua1 ele estica a ca(e/a e levanta os(ra/os e essas partes do corpo n&o estando mais sustentadas pelo

l%quido n&o perdem a quantidade de peso que perderiam seestivessem completamente su(mersas$ a% decorre um ecesso depeso e "inalmente uma imers&o completa$ 5"etivamente a !guaentra pela (oca nos pulm.es e o arrasta para o "undo$

 Ao contr!rio se um homem que cai na !gua j! est! morto ascondi/.es s&o di"erentes e mais "avor!veis para a "lutua/&o pois elen&o é capaz de "azer os movimentos de que "alamos acima e sea"undar como o l%quido n&o penetrou com tanta a(undGncia nospulm.es uma vez que n&o tentou respirar reaparece na super"%cie

mais rapidamente$'ortanto ?anoel tinha raz&o ao esta(elecer uma di"eren/aentre o caso de um homem ainda vivo e o caso de um homem j!morto que cai na !gua$ +o primeiro caso a volta 2 super"%cie énecessariamente mais demorada do que no segundo$

O reaparecimento de um corpo depois de uma imers&o maisou menos prolongada é determinado unicamente pelos gases quegerados pela decomposi/&o levam 2 distens&o dos tecidoscelulares1 o volume torna-se maior sem que haja aumento de peso

e ent&o menos pesado do que !gua que ele desloca o corpo voltaa su(ir adquirindo as condi/.es requeridas para a "lutua(ilidade$;Assim ; continuou ?anoel ; em(ora as circunstGncias

sejam "avor!veis pois >orres j! n&o estava vivo quando caiu no rioa n&o ser que a decomposi/&o seja modi"icada por condi/.es quen&o podemos prever ele n&o deve reaparecer antes de tr#s diasF

;+)s n&o temos tr#s diasF ; disse 4enito$ ; +&o podemosesperar voc# sa(eF 'ortanto temos de "azer novas (uscas mas demaneira di"erente$

;O que pretende "azer* ; perguntou ?anoel$;?ergulhar no "undo do rio ; respondeu 4enito$ ; 'rocurarcom os meus olhos (uscar com as minhas m&os

Page 172: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 172/250

; ?ergulhar cem vezes mil vezesF ; eclamou ?anoel$ ;Kue sejaF 'enso como voc# que hoje precisamos agir de um modomais direto e n&o cegamente com dragas e croques que B)tra(alham tateando no escuroF >am(ém acho que n&o podemos

esperar tr#s diasF ?as mergulhar su(ir voltar a descer B) vaipermitir curtos per%odos de eplora/&o$ +&oF H pouco seria inútil ecorrer%amos o risco de "racassar uma segunda vezF

;>em algum outro jeito para propor ?anoel* ; indagou4enito que devorava o amigo com o olhar$

;Ou/a$ Ima circunstGncia por assim dizer providencialpode nos ajudar$

;9ale vamosF 9aleF;Ontem quando atravessamos ?anaus notei que "aziam um

tra(alho de restaura/&o de um cais na margem do rio +egro$ Acontece que esses tra(alhos su(marinos eram "eitos com umesca"andro$ Vamos pedir emprestado alugar comprar por qualquerpre/o esse equipamento e ser! poss%vel recome/ar a (usca emcondi/.es mais "avor!veisF

;Avise Araújo 9ragoso nossos homens e vamosF ;respondeu imediatamente 4enito$

O piloto e o (ar(eiro "oram postos a par das decis.estomadas con"orme o projeto de ?anoel$ 9icou com(inado que osdois iriam com os %ndios e com as quatro em(arca/.es para a (aciade 9rias e l! "icariam aguardando os dois rapazes$

?anoel e 4enito desem(arcaram sem perda de tempo e"oram ao cais de ?anaus$ 5les o"ereceram uma soma t&o alta parao empreiteiro dos tra(alhos do cais que este se apressou a pr oequipamento 2 sua disposi/&o pelo dia inteiro$

;Kuerem um dos meus homens paira ajud!-los* ;perguntou$

;O seu contramestre e alguns colegas para operar a (om(ade ar ; respondeu ?anoel$

;?as quem usar! o esca"andro*;5u ; respondeu 4enito$;4enito voc#* ; eclamou ?anoel$;H o que eu queroF Beria inútil insistir$Ima hora depois levando a (om(a e todos os equipamentos

necess!rios ao tra(alho a jangada se deslocou pr)imo 2(arragem onde os aguardavam as em(arca/.es$

Ba(emos no que consiste o aparelho de esca"andro que

permite descer de(aio dR!gua e ali "icar por algum tempo sem queo "uncionamento dos pulm.es seja prejudicado$ O mergulhador

Page 173: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 173/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

veste uma roupa imperme!vel de (orracha que no pé é terminadacom uma sola de chum(o para garantir uma posi/&o vertical nomeio l%quido$ +a gola da roupa na altura do pesco/o h! um colarde co(re no qual é apara"usado um glo(o de metal cuja parede

anterior é "eita de vidro$ +esse glo(o "ica a ca(e/a do mergulhadorque pode movimentar-se 2 vontade$ A esse glo(o s&o presos doistu(os, um deles é usado para a sa%da do ar epirado impr)prio paraos pulm.es1 o outro "ica em comunica/&o com uma (om(amano(rada na jangada que envia o ar renovado necess!rio 2respira/&o$ Kuando o mergulhador tra(alhar no mesmo lugar a jangada permanece im)vel acima dele1 quando o mergulhadorprecisa movimentar-se no "undo do leito a jangada segue os seusmovimentos ou ele segue os da jangada con"orme o que é

com(inado entre ele e a equipe$5sses esca"andros muito aper"ei/oados o"erecem menosperigo do que antigamente$ O homem mergulhado num meiol%quido se acostuma "acilmente com o ecesso de press&o que temde suportar$ Be no caso uma eventualidade desagrad!vel se podiatemer era o encontro com algum caim&o nas pro"undezas do rio$'orém como havia o(servado Araújo nenhum desses an"%(ioshavia sido visto na véspera e sa(emos que eles pre"eriam as !guasescuras dos a"luentes do Amazonas$ Ali!s em caso de um perigo

qualquer o mergulhador tem sempre 2 m&o o cord&o de uma sinetacolocada na jangada e ao menor tinido é poss%vel i/!-lorapidamente para a super"%cie$

4enito sempre muito calmo pois que depois de tomar aresolu/&o ia p-la em pr!tica vestiu o esca"andro1 a ca(e/adesapareceu na es"era met!lica1 ele pegou um chu/o de "erropr)prio para esquadrinhar a vegeta/&o ou os detritos acumulados noleito do rio e a um sinal seu desceram-no para o "undo$

Os homens da jangada ha(ituados a esse tra(alho logo

come/aram a acionar a (om(a de ar enquanto quatro %ndios so( asordens de Araújo come/aram a empurr!-la lentamente com oslongos croques na dire/&o com(inada$

 As duas pirogas conduzidas uma por 9ragoso outra por?anoel e mais dois remadores escoltavam a jangada e semantinham prontas para rapidamente navegar mais para "rente oumais para tr!s se 4enito ao encontrar "inalmente o corpo de >orreso trouesse para a super"%cie do Amazonas$

Um iro de !an'"o

Page 174: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 174/250

4enito su(mergiu ent&o no etenso len/ol dR!gua que aindaocultava o cad!ver do aventureiro$ AhF Be ele tivesse o poder dedesviar de evaporar de esgotar as !guas do grande rio se pudessesecar a (acia de 9rias desde a (arragem 2 jusante até a

con"lu#ncia com o rio +egro sem dúvida o estojo escondido naroupa de >orres j! estaria em suas m&osF A inoc#ncia de seu pai j!teria sido reconhecidaF Joam acosta estaria livre teria recome/adocom a "am%lia a descida do rio e quantas terr%veis prova/.es teriamsido evitadasF

4enito pisara no "undo do rio$ As solas pesadas "aziam estalaro cascalho do leito$ 5le havia descido por volta de dez a quinze pésverticalmente 2 margem que era muito escarpada no lugar eatoem que >orres havia desaparecido$

 Ali se amontoava uma rede inetric!vel de juncos de jun/as ede plantas aqu!ticas e certamente na (usca da véspera nenhumdos croques conseguira penetrar nesse entrela/amento$ 'ortantoseria poss%vel que o corpo preso nesses ar(ustos su(marinosestivesse no mesmo ponto em que havia ca%do$

+esse lugar gra/as ao remanso produzido pelo alongamentode uma das pontas da margem a corrente era a(solutamente nula$'ortanto 4enito B) o(edecia aos movimentos da jangada que oscroques dos %ndios deslocavam acima da sua ca(e/a$

 A luz penetrava até o "undo das !guas claras nas quais umsol magn%"ico que (rilhava num céu sem nuvens dardejava quasenormalmente seus raios$ 5m condi/.es ha(ituais de visi(ilidade so(uma camada l%quida a pro"undidade de vinte pés é su"iciente paraque a vis&o "ique etremamente limitada1 mas ali a !gua pareciaimpregnada pelo "luido luminoso e 4enito podia descer ainda maissem que a escurid&o lhe ocultasse o "undo do rio$

O rapaz seguiu lentamente a margem escarpada$ Beu (ast&oesquadrinhava a vegeta/&o e os detritos acumulados na (ase$4andos de peies se assim podemos dizer "ugiam como (andosde p!ssaros de um espesso ar(usto$ 'areciam milhares de peda/osde um espelho que(rado que se agitavam na !gua$ Ao mesmotempo algumas centenas de crust!ceos corriam pela areiaamarelada semelhantes a grandes "ormigas epulsas do"ormigueiro$

+o entanto em(ora 4enito n&o deiasse nenhum ponto do rioineplorado o o(jeto da sua (usca ainda n&o havia aparecido$ 5lenotou ent&o que o declive do leito era (em pronunciado e concluiuque o corpo de >orres poderia ter rolado para além do remanso

para o meio do rio$ Be assim "osse talvez ainda estivesse l! pois a

Page 175: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 175/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

corrente n&o podia atingi-lo numa pro"undidade j! (em grande e quedevia aumentar sensivelmente$

4enito resolveu que investigaria desse lado assim queaca(asse de sondar a con"usa vegeta/&o$ 'or isso continuou a

avan/ar nessa dire/&o seguido pela jangada durante um quarto dehora con"orme havia sido antecipadamente com(inado$

'assado um quarto de hora 4enito ainda n&o encontraranada$ 5le sentiu necessidade de su(ir 2 super"%cie para recuperaras condi/.es "isiol)gicas e reco(rar as "or/as$ 5m alguns lugaresem que a pro"undidade do rio era mais acentuada ele precisaradescer a mais ou menos trinta pés$ 'ortanto suportara uma press&oquase equivalente 2 de uma atmos"era ; causa de cansa/o "%sico ede pertur(a/.es mentais para quem n&o est! acostumado a esse

tipo de eerc%cio$4enito puou ent&o o cord&o da sineta e os homens da jangada come/aram a i/!-lo1 mas eles o "aziam (em devagarlevando um minuto para su(ir dois ou tr#s pés para que n&o seproduzissem nos )rg&os internos os "unestos e"eitos dadescompress&o$

 Assim que o rapaz ps os pés na jangada e a es"era met!licado esca"andro "oi retirada ele respirou pro"undamente e sentou-separa descansar um pouco$

 As pirogas se aproimaram imediatamente$ ?anoel 9ragosoe Araújo estavam ali ao lado dele aguardando que pudesse "alar$;5 ent&o* ; perguntou ?anoel$;+ada aindaF $$$ +adaF;+&o perce(eu nenhum vest%gio*;+enhum$;Kuer que eu "a/a as (uscas agora*;+&o ?anoel ; respondeu 4enito$ ; 5u j! comecei$$$ Bei

aonde quero ir$$$ eie comigoF

4enito eplicou ent&o ao piloto que sua inten/&o erapercorrer a parte in"erior da margem até a (arragem de 9rias ondea eleva/&o do solo poderia prender o corpo de >orres so(retudo seo corpo suspenso numa altura intermedi!ria houvesse so"rido pormenos que "osse a a/&o da corrente1 mas antes queria a"astar-selateralmente 2 margem escarpada e eplorar com cuidado essaespécie de depress&o "ormada pelo declive do leito cujo "undoevidentemente os croques n&o puderam alcan/ar$

 Araújo aprovou o projeto e se disps a tomar as medidas

adequadas$?anoel achou que devia dar alguns conselhos a 4enito$

Page 176: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 176/250

;J! que voc# quer continuar a (usca desse lado ; ele disse; a jangada vai virar nessa dire/&o mas seja prudente 4enito$ Hmais "undo do que j! "oi até agora talvez cinq<enta ou sessenta pése nesse caso voc# suportar! uma press&o de duas atmos"eras$

5nt&o aventure-se com etrema lentid&o ou a lucidez poder!a(andon!-lo$ Voc# n&o sa(er! onde est! nem o que "oi "azer l!$ Besentir uma press&o na ca(e/a como se ela estivesse num torno seos ouvidos zum(irem continuamente n&o hesite em dar o sinal en)s o traremos para a super"%cie$ epois voc# recome/ar! se "orpreciso no entanto ao menos estar! mais acostumado a semovimentar nas camadas pro"undas do rio$

4enito prometeu a ?anoel que levaria em conta suasrecomenda/.es que ele compreendia serem importantes$ 9icaraso(retudo a(alado com o "ato de que a lucidez pudesse "altar-lheno momento em que talvez "osse mais necess!ria$

4enito apertou a m&o de ?anoel1 a es"era do esca"andro "oinovamente apara"usada no seu pesco/o em seguida a (om(arecome/ou a "uncionar e o mergulhador logo desapareceu de(aiodR!gua$

 A jangada a"astou-se uns quarenta pés da margem esquerda1porém 2 medida que avan/ava para o meio do rio a correntepoderia lev!-la mais r!pido do que era preciso por isso as u(!s"oram amarradas a ela e os remadores a seguraram contra a derivade modo a que se deslocasse com etrema lentid&o$

4enito "oi descido muito devagar e voltou a pisar em solo"irme$ Kuando as pesadas solas alcan/aram a areia do "undopodia-se julgar pelo comprimento da corda de sirgagem que eleestava numa pro"undidade de sessenta e cinco a setenta pés$avia portanto um (uraco consider!vel (em a(aio do n%velnormal$

O meio l%quido estava mais escuro mas a limpidez dessas!guas transparentes ainda deiava penetrar (astante luz para que4enito pudesse distinguir o su"iciente os o(jetos esparsos no "undodo rio e caminhar com alguma seguran/a$ Ali!s a areia semeadade mica parecia "ormar uma espécie de re"letor e seria poss%velcontar os gr&os que cintilavam como uma poeira luminosa$

4enito andava olhava sondava as menores cavidades comseu chu/o$ 5le continuava a a"undar lentamente$ A corda era arriadacon"orme a necessidade e como os tu(os usados para a aspira/&oe para a epira/&o do ar n&o haviam "icado esticados em ecessoas condi/.es de "uncionamento da (om(a eram (oas$

5nt&o 4enito se a"astou de modo a atingir o meio do leito do Amazonas onde estava a depress&o mais pro"unda$

Page 177: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 177/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

 Ps vezes uma "orte escurid&o se adensava a sua volta e elen&o conseguia ver mais nada mesmo num raio muito restrito$>ratava-se de um "enmeno puramente passageiro, ao se deslocaracima da sua ca(e/a a jangada interceptava completamente os

raios de sol e o dia virava noite$ 'orém um minuto depois a grandesom(ra se dissipava e o re"leo da areia voltava a se destacar$

4enito continuou descendo$ 5le o sentia so(retudo peloaumento da press&o que a massa l%quida impunha ao seu corpo$ Arespira/&o j! n&o era t&o "!cil a retratilidade dos seus )rg&os n&oera "eita como ele queria com tanta "acilidade quanto num meioatmos"érico convenientemente equili(rado$ +essas condi/.esencontrava-se so( a a/&o de e"eitos "isiol)gicos aos quais n&oestava acostumado$ O zum(ido nos ouvidos se acentuava1 mas

como seu pensamento ainda estava lúcido como sentia que oracioc%nio era per"eitamente n%tido no cére(ro ; até um pouco alémdo natural ; n&o quis dar o sinal para o i/amento e continuou adescer mais "undo$

5m certo momento na penum(ra em que estava uma massacon"usa atraiu sua aten/&o$ 'arecia a "orma de um corpo preso num"eie de plantas aqu!ticas$

Ima viva emo/&o tomou conta dele$ 4enito avan/ou nessadire/&o$ =om o (ast&o meeu na massa dis"orme$

5ra o cad!ver de um enorme caim&o j! reduzido a esqueletoe que a corrente do rio +egro havia arrastado até o leito do Amazonas$

4enito recuou e a despeito das asser/.es do piloto achouque algum caim&o vivo (em que poderia se aventurar nas camadaspro"undas da (acia de 9riasF$$$

5ntretanto repeliu essa idéia e continuou a andar de modo aatingir o "undo da depress&o$

evia estar numa pro"undidade de noventa a cem pés e

conseq<entemente su(metido a uma press&o de tr#s atmos"eras$Be ent&o a cavidade se acentuasse ainda mais ele seria o(rigadoa interromper a (usca$

 A eperi#ncia j! demonstrou e"etivamente que pro"undidadespr)imas a cento e vinte ou cento e trinta pés s&o o limite etremoperigoso de ser ultrapassado numa ecurs&o su(marina, n&o B) oorganismo humano deia de "uncionar de maneira conveniente so(tais press.es como os aparelhos n&o "ornecem o ar respir!vel coma necess!ria regularidade$

5ntretanto 4enito estava resolvido a continuar enquanto a"or/a moral e a energia "%sica n&o lhe "altassem$ 'or um ineplic!velpressentimento sentia-se atra%do por esse a(ismo1 achava que o

Page 178: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 178/250

corpo devia ter rolado até o "undo da cavidade e que talvez seestivesse carregado de o(jetos pesados como um cinto comdinheiro ouro ou armas >orres pudesse se manter em grandespro"undidades$

e repente numa som(ra da depress&o perce(eu umcad!verF BimF Im cad!ver ainda vestido esticado como se "osseum homem adormecido (ra/os do(rados so( a ca(e/a$

Beria >orres* +a escurid&o (em opaca tinha di"iculdade parareconhec#-lo1 mas era realmente um corpo humano que jazia ali amenos de dez passos a(solutamente im)velF

Bu(itamente uma sacudidela t&o violenta quanto inesperada"ez vi(rar todo o seu corpoF Im l!tego comprido lhe envolvia o corpoe apesar da roupa grossa de esca"andro sentiu uma chicotadamais "orteF

; Im gimnot%deo ; disse a si mesmo$9oi a única palavra que saiu dos seus l!(ios$5 de "ato um puraqu# nome que os (rasileiros d&o ao

gimnot%deo ou co(ra-elétrica havia se jogado so(re ele$+inguém ignora o que s&o essas espécies de enguias de pele

escura e pegajosa que t#m ao longo das costas e da cauda umdispositivo que composto de lGminas unidas por pequenas lamelasverticais é acionado por nervos de grande pot#ncia$ 5ssedispositivo dotado de singulares propriedades elétricas podeproduzir choques terr%veis$ Alguns desses gimnot%deos t#m apenas otamanho de uma co(ra outros medem até dez pés de comprimento1outros ainda mais raros ultrapassam quinze a vinte pés com umalargura de oito a dez polegadas$

Os gimnot%deos eram (em numerosos tanto no Amazonasquanto nos seus a"luentes e uma dessas (o(inas vivas com unsdez pés de comprimento depois de se esticar como um arco haviase jogado em cima do mergulhador$

  4enito compreendeu o quanto devia recear o ataque dessetem%vel animal$ A roupa n&o era su"iciente para proteg#-lo$ Asdescargas do gimnot%deo a princ%pio mais "racas se tornaram cadavez mais violentas e assim seria até o momento em que esgotadopelo consumo do "luido ele "icaria reduzido 2 impot#ncia$

+&o podendo resistir a esses choques 4enito "icou ca%do naareia$ Os mem(ros aos poucos "icavam paralisados devido 2se"lu#ncias elétricas do gimnot%deo que se colava lentamente no seucorpo e o enla/ava com suas sinuosidades$ J! n&o conseguialevantar os (ra/os$ O (ast&o caiu da sua m&o e n&o teve "or/as

para pegar o cord&o da sineta e dar o aviso$

Page 179: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 179/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

4enito sentiu-se perdido$ +em ?anoel nem seuscompanheiros podiam imaginar que horr%vel com(ate era travadoem(aio deles entre um tem%vel puraqu# e o in"eliz mergulhadorque se de(atia com di"iculdade sem poder de"ender-se$

5 isso (em no momento em que um corpo ; o corpo de>orres sem dúvida ; aca(ava de ser desco(ertoF

+um supremo instinto de conserva/&o 4enito quis gritarF$$$Bua voz morria na caia met!lica que n&o deiava escapar nenhumsomF

+esse momento o puraqu# redo(rou os ataques1 lan/avadescargas que "aziam 4enito estremecer na areia como os peda/osde uma minhoca cortada e seus músculos se retorciam so( achicotada do animal$

4enito sentiu que a lucidez o a(andonava completamente$ Avis&o escurecia aos poucos os mem(ros endureciamF$$$'orém antes de perder a "aculdade de ver e a "aculdade de

raciocinar um "enmeno inesperado ineplic!vel estranho ocorreuna sua "rente$

Ima detona/&o surda se propagou pelo len/ol l%quido$'arecia um trov&o cujo ri(om(ar corria pelas camadas su(marinasagitadas pelas sacudidelas do gimnot%deo$ 4enito se sentiuenvolvido por uma espécie de estrondoso (arulho que ecoava até

as pro"undezas do rio$5 de repente um grito supremo lhe escapouF$$$ Imaassustadora vis&o espectral aparecia diante de seus olhos$

O corpo do a"ogado até ent&o estendido no "undo do rioaca(ara de se levantarF$$$ As ondula/.es da !gua meiam seus(ra/os como se "ossem agitados por uma vida estranhaF$$$Bo(ressaltos convulsivos tornavam o movimento do cad!verapavoranteF

5ra mesmo o cad!ver de >orresF Im raio de sol havia

penetrado pela massa l%quida até o corpo e 4enito reconheceu orosto intumescido e esverdeado do miser!vel morto por suas m&oscujo último suspiro havia sido a(a"ado pela !guaF

5 enquanto 4enito n&o podia "azer um único movimento comos mem(ros paralisados enquanto os pesados sapatos oseguravam como se estivesse pregado no leito de areia o cad!verse ergueu meeu a ca(e/a e o corpo de alto a (aio edesprendendo-se do (uraco no qual "icara preso na con"us&o deplantas aqu!ticas su(iu em linha reta numa vis&o assustadora até

os altos len/)is de !gua do AmazonasF

Page 180: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 180/250

O &ue 'a)ia no eso9o

O que havia ocorrido* Im "enmeno puramente "%sico cujaeplica/&o é a seguinte,

 A canhoneira do governo Banta-Ana que se dirigia a ?anaussu(indo o curso do Amazonas aca(ava de atravessar a passagemde 9rias$ Im pouco antes de chegar 2 desem(ocadura do rio +egroela havia i/ado suas cores e saudado com um tiro de canh&o opavilh&o (rasileiro$ =om essa detona/&o um e"eito de vi(ra/&o "oiproduzido na super"%cie da !gua que se propagando até o "undo dorio ergueu o corpo de >orres j! mais leve por um come/o dedecomposi/&o que "acilitava a distens&o do sistema celular$ Ocorpo do a"ogado su(iu naturalmente 2 super"%cie do Amazonas$

5sse "enmeno (em conhecido eplicava o reaparecimentodo cad!ver e convenhamos "oi uma coincid#ncia "eliz a chegadado Banta-Ana ao cen!rio das (uscas$

 A um grito de ?anoel repetido pelos companheiros uma daspirogas se dirigiu imediatamente para o corpo enquanto omergulhador era trazido de volta para a jangada$

'orém "oi indescrit%vel a emo/&o de ?anoel quando 4enitoi/ado até a plata"orma "oi deitado num estado de total inércia semque nele a vida se mani"estasse por um único movimento aparente$

Beria um segundo cad!ver que as !guas do Amazonasdevolviam*

 A roupa de esca"andro "oi retirada do mergulhador o maisrapidamente poss%vel$

4enito havia perdido completamente a consci#ncia com asviolentas descargas do gimnot%deo$

?anoel desatinado chamou-o insu"lando-lhe a pr)priarespira/&o tentando sentir os (atimentos do cora/&o$

;5le (ateF 5le (ateF ; gritou$BimF O cora/&o de 4enito ainda (atia e em alguns minutos

os cuidados de ?anoel o troueram de volta 2 vida$;O corpoF O corpoF5ssas "oram as primeiras palavras as únicas a sa%rem da

(oca de 4enito$;5st! aquiF ; respondeu 9ragoso mostrando a piroga que

chegava perto da jangada com o cad!ver de >orres$;?as voc# 4enito o que aconteceu* ; perguntou ?anoel$

; 9oi "alta de ar*$$$;+&oF ; disse 4enito$ ; Im puraqu# se jogou em cima de

mimF$$$ 5 esse (arulho*$$$ 5 essa detona/&o*$$$

Page 181: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 181/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

;Im tiro de canh&oF ; respondeu ?anoel$ ; 9oi um tiro decanh&o que troue o cad!ver para a super"%cie do rioF

+esse momento a piroga havia aca(ado de encostar na jangada$ O corpo de >orres recolhido pelos %ndios estava no "undo

da em(arca/&o$ O tempo que passara na !gua ainda n&o o haviades"igurado$ 5ra "!cil reconhec#-lo$ 5m rela/&o a isso n&o havianenhuma dúvida poss%vel$

9ragoso ajoelhado na piroga j! come/ara a rasgar as roupasdo a"ogado que eram trans"ormadas em trapos$

+esse momento o (ra/o direito de >orres posto adesco(erto atraiu a aten/&o de 9ragoso$ +esse (ra/o apareciadistintamente a cicatriz de uma antiga "erida que devia ter sido "eitapor uma "acada$

;5ssa cicatrizF ; eclamou 9ragoso$ ; ?as$$$ é issomesmoF $$$ Agora eu me lem(ro$$$;O qu#* ; perguntou ?anoel$;Ima (rigaF$$$ 9oiF Ima (riga que testemunhei na prov%ncia

do ?adeira$$$ h! tr#s anosF =omo pude esquecer*$$$ 5sse >orrespertencia ent&o 2 mil%cia dos capit&es-do-mato$ AhF 5u sa(ia que j!o havia visto esse miser!velF

;'ouco importa agora ; disse 4enito$ ; O estojoF O estojoF$$$ Ainda est! com ele*

5 4enito "oi rasgar o que restava das roupas do cad!ver pararevist!-las$$$?anoel impediu-o$;Im instante 4enito ; disse ele$5m seguida virando-se para os homens da jangada que n&o

"aziam parte dos empregados da "am%lia e cujo testemunho n&opoderia levantar suspeitas mais tarde ele disse,

;'restem aten/&o meus amigos em tudo o que "azemosaqui para que possam repetir diante dos magistrados como as

coisas se passaram$Os homens se aproimaram da piroga$9ragoso desenrolou o cinto que apertava o corpo de >orres

so( o poncho rasgado e tateando o (olso da japona eclamou,;O estojoFIm grito de alegria escapou da (oca de 4enito$ 5le "oi pegar o

estojo para a(ri-lo para veri"icar o que continha$$$;+&o ; disse mais uma vez ?anoel que n&o perdia o

sangue-"rio$ ; +&o pode "icar nenhuma dúvida na mente dos

magistradosF =onvém que testemunhas n&o envolvidas possama"irmar que o estojo estava mesmo no corpo de >orresF;>em raz&o ; a"irmou 4enito

Page 182: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 182/250

;?eu amigo ; continuou ?anoel dirigindo-se aocontramestre da jangada ; reviste o senhor mesmo o (olso da japona$

O contramestre o(edeceu$ @etirou um estojo de metal cuja

tampa estava hermeticamente apara"usada e que n&o parecia haverso"rido a a/&o da !gua$;O papel$$$ O papel ainda est! dentro dele* ;

perguntou 4enito que n&o conseguia se conter$;=a(e ao magistrado a(rir o estojo ; a"irmou ?anoel$ ;

=a(e a ele veri"icar se h! a% algum documentoF;Bim$$$ Bim$$$ Voc# continua com a raz&o ?anoelF ; disse

4enito$ ; 'ara ?anaus meus amigos para ?anausF4enito ?anoel 9ragoso e o contramestre que segurava o

estojo em(arcaram imediatamente numa das pirogas e j!come/avam a se a"astar quando 9ragoso disse,

;5 o corpo de >orres* A piroga parou$+a verdade os %ndios j! haviam jogado o cad!ver do

aventureiro de volta na !gua e ele derivava na super"%cie do rio$;>orres n&o passava de um miser!vel ; disse 4enito$ ;

Be lealmente arrisquei minha vida contra a dele eus o matoupelas minhas m&os mas seu corpo n&o deve "icar sem sepulturaF

9oi dada uma ordem para que a segunda piroga "osse (uscaro cad!ver de >orres e o transportasse para a margem onde seriaenterrado$

'orém naquele momento um (ando de aves de rapina queplanava acima do rio precipitou-se so(re o corpo que (oiava$ 5ramuru(us uma espécie de pequenos a(utres de pesco/o peladolongas patas pretos como os corvos e que s&o de uma voracidadesem igual$ O corpo retalhado pelos (icos deiou escapar os gasesque o inchavam1 com o aumento da densidade ele "oi a"undandolentamente e pela última vez o que restava de >orres desapareceuso( as !guas do Amazonas$

ez minutos depois a piroga rapidamente conduzidachegava ao porto de ?anaus$ 4enito e os companheirosdesem(arcaram e se lan/aram pelas ruas da cidade$

5m poucos minutos chegaram 2 casa do juiz Jarriquez epediram a um dos empregados que perguntasse ao juiz se poderia"azer o "avor de rece(#-los imediatamente$

O magistrado deu ordem para que "ossem introduzidos no seuga(inete$

5nt&o ?anoel narrou tudo o que havia ocorrido desde omomento em que >orres "ora mortalmente atingido por 4enito num

Page 183: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 183/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

encontro leal até o momento em que o estojo havia sido encontradono cad!ver e que o contramestre o tirara do (olso da japona$

5m(ora esse relato corro(orasse tudo o que lhe havia ditoJoam acosta a respeito de >orres e da proposta que este lhe "izera

o juiz Jarriquez n&o pde conter um sorriso de incredulidade$;5is o estojo senhor ; disse ?anoel$ ; +em por um

minuto ele "icou em nossas m&os e o homem que o entrega é omesmo que o encontrou no corpo de >orresF

O magistrado pegou o estojo eaminou-o com cuidadovirando-o e revirando-o como teria "eito com um o(jeto precioso$ 5mseguida agitou-o e algumas moedas que estavam no interiorproduziram um som met!lico$

Ber! que o estojo n&o continha o documento t&o procurado o

papel escrito pelo verdadeiro autor do crime e que >orres quiseravender por um pre/o indigno a Joam acosta* Ber! que a provamaterial da inoc#ncia do condenado estava irremediavelmenteperdida*

 H "!cil adivinhar a violenta emo/&o que havia tomado contados espectadores da cena$ 4enito mal conseguia pro"erir umapalavra sentindo que o cora/&o ia estourar$

;A(ra senhor a(ra esse estojoF ; ele eclamou com avoz entrecortada$

O juiz Jarriquez come/ou a desatarraar a tampa1 depoisquando a tampa "oi retirada virou o estojo de onde sa%ram rolandoso(re a mesa algumas moedas de ouro$

;?as e o papel* $$$ O papel*$$$ ; eclamou mais umavez 4enito que se segurava na mesa para n&o cair$

O magistrado introduziu os dedos no estojo e dele retirou n&osem alguma di"iculdade um papel amarelado do(radocuidadosamente e que a !gua parecia haver respeitado$

;O documentoF H o documentoF ; eclamou 9ragoso$ ; HF

H esse mesmo o papel que vi nas m&os de >orresFO juiz Jarriquez desdo(rou o papel deu uma olhada depoisvirou-o de maneira a poder olhar "rente e verso co(ertos com umaletra grosseira$

 ;Im documento de "ato ; ele disse$ ; +&o h! o queduvidar$ H mesmo um documentoF

;Bim ; replicou 4enito ; e esse documento é o que atestaa inoc#ncia do meu paiF

;+&o sei ; retrucou o juiz Jarriquez ; e temo que seja

di"%cil de sa(erF;'or qu#*$$$ ; eclamou 4enito que "icou p!lido como ummorto

Page 184: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 184/250

;'orque esse documento est! escrito numa linguagemcriptogra"ada ; respondeu o juiz Jarriquez ; e dessa linguagem$$$

;5 ent&o*;+)s n&o temos a chaveF

O do!umeno

e "ato era uma circunstGncia muito séria que nem Joamacosta nem os seus "amiliares previam$ +a verdade ; aquelesque n&o se esqueceram da primeira cena dessa hist)ria sa(emdisso ; o documento estava escrito numa "orma indeci"r!vel tiradade um dos inúmeros sistemas usados na criptologia$

?as qual*'ara desco(ri-lo toda a engenhosidade de que pode dar

provas um cére(ro humano precisaria ser empregada$ Antes de se despedir de 4enito e dos companheiros o juiz

Jarriquez mandou "azer uma c)pia eata do documento cujooriginal ele queria guardar e entregou a c)pia devidamentecotejada com o original aos dois rapazes para que pudessementreg!-la ao prisioneiro$

5m seguida marcado um encontro para o dia seguinte elesse retiraram e n&o querendo atrasar nem um minuto para ver Joamacosta "oram imediatamente 2 pris&o$

M! numa r!pida conversa que tiveram com o prisioneirocontaram tudo o que havia ocorrido$

Joam acosta pegou o documento e eaminou-oatentamente$ 5m seguida sacudindo a ca(e/a entregou-o de voltaao "ilho$

  ;>alvez ; disse ele ; nesse papel esteja a prova que eununca conseguiF ?as se essa prova "oge das minhas m&os se todaa honestidade da minha vida passada n&o advoga a meu "avor n&otenho mais nada a esperar da justi/a dos homens e meu destinoest! nas m&os de eusF

>odos sa(iam muito (emF Be o documento permanecesseindeci"r!vel a situa/&o do condenado seria das pioresF

;+)s desco(riremos meu paiF ; eclamou 4enito$ ; +&oh! nenhum documento dessa espécie que resista a um eameF>enha con"ian/a$$$ Bim con"ian/aF O =éu miraculosamente porassim dizer entregou-nos esse documento que nos a(solve edepois de guiar nossas m&os para encontr!-lo n&o se recusar! a

guiar nossa mente para l#-loF

Page 185: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 185/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

Joam acosta apertou a m&o de 4enito e de ?anoel1 e osdois rapazes muito emocionados se retiraram para voltardiretamente para a jangada onde Saquita os aguardava$

M! chegando Saquita "oi imediatamente posta a par dos

incidentes que haviam ocorrido desde a véspera o reaparecimentodo corpo de >orres a desco(erta do documento e a estranha "ormana qual o verdadeiro culpado do atentado companheiro doaventureiro acreditara ter de escrev#-lo ; sem dúvida para que n&oo comprometesse caso ca%sse em m&os estranhas$

+aturalmente Mina tam(ém "oi instru%da so(re a inesperadacomplica/&o e so(re a desco(erta que 9ragoso havia "eito de que>orres era um e-capit&o-do-mato pertencente 2 mil%cia queoperava no entorno da "oz do ?adeira$

;?as em que circunstGncias o senhor o encontrou* ;perguntou a jovem mulata$;urante uma das minhas peregrina/.es pela prov%ncia do

 Amazonas ; respondeu 9ragoso ; quando eu ia de povoado empovoado para eercer minha pro"iss&o$

;5 a cicatriz*$$$;5is o que aconteceu, um dia eu chegava 2 miss&o de

 Aranas no momento em que >orres que eu nunca vira (rigava comum dos seus companheiros desse mundo vil&o e a dita (riga

terminou com uma "acada que atravessou o (ra/o do capit&o-do-mato$ Acontece que na "alta de um médico "ui encarregado de"azer o curativo e "oi assim que o conheci$

;+o "im das contas ; replicou a jovem ; de nada adiantasa(er quem "oi >orresF +&o "oi ele o autor do crime e isso n&o vai"azer as coisas caminharemF

;+&o sem dúvida ; respondeu 9ragoso ; masaca(aremos lendo esse documento dia(osF 5 a inoc#ncia de Joamacosta eclodir! aos olhos de todosF

5ra isso tam(ém o que esperavam Saquita 4enito ?anoel e?inha$ 5nt&o os tr#s "echados na sala comum da casa passaramlongas horas tentando deci"rar a (iogra"ia resumida$

;Be essa era a esperan/a deles ; é importante insistirnesse ponto ; tam(ém era no m%nimo a do juiz Jarriquez$

epois de redigir o relat)rio que em conseq<#ncia dointerrogat)rio esta(elecia a identidade de Joam acosta omagistrado o despachara para a chancelaria e pensara que no quelhe dizia respeito o caso estava encerrado$ ?as n&o seria assim$

+a verdade h! que se dizer desde a desco(erta dodocumento o juiz Jarriquez havia sido transportado para a suaespecialidade O pesquisador de com(ina/.es numéricas aquele

Page 186: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 186/250

que resolvia pro(lemas recreativos o deci"rador de charadas deré(us de logogri"os e outros mais estavam evidentemente no seuverdadeiro elemento$

Ora ao pensar que talvez esse documento encerrasse a

 justi"ica/&o de Joam acosta ele sentiu despertar todos os seusinstintos de analistaF 5 eis que tinha diante de si um criptogramaF'or isso s) pensava em encontrar o sentido desse documento$Kuem o conhecia n&o tinha dúvidas de que ele tra(alharia nissototalmente a(sorvido$

epois da partida dos rapazes o juiz Jarriquez instalou-se noseu ga(inete$ A porta que ninguém podia atravessar garantiaalgumas horas de per"eita solid&o$ Os )culos estavam no nariz ata(aqueira na mesa$ 5le tomou uma posi/&o con"ort!vel a "im dedesenvolver melhor as "inezas e sagacidades do cére(ro pegou odocumento e "icou a(sorvido numa medita/&o que logo deveriamaterializar-se so( a "orma de mon)logo$ O digno magistrado eraum desses homens (em "rancos que pensam mais naturalmenteem voz alta do que em voz (aia$

;Vamos proceder com método ; disse a si mesmo$ ;Bem método n&o h! l)gica$ Bem l)gica n&o h! possi(ilidade desucesso$

5m seguida pegando o documento leu-o de ponta a pontasem nada compreender$

O documento inclu%a uma centena de linhas divididas em seispar!gra"os$

;umF ; "ez o juiz Jarriquez depois de re"letir$ ;Kuerer entender cada par!gra"o um depois do outro ser! perderinutilmente um tempo precioso$ H preciso escolher uma única al%neae escolher aquela que deve despertar maior interesse$ Ora qualdelas tem essas condi/.es a n&o ser a última em que deve estarnecessariamente resumido o relato de todo o caso* Os nomespr)prios podem me indicar o caminho entre outros o de Joamacosta e se ele est! em alguma parte desse documento n&opode evidentemente "altar no último par!gra"o$

O racioc%nio do magistrado era l)gico$ =ertamente tinha raz&oem querer primeiro usar todos os recursos da sua mente decript)logo no último par!gra"o$

5is o par!gra"o ; porque é necess!rio p-lo novamentediante do leitor para mostrar como um analista usou suas"aculdades para desco(rir a verdade,

Page 187: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 187/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

'rimeiramente o juiz Jarriquez o(servou que as linhas dodocumento n&o eram divididas nem por palavras nem por "rases eque n&o havia pontua/&o$ 5ssa circunstGncia B) podia tornar aleitura (em mais di"%cil$

  ;5ntretanto vejamos ; disse a si mesmo ; sealgumas letras reunidas podem "ormar palavras$$$ 5ntendo comopalavras aquelas cujo número de consoantes em rela/&o 2s vogaispermite que sejam pronunciadasF$$$ 'ara come/ar vejo a palavraluz $$$ ?ais além a palavra uno$$$ +ossaF$$$ vuyg $$$ +&o seria umacidade a"ricana 2 (eira do >anganica* O que tem uma cidade a vercom tudo isso*$$$ ?ais além a palavra  pi $ Ber! que é grego*epois vem  pix $$$ nur $$$ nes$$$cip$$$ sygap$$$ evunor $$$ zio$$$ 5tam(ém no$$$ if $$$ 4omF A% s&o duas palavras em ingl#sF$$$ epois

nuh$$$ oxi $$$ OraF ?ais a palavra kyx $$$depois a palavra etoF$$$O juiz Jarriquez deiou cair o documento e se ps a re"letir poralguns instantes$

;>odas as palavras que distingui nessa leitura "eitasumariamente s&o estranhasF ; disse a si mesmo$ ; +a verdadenada indica a proveni#ncia delasF Algumas parecem grego outrast#m aspecto de holandesas estas aqui um jeito de ingl#s aquelasl! n&o parecem nada ; sem contar que h! uma série deconsoantes que escapam a qualquer pronúncia humanaFecididamente n&o ser! "!cil esta(elecer a chave dessecriptogramaF

Os dedos do magistrado come/aram a (atucar na mesa umaespécie de toque de alvorada como se quisesse acordar suas"aculdades adormecidas$

;'rimeiro ; disse ; vamos ver quantas letras h!nesse par!gra"o$

5le contou com o l!pis na m&o$;uzentas e setenta e seisF ; disse$ ; 4om agora

preciso determinar em que propor/&o as diversas letras est&ounidas umas em rela/&o 2s outras$

Page 188: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 188/250

5ssa conta "oi um pouco mais di"%cil de "azer$ O juiz Jarriquezhavia pegado o documento1 depois com o l!pis em m&os anotousucessivamente cada letra de acordo com a ordem al"a(ética$ Imquarto de hora depois havia o(tido o seguinte quadro,

;AhF AhF ; "ez o juiz Jarriquez$ ; Ima primeirao(serva/&o me chama a aten/&o, é que neste par!gra"o todas asletras do al"a(eto "oram usadasF H (em estranhoF 5"etivamente sepegarmos ao acaso num livro as linhas necess!rias para conterduzentas e setenta e seis letras é muito raro que todas as letras doal"a(eto estejam a% presentesF

5n"im pode ser um simples e"eito do acaso$5m seguida passando para outra ordem de idéias,; A quest&o mais importante é ver se as vogais t#m

uma pro por/&o normal em rela/&o 2s consoantes$O magistrado pegou o l!pis deduziu as vogais e o(teve o

seguinte c!lculo,a _ E vezese _ 3Ei _ 300 _ 37I _ 30>otal D8 vogais

;5nt&o ; ele disse ; "eita a su(tra/&o h! nesta al%neaquarenta e oito vogais contra duzentos e vinte e sete consoantesF

Page 189: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 189/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

4om mas é a propor/&o normal isto é quase em torno de umquinto como no al"a(eto em que contamos seis vogais em vinte ecinco letras$ 5nt&o é poss%vel que esse documento tenha sidoescrito na l%ngua do nosso pa%s mas que o signi"icado de cada letra

tenha sido mudado$ Ora se ele "oi modi"icado com regularidade seum ( é sempre representado por um l por eemplo um o por um vum g por um Z um u por um r etc quero perder meu lugar de juizem ?anaus se n&o conseguir ler este documentoF 5 o que tenho a"azer a n&o ser proceder de acordo com o método desse grandeg#nio anal%tico chamado 5dgar 'oe*

O juiz Jarriquez "azia alus&o ao conto do "amoso romancistaamericano que é uma o(ra-prima$ Kuem n&o leu o 5scaravelho deouro*

+essa hist)ria um criptograma composto ao mesmo tempopor números letras sinais algé(ricos asteriscos e ponto-e-v%rgulasé su(metido a um verdadeiro método matem!tico e é deci"rado emcondi/.es etraordin!rias que os admiradores dessa mente singularn&o podem ter esquecido$

H verdade que da leitura do documento americano B)dependia a desco(erta de um tesouro enquanto no caso presentese tratava da vida e da honra de um homemF avia portanto uminteresse muito maior em adivinhar a ci"ra$

O magistrado que havia lido e relido muitas vezes o5scaravelho de ouro conhecia (em o processo de an!liseminuciosamente empregado por 5dgar 'oe e resolveu us!-lo nessaocasi&o$ Ao us!-lo ele estava certo como havia dito que se o valorou o signi"icado de cada letra "osse constante conseguiria numtempo mais ou menos longo ler o documento relacionado a Joamacosta$

;O que "ez 5dgar 'oe* ; ele repetia para si mesmo$ ; Antes de tudo come/ou procurando qual era o signo aqui B) h!

letras diga mos ent&o a letra que é reproduzida mais vezes nocriptograma$ Ora eu vejo que é a letra h pois ela é encontrada vintee duas vezes$ B) essa enorme propor/&o (asta para dar a entenderque a priori o h n&o signi"ica h e sim ao contr!rio o h deverepresentar a letra que encontramos mais "req<entemente na nossal%ngua pois é de se supor que o documento tenha sido escrito emportugu#s$ 5m ingl#s em "ranc#s seria e sem dúvida1 em italianoseria i ou a1 em portugu#s é a ou o$ 'ortanto vamos admitir salvomodi"ica/.es posteriores que o h signi"ique a ou o$ 9eito isso o juiz

Jarriquez procurou qual era a letra que depois do h "igurava ummaior número de vezes no documento$ 5nt&o ele "oi levado a"ormar o seguinte quadro,

Page 190: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 190/250

h _ 77 vezesp _ 70\q _ 38'g _ E

gc _ ER; 5nt&o a letra a é encontrada somente tr#s vezes ;eclamou o magistrado ; ela que devia ser encontrada maisconstantementeF AhF Csso prova largamente que o seu signi"icado "oimudadoF Agora depois do a ou do o quais s&o as letras que "igurammais "req<entemente na nossa l%ngua* Vamos procurar$

5 o juiz Jarriquez com uma sagacidade verdadeiramentenot!vel que mostrava ter ele uma mente o(servadora lan/ou-senessa nova pesquisa$ +isso ele B) "azia imitar o romancistaamericano que por simples indu/&o ou compara/&o como grandeanalista que era pde reconstituir um al"a(eto correspondente aossinais do criptograma e em seguida conseguir ler correntemente odocumento$

 Assim "ez o magistrado e podemos a"irmar que n&o semostrou in"erior ao ilustre mestre$ e tanto tra(alhar comlogogri"os palavras quadradas palavras retangulares e outrosenigmas que repousam numa disposi/&o ar(itr!ria das letras e deestar ha(ituado seja de ca(e/a seja por escrito a encontrar asolu/&o ele j! era um perito em charadas$

+essa ocasi&o n&o teve di"iculdade para esta(elecer a ordemna qual as letras se reproduziam mais vezes primeiro as vogaisdepois as consoantes$ >r#s horas depois de come/ado o tra(alhotinha de(aio dos olhos um al"a(eto que se o seu procedimentoestivesse certo deveria dar o verdadeiro signi"icado das letrasusadas no documento$

B) precisava aplicar sucessivamente as letras desse al"a(eto2s da carta$

'orém antes de aplic!-las o juiz Jarriquez "icou um poucoemocionado$ 5stava tomado por esse gozo intelectual ; (em maiordo que se pensa ; do homem que depois de v!rias horas detra(alho o(stinado ver! aparecer o sentido t&o impacientementeprocurado de um logogri"o$

;Vamos tentar ; ele disse$ ; +a verdade "icaria muitosurpreso se n&o conseguisse dominar a palavra-chave do enigmaF

O juiz Jarriquez retirou os )culos limpou as lentesem(a/adas pelo vapor dos olhos e colocou-os de volta no nariz1depois curvou-se novamente so(re a mesa$

=om o seu al"a(eto especial numa m&o e o documento naoutra come/ou a escrever em(aio da primeira linha do par!gra"o

Page 191: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 191/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

as letras verdadeiras que segundo ele deviam correspondereatamente a cada letra criptogra"ada$

epois da primeira linha ele "ez o mesmo com a segundadepois com a terceira depois com a quarta e assim chegou ao "im

da al%nea$Cncr%velF 5le nem mesmo quis ver enquanto escrevia se essa

reuni&o de letras "ormava palavras compreens%veis$ +&oF uranteesse primeiro tra(alho sua mente se recusara a "azer qualquerveri"ica/&o desse tipo$ O que ele queria era dar a si mesmo oprazer de ler de uma B) vez e de um B) "lego$

9icou pronto,;Vamos lerF ; eclamou$5 leu$

; Kue caco"onia meu eusF As linhas que havia "ormadocom as letras do seu al"a(eto n&o tinham mais sentido do que as dodocumentoF 5ra uma outra série de letras e B)$ +&o "ormavamnenhuma palavra n&o tinham nenhum valorF 5m resumo eraigualmente hierogl%"icaF

;=om todos os dia(osF ; eclamou o juiz Jarriquez$

Fuando o pro7lema é a !ira

5ram sete horas da noite$ O juiz Jarriquez ainda a(sorvidonesse tra(alho de que(ra-ca(e/as ; sem ter conseguido nenhumavan/o ; havia esquecido completamente da hora da re"ei/&o e dahora do repouso quando (ateram na porta do seu ga(inete$

J! n&o era sem tempo$ Ima hora a mais e toda a su(stGnciacere(ral do easperado magistrado certamente teria derretido com ointenso calor que se desprendia da sua ca(e/aF

 P ordem para entrar dada com uma voz impaciente a porta

se a(riu e ?anoel se apresentou$O jovem médico havia deiado os amigos 2 (ordo da jangada2s voltas com o indeci"r!vel documento e viera visitar o juizJarriquez$ Kueria sa(er se o juiz havia sido mais "eliz na pesquisa$Viera perguntar se "inalmente havia desco(erto o sistema no qualse (aseava o criptograma$

O magistrado n&o "icou a(orrecido ao ver ?anoel chegar$5stava naquele grau de superecita/&o do cére(ro que a solid&oeaspera$ Alguém com quem "alar era tudo de que precisava

so(retudo se o interlocutor se mostrasse t&o desejoso quanto ele dedesco(rir o mistério$ ?anoel era portanto o seu homem$

Page 192: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 192/250

;Benhor ; disse ?anoel ao entrar ; uma primeirapergunta$ >eve mais sucesso do que n)s*$$$

;Bente-se primeiroF ; eclamou o juiz Jarriquez que selevantou e come/ou a percorrer a ga(inete a passos largos$ ;

Bente-seF Be "ic!ssemos os dois de pé o senhor andaria numsentido eu no outro e o ga(inete seria muito pequeno para n)sF?anoel sentou-se e repetiu a pergunta$;+&oF$$$ +&o "ui mais "elizF ; respondeu o magistrado$ ;

+&o sei nada além so(re ele$ +ada posso lhe dizer a n&o ser quetenho uma certezaF

;Kual senhor*;Kue o documento é (aseado n&o em signos convencionais

mas no que chamamos de ci"ra em criptologia ou melhor dizendonum númeroF

;4om senhor ; respondeu ?anoel ; n&o se pode ler umdocumento desse tipo*

;Bim ; disse o juiz Jarriquez ; sim quando uma letra éinvariavelmente representada pela mesma letra quando um a poreemplo é sempre um p quando um p é sempre um $$$ Ben&o$$$n&oF

;5 nesse documento*;+esse documento o valor da letra muda de acordo com a

ci"ra tomada ar(itrariamente que o comandaF Assim um ( que "oirepresentado por um Z poder! ser mais tarde um z mais tarde umm ou um n ou um " ou outra letra completamente di"erenteF

;5 nesse caso*;+esse caso lamento dizer que o criptograma é

a(solutamente indeci"r!velF;Cndeci"r!velF ; eclamou ?anoel$ ; +&o senhor

aca(aremos encontrando a chave desse documento do qualdepende a vida de um homemF

?anoel levantou-se tomado de uma agita/&o que n&o podiacontrolar$ A resposta que aca(ara de rece(er era t&o desesperadoraque se recusava a aceit!-la como de"initiva$

5ntretanto a um gesto do magistrado ele voltou a sentar-se eperguntou com uma voz mais calma,

;5m primeiro lugar senhor o que o "az pensar que o c)digodesse documento é uma ci"ra ou como o senhor mesmo disse umnúmero*

;Ou/a meu rapaz ; respondeu o juiz Jarriquez ; e ser!o(rigado a se render 2s evid#nciasF

O magistrado pegou o documento e o ps diante dos olhos de?anoel ao lado do tra(alho que havia "eito$

Page 193: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 193/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

;5u comecei ; ele disse ; por tratar o documento comodevia ser "eito ou seja logicamente n&o deiando nada ao acaso oque quer dizer que pela aplica/&o de um al"a(eto (aseado naproporcionalidade das letras mais usuais da nossa l%ngua procurei

conseguir l#-lo de acordo com os preceitos do nosso imortal analista5dgar 'oeF$$$ 4om o que o "ez ter sucesso "racassou comigoF$$$

;9racassouF ; eclamou ?anoel$;Bim rapaz e eu deveria ter perce(ido logo que o sucesso

tentado dessa maneira n&o seria poss%velF +a verdade uma outrapessoa mais treinada do que eu n&o se teria enganadoF$$$

;?eu eusF ; disse ?anoel$ ; 5u queria compreender en&o posso$$$

;'egue o documento ; continuou o juiz Jarriquez ; B) se

preocupe em o(servar a disposi/&o das letras e releia-o por inteiro$?anoel o(edeceu$;O senhor n&o v# nada estranho na uni&o de certas letras*

; perguntou o magistrado$;+&o vejo nada ; respondeu ?anoel depois de percorrer

com os olhos pela centésima vez as linhas do documento$;4om limite-se a estudar o último par!gra"o$ 5sse o senhor

compreende deve ser o resumo de toda a carta$ +&o v# nada deanormal*

;+ada$;+o entanto h! um detalhe que prova da maneira maisa(soluta que o documento é su(metido 2 lei de um número$

;5 qual é*$$$ ; perguntou ?anoel$;H ou melhor s&o dois h que vemos justapostos em tr#s

lugares di"erentesFO que o juiz dizia era verdade e era capaz de chamar a

aten/&o$ e um lado a sétima e a oitava a trigésima quinta e atrigésima seta letras da al%nea do outro a nonagésima seta e a

nonagésima sétima letras eram h colocados consecutivamente$5ssa era a particularidade que n&o havia chamado a aten/&o domagistrado logo de in%cio$

;5 o que isso prova*$$$ ; perguntou ?anoel sem adivinharque dedu/&o devia tirar dessa reuni&o$

;Csso prova simplesmente rapaz que o documento est!(aseado no c)digo de um númeroF Csso demonstra a priori que cadaletra é modi"icada em virtude do algarismo desse número e deacordo com o lugar que ocupaF

;5 por qu#*;'orque em nenhuma linguagem h! palavras quecomportem a duplicidade da letra h

Page 194: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 194/250

?anoel perce(eu o argumento re"letiu so(re ele e emresumo n&o achou nada para responder$

;5 se eu houvesse o(servado isso antes ; continuou omagistrado ; teria poupado a mim mesmo (astante tra(alho e um

come/o de enaqueca que est! pegando desde o sincipúcio até ooccipúcioF;?as a"inal senhor ; perguntou ?anoel que sentia se

esvair a pouca esperan/a a que ainda tentava se prender ; o queentende por ci"ra*

;H melhor dizer um númeroF;Im número como queira$;5is um eemplo que o "ar! compreender melhor do que

qualquer eplica/&oF;O juiz Jarriquez sentou-se 2 mesa pegou uma "olha de

papel um l!pis e disse,;Benhor ?anoel vamos escolher uma "rase ao acaso a

primeira que vier 2 ca(e/a essa por eemplo,;+osso juiz Jarriquez é dotado de uma mente engenhosa$; Vou escrever essa "rase de modo a espa/ar as letras e

o(ter essa linha,+ossojuizjarriquezédotadodeumamenteengenhosa9eito isso o magistrado ; a quem sem dúvida essa "rase

parecia conter uma dessas proposi/.es que n&o se pode contestar; olhou ?anoel (em de "rente dizendo,

; Buponhamos agora que eu pegue um numero ao acasopara dar a essa sucess&o natural de palavras uma "ormacriptogr!"ica$ Buponhamos tam(ém que esse número seja compostode tr#s algarismos e que esses algarismos sejam D7 e E$ 5udisponho o dito número D7E em(aio da linha acima repetindo-oquantas vezes "or necess!rio até chegar ao "im da "rase e de modoa que cada algarismo "ique de(aio de cada letra$ 5is o que resulta,

+ossojuizjarriquezédotadodeumamenteengenhosaD7ED7ED7ED7ED7ED7ED7ED7ED7ED7ED7ED7ED7ED7ED7ED

;4om senhor ?anoel ao su(stituir cada letra pela letra queela ocupa em ordem al"a(ética descendente segundo o valor donúmero o(tenho o seguinte,

n menos D igual a ro - 7 _ qs - E _ vs - D _ o - 7 _ q

 j – E _ mi - 7 _ Z

Page 195: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 195/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

z - E _ c e assim por diante$ Be pelo valor dos algarismos que comp.em o número em

quest&o eu chegar ao "im do al"a(eto sem ter letras su"icientes para

deduzir eu volto para o come/o$ H o que acontece com a últimaletra do meu so(renome o z a(aio do qual "oi colocado oalgarismo E$ Ora como depois do z o al"a(eto n&o tem mais letraseu recome/o a contar retomando do a e nesse caso,

z menos E igual a c$ito isso quando levo até o "im o sistema criptogr!"ico

comandado pelo número D7E ; que "oi escolhido ar(itrariamenten&o se esque/aF ; a "rase que o senhor viu é su(stitu%da por,

rqvq mzZc ncuvZtzgc i "rQcgs "h zod qgqQg hrihrjrc,

Ora rapaz eamine (em essa "rase ela n&o tem eatamenteo aspecto das "rases do documento em quest&o* 4om e o queresulta disso* H que se o signi"icado da letra é dado pelo algarismoque o acaso colocou em(aio dela a letra criptogr!"ica quecorresponde 2 verdadeira n&o pode ser sempre a mesma$ Assimnessa "rase o primeiro e est! representado por um g mas osegundo por um i o terceiro por um h o quarto por um g1 um mcorresponde ao primeiro1 e um n ao segundo1 quanto aos dois r domeu so(renome um deles é representado por um u o segundo por

um v1 a vogai da palavra que inicia a "rase vira um q e o primeiro oda palavra dotado passa a ser um r sendo que o segundo érepresentado por um s$ O senhor est! vendo que se n&oconhec#ssemos o número D7E nunca conseguir%amos ler essaslinhas e que como desconhecemos o número que serviu de c)digopara o documento ele continuar! indeci"r!velF\

 Ao ouvir o magistrado raciocinar com uma l)gica t&o rigorosainicialmente ?anoel "icou a(atido1 mas erguendo a ca(e/a disse,

;+&o n&o senhorF +&o vou perder a esperan/a de desco(rir

esse númeroF;>alvez "osse poss%vel ; respondeu o juiz Jarriquez ; se aslinhas do documento "ossem divididas em palavrasF

;'or qu#*;5is o meu racioc%nio rapaz$ 'odemos a"irmar com toda a

seguran/a que o último par!gra"o do documento deve resumir tudoo que "oi escrito nos par!gra"os anteriores$ 'ortanto tenho certezade que o nome de Joam acosta est! ali$ 4om se as linhas "ossemdivididas por palavras "azendo uma tentativa em todas ; eu digo

as palavras compostas de sete letras como o so(renome acosta ;n&o seria imposs%vel reconstituir o número que é a chave dodocumento

Page 196: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 196/250

;Kueira eplicar-me como proceder senhor ; pediu ?anoelque via talvez luzir uma última esperan/a$

;+ada mais simples ; respondeu o juiz Jarriquez$ ; Vamospegar por eemplo uma das palavras da "rase que escrevi1 meu

nome se quiser$ 5le é representado no criptograma por essaestranha sucess&o de letras, ncuvZtzgc$ 4om se dispusermos essasletras numa coluna vertical em seguida colocarmos em "rente 2sletras do meu nome e su(irmos na ordem al"a(ética terei aseguinte ")rmula,

5ntre n e j contamos D letras$c - a 7u - r Ev - r DZ - i 7t - q Ez - u Dg - e 7c - z E; Ora como é composta a coluna dos algarismos

encontrados nessa simples opera/&o* O senhor pode verF Osalgarismos D7ED7ED7E etc ou seja o número D7E v!rias vezesrepetido$

;HF Csso mesmoF ; respondeu ?anoel$;O senhor compreende ent&o que por esse método su(indo

na ordem al"a(ética da "alsa letra para a letra verdadeira em vez dedescer da verdadeira para a "alsa pude reconstituir "acilmente onúmero e o número procurado é de "ato D7E que "oi escolhidocomo chave do meu criptogramaF

; 4om senhorF ; eclamou ?anoel ; se assim "or e seo nome acosta estiver neste último par!gra"o ao pegarsucessivamente cada letra destas linhas como a primeira das seteletras que comp.em esse nome poderemos chegar$$$

; Csso seria poss%vel de "ato ; respondeu o juiz Jarriquezmas h! uma condi/&oF

; Kual*; Kue o primeiro algarismo do número caia eatamente na

primeira letra da palavra acosta e h! de concordar comigo quen&o h! a menor pro(a(ilidadeF

; H verdadeF ; respondeu ?anoel que diante daimpro(a(ilidade sentia a última chance escapar$

; Ber! preciso portanto (asear-se apenas no acaso ;

continuou o juiz Jarriquez sacudindo a ca(e/a ; e o acaso n&odeve intervir em pesquisas desse g#neroF

Page 197: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 197/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

; ?as en"im ; disse ?anoel ; o acaso n&o poderia nosdar esse número*

;5sse número ; eclamou o magistrado ; esse númeroF?as de quantos algarismos ele é composto* e dois de tr#s de

quatro de nove de dez* 5sse número é "ormado de algarismosdi"erentes ou de algarismos v!rias vezes repetidos* Ba(e muito(em rapaz que com os dez algarismos se usarmos todos semnenhuma repeti/&o podemos "ormar tr#s milh.es duzentos esessenta e oito mil e cem números di"erentes e que se v!riosalgarismos "ossem repetidos esses milh.es de com(ina/.esaumentariam ainda mais* 5 sa(ia que se usar apenas um minutodos quinhentos e vinte e cinco mil e seiscentos minutos quecomp.em o ano para tentar cada um desses números seriam

necess!rios mais de seis anos e que levaria mais de tr#s séculosse cada opera/&o eigisse uma hora* +&oF O senhor est! querendoo imposs%velF

; O imposs%vel senhor ; respondeu ?anoel ; é que um justo seja condenado é que Joam acosta perca a vida e a honraquando o senhor tem nas m&os a prova material da inoc#ncia deleFCsso é que é imposs%velF

;Ah meu rapazF ; eclamou o juiz Jarriquez ; quemlhe diz no "inal das contas que esse >orres n&o mentiu que tinha

realmente nas m&os um documento escrito pelo autor do crime queesse papel é o documento e que ele tem rela/&o com Joamacosta*

;Kuem me dizF$$$ ; repetiu ?anoel$5 co(riu o rosto com as m&os$+a verdade nada provava com a(soluta certeza que o

documento tinha rela/&o com o caso do arraial diamantinense$ +adadizia que tinha algum sentido e que n&o havia sido criado pelopr)prio >orres (em mais capaz de querer vender um papel "also do

que um verdadeiroF;'ouco importa senhor ?anoel ; voltou a "alar o juiz Jarriquez levantando-se ; pouco importaF Kualquer que seja ocaso ao qual este documento esteja relacionado n&o vou desistir dedesco(rir a ci"raF A"inal isso equivale a um logogri"o ou a um ré(usF

epois dessas palavras ?anoel se levantou saudou omagistrado e voltou para a jangada mais desesperado na volta doque estava na ida$

 

3a9a o &ue 'ou)er 

Page 198: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 198/250

5ntretanto uma reviravolta completa ocorreu na opini&opú(lica a respeito do condenado Joam acosta$ P "úria sucedeu acomisera/&o$ A popula/&o n&o ia mais 2 pris&o de ?anaus para dargritos de morte contra o prisioneiro$ 'elo contr!rioF Os mais

implac!veis ao acus!-lo de ser o autor principal do crime de >ijucoagora proclamavam que n&o era o culpado e reclamavam a suaimediata li(erta/&o, assim caminham as multid.es ; de um eageroao outro$

5ssa reviravolta era compreens%vel$Os acontecimentos dos dois últimos dias o duelo entre 4enito

e >orres a (usca do cad!ver que reapareceu em circunstGncias t&oetraordin!rias a desco(erta do documento a indeci"ra(ilidade seassim podemos dizer das linhas nele contidas a certeza que setinha ou que se queria ter de que a carta encerrava a provamaterial da n&o-culpa(ilidade de Joam acosta uma vez que vinhado verdadeiro culpado tudo isso havia contri(u%do para operar amudan/a na opini&o pú(lica$ O que se desejava o que se pediaimpacientemente quarenta e oito horas antes agora se receava, achegada das instru/.es que seriam epedidas do @io de Janeiro$

+o entanto elas n&o tardariam$+a verdade Joam acosta havia sido preso no dia 7D de

agosto e interrogado no dia seguinte$ O relat)rio do juiz "oraepedido no dia 7L$ 5st!vamos no dia 78$ 5m tr#s ou quatro diasno m!imo o ministro tomaria uma decis&o em rela/&o aocondenado e era mais do que certo que a justi/a seguiria o seucursoF

HF >odos tinham certeza de que assim seriaF 5 no entantoque a prova da inoc#ncia de Joam acosta estivesse nessedocumento ninguém duvidava nem a sua "am%lia nem toda avolúvel popula/&o de ?anaus que seguia com pai&o as "asesdesse caso dram!tico$

'orém de "ora aos olhos de o(servadores desinteressadosou indi"erentes que n&o estivessem so( a press&o dosacontecimentos que valor poderia ter esse documento e comoa"irmar que se re"eria ao atentado do arraial diamantinense* Kueele eistia era incontest!vel$ 9ora encontrado no cad!ver de >orres$+ada mais certo$ 'odia-se até garantir ao compar!-lo com a cartade >orres que denunciava Joam acosta que o documento n&ohavia sido escrito pelo aventureiro$ +o entanto como dissera o juizJarriquez por que esse miser!vel n&o poderia t#-lo mandado "azero(jetivando uma chantagem* 5 podia ser isso mesmo ainda mais

porque >orres s) pretendia entreg!-lo ap)s o casamento com a "ilha

Page 199: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 199/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

de Joam acosta isto é quando n&o "osse mais poss%vel voltaratr!s depois de o "ato consumado$

>odas essas teses podiam ser sustentadas de am(as aspartes e compreendemos por que esse caso devia despertar as

maiores pai.es$ e qualquer "orma certamente a situa/&o deJoam acosta era das mais arriscadas$ 5nquanto o documento n&o"osse deci"rado era como se n&o eistisse e se o seu segredocriptogr!"ico n&o "osse miraculosamente desco(erto ou reveladoantes de tr#s dias antes de tr#s dias o castigo supremo atingiriairreparavelmente o condenado de >ijuco$

4em esse milagre um homem pretendia realizarF 5ssehomem era o juiz Jarriquez e agora ele tra(alhava mais nointeresse de Joam acosta do que pela satis"a/&o de seus talentos

anal%ticos$ BimF Ima reviravolta ocorrera na sua ca(e/a$ 5ssehomem que a(andonara voluntariamente seu retiro em Cquitos queviera com o risco da pr)pria vida pedir a rea(ilita/&o 2 justi/a(rasileira era um enigma que valia por muitos outrosF 'or isso omagistrado n&o deiaria de lado o documento enquanto n&odesco(risse a ci"ra$ 5 ele se empenhavaF +&o comia e n&o dormiamais$ 'assava todo o tempo com(inando números tentando "orjaruma chave para a(rir essa "echaduraF

+o "im do primeiro dia essa idéia j! virar! uma o(sess&o na

mente do juiz Jarriquez$ Ima "úria mal contida "ervia nelepermanentemente$ Os empregados pretos ou (rancos n&oousavam lhe "alar$ 9elizmente era solteiro sen&o uma senhoraJarriquez passaria algumas horas desagrad!veis$ +unca umpro(lema deiara esse homem original t&o apaionado e estavadecidido a continuar procurando a solu/&o enquanto sua ca(e/an&o eplodisse como uma caldeira quente demais por causa datens&o dos vapores$

 Agora o digno magistrado estava totalmente convencido de

que a chave do documento era um número composto de dois oumais algarismos mas que todas as dedu/.es pareciam ine"icazespara desco(rir esse número +o entanto "oi isso que "ez o juizJarriquez com verdadeiro "uror e "oi nesse tra(alho so(re-humanoque durante o dia 78 de agosto inteiro ele aplicou toda a suacapacidade$

'rocurar esse número ao acaso era ele havia dito quererperder-se em milh.es de com(ina/.es que a(sorveriam mais doque toda uma vida de um calculador de primeira ordem$ 'orém se

a(solutamente n&o se podia contar com o acaso seria poss%vel usaro racioc%nio* +&o sem dúvida e "oi a raciocinar até a

Page 200: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 200/250

irracionalidade que o juiz Jarriquez se entregou inteiramentedepois de (uscar em v&o o descanso em algumas horas de sono$

Be alguém conseguisse chegar até ele naquele momentoap)s en"rentar as de"esas "ormais que deviam proteger sua solid&o

t#-lo-ia encontrado como na véspera no ga(inete de tra(alhodiante da mesa os olhos no documento com seus milhares de letrasem(aralhadas que pareciam esvoa/ar em torno da sua ca(e/a$

; AhF ; eclamou$ ; 'or que esse miser!vel que oescreveu quem quer que seja n&o separou as palavras destepar!gra"o* 'oderia$$$ tentaria$$$ ?as n&oF 5 no entanto se estedocumento trata realmente do caso de assassinato e de rou(o n&oé poss%vel que certas palavras n&o estejam aqui palavras comoarraial diamantes >ijuco acosta e outras que eu sai(aF 5 se eu asdispusesse diante de suas equivalentes criptol)gicas poderiareconstituir o númeroF ?as nadaF +em uma única separa/&oF Imapalavra apenas umaF$$$ Ima palavra de duzentas e setenta e seisletrasF$$$ AhF Kue seja duzentas e setenta e seis vezes maldito opati"e que desgra/adamente complicou este sistemaF B) por issomerecia a "orca duzentas e setenta e seis vezesF

Im soco violento dado no documento acentuou esse desejopouco caridoso$

; ?as en"im ; continuou o magistrado ; se n&o possoprocurar uma dessas palavras em todo o corpo do documento ser!que n&o poderia ao menos tentar desco(ri-la no come/o ou no "imde cada par!gra"o* >alvez haja uma possi(ilidade que n&o deve serdesprezada$

5 deiando-se levar por essa dedu/&o o juiz Jarriquez tentouver sucessivamente se as letras que come/avam ou terminavam asdiversas al%neas do documento poderiam corresponder 2s que"ormavam a palavra mais importante aquela que necessariamentedeveria estar em algum lugar ; a palavra acosta$

5m v&o$5"etivamente para "alar B) do último par!gra"o e das sete

letras que o come/avam a ")rmula "oi a seguinte,B _ z _ ag _ c _ oe _ sd _ th _ a

Ora desde a primeira letra o juiz Jarriquez "oi interrompidonos seus c!lculos pois a distGncia entre s e d na ordem al"a(ética

Page 201: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 201/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

era n&o de um algarismo mas dois ou seja quinze e nesse tipo decriptograma uma letra evidentemente B) pode ser modi"icada porum algarismo$

 A mesma coisa ocorreu com as sete últimas letras do

par!gra"o osuvjhd cuja série come/ava por o que de "orma algumapodia representar o d de acosta pois eram separados por onzeletras$

'ortanto esse nome n&o estava ali$ A mesma o(serva/&o "oi "eita para as palavras arraial e >ijuco

que "oram sucessivamente testadas e cuja "orma/&o tam(ém n&ocorrespondia 2 série das letras criptogr!"icas$

epois desse tra(alho com a ca(e/a cansada o juizJarriquez se levantou percorreu o ga(inete a passos largos tomou

ar na janela soltou uma espécie de rugido cujo ru%do provocou umarevoada de coli(ris que chilreavam nas "olhagens de uma mimosa evoltou ao documento$

>ornou a peg!-lo virou-o e revirou-o$;'ati"eF >ratanteF ; resmungou o juiz Jarriquez$ ; 5le

vai aca(ar me deiando loucoF ?as alto l!F =almaF +&o vamosperder o controleF 5ste n&o é o momentoF

5m seguida depois de re"rescar a ca(e/a com uma a(lu/&ode !gua "ria disse,

;Vamos tentar outra coisa e j! que n&o consegui deduzir onúmero da disposi/&o destas malditas letras vejamos que número oautor deste documento pode haver escolhido admitindo que eleseja tam(ém o autor do crime de >ijucoF

5ra outro método de dedu/&o ao qual o magistrado iaentregar-se e talvez tivesse raz&o porque esse método n&odeiava de ter uma certa l)gica$

;'rimeiro ; disse ele ; vamos tentar o milharF 'or queesse mal"eitor n&o escolheria o milhar do ano em que Joam acosta

nasceu esse inocente que deiava ser condenado no seu lugar ;nem que "osse para n&o esquecer um número t&o importante paraele* Ora Joam acosta nasceu em 380D$ Vejamos o que acontecese pegarmos 380D co mo número criptol)gicoF

5 o juiz Jarriquez escrevendo as primeiras letras dopar!gra"o pondo em cima o número 380D que ele repetiu tr#svezes o(teve essa nova ")rmula,

380D 380D 380Dszg edhh Zpd

5m seguida su(indo na ordem al"a(ética tanto quantocomportava o valor do algarismo o(teve a série seguinte,@qgs d hd jop

Page 202: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 202/250

O que n&o signi"icava nadaF 5 ainda lhe "altavam duas letrasque precisara su(stituir por um ponto porque os algarismos oito equatro que comandavam as duas letras d n&o tinham letrascorrespondentes ao su(ir na série al"a(ética$

;Ainda n&o é esteF ; eclamou o juiz Jarriquez$ ;Vamos tentar um outro númeroF5 ele se perguntou se em vez desse milhar o autor do

documento n&o teria escolhido o milhar do ano no qual o crime "oracometido$ Ora havia sido em 387L$ 'ortanto procedendo como"izera acima ele o(teve a ")rmula,

387L 387L 387Lszg edhh ZpdO que deu,rqeq d$"( jon$Ima mesma série sem signi"icado que n&o apresentava

nenhum sentido v!rias letras "altando como na ")rmula precedentee por raz.es semelhantes$

;?aldito númeroF ; eclamou o magistrado$ ;>am(ém preciso desistir deste$ Vamos a outroF 5sse pati"e teriaescolhido o número de contos de réis que representava o produto dorou(o*

;Ora o valor dos diamantes rou(ados havia sido estimadoem oitocentos e trinta e quatro contos$ A ")rmula "oi esta(elecida,

8ED 8ED 8ED 8EDszg ed hhZ pdO que deu um resultado t&o pouco satis"at)rio quanto os

outros,Zvc o($$eg om$;Ao dia(o o documento e quem o imaginouF ; eclamou

o juiz Jarriquez jogando o papel que voou até o outro lado doga(inete$ ; Até um santo perderia a paci#ncia e seria amaldi/oadoF

'orém passado o momento de raiva o magistrado que n&oqueria passar vergonha voltou a pegar o documento$ O que "izeracom as primeiras letras dos diversos par!gra"os voltou a "azer comas últimas ; inutilmente$ 5m seguida tudo o que lhe "ornecia aimagina/&o superecitada ele tentava$ Bucessivamente "oramtentados os números que representavam a idade de Joam acostaque o autor do crime devia conhecer (em a data da pris&o a datada condena/&o pronunciada pelo tri(unal de Vila @ica a data "iadapara a eecu/&o etc$ etc até mesmo o número de v%timas do

atentado de >ijucoF+adaF Ainda nadaF

Page 203: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 203/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

O juiz Jarriquez estava num estado de easpera/&o tal quese podia realmente temer pelo equil%(rio das suas "aculdadesmentais$ 5le se agitava se de(atia lutava como se en"rentasse umadvers!rio no corpo-a-corpoF epois disse de repente,

;Ao acaso e que eus me ajude j! que a l)gica é ine"icazF5le pegou o cord&o de uma campainha pendurado ao lado

da sua mesa de tra(alho$ A campainha ressoou violentamente e omagistrado "oi até a porta e a(riu-a,

;4o(oF ; ele gritou$ Alguns minutos se passaram$4o(o um negro al"orriado que era o empregado pre"erido do

 juiz Jarriquez n&o aparecia$ 5ra evidente que 4o(o n&o ousavaentrar no ga(inete do patr&o$

+ovo toque da campainhaF +ovo chamado a 4o(o que nopr)prio interesse achava melhor se "azer de surdo num momentocomo esseF

9inalmente no terceiro toque a campainha desmontou e ocord&o se rompeu$ essa vez 4o(o apareceu$

;O que deseja de mim meu patr&o* ; perguntou 4o(o semantendo prudentemente no limiar da porta$

;5ntre sem dizer uma única palavraF ; respondeu omagistrado cujo olhar in"lamado "ez o negro tremer$

4o(o avan/ou$;4o(o ; disse o juiz Jarriquez ; preste (astante aten/&ono pedido que vou "azer e responda imediatamente sem demorarpara pensar sen&o eu$$$

;4o(o em(ara/ado com os olhos "ios a (oca a(erta juntou os pés na posi/&o de soldado sem armas e esperou$

;Voc# entendeu* ; perguntou o patr&o$;5ntendi$;Aten/&oF iga sem pensar o primeiro número que lhe vier

2 ca(e/aF;Betenta e seis mil duzentos e vinte e tr#s ; respondeu4o(o de uma s) vez$

Bem dúvida 4o(o havia pensado que agradaria o patr&orespondendo com um número (em alto$

O juiz Jarriquez correu até a sua mesa e com o l!pis na m&omontara a ")rmula com o número indicado por 4o(o ; que eraapenas um intérprete do acaso nessas circunstGncias$

'odemos compreender que seria totalmente imposs%vel que o

número setenta e seis mil duzentos e vinte e tr#s "osse eatamenteaquele que servia de chave para o documento$

Page 204: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 204/250

O único resultado que conseguiu "oi levar aos l!(ios do juizJarriquez uma (las"#mia t&o "orte que 4o(o se apressou a escapuliro mais r!pido poss%vel$

Glimo esor4os

5ntretanto o magistrado n&o era o único a se consumir emes"or/os estéreis$ 4enito ?anoel e ?inha se haviam reunido numtra(alho comum para tentar arrancar do documento o segredo doqual dependia a vida e a honra do seu pai$ o seu lado 9ragosoajudado por Mina n&o quisera "icar para tr!s1 mas com toda aengenhosidade n&o tiveram sucesso e o número ainda n&o haviasido desco(erto$

;5ncontre vamos 9ragosoF ; repetia sem parar a jovem mulata$ ; 5ncontreF

;5u vou encontrarF ; respondia 9ragoso$?as n&o encontravaF+o entanto é preciso dizer que 9ragoso pensara em eecutar

um projeto do qual n&o queria "alar nem mesmo com Mina projetoesse que passara pela sua ca(e/a tam(ém o(cecada, ir em (uscada mil%cia 2 qual pertencera o e-capit&o-do-mato e desco(rir quempoderia ter sido o autor do documento ci"rado que havia con"essadoser o culpado do atentado de >ijuco$ Ora a parte do Amazonas naqual atuava essa mil%cia o lugar onde 9ragoso a encontrara algunsanos antes a circunscri/&o a que ela pertencia n&o "icava muitolonge de ?anaus$ 4astava descer o rio umas cinq<enta milhas emdire/&o 2 "oz do ?adeira a"luente da margem direita e l! semdúvida encontraria os che"es dos capit&es-do-mato que tivera>orres entre seus companheiros$ 5m dois dias tr#s dias no m!imo9ragoso poderia encontrar os e-colegas do aventureiro$

; Bim sem dúvida eu posso "azer isso ; repetia a si mesmo; mas e depois* Kual ser! o resultado do meu procedimentoadmitindo que tenha sucesso* Kuando tivermos certeza de que umdos companheiros de >orres morreu recentemente isso provar! queele é o autor do crime* Csso pode demonstrar que entregou a >orresum documento no qual con"essava o crime e inocentava Joamacosta* Csso daria "inalmente a chave do documento* +&oF B)dois homens conheciam a ci"raF O culpado é >orresF 5 am(os oshomens est&o mortosF

 Assim raciocinava 9ragoso$ 5ra evidente que sua atitude n&o

levaria a nada$ ?as no entanto esse pensamento era mais "orte doque ele$ Ima "or/a irresist%vel incitava-o a partir em(ora nem

Page 205: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 205/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

mesmo estivesse seguro de encontrar a mil%cia do ?adeiraF +averdade ela podia estar a servi/o em alguma outra parte daprov%ncia e ent&o para encontr!-la 9ragoso precisaria de maistempo do que poderia disporF 5 para qu#* Kual resultado

conseguiria* A verdade é que no dia seguinte 7N de agosto antes do

alvorecer sem prevenir ninguém 9ragoso saiu "urtivamente da jangada "oi a ?anaus e em(arcou numa das muitas igaritéias quedesciam diariamente o Amazonas$

Kuando n&o "oi visto a (ordo quando n&o apareceu durante odia inteiro todos "icaram surpresos$ +inguém nem mesmo a jovemmulata podia eplicar a aus#ncia do empregado t&o dedicado numacircunstGncia t&o sériaF

 Alguns chegaram até a se perguntar n&o sem alguma raz&ose o po(re rapaz desesperado por haver contri(u%do pessoalmentepara levar >orres para a jangada quando o encontrou na "ronteiran&o haveria cometido algum ato etremoF

=ontudo se 9ragoso podia recriminar a si mesmo o que dizerde 4enito* Ima primeira vez em Cquitos ele havia convidado >orrespara visitar a "azenda$ Ima segunda vez em >a(atinga o havialevado a (ordo da jangada como passageiro$ Ima terceira vez aoprovoc!-lo e mat!-lo destru%ra a única testemunha cujo depoimento

poderia ser usado a "avor do condenadoF5 agora 4enito se acusava de tudo da pris&o do pai dasterr%veis eventualidades que viriam como conseq<#nciaF

5"etivamente se >orres ainda estivesse vivo 4enito n&o podiapensar que de um modo ou de outro por comisera/&o ou porinteresse o aventureiro aca(aria entregando o documento* 'orcausa de dinheiro >orres que nada poderia comprometer n&o seteria decidido a "alar* A prova t&o procurada n&o teria sido postadiante dos olhos dos magistrados* BimF Bem dúvidaF$$$ 5 o único

homem que poderia dar esse testemunho havia sido morto pelasm&os de 4enitoF5is o que o in"eliz rapaz repetia para a m&e para ?anoel

para si mesmoF 5ssas eram as cruéis responsa(ilidades cujo nus apr)pria consci#ncia lhe impunhaF

=ontudo ao lado do marido perto de quem ela passava ashoras que lhe haviam sido permitidas e do "ilho presa de umdesespero que causava tremores por ser "undamentado a corajosaSaquita n&o perdia a coragem$

+ela podia ser encontrada a corajosa "ilha de ?agalh&es adigna companheira do "azendeiro de Cquitos$

Page 206: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 206/250

 Ali!s a atitude de Joam acosta era um apoio para a mulhernessa prova/&o$ 5sse homem (om um puritano r%gido um austerotra(alhador que toda a vida havia lutado ainda n&o mostraranenhum momento de "raqueza$

O golpe mais terr%vel que o atingira sem a(at#-lo "ora a mortedo juiz @i(eiro na mente de quem a sua inoc#ncia n&o deiavamargem a dúvidas$ +&o havia sido com a ajuda do e-de"ensor quetivera a esperan/a de lutar pela rea(ilita/&o* 5m todo esse casoele encarava a interven/&o de >orres como secund!ria$ 5 além domais n&o sa(ia da eist#ncia do documento quando se decidira adeiar Cquitos para se entregar 2 justi/a do seu pa%s$ A única(agagem que trazia eram provas morais$ Ima prova materialinopinadamente introduzida durante o caso antes ou depois da suapris&o certamente n&o era para ser desprezada1 mas se comoconseq<#ncia de circunstGncias lament!veis essa provadesaparecera sua situa/&o continuava a ser a mesma de quandohavia atravessado a "ronteira do 4rasil a de um homem que dissera,5is o meu passado eis o meu presente eis toda a minha vidahonesta de tra(alho e de devotamento que lhes entregoF Voc#s"izeram um primeiro julgamento in%quoF epois de vinte e tr#s anosde e%lio venho entregar-meF 5is-me aquiF Julguem-meF$

 A morte de >orres a impossi(ilidade de ler o documentoencontrado com ele n&o haviam produzido em Joam arral umaimpress&o t&o "orte quanto nos "ilhos nos amigos e nosempregados em todos aqueles que se interessavam por ele$

; >enho "é na minha inoc#ncia ; repetia para Saquita ;como tenho "é em eusF Be achar que a minha vida ainda é útil paraa minha "am%lia e que é necess!rio um milagre para salv!-la ele o"ar! sen&o morrereiF B) ele ser! meu juizF

5ntretanto a emo/&o aumentava na cidade de ?anaus com opassar do tempo$ O caso era comentado com uma ealta/&o semigual$ +o meio desse arre(atamento da opini&o pú(lica que tudo oque é misterioso provoca o documento era o único assunto dasconversas$ +inguém no "im desse quarto dia duvidava que neleestivesse a justi"ica/&o do condenado$

 Ali!s é preciso dizer que todos procuraram deci"rar oincompreens%vel conteúdo$ O i!rio dRo rand 'ar! o reproduziraem "ac-s%mile$ 5emplares com a c)pia do manuscrito haviam sidoenviados em grande número por insist#ncia de ?anoel que n&oqueria desprezar nada que pudesse trazer a compreens&o dessemistério até mesmo o acaso esse nome de guerra que alguém

havia dito algumas vezes a 'rovid#ncia assume$

Page 207: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 207/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

 Além disso uma recompensa que atingia o montante de cemcontos havia sido prometida a quem desco(risse a ci"ra procuradaem v&o que permitisse ler o documento$ 5ssa quantia era uma"ortuna$ 'or isso pessoas de todas as classes esqueciam-se de

(e(er de comer e de dormir empenhados no inintelig%velcriptograma$

 Até aquele momento no entanto tudo havia sido inútil e éprov!vel que o mais engenhoso dos analistas do mundo tam(émperdesse suas horas de sono em v&o$

  O pú(lico havia sido avisado que todas as solu/.esdeveriam ser enviadas sem demora ao juiz Jarriquez em sua casana rua eus 9ilho1 mas no dia 7N de agosto 2 noite nada haviachegado e nada deveria chegar sem dúvidaF

+a verdade de todos aqueles que se entregavam ao estudodesse que(ra-ca(e/a o juiz Jarriquez era um dos que maislamentava$ =omo conseq<#ncia de uma natural associa/&o deidéias ele tam(ém partilhava da opini&o de que o documento estavarelacionado com o caso de >ijuco que havia sido escrito pelopr)prio culpado e que inocentava Joam acosta$ 'or isso estavadeterminado a encontrar a chave$ +&o era mais B) a arte pela arteque o guiava era o sentimento de justi/a de piedade para com umhomem atingido por uma injusta condena/&o$ Be "or verdade que se

gasta uma certa quantidade de ")s"oro orgGnico no tra(alho docére(ro humano n&o sa(er%amos dizer quantas miligramas omagistrado havia gasto para aquecer as redes do seu sensorium eno "im das contas n&o encontrar nada nadaF

5ntretanto o juiz Jarriquez n&o pensava em a(andonar otra(alho$ 5m(ora B) contasse com o acaso precisava queria queesse acaso viesse ajud!-loF >entava provoc!-lo por todos os meiosposs%veis e imposs%veisF 'roduzira-se nele um "renesi uma raiva eo que é pior uma raiva impotenteF

 A quantidade de números di"erentes que havia tentado naúltima parte do dia ; números sempre escolhidos ar(itrariamente ;n&o se poderia imaginarF AhF Be tivesse tempo n&o hesitaria em selan/ar aos milh.es de com(ina/.es que os dez signos danumera/&o podiam "ormarF >eria consagrado toda a sua vida com orisco de "icar louco antes de terminar o anoF MoucoF 5 ser! que j!n&o o estava*

5le pensou ent&o que o documento talvez devesse ser lidodo avesso$ 'or isso virou-o e epondo-o 2 luz continuou a tentar$

+adaF Os números j! imaginados e que tentava dessa nova"orma n&o deram nenhum resultadoF

Page 208: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 208/250

>alvez devesse ver o documento ao contr!rio e re"az#-lo daúltima letra para a primeira ; o que o autor poderia ter "eito paratornar a leitura ainda mais di"%cilF

 +adaF A nova com(ina/&o s) "orneceu uma série de letras

totalmente enigm!ticasF Ps oito horas da noite o juiz Jarriquez com a ca(e/a entre asm&os alque(rado esgotado intelectual e "isicamente n&o tinhamais "or/as para se meer para "alar para pensar para associaruma idéia 2 outraF

e repente ouviu um ru%do do lado de "ora$ Kuaseimediatamente apesar das ordens "ormais a porta do ga(inete "oia(erta (ruscamente$

4enito e ?anoel estavam diante dele 4enito assustador de sever era apoiado por ?anoel porque o desa"ortunado rapaz n&otinha mais "or/as para se sustentar$

O magistrado levantou-se rapidamente$;O que aconteceu senhores o que desejam* ; perguntou$;A ci"raF$$$ A ci"raF$$$ ; disse 4enito enlouquecido de dor$ ;

 A ci"ra do documentoF;5nt&o j! a conhecem* ; eclamou o juiz Jarriquez$;+&o ; replicou ?anoel$ ; 5 o senhor*$$$;+adaF$$$ +adaF$$$;+adaF ; protestou 4enito$5 no paroismo do desespero tirando uma arma da cintura

quis atirar no pr)prio peito$O magistrado e ?anoel correram para cima dele e

conseguiram n&o sem di"iculdade desarm!-lo$;Benhor 4enito ; disse o juiz Jarriquez com uma voz que

procurou manter serena ; uma vez que seu pai n&o pode maisescapar 2 epia/&o de um crime que n&o cometeu o senhor temmais o que "azer do que se matarF

;O qu#* ; eclamou 4enito$;>em de tentar salvar-lhe a vidaF;5 como*$$$;=a(e ao senhor adivinhar ; respondeu o magistrado ;

n&o sou eu que vou lhe dizerF

>e!is5es omadas

+o dia seguinte E0 de agosto 4enito e ?anoel tiveram uma

conversa$ aviam entendido a idéia que o juiz n&o quis "ormular

Page 209: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 209/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

diante deles$ Agora procuravam um meio de preparar a evas&o docondenado amea/ado do derradeiro supl%cio$

B) havia uma coisa a "azer$+a verdade era mais do que certo que para as autoridades

do @io de Janeiro o documento indeci"rado n&o teria nenhum valorseria letra morta o primeiro julgamento que havia declarado Joamacosta culpado do atentado de >ijuco n&o seria mudado einevitavelmente a ordem de eecu/&o chegaria pois nesse tipo decaso nenhuma comuta/&o de pena era poss%vel$

'ortanto mais uma vez Joam acosta n&o devia hesitar emse livrar pela "uga da pris&o que o punia injustamente$

5ntre os dois rapazes "icou com(inado que o segredo do queiam "azer seria totalmente guardado1 nem Saquita nem ?inha

seriam postas a par da tentativa$ Csso poderia lhes dar umaesperan/a que talvez n&o se realizasseF 'odia ser que emconseq<#ncia de circunstGncias imprevistas a tentativa de evas&o"racassasse miseravelmenteF

  A presen/a de 9ragoso sem dúvida teria sido preciosanessa ocasi&o$ O mo/o prudente e devotado seria útil para ajudaros dois rapazes1 mas 9ragoso n&o havia aparecido$ Cnterrogada arespeito Mina n&o pudera dizer onde estava nem por que haviadeiado a jangada sem nem mesmo avis!-la$

5 com certeza se 9ragoso pudesse prever que as coisaschegariam a esse ponto n&o teria a(andonado a "am%lia acostapara tentar uma a/&o que n&o parecia produzir qualquer resultadoe"etivo$ BimF >eria sido melhor ajudar na evas&o do condenado doque sair atr!s dos antigos companheiros de >orresF

?as 9ragoso n&o estava l! e "atalmente n&o poderiam contarcom a sua ajuda$

4enito e ?anoel ao alvorecer deiaram a jangada e sedirigiram para ?anaus$ =hegaram rapidamente 2 cidade e se

em(renharam pelas estreitas ruas ainda desertas 2quela hora$ 5mpoucos minutos am(os estavam diante da pris&o e percorriam emtodos os sentidos o terreno a(andonado no qual se erguia o antigoconvento que servia de casa de deten/&o$

=onvinha estudar cuidadosamente a disposi/&o do lugar$+um dos lados do prédio a(ria-se vinte e cinco pés acima do

ch&o a janela da cela na qual Joam acosta estava encarcerado$ A janela era protegida por uma grade de "erro em mau estado queseria "!cil soltar ou serrar se "osse poss%vel su(ir até l!$ As pedras

da parede mal emparelhadas deslocadas em muitos lugareso"ereciam inúmeras sali#ncias que garantiriam ao pé um apoios)lido se houvesse a possi(ilidade de su(ir por meio de uma corda

Page 210: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 210/250

5ssa corda se ha(ilmente lan/ada talvez passasse por uma das(arras da grade solta do alvéolo e que "ormava um gancho do ladode "ora$ 9eito isso tirando uma ou duas (arras de modo a darpassagem a um homem 4enito e ?anoel s) teriam de introduzir-se

na cela do prisioneiro e a evas&o ocorreria sem maioresdi"iculdades pela corda presa 2 arma/&o de "erro$ P noite que oestado do céu prometia deiar muito escura nenhuma dasmano(ras seria perce(ida e Joam acosta antes do amanhecer j!estaria em seguran/a$

urante uma hora ?anoel e 4enito andando de um lado parao outro para n&o chamar a aten/&o "izeram um levantamento cometrema precis&o tanto da situa/&o da janela e da disposi/&o daarma/&o quanto do melhor lugar para lan/ar a corda$

;5nt&o estamos com(inados ; disse ?anoel$ ; ?asser! que Joam acosta n&o deveria ser avisado*

;+&o ?anoel n&o vamos contar a ele mais do quecontamos 2 minha m&e so(re o segredo de uma tentativa que pode"racassarF

; +)s conseguiremos 4enitoF ; respondeu ?anoel$; 5ntretanto precisamos prever tudo e no caso de chamarmos aaten/&o do che"e dos guardas da pris&o no momento da "uga$$$

;>eremos todo o ouro necess!rio para comprar esse homemF; respondeu 4enito$

;5st! (em ; respondeu ?anoel$ ; 'orém uma vez "ora dapris&o nosso pai n&o poder! "icar escondido na cidade nem na jangada$ Onde dever! procurar re"úgio*

5ssa era a segunda quest&o a ser resolvida quest&o muitoséria e a decis&o "oi a seguinte,

 A cem passos da pris&o o terreno (aldio era atravessado porum desses canais que jogam suas !guas no rio +egro mais a(aioda cidade$ 5sse canal o"erecia portanto uma via "!cil para sechegar até o rio desde que uma piroga estivesse esperando pelo"ugitivo$ o pé da muralha até o canal haveria apenas cem passos aserem percorridos$

4enito e ?anoel decidiram ent&o que uma das pirogas da jangada desatracaria por volta das oito horas da noite conduzidapelo piloto Araújo e dois ro(ustos remadores$ 5la su(iria o rio +egroentraria pelo canal deslizaria através do terreno (aldio e aliescondida pela alta vegeta/&o das margens se manteria por toda anoite 2 disposi/&o do prisioneiro$

+o entanto depois de em(arcar onde convinha a Joam

acosta procurar re"úgio*

Page 211: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 211/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

5sse "oi o assunto da última decis&o tomada pelos doisrapazes depois de os pr)s e contras serem minuciosamentepesados$

Voltar a Cquitos seria seguir uma rota di"%cil cheia de perigos$

5 de qualquer modo seria muito longa tanto se o "ugitivo "ossepelo campo como se su(isse ou descesse o curso do Amazonas$+em o cavalo nem a piroga poderiam p-lo rapidamente "ora doalcance$ Além do mais a "azenda j! n&o lhe o"ereceria umesconderijo seguro$ Ao voltar para l! n&o seria o "azendeiro Joamarral seria o condenado Joam acosta sempre so( a amea/a deuma etradi/&o e n&o poderia nem pensar em retomar a vida deantigamente$

9ugir pelo rio +egro até o norte da prov%ncia ou mesmo sair

das terras (rasileiras eigia mais tempo do que dispunha Joamacosta e seu primeiro cuidado devia ser escapar daspersegui/.es imediatas$

escer o Amazonas* Os postos os povoados e as cidadesa(undavam nas duas margens do rio$ As caracter%sticas docondenado seriam enviadas a todos os che"es de pol%cia$ 5lecorreria ent&o o risco de ser preso muito antes de atingir o litoral do AtlGntico$ 5 se o atingisse onde e como se esconder enquantoesperava a ocasi&o de em(arcar e pr todo um mar entre si e a

 justi/a*5aminados os diversos projetos 4enito e ?anoelreconheceram que nenhum deles era eeq<%vel$ Apenas um o"ereciaalguma possi(ilidade de salva/&o$

5ra o seguinte, ao sair da pris&o em(arcar numa pirogaseguir o canal até o rio +egro descer esse a"luente so( a dire/&o dopiloto atingir a con"lu#ncia dos dois cursos dR!gua depois se deiarlevar pela corrente do Amazonas acompanhando a margem direitapor umas sessenta milhas navegando 2 noite parando de dia e

chegar assim 2 "oz do ?adeira$5sse a"luente que desce da vertente da cordilheiraengrossado por uma centena de su(a"luentes era uma verdadeiravia "luvial a(erta até o cora/&o da 4ol%via$ Ima piroga poderia nelese aventurar sem deiar nenhum vest%gio da sua passagem e sere"ugiar em alguma localidade aldeia ou vila situada do outro ladoda "ronteira (rasileira$

M! Joam acosta "icaria relativamente em seguran/a1 l! elepoderia por v!rios meses se "osse preciso aguardar uma ocasi&o

para alcan/ar o litoral do 'ac%"ico e em(arcar num navio quepartisse de um dos portos da costa$ Be esse navio o levasse a umadas na/.es da América do +orte estaria a salvo 5m seguida veria

Page 212: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 212/250

a conveni#ncia de vender todos os seus (ens se eilarde"initivamente e procurar além-mar no Velho ?undo um últimoretiro para ali aca(ar a vida t&o cruelmente e t&o injustamentea(alada$

'ara onde "osse a "am%lia o seguiria sem hesitar semlamentos e em sua "am%lia seria preciso incluir ?anoel ligado a elepor la/os indissolúveis$ 5sse era um assunto que nem precisava serdiscutido$

;Vamos ; disse 4enito$ ; H preciso que tudo estejapronto antes do anoitecer e n&o temos um minuto a perder$

Os dois rapazes voltaram a (ordo seguindo a margem docanal até o rio +egro$ 5les se asseguraram de que a passagem paraa piroga estaria completamente livre que nenhum o(st!culonenhuma represa ou navio no conserto poderia par!-la$ epoisdescendo a margem esquerda do a"luente evitando as ruas agora j!ocupadas da cidade chegaram ao ancoradouro da jangada$

 A primeira preocupa/&o de 4enito "oi ver a m&e$ Bentia-se(em controlado para n&o deiar transparecer as inquieta/.es que odevoravam$ Kueria acalm!-la dizer que a esperan/a n&o estavaperdida que o mistério do documento seria esclarecido que dequalquer "orma a opini&o pú(lica estava a "avor de Joam acosta eque diante do movimento "eito em seu (ene"%cio a justi/aconcederia todo o tempo necess!rio para que a prova material dasua inoc#ncia "osse en"im preparada$

;Bim m&eF BimF ; ele acrescentou$ ; Bem dúvida antesque o dia de amanh& aca(e n&o teremos mais nada a temer pornosso paiF

;eus o ou/a meu "ilhoF ; respondeu Saquita cujo olharera t&o indagador que 4enito mal conseguiu sustent!-lo$

'or sua vez em comum acordo ?anoel tentara acalmar?inha repetindo-lhe que o juiz Jarriquez convencido da n&o-culpa(ilidade de Joam acosta tentaria salv!-lo por todos os meiosque estivessem ao seu alcance$

;Kuero acreditar em voc# ?anoelF ; havia respondidoa jovem que n&o pudera conter as l!grimas$

5 ?anoel saiu (ruscamente de perto de ?inha$ As l!grimastam(ém encheriam seus olhos e iriam contrariar as palavras deesperan/a que aca(ara de dizerF

 Além do mais era chegada a hora de "azer a visita cotidianaao prisioneiro e Saquita acompanhada da "ilha se dirigiurapidamente para ?anaus$

urante uma hora os dois rapazes conversaram com o piloto Araújo$ 5les lhe contaram com todos os detalhes o plano que

Page 213: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 213/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

haviam com(inado e tam(ém o consultaram tanto so(re a "ugaprojetada quanto so(re as medidas que deveriam tomar em seguidapara garantir a seguran/a do "ugitivo$

 Araújo aprovou tudo$ Assim que desceu a noite sem provocar

nenhuma descon"ian/a ele se encarregou de levar a piroga atravésdo canal cujo tra/ado conhecia per"eitamente até o local ondedeveria esperar a chegada de Joam acosta$ Voltar em seguidapara a "oz do rio n&o o"erecia nenhuma di"iculdade e a pirogapassaria desperce(ida no meio dos destro/os que desciamconstantemente o seu curso$

Bo(re o pro(lema de seguir o Amazonas até a con"lu#nciacom o ?adeira Araújo tam(ém n&o levantou nenhuma o(je/&o$ Achava que era a melhor coisa a ser "eita$ =onhecia o curso do

?adeira por uma distGncia de mais de cem milhas$ +o meio dessasprov%ncias pouco "req<entadas se por mais imposs%vel que "osseas persegui/.es se voltassem nessa dire/&o poderiam "rustr!-la"acilmente mesmo que tivessem de entrar até o centro da 4ol%via ese Joam acosta persistisse em querer eilar-se seu em(arqueseria "eito com menos perigo no litoral do 'ac%"ico do que do AtlGntico$

 A aprova/&o de Araújo serviu para tranq<ilizar os doisrapazes$ 5les con"iavam no (om senso pr!tico do piloto e com

raz&o$ Kuanto 2 dedica/&o desse homem leal nesse aspecto n&otinham nenhuma dúvida$ =ertamente ele era capaz de arriscar ali(erdade ou a pr)pria vida para salvar o "azendeiro de Cquitos$

 Araújo cuidou imediatamente mas no maior segredo dospreparativos que lhe ca(iam nessa tentativa de "uga$ Ima grandesoma de ouro lhe "oi entregue por 4enito para prevenir algumaeventualidade durante a viagem no ?adeira$ 5m seguida elemandou preparar a piroga anunciando sua inten/&o de ir 2 procurade 9ragoso que n&o havia aparecido o que deiava todos os

companheiros preocupados com a sua sorte$epois ele mesmo ps na em(arca/&o provis.es para v!riosdias e além disso as cordas e as "erramentas que os dois rapazesiriam (uscar quando ela chegasse na etremidade do canal nahora e no lugar com(inados$

Os preparativos n&o chamaram a aten/&o do pessoal da jangada$ Os dois ro(ustos negros que o piloto escolheu para remarn&o "icaram sa(endo da tentativa de "uga$ +o entanto podia secontar totalmente com eles$ Kuando sou(essem da opera/&o de

salvamento de que iriam participar quando Joam acosta"inalmente livre "osse entregue aos seus cuidados Araújo sa(ia

Page 214: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 214/250

(em que eram pessoas que arriscariam tudo mesmo com o risco dapr)pria vida para salvar a vida do patr&o$

 P tarde estava tudo pronto para a partida$ B) precisavamesperar que anoitecesse$

'orém antes de agir ?anoel quis ver uma última vez o juizJarriquez$ >alvez o magistrado tivesse algo de novo a lhe dizer so(reo documento$

4enito pre"eriu "icar na jangada para esperar a volta da m&e eda irm&$

?anoel "oi sozinho 2 casa do juiz Jarriquez e "oi rece(idoimediatamente$

O magistrado no ga(inete de onde n&o sa%a mais continuavasuperecitado$ O documento amassado pelos seus dedosimpacientes ainda estava l! em cima da mesa em(aio dos seusolhos$

; Benhor ; disse ?anoel cuja voz tremia ao "ormular apergunta ; rece(eu do @io de Janeiro*$$$

+&o$$$ ; respondeu o juiz Jarriquez ; a ordem n&o chegou$$$ ?as de uma hora para a outra pode chegarF$$$

;5 o documento*;+adaF ; eclamou o juiz Jarriquez$ ; >udo o que a minha

imagina/&o pde sugerir$$$ 5u tentei$$$ 5 nadaF;+ada*5ntretanto vi claramente uma palavra nesse documento$$$ B)

umaF$$;5 essa palavra* ; perguntou ?anoel$ ; Benhor$$$ Kue

palavra é essa*9ugirFBem responder ?anoel apertou a m&o que o juiz Jarriquez

lhe estendia e voltou 2 jangada para aguardar o momento de agir$ 

A úlima noie  A visita de Saquita acompanhada da "ilha transcorreu como

sempre nessas poucas horas que os dois esposos passavam juntostodos os dias$ +a presen/a dessas duas pessoas t&o ternamenteamadas o cora/&o de Joam acosta quase se descontrolava$ ?aso marido o pai se continha$ 5ra ele quem reanimava as duaspo(res mulheres que lhes dava um pouco de esperan/a da qualno entanto lhe restava t&o pouco$ As duas chegavam com a

inten/&o de animar o moral do prisioneiro$ Cn"elizmente mais do queele precisavam ser amparadas1 mas ao v#-lo t&o "irme de ca(e/a

Page 215: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 215/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

erguida no meio de tantas prova/.es elas recuperavam aesperan/a$

+aquele dia tam(ém Joam lhes dissera palavras deencorajamento$ 5ssa indom!vel energia ele (uscava n&o B) no

sentimento da sua inoc#ncia mas tam(ém na "é desse eus quehavia posto uma parte da sua justi/a nos cora/.es dos homens$+&oF Joam acosta n&o podia ser punido pelo crime de >ijucoF

 Além do mais ele quase nunca "alava so(re o documento$9osse ap)cri"o ou n&o "osse escrito por >orres ou pelo real autor doatentado inclu%sse ou n&o a justi"icativa t&o esperada Joamacosta n&o pretendia apoiar-se nessa duvidosa hip)tese$ +&oF 5levia a si mesmo como o melhor argumento da sua causa e era atoda uma vida de tra(alho e de honestidade que ele queria con"iar a

miss&o de de"end#-loF+aquela tarde m&e e "ilha animadas por essas palavras"ortes que as penetraram até o mais "undo do ser se retiraram maiscon"iantes do que jamais haviam estado desde a pris&o$ Oprisioneiro mais uma vez as a(ra/ara com dupla ternura$ 'arecia tero pressentimento de que o desenlace do caso estava pr)imo$

epois que "icara sozinho Joam acosta permanecera im)velpor um longo tempo$ Os (ra/os apoiados numa mesa pequenasustentavam sua ca(e/a$

O que se passava com ele* >eria adquirido a convic/&o deque a justi/a humana depois de "alhar uma primeira vezpronunciaria en"im sua a(solvi/&o*

BimF 5le ainda tinha esperan/aF =om o relat)rio do juizJarriquez que esta(elecia sua identidade ele sa(ia que suasmem)rias justi"icativas que escrevera com tanta convic/&o deviamestar no @io de Janeiro nas m&os do che"e supremo da justi/a$

Ba(emos que essas mem)rias eram a hist)ria da sua vidadesde que entrara para o escrit)rio do arraial diamantino até o

momento em que a jangada havia parado nas portas de ?anaus$+a mente de Joam acosta repassava toda a sua vida$ 5le

revivia o passado desde a época em que )r"&o havia chegado em>ijuco$ M! por mérito pr)prio su(ira na hierarquia do escrit)rio dogovernador-geral onde "ora admitido ainda muito jovem$ O "uturolhe sorria deveria chegar a um alto cargoF$$$ epois de repente acat!stro"e, o rou(o do com(oio de diamantes o massacre dossoldados da escolta as suspeitas que reca%am so(re ele como

sendo o único "uncion!rio que poderia ter divulgado o segredo dapartida a pris&o o comparecimento diante do júri a condena/&oapesar dos es"or/os do advogado as últimas horas na cela dos

Page 216: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 216/250

condenados 2 morte na pris&o de Vila @ica a evas&o realizada emcondi/.es que denotavam uma coragem so(re-humana a "ugaatravés das prov%ncias do norte a chegada 2 "ronteira peruana e aacolhida que dera ao "ugitivo sem nenhum recurso e morrendo de

"ome o a"!vel "azendeiro ?agalh&esF  O prisioneiro recordava todos esses acontecimentos quehaviam t&o (rutalmente destru%do sua vidaF 5 ent&o a(stra%do nosseus pensamentos perdido nas lem(ran/as n&o ouviu um ru%dodi"erente na parede eterna do velho convento nem as sacudidelasde uma corda presa nas (arras da janela nem o rangido do a/o quemordia o "erro que teriam chamado a aten/&o de um homem menosa(sorto$

+&o Joam acosta continuava a viver os anos da sua juventude desde a chegada 2 prov%ncia peruana$ 5le revia a simesmo na "azenda como empregado depois como s)cio do velhoportugu#s tra(alhando para a prosperidade da "azenda de Cquitos$

 Ah por que desde o come/o n&o havia dito tudo ao(en"eitor* 5le nunca teria duvidado$ 5ra o único erro que tinha a serecriminarF 'or que n&o con"essara de onde vinha nem quem era ;so(retudo quando ?agalh&es pusera a sua m&o na m&o da "ilhaque nunca teria desejado ver nele o autor desse pavoroso crime*

+esse momento o ru%do do lado de "ora "oi "orte o su"icientepara chamar a aten/&o do prisioneiro$

Joam acosta levantou a ca(e/a por alguns instantes$ Osolhos se dirigiram para a janela mas com esse olhar vago queparece inconsciente e logo depois voltou a apoiar a "ronte nasm&os$ Beu pensamento voltava a Cquitos$

M! o velho "azendeiro estava morrendo$ Antes de morrerqueria que o "uturo da "ilha estivesse garantido que seu s)cio "osseo único dono da "azenda que se tornara t&o pr)spera so( a suadire/&o$ Joam acosta devia "alar*$$$ >alvezF$$$ ?as n&o tevecoragemF 5le relem(rou o "eliz passado ao lado de Saquita onascimento dos "ilhos toda a "elicidade dessa vida apenaspertur(ada pela lem(ran/a de >ijuco e o remorso de n&o havercon"essado o terr%vel segredoF

 A seq<#ncia dos "atos se reproduzia no cére(ro de Joamacosta com nitidez e vivacidade surpreendentes$

5le repassava agora o momento em que o casamento dasua "ilha ?inha com ?anoel ia ser decididoF 'oderia deiar essauni&o ser realizada so( um nome "also sem dar a conhecer aorapaz os mistérios da sua vida* +&oF 'or isso decidiu seguindo a

orienta/&o do juiz @i(eiro pedir a revis&o do processo promover area(ilita/&o que lhe era devida$ 5le partira com toda a "am%lia e

Page 217: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 217/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

ent&o houve a interven/&o de >orres a odiosa o"erta proposta pelomiser!vel a recusa indignada do pai em entregar a "ilha para salvara honra e a pr)pria vida em seguida a denúncia depois a pris&oF$$$

+esse momento a janela violentamente empurrada pelo lado

de "ora se a(riu (ruscamente$Joam acosta levantou-se1 as recorda/.es do passado se

esvaneceram como uma som(ra$4enito havia pulado para dentro do quarto estava diante do

pai e um minuto depois ?anoel atravessava a a(ertura agora semas (arras e aparecia ao lado dele$

Joam acosta ia soltar um grito de surpresa1 4enito n&o lhedeu tempo$

;?eu pai ; disse ele ; a grade da janela "oi arrancadaF$$$

! uma corda pendurada até o ch&oF$$$ Ima piroga aguarda nocanal a cem passos daquiF$$$ Araújo est! l! e ir! lev!-la para longede ?anaus para a outra margem do Amazonas onde a sua pistan&o poder! ser encontradaF$$$ ?eu pai é preciso "ugirimediatamenteF$$$ O pr)prio juiz nos deu esse conselhoF

;H precisoF ; acrescentou ?anoel$;9ugir*$$$ 5u*$$$ 9ugir pela segunda vez*$$$ 9ugir de novo*$$$5 com os (ra/os cruzados ca(e/a erguida Joam

acosta recuou lentamente até o "undo do quarto$

;JamaisF ; disse ele com uma voz t&o "irme que 4enito e?anoel "icaram desconcertados$Os dois rapazes n&o esperavam por essa resist#ncia$ +unca

poderiam imaginar que os o(st!culos 2 "uga viriam do pr)prioprisioneiro$

4enito caminhou na dire/&o do pai e olhando-o de "rentetomou-lhe as duas m&os n&o para arrast!-lo mas para que oouvisse e se deiasse convencer$

;Jamais o senhor disse meu pai*

;Jamais$;?eu pai ; disse ent&o ?anoel ; tam(ém tenho o direitode chamar-lhe assim1 meu pai escuteF Be n)s lhe dizemos que épreciso "ugir sem perder um s) minuto é porque se "icar ser!culpado diante dos outros diante de si mesmoF

;9icar ; continuou 4enito ; é esperar a morte meu paiF A ordem de eecu/&o pode chegar de um momento para o outroF Beacre dita que a justi/a dos homens voltar! atr!s num julgamentoin%quo se pensa que a justi/a rea(ilitar! aquele a quem condenou

h! vinte anos est! enganadoF +&o h! mais esperan/asF H preciso"ugirF$$$ 9ujaF

Page 218: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 218/250

+um movimento irreprim%vel 4enito havia agarrado o pai e oarrastava para a janela$

Joam acosta se soltou das m&os do "ilho e recuou pelasegunda vez$

; 9ugir ; ele respondeu com a voz de um homem cujaresolu/&o era ina(al!vel ; é desonrar-me e desonr!-los juntocomigoF Beria uma con"iss&o de culpaF 'ois se eu vim livremente mepr 2 disposi/&o dos ju%zes do meu pa%s devo aguardar suadecis&o qualquer que seja e eu esperareiF

;?as as presun/.es nas quais o senhor se ap)ia n&o s&osu"icientes ; retomou ?anoel ; e até agora n&o temos a provamaterial da sua inoc#nciaF Be repetimos que é preciso "ugir éporque o pr)prio juiz Jarriquez nos disseF H a sua única chance deescapar da morteF

;5nt&o morrereiF ; respondeu Joam acosta calmamente$; ?orrerei protestando contra o julgamento que me condenaF aprimeira vez algumas horas antes da eecu/&o eu "ugiF BimF 5u era jovem ent&o tinha toda uma vida pela "rente para com(ater ainjusti/a dos homensF ?as escapar agora recome/ar essa vidamiser!vel de culpado que se esconde so( um nome "also que sees"or/a para despistar a pol%cia1 voltar a essa vida de ansiedade quelevei por vinte e tr#s anos o(rigando-os a partilh!-la comigo1esperar todos os dias por uma denúncia que chegaria mais cedo oumais tarde e por um pedido de etradi/&o que me alcan/aria numpa%s estrangeiroF Csso seria viver* +&oF JamaisF

;?eu pai ; voltou a "alar 4enito que estava a ponto deperder a ca(e/a diante dessa o(stina/&o ; o senhor tem de "ugirF5u queroF$$$

5 agarrando Joam acosta procurou pela "or/a arrast!-lopara a janela$

;+&oF$$$ +&oF$$$;Kuer deiar-me loucoF;?eu "ilho ; eclamou Joam acosta ; solte-meF$$$ J! "ugi

uma vez da pris&o de Vila @ica e acreditaram que eu escapava deuma condena/&o merecidaF BimF evem ter acreditado nissoF 4empela honra do nome que usam n&o o "arei de novoF

4enito caiu de joelhos diante do paiF 5stendeu-lhe as m&os$$$Buplicou$$$

;?as a ordem meu pai ; repetia ; essa ordem podechegar hoje$$$ daqui a pouco$$$ e vir! com a senten/a de morteF

;A ordem pode chegar mas minha decis&o n&o mudar!F

+&o meu "ilhoF Im Joam acosta culpado poderia "ugirF Im Joamacosta inocente n&o "ugir!F

Page 219: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 219/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

 A cena que se seguiu a essas palavras "oi pungente$ 4enitolutava contra o pai$ ?anoel desatinado mantinha-se perto da janela preparado para arre(atar o prisioneiro quando a porta dacela se a(riu$

+o limiar apareceu o che"e de pol%cia acompanhado do che"edos guardas da pris&o e de alguns soldados$

O che"e perce(eu que uma tentativa de evas&o havia sidorealizada mas tam(ém compreendeu pela atitude do prisioneiroque havia sido ele que n&o quisera "ugirF O che"e de pol%cia n&odisse nada$ A mais pro"unda piedade se estampou no seu rosto$Ber! que ele como o juiz Jarriquez queria que Joam acostaescapasse da pris&o*

>arde demaisF

O che"e de pol%cia segurando um papel dirigiu-se aoprisioneiro$;Antes de tudo ; disse Joam acosta ; deie-me

dizer senhor que a "uga B) dependia da minha decis&o mas eun&o quisF

O che"e de pol%cia a(aiou por uns instantes a ca(e/a1 depoistentando em v&o manter a voz "irme disse,

;Joam acosta a ordem do che"e supremo da justi/achegou do @io de Janeiro$

 ;AhF ?eu 'aiF ; gritaram ?anoel e 4enito$;5ssa ordem ; perguntou Joam acosta que havia cruzadoos (ra/os so(re o peito ; essa ordem traz a eecu/&o dasenten/a*

;BimF;5 ser!*$$$;Amanh&F4enito atirou-se em cima do pai$ Ainda queria lev!-lo para "ora

da cela$$$ 9oi preciso que os soldados arrancassem o prisioneiro

tirando-o dessa última tentativa$epois a um sinal do che"e de pol%cia 4enito e ?anoel "oramlevados para "ora$ 5ra preciso dar um "im a essa cena lament!velque j! havia durado demais$

;Benhor ; disse ent&o o condenado ; amanh& de manh&antes da hora da eecu/&o posso passar alguns momentos com opadre 'assanha a quem pe/o o "avor de mandar avisar*

;5le ser! avisado$;>erei permiss&o para ver minha "am%lia (eijar pela última

vez minha mulher e meus "ilhos*;'oder! v#-los$

Page 220: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 220/250

;5u lhe agrade/o senhor ; respondeu Joam acosta$ ; 5agora mande vigiar a janelaF +&o quero ser arrastado daqui contraa minha vontadeF

ito isso depois de se inclinar o che"e de pol%cia se retirou

com o guarda e os soldados$O condenado que agora B) tinha algumas horas de vida"icou sozinho$

@ragoso

5nt&o a ordem havia chegado e como o juiz Jarriquezprevira era uma ordem de eecu/&o imediata da senten/apronunciada contra Joam acosta$ +enhuma prova "ora introduzida$ A justi/a devia seguir o seu curso$

+o dia seguinte E3 de agosto 2s nove horas da manh& ocondenado morreria na "orca$

+o 4rasil em geral a pena de morte era comutada a menosque se tratasse de aplic!-la aos negros1 mas dessa vez ela iaatingir um (ranco$

5ssas eram as disposi/.es penais em rela/&o aos crimes doarraial diamantinense para os quais no interesse pú(lico a lei n&oquis admitir nenhum pedido de indulto$

'ortanto nada podia salvar Joam acosta$ 5le ia perder n&oapenas a vida mas tam(ém a honra$

 Acontece que nesse E3 de agosto de manh& um homem acavalo corria na dire/&o de ?anaus a toda velocidade e a corridahavia sido t&o r!pida que a meia milha da cidade o corajoso animalcaiu incapaz de seguir adiante$

O cavaleiro nem tentou levantar a montaria$ 5videntementehavia eigido e conseguido mais do que podia dar e apesar doestado de esgotamento em que tam(ém estava o homem seprecipitou na dire/&o da cidade$

5sse homem vinha das prov%ncias do leste acompanhando amargem esquerda do rio$ >odas as suas economias haviam sidoempregadas na compra do cavalo que (em mais r!pido do que umapiroga o(rigada a su(ir a corrente do Amazonas o trouera a?anaus$

5ra 9ragoso$5nt&o o corajoso rapaz tivera sucesso na opera/&o so(re a

qual n&o havia "alado com ninguém* 5ncontrara a mil%cia a que

pertencera >orres* esco(rira o segredo que ainda poderia salvarJoam acosta*

Page 221: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 221/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

5le n&o sa(ia muito (em1 mas em todo o caso estava cometrema pressa em comunicar ao juiz Jarriquez o que "icarasa(endo nessa (reve ecurs&o$

O que aconteceu "oi o seguinte,

9ragoso n&o havia se enganado ao reconhecer >orres comoum dos capit&es da mil%cia que atuava nas prov%ncias ri(eirinhas do?adeira$

5nt&o ele partiu e ao chegar na "oz desse a"luente sou(e queo che"e desses capit&es-do-mato estava nas redondezas$

Bem perder um minuto 9ragoso se ps a procur!-lo e n&osem di"iculdade conseguiu encontr!-lo$

 Ps perguntas que 9ragoso lhe "ez o che"e da mil%cia n&ohesitou em responder$ Ali!s a prop)sito da simples pergunta que

lhe "oi "eita n&o tinha nenhum interesse em "icar calado$5 de "ato as tr#s únicas quest.es que 9ragoso lhe "ez "oramas seguintes,

;O capit&o-do-mato >orres n&o pertencia a sua mil%cia h!alguns meses*

;Bim$;+essa época n&o tinha ele como amigo %ntimo um dos

companheiros que morreu recentemente*;H verdade$

;5 esse homem como se chamava*;Ortega$Csso "oi tudo o que 9ragoso "icou sa(endo$ 5ssas

in"orma/.es eram capazes de modi"icar a situa/&o de Joamacosta* +a verdade supostamente n&o$

9ragoso sa(ia disso e resolveu insistir com o che"e da mil%ciapara sa(er se conhecia esse Ortega se podia dizer de onde vinha edar algumas in"orma/.es so(re seu passado$ Csso n&o deiava deser muito importante pois esse Ortega segundo >orres era o

verdadeiro autor do crime de >ijuco$'orém in"elizmente o che"e da mil%cia n&o pde dar nenhumain"orma/&o a esse respeito$

 A única certeza era que esse Ortega havia muitos anospertencia 2 mil%cia1 que uma estreita camaradagem ligava >orres aele que eram vistos sempre juntos e que >orres estava a seu ladoquando deu o último suspiro$

5ra tudo o que sa(ia so(re esse sujeito o che"e da mil%cia en&o pde dizer mais nada$

9ragoso precisou se contentar com esses detalhesinsigni"icantes e resolveu voltar imediatamente$

Page 222: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 222/250

'orém se o devotado rapaz n&o levava a prova de queOrtega "osse o autor do crime de >ijuco da atitude que haviatomado o(tivera ao menos o seguinte resultado, >orres havia dito averdade ao a"irmar que um de seus companheiros da mil%cia

morrera e que o assistira nos últimos momentos$Kuanto 2 hip)tese de que Ortega lhe havia entregue odocumento em quest&o agora ela passava a ser admiss%vel$>am(ém era muito prov!vel que o documento tivesse rela/&o com oatentado que o autor "osse realmente Ortega e que encerrasse acon"iss&o da sua culpa acompanhada de circunstGncias que n&opermitiriam p-la em dúvida$

 Assim se o documento pudesse ser lido se a chave "osseencontrada se a ci"ra na qual se (aseava o sistema "osseconhecida ninguém duvidava que "inalmente a verdadeapareceriaF

?as a ci"ra 9ragoso n&o a sa(iaF Algumas presun/.es amais a quase certeza de que o aventureiro n&o inventara nadacertas circunstGncias pareciam mostrar que o segredo desse casoestava no documento era tudo o que o corajoso rapaz trazia davisita ao che"e da mil%cia a que >orres pertencera$

  +o entanto por menos que "osse ele tinha pressa emcontar tudo ao juiz Jarriquez$ Ba(ia que n&o podia perder nem umahora e eis porque naquela manh& por volta das oito horas haviachegado mo%do de cansa/o a meia milha de ?anaus$

9ragoso percorreu em alguns minutos a distGncia que oseparava da cidade$ Ima espécie de pressentimento irresist%velempurrava-o para a "rente e quase chegou a acreditar que asalva/&o de Joam acosta estava em suas m&os$

e repente 9ragoso parou como se de uma "ormaimplac!vel seus pés houvessem criado ra%zes$

5le estava na entrada da pequena pra/a para onde se a(riauma das portas da cidade$

 Ali no meio de uma multid&o j! compacta uns vinte pésacima estava o mour&o da "orca de onde pendia uma corda$

9ragoso sentiu as últimas "or/as o a(andonarem$ 5le caiu$Beus olhos se "echaram involuntariamente$ +&o queria ver e aspalavras escaparam de seus l!(ios,

;>arde demaisF >arde demaisF'orém num es"or/o so(re-humano ele se levantou$ +&oF +&o

era tarde demaisF O corpo de Joam acosta n&o (alan/ava naponta da cordaF

;O juiz JarriquezF O juiz JarriquezF ; gritou 9ragoso$

Page 223: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 223/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

5 o"egante alucinado correu para a porta da cidade su(iu arua principal de ?anaus e caiu semimorto na porta da casa domagistrado$

 A porta estava "echada$ 9ragoso ainda teve "or/as para (ater

nessa porta$Im dos empregados do magistrado a(riu$ O patr&o n&o queria

rece(er ninguém$ Apesar da proi(i/&o 9ragoso empurrou o homem que lhe

impedia de entrar na casa e de um pulo correu para o ga(inete do juiz$

;5stou voltando da prov%ncia onde >orres eercia seutra(alho de capit&o-do-matoF ; eclamou$ ; Benhor >orres disse averdadeF Buspenda$$$ suspenda a eecu/&oF

;5ncontrou a mil%cia*5ncontreiF;5 tem a ci"ra do documento*$$$9ragoso n&o respondeu$;5nt&o v! em(oraF V! em(oraF ; gritou o juiz Jarriquez

que num verdadeiro acesso de raiva pegou o documento paradestru%-lo$

9ragoso tomou-o de suas m&os e o impediu$;A verdade est! aquiF ; disse$

;5u sei ; respondeu o juiz Jarriquez$ ; ?as de que adiantauma verdade que n&o pode ser mostrada*;5la vai aparecerF$$$ H precisoF$$$ H precisoF;?ais uma vez o senhor tem a ci"ra*;+&oF ; respondeu 9ragoso ; ?as repito >orres n&o

mentiuF $$$ Im de seus companheiros a quem era estreitamenteligado morreu h! alguns meses e n&o resta dúvida de que essehomem lhe entregou o documento que ele veio vender a JoamacostaF

;+&oF ; respondeu o juiz Jarriquez$ ; +&oF$$$ +&o h!dúvidas$ $$ para n)s mas n&o parece t&o evidente para aqueles quedisp.em da vida do condenadoF$$$ V! em(oraF

5pulso 9ragoso n&o queria sair do lugar$ 5le se arrastavaaos pés do magistrado$

;Joam acosta é inocenteF ; eclamou$ ; +&o pode dei!-lo morrerF +&o "oi ele quem cometeu o crime de >ijucoF 9oi ocompanheiro de >orres o autor do documentoF 9oi OrtegaF

 Ao ouvir esse nome o juiz Jarriquez teve um so(ressalto$ 5m

seguida quando uma espécie de calma sucedeu 2 tempestadedesencadeada na sua mente tirou o documento da m&o crispadaestendeu-o so(re a mesa sentou-se e passou a m&o nos olhos,

Page 224: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 224/250

;5sse nomeF$$$ ; ele disse$ ; OrtegaF$$$ Vamos tentarF5 procedeu com esse novo nome trazido por 9ragoso da

mesma "orma que havia procedido com os outros nomes pr)priosinutilmente tentados por ele$ epois de arrum!-lo em cima das seis

primeiras letras do par!gra"o o(teve a seguinte ")rmula,Ortega Bzged  ;+adaF ; disse$ ; +&o deu em nadaFe "ato o g colocado em(aio do t n&o podia ser epresso por

um algarismo pois na ordem al"a(ética essa letra ocupa umaposi/&o anterior 2 da letra t$

B) o : o z o d dispostos em(aio do o do r e do a podiamrece(er os algarismos quatro dois tr#s$

Kuanto ao colocado na antepenúltima letra como ointervalo que o separa do e é de dezoito letras "ica imposs%veleprimi-lo por um único algarismo$ 'ortanto ele n&o correspondiaao e$

+esse momento gritos aterradores ergueram-se na rua gritosde desespero$

9ragoso precipitou-se para uma das janelas e a(riu-a antesque o magistrado pudesse impedi-lo$

 A multid&o o(stru%a a rua$ avia chegado a hora em que ocondenado sairia da pris&o e um re"luo da multid&o ia na dire/&oda pra/a onde a "orca havia sido erguida$

O juiz Jarriquez assustador de se ver t&o "io era o seu olhardevorava as linhas do documento$

;As últimas letrasF ; ele murmurou$ ; Vamos tentar denovo as últimas letrasF

5ra a derradeira esperan/a$5 ent&o com um tremor na m&o que quase o impedia de

escrever disps o nome de Ortega em cima das seis últimas letrasdo par!gra"o como havia "eito com as seis primeiras$

Im primeiro grito escapou-lhe$ 5le viu para come/ar que asseis últimas letras eram in"eriores na ordem al"a(ética 2s quecompunham o nome de Ortega e que conseq<entementepoderiam ser ci"radas e rece(er um número$

5 e"etivamente quando reduziu a ")rmula su(indo da letrain"erior do documento para a letra superior da palavra o(teve,

Ortega DE7:3E BuvjhdO número assim composto era DE7:3E$?as seria esse número o que havia presidido a "orma/&o do

documento* +&o seria t&o "also quanto os que haviam sido

anteriormente tentados*

Page 225: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 225/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

+esse instante os gritos "oram redo(rados gritos de piedadeque tra%am a emo/&o simp!tica de toda a multid&o$ Alguns minutosmais era tudo o que restava de vida para o condenadoF

9ragoso enlouquecido de dor saiu correndo do ga(ineteF

Kueria ver pela última vez o seu (en"eitor que ia morrerF$$$ Kueria jogar-se diante do "úne(re cortejo par!-lo e gritar, +&o matemesse homem justoF +&o o matemF

O juiz Jarriquez j! havia posto o número o(tido em cima dasprimeiras letras do par!gra"o repetindo-o tantas vezes quantonecess!rio como se segue,

DE7:3EDE7:3EDE7:3EDE7:3EDszgedhhZpdzqervrgpgs

epois reconstituindo as verdadeira letras ao su(ir da ordemal"a(ética leu,O verdadeiro autor do rou(o do$$$Im uivo de alegria lhe escapouF O número DE7:3E era o

número procuradoF O nome Ortega lhe permitira reconstitu%-loF5n"im tinha a chave do documento que incontestavelmente iademonstrar a inoc#ncia de Joam acosta e sem ler mais nadacorreu para "ora do ga(inete depois para a rua gritando,

; 'aremF 'aremF

@omper a multid&o que se a(riu diante dele correr para apris&o que o condenado deiava naquele momento enquanto amulher e os "ilhos se agarravam a ele com a viol#ncia do desesperon&o "oi mais do uma quest&o de minutos para o juiz Jarriquez$

 Ao chegar diante de Joam acosta ele n&o conseguia mais"alar a sua m&o agitava o documento e en"im as palavras lheescaparam dos l!(ios$

;CnocenteF CnocenteF

O !rime de ;i9u!o

=om a chegada do juiz o "úne(re cortejo havia parado$ Imimenso eco repetiu depois dele e ainda repetia o grito que sa%a dopeito de todos,

; CnocenteF CnocenteF5m seguida "oi "eito um sil#ncio completo$ +inguém queria

perder uma única palavra do que ia ser dito$

O juiz Jarriquez sentou-se num (anco de pedra e alienquanto ?inha 4enito ?anoel e 9ragoso o cercavam enquantoJoam acosta permanecia a(ra/ado a Saquita come/ou por

Page 226: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 226/250

reconstituir o último par!gra"o do documento "azendo uso donúmero e 2 medida que as palavras surgiam n%tidas so( oalgarismo que su(stitu%a a letra criptol)gica pela letra verdadeira eleas separava pontuava e lia em voz alta$

5 "oi isso o que leu em meio ao pro"undo sil#ncio,

 Assim que a leitura "oi terminada intermin!veis hurras seelevaram no ar$

e "ato o que poderia ser mais concludente do que esseúltimo par!gra"o que resumia todo o documento que proclamavat&o incondicionalmente a inoc#ncia do "azendeiro de Cquitos quearre(atava da "orca a v%tima de um pavoroso erro judici!rio*

Joam acosta cercado pela mulher pelos "ilhos pelos

amigos n&o conseguia apertar todas as m&os que se estendiampara ele$ Agora surgia a rea/&o a toda a energia que havia

Page 227: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 227/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

demonstrado e l!grimas de alegria corriam dos seus olhos aomesmo tempo em que o cora/&o agradecido se elevava para a'rovid#ncia que aca(ara de salv!-lo t&o miraculosamente nomomento em que ia so"rer a última epia/&o para esse eus que

n&o deiara realizar-se o pior dos crimes a morte de um justoFBimF A justi"ica/&o de Joam acosta n&o podia levantar

nenhuma dúvidaF O verdadeiro autor do atentado de >ijucocon"essava o crime e denunciava todas as circunstGncias nas quaisele havia sido realizadoF O juiz Jarriquez com o uso do númeroreconstitu%ra toda a carta criptogra"ada$

5is o que Ortega con"essou,O miser!vel era colega de Joam acosta empregado como

ele em >ijuco no escrit)rio do governador do arraial diamantinense$

O jovem amanuense designado para acompanhar o com(oio ao @iode Janeiro havia sido ele$ +&o conseguindo resistir 2 horr%vel idéiade "icar rico com o assassinato e o rou(o avisou aoscontra(andistas o dia eato em que o com(oio deveria sair de>ijuco$

urante o ataque dos mal"eitores que aguardavam o com(oioadiante de Vila @ica ele "ingiu se de"ender com os soldados daescolta1 depois jogando-se entre os mortos "oi levado peloscúmplices e assim o único soldado que so(reviveu ao massacre

pde a"irmar que Ortega havia morrido na luta$?as o criminoso n&o saiu ganhando com o assalto pois emseguida "oi rou(ado por aqueles que o haviam ajudado a cometer ocrime$

Bem recursos n&o podendo regressar a >ijuco Ortega "ugiupara as prov%ncias do norte do 4rasil para os distritos do Alto Amazonas onde estava a mil%cia dos capit&es-do-mato$ 'recisavaso(reviver$ Ortega "oi admitido nessa pouco honrada tropa$ Alininguém perguntaria quem era nem de onde viera$ Ortega passou a

ser um capit&o-do-mato e por muitos anos eerceu a pro"iss&o deca/ador de homens$+esse %nterim sem meios para so(reviver >orres o

aventureiro tornou-se seu companheiro$ Ortega e ele "icaram%ntimos$ 'orém como >orres havia dito aos poucos o remorsocome/ou a pertur(ar a vida do miser!vel$ A lem(ran/a do crime lhecausava horror$ Ba(ia que um outro havia sido condenado no seulugarF Ba(ia que esse outro era o seu colega Joam acostaF 5 quehavia sido condenado 2 pena capitalF

  O acaso "ez com que durante uma epedi/&o da mil%ciaalguns meses antes do outro lado da "ronteira peruana Ortega

Page 228: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 228/250

chegasse aos arredores de Cquitos e que l! desco(risse que Joamarral que n&o o havia reconhecido era Joam acosta$

9oi ent&o que decidiu reparar na medida do poss%vel ainjusti/a da qual seu antigo colega havia sido v%tima$ =onsignou num

documento todos os "atos relativos ao atentado de >ijuco1 mas o "ezde "orma misteriosa que sa(emos com a inten/&o de "az#-lo chegar2s m&os do "azendeiro de Cquitos com a ci"ra que permitiria l#-lo$

 A morte n&o deiou que conclu%sse a o(ra de repara/&o$9erido gravemente num encontro com os negros do ?adeira Ortegasentiu que ia morrer$ O companheiro >orres estava ao seu lado$ 5leachou que poderia con"iar ao amigo o segredo que "ora como um"ardo durante toda a sua vida$ 5ntregou-lhe o documento escrito porele "azendo-o jurar que o entregaria a Joam acosta dando-lhe onome e o endere/o dele e dos seus l!(ios com o último suspirosaiu o número DE7:3E sem o qual o documento permaneceriaindeci"r!vel$

epois que Ortega morreu sa(emos como o indigno >orrescumpriu a miss&o como resolveu usar em (ene"%cio pr)prio osegredo que possu%a como tentou "azer dele o o(jeto de umaodiosa chantagem$

>orres morreu violentamente antes de completar sua o(ra elevou o segredo consigo$ ?as o nome Ortega desco(erto por9ragoso e que era a assinatura do documento permitiu "inalmentereconstitu%-lo gra/as 2 sagacidade do juiz Jarriquez$

BimF Aquela era a prova material t&o procurada era oincontest!vel testemunho da inoc#ncia de Joam acosta de volta 2vida e com a honra de voltaF

Os hurras redo(raram quando o digno magistrado em vozalta e para esclarecer a todos leu no documento essa terr%velhist)ria$

5 a partir daquele momento possuindo a indu(it!vel prova eem comum acordo com o che"e de pol%cia o juiz Jarriquez n&o quisque Joam acosta enquanto aguardava as novas instru/.es queseriam pedidas ao @io de Janeiro "icasse em outra pris&o que n&o asua casa$

Csso n&o provocaria nenhum impedimento e no meio dapopula/&o de ?anaus e acompanhado pela "am%lia Joam acostase viu carregado em triun"o e n&o apenas conduzido até a casa domagistrado$

+aquele momento o honesto "azendeiro de Cquitos erarecompensado por tudo o que havia so"rido nos longos anos de

e%lio e se estava "eliz com isso mais por sua "am%lia do que por si

Page 229: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 229/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

mesmo n&o deiava de "icar orgulhoso do seu pa%s porque asuprema injusti/a n&o havia sido de"initivamente consumadaF

5 nisso tudo o que sucedera a 9ragoso*4om o simp!tico rapaz estava sendo co(erto de carinhoF

4enito ?anoel e ?inha o cumulavam de ama(ilidades e Mina n&opoupava car%ciasF 5le n&o sa(ia a quem ouvir e de"endia-se damelhor maneira poss%velF +&o merecia tantoF avia sido o(ra doacasoF 5les lhe deviam um agradecimento por ter reconhecido em>orres um capit&o-do-mato* =ertamente n&oF Kuanto 2 idéia queteve de ir procurar a mil%cia a que >orres havia pertencido n&oparecia que pudesse melhorar a situa/&o e quanto ao nome Orteganem sa(ia que teria algum valorF

evotado 9ragosoF Kuisesse ou n&o havia salvo Joam

acostaF?as para tudo isso uma sucess&o de diversosacontecimentos havia contri(u%do para o mesmo "im, o salvamentode 9ragoso no momento em que ia morrer en"orcado na "loresta deCquitos a acolhida hospitaleira que rece(era na "azenda o encontrocom >orres na "ronteira (rasileira o em(arque deste na jangada epor "im o "ato de 9ragoso j! o ter visto em algum lugarF

;4om est! (emF ; aca(ou eclamando 9ragoso ; masn&o é a mim que deve ser atri(u%da toda essa "elicidade e sim 2

MinaF ;A mim* ; perguntou a jovem mulata$;H sem dúvidaF Bem o cip) sem a idéia do cip) ser! que

eu poderia ter "eito tantas pessoas "elizes*9ragoso e Mina "oram t&o "estejados t&o mimados por toda a

honesta "am%lia pelos novos amigos que lhes deram tantas provasdessa amizade em ?anaus que é inútil insistir nisso$

=ontudo o juiz Jarriquez n&o tivera uma participa/&o narea(ilita/&o do inocente* Be apesar de toda a ecel#ncia de seus

talentos de analista ele n&o pudesse ler o documentoa(solutamente indeci"r!vel para quem n&o possu%sse a chave aomenos n&o havia reconhecido em que sistema criptogr!"ico estava(aseado* Bem ele quem poderia apenas com o nome Ortegareconstituir o número que o autor do crime e >orres am(os mortoseram os únicos a conhecer*

Os agradecimentos tam(ém n&o lhe "altaramF+em é preciso dizer que no mesmo dia partiu para o @io de

Janeiro um relat)rio detalhado so(re todo o caso ao qual estava

aneado o documento original com a ci"ra que permitia l#-lo$ 5rapreciso aguardar que novas instru/.es "ossem enviadas pelo

Page 230: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 230/250

ministério ao juiz de direito e n&o havia dúvidas de que ordenariama soltura imediata do prisioneiro$

 Ainda deviam passar alguns dias em ?anaus1 depois Joamacosta e a "am%lia livres de qualquer coa/&o sem nenhuma

preocupa/&o iriam despedir-se do an"itri&o voltariam a em(arcar econtinuariam a descer o Amazonas até o 'ar! onde a viagemdeveria terminar com a dupla uni&o de ?inha e ?anoel de Mina e de9ragoso con"orme o programa esta(elecido antes da partida$

Kuatro dias depois D de setem(ro chegava a ordem desoltura$ O documento "ora reconhecido como aut#ntico$ A letra eramesmo a de Ortega e-"uncion!rio do distrito diamantinense e eracerto que a con"iss&o do crime com os minuciosos detalhes que"ornecia havia sido escrita inteiramente por suas m&os$

 A inoc#ncia do condenado de Vila @ica era "inalmenteadmitida$ A rea(ilita/&o de Joam acosta "oi judicialmentereconhecida$

+o mesmo dia o juiz Jarriquez jantou com a "am%lia a (ordoda jangada e no "im da tarde todas as m&os apertaram as suas$ Asdespedidas "oram tocantes e inclu%ram promessas de se reveremem ?anaus na volta e mais tarde na "azenda de Cquitos$

+o dia seguinte : de setem(ro ao alvorecer o sinal departida "oi dado$ Joam acosta Saquita a "ilha o "ilho todosestavam no convés da enorme em(arca/&o$ A jangadadesamarrada come/ou a tomar o curso da corrente e quandodesapareceu na curva do rio +egro os hurras de toda a popula/&oamontoada na margem ainda podiam ser ouvidos$

O 7aio Amazonas

O que dizer agora dessa segunda partida da viagem que serealizava no curso do grande rio* 9oi uma seq<#ncia de dias "elizespara a honesta "am%lia$ Joam acosta adquiriu vida nova quere"letia em todos os seus$

 A jangada navegava mais rapidamente agora nas !guas maisavolumadas pela cheia$ 5la passou 2 esquerda pela pequena aldeiade om José de ?aturi e 2 direita pela "oz do rio ?adeira quedeve seu nome 2 "lotilha de restos de vegetais 2s em(arca/.es detroncos descascados ou esverdeados que traz do "undo da 4ol%via$'assou pelo meio do arquipélago de =aninQ cujas ilhotas s&overdadeiras reservas de palmeiras que sucessivamente

transportadas para a outra margem onde "icava o povoado deBerpa aca(aram por assentar as casinhas na margem esquerda do

Page 231: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 231/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

rio cujos um(rais repousavam no tapete amarelo da praia decascalho e areia$

O povoado de Bilves constru%do 2 esquerda do Amazonas aaldeia de Vila 4ela que é o grande mercado de guaran! de toda a

prov%ncia logo "oram deiados para tr!s pela comprida jangada$Csso ocorreu tam(ém com o povoado de 9aro e com o "amoso rio+hamundas no qual em 3:EN Orellana disse ter sido atacado pormulheres guerreiras que nunca mais "oram vistas desde ent&o ;essa lenda "oi su"iciente para justi"icar o nome imortal do rio das Amazonas$

 Ali terminava a grande prov%ncia do @io +egro$ Ali come/ava a jurisdi/&o do 'ar! e nesse mesmo dia 77 de setem(ro a "am%liamaravilhada com as magni"ic#ncias de um vale sem igual entrava

nessa por/&o do império (rasileiro que a leste B) tem como limite o AtlGntico$;=omo é magn%"icoF ; dizia todo o tempo a jovem$=omo é longoF ; murmurava ?anoel$;=omo é (onitoF ; repetia Mina$;Kuando chegaremos* ; dizia 9ragoso$5ntendam-se de algum modo por "avor com tal desacordo de

pontos de vistaF ?as en"im os dias passavam alegremente e4enito nem paciente nem impaciente havia recuperado o (om

humor de outrora$Mogo a jangada deslizou entre intermin!veis planta/.es decacaueiros de um verde escuro cortado pelo amarelo da palha oupelo vermelho das telhas que encimavam as choupanas doseploradores das duas margens desde `(idos até a aldeia de?onte Alegre$

5m seguida a(riu-se a desem(ocadura do rio >rom(etas que(anhava com suas !guas as casas de `(idos uma verdadeiracidadezinha com largas ruas cercadas de (elas casas importante

entreposto do produto dos cacaueiros que n&o "icava a mais decento e oitenta grandes milhas de 4elém$5m seguida viram a con"lu#ncia do >apaj)s de !guas verde-

acinzentadas que desciam do sudoeste1 depois Bantarém ricopovoado onde n&o havia mais do que cinco mil ha(itantes %ndiosna maioria sendo que as casas que primeiro surgiam repousavamem enormes praias de areia (ranca$

esde que partira de ?anaus a jangada n&o havia parado aodescer o curso menos o(stru%do do Amazonas$ +avegava dia e noite

so( o olhar vigilante do h!(il piloto$ Bem paradas nem para recreiodos passageiros nem para necessidades comerciais$ =ontinuavama navegar e o o(jetivo aproimava-se rapidamente

Page 232: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 232/250

 A partir de Alem quer situada na margem esquerda um novohorizonte surgiu diante dos olhos$ 5m vez da cortina de "lorestasque os havia enco(erto até ent&o em primeiro plano viam-se ascolinas cujas suaves ondula/.es podiam ser acompanhadas pelos

olhos e depois delas os cumes indecisos de verdadeirasmontanhas se denteavam no "undo long%nquo do céu$+em Saquita nem a "ilha nem Mina nem a velha =Q(ele

tinham visto nada parecido$5ntretanto na jurisdi/&o do 'ar! ?anoel sentia-se em casa$

5le podia dar o nome dessa dupla cadeia de montanhas queestreitava pouco a pouco o vale do grande rio$

;P direita ; disse ele ; é a serra de 'aruacartaarredondada em meios c%rculos em dire/&o ao sulF P esquerda é aserra de =uruva cujos últimos contra"ortes logo teremosultrapassadoF

;5nt&o estamos perto* ; perguntou 9ragoso$;5stamos pertoF ; respondeu ?anoel$Bem dúvida os dois noivos se entendiam porque um mesmo

pequeno meneio de ca(e/a dos mais signi"icativos acompanhou apergunta e a resposta$

'or "im apesar da maré que desde `(idos havia come/ado asurgir retardando um pouco a navega/&o da jangada passarampela aldeia de ?onte Alegre depois pela da 'rainha do Onteirodepois pela "oz do rio ingu ha(itada pelos %ndios Qurumas quetinham como principal tra(alho preparar as ca(e/as dos inimigospara as salas de hist)ria natural$

Kue enorme largura adquiria ent&o o Amazonas e j! sepodia pressentir que o rei dos rios ia a(rir-se como um marF Asplantas com oito a dez pés de altura marcavam as praiasde(ruando-as com uma "loresta de juncos$ 'orto de ?os 4oa Vistaurupa cuja prosperidade estava em decad#ncia n&o demoraram aser deiadas para tr!s$

 Ali o rio se dividia em dois grandes (ra/os estendidos até o AtlGntico, um corria a nordeste o outro entrava para o leste e nomeio deles "icava a grande ilha de ?araj)$ 5ssa ilha era toda umaprov%ncia$ +&o media menos do que cento e oitenta léguas decircun"er#ncia$ =ortada por v!rios pGntanos e rios com savanas aleste e "lorestas a oeste o"erecia enormes vantagens para a cria/&ode animais que se contavam aos milhares$

  A imensa (arragem de ?araj) é um o(st!culo natural que"or/ou o Amazonas a se dividir antes de jogar suas !guas no mar$

Be seguisse pelo (ra/o superior depois de passar pelas ilhas=aviana e ?eiana a jangada teria encontrado uma

Page 233: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 233/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

desem(ocadura com a largura de cinq<enta léguas1 mas teriaencontrado tam(ém a (arragem da Ypororoca\ esse terr%velmacaréu que nos tr#s dias que precedem a lua nova e a lua cheian&o leva mais do que dez minutos em vez das seis horas para

"azer su(ir as !guas do rio doze a quinze pés acima da suaestiagem$

Ocorre ent&o um verdadeiro maremoto o mais tem%vel detodos$ 9elizmente o (ra/o in"erior conhecido pelo nome de canal de4reves que é o (ra/o natural do 'ar! n&o est! su(metido 2seventualidades do terr%vel "enmeno e sim a marés mais regulares$O piloto Araújo o conhecia per"eitamente$ 5le seguiu por a% no meiode "lorestas magn%"icas costeando aqui e acol! algumas ilhasco(ertas de grossas palmeiras muritis e o tempo estava t&o (onito

que n&o precisavam temer as tempestades que 2s vezes varriamtodo o canal de 4reves$ Alguns dias depois a jangada passou pelo povoado do

mesmo nome que em(ora constru%do em terrenos inundadosv!rios meses por ano tornou-se desde 38D: uma importantecidade de cem casas$ +essa regi&o ha(itada pelos tapuias esses%ndios do 4aio Amazonas se misturavam cada vez mais com aspopula/.es (rancas e a ra/a deles aca(aria desaparecendo$

 A jangada continuava descendo$ Aqui passava rente com o

risco de "icar presa nas garras das riz)"oras cujas ra%zes seestendiam so(re as !guas como patas de gigantescos crust!ceos1acol! o tronco liso dos paletúvios com "olhagens de um verde p!lidoservia de ponto de apoio aos longos croques da equipe que aempurravam de volta para a corrente$

5m seguida passaram pela desem(ocadura do >ocantinscujas !guas vindas dos diversos rios da prov%ncia de oi!s semisturavam 2s do Amazonas por uma larga "oz1 depois o ?oju emseguida a aldeia de Banta Ana$

>odo esse panorama das duas margens passavamajestosamente sem parar como se algum engenhoso mecanismoo o(rigasse a se apresentar da "oz para a nascente$

+umerosas em(arca/.es que desciam o rio u(!s igaritéiasvigilingas pirogas de todas as "ormas pequenos e médios (arcosde ca(otagem das regi.es in"eriores do Amazonas e do litoral do AtlGntico "ormavam um cortejo para a jangada semelhante 2schalupas de algum monstruoso navio de guerra$

5n"im a esquerda apareceu Banta ?aria de 4elém do 'ar!

a cidade como se dizia no pa%s com as pitorescas "ileiras decasas (rancas de v!rios andares os conventos enterrados so( aspalmeiras os campan!rios da catedral e de +ossa Benhora das

Page 234: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 234/250

?erc#s as "lotilhas de escunas (rigues e navios de tr#s mastrosque a ligavam comercialmente ao Velho ?undo$

O cora/&o dos passageiros da jangada (atia "orte$ 5n"imchegavam ao término da viagem que acreditaram n&o poder

concluir$ Kuando a pris&o de Joam acosta ainda os prendia em?anaus isto é a meio caminho do itiner!rio tra/ado podiamesperar ver algum dia a capital da prov%ncia do 'ar!*

+o dia 3: de outu(ro ; quatro meses e meio depois de deiara "azenda de Cquitos ; 4elém apareceu repentinamente numa curvado rio$

 A chegada da jangada era esperada havia v!rios dias$ >oda acidade conhecia a hist)ria de Joam acosta$ Aguardavam por essehomem honestoF aviam preparado uma simp!tica acolhida para a"am%lia e para eleF

=entenas de em(arca/.es vieram ao encontro do "azendeiroe a jangada "oi invadida por todos aqueles que queriam "estejar avolta do compatriota depois de um t&o longo e%lio$ ?ilhares decuriosos ; seria mais justo dizer milhares de amigos ; seamontoaram na aldeia "lutuante (em antes que atingisse o posto deamarra/&o1 mas ela era (em grande e (em s)lida para levar todaessa popula/&o$

5 entre aqueles que se apressavam a senhora Valdez veionuma das primeiras pirogas$ A m&e de ?anoel podia en"im apertarnos (ra/os a nova "ilha que o "ilho havia escolhido$ Ima vez que a(oa senhora n&o pudera ir a Cquitos n&o era um peda/o da "azendaque o Amazonas trazia com a sua nova "am%lia*

 Antes do entardecer o piloto Araújo havia amarrado"irmemente a jangada no "undo de uma enseada atr!s da ponta doarsenal$ Ali seria o último ancoradouro a última parada depois deoitocentas léguas de navega/&o pela grande artéria (rasileira$ Oscar(etos dos %ndios as ca(anas dos negros os armazéns queguardavam uma carga preciosa seriam pouco a pouco demolidos1em seguida seria a vez de a casa principal desaparecer enterradaque estava so( a verdejante tape/aria de "olhagem e de "lores1"inalmente iria a pequena capela cujo sino modesto agorarespondia aos (arulhentos repiques das igrejas de 4elém$

'orém antes uma cerimnia seria realizada na pr)pria jangada, o casamento de ?anoel e de ?inha o casamento de Minae de 9ragoso$ Ao padre 'assanha ca(eria cele(rar a dupla uni&oque prometia ser muito "eliz$ Beria na pequena capela que os noivosrece(eriam das m&os dele a (#n/&o nupcial$

Be pequena demais ela B) podia conter os mem(ros da"am%lia acosta n&o estava a imensa jangada ali para rece(er todos

Page 235: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 235/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

os que quisessem assistir 2 cerimnia e se ainda n&o "ossesu"iciente t&o grande deveria ser a a"lu#ncia n&o o"erecia o rio osdegraus da imensa margem 2 simp!tica multid&o desejosa de"estejar aquele que uma not)ria repara/&o tornara o her)i do dia*

+o dia seguinte 3L de outu(ro os dois casamentos "oramcele(rados com grande pompa$

esde as dez horas da manh& num dia magn%"ico a jangada j! rece(ia a multid&o de assistentes$ +a margem podia-se verquase toda a popula/&o de 4elém que se apertava na sua roupa de"esta$ +a super"%cie do rio as em(arca/.es cheias de convidadosse mantinham pr)imas 2 enorme jangada e as !guas do Amazonas literalmente desapareciam so( essa "rota até a margemesquerda do rio$

Kuando o sino da capela soou a primeira (adalada "oi comoum sinal de alegria e "elicidade para os ouvidos e para os olhos$ +omesmo instante as igrejas de 4elém responderam ao campan!rioda jangada$ Os prédios do porto se em(andeiraram até a ponta dosmastros e as cores (rasileiras "oram saudadas pelos pavilh.esnacionais dos outros pa%ses$ Balvas de tiros dos mosquetesestrondaram de todos os lados e n&o era sem di"iculdade que essasalegres detona/.es conseguiam rivalizar com os violentos hurrasque corriam pelos aresF

 A "am%lia acosta saiu da casa e se dirigiu por entre amultid&o para a pequena capela$Joam acosta "oi acolhido por aplausos "renéticos$ 5le dava o

(ra/o 2 senhora Valdez$ Saquita era conduzida pelo governador de4elém que acompanhado dos colegas do jovem médico militarquisera honrar com sua presen/a a cerimnia do casamento$?anoel ia ao lado de ?inha encantadora no seu traje de noiva1 emseguida vinha 9ragoso segurando pela m&o a radiante Mina1 por "imseguiam 4enito a velha =Q(ele os empregados da honesta "am%lia

entre a "ila dupla do pessoal da jangada$O padre 'assanha aguardava os dois casais na entrada dacapela$ A cerimnia "oi realizada com simplicidade e as mesmasm&os que j! haviam (enzido Joam e Saquita se estenderam maisuma vez para dar a (#n/&o nupcial aos seus "ilhos$

>anta "elicidade n&o devia ser pertur(ada pela tristeza daslongas separa/.es$

?anoel Valdez n&o tardou em pedir demiss&o para se juntar atoda a "am%lia em Cquitos onde seria muito útil eercendo sua

pro"iss&o como médico civil$+aturalmente o casal 9ragoso n&o hesitou em seguir aquelesque eram mais amigos do que patr.es

Page 236: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 236/250

 A senhora Valdez n&o quis separar esse honesto e pequenomundo1 mas imps uma condi/&o, que viessem v#-la sempre em4elém$

+ada seria mais "!cil$ +&o estava ali o grande rio como um elo

que nunca mais se romperia entre Cquitos e 4elém* +a verdade emalguns dias o primeiro navio a vapor iniciaria um servi/o regular er!pido e n&o demoraria mais do que uma semana para su(ir esse Amazonas que a jangada levara tantos meses para descer$

 A grande opera/&o comercial (em conduzida por 4enito "oiconclu%da nas melhores condi/.es e sem demora do que haviasido a jangada ; ou seja uma em(arca/&o de madeira "eita de todauma "loresta de Cquitos ; n&o restava mais nada$

Im m#s depois o "azendeiro a mulher o "ilho ?anoel e?inha Valdez Mina e 9ragoso voltaram num dos navios a vapor do Amazonas para a etensa "azenda de Cquitos cuja dire/&o seriaassumida por 4enito$

essa vez Joam acosta voltou de ca(e/a erguida e "oi uma"am%lia "eliz que levou para além da "ronteira (rasileiraF

Kuanto a 9ragoso vinte vezes por dia ouviam-no repetir,; ein sem a lianaF5 ele aca(ou dando esse (onito nome 2 jovem mulata que o

 justi"icava com a sua ternura por esse corajoso rapaz$; =om a di"eren/a de apenas uma letra ; ele dizia ; Mina

Miana n&o é a mesma coisa*

Pos#!io

+uma jangada "eita de peda/os do =hancellor um navio emparte destru%do e posteriormente encalhado onze homens emulheres est&o 2 deriva em total penúria$ Kuando se preparam parasacri"icar um dos so(reviventes para ter o que comer um deles caiao mar$ O n!u"rago (e(e alguns goles dR!gua e perce(e que se tratade !gua doce$ A esperan/a renasce$ @ecolhidos em "rente 2 ilha de?araj) os aventureiros est&o salvos,

“Sim, a terra não é visível, mas ela está lá!, disse o capitão,estendendo a mão em direão ao oeste "ue terra#, perguntou osegundo contramestre $ terra da $mérica, a terra onde corre o

 $mazonas, o %nico rio &ue tem uma corrente tão forte &ue conseguedessalgar o oceano até a vinte milhas da foz '( $ terra está lá! )*ssentimos! + vento nos leva até lá! 

5ssas margens invis%veis constituem um p)lo de atra/&oirresist%vel$ Beria o vento* A corrente do ul" Btream como eplica o

Page 237: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 237/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

narrador* A verdade é que sete anos depois da pu(lica/&o do=hancellor em "olhetins em 386D o pr)prio Júlio Verne revisitou as!guas amazonenses$

5ntretanto em A Jangada a trajet)ria "oi invertida$ A

em(arca/&o em escala gigante é constru%da para uma pequenasociedade que se deia levar pela corrente partindo de umapr)spera planta/&o situada acima de Cquitos até 4elém$

+o romance a viagem tem um duplo o(jetivo$ O"icialmente éo casamento de ?inha com um colega do irm&o$ ?as no %ntimo opai deles Joam arral espera conseguir a revis&o de uma senten/aque injustamente o condenou 2 morte num processo de rou(o dediamantes vinte e seis anos antes$ +a ocasi&o ele tra(alhava nas?inas Cmperiais (rasileiras so( o nome verdadeiro Joam acosta$

epois de conseguir livrar-se da persegui/&o ao ultrapassar a"ronteira peruana e de ter "eito "ortuna gra/as aos seus talentos deempreendedor o homem p.e tudo em jogo ao arriscar a vida paraesta(elecer a verdade e recuperar a inoc#ncia$

?uito além da trama da hist)ria pu(licada em 3883 mas quesupostamente se passa em 38:7 a quest&o é sa(er o que de novoatraiu Júlio Verne ao Amazonas$ >emos tr#s pistas de eplica/&o, oconteto pol%tico a miss&o pedag)gica e a "or/a do imagin!rio$

 

O !oneo pol1i!o

Bem dúvida no come/o de tudo "oi um encontro casual$ +aprimavera de 3868 Júlio Verne conheceu os netos do e-rei dos"ranceses Mu%s-9elipe a no(il%ssima "am%lia dos Orleans porocasi&o de uma estada em Me >réport a (ordo do Baint- ?ichel CCC$ Aescuna a motor de vinte e oito metros que o escritor aca(ara decomprar deve ter impressionado o "uturo pretendente ao trono da

9ran/a 'hilippe dROrléans ent&o conde de 'aris$ 5le viajavaacompanhado de aston dROrléans e sua mulher ali!s o condedR5u e a princesa Csa(el "ilha e herdeira do imperador om 'edro CCcom quem ele casara em 38LD$ 5sses Orleans s&o gente (oa coma mente a(erta$ 5les me concedem a honra de gostar dos meuslivros e um pouco da minha pessoa teria posteriormentecomentado Júlio Verne envaidecido$

Cncentivos a(olicionistas Além da "ascina/&o que eerceramso(re ele essas ca(e/as 2 espera de coroa e independentemente

do apoio que mais tarde Júlio Verne esperaria delas para a suacandidatura 2 Academia 9rancesa o escritor "oi seduzido pelasidéias li(erais desses no(res A continua/&o da escravid&o no

Page 238: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 238/250

4rasil a despeito das press.es (ritGnicas para que "osse a(olidaera chocante para um humanista conservador como Júlio Verneainda mais porque a 9ran/a havia virado a p!gina dos negreirosdesde 38D8$ V!rias vezes o assunto "oi o(jeto de coment!rios

indignados entre os viajantes, Victor Jacquemont Jacques Aragoetc$ A escravid&o havia sido energicamente denunciada em Me4résil et la colonisation de Hlisée @eclus pu(licado em 'aris em38L7 na importante @evue des eu ?ondes$ Verne que admiravao ge)gra"o li(ert!rio n&o pode ter deiado de ler essa s%ntese$

O pr)prio romancista no come/o do ano havia pu(licado Imcapit&o de quinze anos uma apologia anti-escravagista$'rovavelmente evocado nas discuss.es em Me >réport o assuntoecitava cada vez mais as pai.es (rasileiras$ 'hilippe dROrléanshavia lutado nas "ileiras do +orte na uerra =ivil americana da qualposteriormente "oi historiador ao escrever a sua istoire de Cauerre civile en Amérique bist)ria da uerra =ivil na América$ 5os "ilhos do imperador (rasileiro haviam por sua vez dado sinais"avor!veis para a emancipa/&o gradual dos negros$ Bo( o reinadointerino da princesa Csa(el havia sido aprovada a Mei do VentreMivre em 78 de setem(ro de 3863$ 5la pr)pria 2s vezes organizava"estas para recolher "undos em prol da al"orria muito antes de serlevada a assinar a Mei Uurea em 3E de maio de 3888$ Kuanto aoconde dR5u ele havia posto um "im na escravid&o do 'araguaidepois do con"lito contra o ditador 9rancisco Bolano Mopez em38608  e havia dado o eemplo antecipando a li(erdade de seuspr)prios escravos$

 Ao dar um cen!rio (rasileiro 2 intriga e so(retudocome/ando com a interven/&o de um antipatic%ssimo capit&o-do-mato encarregado de capturar os negros "ugitivos Júlio Verne sou(eencontrar o preteto certo para encorajamentos cheios deesperan/a em "avor da emancipa/&o,

-.m /012 '( ainda havia escravos no 3rasil '( mas o negro 4á tinha o direito de comprar sua alforria e os filhos &ue dele nasciam 4á nasciam livres 5ontudo, não estava longe o dia em &ue essemagnífico país, no &ual poderiam ca6er tr7s &uartos da .uropa, nãoteria um %nico escravo entre seus dez milh8es de ha6itantes 

8  Heramene( é pre!iso relai)izar a aud#!ia da medida%

dierenemene do $rasil( os es!ra)os represenaram apenas uns da

popula4"o paraguaia. Além disso( o geso 'umano é enso7re!ido pela

!rueldade demonsrada pelo !onde durane a guerra.

Page 239: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 239/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

H (em verdade que a in"orma/&o é aproimativa pois comovimos a Mei do Ventre Mivre é posterior a 38:7 mas isso n&o temimportGncia$ 5ssas a"irma/.es longe de constituir uma cr%tica aoregime em vigor o"ereciam um suporte oportuno aos moderados

es"or/os da "am%lia real$'rud#ncia diplom!tica?ovido por igual (enevol#ncia o escritor mantém uma

especial reserva so(re duas outras quest.es pol#micas, a a(erturado rio 2 navega/&o internacional e o tra/ado da "ronteira queseparava a uiana 9rancesa do 4rasil$ O primeiro ponto que j!pertencia ao passado havia sido ha(ilmente resolvido no dia 6 desetem(ro de 38L6$ O imperador (rasileiro havia ent&o permitidoque as (andeiras estrangeiras circulassem pelo Amazonas desde

que seus pa%ses de origem houvessem resolvido os lit%gios relativos2 "ronteira com o 4rasil$ Júlio Verne escreve,)o dia 9/ de 4ulho de /01:, depois de in%meras contesta8es

de fronteira entre a ;rana e o 3rasil so6re o limite da <uiana, ocurso do $mazonas, declarado livre, foi a6erto a todas as6andeiras-

Be o romancista cometeu um erro de data provavelmente "oiporque n&o sou(e cruzar duas de suas "ontes, de um lado umacomunica/&o intitulada Me 9leuve des Amazones et ses a""luents

bO @io das Amazonas e seus a"luentes enviada do Amazonas nodia 33 de dezem(ro de 386: por @a"ael @eQes ao 4ulletin de CaBociété de éographie b4oletim da Bociedade de eogra"ia e quecitava a data de E3 de julho de 38L6 e do outro um dos numerososartigos do a(ade Hdouard Joseph urand pu(licados no mesmo4ulletin entre 38LN e 386:$ As =onsidérations générales sur Amazone b=onsidera/.es gerais so(re o Amazonas desse e-mission!rio no 4rasil posteriormente p!roco da catedral de +otre-ame em 'aris indicam a data de 38:6$ 'or "or/a das

circunstGncias Júlio Verne B) pde reproduzir e até agravar asinúmeras ineatid.es dos documentos dos quais dependiam suasin"orma/.es$

O mais signi"icativo no entanto n&o é o erro de data mas o"ato de que o escritor con"unde a quest&o da navega/&ointernacional no Amazonas com a do lit%gio da "ronteira entre a9ran/a e o 4rasil$ 'orém n&o havia nenhuma liga/&o entre essasduas quest.es a n&o ser a vontade do autor de evitar qualquerdiscuss&o nacionalista$ 5nt&o ele "inge acreditar que o acordo de

um dos processos levou 2 solu/&o do outro sendo que nada dissoera evidente$ Antes da interven/&o da Bu%/a em 3N00 naar(itragem da quest&o guiano-(rasileira outros escritores n&o "oram

Page 240: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 240/250

t&o discretos quanto Verne$ Beis anos depois de A jangada Mouis4oussenard entre outros consagrou um cap%tulo inteiro da sua"ic/&o Mes =hasseurs de caoutchouc bOs ca/adores de (orracha 2(riga do =ontestado atual Amap!$ 5m termos veementes

4oussenard acertou as contas com o 4rasil apoiou o eploradorenri =oudreau que havia sido o centro de um incidentediplom!tico e repreendeu os representantes da 9ran/a que teriama(dicado r!pido demais dos direitos do pa%s nesse caso,

-+ 3rasil &uer aca6ar com isso, mas com a condião de &ue percamos totalmente nossas posses e de nos relegar ao limite de5arsevenne, ou se4a, &uer ficar com nove décimos do o64eto emlitígio )o entanto, nossos direitos são inegáveis e nãoconseguiríamos agradecer suficientemente nossos homens de.stado &ue, no momento em &ue escrevemos essas linhas =marode /00>?, ainda tentam o6ter condi8es compatíveis com os nossosinteresses e, so6retudo, com a nossa dignidade 

iante dessas a"irma/.es podemos avaliar melhor apondera/&o e o tato de Júlio Verne$

5u"oria colonizadoraJúlio Verne participa da mentalidade da época ao declarar

uma "é cega e ealtada na ordem e no progresso que B) aciviliza/&o ocidental podia o"erecer$ Assim sendo ele n&o duvidavaque na Amaznia estivesse o "uturo do mundo$ +esse aspectoaderiu ao discurso dominante na época como o do ictiologista Mouis Agassiz e-aluno de Bpi e que "icou no 4rasil em 38L:-38LL,

-"uando me lem6ro de &uantas pessoas paupérrimas vi naSuía, '( e &uando penso na facilidade com &ue tudo a&ui 6rota,numa terra em &ue tudo é de graa, pergunto@me por &ue estranhafatalidade uma metade do mundo está de tal forma repleta deha6itantes &ue o pão não chega para todos, en&uanto na outrametade a populaão é tão escassa &ue os 6raos não chegam paraa colheita! 

 Antes dele o grande cientista Aleandre de um(oldt cujao(ra VoQage au régions équinoiales du +ouveau =ontinentbViagem 2s regi.es equinociais do +ovo =ontinente operou umamudan/a decisiva no conhecimento cient%"ico so(re a regi&o j!havia lan/ado uma pro"iss&o de "é semelhante muitas vezesrepetidas, H ali que o comércio e a civiliza/&o do mundo dever&oum dia se concentrar$

 Ao contr!rio da nossa conscientiza/&o contemporGnea de queos recursos naturais dispon%veis podem esgotar-se diante de uma

gest&o predadora do meio am(iente do massacre da (iodiversidadeou simplesmente da "ragilidade dos solos Júlio Verne estava

Page 241: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 241/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

convencido de que as "a(ulosas riquezas da Amaznia seregenerariam 2 medida que "ossem eploradas como a terradesmatada pelos homens de Joam arral para construir a imensa jangada,

  '( -foi uma Aderru6ada totalA, todos os troncos foramcortados rentes ao chão, aguardando o dia em &ue seriam extraídasas raízes, nas &uais a primavera seguinte estenderia os ramosverde4antes 

 A a/&o colonizadora n&o visava apenas valorizar mas nivelara di"eren/a,

'( -essa milha &uadrada, 6anhada pelas águas do rio e seuafluente, estava destinada a ser arroteada, lavrada, plantada,semeada e, no ano seguinte, campos de mandiocas, de cafeeiros,

de inhames, de canas@de@a%car, de ararutas, de milhos, deamendoins co6ririam o solo, até então som6reados pelas ricas plantas da floresta 

 A passagem de uma natureza selvagem para uma naturezacultivada domesticada era tam(ém a do outro ao mesmo$ Aescala em ?anaus do pequeno mundo de Joam arral "oi umaoportunidade para demonstrar o espanto diante da velocidade daacultura/&o,

-. &ue tipo de pessoas se via sair na hora do passeio, tanto

dos prédios p%6licos como das casas particulares#Bomens de aspecto distinto, com so6recasaca preta, chapéude seda, sapatos de verniz, luvas de cores suaves, diamantes no n*da gravataC mulheres com toaletes volumosas e espalhafatosas,vestidos com fal6alás, chapéus na %ltima modaC finalmente, osíndios, &ue tam6ém se europeizavam e aca6avam com tudo o &ue

 poderia permanecer da cor local, nessa parte média da 6acia dos $mazonas 

'ortanto nas terras chamadas de virgens onde nada do

que era desco(erto tinha dono tudo eistia em estado de totaldisponi(ilidade pronto para ser eplorado ou para ser usado naeperimenta/&o do ZnoW-hoW dos (rancos$ +ada deveria resistir$Kuem iria chorar pelas v%timas colaterais e pela destrui/&o donativo que inevitavelmente o amplo e industrioso projeto capitalistatrazia consigo de"endido em nome de toda a humanidade e para o(em dela* Júlio Verne virou as costas para a nostalgia romGnticadas primeiras épocas$ 5m A jangada tanto a "auna como a "lora eas popula/.es ind%genas s&o tratadas como um acidente da

paisagem,-Sim, no $lto $mazonas, muitas raas de índios 4ádesapareceram entre outras os curicicurus e os sorimaos ' ( D a

Page 242: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 242/250

lei do progresso +s índios desaparecerão Eiante da raa anglo@saxã, australianos e tasmanianos desapareceram Eiante doscon&uistadores do .xtremo +este extinguiram@se os índios da

 $mérica do )orte $lgum dia, provavelmente, os ára6es serão

dizimados diante da colonizaão francesa @acismo temperadooje em dia estarrecedoras essas a"irma/.es no entanto

n&o tinham nada de etraordin!rias no conteto da época$ Oantiescravagismo de Júlio Verne com(ina per"eitamente com a "éque ele tinha na epans&o colonizadora e até num certo racismoque ali!s era relativamente moderado por eemplo ao lado dasteorias desenvolvidas pelo conde de o(ineau$ As teses variavam$ Alguns viam nos %ndios a vers&o original da humanidade antes dese (i"urcar para a degenera/&o bo negro a"ricano e para o seu mais(elo "lor&o bo (ranco caucasiano$ Outros como 9rancis de=astelnau que havia percorrido o 4rasil em meados do século Cconsideravam os %ndios como um elo no progresso das ra/as quelevavam 2 candidez mais pura$ ?as qualquer que "osse o caminharhist)rico a hierarquia era notoriamente a mesma para todoscolocando os europeus no alto da pirGmide$ 'odemos perce(#-laclaramente na organiza/&o social (em compartimentada da jangada, o espa/o a(erto da maloca para os %ndios a clausura dasca(anas hermeticamente "echadas nos quatro lados para osnegros$ ?ovimentando-se nas !rvores com uma agilidade e uma"or/a estereotipadas os descendentes de a"ricanos tiveram oaspecto simiesco acentuado pelas ilustra/.es de 4ennett$ >odoseles constituem o pano de "undo a massa annima dosempregados$ Os papéis principais s&o representados pelos (rancos$5ntretanto eclui-se desse segregacionismo a "igura da Mina uma(onita e risonha mulata a c)pia alegre e desca(e/ada de suapatroa ?inha$

 As causas da de(ilidade dos %ndios "azem com que algunscomo o conde de Buzannet em 38D0 desejem uma tutela "rancesaachando que eles podiam se civilizar se n&o "ossem dominadospelos (!r(aros patr.es portugueses e (rasileiros,

“$s miss8es esta6elecidas nos limites da <uiana salvariam dadestruião essa raa desafortunadaC a .uropa teria, finalmente,representantes dignos, nessa terra entregue F exploraão con4untada ast%cia e da fora 

?enos de uma dezena de anos mais tarde 9rancis de=astelnau reclama uma a/&o do ?inistério do 5terior "ranc#s, o

 Amazonas

Page 243: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 243/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

-$pesar do estado de a6andono, certamente está destinado adesempenhar um importante papel na hist*ria futura da raahumana '( Gma vez nossos navios no $mazonas, a civilizaãofrancesa, levada por nossos missionários e nossos comerciantes,

comearia uma o6ra &ue depois terminaria, se nos aproveitássemosha6ilmente das como8es políticas &ue, em 6reve e fatalmente,devem a6alar o fraco governo do imenso territ*rio do 3rasil 

Cmperialismo 2 parte n&o estamos longe da tese deon/alves ias segundo a qual os tupis eram remanescentes deum povo civilizado que ca%ra em decad#ncia$ Apesar das a/.esne"astas dos primeiros colonos portugueses o poeta romGnticoainda esperava salv!-los e assimil!-los desde que o governo(rasileiro se dignasse a enviar-lhes mission!rios$

Bem questionar as responsa(ilidades da ra/a (ranca JúlioVerne modula os discursos conquistadores para n&o "erir a tempera(rasileira$ 'orém ao mesmo tempo tranq<iliza os eventuaisviajantes ou os colonos em potencial em rela/&o aos perigoseistentes, nada de "e(res nada de trajetos acidentados$ Os únicosperigos s&o inerentes ao enredo que precisava de recursospitorescos, alguns crocodilos um peie elétrico etc$

A miss"o pedag<gi!a

e "ato o credo verniano se nutria so(retudo das promessastrazidas com o conhecimento cient%"ico$ A ci#ncia geralmente aservi/o do epansionismo ocidental e da voca/&o civilizadora de queesse epansionismo se paramentava estava em plenodesenvolvimento$ +a continuidade do projeto enciclopédico dasMuzes ela acumulava dados geogr!"icos (otGnicos zool)gicosling<%sticos culturais etc$ +o diapas&o da nova onda de

colonialismo da qual a 9ran/a e a Cnglaterra eram 2 "or/a deataque as eplora/.es esquadrinhavam o mundo nos seusmenores recantos investigavam mediam recenseavam$ @evestidasda universalidade da @az&o e do 'rogresso destinados num "uturopr)imo a triun"ar no mundo todo so(re a (ar(!rie as eplora/.esnomeavam classi"icavam e etiquetavam o desconhecido tanto na Amaznia quanto em qualquer outro lugar$ 5sperando ser(ene"iciado por essas viagens o 4rasil am(icionava controlarmelhor um territ)rio su(povoado enquanto as pot#ncias

"inanciadoras esperavam tirar vantagens pol%ticas econmicas oucomerciais$Bede de sa(er sede de conquista

Page 244: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 244/250

a epedi/&o Mangsdor"" b387:-387N 2 espanhola =omiss&o=ient%"ica do 'ac%"ico b38L7-38LL dos austr%acos Johan 4aptist VonBpi e 9riedrich Von ?artius b3836-3870 ao pr%ncipe Adal(erto da'rússia b38D7 passando pelo americano aniel '$ Xidder b38D0

por Alcide dROr(ignQ b387L-38DE por Al"red @ussel allace b38D6-38DN por @o(ert Avé-Mallemant b38:N por Jules =revau b38LN-3887 e outros como ustavo odt b386E "oram dezenas edezenas de aventureiros que eploraram e reviraram a regi&o deponta a ponta$ Júlio Verne se apoiou nesse tra(alho de campo aoqual teve acesso por meio das pu(lica/.es$ Csso porque gra/as aoprogresso consider!vel do mundo editorial a multiplica/&o daseplora/.es caminhava junto com uma eplos&o de pu(lica/.es derevistas, cient%"icas o"iciais populares etc$ Os depoimentos eramem geral de primeira m&o 2s vezes de segunda$ @esumia-secompilava-se comentava-se e assim dava-se margem 2transmiss&o ou ao acréscimo de erros 2 cria/&o de mal-entendidosque nosso autor inevitavelmente passou para a "rente$

 Ps vezes corrigindo suas "ontes separando aqui e ali o joio dotrigo Verne se preocupou com a eatid&o$ =ensurou o relato dopintor Auguste 9ran/ois 4iard por demais "antasioso ar(itrou umadiscuss&o de ge)gra"os so(re as origens do Amazonas reti"icoualgumas hip)teses de um(oldt re"utadas pelos sucessores$$$?em(ro da Bociedade de eogra"ia de 'aris desde 38L: amigo decientistas "amosos ele teve a consci#ncia de que contri(u%a comsuas o(ras para a divulga/&o dos conhecimentos da sua época$ 5m3867 um ano depois de mudar com a "am%lia para Amiens ao nortede 'aris ele j! era mem(ro da Academia de =i#ncias de Metras e Artes da cidade institui/&o que presidiu em 386:$ 5m geral seuscontemporGneos estavam de acordo ao salientar a qualidade dain"orma/&o de Júlio Verne ci#ncia verdadeira ci#ncia de (oaqualidade$

Cnstru/&o para todos Alem do mais seus livros nunca sacri"icaram a edi"ica/&o

cient%"ica aos encantos do romanesco$ 5sse sutil equil%(rio "oiencorajado e perenizado pelo encontro com 'ierre-Jules etzel em38L7$ Júlio Verne tinha ent&o ED anos$ O editor havia sido che"e dega(inete do governo Mamartine em 38D8 durante a e"#meraBegunda @epú(lica$ 'roscrito depois do golpe de 5stado de 38:3que instalou +apole&o CCC no comando do Begundo Cmpério etzelvoltou do e%lio em 4ruelas gra/as 2 anistia de 38:N com o projetode se especializar em edi/.es para as "am%lias$ Auiliado por Jean

?ace outro militante repu(licano e ardente partid!rio da escolaleiga gratuita e o(rigat)ria ele queria "ormar o cidad&o do amanh&

Page 245: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 245/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

invadindo um campo até ent&o dominado pela Cgreja =at)lica, o livropara a juventude$ A equipe rapidamente acrescida de Júlio Vernelan/ou em 38LD o ?agazine Hducation et de @écréation b@evistade 5duca/&o e @ecrea/&o$ 9oi nessa revista quinzenal de trinta e

duas p!ginas que inicialmente "oi pu(licada A jangada em"olhetins$ Ao todo quarenta das sessenta e duas Viagensetraordin!rias "oram nela pu(licadas de 38L: a 3N37 antes deserem resgatadas nos volumes da 4i(liothque dRHducation et de@écréation b4i(lioteca de 5duca/&o e @ecrea/&o$ Aproveitando atradi/&o do presente de ano-novo era pu(licada no "im do ano umaedi/&o mais luuosa ilustrada com capa dura em vermelho edourado daquelas que hoje em dia "azem o deleite dos (i(li)"ilos$

Cmposi/.es narrativas

>anto para os romances quanto para as amplas o(rasencomendadas por etzel uma éographie de Ca 9rance beogra"iada 9ran/a e uma istoire des rands VoQages bist)ria dasrandes Viagens Júlio Verne esta(eleceu um método, Antes decome/ar a escrever minhas hist)rias eu tomava v!rias notasetra%das de todos os tipos de livros de jornais de revistas ou deresumos cient%"icos$ O escritor assinalava com naturalidade masn&o sistematicamente sua d%vida ao citar um cientista um viajante$Os nomes mais conhecidos davam crédito ao seu teto os outros

demonstravam seu es"or/o document!rio$ e resto a li(erdade doromance o dispensava de um total rigor mesmo que a sua voca/&odid!tica eigisse que a esse rigor su(metesse a sua narrativa$ 9oipreciso por eemplo que o narrador eventualmente delegasse aospersonagens a miss&o de instruir sem dor ou de discutir pontoslitigiosos$ Csso implicava "azer de certos personagens pessoasletradas ou ent&o s!(ios$ 5m A jangada esse "oi o papel destinadoa 4enito arral e a ?anoel Valdez jovens estudantes aptos adivulgar mesmo que de uma "orma pesada a parte did!tica so(re o

 Amazonas eposta no cap%tulo V$ra/as 2 similitude de certas ")rmulas 2 reprodu/&o degra"ias erradas é poss%vel identi"icar a maior parte das "ontesusadas e constatar assim que certas passagens s&o inteiramenteinspiradas dessas narrativas sendo que ao contr!rio outrasmisturam diversas matrizes apoiando-se sem dúvida nas "ichastem!ticas que agrupavam as notas$ A reescrita "ez cortes aprimoroue harmonizou o estilo eliminando os tra/os de montagem muitovis%veis$ 'or eemplo a viagem da "am%lia arral segue "ielmente o

itiner!rio da VoQage de Socéan 'aci"ique 2 Socéan Atlantique 2travers SAmérique du Bud bViagem do oceano 'ac%"ico para ooceano AtlGntico através da América do Bul b38D8-38L0 realizada

Page 246: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 246/250

pelo (ordel#s 'aul ?arcoQ ou seja ?onsieur de Baint-=ricq cujorelato "oi pu(licado em 38L6 nos números de Me >our du ?onde$?agni"icamente ilustrados por gravuras de p!gina inteira esses"asc%culos destinados ao grande pú(lico continham relatos

pitorescos que em geral precediam uma edi/&o em livro$ 5lesconstitu%ram uma mina de in"orma/.es para Júlio Verne$ Aocon"rontarmos os tetos etapa por etapa vemos que ele escavounas indica/.es "ornecidas por 'aul ?arcoQ os dados so(re a hist)riade um povoado sua topogra"ia sua popula/&o etc$ =omo apu(lica/&o das notas de viagem em Me >our du ?onde "oiinterrompida provisoriamente em ?anaus a intriga mais completase desenvolveu acima dessa cidade a capital amazonense seimpondo como teatro do des"echo$

a mesma "orma n&o h! dúvidas de que 9erdinand enisinspirou n&o apenas a "igura do capit&o-do-mato - um cap%tulo "oiconsagrado a esse personagem na súmula pu(licada por ele em38E6 Me 4résil - mas tam(ém a "igura do (ar(eiro$ Ao ilustrar suaapresenta/&o das camadas in"eriores da sociedade pelo eemplodos ca(eleireiros o pai dos estudos (rasileiros na 9ran/adi"erenciou os do @io de Janeiro cujos sal.es tinham um papel desocializa/&o equivalente ele dizia daqueles dos ca"és na 9ran/a eos f$$$ (ar(eiros am(ulantes que eercem a pro"iss&o ao ar livre eque se encarregam mediante um pagamento dos mais m)dicos dedar provas de sua ha(ilidade$ @elegados é verdade ao últimoescal&o da hierarquia dos (ar(eiros esses 9%garos nmades sa(emtornar sua pro"iss&o (em lucrativa quando ao manejar ha(ilmente anavalha e as tesouras se consagram ao servi/o da vaidade dosnegros os dois seos igualmente apaionados pela elegGncia docorte do ca(elo$\

Cmaginamos os olhos de Júlio Verne caindo so(re essas linhasem plena "ase preparat)ria quando justamente procurava um tipode condi/&o intermedi!ria para colorir de vida e de generosaalegria a seriedade e a circunspec/&o da "am%lia arral e ao mesmotempo arranjar um par masculino para Mina$ 9ragoso nasceu 5leera um dos (ar(eiros nmades que corria as margens do Alto Amazonas indo de povoado em povoado pondo os recursos da suapro"iss&o a servi/o dos negros das negras dos %ndios e das %ndiasque muito os apreciavam$\ N

9Para !omplear o esudo so7re os emprésimos eios por Júlio

Verne( o leior pode ler nosso arigo KO rio palimpseso - O Amazonas de Júlio

Verne( das ones ? i!4"oK( in Re)isa da USP( n.,( S"o Paulo( mar4o-maio de

,BB* pp ,++ , para reerDn!ia aos eos e Re)isa da USP n ,= S"o

Page 247: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 247/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

 9e(re demiúrgica Assim como para as variedades de p!ssaros como tam(ém

para as de"ini/.es das !rvores para as espécies de fplantas etc oléico do penteado contri(uiu para as enumera/.es entusiastas$ Ao

mesmo tempo que divertem e mant#m o suspense esses acúmulosde su(stantivos traduzem uma avidez compulsiva pelanomenclatura$ 5sse "renesi taonmico é um testemunho do poderdo ver(o, nomear é devolver o caos para a ordem da linguagem ésu(jugar cada ser e possu%-lo$ 'ela sonoridade técnica cient%"ica oue)tica as palavras mani"estam a superioridade humana ao menosa ocidental capaz de de apropriar de qualquer coisa e de qualquercultura$ nico material e último recurso do escritor elas s&o a"erramenta do seu poder e do seu prazer$

 A "or/a do imagin!rio Agora chegamos 2 última dimens&odesse romance, sua "aculdade de produzir o deleite$ =oerente como projeto pedag)gico e seu horizonte pol%tico essa virtude noentanto diz respeito a uma quest&o (em mais pro"unda e complea,a do desejo que o levou 2 escrita e que aca(a reaparecendo noleitor independentemente da época em que ele vive$ 5ssa quest&onos "az voltar ao ponto de partida, o que chamou Júlio Verne para o Amazonas* ?as nosso olhar agora se move para ser tam(émre"leivo, o que atraiu e ainda atrai gera/.es de leitores jovens e

velhos adolescentes e adultos leigos e universit!rios para essesromances* 5m(ora ainda 2s vezes mantido 2 distGncia pela cr%ticaele "oi dos escritores "ranceses mais traduzidos no mundo$ Be anossa admira/&o n&o pode ser justi"icada por uma coniv#ncia moralou ideol)gica ent&o como eplic!-la*

+ovas mitologias 'elo universo interior de um homemconstru%do e epresso 2 sua revelia* Bem dúvida$ Júlio Verne "oi umdaqueles que retocaram os antigos mitos$ aqueles que lhesacrescentaram alguma coisa nova$ Bua voltas ao mundo em oitenta

dias as viagens ao centro da >erra e 2 Mua as vinte mil léguassu(marinas o +autilus a "orte e secreta "igura do capit&o +emo s&oalguns dos motivos que impulsionaram nossas "antasiasinconscientes$ A jangada reativa v!rios dos elementos dessesmundos paralelos, a cidade "lutuante a ilha ut)pica o criptograma oerro judici!rio a descida de um rio$$$ 5ssas imagens recorrentes s&osinais de mecanismos liter!rios pro"undamente signi"icativos eancorados na intelig#ncia do criador$

Paulo( seem7ro-no)em7ro de ,BB*( p. ,+8( para as anoa45es.

Page 248: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 248/250

H verdade que nem todas essas imagens s&o eclusividadesde Júlio Verne$ O erro judici!rio por eemplo é um temaprivilegiado na "ic/&o anarquista$ ?as no caso da Jangada ca(e aum juiz eultante corrigir a Justi/a o que en"raquece uma eventual

contesta/&o dessa mesma institui/&o$ +uma tare"a aprendida com5dgar Allan 'oe e seu 5scaravelho de ouro pouco a pouco aspaisagens e aulas de geogra"ia d&o lugar 2 deci"ra/&o do misteriosodocumento colocado 2 testa do romance$ +as últimas p!ginas dolivro o Amazonas desaparece para privilegiar em oito cap%tulos aslinguagens codi"icadas cuja chave "inal é uma verdadeira li/&oso(re as técnicas da ci"ra$ 'rimeiro "oi preciso passar da super"%ciedo rio para as suas pro"undezas para pescar o estojo perdido$ Pmedida que ocorrem essas peripécias se opera uma mudan/a dosnomes pr)prios, arral passa a ser acosta BuQjhd se l# Ortega?inha se torna a senhora Valdez$$$ =omo se a navega/&o B) tivesseum destino, "azer com que todos ganhassem acesso a uma novaverdade ou a uma verdade oculta de si pr)prio$ >odas as viagenstranscorrem simultaneamente como um teto a ser escrito e comouma escrita a eplorar proclama a cr%tica ?arie-élne uet aprop)sito das odisséias vernianas$ Ber! que A jangada teria tam(émcomo o(jeto deci"rar o que nos escreve*

 A viagem é estruturada como uma linguagem =omo VicenteJarriquez Júlio Verne se deleitava com os anagramas pal%ndromose outros enigmas$ Antes de Baussure 9reud ou Macan$ 5le tam(émparecia ter uma "amiliaridade involunt!ria com o lapso$ Olivierumas apontou nesse aspecto a insist#ncia das letras e A,Jangada Arral 9%Aro 9rAoso o povoado de 5A OrteA etc$5le v# a% uma olhada inconsciente para o nome da atriz 2 qual o seu"ilho se havia ligado recentemente, >hérse uAzon$ 'ode ser$=om o mesmo prop)sito poder%amos discutir a coincid#ncia CKICtose SaKICta sintom!tica de uma interroga/&o so(re identidadessendo que o "ranc#s uqui signi"ica quem$ 5m todo o caso éintencionalmente que Júlio Verne usa a liana que leva Mina a9ragoso e aos liames do matrimnio$ =omo nota o "il)so"o ?ichelBerres nas suas iluminadas Jouvences sur Jules Verne bJuventudesem Júlio Verne o que se enumera num jogo de escrita étransposto tam(ém em met!"ora e meton%mias$ A liana o "io de Ariane invertido ornamenta de uma "orma delirante a casa principalda jangada antes de encontrar correspond#ncia no cord&o um(ilicaldo esca"andro nas "iguras livres do minhoc&o e do poraqu# dese desamarrar em corda de en"orcado e de se amarrar com corda

no pesco/o$

Page 249: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 249/250

Júlio Verne – A jangada - 800 léguas pelo Amazonas

+o registro do inconsciente no quadro silvestre do cap%tulo VCn&o "alta surpresa, todas as cores podem ser encontradas eceto overde$ A narrativa toma um rumo inesperadamente er)tico com ascascas que "icaram nuas as !rvores es"oladas vivas o sol que

acaricia o solo a intumesc#ncia dos (arrigudos a a()(adacor-de-rosa dos quati(os a i(iratea carnosa etc$ O auge éatingido com as "!licas sapucaias cujo topo se a(re num ramalhetede arti"%cios vegetais que as plantas parasitas colorem de amarelode roo e de um (ranco cor de neve$ 5ssa "loresta carnal deiaentrever o que se pode sim(olicamente eplorar ao se deiarem(alar pelas Amazonas$ >alvez assim a "loresta de papel sevingue de uma "orma dis"ar/ada das (oas apar#ncias apregoadaspelo autor e do moralismo vendido pelo editor$ evia-se deiar essa

literatura entre todas as m&os*Im teto como A jangada escreve ainda ?ichel Berres podeser avaliado em termos de est!tica de dinGmica de calor e deenergia$ Im escritor tem a sua disposi/&o duas linguagens, a do"ogo das "or/as e da mecGnica bos com(ates da Cl%ada a doslogogri"os os tetos lacunares supercodi"icados ileg%veis quelevam 2 aventura da tradu/&o bos devaneios da Odisséia$ 'ara umé destinado como variante a termodinGmica para o outro a teoriada in"orma/&o$ O primeiro guiou o =hancellor o segundo A jangada$

Csso eplicaria por que o mesmo teto é escrito duas vezes comduas jangadas que v&o para a mesma "oz em (usca do ponto deequil%(rio do seu equador$ 'or querer ir pelo caminho mais curto oprimeiro relato s) navega o "racasso$ O outro segue pela vertentemais longa marcada por choques e tens.es$ e uma entropia 2outra a impertur(!vel escrita joga suas descargas suspendecodi"ica reanima li(era o desejo$ +a corrente do rio elétrico cursoda pena gimnot%deo$

Hichel Iiaudel 

@IM

Page 250: A-jangada

7/23/2019 A-jangada

http://slidepdf.com/reader/full/a-jangada 250/250

Este livro foi distribuído cortesia de: