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OTON MAGNO SANTANA DOS SANTOS A LITERATURA E A ESCOLA: UM ESTUDO SOBRE OS MODELOS DE EDUCAÇÃO LITERÁRIA DO ENSINO MÉDIO EM ESCOLAS PÚBLICAS DE SALVADOR (BA) CAMPINAS 2017 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

A LITERATURA E A ESCOLA: UM ESTUDO … - Programa do Livro PLIDEF - Programa do Livro Didático para o Ensino Fundamental PMDB - Partido do Movimento Democrático PNLA - Programa Nacional

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OTON MAGNO SANTANA DOS SANTOS

A LITERATURA E A ESCOLA: UM ESTUDO SOBRE

OS MODELOS DE EDUCAÇÃO LITERÁRIA DO

ENSINO MÉDIO EM ESCOLAS PÚBLICAS DE

SALVADOR (BA)

CAMPINAS

2017

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

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OTON MAGNO SANTANA DOS SANTOS

A LITERATURA E A ESCOLA: UM ESTUDO SOBRE

OS MODELOS DE EDUCAÇÃO LITERÁRIA DO

ENSINO MÉDIO EM ESCOLAS PÚBLICAS DE

SALVADOR (BA)

Tese de Doutorado apresentada ao

Programa de Pós- Graduação em

Educação da Faculdade de Educação da

Universidade Estadual de Campinas para

obtenção do título de Doutor em

Educação, na área de concentração de

Educação, Conhecimento, Linguagem e

Arte.

Supervisor/Orientador: Dr. Ezequiel Theodoro da Silva

O ARQUIVO DIGITAL CORRESPONDE À VERSÃO

FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO OTON

MAGNO SANTANA DOS SANTOS, E ORIENTADA PELO

PROF. DR. EZEQUIEL THEODORO DA SILVA

CAMPINAS

2017

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

TESE DE DOUTORADO

A LITERATURA E A ESCOLA: UM ESTUDO SOBRE

OS MODELOS DE EDUCAÇÃO LITERÁRIA DO

ENSINO MÉDIO EM ESCOLAS PÚBLICAS DE

SALVADOR (BA)

Autor: Oton Magno Santana dos Santos

COMISSÃO JULGADORA:

Prof. Dr. Ezequiel Theodoro da Silva

Profa. Dra. Heloísa Andreia de Matos Lins

Profa. Dra. Norma Sandra de Almeida Ferreira

Prof. Dr. André Luis Mitidieri Pereira

Prof. Dr. Natanael Reis Bomfim

A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

2017

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Dedico este trabalho aos professores da educação

básica brasileira e à memória da professora e

pesquisadora Arlete Vieira da Silva.

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AGRADECIMENTOS

Ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP,

porque considerou possíveis os estudos desta tese, desde o processo de seleção até a entrega

do trabalho concluído.

Aos professores do programa Lílian Lopes Martin da Silva, Sérgio Antônuo da Silva Leite,

Heloísa Andréia de Matos Lins, Roberto Akira Goto, André Paulilo, que muito contribuíram

para que esta tese pudesse ser defendida.

Ao meu orientador, Ezequiel Theodoro da Silva, pelo incentivo e pelo empenho em me

auxiliar na feitura deste trabalho.

Aos membros da minha banca de qualificação, professora Norma Sandra Almeida Ferreira e

professor Natanael Reis Bomfim pelo cuidado com que leram o meu texto, pelas

considerações, recomendações e contribuições para a finalização desse trabalho.

Aos professores André Mitidiéri, Natanael Bomfim, Lílian da Silva e Norma Ferreira, pelas

contribuições ao trabalho final desta tese.

Aos colegas, pelo auxílio nas tarefas desenvolvidas durante o curso. Em especial, à Ana

Carolina, Ana Cláudia, Fabiana, Janaína, e Sônia, pelas interlocuções praticadas durante o

curso.

Aos funcionários da Secretaria da pós-graduação da Faculdade de Educação, pelo suporte e

pela solicitude nos momentos em que precisei do auxílio daquele órgão.

Aos funcionários da Biblioteca da Faculdade de Educação, pelo suporte nos momentos em

que precisei acessar aquele setor.

À UNEB, por investir na minha qualificação docente.

Aos meus colegas professores da UNEB, Daniela Galdino, Renailda Cazumbá, Wilson Santos

e Júnior Rosa, pelas leituras e contribuições no meu projeto de tese e nos demais textos.

À Patrícia Pina, pelas contribuições ao meu papel como professor e pesquisador.

À Gheu, pelas correções ortográficas e de ABNT realizadas no meu trabalho.

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Aos funcionários da UNEB pelo suporte nos momentos necessários.

Aos gestores e coordenadoras pedagógicas das escolas participantes desta tese, pela paciência

em me atender e por terem autorizado a realização da pesquisa em suas escolas.

Às professoras e aos estudantes das escolas que investiguei, pela disponibilidade em aceitar

colaborar com este estudo.

Aos funcionários das bibliotecas, das secretarias e das portarias das escolas participantes da

pesquisa, pelo auxílio em viabilizar o meu acesso àquelas instituições.

A Fabio Serra, pelo apoio incondicional.

Aos meus amigos que tanto ouviram meus desabafos e me apoiaram nos momentos mais

difíceis. Agradecimento especial aos amigos Marcos, Wagner, Mateus, Rogério, Alessander,

Eci Marcelo, Ricardo, Jefferson, Roberto Lucas, Luiz Márcio, Bruno, João Neto, Beto

Matheus, Márcia, Wellington, Rui, Rafael Leite, Claudinha, Gil e Flor, pelo apoio irrestrito

dispensado a mim.

Aos meus pais e irmãos.

A todos, muito obrigado.

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RESUMO

O presente trabalho apresenta os resultados da investigação sobre modelos de educação

literária praticados em escolas públicas estaduais de Salvador (BA). Como referencial teórico,

a pesquisa utilizou a História Cultural, a partir dos conceitos de representação e apropriação

propostos por Roger Chartier, tendo como suporte estudos relacionados à literatura, ao livro

didático e à educação literária, especialmente através das pesquisas de autores como Marisa

Lajolo, Regina Zilberman, Bárbara Freitag, Márcia Abreu, Antônio Gomes Batista, Ezequiel

Theodoro da Silva, Roxane Rojo, Maria José Coracini, Rildo Cosson, Célia Cassiano e Cyana

Lahy-Dios, entre outros. A questão que norteia esta tese rege a proposta de investigação

sobre: Como os conteúdos das representações presentes no contexto de escolas públicas de

Salvador (BA) sugerem formas de apropriação do texto literário a partir de um modelo de

educação literária junto a professores e estudantes do ensino médio? Para chegar às possíveis

soluções, o suporte metodológico aplicado foi a pesquisa etnográfica realizada em duas

escolas públicas estaduais da capital baiana. O corpus do trabalho compreendeu, além de três

capítulos teóricos que tratam das temáticas acima mencionadas, a realização de uma coleta de

dados através da análise e interpretação do Projeto político pedagógico de cada instituição,

dos planos curriculares da disciplina Língua Portuguesa, da observação de aulas e das

entrevistas com quinze estudantes e quatro professoras do ensino médio das duas escolas

inseridas no processo investigativo. Como resultado, a pesquisa apurou a existência de três

modelos de educação literária coexistentes nas duas escolas investigadas. Dentre os modelos,

o que mais se destacou foi o historiográfico-literário, calcado na periodização da literatura,

através da identificação com a Historiografia literária brasileira e com as propostas

apresentadas no livro didático de literatura e nos documentos escolares, cuja finalidade visava

a aprovação dos estudantes nos exames, a partir da memorização dos conteúdos. Por outro

lado, também foram registrados o modelo de concepção pedagógico-literária verificado a

partir das práticas docentes e o modelo concebido de educação literária resultante das

escolhas e dos gostos dos estudantes em relação à leitura literária. Com base nos resultados

apresentados, procedeu-se às considerações do pesquisador sobre o trabalho realizado.

Palavras-chave: Educação Literária. Livro didático. Representação. Apropriação. Ensino

médio.

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ABSTRACT

This study presents the results of research on models of literary education practiced in state

public schools of Salvador (BA). As a theoretical reference, the research used the Cultural

History, based on the concepts of representation and appropriation proposed by Roger

Chartier, supported by studies related to literature, textbooks and literary education, especially

through the research of authors such as Marisa Lajolo, Regina Zilberman, Barbara Freitag,

Márcia Abreu, Antônio Gomes Batista, Ezequiel Theodoro da Silva, Roxane Rojo, Maria José

Coracini, Rildo Cosson, Célia Cassiano and Cyana Lahy-Dios, among others. The question

that guides this thesis rules the research proposal on: How the contents of representations

present in the context of public schools in Salvador (BA) suggest ways of appropriating the

literary text from a model of literary education with teachers and students of the high school?

To reach the possible solutions, the methodological support applied was the ethnographic

research carried out in two state public schools in in the state capital of Bahia. In addition to

three theoretical chapters dealing with the themes mentioned above, the corpus of the study

included the collection of data through the analysis and interpretation of the pedagogical

political project of each institution, the curriculum plans of the Portuguese language course,

the observation of classes and interviews with fifteen students and four high school teachers

from the two schools involved in the investigative process. As a result, the research found

three models of literary education coexisting in the two schools investigated. Among the

models, the historiographical-literary, based on the periodization of literature, through the

identification with the Brazilian Literary Historiography and with the proposals presented in

the didactic book of literature and in the school documents, whose purpose was the approval

of the Students in the exams, from the memorization of the contents. On the other hand, the

model of pedagogical-literary conception verified from the teaching practices and the

conceived model of literary education resulting from the students' choices and tastes in

relation to the literary reading were also registered. Based on the results presented, the

researcher considered the investigation done.

Keywords: Literary Education. Textbook. Representation. Appropriation. High School.

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LISTA DE SIGLAS

ABRALE - Associação brasileira de autores de livros educativos

ABRALIC - Associação Brasileira de Leitura Comparada

ABRELIVROS - Associação Brasileira dos Editores de Livros

ABT – Associação Brasileira de Tecnologia Educacional

AC – Atividade de Classe

ALB - Associação de Leitura do Brasil

CEALE - Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita

CNLD – Comissão Nacional do Livro Didático

CNPQ – Conselho Nacional de Pesquisa (Atualmente, Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e tecnológico)

CNS – Conselho Nacional de Saúde

COLTED - Comissão do Livro Técnico e do Livro Didático

ECT – Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos

ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio

FAE - Fundação de Assistência ao Estudante

FNDE – Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação

IHGB - Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

INL – Instituto Nacional do Livro

IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo

LD – Livro Didático

LDB – Lei de Diretrizes e Bases

MEC – Ministério de Educação

MS – Ministério da Saúde

ONU - Organização das Nações Unidas

PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais

PDS - Partido Democrático Social

PET - Programa Educação para Todos

PISA - Programa Internacional de Avaliação de Estudantes

PLI - Programa do Livro

PLIDEF - Programa do Livro Didático para o Ensino Fundamental

PMDB - Partido do Movimento Democrático

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PNLA - Programa Nacional do Livro Didático para a Alfabetização de Jovens e Adultos

PNLD – Programa Nacional do Livro Didático

PNLD EJA - Programa Nacional do Livro Didático para a Educação de Jovens e Adultos

PNLEM – Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio

PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PPP – Projeto Político Pedagógico

PRORED - Núcleo de Apoio à Utilização do Recurso Didático

PUC – Pontifícia Universidade Católica (São Paulo)

SAEB - Sistema de Avaliação da Educação Básica

SEB – Secretaria de Educação Básica

SNEL- Sindicato Nacional dos Editores de Livros

TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais)

UFPE (Universidade Federal de Pernambuco)

UNB – Universidade de Brasília

UNEB – Universidade do Estado da Bahia

UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas

UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância

URCAMP - Universidade da Região de Campanha

USAID - Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional

USP – Universidade de São Paulo

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Representação do conceito de Educação e cidadania ....................................................... 159

Quadro 2 – Representação do conceito de Prática educativa/pedagógica: .......................................... 160

Quadro 3 – Representação do processo de ensino-aprendizagem e o papel do professor ................... 161

Quadro 4 – Representação de Currículo ............................................................................................. 162

Quadro 5 – Plano de curso da professora Cleusa Regina ................................................................... 165

Quadro 6 – Plano de curso da professora Maria Cecília ..................................................................... 166

Quadro 7 – Plano de curso da professora Hilda .................................................................................. 169

Quadro 8 – Plano de curso da professora Betina ............................................................................... 171

Quadro 9 – Usos do livro didático ...................................................................................................... 181

Quadro 10 – Processo de ensino-aprendizagem ................................................................................. 184

Quadro 11 – Visões da literatura ........................................................................................................ 192

Quadro 12 – Conceito de literatura segundo as professoras. .............................................................. 199

Quadro 13 – Definição de “leitura literária” pelas professoras ........................................................... 202

Quadro 14 – Professoras avaliam a leitura literária pelo livro didático .............................................. 204

Quadro 15 – A leitura literária como instrumento de socialização na visão das professoras

entrevistadas ....................................................................................................................................... 205

Quadro 16 – O papel do livro didático nas aulas de literatura das professoras entrevistadas.............. 208

Quadro 17 – A prática de leitura e os suportes utilizados pelas docentes em suas salas de aula ......... 210

Quadro 18 – Professoras analisam o ensino de literatura através da sua prática docente.................... 212

Quadro 19 – Professoras avaliam a prática de leitura literária em suas escolas .................................. 214

Quadro 20 – O conceito de leitura na visão dos estudantes ................................................................ 223

Quadro 21 – O conceito de literatura segundo os alunos .................................................................... 225

Quadro 22 – Estudantes avaliam o papel do livro didático no seu processo de ensino-aprendizagem 227

Quadro 23 – A prática de leitura nas escolas segundo os estudantes entrevistados ............................ 229

Quadro 24 – Grau de satisfação dos estudantes em relação às aulas de literatura .............................. 232

Quadro 25 – Estudantes revelam como se preparam para participar das aulas e para responder às

atividades propostas ........................................................................................................................... 235

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SUMÁRIO

I – INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 15

1.1 Contextualizando a pesquisa ...................................................................................................... 15

1.2 Estado da Arte ............................................................................................................................ 16

1.3 Justificando a pesquisa ............................................................................................................... 21

1.4. Construindo o texto ................................................................................................................... 24

II – A ARTE LITERÁRIA – Sua circulação e sua fruição ................................................................... 31

2.1. Era uma vez... a literatura .......................................................................................................... 31

2.2. Conceitos, teorias e histórias: uma reflexão .............................................................................. 37

2.3. A literatura brasileira: identidade nacional, crítica e historiografia ........................................... 46

III – O LIVRO DIDÁTICO COMO OBJETO DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA...... 58

3.1. O livro didático em debate: a pesquisa crítica ........................................................................... 58

3.2. O livro didático: conceitos e discussões .................................................................................... 75

3.3 O Programa Nacional do Livro Didático: seu histórico, suas fases e seus documentos

legitimadores .................................................................................................................................... 79

3.4. O Programa Nacional do Livro Didático: as políticas públicas ................................................. 85

IV – A EDUCAÇÃO LITERÁRIA BRASILEIRA – Seus modelos e suas implicações ...................... 93

4.1. Conceitos e discussões .............................................................................................................. 93

4.2. Letramento literário e livro didático ........................................................................................ 102

4.3. A Literatura do Livro Didático ................................................................................................ 110

V – METODOLOGIA ....................................................................................................................... 123

5.1. Construindo a pesquisa ............................................................................................................ 123

5.2. A construção da metodologia .................................................................................................. 124

5.2.1. A opção pela pesquisa etnográfica .................................................................................... 124

5.2.2. A aplicabilidade da revisão de literatura ........................................................................... 125

5.3. Delineamento da pesquisa ....................................................................................................... 126

5.3.1. Seleção das escolas ........................................................................................................... 126

5.3.2. Amostragem ..................................................................................................................... 127

5.4. O trabalho de campo ............................................................................................................... 128

5.5. Coleta de dados ....................................................................................................................... 130

5.5.1. Observação ...................................................................................................................... 130

5.5.2. A Pesquisa documental ..................................................................................................... 134

5.5.3. Entrevista.......................................................................................................................... 135

5.6. Análise e interpretação dos dados............................................................................................ 138

5.6.1. Estabelecimento das categorias ........................................................................................ 139

5.6.2. Análise dos dados ............................................................................................................. 143

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5.6.3. Interpretação dos dados .................................................................................................... 144

VI – ANÁLISE DESCRITIVA E INTERPRETATIVA DOS DADOS A PARTIR DOS

DOCUMENTOS ESCOLARES, DAS OBSERVAÇÕES SIMPLES E DAS ENTREVISTAS ........ 145

6.1. Perfil das escolas ..................................................................................................................... 145

6.2. O projeto político-pedagógico ................................................................................................. 150

6.2.1. Descrevendo os dados do PPP da Escola Heurisgleides Ferreira ...................................... 151

6.2.2. Descrevendo os dados do PPP da Escola Renailda Sousa ................................................ 154

6.2.3. Análise e interpretação dos dados dos PPP das escolas .................................................... 159

6.3. Os Planos curriculares de disciplinas....................................................................................... 163

6.4. A Observação simples ............................................................................................................. 175

6.4.1. Observando as aulas ......................................................................................................... 176

6.5. A entrevista ............................................................................................................................. 195

6.5.1. Entrevistando as professoras............................................................................................. 196

6.5.2. Entrevistando os alunos .................................................................................................... 217

6.6. Aproximação dos dados ...................................................................................................... 237

VII – RESULTADOS E DISCUSSÕES ............................................................................................ 256

7.1 Minha relação com a educação literária ................................................................................... 256

7.2. Discutindo os resultados .......................................................................................................... 257

7.2.1. Os modelos de educação literária revelados pela pesquisa ............................................... 257

7.2.1.1. O modelo de educação literária historiográfico-literário ................................................ 258

7.2.1.2. O modelo de educação literária de concepção pedagógico-literária ............................... 261

7.2.1.2. O modelo concebido de educação literária .................................................................... 265

7.3. Respondendo ao problema de pesquisa ................................................................................... 268

VIII – CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................. 274

8.1. Reflexões ................................................................................................................................. 274

8.2. Implicações ............................................................................................................................. 279

8.3. Desdobramentos ...................................................................................................................... 282

REFERÊNCIAS ................................................................................................................................. 285

Anexos ............................................................................................................................................... 292

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15

I – INTRODUÇÃO

1.1 Contextualizando a pesquisa

A escola, como instituição social, política e pedagógica, através da adoção do livro

didático, institucionaliza o ensino de literatura canônica, referendando suas práticas, sobretudo

no que diz respeito ao tratamento da obra literária. Dessa forma, os professores, e não apenas

os alunos, podem ser seduzidos pelos elementos que compõem o livro didático adotado por

uma determinada instituição.

A partir da minha experiência como docente da educação básica, pude perceber que o

livro didático se configura como um poderoso instrumento de controle não apenas

pedagógico, mas social, pois ele institui modelos de apropriação de leitura e postura cidadã.

No que diz respeito à literatura, destaco o livro do ensino médio, legitimado pelo PNLEM

(Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio). Os escritores presentes nos manuais são

sempre os canônicos, o que já indica uma institucionalização da literatura que se quer legítima

para os brasileiros. E desses autores, algumas obras também já foram consagradas pelos

“autores” do livro didático: políticas educacionais, editoras, escritores dos LD, escolas e, por

fim, professores, pais e alunos, pois todos eles, de algum modo, comportam-se, em algum

momento, como “construtores” dos saberes presentes nos manuais didáticos.

Por sua vez, os textos de autores canônicos selecionados para os LD apresentam uma

concepção de leitura literária que não vai além de posturas previsíveis e permitidas por um

modelo instituído de educação literária. Como exemplo, destaco o escritor Machado de Assis.

Pela disposição do autor nos LD, o leitor formado pela escola – não somente o aluno, mas o

professor também – conhece um outro Machado de Assis, que não aquele que o leitor

conheceria caso se apropriasse de outras obras, além dos fragmentos constantes nos manuais.

Isso quer dizer que o LD constrói uma representação de um escritor: o Machado de Assis que

escreveu os romances Memórias Póstumas de Brás Cubas, Dom Casmurro, Quincas Borba e

os contos “A cartomante”, “Missa do galo”, “O alienista”, dentre outros. E dessas leituras, o

leitor se apropria apenas do permitido. Ou seja, o leitor objeto de uma escolarização

inadequada, em geral, sabe o básico dos autores canônicos que estão no LD: quem foram, o

que escreveram, quando escreveram, a que escola literária pertencem e do que tratam suas

principais obras segundo os “autores” do LD já mencionados.

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16

Segundo Magda Soares, “o termo escolarização é, em geral, tomado em sentido

pejorativo, depreciativo, quando utilizado em relação a conhecimentos, saberes, produções

culturais [...] há conotação pejorativa em ‘escolarização do conhecimento’ ou ‘da arte’, ou ‘da

literatura’” (SOARES, 2006, p. 20). Desse modo, critica-se não a escolarização da literatura,

mas a inadequada escolarização que se faz da literatura, entendida por Soares a partir de “[...]

deturpação, falsificação, distorção como resultado de uma pedagogização ou uma didatização

mal compreendidas que, ao transformar o literário em escolar, desfigura-o, desvirtua-o,

falseia-o” (SOARES, 2006. p. 22).

Como principal suporte do trabalho docente nas escolas públicas brasileiras, o livro

didático oferece o caminho mais fácil para essa inadequada escolarização da literatura,

conforme o modo como o conteúdo de literatura é apresentado aos seus usuários/leitores. Por

mais que o manual didático indique formas de manuseio do LD e, em alguns casos, explicite

que ele é apenas um suporte ao trabalho docente, entendemos que isso não é suficiente, pois o

professor é também fruto desse processo e tende a repetir tais ações na sua prática docente.

Por essas reflexões, observamos que há um mundo de leitura fora da escola e

desconhecido por ela. Curiosamente, são as mídias televisivas, fílmicas, digitais, indicações

de amigos ou de familiares, dentre outras que acabam prestando algum serviço que extrapola a

leitura escolarizada. Por exemplo, a exibição de filmes ou novelas adaptados a partir de um

texto literário provoca uma gama de espectadores a buscarem a obra fonte, assim como as

séries infanto-juvenis baseadas em best-sellers também o fazem. Enquanto isso, na escola, o

livro didático é o principal suporte revelador da literatura. Assim, é possível perceber a

existência de grupos formados nas escolas mas com representações diferentes sobre os

mundos literários dos quais se apropriam.

1.2 Estado da Arte

A realização desse trabalho gerou, além da já descrita importância para a atuação deste

pesquisador, a necessidade de se estabelecer um diálogo com outras pesquisas que também

partiram da temática Educação literária. Para isso, verifiquei no portal Sucupira da Capes com

quais teses e dissertações, realizadas nos últimos cinco anos, poderia edificar as conexões que

pretendia. No primeiro acesso, verifiquei que não poderia manter o recorte de cinco anos, pois

os trabalhos defendidos antes de 2013 não estavam disponibilizados para consulta. Assim,

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17

entrei em contato com a Capes (conforme orientação no próprio portal), solicitando acesso aos

trabalhos cujos títulos se aproximavam da minha tese e recebi a seguinte resposta: “Prezado,

Segue, em anexo, relatórios com teses e dissertações retiradas do Banco de Teses de acordo

com filtros solicitados. Os relatórios estão separados de acordo com o período: filtro de 2011

a 2012; filtro de 2013 a 2016”. Percebi que não entenderam o que eu havia solicitado e repeti

a solicitação, sendo mais explícito do que antes. Recebi a mesma resposta enviada

anteriormente. Assim, desisti do filtro dos últimos cinco anos e realizei a busca dentre os

títulos disponibilizados.

Começando pelas dissertações, destaco o trabalho de Eislher Alves Ferreira Neves,

intitulado No labirinto das raízes: história do ensino de literatura em Mato Grosso do Sul

(1977-2008), defendido em 12/06/2013, no Programa de Pós-graduação em Educação da

Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (Paranaíba). Trata-se de um estudo sobre o

ensino de literatura em escolas de nível médio no Mato Grosso do Sul a partir de documentos

que oficializaram o referido ensino naquele estado no período destacado no título. Os

documentos pesquisados foram: Diretrizes Gerais para o Ensino de 2º Grau do Estado de

Mato Grosso do Sul, de 1989, Diretrizes Curriculares, de 1992, Referencial Curricular para

o Ensino Médio de Mato Grosso do Sul, de 2004, e Referencial Curricular da Educação

Básica da Rede Estadual de Ensino/MS – Ensino Médio, de 2008. Com esse trabalho, a autora

buscou compreender qual era o espaço designado à literatura nas escolas estaduais do Mato

Grosso do Sul, como esse espaço se moldava historicamente e tencionou contribuir para

futuros estudos cujas temáticas fossem correlatas à sua.

O trabalho seguinte, Competências leitoras em foco: o ensino de Literatura no Ensino

Médio, de Maria Heloisa Souza Oliveira, defendido em 21/02/2013, pelo Programa de pós-

graduação em Linguística Aplicada da Universidade de Taubaté, nível mestrado, teve como

objetivo principal a promoção da leitura literária com vistas à formação de leitores críticos. A

autora justifica sua escolha em razão das “tradicionais aulas de Historiografia literária” que

privilegiam o autor, o contexto e a estética em detrimento do leitor. Os dados que compõem a

pesquisa foram coletados em uma escola pública de ensino médio da região do Vale do

Paraíba.

A dissertação Literatura e ensino: professores e poetas na construção de saberes, de

Regina Lúcia de Araújo Gramacho, defendida em 03/05/2013 pelo programa de Pós-

graduação em Educação da Universidade Federal da Bahia, apresentou como problema de

pesquisa uma proposta de investigação sobre “a possibilidade de construção de modos de

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leitura que traduzissem o estudo/ensino da literatura a partir da intertextualidade em obras do

PNBEM (Programa Nacional da Biblioteca Nacional do Ensino Médio)”. Como suporte

metodológico, a autora utilizou a Etnopesquisa crítica, que a auxiliou em suas escolhas no

tocante à análise e coleta de dados extraídos de registros de diário de campo, documentos

oficiais, escritas memorialísticas e livros do acervo do PNBEM 2009. Tendo como objeto de

pesquisa a literatura em seu viés pedagógico (leitura, professores, ensino e alunos), a autora

justificou sua pesquisa em função da relação entre literatura e ensino calcada na periodização

literária que não reconhece o texto literário como arte.

A pesquisa Letramento literário no ensino médio: o que propõem livros didáticos? de

Luciana Mara Torres Buccini, defendida em 26/02/2016 pelo programa de Pós-graduação em

Educação, nível Mestrado, da Universidade Federal de Minas Gerais, partiu de reflexões da

pesquisadora sobre o ensino de literatura no nível médio a partir dos livros didáticos enviados

às escolas pelo Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio. Como problema de

pesquisa, buscou investigar “quais propostas de formação literária têm apresentado livros

didáticos de Língua Portuguesa para o Ensino Médio nos últimos anos?” O trabalho foi

realizado através da coleta de dados em documentos oficiais como Parâmetros curriculares

(1999), Orientações curriculares (2006) e guias do PNLEM (2006 e 2015). O trabalho se

concretizou com a análise de livros didáticos selecionados (duas edições de 2006 e 2015) a

partir de categorias de análise como organização; coletânea textual; atividades; diálogo da

literatura com outras artes em capítulos que apresentavam conteúdos de literatura. Como foco

da dissertação, a autora se pautou no ensino de literatura a partir das discussões sobre

letramento literário, formação de leitores e função social da literatura.

A dissertação De um leitor para leitores: os sujeitos da leitura literária no contexto

escolar, de Vagna Isaias Gomes, defendida em 07/12/2015, pelo Programa de Pós-graduação

em Letras da Universidade Federal de Roraima se concentrou na apropriação e na produção

de sentidos oriundas da leitura literária. A pesquisa se realizou em duas escolas estaduais do

ensino médio de Boa Vista (RR) com professores e estudantes. A autora afirma que analisou a

mediação do trabalho docente com a leitura literária em sala de aula, como se dava a

apropriação e também como ocorria a produção de sentidos a partir da leitura literária naquele

contexto. Como resultado, a autora entendeu que os alunos gostavam de ler literatura, porém o

seu contato com o texto literário se realizava, em maior ocorrência, através do livro didático.

Por isso, enfatizou que a mediação do professor é essencial para a concretização do que

defende: a prática da leitura de literatura.

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Em relação às teses, destaco As práticas de leitura literária de adolescentes e a

escola: tensões e influências, de Gabriela Rodella de Oliveira, defendida em 08/10/2013 pelo

Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade de São Paulo. O trabalho teve

como objetivo “descrever, analisar e interpretar as práticas de leitura literária de adolescentes

que frequentam a escola”. A coleta de dados compreendeu quatro escolas paulistas, sendo

duas públicas e duas privadas, três localizadas na capital e uma na região metropolitana de

São Paulo e utilizou questionários (com questões fechadas e abertas) aplicados a 289

estudantes e entrevistas com 63 desses estudantes. Todos eles eram alunos do primeiro ano do

ensino médio. Como resultado, a autora evidenciou a influência da cultura de massa em

relação às escolhas dos estudantes voltadas à leitura de best-sellers, independentemente dos

estratos sociais. Verificou a difícil relação entre os estudantes e as leituras obrigatórias

solicitadas pelas escolas, em função da linguagem, da intelecção e dos prazos para a

realização de avaliação sobre as referidas leituras. Ainda constatou o desprezo pelas leituras

escolhidas pelos estudantes por parte das escolas, percebeu a necessidade de uma mediação

adequada no tocante ao trabalho com as obras indicadas pelas escolas e como o nível

socioeconômico e a formação familiar influenciavam no desenvolvimento dos estudantes em

relação ao tempo dispensado à prática de leitura, ao espaço onde se pratica a leitura e ao

acesso daqueles estudantes aos livros e à literatura.

Em seguida, o trabalho A educação para as relações étnico-raciais e o ensino da

literatura no ensino médio: diálogos e silêncios, de Maria Aparecida Rita Moreira, defendido

em 25/03/2014 pelo Programa de Pós-graduação em Literatura da Universidade Federal de

Santa Catarina. A autora apresentou como justificativa as dificuldades para o estabelecimento

da literatura afro-brasileira no ensino médio brasileiro. Apresenta como proposta a inserção

dessa literatura no espaço escolar por entender que a Educação literária pode dialogar com a

Educação para as Relações Étnico-Raciais. A autora ainda acrescenta, como motivação à

realização da sua pesquisa, a invisibilidade dos sujeitos negros no cânone literário brasileiro.

Dessa observação, defendeu uma educação literária diferenciada a partir da análise dos contos

“Boneca”, de Cuti; “A descida”, de Júlio Emílio Braz; “Uma furtiva lágrima”, de Nei Lopes e

“Olhos d‘água” e “Zaíta esqueceu de guardar os brinquedos”, de Conceiçao Evaristo.

Segundo Moreira, são textos que apresentam “um novo ponto de vista sobre as personagens

negras”. Os dados do seu estudo foram coletados através de, além dos cinco contos descritos,

uma “formação à distância oferecida a professores do ensino médio da rede pública estadual

de Santa Catarina”. Com o trabalho, a autora espera auxiliar a prática docente de professores

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de outros estados tendo em vista a construção de uma nova pedagogia literária “comprometida

com a luta antirracista no Brasil”.

A seguir, a tese A literatura marginal-periférica e sua inserção no ensino médio, de

Sandra Eleine Romais Leonardi, defendida em 28/03/2016 pelo Programa de Pós-graduação

em Educação da Universidade Federal do Paraná. O trabalho parte da observação da autora

em relação ao crescimento, à divulgação e ao consumo da “literatura marginal-periférica

enquanto elemento de representação simbólica de um grande estrato social brasileiro, nos

meios de comunicação social, cultural e educacional. Dessa observação, surgiu como

problema de pesquisa a necessidade de se “mapear as concepções acerca da literatura

marginal-periférica formuladas pelos centros acadêmicos no Brasil e verificar os processos de

inserção desta produção literária no conteúdo curricular do Ensino Médio, especificamente na

disciplina de Língua Portuguesa e Literatura”. Para isso, a autora descreveu como realizou o

seu processo de investigação: levantamento bibliográfico de teses e dissertações sobre a

temática que pesquisava; também verificou na legislação educacional brasileira as disposições

referentes ao conteúdo programático de literatura no ensino médio a fim de discutir a

possibilidade da inserção da literatura marginal-periférica nos conteúdos da referida

disciplina. Além disso, analisou as estratégias de inclusão dessa literatura na escola através

dos livros didáticos aprovados pelo PNLD (2015) e pela lista de títulos distribuídos nas

escolas através do PNBE (2008 a 2014).

A tese Literatura e ensino: o estudo da literatura contemporânea no livro didático de

nível médio no Brasil e na Argentina, de Silvio Pereira da Silva, defendida em 15/10/2015

pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade de São Paulo, teve como

objetivo “analisar como a produção literária contemporânea é estudada no livro didático

utilizado no Ensino Médio em dois países latino-americanos: Brasil e Argentina”. Como

suporte metodológico, o autor utilizou a pesquisa documental e bibliográfica, justificando sua

escolha a partir de estudos realizados sobre os “modelos de ensino de literatura em livros

didáticos e em documentos oficiais que orientam e direcionam a escolha de conteúdos para as

séries básicas e intermediárias, como o Guia Nacional do Livro Didático, diretrizes e

parâmetros curriculares, programas nacionais de ensino, incluindo partes da legislação

pertinente em cada país”. O autor ainda acrescenta que sua análise buscou verificar como era

proposto o ensino da literatura contemporânea nos livros didáticos do ensino médio dos dois

países a fim de compreender os processos de ensino, “observando qual o tratamento indicado

para o estudo de literatura, qual o destaque para os textos contemporâneos, quais as propostas

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de análise e interpretação de textos apresentadas, que autores são estudados”. Como resultado,

o autor revelou que o ensino de literatura é orientado por diferentes linhas teóricas e

metodológicas em cada um dos países pesquisados. No Brasil, constatou a supremacia da

linha historiográfica através da periodização da literatura, enquanto na Argentina o mesmo

ensino privilegia os gêneros literários associados “à apresentação de temáticas que permitem a

apreensão da identidade nacional”.

Finalizando, a tese A obra literária vai ao cinema: um estudo da prática docente em

literatura brasileira, de Maria Fátima Menegazzo Nicodem, defendida em 17/12/2013 pelo

Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá, teve como

objetivo “conhecer na ação de professores/as de língua e literatura o desempenho do uso de

mídia cinematográfica como estratégia para o incentivo à leitura de obras literárias”, tendo

como problema de pesquisa “três perguntas fulcrais que permearam toda a pesquisa: como,

por que e para que utilizar mídias cinematográficas no ensino de Literatura brasileira?”. Para

viabilizar o seu trabalho, a autora optou pela pesquisa-ação através de intervenção pedagógica

a fim de coletar dados empíricos. Para conseguir os dados, a pesquisadora relata a realização

de um evento de extensão – “Cinema e Literatura no Ensino Médio” – ocorrido entre julho e

agosto de 2012, para professores de língua e literatura atuantes na rede estadual de ensino e

pertencentes ao Núcleo Regional de Ensino de Foz do Iguaçu. Como instrumento de coleta de

dados, a autora utilizou doze questionários semiestruturados “sendo dois gerais (um ao início

e outro ao fim da pesquisa) e dois para cada um dos cinco filmes exibidos e trabalhados

didaticamente”. O exercício ofereceu leituras, interpretações e indicou possibilidades em

relação à prática docente dos participantes. Como resultado, verificou a inquietude dos

professores em buscar alternativas a fim de modificarem suas atuações nos processos de

ensino-aprendizagem. Por fim, concluiu que o uso das mídias e das obras fílmicas, mesmo que

situadas em um “panorama de contínua transformação”, não substitui “sob qualquer hipótese,

a leitura da obra literária, por isso a cinematografia inspirada na literatura serve como

estratégia de apoio para articular e incentivar as atividades de leitura”. Segundo a autora, isso

foi percebido nas respostas fornecidas pelos professores participantes e nos estudos do

referencial teórico que embasaram sua investigação.

1.3 Justificando a pesquisa

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O interesse em pesquisar a temática “Educação literária” está relacionado ao trabalho

docente e sua interlocução com o público discente. Para tanto, discutimos as práticas

educacionais que envolvem o tratamento com a educação literária e suas consequências no

que diz respeito à formação de leitores. Trata-se, dessa forma, de uma tentativa de provocar

discussões a fim de entender critérios, objetivos, implicações, dentre outros, presentes nos

discursos, nas práticas e nos documentos que legitimam os processos de ensino-aprendizagem

da literatura na escola.

Como referencial para sustentar as investigações, utilizo a História Cultural, assim

definida por Roger Chartier (1988, p. 17):

A história cultural, tal como a entendemos, tem por principal objetivo

identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada

realidade social é construída, pensada, dada a ler. Uma tarefa deste tipo

supõe vários caminhos. O primeiro diz respeito às classificações, divisões e

delimitações que organizam a apreensão do mundo social como categorias

fundamentais de percepção e de apreciação do real. Variáveis consoante as

classes sociais ou os meios intelectuais, são produzidas pelas disposições

estáveis e partilhadas, próprias do grupo. São esses esquemas intelectuais

incorporados que criam as figuras graças às quais o presente pode adquirir

sentido, o outro tornar-se inteligível e o espaço ser decifrado.

A identificação deste estudo com o referencial acima se justifica pela necessidade de

se entender e se interpretar um determinado contexto a partir de suas práticas. Por serem as

escolas espaços marcados por discursos legitimados a partir de certos “esquemas intelectuais”,

buscamos na História Cultural o suporte necessário ao desenvolvimento desta pesquisa. Para

Chartier, a realidade social é construída pelo sujeito num dado momento, não é o real, mas

parte dele e deve ser contextualizada, representada pelos seus integrantes membros de um

grupo social. Desta forma, várias representações são construídas e compartilhadas, e as

imagens dessas representações são analisadas e interpretadas de diversas formas.

Por isso, o presente trabalho está, assim, apoiado na teoria do referido autor sobre a

História Cultural, uma vez que se trata de investigação sobre modelos de educação literária

existentes em escolas públicas de Salvador (BA), nascidos a partir de representações de

grupos político-educacionais, sociopolíticos, político-econômicos e socioeducacionais. Por ser

um trabalho com foco na educação literária brasileira, segue a linha do teórico Antonio

Candido, cujo recorte contempla o período em que o Brasil foi declarado como nação, em

1822 (embora outros autores considerem como brasileira a produção literária entre 1500-

1822). Assim, o conteúdo da primeira série do ensino médio foi excluído da pesquisa, uma

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vez que o recorte literário ali presente se refere à produção colonial, quando o Brasil ainda

pertencia a Portugal. O marco temporal, portanto, é o Romantismo, primeiro movimento

artístico do Brasil-nação.

Desse modo, a presente pesquisa amplia o arcabouço teórico construído anteriormente,

por ocasião da pesquisa de Mestrado, realizada na Universidade Estadual de Santa Cruz

(UESC) entre os anos de 2008-2010. A investigação buscou as estratégias editoriais presentes

no livro didático que formavam o leitor contemporâneo de Machado de Assis. Para tanto,

foram utilizados três manuais da segunda série do ensino médio aprovados pelo PNLEM

vigente. Os títulos foram: Português: contexto, interlocução e sentido, de Maria Luíza

Abaurre, Maria Bernadete Abaurre e Marcela Pontara; Português Linguagens: literatura,

produção de textos, Gramática, de William Cereja e Thereza Cochar Magalhães; Português,

de José de Nicola. Em razão desse estudo, o livro didático se manteve na pesquisa de

doutorado, mas agora não mais como objeto de análise deste pesquisador. Passou a ser

considerado todo o processo de educação literária oriundo das escolas participantes deste

estudo. Assim, além do livro didático, há também uma pesquisa documental, configurada a

partir de projetos político-pedagógicos, planos curriculares de disciplinas e observação de

aulas e conteúdos dos discursos das professoras e dos estudantes sobre a sua relação com a

literatura dentro e fora da escola.

Com a definição do tipo de pesquisa e do local onde a investigação aconteceria,

chegou-se ao seguinte problema de pesquisa: Como os conteúdos das representações

presentes no contexto de escolas públicas de Salvador (BA) sugerem formas de apropriação

do texto literário a partir de um modelo de educação literária junto a professores e

estudantes do ensino médio?

Como hipótese, entendemos que o leitor deve ser formado para além dos muros da

escola. Entretanto, os modelos instituídos de educação literária se consolidam nas práticas

pedagógicas privilegiando autores, textos e formas de apropriação da literatura. Esses são os

conteúdos das representações do que se convencionou a considerar literatura no contexto

escolar. Por outro lado, a educação literária não se restringe a uma única representação, pois

apresenta concepções, contextos e finalidades que são embasados em diversas realidades

sociais. Diante do exposto, supomos que a educação literária praticada nas escolas

pesquisadas se traduzem em modelos construídos, representados e concebidos por instituições

hierarquicamente superiores às escolas, por professores e estudantes.

Quanto aos objetivos, assim os destacamos:

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Geral: Investigar como os conteúdos das representações presentes no contexto de escolas

públicas de Salvador (BA) sugerem formas de apropriação de textos literários contidos nos

diversos modelos de educação literária junto a professores e estudantes do ensino médio.

Específicos:

Identificar e analisar as representações que emergem do Projeto Político Pedagógico das

escolas;

Analisar os conteúdos programáticos de literatura contidos nos planos curriculares de

Língua Portuguesa e Literatura das escolas selecionadas para a pesquisa;

Identificar e analisar, a partir dos planos de aula, o conceito de literatura adotado pelas

escolas selecionadas para a pesquisa;

Analisar o processo de ensino-aprendizagem de literatura a partir dos registros realizados

durante as observações das aulas;

Identificar e analisar, a partir das observações das aulas, o conceito de literatura delineado

na prática pedagógica das professoras participantes da pesquisa;

Identificar e analisar, por meio de entrevistas, as concepções de leitura, literatura, aulas de

literatura, relação com a prática de leitura literária e usos do livro didático apresentados

pelos alunos das escolas selecionadas para a pesquisa;

Identificar e analisar, por meio de entrevistas, as concepções de literatura, leitura literária,

prática docente, políticas públicas voltadas à promoção da leitura no Brasil e usos do livro

didático apresentadas pelos professores das escolas selecionadas para a pesquisa;

Comparar a prática docente aos planejamentos dos professores e às indicações do PPP

com a finalidade de apreender os modelos de educação literária nas escolas públicas

baianas.

1.4. Construindo o texto

A pesquisa se divide em: introdução, três capítulos teóricos, metodologia, um capítulo

de descrição, análise e interpretação, um de resultados e discussões e as considerações finais.

A introdução apresenta as razões da construção desta pesquisa, a construção do problema, o

referencial teórico, a hipótese e os objetivos do trabalho. Com isso, procura-se explicar como

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foi definido o recorte da investigação, o que se buscou, o que se esperava conseguir, os

objetos e os locais da coleta de dados.

O capítulo II (primeiro capítulo teórico) intitula-se “A arte literária – sua circulação e

sua fruição”. Subdivide-se em três partes ou tópicos, assim intitulados: “Era uma vez... a

literatura”; “Conceitos, teorias e histórias: uma reflexão”; “A literatura brasileira: identidade

nacional, crítica e historiografia”. No primeiro tópico, há uma reflexão sobre a literatura,

começando por discutir o que consideramos literatura a partir de um pensamento da escritora

Marisa Lajolo. Refletimos sobre o conceito formal de literatura e como ela se apresenta nas

mais diversas narrativas aos seus leitores. Partimos de um suposto leitor ainda não

escolarizado, mas que tem intimidade com as narrativas através da contação de história por

alguém da família ou de outros contadores de histórias. Refletimos sobre suas escolhas, táticas

e estratégias para tentar entender as histórias bem como a consequente inserção no mundo da

leitura através do que ouve e do que vê nas imagens de livros infantis ou em outras fontes.

Em seguida, chegamos ao leitor alfabetizado, aquele que já domina os códigos da

língua e, teoricamente, não precisa de alguém que leia os textos que chegam até ele. Para

ilustrar esse tipo de leitor, nos apoiamos no conto “Felicidade clandestina”, de Clarice

Lispector. O conto apresenta a história de uma garotinha que tinha verdadeira obsessão pelo

livro Reinações de narizinho, de Monteiro Lobato. O problema era que o livro pertencia a

outra menina e esta fazia questão de exibi-lo, prometendo emprestá-lo mas nunca o fazia. Esse

tipo de leitor, alfabetizado, já possui certa independência ao praticar sua leitura, ainda que não

domine todas as estratégias, assim como a menina protagonista do conto de Lispector o faz.

Após diversas tentativas de conseguir o livro, finalmente, a mãe da dona do livro toma

conhecimento do que se passa e obriga a filha a emprestar o livro à sua colega. A partir daí,

temos uma descrição do que seriam as estratégias criadas pela garotinha para se apropriar do

texto lobatiano. Ela o lê pouco (uma das estratégias do século XIX, inclusive propagada por

médicos da época – a leitura deveria ser praticada em menor escala, dever-se-ia praticar a

releitura, sempre aos poucos, para evitar uma possível loucura), esconde o livro, finge que o

perdeu só para ter a surpresa de encontrá-lo novamente.

Em seguida, propomos uma reflexão sobre o leitor alfabetizado na fase escolar. O

leitor do ensino fundamental que “conhece”, oficialmente, a literatura. Indagamos a

importância de se conhecer esse conceito, uma vez que o pequeno leitor já teria contato com

textos lidos, escritos ou imagéticos, e passaria a tentar encaixar aquele conceito por ora

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apresentado ao seu leque de leituras. E o que não se encaixasse naquele conceito? Seria

desprezado? Seria uma não-literatura?

O leitor escolarizado é o próximo foco. É o leitor aluno do ensino médio. Aquele que

“conhece” ou que é apresentado às famosas escolas literárias constantes nos livros didáticos,

que também apresentam outros conceitos mais elaborados para o termo literatura. Aqui se

forma um perfil de um leitor criado por um modelo de educação literária brasileira adotado

pelo sistema político-educacional. Trata-se de um leitor que, dependendo de seu histórico,

tende a fazer associações dos textos que lê a um período literário, de acordo com as definições

de cada escola literária brasileira.

Para concluir esse tópico, recorremos a Antonio Candido ao falar sobre o direito à

literatura como um dos direitos humanos. Suas palavras são importantes por levar a entender

que, ao encarcerar o aluno leitor em conceitos e terminologias sobre os fenômenos literários, o

sistema educacional brasileiro nega o direito àquele sujeito de se apropriar do texto literário

de outras formas que não aquela consagrada e canonizada pelas escolas. O autor defende que

a literatura seja entendida como um “bem incompressível”, ou seja, aquilo que não se pode

negar a ninguém, como alimento, casa e roupa, por exemplo.

O segundo tópico tem início com uma epígrafe de Antoine Compagnon extraída de

uma conferência realizada na França, em 2006, intitulada “Literatura para quê”? Nela, o autor

discursa sobre as especificidades da tradição literária. Também apresenta sua definição sobre

Teoria e História literárias, propondo uma visão abrangente dos objetos de análise tanto da

teoria literária quanto da história, afirmando que aquele dualismo que buscava opor uma linha

e outra se encontra defasado. Seu olhar se detém na consideração que deve ser feita a partir

das instâncias de produção, nas épocas e nos contextos em que são produzidos os textos

literários. Desse modo haveria, ao invés de simples oposição conceitual, uma aproximação da

Teoria e da História literária visando a apropriação do texto por parte do leitor. Para dialogar

com Compagnon, buscamos apoio nos estudos realizados por Hans Robert Jauss, Antoine

Compagnon, Umberto Eco, dentre outros.

O terceiro tópico apresenta uma discussão voltada para o surgimento da escrita

literária no Brasil. Fazemos uma reflexão sobre a chegada dos portugueses em 1500 e das

produções consideradas oficialmente como textos literários, como a Carta de Pero Vaz de

Caminha, mas com representações ainda portuguesas. Passamos de um controle empenhado

pelas ordens religiosas, com destaque para a Companhia de Jesus, a um controle estatal

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empenhado pelos tratados do Marquês de Pombal. Essas discussões nos ajudam a

compreender como se deu a produção e a circulação de livros no Brasil colônia.

As pesquisas de Marisa Lajolo, Regina Zilberman e Márcia Abreu auxiliaram a

entender como se construiu um perfil dos poucos leitores no Brasil colônia. Eram membros de

uma pequena nobreza e de um clero, inicialmente, os leitores e por vezes também produtores

dos textos que aqui circulavam. Os livros vindos de fora da colônia também compunham o

quadro de produções destinadas aos leitores da época. No entanto, apesar do empenho de D.

João VI em criar a Impressão Régia – por ocasião de sua fuga para o Brasil, quando Portugal

foi invadido pela França – as publicações eram esparsas, pois não havia um número

considerável de escritores. Obras escritas em outras línguas foram republicadas no idioma

português e as produções brasileiras se resumiam a biografias romanceadas contendo elogio a

algum nobre. Eram obras encomendadas por um soberano a um então escritor para que este,

utilizando uma escrita elegíaca, exaltasse os seus feitos, fossem estes verdadeiros ou não.

Márcia Abreu afirma que essa produção funcionava como uma espécie de “moeda de troca”,

em que se negociava a produção destes livros elegíacos para obtenção de favores, cargos,

dentre outros.

A discussão se encerra com a citação de dois contos de Machado de Assis, “Ex-

cathedra” e “A chinela turca” e do romance Dom Casmurro. Os textos citados possibilitam

variadas reflexões sobre o perfil de leitor que se enquadrava como ideal ou modelo para

aquelas obras. Também propunham um jogo entre texto, narradores e leitores pontuados pelas

estratégias de quem contava a história e das possíveis táticas de que os receptores dispunham

para conseguirem formular uma compreensão do que era lido.

O capítulo III (segundo capítulo teórico) é nomeado como “O livro didático como

objeto da história da educação brasileira”. A escrita deste capítulo se justifica por ser o livro

didático o mais importante suporte ao trabalho docente e, em muitos casos, o único suporte

disponível a professores e estudantes. Desse modo, no caso da educação literária, é também o

principal revelador da literatura, aliado ao discurso do professor, aos discentes.

Esta parte do trabalho está dividida em quatro tópicos. O primeiro cataloga uma série

de publicações sobre o livro didático brasileiro, ou seja, faz uma revisão de literatura a fim de

embasar os estudos a partir da fortuna crítica disponível. Com isso, fica claro o que se

pesquisou e o que se criticou sobre o LD desde o seu surgimento na década de trinta do século

XX até os dias atuais. O segundo tópico propõe uma discussão sobre o conceito de livro

didático e suas implicações históricas. Para tanto, utilizamos as definições de Antônio Gomes

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Batista, Maria José Coracini, Marisa Lajolo e Regina Zilberman para entender não apenas sua

definição mas também o seu objeto e os seus precursores ou antecedentes.

O terceiro tópico se refere ao Programa Nacional do Livro Didático, sua história e sua

ampliação desde o seu surgimento em 1985. Aqui realizamos uma breve descrição do

histórico do LD, referenciando o ano de 1929, quando o governo da época cria o Instituto

Nacional do Livro (INL) e, com isso, passa a produzir materiais didáticos a serem

encaminhados para as escolas públicas brasileiras. Em seguida, em 1938, com o Decreto-Lei

nº 1.006, de 30/12/38, que cria a Comissão Nacional do Livro Didático, há uma série de

modificações/ampliações de regimentos/leis que alteram a produção, circulação e o consumo

dos materiais didáticos até o ano de 1985, quando se cria o PNLD em substituição PLIDEF

(Programa do Livro Didático para o Ensino Fundamental), em 1971.

O quarto tópico se atém às políticas públicas para o livro didático. Com base na

pesquisa realizada pela professora Célia Cassiano (2013), refletimos brevemente sobre o

período que compreende o ano 1985 até o ano 2013. São discussões sobre as políticas

públicas do governo José Sarney ao governo Dilma Rousseff, com destaque para as gestões de

Fernando Henrique Cardoso – que, segundo a autora, teve nas reformulações do PNLD uma

de suas plataformas de promoção do seu governo – e as gestões de Luiz Inácio Lula da Silva,

que ampliaram o espaço de atuação do PNLD, criando mais três programas: o Programa

Nacional do livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM), o Programa Nacional do Livro

Didático para a Alfabetização de Jovens e Adultos (PNLA) e o Programa Nacional do Livro

Didático para a Educação de Jovens e Adultos (PNLD EJA).

O capítulo IV (terceiro capítulo teórico) intitula-se “A educação literária brasileira –

seus modelos e suas implicações”. Aqui, apresentamos um capítulo subdividido em três

tópicos. O primeiro propõe uma discussão sobre o conceito de educação literária, apoiado

pelas definições oferecidas pela pesquisadora Cyana Leahy-Dios. Para a autora, a educação

literária somente se realizará a partir do momento em que a literatura apropriada pelo discurso

escolar consiga se estabelecer como disciplina pedagógica e seja tratada de forma consciente

pelos alunos e pelos professores. Isto é, que o tratamento dispensado à literatura não se

resuma aos preceitos do livro didático, mas que suscite discussões e reflexões a partir do que

será lido. Para ilustrar as nossas considerações, tomamos como exemplo o conto machadiano

“Teoria do Medalhão” e destacamos como o projeto de educação literária proposto por Leahy-

Dios poderia se realizar ao tomar para si o objeto literário e promover a interdisciplinaridade

tão aclamada pelos documentos oficiais do sistema político-educacional brasileiro.

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O segundo tópico discute o conceito de letramento literário, nas perspectivas de Rildo

Cosson e Graça Paulino, e sua relação com o livro didático. Para os autores, o letramento

literário se realiza quando é possível se apropriar do texto literário e assim produzir sentidos

para aquilo que se leu. Embora seja possível encontrar esse argumento nos manuais do

professor, o livro didático se encontra distante desse processo, pois suas propostas não

promovem tal realização. Na verdade, os condicionamentos impostos ao tratamento do texto

literário no LD e as propostas de interpretação, constituídas de questionários e múltiplas

escolhas, estão longe de possibilitar ao aluno leitor, e até mesmo ao professor, a produção de

sentidos, ainda que seja a partir de um fragmento de literatura.

O terceiro tópico apresenta uma discussão sobre o que o livro didático considera

“literatura”, a partir das preferências e dos modelos de textos, metodologias e aplicação dos

temas extraídos de textos originais. Seguindo as considerações de pesquisadores como Regina

Zilberman, Marisa Lajolo, Ezequiel Theodoro da Silva, dentre outros, a literatura é travestida

de História da literatura, e o que chega aos alunos se resume ao conhecimento de títulos de

obras canônicas, autores, principais características dos movimentos literários e outras

“verdades” canonizadas no LD. Aqui se encerra a discussão teórica sobre a educação literária

proposta pelo livro didático e trabalhada nas escolas públicas brasileiras. Trata-se de um

modelo que exclui a interpretação e a construção de sentidos enquanto impõe a mentalização e

a solidificação de conceitos e conteúdos pensados com a finalidade de perpetuar um cânone

que, muitas vezes, se distancia do público discente.

Em seguida, apresentamos a metodologia do trabalho. O capítulo se subdivide em:

Construindo a pesquisa (em que explicamos o que nos levou a pesquisar o nosso tema); A

construção da metodologia (aqui explicamos a natureza e a abordagem da pesquisa e também

justificamos a seleção da revisão de literatura); Delineamento da pesquisa (subdividido em

Seleção das escolas e Amostragem); A aplicabilidade da revisão de literatura, O trabalho de

campo (Aqui descrevo o percurso do pesquisador na busca dos participantes da pesquisa); A

coleta de dados (referente aos instrumentos de coleta: Observação, Pesquisa Documental,

Entrevista e Questionário); Análise e interpretação de dados (subdividido em Estabelecimento

das categorias, análise dos dados e interpretação dos dados). Através da metodologia, foi

possível apoiar a pesquisa e estabelecer o rigor científico necessário ao estudo que se

desenvolveu a partir da relação entre o suporte teórico e a revisão de literatura e os dados

coletados durante o processo investigativo.

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No capítulo seguinte, “Análise descritiva e interpretativa dos dados a partir dos

documentos escolares, das observações simples e das entrevistas”, procedemos ao estudo dos

dados extraídos através da coleta realizada nos espaços escolares. Por ser extenso em razão da

quantidade de instrumentos utilizados, estruturamos este capítulo da seguinte forma: Perfil das

escolas; Projeto político pedagógico; Descrevendo os dados do PPP da Escola Heurisgleides

Ferreira; Descrevendo os dados do PPP da Escola Renailda Sousa; Análise e interpretação dos

dados dos PPP das escolas; Os Planos curriculares de disciplinas; A Observação simples;

Observando as aulas; A Entrevista; Entrevistando as professoras; Entrevistando os alunos,

Aproximação dos dados. Neste capítulo, realizamos o passo a passo do trabalho de campo a

fim de contemplar os instrumentos da coleta dos dados previstos na metodologia através do

estudo analítico e descritivo necessário a essa etapa da pesquisa.

Na sequência, encontra-se o capítulo “Resultados e discussões”, subdividido em:

Minha relação com a educação literária; Discutindo os resultados; Os modelos de educação

literária revelados pela pesquisa; O modelo de educação literária historiográfico-literário; O

modelo de educação literária de concepção pedagógico-literária; O modelo concebido de

educação literária; Respondendo ao problema de pesquisa. Nesse capítulo, com base no que

foi anteriormente descrito, analisado e interpretado, foi possível estabelecer discussões a partir

das práticas evidenciadas no processo da investigação, perceber as formas de apropriação

praticadas pelos atores escolares e também entender as representações em relação aos

modelos de educação literária coexistentes naqueles espaços. Com isso, também foi possível

responder ao problema de pesquisa apresentado nesta proposta de investigação.

Por fim, encerramos com as Considerações Finais, subdivididas em Reflexões;

Implicações e Desdobramentos. Aqui a pesquisa apresenta posicionamentos do autor em

relação ao aprendizado adquirido durante todo o processo de estudo. Também reflete sobre os

impactos das medidas do Governo Federal no âmbito da Educação, especificamente a PEC

241/55 e a MP 746, as quais tendem a barrar os avanços, ainda que tímidos, em relação às

políticas públicas voltadas à promoção e ao acesso da população à educação pública e de

qualidade. Além disso, também defende a importância da tese sugerindo que as pesquisas

sobre essa temática avancem na academia, uma vez que há uma variedade de problemas

procedentes da educação literária brasileira. Por fim, propõe sugestões aos problemas

relacionados à temática explorada, tendo por base o estudo realizado aqui descrito.

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II – A ARTE LITERÁRIA – Sua circulação e sua fruição

2.1. Era uma vez... a literatura

Será que é errado dizer que literatura é aquilo que cada um de nós considera

literatura? Por que não incluir num conceito amplo e aberto de literatura as

linhas que cada um rabisca em momentos especiais? [...] Porque não chamar

de literatura a história de bruxas e bichos que de noite, à hora de dormir, sua

mãe inventava para você e seus irmãos? [...] Estes textos não têm a mesma

cidadania literária que o romance famoso com crítica no jornal e comentado

na escola? (LAJOLO, 1982, p. 10).

As questões propostas por Lajolo (1982) são indagações que nos provocam a também

formular outras questões sobre o fenômeno literário: por que há uma espécie de classificação

hierárquica da literatura, dividindo-a em clássica, canônica, popular, de entretenimento, de

bolso, de mercado, de cordel, dentre outras nomenclaturas? Em que tal classificação

influenciaria a leitura de um texto literário realizada por um suposto leitor? Existe um valor de

mercado, social, atrelado às práticas de leitura literária? Haveria uma espécie de controle ou

um cuidado para que essa hierarquia literária fosse mantida, como, por exemplo, uma

distribuição de cada tipo de literatura a públicos específicos, levando em consideração

critérios sociais e políticos, por exemplo?

Essas perguntas nos motivam a refletir sobre a Literatura a partir do momento em que

nos deparamos com essa arte, em nossa trajetória, como leitores. Tomando por base o Brasil,

em princípio, conhecemos a literatura, embora não com esse nome, através das narrativas

clássicas infantis contadas por avós, pais, mães, tios, professores, contadores de histórias,

narradores de desenhos animados apresentados na TV, dentre outros, quando ainda somos

crianças. Também nessa fase é possível conhecer as anedotas, as adivinhações, os poemas

rimados, dentre outras criações, as quais são responsáveis por provocar a imaginação das

crianças, fazendo com que estas experimentem criar mundos paralelos ao chamado mundo

real, como o fantástico e o maravilhoso, por exemplo. É nessa fase que a leitura exige

habilidades do receptor para entender uma imagem presente em algum impresso ou em

alguma tela, criar outras tantas imagens a partir das histórias que ouve ou simplesmente

inventá-las. Assim, mesmo sem reconhecer o código de sua língua (quando ainda não

alfabetizado), o leitor já existe, pois já sabe fazer associações, inferências, criar outras

histórias, ainda que não seja a mesma contada em um livro infantil, em um jornal ou em uma

revista em quadrinhos.

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Como ainda não há a rigidez dos parâmetros escolares, o “leitor” infantil ignora o que

seja literatura, qual seu conceito e quais as discussões teóricas que legitimam uma obra

escrita, dentre outras convenções. É também comum ao mundo infantil uma relação que

envolve admiração, sedução e criatividade com o livro, independente da sua natureza. Desse

modo, as crianças ainda não alfabetizadas olham a capa e as gravuras (se houver) e contam

suas histórias, tendo por base a própria imaginação.

Quando a criança já é alfabetizada, há a possibilidade de realização das expectativas

que possuía quando não era alfabetizada. Também é possível, nessa fase, uma extensão do

sentimento que havia entre o leitor e a leitura, passando a combiná-los com o suporte. Essa

relação pode ser observada no conto “Felicidade clandestina”, de Clarice Lispector. A história

apresenta uma garotinha apaixonada pelo livro Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.

Ao descobrir que outra menina possuía o referido livro, punha-se a pedi-lo emprestado e

sempre ouvia uma desculpa da dona do livro para não emprestá-lo. Obstinada, a garota não

desistia e sempre ia até a casa dos pais da menina “gorda, baixa, sardenta e de cabelos

excessivamente crespos, meio arruivados” (LISPECTOR, 1998, p. 11), no intuito de

conseguir o seu objetivo. Um dia, a mãe da dona do livro, estranhando a silenciosa presença

daquela garotinha todos os dias, cobrou explicação das duas. Ao entender o que acontecia,

obrigou a filha a emprestar o livro e realizou o desejo da brava leitora:

“E você fica com o livro por quanto tempo quiser.” Entendem? Valia mais

do que me dar o livro: "pelo tempo que eu quisesse" é tudo o que uma

pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer. Como contar o que

se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu

não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí

andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos,

comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa,

também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.

Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois

ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas,

fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com

manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por

alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa

clandestina que era a felicidade (LISPECTOR, 1998, p. 11).

O texto ficcional de Clarice Lispector mergulha e convida o leitor a também mergulhar

no universo infantil e conta a história de uma menina e de suas visões acerca do contexto em

que vive. Nesse contexto o que mais lhe interessa é o livro pertencente a outra menina. A

imaginação da garota e a forma como a história é contada podem também provocar a

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imaginação do leitor do conto, pois mexe com as memórias de todos nós que tivemos contato

com algum livro em nossa formação leitora. Também é possível perceber a preocupação da

menina em não “devorar o texto” de uma vez. Assim, prefere admirar o suporte, sentir-se

dona em sua plenitude, antes de realizar o que a satisfazia: a leitura. E essa realização dar-se-

ia através da paixão e da certeza de uma ávida leitora em acessar uma famosa narrativa da

literatura brasileira.

Ao começar o processo de alfabetização escolar, passamos a outro nível do

“reconhecimento” da literatura através das aulas e do livro didático. No ensino fundamental, a

literatura é tratada como gênero e não há uma separação da disciplina Língua Portuguesa. A

literatura, aqui, aparece em forma de fragmentos de narrativas e de poemas (às vezes estes são

transpostos para o LD na íntegra), desde a literatura infantil dita clássica até a literatura

contemporânea. Nesse momento, a criança, aluna, leitora, cidadã conhece formalmente a

literatura. Mas será que nessa fase é possível se apropriar de conceitos e nomenclaturas

complexas que definem e classificam o termo em questão? Ou será que a ampliação do

horizonte de expectativas do leitor suplanta quaisquer terminologias conceituais? Reflitamos.

No ensino médio, a literatura passa a ser tratada como disciplina pelo livro didático

(embora não seja pelos documentos oficiais), se julgarmos pela divisão apresentada pelos

manuais, gozando do prestígio de ter uma seção que a separa da Gramática e da Produção de

textos. Às vezes, uma coleção possui um livro separado apenas com conteúdos referentes à

literatura. E é nesse momento que vem à tona uma extensa quantidade de conceitos e

nomenclaturas. Além de um conceito de literatura apresentado em cada manual didático, há

outros conceitos, os quais são apresentados em todo o ensino médio brasileiro. Pela ordem,

Trovadorismo, Humanismo, Classicismo, Barroco, Arcadismo, Romantismo, Realismo,

Naturalismo, Parnasianismo, Simbolismo, Pré-modernismo, Modernismo, Pós-modernismo. E

há ainda as ramificações dentro de alguns movimentos, como o Romantismo (que possui três

gerações) e o Modernismo (formado por três fases e relacionado também ao pré-modernismo

e ao pós-modernismo), por exemplo. Aqui se configura a formação cidadã do leitor pelo livro

didático. A partir daí, o referido leitor já escolarizado é “convencido” a enquadrar qualquer

texto literário em uma das classificações citadas acima. Ou seja, aquilo que começa como

provocação, fruição a partir da contação de histórias na infância, tende a se “domesticar” com

as classificações propostas pela periodização da literatura brasileira. Salvam-se aqueles que

possuem uma história de leitura que vai além dos muros escolares, ou seja, os que leem à

revelia dos manuais escolares:

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A escola media o encontro entre a criança e a obra de arte literária de forma

bastante diferente da mediação feita entre o adolescente e o texto literário.

Para este, a experiência literária escolar se volta para o “aprender”, mais e

mais distanciado do prazer e da criatividade literários, com ênfase nos

aspectos mais formais e menos desafiadores da educação (LEAHY-DIOS,

2004, p. XXVIII-XXIX).

É possível perceber, em alguns romances brasileiros, histórias que ficcionalizam uma

relação entre leitores e escolas, o que também pode provocar o leitor a repensar sua formação

escolar. No livro A formação da leitura no Brasil, Marisa Lajolo e Regina Zilberman

destacam a obra Sílvia Pélica na Liberdade, de Alfredo de Mesquita, como um dos exemplos

de obras literárias contextualizadas em um ambiente voltado às práticas escolares. A história

se baseia em casos acontecidos entre 1899 e 1917 na casa do avô materno do autor, Cerqueira

César, e apresenta a seguinte passagem:

Quando Sílvia ficou na idade, Nhá Lica pensou em mandar ela prá escola.

Sílvia precisava aprender a ler, escrever, fazer conta, como as outras

crianças. Então, Nhá Lica, que era muito boa, lembrou da escola de D.

Margarida, coitada, que era uma senhora tão virtuosa trabalhadeira e

esforçada. A gente devia mesmo ajudar ela, que lutava tanto, tinha tanta

precisão. Mais uma aluna já adiantava [...]

_ Vamos Sílvia, que é isso? Leia.

Um sorriso indefinido levantou os cantos da boca, apertou os

olhinhos miúdos de Sílvia, que continuava muda.

_ Vamos, Sílvia, seu Zezé foi mostrando as sílabas escritas. Vamos,

soletre comigo: b, ó, bó, T, e; te... Vamos.

Sílvia olhou bem o desenho por cima da palavra e, sorrindo,

triunfante:

_ B, ó, bó, t, e, te: Canoa. Disse.

_ Ora, Sílvia que é isso? Então é assim que te ensinaram na escola?

Então, vamos continuar a ler, disse seu Zezé e mostrou outra palavra

para Sílvia. Vamos juntos: S, ó, só, F, á, fá...

E Sílvia, fiel a seu próprio método de soletração:

_ S, ó, só, F, á, fá... Deu uma espiada no desenho em cima, e:

Cadeira! (LAJOLO; ZILBERMAN, 2011, p. 167).

O método de ensino utilizado por seu Zezé para alfabetizar a pequena Sílvia se revela

tão ineficiente quanto o escolar, o qual ele critica. As inferências feitas pela criança, embora

não atinjam o significante escolhido pelo seu alfabetizador, traduzem as concepções da

garotinha no que diz respeito ao estabelecimento de uma relação entre um determinado objeto

e uma palavra que ela já conhece e que, em sua análise (notemos que ela pensa antes de

responder), pode perfeitamente nomear o objeto à sua frente. Assim, a condição criativa da

pequena Sílvia esbarra na rigidez didática do seu Zezé. Porém, a decidida criança segue o seu

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próprio raciocínio e não permite que sua criatividade e o seu método de análise sejam

desconstruídos, por enquanto. Também podemos ampliar, a partir do texto extraído, uma

discrepância que ocorre nas escolas ao se trabalhar a leitura e tentar extrair desta,

frequentemente, conceitos ou definições já contidos no livro didático ou em um dicionário. O

paradoxo se revela quando o texto literário é alvo de “domesticação” para se ensinar

conteúdos gramaticais, por exemplo, ignorando a sua natureza complexa, simbólica, ambígua.

Por outro lado, nem todos aqueles que passam pelas aulas de leitura nas escolas

brasileiras, em especial as públicas, conseguem ou se dão conta de que precisam resistir para

mudar essa realidade. O ensino de leitura literária encontra cada vez mais empecilhos para se

realizar. O descalabro vai desde a leitura (que muitas vezes fica somente na decodificação ou

no desfile de palavras lidas, sem discussão) até as respostas prontas para questões também

prontas, que não exigem nenhum tipo de reflexão acerca do que se leu. Desse modo, seguimos

questionando a incoerência existente entre a formação de um leitor que tem por base o

incentivo à imaginação, à criatividade, fora das escolas, antes de se alfabetizar, em alguns

casos, e a “oficial” formação leitora que, ao invés de ler literatura, ampliar seu horizonte de

expectativas e de leitura, apreende conceitos de escolas literárias, características de

movimentos literários e principais obras e autores e suas épocas.

Certamente, o que vemos em quadros como o descrito acima é um não-ensino de uma

não-literatura. Em destaque, a escola pública nega ao aluno o direito que ele tem de se

apropriar de um texto literário. Por mais que os manuais didáticos, aprovados pelo Ministério

da Educação (MEC) juntamente com as Secretarias de Educação de estados e municípios,

sugiram a leitura de textos literários originais e não somente dos fragmentos extraídos e

apresentados no livro didático de literatura, dificilmente isso será feito por alunos e também

por professores.

Ao constatarmos esse problema, percebemos que isso não fica restrito aos muros

escolares. Configura-se em um problema de negação do direito à leitura literária, conforme

palavras de Antonio Candido (2004), ao discursar sobre o direito à literatura como um dos

direitos humanos:

Por que? Porque pensar em direitos humanos tem um pressuposto:

reconhecer que aquilo que consideramos indispensável para nós é também

indispensável para o próximo. Esta me parece a essência do problema,

inclusive no plano estritamente individual, pois é necessário um grande

esforço de educação e auto-educação a fim de reconhecermos sinceramente

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este postulado. Na verdade, a tendência mais funda é achar que os nossos

direitos são mais urgentes que os do próximo (CANDIDO, 2004, p. 172).

Se, como nos diz Candido, é difícil reconhecermos que o indispensável para nós

também o é para o outro, isso pode se tornar impossível quando não temos consciência de que

não agimos dessa forma. Até defendemos a igualdade, mas essa defesa fica no discurso, pois,

como afirma o teórico, não percebemos que os nossos desejos, os nossos direitos também

poderão ser do outro, que nem sempre pertencerá à mesma classe social à qual pertencemos.

Ao defender tal posicionamento, o referido autor cita alguns dos bens descritos como

incompressíveis (aqueles que não podem ser negados a ninguém): o alimento, a casa, a roupa.

E outros identificados como compressíveis: os cosméticos, os enfeites, as roupas supérfluas.

Mas onde estaria a arte literária em tais definições? Dependeria de um conjunto de elementos

mensurados entre um ponto de vista individual e um ponto de vista social. O direito à

literatura estaria ao mesmo lado de outros direitos como a saúde, o amparo da justiça pública,

o direito à crença, ao lazer, dentre outros. Mas seria a literatura um “bem incompressível”?

Eis o conceito formulado por Candido (2004, p. 174):

Chamarei de literatura, da maneira mais ampla possível, todas as criações de

toque poético, ficcional ou dramático em todos os níveis de uma sociedade,

em todos os tipos de cultura, desde o que chamamos folclore, lenda, chiste,

até as formas mais complexas e difíceis da produção escrita das grandes

civilizações.

Pelo exposto, percebemos que, para Candido, a literatura é, sim, um bem

incompressível e, como tal, um direito inquestionável ao cidadão. Mas é um direito perigoso,

pois o texto literário, por ser capaz de provocar inúmeras leituras – inclusive de um mesmo

leitor em situações diferentes – tende a ser vigiado pelos organismos do Estado brasileiro. Em

especial, a escola e o livro didático de literatura oferecem ao aluno e cobram do mesmo ideias

que dificilmente exigiriam uma associação entre aquele discurso e um outro social e político,

por exemplo:

[...] a literatura é obviamente social: social por parte da língua que utiliza,

social por parte dos temas, social por parte dos autores e dos leitores; social

por parte dos recursos utilizados. Como o texto tem relação com o contexto,

a literatura de um país tem relação com este país, é claro (JOBIM, 2009, p.

125).

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A literatura, longe de ser apenas um texto de entretenimento ou datado (como são

levados a pensar os muitos alunos brasileiros), “confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e

combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas” (CANDIDO,

2004, p. 175).

2.2. Conceitos, teorias e histórias: uma reflexão

A tradição teórica considera a literatura como una e própria, presença

imediata, valor eterno e universal; a tradição histórica encara a obra como

outro, na distância de seu tempo e de seu lugar (COMPAGNON, 2009, p.

14).

A epígrafe acima foi extraída de uma conferência intitulada “Literatura para quê?”, de

Antoine Compagnon, dentro da programação da nova cátedra de literatura no Collège de

France, em 2006. Nessa conferência, o autor expõe as especificidades da tradição literária e da

tradição histórica e, a partir disso, desenvolve argumentos a respeito da temática em questão.

O posicionamento chama atenção para que façamos uma reflexão acerca do que construímos

sobre a arte literária. Além disso, contrariando as minimalistas divergências que opõem Teoria

e História, oferece-nos uma linha de raciocínio cuja função é fazer entender que tanto o objeto

da Teoria literária quanto o da História literária são construções intelectuais a serviço dos

estudos literários. Se os objetos são distintos, se há outras funções para a literatura ou para o

estudo que se faz dela, essa oposição não é relevante, pois, nesse caso, a ampla categoria de

conceitos e finalidades possibilita a composição de mundos literários ricos em discussões,

conhecimentos diversos, e principalmente a humanização de sujeitos pela leitura literária:

Teoria não quererá dizer nem doutrina nem sistema, mas atenção às noções

elementares da disciplina, elucidação dos preconceitos de toda pesquisa, ou

ainda, perplexidade metodológica; e a história significará menos cronologia

ou quadro literário que preocupação com o contexto, atenção para com o

outro e, consequentemente, prudência deontológica (COMPAGNON, 2009,

p. 18).

Há na exposição do autor uma preocupação em não reduzir o campo de atuação da

Teoria e da História literárias. Assim, contrariando antigas oposições entre retórica e poética,

história literária e filologia, o moderno e o clássico, por exemplo, Compagnon (2009) propõe

uma concepção que vá além do dualismo simplista que apenas opõe sem considerar as

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instâncias de construção, épocas ou contextos. Desse modo, as posturas que encaram a Teoria

literária como uma normatização dos conhecimentos sobre o seu objeto estariam defasadas.

Desde o surgimento da Estética da Recepção, o viés canonizado da História literária

passou a incomodar os seus críticos, pois, para estes, o fato de o leitor conhecer os autores que

compunham cânone do seu país ou as correntes que influenciaram a produção de

determinados autores não seria condição imprescindível para o entendimento de qualquer

texto produzido. Além do mais, um cânone se instaura em uma nação a partir de acordos

político-ideológicos. Isso, de algum modo, priva o leitor de conhecer ou de escolher obras que

não contempladas naquela seleção como as principais representativas do país em que foram

produzidas.

O amadurecimento dos teóricos, dos historiadores e dos críticos da literatura tem sido

responsável, no Brasil e no resto do Ocidente, por uma espécie de revisão do cânone. São

diversos trabalhos que surgem a partir da Estética da Recepção, os quais questionam a

supremacia dos cânones instituídos em seus países. Isso só é possível, segundo Jauss (1994, p.

25), a partir de reflexões acerca da recepção das obras literárias e do efeito das leituras das

obras, pois a “[...] história da literatura é um processo de recepção e produção estética que se

realiza na atualização dos textos literários por parte do leitor que os recebe, do escritor, que se

faz novamente produtor, e do crítico, que sobre eles reflete”.

A atualização dos textos por parte do leitor seria produzida com base nas diversas

leituras realizadas por um público-leitor. Isso interessa à História literária porque, a partir da

formação de públicos de literatura, é possível compreender os modos e as práticas de

diferentes grupos a partir do diálogo com uma determinada obra. A História da literatura

também pode nos oferecer informações acerca de práticas de leitura já esquecidas ou

propositalmente relegadas a um espaço inferior ao das instituídas, sobretudo pelas escolas.

Por essa via, seria o leitor responsável direto pela construção de sua história. Não o

leitor individual, de carne e osso, mas o leitor componente de um grupo, inserido em um

contexto, aquele que lê, compreende, interpreta, discute, associa, socializa a sua leitura. Em

consequência, teríamos um valoroso material no qual os teóricos e os críticos literários, pois

como também são leitores, confrontariam suas impressões das leituras realizadas com as dos

diversos públicos e, assim, atualizariam os estudos referentes a essa temática:

A literatura como acontecimento cumpre-se primordialmente no horizonte de

expectativa dos leitores, críticos e autores, seus contemporâneos pósteros, ao

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experienciar a obra. Da objetivação ou não desse horizonte de expectativas

dependerá, pois, a possibilidade de compreender e apresentar a história da

literatura em sua historicidade própria (JAUSS, 1994, p. 26).

São reflexões que os estudos literários propõem à medida que tentamos conhecer as

instâncias de produção e de recepção das obras literárias, sobretudo as produzidas no Brasil.

Conforme os estudos avançam, passamos a conhecer uma considerável diversidade do que

pode ser incluído no termo “Literatura”. Sabemos que se trata de um tipo de arte, por isso a

chamamos “Arte literária” e, com esse olhar, nos reportamos à sua aplicabilidade como tal.

Sua abrangência vai desde o entretenimento, passando pela retórica, pelo conhecimento das

línguas em que é escrita, lida, declamada, à associação a outras áreas do conhecimento como

psicologia, história, sociologia etc. É através dessa linguagem artística, simbólica, carregada

de figuras de linguagem que muitos escritores podem dialogar com os seus públicos-leitores

de acordo com o contexto em que suas obras são produzidas. Ou, ainda, apresentar narrativas

que desafiem seus leitores através do conteúdo, da temática, da linguagem, da forma ou da

estrutura. Isso se justifica porque

A obra de arte pode também transmitir um conhecimento que não se encaixa

no esquema platônico; ela o faz quando antecipa caminhos da experiência

futura, imagina modelos de pensamento e comportamento ainda não

experimentados ou contém uma resposta a novas perguntas (JAUSS, 1994, p.

39).

Para ilustrar nossas reflexões, podemos citar uma extensa quantidade de romances

escritos em diversas épocas que se tornaram representativas dos seus países e/ou de suas

cidades de acordo às necessidades das instâncias de produção dos autores ou dos contextos

aos quais pertenciam. Assim, temos Dom Quixote, de Miguel de Cervantes (Espanha);

Hamlet, de Shakespeare (Inglaterra); Madame Bovary, de Gustave Flaubert (França); O primo

Basílio, de Eça de Queirós (Portugal). No Brasil, podemos citar Iracema, de José de Alencar,

Dom Casmurro, de Machado de Assis, Macunaíma, de Mário de Andrade, Triste Fim de

Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, Vidas Secas, de Graciliano Ramos, Fogo morto, de

José Lins do Rêgo, Terras do sem-fim, de Jorge Amado, O tempo e o vento, de Érico

Veríssimo e Grande Sertão: veredas, de Guimarães Rosa. Todas essas obras foram aclamadas

pela crítica dos seus países e constam no cânone de cada um deles. Também foram

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responsáveis pela formação de públicos distintos a partir da proposta de leitura que

apresentavam e também pela identificação dos seus leitores com aquilo que liam.

Como as citadas, muitas outras obras também foram responsáveis por inaugurarem

novas formas de leitura. Inspirados por elas, os públicos contribuem, significativamente, para

a atualização dos textos produzidos no passado, tendo por base as referências que seus autores

possuíam do seu tempo. Ainda assim, esses textos se atualizam na leitura dos públicos

modernos que “emprestam” às novas leituras sensações, sentimentos, reflexões, conjeturas de

suas próprias vidas. A razão estaria nas temáticas, donde se destacam as obras românticas de

Shakespeare e Alexandre Dumas, por exemplo, adaptadas para o cinema e para a televisão,

inspirando narrativas temporariamente distantes das originais.

Sob a ótica do artístico, vale uma observação no quesito “linguagem”, que é própria de

cada escritor. Em Dom Casmurro, por exemplo, o narrador-personagem Bentinho faz da

linguagem o elemento principal do texto ao confundir o leitor com suas percepções sobre

Capitu, Escobar, os demais personagens e todo o mundo que o cerca. A literatura machadiana

diz o necessário ou o que narrador julga como tal. Outro exemplo é Macunaíma. O narrador

adequa a linguagem do texto ao contexto imaginado pelo escritor. Assim, não há apenas um

Macunaíma, independente das metamorfoses pelas quais o personagem passa; a própria

linguagem também cria outros Macunaímas. Caso semelhante observamos em Grande Sertão:

veredas, em que a linguagem do texto se confunde com a história contada, tamanha a

densidade e a leveza com que o narrador de Guimarães Rosa desfila as palavras componentes

do texto. Vidas Secas e Terras do sem-fim expõem óticas regionalistas na temática e na

linguagem também. Enquanto o narrador de Graciliano Ramos aposta na densidade de sua

linguagem, tornando-a tão dramática quanto a história contada, o narrador de Jorge Amado se

vale de aspectos memorialistas, copiando expressões, hábitos e costumes próprios da região

do cacau para compor os seus personagens e as histórias apresentadas ao longo do romance.

Outro ponto a ser observado diz respeito à temática escolhida pelos autores ao

produzirem uma obra literária. Costuma-se dizer que alguns escritores, sobretudo os

canônicos, são seres à frente do seu tempo. Em parte, isso se justifica pela ousadia

apresentada em determinados textos por seus autores. Mas essa ousadia já existia na

sociedade. O autor de textos literários ficcionaliza o que já conhece, seja através de suas

próprias vivências ou a partir do ouvir contar, de suas leituras, visões etc. Desse modo, o autor

acaba por se tornar um ícone justamente pela habilidade em tratar de temas, muitas vezes

polêmicos, caros ao texto jornalístico, considerado verdadeiro ou real, por exemplo. E daí,

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talvez, explique-se o fato de muitos leitores, de tão impactados pelo texto que leram, fazerem

inferências à obra como se dela fossem constituintes diretos, o que não deixa de ser um ganho

para o escritor e para a literatura. Alguns leitores, por conhecerem ou serem moradores de

uma cidade real representada em um romance ou conto, julgam-se conhecedores de todos os

contextos presentes em uma obra literária. Destacam-se aí as obras de Machado de Assis,

ambientadas no Rio de Janeiro, e Jorge Amado, principalmente em relação ao romance

Gabriela, cravo e canela, responsável por outras tantas histórias surgidas na cidade de Ilhéus

sobre os personagens reais apresentados naquela obra, inclusive a protagonista, que seria

amiga do autor e teria parentes que até hoje moram na região.

Pelas reflexões acima, percebemos uma abertura por parte dos escritores para que o

leitor se perceba como um ser atuante no processo de leitura ou um tipo específico de

personagem externo ao escrito, pois também foi pensado pelas instâncias de produção do

texto. Isso, sob a ótica da estética da recepção, só foi possível graças à relativização das

fronteiras que separavam, objetivamente, o autor e o texto do leitor:

Uma renovação da história da literatura demanda que se ponham abaixo

preconceitos do objetivismo histórico em que se fundamentam as estéticas

tradicionais da produção e da representação numa estética da recepção e do

efeito. A historicidade da literatura não repousa numa conexão de “fatos

literários” estabelecida “post festum”, mas no experimentar dinâmico da

obra literária por parte de seus leitores. Essa mesma relação dialógica

constitui o pressuposto também da história da literatura. E isso porque, antes

de ser capaz de compreender e classificar uma obra, o historiador da

literatura tem sempre de novamente fazer-se, ele próprio, leitor (JAUSS,

1994, p. 24).

Além disso, o “experimentar dinâmico” também revela a engenhosidade do “tecer” as

histórias contadas pelos autores. A tal engenhosidade se consolida a ponto de os leitores

mergulharem no desenrolar da narrativa, vivendo por alguns instantes aquelas passagens

descritas no romance. Essa transposição só é possível porque a narrativa é algo inerente à vida

humana. A narrativa apresenta-se como campo que reflete as próprias capacidades humanas,

posto que é de uma dinâmica e flexibilidade incontestes. Ela está presente em diversas

manifestações artísticas; é impossível dissociar arte de narrativa, uma vez que a arte se insere

em um discurso e todo discurso é de algum modo uma narrativa, ao fazer uma (re) leitura que

segue determinada orientação, determinados fins. São também diversas as formas que a

narrativa assume:

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Inumeráveis são as narrativas do mundo. Há em primeiro lugar uma

variedade prodigiosa de gêneros, distribuídos entre substâncias diferentes,

como se toda matéria fosse boa para que o homem lhe confiasse suas

narrativas: a narrativa pode ser sustentada pela linguagem articulada, oral ou

escrita, pela imagem, fixa ou móvel, pelo gesto ou pela mistura ordenada de

todas essas substâncias; está presente no mito, na lenda, na fábula, no conto,

na novela, na epopeia, na história, na tragédia, no drama, na comédia, na

pantomina, na pintura, no vitral, no cinema, nas histórias em quadrinhos, no

fait divers, na conversação. Além disso, sob essas formas quase infinitas, a

narrativa está presente em todos os tempos, em todos os lugares, em todas as

sociedades... internacional, trans-histórica, transcultural, a narrativa está aí,

como toda a vida (BARTHES, 2011, p.19-20).

A universalidade da narrativa nos permite identificar elementos invariáveis, como o

sistema de regras, os quais conferem narratividade ao discurso. De modo que se podem isolar

os elementos particulares dos gêneros narrativos. Nesse sentido, os formalistas russos falam

de literariedade, isto é, tudo aquilo que confere o caráter literário a um texto, o que difere um

texto literário de um não literário. Seguramente um elemento que imprime literariedade a um

texto são as estratégias narrativas que o autor utiliza na elaboração da trama, da linguagem,

dos personagens.

O texto em si existe enquanto produto da interação entre leitor, texto e autor, mas,

ainda assim, esse processo não estaria consolidado sem a presença de um quarto elemento: o

narrador. É esse elemento que provoca o leitor no percurso da narrativa, não é outro senão ele

a ponte para a construção da significação do texto, que não se esgota na escrita do autor, já

que a cada leitura um novo olhar lhe é atribuído conforme o contexto de cada receptor.

Nessa perspectiva, o enunciado de toda obra de ficção está voltado para um público

leitor específico; e ao escrever, o autor projeta um narrador capaz de fazer o seu leitor dialogar

com o texto: um adulto pode até ler e se encantar pelos contos dos irmãos Grimm, mas uma

criança dificilmente irá entender ou muito menos se encantar pelo que diz um narrador dos

contos de Machado de Assis. Isso porque cada público exige estratégias narrativas específicas

que possibilitem a sintonia com a obra. O interlocutor precisa estar conectado, sintonizado,

possuir vivências para produzir os sentidos do universo ficcional.

Sob essa circunstância, o “texto postula o próprio destinatário como condição

indispensável não só da própria capacidade comunicativa concreta, mas também da própria

potencialidade significativa” (ECO, 2011, p. 37). Desse modo, entendemos que é

imprescindível para o processo de comunicação entre o texto e o leitor que o ledor

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corresponda a certos graus de competências referentes ao da mensagem textual apresentada.

Apenas assim o destinatário conseguiria inferir na configuração de um sentido na narrativa.

O escritor necessita da cooperação do receptor para fazer o texto funcionar, ou seja,

para construir sentidos. Para tanto, o autor, por meio do narrador, não economiza predicados

para prender o seu leitor no percurso da leitura, seja ele adulto ou infantil. Em consonância

com essa concepção da colaboração, Umberto Eco (2004) ressalta os motivos que levam um

texto ficcional a convocar a participação do seu interlocutor:

Qualquer narrativa de ficção é necessariamente e fatalmente rápida porque,

ao construir um mundo que inclui uma multiplicidade de acontecimentos e

de personagens, não pode dizer tudo sobre esse mundo. Alude a ele e pede

ao leitor que preencha toda uma série de lacunas. [...] todo texto é uma

máquina preguiçosa pedindo ao leitor que faça uma parte de seu trabalho

(ECO, 2004, p.09).

É, portanto, um trabalho de produção de sentido que exige a interação mútua entre

ambas as partes – leitor e texto – visando à construção de algo que ainda não é acessível, mas

que se conjetura ao preencher as lacunas por meio dos comandos apresentados na obra, os

quais convocam o receptor a participar de forma ativa. O destinatário precisa, então,

completar o trabalho, preencher os espaços vazios, fazer a máquina funcionar até o fim

através de suas projeções somadas às do texto. Assim, entendemos que o papel do leitor frente

a uma obra não é apenas o de decodificá-la, identificar os signos verbais e em seguida guardá-

la. É muito mais. Trata-se de um exercício de reflexão ou um mergulho profundo no mundo

textual no qual cabe, dependendo da leitura, uma série de referências, memórias e

inquietações componentes do contexto de um determinado leitor. À medida que nos

familiarizamos com uma leitura, vamos acrescentando informatividade ao que lemos; não é o

texto quem nos diz mais do que percebemos em uma primeira leitura: são as nossas escolhas e

as nossas vivências que nos permitem identificar, a cada nova leitura, também novas

referências no texto lido.

Para Umberto Eco (2004, p. 14), existem leitores para todo tipo de texto. Mas muitos

leitores não se sentem à vontade diante de um texto que lhe exija mais do que ele consegue

oferecer. Assim, o autor teoriza sobre essa diversidade de leitores:

O leitor-modelo de uma história não é o leitor empírico. O leitor empírico é

você, eu, todos nós quando lemos um texto. Os leitores empíricos podem ler

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de várias formas, e não existe lei que determine como devem ler, porque em

geral utilizam o texto como um receptáculo de suas próprias paixões, as

quais podem ser exteriores ao texto ou provocadas pelo próprio texto [...]

leitor modelo [é] uma espécie de tipo ideal que o texto não só prevê como

colaborador, mas ainda procura criar.

Sob essa ótica, destacamos a temática de um texto como um dos ingredientes

responsáveis pela identificação de possíveis leitores-modelo e posteriores escolhas por este ou

aquele escritor. Desse modo, alguém que se identifique com a temática indianista brasileira

poderá se tornar um leitor-modelo dos romances O guarani e Iracema, de José de Alencar;

quem se identifique com as temáticas regionalistas poderá escolher entre Graciliano Ramos,

José Lins do Rêgo, Érico Veríssimo, Rachel de Queiroz, dentre outros escritores canônicos e

suas temáticas. Citamos as temáticas e os autores canônicos porque são eles selecionados pelo

Ministério da Educação (MEC), Secretarias de Educação estaduais, escolas e professores.

Além do mais, é o cânone literário que se apresenta no livro didático de literatura. Tudo isso

converge para que o leitor literário brasileiro, com passagem obrigatória pela escola, em

algum momento tenha contato com um dos autores literários presentes nos manuais escolares.

Por outro lado, existem autores e temáticas excluídos do cânone. São elementos que

não se enquadram nos critérios políticos e historiográficos dos críticos responsáveis pela

eleição dos autores representantes da literatura de uma nação. Basta lembrarmos, no caso do

Brasil, que escritores como Machado de Assis (séc. XIX) e Jorge Amado (primeira metade do

século XX), por exemplo, só passaram a figurar na seletiva lista dos cânones brasileiros a

partir da segunda metade do século XX. Por outro lado, outros autores não conseguiram tal

proeza e seguem na marginalidade, caso de Caio Fernando Abreu e Hilda Hilst, por exemplo,

bem como os folhetos nordestinos que compõem a literatura de cordel. Uma das justificativas

para tal exclusão estaria na temática, na linguagem, no vocabulário ou simplesmente no novo

que tanto amedronta ou espanta os críticos tradicionais:

O novo, portanto, não é apenas uma categoria estética. E ele não se resolve

nos fatores inovações, surpresa, superação, reagrupamento, estranhamento,

fatores estes aos quais – e exclusivamente aos quais – a teoria formalista

atribui importância. O novo torna-se também categoria histórica quando se

conduz à análise diacrônica da literatura ou até a questão acerca de quais são,

efetivamente, os momentos históricos que fazem do novo em uma obra

literária o novo; de em que medida esse novo é já perceptível no momento

histórico de seu aparecimento; de que distância, caminho ou atalho a

compreensão teve de percorrer para alcançar-lhe o conteúdo e, por fim, a

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questão de se o momento de sua atualização plena foi tão poderoso em seu

efeito que logrou modificar a maneira de ver o velho e, assim, a canonização

do passado literário (JAUSS, 1994, p. 45).

A reflexão de Jauss nos auxilia a entender o caminho que uma obra literária pode

percorrer após sua publicação, desde o simples estranhamento, caso apresente algo diferente

do que se conhece, ao julgamento de um júri representado pelos críticos literários, o que pode

enaltecer o trabalho observado, ou execrá-lo diante da sociedade leitora. Mas é também

possível que um trabalho condenado pela crítica se torne popular e consumido por uma gama

de leitores, à revelia do julgamento crítico. Isso porque a leitura literária não encontra

barreiras para expandir suas influências. E quem lê consegue perceber ou pelo menos sentir a

necessidade de buscar, a cada leitura, algo que complemente o que leu, seja na própria

literatura, como leitor, seja, como espectador no teatro, no cinema, na telenovela, por

exemplo.

O trabalho da crítica, que tem a finalidade de estudar as obras e apresentar o resultado

do trabalho frente à comunidade acadêmica e à sociedade em geral, não pode ser o único

parâmetro dos leitores em relação às suas escolhas literárias. O leitor profissional, acadêmico,

aquele que procura informações sobre autores antes de realizar uma leitura sobre suas obras,

certamente irá considerar um estudo crítico, porém os leitores comuns utilizarão outras tantas

vias de acesso a um determinado texto, ignorando por completo a qualificação acadêmica da

sua escolha literária. E qual um dos possíveis objetivos da literatura senão a sua leitura?

Independente das escolhas ler literatura já seria uma reflexão. Além do mais, a literatura

dialoga com a sensibilidade, com a memória, com mundo do leitor.

A literatura, exprimindo a exceção, oferece um conhecimento diferente do

conhecimento erudito, porém mais capaz de esclarecer os comportamentos e

as motivações humanas. Ela pensa, mas não como a ciência ou a filosofia.

Seu pensamento é heurístico (ela jamais cessa de procurar), não algorítmico:

ela procede tateando, sem cálculo, pela intuição, com faro (COMPAGNON,

2009, p. 51).

Com base nestas reflexões, percebemos que, a partir de um ato de leitura, produzimos

sentidos calcados nas construções textuais, passamos a ler o mundo e, assim, tentamos

conceituá-lo. Nessa perspectiva, ler significa conhecer o mundo em que se vive, mas não

visualmente ou virtualmente apenas. Significa construir “outras verdades” que não aquelas

conceituadas em dicionários ou enciclopédias. Ao nos conscientizarmos de tal prática,

experimentamos a criação de vários mundos, revelando um inevitável paradoxo: ao tentarmos

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apreender o universo através do conhecimento, cada vez mais ele deixa de ser palpável, pois

faz brotar, a todo instante, novas hipóteses, possibilidades de entender o que se vê ou o que se

imagina ver, a partir de cada nova leitura executada.

2.3. A literatura brasileira: identidade nacional, crítica e historiografia

Lemos, mesmo se ler não é indispensável para viver, porque a vida é mais

cômoda, mais clara, mais ampla para aqueles que leem que para aqueles que

não leem. Primeiramente, em um sentido bastante simples, viver é mais fácil

[...] para aqueles que sabem ler, não somente as informações, os manuais de

instrução, as receitas médicas, os jornais e as cédulas de voto, mas também a

literatura (COMPAGNON, 2009. p. 29).

A epígrafe acima, extraída da conferência de Antoine Compagnon (2009) ressalta a

importância da leitura e principalmente da leitura literária. E essa importância não estaria

relacionada a ganhos materiais ou a conquistas relacionadas à erudição, ao conhecimento

técnico das palavras, ao cânone literário e suas características, dentre outros. A importância do

ato de ler literatura se justifica justamente no confronto que esta provoca entre o leitor e o seu

mundo dito real. Ao defendermos tal posicionamento, provocamos uma série de

questionamentos. Mas isso também é fruto da leitura literária, pois dificilmente ela nos diria o

que já sabemos ou o que cremos. A literatura provoca mesmo quando parece não fazê-lo. E a

um leitor atento não lhe escapa uma simples referência ou estratégia narrativa, como uma

figura de linguagem, algumas simples reticências, excesso de descrição, etc. Para isso, além

de atenção, cabe uma reflexão acerca do que se leu, pois assim se realiza um exercício

fundamental de interpretação que não se limita às questões padronizadas, as quais estamos

acostumados a encontrar sobretudo nas escolas. Esse exercício seria o responsável pela

expansão da nossa capacidade de ler além das palavras ali depositadas no texto literário. Isso

seria a construção da nossa literatura.

Com essa reflexão, iniciamos uma discussão acerca da literatura brasileira e suas

implicações. O surgimento da literatura em terras brasileiras, época em que éramos colônia de

Portugal, se dá oficialmente, com a chegada dos portugueses, em 1500. Oficialmente, o

primeiro texto literário escrito no Brasil-colônia é a Carta de Pero Vaz de Caminha, enviada

ao rei Dom Manuel, em 1500. Mas até a chegada da família real portuguesa, em 1808, por

ocasião da investida do imperador francês Napoleão Bonaparte contra a coroa portuguesa, as

produções literárias e o público consumidor de literatura naquela época, eram esparsos.

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Poucos eram os escritores, na maioria cônegos ou ocupantes de outros cargos na Igreja

Católica. No Brasil colônia, destacam-se os escritores portugueses Padre Antônio Vieira,

Tomaz Antônio Gonzaga (nascidos em Portugal), Basílio da Gama, Santa Rita Durão e

Cláudio Manuel da Costa (nascidos em Minas Gerais) e Gregório de Matos (nascido em

Salvador). Quanto aos leitores, apenas o clero e alguns nobres tinham acesso à leitura, pois na

época em questão, não havia escolas tais como as conhecemos hoje; por isso, o ensino e a

leitura, não eram democratizados.

Na passagem do século XVIII para o século XIX, a burguesia europeia se configura

como classe social e institucionaliza os seus valores, reportando-os à educação e, de certo

modo, repetindo os feitos das civilizações antigas. Isso repercutiu aqui no Brasil e influenciou

na tomada de decisões por parte dos nossos governantes da época. A leitura passou a ser

veiculada por mecanismos de controle, gerenciados pela nova classe, e atendia a uma

economia de mercado, sobretudo quando ensinada através dos meios oferecidos pela

sociedade capitalista. Em outras palavras, o ensino obedecia a padrões estabelecidos que

objetivavam a permanência dos valores e costumes dentro do novo regime. Nesse contexto, as

formas tradicionais de apropriação vão sendo substituídas à medida que surgem os mais

variados tipos de leitores. O livro consolida-se como forma de lazer, consumível e, quanto ao

custo, barato. Segundo Lajolo e Zilberman (2011, p. 16):

[...] tal como aconteceu à literatura infantil, a indústria do lazer descobriu seu

material primitivo entre a população rural. Os primeiros exemplos provieram

da literatura de cordel, molde para a fabricação do folhetim, gênero que se

expandiu nos centros urbanos, graças à difusão do jornal, e que colaborou

com a estruturação e fortalecimento do romance.

A partir de então, o ato de ler torna-se cada vez mais político, gerando uma gama de

representações culturais, as quais atingem as mais diversas nacionalidades, justificando os

modos como se dão as apropriações pelo leitorado que se forma, resultante de tais processos.

O Brasil se lança no mundo da leitura sob o controle de Portugal. Inicialmente pela

censura eclesiástica e pelo poder absolutista português, nos primeiros anos do período

colonial, e, mais tarde, principalmente pelo último, quando a Companhia de Jesus perde apoio

real e é substituída pelo Marquês de Pombal. Assim, além do controle interno, qualquer

escrito que chegasse aos colonos, antes teria passado pelo crivo de uma censura lusitana.

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Quando se tratava de controlar os súditos, a coroa portuguesa não media

esforços. Temendo a difusão de ideias perigosas, fazia com que seus órgãos

de censura controlassem não apenas o envio de livros para as colônias

d’além-mar, mas também a movimentação livresca entre cidades

portuguesas, autorizando ou não a circulação de livros dentro do país

(ABREU, 2003, p. 23).

Com todas as transformações que o mercado de livros havia sofrido, no que diz

respeito à circulação, ainda se verificavam muitas restrições. O ato de ler era cada vez mais

socializado, principalmente após a transferência da responsabilidade da formação educacional

da Igreja para a coroa portuguesa. Uma das práticas da censura portuguesa era licenciar os

livros que aqui chegavam. Desse modo, qualquer impresso que comprometesse as convenções

portuguesas certamente seria descartado. Porém, a despeito das restrições e da censura,

estávamos caminhando para a formação de um público leitor, cujo crescimento torna-se

visível quando observamos o número de pedidos de obras literárias feitos pelos então colonos:

O movimento de livros em direção ao Brasil era muito mais intenso do que

entre as cidades portuguesas e extraordinariamente superior ao registrado em

relação às outras colônias. Entre 1769 e 1826, registram-se em torno de 700

pedidos de autorização para envio de livros para o Rio de Janeiro, outros 700

para a Bahia, 350 para o Maranhão, 200 para o Pará e mais 700 para

Pernambuco. Em 50 e poucos anos, por mais de 2600 vezes, pessoas

manifestaram interesse em remeter livros para o Brasil – número que se

torna mais impressionante quando se considera que cada um dos pedidos

requer autorização para o envio de dezenas e, às vezes, centenas de obras

(ABREU, 2003, p. 27).

Ainda que consideremos os dados levantados pela pesquisadora Márcia Abreu, a

quantidade de impressos chegados ao Brasil colônia não significou a consolidação de práticas

leitoras. O leitorado incipiente da época era formado pelos poucos alfabetizados – os nobres

que aqui viviam – e, mais tarde, também pelos emergentes profissionais liberais. O número de

exemplares que chegava estava longe de refletir as reais condições da leitura aqui produzida,

pois não havia espaços que viabilizassem tal prática. Portanto, o nosso maior

produtor/fornecedor de livros era Portugal e, como não possuíamos imprensa, até mesmo os

escritores e poetas nascidos ou que viviam na colônia tinham suas obras publicadas,

oficialmente, em terras lusitanas, julgadas e, caso obtivessem licença, liberadas para consumo.

Com a vinda da família real para o Brasil, verificaram-se relevantes mudanças no que

diz respeito à produção do impresso, como por exemplo a implantação da Impressão Régia,

responsável pelo surgimento do mercado do livro na colônia. Inicialmente, republicaram-se

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obras de outras nacionalidades, já que o número de escritores na colônia era exíguo e as obras

aqui produzidas seriam uma espécie de biografia romanceada de algum nobre, a julgar pela

característica elegíaca dos textos publicados. Conforme observa Márcia Abreu (2003, p. 84), o

livro aqui publicado significaria moeda de troca “para obtenção de postos e favores ou para

ganhar a simpatia dos poderosos, já que quantidade significativa de obras saídas dos prelos da

Impressão Régia dedicava-se ao elogio dos soberanos”.

Naquele momento, o livro estava configurado como objeto de consumo, submetido às

leis de mercado vigentes que determinavam as suas condições de produção. Portanto, se eram

as obras estrangeiras que nos seduziam, se os nossos escritores eram em menor número e,

ainda, se nossa produção não possuía quase representatividade, o mais viável era atender às

demandas. Mas se consideramos o livro, até o momento, como instrumento mercadológico,

interessa-nos também saber quem eram os seus consumidores, leitores reais, de carne e osso.

Para Márcia Abreu (2001), essa é uma tarefa difícil, pois tais leitores não deixaram ou pouco

deixaram pistas que levassem à sua identidade.

Conforme observamos anteriormente, era significativo o número de exemplares

solicitados e liberados pelos portugueses. No entanto, os inventários realizados naquela época,

no Rio de Janeiro, apresentavam dados destoantes quando do levantamento dos livros, já que

o número de exemplares inventariados estava sempre aquém do número de registrados quando

entravam no Brasil. Não se sabe exatamente os motivos de tal discrepância, mas Márcia

Abreu (2001) aponta algumas possibilidades, como o uso em excesso e, consequentemente, o

desgaste do material, ou o gênero do material impresso, geralmente livros de ficção. A autora

ainda sinaliza que, dentre os livros encontrados nos inventários, a maioria era de cunho

técnico, relacionado à medicina e ao direito. Outra explicação estaria na desvalorização do

livro pelos avaliadores responsáveis pelos inventários.

Ainda que guardadas as diferenças de valor em função dos formatos e tipos

de encadernação, os impressos, ao contrário do que se imagina, eram coisa

barata. Dentre os bens avaliados nos inventários, o livro era o que possuía

valor unitário dos mais baixos, podendo chegar a ser considerado “sem

serventia” pelos avaliadores. Obras como “Vida de Dom Nuno Alvares

Pereira”, “Predestinado Peregrino”, “Hum livro de Sermoens”, “Catecismo

de Monte Pelier” foram consideradas “sem valor”, ao passo que “duas

escadas quebradas” eram estimadas em $2001. Observando outros bens

inventariados só foi possível localizar uma outra mercadoria sem valor além

dos livros: “hum par de botas rotas sem valor” (ABREU, 2001, s/p).

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Assim, entendemos que, mesmo que a leitura fosse praticada de diversas formas, isso

não significou que o público leitor vigente encarasse o impresso como instrumento de valor

cultural; pelos dados levantados, ele estaria relacionado à cultura do entretenimento e do lazer.

Em outras palavras, a leitura poderia ser um negócio lucrativo para os que lidavam

profissionalmente com ela (governo e responsáveis pela Impressão Régia), mas tal

empreendimento não logrou êxito evidente no que diz respeito à apropriação por parte dos

consumidores.

Uma campanha de criação de um relevante público leitor só iria se configurar a partir

da independência política do país. O processo de independência política contou com uma série

de projetos, dentre os quais a inserção do livro didático no país. Segundo Lajolo e Zilberman

(2011, p. 144-145), um dos principais projetos foi o de Cunha Barbosa, que propunha “[...]

uma obra única para cada matéria, subordinada à interferência do Estado, estabelecendo outro

patamar para o paternalismo centralizador em que o livro didático começou a ser produzido

no Brasil”.

Quando somos reconhecidos como nação, as formas de apropriação do impresso

seguem as tradições europeias, isto é, são legitimadas por uma incipiente classe elitista,

estimulada pelo pensamento nacionalista, fruto de correntes filosóficas que vigoravam na

época. Aos leitores, sobretudo aos consumidores de obras literárias, eram “ofertados”

clássicos da literatura universal e com poucas e tímidas produções brasileiras, as quais,

inicialmente, atendiam aos interesses burgueses.

O projeto nacionalista também foi responsável pelo surgimento de uma crítica literária

que, apesar das contradições, estimulou o florescimento de uma literatura que se pretendia

“genuinamente” nacional, amparada por várias áreas do conhecimento, que se

comprometeram a contribuir com tal propósito.

Com efeito, a literatura foi considerada parcela dum esforço construtivo mais

amplo, denotando o intuito de contribuir para a grandeza da nação. Manteve-

se durante todo o Romantismo este senso de dever patriótico que levava os

escritores não apenas a cantar a sua terra, mas a considerar as suas obras

como contribuição ao progresso. Construir uma “literatura nacional” é afã,

quase divisa, proclamada nos documentos do tempo até se tornar enfadonha

(CANDIDO, 2009, p. 328).

É nesse clima que se começa a construir o perfil do leitorado brasileiro, localizado

entre a forte influência da cultura europeia e a emergente cultura nacional, que procurava se

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impor. Mas, ao contrário do que sonhavam os nacionalistas, o rompimento com os

portugueses só se revelou no plano político. As parcerias, no que diz respeito às trocas

simbólicas, aumentaram entre Brasil e Portugal, sobretudo, mas também entre o novo país e

outros países.

Ao longo do século XIX foram constantes as trocas culturais, comerciais

[...]. Naturalmente as relações não estavam isentas de problemas e alguns

perceberam desde cedo como era importante criar mecanismos de proteção e

ajuda que acabaram sendo usufruídos por portugueses e brasileiros

(FERREIRA, 1990, p. 05).

Como apontamos antes, as práticas leitoras no Brasil assumiram as mais diversas

formas, pois resultaram de vários aspectos culturais dos povos envolvidos, ainda que

indiretamente, com a colonização do nosso país. Essa diversidade gera dificuldades no que

tange à catalogação dos leitores formados a partir de tais práticas. Por outro lado, em nenhum

instante percebemos um papel de relevância das escolas, isso porque a literatura, no século

XIX, apesar de toda a incipiência do leitorado em formação e da quase inexistência de

escolas, conseguia criar público leitor pelo país afora, independentemente das formas

escolhidas de apropriação deste ou das conclusões a que os estudiosos chegavam; isso porque

[...] não eram representados literariamente apenas os leitores alfabetizados;

os ouvintes, os receptores de segunda-mão, por serem figuras comuns no

cotidiano da sociedade, e por significarem uma parcela concreta no grupo

dos consumidores da mercadoria literária, são também personagens, isto é,

são também transformados em texto, para que se ouçam e se visualizem,

criando uma imagem de si, a qual teria tudo para tornar-se expectativa de

repetição e deslocamento. Há que se levar em conta aí, o fato de o livro,

enquanto entidade material, não ser acessível a grande número de receptores:

era um bem de acesso restrito (PINA, 2002, p.87).

Observamos, desse modo, o quanto é árduo entender o leitorado oitocentista, levando

em consideração os pontos levantados acima, pois precisamos nos habituar a percebê-lo como

coletivo. Ele é diverso, foge à institucionalização e às práticas recorrentes em nossa sociedade

atual. Além do ato físico de ler, o leitor também “lia” através do outro. Por outro lado, os que

liam fisicamente – desde o leitor empírico, aquele que usava a leitura ao seu bel prazer, até o

leitor profissional, crítico – estavam longe de atender às idealizações pensadas para figurar

como representantes da cultura letrada do país. Tanto o leitor comum quanto o crítico

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buscavam, impelidos pelo projeto nacionalista, formas de identificação entre a cultura local e

o que o impresso produzia, deixando de lado o modo como se dava o processo de apropriação.

A prática dos críticos e, consequentemente, dos leitores comuns, no

oitocentos brasileiro, relacionava-se à busca de fragmentos de cultura que

pudessem dar uma certa linearidade ratificadora ao conceito de nação

brasileira. A formação de nosso cânon literário, a partir do Romantismo, e a

de nossa rede de pensamento sobre a literatura – seja este crítico ou artístico

– passaram por um filtro de acriticidade repetitiva, pautado no nacionalismo

como critério de abordagem da arte (PINA, 1995, p. 14).

Cabem aqui algumas considerações em relação aos estudiosos de literatura da época,

os críticos em especial. Era entre escritores e críticos, principalmente, que se polarizavam as

discussões a respeito do que deveria ser considerado componente de literatura brasileira,

segundo os critérios instituídos. Entretanto, não se chegava a um consenso sobre as questões

levantadas, nem de outras que surgiam à medida que se tentava delimitar o caráter e a história

da literatura brasileira: de um lado, os defensores da recém-formada pátria e,

consequentemente, de uma identidade nacional; e de outro, os defensores dos modelos

clássicos, que deveriam ser copiados pela simples razão de serem consagrados.

Assim, construímos a nossa história literária a partir dos preceitos nacionalistas de

base positivista, preocupando-nos, sobretudo, com a criação de um modelo, dando mais

ênfase à produção do que à recepção. Enquanto as discussões estavam direcionadas à

formação do cânone literário brasileiro – ainda que alguns resistissem, imitando os modelos

europeus –, os leitores, praticamente inexistentes, eram “vítimas” da inconstância política dos

nossos críticos.

Apesar da fragilidade característica do leitorado que se compunha, aos poucos se

formava um público consumidor: alguns “ouvintes” da literatura indicada, controlados pelos

discursos legitimados, outros consumidores das mais diversas obras, no intuito de adquirir

respeito a partir do que liam. Assim, na ausência de escolas de Letras, os profissionais de

diversas áreas, incluindo o Direito e a Medicina, além dos religiosos, eram produtores e

consumidores de literaturas que não eram somente destinadas à sua profissão, mas

significavam status e poder de legitimar e indicar as leituras que fossem de seu agrado.

As práticas institucionalizadas de leitura determinavam as formas de apropriação do

material impresso, envolvendo concepções éticas, morais, econômicas, sociais etc. Em outras

palavras, estavam cristalizados o uso e o reconhecimento das práticas leitoras; atender aos

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seus requisitos era condição para se ter acesso àquele bem, fosse o indivíduo que praticasse a

leitura ou o que ouvia atentamente o que era lido. Sobre isso, Márcia Abreu (2007, p. 02)

observa:

É relativamente recente também a ideia de que o bom leitor é o que lê muitos

e variados textos. Durante séculos a quantidade de impressos disponível era

pequena, seu preço, elevado, e o livro, muitas vezes, sacralizado – mesmo

que não tratasse de tema religioso. O bom leitor era aquele que lia pouco,

relia com frequência e meditava muito sobre os escritos. Ler muito poderia

ser visto como um problema – até mesmo para a saúde.

Tais comportamentos foram disseminados pelo país no século XIX. Logo, os leitores,

advertidos dos males que a leitura poderia causar à saúde, tendiam a abandoná-la ou praticá-la

em menor grau, como alguns médicos aconselhavam. Além disso, outra concepção atribuída à

época recai sobre as questões morais e éticas. O consumo da literatura poderia causar também

o desvirtuamento das senhoras de família e das moças, pois os romances apresentavam

conteúdos inadequados, temas proibidos e, assim, seria um perigo para a imagem da mulher

da época. No entanto, por conta de contatos estabelecidos com outras culturas, pela criação de

laços cada vez mais significativos com o material impresso, o leitorado cria outras formas de

se apropriar de um determinado texto, revelando que as novas práticas independem da

política. São reações culturais coletivas às provocações do tempo e do lugar.

Mas é sobretudo em Machado de Assis, escritor, cronista e crítico literário que

encontramos práticas que diferem dos modelos instituídos de produção escrita e consumo de

leitura literária. No conto “Ex-catedra”, publicado pela primeira vez em 1884, o autor já nos

apresenta uma preocupação com a formação de leitores no oitocentos brasileiro. Assim,

inaugura uma prática que vai além de simples conversas com o leitor, como faziam os

romancistas. Além de “seduzir” o seu leitor, discutia o problema da leitura no próprio

impresso. Por isso, o leitor machadiano é “convidado” a criar as suas próprias estratégias de

leitura.

“Ex-catedra” narra a história de Fulgêncio, um sujeito apaixonado pelas letras e por

tudo o que elas representam. Fascinado, encontra explicação e significação para todas as

coisas através da leitura. Vive com uma sobrinha adolescente chamada Caetaninha, a quem

tenta educar à sua maneira no que diz respeito ao tratamento com a leitura. Certo dia, recebe

em sua casa outro sobrinho, Raimundo, também adolescente como Caetaninha, e resolve

juntar os dois jovens formando um casal, mas não de forma abrupta. Decide criar uma teoria

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capaz de promover aquela união, com bases científicas, sem que os dois percebam. Põe em

prática o plano, e os referidos jovens, então, atendem às proposições do tio.

As teorias pensadas pelo tio para “alfabetizar” os jovens na arte do amor buscavam

referências nas mais diferentes áreas do conhecimento, uma vez que ele era um leitor voraz de

filosofia, ciências, artes, etc. O método utilizado se assemelhava a um folhetim, que ia

contando pouco a pouco os acontecimentos de uma história. Além disso, utilizava-se de um

certo didatismo para prender a atenção dos sobrinhos. Assim, a relação entre os dois jovens se

constrói, supostamente, de forma análoga a um processo legitimado de aprendizado de leitura,

através do direcionamento do tio Fulgêncio. No entanto, mesmo sem prever isto, o tio acaba

provocando uma liberdade nunca imaginada pelos jovens. Mas, ainda assim, o tio “louco”

segue com o seu propósito:

_ Para a semana, pensava o velho doutor, dando volta à chave, para a semana

entro na organização das sociedades; todo o mês que vem e o outro é para a

definição e classificação das paixões; em maio, passaremos ao amor... já será

tempo... (MACHADO DE ASSIS, 2005, p.135).

O leitor menos atento acreditará que o tio conseguirá seu intuito, uma vez que

conquistou a confiança e o respeito dos jovens, por ser um “doutor” das letras. Além disso, o

método utilizado por Fulgêncio é fruto das práticas de leitura com as quais os leitores do

século XIX estavam habituados: a leitura didática. Logo o tio acreditou que seu método

poderia dar certo, uma vez que havia planejado minuciosamente cada detalhe para conseguir o

seu intento, como se fosse um plano de aula, não se esquecendo de aplicá-lo e associá-lo às

mais diversas áreas do conhecimento, assim como os professores faziam e fazem no preparo

de suas aulas.

No entanto, os jovens, ao se descobrirem apaixonados, seguem seu próprio rumo, sem

se importar com as teorias formuladas pelo tio:

Enquanto ele dizia isto, e fechava a porta, alguma coisa ressoava do lado da

varanda — um trovão de beijos, segundo disseram as lagartas da chácara;

mas, para as lagartas qualquer pequeno rumor vale um trovão. Quanto aos

autores do ruído nada positivo se sabe. Parece que um maribondo, vendo

Caetaninha e Raimundo unidos nessa ocasião, concluiu da coincidência para

a consequência (sic), e entendeu que eram eles; mas um velho gafanhoto

demonstrou a inanidade do fundamento, alegando que ouvira muitos beijos,

outrora, em lugares onde nem Raimundo nem Caetaninha pusera os pés.

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Convenhamos que este outro argumento não prestava para nada; mas, tal é o

prestígio de um bom caráter, que o gafanhoto foi aclamado como tendo ainda

uma vez defendido a verdade e a razão. E daí pode ser que fosse assim

mesmo. Mas um trovão de beijos? Suponhamos dois: suponhamos três ou

quatro (MACHADO DE ASSIS, 2005, p. 135).

Assim, entendemos que Machado de Assis apresentou uma história, contada por um

narrador crítico e inteirado do problema da leitura naquele período, sobretudo a leitura que se

pretendia única, pois o comportamento final dos jovens abre espaço para vários caminhos,

provavelmente nunca imaginados por Fulgêncio. Apropriaram-se das técnicas do tio e as

reformularam ao seu bel prazer. Por isso, provocaram tanta discussão por parte dos “animais”

que observam os dois após a aula final do tio. Em outras palavras, assim como a paixão

provoca momentos de rebeldia às normas impostas por uma sociedade, a leitura também foge

ao controle. A partir daquele momento, os jovens reconheciam as suas próprias “armas” para

lidar com as estratégias fornecidas por Fulgêncio, assim como o leitor astuto o faria em

relação ao texto narrado: inicialmente seduzido, posteriormente descortinador, afinal,

consideraria a leitura do conto como um exercício que o faz experimentar, ao mesmo tempo, a

leitura da obra ficcional e da própria vida, tendo como elemento central a própria leitura.

Caso semelhante acontece com outras obras de Machado de Assis, como o romance

Dom Casmurro. Aqui, o narrador personagem Bentinho se “apodera” da ficção e usa as

palavras, casando-as de um modo que até o mais atento dos leitores pode se confundir diante

de tamanhas armadilhas. A linguagem forma um labirinto, começando pela descrição dos

personagens e dos espaços, descritos minuciosamente, até a desconfiança do narrador

personagem em relação à personalidade da esposa, Capitu.

Realmente, era de Marte, mas é claro que só apanhara o som da palavra, não

o sentido. Fiquei sério, e o ímpeto que me deu foi deixar a sala, Capitu, ao

percebê-lo, fez-se a mais mimosa das criaturas, começou-me na mão,

confessou-me que estivera contando, isto é, somando uns dinheiros para

descobrir certa parcela que não achava. Tratava-se de uma conversão de

papel em ouro. A princípio supus que era um recurso para desenfadar-me,

mas daí a pouco estava eu mesmo calculando também, já então com papel e

lápis, sobre o joelho, e dava a diferença que ela buscava (MACHADO DE

ASSIS, 2006, p. 129).

Esse é um exercício de leitura literária que pede muito mais do que os mecanismos

didáticos fornecidos pelas aulas escolares, pois as táticas para decifrar um enigma não se

oferecem gratuitamente ao leitor, exigem um comportamento simples do leitor (prestar

atenção ao “desfile” das palavras no texto e realizar a sua própria interpretação). No entanto,

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essa simplicidade não será alcançada se o leitor não apresentar uma capacidade mínima de

produzir táticas e estratégias de leitura para interpretar um mero enunciado. E se não for capaz

disso, não terá efetuado uma leitura.

No conto “A chinela turca”, o narrador machadiano brinca com a “lentidão” das

narrativas e desafia as convenções ao apresentar uma narrativa cuja oscilação entre lentidão e

rapidez define a história do conto: um bacharel chamado Duarte se apronta para o encontro

com a sua namorada e, no instante em que está prestes a sair, recebe a visita do Major Lopo

Alves, que leva consigo uma peça literária de cento e oitenta páginas. O major solicita ao

amigo que ouça a leitura do texto e faça as suas considerações. O bacharel, como tem apreço e

gratidão ao major, resigna-se e se entrega à enfadonha leitura, ouvindo-o, no início,

atentamente. Em determinado momento, adormece e outras histórias dominam a narrativa: é a

imaginação do personagem atuando na história central através do sonho:

Eram quase onze horas quando acabou a leitura deste segundo quadro.

Duarte mal podia conter a cólera; era já impossível ir ao Rio Comprido. Não

é fora de propósito conjeturar que, se o major expirasse naquele momento,

Duarte agradecia a morte como um benefício da Providência. Os sentimentos

do bacharel não faziam crer tamanha ferocidade; mas a leitura de um mau

livro é capaz de produzir fenômenos ainda mais espantosos. Acresce que,

enquanto aos olhos carnais do bacharel aparecia em toda a sua espessura a

grenha de Lopo Alves, fugiam-lhe ao espírito os fios de ouro que ornavam a

formosa cabeça de Cecília; via-a com os olhos azuis, a tez branca e rosada, o

gesto delicado e gracioso, dominando todas as demais damas que deviam

estar no salão da viúva Meneses. Via aquilo, e ouvia mentalmente a música,

a palestra, o soar dos passos, e o ruge-ruge das sedas; enquanto a voz

rouquenha e sensaborona de Lopo Alves ia desfiando os quadros e os

diálogos, com a impassibilidade de uma grande convicção (MACHADO DE

ASSIS, 2008, p. 93-94).

A partir da expressão “mas a leitura de um mau livro é capaz de produzir fenômenos

ainda mais espantosos”, a narrativa central introduz outras narrativas veiculadas pelo sonho do

Bacharel Duarte. É a pista que o texto machadiano fornece ao leitor para que este se despeça

do “controle” mecânico das leituras categorizadas. Sabemos que ler é um ato que se aprende,

mas o que se faz com tal aprendizado é o que pode definir os níveis de leitura. Um leitor

desatento passaria reto sem fazer consideração alguma nas expressões simbólicas do texto. Ou

seja, não identificaria a ruptura entre uma narrativa e outra no conto em destaque. Já o leitor

astuto não só poderia identificar a referida estratégia, como também verificaria que a principal

atividade de leitura do texto não é a simples história que se conta, mas a forma como as

histórias se desenvolvem ao longo da leitura.

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Tanto o romance quanto os contos machadianos destacados reportam a um estágio

anterior ao da “consciência crítica” da leitura: trata-se da imaginação. Esse recurso, tão caro

aos leitores escolarizados brasileiros, pode ser responsável por construções ficcionais ou

textos jornalísticos, os quais seriam capazes de atribuir sentidos diversos a um único ponto.

Apela-se à imaginação, à criatividade do leitor para reconfigurar a linguagem, realizando uma

espécie de literariedade da narrativa que leu. Ao conseguir tais efeitos, o leitor se insurge

contra um sistema de normas de leitura e compreensão textual, opondo-se aos meios

facilitadores de entendimento do texto, realizando um exercício que é propício à literatura:

A literatura é de oposição: ela tem o poder de contestar a submissão ao

poder. Contra poder, revela toda a extensão de seu poder quando é

perseguida. Resulta disso um paradoxo irritante: a liberdade não lhe é

propícia, pois priva-a das servidões contra as quais resistir (COMPAGNON,

2009, p. 34).

Assim, vislumbramos um dos papéis atribuídos à literatura: opositora. E ao

destacarmos o pensamento de Compagnon (2009), talvez entendamos alguns dos motivos

pelos quais a literatura é domesticada nas escolas. Ao provocar a imaginação do leitor, como o

fazem os narradores machadianos e os narradores de outros autores, a ficção literária

certamente não se transformaria em realidade, mas possivelmente provocaria os seus

receptores a entenderem não apenas o conteúdo, mas a construção de um poderoso discurso

que, a depender do tipo de texto literário, seria associado a outros textos, literários ou não, e

talvez respondessem questões que muitas vezes os nossos leitores não teriam a capacidade

nem mesmo de formulá-las.

A literatura deve ser, portanto, lida e estudada porque oferece um meio –

alguns dirão até mesmo o único – de preservar e transmitir a experiência dos

outros, aqueles que estão distantes de nós no espaço e no tempo, ou que

diferem de nós por suas condições de vida. Ela nos torna sensíveis ao fato de

que os outros são muito diversos e que seus valores se distanciam dos nossos

(COMPAGNON, 2009, p. 47).

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III – O LIVRO DIDÁTICO COMO OBJETO DA HISTÓRIA DA

EDUCAÇÃO BRASILEIRA

3.1. O livro didático em debate: a pesquisa crítica

Em relação às investigações no Brasil, na década de 1980 três estudos

referenciam o encaminhamento que as pesquisas sobre o livro didático

tinham na época. São eles: o catálogo analítico publicado pela Unicamp

(1989, “o que sabemos sobre livro didático”), resultante de pesquisa que

mapeia os estudos sobre livros didáticos existentes no Brasil; e de Freitag et

al. e de Oliveira et al., obras que abordam a temática do livro didático

principalmente nos aspectos da economia política do período (CASSIANO,

2013, p.34).

Os estudos realizados no Brasil sobre o livro didático, a partir do seu surgimento em

1930, foram encomendados e realizados por pessoas ligadas diretamente aos governos

vigentes. Até a década de 1980, pouco se sabia sobre o tema, uma vez que se tratava de um

importante divulgador das ideologias políticas que vigoravam na época e, consequentemente,

a censura impedia julgamentos críticos a seu respeito. Somente a partir da década de 80 é que

passamos a conhecer uma bibliografia crítica sobre essa questão. Por isso, selecionamos as

referências que julgamos relevantes para auxiliarem em nossa investigação.

O livro A política do livro didático (1984), de João Batista Araújo e Oliveira, Sonia

Dantas Pinto Guimarães e Helena Maria Bousquet Bomény, é um dos pioneiros nessa área. É

citado em pesquisas como dissertações de mestrado e teses de doutorado sobre a temática

“livro didático” a partir daquele momento, o que, de certo modo, legitima a metodologia

utilizada naquele trabalho e os resultados obtidos pelos pesquisadores.

A pesquisa, segundo os autores, nasceu a partir da necessidade de enriquecer os

debates sobre tecnologias educacionais junto ao Programa de Estudos e Pesquisas da

Associação Brasileira de Tecnologia Educacional – ABT, uma vez que não se dispunha de

estudos críticos sobre o livro didático, considerado pelos pesquisadores a tecnologia mais

utilizada e mais importante na prática escolar:

A inexistência de uma bibliografia sistematizada foi providencial: obrigou-

nos a procurar, nos vários lugares possíveis, uma série de informações e

trabalhos que permitiram uma visão bastante ampla – embora não

igualmente profunda – dos contornos dentro dos quais se torna interessante

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fazer indagações sobre o tema. Sem preconceitos acadêmicos, foram

pesquisadas origens e abordagens técnicas, filosóficas, literárias, políticas e

econômicas a respeito do problema [...] (OLIVEIRA et. al., 1984, p. 7).

Vale mencionar que os dados obtidos pelos pesquisadores foram coletados, em

princípio, em acervos bibliográficos da biblioteca da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de

Janeiro; na biblioteca da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro;

na biblioteca do Ministério da Fazenda, no Rio de Janeiro; na Biblioteca Nacional; na

biblioteca da Câmara dos Deputados e na biblioteca do Senado Federal, em Brasília. Também

foram pesquisados os arquivos Capanema da Fundação Getúlio Vargas. Além disso, foram

entrevistados secretários de estado, técnicos de ministérios, secretarias e programas de livro

didático, professores, editores, livreiros, autores, economistas, dentre outros ligados à área de

investigação.

Com a intenção de enriquecer os estudos, os autores foram às salas de aulas de cidades

do interior (não mencionam quais) ouvir o que professores, alunos e autoridades educacionais

tinham a dizer sobre o livro didático. Formularam um questionário sobre o tema e o aplicaram

em várias escolas.

Feito isso, os autores revelam que enquanto realizavam a coleta dos dados, faziam

sucessivas reuniões para discutir o material que haviam encontrado. Isso fez com que a

metodologia do trabalho fosse modificada ou ampliada, de acordo às necessidades impostas

pela dinâmica da pesquisa que se realizava. Concluíram que, por ser um tema complexo, havia

muitas incorreções e deformações sobre o tratamento do livro didático, e o trabalho por eles

realizado faz uma reflexão sobre isso.

Após a análise e discussão dos dados, finalmente o livro é confeccionado, dividido em

seis capítulos que versam sobre o conceito de “livro didático”, destacando a sua importância

pedagógica, econômica e política; relacionam o contexto cultural, pedagógico, político e

social e a literatura existente sobre o tema; discutem as políticas públicas voltadas ao LD

desde 1930, bem como os programas de incentivo à produção e distribuição de livros às

escolas pelo Ministério da Educação (MEC); discorrem sobre a produção dos livros didáticos,

os conteúdos selecionados, os programas de ensino e as estratégias editoriais; analisam a

intervenção e os efeitos dos programas dos governos sobre o LD; além disso, discutem a

natureza e a produtividade do livro didático, abrindo um debate sobre a sua vida útil;

apresentam propostas para futuros estudos e discussões sobre o tema estudado.

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A obra Quem engana quem? Professor X Livro Didático (1988), de Olga Molina, é

disposta em quatro capítulos assim intitulados: 1 – O livro didático – Considerações sobre sua

Escolha; 2 – A aprendizagem a partir de Textos Escritos; 3 – O Texto Didático; 4 – As

atividades do aluno com o Texto Didático. O prefácio é assinado por Ezequiel Theodoro da

Silva, que destaca a importância desse livro para os professores que lidam diretamente com os

manuais didáticos. Ele aponta questões que vão desde a entrada do LD nas escolas até os

conteúdos apresentados em seu interior; para ele, se os professores tivessem acesso à

informação, teriam mais condições para julgar os manuais que não estivessem de acordo às

reais necessidades do ensino.

Por sua vez, a autora Olga Molina, na apresentação do livro, justifica a produção da

sua obra a partir de uma “preocupação pessoal” com as aulas ministradas nas escolas públicas

brasileiras, dependentes de livros didáticos. Afirma que a sua pesquisa foca os professores,

pois eles é que são consultados pelos órgãos do governo para que as compras de materiais

didáticos sejam legitimadas. Isso, segundo a autora, constitui um problema, pois os

professores, em muitos casos, não sabem o que é e nem como funciona aquele suporte por ele

legitimado. Portanto, apresenta algumas provocações: 1 – O que é o livro didático? 2 – Por

que usar o livro didático? 3 – Quem conduz o curso – o professor ou o livro? 4 – A

programação, o planejamento, devem ser frutos da reflexão do professor ou do autor, no

momento em que este elabora seu livro? 5 – Como usar o livro didático em aula, de forma a

tirar dele o máximo proveito, tanto em benefício do aluno como do próprio professor que

pode, através de um bom livro, racionalizar o seu trabalho? A autora finaliza afirmando que

não oferece respostas, mas que se o professor decidir buscá-las, seu livro já terá atingido o

objetivo (MOLINA, 1988).

O livro didático em questão (1989), de Bárbara Freitag, Wanderley Ferreira Costa e

Valéria Rodrigues Mota nasceu de um projeto coordenado pelo INEP, intitulado O estado da

arte do livro didático no Brasil (1987), capitaneado pelos mesmos autores acima citados.

Assim como o projeto, o livro é composto por seis capítulos assim intitulados: O histórico do

livro didático no Brasil; A política do livro didático; A economia do livro didático; O

conteúdo do livro didático; O uso do livro didático; O livro didático no contexto. Trata-se de

um estudo que busca situar o livro didático brasileiro em um contexto local e também

mundial. Os autores destacam a importância da produção cultural, da literatura e da literatura

infanto-juvenil para a construção de um estudo analítico mais reflexivo sobre o tema. Fica

claro nessa obra que somente um estudo comparativo poderá auxiliar os pesquisadores a

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enriquecerem seus debates frente aos problemas formulados a partir do trabalho com o LD. Os

dados foram coletados a partir de cartilhas, textos de leitura e dos livros didáticos do primeiro

grau (o atual ensino fundamental). O estudo também delimita as produções dos últimos quinze

a vinte anos, a contar da data de publicação da obra mencionada acima.

Como metodologia, os pesquisadores assim procederam: 1 – Examinaram as

publicações sobre o livro didático na Revista Brasileira de estudos pedagógicos (MEC/INEP)

e nos Cadernos de Pesquisa (Fundação Carlos Chagas); 2 – Realizaram levantamento de

dados junto ao INEP e à Fundação Carlos Chagas; 3 – Pesquisaram nos acervos da

Universidade de Brasília (UNB), do Congresso e do Instituto Nacional do Livro, em Brasília,

nas produções da equipe coordenada pelo professor Hilário Fracalanza da UNICAMP, na

Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), na Fundação do Livro Escolar

de São Paulo, na Biblioteca Central da Universidade de Berlim e no Instituto de Pesquisas

Educacionais Max Planck, em Berlim. Também foram analisados os catálogos e resumos de

dissertações e teses disponíveis. Avaliaram as bibliografias presentes nos livros, textos e teses

encontradas sobre o assunto. Ao final, os autores indicam, na publicação, as referências mais

importantes para a realização do trabalho por eles desenvolvido (FREITAG et. al, 1987).

A obra de Freitag (1989) apresenta e discute a trajetória do livro didático até as escolas

brasileiras: desde o surgimento em 1930, mais especificamente durante o regime político

centralizado e autoritário do Estado Novo, até o fim da ditadura militar no período da Nova

República, por volta de 1985. Segundo os autores, alguns críticos julgam que o livro didático

surgiu como resultado natural do movimento armado de 1930 – Revolução de 1930. Portanto,

cabe ao Estado Novo, por volta de 1937 e 1938, divulgar e difundir livros de interesse

educacional e cultural, além de controlar o uso do livro didático, uma vez que “somente

podiam entrar nas escolas públicas e privadas que quisessem o reconhecimento oficial, livros

aprovados e recomendados pela CNLD1 [...]” (FREITAG et al., 1989, p. 28).

Com o aumento significativo do número dos materiais impressos e, em concomitância,

o aumento de leitores, o Estado acreditava que, não podendo contê-los, a alternativa estaria no

controle da entrada dos livros nas escolas. Daí surgiram as comissões responsáveis pelas

revisões dos livros. Vale aqui ressaltar que são considerados livros didáticos os livros de

leitura de classe e os compêndios. Este último, de acordo com o Art. 2º do Decreto-Lei nº

1Na gestão de Gustavo Capanema enquanto Ministro da Educação, durante o governo Vargas, é instituída a

Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD) através da qual seus membros, escolhidos pelo próprio Capanema

para atuarem no processo de produção, importação e utilização do livro didático, desenvolviam antes questões

político-ideológicas e não necessariamente didáticas, competindo ao próprio Ministro a decisão final.

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1.0062 de 30 de dezembro de 1938, é entendido como livro que apresenta os conteúdos das

disciplinas inscritas nos programas escolares. Em meados desta mesma década, propagou-se

no Brasil uma “política educacional consciente, progressista, com pretensões democráticas e

aspirando a um embasamento científico” (FREITAG et al., 1989, p. 12).

Com o acordo firmado entre o Ministério da Educação (MEC) e a Agência Norte-

Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID), instituiu-se o Decreto n° 59.355,

de 4 de outubro de 1966, no qual se criava a Comissão do Livro Técnico e do Livro Didático

(COLTED). A fim de tornar acessível aos estudantes de todo o território nacional mais de 50

milhões de livros gratuitos, consolida-se um convênio entre o MEC, a USAID e o Sindicato

Nacional dos Editores de Livros (SNEL). Os acordos firmados atingiram todo o sistema

educacional brasileiro e, ao contrário do regime de ditadura das décadas de 1930 e 1940, a

COLTED, na tentativa de aprimorar o sistema educacional brasileiro, ofereceu, em quantidade

significativa, livros para os distintos níveis de ensino, possibilitando expressivo

desenvolvimento do mercado editorial brasileiro.

O catálogo Analítico O que sabemos sobre o livro didático (1989), elaborado pelo

Projeto Material Didático, Biblioteca Central, Faculdade de Educação e Instituto de Estudos

da Linguagem, da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), coordenado por Hilário

Fracalanza e Maria Isabel Santoro, contou com vinte e dois pesquisadores e mais vinte

auxiliares de pesquisa. O catálogo nasceu a partir dos resultados obtidos através de um estudo

chamado “Projeto Livro Didático”, realizado entre 1987 e 1988, financiado pelo Instituto

Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) e tendo como responsáveis os órgãos

mencionados acima. O projeto tinha como objetivo básico catalogar o máximo possível de

estudos realizados no Brasil que tivessem como tema o livro didático, o que, sob o ponto de

vista dos pesquisadores, contribuiria na construção de sólidas e eficientes políticas públicas

voltadas aos estudos desse instrumento.

Para atingir os objetivos acima mencionados, os pesquisadores da UNICAMP

utilizaram os seguintes métodos de pesquisa: 1 – levantamento bibliográfico sobre os

trabalhos realizados sobre o tema “livro didático”; 2 – confecção de acervo bibliográfico dos

trabalhos realizados sobre o livro didático no Brasil; 3 – cadastramento das referências

bibliográficas dos trabalhos encontrados (teses, livros, pesquisas, artigos de periódicos e

jornais, trabalhos apresentados em eventos, textos avulsos, folhetos e legislação); 4 –

2 Este Decreto-Lei estabelecia que os livros adotados por todas as escolas, públicas e particulares, deviam ser

previamente autorizados pela CNLD.

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Fichamento das referências; 5 – Seleção, por título, dos documentos; 6 – obtenção dos

documentos; 7 – Análise descritiva e resumos dos documentos do acervo (UNICAMP, 1989).

Para a elaboração do Catálogo Analítico, os pesquisadores do Projeto Material

Didático, de posse dos dados obtidos com o Projeto Livro Didático, realizaram um estudo que

visava controlar e recuperar os documentos utilizados na primeira pesquisa. Para tanto,

criaram um “sistema classificatório de caráter técnico com a finalidade de organizar o material

coletado de modo a não falsear as características da pesquisa proposta” (UNICAMP, 1989).

As categorias foram as seguintes: a) Tipo de documento; b) Área de conhecimento; c) Nível

de escolaridade; d) Foco. Em seguida, elaboraram os resumos descritivos, tendo como

objetivo ampliar o conhecimento sobre o tema pesquisado.

A obra O livro didático: uma proposta de análise crítica (1989), organizada pelo

Núcleo de Apoio à Utilização do Recurso Didático (PRORED), é resultante de um grupo de

estudos ligado à Universidade da Região de Campanha (URCAMP). O que norteou as

pesquisas que geraram a produção acima mencionada foram as inquietações frente aos

questionamentos a respeito do processo educativo veiculado pelo livro didático, destacando o

que consideravam aspectos negativos como estereótipos que reforçavam, como verdades

absolutas, a condição inferior da mulher, do índio e do negro, por exemplo, dos professores

participantes do grupo; estes atuavam no ensino básico e no ensino superior das cidades

componentes da Região da Campanha, no Rio Grande do Sul. Os pesquisadores utilizaram

como metodologia observação, análises, troca de informações, seminários, reuniões.

Acreditavam ser a obra um estudo brilhante e repleto de qualidades por constatarem um

excesso de preconceitos existentes nos manuais didáticos. Também esperavam contribuir com

o que chamam de “um lúcido roteiro teórico e crítico para que o professor consiga desbravar a

verdadeira ‘selva’ que é a edição do livro didático no Brasil, a fim de selecionar

conscientemente os mais sérios e eficientes e, não apenas, os mais bonitos, atraentes e bem

editados livros [...]” (PRORED, 1989, p. 14).

O livro não possui Sumário, mas é dividido em duas partes: A primeira apresenta os

seguintes capítulos: 1 – Livro didático (Conceito, Importância da escolha, Avaliação, Critérios

de análise); 2 – Análise Crítica do Livro Didático – pressupostos teóricos. A segunda parte

apresenta os capítulos: 1 – Análise Crítica aplicada (aqui, os autores analisam os livros mais

utilizados na primeira e na segunda série do primeiro grau de escolas urbanas e rurais dos

municípios de Bagé, Pinheiro Machado, D. Pedrito, São Gabriel, Lavras do Sul e Caçapava do

Sul, no Rio Grande do Sul, com base nos critérios de análise externa e análise interna).

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O livro Ideologia no livro didático (2008), de Ana Lúcia G. de Faria, tendo sua

primeira edição publicada em 1994, contou com dados extraídos de trinta e cinco manuais,

optando pelos títulos mais vendidos, da segunda à quarta série das matérias “Comunicação e

Expressão”, “Estudos Sociais” e “Educação Moral e Cívica”, do antigo primeiro grau no ano

de 1977. O objetivo básico da pesquisa empreendida pela autora parte do conceito de

“trabalho” concebido por crianças oriundas de famílias operárias, estudantes de escolas

públicas e também de crianças pertencentes às famílias de classes média e/ou alta, estudantes

de escolas particulares.

Para a autora, as crianças das escolas públicas atribuem ao “trabalho” um sentido

relacionado a um “instrumento de sobrevivência” e também acham que há profissões, como a

do médico (que ganha mais por ser mais inteligente), superiores aos trabalhadores comuns.

Para as crianças de escolas particulares, o “trabalho” é definido como “esporte”, sendo que

uns trabalham por dinheiro, outros por vontade e também associam a riqueza à inteligência,

assim como as crianças das escolas públicas (FARIA, 2008).

A discussão proposta pela pesquisadora a faz concluir que o livro didático é “difusor

de preconceitos”, pois “concebe o ‘trabalho’ de forma extra-histórica; não diferencia o

trabalho como valor de uso (nas comunidades primitivas) do trabalho como valor de troca (na

sociedade atual); supervaloriza o trabalho intelectual desvalorizando o manual” (FARIA,

2008, p. 10). Para solucionar o problema, a autora sugere que o professor, valendo-se de sua

competência, assuma a responsabilidade de propor uma reflexão crítica ao aluno ao invés de

repetir os preconceitos dos manuais didáticos, como a associação do índio ao pitoresco, ao

selvagem; a mulher representada somente nos papéis relacionados aos afazeres domésticos,

dentre outros (FARIA, 2008).

O livro As belas mentiras: a ideologia subjacente aos textos didáticos (2005), de

Maria de Lourdes Chagas Deiró, foi apresentado originalmente como dissertação de mestrado

em Filosofia da Educação, na PUC de São Paulo, em 1978. A pesquisa nasceu de observações

de textos de leitura de livros didáticos selecionados pela autora e indicados pelo MEC às

quatro primeiras séries do antigo primeiro grau. O livro apresenta dez capítulos assim

nomeados: 1 - A família; 2 – A escola; 3 – A pátria; 4 – O ambiente; 5 – O trabalho; 6 – Os

pobres e os ricos; 7 – As virtudes; 8 – As “explicações Científicas”; 9 – O índio; 10 – Capas e

Ilustrações. Como problema inicial, apresentou-se uma tentativa de demonstrar que a

sociedade se divide em duas classes sociais: a dominada e a dominante e, ainda, que não há

preocupação com a grande maioria da população. Segundo a autora, isso se reflete na

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estrutura educacional, que deveria tomar o homem como sujeito, no intuito de auxiliá-lo frente

às complexidades da formação social. Ao invés disso, tudo converge para que o lucro seja

tratado como objetivo central (DEIRÓ, 2005).

O segundo problema levantado aponta a educação como um instrumento transmissor

da ideologia da classe dominante, a qual é assimilada inconscientemente pela classe

dominada. O livro didático é então entendido como um desses transmissores, por veicular

valores que diferem dos interesses da classe trabalhadora. Durante a realização da pesquisa, a

autora afirma que possuía uma pequena percepção da ideologia da classe dominante nos

textos componentes dos livros didáticos analisados. No desenvolvimento, essa percepção

aumentou de modo que já era possível, para ela, identificar certa riqueza de detalhes no modo

como são transmitidas as ideologias dominantes. A pesquisadora conclui, chamando atenção

para a gravidade da situação enfrentada pelos professores das séries iniciais diante da

problemática que apresenta, pois considera serem as crianças (da faixa etária 7-10 anos)

sujeitos acríticos, portanto, suscetíveis à incorporação ou assimilação das ideias veiculadas

pelos manuais didáticos.

A obra Interpretação, autoria e legitimação do livro didático (1999), organizada por

Maria José Coracini, é produto do Projeto Integrado CNPq Da torre de Marfim à torre de

Babel: uma análise discursiva do ensino-aprendizagem da linguagem escrita. A equipe

envolvida na publicação contou com pesquisadores da área de Letras da UNICAMP e da USP,

além de auxiliares como bolsistas, mestrandos e doutorandos. A pesquisa tem como objeto os

materiais didáticos, e mais especificamente, o livro didático e seus objetivos em relação às

representações de aluno, professor, linguagem, texto e produção de sentido. O empenho que

os autores dispensam ao estudo do LD se baseia na importância que este possui junto aos seus

principais receptores: alunos e professores que, em muitos casos, possuem apenas o citado

suporte para auxiliá-los no processo de ensino-aprendizagem. No entanto, segundo os

pesquisadores, os livros didáticos carecem de estudos reflexivos a respeito do seu

funcionamento. Por isso, os autores envolvidos nessa pesquisa se propõem a perceber a sala

de aula através do livro didático de modo a discutir uma tendência à “homogeneização de tudo

e de todos” imposta pelo referido LD (CORACINI, 1999).

A obra é dividida em três partes: 1 – Processos de legitimação do livro didático; 2 –

Interpretação do Livro didático; 3 – Produção escrita e livro didático. A primeira parte é

formada por cinco capítulos que discutem o livro didático como “lugar de estabilização,

legitimado pela escola e pela sociedade” (CORACINI, 1999, p. 12). São reflexões acerca de

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como os programas do MEC determinam os processos referentes à aprovação e à utilização do

LD nas escolas: “o que é e como se deve ensinar/aprender, estabelecendo também um perfil

para o aluno e professor, de modo que todos, sem exceção, ali devem encontrar o objeto para

saciar sua sede de conhecimento” (CORACINI, 1999, p. 12).

A segunda parte do livro Interpretação, autoria e legitimação do livro didático

apresenta quatro capítulos sobre a interpretação proposta pelo livro didático, com destaque

para os LD de Língua estrangeira. E a última parte propõe uma análise sobre leitura e

produção escrita. Aqui, os autores chamam a atenção para um dos resultados encontrados nas

pesquisas com aulas observadas e gravadas e com os livros didáticos investigados: a

predominância do estudo meramente estrutural da gramática em detrimento da produção de

discursos e/ou sentidos. Em resumo, a obra propõe uma reflexão a respeito do funcionamento

do livro didático e suas implicações enquanto produto legitimado/legitimador do saber em

sala de aula, atrelado a uma ideologia positivista, capitalista e utilitarista (CORACINI, 1999).

O livro didático de Português: múltiplos olhares (2005), publicado pela primeira vez

em 2003, organizado por Angela Paiva Dionisio e Maria Auxiliadora Bezerra, apresenta uma

coletânea de dez artigos reflexivos escritos por dez autores/pesquisadores, incluindo as duas

organizadoras, sobre o livro didático de Português e/ou os seus conteúdos, propostas de

atividade, procedimentos metodológicos, avaliação do Manual do professor e qualidade do

livro didático.

A introdução do livro em destaque é assinada por Egon Rangel. Nela, o autor revela

que, juntamente com os demais pesquisadores que compõem a coletânea, participou, em

diferentes momentos, de equipes responsáveis pela análise e pela avaliação do Livro Didático

de Português, a serviço do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Acrescenta sua

participação individual como coordenador de trabalhos das equipes que produziram quatro

edições do Guia do livro didático, publicação direcionada às escolas em épocas de escolhas

dos manuais didáticos pelas escolas públicas (DIONÍSIO; BEZERRA, 2003).

Voltando à organização do livro, o pesquisador afirma que os artigos produzidos e

publicados, salvas algumas exceções, são frutos de um fórum representado pela Avaliação e

suas repercussões. Também revela que o principal objetivo dos artigos reunidos naquela

coletânea é “apontar os problemas que persistem, a despeito da Avaliação ou mesmo como

conseqüência dela, em aspectos que poderão ser conferidos a cada texto” (DIONÍSIO;

BEZERRA, 2003, p. 14). O autor finaliza afirmando que os artigos ali presentes propõem

novos olhares, analisam com mais rigor os conteúdos e os procedimentos adotados pelos

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livros didáticos em relação aos processos de ensino-aprendizagem. Por isso, a obra mostra-se

relevante na medida em que os artigos dialogam com a Avaliação e, de certo modo, provocam

discussões sobre as resenhas, considerações e indicações propostas pelo Guia do livro

didático.

A obra Livro didático de Língua Portuguesa, letramento e cultura escrita (2008), cuja

primeira edição data de 2003, organizada por Roxane Rojo e Antônio Augusto Gomes Batista,

apresenta onze capítulos, os quais versam sobre a temática contemplada no título. São

discussões sobre as propostas de letramento veiculadas pelos livros didáticos de Língua

Portuguesa do ensino fundamental para as classes populares, advindas de um mercado

editorial produtor de livros consumíveis, principalmente pelo governo brasileiro.

Quanto ao conteúdo, a obra em questão apresenta dados a partir de estudos sobre o

PNLD e programas/sistemas de avaliação como o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM)

e o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), governamentais, e o estrangeiro

Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA). Tais programas têm como

finalidade avaliar as competências e capacidades adquiridas pelos alunos da educação básica,

dentre as quais destacam-se as capacidades leitoras (ROJO; BATISTA, 2008).

O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) resultou das articulações feitas para

definir as relações do Estado com o livro didático. A consolidação dessa relação foi definida

pelo Decreto-Lei nº 91.542, de 1985, o qual estabeleceu as atuais características do PNLD:

“Adoção de livros reutilizáveis (exceto para a 1ª série), escolha do livro pelos professores, sua

distribuição gratuita às escolas e sua aquisição com recursos do governo federal”. De acordo

com o Programa do Livro (PLI, 2008), essa concepção de distribuição tinha como objetivo a

melhoria da qualidade de ensino, assim como a formação de leitores (ROJO; BATISTA,

2008).

Sobre a qualidade do livro didático, os autores salientam que, a partir de 1996, o MEC

passou a desenvolver um conjunto de medidas para avaliar o livro didático brasileiro. O

trabalho era executado pela Fundação de Assistência ao Estudante (FAE), responsável pelo

Programa Nacional do Livro Didático, até a sua extinção em 1997. O governo vigente,

portanto, comprou em 1996, oitenta milhões de livros didáticos, registrados pelo Fundo

Nacional de Desenvolvimento da Educação – (FNDE); porém o, ministério não propôs

discutir a qualidade dos livros adquiridos e os encaminhou para os professores e alunos das

escolas públicas do ensino fundamental. É importante salientar que, desde 1960, a partir de

investigações sobre a produção do LD, já se evidenciava a falta de qualidade de muitos desses

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livros que circulavam, a ideologia de caráter discriminatório neles contida, a desatualização e

as insuficiências metodológicas apresentadas no suporte. E mesmo com tantos problemas

evidentes, esses livros, muitas vezes de baixa qualidade, constituíam, para a maior parte das

escolas brasileiras, o principal recurso pedagógico para professores e alunos (ROJO;

BATISTA, 2008).

Em relação ao caráter do LD, o MEC definiu como critérios de eliminação que os

livros não poderiam expressar preconceitos de raça, sexo, cor, idade ou qualquer forma de

discriminação; não poderiam induzir ao erro ou conter erros graves relativos ao conteúdo da

área como, por exemplo, erros conceituais. De acordo com o Programa do Livro (PLI, 2008),

em 1996, pela primeira vez, foi constituída uma comissão para avaliação pedagógica dos

livros a serem adquiridos. Desse modo, a partir dessa fase, os livros passaram a ser avaliados

para que não contivessem mais erros conceituais e abordagens que caracterizassem algum tipo

de preconceito (ROJO; BATISTA, 2008).

Em relação aos Programas ENEM, SAEB e PISA, os resultados da aplicação dos

referidos programas revelam problemas no tocante à avaliação da educação básica, nos anos

de 2000 (PISA) e 2001 (SAEB/ENEM). Segundo os autores, embora possuam suas

especificidades, os sistemas de avaliação acima descritos apresentam dados semelhantes dos

estudantes da educação básica brasileira. As competências e capacidades leitoras dos alunos

avaliados constam nos relatórios finais dos referidos programas como insuficientes ou aquém

do que deveriam possuir de acordo com as séries em que se encontram ou aos níveis indicados

pelos programas avaliadores (ROJO; BATISTA, 2008).

A obra Livros de alfabetização e de português: os professores e suas escolhas (2004),

organizado por Antônio Augusto Gomes Batista e Maria da Graça Costa Val, é composto de

seis capítulos. Os assuntos abordados discutem os processos de seleção e escolha dos livros

didáticos pelos professores, o ensino da Língua Portuguesa através do LD, os livros de

alfabetização de primeira a quarta séries. Os organizadores revelam que todos os trabalhos

publicados nessa obra possuem algum tipo de relação com o Programa Nacional do Livro

Didático (PNLD), ainda que possuam diferentes objetivos e tenham realizado suas pesquisas a

partir de métodos e procedimentos diversos (BATISTA; VAL, 2004).

A obra em destaque dedica especial atenção ao surgimento do PNLD, em 1985, criado

pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), e de suas finalidades, como

a escolha, a aquisição e a distribuição do LD, e ainda os processos de avaliação instituídos

pelos órgãos do governo responsáveis por tais procedimentos. Essas diretrizes instituídas

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pelos governos, a partir de 1996, acabaram por envolver o mercado editorial vigente,

secretarias de educação, professores e alunos. Em 2001, as universidades públicas

representadas por coordenações de docentes, sob a supervisão do MEC, passam a realizar as

avaliações do LD brasileiro. Nesse período, os livros didáticos, após serem avaliados,

compunham as seguintes categorias: Recomendado com distinção (três estrelas);

Recomendado (duas estrelas) e Recomendado com ressalvas (uma estrela). As obras que não

logravam avaliação positiva se enquadravam em duas categorias: Não-Recomendado (sem

estrelas) e Excluído (direcionado aos livros didáticos que não atendiam aos critérios do

MEC). Esse método de avaliação vigorou até 2004 (BATISTA; VAL, 2004).

A partir de 2005, os livros didáticos, após o processo avaliativo, passaram a ser

categorizados apenas como aprovados ou excluídos. As categorias utilizadas anteriormente

desagradaram o mercado editorial, que alegava prejuízos na venda de seus livros, uma vez que

seria difícil convencer um público consumidor, ainda que fosse representado por escolas

particulares, por exemplo, a adquirir obras não recomendadas ou excluídas pelo MEC. Por

conseguinte, a Secretaria de Educação Fundamental criou o Guia de livros didáticos,

composto por resenhas sobre os manuais didáticos submetidos à avaliação, para ser

distribuído nas escolas e nas redes públicas de ensino, com a finalidade de auxiliar os

professores na escolha do material didático (BATISTA; VAL, 2004).

O livro Construtores de identidades: a pedagogia da nação nos livros didáticos da

escola secundária brasileira (2004), de Arlette Medeiros Gasparello, resulta da tese de

doutorado da autora pelo programa de Estudos Pós-graduados em Educação: História,

Política, Sociedade, defendida em 2002, financiada pela CAPES. O livro apresenta quatro

capítulos: 1 – A instrução secundária: um modelo nacional; 2 – A história patriótica; 3 – A

legitimação do modelo nacional; 4 – A nação nos compêndios republicanos. A autora

formulou o seu problema a partir dos livros didáticos de “História do Brasil”, os quais, sob

sua ótica, por serem inscritos no processo de escolarização, contribuiriam para a construção de

identidades nacionais. Acrescenta que os livros didáticos são legitimados pelo poder público

e, portanto, apresentam “saberes a serem ensinados” de modo a concretizar uma

instrumentalização pedagógica, pois a utilização constante dos manuais didáticos pelos

professores e alunos consolidou o que seria um suporte ao trabalho docente em uma tradição

escolar.

A autora problematiza o conceito de “nação” disseminado pelos textos didáticos ainda

no final do século XIX, quando os intelectuais da época se empenhavam na criação de uma

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identidade nacional, após a proclamação da independência do Brasil. Cita a fundação do

Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), em 1938, como um dos responsáveis pelo

surgimento de uma historiografia brasileira produzida por autores nacionais, destacando uma

publicação sobre a formação nacional voltada ao estudo e ao ensino de História do Brasil:

História Geral do Brasil, de Francisco Adolpho de Varnhagen (1854). No entanto, antes dessa

publicação, os professores/autores de textos didáticos, com base em pesquisas realizadas por

autores estrangeiros, sobretudo, já ensinavam aos brasileiros a sua visão do que seria o Brasil,

destacando suas raízes, seus heróis, sua grandeza, seu povo. A pesquisadora entende esse

movimento como o empreendimento de uma pedagogia da nação (GASPARELLO, 2004).

Por conta da sua importância para o ensino secundário da época, a autora tomou por

referência o Colégio Pedro II, do Rio de Janeiro, pois ele servia de modelo às demais

instituições de ensino daquele período, as quais eram incentivadas a adequarem seus

programas educacionais aos daquela escola, que contava com um corpo docente específico,

formado por professores pertencentes à elite intelectual e política, tradutores e autores de

obras didáticas adotadas pelo estabelecimento de ensino (GASPARELLO, 2004).

A autora justifica sua escolha pelos livros didáticos como fontes de pesquisa por

reconhecer que eles ocupam um lugar importante no processo histórico e cultural da

escolarização. Isto porque sua construção perpassa uma “rede de dispositivos e normas que

definiram a produção singular da forma escolar de educação”. Esse processo configuraria o

jovem estudante como principal assimilador e posterior disseminador do modelo escolar

empreendido. Gasparello acrescenta ainda que sua pesquisa não pretende reescrever a História

do Brasil, mas provocar uma reflexão a respeito de nossas tradições inventadas e oficializadas

para que possamos nos conhecer melhor como país (GASPARELLO, 2004).

A obra Livros didáticos de Língua Portuguesa: letramento e cidadania (2005),

organizada por Maria da Graça Costa Val e Beth Marcuschi, apresenta oito capítulos que

discutem temáticas voltadas ao livro didático de alfabetização e ao de Língua Portuguesa.

Segundo as organizadoras, os artigos que compõem a obra têm por justificativa o livro

didático inserido em um contexto que o focaliza como poderoso integrante da cultura escolar,

valendo-se de um posto de destaque no tocante à aplicabilidade das políticas públicas em

educação (VAL; MARCUSCHI, 2005).

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As temáticas abordadas nos artigos propõem reflexões diversas acerca dos processos

envolvidos na criação e na utilização do livro didático. Dentre elas, destacam-se: a produção

científica sobre os livros escolares brasileiros; metodologia de análise de livros didáticos de

Língua Portuguesa; cidadania e ensino nos livros didáticos; atividades de escrita em livros

didáticos de Língua Portuguesa, dentre outras. Todos os artigos têm em comum, segundo as

organizadoras, a preocupação em apresentar uma produção capaz de demonstrar as razões

pelas quais o livro didático precisa ser explorado, sobretudo como garantia de que tanto o

professor quanto o aluno teriam seus papéis respeitados como sujeitos agentes do processo de

ensino-aprendizagem, mediados pelo livro didático (VAL; MARCUSCHI, 2005).

A obra Com a palavra, o autor – em nossa defesa: um elogio à importância e uma

crítica às limitações do Programa Nacional do Livro Didático (2010), de Francisco Azevedo

de Arruda Sampaio e Aloma Fernandes de Carvalho, é formado por sete capítulos que

apresentam discussões sobre o PNLD. Os dois primeiros capítulos tecem críticas quanto às

suas ações, ao passo que os demais especificam essas críticas a partir de casos

individualizados. A obra reúne uma série de considerações de autores inconformados com os

critérios de avaliação dos seus livros didáticos pelo PNLD. Segundo os autores, a motivação

para a escrita dessa obra se deu em razão das avaliações realizadas pelo PNLD dos livros

didáticos inscritos no programa a partir de 1995 (SAMPAIO; CARVALHO, 2010).

As críticas ao PNLD são numerosas. Merece destaque, por exemplo, uma passagem

em que os autores afirmam sofrer uma espécie de “preconceito” por serem autores de livros

didáticos, praticadas, geralmente, por professores universitários, pesquisadores e educadores.

Segundo os autores, o referido PNLD não os considera escritores, mas apenas autores, e quem

manuseia os seus livros não são tidos como leitores, mas usuários. Outra crítica se refere aos

critérios da avaliação realizada pelo PNLD. Segundo os autores, pesquisadores opinam,

universidades julgam e surge ainda o “especialista” no mercado editorial. Todos eles se

ocupam de entender as diretrizes do governo, pois “o PNLD, desde o início, dedicou-se à

definição daquilo que o livro didático não pode ter [...] mas até hoje, pouco disse sobre o que

o livro didático deve ter e como deve fazer para ensinar” (SAMPAIO; CARVALHO, 2010, p.

10-11).

Os autores ainda acrescentam que desconhecem quem são os avaliadores do PNLD

2010. Alegam que isso se configura numa falha do processo, pois ao final das avaliações, os

avaliadores não assinam o relatório final. Essa atribuição cabe a um Coordenador de Área e a

um representante da Comissão Técnica do PNLD. Além disso, apontam o que consideram

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uma série de equívocos, erros, falsos argumentos, exemplos fraudados praticados pelos

avaliadores do PNLD quando analisam os livros didáticos inscritos no programa (SAMPAIO;

CARVALHO, 2010).

A obra O mercado do livro didático no Brasil do século XXI: a entrada do capital

espanhol na educação nacional (2013), de Célia Cristina de Figueiredo Cassiano, configura-

se como um estudo detalhado sobre o livro didático brasileiro a partir de 1985, ano em que é

criado o PNLD. É formatado em duas partes assim intituladas: 1 – História do Programa

Nacional do Livro Didático – PNLD; 2 – A formação do mercado ibero-americano do livro e

o protagonismo dos editores espanhóis nos anos de 1990. Os desdobramentos desse estudo se

atêm às políticas públicas voltadas aos programas do governo federal que convergiram para o

surgimento do referido PNLD e principalmente as conexões criadas a partir de então entre

governos e mercado editorial, e a consequente consolidação de tais conexões (CASSIANO,

2013).

A história do PNLD é narrada e discutida a partir da Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional – LDB (Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996), do Programa Nacional

do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM), em 2003; do Programa Nacional do Livro

Didático para a Alfabetização de Jovens e Adultos (PNLA), em 2007; do Programa Nacional

do Livro Didático para a Educação de Jovens e Adultos (PNLA EJA), em 2009. São ainda

registrados a resolução nº 60, de 20 de novembro de 2009 (alterada pela resolução nº 10, de

10 de março de 2011) e o decreto nº 7.084/2010, os quais regulam os Programas de Materiais

Didáticos, contemplam as alterações referentes aos nove anos do Ensino Fundamental e a

ampliação do PNLD em diversos programas (CASSIANO, 2013).

Sobre a ampliação do programa, a autora destaca a atuação do PNLD, sob a legislação

do FNDE, em outras áreas, como a distribuição de livros em braile e dicionários ilustrados

trilíngues em libras para os alunos com deficiência visual e auditiva, respectivamente, do

Ensino Fundamental. Além disso, foi criado o Programa Nacional Biblioteca da Escola

(PNBE) pela portaria nº 584, de 28 de abril de 1997, que tem como função a aquisição de

livros para os acervos das bibliotecas das escolas públicas do Ensino Fundamental

(CASSIANO, 2013).

Os investimentos do governo, através do FNDE, para o PNLD apresentam um

aumento gradativo. Segundo a autora, os números do programa em 2012 alcançam “um total

de R$1,3 bilhão em compra, avaliação e distribuição de livros didáticos; houve o atendimento

integral do Ensino Médio (inclusive EJA) e reposição para o Ensino Fundamental dos livros

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anteriormente distribuídos (PNLD 2010 e PNLD 2011)” (CASSIANO, 2013, p. 27). Eis uma

das razões pelas quais o governo brasileiro se tornou o maior comprador de livros didáticos do

país; por isso mesmo, no mercado editorial, o governo é disputado por suas editoras como

uma espécie de cliente preferencial (CASSIANO, 2013).

Para a pesquisadora, esse fato impressionou o mercado editorial internacional,

principalmente o espanhol, que passou a disputar, a partir do início do séc. XXI, o ramo de

didáticos no Brasil com as editoras locais. De 1970 até 2000, o mercado editorial brasileiro

era composto por grandes editoras pertencentes a grupos familiares distintos e suas histórias

estavam relacionadas à história dos seus criadores. Com a entrada das multinacionais

espanholas, a partir do ano 2000, o mercado editorial brasileiro dos livros didáticos se viu

obrigado a repensar suas práticas e a reconfigurar suas estratégias comerciais. Ao invés de

pensar um mercado de livro didático brasileiro para o Brasil, a necessidade era pensar esse

livro num mundo globalizado, de modo a compreender o papel do Brasil nesse contexto

através da indústria cultural (CASSIANO, 2013).

Dentre as preliminares que levaram o Brasil e a Espanha a firmarem acordos, Cassiano

destaca, em princípio, a condição geopolítica do Brasil. As editoras espanholas já estavam há

tempos instaladas em quase todos os países da América Latina. O Brasil representa 40% desse

mercado. O interesse da Espanha em explorar o mercado editorial brasileiro encontra razões

nos números e num potencial crescimento da educação pública. Isso se intensifica com a

introdução da Língua Espanhola no currículo oficial das escolas brasileiras em 2005, o que

segundo a autora, encontra justificativas no fato de que a Espanha, entre 1998 e 2000, foi o

maior investidor estrangeiro no país, por meio de um grande projeto que visava a Educação e

a Cultura brasileiras como potenciais formas de entrada do capital espanhol (CASSIANO,

2013).

Além das obras citadas acima, uma série de trabalhos organizados por pesquisadores

brasileiros também apresentam em suas publicações pelo menos um capítulo dedicado ao

tema “livro didático”. É o caso de Português no ensino médio e formação do professor

(2009), organizado por Clecio Bunzen e Márcia Mendonça e publicado pela primeira vez em

2006, que apresenta um capítulo intitulado “Reflexões sobre o livro didático de literatura”, de

Hélder Pinheiro. A formação da leitura no Brasil (2011), de Marisa Lajolo e Regina

Zilberman, cuja primeira edição data de 1998, apresenta um capítulo intitulado “Livros

didáticos, escola, leitura”. Leitura, história e história da leitura (2007), das mesmas autoras,

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74

publicada pela primeira vez em 1999, apresenta um capítulo chamado “Livro didático:

produção e leitura”.

A organização do trabalho didático na história da educação (2010), organizado por

Silvia Helena Andrade de Brito, Carla Villamaina Centeno, José Claudinei Lombardi e

Dermeval Saviani, conta com um capítulo intitulado “Manuais didáticos: formas históricas e

alternativas de superação”, de Ana Aparecida Arguelho de Souza; Livros escolares de leitura

no Brasil, de Antônio Augusto Gomes Batista e Ana Maria de Oliveira Galvão (2009),

apresenta um capítulo intitulado “O conceito de livros didáticos”, escrito por Antônio Augusto

Gomes Batista. Somam-se às publicações mencionadas acima uma série de trabalhos

publicados na internet em portais dedicados à Educação, à Leitura e à Literatura brasileiras,

dentre os quais podemos citar a Associação de Leitura do Brasil (ALB), através da revista

eletrônica Linha Mestra e a revista Teoria e Prática e a Associação Brasileira de Leitura

Comparada (ABRALIC), por meio da Revista Brasileira de Literatura Comparada.

Para auxiliar o trabalho dos pesquisadores dessas áreas, temos à disposição os portais

do MEC e do FNDE. Segundo a coordenadora de Governança em TIC – Diretoria de

Tecnologia da Informação/SE Ministério da Educação, Denise Barros de Sousa Nogueira, o

primeiro portal destinado ao MEC foi o http://www.mec.gov.br, de 28 de outubro de 1997. No

entanto, a referida coordenadora acrescenta que “há uma menção na tela falando em abril de

1997”. Ainda segundo o relato desta profissional, o portal http://portal.mec.gov.br teve o seu

primeiro registro armazenado em 7 de dezembro de 2004. Quanto ao FNDE, sua assessoria de

comunicação nos informou que o portal FNDE passou a vigorar a partir de 2001, mas não

precisou a data.

As informações acima foram coletadas por meio de consultas aos Serviço de

Informação ao Cidadão do Governo Federal Brasileiro, uma vez que, ao realizarmos as

investigações acerca dos temas tratados neste trabalho, verificamos que não havia no histórico

dos portais do MEC e do FNDE a data de criação dos referidos portais, ou seja, a memória

destes sites. No entanto, há, detalhadamente, o histórico do PNLD e demais programas criados

pelos sucessivos governos desde a sua criação. Embora não seja o objetivo desta tese,

consideramos relevantes as informações acima descritas por entendermos que estes portais são

cruciais para a os pesquisadores sobre os temas tratados nesta investigação e nos trabalhos

mencionados ao longo deste capítulo.

Percebemos que as pesquisas sobre o Livro didático no Brasil vêm apresentando um

número crescente de publicações. Portanto, há um significativo interesse por parte de

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pesquisadores sobre o principal suporte mediador do processo de ensino-aprendizagem nas

escolas. Não detalhamos todas as pesquisas realizadas sobre o Livro Didático Brasileiro por

não ser este o nosso objetivo. No entanto, destacamos os títulos publicados sobre a temática

em questão que auxiliam ou embasam esta pesquisa.

3.2. O livro didático: conceitos e discussões

A expressão “livro didático” é usada – de modo pouco adequado – para

cobrir uma gama muito variada de objetos portadores dos textos e impressos

que circulam na escola. Com efeito, o livro é apenas um dos muitos suportes

de textos presentes na sala de aula e várias obras didáticas assumem formas

outras que não a de um livro (BATISTA; GALVÃO, 2009, p. 42).

A epígrafe acima nos convida a pensar sobre o que comumente chamamos “livro

didático”. Para os autores, a elaboração de um conceito para o LD necessita considerar todo o

histórico do referido suporte ou de outros suportes de natureza semelhante que o antecederam.

Afirmam que até a década de oitenta do séc. XX existiam nas escolas “manuais escolares”,

“compêndios”, “livros-texto”, “livros”, “apostilas preparadas pelos professores”, criados por

uma “imprensa escolar”. Todos esses materiais compõem a “pré-história” do livro didático.

Esse manual se consolidou como o principal instrumento pedagógico a ser utilizado pelas

escolas, pelos professores e pelos alunos a partir da década de oitenta. Mas até que isso se

consolidasse, muitos estudos encomendados pelos governos brasileiros foram realizados a fim

de testar a viabilidade daquele projeto (BATISTA; GALVÃO, 2009).

Em A formação da leitura no Brasil (2011), Marisa Lajolo e Regina Zilberman falam

da ancestralidade do livro didático. Propõem que a Poética de Aristóteles se enquadre em um

desses casos, devido à sua utilização nas aulas ministradas pelo próprio filósofo no distante

séc. IV a.C. E acrescentam a obra Institutio Oratoria, de Marcus Fabius Quintiliano, do séc. I

d.C., por apresentar em uma de suas partes uma ‘apreciação sumária dos principais autores

gregos e latinos’ (LAJOLO; ZILBERMAN, 2011).

Em “Livro didático: produção e leitura”, capítulo integrante do livro Leitura, história e

história da leitura (2007), organizado por Márcia Abreu, Kazumi Munakata define o livro

didático como um suporte transportado constantemente da casa à escola pelo seu leitor. Tanto

na escola quanto em casa o livro pode ser lido e receber anotações (caso dos consumíveis);

diferente de outros livros, dificilmente é lido do início ao fim, mas suas páginas podem ser

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consultadas e relidas periodicamente. Por essa razão, o autor explica que o termo “uso” é mais

apropriado à relação existente com tais livros do que o termo “leitura” (MUNAKATA, 2007).

Em artigo intitulado “Livro didático: um (quase) manual de usuário”, componente da

obra Em aberto: livro didático e qualidade de ensino, Marisa Lajolo (1996) apresenta a

seguinte definição:

Didático, então, é o livro que vai ser utilizado em aulas e cursos, que

provavelmente foi escrito, editado, vendido e comprado, tendo em vista essa

utilização escolar e sistemática. Sua importância aumenta ainda mais em

países como o Brasil, onde uma precaríssima situação educacional faz com

que ele acabe determinando conteúdos e condicionando estratégias de

ensino, marcando, pois, de forma decisiva, o que se ensina e como se ensina

o que se ensina (LAJOLO, 1996, p. 04).

O artigo “Autoridade, autoria e livro didático”, de Deusa Maria de Souza, integrante

da obra Interpretação, autoria e legitimação do livro didático (1999), organizada por Maria

José Coracini, apresenta uma definição do livro didático voltada ao “discurso da

competência”. Para a autora, o seu conceito compreende um saber garantido, determinado,

impositivo aos seus usuários (sobretudo o professor, que deve reproduzir as “verdades” ali

contidas aos seus alunos e estes devem apenas apreendê-las) a partir de um discurso da

autoridade incontestável. Sua legitimidade se dá a partir da “crença de que ele é depositário de

um saber a ser decifrado, pois se supõe que o livro didático contenha uma verdade

sacramentada a ser transmitida e compartilhada” (SOUZA, 1999, p. 27). Em outro artigo

intitulado “Gestos de Censura”, componente da mesma coletânea acima citada, e assinado

também por Deusa Maria de Souza, a autora amplia sua definição de livro didático ao associá-

lo a um “transmissor de verdades”, pois impera nos manuais

[...] uma concepção de ciência tradicionalmente perpetuada pelo livro

didático, enquanto lugar produtor de “dizeres da verdade”. Ambos, o livro

didático e a ciência deverão lidar com conceitos verdadeiros em oposição aos

falsos. Ao transmitir “verdades”, o Livro Didático deverá apresentar

conteúdos que sejam claros, limpos e transparentes, sem ambigüidades ou

equívocos, sem preconceitos, enfim, sem erros (SOUZA, 1999, p. 61-62).

Entendemos, portanto, que o livro didático nasceu dos anseios de setores

influenciadores da sociedade brasileira em legitimar o ensino, à luz de suas ideologias. Sob

essa perspectiva, o LD procura atender e propagar os discursos simbólicos dessas parcelas

privilegiadas da cultura nacional. Além disso, configura-se como instrumento político, a partir

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da adequação às leis educacionais do governo que, de posse de seus discursos legalizadores,

determina e qualifica os manuais mediante critérios que atendam às suas demandas. O que

ocorre a partir de uma poderosa força de representação consolidada em acordos entre

sociedade e política é a consequente legitimação desses discursos nas escolas, proferidos pelos

seus agentes, principalmente os professores, e assimilados pelos alunos como verdades

incontestáveis. Nesse sentido, Coracini, (1995, p. 23) diz que:

Para os professores “fiéis”, o livro didático funciona como uma bíblia,

palavra inquestionável, monumento, como lembra Souza (1995), analisando

o livro didático como Foucault analisa o documento histórico: a verdade aí

está contida; o saber sobre a língua e sobre o assunto a ser aprendido ali se

encontra. Desse modo, as perguntas, sempre “bem” formuladas,

evidentemente, só podem ser respondidas de acordo com o livro do

professor, de tal maneira que o professor raramente se dá conta quando uma

pergunta não foi bem formulada, dificultando a obtenção da resposta “certa”,

determinada pelo autor do LD; este autoridade reconhecida carregaria, então,

a aura da verdade, da neutralidade, do saber.

Não é muito difícil encontrar professores que utilizam o livro didático como única

fonte de pesquisa, ou ainda aqueles que trabalham os gêneros trazidos pelos livros didáticos

de forma tradicional, seja pelo fato de ser cômodo para conduzir a aula, seja pela falta de

incentivo de buscar novas iniciativas dinâmicas para desenvolver suas aulas. Não podemos

negar que o livro didático é sim um instrumento muito importante para nortear as nossas

inquietações sobre determinados assuntos; porém não devemos ser alienados por eles, uma

vez que esses manuais estão repletos de saberes prontos, ditando verdades para os professores,

determinando principalmente como eles devem trabalhar em suas aulas.

O livro didático é um instrumento de apoio no processo de ensino aprendizagem

porque, a partir do contato com a literatura via LD, escolhemos e conhecemos algumas obras

para leitura. Mas não podemos nos limitar aos fragmentos explícitos no mesmo. Assim

evitaremos práticas reducionistas da leitura literária. Kleiman (2008) enfatiza que o livro

didático, quando usado como única fonte de conhecimento na sala de aula, favorece a

apreensão fragmentada do material, a memorização de fatos desconexos e valida a concepção

de que há apenas uma leitura legítima para o texto. Desse modo, o LD necessita de

determinadas finalidades para estimular a reflexão, a construção e sistematização dos

conceitos abordados, para que não se torne um fim em si mesmo.

Assim, como elemento representativo e, simultaneamente, propulsor de uma cultura, é

natural que as ideologias constantes no livro didático sejam uma espécie de resposta à

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sociedade à qual ele pertence. E mesmo que seja um material de vida curta, por conta das

necessidades político-educacionais, as concepções de leitura permanecem, ou seja, o leitor

que se pretende formar deve ter aquela concepção “estruturada” pelo sistema e que, no LD,

encontra-se representada nos textos, fragmentos, figuras e atividades.

Quando pensamos o livro didático como bem cultural, passamos a perceber como

somos dependentes dele, pois mesmo apontando falhas, equívocos, discursos legitimadores de

uma cultura dita dominante, ainda assim ele é o instrumento mais recorrente que se nos

apresenta quando o assunto é formação de aluno, sobretudo de aluno-leitor; é a forma de

apropriação da leitura institucionalizada pela qual nos formamos e com a qual formamos

nossos alunos, com todas as restrições que façamos a ela. Fato é que o LD existe e se impõe

cada vez mais como “responsável” pela alfabetização e pelo letramento literário.

Se, no passado, o professor criava seu próprio manual e o utilizava como suporte em

sala de aula, hoje o livro didático, criado e legitimado por um sistema no qual se encontram

Estado, editoras, escolas e a sociedade como um todo, não somente funciona como suporte,

mas como principal meio de ensino e de aprendizagem. Embora tenhamos consciência da

transferência de “poder” do professor ao livro, as discussões não chegam a atingir a

sociedade, em sua maioria. O livro didático é um constructo histórico e, por isso,

[...] interessa igualmente a uma história da leitura porque ele, talvez mais

ostensivamente que outras formas escritas, forma o leitor. Pode não ser tão sedutor

quanto as publicações destinadas à infância (livros e história em quadrinhos), mas

sua influência é inevitável, sendo encontrado em todas as etapas da escolarização de

um indivíduo: é cartilha, quando da alfabetização; seleta, quando da aprendizagem

da tradição literária; manual, quando do conhecimento das ciências ou da

profissionalização adulta, na universidade. É poderosa fonte de conhecimento da

história de uma nação, que por intermédio de sua trajetória de publicações e leituras,

dá a entender que rumos seus governantes escolheram para a educação,

desenvolvimento e capacitação intelectual e profissional dos habitantes de um país

(LAJOLO; ZILBERMAN, 2011, p. 121).

Percebemos, portanto, que o livro didático se consolidou como o principal instrumento

pedagógico a ser utilizado pelas escolas, pelos professores e pelos alunos. Para isso, desde o

seu nascimento, muitos estudos encomendados pelos governos brasileiros foram realizados a

fim de testar a viabilidade do projeto. Daí a quantidade de decretos, resoluções, portarias,

programas e as várias reformulações operadas nos manuais didáticos brasileiros. O emprego

do termo “livro didático”, de certo modo, além de modernizar fisicamente o LD, harmonizou

a reunião de vários textos, apontamentos, imagens, biografia de autores, questões de

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interpretação, fragmentos de textos literários, exercícios diversos, propostas de pesquisa em

outros suportes (inclusive os extra-escola), dentre outros, numa mesma coletânea, voltados ao

ensino e à formação.

3.3 O Programa Nacional do Livro Didático: seu histórico, suas fases e seus documentos

legitimadores

O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) é o mais antigo dos

programas voltados à distribuição de obras didáticas aos estudantes da rede

pública de ensino brasileira e iniciou-se, com outra denominação, em 1929.

Ao longo desses 80 anos, o programa foi aperfeiçoado e teve diferentes

nomes e formas de execução. Atualmente, o PNLD é voltado à educação

básica brasileira, tendo como única exceção os alunos da educação infantil3

Oficialmente, o ano de 1929 marca o início de uma série de projetos governamentais

voltados aos materiais didáticos, através do Instituto Nacional do Livro (INL). Em 1938, cria-

se o Decreto-Lei nº 1.006, de 30/12/38, que institui a Comissão Nacional do Livro Didático

(CNLD). Trata-se da primeira política de legislação sobre a produção e a circulação do livro

didático brasileiro. A partir daí, novos decretos e portarias também são publicados para

instituir novas legislações para o uso do livro didático brasileiro. Destacamos o ano de 1971,

em que se cria o Programa do Livro Didático para o Ensino Fundamental (PLIDEF), órgão

responsável pela administração e pelo gerenciamento de recursos financeiros junto ao INL.

Em 1985, através do Decreto nº 91.542, de 19/8/85, cria-se o Programa Nacional do Livro

Didático, em substituição ao PLIDEF. Em 2003, publica-se a Resolução CD FNDE nº 38, de

15/10/2003, que institui o Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio

(PNLEM). Em 2007, cria-se a resolução CD FNDE 18, de 24/04/2007, a qual regulamenta o

Programa Nacional do Livro Didático para a Alfabetização de Jovens e Adultos (PNLA). Em

2009, institui-se a resolução CD FNDE nº 51, de 16/09/2009, que regulamenta o Programa

Nacional do Livro Didático para a Educação de Jovens e Adultos (PNLD EJA)4. Em 2011, o

governo cria o Programa Nacional do Livro Didático do Campo (PNLD Campo) para as

escolas do campo, a partir da resolução nº 40 de 26 de julho de 20115. Para ilustrar as

3Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livro-didatico-historico>.Acesso em 26 de

agosto de 2015. 4Disponível em: http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livro-didatico-historico. Acesso em 26 de

agosto de 2015. 5Disponível em:https://www.fnde.gov.br/fndelegis/action/UrlPublicasAction.php. Acesso em 26 de agosto de

2015.

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informações aqui destacadas, reproduzimos o Histórico do Programa Nacional do Livro

Didático apresentado no portal do FNDE (ANEXO II), ao final deste trabalho.

Para o ano de 2013, a partir da Resolução/CD/FNDE nº 40, de 26 de julho de 2011, o

MEC apresenta o Programa Nacional do Livro Didático para as escolas do campo (PNLD

Campo). O novo programa tem como objetivo prover com livros didáticos específicos as

escolas públicas participantes do Programa Nacional do Livro Didático que possuam

segmentos de aprendizagem, classes multisseriadas ou seriadas dos anos iniciais do ensino

fundamental e estejam situadas ou que mantenham turmas anexas em áreas rurais6.

Além do Histórico do PNLD, o portal FNDE também apresenta outras informações

sobre o livro didático. A apresentação do programa destaca o seu objetivo: “prover as escolas

públicas de ensino fundamental e médio com livros didáticos e acervos de obras literárias,

obras complementares e dicionários”7. Em seguida, descreve a forma e o funcionamento do

referido programa:

O PNLD é executado em ciclos trienais alternados. Assim, a cada ano o

FNDE adquire e distribui livros para todos os alunos de determinada etapa

de ensino e repõe e complementa os livros reutilizáveis para outras etapas.

São reutilizáveis os seguintes componentes: Matemática, Língua Portuguesa,

História, Geografia, Ciências, Física, Química e Biologia. Os consumíveis

são: Alfabetização Matemática, Letramento e Alfabetização, Inglês,

Espanhol, Filosofia e Sociologia.

Um edital especifica todos os critérios para inscrição das obras. Os títulos

inscritos pelas editoras são avaliados pelo MEC, que elabora o Guia do Livro

Didático, composto das resenhas de cada obra aprovada, que é

disponibilizado às escolas participantes pelo FNDE.

Cada escola escolhe democraticamente, dentre os livros constantes no

referido Guia, aqueles que deseja utilizar, levando em consideração seu

planejamento pedagógico.

Para garantir o atendimento a todos os alunos, são distribuídas também

versões acessíveis (áudio, Braille e MecDaisy) dos livros aprovados e

escolhidos no âmbito do PNLD8.

6Disponível em: <https://www.fnde.gov.br/fndelegis/action/UrlPublicasAction.php>. Acesso em 26 de agosto de

2015. 7Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livro-didatico-apresentacao>. Acesso em 26

de agosto de 2015. 8Disponível em:<http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livro-didatico-apresentacao>. Acesso em 26

de agosto de 2015.

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Outros itens são acrescentados aos já citados. O Termo de Adesão é documento criado

em 2011 que tem por objetivo regulamentar a participação de escolas federais e redes de

ensino no PNLD. A partir daí somente participarão do programa as escolas que assinarem o

referido documento. Caso desejem não mais participar, devem enviar ofício ao FNDE

solicitando a exclusão do PNLD. Somam-se a este o PNLD EJA, o PNLD campo, o PNLD

Obras Complementares, o PNLD Alfabetização na idade certa e o PNLD Dicionários9.

No item Funcionamento, são descritos detalhadamente os passos para a execução do

PNLD.

1. Adesão – As escolas federais e os sistemas de ensino estaduais,

municipais e do Distrito Federal que desejem participar dos programas de

material didático deverão manifestar este interesse mediante adesão formal,

observados os prazos, normas, obrigações e procedimentos estabelecidos

pelo Ministério da Educação. O termo de adesão deve ser encaminhado uma

única vez. Os beneficiários que não desejarem mais receber os livros

didáticos precisam solicitar a suspensão das remessas de material ou a sua

exclusão do(s) programa(s). A adesão deve ser atualizada sempre até o final

do mês de maio do ano anterior àquele em que a entidade deseja ser

atendida.

2. Editais – Os editais que estabelecem as regras para a inscrição do

livro didático são publicados no Diário Oficial da União e disponibilizados

no portal do FNDE na internet.

3. Inscrição das editoras – Os editais determinam o prazo e os

regulamentos para a habilitação e a inscrição das obras pelas empresas

detentoras de direitos autorais.

4. Triagem/Avaliação – Para constatar se as obras inscritas se

enquadram nas exigências técnicas e físicas do edital, é realizada uma

triagem pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo

(IPT). Os livros selecionados são encaminhados à Secretaria de Educação

Básica (SEB/MEC), responsável pela avaliação pedagógica. A SEB escolhe

os especialistas para analisar as obras, conforme critérios divulgados no

edital. Esses especialistas elaboram as resenhas dos livros aprovados, que

passam a compor o guia de livros didáticos.

5. Guia do livro – O FNDE disponibiliza o guia de livros didáticos em

seu portal na internet e envia o mesmo material impresso às escolas

cadastradas no censo escolar. O guia orientará a escolha dos livros a serem

adotados pelas escolas.

6. Escolha – Os livros didáticos passam por um processo democrático de

escolha, com base no guia de livros didáticos. Diretores e professores

analisam e escolhem as obras que serão utilizadas pelos alunos em sua

escola.

7. Pedido – A formalização da escolha dos livros didáticos é feita via

internet. De posse de senha previamente enviada pelo FNDE às escolas,

9Disponível em:http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livro-didatico-apresentacao. Acesso em 26 de

agosto de 2015.

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professores fazem a escolha on-line, em aplicativo específico para este fim,

disponível na página do FNDE.

8. Aquisição – Após a compilação dos dados referentes aos pedidos

realizados pela internet, o FNDE inicia o processo de negociação com as

editoras. A aquisição é realizada por inexigibilidade de licitação, prevista na

Lei 8.666/93, tendo em vista que as escolhas dos livros são efetivadas pelas

escolas e que são editoras específicas que detêm o direito de produção de

cada livro.

9. Produção – Concluída a negociação, o FNDE firma o contrato e

informa as quantidades de livros a serem produzidos e as localidades de

entrega para as editoras. Assim, inicia-se o processo de produção, que tem

supervisão dos técnicos do FNDE.

10. Análise de qualidade física – O Instituto de Pesquisas Tecnológicas

(IPT) acompanha também o processo de produção, sendo responsável pela

coleta de amostras e pela análise das características físicas dos livros, de

acordo com especificações da Associação Brasileira de Normas Técnicas

(ABNT), normas ISO e manuais de procedimentos de ensaio pré-elaborados.

11. Distribuição – A distribuição dos livros é feita por meio de um

contrato entre o FNDE e a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos

(ECT), que leva os livros diretamente da editora para as escolas. Essa etapa

do PNLD conta com o acompanhamento de técnicos do FNDE e das

secretarias estaduais de educação.

12. Recebimento – Os livros chegam às escolas entre outubro do ano

anterior ao atendimento e o início do ano letivo. Nas zonas rurais, as obras

são entregues nas sedes das prefeituras ou das secretarias municipais de

educação, que devem efetivar a entrega dos livros10.

Também são disponibilizados no portal documentos como Dados Estatísticos, onde

são apresentadas tabelas com informações sobre o ano de aquisição, o ano letivo, o número de

alunos atendidos pelo programa, as escolas contempladas, o número de exemplares, os valores

investidos por ano e total e o atendimento do PNLD, do PNLD EJA, do PNLD Campo, do

PNLD Obras Complementares e do PNLD Dicionários 2012. Além disso, anexa a cada tabela

informações complementares. Na tabela do PNLD, as informações contemplam os anos de

2013, 2014 e 2015. Em 2013, são descritos: Coleções mais distribuídas por componente

curricular – Ensino Fundamental; Valores de aquisição por título – Ensino Médio; Valores de

aquisição por título – Ensino Fundamental; Dados estatísticos por estado – Ensino

Fundamental e Médio (inclui EJA); Valores de aquisição por editora – Ensino Fundamental e

Médio (inclui EJA). Em 2014, Dados estatísticos por estado – Ensino Fundamental e Médio;

Valores de aquisição por editora – Ensino Fundamental e Médio; Coleções mais distribuídas

10Disponível em: http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livro-didatico-funcionamento. Acesso em 26

de agosto de 2015.

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por componente curricular – Ensino Fundamental. Em 2015, Coleções mais distribuídas por

componente curricular – Ensino Médio; Dados estatísticos por estado – Ensino Fundamental e

Médio; Valores de aquisição por editora – Ensino Fundamental e Médio.

As outras informações complementares referentes aos demais programas são: PNLD

Campo 2015 – Dados estatísticos por estado – Ensino Fundamental; PNLD Campo 2013 –

Valores de aquisição; PNLD Campo 2013 – Valores de aquisição por título. PNLD Obras

Complementares 2013 – Lista das obras aprovadas; PNLD Obras Complementares 2013 –

Valores de Aquisição – Ensino Fundamental. PNLD Alfabetização na Idade Certa 2013 –

Valores de aquisição. PNLD Dicionários 2012 – Composição dos Acervos; PNLD

Dicionários 2012 – Valores de aquisição por editora – Ensino Fundamental e Médio; PNLD

Dicionários 2012 – Resultados. Dados Anteriores: Evolução PNLD Ensino Fundamental –

2004 a 2013; Evolução PNLD Ensino Médio – 2005 a 2013; Evolução PNLD Ensino

Fundamental e Médio por editora – 2005 a 2013; Evolução PNLD – 2011 a 201411.

No item Guias do Livro Didático, são dispostos para consulta os seguintes

documentos: Guia PNLD 2015; Guia PNLD EJA 2014; Guia PNLD 2014; Guia PNLD 2013 –

Ensino Fundamental; Guia PNLD Campo 2013; Guia PNLD 2012 – Ensino Médio; Guia

PNLD 2011 – Anos Finais do Ensino Fundamental; Guia PNLD 2011 – Educação de Jovens e

Adultos; Guia PNLD 2010 – Anos Iniciais do Ensino Fundamental; Guia PNLA 2010 –

Alfabetização de Jovens e Adultos; Guia PNLEM 2009; Guia PNLD 2008 – Anos Finais do

Ensino Fundamental; Guia PNLEM 2008; Guia PNLA 2008; Guia PNLD 2007 – Anos

Iniciais do Ensino Fundamental; Guia PNLD 2004; Escolha PNLD Campo 201612. Cada um

dos documentos listados abre um link para um arquivo em PDF dos referidos Guias.

Além dos documentos mencionados, o portal apresenta outros links: “Apoio à gestão”,

“Novo Siscort”, “Encontros”, “Termo de Adesão”, “Legislação”, “Perguntas frequentes

PNLD” e “Contatos”. Ainda são dispostos links para informações sobre o FNDE, os

programas, o Financiamento, Prestação de contas, Painel de controle do MEC, Editais,

Resoluções e Sistemas13.

11Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livro-didatico-dados-estatisticos>. Acesso

em 26 de agosto de 2015. 12Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/guias-do-pnld>. Acesso em 26 de agosto de

2015. 13Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/>. Acesso em 26 de agosto de 2015.

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84

Conforme observamos, desde o surgimento do livro didático até o momento em que

realizamos esta pesquisa (2015-2016), houve uma considerável expansão da confecção e da

distribuição do referido LD. Os primeiros decretos ainda na década de trinta do século XX

legislavam sobre um produto de pequeno alcance frente ao público escolar. O aumento

gradativo, porém tímido em relação à expansão do LD foi verificado até a década de noventa

do mesmo século XX. Foi a partir do governo Fernando Henrique Cardoso que as políticas

públicas voltadas ao LD registraram um significativo aumento na produção, na seleção e na

distribuição do referido suporte.

Conforme afirma Célia Cassiano (2013), o PNLD foi criado pelo então ministro da

educação Paulo Renato de Souza para ser uma plataforma de governo do presidente Fernando

Henrique Cardoso no período 1995-2002. Pela participação das editoras, pelas resoluções

criadas, pela inscrição das escolas, pela seleção de avaliadores e pelo alcance do programa no

tocante aos alunos das escolas públicas, especialmente, entendemos que o PNLD conseguiu

não apenas ser uma plataforma do governo vigente como também criou um forte elo com as

grandes editoras brasileiras, uma vez que se iniciava ali um “casamento” duradouro baseado

em um sólido acordo mercadológico, através do qual todos ganhariam: o governo pela

projeção política, as editoras pelos números em vendas de material didático para o seu

parceiro, o governo brasileiro.

Essa relação descrita acima só aumentou a partir dos governos Luís Inácio Lula da

Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2014). Além de manter o PNLD, Lula criou o

PNLEM, que passou a atender os estudantes do ensino médio. Começou com os LD de

Língua Portuguesa e Literatura e de Matemática e, até o governo Dilma Rousseff, todas as

disciplinas, inclusive as de língua estrangeira, já estavam contempladas no programa. Além

disso, ainda houve a criação do PNLD EJA, PNLD campo e PNLA. Assim, percebemos que

os governos subsequentes ao de FHC mantiveram o programa como plataforma de governo

com a ampliação do atendimento do PNLD e também reforçaram o “casamento” com as

editoras. A expansão do programa repercutiu também no aumento de comissões avaliadoras, o

que resultou em novos critérios para inscrição e aprovação dos livros didáticos participantes

do processo. Isso fez com que o “casamento” entre governo e editoras enfrentasse muitas

turbulências, devido à insatisfação dos editores, algumas delas já descritas neste capítulo.

O MEC criou comissões distintas para avaliarem o livro didático de cada disciplina

através de contratos firmados com universidades públicas brasileiras. Por exemplo, a

avaliação do PNLD de Língua Portuguesa esteve a cargo do CEALE (Centro de

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Alfabetização, Leitura e Escrita) da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) de 1998

até 2015. A partir de 2015, a UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) assumiu a

função14. Percebemos que houve um considerável aumento nos investimentos voltados ao

PNLD em relação à qualidade do material didático, tanto no que se refere ao conteúdo e ao

tipo físico do suporte quanto à composição crítica dos seus avaliadores, dado o rigor com que

as seleções das instituições avaliadoras são realizadas.

Além disso, a criação dos portais do MEC e do FNDE na internet também facilitou o

acesso de professores, estudantes, editores e pesquisadores, uma vez que, conforme já

registramos, as principais informações sobre o PNLD estão contidas nas páginas dos órgãos

acima referidos. Especialmente para os pesquisadores, houve um relevante avanço no que diz

respeito às possibilidades de realização de estudos voltados ao tema, o que dez anos antes não

era possível, devido às dificuldades de acesso às informações. Há também espaços para o

público se comunicar com os profissionais responsáveis pelos conteúdos dos portais a fim de

buscar informações faltantes ou para esclarecer dúvidas em relação ao que já está publicado.

3.4. O Programa Nacional do Livro Didático: as políticas públicas

[...] a criação do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), em 1985, [é

uma] política adotada pelo Estado em relação ao livro didático durante a

redemocratização do país. Tal política centralizava, no âmbito federal, o

planejamento, a compra e a distribuição gratuita do livro escolar para a

maioria dos alunos da educação básica do Brasil (CASSIANO, 2013, p. 23).

Segundo Cassiano (2013), no período que compreende 1938 e 1985, o livro didático

brasileiro passou por um rigoroso controle estatal de produção, circulação e uso,

principalmente no período da ditadura militar (1964-1985). Assim, quando publicado o

decreto que instituiu o PNLD, sequer foi mencionado que este programa substituiria o

PLIDEF. Segundo a pesquisadora, isso se deu em razão de uma estratégia política de

apagamento de qualquer imagem associada à ditadura militar, uma vez que o PLIDEF havia

sido criado em 1971, ano em que os militares governavam o país. A ideia era agregar valor

14 Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=39521-

chamada-publica-ies-2017-resultado-pdf&category_slug=maio-2016-pdf&Itemid=30192. Acesso em 3/6/2016.

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positivo ao PNLD e, por isso, sua total dissociação por parte do governo democrático vigente

que, a partir de 1985, se auto intitulava “Nova República”.

Embora se observe a manutenção de boa parte da base do PLIDEF, o PNLD deu início

a uma revolução nas políticas públicas para a produção, circulação e uso do livro didático no

Brasil. O traço diferencial, segundo Cassiano (2013), encontra-se em dois momentos distintos:

em 31 de maio de 1985, o documento Educação para todos: caminho para a mudança, é

criado pelo então Ministro da Educação Marco Maciel; em 1993, temos o Plano Decenal de

Educação para Todos. O primeiro se destaca pelos princípios de instauração do PNLD; o

segundo pelo conjunto de alterações feitas ao programa, as quais seriam executadas a partir de

1995, no governo de Fernando Henrique Cardoso (CASSIANO 2013).

O PNLD surge vinculado ao Programa Educação para Todos (PET), oriundo de um

documento maior chamado Compromisso com a nação, resultante da união entre a Aliança

Democrática e a Frente Liberal - dissidência do Partido Democrático Social (PDS) - e Partido

do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), instituindo-se em sete de agosto de 1984. O

documento apresentava as seguintes propostas: reforma das instituições a fim de alcançar a

plena democracia, modificação na economia, reprogramação da dívida externa, revisão da

política salarial, debate para uma nova Constituição. Após a posse de José Sarney como

presidente em 31 de maio de 1985, a proposta Educação para todos: caminho para a

mudança é encaminhada pelo então ministro Marco Maciel. Do documento, destacamos a

política social daquele governo que tinha como uma das metas a universalização do ensino de

primeiro grau (CASSIANO, 2013).

Percebemos que havia uma preocupação do governo Sarney com as camadas

populares do país. Por isso, o documento acima citado apresentava uma preocupação em

resolver os problemas educacionais herdados do regime militar, assumindo uma postura

assistencialista. Eis os problemas:

a) A falta de uma consciência nacional sobre a importância política social

da educação;

b) Baixa produtividade no ensino;

c) Aviltamento da carreira do magistério;

d) Inexistência de um adequado fluxo de recursos financeiros para a

educação básica (CASSIANO, 2013, p. 57).

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Segundo a mesma pesquisadora, os itens “B” e “D” são os “alicerces para o que veio a

se constituir a política pública para o livro didático no país redemocratizado” (CASSIANO,

2013, p.57). Ela ainda destaca que, além de um cunho assistencialista, o PNLD também

atendia às orientações do Banco Mundial, sobretudo quando se tratava da Região Nordeste,

assistida em 43% do total de exemplares distribuídos em 1986. Apesar de ter implementado

mudanças significativas, como a substituição do livro descartável (que continha exercícios na

própria publicação) pelo livro não consumível, outras duas propostas do PNLD custaram a ser

implantadas. Primeiro, temos a escolha do LD pelo professor, que somente seria consolidada

na primeira metade do século XXI. Dentre os principais problemas para a efetivação dessa

proposta, levantados por Cassiano, destacam-se a rotatividade dos professores das escolas

públicas (o que faz com que determinado docente trabalhe em uma escola durante um ano e

tenha escolhido um livro. Ao trocar de escola no ano seguinte, é possível que o livro escolhido

pelos professores da futura escola não coincida com o da escola anterior). Também constam

nos relatos reclamações de escolas que receberam livros didáticos, os quais não haviam sido

selecionados pelos seus professores. Quanto à distribuição gratuita do LD para o ensino

fundamental das escolas públicas, verifica-se que esta somente passou a ser cumprida a partir

de 1995 (CASSIANO, 2013).

A segunda fase do PNLD é assim denominada e marcada por Cassiano (2013) a partir

do Plano Decenal de Educação para Todos. Este documento é resultante da Declaração

Mundial sobre a Educação para Todos, confeccionado pela Conferência Mundial sobre

Educação para Todos: Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem, em Jomtien

(Tailândia), no período de 5 a 9 de março de 1990. Este evento foi realizado pela Organização

das Nações Unidas (ONU), Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura (UNESCO), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Programa das

Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Banco Mundial (CASSIANO, 2013).

O Plano Decenal de Educação para Todos, publicado em 1993, significou o

compromisso assumido pelo Brasil naquela conferência internacional; ele “delimitava em

quais esferas deveriam se concentrar os esforços e recursos [...] para se alcançar a

universalização da Educação Básica no Brasil, assegurando os padrões de qualidade básicos”

(CASSIANO, 2013, p. 78). Sua divulgação esteve a cargo da Associação Brasileira dos

Editores de Livros (ABRELIVROS), que o publicou e distribuiu a todos os órgãos públicos

brasileiros, inclusive às escolas. Segundo a pesquisadora, esse ato dos editores se realizou por

conta das diretrizes constantes no documento, as quais “priorizavam o livro didático como

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recurso pedagógico essencial e previam políticas públicas que deveriam privilegiá-lo”

(CASSIANO, 2013, p. 78).

Merecem destaque documentos produzidos por agências internacionais e mencionados

por Cassiano (2013, p. 79), os quais tinham como finalidade a melhoria da educação em

âmbito mundial e destacavam a importância do livro didático para a consolidação do projeto.

São eles:

O Relatório Jacques Delors, resultante de trabalhos desenvolvidos, de 1993a

1996, pela Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI da

Unesco, considera o livro didático como ‘o suporte mais fácil de manejar e

mais econômico’ (DELORS, 1998, p. 192). Uribe (2006) apresenta vários

estudos do Banco Mundial, dos anos 1990, direcionados para a América

Latina e Caribe, em que os resultados são contundentes em relação aos

benefícios do uso do livro didático na educação fundamental dessas regiões,

principalmente quando são considerados os indicadores de custo x benefício.

O ano de 1996 marca o início de um rigoroso sistema de avaliação, inaugurado pelo

MEC. O processo avaliativo visava investigar a qualidade do LD. Seu objetivo, além do

aprimoramento da distribuição e da melhoria do livro didático adquirido, visava também o

aprimoramento do professor que, por sua vez, iria selecionar e avaliar a qualidade desse livro.

Rojo e Batista (2008, p. 28-29) argumentam que:

[...] por meio do Plano Decenal de Educação para Todos, assume como

diretrizes, ao lado do aprimoramento da distribuição e das características

físicas do livro didático adquirido, capacitar adequadamente o professor para

avaliar e selecionar o manual a ser utilizado e melhorar a qualidade desse

livro, por intermédio da definição de uma nova política do livro no Brasil.

Visando a qualidade do livro didático, o Ministério da Educação criou comissões

demarcadas por áreas de conhecimento para que fossem delimitados os critérios e as

classificações da avaliação. O resultado desse processo seria publicado nos Guias de livros

didáticos, os quais seriam distribuídos com a finalidade de orientar os professores quanto à

seleção dos manuais didáticos ali apresentados (CASSIANO, 2013).

A avaliação dos livros didáticos brasileiros é tida como um dos mais importantes

avanços no que diz respeito à produção, circulação e uso do LD, datada no governo de

Fernando Henrique Cardoso, em 1996. Mas outras medidas também se destacam nesse ano.

Cassiano (2013, p. 84) assim as destaca, a partir das afirmações do então Ministro da

Educação, Paulo Renato de Souza:

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[...] A elaboração de Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) em todos os

níveis e modalidades da educação básica, a criação de sistemas de

informações, principalmente advindos dos vários censos educacionais, e a

instituição de sistemas brasileiros de avaliação educacional, para todos os

níveis de ensino.

O pleno atendimento do PNLD para todos os alunos da Educação Básica e a criação de

um processo de avaliação do LD atuam junto aos critérios dispostos nos Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCN). A principal finalidade é a proposta de uma Reforma

Curricular, empreendida pelo governo Fernando Henrique Cardoso e executada a partir dos

critérios acima mencionados, os quais conferem visibilidade a esse governo e uma

consequente legitimidade, seja por parte de certos setores da mídia brasileira, como a Revista

Veja e a Folha de São Paulo, seja por parte de um discurso acadêmico criado a partir de uma

bibliografia produzida por pesquisadores participantes do PNLD. São especialistas que atuam

em várias etapas e em vários setores do Programa, destacando-se os coordenadores das áreas

de avaliação dos livros didáticos. Conforme observação da autora, percebemos que imperam

alguns nomes nessas coordenações, salvo algumas exceções (CASSIANO, 2013). Assim, a

avaliação do PNLD 2002 ficou a cargo das universidades às quais os coordenadores estavam

vinculados. Destacamos apenas os coordenadores da área de Alfabetização e Língua

Portuguesa pela afinidade e pela identidade da área com a nossa pesquisa:

[...] Alfabetização e Língua Portuguesa ficaram oficialmente sob a

responsabilidade da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Os

professores Antonio Augusto Gomes Batista, Magda Soares e Maria da

Graça Val, além de docentes dessa universidade, também são pesquisadores

do CEALE, instituição fortemente envolvida no processo da avaliação dos

livros didáticos desde a sua implementação [...] Apesar de a área de Língua

Portuguesa ser diretamente vinculada à UFMG, os professores Egon de

Oliveira Rangel e Roxane Rojo – esta também participante da equipe do

Ceale, e em 2006 passou a ser docente da Universidade Estadual de

Campinas (UNICAMP) – responsáveis pela coordenação da área, pertenciam

ao quadro de docentes da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

(PUC/SP) (CASSIANO, 2013).

Quanto ao PNLD, Cassiano (2013) afirma que sua continuidade e sua consolidação lhe

conferem uma categoria de política de Estado. Também acrescenta que as implementações e

modificações sofridas pelo referido programa atendem às demandas instituídas pelo Banco

Mundial para países em desenvolvimento. No caso do Brasil, essa parceria se iniciou na

década de 1970 e se efetivou a partir das relações do então Ministro Paulo Renato de Souza

com aquela instituição, antes de ocupar o cargo de ministro. Como forma de garantir um

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ideário de gestão positiva ao PNLD no governo Fernando Henrique Cardoso, a avaliação do

LD foi enaltecida nos documentos oficiais como o Plano Decenal de Educação para Todos

(1993-2003). Por outro lado, desqualificou o professor, julgado como malformado

instrumentalmente para selecionar adequadamente os livros didáticos indicados como

positivos pelas comissões avaliadoras. Isso porque, de 1997 a 2004, observou-se que os livros

selecionados pelos professores compunham, majoritariamente, os quadros recomendado com

ressalvas ou não recomendado. A solução encontrada pela Comissão Avaliadora do PNLD,

ao que tudo indica, não foi buscar as causas junto aos professores. Ao contrário, optou-se pela

exclusão da categoria não recomendado:

Na medida em que a avaliação oficial dos livros didáticos vem instituída

paralelamente aos PCNs, em 1996, o discurso oficial que repudia os livros

anteriormente adotados e desqualifica o professor que está em sala de aula,

está, ao mesmo tempo, legitimando os livros aprovados pela comissão de

avaliação, que é formada por profissionais de reconhecida competência

técnica. [...] Nessa relação entre Estado e escola, há uma tensão em que

predomina o apagamento tácito da voz do professor, que nesse processo está

desigualmente posicionado em face do discurso oficial instaurado e

legitimado (CASSIANO, 2013, p. 110).

O final do governo Fernando Henrique Cardoso é marcado, no Programa Nacional do

Livro Didático, por um documento: “História do Livro Didático 1995-2000/ Educação agora

são outros 500”, que apresenta uma retrospectiva do programa enquanto gestado pelo então

Presidente da República. Ao assumir o cargo de Presidente do Brasil em 2003, Luís Inácio

Lula da Silva deu prosseguimento ao PNLD, configurado no governo anterior. Porém,

ampliou significativamente o campo de atuação do referido programa, a começar por atender

às reivindicações dos autores e editores de livros didáticos brasileiros, a partir de um

documento por eles elaborado e entregue ao presidente eleito. Dentre outras, solicitavam

revisão dos processos de avaliação do LD, no que foram atendidos a partir do PNLD 2005,

com a exclusão das categorias de avaliação bem como a divulgação das obras excluídas. O

documento apresentava dois tópicos: o primeiro reivindicava que o governo viabilizasse o

acesso de professores e alunos a obras didáticas impressas e o segundo apresentava sete

reivindicações acerca do funcionamento do PNLD (CASSIANO, 2013):

1) Que o PNLD não sofresse descontinuidades ou interrupções de qualquer

natureza, excetuando-se as alterações anteriormente sugeridas no que

concerne à avaliação e à operacionalização desse Programa, principalmente

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no sentido de se haver maior flexibilização nos prazos estabelecidos para os

editores;

2) Que fossem incluídos no PNLD a aquisição e distribuição de livros

didáticos de inglês e espanhol;

3) Que fosse incluído no Programa a distribuição de livros de todas as

disciplinas para todos os alunos do Ensino Médio;

4) Que se reavaliasse a posição vigente em relação ao livro consumível,

especialmente para as quatro primeiras séries do ensino fundamental (...)

“Portanto, a exclusão dos livros consumíveis não deveria se apoiar em

critérios puramente econômicos, como atualmente, em que o FNDE atende

apenas a alunos da 1ª série com livros desse formato” (ABRALE,

ABRELIVROS, 2002, p. 27).

5) Que os critérios da avaliação do PNLD fossem revistos [...]

6) Revisão em algumas etapas do Programa, visando ao cumprimento de

todas as etapas com um mínimo de burocracia e com máximo de

transparência e respeito às instituições envolvidas no processo;

7) Que se verificasse a sustentabilidade jurídica e legal do PNLD, para aferir

se seria necessária alguma outra garantia legal, como uma lei específica, para

torná-lo um Programa permanente, com recursos assegurados e livres de

potenciais instabilidades políticas, resultantes de medidas específicas

adotadas pelo governo do momento (CASSIANO, 2013, p. 146-147).

O PNLD, em 2003, já havia conseguido criar uma identidade na educação pública

brasileira. Esse feito foi reivindicado e exaltado pelo governo Fernando Henrique Cardoso. O

governo seguinte, do presidente Lula, além de manter o referido programa, criou outros três

aliados ao já existente. O primeiro deles foi criado pela Resolução nº 38, de 15/10/2003, e

pela Portaria 2.922, de 17 de outubro de 2003, que instituíram o Programa Nacional do livro

Didático para o Ensino Médio (PNLEM), “com o objetivo de distribuir, de forma inédita e

gradativa, livros didáticos de todas as disciplinas para os alunos das escolas públicas de

Ensino Médio do país” (CASSIANO, 2013, p.150).

A resolução nº 18, de 24 de abril de 2007, instituiu o Programa Nacional do Livro

Didático para a Alfabetização de Jovens e Adultos (PNLA). O programa tem como objetivo a

“distribuição de livros didáticos consumíveis aos estados, Distrito Federal, municípios,

entidades da sociedade civil organizada e instituições de ensino superior que estabelecem

parceria com o Ministério da Educação” (CASSIANO, 2013, p. 153). O Programa Nacional

do Livro Didático para a Educação de Jovens e Adultos (PNLD EJA) foi criado a partir da

Resolução nº 51 de 16 de setembro de 2009. Esse programa “incorporou o PNLA e ampliou o

alcance aos alunos dessa modalidade de ensino, que antes só eram beneficiados com livros de

alfabetização” (CASSIANO, 2013, p. 153).

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Em 2011, no governo da Presidente Dilma Vana Rousseff, o presidente interino do

Conselho Deliberativo do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) instituiu

o Programa Nacional do Livro Didático do Campo (PNLD Campo) para as escolas do campo.

Esboçados os procedimentos pelos quais o livro didático foi controlado e distribuído

no país no século XX, e como vem passando pelo mesmo processo no século XXI, observa-se

que, embora compusesse um projeto político ordenado e pensado com vistas às escolas, a

distribuição e o controle dos livros didáticos também se transforma em uma política

assistencialista e burocrática: esta, por fundamentar-se mais em sua distribuição; aquela,

porque os livros didáticos, inicialmente, eram destinados às crianças desprovidas de boas

condições econômicas. O mercado editorial vê, nesta lógica de produção e distribuição do

livro didático como mercadoria, a oportunidade de um amplo negócio com o Estado Brasileiro

que representa seu maior comprador. Em consequência disso, temos a ampliação do

atendimento às escolas brasileiras pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD),

financiado e executado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e que

continua a negociar em grande escala com as editoras que compõem o mercado editorial de

didáticos no país, ficando estas responsáveis pelo envio dos livros diretamente às escolas.

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IV – A EDUCAÇÃO LITERÁRIA BRASILEIRA – seus modelos e suas

implicações

4.1. Conceitos e discussões

[...] o interesse da formação literária na escola não tem como raiz a

transgressão de um discurso estabelecido sobre as obras, mas que a

educação literária serve para que as novas gerações incursionem no

campo do debate permanente sobre a cultura, na confrontação de como

foram construídas e interpretadas as ideias e os valores que a

configuram (COLOMER, 2007, p. 29).

A epígrafe em destaque estabelece as bases do pensamento em relação ao tratamento

dado à literatura pela escola. Entendemos o espaço escolar, por conseguinte, como um

ambiente de apropriação e adequação do discurso literário. Assim, o objeto artístico original

(o texto literário) se curva a um contexto em que imperam as representações culturais, as

quais visam informar aos leitores escolares passagens entendidas como importantes da nossa

história, além de valores e comportamentos; também é seu objetivo mostrar como tais

particularidades interferem no contexto atual.

A leitura, então, seria a possibilidade de diálogo entre as obras literárias, sobretudo as

canônicas, e o leitor. Pelo exposto, inferimos que a escola trabalha, no momento atual, a partir

de uma perspectiva interpretativa, mas também associada às transformações sociais e culturais

pelas quais passamos. Isso significa que instrumentos que atuavam no passado como

controladores do saber, mas que não se explicitavam nos discursos nem nos manuais

didáticos, hoje aparecem representados pelo diálogo existente entre a escola e uma sociedade

representada por valores políticos, ideológicos, culturais e mercadológicos. Estes valores

interferem e influenciam diretamente nas políticas educacionais por meio dos métodos de

ensino, materiais didáticos, currículos escolares. Dentre eles, o livro didático sagra-se como

principal instrumento, capaz de propagar a ideologia política do país, aliado à formação

educacional dos indivíduos.

Desse modo, a perspectiva atual a respeito do ensino de literatura na escola permite

uma abertura na relação do objeto literário entre o mundo que este representa (o artístico, o

ficcional, o poético) e o mundo dos leitores reais. Isso não significa julgar as ações que

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envolvem tais procedimentos, mas buscar entender como ocorrem as transformações no

espaço escolar, no que diz respeito à leitura, e como isso interfere na formação de leitores e

ainda se efetivamente forma leitores.

Segundo Marisa Lajolo (2002), as discussões que envolvem os materiais didáticos

datam ainda do século XIX. Nessa época, escritores como Machado de Assis, Januário da

Cunha Barbosa, Joaquim Manuel de Macedo, dentre outros, já propunham discussões acerca

da formação de leitores literários, uma vez que a construção de universidades ofuscou o

necessário tratamento que as escolas de primeiras letras necessitavam. Assim, o livro didático

seria responsável por reparar esse ato, ou seja, teria a incumbência de auxiliar o trabalho

docente no tratamento de temas complexos ou alheios ao conhecimento do professor, uma vez

que este não possuía qualificação satisfatória para lidar com os programas instituídos. Desse

modo, foi inevitável a ligação entre livro didático e escola.

Isso justifica o envolvimento dos escritores daquela época frente às práticas

educacionais que se criavam, visando a formação de um público leitor capaz de referendar

seus escritos. Para tanto, organizaram-se, no intuito de promover a solidificação das marcas

culturais brasileiras apresentadas e discutidas no próprio texto literário. Conforme Lajolo,

[...] todos envolveram-se, igual e simultaneamente, em outros

empreendimentos pioneiros: a organização da historiografia da literatura

brasileira, a fundação de sociedades e revistas de cultura, a criação do

romance nacional, empresas de cujo conjunto resulta a malha de instituições

e práticas, sem o que uma produção escrita como a literatura não se viabiliza

(LAJOLO, 2002, p. 113).

Em outras palavras, estabeleceram-se códigos capazes de instaurar modelos de leitura.

Desse modo, teríamos um leitor cidadão ou, como alerta Tereza Colomer (2007), um leitor

formado por um modelo de educação literária, que seria a reunião de todos os instrumentos

elencados por Lajolo. Em consequência, temos a solidificação da leitura escolarizada, calcada

nos contratos firmados entre a escola e a sociedade via representação político-ideológica. Por

outro lado, a definição do que seja educação literária nos convida a pensar na existência de

uma gama de tipos ou modelos de educação literária, sobretudo aquele adotado pelo sistema

político-educacional brasileiro. Para entendermos os possíveis conceitos do termo em questão,

recorremos à pesquisadora Cyana Leahy-Dios (2004), que apresenta sua definição:

A construção de uma educação literária relevante, com uma realização

própria percebida por alunos e professoras, envolve a definição de objetivos,

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métodos e formas de avaliação coerentes com o processo de construção do

conhecimento, utilizando a leitura, análise e interpretação do literário como

meio de educar cidadãos. Os departamentos de teoria e prática pedagógicas

das melhores universidades (as social e politicamente comprometidas com a

cidadania) trabalham a educação como um processo complexo, a um só

tempo, meio e fim, o que requer a definição clara de suas características e

objetivos. Aí se insere a necessidade de esclarecer o papel da literatura como

espaço de leitura formal no ensino médio brasileiro, assim como as

influências que os estudos literários vêm sofrendo em sua história

contemporânea. Para reescrever essa história, visando a uma influência

politicamente significativa nos tempos atuais, é preciso saber as formas que

tomam esses estudos (LEAHY-DIOS, 2004, p. 04).

O termo “Educação literária” apresenta uma série de discussões e/ou provocações

acerca de alguns fenômenos históricos, culturais, sociológicos, políticos, dentre outros,

relacionados aos estudos literários. De acordo com o pensamento de Leahy-Dios (2004),

educar literariamente um sujeito significa torná-lo cidadão, conscientizá-lo do seu lugar

social, provocando sua criticidade ao realizar suas leituras. Significa posicionar-se a partir de

conhecimentos construídos com a experiência literária e assim criar condições para defender

seus pontos de vista e, principalmente, criar e depois exercer o gosto pela leitura, pois a

experiência literária seria capaz de incentivar a sensibilidade do leitor, aproximando-o de

situações que ele desconhece. A experiência literária tanto pode sensibilizar o leitor para as

questões artísticas quanto para as questões externas ao texto literário, mas que de algum modo

são inseridas, provocadas ou refletidas no corpo de um texto poético ou ficcional. Ao se

conscientizar de que a literatura é um produto social, o indivíduo veria a leitura literária como

um ato responsável, social, político. Entenderia que a prática de tal leitura implica a tomada

de posições e defesa de ideias que visem a uma democratização da leitura. Vista desse modo,

a leitura literária é capaz de promover a cidadania plena aos indivíduos. A educação literária,

desse modo, “ajudaria a construir ‘pessoas melhores’, no sentido de serem sujeitos mais

competentes para validar a cidadania e nela se engajar buscando formação de comunidades

democráticas” (LEAHY-DIOS, 2004, p. 233).

A competência da leitura literária está associada a diversos níveis do saber; assim

sendo, é preciso que o indivíduo aperfeiçoe e desenvolva tal ato. Neste sentido, a leitura deve

ser vista como um instrumento capaz de elevar o homem intelectualmente, o que resultará em

seu destaque perante a sociedade, pois, segundo Zilberman (2009, p. 36-23), tal domínio é

uma “descoberta de mundo” e traz distinção entre as pessoas, sendo que “a partícula negativa

recai sobre a privação das habilidades de ler e de escrever”. Esse tipo de leitura supera o ato

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de decodificar, pois exige um amadurecimento por parte do leitor. Mas, para que isso se

concretize, precisamos primeiro entender o papel destinado à literatura como disciplina

escolar:

Há determinados pressupostos comumente associados ao processo de ensinar

e aprender literatura. Como disciplina, literatura é parte de uma agenda

educacional determinada por compromissos ideológicos, papéis e

expectativas político-culturais (LEAHY-DIOS, 2004, p. XXV).

Embora os documentos oficiais e os livros didáticos tratem o texto literário como arte,

na prática diária em sala de aula ocorre o contrário. O recorte que se faz desse texto artístico

contempla o mínimo possível do que os documentos consideram arte literária. A manutenção

de dogmas pelo LD indica que há um abismo entre o que se produz como literatura no Brasil,

o que os críticos apontam como problemas que precisam ser repensados e o que pensa o

sistema político-educacional brasileiro. Nesse caso, vence o tradicionalismo do sistema e,

como consequência, temos um ensino de literatura geralmente mediado pelo livro didático,

repetidor de formas consagradas por universidades e mantidas pelas escolas, mas nem por isso

adequadas ao público escolar, se pensarmos na formação crítica, objetivo central de uma

educação literária comprometida com a formação cidadã:

A sobrevivência das escolas depende em larga escala dos resultados obtidos

nos exames. De algum modo, em algum lugar, há um comando de autoridade

que exige que os vestibulares sejam como são e que o aprendizado de

literatura seja testado através de períodos, datas, nomes e características,

quanto mais memorizável melhor; quem não se adequar ao sistema estará

fora dele” (LEAHY-DIOS, 2004, p. 37).

Pelo exposto, percebemos que a cidadania literária, da forma como se configura a

partir da observação de Leahy-Dios, revela um contrato entre sistemas educacionais que

legislam a escola, no que diz respeito ao ensino da literatura. Assim, o que fazem as escolas e

os professores, como integrantes da comunidade escolar, é atender às exigências desse

poderoso sistema e direcionar suas práticas para não ficarem de fora dele. A escola e os

professores precisam ser aprovados. E isso se dá através de maior número de alunos

aprovados em vestibulares, ENEM ou processos avaliativos criados pelos governos federais,

estaduais e municipais. Uma vez que a forma como se cobra os conteúdos de literatura nos

concursos e testes é consolidada e segue à risca a valorização da memorização de traços

considerados relevantes para a manutenção desse sistema, a escola é ofertada com manuais

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didáticos que seguem à risca as indicações de autores/editores; estes, por sua vez, atendem ao

que é prescrito por comissões formadas por professores de universidades, os quais seguem

indicações de profissionais do MEC. Não há espaço para se discutir a diversidade da literatura

ou dos seus supostos leitores, ao contrário, há uma homogeneização da literatura, disposta em

blocos onde se prioriza o aspecto memorizável do texto.

Lembremos o caminho percorrido pelo LD até chegar aos seus usuários/leitores. Das

editoras ao Ministério da Educação até chegar à escola, os alunos e os professores são

pensados sem considerar as suas especificidades, como uma massa uniforme. Embora no

último PNLD o contexto rural tenha sido contemplado com um livro didático confeccionado

especialmente para atender à realidade do aluno do campo, nas áreas urbanas isso não

acontece. Ora, mesmo que os alunos pertençam a um espaço metropolitano não significa que

suas especificidades sejam as mesmas, se lembrarmos que existem características diferentes

de uma cidade para outra ou de um bairro para outro. Os alunos das cinco regiões brasileiras

estudam como se fossem pertencentes a um mesmo contexto. No entanto, há uma manutenção

de autores e obra de determinadas regiões. Tomemos como exemplo a região Norte do país.

Onde estão os seus escritores, poetas e ficcionistas? Certamente, não estão no livro didático e

nem nas discussões dos professores de Língua Portuguesa e literatura que seguem à risca os

preceitos do livro didático.

Segundo Leahy-Dios (2004), é preciso conhecer quem são os sujeitos e quais papéis

ocupam no espaço escolar diante do processo de ensino-aprendizagem da leitura literária. Não

basta saber que são apenas aluno e professor, mas que outras contribuições/formações esses

sujeitos podem acrescentar ao referido processo:

Quem é o estudante de literatura na escola? Escritor/a embrionário/a, ativista

social, alguém curioso a respeito de fatos na língua, ou um ser em formação

à procura de orientação valorativa? Como tal pessoa se manifesta, que

influências estão por trás dos interesses, que respostas são oferecidas? Não

menos importante é saber quem é o professor/a de literatura: escritor/a,

acadêmico/a, crítico/a literário/a, educador/a, revolucionário/a, renovador/a

ou reacionário/a? Como foi formado/a para o exercício da função? Como se

situa na sala de aula de literatura em relação à escola e ao currículo escolar?

Como interage interna e externamente em relação às políticas educacionais e

à sociedade em geral? Que objetivos prescreve para seus alunos? (LEAHY-

DIOS, 2004, p. XXVII).

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Conhecer os atores escolares significaria uma possibilidade de ir além do que

prescreve o livro didático, pois, dependendo do conhecimento de mundo ou extraescolar

apresentado pelos alunos e pelos professores, algumas lacunas do LD poderiam ser pelo

menos discutidas. Nessa linha de raciocínio, entendemos que o ensino de literatura nos moldes

tradicionais tende a oferecer um tratamento superficial do seu objeto, ao invés de propor um

aspecto fornecido ou indicado pelo próprio texto literário para, a partir do seu entendimento,

alunos e professores estabelecerem relações com outros conhecimentos. Parece haver uma

tentativa de se ampliar as discussões através de uma utópica interdisciplinaridade entre

algumas áreas do conhecimento quando, na verdade, o que temos é um desfile de referências

soltas, as quais os alunos são obrigados a repetir em nome daquele modelo de educação

literária:

O projeto de educação literária na escola ultrapassa a visão da disciplina

como expressão de pura arte contemplativa. Seu papel pedagógico é tão

importante quanto seu caráter recreativo e artístico, pelo fato de a educação

literária se situar em uma interseção interdisciplinar, se apoiar em um

“triângulo multidisciplinar”, lidando com formas, meios e objetos variados.

Por envolver a linguagem escrita e falada, a disciplina se aproxima da

história e da economia, se liga a questões sociais e políticas, recorrendo a

fontes psicológicas, esbarrando em emoções, sentimentos e sensações.

Embora de abrangência quase ilimitada, seus efeitos como disciplina de

estudos na escola não são esclarecidos, tendo reduzido efeito real as

propostas de ensinar e aprender literatura de modo crítico e criativo

(LEAHY-DIOS, 2004, p. 8).

Desse modo, entendemos que o projeto de educação literária configura-se como

insuficiente no tratamento da literatura como disciplina escolar. Um texto literário já traz uma

gama de temas propícios à discussão por parte dos atores escolares. Ao invés de se incentivar

essa discussão, as associações propostas pela escola optam, geralmente, por caminhos que

privilegiam o que já está consagrado e sacramentado no cânone, tanto em relação aos

escritores e poetas quanto em relação ao tratamento imposto pelo livro didático. Ou seja,

alunos e professores não se detêm nas discussões ou reflexões a respeito dos temas tratados no

texto literário, pois é preciso abordar todo o conteúdo previamente determinado, ou seja, é

preciso seguir à risca as determinações do LD:

No ensino médio, quando o ensino de literatura poderia assumir o espaço de

formação do gosto cultural a partir do que os alunos vivem como

adolescentes na sociedade, a disciplina se fecha ao biografismo e no

historicismo monumentalista, isto é, na consagração de escritores que não

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deriva da apreciação de seus textos, mas de acúmulo de informações sobre

seus feitos e suas glórias (PAULINO; COSSON, 2009, p. 71-72).

No conto “Teoria do medalhão”, de Machado de Assis, há um belo exemplo de como a

educação literária pode se valer do texto literário e realizar um exercício de conhecimento dos

papéis desempenhados tanto pelos alunos quanto pelos professores fora do eixo escolar. Nesse

caso, além de educação literária, haveria um exercício de letramento literário, o que

aprofundaremos mais tarde. Trata-se de um texto composto por diálogos sem a presença de

um narrador tradicional. Conta a história de um pai e de um filho na qual o primeiro aconselha

o segundo a seguir seus ensinamentos para se realizar na vida. Aparentemente, uma simples

conversa que, certamente, qualquer leitor poderia ter com seu pai ou sua mãe.

No entanto, as propostas apresentadas pelo pai são valores muito pessoais, os quais

diferem do politicamente correto aconselhado pela maioria dos pais de carne e osso. Isso se

lembrarmos dos nossos códigos de conduta, valores e deveres do cidadão brasileiro. Voltando

ao conto, o pai defende o seu ponto de vista, oferecendo justificativas para que o filho assim o

proceda, e só então venha a se tornar o suposto “medalhão” do título:

_ Digo-lhe que o que vosmecê me ensina não é nada fácil.

_ Nem eu te digo outra coisa. É difícil, come tempo, muito tempo, leva anos,

paciência, trabalho, e felizes os que chegam a entrar na terra prometida! Os

que lá não penetram, engole-os a obscuridade. Mas os que triunfam! E tu

triunfarás, crê-me. Verás cair as muralhas de Jericó ao som das trompas

sagradas. Só então poderás dizer que estás fixado. Começa nesse dia a tua

fase de ornamento indispensável, de figura obrigada, de rótulo. Acabou-se a

necessidade de farejar ocasiões, comissões, irmandades; elas virão ter

contigo, com o seu ar pesadão e cru de substantivos desadjetivados, e tu

serás o adjetivo dessas orações opacas, o odorífero das flores, o anilado dos

céus, o prestimoso dos cidadãos, o noticioso e suculento dos relatórios. E ser

isso é o principal, porque o adjetivo é a alma do idioma, a sua porção

idealista e metafísica. O substantivo é a realidade nua e crua, é o naturalismo

do vocabulário15.

Nesta passagem, o pai orienta o filho a se dedicar ao ofício que deverá perseguir.

Lamenta não ter tido orientações semelhantes como as que, agora, apresenta ao filho. São

indicações de como “se dar bem na vida”, popularmente falando. Mas isso não é feito de

modo inconsequente ou irresponsável. Trata-se de um “curso” minimamente pensado pelo pai

em que observamos um rigor metodológico da aplicabilidade daqueles conteúdos e conceitos

ao filho. As orientações continuam:

15 Disponível em: http://machado.mec.gov.br/images/stories/pdf/contos/macn003.pdf Acesso em 12/04/2016

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_ E parece-lhe que todo esse ofício é apenas um sobressalente para os

déficits da vida?

_ Decerto; não fica excluída nenhuma outra atividade.

_ Nem política?

_ Nem política. Toda a questão é não infringir as regras e obrigações

capitais. Podes pertencer a qualquer partido, liberal ou conservador,

republicano ou ultramontano, com a cláusula única de não ligar nenhuma

idéia especial a esses vocábulos, e reconhecer-lhe somente a utilidade do

scibboleth bíblico.

_ Se for ao parlamento, posso ocupar a tribuna?

_ Podes e deves; é um modo de convocar a atenção pública. Quanto à

matéria dos discursos, tens à escolha: _ ou os negócios miúdos, ou a

metafísica política, mas prefere a metafísica. [...] Supõe que desejas saber

por que motivo a 7ª companhia de infantaria foi transferida de Uruguaiana

para Canguçu; serás ouvido tão-somente pelo ministro da guerra, que te

explicará em dez minutos as razões desse ato. Não assim a metafísica. Um

discurso de metafísica política apaixona naturalmente os partidos e o

público, chama os apartes e as respostas. E depois não obriga a pensar e

descobrir. Nesse ramo dos conhecimentos humanos tudo está achado,

formulado, rotulado, encaixotado; é só prover os alforjes da memória. Em

todo caso, não transcendas nunca os limites de uma invejável vulgaridade.

_ Farei o que puder. Nenhuma imaginação?

_ Nenhuma; antes faze correr o boato de que um tal dom é ínfimo.

_ Nenhuma filosofia?

_ Entendamo-nos: no papel e na língua alguma, na realidade nada. “Filosofia

da história”, por exemplo, é uma locução que deves empregar com

freqüência, mas proíbo-te que chegues a outras conclusões que não sejam as

já achadas por outros. Foge a tudo que possa cheirar a reflexão,

originalidade, etc., etc.16

Embora tenhamos um texto fictício onde um pai com posturas que diferem, pelo

menos no discurso público, dos pais de carne e osso, há aqui um leque de possibilidades a ser

explorado pelos professores e pelos alunos para a efetivação do projeto de educação literária

ou da literatura como disciplina escolar. Temas como política, economia, história, filosofia,

arte, textos bíblicos e principalmente os papéis sociais de pais e de filhos são mencionados no

texto. Acreditamos que, para se realizar o processo de educação literária não seja necessário

que todos os temas sejam explorados. Se pelo menos um for pensado e refletido, já terá valido

a pena a leitura do conto em destaque, pois quaisquer das áreas contempladas no texto

ficcional quando discutidas ou debatidas já provocariam seus leitores a assumirem seus pontos

de vista, dependendo do conhecimento que cada um possui sobre o assunto:

16Disponível em: http://machado.mec.gov.br/images/stories/pdf/contos/macn003.pdf Acesso em 12/04/2016

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Partindo do pressuposto de que um dos principais papéis da educação

literária como disciplina de estudos é a representação cultural de sociedades,

é preciso observar que ele se submete a imposições verticais, tais como

programas e requisitos de avaliação. Uma análise de sua realização como

parte do processo educativo requer a observação das ações pedagógicas em

salas de aula de literatura. Requer, também, que se ouça o que alunos e

professores têm a dizer, sendo importante que a literatura integre o domínio

de outras disciplinas de cunho social, visando à produção de conhecimento

relevante para indivíduos e grupos sociais (LEAHY-DIOS, 2004, p. 10).

Para o aluno (do ensino médio), a leitura do conto “Teoria do medalhão” poderia

auxiliá-lo a entender uma possível interferência dos pais em relação às escolhas profissionais

dos filhos e, por mais absurda que possa parecer a visão do pai fictício, ela se apresenta tão

embasada na teoria quanto nos exemplos práticos fornecidos, que o filho não se opõe ao que

ouve. Do mesmo modo, os pais de verdade que interferem nas decisões do filho também

poderiam se valer de posturas semelhantes para convencer os seus filhos a fazerem o que eles

julgam ideal. Para o professor, a leitura significaria conhecer melhor os seus alunos: o que

pensam, como agem, como gostariam de ser tratados e como se posicionam diante do conto

machadiano. Ao mesmo tempo, o professor conscientizar-se-ia do seu papel como educador e

de como poderia contribuir para a socialização da leitura literária ao trabalhar textos literários

que promovam um debate saudável sobre as mais diversas práticas sociais.

No entanto, cabe aqui um protesto em relação à disposição da literatura na grade

curricular das escolas públicas brasileiras:

A literatura não somente deveria permanecer nos currículos escolares, mas

lhe deveria ser dado um papel mais central do que o tinha até 1999, sem a

tendenciosidade de gênero e classe social que cercava sua realização

pedagógica. Extinta dos currículos escolares, mesclada ao ensino de língua

nacional e à leitura, análise e interpretação de textos, a educação literária

escolar perdeu força social, política e conceitual. Era, possivelmente, a única

matéria que podia oferecer alimento para os sentidos e emoções em simbiose

com conscientização cultural, social e política, em um aprendizado de prazer

e autoconhecimento junto à aquisição de valores de participação política

como sujeitos sociais: não existe a inteligibilidade pura sem um aspecto

interior (LEAHY-DIOS, 2004, p. 234).

A observação acima nos preocupa, uma vez que defendemos a prática de leitura

literária e todas as ramificações que possam surgir a partir daí. Não acreditamos que isso seja

possível com o “rebaixamento” da literatura proposto pelas novas orientações curriculares aos

PCN de Língua Portuguesa. A literatura perdeu o seu status de disciplina e passou a

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“funcionar” como um gênero dentro das orientações ao ensino da língua e tem sua

aplicabilidade definida ao lado de outros gêneros, como o musical e o jornalístico.

Respeitando-se as especificidades de cada gênero, o texto literário, além de contribuir para o

projeto de educação literária defendido por Leahy-Dios, é, em muitos casos, a única forma de

contato com a arte que muitos alunos e até mesmo professores possuem.

Reivindicar o tratamento de disciplina à literatura significa se opor ao modelo de

educação literária imposto pelo sistema político-educacional brasileiro que não se renova ou

tenta reimplantar um modelo superado pelas conquistas de professores, pesquisadores e

estudantes, pois não se abre às discussões e às críticas dos profissionais da área. Ao contrário,

insiste em um ensino que prioriza sempre o mesmo cânone, os mesmos gêneros e as mesmas

metodologias de ensino-aprendizagem.

4.2. Letramento literário e livro didático

Se é certo que os leitores sempre existiram em todas as sociedades nas quais

a escrita se consolidou enquanto código, como se sabe a propósito dos

gregos, só existem o leitor, enquanto papel de materialidade histórica, e a

leitura, enquanto prática coletiva, em sociedades de recorte burguês [...]

(LAJOLO; ZILBERMAN, 2011, p.120).

O surgimento do leitor, como ser que exerce uma função social, data de meados do

século XVIII, na Europa, quando o acesso à leitura era permitido aos nobres e legitimado pelo

poder absolutista vigente. Somente após as revoluções burguesas, através de práticas

educativas, o ensino passou a ser democratizado. Com isso, instituições como as famílias, os

casamentos, as igrejas resultaram em principais difusores da nova prática, cada um atendendo

a interesses particulares.

Os primeiros passos para formação e o fortalecimento da sociedade leitora do Brasil

acontecem no Rio de Janeiro do século XIX, cidade que já apresentava alguns mecanismos

para produção e circulação da literatura. Nessa época, autores do Romantismo brasileiro como

José de Alencar, Bernardo Guimarães e Manoel Antônio de Almeida dirigiam-se ao público

leitor com muita cautela, visando “fisgar” o seu suposto consumidor das obras que escreviam,

e também consolidar a literatura produzida nos moldes consagrados da época, além de

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garantir o espaço para novas produções. Segundo Lajolo e Zilberman (2011), Manuel Antônio

de Almeida publicou em folhetim, na imprensa carioca em l852-1853, Memórias de um

sargento de milícias, com o qual teve muito mais êxito do que quando começara a lançar suas

obras em livros. No primeiro contato, trata o leitor como despreparado. Nessa publicação,

parecia conduzir o leitor pela mão, como se estabelecesse um caminho a percorrer.

Quanto à narrativa, o escritor atesta a ocorrência de expressões para chamar a atenção

do leitor, buscando, dessa forma, condicioná-lo à continuidade dos fatos, ou garantir que ele

descubra novos elementos na leitura. Isso revela um narrador paternalista que conduz e invoca

o leitor a cada momento da história com explicações constantes e retrocessos no relato.

O comportamento dos narradores românticos atendia à ideologia de um processo

político que teve início no decorrer do Brasil Colônia, a partir da substituição do ensino

religioso pelos decretos do Marquês de Pombal, por sua vez amparados no Verdadeiro método

de estudar, de Luís António Verney. A política instituída por Pombal para controlar a

circulação da leitura no Brasil, sobretudo em relação aos livros que vinham de outros países,

contava com um poderoso fisco português:

Quando se tratava de controlar os súditos, a coroa portuguesa não media

esforços. Temendo a difusão de ideias perigosas, fazia com que seus órgãos

de censura controlassem não apenas o envio de livros para as colônias

d’além-mar, mas também a movimentação livresca entre cidades

portuguesas, autorizando ou não a circulação de livros dentro do país

(ABREU, 2003, p. 23).

Desse modo, os impressos que representassem, de alguma forma, ataques à igreja, à

família, ao casamento, à moral e às outras instituições consolidadas pela sociedade portuguesa

seriam censurados e não entravam no país, pelo menos pelas vias legais. Assim, o leitorado

ainda incipiente apropriava-se de escritos vindos da Europa, em geral portugueses, e, com o

estabelecimento da família real no Brasil, passou a consumir também os textos aqui

produzidos. O mercado do livro era praticamente inexistente e os textos produzidos eram, nos

primeiros anos do estabelecimento da imprensa, “biografias romanceadas” (CÂNDIDO,

2009). Esses textos se caracterizavam pelo elogio a algum nobre, construído através de

narrativas. Conforme observa Márcia Abreu (2003, p. 84), o livro aqui publicado significava

moeda de troca “para obtenção de postos e favores ou para ganhar a simpatia dos poderosos,

já que quantidade significativa de obras saídas dos prelos da Impressão Régia dedicava-se ao

elogio dos soberanos”.

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Também no período colonial observa-se uma tendência à massificação dos saberes

através da leitura:

Entre os séculos XVI e XIX, as práticas sociais em geral passaram a ser

reorganizadas sob a forte influência das práticas sociais escriturais e mesmo

aqueles que tinham nenhum ou pouco domínio da escrita se viram cercados

por ela. Até mesmo as práticas sociais essencialmente orais revestiram-se de

características das escritas [...]. Como conseqüência desse processo, surgiu a

ideia da escolarização em massa, que tem como princípio a pedagogização da

aprendizagem dos saberes que foram escriturados (saberes codificados): a

escola assumiu a prática de dividir os conhecimentos em partes

hierarquicamente ensinadas, pondo fim ao saber não sistematizado (JURADO;

ROJO, 2009, p. 42).

A leitura no Brasil, portanto, nasceu sob as rédeas de uma censura portuguesa que

institucionalizava estratégias de produção e também de consumo. Como bem cultural,

instituiu-se como privilégio do clero e da nobreza, determinando quais tipos de leitura eram

adequados a cada um dos estratos contemplados.

Apesar dos interesses políticos presentes na produção do impresso no país, a vida

cultural da colônia se transformou consideravelmente, pois nesse período também foram

publicadas obras direcionadas ao ensino, segundo pesquisa de Marisa Lajolo e Regina

Zilberman (2011). Ainda segundo o estudo das autoras, a Impressão Régia seguia publicando

obras literárias, gramáticas, obras referentes à medicina, traduções etc. No entanto, essas

publicações ocupam apenas um pequeno espaço de uma poderosa indústria do livro que

começa a se desenhar, a do livro didático:

[...] imprensa e livro didático nascem ao abrigo do Estado e sujeitam-se a ele.

As duas imagens – uma, vinculando imprensa e livro didático e, em vista da

produção em massa deste, reforçando sua parceria com o capitalismo; outra,

fazendo-a dependente do apadrinhamento do Estado, que conforme o caso,

atua como mecenas, padrasto ou pai – balizam as condições entre as quais

oscilam leituras e leitores (LAJOLO; ZILBERMAN, 2011, p. 128).

Com tais finalidades, o livro didático brasileiro, desde o seu nascimento, compromete-

se com a política do Estado. Assim, para representar o governo vigente, combinou leitura e

ideologia política. Isso iria influenciar o consumidor do LD em sua formação leitora, pois a

apropriação seria resultante da combinação entre esses dois polos. O livro didático é também

um dos instrumentos mais importantes no contexto educacional, o principal representante

dessa política, o meio mais acessível de leitura nas escolas.

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As pesquisas realizadas, segundo os autores, versam sobre problemas semelhantes: a

qualidade do manual didático brasileiro e sua aplicabilidade. Contribuem também para

fortalecer o caráter cultural que o livro didático assumiu ao longo de sua existência por conta

da sua representatividade sociopolítica. Quanto a isso, Antônio Gomes Batista (2007) destaca

a importância do livro didático para a cultura educacional brasileira.

Em síntese: o livro didático desenvolve um importante papel no quadro mais

amplo da cultura brasileira, das práticas de letramento e do campo da

produção editorial e compreende, consequentemente, diferentes dimensões

de nossa cultura, de suas relações com a escrita e com o letramento, assim

como os processos sociais, culturais e econômicos de diferentes facetas da

produção editorial brasileira significam também compreender o livro escolar

brasileiro (BATISTA, 2007, p. 534).

Embora o livro didático seja o principal suporte (senão o único em muitas escolas) do

qual os professores dispõem, ele não se configura como a única possibilidade de se letrar

literariamente um sujeito. Antes de começarmos a nossa discussão sobre o tema,

apresentaremos os conceitos formulados por pesquisadores da área sobre os termos letramento

e letramento literário. Sobre letramento, Rildo Cosson e Graça Paulino constroem um

entendimento a partir de dois eixos. O primeiro eixo, advindo do inglês litteracy, define

letramento como “a habilidade de ler e escrever, em uma noção que abarca o que chamamos

de alfabetização” (PAULINO; COSSON, 2009, p. 64). Cabe ressaltar que essa vertente se

refere aos progressos individuais dos sujeitos no que diz respeito à conquista de habilidades e

competências no uso da tecnologia da escrita. O segundo eixo surgiu entre 1970 e 1980 e

apresenta uma distinção proposta por Brian Street (1984) “entre um ‘modelo autônomo de

letramento’ identificado com o uso tradicional do termo e um ‘modelo ideológico de

letramento’ que corresponde à nova perspectiva” (PAULINO; COSSON, 2009, p. 65). Nesse

caso, afasta-se da perspectiva individual observada no primeiro eixo e se identifica com uma

ideologia voltada às práticas sociais de apropriação da leitura e da escrita. Sendo assim, os

autores concluem que:

[...] nessa concepção, [...] letramento não pode ser singular, mas sim um

plural, pois há tantos letramentos quanto as práticas sociais e os objetos que

enformam o uso da escrita na nossa sociedade letrada, como se observa no

uso do termo em expressões tais como letramento digital, letramento

financeiro ou letramento midiático, para indicar a competência da leitura e

interação social, associada à escrita e até para além dela (PAULINO;

COSSON, 2009, p. 65).

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As definições dos autores acima mencionados sobre letramento nos interessam, uma

vez que nos auxiliam a refletir acerca do pensamento homogeneizado sobre a leitura,

sobretudo a literária, presente tanto nos manuais didáticos quanto em discursos escolares. Para

ampliar estas reflexões, buscamos novamente auxílio na definição que Cosson e Paulino

oferecem ao termo “letramento literário”:

[...] propomos definir letramento literário como o processo de apropriação

da literatura enquanto construção literária de sentidos. Aqui convém

explicitar, em primeiro lugar, que considerar o letramento literário um

processo significa tomá-lo como um estado permanente de transformação,

uma ação continuada e não uma habilidade que se adquire como aprender a

andar de bicicleta ou um conhecimento facilmente mensurável como a

tabuada de cinco (PAULINO; COSSON, 2009, p. 67).

Partindo desse princípio, entendemos que o letramento literário se realiza no exercício

cotidiano que se faz com o texto literário, mas não para repetir fórmulas, ao contrário, ler para

desenvolver habilidades de apropriação do texto através de variadas associações que partem

de conhecimentos prévios a fim de enriquecer o que se extrai do referido texto. Naturalmente,

essa prática se opõe ao engessamento das aulas de literatura tão denunciado por pesquisadores

da área. O livro didático, nesse caso, colabora negativamente para a formatação desse quadro,

pois, como já explicitamos, impõe uma gama de conteúdos distribuídos em capítulos e

subdivididos em seções de leitura de fragmentos de textos, imagens, biografias, contextos

históricos e questões de múltipla escolha ou de interpretação. Vale acrescentar que todas as

questões contêm respostas no “livro do professor”. Entendemos, portanto, que o letramento

literário proposto pelos autores como um processo contínuo da prática de leitura e apropriação

da escrita está longe de se realizar nas escolas. Nesse sentido, os autores vão além dos muros

escolares quando pensam a literatura como um processo social e cultural:

Também deve ficar claro que o letramento literário não começa nem termina

na escola, mas é uma aprendizagem que nos acompanha por toda a vida e

que se renova a cada leitura de uma obra significativa. Depois, trata-se de

apropriação, isto é, um ato de tornar próprio, de incorporar e com isso

transformar aquilo que se recebe, no caso, a literatura. Não há assim, leituras

iguais para o mesmo texto, pois o significado depende tanto do que está dito

quanto das condições e dos interesses que movem essa apropriação

(PAULINO; COSSON, 2009, p. 67).

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De acordo às proposições de Paulino e Cosson (2009), não é apenas tarefa da escola

promover o letramento literário dos seus alunos. Como cidadãos, esses alunos têm à sua

disposição outros meios de ler e de se apropriar de textos literários das mais diversas

naturezas, sobretudo daqueles que não são oferecidos nas escolas. E mesmo quando a escola é

o único meio de acesso ao literário, ao concluir o ciclo, o sujeito poderá continuar o exercício

da leitura e da apropriação de textos da sua escolha ou por indicação de outras pessoas. Isso

faz com que a prática da leitura se concretize em letramento literário ao assumir um caráter

social e não apenas escolarizado:

[...] o letramento literário pode ser concebido simplesmente como uma das

práticas sociais da escrita, aquela que se refere à literatura. Nesse caso, a

adoção do conceito de letramento literário vem ao encontro da sempre

reivindicada leitura efetiva dos textos literários como requisito sine qua non

para o acesso concreto e frequente a obras literárias após ou durante o ensino

escolar da literatura (PAULINO; COSSON, 2009, p. 67).

Considerando as definições dos autores acima mencionados, compreendemos que o

sistema educacional brasileiro se encontra em dívida com os seus principais atores. Nas

escolas, os professores, em especial os de Língua Portuguesa e Literatura, e os alunos são alvo

de uma poderosa máquina político-editorial que insiste em oferecer um modelo de confecção

do livro didático de literatura que já se antecipa aos problemas que poderiam surgir a partir da

leitura, ainda que seja de um fragmento de texto literário, pois há respostas para tudo. Não há

espaço para o contraditório:

[...] a escola enfatiza demasiadamente o conhecido e o mensurável, negando

espaço para o estranho e o inusitado. É o que se observa, por exemplo, no

modelo de bom aluno repetidor, cuja competência mais valorizada é dizer

aquilo que o livro didático ou professor já disse: quanto mais literal a

repetição, melhor [...] Quando surgem textos e práticas que permitiriam uma

interação questionadora, poética, diferente, aberta a tendências dos

educadores é pautar-se pela reação da maioria e negar as produções de

sentido imprevistas no contexto da comunidade escolar de leitores e

produtores de texto, caracterizada pela homogeneização (PAULINO;

COSSON, 2009, p. 71).

A prática da leitura desenvolvida com apoio do livro didático, mais especificamente o

livro didático de português, produz envolvimento do estudante com o mundo da escrita e da

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literatura; contudo, a cultura escolar, apesar de investir pedagogicamente na leitura, ainda

camufla a leitura literária no que ela tem de próprio. A leitura com vistas ao letramento

literário torna-se indissociável do livro didático de português; afinal, esse compêndio ainda é

o principal material de acesso – e para alguns o único – que os estudantes têm para as práticas

de escrita e leitura. Nesse material, ainda há uma limitação de textos que são considerados

complexos de entendimento, quando não os fragmentam ou sintetizam, tornando-os

descontextualizados e afetando sua coesão. Portanto,

[...] as exclusões desobrigam esse tipo de LDP17 de tomar esses elementos

como objetos de ensino/aprendizagem, autorizam o professor a fazer o

mesmo e colaboram perigosamente para a construção tanto de uma

concepção equivocada de linguagem escrita, leitura e literatura, quanto na

incerteza na leitura e da rarefação nos padrões de letramento (RANGEL,

2005, p. 140-141).

A escolarização da literatura nos livros didáticos com vistas ao letramento literário é

também enfocada por Rildo Cosson (2009), que situa a escola a partir dos mecanismos que

esta desenvolve, como construtora do letramento literário:

[...] devemos compreender que o letramento literário é uma prática social e,

como tal, responsabilidade da escola. A questão a ser enfrentada não é se a

escola deve ou não escolarizar a literatura, como bem nos alerta Magda

Soares, mas sim como fazer essa escolarização sem descaracterizá-la, sem

transformá-la em um simulacro de si mesma que mais nega do que confirma

seu poder de humanização (COSSON, 2009, p. 23).

Rildo Cosson argumenta que é possível desenvolver letramento literário na escola,

sendo dessa instituição, talvez, a grande responsabilidade de formar alunos leitores. O autor

não se intimida ao afirmar que “estamos diante da falência do ensino da literatura” (COSSON,

2009, p. 23). A partir de sua experiência enquanto professor e pesquisador, ao se referir às

incoerências que há no ensino de literatura para os dois níveis de educação – fundamental e

médio –, Cosson afirma que “o ensino da literatura brasileira limita-se [...] a história da

literatura brasileira, [...] quase como apenas uma cronologia literária, em uma sucessão

dicotômica entre estilos de época, cânone e dados biográficos dos autores [...]” (COSSON,

2009, p. 21).

17 Livro Didático de Português.

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O papel que a escola, o professor e o livro didático desempenham na formação do

letramento literário do estudante deve ser minuciosamente entendido e distinguido. Ao seguir

o manual didático, cabe ao professor não transformar as aulas em abordagens meramente

informativas sobre cânone, história e características literárias de obras e escolas. Ele precisa ir

além, de modo que o jovem aluno tenha, na sala de aula, nas leituras e atividades o incentivo à

prática da leitura. Nesta perspectiva, Rildo Cosson acredita ser possível desenvolver o

letramento literário na própria escola, com o uso de materiais didáticos, sem com isso abolir a

autonomia do professor.

Graça Paulino (2004, p. 52), em “Formação de leitores: a questão dos cânones

literários”, apresenta a investigação de Lígia Chiappini (1983) em que a pesquisadora critica

“o autoritarismo de professores que veem a literatura como letra morta e contra a ritualização

de uma aula que trabalha os textos literários como saberes instituídos e inquestionáveis”. A

pesquisa de Chiappini, conforme Graça Paulino, possui o mais alto empenho para que o

ensino da literatura no Brasil seja renovado e democrático, uma vez que há polarização entre

cânones escolares e cânones literários. Desta forma, a autora busca assinalar que os cânones

escolares constituem as técnicas para seleção de livros literários que sobressaem nas escolas.

Ela define “esse processo de escolha de textos como o trabalho de educadores não-leitores

literários, que lidam apenas profissionalmente com a literatura dita juvenil” (PAULINO, 2004,

p. 54, grifo da autora).

Visto por este prisma, na seleção dos cânones literários já existe uma preferência que

culmina em uma desfigurada escolarização dos cânones, a exemplo de “algumas seleções

escolares de Machado de Assis. Se é preciso que o ‘grande escritor’ esteja presente na escola,

publicam-se antologias que atendam às definições escolares de gêneros” (PAULINO, 2004, p.

54, grifo da autora). Do mesmo modo, ainda sobressai a ideia de que textos mais complexos

são difíceis de serem assimilados pelo jovem estudante. A questão é que os fragmentos de

textos literários ou textos didatizados têm objetivos voltados para a escola e a forma como

isso corre incide para uma escolarização da leitura literária errônea, equivocada:

Pensando especificamente na leitura em contexto escolar, não podemos

perder de vista que os textos que circulam em sala de aula, à exceção

daqueles produzidos especificamente para esse contexto – os didáticos, por

exemplo – são escolarizados. Isso quer dizer que são retirados de sua esfera

de produção/circulação/recepção de origem (a literatura, por exemplo) e

repostos em outra situação de produção, em uma esfera que tem fim

específico de ensino de um objeto escolar, seja um conhecimento, seja uma

capacidade leitora, seja uma prática letrada (JURADO; ROJO, 2009, p. 45).

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4.3. A Literatura do Livro Didático

Estuda-se mais história da literatura e não as obras em particular. E que

história da literatura se estuda? Quase sempre os estilos de época na sua

ordem cronológica. [...] Por eleger uma formação de caráter enciclopédico,

acaba-se por conhecer muito pouco cada obra, sobretudo no que ela tem de

singular (PINHEIRO, 2009, p. 110).

A observação acima nos convida a refletir sobre a “literatura” proposta nos livros

didáticos e como ela é concebida pelos alunos. Para Pinheiro (2009), a literatura apresentada

nos LD configura-se em um tipo de História da Literatura, se pensarmos na disposição

cronológica dos estilos de época, biografia de escritores, exclusão de autores marginais ou que

não se enquadram no cânone nacional, sugestões de respostas às questões apresentadas sobre

um determinado texto literário baseadas nas escolas e nos movimentos artísticos ao invés do

texto-contexto ou da interpretação dos receptores. De tanto ser repetida e/ou praticada, essa

História da Literatura canonizada pelo livro didático e referendada nas escolas acaba por se

tornar a “verdadeira” literatura que os alunos conhecem, apesar de os documentos oficiais

como LDB, PCN, Guias de livros didáticos e ainda os orientações ao docente no manual do

professor apresentarem indicações tanto de obras originais (apresentadas no LD sob a forma

de fragmentos) quanto de livros/artigos sobre leitura, literatura, educação, letramento literário,

dentre outros, os quais poderiam auxiliar o trabalho docente, além do livro didático.

Outras questões a serem consideradas dizem respeito à relação entre livro didático e

literatura na construção do sujeito leitor. Compete “ao professor – pela linguagem que fala ou

que manipula nos recursos didáticos – “[...] exercer a sua [...] função insubstituível no

domínio mais avançado do conhecimento que o aluno vai constituindo” (BRASIL, 2000, p.

84). Contudo, de acordo com Marisa Lajolo, a relação entre livro didático e ensino possui

inadequações provindas de séculos passados. “Os legisladores, ao discutirem leitura e livro

didático, inscrevem a discussão no contexto geral da precariedade que, herdada da Colônia,

vai persistir por muito tempo” (LAJOLO, 2010, p. 53), como por exemplo, o despreparo do

magistério, os baixos salários, as péssimas condições de trabalho e – talvez o mais grave – o

“fato de que a leitura patrocinada pela escola de hoje parece sofrer uniformização [...]

embrulhada em propostas que, em nome de uma leitura lúdica e criativa, [...] apenas simulam

criação e fantasia” (LAJOLO, 2010, p. 71, grifo da autora). Não é demais lembrarmos

também que Regina Zilberman, com base em pesquisas desenvolvidas por programas de

avaliação comparada sobre a efetividade dos sistemas educacionais, afirma que o Brasil

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enfrenta uma crise na leitura que “reflete uma crise da escola em decorrência da parceria

historicamente estabelecida entre o ensino e a aquisição das habilidades de ler e escrever”

(ZILBERMAN, 2009, p. 70).

Mencionadas as proposições que condicionam e caracterizam a política do livro

didático e da leitura no Brasil, Lajolo (2010) também dá ciência ao fato de que o ensino de

Língua Portuguesa ainda se confunde com o de gramática e linguística. Por ora, persiste um

apego aos livros didáticos, uma vez que, com tantos problemas no interior do ensino

brasileiro, residiria nesses, como nas técnicas e nos métodos, a solução de tantos problemas.

Entretanto, como se sabe, os livros didáticos não são autossuficientes em proporcionar

aprendizado ao aluno. Ezequiel Theodoro da Silva (2009) concebe a desenfreada utilização

dos compêndios pelos docentes, que vem desde a década de 70, ao fato de que, mal

renumerados, os professores veem no aumento da jornada de trabalho uma melhoria salarial,

transformando-se em um

[...] “dadeiro de aulas” [...] lançando mão de livros e manuais que lhe

chegam prontamente, em longas listas, para efeito de adoção e indicação aos

compradores alunos. Em frase lapidar, João Wanderley Geraldi18 disse que

“os professores não adotam livros didáticos; eles são adotados pelos livros

didáticos para produzir o ensino [...] (SILVA, 2009, p. 41, grifo do autor).

Podemos então entender que a presença do livro didático na escola, independente da

disciplina, exprime autoridade na prática pedagógica. A esse respeito, Deusa Maria de Souza

(1999), no artigo “Autoridade, autoria e livro didático”, explora a concepção de que se atribui

ao livro didático a figura de detentor do saber, verdade consagrada oferecida ao professor que

é autorizado a operar apenas de forma reprodutiva aquilo que é oferecido no manual didático,

competindo ao aluno assimilá-la.

Os livros didáticos, ainda assim, são bastante utilizados no contexto escolar,

independente da disciplina, sendo seu uso muitas vezes justificado pela referência de estudo

que este traz ao aluno, principalmente quando reporta a sua adaptação à prova de vestibular ou

ainda quando elenca o conteúdo a ser trabalhado em cada disciplina, não desperdiçando tempo

com assuntos sem tanta importância (CORACINI, 1999).

18 A afirmação de Geraldi procede de uma entrevista concebida a Ezequiel Theodoro da Silva em 1987.

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O livro didático exclui a interpretação e, com isso, exila o leitor. Propondo-

se como autossuficiente, simboliza uma autoridade em tudo contrária à

natureza da obra de ficção que, mesmo na sua autonomia, não sobrevive sem

o diálogo que mantém com seu destinatário. E, enfim, o autoritarismo se

apresenta de modo mais cabal, quando o livro didático se faz portador de

normas linguísticas e do cânone literário (ZILBERMAN, 2009, p.77).

Por sua vez, Shirley Jurado e Roxane Rojo (2009) corroboram as afirmações de

Coracini (2009) ao afirmarem que, no ensino de literatura, “O texto – literário ou não – é

modelo de um estilo analisado como um produto autônomo de uma língua e não como um

produto resultante de uma sócio-história que supõe sujeitos em interação. O texto é explicado

e não compreendido” (JURADO; ROJO, 2009, p. 43).

Por outro lado, o Projeto Memória da Leitura, desenvolvido desde 1992 na Unicamp,

que visa pesquisar a história da leitura e do livro no Brasil, segundo Lajolo (2007), possui

grande interesse em analisar os livros escolares quando se trata da questão do letramento. De

acordo com a autora, o país apresenta precárias práticas de leitura e este projeto contribui para

esclarecimento da historicidade da leitura no Brasil, além de comprometer-se com a

democratização da leitura:

As pesquisas até agora desenvolvidas apontam o papel central representado

pelo livro didático no panorama da história das práticas de leitura no Brasil,

uma vez que ele (o livro didático) sempre esteve (e parece permanecer) em

posição hegemônica devido à intensidade de seu uso e à obrigatoriedade de

seu manuseio no interior das práticas de leitura (LAJOLO, 2007, p. 91).

A prática da leitura desenvolvida com apoio do livro didático, mais especificamente o

livro didático de português, produz envolvimento do estudante com o mundo da escrita e da

literatura; contudo, a cultura escolar, apesar de investir pedagogicamente na leitura, ainda

camufla a leitura literária no que ela tem de próprio. A leitura, com vistas no letramento

literário, torna-se indissociável do livro didático de português; afinal, esse compêndio ainda é

o principal material de acesso que os estudantes têm para as práticas de escrita e leitura. Nesse

material, ainda há uma limitação de textos que são considerados complexos de entendimento,

quando não os fragmentam ou sintetizam, tornando-os descontextualizados e afetando sua

coesão. No entanto, o livro didático:

Tal como se apresenta hoje, [...] tem sido o instrumento de letramento mais

presente na escola brasileira, especialmente a partir da década de 1970.

Atualmente, representa a principal, se não a única, fonte de trabalho com o

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material impresso na sala de aula, ao menos na rede pública de ensino

(JURADO; ROJO, 2009, p. 44).

Ampliando a discussão sobre a viabilidade do livro didático de literatura, Hélder

Pinheiro (2009) provoca reflexões acerca da necessidade de sua existência e da formação dos

professores:

[...] precisamos de livro didático de literatura? Os livros didáticos de

literatura, como estão, têm contribuído para a formação de leitores de obras

literárias? Não seria mais rico, em vez de estudar literatura no ensino médio

de um modo atrelado ao viés historicista, ler as obras com os alunos? [...]

para tanto, os professores precisariam estar mais bem preparados intelectual

e metodologicamente, precisariam buscar, inclusive, fundamentação em

inúmeros trabalhos de crítica literária à disposição em livros, artigos, teses e

dissertações (PINHEIRO, 2009, p 113).

A provocação de Pinheiro (2009) propõe uma reflexão acerca do modo como a

literatura tem sido trabalhada nas escolas. Aliás, em muitos casos, quase não há a necessidade

do professor, tamanha é a importância do livro didático nas atividades pedagógicas: o livro

didático de literatura, por exemplo, indica o que ler, como ler e o que deve ser mais

importante em um texto literário, através dos fragmentos de narrativas e poemas ou outros

procedimentos reducionistas:

[...] quando apresentamos uma obra literária aos nossos alunos, comumente,

a preocupação não é com a fruição ou a apreciação estética. Ela se torna um

objeto para o ensino das características presentes na obra, ligadas à escola

literária ou às figuras de linguagem que possam ter sido usadas pelo autor.

Fragmentamos a obra, não poucas vezes, reduzindo-a a um conjunto de

características de uma escola literária ou de um estilo próprio do autor

(JURADO; ROJO, 2009, p. 46).

Por sua vez, Deusa Maria de Souza (1999) observa que:

Parece [...] haver uma relação professor-aluno, necessariamente mediada

pelo livro didático, ou pelo material didático. O livro didático estaria em

última instância a serviço da relação professor-aluno-conhecimento devendo,

assim, “orientar” os professores quanto a “o que ensinar” e “como ensinar”.

Ao mesmo tempo, caberia ao livro didático fornecer conteúdos previamente

selecionados, fazendo recortes no que supostamente seria mais relevante no

conhecimento, e indicar procedimentos metodológicos para a sua

transmissão em sala de aula (SOUZA, 1999, p. 59).

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Quanto às postulações apresentadas nos PCN de Literatura e que legitimam a

confecção dos livros didáticos, no tocante aos conteúdos e às formas de trabalho pelo

professor em sala de aula, estas parecem distantes da realidade das escolas públicas

brasileiras. Segundo os PCN:

A literatura não é cópia do real, nem puro exercício de linguagem, tampouco

mera fantasia que se asilou dos sentidos do mundo e da história dos homens.

Se tomada como uma maneira particular de compor o conhecimento, é

necessário reconhecer que sua relação com o real é indireta. Ou seja, o plano

da realidade pode ser apropriado e transgredido pelo plano do imaginário

como uma instância concretamente formulada pela mediação dos signos

verbais [...] Pensar sobre a literatura a partir dessa autonomia relativa ante o

real implica dizer que se está diante de um inusitado tipo de diálogo regido

por jogos de aproximações e afastamentos, em que as invenções de

linguagem, a expressão das subjetividades, o trânsito das sensações, os

mecanismos ficcionais podem estar misturados a procedimentos

racionalizantes, referências indiciais, citações do cotidiano do mundo dos

homens (BRASIL, 1997, p. 29)19.

No entanto, os LD selecionados pelos órgãos educacionais do governo (PNLD e

PNLEM) apresentam uma concepção, na maioria das vezes, oposta ao que se encontra nos

PCN. Nos LD, a literatura é, sim, cópia do real e serve para explicar as transformações do

passado, através da apresentação dos conteúdos literários: imagem, contexto histórico,

biografia dos escritores literários, fragmentos e atividades. Essa disposição contribui para a

imposição de uma verdade literária aos alunos e aos professores:

O modo de funcionamento do LD como um discurso de verdade pode ser

reconhecido em vários aspectos: no seu caráter homogeneizante, que é dado

pelo efeito de uniformização provocado nos alunos (i.e., todos são levados a

fazer a mesma leitura, a chegar às mesmas conclusões, a reagir de uma única

forma às propostas do manual); na repetição de uma estrutura comum a todas

as unidades, como tipo de seções e de exercícios que se mantêm constantes

por todo o livro [...]; e na apresentação das formas e dos conteúdos como

naturais, criando-se o efeito de um discurso cuja verdade “já está lá”, na sua

concepção (GRIGOLETTO, 2009, p. 68).

Cabe mencionar a definição para o que, necessariamente, é livro didático; na

concepção de Batista (2007), o LD é um conjunto de “textos e impressos que, desde o

processo de concepção, são gerados tendo em vista finalidades escolares” (2007, p. 542).

Desse modo, as provocações mencionadas por Grigoletto (2009) se enquadram no que Batista

chama de “finalidades escolares”, cujos objetivos se revelam na construção de um ideário

19 Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro02.pdf. Acesso em 21/04/2016.

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escolar calcado na homogeneização dos discursos, seja por parte dos alunos seja por parte dos

professores. E o livro didático serve exatamente a esse propósito quando se trata de leitura

literária.

O livro didático, cujo ambiente de ação está intimamente ligado ao espaço escolar

(professor e aluno, sobretudo), ganha forma a partir da primeira metade do século XX. Surge

carente de criticidade e de referências, pois “sua história não passa de uma sequência de

decretos, leis e medidas governamentais que se sucedem, a partir de 1930, de forma

aparentemente desordenada, e sem a correção ou a crítica de outros setores da sociedade”

(FREITAG; COSTA; MOTTA, 1989, p. 11). Desse modo, entendemos que a sociedade

brasileira apenas legitimava o que os representantes políticos sancionavam, em muitos casos,

apropriando-se de práticas estrangeiras sem as devidas adaptações ou aclimatações, como

defendiam alguns críticos literários daquela época.

Portanto, o livro didático nasceu ignorando a existência de tais instâncias, ou seja,

quando levamos em conta a quantidade de decretos governamentais a partir de 1930 e o que

legislavam, entendemos que o LD configurava-se muito mais como um instrumento de

controle político-ideológico do Estado do que propriamente um instrumento de ensino e

aprendizagem. Essa situação se acentuou durante a Ditadura Militar, entre a década de 1960 e

1980. Somente após a mudança de regime político no Brasil, segundo os estudos de Freitag,

Costa e Mota (1989), é que os críticos literários começaram a ser ouvidos e, assim, o Governo

Federal criou novos decretos, dos quais se destaca o de número 91.542 de 19/08/1985, que

descentraliza, pelo menos na teoria, os trabalhos referentes ao LD. A partir daí, os professores,

e não mais “censores” do governo, escolhem os manuais didáticos com os quais pretendem

trabalhar.

Em outras palavras, o livro didático corresponde às mudanças de perspectivas

políticas, pois o público leitor que visa formar tem natureza específica: é leitor mediado pelas

ideologias constantes nos manuais didáticos. É também fruto das recorrentes alterações nos

quadros do sistema escolar que, a partir do século XIX, “amplia seu atendimento às classes

populares e altera sua estrutura, ao dividir-se em ciclos, disciplinas e terminalidades”

(ZILBERMAN, 2009, p. 21). Isso faz com que o leitor seja trabalhado para perpetuar os

discursos adotados pela escola, que “agora modificada, propicia o aumento do público leitor e

fortalece modalidades de expressão que transmitem de preferência e quase exclusivamente por

meio da escrita” (ZILBERMAN, 2009, p. 21).

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Por conseguinte, entendemos que a escola cria uma infraestrutura capaz de pensar

tipos específicos de leitores e de leituras, estabelecendo as devidas conexões cuidadosamente

apontadas no livro didático. Assim, lembramos que a atuação do ambiente escolar não se

restringe aos seus espaços físicos, pois, ao dialogar com outras instâncias representadas no LD

(instituições sociais como a família, o casamento, a religião, valores morais etc.), promove

transformações culturais capazes de seduzir futuros leitores e referendar ideologias.

A escola é, portanto, espaço de poder. E o tratamento que reserva à leitura é moeda de

troca numa relação automatizada, mediada por outro tipo de poder: o econômico. As

concepções de leitura propostas pela escola, em geral, determinam o que se deve ler e como se

deve ler. São formações discursivas institucionalizadas. Logo, o discurso é legal e viável para

quem forma. E quem se forma? De que é processo? Qual seria a tarefa integral da escola no

tocante à leitura literária? Pensemos nisso. Claro que a formação de leitores é objetivo de

todos os órgãos relacionados à educação. No entanto, na prática, isso se encontra distante da

realidade, pois a leitura configura-se mecânica e se apresenta sob forma enciclopédica, uma

receita que não admite interferência:

[...] os questionários são dirigidos de maneira a cobrar apenas este ou aquele

aspecto textual. Se o aluno estiver interessado em outro aspecto, e o

professor resolver se limitar àquele relacionado pelo livro didático, ou

escolhido pelo próprio mestre, o interesse do educando será sufocado,

quando o melhor seria aproveitar a ocasião para discutir a produção de

sentidos efetuada na própria interpretação em aula, com suas possibilidades e

nuances (JOBIM, 2009, p. 120).

Na relação com o estudante, este geralmente sai perdendo, pois a escola, no seu papel

de legitimadora das práticas de leitura, ignora que “a leitura não é prática neutra. Ela é campo

de disputa, é espaço de poder” (ABREU, 2007, p. 15). Como o aluno desconhece tal

informação, “aceita” ser guiado por uma “verdadeira artilharia” responsável pelo controle do

imaginário, na apropriação do literário, através do livro didático:

Além de [...] substituir o trabalho de pesquisa do professor e determinar o

currículo de todas as disciplinas, o livro didático, ao longo da história da

escola brasileira e no caso específico da literatura, presta-se a práticas que

reduzem, simplificam ou negam o fenômeno literário (SANTOS, 2009, p.

25).

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117

Portanto, acreditamos que a escola reconhece a sua função, mas também percebemos

que isso não é suficiente para que a mesma execute o seu papel frente ao aluno leitor, pois, já

que este não tem condições de inferir ou interferir nos discursos escolares, a leitura,

principalmente a literária, encontra-se transmutada em outro objeto. Ao invés de leitura

literária, temos uma leitura escolarizada legitimada pelo livro didático que, por essa ótica,

[...] exclui a interpretação e, com isso, exila o leitor. Propondo-se como

autossuficiente, simboliza uma autoridade em tudo contrária à natureza da

obra de ficção que, mesmo na sua autonomia, não sobrevive sem o diálogo

que mantém com seu destinatário. E, enfim, o autoritarismo se apresenta de

modo mais cabal, quando o livro didático se faz portador de normas

linguísticas e do cânone literário (ZILBERMAN, 2009, p. 35).

A observação de Zilberman dialoga com o pensamento de Colomer: à escola interessa

uma educação literária calcada nos moldes do livro didático e não um leitor de literatura.

Talvez isso explique a queixa dos estudiosos do processo em questão, pois a literatura passa a

ser entendida como uma espécie de receptáculo de concepções ideológicas. Nessa linha de

pensamento, a escola utiliza o texto literário ao seu bel prazer, fazendo com que uma dada

obra, ou um fragmento dela, corresponda ao discurso pretendido, ou seja, o domínio da

leitura, pois

Os conteúdos nos livros didáticos tradicionalmente são organizados em

unidades menores de controle do tempo; assim, espera-se evitar o

desperdício de informações a serem “dominadas”. Com isso, professores são,

assim, levados a crer que “fragmentos e retalhos” de informação literária

disfarçados como conhecimento literário, do tipo que enche as páginas dos

livros didáticos de literatura, é tudo o que realmente interessa, de modo a

alcançar o fim maior, que é o maior número de aprovações nos vestibulares

(LEAHY-DIOS, 2004, p. 170).

Com base na afirmação de Leahy-Dios (2004), entendemos que se trata de um padrão

indicado/imposto por instâncias superiores à escola e seguido por professores convencidos a

acatar as orientações constantes nos LD. O livro didático é o principal suporte voltado ao

ensino da literatura e os conteúdos programáticos seguem a organização historiográfica da

literatura portuguesa e brasileira. Ao invés de Literatura, temos ensino de História da

Literatura, uma vez que o LD distribui autores e obras das literaturas nacional e portuguesa de

acordo aos estilos de época ou escolas literárias.

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Além disso, como discurso legitimador, a escola, através da utilização do livro

didático, nega a característica subjetividade do texto literário. Na verdade, cria-se outro objeto

a partir do literário, o que distancia cada vez mais o aluno (que tende a se converter em um

não leitor) da literatura, pois “a escrita do texto literário passa a ser um mistério ao qual só

cabe contemplar em admiração [...]” (PAULINO; COSSON, 2009, p. 72). A literatura seria,

assim, algo distante do mundo do aluno, pois a escola prefere o discurso canônico da literatura

à discussão e/ou aproximação entre o mundo ficcional e as concepções de quem poderia se

tornar leitor de literatura:

[...] quando o ensino da literatura poderia assumir o espaço de formação do

gosto cultural a partir do que os alunos vivem como adolescentes na

sociedade, a disciplina se fecha no biografismo e no historicismo

monumentalista, isto é, consagração de escritores que não deriva da

apreciação de seus textos, mas do acúmulo de informações sobre seus feitos

e suas glórias. Cai-se assim, num elitismo cultural de fachada, de almanaque,

em que o conhecimento é apreendido sem integrar-se às vidas dos alunos

enquanto sujeitos. A soma de conhecimentos sobre literatura é o que

interessa, não a experiência literária (PAULINO; COSSON, 2009, pp.71-72).

A observação de Paulino nos provoca a respeito das concepções de educação literária

propostas pela escola. Sabemos que não se tem em mente formar escritores, uma vez que essa

não seria função escolar; por outro lado, qual o motivo para se excluir a literatura como

instrumento cultural? Se é cultural a trajetória de quem faz literatura, acreditamos que os

trabalhos de poetas, escritores, contistas, cronistas etc. também o são. Mas, pelas conclusões

dos teóricos aqui discutidos, percebemos que só interessa à escola o discurso que historiciza,

legitima e institui práticas ideológicas. Quanto ao literário, este seria a possibilidade da

desarmonia do mundo idealizado construído pelos discursos unificados.

A cultura literária, assim, seria nada mais do que a reprodução das concepções

instituídas no espaço escolar, referendadas pelos manuais didáticos. Tais concepções seriam

resultantes de contratos firmados entre as instituições educacionais, políticas e econômicas

responsáveis pela criação das leis que regem a educação brasileira:

Surgindo no horizonte de profundas transformações sociais e culturais, a

leitura escolar e o ensino moderno desenvolveram-se paralelamente,

entrecruzando seus respectivos caminhos. Nesse processo, envolveram-se

com uma ideologia do saber, que resultou no seu comprometimento com os

ideais que beneficiavam a classe que buscava o poder e suas formas de

dominação. Porém, em decorrência de sua natureza, a leitura aponta a uma

modalidade de experimentação do tempo e do espaço circundante que

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transcende sua função escolar. E restringir-se a esta pode significar mesmo

sua esterilização (ZILBERMAN, 2009, p. 36).

Desse modo, percebemos que a escola domestica ou tenta domesticar a leitura literária.

Condicionada a partir das instâncias que mencionamos, a literatura se configura em matéria de

apreensão ao invés de discussão. E, como observa Zilberman, a escola, como mediadora de tal

modalidade de leitura, refuta o que poderia ser um espaço de diálogo entre um suposto leitor e

um mundo a ser descortinado por ele, pois se comprometeu com outros discursos em nome da

perpetuação de uma cultura nacional vinculada aos ideais da classe dominante.

Pelas investigações dos teóricos estudados, tudo leva a crer que o leitor formado

exclusivamente pela escola dificilmente se configuraria como um leitor literário. Por outro

lado, ainda que o aluno esteja na escola, isso não significa que ele pratique apenas o tipo de

leitura ditada por aquele ambiente, ou que leia apenas o que consta no livro didático. O novo

leitor ou leitor contemporâneo se apropria do legível sob formas diversas e particulares e

também a partir de suportes não institucionalizados. O livro didático continua sendo o

instrumento de legitimação escolar, mas, ao contrário de épocas passadas, não “fala” sozinho

ao aluno leitor. Além disso, “o manual escolar pode ser um espaço de rasura: não se pode

prever ou controlar a apropriação que dele se faz. Nesse caso [...] o livro didático pode ser

apropriado ativamente” (DALVI, 2012, p. 54). Devemos, por isso, ressaltar a importância do

mediador, ou seja, do professor. É nele que se encontram as possibilidades de uso do livro

didático, de forma adequada, nos diversos contextos escolares, principalmente no que diz

respeito à leitura:

É necessário que o professor conheça as possibilidades do aluno-leitor que se

encontra em sala de aula, a fim de que, com base nas potencialidades atuais e

futuras de desenvolvimento da capacidade de leitura desse aluno, sejam

feitas as escolhas dos textos a serem lidos, bem como atuações a serem

realizadas sobre esses textos (PIETRI, 2008, p. 34).

Assim, é através da mediação que o leitor escolarizado pode se tornar leitor literário,

estabelecendo suas conexões com o mundo independente dos discursos legitimadores, pois a

leitura é sempre a possibilidade da experiência, independente do suporte. Quanto à literatura,

devemos ter em mente que sua aprendizagem “[...] não termina no momento em que

concluímos os nossos estudos; continua ao longo de toda a vida. [...] A aprendizagem da

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literatura está relacionada [...] aos motivos pelos quais lemos, seja para aprender, seja para

saborear experiências estéticas, seja para nos comprometermos socialmente” (HAGEMEYER,

2009, p. 32). E esse deveria ser o principal foco da educação literária. Propiciar

desdobramentos a serem construídos pelos leitores a partir do que se lê.

Temos, ainda, a figura dos autores do livro didático. São entidades que “falam” no

manual, ordenando aos seus receptores que executem o que julgam ser relevante para o

estabelecimento das leituras, sejam elas literárias ou não:

O autor do livro didático, por sua vez, assume o papel de um narrador

onisciente que tudo sabe (do que o aluno precisa, do que o professor quer) e

tudo vê (quando diz, por exemplo, Mãos à obra! Utilize sua imaginação!

Prevendo possíveis resistências e/ou estímulos que poderiam ser fornecidos

pelo professor). Em muitos casos, até o tempo desejável para o

desenvolvimento de cada atividade é sugerido, confirmando o desejo de

controle por parte daqueles que produzem o livro didático (CARMAGNANI,

2009, p. 131).

Assim, atingir as propostas contempladas nos PCN seria algo irrealizável diante das

práticas de leituras vigentes: “Um ensino de literatura que se fundamente na leitura e resulte

em uma prática dialógica talvez seja tão utópico ou romântico quanto qualquer projeto que,

hoje, se refira à educação no Brasil” (ZILBERMAN, 2008, p. 58). Essa constatação dialoga

com uma proposta de Ezequiel Theodoro da Silva, ao instituir a legitimidade de uma “Lei-

dura”:

Somente a elite dirigente deve ler: o povo deve ser mantido longe dos livros

e outros meios de circulação da cultura escrita. Os textos escritos, quando

bem selecionados e lidos, estimulam a crítica, a contestação e a

transformação – processos estes que colocam em risco a estrutura social

vigente e, portanto, o regime de privilégios (SILVA, 2010, p. 38).

De acordo com a disposição da leitura no LD e a proposta de Silva (2010), percebemos

a exclusão de leituras críticas praticadas no âmbito escolar. O controle da leitura denuncia

uma realidade na qual os sujeitos chamados de agentes da leitura ou mediadores (professores)

estão longe de tal função, por razões que vão desde a formação à atuação profissional. Um

modelo de educação literária já se encontra consolidado em práticas de letramento literário. A

sedução do “livro do professor” com respostas às questões de interpretação, compreensão ou

até mesmo às questões objetivas contidas no “livro do aluno” é um dos contribuintes à

manutenção desse modelo de educação literária. O LD se configura como mantenedor de uma

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prática docente pautada em um sistema de perguntas e respostas, sendo que as respostas

devem ser as oferecidas pelo referido LD, ainda que este as destaque como “sugestão de

respostas”:

Considerando-se a realidade da escola e do professor no contexto brasileiro,

poderíamos até concordar que muitos professores pouco lêem e pouco

escrevem por várias razões. Contudo, será que o fornecimento de “todas” as

respostas [...] altera essa realidade ou apenas facilita a acomodação? Como

será que o professor resolveria o problema da falta de respostas? Para as

editoras, o professor adotaria outro livro didático; para a instituição, talvez,

mais erros seriam cometidos; mas, para o professor, mais oportunidades

seriam dadas para que buscasse outras respostas (CARMAGNANI, 2009, p.

132).

A realidade da escola continua sendo oposta às proposições dos estudiosos da

educação. Ao invés de valorizar a leitura e instituí-la como prática (como propõem os

Parâmetros), tem-se uma leitura estática, prevista como meio para se atingir objetivos cada

vez mais distantes dos planos e programas de ensino e, principalmente, dos alunos: “Na

escola, lê-se para fazer resumo do texto; lê-se para responder a um questionário de verificação

ou de interpretação; lê-se para fazer uma prova de livro; lê-se sempre para que algo seja

produzido e traduzido na forma de ‘resultados’” (KLEBIS, 2008, p. 35).

Convém, no entanto, ressaltar que o livro didático, além de um suporte para o trabalho

docente, também exerce um papel fundamental em se tratando da história da leitura, porque,

além de ser sistematizado como instrumento importante para formação do leitor, é também

considerado como um dos documentos mais importantes para a história da educação:

Livros escolares são fonte insubstituível para qualquer história da leitura:

não só porque, por hipótese, tais livros são instrumentos sistemáticos para a

formação de leitores, mas porque eles são também documentos privilegiados

para uma história da educação e da escola com a qual necessariamente se

cruza a história social da leitura. E também da literatura. [...] O livro didático

interessa igualmente a uma história da leitura porque ele talvez mais

ostensivamente que outras formas de escrita forma o leitor. Pode não ser tão

sedutor quanto às publicações destinadas à infância (livros e histórias em

quadrinhos), mas sua influência é inevitável, sendo encontrado em todas as

etapas da escolarização de um indivíduo (LAJOLO; ZILBERMAN, 2011, p.

310).

Portanto, a leitura literária na escola corresponde a uma ideologia política capaz de

legitimar poderosos discursos pedagógicos cuja finalidade atende a uma formação de

identidade cultural, apresentada aos alunos e professores através de um código normativo: o

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livro didático, suporte que impõe sob a forma de imagens e textos a consagração dos valores

políticos, sociais e econômicos escolhidos para representar a sociedade brasileira. Percebemos

que o LD impõe-se não apenas como suporte ao trabalho docente, com fins escolares, mas

como legitimador dos valores culturais e morais da sociedade brasileira.

Embora a leitura seja uma prática social, a leitura literária, sobretudo a apresentada sob

a forma de fragmento no LD do ensino médio, só se concretizaria como tal se contasse com

um leitor que já tivesse domínio de estratégias de leitura a ponto de transcender as instruções

de apropriação do texto literário fornecido pelo LD. Portanto, as instruções dos manuais

didáticos enquadram os leitores em um tipo de interpretação ao apresentarem, a cada início de

capítulo de conteúdos de literatura, imagem, contexto histórico, biografia do autor, fragmento

extraído de algum texto literário e questões de interpretação de texto. E desse modo, converte-

se uma prática de leitura literária escolarizada em uma educação literária legitimada.

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V – METODOLOGIA

5.1. Construindo a pesquisa

Antes de definir a metodologia desta pesquisa, realizamos um estudo a fim de entender

qual a abordagem e a natureza mais adequadas ao tipo de pesquisa que então se esboçava,

enquanto discutia o projeto. Originalmente, a pesquisa seria realizada com base em três

exemplares de manuais didáticos aprovados pelo PNLD 2012 das 2ª e 3ª séries do ensino

médio. Durante o processo de orientação deste trabalho, decidimos modificar seu foco,

conforme já foi explicado na introdução desta tese.

Desse modo, dedicamo-nos por um tempo a novos estudos. Assim, pensamos sobre a

importância da pesquisa: o que pesquisar? Por que pesquisar? Como pesquisar? Onde

pesquisar? Qual a contribuição desta pesquisa? Foi com base em todas essas perguntas de

cunho reflexivo que redimensionamos o objeto de investigação desta tese. Esta pesquisa não

mais extrairia seus dados do manual didático, mas dos espaços onde ele é utilizado. Assim,

chegamos ao problema de pesquisa apresentado neste estudo: Como os conteúdos das

representações presentes no contexto de escolas públicas de Salvador (BA) sugerem formas

de apropriação do texto literário a partir de um modelo de educação literária junto a

professores e estudantes do ensino médio?

O próximo passo foi definir onde a investigação se realizaria, ou seja, em que cidade

se realizaria a pesquisa; quantas e quais escolas estariam envolvidas; quantos e quais sujeitos

participariam da investigação. Por questões éticas, optamos por realizar a pesquisa em duas

escolas baianas, pois o que motivou a realização deste estudo foi a atuação do pesquisador

como docente da educação básica (mais precisamente 2ª e 3ª séries do ensino médio como

professor de Língua Portuguesa e Literatura) em uma escola pública estadual de Ilhéus

(Colégio Modelo Luís Eduardo Magalhães), na Bahia. Além disso, o pesquisador é professor

de Literatura de uma universidade estadual (UNEB, Campus XX) e, por conta do curso de

doutorado, foi afastado das funções com bolsa pelo período de quatro anos.

Optamos por duas escolas, as quais serão conhecidas a partir de nomes fictícios:

Escola Heurisgleides Ferreira e Escola Renailda Sousa20. Feito isso, definimos a cidade,

20Segundo a Resolução MS/CNS 466/2012 todo o contexto investigado, incluindo a identidade das escolas bem

como de todos os participantes da pesquisa, devem ter seus nomes preservados.

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optando por Salvador, pois como capital e maior cidade do estado da Bahia, teria um leque de

opções maior do que em qualquer outra cidade. Além disso, é lá que se encontra a sede da

UNEB. A partir daí, passamos à construção da metodologia desta pesquisa.

5.2. A construção da metodologia

5.2.1. A opção pela pesquisa etnográfica

Após a definição do objeto de estudo e os seus desdobramentos, passamos à fase da

definição da metodologia. Com as leituras e considerações sobre o tema, decidimo-nos pela

pesquisa etnográfica de abordagem qualitativa, por ser a mais adequada à nossa proposta de

trabalho. Trata-se de uma investigação que exige inserção do pesquisador no lócus, bem como

uma participação efetiva dos sujeitos implicados. Por outro lado, refere-se, em pesquisa

educacional, a uma pesquisa explicativa/interpretativa, à medida que busca, por meio de

vários instrumentos de coleta de dados, apreender a imagem mais clara possível do objeto de

estudo.

Após a orientação, partimos para os encaminhamentos: a caracterização da pesquisa e

a definição teórica do termo pesquisa etnográfica. Esta pesquisa se caracteriza pela abordagem

qualitativa de natureza etnográfica, pois segundo Ghedin e Franco (2011, p. 180), “o trabalho

etnográfico está ligado a um modo de perceber o mundo do outro ou de ‘treinar’ o olhar para

aprender a perceber como o outro vê a si mesmo como alguém que se percebe diferente, como

uma identidade que é sua e dos outros ao mesmo tempo”. A identificação desta pesquisa com

a tipologia acima mencionada se justificou pela oportunidade que tivemos de experienciar o

objeto a ser investigado. Ou seja, enquanto pesquisador, vivenciamos, analisamos,

construímos dados da pesquisa à medida que convivemos e interpretamos não somente o que

nos foi dito através de entrevistas, mas sobretudo pelo que vivenciamos e depois construímos

pela observação:

A possibilidade de compreender o outro passa pela capacidade dele de abrir-

se para manifestar a própria experiência de estar sendo. Seja qual for a

compreensão daquilo que os sujeitos realmente são, ela não depende de que

o pesquisador tenha, pessoalmente, a experiência ou a sensação de estar

sendo. A compreensão depende de uma habilidade para analisar seus modos

de expressão, e ser aceito contribui para o desenvolvimento dessa habilidade

[...] Portanto, a pesquisa, mais do que descrever o mundo do outro, precisa

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explicá-lo para compreender os significados contidos em cada gesto e ação

realizados por um sujeito particular ou por ações coletivas (GHEDIN;

FRANCO, 2011, p. 181-182).

Assim, preocupamo-nos em extrair os dados necessários aos objetivos desta pesquisa;

porém, todos aqueles movimentos percebidos durante a investigação e julgados relevantes

pelo pesquisador constam nos registros, pois poderiam ser utilizados para reforçar um objetivo

ou explicar ações e discursos dos envolvidos no processo investigativo. Atribuímos esse feito

ao tempo dedicado para o estabelecimento de laços entre a investigação que pretendia e as

escolas e, posteriormente, com as observações realizadas sobre o contexto escolar

(aproximadamente dois anos). Isso exigiu um exercício de paciência quanto às tentativas

frustradas de realização do trabalho. A descrição do percurso será feita posteriormente.

5.2.2. A aplicabilidade da revisão de literatura

Após a escolha do tipo de metodologia empregado na pesquisa, realizamos leituras

diversas sobre estudos que versam sobre a temática aqui discutida. Assim, os três capítulos

teóricos deste trabalho apresentam reflexões que dialogam com o nosso objeto de investigação

e também auxiliam as nossas considerações sobre os dados e os resultados do que

pesquisamos. No primeiro capítulo, ao propormos uma reflexão sobre os conceitos de

literatura e as relações entre texto e leitor, pensamos no mundo da leitura do aluno e do

professor de carne e osso. Não como atores escolares. Isso nos revelou que tanto os

professores quanto os alunos liam fora da sala de aula e fora das orientações dos livros

didáticos. As reflexões contidas nesse capítulo serviram também para percebermos como é

possível a natureza complexa e rebelde, conforme assinala Compagnon, da literatura,

principalmente por parte dos discentes que resistem às leituras impostas e leem, à revelia da

escola, obras que não são sugeridas e/ou apresentadas nos planos de disciplinas. Dentre os

teóricos que embasaram as discussões propostas nesse capítulo, encontram-se: Hans Robert

Jauss (1994), Magda Soares (1999), Márcia Abreu (2001; 2003; 2007), Marisa Lajolo (1982;

2002, 2011), Regina Zilberman (2009, 2011), Hélio Seixas Guimarães (2004), Umberto Eco

(2004), Antônio Cândido (2004; 2009) e Antoine Compagnon (2009).

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No segundo capítulo, optamos por realizar uma espécie de catalogação comentada a

partir da fortuna crítica existente sobre as pesquisas com o livro didático. Além disso,

apresentamos o histórico do PNLD, suas implicações e suas relações com governos e editoras

até chegar ao público escolar. Esse capítulo se justifica por ser o livro didático o que nos

impulsionou a realizar esta pesquisa e também por nos fazer entender qual o seu papel frente a

um processo de ensino-aprendizagem mediado por professores. Desse modo, as observações

realizadas em sala de aula, o estudo dos PPP e dos planos curriculares de disciplina, bem

como, as entrevistas e as visitas e consultas às bibliotecas escolares serviram para

compararmos o que dizem os documentos oficiais sobre a aplicabilidade do LD e como este é

tratado nas escolas participantes da pesquisa por seus atores. Dentre os teóricos que

embasaram as discussões propostas nesse capítulo, destacamos: João Batista Araújo e Oliveira

(1984), Bárbara Freitag (1989), Maria José Coracini (1999), Maria das Graças Costa Val e

Beth Marcuschi (2005), Helder Pinheiro (2006), Antônio Gomes Batista e Roxane Rojo

(2008), Ezequiel Theodoro da Silva (2009) e Célia Cristina de Figueiredo Cassiano (2013).

No terceiro capítulo, apresentamos reflexões sobre os conceitos de educação literária,

letramento literário e escolarização da leitura literária pelo livro didático. As discussões

realizadas a partir da fortuna crítica sobre os conceitos acima mencionados nos auxiliaram a

entender, conceber e conceituar os modelos de educação literária encontrados nas escolas

pesquisadas. Dentre os pesquisadores cujos trabalhos auxiliaram as discussões apresentadas

nesse capítulo, destacamos: Cyana Leahy-Dios (2004), Tereza Colomer (2007), Graça Paulino

e Rildo Cosson (2009).

5.3. Delineamento da pesquisa

5.3.1. Seleção das escolas

Foram selecionadas duas escolas públicas estaduais do município de Salvador (BA):

“Escola Heurisgleides Ferreira” e “Escola Renailda Sousa”. As duas escolas se encontram em

áreas com várias vias de acesso para o pesquisador, tanto de ônibus quanto de carro próprio ou

de táxi, o que não significa que outras tentativas com escolas mais distantes desta área central

não foram feitas. Ao contrário, seis escolas localizadas em bairros distantes da área central

não aceitaram participar da pesquisa alegando motivos relacionados ao deslocamento do

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pesquisador (difícil acesso), falta de segurança, especialmente no turno noturno, existência de

professor de Língua Portuguesa que não dá aula de literatura, dentre outros.

Quanto às justificativas das escolhas, vale destacar que as duas escolas têm sob sua

responsabilidade a formação de alunos no ensino médio, o que compreende o recorte do nosso

trabalho. Como esta pesquisa tem como objeto a investigação de um modelo brasileiro de

educação literária, veiculado no livro didático, destacamos o ensino médio. Deste ensino

médio, optamos pelas 2ª e 3ª séries, pois são as fases em que a produção literária brasileira é

apresentada (ou deveria ser apresentada) ao aluno, de acordo com os PCN. Embora haja

divergências entre teóricos e estudiosos quanto ao “pertencimento” da produção literária do

Brasil-Colônia à chamada Literatura Brasileira, adotamos a organização escolar (baseada na

historiografia literária brasileira através das disposições dos conteúdos programáticos do livro

didático). Assim, a produção literária do Brasil independente (a partir de 1822) surge tanto no

livro didático quanto nos conteúdos programáticos das escolas participantes da pesquisa, a

partir do Romantismo.

Também pelos motivos acima expostos, selecionamos apenas as escolas que

trabalhavam com o ensino médio. Além disso, somente no ensino médio, a literatura, de

acordo com sua disposição no livro didático, ganha status de disciplina ao lado do estudo da

língua e da produção textual ou Redação de acordo com o modelo historiográfico adotado

pelos referidos LD. Assim, trabalhamos com as duas séries do ensino médio, sendo uma turma

de cada série por escola, totalizando duas turmas de 2ª série e duas turmas de 3ª série, no turno

matutino. A opção por este turno se justifica pelas modalidades de ensino oferecidas pelas

escolas. Na Escola Heurisgleides Ferreira, apenas o turno matutino tem funcionamento

normal; o turno vespertino funciona para alunos que ficaram em dependência (aqueles que

não foram aprovados em até três disciplinas e podem cursar a série seguinte cursando as

disciplinas devidas em turnos opostos). Quanto ao noturno, não há funcionamento. Na Escola

Renailda Sousa, os três turnos funcionam; no entanto, o noturno tem modalidade de ensino

diferenciada de acordo ao PPP da escola. Quanto ao turno vespertino desta escola, não houve

professores dispostos a participar da pesquisa. Por isso, a opção pelo matutino.

5.3.2. Amostragem

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De acordo à proposição de Gil (2012), a Teoria da Amostragem é necessária ao

pesquisador para “justificar a seleção de uma amostra” (GIL, 2012, p. 89). Nesta pesquisa, a

utilização da Amostragem foi essencial para a definição dos critérios em relação à seleção dos

discentes participantes deste estudo. Para Gil (2012), Amostragem é

[...] subconjunto do universo ou da população, por meio do qual se

estabelecem ou se estimam as características desse universo ou população.

Uma amostra pode ser constituída por [...] determinado número de escolas

que integram a rede estadual de ensino [...] (GIL, 2012, p. 89).

De acordo com a proposição de Gil (2012), a Teoria da Amostragem é necessária ao

pesquisador para “justificar a seleção de uma amostra”. Além disso, ressalta o autor que “as

pesquisas sociais abrangem um universo tão grande que se torna impossível considerá-los em

sua totalidade. [...] nas pesquisas sociais é muito frequente trabalhar com uma amostra, ou

seja, com uma pequena parte dos elementos que compõem o universo” (GIL, 2012, p. 89). Por

essa razão, elegemos o tipo “Amostragem aleatória simples”, definida como “procedimento

básico da amostragem [que] consiste em atribuir a cada elemento da população um número

único para depois selecionar alguns desses elementos de forma casual” (GIL, 2012, p. 91).

Assim, do número total de alunos por turma, selecionamos dez por cento através de

uma escolha aleatória: os alunos foram numerados e esses números foram depositados em

uma urna, após o que realizou-se um sorteio, extraindo a porcentagem prevista neste projeto.

Em alguns casos, o aluno sorteado se recusou a participar da pesquisa e o sorteio continuou

até termos conseguido o número de alunos almejado.

5.4. O trabalho de campo

Após essa definição, o próximo passo seria ir a campo. No entanto, esse passo não

aconteceu como o previsto. Cabe mencionar algumas passagens que contribuíram para o perfil

assumido pelo pesquisador ao longo do processo. Inicialmente, tentamos contato via telefone

com os gestores escolares. Não obtivemos sucesso. Os dirigentes ou os coordenadores e

demais funcionários administrativos já sinalizavam que não tinham interesse em participar do

estudo. Alguns ainda nos convidavam a conhecer a escola para que nos convencêssemos de

que nem docentes e nem discentes tinham interesse e nem condições de participar de uma

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pesquisa “tão complexa” quanto a nossa. Diante de tanta recusa, decidimos mudar de

estratégia e fomos pessoalmente dialogar com as escolas. De maio a julho de 2014, as visitas

não passaram das portarias das escolas escolhidas, pois, segundo os seguranças, não havia

nem gestores, nem docentes e nem discentes no espaço escolar. As justificativas foram greves

de ônibus, proximidade dos festejos juninos, recesso escolar, a realização da Copa do Mundo

(Salvador foi uma das cidades sede do evento, em 2014), afastamento para tratamento de

saúde por parte do dirigente escolar, dentre outros.

Após o recesso, mais precisamente em 15 de julho de 2014, é que adentramos o espaço

de duas escolas. Na primeira, fomos recebidos pelo diretor, que condicionou a participação de

sua escola na pesquisa à aceitação por parte de algum docente. Após várias tentativas, um mês

depois, uma professora aceitou. Nesta escola, o trabalho de visitas e observações

compreendeu os meses de maio a novembro de 2014. Após esse período, a docente desistiu de

sua participação. Isso se deu em função do seu contato com o roteiro de entrevista, solicitado

por ela, para se “familiarizar” com as perguntas. Alegou que não concordava com aquele tipo

de abordagem (segundo suas palavras, “coisa do PT”), embora já estivesse desde o mês de

agosto com uma cópia de todo o projeto em mãos.

Na segunda escola (Heurisgleides Ferreira), o adentrar também durou os mesmos dois

meses, pelas razões já descritas. A coordenadora da escola se sensibilizou com o trabalho, mas

nos preveniu de que seria árduo conseguir que os professores aceitassem participar da

pesquisa. Por outro lado, o grupo de gestores da escola se mostrou disposto a colaborar com o

que fosse possível para que a sua escola pudesse ser ouvida na investigação. Nesse espaço, as

visitas compreenderam o período de maio de 2014 até março de 2016. As observações das

aulas compreenderam o período de agosto a dezembro de 2014. As entrevistas ocorreram no

mês de dezembro de 2014 em dias e horários marcados antecipadamente com os docentes e

discentes, de acordo às suas disponibilidades.

Após a desistência da primeira escola, criou-se um grande problema para a

investigação, pois a desistência daquela professora estava legalmente amparada, apesar do

TCLE assinado pela direção da escola, pela resolução MS/CNS 466/2012. Ainda fomos

convidados pela direção a aguardar o ano seguinte para que o trabalho pudesse ser

apresentado a outro professor. Dias depois, a mesma direção nos comunicou que a escola não

teria mais interesse em participar desta pesquisa. Voltamos a buscar outra instituição e

novamente abundaram argumentos contrários. O principal era o final do ano letivo, pois já

estávamos nos fins de novembro de 2014. Tanto pessoalmente quanto por telefone fomos

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descartados por outras escolas. Em uma delas, uma gestora nos disse que a sua professora

(única) de Português “era extremamente tradicional e só dava aulas de Gramática”; em outra,

ouvimos: “o que você quer aqui? Não tá vindo mais nem aluno nem professor. Isso aqui é

perigoso, não venha para cá, não”. Outras simplesmente se negavam e não entravam em

detalhes para justificar a negativa. Em outras, ninguém atendia ao chamado.

Quando cogitávamos ir para outra cidade baiana, uma vice-diretora de uma escola nos

telefonou, pois havíamos deixado nossos contatos com um funcionário em momento anterior.

Pediu-nos que fôssemos até lá para explicar do que se tratava a pesquisa. Ao chegar, fomos

recebidos pela direção que, embora sensibilizada com a situação, condicionou a participação

de sua escola à aceitação por parte dos professores. Uma professora, antes de saber do que se

tratava, ao ser apresentada, já garantiu sua participação. Uma segunda professora disse que

não poderia participar naquele ano, mas que no ano seguinte participaria. Outras duas

professoras contatadas pela direção e pela coordenação da escola disseram que não tinham

interesse. E assim ficou estabelecido: uma professora teve suas aulas observadas no mês de

dezembro de 2014 e a segunda, de junho a julho de 2015. As visitas foram realizadas de

novembro de 2014 a março de 2016. As entrevistas foram realizadas de acordo à

disponibilidade das docentes e dos discentes, nos meses de dezembro de 2014 para a primeira

professora e os seus alunos, e no mês de julho para a segunda professora e seus alunos. Após a

entrada desta escola na pesquisa, passamos a chamá-la de Escola Renailda Sousa.

5.5. Coleta de dados

Após a seleção das escolas, a definição do tipo de amostragem indicado para esta

pesquisa e após nos familiarizarmos com o contexto investigado, o próximo passo era a coleta

de dados. Como técnica de coleta de dados, utilizamos a Observação, a Pesquisa documental e

a Entrevista. Salientamos que, embora o instrumento “Questionário” tenha sido utilizado

durante o processo investigativo, isso não configurou a pesquisa como “documental”. Sua

função foi a de nos fornecer informações das escolas, que não constavam nos PPP, para

descrevermos as estruturas física e humana das instituições participantes da pesquisa.

5.5.1. Observação

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Segundo Gil (2012, p. 100), a Observação é definida como “[...] o uso de sentidos com

vistas a adquirir os conhecimentos necessários para o cotidiano [...] apresenta como principal

vantagem [...] a de que os fatos são percebidos diretamente sem qualquer intermediação”.

Desse modo, a observação se configurou como a primeira técnica de coleta de dados utilizada

nesta pesquisa, entendendo que esta técnica em muito auxiliaria o nosso trabalho.

A Observação como coleta de dados aconteceu em três momentos: nas visitas aos

espaços internos da escola, desde as portarias, passando pelas secretarias, salas de

coordenação, salas de secretarias, cantinas, salas de reprografia, auditórios, bibliotecas, salas

da direção e salas de aula. Nem todos os espaços observados puderam contribuir para o

desenvolvimento da pesquisa. No entanto, como se tratava de uma pesquisa etnográfica,

procuramos não desprezar nenhuma informação que pudesse se tornar um relevante dado para

a nossa investigação.

Por outro lado, as salas de aula se confirmaram como principal espaço para a utilização

da Observação como coleta de dados. Nas quatro turmas participantes da pesquisa, foram

observadas seis aulas de literatura em cada uma delas. Para isso, procuramos confirmar a cada

visita às instituições em quais dias seriam trabalhados os conteúdos de Literatura.

Desse modo, optamos pelo tipo Observação Simples, assim definida por GIL (2012, p.

101):

Por observação simples, entende-se aquela em que o pesquisador,

permanecendo alheio à comunidade, grupo ou situação que pretende estudar,

observa de maneira espontânea os fatos que aí ocorrem. Neste procedimento,

o pesquisador é muito mais um espectador do que um ator.

Por outro lado, o autor destaca as vantagens deste tipo de observação, a qual

consideramos adequada à pesquisa aqui apresentada:

Embora a observação simples possa ser caracterizada como espontânea,

informal, não planificada, coloca-se num plano científico, pois vai além da

simples constatação de fatos. Em qualquer circunstância, exige um mínimo

de controle na obtenção dos dados. Além disso, a coleta de dados por

observação é seguida de um processo de análise e interpretação, o que lhe

confere a sistematização e o controle requeridos dos procedimentos

científicos (GIL, 2012, p. 101).

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A escolha por este tipo de observação se justifica porque tencionávamos observar os

fatos de maneira espontânea. Por outro lado, a utilização da referida técnica exigiu rigoroso

controle na obtenção dos dados para só então chegar a um processo de análise e interpretação

que garantiu a delimitação dos elementos que buscávamos. Em princípio, registramos todos os

movimentos possíveis, os quais poderiam compor um quadro inicial de dados primários.

Assim, desde as primeiras visitas aos estabelecimentos de ensino participantes desta pesquisa,

fichamos as observações que julgávamos relevantes à investigação.

À medida que as visitas e as observações se acumulavam, delimitamos quais itens

deveriam ser observados nas circunstâncias em que se encontravam. Selecionamos os sujeitos

(alunos e professores), o cenário (a escola) e o comportamento coletivo (o contexto), por

entender que daí sairiam as vozes que buscávamos, nesta etapa da coleta de dados, mais

adequadas ao objeto definido.

Quanto ao registro das observações, destacamos dois momentos. No espaço geral,

explicamos a pesquisa aos gestores e coordenadores escolares, oferecemos uma cópia do

projeto e também da Resolução MS/CNS 466/2012. Neste caso, as observações eram

registradas em momento posterior àquele em que o fato acontecia (geralmente na sala dos

professores à qual tinha acesso por autorização dos dirigentes e/ou coordenadores), pois a

dinâmica do espaço escolar, os diálogos com funcionários, a movimentação dos atores não

nos permitiam registrar imediatamente tudo o que fora observado.

Os registros realizados no espaço geral das escolas, exceção das salas de aulas, se

deram em maior quantidade do que nas aulas observadas pois, por diversas vezes, fomos às

escolas para coletar assinaturas de dirigentes, para reuniões com docentes (antes de iniciar as

observações em sala), marcar entrevistas com discentes e docentes, visitar as bibliotecas, para

ter acesso aos documentos escolares etc. Ainda é preciso registrar que, diversas vezes, as

visitas aconteceram mas o seu objetivo não foi alcançado, por ausência do sujeito a quem se

buscava (professores, gestores, coordenadores e alunos). Também destacamos o fato de que o

acesso a documentos como o Projeto Político Pedagógico das escolas necessitou de várias

visitas até, finalmente, estar disponível. No entanto, nenhuma dessas visitas foi em vão. Com

exceção do período inicial, em que não conseguíamos passar da portaria, após as autorizações

dos dirigentes, foi possível realizar observações relevantes em todas as visitas às escolas

selecionadas.

Nas aulas, a escolha pelo tipo de registro se deu após consulta aos docentes e discentes

das turmas observadas. Em princípio, explicamos a pesquisa aos professores e como os dados

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seriam coletados. Foram apresentadas as seguintes formas de observação: anotações,

filmagens e gravações. Todos eles disseram que colaborariam com o que fosse melhor para a

pesquisa, mas não se sentiriam à vontade sendo filmados ou gravados em suas aulas; também

disseram que, se pudessem escolher, prefeririam que fossem feitas apenas anotações, o que foi

devidamente acatado.

Quanto aos alunos, foi realizado o mesmo procedimento: explicação da pesquisa e das

técnicas de coleta de dados. Também os alunos, em sua maioria, não aceitaram ser filmados

ou gravados. Preferiram que as observações fossem registradas sob a forma de anotações.

Também aqui acatamos o posicionamento destes participantes.

Assim, durante todo o processo de observações das aulas, em geral, posicionamo-nos

ao fundo da sala de aula, de modo a não interferir tanto no cotidiano daquele contexto.

Dedicamo-nos a registrar, mentalmente, os acontecimentos. Para não perder o que poderiam

ser importantes dados, anotávamos palavras-chave ou marcadores (por exemplo “alunos

atrasados”, resposta do aluno x”, “escritor Lima Barreto”, “bronca”, “celular”, “alunos de

outras turmas” etc.) para nos lembrarmos quando aquelas observações fossem transformadas

em texto. Fazíamos isso por entender que os participantes poderiam se sentir desconfortáveis

com alguém anotando todos os seus passos, o que comprometeria a naturalidade da

observação. Além disso, se todos os registros fossem anotados durante aquele expediente,

perderíamos, certamente, algum dado importante, uma vez que não conseguiríamos

acompanhar as aulas e registrá-las ao mesmo tempo.

A quantidade de aulas observadas foi determinada a partir do consenso entre

orientador e pesquisador, tendo como base a carga horária semanal da disciplina Língua

Portuguesa e Literatura Brasileira. Após as considerações, decidimo-nos pela observação de

seis aulas de cada docente. Caso necessário fosse, mais observações seriam realizadas. No

ensino médio das escolas públicas estaduais baianas, os alunos têm aulas conjuntamente de

Língua Portuguesa e Literatura Brasileira. Nas escolas selecionadas, são três aulas da

disciplina nas três séries do ensino médio. Portanto, é o professor quem determina a

quantidade de aulas de literatura que os alunos terão durante o ano letivo. Assim, concluímos

as observações nos espaços escolares. Os registros, na íntegra, das observações realizadas

durante as aulas estarão sob posse do pesquisador, de modo a garantir o anonimato dos

professores e dos alunos.

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5.5.2. A Pesquisa documental

A Pesquisa documental “[...] compreende o levantamento de documentos que ainda

não foram utilizados como base de uma pesquisa. Os documentos podem ser encontrados em

arquivos públicos [...] em arquivos de entidades educacionais e/ou científicas [...]

(MEDEIROS, 2010, p. 35)”. A utilização desta técnica de coleta de dados nos auxiliou a

extrair os dados primários dos seguintes documentos escolares: Projeto Político Pedagógico

(PPP) das escolas selecionadas e Planos Curriculares da disciplina Língua Portuguesa e

Literatura Brasileira. Cabe mencionar que, embora se constituam como documento escolar, as

relações de alunos (registros de matrícula) das turmas investigadas foram utilizadas apenas

para extrair a amostragem desta pesquisa.

Do Projeto Político Pedagógico, buscamos o conceito de leitura literária adotado pelos

estabelecimentos de ensino investigados. No entanto não foi possível encontrá-lo, pelo menos

não nesses termos, pois não há qualquer menção aos conceitos ou ações que envolvam

Leitura, Literatura, Livro didático ou Educação literária. Desse modo, foi necessário criar um

quadro com as categorias de análise selecionadas a partir do referencial teórico desta pesquisa

e, a partir delas, as unidades temáticas extraídas dos PPP. Destas unidades, chegamos às

representações que as escolas assumem, aos seus modelos de apropriação e práticas. Somente

a partir daí foi possível inferir qual era o modelo de educação literária adotado pelas escolas.

Isso também nos auxiliou a empreender concepções acerca da construção e da aplicabilidade

do PPP das escolas investigadas.

Dos Planos Curriculares de Disciplinas, especificamente o de Língua Portuguesa e

Literatura Brasileira, extraímos os conteúdos programáticos e as metodologias propostas pelos

docentes para o processo de ensino-aprendizagem daqueles conteúdos aos alunos. Vale

destacar que, dos Planos Curriculares, trabalhamos apenas com os conteúdos de literatura,

uma vez que a disciplina (Língua Portuguesa e Literatura) também contemplava conteúdos de

Gramática da Língua Portuguesa. Isso também nos auxiliou a perceber a relação existente

entre o que postulavam os PPP de cada escola, os Planos Curriculares e a prática docente de

cada professor investigado.

Os Planos Curriculares de disciplinas e os Projetos Político Pedagógicos das escolas

não se encontram anexados a este trabalho, em razão da garantia ao anonimato das escolas e

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dos professores. Porém, como documentos de instituições públicas, poderão ser solicitados ao

pesquisador por quem tiver interesse em conhecê-los.

Além dos documentos elencados acima, consultamos os manuais didáticos trabalhados

pelas professoras durante o período da investigação: Na escola Heurisgleides Ferreira, o

manual Novas Palavras (vol. 2 e 3), de Emília Amaral, Mauro Ferreira, Ricardo Leite e

Severino Antônio (aprovado pelo PNLD 2012, 2013 e 2014) vigorava no ano de 2014 e foi

utilizado pelas duas professoras desta escola (Cleusa Regina e Maria Cecília), as quais

participaram da nossa pesquisa (respectivamente na segunda e na terceira séries do ensino

médio). Na Escola Renailda Sousa, a professora Hilda, em 2014, também utilizava o manual

Novas Palavras (vol. 2) como suporte ao seu trabalho docente, enquanto a professora Betina,

em 2015, já portava outro manual, aprovado pelo PNLD 2015, 2016, 2017: Ser protagonista,

que não apresenta nomes de autores, mas de uma organização, a Edições SM, e um editor

responsável, Rogério de Araújo Ramos.

A consulta aos manuais se justificou, ao longo do percurso, por nos referirmos aos

conteúdos de literatura apresentados nos planos curriculares de disciplinas e também

trabalhados durante as aulas observadas. Uma vez que todas as professoras utilizavam o livro

didático em algum momento de suas aulas, percebemos que era necessário conhecermos os

conteúdos e sua disposição no LD, assim como também foi possível associá-los aos conteúdos

dispostos nos referidos planos de disciplinas.

5.5.3. Entrevista

Prosseguindo com a coleta de dados, chegamos à entrevista. Trata-se de uma técnica

de coleta de dados que prevê a confecção de um roteiro, pois é preciso pensar o modo sobre

como os dados serão coletados. Desse modo, o roteiro serve como um auxílio ao entrevistador

para que as informações requeridas pelo objeto da pesquisa sejam apresentadas pelos

entrevistados. Como embasamento, recorremos ao conceito de Gil (2012, p. 109):

Pode-se definir entrevista como a técnica em que o investigador se apresenta

frente ao investigado e lhe formula perguntas com o objetivo de obtenção

dos dados que interessam à investigação. A entrevista é, portanto, uma forma

de interação social. Mais especificamente, é uma forma de diálogo

assimétrico, em que uma das partes busca coletar dados e a outra se

apresenta como fonte de informação.

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No presente caso, a entrevista se configurou como uma das principais técnicas de

coleta de dados. Pelo processo de “Amostragem aleatória Simples”, selecionamos 10% dos

alunos das quatro turmas envolvidas nesta pesquisa. Ao todo, foram entrevistados quinze

alunos, somando as duas escolas. Além disso, mais quatro docentes, dois de cada escola,

também foram entrevistados.

Quanto ao nível de estruturação das entrevistas, adotamos a “entrevista por pautas”

que, na definição de Gil (2012, p. 112),

[...] apresenta certo grau de estruturação, já que se guia por uma relação de

pontos de interesse que o entrevistador vai explorando ao longo de seu curso.

As pautas devem ser ordenadas e guardar certa relação entre si. O

entrevistador faz poucas perguntas diretas e deixa o entrevistado falar

livremente à medida que se refere às pautas assinaladas. Quando este se

afasta delas, o entrevistador intervém, embora de maneira sutil, para

preservar a espontaneidade do processo.

Em relação à condução da entrevista, elaboramos um roteiro, denominado “Coleta de

informações”, que serviu de guia para o trabalho desenvolvido, além de cálculo do tempo

despendido, local, elaboração das questões adequadas ao léxico dos leitores.

As entrevistas foram realizadas após o último dia de observação em sala de aula. Com

os alunos e com os professores, a data marcada para esta coleta de dados foi definida

anteriormente, em comum acordo com cada um dos entrevistados. Primeiro procuramos

estabelecer uma data para entrevistar todos os alunos de uma turma num mesmo dia; num

segundo dia, nova turma e, desse modo, ficou organizado o cronograma de entrevistas. No

entanto, esse cronograma não foi seguido à risca. Em relação aos alunos, já era sabido que

poderíamos entrevistá-los somente no horário do intervalo (vinte minutos). Nesse tempo, as

escolas ofereciam merendas e, geralmente, o tempo não era suficiente, segundo relato de

alguns.

Portanto, alguns alunos foram entrevistados no intervalo, outros em horários de aulas

vagas, outros em horários em que o docente participante desta pesquisa permitia que os seus

alunos saíssem para serem entrevistados, desde que fosse um por vez. Acrescentem-se ainda

aqueles que não compareciam no dia marcado para a entrevista, fazendo com que o

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pesquisador retornasse em outro momento para propor novo agendamento. Desse modo, o

cronograma foi sofrendo constantes ajustes à medida que ia sendo cumprido.

As questões feitas aos discentes durante a entrevista tinham como objetivo conhecer

melhor o perfil daquele grupo de alunos. Nas observações, esse perfil foi apenas delineado,

pois nem todos os alunos observados foram entrevistados. Também durante as observações

não era possível realizar uma análise mais profunda acerca da participação dos discentes nas

aulas observadas. Desse modo, a entrevista nos auxiliou a construir respostas ao que

precisávamos saber: Qual representação de leitura, de literatura, de práticas de leitura, por

exemplo, seria apresentada durante aquela coleta de dados? Gostavam de ler? O que liam?

Quais os seus gêneros preferidos? Quais as suas concepções acerca do uso do livro didático

por eles próprios e também pelos professores? Por fim, tencionávamos saber se os alunos

estavam cientes dos problemas enfrentados pela educação brasileira sobre a formação de

leitores e das políticas públicas voltadas a esta finalidade.

Quanto aos docentes, o trabalho de entrevistas se deu em dias de Atividade de Classe

(AC). Esses dias estão previstos no calendário escolar anual do Estado da Bahia e são

destinados a atividades de planejamento por parte dos docentes de todas as escolas. Os dias

são definidos por áreas de conhecimento, de acordo ao que é postulado nos Parâmetros

Curriculares Nacionais. A disciplina Língua Portuguesa compõe a área de Linguagens,

Códigos e Suas Tecnologias. O dia da semana destinado a esta área é a quarta-feira. Desse

modo, as entrevistas foram realizadas com os docentes sempre às quartas-feiras, em seus

horários de AC. Vale ressaltar que esse procedimento foi autorizado pelas coordenações e

pelas direções das escolas participantes da pesquisa.

As questões formuladas aos docentes foram elaboradas com o intuito de conhecer a

prática pedagógica daqueles profissionais. Diferente dos alunos, com os professores havia

quatro meios de se formar um pensamento acerca de sua atuação: o Projeto Político

Pedagógico, os Planos Curriculares de Disciplina, as observações e a entrevista. Na entrevista,

tivemos acesso a um pensamento próprio daqueles profissionais, o que seria confrontado com

os outros dados coletados através de outros instrumentos. Aqui, buscávamos conhecer as

concepções do docente sobre literatura, leitura literária, práticas de leitura, ensino de

literatura, uso do livro didático como suporte ao processo de ensino-aprendizagem, realidade

da escola no que tange à formação de leitores e políticas públicas de promoção à leitura no

Brasil.

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O recurso utilizado para registrar as entrevistas foi a gravação. Com base na Resolução

MS/CNS 466/2012, todos os participantes maiores de dezoito anos assinaram o TCLE e se

declararam cientes do procedimento. Quatro participantes eram menores e, por determinação

da referida resolução, o TCLE foi encaminhado aos pais destes alunos para que os mesmos

autorizassem a participação dos seus filhos.

Pelas entrevistas com os docentes foi possível estabelecer comparações entre as suas

concepções ali apresentadas, através das respostas fornecidas, e sua prática em sala de aula.

Em relação aos alunos, a entrevista nos auxiliou a entendermos o seu lugar no contexto

escolar, uma vez que nenhum dos documentos escolares continha sugestões fornecidas por

eles. Também foi possível conceber que ideias os discentes apresentavam sobre “Leitura” e

“Literatura”, por exemplo, assim como suas propostas para a melhoria do ensino de literatura

na escola, e o que pensavam sobre as políticas públicas voltadas à educação no Brasil.

5.6. Análise e interpretação dos dados

Uma vez que os dados primários já estavam todos devidamente registrados, o passo

seguinte foi o de selecionar os que deveriam ser analisados e interpretados à luz do referencial

teórico proposto nesta investigação. As entrevistas e as observações foram transcritas e

digitalizadas; os documentos necessários à pesquisa foram entregues ao pesquisador pelos

gestores e/ou coordenadores escolares e professores. Nessa fase da pesquisa, foi fundamental

o conceito de Gil (2012, p. 156) de “Análise e interpretação”:

Estes dois processos, apesar de conceitualmente distintos, aparecem sempre

estreitamente relacionados. A análise tem como objetivo organizar e

sumariar os dados de forma tal que possibilitem o fornecimento de respostas

ao problema proposto para investigação. Já a interpretação tem como

objetivo a procura do sentido mais amplo das respostas, o que é feito

mediante sua ligação a outros conhecimentos anteriormente obtidos.

Ainda segundo a orientação de Gil (2012), o processo de análise e interpretação dos

dados obtidos nas coletas realizadas foi dividido em etapas: estabelecimento de categorias,

análise e interpretação dos dados.

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5.6.1. Estabelecimento das categorias

Após as observações e registro das aulas de Literatura ministradas nas escolas

selecionadas e as entrevistas com os alunos e professores envolvidos na pesquisa, passamos à

etapa da construção das categorias de análise, pois chegava o momento de transformar os

dados primários (documentos escolares, registro das observações e entrevistas) em dados

secundários. Assim, as concepções das instituições escolares e de seus representantes sobre o

processo de educação literária mediado pelo livro didático foram elaboradas a partir das

seguintes categorias de análise: 1 – Apropriação; 2 – Representação. Tais categorias foram

extraídas do referencial teórico construído a partir do pensamento de Roger Chartier,

identificado como História Cultural. A representação é definida como o lugar (o mundo

social), a posição e os interesses de quem ocupa determinado espaço:

As representações do mundo social [...] embora aspirem à universalidade de

um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos interesses

de grupo que as forjam. Daí, para cada caso, o necessário relacionamento dos

discursos proferidos com a posição de quem os utiliza (CHARTIER, 1988, p.

17).

As “verdades” legitimadoras do livro didático e legitimadas pelos discursos escolares

seriam, desse modo, garantidoras de uma forma escolar e representariam o discurso de um

grupo social, o qual forjaria uma “universalização” de um ensino de leitura literária a ser

disseminado nas instituições escolares de ensino médio, validando uma educação literária com

base em um estereótipo do que seria literatura.

Outro conceito norteador na História Cultural, a Apropriação, é assim definido por

Chartier (1988, p. 27):

A apropriação, tal como a entendemos, tem por objectivo uma história social

das interpretações, remetidas para as suas determinações fundamentais (que

são sociais, institucionais, culturais) e inscritas nas práticas específicas que

as produzem. Conceder deste modo atenção às condições e aos processos,

que muito concretamente, determinam as operações de construção do sentido

(na relação de leitura, mas em muitas outras também) é reconhecer, contra a

antiga história intelectual, que as inteligências não são desencarnadas, e,

contra as correntes de pensamento que postulam o universal, que as

categorias aparentemente mais invariáveis devem ser construídas na

descontinuidade das trajectórias históricas.

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Relacionamos o conceito de Apropriação com o de práticas de leitura, por entender

que eles estão associados ao encontro entre o “mundo do texto” (o que é possível de

apropriação por parte de leitores) e o “mundo do leitor” (que se apropria a partir de práticas de

leitura)21:

Reconstruir em suas dimensões históricas um tal processo exige, em

primeiro lugar, considerar que suas significações dependem das formas e das

circunstâncias por meio das quais os textos são recebidos e apropriados por

seus leitores (ou ouvintes). Estes últimos nunca são confrontados com textos

abstratos, ideais, desligados de qualquer materialidade: eles manipulam

objetos, ouvem palavras cujas modalidades governam a leitura (ou a escuta)

e, ao fazê-lo, comandam a possível compreensão do texto. Contra uma

definição puramente semântica do texto [...] é preciso considerar que as

formas produzem sentido quando mudam os suportes que o propõem à

leitura. Toda história das práticas de leitura é, portanto, necessariamente,

uma história dos objetos escritos e das palavras leitoras (CAVALLO;

CHARTIER, 1998, p. 6).

A aplicabilidade deste conceito e sua associação com o conceito de Apropriação se

realizaria a partir das considerações sobre a leitura. Trata-se de uma “prática encarnada por

gestos, espaços e hábitos” (CAVALLO; CHARTIER, 1998, p. 6). A partir de tal

conscientização seria possível “identificar as disposições específicas que distinguem as

comunidades de leitores, as tradições de leitura, as maneiras de ler” (CAVALLO;

CHARTIER, 1998, p. 6):

Todos aqueles que podem ler os textos não os lêem da mesma forma e, em

cada período, é grande a distância entre os grandes letrados e os menos

hábeis dos leitores. Contrastes, igualmente, entre normas e convenções de

leitura que definem, para cada comunidade de leitores, usos legítimos do

livro, maneiras de ler, instrumentos e processos de interpretação. Contrastes,

enfim, entre as expectativas e os interesses muito diversificados que os

diferentes grupos de leitores investem na prática de leitura. Dessas

determinações que comandam as práticas, dependem as maneiras pelas quais

os textos podem ser lidos, e lidos de formas diferentes por leitores que não

partilham as mesmas técnicas intelectuais, que não mantêm uma mesma

relação com o escrito, que não atribuem nem a mesma significação nem o

mesmo valor a um gesto aparentemente idêntico: ler um texto (CAVALLO;

CHARTIER, 1998, p. 6-7).

Após as definições das categorias de análise, apresentamos a justificativa da sua

aplicabilidade no tratamento dos dados encontrados na investigação: A Representação auxilia

a conhecer o contexto das escolas pesquisadas a partir dos discursos legitimadores, tanto

21 Paul Ricouer, 1985

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daqueles formatados no livro didático e nos documentos oficiais das instituições, quanto nos

“discursos” percebidos através das observações e das entrevistas realizadas. Da Apropriação,

destacamos a necessidade de saber como os alunos e os professores se apropriam dos textos

literários que lhes são oportunizados na sala de aula ou fora dela. Do mesmo modo se dá a

aplicabilidade das práticas de leitura, no sentido de saber quais as práticas adotadas por

professores e alunos para se apropriar de um texto. Daí a relação dessas categorias de análise

com a nossa pesquisa, a partir da identificação de um “grupo escolar” que partilha das

mesmas práticas de leitura (instituídas a partir de um discurso legitimador) para se apropriar

dos textos literários.

A seleção das categorias acima identificadas serviu também para que pudéssemos nos

situar, isto é, compreender qual a responsabilidade em relação ao tratamento dos dados

coletados nesta investigação; afinal estamos lidando com objetos pertencentes a um grupo

social. Definir as referidas categorias nos obrigou a não apenas conhecer a teoria que embasa

esta pesquisa, mas também a relacioná-la ao que foi pesquisado:

As percepções do social não são de forma alguma discursos neutros:

produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a

impor uma autoridade à custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar

um projecto reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas

escolhas e condutas [...]. As lutas de representações têm tanta importância

como as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um

grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção do mundo social, os valores

que são os seus, e o seu domínio (CHARTIER, 1988, p. 17).

No entanto, é preciso ressaltar que, por se tratar de pesquisa etnográfica, estávamos

cientes de que outras categorias poderiam surgir durante o processo investigativo, e daí as

categorias aqui apresentadas, com base no referencial teórico construído, pudessem sofrer

ajustes como exclusão, substituição ou acréscimo de novas categorias.

Para embasar a análise dos dados coletados na investigação, utilizamos a técnica de

análise de conteúdo, definida por Laurence Bardin (2011, p 115) como “um conjunto de

instrumentos metodológicos cada vez mais sutis em constante aperfeiçoamento, que se

aplicam a ‘discursos’ (conteúdos e continentes) extremamente diversificados”:

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A análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise das

comunicações. Não se trata de um instrumento, mas de um leque de

apetrechos; ou com maior rigor, será um único instrumento, mas marcado

por uma grande disparidade de formas e adaptável a um campo de aplicação

muito vasto: as comunicações (BARDIN, 2011, p. 37).

Dentre as técnicas constantes da análise de conteúdo, selecionamos a “análise de

conteúdo e a análise documental” como norteadoras desta etapa da investigação. A primeira

por ter como objeto final, segundo Bardin (2011, p. 52), a “manipulação de mensagens

(conteúdo e expressão desse documento) para evidenciar os indicadores que permitam inferir

sobre uma outra realidade que não a da mensagem”. A segunda por ter como objetivo a

“representação condensada da informação, para consulta e armazenamento”.

Para tanto, definimos dentre as unidades de análise (Registro e Contexto) aquelas que

mais se adequaram à nossa investigação: Da Unidade de Registro, escolhemos o “Tema”

(aplicado às entrevistas e aos registros das observações) descrito como uma [...] asserção

sobre determinado assunto. Pode ser uma simples sentença (sujeito e predicado), um conjunto

delas ou um parágrafo (FRANCO, 2005, p. 39).

Também aplicamos as unidades de contexto definidas como

[...] o ‘pano de fundo’ que imprime significado às unidades de análise.

Podem ser obtidas mediante o recurso a dados que explicitem a

caracterização dos informantes, suas condições de subsistência, a

especificidade de suas inserções em grupos sociais diversificados: na família

de origem, no mercado de trabalho, em Instituições consagradas e

reconhecidas [...] (FRANCO, 2005, p. 43).

O “pano de fundo”, como unidade de contexto, auxiliou a interpretação das

informações obtidas através da coleta de dados, considerando o contexto dos participantes

desta pesquisa. Assim, os espaços escolares foram visitados e observados, as aulas foram

observadas e os registros destas devidamente realizados, assim como as entrevistas. Todos

esses instrumentos tiveram por base, nesse sentido, nossa preocupação em relacionar todos os

eventos coletados ao espaço social dos envolvidos.

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143

5.6.2. Análise dos dados

Em consonância com o tipo de pesquisa, a Análise Qualitativa foi a mais adequada. De

acordo ao pensamento de Gil (2012), nas pesquisas qualitativas, essa etapa da pesquisa

depende da habilidade do pesquisador em definir os procedimentos da análise, pois não há

regras a seguir, tudo depende do envolvimento do pesquisador com o seu objeto. O referido

autor também menciona, com base nos estudos de Miles e Huberman (1994), três etapas que

podem auxiliar a análise de dados de uma pesquisa qualitativa. Esse procedimento foi seguido

neste trabalho. As etapas são: redução, apresentação (ou exibição) e conclusão/verificação.

Segue-se a definição de cada uma dessas etapas, de acordo com as descrições de GIL (2012,

p. 176-177):

A redução dos dados consiste no processo de seleção e posterior

simplificação dos dados que aparecem nas notas redigidas no trabalho de

campo. Esta etapa envolve a seleção, a focalização, a simplificação, a

abstração e a transformação dos dados originais em sumários organizados de

acordo com os temas ou padrões definidos nos objetivos originais da

pesquisa. [...] A apresentação consiste na organização dos dados

selecionados de forma a possibilitar a análise sistemática das semelhanças e

diferenças e seu inter-relacionamento. [...] A elaboração da conclusão requer

uma revisão para considerar o significado dos dados, suas regularidades,

padrões e explicações. A verificação [...] requer a revisão dos dados tantas

vezes quantas forem necessárias para verificar as conclusões emergentes

(grifos meus).

Com base nos procedimentos acima propostos, realizamos a análise dos dados

coletados. A execução desta etapa da pesquisa se deu da seguinte forma: 1 – reunião de todo o

material coletado durante as investigações (os documentos coletados nas escolas, as

transcrições das observações das aulas e das bibliotecas e também as transcrições das

entrevistas realizadas); 2 – estabelecimento de uma “sequência” entre os dados brutos ou

primários para finalmente serem analisados; 3 – aplicação da etapa “redução” nos dados

brutos coletados a fim de obter os dados secundários; 4 – aplicação da etapa “apresentação” a

fim de organizar os dados extraídos na etapa anterior para que pudessem ser, a partir de então,

analisados; 5 – aplicação da etapa “conclusão/verificação” com o objetivo de testar a extração

e o estudo dos dados selecionados e analisados nesta etapa da pesquisa.

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5.6.3. Interpretação dos dados

Segundo GIL (2012, p. 178), a análise e a interpretação estão intimamente ligadas na

pesquisa qualitativa, pois uma não se sustenta sem a outra, uma vez que, ao analisar os dados

de uma pesquisa, o pesquisador necessariamente também interpreta esses dados:

[...] o que se procura na interpretação é a obtenção de um sentido mais amplo

para os dados analisados, o que se faz mediante sua ligação com

conhecimentos disponíveis, derivados principalmente de teorias. [...] Para

interpretar os resultados, o pesquisador precisa ir além da leitura dos dados,

com vistas a integrá-los num universo mais amplo em que poderão ter algum

sentido. Esse universo é o dos fundamentos teóricos da pesquisa e o dos

conhecimentos já acumulados em torno das questões abordadas. Daí a

importância da revisão de literatura, ainda na etapa do planejamento da

pesquisa. Essa bagagem de informações, que contribuiu para o pesquisador

formular e delimitar o problema e construir as hipóteses, é que o auxilia na

etapa de análise e interpretação para conferir significado aos dados.

De acordo com as orientações acima mencionadas, realizamos a análise e a

interpretação dos dados finais da pesquisa em consonância com a revisão de literatura

apresentada ao longo deste estudo. Cabe mencionar que, ainda durante a elaboração dos

instrumentos de coleta de dados, isso já havia sido pensado, pois apesar da dificuldade em

relacionar o suporte teórico com o que era coletado em campo, sabíamos que deveríamos

apresentar um estudo que dialogasse com a revisão de literatura que havíamos realizado.

Desse modo, a interpretação dos dados se realizou em consonância com todas as reflexões

apresentadas nos capítulos teóricos desta investigação.

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VI – ANÁLISE DESCRITIVA E INTERPRETATIVA DOS DADOS A

PARTIR DOS DOCUMENTOS ESCOLARES, DAS OBSERVAÇÕES

SIMPLES E DAS ENTREVISTAS

6.1. Perfil das escolas

A Escola Estadual Heurisgleides Ferreira tem seu grupo gestor formado por uma

diretora e duas vice-diretoras. O corpo docente é formado por cinquenta professores e o corpo

discente, no ano de 2015, contava com aproximadamente mil e duzentos alunos. Também

conta com um coordenador pedagógico, um dentista, dois funcionários que dão suporte à

administração escolar, dez funcionários lotados na secretaria, onze funcionários que atendem

pelos serviços gerais. Possui trinta salas de aula, três salas designadas à administração, uma

sala de professores, uma sala de coordenação de educação física, uma sala de coordenação de

projetos, três laboratórios, um gabinete odontológico, uma biblioteca, um anfiteatro, duas

quadras esportivas, uma sala de grêmio estudantil, uma mecanografia, uma copa, uma cozinha

escolar, duas portarias, trinta sanitários.

Quanto à modalidade de ensino, a escola trabalha com o Ensino Médio Regular, no

turno matutino; o vespertino atende à modalidade dependência escolar para os alunos que não

obtiveram aprovação em todas as disciplinas na série anterior. Também desenvolve projetos

de leitura e/ou pedagógicos e em parceria com universidades. Em relação aos espaços

escolares, descrevo a seguir o que foi observado. Em primeiro lugar, destaco as salas de aula:

durante a coleta de dados, tive contato com duas salas de aula, as quais contavam com duas

janelas laterais, uma TV pen-drive, dois ventiladores, carteiras novas, mas apresentando

manchas e escritos, e capacidade para aproximadamente trinta alunos.

O segundo espaço destacado é a biblioteca. Não possuía funcionários e nem

bibliotecário, portanto ficava fechada. Segundo a diretora, os funcionários designados para

aquela função não se adequavam ao local, alegavam problemas de saúde e pediam licença ou

transferência para outra instituição. Por isso, sempre que um aluno ou um professor necessite

de algum exemplar, um funcionário da escola fica responsável por mediar o processo, mas

não há um registro oficial de empréstimos, uma vez que o funcionário destacado para realizar

tal missão está lotado em outro setor da escola. Pudemos comprovar isso quando solicitamos

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permissão para conhecer o referido espaço, subdividido em duas seções. A quantidade de

Enciclopédias e dicionários distribuídos nas estantes da primeira seção chamava a atenção.

Como não havia registro dos exemplares, tivemos de contá-los. Eram trezentos e sessenta e

oito volumes de enciclopédias, datados de 1949 a 2006, e setenta e oito dicionários. Na

segunda, os exemplares estavam dispostos em trinta e uma estantes a partir das áreas do

conhecimento, contando com números de registros. Começava pelo número 100 e ia até 1031.

A primeira área do conhecimento era “Filosofia” e ia de 100 a 149; “Psicologia” de 150 a 199;

“Religião” de 200 a 299; “Ciências Sociais” de 300 a 309; “Estatística” de 310 a 329;

“Economia” de 330 a 339; “Direito” de 340 a 349; “Administração pública” de 350 a 369;

“Educação” de 370 a 375; “Educação sexual” de 376 a 414; “Gramática” de 415 a 419;

“Língua inglesa” de 420 a 439; Língua francesa” de 440 a 449; “Língua italiana” de 450 a

459; “Língua espanhola” de 460 a 468; “Língua Portuguesa” de 469 a 509; “Matemática” de

510 a 529; “Física” de 530 a 539; “Química” de 540 a 549; “Ciências da terra” 550;

“Geologia” de 551 a 573; “Biologia” de 574 a 578; “Ecologia” de 579 a 580; “Botânica” de

581 a 590; “Zoologia” de 591 a 609; “Ciências Médicas” 610; “Anatomia humana” de 611 a

629; “Agricultura” de 630 a 656; “Contabilidade” 657; “Administração geral” 658;

“Publicidade e Marketing” de 659 a 738; “Artes plásticas” 739; “Desenho e artes decorativas”

de 740 a 779; “Música” de 780 a 789; “Artes recreativas” de 790 a 807; “Romances” de 808 a

868; “História e crítica literária” de 809 a 860; “Poesia” 861; “Teatro” de 862 a 909;

“Geografia geral” de 910 a 917; “Geografia do Brasil” 918 e 919; “Biografia” de 920 a 929;

“História Geral” de 930 a 980; “História do Brasil” de 981 a 1031.

Além dos títulos catalogados, a biblioteca ainda comportava um quadro de avisos, oito

mesas para consultas, cada uma com quatro cadeiras, um cesto de lixo, uma mesa ocupada

com vários livros didáticos, três armários fechados (abertos a pedido do pesquisador pelo

funcionário que o acompanhava); o primeiro continha vários títulos que não estavam

catalogados. Segundo o funcionário, os livros vinham do FNDE e, como não havia

responsável pelo setor para catalogá-los, ficavam guardados até que alguém fosse designado

para realizar aquela função. Os títulos eram: Memórias do cárcere, de Graciliano Ramos, A

estrutura da bolha de sabão, de Lygia Fagundes Telles; Incidente em Antares, de Érico

Veríssimo; Coleção Melhores crônicas, de Manuel Bandeira; A morena da estação, de

Ignácio de Loyola Brandão; Lavoura arcaica, de Raduan Nassar e Éramos seis, de Maria José

Dupré. O segundo continha livros, catálogos, revistas e papéis diversos. O terceiro continha

catálogos para pesquisas com temáticas diversas: AIDS, Arquitetura, Arte, Artes plásticas,

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Biografia, Cinema, Drogas, Ecologia, Folclore, História, Fotografia, Música, História de

Salvador, Violência, Saúde e Teatro. Também havia revistas Istoé, Manequim, Elle, Minuto,

Casa e Construção dispostas em uma mesa.

Quanto às nossas impressões iniciais em relação à escola, constatamos que na

biblioteca, além da quantidade de enciclopédias e dicionários, não houve preocupação em

adquirir os títulos em conformidade com a modalidade de ensino oferecida pela instituição.

Por exemplo, de todos os exemplares, as áreas mais contempladas no acervo eram “Religião”,

com cem títulos, e “Publicidade e Marketing”, com setenta e nove títulos – áreas que não

constam no currículo da escola. Ainda no início das visitas foi possível observar um constante

barulho provocado pelos alunos dentro e fora das salas de aula em todos os momentos.

Pudemos perceber, enquanto aguardávamos atendimento pela direção ou pela regente da

turma observada, algumas particularidades dos atores daqueles espaços. No ano de 2014, às

vésperas das eleições presidenciais, os ânimos se exaltavam entre os professores na defesa dos

seus candidatos. Entre os alunos isso também ocorria, mas com menos empolgação do que

com os docentes. Além disso, embora houvesse funcionários presentes nos corredores, sempre

havia estudantes circulando nesses espaços, provocando barulho e entrando em salas de aulas

às quais não pertenciam (isso era frequente nas salas observadas para esta pesquisa).

A escola Estadual Renailda Sousa tem sua equipe gestora formada por quatro

membros: um diretor e três vice-diretoras. O corpo docente é formado por sessenta e seis

professores; o corpo discente contava, em 2015, com oitocentos e quarenta e dois alunos no

turno matutino, duzentos e dezenove no vespertino e quatrocentos e trinta no noturno,

totalizando mil quatrocentos e noventa e um alunos. Também conta com duas coordenadoras

pedagógicas, um funcionário de apoio à administração escolar, duas funcionárias lotadas na

biblioteca (embora não sejam bibliotecárias), quinze funcionários lotados na secretaria,

dezoito funcionários que respondem pelos serviços gerais. Possui vinte e quatro salas de aula,

uma sala de professores, uma sala de coordenação escolar, gabinete da direção, uma

biblioteca, um auditório (sem funcionamento), uma mecanografia, uma copa, uma cozinha

escolar, portaria e sanitários (não foi informada a quantidade).

Quanto à modalidade de ensino, a escola trabalha com o Ensino Médio Regular, nos

turnos matutino, vespertino e noturno. Não desenvolve projetos de leitura e participa apenas

de um projeto pedagógico. Em relação aos espaços escolares, descrevemos a seguir a

experiência ao adentrá-los a fim de coletar informações que julgávamos relevantes à pesquisa.

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As salas de aula contavam com uma lousa, dois ventiladores de teto, uma TV pen-

drive, duas janelas laterais, mesa para o professor e carteiras para os alunos. A biblioteca

funcionava nos turnos matutino e vespertino. Era uma sala subdividida em dois espaços. A

parte maior preenchida por dezesseis estantes, seis mesas para leitura com quatro assentos

cada. A outra parte era reservada às funcionárias do setor. Neste mesmo espaço havia oito

suportes para livros fixados na parede e um armário. A funcionária do setor apresentou o

espaço, explicou como organizou as estantes, distribuições dos exemplares e as mesas para

consultas. Revelou que não possuía formação em biblioteconomia e não recebera treinamento

para executar aquela função. Mostrou-nos um catálogo dos exemplares ali contidos,

preenchido à caneta, criado por sua própria iniciativa. Do mesmo modo, criou uma carteira de

alunos e professores, de modo que pudesse controlar a entrada e saída de livros quando esses

usuários necessitassem tomar algum livro emprestado.

Os exemplares eram catalogados manualmente e não havia um número preciso em

relação à quantidade dos títulos constantes do acervo. No entanto, a atendente garantiu que

todos estavam catalogados. Assim, contamos, pelo disposto no catálogo, novecentos e oitenta

e três títulos. As estantes não estavam numeradas; havia apenas algumas marcações

imprecisas em relação aos títulos e, talvez por isso, era a própria funcionária que localizava os

livros quando solicitados por algum usuário. Desse modo, havia indicações como

“Literatura”, “Literatura Brasileira”, “Literaturas diversas”, “Personagens da nossa história”,

“Português”, dentre outras. Como não havia separação rigorosa dos títulos, detivemo-nos

apenas aos que se relacionavam às Letras e à Educação.

Pela disposição dos títulos, percebemos que o critério para separar e alocar os livros

partiu da própria funcionária, pois na seção “Literatura” constavam os títulos As visionárias

de Vilma Guimarães Rosa e Folha conta cem anos de cinema, organizado por Amir Labaki;

em “Literatura Brasileira” havia Orlando, de Virgínia Wolf; em uma seção chamada

“Literaturas diversas”, encontramos Incidente em Antares, de Érico Veríssimo. Em outra

seção com o mesmo título, contamos noventa e quatro exemplares, embora nem todos fossem

de literaturas. Havia três livros de poesia e dois romances; os demais eram de Economia,

Educação de Jovens e adultos, Psicologia, Geografia e alguns catálogos. Outras duas seções

chamadas “Literaturas diversas” também apresentavam as mesmas características. Uma delas

continha setenta e cinco livros. Destes, apenas um se aproximava do título da seção: Guia

prático de análise literária, de Massaud Moisés. A outra seção possuía setenta e um

exemplares e somente um livro apresentava alguma relação com a descrição da seção:

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Estruturalismo e poética, de Tzvetan Todorov. Mais uma seção intitulada

“Literatura/literatura brasileira”, contando com cento e dez títulos, dentre os quais romances

brasileiros e estrangeiros e livros didáticos. Havia também um exemplar do livro História de

Rio Claro (sobre a história do município paulista), de Dilma Andrade de Paula, nesta seção.

Ainda na biblioteca, uma estante armazenava enciclopédias diversas. Outras

continham quinze títulos de Jorge Amado, dezenove de Machado de Assis e dezesseis de

Graciliano Ramos. Em outra estante, nove títulos de José de Alencar e oito de Eça de Queirós.

Uma estante com uma seção intitulada “Personagens da nossa história” era composta por uma

série de volumes Grandes personagens da nossa história, livro que biografa figuras

históricas, tais como Pedro Álvares Cabral, Bento Gonçalves, José de Alencar, Dom Pedro I,

Princesa Isabel, Machado de Assis, Mário de Andrade, dentre outros. Havia também uma

cópia de O Cortiço, de Aluísio Azevedo e quinze exemplares de Literatura infanto-juvenil.

Em outra estante, uma seção chamada “Português” continha livros didáticos antigos,

gramáticas, duas publicações de O Estadão, totalizando setenta e oito títulos. Mais três

estantes continham mais enciclopédias e dicionários, totalizando duzentos e cinquenta e cinco

volumes.

Na parte menor do setor, havia cento e sessenta e oito títulos. O critério utilizado para

alocá-los naquele espaço foi justificado pela funcionária a partir da importância, da qualidade

e do estado daqueles exemplares segundo seu próprio julgamento. Para ela, misturá-los aos

demais seria um “crime”, pois as pessoas não teriam cuidado para manuseá-los e poderiam até

mesmo não devolvê-los ao setor. Ali, ao seu lado, eles estariam mais “seguros”. Os títulos se

diferenciavam dos demais. Havia títulos de Arquitetura, Direitos Humanos, Inclusão escolar e

Psicologia. Também títulos de História literária, como História concisa da literatura

brasileira, de Alfredo Bosi, e Formação da literatura brasileira, de Antonio Candido, e sobre

Educação, como Português no ensino médio e formação do professor, organizado por Clécio

Bunzen e Márcia Mendonça.

Enquanto examinávamos os exemplares, a funcionária foi revelando alguns detalhes a

respeito da dinâmica daquele setor. Em sua análise, os maiores frequentadores eram os alunos,

embora os objetivos que os levavam ali não fossem relacionados às atividades escolares. De

acordo com ela, poucos ainda pediam romances emprestados e uma quantidade menor (que

não soube precisar) lia na biblioteca mesmo. A maioria dos alunos frequentadores ia para

jogar, brincar, usar a internet dos seus próprios aparelhos, dentre outros interesses. Quanto aos

professores, um número mínimo procurava a biblioteca. Na maioria das vezes buscavam

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apenas livros didáticos para usarem em suas aulas. E um ou outro professor tomava

emprestados alguns títulos, como romances, e se esqueciam de devolvê-los.

Em relação aos títulos dos livros e sua relação com a modalidade de ensino adotada

pela instituição, prevalece, embora os próprios alunos já utilizem novas tecnologias, uma ideia

de ensino enciclopédico, diante da quantidade de enciclopédias e dicionários na biblioteca.

Quanto à dinâmica dessa escola, percebemos uma considerável diferença em relação à

primeira. Os alunos faziam pouco barulho, tanto nas salas quanto fora delas. Em verdade,

poucos alunos circulavam em horários de aula, pois sempre havia um funcionário percorrendo

os corredores e controlando a permanência das pessoas nesses espaços. Em alguns momentos,

até mesmo os gestores andavam por esses espaços, inclusive na hora do intervalo. Também

percebemos que os alunos não podiam entrar no colégio após o tempo de tolerância estipulado

e não havia reclamações em relação à falta de professores.

6.2. O projeto político-pedagógico

Começamos a análise e interpretação de dados a partir do Projeto Político Pedagógico

(PPP) das escolas participantes da nossa pesquisa. A escolha para iniciar a narrativa pelo PPP

se justifica por ser ele o principal documento das instituições de ensino. Trata-se de um

documento previsto na LDB 9394/96, cuja finalidade é de direcionar o planejamento geral das

escolas públicas brasileiras. Foi através desse documento que conseguimos traçar um perfil

das referidas instituições.

Tanto a Escola Heurisgleides Ferreira quanto a Escola Renailda Sousa tiveram

dificuldades em nos apresentar o seu PPP. Foi o último documento a ser entregue, em quase

dois anos de visita àquelas instituições. As alegações variavam desde a recusa dos professores

em participar da construção do projeto às reclamações dos poucos participantes em relação à

exigência dos prazos e das diretrizes a serem seguidas para a finalização do referido

documento. Assim, seguem os dados coletados nos PPP de cada uma das escolas de acordo à

Análise de Conteúdo, unidade de registro “tema”, proposta por Franco (2005).

A partir das categorias de análise, surgiram as “unidades temáticas” dos PPP. Essas

unidades temáticas desempenhariam a função de auxiliar a identificação dos dados fornecidos

pelos referidos PPP que eram relevantes para o estudo. Também o processo de seleção,

chamado por Gil (2012) de “redução”, dos dados brutos e transformados em dados

secundários contribuiu para a realização da coleta. Portanto, as unidades temáticas no tocante

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a este instrumento de coleta de dados (pesquisa documental) buscavam uma relação entre as

especificidades dos PPP e o referencial teórico da pesquisa.

Ao prosseguir com a seleção das unidades temáticas, percebemos que o PPP atendia

apenas a uma das categorias de análise: a “representação”. Tanto a escola Heurisgleides

Ferreira quanto a escola Renailda Sousa apresentam nos seus PPP as descrições do

funcionamento geral. Não há menção à organização das aulas, sobretudo às aulas de Língua

Portuguesa e literatura. Por isso, a categoria, “apropriação” não foi contemplada neste

instrumento de coleta de dados.

6.2.1. Descrevendo os dados do PPP da Escola Heurisgleides Ferreira

Segundo a análise documental, a partir do discurso contido no documento, realizamos

neste item diversas considerações sobre o que a Escola Heurisgleides Ferreira apresenta no

seu PPP. O texto é escrito em vinte e nove páginas e o período compreendido pela vigência do

documento é de 2014 a 2019. Inicialmente apresenta uma epígrafe extraída de um dos

pensamentos do educador Paulo Freire, como um elemento norteador do documento: “Ensinar

não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou construção”.

Em seguida, o sumário indica o que é apresentado no referido documento, pela ordem:

Identificação, Histórico, Apresentação, Justificativa, Concepção metodológica, Objetivos

gerais, Objetivos específicos, Planos de ação.

Na busca dos dados necessários à pesquisa e com base no modelo apresentado pelo

PPP, aparecem as unidades temáticas. Criadas a partir do referido documento, essas unidades

respondem ao objetivo específico de pesquisa (Identificar e analisar elementos que emergem

do Projeto Político Pedagógico articulados com valores políticos sociais e morais), a partir da

categoria de análise “representação”. São elas: 1 – Missão; 2 – Visão; 3 – Valores; 4 –

Concepção metodológica; 5 – Currículo. Essas unidades fornecem os dados necessários ao

objetivo acima mencionado. Os dados encontrados estarão sublinhados nos trechos extraídos

do documento original.

A primeira unidade temática é assim definida no PPP:

Missão: Assegurar a formação integral do aluno, desenvolvendo as

possibilidades pessoais e profissionais no exercício da cidadania, da

criatividade, da participação coletiva, humanizando as relações e

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contribuindo assim, para desenvolver o cidadão do Século XXI que atende

às exigências da sociedade globalizada do trabalho no seu contexto sócio-

político, econômico e cultural22 (p. 6).

Em seguida, temos a unidade temática Visão:

Visão: 1 - Ser uma instituição de ensino que busca uma formação de

qualidade e competência profissional da sua equipe; 2 - Os alunos

desenvolvam competências e habilidades para se inserirem no mundo do

trabalho, sendo reconhecido pela ética, postura de cidadãos, autonomia

intelectual e posicionamento crítico; 3 - Os professores e funcionários serão

reconhecidos pela competência, organização e compromisso; a equipe

técnico-administrativa pela postura democrática e competência; os pais pelo

envolvimento com a escola e acompanhamento permanente da vida

estudantil dos seus filhos23 (p.6).

Na sequência, os Valores da escola:

Valores: 1 - Qualidade: valorizar a nossa comunidade escolar, buscando

oferecer um trabalho de excelência; 2 - Respeito: respeitar os direitos de

todos na preservação da identidade com uma política de igualdade e de

oportunidades para todos; 3 - Participação e parcerias: reconhecer a

importância do trabalho em equipe para o desenvolvimento de um trabalho

de qualidade e interdisciplinar24 (p. 6-7).

A unidade temática Concepção metodológica apresenta uma série de informações que

nos ajudam a ampliar a nossa visão a respeito da identidade da escola Heurisgleides Ferreira.

Portanto, no tratamento desta unidade, optamos por discutir as informações extraídas a partir

de tópicos nos quais identificamos os dados, seguindo a cronologia do documento original.

Concepção metodológica: 1- No mundo contemporâneo urge uma

educação muito mais voltada para a transformação social do que para a

transmissão cultural, pois acreditamos que a pedagogia da práxis, como

uma pedagogia transformadora, em suas várias manifestações pode oferecer

um referencial geral mais seguro do que as pedagogias centradas na

transmissão cultural25 (p. 10).

A segunda concepção metodológica está centrada na prática educativa.

22 Projeto Político-pedagógico da Escola Heurisgleides Ferreira 23Projeto Político-pedagógico da Escola Heurisgleides Ferreira 24Projeto Político-pedagógico da Escola Heurisgleides Ferreira 25Projeto Político-pedagógico da Escola Heurisgleides Ferreira

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Concepção metodológica: 2 - Vivemos a era da informação em que

predomina mais a difusão de dados e informações e não de conhecimentos,

o que ocorre devido às novas tecnologias que estocam o conhecimento, de

forma prática e acessível a todos, permitindo a pesquisa e o acesso mais

fácil pela internet. A época em que vivemos requer novas concepções e

práticas educativas que viabilizem um currículo contextualizado que

incorpore o mundo do trabalho, as vivências, as experiências e a cultura dos

educandos. Portanto, a educação, a cultura e o trabalho integram-se como

dimensões basilares para aquisição e produção do conhecimento (p. 10).

A terceira concepção metodológica evidencia o compromisso da escola em assumir

uma visão sociointeracionista em suas práticas pedagógicas:

Concepção metodológica: 3- Na prática, temos como base uma visão sócio

interacionista que aponta o conhecimento como uma construção que se

realiza na interação como o objeto de conhecimento (saber formal e

informal), como meio físico e social, através dos desafios e busca de

soluções. É uma concepção metodológica que pretende superar a

fragmentação de conteúdos e implementar uma práxis contextualizada

com saberes que se articulam, tendo em vista vivências de aspectos da vida

cidadã26 (p. 10).

A quarta concepção metodológica abrange o papel do professor defendido pela

escola:

Concepção metodológica: 4 - É importante ressaltar que a avaliação está

inserida em todo processo de ensino e de aprendizagem, considerando os

princípios norteadores do currículo: identidade, diversidade, autonomia,

interdisciplinaridade e contextualização e que não se restringe aos aspectos

quantitativos, mas também os qualitativos, o que requer mudanças na

postura. O exercício de sua principal finalidade no processo pedagógico é

assegurar a aprendizagem do aluno, garantindo a construção do

conhecimento de forma que ele seja estimulado a aprender a aprender. O

professor é um agente articulador do processo de construção do

conhecimento que possui a função de despertar, provocar e estimular nos

alunos o interesse pelo aprender, sem perder de vista a finalidade do

conhecimento historicamente acumulado27 (p. 11).

A próxima unidade temática – currículo – apresenta a seguinte definição, no PPP:

26Projeto Político-pedagógico da Escola Heurisgleides Ferreira 27Projeto Político-pedagógico da Escola Heurisgleides Ferreira

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Entendemos que um currículo participativo religa as atividades de tal

forma que todos os atores envolvidos no processo trabalhem relacionando

os tópicos constantes de seu projeto pedagógico contextualizado com a sua

realidade e a realidade do aluno, vendo-o como sujeito do processo

educacional, estabelecendo relações desafiadoras e significativas com o

mundo a ser descoberto28 (p. 8).

6.2.2. Descrevendo os dados do PPP da Escola Renailda Sousa

De acordo à análise documental, a partir do discurso contido no PPP, verificamos que

a Escola Renailda Sousa o apresenta com as seguintes informações: o documento é escrito em

quarenta e duas páginas; é assinado pelo grupo gestor, tendo como referência o ano de 2015.

Em seguida, o sumário indica o que é apresentado no referido documento, pela ordem:

Identificação da Escola; Apresentação do Projeto Político Pedagógico; Histórico; da Escola;

Fundamentação Teórica; Fundamentação Teórica e Epistemológica; Concepção Filosófica –

Pedagógica/Fundamentos Éticos Políticos; Fundamentos Didáticos – Pedagógico;

Organização do Ensino; Normas Gerais; Estrutura Organizacional; Do currículo organizado e

Princípios Pedagógicos; Da definição, classificação e relações de estágios; Avaliação e

Acompanhamento do PPP; Referências bibliográficas.

Dentre os itens acima mencionados, a partir do estudo realizado sobre o documento,

selecionamos aqueles que poderiam responder ao nosso objetivo específico de pesquisa

(Identificar e analisar elementos que emergem do Projeto Político Pedagógico articulado com

valores políticos sociais e morais), a partir da categoria de análise “representação”. Esses itens

converter-se-ão em unidades temáticas. São elas: 1 – Objetivo Geral; 2 - Apresentação do

projeto político pedagógico; 3 – Fundamentação teórica e epistemológica; 4 –

Fundamentos didáticos-pedagógicos; 5 – Currículo e princípios pedagógicos; 6 -

Avaliação e acompanhamento do PPP. Os dados encontrados nessas unidades temáticas

estarão sublinhados nos trechos extraídos do documento original.

A primeira unidade temática, Objetivo geral, destaca o compromisso assumido pela

escola diante da sociedade:

O colégio tem, como principal objetivo, educar para superar desafios e

exigências da sociedade, oportunizando, ao estudante, o exercício da

28Projeto Político-pedagógico da Escola Heurisgleides Ferreira

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155

cidadania através da construção do conhecimento crítico contextualizado,

alicerçado na reflexão de seus direitos e deveres29 (p. 4).

A segunda unidade temática – Apresentação do projeto– será dividida em quatro

tópicos, a fim de obedecer a sequência das descrições contidas no documento original. Assim,

apresentamos o primeiro tópico:

Apresentação do projeto: 1 - O trabalho coletivo possibilitou a elaboração

deste Projeto e deverá orientar as novas formas de pensar, de agir, e de

modificar o cotidiano escolar, oportunizando a ação, o diálogo, o

comprometimento e a participação ativa de todos os envolvidos na

sustentação de uma escola construtora do saber. A construção desse saber

deve se dar com justiça social - fonte vital de cidadania-, compartilhamento

de novas experiências e com segurança da proteção na inserção do(a)

cidadão/a no meio social; para isso, o Colégio precisa assumir a sua função

social na possibilidade de formação de indivíduos capazes de desenvolver e

praticar valores como: equidade, tolerância, bem comum, responsabilidade,

justiça, ética e moral, com o intuito de atender aos seus anseios e aos da

sociedade30 (p. 4-5).

O segundo tópico destaca mais um objetivo da escola:

Apresentação do projeto: 2 - A escola, além dos objetivos supracitados,

procura, também, proporcionar aos estudantes a construção de

conhecimentos e valores, respeitando-os como indivíduos ativos da

aprendizagem, como pessoas criadoras de cultura dentro de suas

possibilidades de expressão em diferentes linguagens e atitudes, rumo a

uma nova educação cidadã, consciente do seu papel social, com

compromisso de contribuir na construção de uma sociedade comprometida

com a ética, a solidariedade, a justiça e o respeito às diferenças31 (p. 5).

O terceiro tópico apresenta os objetivos do eixo pedagógico da escola:

Apresentação do projeto: 3 - O eixo pedagógico tem, como objetivo,

promover o desenvolvimento de competências e habilidades básicas, com

ênfase na leitura, interpretação e produção de textos, no desenvolvimento

lógico – matemático, nas várias áreas de conhecimento e atividades

curriculares e extracurriculares32 (p.5).

29Projeto político pedagógico da Escola Renailda Sousa 30Projeto político pedagógico da Escola Renailda Sousa 31Projeto político pedagógico da Escola Renailda Sousa 32Projeto político pedagógico da Escola Renailda Sousa

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156

O quarto tópico descreve a visão de um processo de ensino-aprendizagem defendido

pela escola Renailda Sousa:

Apresentação do projeto: 4 - O Projeto Pedagógico revela como se

processa o ensino –aprendizagem na Escola Renailda Sousa e suas

verdadeiras intenções pedagógicas, na busca de aperfeiçoamento constante

da aprendizagem, visando a uma educação escolar cada vez mais

significativa e contextualizada, capaz de promover a construção e o

desenvolvimento da personalidade humana, autônoma, crítica, solidária e

participativa que nos auxiliem a amenizar os fatores que nos separam

socialmente e culturalmente33 (p. 5-6).

Dividimos em três tópicos a Fundamentação teórica e epistemológica, devido à

quantidade de informações consideradas importantes à construção de possíveis respostas ao

nosso objetivo específico ligado a este instrumento de coleta de dados. Em primeiro lugar,

apresentamos o conceito de educação formulado ou adotado pela escola. A partir deste

conceito é possível inferir que a educação se consolida a partir da “orientação de um

mediador”: Fundamentação teórica e epistemológica: “1- A educação, entre outros

aspectos, é um processo de construção, socialização e apropriação de conhecimentos

através da orientação de um mediador”34 (p. 7).

O segundo tópico apresenta uma visão ou um conceito sobre o papel do educador em

sala de aula e sua função no processo de aprendizagem, sob o ponto de vista da escola

Renailda Ferreira:

Fundamentação teórica e epistemológica: 2- Todo processo de

desenvolvimento da educação, envolve, sempre, reflexões acerca de variadas

teorias. O educador (mediador) tem o papel neste processo de

conhecimento. A tarefa dos educadores é desenvolver, ao máximo,

aptidões, capacidades e habilidades no educando. Neste sentido, o bom

ensino acontece em um processo colaborativo entre educador e educando.

Fica evidenciado o papel do professor como mediador de novos

conhecimentos, através daquilo que o estudante já sabe ou é capaz de

saber com o auxílio de outros. Com esta reflexão, percebemos que o

processo de aprendizagem na educação escolar é colaborativo, resultando da

ação conjunta entre educadores e estudantes35 (p. 7-8).

33Projeto político pedagógico da Escola Renailda Sousa 34Projeto político pedagógico da Escola Renailda Sousa 35Projeto político pedagógico da Escola Renailda Sousa

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Em seguida, o documento define a função da escola, aqui representada no terceiro

tópico da nossa exposição:

Fundamentação teórica e epistemológica: 3- (a) A escola tem, como

função, envolver o estudante no processo de ensino – aprendizagem, seja

de forma direta ou indireta, seja como objetivo de responder às necessidades

e interesses destes. (b) Desta forma, a escola promove uma aprendizagem

significativa, pela qual o estudante se apropria do conhecimento, da

cultura, das habilidades e competências. (c) Por isso, além de oportunidades

diversificadas de contato com a cultura acumulada, o estudante precisa

conhecer sua identidade; isto acontece quando a escola desenvolve o

diálogo com todos os envolvidos no processo educativo e da cidadania36 (p.

8).

A quarta unidade temática, Fundamentos didáticos-pedagógicos, também é dividida

em três tópicos, pelas mesmas razões apresentadas na unidade anterior. O primeiro tópico

apresenta o que seria “uma Escola Democrática”, na visão da Escola Renailda Sousa:

Fundamentos didáticos-pedagógicos: 1 - Esse fundamento tem, por

objetivo, oferecer uma Escola Democrática, cuja educação esteja centrada,

necessariamente, em princípios éticos e democráticos que se realizam, tanto

na vida pessoal como na vida social e profissional, uma educação escolar

em que se percebe as diferenças individuais dos estudantes como cidadãos

que, gradativamente, construam sua autoimagem positiva e crítica; enfim:

uma escola afinada com as questões humanistas e, ao mesmo tempo,

contextualizada com as reais necessidades dos indivíduos e da sociedade37

(p. 15).

O segundo tópico apresenta a visão da escola sobre a prática pedagógica:

Fundamentos didáticos-pedagógicos: 2 - Quanto à prática pedagógica,

esta deverá perseguir objetivos que assegurem uma educação dinâmica,

construtiva, participativa, dialógica e humana, que estimule todos os

envolvidos no processo ensino-aprendizagem e que possibilite um

relacionamento afetivo, criativo e de respeito mútuo, objetivando uma

vivência madura de busca permanente de soluções dos possíveis problemas e

conflitos que emergem no ambiente escolar38 (p. 16).

O terceiro tópico apresenta como a escola trabalha o planejamento escolar:

36Projeto político pedagógico da Escola Renailda Sousa 37 Projeto político pedagógico da Escola Renailda Sousa 38 Projeto político pedagógico da Escola Renailda Sousa

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Fundamentos didáticos-pedagógicos: 3- O planejamento é visto como um

instrumento facilitador, enquanto processo de construção, com o intuito de

intervir e de avaliar o processo educativo, permitindo ao educando

modificar-se e modificar o espaço social no qual convive. Quanto ao

docente, o planejamento deverá permitir-lhe avaliar o processo ensino-

aprendizagem e, também, ser avaliado durante o seu percurso. A

intervenção pedagógica deverá ser fruto de experimentação decorrente de

pesquisas baseadas em conhecimentos científicos, bem como de

conhecimento da cultura popular. Esses conhecimentos são considerados

como mecanismos estimuladores para que o processo ensino-aprendizagem

ocorra de modo inovador, de modo que a experimentação deva ser o

caminho para poder chegar a novas práxis39 (p. 16).

A quinta unidade temática, Currículo e princípios pedagógicos, será dividida em

dois tópicos para que possamos analisar com maior precisão os dados revelados nos trechos

extraídos. No primeiro tópico, o documento justifica a construção do seu currículo a partir da

LDB 9394/96:

Currículo e princípios pedagógicos:1 - O currículo do Colégio é composto

de uma Base Nacional Comum e de uma parte diversificada e é organizado

em atendimento ao que sugere a lei L.D.B., tendo em vista a educação com

o mundo do trabalho e a prática social, bem como a preparação do aluno

para o exercício da cidadania e para o mercado de trabalho40 (p. 37).

No segundo tópico, o documento cita novamente a LDB 9394/96 para justificar os

seus princípios pedagógicos. Também defende um currículo voltado ao desenvolvimento de

competências e habilidades:

Currículo e princípios pedagógicos:2 -O currículo é desenvolvido de

acordo com os princípios pedagógicos estabelecidos na Lei 9394/96, que

prega o seguinte: princípios da Identidade, Diversidade e Autonomia, da

Interdisciplinaridade e da contextualização. Busca-se, também, desenvolver

o currículo voltado para a constituição de competências e habilidades. No

currículo por competência o foco é aprender a aprender, a relacionar o

conhecimento com dados na experiência cotidiana, dando significado ao

aprendido, transpondo e captando o significado do mundo. Desta forma, se

tem uma relação entra a teoria e a prática, onde é possível fundamentar

críticas e argumentações e ainda lidar com o sentimento que a

aprendizagem desperta41 (p. 37).

39 Projeto político pedagógico da Escola Renailda Sousa 40 Projeto político pedagógico da Escola Renailda Sousa 41 Projeto político pedagógico da Escola Renailda Sousa

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159

Embora não se configure uma Unidade temática para a nossa pesquisa, a “Avaliação e

acompanhamento do PPP” aponta mais um conceito adotado pela escola para prática

pedagógica: “Pensar na melhoria da qualidade do ensino da escola pública passa pela

construção de uma práxis pedagógica que leve em conta a realidade dos estudantes e que

estimule o diálogo entre o conhecimento e a sua relação com o mundo e a preparação para o

trabalho”42 (p. 39).

6.2.3. Análise e interpretação dos dados dos PPP das escolas

Após a descrição do que chamamos “dados brutos”, foi possível chegar aos “dados

secundários”, a partir das unidades temáticas fornecidas pelos PPP. Assim, foi possível

entender a importância dos valores sociais, morais e políticos para a construção de uma

representação das escolas pesquisadas a partir dos seus projetos político-pedagógicos. Com

base nas análises realizadas sobre o documento escolar, extraímos os seguintes dados: a -

educação e cidadania; b - prática educativa/prática pedagógica; c - processo de ensino-

aprendizagem e o papel do professor; d - currículo.

a - Educação e cidadania

Quadro 1 - Representação do conceito de Educação e cidadania

Escola Representação

Heurisgleides

Ferreira

1 - Assegurar a formação integral do aluno [...] para desenvolver o

cidadão do Século XXI que atende às exigências da sociedade globalizada

do trabalho.43

Renailda

Sousa

1 - [...] educar para superar desafios e exigências da sociedade,

oportunizando, ao estudante, o exercício da cidadania através da

construção do conhecimento crítico contextualizado [...] bem como a

preparação do aluno para [...] o mercado de trabalho4445.

42Projeto político pedagógico da Escola Renailda Sousa 43Projeto Político-pedagógico da Escola Heurisgleides Ferreira 44Projeto político pedagógico da Escola Renailda Sousa 45 Esse trecho encontra-se originalmente na definição de currículo. Por também se referir à educação e à

cidadania, optamos por apresentá-lo também nesta unidade.

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Optamos por analisar e interpretar os dados extraídos da unidade “educação e

cidadania” conjuntamente, pois percebemos que nos dois PPP há uma ênfase em associar a

formação escolar à formação cidadã. As duas escolas entendem que a educação contribui para

a cidadania dos seus estudantes e afirmam direcionar o processo de ensino-aprendizagem para

esse fim. Também começamos pela unidade acima mencionada porque ela já antecipa como a

as escolas apresentam a relação entre a educação e a cidadania. As duas escolas admitem que

a formação escolar visa uma formação cidadã para atender às exigências da sociedade,

preparando o estudante para o mercado de trabalho.

b – Prática educativa/pedagógica

Quadro 2 – Representação do conceito de Prática educativa/pedagógica:

Escola Representação

Heurisgleides

Ferreira

Vivemos a era da informação em que predomina mais a difusão de dados

e informações e não de conhecimentos, o que ocorre devido às novas

tecnologias que estocam o conhecimento, de forma prática e acessível a

todos, permitindo a pesquisa e o acesso mais fácil pela internet. A época

em que vivemos requer novas concepções e práticas educativas que

viabilizem um currículo contextualizado.46

Renailda

Sousa

1 - Quanto à prática pedagógica, esta deverá perseguir objetivos que

assegurem uma educação dinâmica, construtiva, participativa, dialógica

e humana, que estimule todos os envolvidos no processo ensino-

aprendizagem e que possibilite um relacionamento afetivo, criativo e de

respeito mútuo.

2 - Pensar na melhoria da qualidade do ensino da escola pública passa

pela construção de uma práxis pedagógica que leve em conta a realidade

dos estudantes e que estimule o diálogo entre o conhecimento e a sua

relação com o mundo e a preparação para o trabalho.47

Nesta unidade, as escolas destacamos o conceito de prática educativa ou prática

pedagógica. Para a escola Heurisgleides Ferreira, o momento atual requer “novas práticas

educativas” que dialoguem com o contexto dos estudantes. Além disso, reflete sobre as novas

46Projeto Político-pedagógico da Escola Heurisgleides Ferreira 47Projeto político pedagógico da Escola Renailda Sousa

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tecnologias, as quais “estocam o conhecimento” e permitem o acesso “mais fácil” através da

internet.

Por sua vez, a escola Renailda Sousa defende o seu conceito de prática pedagógica a

partir da relação existente entre os atores escolares. No item 1, Ao defender que a “[...] prática

pedagógica deverá perseguir objetivos que assegurem uma educação dinâmica, construtiva,

participativa, dialógica e humana [...]”, compreendemos que a escola conclama a contribuição

de todos os participantes do contexto escolar a contribuírem com uma educação identificada

com a coletividade, o respeito e a afetividade nas relações entre os sujeitos. No item 2, a

prática pedagógica contempla a capacitação dos estudantes para o trabalho.

c – Processo de ensino-aprendizagem e o papel do professor

Quadro 3 – Representação do processo de ensino-aprendizagem e o papel do professor

Escola Representação

Heurisgleides

Ferreira

O exercício de sua principal finalidade no processo pedagógico é

assegurar a aprendizagem do aluno, garantindo a construção do

conhecimento de forma que ele seja estimulado a aprender a aprender. O

professor é um agente articulador do processo de construção do

conhecimento que possui a função de despertar, provocar e estimular nos

alunos o interesse pelo aprender, sem perder de vista a finalidade do

conhecimento historicamente acumulado.48

Renailda

Sousa

1- A escola tem, como função, envolver o estudante no processo de ensino

– aprendizagem, seja de forma direta ou indireta, seja como objetivo de

responder às necessidades e interesses destes. Desta forma, a escola

promove uma aprendizagem significativa, pela qual o estudante se

apropria do conhecimento, da cultura, das habilidades e competências.

[...] o estudante precisa conhecer sua identidade; isto acontece quando a

escola desenvolve o diálogo com todos os envolvidos no processo

educativo e da cidadania.

2 - A tarefa dos educadores é desenvolver, ao máximo, aptidões,

capacidades e habilidades no educando [...]. Fica evidenciado o papel do

professor como mediador de novos conhecimentos, através daquilo que o

48Projeto Político-pedagógico da Escola Heurisgleides Ferreira

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estudante já sabe ou é capaz de saber com o auxílio de outros. Com esta

reflexão, percebemos que o processo de aprendizagem na educação

escolar é colaborativo, resultando da ação conjunta entre educadores e

estudantes.49

Quanto ao papel do professor, percebemos que as duas escolas descrevem o professor

como um agente articulador (Escola Heurisgleides Ferreira) ou mediador (Escola Renailda

Sousa). Por outro lado, em ambos os casos, o professor deve direcionar as suas práticas para

que os alunos “aprendam a aprender” e partir daquilo que o aluno já conhece para lhe

apresentar novos conhecimentos.

A Escola Renailda Sousa defende que os estudantes sejam envolvidos no processo de

ensino-aprendizagem [...] seja de forma direta ou indireta, seja como objetivo de responder às

necessidades e interesses destes”. Por outro lado, demonstra que o estudante é o foco do seu

processo de ensino-aprendizagem. Isso é visto pela escola como uma “aprendizagem

significativa”, a qual seria responsável pelo conhecimento por parte do aluno de sua própria

identidade.

d – Currículo

Quadro 4 – Representação de Currículo

Escola Representação

Heurisgleides

Ferreira

Entendemos que um currículo participativo religa as atividades de tal

forma que todos os atores envolvidos no processo trabalhem

relacionando os tópicos constantes de seu projeto pedagógico

contextualizado com a sua realidade e a realidade do aluno, vendo-o

como sujeito do processo educacional, estabelecendo relações

desafiadoras e significativas com o mundo a ser descoberto.50

Renailda

Sousa

1 - O currículo do Colégio é composto de uma Base Nacional Comum e de

uma parte diversificada e é organizado em atendimento ao que sugere a lei

L.D.B., tendo em vista a educação com o mundo do trabalho e a prática

social, bem como a preparação do aluno para o exercício da cidadania e

49Projeto político pedagógico da Escola Renailda Sousa 50Projeto Político-pedagógico da Escola Heurisgleides Ferreira

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para o mercado de trabalho.

2 - No currículo por competência o foco é aprender a aprender. [...] Desta

forma, se tem uma relação entra a teoria e a prática, onde é possível

fundamentar críticas e argumentações e ainda lidar com o sentimento que

a aprendizagem desperta.51

As duas escolas participantes desta pesquisa apresentam em seus currículos uma

relação entre educação e cidadania. Essa relação é mencionada nos PPP como essencial para a

formação escolar. No primeiro caso, a escola Heurisgleides Ferreira reafirma que o foco do

seu processo de ensino-aprendizagem é o aluno e que, portanto, o contexto em que está

inserido será crucial para o desenvolvimento das práticas escolares. Por outro lado, afirma que

o contexto escolar também será levado em conta. A escola Renailda Sousa justifica a

construção do seu currículo, a partir da LDB 9394/96. Também registra que visa a relação

entre educação e o mundo do trabalho, de modo a garantir a preparação do aluno para o

“exercício da cidadania e para o mercado de trabalho”.

Após as descrições acima, confirmamos que os documentos em análise não

apresentam nenhuma indicação sobre como o professor deverá trabalhar os conteúdos de suas

disciplinas, sobretudo, Língua Portuguesa e Literatura. Porém, nos ajuda a construir um

corpus a partir da representação do que os referidos documentos definem como educação e

cidadania, prática educativa/pedagógica, processo de ensino-aprendizagem e papel do

professor e currículo.

6.3. Os Planos curriculares de disciplinas

Os planos curriculares de Língua Portuguesa e Literatura brasileira foram cedidos à

nossa pesquisa de formas diferentes nas duas instituições. Enquanto na Escola Heurisgleides

Ferreira foram as docentes que nos entregaram seus planos, na escola Renailda Sousa isso

ficou a cargo da coordenação da escola. São dois planos de cada unidade escolar: dois

referentes à 2ª série e dois referentes à 3ª série do ensino médio. Destes, dois apresentam o

mesmo formato e os outros diferem dos demais. Três apresentam logomarca de jornadas

pedagógicas, sendo um do ano de 2013, um de 2014 e outro de 2015. O quarto não apresenta

logomarca e nem timbre da Secretaria de Educação do Estado. São integrantes de dois planos

51Projeto político pedagógico da Escola Renailda Sousa

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164

os itens Competências, Habilidades/Aspectos cognitivos e Sócio-formativos,

Conhecimentos/conteúdos, Transversalidade/temas geradores, Metodologia e Processo

avaliativo. O terceiro apresenta Competências e Habilidades, Conhecimento/conteúdo,

Transversalidade/diálogos possíveis, Metodologia e Processo avaliativo. O quarto plano

apresenta apenas Competências, Habilidades e Conteúdos.

Ao estudarmos os planos, percebemos que eles nos respondem às nossas duas

categorias de análise: “representação” e “apropriação”, pois constam nos itens exibidos acima

a distribuição das unidades e dos conteúdos e suas relações com outros conhecimentos

complementares, segundo a visão das escolas. Em seguida, as indicações de como esses

conteúdos serão trabalhados durante as aulas, o que se espera dos alunos (competências e

habilidades) a partir da apropriação dos assuntos via leitura de livros ou de atividades

propostas e das aulas expositivas. Também percebemos que há, em três planos curriculares, o

estabelecimento de relações entre a matéria da aula e os temas transversais, isto é, aqueles que

os docentes julgam como complementares ao estudo de um determinado assunto.

Na busca de elementos que respondam ao nosso objetivo específico de “Identificar e

analisar, a partir dos planos de aula, o conceito de literatura adotado pelas escolas

selecionadas para a pesquisa”, percebemos que o livro didático de Língua Portuguesa e

Literatura é o principal articulador do conceito empreendido pelas docentes, a julgar pela

seleção dos conteúdos programáticos. Isso foi possível através da realização de outro objetivo

específico relacionado ao Plano curricular de disciplinas: “Analisar os conteúdos

programáticos de literatura contidos nos planos curriculares de Língua Portuguesa e Literatura

das escolas selecionadas para a pesquisa”. Ao analisarmos os referidos planos curriculares,

deparamo-nos com uma série de informações a partir das quais foi possível empreender um

perfil de cada um dos docentes participantes da nossa pesquisa.

Começamos pelos planos da escola Heurisgleides Ferreira. O plano da segunda e da

terceira série do ensino médio são assinados, respectivamente, pelas professoras Cleusa

Regina e a Maria Cecília. Do plano da professora Cleusa Regina, observamos que, embora a

disciplina tenha o nome de “Língua Portuguesa e Literatura brasileira”, constam apenas

conteúdos referentes à literatura. Como só observamos as aulas de literatura, não podemos

confirmar se a docente segue aquele plano ou o utiliza apenas como um guia passível de

alterações ao longo do curso, ainda que tenha sido aprovado pela coordenação escolar

contemplando apenas a área destacada. Desse plano, extraímos como unidades temáticas os

itens: Habilidades Aspectos cognitivos/Sócio-formativo, Conhecimento/Conteúdos,

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165

Metodologia, Transversalidades/Diálogos possíveis/Tema gerador. O plano da professora

Maria Cecília apresenta apenas as unidades temáticas Competências, Conteúdos e

Habilidades. Neste plano, embora constem conteúdos da Gramática da Língua Portuguesa,

extraímos apenas os que se referem à Literatura, por estarem contemplados no nosso objeto de

estudo.

Quadro 5 – Plano de curso da professora Cleusa Regina

Unidades temáticas Dados encontrados

Habilidades/

Aspectos cognitivos/

Sócio-formativos

Revelar interesse no assunto e interagir com os colegas

Analisar trechos de romances

Elaboração oral das produções textuais

Leitura comentada

Conhecimento/

Conteúdo

Romantismo: poesia

Romantismo: Prosa

Realismo/Naturalismo

Simbolismo/Parnasianismo

Metodologia Aula expositiva

Livros didáticos

Leitura de romances

Sarau poético

Transversalidades/Diálogos

possíveis/Tema gerador

Direitos Humanos

Educação ambiental

Educação especial

Educação das relações ético-raciais (sic)

A unidade Habilidades Aspectos cognitivos/Aspectos sócio-formativos revela quais

habilidades são consideradas necessárias ao processo de ensino-aprendizagem pela professora

Cleusa Regina.

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166

A unidade temática Conhecimento/conteúdo se refere aos conteúdos que devem ser

aprendidos pelos estudantes. A unidade temática Metodologia revela as práticas utilizadas

para viabilizar o aprendizado dos conteúdos propostos. A unidade Transversalidade/

Diálogos possíveis/tema gerador relaciona os dados encontrados às unidades anteriores a

partir de temas transversais.

Pelo exposto, verificamos que o plano da professora Cleusa Regina segue a

organização sequencial do livro didático da segunda série do ensino médio, em relação ao

conteúdo de literatura (Romantismo (poesia e prosa), Realismo, Naturalismo,

Simbolismo). Também evidencia que estes conteúdos são trabalhados a partir do já

mencionado livro didático, de aulas expositivas, leitura de romances e saraus. Esses

conteúdos deverão se relacionar com os temas transversais indicados no planejamento:

Direitos Humanos, Educação ambiental, Educação especial, Educação das relações ético-

raciais (sic). Constroem-se, desse modo, representações de ensino de literatura, através dos

conteúdos e de como são trabalhados, cujo processo de ensino-aprendizagem indica formas de

apropriação através das habilidades que busca desenvolver nos estudantes: Revelar interesse

no assunto e interagir com os colegas, Analisar trechos de romances, Elaboração oral

das produções textuais, Leitura comentada.

Quadro 6 – Plano de curso da professora Maria Cecília

Unidades temáticas Dados encontrados

Competências - Investigação e Compreensão: Recuperar, pelo estudo do texto

literário, as formas instituídas de construção do imaginário

coletivo, o patrimônio representativo da cultura e as

classificações preservadas e divulgadas, no eixo temporal e

espacial.

Unidade Conteúdos Habilidades

I - Revisão geral de: Literatura

Informação, Classicismo, Barroco,

Arcadismo ou Neoclassicismo,

Romantismo, Realismo-Naturalismo,

Parnasianismo e Simbolismo;

- Ler e interpretar textos literários e

não-literários escritos na língua

materna;

- Reconhecer os códigos da linguagem

artística e suas relações com o

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167

Textos: Literários do próprio livro

didático e da atualidade.

contexto histórico;

II - Pré-Modernismo no Brasil

(Euclides da Cunha, Monteiro

Lobato, Augusto dos Anjos, Lima

Barreto);

- As Vanguardas Européias e o

Modernismo no Brasil (Manuel

Bandeira e Mário de Andrade);

- Semana de Arte Moderna (Tarsila

do Amaral, Oswald de Andrade);

Fragmentos de textos literários;

- Ser capaz de articular ideias e

ordenar o pensamento, para

convencer os outros de determinado

argumento;

- Identificar pontos de vista diferentes,

reconhecendo os pressupostos de

cada interpretação;

- Produzir uma linha de argumentação

com base na coleta de informações;

Atuar, de maneira criativa, na melhoria

do mundo em que vivemos.

III - A primeira geração modernista

brasileira;

- O Modernismo em Portugal e a

poesia de Fernando Pessoa;

- A segunda geração modernista

brasileira – poesia;

A segunda geração modernista

brasileira – prosa

- Ler, interpretar textos literários e

não-literários;

- Participar de seminários;

- Ler, interpretar textos da atualidade;

- Organizar trabalhos com os temas

dos autores da referida época

literária;

Desenvolver a capacidade crítica, etc.

IV - A terceira geração modernista

brasileira;

- Tendências contemporâneas da

literatura portuguesa;

Tendências contemporâneas da

literatura brasileira.

- Leitura e Interpretação de Textos

Literários e não-literários;

- Oficina de Leitura:

- Trabalhos direcionados ao ENEM;

Participação de seminários, projetos,

etc.

A unidade Competências foi extraída, na íntegra, dos Parâmetros Curriculares

Nacionais para o ensino médio. Em relação à nossa pesquisa, percebemos que a referida

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unidade propõe conexões entre os objetos de estudo da disciplina (a linguagem, o texto

literário, a Língua Portuguesa) e os discursos de autoridade consagrados por uma narrativa

oficial referentes aos temas trabalhados na escola.

A unidade temática Conteúdo está dividida de acordo às quatro unidades

programáticas empenhadas pela Escola Heurisgleides Ferreira. Em todas elas prevalece a

sequência historiográfica da literatura sugerida pelo livro didático da terceira série do ensino

médio adotado pela escola. Além disso, na primeira unidade programática, a professora

propõe, em seu plano, uma revisão do conteúdo de literatura que vai da Literatura de

informação ao Simbolismo. Nas unidades programáticas seguintes, temos a sequência das

“escolas literárias” brasileiras e também referências ao Modernismo português e às

Tendências contemporâneas da literatura portuguesa, assim como disposto no livro

didático da terceira série do ensino médio adotado pela instituição. Observamos também que,

na primeira unidade temática, a professora propõe o uso de textos literários do próprio livro

didático e da atualidade.

A unidade Habilidade apresenta uma série de tipos, sendo algumas extraídas das

orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais para a reforma do ensino médio52. Ao

relacionarmos os conteúdos às habilidades propostas pela docente, percebemos que, na

unidades programáticas, espera-se que o estudante, a partir dos assuntos propostos,

desenvolva, dentre várias, as habilidades de Ler e interpretar textos literários e não-

literários escritos na língua materna, Reconhecer os códigos da linguagem artística e

suas relações com o contexto histórico, Identificar pontos de vista diferentes,

reconhecendo os pressupostos de cada interpretação, Participar de seminários,

Organizar trabalhos com os temas dos autores da referida época literária, Desenvolver a

capacidade crítica, Oficina de leitura e Trabalhos direcionados ao ENEM .

Conforme a disposição do plano, observamos que o documento em análise foca no

trabalho com os conteúdos referentes à terceira série do ensino médio, a partir da periodização

da literatura brasileira e também da portuguesa. A forma como a professora Maria Cecília

trabalha os conteúdos (da Literatura de informação às tendências da literatura brasileira e

portuguesa), seria responsável por dotar os estudantes de competências as quais

possibilitariam posturas críticas por parte deles no tratamento com o domínio da linguagem,

52Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/politicas-publicas/modalidades/especial-ensino-medio-

425400.shtml>. Acesso em 17/05/2016.

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sob suas várias formas de expressão, bem como, a partir do texto literário, a apropriar-se de

“formas instituídas do imaginário coletivo” do “patrimônio representativo da cultura” e das

“classificações preservadas e divulgadas, no eixo temporal e espacial”. Também a forma

como seriam trabalhados os conteúdos visa desenvolver uma série de habilidades, conforme

destacamos acima.

Na Escola Renailda Sousa, os planos curriculares não são individuais, pois são

assinados por mais de uma docente. Assim, inferimos que, para cada série, há um plano

construído coletivamente por professores que lecionam naquelas turmas. No plano da segunda

série, constam os nomes de três professoras, embora nenhuma delas seja a professora

participante desta pesquisa, o que confirma nossa suposição. No plano da terceira série,

constam os nomes de duas docentes, sendo uma delas, participante da nossa investigação.

Do plano curricular da segunda série, referente à professora Hilda, extraímos como

unidades temáticas os itens: Competências e Habilidades, Conhecimento/ Conteúdos,

Metodologia, Transversalidades/Diálogos possíveis. Do plano curricular da terceira série,

referente à professora Betina, destacamos como unidades temáticas Competências,

Habilidades e Aspectos cognitivos e Sócio-Formativos, Conhecimento/ Conteúdo,

Metodologia, Transversalidades/temas geradores. Os dois planos apresentam conteúdos

tanto da Gramática da Língua Portuguesa quanto da Literatura. Por não estarem contemplados

em nosso objeto de estudo, os conteúdos referentes à Gramática não foram extraídos para

análise e interpretação.

Quadro 7 – Plano de curso da professora Hilda

Unidades

temáticas

Dados encontrados

Competências e

Habilidades

- Compreender, analisar textos informativos e literários

- Ler, interpretar e analisar diversos textos e estabelecer relações

entre o Romantismo e o Realismo/Naturalismo

- Situar o Parnasianismo e entender suas influências

- Situar essas fases literárias e entender suas influências

Conhecimento/ - Texto literário e não literário; Revisão de Arcadismo;

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Conteúdo Romantismo

- Prosa de Ficção; Realismo; Naturalismo

- Parnasianismo

- Simbolismo

Metodologia - As aulas serão ministradas através de exposições do professor

sobre os temas e de debates sobre o conteúdo de textos

selecionados, análises de poemas, exercícios e leitura de textos

do livro didático e de outros materiais que se mostrarem

convenientes combinados nos primeiros dias de aula.

- A segunda unidade comportará pesquisa bibliográfica;

seminário, exposições do professor sobre os temas e de debates

sobre o conteúdo de textos selecionados, análises de poemas,

exercícios e leitura de textos do livro didático e de outros

materiais que se mostrarem convenientes combinados nos

primeiros dias de aula.

Transversalidades/

Diálogos possíveis

- O papel da mulher na sociedade

A unidade temática Competências e Habilidades nos leva a inferir que houve, por

parte da docente, uma preocupação em relacionar os conteúdos programáticos, para serem

trabalhados em suas aulas, às competências e habilidades a serem desenvolvidas pelos alunos

para se apropriarem do que lhes seria apresentado. Ao analisarmos os dados Ler, interpretar

e analisar diversos textos e estabelecer relações entre o Romantismo e o

Realismo/Naturalismo, Situar o Parnasianismo e entender suas influências, Situar essas

fases literárias e entender suas influências constantes na unidade temática em estudo,

percebemos que, os conteúdos serão extraídos dos períodos literários Romantismo,

Realismo, Naturalismo e Parnasianismo, Em relação ao dado – Compreender, analisar

textos informativos e literários, entendemos que o aluno possa apresentar competência para

compreender e analisar o que lê, sem necessariamente associar o texto aos períodos literários

mencionados nos outros dados.

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A unidade Conhecimento/conteúdo revela que os conteúdos programáticos foram

construídos à luz do livro didático da segunda série do ensino médio. Portanto, como já

observamos na unidade temática anterior, trata-se de um processo de ensino-aprendizagem de

literatura inspirado no livro didático, de acordo ao planejamento docente.

A unidade temática Metodologia indica como os conteúdos serão trabalhados. Em

princípio, o documento expõe de que modo serão veiculados os conteúdos programáticos:

aulas expositivas, debates, análises de poemas, exercícios e leitura de textos. Também indica

que serão utilizados outros suportes além do livro didático (outros materiais que se

mostrarem convenientes combinados). A partir da segunda unidade programática, além dos

procedimentos metodológicos já mencionados, são inseridos, também, pesquisa bibliográfica

e seminários para trabalhar os conteúdos.

A unidade Transversalidades/diálogos possíveis relaciona os temas que poderão

dialogar com os conteúdos selecionados no plano. O tema transversal escolhido é O papel da

mulher na sociedade.

Verificamos que o plano da professora Hilda segue a organização sequencial do livro

didático da segunda série do ensino médio adotado por sua escola, em relação ao conteúdo de

literatura (Romantismo, Realismo, Naturalismo, Parnasianismo e Simbolismo). Estes

conteúdos são trabalhados em seu processo de ensino-aprendizagem mediante a exposição da

docente e de debates promovidos em classe sobre o conteúdo dos textos, além do próprio livro

didático. Esses conteúdos deverão se relacionar com o tema transversal indicado no

planejamento: O papel da mulher na sociedade.

Quadro 8 – Plano de curso da professora Betina

Unidades

temáticas

Dados encontrados

Competências

- Utilizar linguagens nos três níveis de competência: interativa,

gramatical e textual

- Ler, interpretar e analisar textos dos diferentes estilos

- Analisar as linguagens como fontes de legitimação de acordos

sociais

- Conhecer os principais traços dos estilos de época estudados

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- Identificar a motivação social dos produtos culturais na sua

perspectiva sincrônica e diacrônica

- Contextualizar e comparar o patrimônio cultural respeitando as

visões de mundo nele implícitas

Habilidades/

Aspectos

cognitivos e

Sócio-Formativos

- Colocar-se como protagonista na produção e recepção de textos

- Emitir juízo sobre as manifestações culturais estudadas

- Aplicar o conhecimento apreendido em situações relevantes

- Associar conteúdos literários a fatos atuais

- Entender, analisar criticamente contextualizando a natureza, o uso

e o impacto das tecnologias de informação na busca do

conhecimento

- Usufruir do patrimônio cultural nacional e internacional

Conhecimento/

Conteúdo

- Revisão do Quinhentismo ao Simbolismo

- Pré-modernismo: Vanguardas europeias

- Modernismo: 1ª fase no Brasil e em Portugal

- 2ª fase: poema

- A prosa regionalista de 30

- 3ª fase do modernismo no Brasil

- Tendências contemporâneas e literatura africana

- Poesia concreta

- Aprofundamento da literatura contemporânea

Metodologia - Leitura crítica de textos de época, levando o aluno a observar a

visão de mundo do escritor.

- Exposição de trabalhos dos alunos

- Leitura e análise de textos, levando o aluno a postura de

observador

- Atividade programada

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- Estudo dirigido

- Aula expositiva

- Painel ilustrativo de aspectos linguísticos e literários

Transversalidades

/Temas geradores

- Ética: respeito mútuo, justiça, diálogo e solidariedade;

- Preservação do meio ambiente;

- Respeito às diversidades;

- Identidade cultural.

A unidade temática Competências é inspirada nos PCN de Língua Portuguesa para o

ensino médio. A primeira competência e a primeira habilidade constam nos parâmetros como

Competências e Habilidades, mas não da forma como apresentadas no documento escolar.

Em relação à análise e interpretação das competências apresentadas, inferimos que a

docente segue as orientações dos PCN e propõe um ensino cuja ênfase seja a contextualização

de linguagens (interativa, gramatical e textual), leitura, interpretação e análise de textos.

Também propõe que o aluno aprenda a relacionar as linguagens aos acordos sociais, conhecer

os estilos de época, identificar a motivação social dos produtos culturais e contextualizar e

comparar o patrimônio cultural.

A primeira competência – Utilizar linguagens nos três níveis de competência:

interativa, gramatical e textual – tem em vista um estudante fluente no uso das formas da

linguagem apresentadas no decorrer do processo de ensino-aprendizagem. A segunda, Ler,

interpretar e analisar textos dos diferentes estilos, amplia a primeira, pressupondo um

sujeito letrado no seu idioma e capacitado a lidar com a diversidade textual ofertada pela

Língua Portuguesa. A terceira, Analisar as linguagens como fontes de legitimação de

acordos sociais, implica o reconhecimento, pelo estudante, dos contratos sociais responsáveis

pela legitimidade do idioma, ou seja, que se aproprie de informações referentes às diversas

manifestações da linguagem e de como os acordos sociais promovem a legitimidade de uma

determinada forma linguística. A quarta, Conhecer os principais traços dos estilos de época

estudados, centra-se no estudo de características de estilos de época ou escolas literárias. Na

quinta, Identificar a motivação social dos produtos culturais na sua perspectiva

sincrônica e diacrônica, e na sexta – Contextualizar e comparar o patrimônio cultural

respeitando as visões de mundo nele implícitas, percebemos uma preocupação com as

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questões culturais (como patrimônio cultural e diversidade social e cultural), que podem ser

trabalhadas a partir dos conteúdos da disciplina através das aulas e dos textos discutidos.

A unidade temática Habilidades/Aspectos cognitivos e Sócio-Formativos revela um

conjunto de habilidades que a professora Betina espera que os seus estudantes desenvolvam.

A primeira habilidade, Colocar-se como protagonista na produção e recepção de textos, é

extraída dos PCN de Língua Portuguesa buscar desenvolver um estudante capaz de

protagonizar o seu processo de ensino-aprendizagem. A segunda, Emitir juízo sobre as

manifestações culturais estudadas, também posiciona o aluno como protagonista ao indicá-

lo como sujeito crítico de temáticas referentes às manifestações culturais. A terceira

habilidade, Aplicar o conhecimento apreendido em situações relevantes, indica que o

estudante deve se tornar hábil a utilizar o que aprendeu em situações propostas pela professora

regente ou por aquilo que a escola julgar relevante. A quarta habilidade, Associar conteúdos

literários a fatos atuais, tanto pode se referir a um sujeito capaz de entender a literatura como

produto social e, como tal, identificar no texto literário elementos que justifiquem tal

associação, ou pode acabar formando um sujeito que, ao menor sinal de identificação do texto

com a realidade, extrapole os limites e os protocolos ficcionais, conforme denominação de

Umberto Eco (2004), e encontre explicação para os fenômenos literários apenas na realidade

em que vive, ao invés de buscá-la, também, no próprio texto.

A quinta habilidade – Entender, analisar criticamente contextualizando a

natureza, o uso e o impacto das tecnologias de informação na busca do conhecimento –

pretende um aluno capaz de utilizar as tecnologias da informação para se apropriar do

conhecimento proposto no processo de ensino-aprendizagem. Significa que, de acordo ao

plano curricular, haverá momentos durante o ano letivo em que se fará uma reflexão a respeito

da temática acima mencionada de modo a preparar o aluno para empregar criticamente as

tecnologias da informação em sua formação escolar. A sexta habilidade, Usufruir do

patrimônio cultural nacional e internacional, não estabelece relação com as propostas

apresentadas pelo plano. Sendo assim, não fica claro de que modo o aluno poderá desenvolver

tal habilidade.

A unidade temática Conteúdos apresenta, assim como os planos analisados

anteriormente, a sequência historiográfica da literatura conforme disposição no livro didático

da terceira série do ensino médio, mas não contempla todos os conteúdos do LD, além de

incluir revisão de estudos das primeira e segunda séries do ensino médio. Os conteúdos

programáticos são, na ordem de apresentação: Revisão do Quinhentismo ao Simbolismo

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(referente à primeira unidade programática); Pré-modernismo: Vanguardas europeias;

Modernismo: 1ª fase no Brasil e em Portugal; 2ª fase: poema (referente à segunda unidade

programática); A prosa regionalista de 30; 3ª fase do modernismo no Brasil; Tendências

contemporâneas e literatura africana (referente à terceira unidade programática); Poesia

concreta, Aprofundamento da literatura contemporânea (referente à quarta unidade

programática).

A unidade temática Metodologia indica como os conteúdos serão viabilizados. De

acordo ao plano, o processo de ensino-aprendizagem será viabilizado a partir dos seguintes

métodos: Leitura crítica de textos de época, levando o aluno a observar a visão de mundo

do escritor; Leitura e análise de textos, levando o aluno à postura de observador;

Atividade programada; Estudo dirigido; Aula expositiva e Painel ilustrativo de aspectos

linguísticos e literários.

A unidade temática Transversalidades/Temas geradores apresenta os seguintes

temas: Ética: respeito mútuo, justiça, diálogo e solidariedade; Preservação do meio

ambiente; Respeito às diversidades e Identidade cultural. Os temas geradores propostos no

plano em estudo estão contemplados nos documentos oficiais e indicam que os conteúdos

trabalhados devem se relacionar com os referidos temas a fim de que os estudantes se formem

cidadãos identificados com esses valores.

6.4. A Observação simples

O instrumento de coleta de dados acima descrito responde, inicialmente, à categoria de

análise “apropriação”, pois se refere ao processo em que o pesquisador realizou as

observações de aulas das professoras participantes desta pesquisa. Esse processo teve como

finalidade entender como seria realizada a prática de cada uma das docentes no tocante ao

ensino da literatura, e a consequente apropriação, por parte dos alunos, dos conteúdos

trabalhados. Foi também a partir desse instrumento que pudemos atender ao nosso objetivo

específico de “analisar o processo de ensino-aprendizagem de Literatura a partir dos registros

realizados durante as observações das aulas”.

Por outro lado, as observações também nos remetem à categoria “representação”, pois,

ao catalogarmos todas as informações decorrentes das aulas observadas, entendemos que ali

havia, mais de um modelo de educação literária. Destacamos dois momentos distintos para

ilustrar nossa observação: o primeiro consiste na ação de duas professoras quando

provocavam os seus alunos a associarem o texto ao contexto e também solicitavam reflexões

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quanto às práticas sociais, a partir do objeto artístico. O outro se reporta à sequência

historiográfica e as explicações de fenômenos literários a partir dos estilos de época ou

escolas literárias, mediante o uso do livro didático. Assim, foi possível perceber uma

representação do ensino de literatura praticado naquelas instituições e responder ao nosso

objetivo específico de “identificar e analisar, a partir das observações das aulas, o conceito de

literatura delineado na prática pedagógica das professoras participantes da pesquisa”.

As observações das aulas aconteceram no ano de 2014, na Escola Heurisgleides

Ferreira, e nos anos de 2014 e 2015 na Escola Renailda Sousa. Conforme mencionado, da

primeira escola, registramos as aulas da professora Cleusa Regina (responsável pela turma da

2ª série do ensino médio) e da professora Maria Cecília (responsável pela turma da 3ª série do

ensino médio). Na segunda escola, observamos as aulas da professora Hilda (docente da turma

da 2ª série do ensino médio), em 2014. As aulas da professora Betina (responsável pela turma

da 3ª série do ensino médio) foram observadas em 2015. De cada docente, foram observadas

seis aulas, conforme descrito na metodologia desta pesquisa.

6.4.1. Observando as aulas

O período em que realizamos as observações das aulas permitiu-nos traçar um perfil

das turmas participantes da nossa pesquisa. Em comum, as quatro turmas tiveram momentos

de interrupção das aulas pelas professoras, por causa do barulho provocado tanto pelos alunos

da sua própria classe quanto por pessoas externas àquele espaço. A professora Cleusa, por

exemplo, em algumas situações, seguia o seu planejamento sem se incomodar com os ruídos,

o que demonstrava já estar habituada àquela situação. As outras professoras repeliam o

barulho interno com reclamações inflamadas. A seguir, destacamos alguns registros

constantes no Relatório de observações, onde demonstramos casos em que os ruídos

aconteciam:

- Um trio de alunos conversava [...]. Outro grupo também conversava sobre assuntos

alheios à aula (Aula da professora Cleusa Regina);

- [...] os alunos provocavam muito barulho, conversando alto demais ou executando

outro tipo de atividade (Aula da professora Maria Cecília).

- [...] as conversas se proliferavam. A professora reprimia com broncas os alunos que

conversavam, mas não adiantava muito (Aula da professora Hilda).

- A professora reclamava do barulho e pedia silêncio para que a aula pudesse

acontecer (Aula da professora Betina).

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Os telefones celulares eram outros provocadores de atritos entre os professores e os

alunos. Com exceção da professora Betina, em cujas aulas não observamos o uso dos

aparelhos pelos alunos, nos demais casos, era constante a sua utilização. A professora Maria

Cecília, durante uma aula, nos revelou que enfrentava graves problemas em suas turmas por

causa desse costume dos seus alunos. Cabe ressaltar que houve casos em que os estudantes

utilizavam o aparelho como suporte, ora para acessar a internet a fim de consultar algum

conteúdo desconhecido no momento da aula, ora para fotografar os cadernos de colegas que

haviam realizado as atividades, e também para fotografar a lousa onde constavam os assuntos

de uma prova, escritos pela professora. Por outro lado, na maioria das vezes, esse “suporte”

servia mesmo era para entreter quem o utilizava. A seguir, apresentamos os registros que

apontam os usos variados dos telefones celulares durante as aulas:

- [...] alunos usavam aparelho celular. Dentre eles, um aluno fazia fotos, uma aluna

conferia a maquiagem e outra ouvia mensagem de voz (Aula da professora Cleusa

Regina);

- [...] outros ouviam músicas e cantavam junto com a música executada, a partir de

um aparelho celular (Aula da professora Cleusa Regina);

- Outros dois alunos [...] passavam a dividir um fone de ouvidos conectados a um

aparelho celular (Aula da professora Cleusa Regina).

- Uma aluna ouvia músicas a partir de um aparelho celular com fones de ouvido [...]

(Aula da professora Maria Cecília);

- Uma aluna ouvia músicas no celular, sem fone de ouvido (Aula da professora Maria

Cecília);

- Alguns alunos acessavam a internet pelo celular para buscar o significado dos

vocábulos por eles desconhecidos; Outros (que não quiseram copiar nos seus próprios

cadernos) faziam fotos dos cadernos dos colegas, nas páginas onde se encontrava a

atividade passada pelo professor (Aula da professora Hilda);

- Outros alunos faziam selfie (Aula da professora Hilda);

- Um aluno tirou foto do quadro, alegando que não iria copiar aquilo. A professora

chamou a atenção desse aluno, alegando que ele deveria copiar no caderno, pois

poderia perder o aparelho e perderia, assim, o assunto da prova (Aula da professora

Hilda).

Já dissemos que não houve casos de uso do aparelho celular pelos alunos nas aulas da

professora Betina. No entanto, durante uma aula em que observávamos, acessamos o nosso

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próprio aparelho por conta de uma situação que envolvia a realização de uma atividade e sua

posterior leitura, por uma aluna:

[...] uma aluna apresentou um poema (“Estrelas”) afirmando ser de autoria do

escritor Euclides da Cunha. A professora questionou a autoria do poema e pediu

cuidado com as pesquisas em sites mentirosos. Eu pedi à aluna o texto que ela

portava, li e, como não o conhecia, pedi licença à professora e acessei a internet do

meu celular para pesquisar a autoria daquele texto. Para nossa surpresa, a autoria do

texto era atribuída a Euclides da Cunha em sites considerados confiáveis como Jornal

da poesia. Comuniquei o fato à professora. Ela admitiu não conhecer o lado poeta do

autor e também não conhecia aquele poema. Seguiu concluindo a sua explicação a

partir de “Os sertões” do mesmo autor. Ao final, pediu que a aluna lesse a sua

atividade e em seguida, falasse sobre o poema lido. A aluna, após o episódio,

agradeceu-me pela interferência, assim como a professora53.

Também registramos, nas quatro turmas observadas, que era prática constante a

interrupção das aulas por pessoas que não faziam parte daquele espaço. Eram alunos de outras

turmas que chegavam para chamar algum amigo que ali se encontrava. Além disso, houve um

caso em que uma funcionária da secretaria de uma das escolas pediu licença para cobrar

documentos que alguns estudantes deviam à instituição. Um caso que merece destaque é o da

professora Cleusa, quando um grupo de alunos solicitou que ela adiantasse a aula em sua

turma, pois estavam com o horário vago. A professora retirou uma atividade (xerox de um

livro didático) da sua bolsa e entregou ao grupo de alunos. Aquela atividade seria a aula de

Língua Portuguesa e Literatura daquela turma, naquele dia.

- Os alunos de outra turma adentraram a sala e pediram que a professora passasse

uma atividade para a turma deles, pois estavam com aula vaga. A professora retirou

uma atividade da bolsa e entregou aos alunos, atendendo àquela solicitação (Aula da

professora Cleusa Regina).

- Uma funcionária da escola entrou na sala, nesse momento, e pediu para que os

alunos respondessem a uma chamada específica: os que deviam documentos à

instituição deveriam se manifestar e, em seguida, procurar a secretaria da escola para

apresentar a documentação devida (Aula da professora Maria Cecília).

53 Relatório de observação da Escola Renailda Sousa

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- Um aluno da escola, mas não daquela turma, chegou à porta da sala e, sem pedir

permissão à professora, chamou outro aluno que se encontrava naquela turma. A

professora não permitiu que o seu aluno saísse e reclamou com o outro (Aula da

professora Hilda);

- Uma aluna de outra turma invadiu a sala e foi expulsa pela professora (Aula da

professora Hilda).

- Alguém chamou um aluno do lado de fora. A professora não permitiu a saída do seu

aluno e fechou a porta da sala (Aula da professora Betina).

A mudança no roteiro das aulas também foi registrada durante o processo de

observação. Em um dia agendado para duas observações na Escola Heurisgleides Ferreira, o

pesquisador passou metade da manhã naquele espaço e não conseguiu coletar os dados nas

turmas que seriam observadas. No primeiro caso, a professora Cleusa passou um filme para os

seus alunos, o que, segundo ela, impossibilitaria o trabalho de observação. Questionamos se o

filme teria alguma relação com o conteúdo disposto no seu planejamento e ela respondeu que

não, mas não revelou o título do filme e nem o objetivo daquela atividade. No segundo caso, a

professora adiantou as aulas e saiu sem que o pesquisador a tivesse encontrado:

Cheguei à escola por volta das 8h10min e fui à procura da professora Cleusa. Ao

encontrá-la, ela me disse que mudara o planejamento. Ao invés de aula de literatura

passaria um filme e, portanto, eu não poderia realizar a observação. Acrescentou que

achava que eu não precisava mais fazer nenhuma observação, pois eu já havia

sentindo como é que funcionava a sua aula. Falei-lhe da natureza etnográfica da

minha pesquisa e que, portanto, precisava realizar mais observações. Ela me pediu

desculpas e me disse que voltasse à escola semana seguinte. Esperei as aulas da outra

professora. Como não chegou ao local onde eu me encontrava no horário do intervalo

e já estava no horário da sua aula, procurei por ela. Uma secretária me informou que

ela adiantara as aulas e fora embora54.

Por fim, mais um fato que destacamos: durante uma das visitas para realizar

observação das aulas, o pesquisador e a professora Hilda chegaram à sala onde dar-se-ia a

referida observação. Porém, a realização da coleta de dados não foi possível naquele dia, pois

a aula não aconteceu:

54 Relatório de observação da Escola Heurisgleides Ferreira

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A professora chegou comigo à sala de aula, cumprimentou os alunos e percebeu que

eles estavam reunidos em grupos formados por cinco ou seis pessoas. Perguntou o que

estava acontecendo e eles disseram estar realizando uma atividade de geografia. A

professora disse que não permitia aquilo, uma vez que não fora acertado nada

anteriormente com o docente daquela disciplina e pediu que eles guardassem o

material. Eles reclamaram e explicaram que só tinham aquele momento para finalizar

a atividade iniciada na aula anterior. A professora, então, concedeu um tempo não

determinado para a finalização do trabalho, apesar de protestar. A aula chegou ao

final e a professora não pode realizar o que havia proposto, apenas escreveu no

quadro o assunto que seria trabalhado naquele dia e passou uma atividade no livro

didático para casa. Tanto eu quanto a professora Hilda ficamos na sala durante o

período que seria da sua aula55.

Os relatos acima descritos não estão relacionados, diretamente, aos nossos objetivos de

pesquisa, mas são cruciais para entendermos como se constroem as práticas docentes e os

processos de apropriação por parte dos estudantes. Ao realizarmos as observações,

percebemos que eram constantes as interrupções. Pelas reações da professora Cleusa e da

professora Maria Cecília e também dos estudantes, percebemos que todos conviviam e

estavam habituados àquela situação. Por isso, tivemos, em alguns momentos, a aula expositiva

ou descritiva (com a professora escrevendo no quadro), os ruídos internos (conversas paralelas

e uso de aparelhos celulares) e o barulho externo (pessoas que interrompiam as aulas por

alguma razão) acontecendo ao mesmo tempo.

Esses fatores estão diretamente relacionados ao processo de ensino-aprendizagem

praticado pelas professoras observadas. Por essa razão, ampliaram a nossa percepção para

além do que buscávamos coletar. E também nos fizeram perceber que o processo de ensino-

aprendizagem empenhado pelas docentes, independentemente do valor agregado, recebia

“contribuições”, ainda que informalmente, tanto dos seus alunos quanto dos alunos de outras

turmas e de pessoas estranhas àquele contexto. Sendo assim, verificamos que todos os ruídos

destacados das observações estão contidos na prática pedagógica e, por isso, contribuíram

para uma ampla e reflexiva coleta de dados, uma vez que não descartamos os registros que

não respondessem, diretamente, aos nossos objetivos específicos. Ao final, concluímos que

55Relatório de observação da Escola Renailda Sousa

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181

não só respondem, por vias indiretas, como amplificam as possibilidades de interpretação

daquelas realidades escolares.

A seguir, apresentamos três quadros identificados com as unidades temáticas criadas, a

partir do relatório de observações, para analisarmos e interpretarmos os dados deste

instrumento de coleta. Para auxiliar a identificação dos dados, nomeamos as referidas

unidades temáticas como: “Usos do livro didático”, “Processo de ensino-aprendizagem” e

“Visões da literatura”.

Quadro 9 – Usos do livro didático

Docentes Dados Encontrados

Cleusa

Regina

1 - A professora entregou aos alunos uma xerox de um livro didático, na qual

constava um fragmento do capítulo “Virgília?” (aulas 1 e 2, em 13/10/2014);

2 - A professora entregou uma atividade para os alunos, no formato de Xerox,

de um livro didático (aulas 3 e 4, em 25/11/2014);

3 - Em seguida, explicou o assunto em linhas gerais e passou uma atividade

contida em uma xerox de livro didático (aulas 5 e 6, em 9/12/2014).

Maria

Cecília

1 - Apenas um aluno estava com o livro em mãos. A professora pediu para

que alguns alunos fossem buscar os livros didáticos da secretaria da escola

(aulas 3 e 4, em 01/12/2014);

2 - A professora [...] perguntou se os alunos estavam com os seus livros

didáticos. Alguns responderam que não e ela pediu que estes se juntassem aos

que haviam levado o referido LD (aulas 5 e 6, em 08/12/2014);

3 - A professora pediu que os alunos abrissem o livro didático no capítulo que

cita o poeta Murilo Mendes e que um deles lesse o que se dizia sobre ele. Um

aluno atendeu à solicitação e efetuou a leitura. A professora, então,

comentou o texto, em seguida (aulas 5 e 6, em 08/12/2014);

4 - Outro aluno assumia a função de continuar a leitura. Após, outra aluna

passou a ler o texto poético “pré-história”, destacado no livro didático. A

professora comentou o texto e o relacionou ao contexto de produção. A aula

seguiu com alunos e alunas lendo as questões de interpretação de texto do

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livro didático (aulas 5 e 6, em 08/12/2014);

5 - O assunto avançou para Cecília Meireles. Ao voltar-se para o texto do

livro didático, percebeu que o poema “Reinvenção” não se encontrava na

íntegra. Pediu que os alunos o procurassem na internet também (aulas 5 e 6,

em 08/12/2014).

Hilda 1 - A professora passou uma atividade no livro didático. Pediu também que

os alunos que estivessem com o livro didático naquele momento se sentassem

próximos a alguém que portasse o manual para que pudessem realizar a

atividade. Em seguida, organizou a turma de modo que todos os alunos

trabalhassem com o LD (aula nº 1, em 3/12/2014);

2 - A professora corrigiu a atividade da aula anterior, utilizando as respostas

fornecidas pelo livro do professor (aulas nº 2 e 3, em 5/12/2014);

3 - Em seguida, passou mais uma atividade constante do livro didático sobre

o Simbolismo no Brasil (aulas 2 e 3, em 5/12/2014);

4 - A professora deu início a uma estudo do poema “nell mezzo del camin” de

Olavo Bilac, constante no livro didático. A professora pediu que os alunos se

revezassem na leitura do texto (aulas 5 e 6, em 12/12/2014);

5 - Perguntou quantos alunos portavam o livro didático naquele momento.

Apenas três alunos disseram que estavam com os LD em mãos (aulas 5 e 6,

em 12/12/2014).

Betina 1 - Passou como atividade para casa uma atividade contida no livro didático

na página 16. A seguir, pediu que os alunos abrissem o livro na página em

que constava o assunto da aula (aula 1, em 10/06/2015);

2 - A professora fez um apanhado geral sobre os principais autores do início

do século XX, no Brasil. Avisou que as atividades do livro didático seriam

sempre às quartas-feiras (aula 2, em 11/06/2015);

3 - A professora explicou passo a passo o que seriam as vanguardas artísticas

europeias, a partir do livro didático [...]. Complementou com outras

informações e pediu que os alunos, após a explicação, lessem cada um dos

textos constantes no referido LD (aula 6, em 16/07/2015);

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A professora Cleusa Regina utilizou os seguintes suportes para apoiar sua prática

docente: o livro didático Novas Palavras (FTD), folhas xerografadas de livro didáticos de

anos anteriores, lousa e aulas expositivas. Durante as observações, registramos que o livro

didático foi utilizado em todas as seis aulas observadas; quando não era o do PNLD vigente,

eram folhas xerografadas de outros livros didáticos oriundos de PNLD anteriores.

As aulas da professora Maria Cecília foram totalmente amparadas no livro didático de

Língua Portuguesa Novas Palavras (FTD), embora tenha anunciado nas duas últimas aulas

observadas que havia preparado um material (não especificou qual seria), e que não ficou

pronto a tempo de ser apresentado à turma naquela data. O livro didático, portanto, foi

utilizado em todas as seis aulas observadas.

Percebemos que o livro didático é tão essencial nas aulas da professora Maria Cecília,

que mesmo quando os alunos não os portavam (alegando que era muito pesado para carregá-

lo), ela remediava a situação, solicitando que os estudantes se dirigissem à secretaria da escola

para buscar alguns exemplares para que, assim, pudessem trabalhar. Em outro momento, ao

perceber que havia uma quantidade considerável de manuais didáticos na turma, pediu que os

alunos formassem grupos para que todos tivessem acesso ao referido LD. Percebendo que

uma aluna não portava o LD, a professora a repeliu. Ao ouvir da estudante que já estava

aprovada e, portanto, não precisava mais trazer o LD para escola, a professora lhe disse que

quanto mais pontos aquela aluna fizesse, mais chance teria de ser aprovada no ENEM.

As aulas da professora Hilda também foram apoiadas, exclusivamente, no livro

didático de Língua Portuguesa Novas Palavras (FTD). Nas seis aulas observadas, a prática

docente foi construída a partir dos fragmentos de textos literários lidos pelos discentes e

comentados pela referida professora; atividades de interpretação de textos também foram

extraídas do mesmo LD. Assim, o processo de ensino-aprendizagem, nesta turma, foi todo

construído a partir do livro didático. Registramos que as contribuições da professora, no

tocante aos esclarecimentos quando os alunos apresentavam dúvidas em relação ao conteúdo,

foram realizadas a partir de consultas ao manual do professor. A exceção se deu pela

explicação de sentido de alguns vocábulos desconhecidos pelos estudantes e uma atividade

sobre o poeta Cruz e Souza, em que ela solicitou que os alunos pesquisassem, além dos livros

didáticos, também, na internet. Mas não explicou como deveria ser realizada essa pesquisa,

apenas disse que se tratava de uma pesquisa sobre o poeta.

Por sua vez, a professora Betina, em suas aulas, utilizou os seguintes suportes: o livro

didático do ano de 2015 (Ser Protagonista, da Edições SM), folhas xerografadas contendo

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recortes de outros livros didáticos, atividades sobre o conteúdo trabalhado, lousa e aulas

expositivas. Pela dinâmica empreendida, entendemos que as aulas dessa docente, embora siga

as orientações do livro didático no tocante à sequência temporal dos temas, não são apoiadas

exclusivamente no referido suporte. Percebemos que a exposição da professora se baseava, na

maioria dos casos, nas leituras prévias que possuía. Como consequência, também percebemos

uma considerável participação por parte dos alunos.

O lugar ocupado pelo livro didático nas aulas foi o de orientar a ordem dos assuntos

trabalhados pela professora Betina. Assim, cada temática explorada coincidia com a sequência

apresentada pelo LD. Também desse suporte foram extraídas imagens, conceitos e atividades.

No entanto, a prática docente não se resumiu à utilização dos recursos acima mencionados,

conforme registramos.

Quadro 10 – Processo de ensino-aprendizagem

Docentes Dados Encontrados

Cleusa

Regina

1 - Após escrever os enunciados da aula no quadro, a professora introduziu

a temática expondo as especificidades da escrita do poeta português.

Destacou a heteronímia e apresentou cada um dos heterônimos de Pessoa

(aulas 1 e 2, em 13/10/2014);

2 - Após uma atividade dirigida aos alunos, copiada no quadro, a professora

pediu que eles registrassem nos cadernos e, em seguida, deveriam responder

as questões propostas sobre literatura brasileira (aulas 1 e 2, em 13/10/2014);

3 - Os alunos, após copiarem as respostas do quadro, levavam os cadernos

até a professora e ela carimbava cada um dos cadernos (aulas 1 e 2, em

13/10/2014);

4 - [...] solicitei o livro fonte da xerox utilizada na aula. A professora me

respondeu que era de um livro didático, mas que, por usá-la há muito tempo,

não se lembrava mais de qual livro era (aulas 1 e 2, em 13/10/2014);

5 – A professora copiou no quadro as respostas da atividade passada em aula

anterior, baseada em um texto extraído da música “Eu sou negão”. Logo

após, escreveu o roteiro da aula daquele dia. Literatura: Simbolismo (aulas

3 e 4, em 25/11/2014);

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6 - A professora seguiu escrevendo no quadro e, ao terminar, passou a

explicar o assunto abordado, a obra de Paul Verlaine. Destacou a relação

afetiva de Verlaine com Rimbaud. Alguns alunos riram, outros não

esboçaram reação mas deram mais atenção ao que era dito pela professora

(aulas 3 e 4, em 25/11/2014);

7 - Enquanto os alunos ainda respondiam a atividade, a professora já copiava

as respostas no quadro. Enquanto copiava, a professora ia explicando as

respostas que fornecia às questões da atividade executada (aulas 3 e 4, em

25/11/2014);

8 - Duas alunas conversavam enquanto os demais prestavam atenção ao que

era dito pela professora, inclusive participando com algumas tímidas

contribuições (aulas 5 e 6, em 09/12/2014);

9 - A professora [...] escreveu na lousa o título do assunto daquelas aulas:

Simbolismo. Alguns minutos após, passou à correção daquela atividade, o

texto “Canções” de Cecília Meirelles e discutiu as respostas oferecidas pela

turma. Comentou o significado das palavras apresentadas pelo texto (aulas 5

e 6, em 09/12/2014);

10 - Após a correção, a professora questionou os alunos sobre a participação

deles em uma feira que a escola estaria organizando. Em seguida, a

professora explicou novamente as características do movimento simbolista,

apresentando-lhes exemplos do movimento artístico em outros textos como a

música popular brasileira, por exemplo. Na sequência, nova atividade

extraída de livro didático. Dessa vez, a professora permitiu que os alunos

tivessem um tempo maior para responder à atividade proposta (aulas 5 e 6,

em 09/12/2014).

Maria

Cecília

1 - [...] os alunos deveriam ler e responder questões do livro didático Novas

Palavras (FTD), da página 185 à 189 [...] sobre um fragmento do romance

Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa (aulas 1 e 2, em 24/11/2014);

2 - A professora, a pedido de um grupo de alunos, explicou uma questão do

livro didático (aulas 1 e 2, em 24/11/2014);

3 – A professora [...] cumprimentou a turma e deu prosseguimento ao assunto

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abordado na aula anterior, copiando-o no quadro: “Modernismo – 3ª

geração” (aulas 3 e 4, em 01/12/2014);

4 – Os alunos reclamavam que a atividade do dia tinha “muita coisa”, mas

não se negaram a executá-la. Uma aluna disse que não havia trazido o livro

porque era muito pesado para carregar (aulas 3 e 4, em 01/12/2014);

5 - A professora reclamou com uma aluna que não estava com o livro

didático. A menina retrucou que já estava aprovada, por isso não estava mais

trazendo o livro para a escola. A professora lhe disse que seu pensamento era

um equívoco, pois ela precisaria de uma nota para ser aprovada no vestibular

que utiliza o ENEM e, quanto maior a média geral, maior a chance de ser

aprovada (aulas 3 e 4, em 01/12/2014);

6 –A professora justificou que alterara o planejamento da aula pois havia

solicitado xerox de um material que não ficou pronto porque não havia papel

na escola (aulas 5 e 6, em 08/12/2014);

7 - Voltando à aula, a professora citou os poetas cujas poesias seriam lidas.

Eis os poetas: Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Cecília

Meireles, Vinicius de Moraes e Jorge de Lima. Informou que fariam uma

reflexão sobre a temática, a linguagem o estilo e o engajamento ou não dos

referidos poetas (aulas 5 e 6, em 08/12/2014);

8 - A professora, após as leituras efetuadas a partir do livro didático,

continuava a comentá-las. Ao final, perguntou aos alunos o que eles

entendiam sobre a temática do poema lido anteriormente. Houve um silêncio

e, em seguida, uma aluna respondeu. A professora comentou a resposta e logo

depois passou a outra questão, solicitando uma passagem do texto em que se

comprovasse a temática. Como não houve resposta, a professora assumiu o

discurso e respondeu à turma (aulas 5 e 6, em 08/12/2014);

9 - À medida que as leituras avançavam, os alunos iam apresentando dúvidas

em relação ao vocabulário do texto. A professora respondia a todas as

questões, contextualizando cada conceito em relação aos poemas

apresentados (aulas 5 e 6, em 08/12/2014);

10 - Em seguida, a professora comentou cada um dos poemas, destacando o

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que ela considerava elementos-chave para o entendimento da obra poética de

Cecília. Na sequência, reforçou as atividades para casa. Uma aluna

questionou se precisava trazer o poema para a escola. A professora

respondeu que somente deveriam lê-lo para comentarem na aula seguinte

(aulas 5 e 6, em 08/12/2014);

Hilda 1 – A professora escreveu o assunto no quadro (Parnasianismo brasileiro).

Pediu também que os alunos que estivessem com o livro didático naquele

momento sentassem próximos a alguém que não portasse o manual para que

pudessem realizar a atividade (aula 1, em 3/12/2014);

2 - A professora se deslocava na sala, adequando os alunos de acordo à

quantidade de LD na turma. [...] passava de grupo em grupo auxiliando os

alunos na execução daquela atividade (aula 1, em 3/12/2014);

3 – Mesmo conversando muito, era possível perceber que alguns alunos se

dedicavam à feitura da atividade proposta. Em determinado momento,

apresentavam dúvidas em relação ao vocabulário do texto. A professora lhes

pediu que lessem o fragmento do texto que antecedia as questões do LD para

que compreendessem o sentido das palavras pelo contexto. Alguns alunos

acessavam a internet pelo celular para buscar o significado dos vocábulos

por eles desconhecidos (aula 1, em 3/12/2014);

4 – A professora copiou o assunto da aula no quadro: Simbolismo brasileiro.

Em seguida efetuou a correção da atividade passada na aula anterior. A

correção durou praticamente toda a primeira aula, pois os alunos

conversavam bastante e a professora parou a correção durante vários

momentos para reclamar com a turma (aulas 2 e 3, em 5/12/2014);

5 - A professora pediu que os alunos lessem as questões da aula anterior

sobre o parnasianismo no Brasil. Uma aluna pediu para ler e depois

respondeu à questão por ela lida. Outra aluna pediu para ser a próxima. E

assim, a cada nova questão, novo(a) aluno(a) faria o que a professora havia

solicitado. A professora fez comentários, a partir das respostas dos alunos,

embasados pelo livro didático do professor (aulas 2 e 3, em 5/12/2014);

6 – A professora copiou o assunto da aula (Olavo Bilac – Parnasianismo

brasileiro) no quadro. Em seguida, pediu que os alunos se revezassem na

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leitura do poema “nell mezzo del camin” de Olavo Bilac. Após, comentou a

leitura destacando a influência do movimento parnasiano no Brasil (aulas 5 e

6, em 12/12/2014);

7 - Voltando-se à atividade, a professora propôs debater as possíveis

respostas dos discentes. Alguns apresentavam dúvidas em relação ao

vocabulário de alguns termos. A professora respondeu e contextualizou as

palavras no texto lido. Em seguida, reiterou uma explicação sobre os aspectos

formais do poema (aulas 5 e 6, em 12/12/2014).

Betina 1 - A professora pediu que os alunos interpretassem uma figura constante em

uma página do LD (Caipira picando fumo, 1983) (aula 1, em 11/06/2015);

2 - Em seguida, a professora pediu que uma aluna fizesse a leitura de um

fragmento do texto e depois formulou questões a respeito do que havia sido

lido. Um aluno respondeu à professora, enfatizando o contexto histórico do

período pré-modernista (aula 1, em 11/06/2015);

3 - A leitura continuava a ser executada pelos alunos, oscilando com questões

elaboradas pela própria professora. [...]Logo após, a professora trabalhou o

vocabulário do texto (aula 1, em 11/06/2015);

4 - Um grupo de alunos se empolgou com a temática e passou a comentar,

somente entre eles, sobre a ascensão da mulher pelo casamento. A professora

repreendeu aquele grupo e o convidou a participar das discussões em

conjunto (aula 2, em 11/06/2015);

5 – A professora passou um trabalho, valendo pontos quantitativos, no

quadro: pesquisar um fragmento de texto. As alunas deveriam buscar

fragmentos de textos, em livros ou na internet, sobre Lima Barreto e Euclides

da Cunha; os alunos pesquisariam nos mesmos suportes os fragmentos de

textos sobre Graça Aranha e Augusto dos Anjos. A atividade consistia em

extrair o fragmento de um texto de um desses autores e em seguida os alunos

deveriam proceder a uma análise temática daquele texto. A professora

perguntou, após explicar sua proposta, se os alunos haviam entendido o que

deveriam fazer. Alguns tiveram dúvidas e ela explicou novamente (aula 3, em

12/06/2015);

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6 - A professora, a seguir, trabalhou a ortografia do texto, explicando que

algumas palavras mudaram a grafia, com o passar do tempo, a partir de uma

imagem apresentada no final da atividade, uma propaganda do “Bentônico

Fontoura”, de 1935, onde aparecia Monteiro Lobato dialogando com Jeca

Tatu (aula 3, em 12/06/2015);

7 - Prosseguindo, a professora pediu que outra aluna realizasse a leitura de

sua atividade. A aluna assim o fez, mas disse não se lembrar do nome do texto

do qual extraíra o fragmento. A professora supôs que seria Triste fim de

Policarpo Quaresma e passou a explicar a obra. Uma aluna perguntou se

Lima Barreto conheceu Policarpo Quaresma. A professora, então, explicou a

diferença entre autor, narrador e personagem (aula 4, em 09/07/2015);

8 - A professora começou a explanar o assunto da aula enquanto os alunos

iam chegando e se arrumando no recinto [...] Uma aluna, a pedido da

professora, leu a sua atividade. A professora comentou, a seguir, explicou as

dúvidas apresentadas e pediu, ao final, que outro aluno prosseguisse com a

leitura. A professora comentava a leitura, reforçando a presença do pré-

modernismo na obra do escritor Graça Aranha. Explicou em seguida, o

conceito de “fazer literário”, a partir de suas leituras (aula 5, em

10/07/2015);

9 – A professora formulou questões sobre as vanguardas artísticas europeias

com base em sua explicação e no conteúdo do livro didático. Os alunos iam

respondendo e a professora complementava com suas impressões (aula 6, em

16/07/2015).

O processo de ensino-aprendizagem nas turmas observadas se realizava da seguinte

forma: todas as quatro docentes iniciavam seus trabalhos escrevendo no quadro o assunto da

aula; As professoras Cleusa Regina, Maria Cecília e Betina expunham os assuntos, destacando

as informações que julgavam relevantes ao conhecimento dos estudantes. A professora Hilda

passava a atividade para a sua classe e, após sua realização, comentava ou explicava o que

havia sido solicitado nas questões. A professora Cleusa Regina utilizou como suporte, para

aplicar suas atividades, folhas xerocadas de livros didáticos de anos anteriores. As professoras

Maria Cecília e Hilda utilizaram apenas o livro didático vigente naquele ano letivo. A

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professora Maria Cecília, ao realizar a leitura de um poema e perceber que este se encontrava

fragmentado, pediu que os seus alunos pesquisassem na internet e o lessem na íntegra. A

professora Betina utilizou o livro didático, folhas xerografadas de outros livros didáticos,

textos extraídos da internet, além de, mesmo quando utilizou textos do LD, elaborou questões

diferentes das oferecidas pelo referido manual, além de sugerir pesquisa na internet sobre as

temáticas pertencentes ao seu plano de disciplina.

As professoras Hilda e Betina corrigiam as atividades oralmente junto com os alunos,

efetuando comentários e/ou considerações. A professora Cleusa Regina escrevia as respostas

das atividades passadas aos estudantes no quadro enquanto explicava cada questão

respondida. A professora Maria Cecília realizou correção, oral, das atividades somente nas

duas últimas aulas observadas.

Sobre a atuação da professora Cleusa, registramos que as suas aulas ganharam atenção

maior dos alunos quando ela falava de suas experiências como leitora. Ao realizar uma

atividade sobre a obra do poeta Paul Verlaine, os alunos ficaram curiosos com a história

narrada pela professora do francês com outro poeta, também francês, Arthur Rimbaud.

Do lado dos alunos, poucos eram aqueles que se aventuravam a participar das aulas.

Não porque fossem tímidos, afinal a maioria conversava bastante, sobre todos os assuntos,

menos o da aula. Ainda assim, foi possível perceber participações, a pedido da professora, de

alguns discentes, com destaque para um aluno que protestou quando a professora decidiu

realizar a correção de uma atividade que poucos responderam.

Quanto à professora Maria Cecília, nas quatro primeiras aulas, a dinâmica foi a

mesma: escrita no quadro com a temática do dia, atividades no LD para que os discentes

respondessem. Enquanto os alunos executavam as atividades, a professora circulava pela

turma, verificando se os estudantes se empenhavam na realização do que lhes fora solicitado.

Em outros momentos, a professora se deslocava até o pesquisador para revelar o seu

descontentamento com o uso de aparelho celular durante as aulas pelos alunos, ou para revelar

a sua insatisfação frente ao desinteresse desses mesmos alunos pelo aprendizado. Também

registramos o momento em que, a pedido de um aluno que não compreendia um enunciado, a

professora realizou uma explanação referente àquela situação.

Nas duas últimas aulas, a professora, ao mudar o seu planejamento em razão de uma

atividade não ter sido providenciada pela escola, efetuou uma dinâmica diferente da observada

nas quatro aulas anteriores. Optou pela exposição ao comentar os assuntos propostos e chamar

os alunos a participarem da aula. Também, nessas aulas, houve exposição quando os alunos

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foram orientados a realizarem leituras de fragmentos dos LD e ainda comentários da

professora sobre o que foi lido. Ao comentar as leituras realizadas pelos estudantes, a

professora fez relações com outros textos e contextos não contemplados pelo LD, naquele

momento. Quando solicitou que os alunos buscassem, na internet, um poema de Cecília

Meireles, posto que o mesmo não se encontrava na íntegra no LD, a professora antecipou

considerações acerca daquele texto. Em relação aos alunos, como já dissemos, percebemos

que as conversas paralelas e uso de aparelhos celulares eram práticas constantes durante as

aulas.

Quanto à professora Hilda, a dinâmica sempre foi calcada na seguinte prática: a

professora escrevia o título do assunto a ser trabalhado naquele dia, no quadro; pedia que os

alunos abrissem o LD na página onde constava aquele assunto e dessem início à leitura dos

fragmentos ali dispostos; após a leitura, os estudantes deveriam responder às questões

propostas naquele LD. Durante o exercício, a professora circulava pela turma de modo a

auxiliar o trabalho dos discentes. No final, a professora realizava a correção das atividades e

nesse momento realizava a exposição, ora comentando as respostas fornecidas pelo manual do

professor, ora provocando os alunos para que os mesmos explicassem como chegaram às

respostas fornecidas. Em relação aos estudantes, registramos que a maioria acatava as

deliberações da professora, havia empenho para responder às questões propostas nas

atividades e algumas conversas paralelas e usos de aparelhos celulares completavam aquele

contexto. Quando a conversa aumentava, a professora chamava atenção e, logo, os estudantes

se voltavam à realização da atividade que deveriam realizar.

Quanto à atuação da professora Betina, mesmo antes de adentrarmos à turma, ela já

revelava, em conversas com o pesquisador, sua paixão pela literatura e pela docência.

Narrava, com riqueza de detalhes, suas experiências em outras escolas e também naquela onde

nos situávamos. Na sala de aula, o seu desempenho foi visualizado a partir de três momentos:

no primeiro, destacamos a habilidade em lidar com os recursos dos quais dispunha. O quadro

e o livro didático foram utilizados para marcar os assuntos e as sequências da apresentação

dos conteúdos à turma. Essa apresentação contou, inicialmente, com a exposição da docente e,

a pedido dela, posteriormente, com a participação dos alunos, os quais faziam comentários,

mediante a leitura dos fragmentos de textos disponibilizados e também de suas vivências,

conforme orientava a professora.

O segundo momento foi marcado pelo nível de conhecimento demonstrado pela

professora, não somente dos conteúdos como também da finalidade dos textos extraídos do

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livro didático e trabalhados com os seus alunos. Como já destacamos, o LD foi um dos

suportes e, como tal, orientava a cronologia das exposições. Mesmo assim, percebemos certa

consciência crítica em relação ao uso do referido suporte, sobretudo quando chamou a atenção

dos estudantes para as limitações do enquadramento historiográfico dos movimentos artísticos

constantes no LD.

O terceiro momento compreendeu o processo de ensino-aprendizagem empenhado

naquela turma. Por parte da professora, verificamos que, mesmo quando utilizava o conteúdo

do livro didático, realizava inferências ao elaborar questões a partir de fragmentos e/ou

imagens contidos naquele suporte. Também incentivava os seus alunos a lerem durante as

exposições. Isso foi notado em todas as aulas observadas. Também registramos a associação

do texto literário, embora fragmentado, ao contexto e, em alguns casos, a discussão avançou

para os dias atuais, fazendo associações às práticas da política brasileira e também aos papéis

determinados aos homens e às mulheres na sociedade.

Por parte dos estudantes, percebemos que muitos deles participavam das aulas e

realizavam todas as atividades que lhes eram confiadas. Havia pouca conversa durante a

realização das atividades e praticamente nenhum barulho quando a professora falava. Durante

as seis aulas observadas, registramos a prática de leitura por parte dos alunos a partir das

proposições da docente. As leituras, geralmente realizadas a partir do livro didático ou de

similares, eram acrescidas de comentários dos próprios estudantes (também sob a orientação

docente) e complementadas com as considerações da professora.

Em outra situação, ao trabalhar uma propaganda do Biotônico Fontoura, datada de

1935, em que apareciam Monteiro Lobato e Jeca Tatu, além da exposição sobre o autor e do

personagem de Urupês, teceu comentários sobre a ortografia do texto, informando aos alunos

sobre as modificações na grafia da Língua Portuguesa ao longo do tempo. Além disso, quando

um aluno perguntou se Lima Barreto havia conhecido Policarpo Quaresma, a professora

ampliou a discussão sobre a obra literária, explicando a diferença entre autor, narrador e

personagem.

Quadro 11 – Visões da literatura

Docentes Dados Encontrados

Cleusa 1 - Um aluno pediu licença e perguntou se era verdade que Machado de Assis

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Regina focava a traição e a burguesia, fazendo uma crítica aos seus valores. A

professora respondeu que, no primeiro caso, a traição era uma das temáticas.

[...] (aulas 1 e 2, em 13/10/2014);

2 - Em seguida, a professora falou sobre o Simbolismo no Brasil, destacando

[...] Cruz e Souza. [...] e Alphonsus de Guimarães, [...]. Logo após, a

professora escreveu, no quadro, as características do movimento artístico

(aulas 3 e 4, em 25/11/2014);

3 - A professora seguia copiando as respostas das atividades no quadro. Em

seguida, explicou novamente as características do movimento simbolista,

apresentando-lhes exemplos do movimento artístico em outros textos como a

música popular brasileira [...] (aulas 5 e 6, em 09/12/2014).

Maria

Cecília

1 – O assunto da aula foi “3ª geração modernista brasileira” (aulas 1 e 2, em

24/11/2014);

2 – A professora informou o assunto da aula: Leitura e interpretação de

poesias de autores representativos da segunda geração modernista brasileira

(aulas 5 e 6, em 08/12/2014);

Hilda 1 – [...] passou mais uma atividade constante do livro didático sobre o

Simbolismo no Brasil. Também passou um trabalho sobre o poeta Cruz e

Souza. Pediu que os alunos pesquisassem sobre o autor na internet e/ou livros

didáticos (aulas 2 e 3, em 5/12/2014);

2 - A professora pediu que os alunos se revezassem na leitura do texto. Em

seguida, comentou a leitura destacando a influência do movimento

parnasiano no Brasil (aulas 5 e 6, em 12/12/2014);

3 – [...]Em seguida, reiterou uma explicação sobre os aspectos formais do

poema (aulas 5 e 6, em 12/12/2014).

Betina 1 - A professora explicou que estava retomando o assunto “Pré-modernismo”

para contextualizar o novo assunto “Surrealismo” (aula 1, em 10/06/2015);

2 - [...] A professora fazia associações com aspectos políticos, ilustrando com

críticas às práticas políticas do Brasil” (aula 1, em 10/06/2015);

3 - Retomando o assunto anterior, a professora fez associações das questões

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levantadas na aula anterior a partir do texto lido e das políticas públicas

brasileiras: as práticas do passado foram contrapostas com os modelos

familiares, o papel do homem e da mulher no contexto social” (aula 2, em

11/06/2015);

4 - A professora comentava a leitura, reforçando a presença do pré-

modernismo na obra do escritor Graça Aranha. Explicou, em seguida, o

conceito de “fazer literário”, a partir de suas leituras. Pediu, em seguida, que

outro aluno procedesse à leitura de sua atividade. Ninguém se manifestou

(aula 5, em 10/07/2015);

5 - Pediu que os alunos dissessem o que consideravam modernismo. Eis as

respostas: temas atuais, transformação, tecnologia, televisão, arte, futuro,

crítica ao passado e ao presente. A professora contribuiu com um termo,

vanguarda. A partir daí, a professora passou a explicar as vanguardas

artísticas europeias (aula 5, em 10/07/2015);

6 - Solicitou aos alunos que mencionassem quais foram os principais

movimentos literários. Acrescentou que, apesar disso, os movimentos não são

inertes no tempo, pois era possível encontrar, em outras épocas, marcas de

um determinado período literário noutro (aula 5, em 10/07/2015);

7 - Para explicar o assunto, a professora fazia uma exploração sobre a Carta

de Pero Vaz de Caminha, destacando a visão do colonizador. Em seguida,

citou o Romantismo como uma espécie de nacionalismo ufanista. Contrapôs

ao nacionalismo de Lima Barreto. Afirmou que o modernismo uniu o

nacionalismo ufanista e o crítico (aula 5, em 10/07/2015);

8 - Perguntou à turma o porquê de se estudar as vanguardas. E ela mesma

respondeu, mostrando uma tela, representando um movimento de vanguarda

futurista. Disse que na aula seguinte, os alunos trabalhariam com ela. A

seguir, falou do Cubismo e perguntou aos alunos o que aquele termo lhes

lembrava. Depois falou de Dadaísmo. Destacou que o Cubismo se

relacionava com as formas geométricas e o Dadaísmo não significava nada.

Afirmou que os movimentos tiveram representação na literatura e nas outras

artes (aula 5, em 10/07/2015).

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As visões sobre a literatura apresentadas pelas quatro docentes revelou os seguintes

dados: A professora Cleusa Regina descreveu sua paixão pela literatura clássica/canônica. Em

diversos momentos nas aulas e em conversas com o pesquisador, citava trechos de obras

clássicas, associava a literatura a outras artes, como a música e o cinema; ostentou, em um

dia, uma camiseta onde se lia: “O Machado era de Assis, A Rosa do Guimarães, A Bandeira

do Manuel. Mas feliz mesmo era o Jorge, que era Amado”. Além disso, mesmo anunciando

um assunto no quadro – Realismo – pôs-se a falar sobre Fernando Pessoa, alegando que

Pessoa é o seu escritor preferido e, portanto, foi utilizado para “destacar a beleza do texto

literário”.

Em relação às docentes Maria Cecília e Hilda, por se pautarem exclusivamente pelo

livro didático, só foi possível perceber a sua relação profissional com a literatura, ou seja, a

visão das professoras de Literatura, que trabalhavam os assuntos previstos nos seus planos de

disciplinas, apoiados pelo LD. Quanto às mediações percebemos que as professoras as

realizavam mediante apropriação dos conteúdos dos LD, de modo a auxiliar os discentes na

feitura dos exercícios propostos. A professora Betina, por sua vez, entendia a literatura como

uma construção social, além de arte, inclusive dizia isso aos seus alunos. Definiu o papel da

literatura nas aulas, sobretudo a partir dos seus conhecimentos sobre a arte. A prática docente

revelou a habilidade da professora em associar o texto literário ao contexto, o que demonstrou

que sua visão da literatura contemplava a relação entre literatura e sociedade.

6.5. A entrevista

Esse instrumento de coleta de dados respondeu às duas categorias de análise do nosso

projeto. Da “representação”, conseguimos extrair conceitos relevantes ao desenvolvimento da

pesquisa, tanto dos estudantes quanto das professoras. Da “apropriação”, obtivemos respostas

referentes às práticas e técnicas usadas pelas professoras e também como os alunos se

apropriavam dos conteúdos apresentados nas aulas.

As entrevistas com as docentes Cleusa Regina e Maria Cecília, no ano de 2014,

ocorreram nas dependências da Escola Heurisgleides Ferreira, no mesmo dia, após a

conclusão das observações de aulas. Todas consentiram em se deixar gravar e não pediram

acesso ao roteiro de entrevistas antecipadamente. Também, no ano de 2014, foi realizada a

entrevista com a professora Hilda, da escola Renailda Sousa, nos mesmos moldes da escola

anterior. Nesse caso, a docente solicitou o roteiro de entrevistas com uma semana de

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antecedência, alegando que precisava se preparar para responder às questões. Foi atendida no

seu pleito. Aguardamos o contato dessa professora para procedermos com a tarefa de

entrevistá-la. Por essa razão, em alguns momentos foi preciso interromper sua fala, uma vez

que as respostas oferecidas, em alguns casos, foram extraídas de autores como Marisa Lajolo,

Umberto Eco, dentre outros que embasaram a professora naquela tarefa. Durante a entrevista,

a professora respondeu as questões lendo suas anotações, que continham respostas

previamente formuladas. A professora Betina foi entrevistada em 2015, uma vez que as

observações de suas aulas também foram realizadas neste ano, nos mesmos moldes que as

anteriores. Nesse caso, a professora não solicitou o roteiro de entrevista antecipadamente.

6.5.1. Entrevistando as professoras

Formulamos um roteiro de entrevistas para as docentes com onze questões. Dentre

elas, oito respondiam diretamente ao nosso objetivo específico de “identificar e analisar, por

meio de entrevistas, as concepções de literatura, leitura literária, prática docente, políticas

públicas voltadas à promoção da leitura no Brasil e usos do livro didático apresentadas pelos

professores das escolas selecionadas para a pesquisa”. Dessas oito, verificamos que metade

respondia à categoria “representação” e a outra metade estava associada à categoria

“apropriação”. As outras três, inicialmente descartadas, foram utilizadas para traçarmos um

perfil de cada uma das docentes em relação às práticas desenvolvidas e às visões de cada uma

delas sobre o processo de ensino-aprendizagem da literatura, o que passamos a descrever a

seguir.

Ao elaborarmos uma questão sobre a adoção do livro didático pelas professoras,

tencionávamos entender quais critérios foram utilizados para justificar as escolhas. No

entanto, com o desenvolvimento das investigações e posteriores leituras dos dados,

verificamos que, por ser uma escolha coletiva (trabalhamos com dois professores de séries

diferentes em cada escola), os dados revelados nessa questão não compreendiam nenhuma das

nossas categorias, embora se aproximassem do nosso objeto. Por essa razão, decidimos

manter os referidos dados a fim de enriquecer o nosso trabalho etnográfico.

A questão proposta às professoras foi a seguinte: Em relação à escolha do livro

didático, como avalia o processo? Quais critérios você utilizou para realizar sua escolha? O

livro que escolheu coincidiu com o que foi adotado pela escola? Todas as professoras

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responderam que o processo que elege o LD a ser adotado foi decidido coletivamente. As

editoras, a cada três anos, visitam as escolas divulgando os LD aprovados pelo PNLD para o

ano letivo seguinte. Após a divulgação, alguns exemplares, manuais do professor, de todas as

disciplinas, são deixados para análise do corpo docente. Em reunião, os docentes de cada área

(a delas é a de Linguagens, códigos e suas tecnologias) votaram e decidiram o LD que iriam

adotar. No entanto, cabe registrar algumas informações que nos ajudaram a compreender não

somente o perfil das participantes desta pesquisa, mas da área que selecionou o LD e quais as

razões, de acordo ao que foi revelado pelas docentes.

As justificativas apresentadas foram bem próximas. A professora Cleusa Regina

propôs a adoção de um LD que contemplasse os conteúdos selecionados para cada série

escolar e que fosse mais acessível, em relação à linguagem, para os alunos, que não possuem

“vocabulário muito bom”. A professora Maria Cecília justificou a sua escolha apenas

revelando que “devemos verificar a necessidade da nossa clientela”; e lamentou o fato de não

poder usar o livro didático digital, uma vez que a sua escola não fornece condições para tal

uso. A professora Hilda, expressando-se no plural, respondeu que a escolha se deu a partir de

“um estudo cuidadoso e comparativo, é que optamos em usá-los no colégio”. Também

acentuou as qualidades do LD escolhido, sobretudo como um importante instrumento, tanto

para a aprendizagem quanto para a formação cidadã do estudante.

A professora Betina reforçou a informação sobre o processo de seleção do LD e trouxe

novas informações sobre os bastidores do referido processo. Detalhadamente, revelou o

porquê da sua recusa e também o porquê da escolha do seu grupo de colegas. Além de se

interessarem pelos boxes e pela relação com a internet constantes no LD, “o pessoal se

entusiasmou com os brindes que a editora deu [...]”. Também contou que “[...] teve o negócio

de um churrasco que ela deu ali, até eu fui, [...] mas continuei dizendo que não era o livro da

minha escolha esse”. Isso revela o lobby praticado pelas editoras quando vão às escolas para

divulgarem os seus LD. Nas palavras da professora Betina, o processo de seleção se justificou

não pelo que o LD representava para o projeto de ensino-aprendizagem empenhado por aquela

instituição, mas pela sedução dos brindes disponibilizados àqueles docentes e pela pressão

exercida pelos divulgadores em relação aos professores. E ilustrou as suas considerações ao

revelar que alguns colegas, após a escolha, queixaram-se do LD escolhido, qualificando-o

como “o pior” e afirmando que não o suportavam e, por isso, não o utilizavam mais em suas

aulas.

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A segunda questão que nos auxiliou na construção do perfil das docentes teve como

objetivo entender como seria uma aula de literatura que tivesse atendido aos seus objetivos.

As professoras Cleusa Regina e Maria Cecília apenas relembraram aulas de literatura que

tivessem atingido os seus objetivos, mas não descreveram nenhuma dessas aulas. Tanto a

primeira quanto a segunda professora se lembraram apenas dos escritores trabalhados nessas

aulas. Mais uma vez, as professoras justificam as dificuldades em relação ao estabelecimento

de suas práticas docentes na falta de conhecimento prévio dos alunos (Maria Cecília) e na

incapacidade dos estudantes ao acessarem uma linguagem mais elaborada, recorrendo aos

textos adaptados para a televisão a fim de compreenderem o texto original (Cleusa Regina).

A professora Hilda descreveu como seria uma aula de literatura considerada ideal para ela e

não uma aula que já tenha ministrado. Ao citar o LD Novas Palavras, inferimos que, para esta

professora, as propostas apresentadas por aquele LD deverão nortear a sua prática no tocante

ao ensino da literatura, pois trata-se de uma atividade recorrente nos mais diversos manuais

didáticos, incluindo aquele citado pela docente.

A única que descreveu uma aula de literatura foi a professora Betina, que se lembrou

do contexto em que se encontrava, narrou todo o processo de elaboração da atividade aplicada

durante a aula de literatura, relatou passo a passo a proposta apresentada aos alunos e a

execução daquela atividade. Ao final, revelou-se contente com o resultado e a manifestação de

um aluno que a procurou para lhe agradecer pela aula.

As declarações das docentes nos permitiram entender como cada uma delas procede

em suas práticas de ensino e o que consideram relevante no processo de ensino-aprendizagem

dos conteúdos de literatura. Também percebemos que, com exceção de Betina, as professoras

apresentaram posturas lineares em relação ao tratamento do literário. Cleusa Regina exaltou o

cânone Machado de Assis e Maria Cecília destacou a importância de João Ubaldo Ribeiro e

Ariano Suassuna, achando absurdo que os seus alunos não os conhecessem. Hilda não

mencionou um autor específico mas referendou as indicações do livro didático. E apenas

Betina descreveu o tratamento de um texto literário (Antífona, de Cruz e Souza) com uma

posterior atividade desenvolvida por seus alunos a partir do referido texto.

A terceira questão apresentada às docentes se referia à relação que elas mantinham

com a leitura literária. Pedimos que elas avaliassem essa relação. Solicitamos que avaliassem,

também, a relação dos seus alunos com a leitura literária. Elaboramos essa questão porque

tencionávamos saber como as professoras avaliavam o seu nível de leitura de literatura e o dos

seus alunos.

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Verificamos, a partir das respostas, que a relação com a leitura literária se configurou

de diferentes maneiras no cotidiano das professoras. A professora Cleusa Regina revelou que

a sua relação com a referida leitura é antiga. Em relação aos seus alunos, afirmou que eles

precisam de incentivo, pois alguns são resistentes a essa prática. Complementou afirmando

que “através da literatura, através do conhecimento dos grandes escritores [...] você pode

partir para muitas coisas”. Mas não especificou quais seriam essas coisas. Ao mencionar os

grandes escritores, associou a leitura literária à escrita canônica. A professora Maria Cecília

revelou que a sua relação com a leitura literária é “boa”. No entanto, ela afirmou que os seus

alunos careciam de entendimento sobre as configurações do texto literário e de conhecimento

de figuras de linguagens, por exemplo, para que conseguissem interpretar os textos literários.

Concluiu, em resumo, que o problema era “leitura e vocabulário”.

A professora Hilda respondeu que a sua relação com o texto literário é ótima.

Justificou a sua resposta a partir dos cursos de qualificação dos quais participou e de sua

participação em congressos e seminários. Em relação aos alunos, revelou que muitos têm

oportunidade de se dedicarem à leitura de literatura, mas muitos também são “analfabetos

funcionais”. A professora Betina se assumiu leitora, mas revelou que precisava ler mais. Por

falta de tempo, havia uma série de livros “esperando” para serem lidos por ela. Em relação aos

alunos, afirmou que acredita que eles estão lendo, inclusive mais do que ela própria. Citou que

eles leem best-sellers e “literatura fofoqueira”, por conta da publicidade desse tipo de

literatura, mas entende que se trata de leitura, independente do gênero e do status atribuído a

esse tipo de texto.

Na sequência, apresentamos os dados extraídos das entrevistas com os docentes,

dispostos em quadros comparativos. As quatro primeiras questões correspondem à categoria

“Representação” e as quatro seguintes à “Apropriação”.

Quadro 12 – Conceito de literatura segundo as professoras.

Docente Dados encontrados

Cleusa

Regina

Literatura pra mim antes de tudo é prazer, é arte, é você... pra dar um

mergulho, não é? em uma outra dimensão. Eu amo literatura, então pra mim,

literatura... sem literatura eu não existo (risos). Agora o difícil é transmitir... às

vezes você até consegue transmitir essa paixão para os alunos que eles

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percebem, né? Que você é apaixonado por sua disciplina, então até contamina,

muita gente. Isso aí é o lado bom, né? Você contaminar os alunos com sua

paixão. (risos).

Maria

Cecília

Peraí... (risos). Literatura eu defino como... uma parte muito importante pra

Língua Portuguesa e pra História também, né, porque partindo da literatura...

antigamente... os grandes escritores, aqui, faziam protestos, encabeçavam todos

os movimentos não é isso? Se não fosse a literatura, o Brasil estaria bem pior,

né, aqui pra nós.

Hilda (lendo) É... a leit... hã... De acordo com o livro didático “Novas palavras”, da

autora Emília Amaral e outros, a literatura é a arte da palavra. Além disso, a

arte faz história, isto é participa do processo de pré-formação e motivação do

movimento social, até porque existe uma preocupação da literatura, ehh. (dá

um pause aí). Vou repetir, Além disso, a arte faz história, isto é participa do

processo de pré-formação e motivação do movimento social, até porque existe

uma preocupação da literatura em relação ao relacionamento com o leitor.

Pesquisador: certo, com base na...

Professora: no livro didático e em outros conhecimentos também.

Pesquisador: certo, e a sra concorda com o conceito da autora Emília

Ferreira?

Professora: (silêncio)

Pesquisador: Assim... Com base no que a sra entendeu a respeito do

posicionamento da autora e com base na forma como a sra trabalha, é possível

conceber uma visão sobre a literatura?

Professora: Bem, eu me recordo do Quinhentismo. De acordo com o que eu

estava fazendo no terceiro ou quarto semestre, mais ou menos se não me falha a

memória, a literatura é a arte de escrever e falar corretamente, foi uma

definição que eu achei super importante na época e continua sendo, mas a nível

de teoria, eu tinha essa concepção. Hoje eu tenho teoria e prática, tenho essa

visão mais de consciência em relação ao que vem a ser literatura de uma forma

ampla.

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201

Betina Literatura para mim é a possibilidade que o aluno tem de conhecer a ele

mesmo, conhecer o mundo ao redor dele, conhecer as pessoas com as quais ele

vive, porque é através da literatura, é... dos textos, dos grandes autores que a

gente vai, né? refletindo sobre todas as nossas vivências aqui nessa terra, então

é uma definição minha.

Ao elaborarmos a questão acima descrita, buscávamos entender a concepção de

literatura de cada uma das docentes, a fim de ampliarmos o nosso olhar para o contexto em

que se trabalhava a literatura. Pelo exposto, percebemos que as visões apresentadas para

definir o termo em questão diferem entre elas. A professora Cleusa Regina assumiu sua

posição de leitora apaixonada pela literatura, extremamente voltada ao prazer estético que o

texto artístico pode proporcionar ao leitor. Em seguida, afirmou que “o difícil é transmitir”,

mas que, quando isso acontece, é muito gratificante, pois “é bom contaminar os alunos com a

sua paixão”. A professora Maria Cecília associou a literatura à Língua Portuguesa e à

História. Ao fazer referência aos “grandes escritores”, lembrou-se de que eles, “antigamente”,

se envolviam nos “protestos” e também nos “movimentos”

A professora Hilda, por ter “se preparado” para a entrevista, formulou suas respostas

com base na autora do livro didático do ano vigente, Novas Palavras, Emília Amaral. O

pesquisador a interrompeu e pediu que ela fizesse uma reflexão sobre as palavras da autora e

sua prática, uma vez que ela havia afirmado seguir aquele LD. Após um silêncio e nova

interferência do pesquisador, a professora se reportou às suas memórias literárias, citou o

Quinhentismo e revelou a sua visão sobre a literatura. Acrescentou que, no presente, tem

teoria e prática e uma visão mais ampla do que seja literatura. Nesse caso específico, cabe

ressaltar que em contatos anteriores, a professora demonstrou preocupação com a entrevista,

afirmando querer “fornecer a resposta correta” para cada pergunta, e por isso, precisava

conhecer o roteiro de entrevistas antecipadamente. Explicamos que eram questões pessoais e

até conversamos sobre o que tratavam as principais questões. Nesse momento, a professora,

talvez por não estar diante de uma gravação, mostrou-se à vontade e não se utilizou de

nenhum suporte para dizer como concebia a literatura. Naquele instante, nos disse que

compreendia a literatura como possibilidade de crescimento pessoal e profissional.

A professora Betina associou a sua concepção ao desempenho dos seus alunos quanto

ao modo como eles se relacionam com o texto literário. E, assim como as suas colegas,

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associou também a literatura aos “grandes autores”. Também fez questão de destacar que

aquela era a sua definição, pois não queria copiar o que já havia sido dito sobre o tema.

Quadro 13 – Definição de “leitura literária” pelas professoras

Docente Dados encontrados

Cleusa

Regina

Leitura literária seria ler romances, não é? Os grandes nomes da literatura.

Eles às vezes reclamam porque eu boto muito Machado de Assis, que eles

acham que é um escritor muito antigo, mas eles não veem que é preciso partir,

não é, desses grandes nomes para poder chegar em literatura atual, é uma

viagem no tempo, né? A gente sempre faz essa viagem ao passado para poder

vivenciar melhor o presente.

Maria

Cecília

Ah, eu entendo como uma parte muito importante para o ensino, para a

educação, e a leitura tem que ser incentivada. E a parte literária tem a parte

lúdica, e a parte da poesia, das crônicas, e ajudam bastante eles a

desenvolverem a leitura, apesar deles não gostarem, a literatura é muito

importante, porque incentiva, né? Serve de incentivo muito grande pra... pra

ver se eles leem, porque é complicado, viu? Eles não querem ler nem o

enunciado das questões, quanto mais ler um texto. Eu passei uma atividade

essa semana do livro didático de literatura, sobre “Grande sertão: veredas”,

um texto de uma página e meia e foi a maior guerra. Eles não querem ler, é

muito grande o texto, é grande, reclama, aí... mas eu acho que a literatura é

muito importante para incentivar a leitura.

Hilda (lendo) A leitura literária visa desenvolver no leitor a construção de sentidos,

pois esta é a palavra-chave. Além disso, o educando precisa adquirir

competências e habilidades para produzir seus próprios textos ao enfrentar

um exame do enem ou para sua própria vida. Eu vejo nesse aspecto aí, que

vem a ser a definição de leitura literária.

Pesquisador: A sra vê diferença entre a leitura de jornais, de livros de auto-

ajuda, de receitas, dentre outros e um livro de Machado de Assis?

Professora: claro, claro, com certeza, não é? Cada leitura tem seu objetivo.

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Tem leitura que é para instruir, para orientar, é o caso dos jornais, dos livros

de autoajuda, de receitas. Outras têm como objetivo o prazer de ler. É... no

caso dos clássicos, como por, exemplo Machado de Assis, que você citou, né?

tem... ainda... de acordo com a visão de mundo de quem está lendo. Então,

claro que há diferença, porque ler um texto, por exemplo, um texto... digamos

assim... não literário ou um texto... utilitário é bem diferente, cada um tem seu

objetivo.

Betina [...] a leitura literária ela requer do aluno uma certa fluência que ele, às vezes,

não tem. Porque, como literatura é também a expressão do sentimento, ele

precisa fazer essa leitura impondo sentimento. Acho que a leitura literária é

essa, é aquela que ele consegue passar de alguma forma o que o escritor do

texto tentou passar nos seus escritos. Então essa é expressão maior do

sentimento. Expressar isso.

A questão acima buscou conhecer as concepções de leitura literária das docentes. A

professora Cleusa Regina respondeu com uma indagação e associou leitura literária à leitura

de romances. Também ressaltou os “grandes nomes da literatura”, ao revelar a sua paixão e,

por isso, trabalhar os textos do escritor Machado de Assis. Segundo sua concepção, seria

necessário “partir dos grandes nomes” para poder chegar à “literatura atual”, ainda que sob os

protestos dos seus alunos.

A professora Maria Cecília destacou a importância da leitura literária para o ensino e

para a educação. Associou a literatura ao lúdico, às poesias e às crônicas. Ressaltou que todas

as áreas por ela mencionadas são importantes para o aprendizado dos discentes. Acrescenta

que os estudantes não gostam de ler literatura e conclui sua fala afirmando que que a literatura

é “é muito importante para incentivar a leitura”, apesar das resistências dos alunos.

A professora Hilda leu a sua resposta embasada nos documentos oficiais do MEC.

Assim como aconteceu na questão anterior, percebemos que ela queria fornecer “a resposta

correta” e por isso, citava documentos. Por isso, reformulamos a questão, a fim de que ficasse

mais claro para a professora o que estávamos perguntando. Assim, obtivemos uma resposta

mais condizente ao que fora proposto e coerente com o que a professora já havia revelado em

contato anterior à entrevista. Para ela, a leitura de livros de autoajuda, e de receitas ou jornais

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tem o objetivo de “instruir, orientar”. A leitura de literatura tem como objetivo “o prazer de

ler”.

A professora Betina, mais uma vez, associou a sua resposta ao aluno. No entanto,

apresentou outro conceito para literatura, diferente do apresentado na questão anterior. Aqui

ela falou em “expressão do sentimento”, estendendo para a leitura literária uma prática que

contempla a “leitura do sentimento”. Por outro lado, revelou certo biografismo ao associar a

leitura de literatura a uma suposta tentativa do aluno em entender o que o autor de um texto

“tentou passar nos seus escritos”.

Quadro 14 – Professoras avaliam a leitura literária pelo livro didático

Docente Dados encontrados

Cleusa

Regina

Fraquinha... não tem muita coisa, é tudo muito resumido, então é difícil até

para entusiasmar o aluno com aquele pouquinho, não é? Então é necessário

que se façam outras pesquisas para poder se aprofundar.

Maria

Cecília

Eu analiso... importante, eles colocam os tópicos principais, agora eu acho

que já está muito repetitivo. Você pega um livro de 1999 e um livro de 2014

e têm os mesmos textos, os mesmos poemas, acho que precisavam explorar

os outros autores e os outros tipos de leitura porque eles ficam repetindo

muito, precisamos mudar.

Hilda (pausa para consultar o seu material) terceira questão, não é isso? Eu acho

que a leitura do livro didático, especialmente o que estamos trabalhando em

sala de aula, que é Novas palavras, eu acho uma leitura boa. É isso.

Betina [...] o livro didático ele traz o texto...[...]uma orientação, uma atividade

escrita para você fazer do texto. Ele não faz assim, uma motivação, porque

eu já usei livros didáticos que faziam essa motivação, preparava o aluno,

[...] mas o livro não me sugere isso, entendeu? Aí, cabe ao professor fazer a

leitura, utilizando o livro didático de forma que ele, como é que se diz,

realmente motive o menino, prepare o menino para fazer a leitura do texto

que está no livro. Então, Magda Soares vem a fazer assim: Ele tinha todo um

trabalho pré-leitura. O título sugere o que, essa gravura, tal e tal,

preparava os meninos, vamos ver agora depois da leitura, se as hipóteses

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que vocês levantaram fazem sentido. Entendeu? Então tinha uma pré-leitura.

Esse livro (folheando o livro didático do momento) não tem. Não sei se vc

olhou, mas não tem. Ele não tem uma pré-leitura. Ele tem um texto aqui,

Romantismo, uma explicação sobre os textos e pronto. Tem uma tela aqui,

mas não fala leitura de tela, ok? aí contexto histórico, aí já vem o conteúdo

em si, outro texto, os boxezinhos, mas não faz a pré-leitura, entendeu?

Assim, o que é que você acha? Há uma taça feita de um crânio humano? Sei

lá, o que o texto sugere a você? O título sugere o quê? Tal e tal... O texto vai

falar sobre o quê? Não faz esse trabalho. Magda Soares faz isso, perfeito! E

eu acho que William Cereja também faz, da Saraiva. Ele também faz umas

pré-leituras.

Com essa questão, obtivemos a visão das docentes sobre o trabalho com o texto

literário formulado no livro didático. A professora Cleusa Regina qualificou a leitura literária

no LD como “fraquinha”, tudo muito “resumido” e que é necessário utilizar outras fontes. A

professora Maria Cecília respondeu que acha “importante”, mas ressaltou que no LD tudo é

“muito repetitivo”. A professora Hilda se pautou no LD que trabalhava naquele ano letivo e

qualificou a leitura proposta por aquele suporte como “boa”. A professora Betina respondeu

que o LD com que trabalhava “traz o texto” e uma “orientação”, mas não motiva. Relembrou

de outros LD com que já trabalhou e exemplificou como seria um trabalho de motivação;

como resolução, afirmou que cabe ao professor realizar o trabalho de motivar o seu aluno.

Quadro 15 – A leitura literária como instrumento de socialização na visão das

professoras entrevistadas

Docente Dados encontrados

Cleusa

Regina

Muito importante, muito... fundamental. A pessoa cresce muito. Quem lê

bastante tem uma outra visão de mundo. Olha, nós temos o Pacto, né, para o

ensino médio que está no início ainda, mas o que gente tem uma esperança,

né, de que haja uma luz no fim do túnel e que a partir desse PACTO do

ensino médio, que a gente vá melhorar o ensino público de uma maneira

geral. Mas ainda estamos, né, vivenciando esse processo, eu tenho esperança

de que vá melhorar. O PACTO é um programa do governo federal, é para

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todo o Brasil. Então a gente tem esperança de que isso venha a ser um

incentivo, não é... um suporte para que os professores do ensino médio

tenham uma dimensão melhor do seu trabalho em sala de aula.

Maria

Cecília

Acredito sim, com certeza. Não tenho a menor dúvida. Menino, no momento,

eu acho que a coisa não tá boa não. Tá precisando ter mais... ter mais

influência. Mais assim... mais... mais técnica, mais suporte, mais material,

pra montar assim, peças de teatro, incentivo para melhorar, porque se não,

vai ficar no esquecimento. Você agora, tem gente que tá escrevendo sobre a

história do Brasil, sobre os ex-presidentes. Mas aqui no colégio quando eu

falo ninguém sabe de nada, porque não divulgam, só divulgam mais

futilidades, infelizmente, né?

Hilda (pausa para consultar o seu material), Claro, pois a função da escola é

ensinar, isto é, alfabetizar e promover o letramento acadêmico. Por isso, ela

funciona como uma comunidade de leitores. Além do mais, segundo Marisa

Lajolo (1993), muito embora a escola tenha que fazer a sua parte, em

relação ao ato de ler, é necessário que o leitor dê continuidade, que busque

esse desejo de ler fora do ambiente escolar. Sim, mas temos... eu gostaria de

acrescentar. Com relação também a essa pergunta, poderia também, sugerir

o seguinte... que tratasse a leitura como se trata também a saúde pública. O

mesmo... ou seja, levar mais adiante, mais a sério a leitura. Então, se...

comparado com relação à saúde pública, a leitura deveria ser mesmo, nessa

mesmo, com essa mesma... digamos assim...

Pesquisador: (importância?).

Professora: Não eu não queria dizer essa palavra, vou rever aqui.

Deveriam... é, rever a leitura como uma saúde pública no Brasil. Então é

essa a frase que eu queria refazer.

Betina Com certeza... olha, a leitura literária, ela é assim... eu.. essa crença.. eu

penso que é partir da literatura que a gente pode transformar, inclusive, o

mundo. Porque eu fiz um trabalho, tá aqui... não, tá lá. Os dois lados da

vida, foi um trabalho de literatura que eu fiz com os meninos, leitura

literária. Era fazer... era Romantismo e Realismo. Que Romantismo era tudo

de bom e o realismo... Era numa turma de segundo ano colegial. Os dois

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lados da vida. E aí a menina falou assim: professora, a senhora, através da

literatura, a senhora acordou o ser humano que está em mim. Foi uma frase

de uma aluna. Meu Deus do céu, que coisa linda, isso, né? Como é que a

literatura faz isso? A literatura acorda a pessoa que está em você, né? O ser

humano como disse a menina, ela disse isso num depoimento que ela deu

aqui no lançamento do livro “Os dois lados da vida”, a gente fez livro, fez

tudo, premiou os alunos, foi lindo o trabalho, em 2008. E a escola, eu não

tenho nenhum entrave. Eu acho que a política do governo mudou um bocado.

Eu acho que desde Paulo Souto, porque não foi só no PT não. Eu vi a

mudança da educação no governo de Paulo Souto. Deu uma guinada grande

para trabalhar essa questão do livro. E o PT quando entrou fez essa coisa de

trazer o livro didático, tudo, de apoiar mais, eu acho que foi assim, crucial,

para a gente ter mais subsídios para trabalhar literatura, porque o livro

didático, por pior que ele seja, é uma ótima ferramenta, porque vai precisar

de quê? Do professor. Como é que ele vai trabalhar isso? Você já viu como

eu trabalho. Se o livro dá uma orientação ou não, a gente também deve ter o

lado professor. Então eu acho que o governo de certa forma tem feito

alguma coisa, poderia fazer mais. Mas, tem feito. Mas já foi um avanço. Nos

outros governos, a gente não tinha nenhum livro didático, não tinha nem

uma apostila. Eu me lembro como era que eu fazia... trabalhava aqui.

Imprimia a apostila e dava uma na sala e dizia assim: vê se você consegue

fazer dez cópias. Nos governos passados. Era assim que a gente trabalhava,

mas trabalhava literatura. Trazia... fazia o material e dava dez cópias, e a

escola fazia dez cópias por turma, entendeu? Só era assim que trabalhava

literatura. Não tinha o livro didático. E agora tá voltando de novo né?

Porque a recessão do governo tá grande. E a escola disse que não é para

trabalhar nada além... a não ser a prova. Você não pode trabalhar outro

texto que não esteja no livro, porque a escola não tem material para

trabalhar fora do livro. Então, todo material que eu trago digitado é da

minha casa. Eu imprimo na minha impressora, trago dez, quinze cópias,

vinte, recolho, trabalho na outra, você já viu, né? Então, melhorou, mas

precisa melhorar mais ainda.

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Essa questão nos revelou como as professoras entendem a leitura como instrumento de

socialização e também como analisam as políticas públicas voltadas à promoção da leitura no

país. A professora Cleusa Regina disse achar “importante” e “fundamental” o processo de

socialização a partir da leitura. Em relação às políticas públicas, citou o Pacto pela Educação,

programa do governo federal que visa ampliar o acesso à educação bem como a melhoria do

ensino, como uma “esperança”, que possa “melhorar o ensino público de uma maneira geral”.

A professora Maria Cecília “acredita, com certeza,” que a leitura literária é um instrumento de

socialização. Quanto à avaliação das políticas públicas voltadas a esta finalidade, afirmou que

“a coisa não tá boa, não”, que é preciso haver mais “técnica, mais suporte, mais material”.

Sugeriu também a montagem de peças de teatro como incentivo à melhoria do ensino.

A professora Hilda referenciou a socialização a partir da leitura literária como tarefa da

escola, alegando que a “função da escola é ensinar”. Acrescentou que a leitura deveria ser

tratada como a saúde pública, pois, em sua visão, a saúde pública goza de um status superior

ao tratamento com a leitura. A professora Betina respondeu “com certeza”, para a primeira

questão, complementando que através da literatura é possível “transformar o mundo”.

Ilustrou sua resposta com uma passagem extraída de uma de suas práticas docentes. Em

relação às políticas públicas, relembrou a inserção do livro didático em escolas estaduais da

Bahia e de como realizava o seu trabalho antes dessa inserção. Afirmou que, apesar das

limitações, o LD se configurou como uma importante “ferramenta” para a tarefa de ensinar e

que cabe ao professor saber como utilizá-lo.

Quadro 16 – O papel do livro didático nas aulas de literatura das professoras

entrevistadas

Docente Dados encontrados

Cleusa

Regina

Não, não... ele ajuda, ele ajuda, é de grande ajuda, não vamos menosprezar,

porque realmente ajuda, agora a gente tem de pesquisar em outras fontes,

porque é insuficiente. Porque é muito resumido, é muito... eles inclusive dão

sugestões de outros... de outras fontes de pesquisa, né? Internet... vários...

filmes, né?

Maria

Cecília

Não, não... o meio eletrônico também. As pesquisas eletrônicas e as revistas

educativas. Aquela Escola, Escrita que é revista língua e... pesquiso muito na

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internet também e... as editoras... é... distribuem também um material muito

bom. Eu não uso só o livro didático, porque é muito restrito o livro didático.

É como eu estava dizendo, eles usam os mesmos textos que eu já sei de cor

desde não sei quando. Até os módulos de cursinhos também são repetidos.

Você pega um módulo de cursinho, 3% é daquele módulo, só muda a capa,

os textos são os mesmos, você já deve ter visto isso, é complicado.

Hilda Olha, o livro didático... ele é muito importante. Porém, eu recomendo e

adoto.

Betina [...] O livro didático não é o único suporte. Primeiro por conta da

dificuldade do aluno trazer um livro que ele acha que é pesado e que ele já

tem outros livros para trazer durante a aula. Então eu, no meu caso, eu

determino apenas um dia para trabalhar em sala de aula esse livro didático,

por essa dificuldade. O livro tem umas orientações, tem o manual do

professor, tem sugestão de atividades que às vezes eu acato, que às vezes eu

complemento[...]. Agora uma das coisas que eu gosto muito desse livro, [...]

é que ele não traz a resposta do texto, então de certa forma, pede que o

professor trabalhe o texto antes, porque ele não tem a resposta lá, porque no

caso dele não ter lido o texto, não ter conhecido o texto, ele pode “pescar” a

resposta na hora. Então isso já é uma coisa boa que eu acho dele, ele obriga

o professor, de certa forma, porque a resposta vem no final, no manual do

professor. O professor tem que se preparar porque senão ele pode ser pego

de surpresa. O menino perguntar: professor, o que significa tal palavra, tal e

tal, e não tá ali. Ele tem que ler. Agora, eu complemento, eu trago listas, eu

trago outros livros, como eu já disse no começo da nossa fala, eu tenho uns

vinte livros, tenho duas relações de vinte livros de anos anteriores que, de

vez em quando, eu levo para sala, para trabalhar outros textos que não estão

nesse livro. E ainda assim, eu pego textos atuais de provas ou textos que

estão sendo muito utilizados em ENEM e tudo para poder trazer para os

meninos. Eu complemento demais. Eu acho que você, como meu observador,

já deu para perceber isso. Que eu trabalho pouco o livro, porque o livro é só

uma vez na semana. Eu complemento muito o livro.

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As respostas fornecidas pelas docentes para essa questão se assemelharam em relação

ao uso do livro didático. Com exceção da professora Hilda, que referendou o seu uso, as

demais assumiram que o LD não se sagra como suficiente para o exercício das práticas

docentes referentes ao ensino de literatura. Também a professora Hilda apenas afirmou que

recomenda e adota o LD e não efetuou mais nenhuma consideração quanto a isso. As demais

também negaram que o LD seja suficiente para que os alunos entendam o conteúdo

trabalhado. A professora Cleusa Regina, apesar de classificá-lo como “insuficiente”, elogiou

as seções do LD que propõem outros suportes para a apropriação dos assuntos, como a

internet e os filmes. A professora Maria Cecília o classificou como “muito restrito” e citou o

“meio eletrônico” e as “pesquisas eletrônicas”, como outras possibilidades de suporte à sua

prática docente. A professora Betina apresentou duas justificativas para não usar o LD como

único suporte em suas aulas. Primeiro pela dificuldade em convencer o aluno a levá-lo às

aulas diariamente. Segundo porque organiza a sua prática docente com outros suportes, como

textos utilizados em provas do ENEM, por exemplo. Ressaltou que nem sempre executa uma

indicação do LD inteiramente, preferindo complementar a atividade ou realizar outra, quando

não acata as sugestões daquele suporte. Apesar de ter algumas ressalvas, elogiou também o

LD que utilizava naquele ano, por ele não conter as respostas das questões de interpretação no

manual do professor (neste caso, as respostas, ao invés de dispostas ao lado das questões, são

apresentadas no final do LD). A professora considerou esse dado importante porque obriga o

professor a se preparar antes, lendo as questões e os textos, e não repetindo as respostas como

fariam se elas fossem disponibilizadas ao lado das questões.

Quadro 17 – A prática de leitura e os suportes utilizados pelas docentes em suas salas de

aula

Docente Dados encontrados

Cleusa

Regina

É... e não é, (risos). Porque a gente faz o que pode não é? O tempo é

limitado e tudo mais... mas a gente faz o que pode. Eu costumo passar livros

para eles lerem, lerem em casa, discutirem em sala, fazerem às vezes até

uma prova sobre o livro, a gente faz dessa forma, né?

Maria

Cecília

É... porém tem que ser aos trancos e barrancos porque eles não querem ler

de jeito nenhum. Às vezes eu chamo para ler na mesa junto comigo porque a

maioria também não sabe ler direito, fica com vergonha, com medo dos

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colegas fazerem gozação, aí fica tudo dizendo que tá com a garganta

doendo, tá com isso e aquilo, aí eu coloco junto de mim e quando eu vou ver,

é porque não sabe ler mesmo. Eu uso...eu tiro xerox de textos, de revistas, de

internet, eu imprimo, tiro cópia, trago para ler e do próprio livro didático.

Mas o livro eles não querem trazer, porque dizem que é pesado. Aí eu uso

muita xerox, muita cópia. Atualmente não uso meio audiovisual, porque só

tem um... A tv pen-drive, eu nunca utilizei, porque quando eu tentei utilizar,

eu tive um trabalho, eu botei no pen-drive, mas não funcionou de jeito

nenhum. E o data-show só tem um e tem um professor que usa direto, quando

a gente vai ver tá na mão dele, é complicado, eu não vou me atrasar por

causa de um data-show. Nós estamos até pedindo agora no PACTO, estamos

colocando no projeto pra ver se eles compram para melhorar, e o wi-fi

também a gente tá pedindo na escola, não sei se vão aprovar, né, com essa

mudança de governo aí, a gente nunca sabe, ne?

Hilda (pausa para consultar o seu material) Com certeza, pois segundo Umberto

Eco, o texto é uma máquina preguiçosa esperando que o leitor faça a sua

parte. O suporte são livro didático “Novas Palavras”, da autora Emília

Amaral, poesias, crônicas, internet e diversas outras pesquisas.

Betina Eu acho que a prática de leitura é assim muito... eu valorizo essa prática de

leitura, ela é muito relevante, ela é muito... ela é usada diariamente, porque

até quando eu vou fazer uma atividade que não seja especificamente de

leitura, ele precisa da leitura. Se eu mando fazer um questionário, uma vez

eu mando fazer um questionário, eu sei que é uma atividade um pouco

retrógrada, o pessoal diz que não se dá mais questionário, mas eu acho que

tudo bem utilizado é apropriado. De vez em quando eu pego assim e digo

você vai ler da página tal a tal, vai ler e fazer x questões com respostas. Vou

obrigar ele a ter coerência, elaborar, ele fazer isso, pode ser que não seja o

melhor, mas às vezes, funciona. Nessas aulas que a gente adianta, eu dou

livro, eu mando fazer pergunta, então é uma prática bem efetiva na sala de

aula, leitura de modo geral, de tela, de textos, de questões, tudo isso é muito,

eu faço muito. Utilizo outros textos como suportes, textos mimeografados, de

outros livros, e eu... uma coisa que... ninguém... eu faço, todo dia na semana,

eu até deixei de fazer... cinco minutos ou dez da minha aula para curiosidade

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literária. O menino traz o texto que ele leu, que ele gostou, ele traz, lê, às

vezes é uma música, ele canta, e a gente discute nesses cinco minutos, e eu

sempre faço isso para atribuir eu dou um crédito, que eu digo a ele que é um

crédito, às vezes décimos, na nota, mas é uma forma de estimulá-lo também

a participar dessa leitura.

Todas as professoras responderam que a prática de leitura era uma realidade em suas

aulas. No entanto, apresentaram suas ressalvas. A professora Cleusa Regina respondeu “é e

não é”. Isso porque entende que o tempo “limitado” das aulas dificulta que ela ponha em

prática suas propostas. Mesmo assim, ressaltou que “faz o que pode”. A professora Maria

Cecília respondeu “É...” e complementou: “aos trancos e barrancos”, ou seja, a prática de

leitura ocorre em suas aulas, porém com muitas dificuldades. Nesse caso, atribuiu a essas

dificuldades o fato de a maioria dos seus alunos não saberem ler e ficarem com vergonha

quando são chamados a este tipo de exercício. A professora Hilda respondeu “com certeza” e

citou Umberto Eco para embasar a sua resposta. A professora Betina afirmou que, em suas

aulas, a prática de leitura é usada cotidianamente, até mesmo quando a atividade não é

específica de leitura.

Quanto aos suportes que as docentes utilizavam para viabilizar o exercício da leitura,

todas apresentaram seus exemplos. Cleusa Regina respondeu que passava “livros” para que os

alunos lessem em casa e, posteriormente, discutissem nas aulas. Maria Cecília citou “xerox de

textos de revistas e da internet [...] e do próprio livro didático. Hilda citou o livro didático que

utilizava, “poesias, crônicas e diversas outras pesquisas”. Betina citou “questionários, leitura

de tela, de textos, de questões [...] textos mimeografados e de outros livros”. Acrescentou que

costumava utilizar cinco minutos de suas aulas para que um aluno, diariamente, levasse para a

aula um texto que tivesse gostado e lesse para a turma. Nomeou essa prática de “curiosidade

literária”.

Quadro 18 – Professoras analisam o ensino de literatura através da sua prática docente

Docente Dados encontrados

Cleusa

Regina

Eu procuro fazer o melhor possível dentro das limitações que nós temos. O

livro didático com pouca informação, os alunos sem interesse em comprar

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livros, a biblioteca da escola tem, mas não tem tudo necessário, né? Então a

gente faz...na medida do possível.

Maria

Cecília

Eu analiso... meio complicada, como eu disse, eles não gostam de ler,

quando faz algum cartaz, faz assim de qualquer jeito, tira da internet, copia

e cola, se fizer um trabalho escrito é pior, que eles não querem ter trabalho,

até a barra da internet eles deixam, a gente faz mas não é assim... eu mesma

me sinto como se eu não tivesse feito nada, entendeu? A gente tem o trabalho

de... programar, planejar, quando traz... às vezes tenho a impressão de que o

trabalho é nulo, que não fez nada, porque eles mesmos não querem. E aquela

sala que você foi é uma das melhorzinhas, porque a sala 1 e as outras... a

que eu consigo trabalhar melhor atualmente é a 6, porque eles brigam,

brigam mas na hora... a coisa muda de condição... dá pra fazer um trabalho

bom, mas nas outras... é complicado.

Hilda (pausa) Ao meu ver, o ensino da literatura na minha prática docente é

fundamental, porque creio que faço isso a fim de que o aluno se prepare

para o ENEM, vestibular, bem como para a vida.

Betina Eu não queria que eu fizesse essa análise. Eu gostaria que outra pessoa

fizesse isso (risos)... porque eu tento acertar, quando eu trabalho literatura

dessa maneira, eu tento realmente fazer o que deve ser feito, o que eu

acredito que é o melhor para o meu aluno, mas entre eu dizer que é o melhor

é complicado [...]. Às vezes eu chegava na sala e dizia assim: poxa, hoje eu

vou dar uma aula nota dez, aí preparava tudo, transparência, naquele tempo

das transparências. Aí, eu fazia a aula, preparava a aula, tudo e tal. Aí

chegava na sala e... legal, não sentia o envolvimento. E às vezes não

preparava nada, fazia uma coisa assim, e surtia muito mais efeito. [...] na

primeira unidade foi toda revisão [...]. Eu fiz um mapa conceitual. [...] [um

aluno] disse: Professora, [...]... literatura vai ser assim o ano todo? Porque

eu não sei como é que eu vou estudar. Foi uma crítica. E é um bom aluno.

Então às vezes pensa que está acertando e não está acertando, entendeu?

Agora, na medida do possível, eu tento diversificar o material, eu tento fazer

o que eu acho que deve ser certo, tá sempre aquela leitura crítica,

relacionando com o dia a dia [...].

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As docentes analisaram o ensino de literatura a partir das suas práticas docentes a

partir de considerações do movimento diário de suas aulas. Cleusa Regina afirmou que

procura “fazer o melhor possível” e, por conta da “pouca informação” contida no LD, dos

alunos não comprarem livros indicados e da insuficiência do acervo da biblioteca escolar, só

pode realizar uma prática “na medida do possível”. Maria Cecília avaliou sua prática apenas

como “meio complicada”. Em seguida, responsabilizou os alunos, que “não gostam de ler”,

ilustrando que quando pedia um trabalho, eles plagiavam da internet, sem ao menos retirar a

barra de endereços das impressões. Também mostrou-se revoltada por “programar, planejar” e

os alunos não valorizarem o seu trabalho. Hilda apenas respondeu que acredita que o seu

trabalho é de fundamental importância para que os seus alunos “se preparem para o ENEM,

vestibulares” e “para a vida”. Betina revelou que tenta acertar ao trabalhar a literatura da sua

maneira. Ao citar passagens de suas aulas, demonstrou que se preocupa com o planejamento,

com a execução e com o resultado das suas práticas, citando como exemplo uma crítica de um

dos seus alunos sobre a metodologia aplicada em algumas de suas aulas. Por fim, acrescentou

que tenta “diversificar o material”, através de leituras críticas associadas ao dia a dia e, ainda,

que faz “auto e hetero-avaliação” em todos os anos letivos.

Quadro 19 – Professoras avaliam a prática de leitura literária em suas escolas

Docente Dados encontrados

Cleusa

Regina

A própria linguagem, porque a linguagem do aluno é muito pobre. Hoje em dia

as pessoas não procuram, né, desenvolver uma linguagem formal culta... muita

gíria. Então às vezes vem dificultando o entendimento da literatura. Mas a

gente procura, né, mostrar que é necessário, né? Nem que seja com o uso do

dicionário do lado, (risos). Muito vocabulário, aulas de vocabulário, pesquisas

de vocabulário, uso do dicionário para o aluno ver que realmente existe a

linguagem literária e a linguagem do cotidiano, né, que a gente utiliza.

Maria

Cecília

[...] acham que aquilo não serve para nada. O que eu poderia sugerir? É que

fosse utilizada na escola a internet, o wi-fi, tivesse assim... tipo um laboratório,

como eu já propus, uma sala de leitura para cada matéria, com todos os

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recursos audiovisuais, internet porque agora eles só vivem na internet, no

celular, no tablet... porque a tendência é essa senão a escola vai... o livro vai

ficar obsoleto, não vai ficar totalmente porque o livro não pode deixar de

existir. Mas eu digo assim... se não colocar alguma coisa pra era deles, aí vai

ser pior, eles não vão... a prova do ENEM mesmo tá a maior confusão porque

eles não entendem... “ah, é muito besta”.... eles não gostam de ler, é o

resultado. Aí ficam reclamando. Eu digo, ah, não é comigo não, vão reclamar

lá com o MEC. Mas MEC? Porque se a UFBA aderiu também ao ENEM, as

universidades federais... você sabe que prova das federais são todas com texto,

maiores atualistas do ENEM, por que pormenorizar? Eu acho que é também

para cobrar a atividade de leitura, aí como o povo não gosta de ler... vai

dificultando mais ainda, né? Tem a Revista Mundo Jovem, também. A revista

Mundo Jovem que é muito boa, traz todos os temas da atualidade, eu... eu tinha

cancelado minha assinatura, esse ano vou renovar, já renovei, já paguei o

boleto porque é muito boa, inclusive o tema do ENEM, eles foram...

publicaram, comentaram, é mole? Se eu tivesse trabalhado com eles... seria

ótimo, porque desde o começo do ano eu trabalhei até junho com a xerox da...

você conhece a revista Mundo jovem? Muito boa. aí eu já vou renovar a minha

assinatura porque aí eu já vou... já vai servindo de suporte também.

Hilda (pausa) em relação à sala de aula, é necessário que o aluno saiba usar o livro

didático em seu favor como um meio de conhecimento, pois ele só tem a ganhar,

porém muitos não têm essa consciência e nem também obedecem a respeito do

que lhes é orientado. Por isso, as dificuldades são grandes em relação à leitura

e à escrita. Além disso, eu queria acrescentar também... ele precisa adquirir

sabedoria... sabedoria de querer fazer por prazer também...então, se ele parte

do prazer e não porque estão impondo... vai ajudar ele.

Betina Meu Deus do céu, que coisa difícil isso... leitura literária... Normalmente, a

gente usa, a maioria dos professores da escola, vou falar, não sei... mas eu vejo

os professores utilizando o livro didático. Usa o livro didático, aula expositiva,

não tem muito um incentivo à leitura, certo? E toda vez que a gente traz uma

coisa diferente pro menino, ele recebe bem, você viu. Eu entreguei a lista e eu

recebo. A menina perguntou: professora, a senhora me dá um, eu queria tanto

esse texto. Aí de vez em quando eu digo, quando eu trabalhar todo mundo eu

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dou, deixo x em cada sala. Encontro muitas dificuldades porque os colegas, eles

me acham assim... os colegas não querem ter trabalho. A questão que você ouve

muito aqui falar é: ah, já vem ela dando trabalho. Então, fazer um projeto de

leitura é procurar sarna para se coçar, entendeu? Então o professor reage a

esse tipo de trabalho. E a dificuldade é justamente por isso. Então, se tem um

projeto, não pode ter outro. Que agora mesmo, eu não sei se vou fazer isso

antes do ENEM por causa da gincana. Eu nem apresentei isso hoje sabe por

quê? Porque eu devo esperar acontecer a gincana, que depois que acontecer a

gincana eu faço isso no final de setembro ou no início de outubro. Aí vai ficar

em cima do ENEM. Eu não vou ter meu objetivo atingido. Eu queria estar com

esses esquemas todos discutidos, trabalhados, antes do ENEM. Um mês é muito

pouco. Porque aí seria um trabalho de redação, de produção de textos, não é

nem de literatura. Olha eu nunca tive...se eu quiser fazer sozinha, peitar... eu

tenho todo apoio da direção. Porque todos os projetos que eu fiz aqui na escola,

eu tive um apoio de sessenta por cento, não tem cem por cento, porque a escola

não tem microfone, não tem... não consegue uma mesa de som, ainda tem muito

entrave, a parte física da escola. Mas o apoio, professor, direção, eu tenho

todo, tenho todo, tenho apoio, muito apoio dele. Tanto que o projeto Jovem

senador era para professor de redação. Eu só tenho três turmas de redação e

ele me deu o projeto. Porque ele sabe como eu gosto de projeto, sou a

professora certa para trabalhar isso, por incrível que pareça. Aí agora, eu fui

um pouquinho... Não fui modesta. Mas é essa imagem que passa, entendeu?

Faltou um pouquinho a modéstia, me desculpe. Me desculpe... que ele me

pegou, podia ter feito com Cassandra, tem tanto professor aí que trabalha

redação, tem Natasha, tem Haydée Bandeira, que é professora do terceiro ano,

que deveria estar trabalhando projeto, tem Felícia, tem todo mundo, mas ele

pediu para mim, trabalhar, porque ele acha que eu tenho perfil, eu me envolvo

mais com as coisas, eu fiz pesquisa para esse projeto jovem senador, mandei

pesquisar, dei roteiro de pesquisa para trabalhar, para usar internet, rede

social, fiz debate, uma semana de debate e uma semana de produção de textos

na sala, olhando, corrigindo, não, copiou da internet, essa linguagem não é

sua, devolvendo texto, para escolher o texto que vai para Brasília e o texto que

vai para Brasília é do meu aluno, tenho certeza disso.

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217

As respostas oferecidas pelas professoras apontaram que elas reconhecem dificuldades

para o estabelecimento da prática de leitura literária em suas escolas, com exceção da

professora Hilda, que preferiu se reportar à sua sala de aula. A professora Cleusa Regina citou

como obstáculo a “própria linguagem do aluno, que é muito pobre”. E que o uso da gíria tem

afastado as pessoas da linguagem formal. Para resolver o problema, sugeriu “muito

vocabulário, aulas de vocabulário, uso do dicionário”. Isso seria necessário para que o aluno

tivesse a dimensão da diferença entre a “linguagem literária” e a “linguagem do cotidiano”.

A professora Maria Cecília respondeu que existem “muitos obstáculos”. E citou como

exemplos “a falta de material, de suporte”. Também, nesse caso, a professora responsabilizou

os seus alunos pela “falta de perspectiva e desinteresse” pela leitura de literatura. Para resolver

o problema, sugeriu que toda a escola tivesse internet e wi-fi, “um laboratório [...] uma sala de

leitura para cada matéria, com todos os recursos audiovisuais”. Revelou preocupação pelo fato

de a escola não acompanhar a era das tecnologias da informática, onde o aluno se enquadra, e

ainda considerou que o livro impresso vai ficar obsoleto.

A professora Hilda se referiu “à sala de aula”, para contextualizar sua resposta.

Afirmou que é “necessário que o aluno saiba usar o livro didático em seu favor”. Acrescentou

que a desobediência dos estudantes em relação às orientações que recebem implica as

dificuldades em relação à leitura e à escrita. Por fim, ressaltou que o aluno precisa ter

“sabedoria de querer fazer por prazer” e “não porque estão impondo”.

Quanto à professora Betina, pelo seu relato, a sua escola encontra dificuldades para o

estabelecimento da leitura literária. Dentre eles, citou o uso do livro didático nas aulas

expositivas que, segundo ela, “não tem muito um incentivo à leitura”. Citou também como

obstáculo os seus colegas, que “não querem ter trabalho” e, por isso, quando ela propôs algum

projeto de leitura, afirmaram que ela estava criando um problema para si mesma. Acrescentou

que o novo faz bem ao aluno, pois quando levava algo diferente do habitual para as suas aulas,

os alunos recebiam bem.

6.5.2. Entrevistando os alunos

Elaboramos doze questões, as quais compõem o roteiro de entrevistas para os oito

alunos da segunda e os sete alunos da terceira série do ensino médio. Destas, selecionamos

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seis que responderiam diretamente ao nosso objetivo específico de “Identificar e analisar, por

meio de entrevistas, as concepções e práticas de leitura, literatura, aulas de literatura, relação

com a leitura e usos do livro didático apresentados pelos alunos das escolas selecionadas para

a pesquisa”. As outras seis foram utilizadas para criarmos um perfil dos discentes em relação

aos hábitos de leitura dos brasileiros, os problemas enfrentados no quesito formação de

leitores e as sugestões que apresentaram para uma possível resolução das questões levantadas.

Dentre os alunos da segunda série, quatro da Escola Heurisgleides Ferreira e quatro da

Escola Renailda Sousa, seis disseram que não acreditam que o Brasil seja um país de pessoas

que têm o hábito de ler. Destes seis, três de cada escola. Quando indagamos o porquê de suas

opiniões, as respostas se dividiram: dois alunos alegaram falta de gosto pela leitura por parte

dos brasileiros; os demais citaram os índices de analfabetismo, a carência geral de leitura no

país, o hábito das pessoas em permitir que outras decidam por elas; uma não soube responder.

Os dois alunos que responderam “sim” à questão (um de cada escola) justificaram suas

respostas alegando a vendagem de livros, sobretudo para os adolescentes, e a utilização em

massa da internet, principalmente pelos aplicativos para aparelhos celulares.

Os alunos da terceira série foram mais cautelosos e não apresentaram respostas tão

diretas quanto os da segunda. Foram três alunos da Escola Heurisgleides Ferreira e quatro da

Escola Renailda Sousa. Os três alunos da primeira escola responderam que “sim”, isto é,

acreditam que os brasileiros têm o hábito de ler. Dentre os da segunda escola, três estudantes

responderam “não”, e um aluno afirmou que apenas trinta por cento dos brasileiros devem ler.

As justificativas apresentadas pelos alunos que responderam “sim” se pautaram nos seguintes

argumentos: Tânia alegou que “muita gente lê jornal”; Marcos se reportou ao tempo às vezes

tão exíguo que as pessoas acabam por ler apenas o básico, mas leem; Gláucia defendeu que

tanto “os meninos” quanto “as meninas” leem “livros de ajuda” e as sessões de autógrafos de

escritores têm demonstrado que o hábito de leitura está crescendo no país. Luiz apresentou

uma porcentagem dos leitores que gostam de ler e disse que “o resto não se interessa”. Os que

responderam “não” também apresentaram suas justificativas: Daniela se reportou à sua

própria escola para afirmar que as pessoas não têm o hábito de ler. Ana Cláudia atribuiu sua

resposta à utilização desenfreada da internet através das redes sociais e dos aplicativos.

Alegou que as pessoas não buscam a internet para ler ou para se instruir, mas apenas para

divertimento. Flor apontou o desinteresse das pessoas e citou a sua sala de aula como

exemplo; afirmou que a sua professora de literatura estimula os alunos a lerem, mas que eles

resistem.

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A segunda questão focou os problemas existentes em relação à formação de leitores no

Brasil e o que os estudantes sugeririam para a resolução desses problemas. Todos os oito

alunos da segunda série e os sete da terceira série das duas escolas responderam “sim”,

concordando que existem problemas na formação de leitores. As sugestões apontaram saídas

variadas para sanar as dificuldades. Os quatro alunos da segunda série da Escola

Heurisgleides Ferreira atribuíram à família o papel de contribuir para a resolução do problema

acima mencionado. Dentre esses quatro estudantes, Jéssica também responsabilizou o ensino

básico, Bruno citou a falta de interesse dos próprios indivíduos e Clô apontou o custo dos

livros, a falta de incentivo, sobretudo na mídia, em comparação com entretenimentos como

novelas e jogos.

Dentre os quatro estudantes da segunda série da Escola Renailda Sousa, dois se

reportaram à família como uma das responsáveis pelo incentivo à leitura, além de

apresentarem outros elementos que, em suas visões, teriam a mesma função. Ricardo entendeu

que formação de leitores e alfabetização são coisas similares e, portanto, sugeriu que a

solução está em alfabetizar as pessoas; e atribuiu essa função à sua professora, que deveria

entender que “cada pessoa é diferente de estudo”. Wellington ressaltou que “a culpa não é só

da escola” e que as pessoas deveriam se preocupar mais com a leitura; acrescentou que a

família também é responsável por incentivar as crianças à leitura. Mariana relacionou a

formação de leitores ao ofício do professor e do escritor, afirmando ter consciência da

dificuldade das atribuições docentes e da falta de espaço para se discutir esses problemas.

Sugeriu que a solução, talvez, viesse de fora, dos Estados Unidos, por exemplo. Também

responsabilizou a família por incentivar os seus filhos à leitura, ainda que muitas vezes “nem

tenha condições de cobrar”. Júlio, por sua vez, responsabilizou o sujeito coletivo “povo” que,

em sua visão, “deveria se dedicar mais aos estudos”, e relacionou esse fato à política no país.

Os alunos da terceira série da Escola Heurisgleides Ferreira apresentaram as seguintes

propostas: Marcos responsabilizou as redes sociais que, em sua visão, tomam muito tempo das

pessoas, as quais, ao invés de lerem, “batem papo” e, por isso, não encontram condições de se

dedicar à leitura. Não apontou sugestão. Gláucia citou a internet como responsável pelo

problema que, em razão do seu fácil acesso, dificulta a leitura de jornais, por exemplo. Além

disso, citou que as pessoas estão habituadas a se informarem pela leitura do outro, o que

dificulta um posicionamento crítico. Sugeriu que a solução estivesse na inserção de novas

“matérias interessantes” para chamarem a atenção do leitor.

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Dentre os quatro estudantes da Escola Renailda Sousa, um aluno e uma aluna

responsabilizaram a escola pela formação leitora: Luiz e Flor; e duas alunas atribuíram aos

próprios sujeitos a responsabilidade de se dedicarem à leitura: Daniela e Ana Cláudia. Luiz

afirmou que a escola deveria estimular os alunos desde cedo, pois, na fase adulta, as

dificuldades seriam insuperáveis. Daniela sugeriu que houvesse mais “palestras e

ensinamentos sobre a leitura”. Ana Cláudia apontou que “as pessoas poderiam incentivar as

outras a ler mais [...] mas de um jeito dinâmico”. Flor sugeriu que o incentivo à leitura fosse

extensivo a outras disciplinas, além de Português, pois em casa já não há esse estímulo.

A próxima questão – “A sua relação com a leitura se dá exclusivamente na escola? Por

quê?” – foi elaborada com o intuito de conhecermos os locais onde os estudantes praticam a

leitura, e se a praticam fora da escola. Todos os estudantes afirmaram que liam além dos

domínios de suas escolas. Dentre os alunos da segunda série, todos da escola Heurisgleides

Ferreira afirmaram que liam em casa. Davi lê livros, Jéssica lê livros de autoajuda, Bruno não

especificou o suporte, apenas afirmou gostar de ler, e Clô disse que tem muitos livros e os que

menos lê são os que a escola indica. Os da Escola Renailda Sousa, também da segunda série,

afirmaram que liam fora da escola; além disso, dois estudantes ressaltaram que liam em vários

lugares. Ricardo revelou que lê em vários lugares e momentos, quando está “descansando”,

quando “não tem nada para fazer”, “um livro, uma história”. Júlio também afirmou que lê “na

escola, na rua, em casa”, pois sempre há algo que chama a sua atenção, um jornal, por

exemplo. Wellington lê em casa, quando está na internet e quando há alguma atividade

escolar, e livros também. Mariana lê mais fora da escola do que na própria escola, pois

escreve para um blog e escreve poesias.

Os alunos da terceira série apresentaram respostas diversificadas. Os da Escola

Heurisgleides Ferreira se posicionaram da seguinte forma: Tânia gosta de ler “por fora” da

escola, livros didáticos. Marcos gosta de ler em casa livros “que contam histórias de

superação”, livros religiosos, evangélicos, revistas, atualidades e, sobretudo, História da

Grécia e de Roma. Gláucia gosta de ler “livros de jovens” isto é, “livros de autoajuda”. Os

estudantes da Escola Renailda Sousa, da mesma série, assim responderam: Luiz lê fora da

escola, pois lá só “estudam mais o livro didático”. Em casa, ele lê livros de Pedro de Andrade

Caminha e “outros tipos de literatura que, aqui na escola, a gente não é permitido”. Daniela lê

os livros da escola e também livros de História. Ana Cláudia lê fora da escola porque acha

“importante” e, por isso, sempre tira “um tempo para ler um pouco”. Flor atribuiu seu gosto

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pela leitura ao fato de sua mãe também gostar de ler. Disse que lê muitos romances “mesmo

que não sejam livros muito... de literatura”, até manuais de instruções.

A próxima questão pediu que os estudantes citassem livros que já tivessem lido por

sugestão de alguém próximo, como membros da família, amigos e professores. Elaboramos

essa questão com intuito de verificarmos se as sugestões apresentadas pelos livros didáticos,

geralmente indicando os cânones, estão contempladas nas escolhas dos estudantes. Do total,

foram citadas vinte e seis obras. Destas, sete são produções de autores que compõem o cânone

(26,9%) e dezenove (73,1) de autores que não compõem o cânone. Destes, considerando os

autores revelados pelos estudantes, doze são produções de autores estrangeiros (63,1%).

Os livros citados pertencentes ao cânone foram: Capitães da areia (Jorge Amado),

“um livro de Manuel Bandeira”, “um livro de Augusto dos Anjos”, “Machado de Assis”; três

foram indicados pela professora: A Moreninha (Joaquim Manuel de Macedo), A escrava

Isaura (Bernardo Guimarães) e A morte e a morte de Quincas Berro d’água (Jorge Amado).

Na relação dos livros que não compõem o cânone brasileiro foram citados: Anastra (o

estudante não soube informar o autor), A culpa é das estrelas (John Green), O código Da

Vinci (Dan Brown), A garota da capa vermelha (Sarah Blakley-Cartwright), A menina que

roubava livros (Markus Frank Zusak) – citado por dois estudantes, A guerra do gelo (a

estudante não soube informar quem era o autor), Diário de uma paixão (Nicholas Sparks), O

pequeno príncipe (Antoine de Saint-Exupéry), A Bíblia Sagrada, “um livro também sobre

matemática”, Crepúsculo (Stephanie Meyer), “o livro de Ivete Sangalo”, Harry Potter (J.K.

Rowling), O pão diário (segundo o estudante, uma produção cristã), “um livro espírita de

Mônica Castro”, Percy Jackson (Rick Riordan), Cidade de papel (John Green), A seleção

(Kiera Cass), A cabana (William P. Young). Destes, quando mencionadas, as indicações

foram de amigos.

A questão seguinte se referiu aos assuntos que seduzem os estudantes, ou seja, o que

eles gostam de ler em um livro. Dentre os oito alunos da segunda série (contando com as duas

escolas), predominou o gosto quando o assunto é “romance”, com quatro citações. As outras

temáticas citadas foram ação, fantasia e suspense (cada uma com duas citações), Biografia,

drama, sagas, trilogias, aventura e história antiga (cada uma com uma citação). Dentre os sete

alunos da terceira série (somando as duas escolas), três citaram “aventura” como assunto

predileto. Também foram citados romance, história e ficção científica (cada um com duas

citações); esportes, histórias de superação, espiritismo, matemática, engenharia e atualidades

(cada um com uma citação).

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A última questão desse bloco foi a seguinte: “Acredita que a prática de leitura literária

tem alguma importância em sua vida escolar? E fora da escola?”. Buscamos, com essa

questão, entender se a leitura de literatura possuía alguma relevância para aqueles estudantes.

Todos os quinze participantes responderam “sim” às perguntas. Desses, quatro alunos da

segunda série (Davi, Jéssica, Bruno e Mariana) e uma aluna da terceira série (Ana Cláudia)

responderam apenas “sim”, sem justificativas. Clô apresentou a seguinte justificativa “[...]

porque eu acho que é um meio de escrever melhor, falar melhor, ter uma visão ampla do

mundo melhor”; Ricardo considerou: “[...] porque ajuda a ser uma pessoa pensante, uma

pessoa melhor”; Wellington completou: “O que a gente aprende na escola vai aproveitar na

vida” e Júlio finalizou: “Porque sem leitura hoje a gente não vive. Porque tudo hoje envolve a

leitura, sabedoria, tudo hoje é movido à leitura”. Todos esses eram alunos da segunda série

das duas escolas.

Com relação aos alunos da terceira série que justificaram suas respostas, Tânia afirmou

que os livros cujos gêneros lhe interessam são levados para fora da escola: “Porque alguns

livros assim, tipo aventura, eu gosto de levar pra fora do mundo da escola”; Marcos

acrescentou que a leitura literária tem importância “[...] também na vida pessoal e

profissional”; Luiz se alongou na justificativa para apresentar a sua visão sobre a questão:

“[...] tem alguns textos, como Navio negreiro de Jorge Amado,56que é muito interessante, que

retrata sobre os escravos. É muito interessante. E eu vejo... e quando eu comecei a ler, eu

comecei a perceber o sofrimento o qual os escravos passaram, comecei a ver... e isso que nós

sofremos hoje em dia não é nem a metade. Então isso me ajuda. [...] os escravos estavam ali

sendo massacrados e mesmo assim não disseram não, mesmo assim não desistiram... por que

eu vou desistir?”; Daniela associou a relevância da referida leitura ao ENEM: “[...]

principalmente que no Enem eles cobram muito isso. Então... sim, porque é um preparatório,

você tem que tá lendo constantemente [...]; Flor concluiu afirmando que a leitura de literatura

[...] Aumenta o vocabulário, dá uma fluidez de falar, tudo mais”.

Traçado o perfil dos estudantes em suas relações com a leitura, passamos ao

tratamento dos dados que respondem ao nosso já mencionado objeto específico de pesquisa.

Esse tratamento está representado em um quadro que contém as respostas formuladas pelos

alunos às questões propostas. As questões 1 a 5 correspondem à nossa categoria de análise

“representação”, pois apresentam as concepções dos estudantes sobre leitura, literatura e usos

do livro didático. As questões 6 e 7 correspondem à categoria “apropriação”, uma vez que se

56 Trata-se da obra do poeta Castro Alves

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reportam aos modos de apropriação de conteúdos sugeridos pelas aulas expositivas e pelos

livros didáticos.

Ao final de cada quadro, apresentamos uma tabela em que expomos quantitativamente

os conceitos formulados pelos estudantes e a porcentagem de cada uma das ocorrências em

que foram mencionados. Esses conceitos se configuraram como indicativos para a nossa

interpretação dos dados.

Quadro 20 – O conceito de leitura na visão dos estudantes

Aluno Dados encontrados

Davi Ler é entender o que está lendo...

Jéssica Acho que é importante, né? Ler sempre é bom. Jornal, seja o que for.

Bruno Leitura... acho que é essencial para todos os alunos, até para quem não

estuda, que a leitura, além de aumentar o seu conhecimento, faz muito bem

pra gente.

Clô É... (risos) todo material que serve para a gente ler sobre qualquer tipo de

assunto, qualquer tema.

Ricardo Leitura... eu entendo como... é como você vê uma coisa que você gosta.

Wellington Leitura... leitura é um modo de você... também de você... é um modo de você

aprender as coisas que você...é... que quem não sabe ler, aprende.

Mariana Leitura... é tudo que a gente lê... que a gente tem a noção das palavras, tem

todo um contexto, sabe?

Júlio Leitura pra mim é tudo aquilo que a gente possa expressar, entender...tipo

uma interpretação. Tudo aquilo que a gente pode ver, identificar, demonstrar

alguma coisa, pensar em alguma coisa, fazer algo.

Tânia [...]eu penso que leitura pra mim não é só um ato assim, como um

conhecimento porque só não aprende novos vocabulários como você aprende

o que o livro lhe informa [...].

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Marcos Leitura... é conhecimento, informação, um lazer, leitura também é uma forma

de lazer... é isso.

Gláucia Leitura... é uma coisa muito importante para a gente aprender e ler sobre

outras coisas que a gente não está acostumada, repetir as coisas que o livro

passa.

Luiz Leitura... leitura seria você ler algum livro e entender o que se trata. Seria

praticamente você fazer... saber diferenciar o título do tema. [...] leitura seria

isso, desvendar a mensagem que o texto quer passar.

Daniela Leitura é ler e compreender, ou seja, você tem que interpretar.

Ana

Cláudia

Leitura é... uma forma de comunicação também. É... você aprende, [...] acho

que leitura é uma forma de comunicação, através do... da... visualização e...

acho que é isso.

Flor [...] parar pra pensar e ver assim como é que você se liga com a realidade,

ver... discutir... ver além do que está escrito.

As respostas obtidas revelaram os seguintes dados: Davi defende que ler é “entender o

que está lendo”; Wellington concebe o termo como “um modo de você aprender as coisas”;

Mariana associa a leitura a uma espécie de “noção das palavras” dentro de um contexto; Júlio

define o seu conceito a partir da interpretação: “leitura pra mim é tudo aquilo que a gente

possa expressar”. Todos esses alunos são estudantes da segunda série. Dentre os alunos da

terceira série que consideram os mesmos conceitos, Marcos acredita que além de proporcionar

o conhecimento, a leitura também “é uma forma de lazer”; Daniela relaciona a leitura com

interpretação: “leitura é ler e compreender”; Ana Cláudia concebe leitura como comunicação

a partir da “visualização”; Flor acredita que ler é “ver além do que está escrito”.

Em outro indicador, Jéssica, Bruno e Clô (segunda série) associam a leitura a algo

importante. Jéssica não soube precisar onde reside essa importância; Bruno entende que “além

de aumentar o seu conhecimento, faz muito bem pra gente”; e Clô acredita que leitura se

refere a todo “material que serve para a gente ler sobre qualquer coisa”. Também 20%

concebem a leitura como tributária do livro ou do texto. Para essas pessoas, ler significa

compreender o que o texto ou o livro querem dizer. Tânia concebe a leitura como os

ensinamentos transmitidos pelos livros: “[...] livro de biologia ele traz tudo de biologia, livro

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de sociologia ele traz atualidades, essas coisas”; Gláucia acredita que, além de aprender coisas

das quais não se está acostumado, leitura significa, também, “repetir as coisas que o livro

passa”; Luiz acredita que ler significa “desvendar a mensagem que o texto quer passar”.

Todos estes eram alunos da terceira série. Apenas um estudante associou a leitura ao gosto:

Ricardo (segunda série) compreende a leitura “[...] como você vê uma coisa que você gosta”.

Quadro 21 – O conceito de literatura segundo os alunos

Aluno Dados encontrados

Davi Ler um livro, talvez... não sei

Jéssica O ensino da história também. A gente também aprende a ler.

Bruno Acho que a gente aprende. Literatura é leitura.

Clô [...] uma base que os livros representam para a cultura. [...] que envolve

todos os temas abordados é... todos os tipos, como romance...

Ricardo Literatura são... os trabalhos dos autores que passaram através do tempo.

É... a literatura de várias... de várias culturas...

Wellington [...] literatura tem mais... é... tem mais a ver com história, literatura eu não

conheço muito, não. A professora dá aula de literatura, eu vejo que ela fala

de história.

Mariana Acho que literatura é uma coisa mais complexa, alguma coisa assim... que

não sei... que nos encanta... são pessoas que transmitem alguma coisa, acho

que é isso.

Júlio Literatura é o nosso movimento de tentar escrever, tentar fazer alguma

coisa, pra tentar se expressar através da escrita, de um diálogo.

Tânia Literatura, eu defino como... ler. É, literatura é ler um certo tipo de leitura,

literatura aventura, literatura clássica.

Marcos A literatura também é uma forma de conhecimento e lazer também. É algo

assim mais abrangente, envolve mais a história, acontecimentos, fatos

marcantes. Um hobby, literatura também é um hobby, arte, cultura, e vários

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outros assuntos.

Gláucia Eu acho que literatura fala mais sobre as coisas do passado. As coisas que a

gente não sabia e que a gente sabe agora, que vai ensinando...

trovadorismo...

Luiz Literatura seria como se fosse um local em que armazena diversos tipos de

conhecimentos na área da leitura, mas que grandes homens escreveram.

Daniela Literatura ... literatura é uma... é um tipo de leitura também desde o

passado... é isso.

Ana

Cláudia

Literatura... acho que é... tem... é interligada à história, eu acho. E... eu não

sei explicar.

Flor Literatura... Eu vejo literatura como uma forma de arte. Assim... só que uma

arte escrita. Que assim... na maioria das vezes, a literatura, ela visa é

criticar a sociedade ou alguma coisa do tipo. Aí eu vejo a literatura como

uma forma de crítica.

Verificamos que a maioria dos participantes entende literatura como leitura. Dentre os

que justificaram o seu conceito, Tânia, aluna da terceira série, citou dois gêneros da literatura:

aventura e literatura clássica. Daniela, também aluna da terceira série, associou a literatura à

leitura “[...] desde o passado”. Na sequência, três alunos relacionaram a literatura com o

ensino da história, dentre esses, Wellington, aluno da segunda série, justificou sua resposta

afirmando que, nas aulas expositivas, a professora o levou a ter esse entendimento. Ana

Cláudia, da terceira série, não soube explicar a sua resposta.

Também três alunos entendem literatura como Produções literárias ou local que

armazena conhecimentos na área de leitura produzidos por grandes homens. No primeiro

caso, Clô, da segunda série, entende a literatura como “uma base que os livros representam

para a cultura [...]”, e citou o gênero romance como exemplo. Ricardo, da mesma série,

concebe o termo como “o trabalho dos autores que passam através do tempo”. No segundo

caso, Luiz, da terceira série, acredita que “grandes homens” escreveram “diversos tipos de

conhecimentos”, os quais estariam armazenados em um local. Em seguida, temos hobby, arte,

cultura, crítica. Marcos justificou a sua resposta afirmando que a literatura “também é uma

forma de conhecimento” e Flor entende a literatura como arte escrita, que tem a função de

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criticar a sociedade. Completando o quadro, Mariana, da segunda série, considera a literatura

“complexa”, mas que “encanta”, e a conceitua como “pessoas que transmitem alguma coisa”.

Júlio, também da segunda série, defendeu que a literatura “é o nosso movimento de tentar

escrever”, enquanto Gláucia, da terceira série, entende literatura como “coisas do passado” e

citou a escola literária Trovadorismo como exemplo.

Quadro 22 – Estudantes avaliam o papel do livro didático no seu processo de ensino-

aprendizagem

Aluno Dados encontrados

Davi Tenho. Não.

Jéssica Não, porque eu acho que seria mais interessante se tivesse um livro só de

literatura, só mesmo, como matéria. E aqui não tem.

Bruno Tenho. Não acho que seja suficiente. É preciso aprimorar, se aprofundar

mais nos assuntos, além do livro.

Clô Sim. Não, eu acho que os livros têm uma vibe mais de conteúdo, que às

vezes a gente acaba não usando, que a gente nem vê o que é que tem, mas

tem.

Ricardo Tenho... não acredito... porque é uma coisa que eu não entendo, aí eu

procuro outras fontes para entender melhor o assunto.

Wellington Sim... Não, acho que não...

Mariana Sim. Não acho. Aí seria... formal... se tivesse mais sobre os escritores, sabe?

Ia ficar bem mais legal a gente aprender também.

Júlio Sim. Não, eu acho que não é suficiente. Tem que preparar mais coisas,

assim... outros livros, através de bibliotecas e outras coisas a mais [...].

Tânia Sim. Não acredito, porque literatura tem sempre muito mais além do livro.

Tem a história do autor e tem autor que muda o tipo de literatura.

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Classicismo, Neoclassicismo, então é muito mais.

Marcos Não acho que seja suficiente. A gente tem sempre que tá buscando a

informação na internet e em outros livros.

Gláucia Eu não tenho. Quer dizer, uma galera do colégio não recebeu esse livro

porque ficou faltando. É e não é suficiente. Eu mesmo não tenho o livro.

Então, é preciso procurar os assuntos na internet...outros livros também de

literatura... (Pesquisador interrompe: Mas quando acontece isso de você não

ter o livro, a professora leva outros livros da escola? Você tem acesso às

atividades através desses livros?) Sim, a professora leva; tenho acesso.

Luiz Sim, tenho. Não é suficiente. [...] não adianta ter um livro, não adianta ter

todos os livros de literatura sendo que eu não leio, sendo que eu não busco

mais conhecimentos.

Daniela Sim, tenho. Eu acho que sim, porque a professora... o que a professora fala

tem base no que está no livro mesmo. Às vezes ela dá algo a mais, fala de...

poeta de, de escritores, atividades, mas... dá pra ter uma base.

Ana

Cláudia

Sim. Acho que não... ainda precisa basear muitas coisas ainda, não só no

livro, tem... tem... internet também, ensina várias coisas de literatura, não só

o livro.

Flor Sim. É... mais ou menos. Eu acho que é bom o conteúdo do livro, mas você

sempre tem que buscar algo para complementar. [...] porque talvez você

encontre de forma mais explicada em outro lugar... que você não consegue

achar no livro.

De acordo às proposições dos discentes, percebemos que a maioria deles é favorável à

utilização de outros suportes, além do livro didático, pois acreditam que este instrumento é

insuficiente para atender às demandas do processo de ensino-aprendizagem, conforme as

justificativas apresentadas. Da segunda série, Bruno, Ricardo e Júlio, e da terceira série,

Marcos, Gláucia, Luiz, Ana Cláudia e Flor apontaram essa sugestão. Bruno acredita que o LD

seja insuficiente e, por isso, precisa de algo mais “além do livro” para se aprofundar nos

assuntos. Ricardo afirma que quando não entende algo, procura “outras fontes”. Júlio sugere a

pesquisa em bibliotecas. Marcos sugeriu a internet como fonte de pesquisa. Gláucia revelou

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que não possuía o LD daquele ano, pois faltaram exemplares para muitos alunos; mesmo

assim, afirmou que, nas aulas, tinha acesso ao referido suporte porque a professora

providenciava exemplares junto à secretaria da escola; completou sugerindo a utilização da

internet e de outros livros como complementares ao LD. Luiz afirmou que não basta ter o

livro, mas é preciso que as pessoas o leiam. Ana Cláudia também citou a internet como

suporte auxiliar ao trabalho docente. Flor acredita que o conteúdo do LD seja “bom”, mas

defende a busca por outros suportes para complementar o aprendizado.

Além disso, três estudantes da segunda série e uma da terceira apresentaram outras

sugestões em suas críticas ao uso exclusivo do LD. Jéssica sugeriu um livro didático apenas

de literatura, “como matéria”. Segundo ela, isso seria “mais interessante”. Clô considera o LD

como “uma vibe mais de conteúdo que às vezes a gente acaba não usando”; Mariana sugeriu

que houvesse mais abordagens “sobre os escritores”; Tânia acrescentou que há muito mais

“além do livro” e citou a “história do autor” e escolas literárias como “Classicismo e

Neoclassicismo”. Dois alunos da segunda série não justificaram suas respostas; apenas

afirmaram que entendem o LD como insuficiente em relação ao processo de ensino

aprendizagem. Apenas uma aluna, da terceira série, acha o livro didático suficiente como

suporte ao ensino: Daniela justificou sua resposta afirmando que “[...] o que a professora fala

tem base no que está no livro mesmo”.

Quadro 23 – A prática de leitura nas escolas segundo os estudantes entrevistados

Aluno Dados encontrados

Davi Sim. Talvez se os professores se esforçassem mais junto com os pais em

casa, os alunos se comportassem melhor.

Jéssica Mais ou menos. Incentivar os meninos à leitura, incentivar mesmo.

Bruno Não, eu acho que é mais a preguiça dos alunos para ler as coisas (risos).

Meio difícil, viu? Acho que vem de cada um

Clô Sim, tem [...]. Não mais incentivo, porque querendo ou não, os professores

incentivam. [...] acho que programas de leituras, valendo ponto, que acho

que tem que ter isso; valendo nota, as pessoas vão fazer. Incentivo em casa

também, mais acesso a livros, porque eu realmente não leio aqui. Aqui é um

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colégio grande, deveria ter uma biblioteca com livros legais, aqui não tem,

que eu saiba.

Ricardo Não... acho que não...

Wellington Ah, tem. Não seja nem pelos professores, mas pelos alunos mesmo que não

gostam de ler.

Mariana Sim, bastante. Acho que incentivando, sabe? Acho que essa monotonia de

todo dia, ah... tem atividade... acho que deveriam colocar mais livros nas

nossas mãos, sabe? mas não é qualquer livro, é livro que faça com que a

gente aprenda, tá faltando. (Pesquisador interrompe: E esses livros seriam

quais?) ah, tipo assim, Jorge Amado, essas coisas, tem muitos escritores

bons, Fernando Pessoa, Clarice Lispector... tem muitos escritores.

Júlio Eu acho que não, porque pelo que eu vejo muito incentivo hoje à leitura na

escola. Acho que não tem problemas.

Tânia Sempre tem. Eu vejo pouca gente aqui gostando de ler. [...] Acho que uma

oficina de literatura, a biblioteca funcionando também seria legal, porque a

biblioteca daqui não funciona.

Marcos Eu diria que é regular, entendeu? Uma maneira de resolver... Acho que

incentivando mais os alunos a ler, ou seja, colocando, sei lá, uma olimpíada

de leitura. Assim...os professores de português... assim, pelo menos os que

eu já tive, eles incentivam bastante a leitura.

Gláucia Eu acho que não, todo mundo tem lido assim... quando não tem, um vai lá na

sala, um amigo e ajuda. Então... acho que não tem problema nenhum.

Luiz Acho, acho. Poderia ser incentivado mais e mais. Os alunos poderiam ter

um incentivo a mais acerca da leitura. Porque eu vejo a leitura aqui na

escola... são poucos os alunos que se preocupam em ler, [...] E isso é muito

ruim, porque uma vez que a gente lê, a gente melhora o vocabulário, fica

mais informado e tudo.

Daniela Sim, nem todos os alunos gostam de ler. Seria uma forma mais dinâmica,

né? Ter mais dinamismo para que eles possam querer ler mais. Talvez,

histórias com mais contextos de atualidades com que eles possam se

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231

interessar.

Ana

Cláudia

Muito problema. Eu acho que tinha que ser... assim, mais dinâmico a

prática de leitura, não só dentro da sala. Tinha que ter alguma coisa

dinâmica assim pra incentivar os alunos pra ler mais.

Flor Nos jovens, principalmente. Eu acho que perdeu-se aquela coisa de a pessoa

ler, chegar... agora o é tudo o mais... o povo perde mais tempo em rede

social e tudo mais, mas eu acho que uma prática boa seria ser como era...

que minha mãe falava pra mim que antigamente as provas, principalmente

de português e literatura, eram baseadas em livros. Aí era estimulado o

aluno a ler o livro para fazer a prova, né? Mesmo que seja um estímulo meio

que forçado, mas depois alguns acabavam até tomando gosto e passando a

ler por conta própria.

As respostas fornecidas pelos estudantes revelam que a maioria deles percebe que há

problema em suas escolas em relação à prática da leitura e apresentaram suas sugestões para

solucionar o problema. No tratamento desses dados, analisaremos não por série, mas pelas

escolas nas quais os alunos estudam, em razão de a questão se referir diretamente ao trabalho

desenvolvido nessas instituições. Da escola Heurisgleides Ferreira, os alunos da segunda série

assim se pronunciaram: Davi acredita que os professores deveriam “se esforçar mais junto

com os pais”; assim, talvez, os alunos “melhorassem”. Jéssica acredita que a solução estaria

no incentivo à leitura, mas não revelou de onde partiria esse incentivo e nem como ele poderia

ocorrer. Clô afirmou que os estudantes não precisam de incentivo, pois isso os professores

fazem. A sua sugestão é a de que a escola adotasse programas de leituras, valendo pontuação,

nota, pois somente assim os alunos leriam. Também reclamou da falta de biblioteca na escola,

afirmando que esse é um dos motivos pelos quais ela não lê na escola.

Os alunos da terceira série da Escola Heurisgleides Ferreira e que sugeriram soluções

foram Tânia e Marcos. A primeira sugeriu “oficinas de literatura” e também reclamou da falta

de biblioteca, pois, apesar de existir uma na sua escola, não funciona. Marcos sugeriu uma

“olimpíada de leitura”, pois acredita que, como há incentivo dos professores de português,

isso seria uma maneira de “resolver os problemas” da leitura em sua escola.

Os demais estudantes da Escola Heurisgleides Ferreira se posicionaram da seguinte

forma: Bruno, da segunda série, e Gláucia, da terceira, afirmaram que não há problemas em

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relação à prática da leitura em sua escola. Bruno atribuiu a responsabilidade aos próprios

alunos, que, em sua visão, não leem por “preguiça”. Gláucia acredita que pode haver

problemas, mas são pontuais e podem ser resolvidos com uma simples ajuda de algum colega:

“[...] quando não tem, um vai lá na sala, um amigo e ajuda. Então... acho que não tem

problema nenhum”.

Os estudantes da Escola Renailda Sousa também se dividiram em relação às sugestões

apresentadas para solucionar o problema anteriormente mencionado. Da segunda série,

Wellington e Mariana acreditam que sim, há problemas. Wellington responsabilizou os

alunos. Afirmou que eles não gostam de ler. Mariana considera o ensino, da forma como

acontece, monótono. Para ela, os alunos deveriam ter mais contato com os livros, citando

como exemplo “escritores bons”, como Jorge Amado, Fernando Pessoa e Clarice Lispector.

Os outros dois alunos da segunda série, Ricardo e Júlio, acreditam não haver problemas em

relação à prática de leitura em sua escola. Júlio justificou sua resposta afirmando que há

“muito incentivo” à leitura naquela instituição, enquanto Ricardo não justificou sua resposta.

Todos os estudantes da terceira série da Escola Renailda Sousa entendem que há

problemas em sua escola frente à prática de leitura. Luiz defende que a solução estaria em

incentivar mais o aluno à leitura, pois, segundo suas observações, “são poucos os alunos que

se preocupam em ler”; além disso, com a leitura, segundo ele, “[...] a gente melhora o

vocabulário, fica mais informado e tudo”. Daniela aposta no dinamismo como solução e

também “[...] histórias com mais contextos de atualidades com que eles possam se interessar”.

Ana Cláudia também acredita que deveria haver uma prática mais dinâmica de incentivo à

leitura para os alunos. Flor acredita que os tempos modernos são responsáveis pelo

distanciamento da prática de leitura e responsabiliza as redes sociais; para ela, a solução

estaria nos métodos do passado, à época de sua mãe, que lhe narrou histórias de como eram

realizadas as provas antigamente: todas baseadas nos livros; para ela, isso seria um “[...]

estímulo, ainda que forçado”, mas que provocaria o gosto pela leitura, no final.

Quadro 24 – Grau de satisfação dos estudantes em relação às aulas de literatura

Aluno Dados encontrados

Davi Mais ou menos... porque não dá pra entender todo o assunto, né?

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Jéssica Não. Porque a gente não tem muitas aulas de literatura aqui, a gente não

tem.

Bruno Não. Porque as únicas aulas de literatura que a gente tem é tudo tirado do

livro.

Clô Não, porque a gente tem duas ou três aulas de Português na semana, não

sei, e só uma é exclusiva para a literatura. Então eu acho bem pouco,

comparada a outros colégios particulares e até públicos, que têm mais, aqui

não tem. E é bem rápida a aula.

Ricardo Sim, porque... eu gosto do momento da história do Brasil no passado...

Wellington Não... porque eu acho que... não foi suficiente ainda, entendeu? Pra poder

ter esse conhecimento, até mesmo se eu tivesse algo... assim... um

conhecimento da literatura, eu sabia responder a pergunta anterior.

Mariana Sim, porque a professora é bem diversificada nos assuntos. O texto, ela foca

no livro e ela é muito fã. Então, isso é muito bom pra gente.

Júlio Sim, porque de todos os professores de português que eu já tive até hoje,

todos tinham formação em português mesmo, todos sabiam ensinar.

Tânia Como eu tive poucas aulas de literatura, algumas aulas foram bem

agradáveis, bem dinâmicas, eu gostei.

Marcos Não. Não satisfeito. Porque deveria ter mais. Acho que o número de aulas é

insuficiente.

Gláucia Sim, porque é bom, é bom, eu gosto porque tem os textos líricos, eu lírico...

eu gosto.

Luiz Me considero satisfeito. Porque eu vejo que o empenho da professora que eu

tenho é muito alto. E ela se preocupa em sempre estar trazendo conteúdo... o

melhor conteúdo para a gente e tirar nossas dúvidas.

Daniela Eu me considero satisfeita porque é uma aula aberta, dinâmica e que a

professora dá oportunidade a todos para que se expressem, para que

possam perguntar, tirar todas as dúvidas, então... em relação a isso eu estou

satisfeita... (pesquisador interrompe: a professora atual?) sim, a professora

atual.

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234

Ana

Cláudia

Sim... porque... várias coisas que eu não sabia que... nunca imaginava que

era do assunto de literatura, eu aprendi bastante.

Flor Sim, porque a professora, ela consegue assim, mostrar... faz a gente

enxergar coisas que a gente não vê. É... tipo assim... nos pequenos detalhes,

ah, quando ele cita tal coisa, ele tá se referindo a isso, ao que acontece com

tal gente, ao que acontece com o negro, aconteceu com o índio. Coisa que a

gente lendo assim, a gente passa desapercebido. Isso com a professora

Betina. As aulas anteriores [...] eram aulas mesmo assim de esquemas. E

antes disso, sempre foi mais gramática. Português era Gramática.

De acordo às respostas dos estudantes, percebemos que a maioria deles está satisfeita

com as aulas de literatura das quais participaram. Dentre os satisfeitos, todos os quatro alunos

da terceira série da Escola Renailda Sousa e dois dos três alunos da Escola Heurisgleides

Ferreira. Dentre os quatro estudantes da segunda série da Escola Renailda Sousa, três deles

responderam que estão satisfeitos com as aulas. Entre os da Escola Heurisgleides Ferreira,

também da segunda série, não houve nenhum aluno totalmente satisfeito. Um deles respondeu

“mais ou menos satisfeito” e os outros três se disseram insatisfeitos com as aulas. Nesse caso,

todos apresentaram suas justificativas.

Os satisfeitos apresentaram as seguintes justificativas: Ricardo por gostar de “História

do Brasil”; Mariana, em razão da paixão de sua professora pela literatura, por ser “bem

diversificada nos assuntos” e por focar no livro didático; Júlio pela formação de seus

professores de português: “todos sabiam ensinar”; Tânia pelas aulas dinâmicas, as quais já

assistiu, apesar de terem sido poucas; Gláucia “[...] porque tem os textos líricos”; Luiz pelo

empenho de sua professora; Daniela em razão da dinamicidade das aulas, sobretudo pelo

espaço permitido pela professora para que os alunos se expressem; Ana Cláudia por ter

conhecido assuntos que não sabia que eram de literatura; Flor pela dinamicidade e pela

autoridade da professora Betina. Segundo a estudante, as aulas com outros professores “[...]

sempre foi mais gramática”.

Os insatisfeitos justificaram suas respostas da seguinte forma: Jéssica credita sua

insatisfação ao número insuficiente de aulas de literatura; Bruno reclamou que “[...] as únicas

aulas de literatura que a gente tem é tudo tirado do livro”. Clô também reclamou da

quantidade de aulas de literatura na semana, apenas uma, segundo a aluna; comparou com

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outras escolas, inclusive particulares, que teriam uma quantidade maior de aulas; além disso,

reiterou que a única aula semanal acaba muito rápido. Wellington afirmou que as aulas de

literatura das quais participou ainda não foram suficientes para que ele pudesse aprender “esse

conhecimento”. Marcos também reclamou da quantidade de aulas, que seria insuficiente. E

Davi se disse “mais ou menos satisfeito”, por não conseguir entender todos os assuntos.

Quadro 25 – Estudantes revelam como se preparam para participar das aulas e para

responder às atividades propostas

Aluno Dados encontrados

Davi Não. Tento ver os assuntos que a professora tem dado e tento entender para

depois responder.

Jéssica Não. Eu leio livros.

Bruno Livros. Aí já vem da facilidade que eu tenho para entender os assuntos.

Clô Sim, a professora, ela consegue, ela passa materiais falando sobre o livro e

mandando a gente ler. O último que ela passou foi o de Machado de Assis,

que agora eu não lembro, é um bem famoso, mas eu não me lembro. E aí ela

manda a gente falar, entender o livro, fazer um resumo... e isso é bom,

porque a gente aprende e tem uma aula legal. Eu estudo com base nos

assuntos que ela dá e o que eu já tenho em casa, no livro de Português.

Ricardo Não... não leio nada. Para responder os questionários eu estudo o que a

professora passou.

Wellington Não me preparo... não leio nada antes.

Mariana Normalmente pelos textos que ela coloca, como eu falei. Ela coloca muitos

textos. Então a gente faz o que a gente interpreta pelos textos.

Júlio Assim, porque quando o professor entra na sala para dar uma aula, a gente

ainda não tá preparado para aquela aula. Ele começa a dar a aula dele, e

naquela hora aula a gente começa a se entrosar, começa a bater papo, aí

começa a discussão da aula. Aí, eu me entroso mais na hora. Pra mim me

preparar para um tipo de prova, alguma coisa assim, eu preciso me

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preparar, agora na aula, é na hora. Para as questões, tem que ter um

preparo também. Tem que aprender um pouco para fazer as atividades.

Tânia Não, não... base eu só tenho assim... o que os professores indicam livros, eu

leio. Os questionários... como eu te disse, eu tive poucas aulas de literatura,

em alguns tipos de literatura eu sei identificar, eu me baseio pelas aulas

para estudar. Pelo livro didático também.

Marcos Baseado... procuro me basear no conhecimento geral que eu já tenho e em

algumas coisas assim... que eu li.

Gláucia Ela passa um texto e a gente lê e responde o que tem a ver com livro, tipo

assim. Aí com base no que a gente leu, a gente responde.

Luiz Antes eu procuro ver qual assunto ela vai estar trabalhando. Pra em cima

desse assunto eu desenvolver uma espécie de mapa que eu vou me localizar

quando ela estiver fazendo as aulas. Aí através desse mapa que eu fiz meu

próprio conhecimento, o conhecimento que eu desenvolvi em cima do

assunto dela. Aí eu vou poder responder as perguntas.

Daniela Sim, eu leio o que ela passou a cada dia que ela passa algo; assim inclusive

eu leio em casa já pra ter uma base pra quando chegar em sala de aula

puder... introduzir melhor. Eu me baseio mais no livro didático.

Ana

Cláudia

Eu não me preparo não... para responder os questionários também não.

(Pesquisador interrompe: E como é que você responde os questionários?)

Assim... tem explicações que a professora dá; às vezes tem alguma coisa

que eu já fiz antes... (pesquisador interrompe: então você se prepara de

algum modo, né?) Sim...

Flor Eu geralmente me baseio na leitura do livro e também por ver videoaulas na

internet.

As respostas dos estudantes nos mostram dados divergentes em relação à preparação

dos alunos para participarem das aulas e das atividades propostas pelas professoras. Em

relação às aulas, 46,67% não se prepara. Quanto aos questionários, apenas um aluno afirmou

que não se baseia em nada, nem para as aulas e nem para responder aos questionários.

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Entre os alunos que se preparam para as aulas e para as atividades, Bruno se utiliza de

livros e, por isso, afirma ter “[...] facilidade [...] para entender os assuntos”. Clô se baseia em

livros que a professora passa e no seu livro didático. Mariana se prepara a partir dos textos

fornecidos pela professora. Marcos se baseia no seu próprio conhecimento. Gláucia se baseia

em textos que a professora passa. Luiz, a partir da criação de um mapa com o qual ele garante

conseguir se apropriar dos conteúdos apresentados pela professora e, assim, construir seu

próprio conhecimento. Daniela afirmou que lê em casa e se baseia “[...] mais pelo livro

didático”. Flor se baseia na leitura do livro didático e nas videoaulas da internet.

Dentre os que se preparam apenas para as atividades, encontram-se: Davi, Jéssica,

Ricardo, Júlio, Tânia e Ana Cláudia. Davi se baseia nas aulas; Jéssica estuda pelos livros;

Ricardo se prepara pelos assuntos trabalhados pela professora; Júlio apenas disse que se

prepara, mas não especificou através de quê; Tânia estuda pelo livro didático; Ana Cláudia se

baseia nas aulas de sua professora. Apenas Wellington revelou que não estuda para responder

aos questionários e nem para participar das aulas.

6.6. Aproximação dos dados

Por meio da aproximação dos dados descritos, analisados e interpretados através de

documentos (PPP, planos de disciplinas e observação simples) e conteúdo dos discursos

(docentes e discentes), pudemos compor uma síntese da representação dos modelos de

educação literária existentes nas escolas pesquisadas. Para tanto, os resultados aqui expostos

expressam aproximações e distâncias entre os dados coletados constituintes das análises

realizadas.

O PPP da Escola Heurisgleides Ferreira tem como missão “assegurar a formação

integral do aluno [...] para desenvolver o cidadão do Século XXI que atende às exigências

da sociedade globalizada do trabalho no seu contexto sócio-político, econômico e cultural”.

Já o PPP da Escola Renailda Sousa apresenta como principal objetivo “[...] educar para

superar desafios e exigências da sociedade, oportunizando, ao estudante, o exercício da

cidadania através da construção do conhecimento crítico contextualizado, alicerçado na

reflexão de seus direitos e deveres”. Ao relacionarmos esses dados com os planos de

disciplinas das professoras, reportamo-nos ao que Cyana Leahy-Dios discute quando

menciona a existência de uma autoridade que direciona os modos sobre como se ensinam e se

testam os conhecimentos sobre literatura nas escolas. As exigências mencionadas nos PPP, em

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relação ao trabalho com a literatura, estariam relacionadas à obtenção dos resultados

alcançados pelas escolas. Lembramos que são também “comandos de autoridade”

responsáveis por exigir que o processo de ensino-aprendizagem se realize a partir da

memorização de datas, obras, autores e principais características. De igual modo, os planos

das professoras assim também se apresentam: todos eles seguem a periodização da literatura

defendida no livro didático. Trata-se de atender às exigências de instâncias superiores às

escolas, as quais prescrevem aquele tipo de ensino.

Em relação às observações, registramos que o livro didático foi o suporte mais

utilizado e o que mais embasou as aulas assistidas. Daí, percebemos uma sequência entre o

que defendem os PPP e o conteúdo previsto nos planos em diálogo com o conteúdo

apresentado pelo LD. Ainda sobre as observações, os processos de ensino-aprendizagem de

três professoras também dialogavam com os PPP. Cleusa Regina, Maria Cecília e Hilda

passavam atividades extraídas dos LD aos estudantes e as respostas às questões formuladas

também saíam do próprio LD. Por fim, as visões sobre a literatura apresentaram, novamente,

postura semelhante entre as três professoras mencionadas anteriormente. Cleusa apresentava,

como no LD, um conhecimento da literatura canônica e defendia o seu estudo. Hilda e Maria

Cecília compreendiam o ensino de literatura como um meio para que os seus alunos

lograssem aprovação nos vestibulares e no ENEM. Por sua vez, nas aulas de Betina, apesar de

o LD se fazer presente, não foi o único suporte utilizado e os assuntos apresentados, quando

trabalhados, foram acrescidos de contribuições por parte da professora.

Sobre o papel do professor, os PPP o consideram agente articulador57 (Escola

Heurisgleides Ferreira) ou mediador58 (Escola Renailda Sousa). Nos planos de disciplinas

analisados, percebemos que todos eles indicam o que prega o PPP, pois os professores

apresentam os conteúdos e como serão trabalhados cada componente dos assuntos propostos,

divididos em unidade, relacionando-os com temas transversais, considerando as competências

e habilidades dos estudantes. Quanto às observações, registramos aproximações e

distanciamentos entre o PPP e as práticas docentes das professoras também. A professora

Cleusa Regina ministrava aulas, propunha atividades, comentava conteúdos trabalhados e

também copiava as respostas às questões extraídas do LD sem discuti-las ou considerar as

57 O professor é um agente articulador do processo de construção do conhecimento que possui a função de

despertar, provocar e estimular nos alunos o interesse pelo aprender, sem perder de vista a finalidade do

conhecimento historicamente acumulado. 58 O educador (mediador) tem o papel neste processo de conhecimento. A tarefa dos educadores é desenvolver,

ao máximo, aptidões, capacidades e habilidades no educando [...] Fica evidenciado o papel do professor como

mediador de novos conhecimentos, através daquilo que o estudante já sabe ou é capaz de saber com o auxílio de

outros.

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respostas dos discentes. De acordo com o PPP da sua escola, as descrições acima não se

encaixam no perfil de agente articulador. No entanto, registramos momentos em que a

referida docente “despertou” e “estimulou” os seus estudantes a se interessarem por suas

considerações a respeito do assunto que trabalhava.

A professora Maria Cecília, nas aulas observadas, teceu comentários e apresentou

argumentos frente aos assuntos trabalhados por ela em sua turma. Também se destacou por se

manter fiel ao livro didático e às suas questões de interpretação apresentadas por aquele

manual, sem apresentar suas considerações frente aos assuntos trabalhados. Segundo o PPP da

sua escola, isso não a qualifica como agente articuladora. No entanto, ao serem

entrevistados, dois dos três estudantes de sua classe responderam que estavam satisfeitos com

as aulas de literatura. As justificativas foram: aulas agradáveis e dinâmicas e porque a

professora trabalhava com textos líricos. Quanto ao que se disse insatisfeito, a justificativa foi

pela insuficiência do número de aulas da disciplina. Portanto, mesmo não sendo possível

registrar nas seis aulas em que estivemos presentes algum movimento que se aproximasse do

que o PPP conceituava como agente articulador, de algum modo, em outras aulas, a professora

poderia estimular, provocar e despertar o interesse do seu aluno pelo conteúdo que lhe

apresentava.

A professora Hilda realizou o papel de auxiliar os estudantes a responderem às

atividades propostas pelo livro didático. Suas explicações eram pautadas exclusivamente pelo

discurso contido no LD, pois não havia espaço para as considerações da docente a respeito do

assunto que trabalhava com a sua classe. Nesse caso, registramos, nas aulas observadas,

apenas distanciamentos entre o que a escola considerava como mediador e como se

desenvolvia a prática da referida professora. Ao relacionarmos as observações com as

entrevistas dos alunos, percebemos que três dos quatro estudantes se disseram satisfeitos com

as aulas de literatura. Porém, suas justificativas estavam também distantes do que o PPP

defendia como mediação. Para um, sua satisfação consistia na abordagem histórica efetuada

pela professora. Para outro, o fato de a professora focar no LD e ser muito fã do manual era o

que se destacava. E o terceiro se pautou na formação “em português” de todos os professores

com os quais já havia estudado. Não foi possível registrar em nenhum momento das seis aulas

observadas alguma prática que denotasse a mediação de “novos conhecimentos” apresentados

pelos estudantes.

A professora Betina realizou em sua prática o papel de discutir o conhecimento

apresentado pelo livro didático ou por outros suportes que levava consigo às aulas, tecendo

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considerações e estimulando a participação discente. Nesse caso, registramos que a referida

professora se destacava por complementar o que julgava ausente no LD. Como mediadora,

foi possível registrar, durante as aulas observadas, que a professora buscava “desenvolver

aptidões, capacidades e habilidades” no seu estudante. Também mediava “novos

conhecimentos”, ao permitir que os seus alunos não apenas lessem o que trazia o LD mas

comentassem, discutissem os textos de acordo com suas experiências leitoras. Quanto aos

alunos entrevistados, todos os quatro se disseram satisfeitos com as aulas da referida docente.

As justificativas foram: por apresentar “o melhor conteúdo” e “tirar as dúvidas”, por ser uma

aula dinâmica em que “a professora dá oportunidade a todos para que se expressem”, porque

foi possível aprender várias coisas que “nunca imaginava que era conteúdo de literatura” e

pelas conexões que a professora fazia entre o texto e os contextos.

Sobre a construção do currículo59, de acordo com o que lemos em seu PPP, a Escola

Heurisgleides Ferreira considera o contexto do estudante para defini-lo. Percebemos

aproximação entre o que defende o documento acima e o plano de disciplina da professora

Cleusa Regina, quando nos deparamos com a habilidade proposta “Revelar interesse no

assunto e interagir com os colegas”. Nesse caso, a aproximação acontece a partir da proposta

do currículo participativo de que “todos os atores” daquela escola atuem em conformidade

com o PPP. Nas transversalidades “Direitos humanos, Educação ambiental, Educação

especial, Educação das relações ético-raciais” (sic), percebemos também aproximações por

serem esses temas relevantes para aquela comunidade escolar quando, na sua proposta

curricular, propõe um “projeto pedagógico contextualizado com a sua realidade e a realidade

do aluno”.

Também registramos aproximações do PPP com o plano da professora Maria Cecília,

quando este concebe, através da competência, a discussão de “[...] opiniões e pontos de vista

sobre as diferentes manifestações da linguagem”, e a habilidade de “compreender a realidade

nas suas dimensões sociais, éticas, políticas e econômicas”, amparadas na descrição do

currículo, que se compromete a realizar um trabalho que contemple a realidade do aluno.

59 Entendemos que um currículo participativo religa as atividades de tal forma que todos os atores envolvidos no

processo trabalhem relacionando os tópicos constantes de seu projeto pedagógico contextualizado com a sua

realidade e a realidade do aluno.

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Na escola Renailda Sousa, no currículo60, segundo o PPP, importa a relação entre o

estudante e o mundo do trabalho como garantidora do exercício da cidadania. No plano de

disciplina da professora Betina, isso é percebido na competência “Analisar as linguagens

como fontes de legitimação de acordos sociais”, assim como nas habilidades “Associar

conteúdos literários a fatos atuais” e “Entender, analisar criticamente contextualizando a

natureza, o uso e o impacto das tecnologias de informação na busca do conhecimento”. Todos

os destaques acima estão contemplados na descrição do currículo “preparação do aluno para o

exercício da cidadania”. Além disso, as transversalidades previstas no plano também dialogam

com o PPP: Ética, Preservação do meio ambiente, Respeito às diversidades, Identidade

cultural se relacionam com a “educação como prática social” e “exercício da cidadania”

também. No plano da professora Hilda, não conseguimos estabelecer uma relação entre o

referido documento e o que propõe o PPP da sua escola nesse quesito. Percebemos que todo o

plano está voltado para o ensino de literatura (e da gramática da Língua Portuguesa). As

habilidades e competências (Compreender, analisar, textos informativos e literários, dentre

outros), os conteúdos, a metodologia e a avaliação concorrem para a realização das atividades

propostas aos estudantes, de modo que estes possam lograr êxito nas avaliações.

Por outro lado, não foi possível perceber aproximações entre os conteúdos

programáticos dos planos analisados e o contexto do aluno. Não havia registros em nenhum

deles sobre esse quesito. Nos quatro planos, os assuntos seguiam a sequência dos livros

didáticos, identificados com a historiografia literária nacional. Quanto às aulas observadas,

com exceção de Betina, que buscava aproximar o texto que trabalhava com a realidade de

seus estudantes, não foi possível perceber, nas demais práticas, qualquer aproximação entre os

conteúdos trabalhados e os contextos do público discente.

Sobre o tratamento da literatura através dos documentos, das observações simples, e

das entrevistas, percebemos o seguinte quadro: Pelos Planos curriculares de disciplinas, as

professoras esquematizam o roteiro dos conteúdos que deveriam ser trabalhados em sala de

aula. O plano da professora Cleusa Regina constrói uma representação da literatura

identificada com as escolas literárias, conforme disposição no livro didático, embora este não

seja o único suporte utilizado pela docente, conforme descrição no próprio plano. Em sua

prática, foi possível perceber que a Literatura teve dois momentos distintos: um em que ela

apresentou o seu gosto pela literatura canônica (daí a sua satisfação em relatar ao pesquisador

60 O currículo do Colégio é composto de uma Base Nacional Comum e de uma parte diversificada e é organizado

em atendimento ao que sugere a lei L.D.B., tendo em vista a educação com o mundo do trabalho e a prática

social, bem como a preparação do aluno para o exercício da cidadania e para o mercado de trabalho.

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suas experiências como leitora, ouvinte e espectadora) e outro em que ela seguia o plano da

disciplina ao trabalhar os conteúdos e as questões de interpretação de textos contidos nos

livros didáticos e/ou folhas xerografadas utilizados. Os alunos, por sua vez, desempenhavam o

papel de transcrever as atividades copiadas no quadro, ouvir as exposições da professora

(poucos o faziam; a maioria fazia outras coisas durante a exposição), responder às questões

das atividades e corrigi-las quando a professora transcrevia as respostas no quadro.

A entrevista com a professora Cleusa Regina nos revelou: O seu conceito de

literatura está associado ao prazer e à arte, enquanto a leitura de literatura se relaciona

à leitura de romances. Sobre a literatura veiculada pelo livro didático, a professora a

considera resumida. Também acredita que a leitura literária é fundamental como instrumento

de socialização e, em relação às políticas públicas voltadas a esse fim, referenciou o PACTO,

programa do governo federal, como incentivo ao trabalho de professores do ensino médio.

Revelou não utilizar o livro didático como único suporte em suas aulas, embora reconheça a

sua importância, pois o julga insuficiente. Sobre a prática de leitura em suas aulas, a

professora revelou que fazia o que podia para que ocorresse a referida prática, sobretudo,

indicando leituras para casa, mas lidava com contratempos, como o tempo limitado, por

exemplo. Sobre a sua prática, a professora considerou que, dentro das limitações com as quais

havia de lidar, buscava fazer o melhor possível. Dentre as limitações, reafirmou a

insuficiência do livro didático, a falta de interesse dos estudantes e também a insuficiência de

referências na biblioteca da escola. Por fim, sugeriu como solução para se resolverem os

problemas referentes à prática de leitura na escola, trabalhos voltados à instrumentalização

dos estudantes frente ao conhecimento da linguagem. Para a docente, o aluno utilizava uma

linguagem muito pobre, gírias e não “desenvolve a linguagem formal, culta”, o que

dificultaria o entendimento da literatura. Acrescentou que o uso de dicionário e pesquisa com

muito vocabulário poderia servir para o estudante perceber a diferença entre a linguagem

literária e a linguagem do cotidiano.

Ao relacionarmos as respostas fornecidas pela professora Cleusa Regina aos registros

de observação e à análise documental, percebemos aproximações e distanciamentos. Assim

como revelou na entrevista, o seu conceito de literatura foi contemplado em sua prática

docente. Quanto ao plano de disciplina, a literatura estava representada através das escolas

literárias, transformadas em conteúdos. Apesar de considerar a literatura apresentada pelo LD

como resumida e afirmar que utiliza outros suportes além do LD, este foi o único suporte

utilizado nas aulas observadas, fosse através do LD vigente, fosse através de xerox de outros

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LD. Em relação ao plano de disciplina, isso também foi perceptível: a sequência de assuntos

apresentada pelo referido suporte estava contemplada tanto no plano quanto nas aulas

observadas. Também destacamos o ponto em que a professora diz acreditar que a leitura

literária se configura em importante instrumento de socialização. Ao considerar “pobre” a

linguagem do aluno, verificamos que a leitura literária à qual a professora faz menção é a

literatura dos clássicos ou a literatura escrita sob as rédeas da gramática normativa. Ao sugerir

o dicionário como meio para que o estudante perceba a diferença entre a linguagem literária e

a linguagem do cotidiano, confirmamos a nossa hipótese. Nas aulas observadas, isso fez

sentido quando a professora reverenciou os seus principais autores, todos considerados

canônicos, como Fernando Pessoa e Machado de Assis. Sobre a prática da leitura em suas

aulas, a professora afirmou que havia uma série de limitações que impediam a consolidação

da referida prática e que fazia o melhor possível. Não foi possível perceber atividade de

leituras de literatura durante as seis aulas observadas, embora a professora tenha mencionado

na entrevista que indicava essas leituras para casa. Também o plano de disciplina da

professora mencionava nas habilidades “leitura comentada” e na metodologia “leitura de

romances”.

O plano da professora Maria Cecília nos trouxe uma representação da literatura

identificada com a periodização apresentada pelo livro didático vigente. Destacamos que a

cada unidade programática, os conteúdos se relacionam com habilidades, as quais indicam a

finalidade do trabalho com as temáticas tratadas durante o curso. O processo de ensino-

aprendizagem nos revelou dois momentos em relação à atuação da professora Maria Cecília

nas seis aulas observadas: no primeiro, referente às quatro primeiras aulas, prevaleceu o uso

do livro didático através de atividades de interpretação de texto passadas aos estudantes, sem

comentários por parte da referida professora. No segundo, referente às duas últimas aulas, a

professora manteve o uso do livro didático, mas ao contrário das aulas anteriores, efetuou

comentários e considerações acerca das temáticas presentes no LD, bem como das respostas

encontradas pelos estudantes. Também, nas primeiras aulas observadas, os estudantes apenas

transcreviam escritos no quadro para o caderno e respondiam atividades do LD, embora nem

todos realizassem essa tarefa. Somente nas duas últimas aulas foi possível perceber um maior

envolvimento por parte daquele grupo, a pedido da professora, quando esta solicitou leituras

de fragmentos do LD.

A entrevista com a professora Maria Cecília evidenciou: O seu conceito de literatura

está associado à importância que a literatura tem em relação à Língua Portuguesa e à

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História, enquanto leitura de literatura se relaciona ao ensino e à educação. Acrescentou

que a parte lúdica, a poesia e as crônicas contribuem para incentivar o estudante a desenvolver

a leitura. Sobre a literatura veiculada pelo livro didático, a professora a considerou importante,

embora tenha ressaltado que tudo ali era muito repetitivo, citando exemplos de suas

experiências com o LD. Disse acreditar que a leitura literária era importante como

instrumento de socialização e, em relação às políticas públicas voltadas a esse fim, afirmou

que não encarava com esperanças o que estava sendo feito. Disse que era preciso fazer mais,

ter mais incentivo. Revelou não utilizar o livro didático como único suporte em suas aulas,

pois também utilizava o meio eletrônico. Sobre a prática de leitura em suas aulas, a professora

revelou que ela ocorria com dificuldades, em razão das limitações e/ou imposições

apresentadas pelos seus alunos. Sobre a sua prática, a professora considerou “meio

complicada”, em razão da resistência dos seus alunos em realizar as tarefas por ela solicitadas.

Por fim, sugeriu, como solução para se resolverem os problemas referentes à prática de leitura

na escola, modificações na estrutura e no planejamento escolar a partir da utilização da

internet, criação de laboratórios, salas de leitura para cada matéria com todos os recursos

audiovisuais.

Ao confrontarmos os dados extraídos da entrevista de Maria Cecília com os registros

de observação e com a análise documental, também percebemos aproximações e

distanciamentos. Conforme revelou na entrevista, o seu conceito de literatura estava contido

em sua prática docente. Não foi possível perceber a “parte lúdica”, “a poesia” ou “as crônicas”

mencionadas nas entrevistas nas aulas observadas. Quanto ao plano de disciplina, a literatura

foi contemplada através das escolas literárias trabalhadas como assuntos da disciplina. Em

relação à literatura apresentada pelo LD, considerou-a importante, mas teceu críticas quanto à

condensação dos assuntos naquele suporte e afirmou que utilizava em suas aulas outros

suportes, pelas razões apresentadas. Nas aulas observadas, o LD foi o único suporte utilizado

pela docente. No plano de disciplina, a sequência dos assuntos se assemelhava ao conteúdo

programático do livro didático indicado para aquela série naquele ano letivo. Além disso, nas

aulas observadas, todos os assuntos trabalhados constavam no plano e no LD vigentes. A

professora disse acreditar que a leitura literária é um importante instrumento de socialização.

No plano de disciplina, isso apareceu, dentre as várias habilidades, em: “compreender a

realidade nas suas dimensões sociais, éticas, políticas e econômicas” e “Atuar, de maneira

criativa, na melhoria do mundo em que vivemos”. Durante as aulas observadas, o que mais se

aproximou do que entendemos por socialização foi quando a professora reiterou a importância

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de se estudar literatura com a finalidade de aprovação nos exames de vestibulares e ENEM.

Sobre a prática da leitura em suas aulas, a professora mencionou uma série de dificuldades

para que isso se realizasse, mas que, ainda assim, ela acontecia. Foi possível perceber

atividade de leituras de literatura durante as duas últimas aulas observadas. Nas quatro

anteriores, a prática contemplou atividades de interpretação de texto trazidas pelo LD para

serem respondidas pelos estudantes. Quanto ao plano de disciplinas, isso aparecia nas

habilidades “Ler e interpretar textos literários e não-literários escritos na língua materna”,

“Ler, interpretar textos da atualidade” e “Oficina de Leitura”.

O plano da professora Hilda nos trouxe uma representação de literatura identificada

com a periodização da literatura, conforme disposição no livro didático e mediado por sua

exposição e pelos debates empreendidos em sala de aula. Nas aulas, registramos que ela

utilizou apenas o livro didático para desenvolver a sua prática docente, uma vez que todos os

temas e todas as atividades foram extraídos do LD. As abordagens tinham o referido suporte

como base e as respostas fornecidas aos alunos também, embora explicadas e comentadas pela

docente. Quanto aos alunos, percebemos que, embora conversassem e utilizassem o aparelho

celular durante as aulas, essas práticas não superavam os momentos em que executavam as

atividades propostas pela professora. Quando a docente solicitava, os alunos sempre se

dispunham a participar do desenvolvimento de uma atividade através da leitura de fragmentos

e de enunciados dos LD.

A entrevista com a professora Hilda apresentou: O seu conceito de literatura estava

relacionado ao entendimento da autora do LD Novas Palavras, Emília Amaral, para

quem a literatura é a arte da palavra. Com interferência do pesquisador, a docente

forneceu outra definição: a arte de escrever e falar corretamente. Fora da entrevista,

falou na possibilidade de crescimento pessoal e profissional. Sobre leitura de literatura, a

professora entende que esta objetiva desenvolver a construção de sentidos no leitor,

reconhecendo dois tipos de leitura, o que instrui e orienta e o que se relaciona ao prazer

estético. Sobre a literatura veiculada pelo livro didático, a professora a considerou boa. Disse

acreditar que a leitura literária é importante como instrumento de socialização e, em relação às

políticas públicas voltadas a esse fim, reivindicou que a educação fosse tratada do mesmo

modo que a saúde é tratada. Revelou que utilizava e recomendava o livro didático por

considerá-lo muito importante. Sobre a prática de leitura em suas aulas, a professora garantiu

que ela ocorria, “com certeza”, justificando com citações de Umberto Eco. Acrescentou que

utilizava como suportes, além do livro didático vigente, poesias, crônicas, internet e outras

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pesquisas. Sobre a sua prática, a professora a considerou “fundamental”, em razão do seu

empenho em capacitar o seu aluno para enfrentar os vestibulares e ENEM e para a própria

vida. Por fim sugeriu, como solução para se resolverem os problemas referentes à prática de

leitura na escola, que o estudante soubesse utilizar o livro didático como um meio de

conhecimento, pois ele precisaria ter sabedoria para não aceitar aquilo que lhe era imposto.

Como nos casos anteriores, na associação dos dados captados na entrevista da

professora Hilda, verificamos aproximações e distanciamentos. Na própria entrevista, já

houve distanciamento em relação aos três conceitos para literatura fornecidos pela referida

professora. Nas aulas observadas, acreditamos que esse problema foi sanado, uma vez que

confirmamos certa fidelidade da docente em relação ao LD da autora Emília Ferreira. Quanto

ao plano de disciplina, a literatura se fez presente através das escolas literárias, tratadas como

conteúdos da disciplina Língua Portuguesa. Sobre leitura literária, Hilda destacou dois pontos:

o que instrui e o que se relaciona ao prazer estético. Nas aulas observadas, prevaleceu o

primeiro desses pontos. No plano de disciplinas, na metodologia, destacavam-se “[...]

exercícios e leitura de textos do livro didático e de outros materiais [...]”. Sobre a literatura

apresentada pelo LD, a professora a considerou “boa”, na entrevista. Nas aulas observadas,

isso foi constatado diante da utilização do LD em todas as atividades propostas aos estudantes

nas seis aulas em que participamos, embora a docente tenha mencionado na entrevista que

também utilizava outros suportes em sua prática docente e também tenha passado como

atividade para casa um trabalho de pesquisa na internet sobre um dos autores trabalhados

naquela unidade.

Ao trazermos a campo o plano de disciplina, percebemos que também nesse

documento havia marcas do LD vigente, através dos assuntos propostos correlatos à sequência

conteudista apresentada no referido suporte. A professora disse acreditar que a literatura era

um importante instrumento de socialização. Nas aulas observadas, a professora se dedicava ao

trabalho da literatura com o livro didático e buscava auxiliar todos os alunos para que

respondessem às atividades propostas. Em sua fala, assim estaria instrumentalizando os seus

estudantes para encararem os exames de vestibulares e ENEM. Nesse quesito, o seu plano de

disciplina corroborava com a sua prática em relação ao que ela entendia como socialização,

sobretudo no processo avaliativo: “Trabalho em grupo, avaliação qualitativa, participação,

interesse, responsabilidade nas atividades desenvolvidas [...]”. Sobre a prática da leitura em

suas aulas, a professora respondeu afirmativamente que, sim, ela ocorria. Foi possível

perceber atividades de leitura de fragmentos de textos literários ofertados no livro didático

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durante as aulas observadas. No plano de disciplina, a leitura de textos do livro didático

também estava contemplada.

Quanto à professora Betina, verificamos que o plano focava o trabalho com os

conteúdos referentes à terceira série do ensino médio, com inspiração na periodização da

literatura brasileira contemplada no livro didático. A metodologia utilizada pela professora

indicava o modo como os conteúdos deveriam ser trabalhados ao longo do curso.

Entendemos, por conseguinte, que o plano da professora Betina trazia uma representação da

literatura identificada com a periodização das escolas literárias, apresentada pelo livro

didático vigente. Quanto às aulas, o processo de ensino-aprendizagem de literatura

contemplou uma prática docente diversificada, na qual pudemos perceber a utilização de

vários suportes, os quais foram aplicados nas situações que se apresentavam, contando com a

habilidade docente em empregá-los, de acordo às necessidades do contexto. A professora não

desacreditou o livro didático, mas também não o elegeu como único apoio à sua prática.

Houve momentos em que, mesmo quando fez uso de alguns fragmentos, elaborou outras

propostas de atividade que não as já contidas no LD. Quanto aos estudantes, o seu papel no

processo de ensino-aprendizagem foi o de participante/colaborador na construção do referido

processo. Percebemos que, por serem incentivados à participação oral, as suas contribuições,

até mesmo em algumas conversas paralelas, deram-se a partir das temáticas apresentadas

durante as aulas.

A entrevista com a professora Betina expôs: O seu conceito de literatura estava

relacionado ao conhecimento que o estudante poderia ter de si mesmo e do seu contexto.

Sobre leitura de literatura, a professora a associou à fluência que o estudante deveria ter, a fim

de perceber a literatura como expressão do sentimento. Sobre a literatura veiculada pelo livro

didático, a professora revelou que faltava motivação, pois o LD trazia orientação e atividades,

ao contrário de outros LD com os quais já trabalhou. Ressaltou que, nesse caso, o professor

deveria entrar com a motivação ausente no LD. Acreditava que a leitura literária fosse

importante como instrumento de socialização, pois entendia que a literatura poderia

transformar o mundo. Em relação às políticas públicas voltadas a esse fim, fez uma

retrospectiva de governos, anteriores a 2015, considerando as mudanças como positivas em

relação à ampliação do PNLD para o PNLEM, o que fortaleceu o trabalho dos professores de

literatura, especialmente. Revelou que não utilizava o livro didático como único suporte,

utilizava-o em apenas um dia da semana e complementava com outros materiais. Sobre a

prática de leitura em suas aulas, a docente a considerou muito relevante, pois a leitura,

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segundo o seu relato, se encontrava em qualquer atividade, mesmo quando se referia a essa

finalidade. Para viabilizar sua prática, além do LD, utilizava como suportes textos

mimeografados de outros livros, curiosidade literária, momento em que o estudante traz o seu

texto, em suporte que achar adequado, para ser discutido em sala. Sobre a sua prática, a

professora disse que tentava acertar, fazer o mais adequado possível para a formação do seu

aluno. Por fim, sugeriu, como solução para se resolverem os problemas referentes à prática de

leitura na escola, que o novo devesse ser experimentado, como projetos e oficinas de leitura.

Exemplificou com suas experiências “bem sucedidas” em relação aos projetos que sugeriu.

Ao equipararmos os dados extraídos da entrevista de Betina aos registros de

observação e à análise documental, percebemos aproximações e distanciamentos. Conforme

revelou na entrevista, o seu conceito de literatura dialogava com sua prática docente, uma vez

que havia participação discente em todas as aulas observadas. Quanto ao plano de disciplina, a

literatura foi contemplada através das escolas literárias trabalhadas como assuntos da

disciplina e também na habilidade “Associar conteúdos literários a fatos atuais”. Em relação à

literatura apresentada pelo LD, apontou falhas no LD vigente e ressaltou que cabia ao

professor preencher os vazios daquele suporte. Nas aulas observadas, a docente

complementava os assuntos trazidos no LD com contribuições de suas próprias leituras, além

de provocar os seus estudantes a também contribuírem com suas impressões. No plano de

disciplina, a sequência dos assuntos se assemelhava ao conteúdo programático do livro

didático indicado para aquela série naquele ano letivo. Nas aulas observadas, todos os

assuntos trabalhados constavam no plano e no LD vigentes. A professora disse acreditar que

concebia a leitura literária como um importante instrumento de socialização. No plano de

disciplina, isso apareceu, nas competências “Analisar as linguagens como fontes de

legitimação de acordos sociais”, “Identificar a motivação social dos produtos culturais na sua

perspectiva sincrônica e diacrônica” e “Contextualizar e comparar o patrimônio cultural

respeitando as visões de mundo nele implícitas”. Também nas habilidades “Emitir juízo sobre

as manifestações culturais estudadas”, “Aplicar o conhecimento apreendido em situações

relevantes” e “Entender, analisar criticamente contextualizando a natureza, o uso e o impacto

das tecnologias de informação na busca do conhecimento”.

Durante as aulas observadas, percebemos movimentos por parte da professora em

trabalhar a leitura literária como meio para promover a socialização do seu aluno através das

considerações que fazia sobre a literatura e sua aplicabilidade na vida cotidiana, sobre temas

como as políticas públicas do Brasil, direitos da mulher, dentre outras temáticas provocadas

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pelas discussões dos textos trabalhados em sala. Sobre a prática da leitura em suas aulas, a

professora a considerou importante, pois isso acontecia mesmo quando a atividade não era

especificamente sobre leitura. Também ressaltou que não utilizava o livro didático como

único suporte em suas aulas. Foi possível perceber atividade de leituras de literatura durante

as seis aulas observadas. Também foi possível perceber que o livro didático não era,

realmente, o único suporte utilizado nas aulas, conforme registro de observações e da própria

entrevista. Quanto ao plano de disciplinas, isso aparecia na competência “Ler, interpretar e

analisar textos dos diferentes estilos” e na metodologia “Leitura crítica de textos de época,

levando o aluno a observar a visão de mundo do escritor” e “Leitura e análise de textos,

levando o aluno à postura de observador”.

Os conteúdos dos discursos apresentados pelos estudantes através das entrevistas

trouxeram outras possibilidades de associação com o que já havíamos coletado por meio dos

instrumentos mencionados anteriormente. Optamos por realizar essa etapa da pesquisa

separando os estudantes por escolas. No primeiro caso, destacamos a escola Heurisgleides

Ferreira, representada aqui por sete alunos, sendo quatro da segunda série e três da terceira

série do ensino médio. Ao solicitarmos o conceito de literatura, três deles o associaram a

Leitura, um aluno respondeu que era Ensino de História, outro aluno falou em produções

literárias, mais um mencionou conhecimento e lazer e o último relacionou a leitura às

escolas literárias. Ao contrapormos as respostas dos discentes ao que já havíamos registrado

através dos outros instrumentos, percebemos aproximações e distâncias entre os dados. Nas

aulas observadas das professoras Cleusa Regina e Maria Cecília, foi possível perceber todos

esses conceitos levantados pelos estudantes. No caso da professora Cleusa Regina, não foi

possível verificar atividades de leitura nos momentos de observação. Mas, em sua entrevista,

ela afirmou que passava essas atividades para casa, o que pôde ser verificado na resposta dos

alunos. No seu plano de disciplina também foi possível perceber que havia atividade de leitura

de romances, por exemplo, prevista como conteúdo. Quanto à professora Maria Cecília,

registramos atividades de leitura de literatura em suas aulas; no seu plano de disciplinas,

também foi possível perceber propostas de leitura de literatura nas habilidades que deveriam

ser desenvolvidas pelos estudantes.

Quanto aos estudantes que entenderam a literatura como Ensino de História e escolas

literárias, isso encontra respaldo na historiografia da literatura constante nos seus livros

didáticos, nos planos de disciplinas (através da periodização da literatura) e nas

contextualizações apresentadas pelas professoras durante suas aulas expositivas. Quanto aos

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estudantes que mencionaram conhecimento e lazer, destacamos a paixão pela literatura

demonstrada em sala de aula pela professora Cleusa Regina, por exemplo. No seu plano de

disciplina, também registramos como metodologia a realização de um sarau poético, o que,

dependendo da forma como se realizou essa atividade, pode ter influenciado as respostas dos

seus alunos. No caso da professora Maria Cecília, não foi possível perceber algum movimento

que se relacionasse a lazer, mas ao conhecimento sim. Em sua entrevista, porém, ela falou em

“parte lúdica”, o que pode ter acontecido em outro momento que não as aulas observadas para

este estudo. No seu plano de disciplinas, nas habilidades da quarta unidade, estavam previstas

atividades como “oficina de leitura” e “participação de seminários, projetos, etc”.

Sobre os usos ou visões do livro didático, os estudantes apresentaram críticas ao

suporte e fizeram sugestões para aperfeiçoar as propostas do LD. Dentre os que estavam na

segunda série, apenas um não sugeriu nada. Os demais sugeriram um livro didático exclusivo

de literatura e outros suportes além do LD. Dentre as críticas, uma aluna reclamou do

aspecto conteudista do manual. De modo semelhante, os três estudantes entrevistados da

terceira série também fizeram críticas e sugestões. Dois se disseram favoráveis à utilização de

outros suportes, além do LD, e uma sugeriu a realização de estudos biográficos sobre os

autores mencionados no referido suporte. Ao contrapormos as respostas dos estudantes com as

de suas professoras, percebemos que os dois grupos demonstraram insatisfação em relação ao

LD. As professoras o qualificaram como de uma “literatura fraquinha” ou “muito repetitivo”.

Ambas sugeriram outros estudos para o aperfeiçoamento dos assuntos ali explorados. Nas

aulas observadas das duas professoras, os alunos realizaram todas as atividades a partir do

livro didático ou de similares, embora nas entrevistas as duas professoras dissessem que

também trabalhavam com outros suportes. Já os planos de disciplinas “mencionaram” o LD

ao seguir a sequência historiográfica da literatura quando exibiram os conteúdos

programáticos.

Sobre os problemas referentes à prática de leitura na escola e as possíveis soluções

para resolvê-los, os estudantes assim se portaram: dois alunos da segunda e dois da terceira

série reconheceram problemas em relação à prática de leitura e sugeriram incentivo à leitura

a partir de oficina de literatura, uso da biblioteca escolar e olimpíadas de leitura. Um

aluno da segunda série sugeriu que houvesse esforço conjunto de pais e de professores

como solução para aquele problema. Apenas uma estudante da terceira série disse que não

havia problemas de leitura em sua escola e um da segunda série, apesar de reconhecer a

ocorrência daquele problema, não sugeriu soluções. Nas falas das professoras, a prática de

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leitura era uma realidade em suas aulas, porém, com ressalvas. No caso da professora Cleusa

Regina, o tempo limitado foi descrito como uma das causas para aquele problema. O tempo

também foi citado como uma das justificativas apontadas pelos estudantes dessa professora.

Dois dos quatro alunos entrevistados reclamaram da quantidade de aulas de literatura. Os

outros dois se queixaram da quantidade de assuntos e da totalidade dos conteúdos extraídos do

livro didático.

Já a professora Maria Cecília elencou uma série de contratempos, dentre eles a falta de

disposição dos estudantes para a leitura e a falta de recursos didáticos, como responsáveis pelo

referido problema. Do lado dos estudantes, apenas um se disse totalmente insatisfeito em

relação às aulas de literatura, em razão do tempo de aula. Segundo este aluno, a quantidade de

aulas de literatura é insuficiente. Um estudante se disse satisfeito com algumas aulas e outra

estudante se disse totalmente satisfeita. Quanto às aulas observadas, as atividades de leitura

realizadas naquelas datas foram praticadas a partir de textos constantes no LD, a fim de que os

alunos respondessem as atividades propostas por aquele suporte. Já os planos de disciplinas,

indicavam atividades de leitura como metodologia (professora Cleusa Regina) ou no quesito

habilidades (professora Maria Cecília).

Quanto aos suportes utilizados pelos estudantes para participarem das aulas e para

responderem aos questionários propostos, dois estudantes da segunda e uma estudante da

terceira série disseram que liam livros. Uma aluna da segunda e outra da terceira

mencionaram livros didáticos como resposta. Um estudante da segunda série respondeu que

se baseava a partir do assunto da aula e um da terceira série disse que era a partir do próprio

conhecimento que possuía. Quando questionamos as professoras sobre os suportes que

costumavam utilizar em suas aulas e se consideravam o LD como suficiente, as respostas

foram: Cleusa Regina reconheceu a importância do LD, mas o classificou como insuficiente.

Por isso, sugeria outros suportes para que o estudante ampliasse seu aprendizado. Maria

Cecília também revelou que não utilizava apenas o LD, mas também o “meio eletrônico”. Nas

aulas observadas, não foi possível perceber outro suporte utilizado pelos estudantes que não o

LD no tocante à realização das atividades propostas por suas professoras. Porém, conforme

descrito anteriormente, tanto nas entrevistas das docentes quanto nas dos discentes, foram

mencionados outros suportes utilizados no processo de ensino-aprendizagem daquela escola.

Em relação aos planos de disciplinas, tanto o da professora Cleusa Regina quanto o da

professora Maria Cecília, através das competências e/ou habilidades, previam que os

estudantes deveriam se preparar para a realização das atividades propostas.

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Da Escola Renailda Sousa, os conteúdos dos discursos surgiram representados pelas

entrevistas realizadas com oito alunos, sendo quatro da segunda série e quatro da terceira série

do ensino médio. Quando indagamos sobre o conceito de literatura, os estudantes

apresentaram uma variedade de conceitos. Dois estudantes (um de cada série) relacionaram a

literatura com o ensino da História; três (dois da segunda e um da terceira série) falaram em

produções literárias, local que armazena conhecimentos na área de leitura produzidos

por grandes homens, pessoas que transmitem algo; uma da terceira série conceituou

literatura como leitura; outra também da terceira série definiu literatura como forma de arte,

crítica; da segunda série, um aluno considerou a literatura como expressão através da

escrita.

Ao contrapormos as respostas fornecidas pelos estudantes aos outros dados coletados

anteriormente, verificamos os seguintes movimentos: nas aulas observadas das professoras

Hilda e Betina, o contexto histórico das obras mencionadas nas exposições de cada docente

pode ter sugerido essa visão aos estudantes. De igual modo, o plano das professoras, alinhados

com o livro didático, também apresentavam uma visão historiográfica da literatura que

apresentavam. Por parte das professoras, associando o conceito a uma lembrança de quando

estudou o Quinhentismo, Hilda falou em “arte de escrever e falar corretamente”. No segundo

caso, também foi possível perceber diálogos com outros dados fornecidos por outros

instrumentos. Começando pelas entrevistas com docentes, Betina disse que entendia a

literatura como a possibilidade que o estudante teria de se conhecer através dos grandes

autores, por exemplo. Nas aulas observadas, as duas professoras trabalharam com produções

literárias canônicas (escritas por grandes homens na fala dos estudantes) referenciadas no LD

ou em outros suportes. Nos planos de disciplinas, os conteúdos apresentados também seguiam

nessa mesma linha, uma vez que as indicações ali mencionavam as escolas literárias e o livro

didático trazia, além disso, os principais autores de cada período, conforme trabalhado em

cada aula observada.

Pelos conceitos apresentados isoladamente, uma aluna da terceira série apenas

relacionou a literatura à leitura. Mesmo assim, encontramos aproximações com o plano da

professora Betina, a qual mencionava em sua metodologia “leitura crítica de textos de época

levando o aluno a observar a visão do escritor”. Também verificamos que a mesma professora

realizava, nas aulas observadas, tarefas que envolviam leitura de textos literários, como

exercício em sala de aula e também como atividade para casa. Quanto à aluna que falou em

forma de arte e crítica no plano de disciplina, encontramos respaldo no mesmo item

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apresentado na metodologia, citado no caso anterior. Nas aulas observadas, isso também foi

verificado no discurso da professora que referenciava tanto a natureza artística da literatura

quanto o seu papel crítico-social. Quanto à literatura vista como expressão através da escrita,

temos o conceito da professora Hilda, apresentado em sua entrevista, que dialoga com o

pensamento do estudante; temos também a prática dessa professora, verificada nas aulas que

observamos, quando foi possível perceber a realização de atividades de escrita pelos

estudantes. No plano de disciplina, por sua vez, não foi possível perceber qualquer menção à

literatura como escrita.

Sobre os usos ou visões do livro didático, cinco estudantes (dois da segunda série e

três da terceira série) se disseram favoráveis à utilização de outros suportes para auxiliar no

processo de ensino-aprendizagem. Uma aluna da segunda série sugeriu uma abordagem

biográfica dos autores como estudo; um aluno da segunda série revelou que considerava o

livro didático insuficiente mas não quis ou não soube apresentar sugestões, e apenas uma

estudante da terceira série considerou o LD como suficiente ao processo, embora tenha

reconhecido a contribuição da professora nas abordagens que envolviam o referido LD. Ao

contrapormos as respostas dos estudantes com as de suas professoras, percebemos que elas

diferem em relação ao que pensava a maioria dos estudantes. A professora Hilda, divergindo

dos seus alunos, disse que considera a leitura apresentada pelo LD como “boa”. Além disso,

considera o LD “muito importante” e, portanto, o adotava e o recomendava. A professora

Betina, por sua vez, apesar de reconhecer a importância do suporte, disse que faltava

motivação ou um trabalho de pré-leitura no LD com o qual trabalhava naquele período. Nas

aulas observadas, a utilização do LD também se deu de modos diferentes. Enquanto Hilda fez

uso do LD em todas as aulas observadas, Betina utilizou o manual em apenas uma aula por

semana de um total de três. Nas entrevistas, as duas professoras disseram que utilizavam

outros suportes nas aulas além do LD. Hilda citou poesias, crônicas, internet, dentre outros,

enquanto Betina mencionou telas, textos mimeografados, questões, outros livros, etc. Já os

planos de disciplinas consolidaram o LD ao seguir a sequência historiográfica da literatura,

quando evidenciaram os conteúdos programáticos.

Sobre os problemas e as possíveis soluções para se resolverem os problemas referentes

à prática de leitura na escola, os estudantes revelaram: três alunas (uma da segunda e duas da

terceira série) reconheceram que havia problemas em sua escola e sugeriram dinamizar as

aulas de literatura. Dois alunos da terceira série também reconheceram problemas em

relação à prática de leitura e sugeriram incentivo à leitura como solução para o problema.

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Um aluno da segunda série reconheceu que havia problemas mas não sugeriu soluções.

Dois estudantes da segunda série disseram que não havia problemas quanto à prática de

leitura em sua escola. Nas falas das professoras, as visões eram diferentes em relação à

questão proposta. Para Hilda, o ensino de literatura através da sua prática era fundamental,

pois ela acreditava que seus ensinamentos eram direcionados à preparação dos seus alunos

para o ENEM e vestibulares. Além disso, revelou que participou de muitos cursos a fim de se

qualificar para o trabalho docente. Quanto aos seus alunos, disse acreditar que muitos deles

tinham oportunidade de “fazer a diferença”, mas “infelizmente, eram analfabetos funcionais”,

lamentou. Já a professora Betina revelou que tentava acertar em cada prática que realizava,

pois o seu maior objetivo era fazer o melhor para o seu aluno. Além disso, revelou que

precisava ler mais, pois o tempo não permitia que ela lesse tanto quanto gostaria. Concluindo,

disse que o seu aluno estava lendo mais do que ela, independente do suporte e do status da

literatura, fato era que o seu aluno estava lendo.

Nas aulas observadas, o trabalho com a leitura nas aulas de Hilda aconteceu

exclusivamente através dos fragmentos de textos literários contidos no livro didático vigente.

A finalidade era responder às questões também apresentadas no LD. Nas aulas de Betina, o

trabalho de leitura incluía o LD e outros suportes que a professora utilizava. A finalidade das

leituras, além de responder às atividades do LD, também contemplavam discussões sobre os

textos, contando com a participação dos estudantes nas discussões. Nos planos de disciplinas,

o trabalho com a leitura foi percebido de modos diferentes. No plano da professora Hilda, a

leitura foi mencionada na metodologia quando previa “debates sobre o conteúdo de textos

selecionados” e “exercícios de leitura de textos do livro didático e de outros materiais que se

mostrarem convenientes”. Já no plano da professora Betina, a leitura foi mencionada nas

competências “ler, interpretar e analisar textos dos diferentes estilos” e na metodologia

“leitura crítica de textos de época, levando o aluno a observar a visão de mundo do escritor”.

Quanto aos suportes utilizados pelos estudantes para participarem das aulas e para

responderem aos questionários propostos, três estudantes da segunda série e uma estudante da

terceira disseram que não utilizavam suportes para se prepararem para as aulas. Desses,

apenas um disse que também não utilizava suportes para responder aos questionários

propostos. Em relação aos que se preparavam para as aulas e utilizavam suportes, foram

citados: Textos, Construção de método próprio, Ler o que a professora passa, Livro

didático e videoaulas na internet. Já entre os que se preparavam para responder aos

questionários, os suportes mencionados foram: Textos e assuntos trabalhados pela

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professora, Pelo livro didático, Construção de método próprio, Livro didático e

videoaulas na internet. Quando comparamos as respostas dos estudantes ao que as

professoras revelaram sobre os suportes que costumavam utilizar em suas aulas e se

consideravam o LD como suficiente, obtivemos o seguinte quadro: Hilda, em princípio,

revelou que recomendava e adotava o LD. Em seguida, ao ser questionada sobre os suportes

que costumava utilizar em suas aulas, mencionou “poesias, crônicas, internet e diversas outras

pesquisas”. Nas aulas observadas, não foi possível verificar a utilização desses suportes

mencionados pela professora. Apenas o LD foi utilizado naqueles momentos. Quanto à

professora Betina, esta declarou em sua entrevista que não considerava o LD como suficiente

e, portanto, utilizava-o apenas em um dia da semana e costumava complementar o conteúdo

do manual com suas impressões e conhecimentos sobre os assuntos apresentados. Revelou

que utilizava suportes complementares, como textos mimeografados, de outros livros, além de

uma atividade nomeada por ela como “curiosidade literária”. Nas aulas observadas dessa

professora, foi possível perceber a utilização de outros suportes além do LD no trabalho com a

literatura em sala de aula. Em relação aos planos de disciplinas, tanto o da professora Hilda

quanto o da professora Betina, através das competências e/ou habilidades, previam que os

estudantes deveriam se preparar para a realização das atividades propostas.

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VII – RESULTADOS E DISCUSSÕES

7.1 Minha relação com a educação literária

A literatura dá ao leitor o gosto de certos valores, assim como o valor de

certos gostos; porém, ainda aí, é o leitor que decide e escolhe – primeiro, se

aprende ou não, depois, o que aprende. E quando toma a educação como

tema, a literatura também a trata com ambigüidade e ironia [...] (GOTO,

2006, p.152).

Desenvolver um trabalho sobre um tema tão importante para este pesquisador, a

educação literária, significou realizar aprendizados diários sobre o mesmo tema em mundos

diversos, desafiadores e certos de sua relevância político-social. O aprendizado ao qual me

refiro pôs em cheque certezas de um professor graduado em Letras no ano 2000, com

passagem pelo ensino médio de escolas públicas estaduais e particulares de Ilhéus (BA),

docente no ensino superior no curso de Letras (UNEB, Campus XX) e mestre em Letras pela

UESC. De uma trajetória iniciada em 2003 como professor e pesquisador sobre o livro

didático de literatura em 2008, o caminhar deste aprendiz passou por algumas importantes

transformações ao longo de quatro anos, a partir de 2013.

Destaco, como principal impulsionadora à realização deste estudo, uma paixão pela

literatura criada a partir de leituras de best-sellers de Sidney Sheldon e Agatha Christie, por

exemplo. Mas bem podem ter sido as histórias contadas pela minha avó e que tanto

estimularam a minha capacidade de criar, inferir, inventar histórias, principalmente sobre o

que eu não conhecia. A resistência à literatura canônica, hoje compreendo, foi natural, diante

da forma mecanizada como fui levado a concebê-la pelas minhas professoras do ensino

médio, que se preocupavam em atender aos planos e currículos: privilegiavam a história da

literatura e não o texto literário propriamente dito. Assim, só fui conhecer o Machado de

Assis, a quem tanto odiava no ensino médio por causa dos seus temas, seus finais infelizes e

sua descrença no ser humano (uma típica formação romântica de leitor), no curso de Letras. E

assim, um outro tipo de leitor surgia em mim.

Todo esse revival que me emociona e me apraz se justifica por uma tentativa de

acolher o que me disseram os estudantes participantes da minha pesquisa (como os entendo!)

e também os professores, pois também fui professor do ensino médio e sei das cobranças que

são feitas por um sujeito coletivo (temos de atender às exigências da sociedade e do sistema

escolar). Da minha experiência como aluno à experiência como professor do ensino médio, foi

de onde surgiu uma curiosidade promovida à necessidade de realizar este trabalho, uma vez

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que empenhava a mesma prática que os meus antigos professores utilizavam em suas aulas de

literatura. Com mais elementos do que eles, eu ousava pedir a leitura de romances, contos,

mas o objetivo principal era sempre o mesmo: uma avaliação. Como resultado, os alunos liam

resumos, buscavam informações sobre os textos na internet e a leitura literária acabava

reduzida a isso. Não realizava nenhuma discussão e seguia à risca a sequência historiográfica

do livro didático.

Insisto em falar sobre o sistema escolar, pois, por mais qualificado e dedicado ao

ensino-aprendizagem que eu fosse, atendia ao plano de disciplina organizado coletivamente

com professores da área e nem me lembrava de que aquilo era para ser considerado flexível,

que havia a liberdade do professor em aprimorar o seu plano e o seu principal suporte, o livro

didático, com outros textos e outros recursos. Em suma, fazia aquilo que a maioria dos meus

colegas também fazia e achava correto. A mudança de postura se deu quando, em conversas

com colegas também insatisfeitos com sua atuação, passamos a refletir sobre a prática docente

em relação ao ensino de literatura. Isso me fez propor um projeto de pesquisa sobre o ensino

de literatura pelo livro didático a um programa de Mestrado em Letras na Universidade

Estadual de Santa Cruz (UESC), em Ilhéus (BA). Como resultado, uma reflexão sobre o que

eu fazia com o livro didático de literatura, nas minhas aulas, e com a própria literatura. Essa

reflexão me abriu caminhos para dialogar com outros colegas professores e estudantes de

escolas públicas estaduais de Salvador (BA) sobre educação literária, a fim de construir novas

reflexões, as quais discuto nesta tese.

7.2. Discutindo os resultados

Os resultados obtidos a partir da análise e interpretação de dados revelaram que, ao

invés de um único modelo de educação literária, existem modelos variados de educação

literária nas escolas participantes desta pesquisa. Esse entendimento tornou-se possível graças

ao trabalho etnográfico desenvolvido nos espaços escolares, através dos instrumentos de

coleta de dados selecionados para esta investigação.

7.2.1. Os modelos de educação literária revelados pela pesquisa

De acordo ao que foi investigado, havia nas escolas dois modelos instituídos: um

prescrito pelos documentos escolares e pelo livro didático de literatura e outro construído

através da experiência docente das professoras que mesclavam os seus conhecimentos aos

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sugeridos pelo LD. No primeiro caso, nomeei-o modelo de educação literária

historiográfico-literário e no segundo, trata-se de um modelo de concepção pedagógico-

literária. O não instituído é representado pelo modelo concebido.

7.2.1.1. O modelo de educação literária historiográfico-literário

Para chegar a uma definição desse modelo, algumas reflexões foram necessárias.

Assim, foi possível perceber que os documentos visavam a uma espécie de organização ou

padronização do ensino, isto é, um código que deveria embasar o trabalho dos profissionais

das escolas. Não foi possível, por exemplo, identificar qualquer menção no PPP sobre o

ensino de literatura (também não havia nenhuma menção às outras disciplinas do currículo),

uma vez que se tratava de um documento mais geral, relacionado à vida escolar, mas sem

aprofundamento no tocante ao currículo e aos conteúdos das disciplinas. Mesmo assim, pela

redação dos documentos, foi possível perceber que as escolas objetivavam uma educação

articulada/mediada por um professor que priorizasse em sua prática a formação cidadã dos

seus estudantes, de modo a atender exigências da sociedade. Isso dialogava com um currículo

construído a fim de também preparar os discentes para o trabalho.

Os planos de disciplina eram, à primeira vista, independentes dos PPP, pois os

conteúdos seguiam a tradição historiográfica da literatura através do livro didático e não havia

menção alguma ao contexto dos estudantes, conforme defendiam os PPP. Por outro lado, os

planos apresentavam associações no tocante ao preparo do aluno para o mercado de trabalho,

pois os conteúdos referentes à literatura, além de idênticos aos do LD, eram também

semelhantes aos de vestibulares, ENEM e até de editais de concursos que cobram

conhecimentos sobre literatura. Por essa observação, entendi que os documentos objetivavam

que o trabalho desenvolvido pelas professoras de literatura estivesse voltado à preparação dos

estudantes para aprovação nos concursos mencionados anteriormente, o que garantiria sua

entrada no mercado de trabalho. Daí a formação cidadã defendida nos PPP. Por isso, esse

modelo de educação literária é identificado com a formação cidadã do estudante através do

aprendizado de conteúdos e dos modos como esses conteúdos são cobrados nos exames.

Sobre as influências percebidas nesse modelo, é possível perceber a existência de

algumas concepções, as quais auxiliam o entendimento das propostas apresentadas pelas

escolas. As concepções filosóficas surgem quando, através dos PPP, as escolas defendem o

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que entendem como sendo sua missão ou seu objetivo principal: formar o aluno cidadão de

acordo às suas perspectivas. As concepções sociológicas encontram-se no entendimento que

as escolas apresentam sobre a relação que mantêm com a sociedade e o seu papel como

mediadoras entre os contextos com os quais dialoga. As concepções pedagógicas percebidas

através dos planos de disciplinas revelaram uma forte relação com a periodização da literatura

sugerida pelos manuais didáticos trabalhados naquelas escolas. Desse modo, trata-se de

concepções sobre como educar literariamente o estudante através de conhecimentos

fragmentados, os quais serão cobrados em futuros exames. As concepções políticas são

responsáveis por oficializar esse modelo de educação literária, permitindo uma espécie de

padronização sobre a forma como a literatura se apresenta nos documentos e nos livros

didáticos. Também é responsável sobre como esse conhecimento adquirido pelo estudante

será testado e/ou cobrado em testes, provas e concursos.

Portanto, com base nas reflexões acima, conceituo o modelo de educação literária

historiográfico-literário como um sistema de ensino de literatura com objetivos, métodos e

conteúdos definidos a partir de uma representação do que profissionais do MEC, editores de

livros didáticos, comissões avaliadoras do PNLD, secretarias de educação e professores de

Língua Portuguesa e literatura concebem como literatura. Os conteúdos de literatura

apresentados nesse modelo seguem a historiografia da literatura brasileira e o seu método de

ensino também é sugerido pelo LD. Quanto aos objetivos, pretende-se a formação de

estudantes que sejam capazes de memorizar o conteúdo enciclopédico constante no LD para

que, assim, ocorra a adequação desses estudantes à sociedade.

A representação desse modelo de educação literária é, desse modo, criada pelos grupos

sociais acima mencionados sob a ótica não de uma realidade social extraída de um dado

momento, mas de uma verdadeira realidade criada por eles e fundamentadas em supostas

razões, mas que também são propagadas como verdades incontestáveis. Assim, esse sistema

de ensino de literatura se apoia nas indicações de como se ensinar os conteúdos devidamente

selecionados pelas comissões do PNLD, autores e editores do livro didático. Além disso, além

dos grupos que forjam o modelo em questão, essas indicações revelam conexões entre

vestibulares, livros didáticos e planos de disciplinas de literatura. O aprendizado do estudante

deve ser testado contando com a memorização de períodos, datas, nomes de autores e de obras

e principais características de obras e de períodos. São, portanto, indicações de como o

estudante deve se apropriar do conteúdo ensinado. Como consequência, o modelo

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historiográfico-literário sagra-se o principal ou talvez o único discurso responsável por

possibilitar o contato do público discente com a literatura.

A consagração do modelo historiográfico-literário através da universalização do seu

discurso confere legitimidade ao que é distribuído como conteúdo e depois socializado por

professores e aprendido por alunos nas escolas. Por outro lado, essa legitimação provoca a

inferiorização, o desprestígio ou até mesmo o desconhecimento de outras formas de

apropriação do texto literário, tamanha é a força dos discursos legitimadores do modelo

instituído. São poderosas representações que atuam no sentido não apenas de defender a

existência do seu modelo, mas de anular outros modelos através de mecanismos capazes de

impor a sua concepção do que seja literatura e de institucionalizar formas para compreendê-la.

Como exemplos do modelo historiográfico-literário encontrados na pesquisa,

destacam-se:

- Os planos de disciplinas das quatro professoras participantes da pesquisa, por

apresentarem conteúdos sequenciais de acordo à historiografia literária brasileira e também

em consonância com o livro didático vigente;

- A supremacia de enciclopédias em relação aos demais títulos, inclusive às disciplinas

constantes nos currículos escolares, nas estantes das bibliotecas das instituições pesquisadas.

Além disso, havia considerável número de títulos de livros didáticos fora do catálogo vigente,

mas expostos nas estantes. Por outro lado, havia exemplares de romances como Memórias do

Cárcere, de Graciliano Ramos e Incidente em Antares, de Érico Veríssimo, e exemplares de

obras teórico-críticas como Formação da literatura brasileira, de Antonio Candido e História

concisa da literatura brasileira, de Alfredo Bosi, todos fora das estantes. Isso significa que

havia uma preocupação daquelas escolas em oferecer um sistema de ensino da literatura mais

identificado com a memorização de conteúdos, através dos significados e sentidos oferecidos

pelas enciclopédias e pelos conceitos formulados e apresentados no livro didático;

- As práticas pedagógicas percebidas nas observações, quando as professoras

passavam atividades constantes no livro didático ou extraídas do manual do professor para os

seus alunos sem contribuírem com os seus conhecimentos ou apenas reproduzindo as

informações contidas no referido manual;

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- O respeito à tradição historiográfica da literatura brasileira através da associação que

as professoras promoviam entre os conteúdos trabalhados e as escolas literárias, confirmando,

desse modo, a demarcação político-educacional de autores e obras da nossa literatura;

- A exclusividade de textos escritos por autores canonizados pela tradição

historiográfica da literatura brasileira, extraídos do livro didático ou de similares e trabalhados

pelas professoras durante as aulas observadas;

- As respostas dos estudantes sobre o que entendiam como literatura quando realizadas

as entrevistas para a coleta de dados: História, ensino de história, literatura clássica, coisas do

passado etc. São concepções resultantes da legitimação dos discursos contidos no sistema de

ensino de literatura, o qual forja o modelo historiográfico-literário. Este, por seu turno, indica

formas de apropriação de conceitos e modos de se aprender literatura.

7.2.1.2. O modelo de educação literária de concepção pedagógico-literária

Através da vivência escolar, o cotidiano das salas de aulas onde se trabalhava a

literatura e as entrevistas realizadas com as professoras, foi possível estabelecer o conceito

desse modelo de educação literária, também instituído. Para isso, foi necessário extrair das

aulas, dos conteúdos e dos discursos das docentes as suas concepções a respeito do que

defendiam como literatura, ensino de literatura e processos de ensino-aprendizagem de

literatura.

Em princípio, a observação das aulas revelou uma diversidade de concepções

apresentadas pelas docentes. Embora todas as professoras fizessem uso do livro didático em

suas aulas, os modos de apropriação dos conteúdos e de compartilhamento das informações

com os seus alunos possibilitaram diferentes registros. Isso foi possível graças à relação que

as docentes demonstraram manter com a literatura. Na sequência, as entrevistas contribuíram

para ampliar a percepção do pesquisador acerca do entendimento das professoras sobre a

literatura e sobre como realizavam as suas práticas. Assim, sobressaíram-se, por meio das

observações e das entrevistas, concepções identificadas com a literatura canônica, concepções

ligadas ao ensino da literatura com vistas à aprovação nos exames e concepções voltadas ao

letramento literário através de um processo de ensino-aprendizagem que contemplava a

participação dos estudantes.

Trata-se, portanto, de um modelo instituído, de natureza subjetiva, alicerçado nos

discursos apresentados pelas professoras em diferentes momentos da realização de suas

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práticas. Esse modelo também conta com objetivos, métodos e conteúdos responsáveis por

consolidar a representação de conceitos próprios de literatura, realizados por cada docente.

Por outro lado, o modelo pedagógico-literário também contempla a racionalidade do modelo

historiográfico-literário quando se apoia nas indicações do livro didático para executar as suas

propostas.

Por conseguinte, configura-se como modelo de educação literária pedagógico-literária

um conjunto de práticas pedagógicas voltadas ao ensino-aprendizagem de literatura,

amparadas na subjetividade dos discursos docentes e consolidadas nas exposições, discussões,

explicações e mediações realizadas em salas de aula. Por ser de natureza subjetiva, o presente

modelo de educação literária apresenta três subdivisões: o modelo de inspiração na

literatura canônica, o de inspiração na periodização da literatura com vistas à aprovação

nos exames e o de inspiração no letramento literário.

O modelo de inspiração na literatura canônica traz à cena a identificação docente com

os cânones da literatura ocidental, especialmente a brasileira, cuja finalidade seria, além de se

apropriarem dos clássicos, também de instrumentalizar os estudantes a fim de que

conhecessem e soubessem utilizar a linguagem formal, culta. Como exemplo, destaco alguns

registros realizados durante a observação e a entrevista da professora Cleusa Regina:

A exibição aos alunos de uma camiseta que exaltava os feitos de escritores a partir

dos seus próprios nomes e sobrenomes;

O entendimento de que o aluno precisava conhecer os grandes autores,

compreender a linguagem literária, a qual poderia melhorar, inclusive, a linguagem

“pobre” que está habituado a utilizar;

As associações com outras literaturas, comentários sobre obras e autores, como

visto na primeira aula observada, que tinha como assunto “Realismo Brasileiro”, mas a

professora pôs-se a falar sobre um texto de Fernando Pessoa, alegando que ele era seu

escritor favorito e, por isso, falava da beleza de sua literatura.

O modelo de inspiração na periodização da literatura com vistas à aprovação nos

exames se traduz na finalidade do processo de ensino-aprendizagem empenhado pelas

professoras. Trata-se da efetivação de práticas que reproduzem os conteúdos e as indicações

de como ensinar e de como aprender a literatura ofertada pelo LD. Esse modelo também conta

com a mediação ou articulação das professoras, no sentido de direcionar o referido processo

para instrumentalizar o estudante com conhecimentos que serão testados em futuros exames.

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Para esse modelo, há exemplos nas práticas e entrevistas de três das quatro docentes

participantes da pesquisa.

No caso da professora Cleusa Regina, quando não era o livro do PNLD vigente, era

utilizada uma xerox de outro LD utilizado nas aulas. Consta ainda uma aula “adiantada” da

referida professora, realizada com total apoio de uma xerox de livro didático. A professora

Maria Cecília, por sua vez, teceu comentários e considerações a respeito dos assuntos

trabalhados totalmente apoiada naquilo que prescrevia o livro didático. Pelo que revelou na

entrevista, a professora entendia que a literatura estava associada à história da literatura e

também à própria Língua Portuguesa. Hilda realizava sua prática totalmente embasada no LD.

Havia, por parte dela, uma crença de que, com aquele tipo de prática, seria possível letrar o

aluno a partir dos conteúdos e sugestões de apropriação contidos no LD, a fim de que pudesse

alcançar os objetivos do seu plano de disciplina. Isso foi percebido a partir da dedicação e do

empenho da professora em exigir o uso do LD, unir os estudantes que não portavam o referido

manual com outros que portavam a fim de executarem as atividades, acompanhar e auxiliar

aqueles que não entendiam os enunciados e realizar a correção das atividades através das

respostas contidas no livro do professor.

A identificação do modelo acima descrito revelou que as professoras, com exceção de

Hilda, eram críticas ao livro didático, pois o consideravam insuficiente. No entanto, pouco foi

observado na prática das três docentes destacadas nesse modelo que fugisse ao domínio do

referido suporte. Por outro lado, percebi a coerência entre o discurso e a prática de Hilda, que

construía sua prática a partir dos ensinamentos do LD e acreditava que o suporte seria

responsável pelo êxito do seu trabalho. A literatura para esta docente correspondia ao que

pensavam escritores de teoria literária e/ou de LD. A sua preocupação em apresentar a

“resposta correta” ao que era questionado me lembrou o que a pesquisadora Cyanna Leahy-

Dios registrou sobre a crença de que os professores da educação básica não produzem

conhecimento e o perigo desses professores aceitarem isso. Quando lhe foi perguntado sobre o

seu conceito de literatura, por exemplo, a entrevistada apresentou três: um da autora do LD,

outro da sua época de estudante e, fora da entrevista, um conceito pessoal (considerei

importante registrar esse terceiro conceito, pois embora não tenha sido coletado na entrevista,

entendi que a professora se continha com medo de errar uma suposta resposta que o

pesquisador esperava). A interferência do pesquisador, durante a entrevista, se deu em

algumas questões pelas mesmas razões descritas acima.

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Sobre a preparação dos estudantes para os futuros exames, duas professoras foram

explícitas em seus comentários: Maria Cecília e Hilda. Ambas objetivavam a aprovação dos

seus estudantes no ENEM e/ou vestibulares. Para isso, chamavam a atenção dos discentes

para a importância do aprendizado daquilo que era trabalhado em sala de aula, extraído dos

manuais didáticos vigentes.

O modelo de inspiração no letramento literário é definido como um conjunto de

práticas de ensino de literatura apoiadas no conhecimento docente sobre os assuntos

trabalhados e suas conexões com os conteúdos disponibilizados nos livros didáticos. Além

disso, conta com a interlocução desempenhada pelo público discente através da contribuição

dos estudantes nas discussões realizadas durante as aulas. Como exemplos desse modelo,

destaco registros de observações das aulas e da entrevista realizada com a professora Betina.

Primeiro, percebi que a professora apostava na leitura discursiva da literatura, tendo como

objeto o texto literário e não a leitura para responder questões do LD. Mas havia também um

processo de escolarização da literatura que aproximava os estudantes do texto literário, sem

necessariamente autenticá-lo pelo livro didático. A professora assumia o discurso da

autoridade e não permitia que o LD “falasse” por ela. Em suas aulas, o LD foi um dos

suportes e, como tal, estava a serviço do seu processo de ensino-aprendizagem.

Além disso, os textos literários - mesmo quando eram representados por fragmentos do

LD – contavam com a leitura introdutória da docente, uma espécie de preparação que ela

fazia, a fim de chamar a atenção do seu público. A relação que a docente mantinha com a

literatura, como leitora, crítica, engajada na função de formar leitores de literatura também lhe

possibilitava formar cidadãos críticos a partir dos textos literários e das discussões propostas

nos referidos textos. Tanto nas observações quanto na entrevista, a professora defendeu o

aprendizado do estudante a partir do texto literário.

A entrevista com Betina também trouxe à tona a coerência entre a prática diária em

sala de aula e o seu discurso registrado neste instrumento de coleta de dados. As suas

respostas partiram da paixão de leitora e de formadora de leitores de literatura para a atuação

profissional. O seu conceito de literatura contemplou o estudante e o seu contexto; já a leitura

de literatura foi associada à expressão do sentimento. São duas visões que se complementam:

a literatura como produto social e a literatura como impulsionadora da expressividade do

leitor. Essas duas visões, mencionadas em suas respostas, foram também percebidas no

decorrer das aulas observadas, quando os alunos eram estimulados/provocados a se

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posicionarem diante das leituras propostas. Além disso, havia o cuidado da professora em

relacionar os conteúdos com temas voltados ao contexto sócio-político atual.

A prática acima registrada também foi contemplada quando a professora disse

acreditar que a literatura pode transformar o mundo e, por isso, se configura num importante

instrumento de socialização. E se inseriu como mediadora desse processo quando realizei os

registros das aulas observadas. A mediação foi um dos principais pontos de concordância

entre a observação das aulas e a entrevista, pois, nos dois casos, havia equivalência entre

prática e discurso. O uso do livro didático, por exemplo, realmente, era feito em apenas um

dia de aula na semana; havia complementação tanto no que dizia respeito aos conteúdos

quanto em relação às abordagens do que era tratado em sala. A professora assumia o papel de

principal representante naquele espaço e conferia ao LD o papel de auxiliar ao seu trabalho,

assim como outros instrumentos de que também fazia uso.

7.2.1.2. O modelo concebido de educação literária

Para chegar a este modelo, considerei as representações verificadas nas ações dos

estudantes durante o período de observação de aulas e também no conteúdo dos discursos

apresentados nas entrevistas. Assim, foi possível entender como os modelos de educação

literária verificados nas práticas docentes eram recebidos pelos alunos participantes desta

pesquisa e como eles respondiam com outras formas de apropriação além daquelas indicadas

pelos documentos, pelo livro didático e pelas professoras. Também foi preciso considerar uma

variedade de informações trazidas pelos estudantes que ora se aproximavam das

representações defendidas pelas escolas, ora traziam novas informações e reivindicavam

mudanças no processo de educação literária dos quais eram integrantes.

A diversidade de informações pode indicar tanto a variedade de discursos escolares a

respeito do que concebiam como literatura quanto pode significar a ausência de discussão

sobre o referido tema. Também pode significar a identificação de alguns estudantes com a

literatura, inclusive a que não era veiculada nas escolas, o que teria influenciado algumas

respostas mais reflexivas sobre o que lhes fora questionado. Outra possibilidade para a

variedade de conceitos também poderia resultar dos modelos instituídos de educação literária

ofertados aos estudantes, a partir dos processos de ensino-aprendizagem pelos quais teriam

passado. Na fala dos entrevistados, sobressaíram-se tipos de modelos de educação literária de

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concepção político pedagógica: o modelo de inspiração na literatura canônica (trabalhos de

autores através do tempo/ grandes homens escreveram), o modelo de inspiração na

periodização da literatura com vistas à aprovação nos exames (tem mais a ver com a

história/é um tipo de leitura desde o passado/interligada à história), e o modelo de inspiração

no letramento literário, identificado com a expressividade através da escrita (é o nosso

movimento de tentar escrever) e também identificado com a crítica social, que vê a literatura

como arte produzida em um contexto social (uma forma de crítica).

Com a reivindicação dos discentes, percebi que, embora constasse nos PPP a

informação de que eles também participavam da construção dos referidos documentos, suas

falas apontavam que muitas de suas escolhas não estavam contidas ali. Eram reivindicações

referentes à quantidade de aulas de literatura, uso da biblioteca escolar (caso da Escola

Heurisgleides Ferreira), utilização de suportes auxiliares ao processo de ensino-aprendizagem

- além do livro didático – como um livro didático exclusivo de literatura e a internet, oficinas

de literatura e aulas mais dinâmicas.

As demandas acima apresentadas revelam que os estudantes também entendiam o

processo educacional do qual faziam parte. Como pertenciam a um contexto diverso, natural

que suas visões também o fossem. Por isso, encontrei associações do público discente com os

modelos de educação literária instituídos, mas também outras representações que se

impunham frente à apropriação da literatura exclusivamente através dos livros didáticos e

também através da literatura canônica. Quando indagados sobre as obras que liam e de quem

partiram as indicações de leitura, a maioria dos alunos citou títulos que não estão

contemplados no cânone do LD e foram indicados por amigos e parentes. E a minoria citou

algumas obras contidas no cânone e indicadas pelos manuais didáticos ou pelas professoras.

Isso me auxiliou a perceber esse modelo de educação literária como um tipo de resistência

formulado por estudantes que liam à revelia das indicações da escola ou do livro didático.

Quando alguns alunos responderam que o conceito de literatura para eles era ensino de

história, ou produções de grandes homens, por exemplo, percebi que, para eles, o que

gostavam de ler (os best-sellers, por exemplo) não era literatura.

As visões que os estudantes construíram, a partir das aulas e do LD, figuravam no

imaginário discente como uma leitura distante de suas ambições leitoras: ler os fragmentos de

livros fornecidos pelo LD, além de contribuir com a visão de que aquilo era história, estava

associado à prática de responder às questões do LD, das provas e de vestibulares. A leitura

que apreciavam era aquela que não tinha objetivos outros que não a própria leitura, o deleite

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de se apropriar de informações que não demandassem finalidades externas ao que o texto lhes

provocaria. Isso me fez inferir que os estudantes tinham consciência não só do conceito que

atribuíam à leitura literária como também da sua importância e de como relacioná-la à vida

escolar e à vida fora da escola.

Pelo exposto, defino o modelo concebido de educação literária como modos de

apropriação de literaturas diversas que emergem das práticas de leitura adotadas pelos

estudantes a partir de escolhas alheias aos modelos instituídos. Como essas escolhas, de

acordo ao que fora informado, em geral surgem a partir de indicações de amigos e/ou

parentes, percebo nesse contexto a atuação de potenciais mediadores para os mais diversos

tipos de leitura, os quais além de agradar quem os recomenda também passam a criar públicos

de leitores entre os discentes. Por sua vez, esses novos leitores seguem a corrente e também

indicam a outros possíveis leitores as referências das quais se apropriaram.

Por entender que, ao lerem à revelia das escolas, os estudantes criam táticas de

apropriação e elegem a partir de suas escolhas os tipos e gêneros de leitura adequados aos

seus gostos, compreendo que há um mundo de leitura e de leitores que as escolas ignoram ou

desprezam. As escolas participantes da pesquisa ofereciam aos estudantes métodos e

instrumentos de apropriação da leitura literária distantes dos objetivos que eles revelaram

como leitores. O suporte consagrado no processo de ensino-aprendizagem era o livro didático

e os conteúdos também eram extraídos desse manual. Os estudantes, por sua vez,

reivindicavam o uso da internet e, apesar de não terem esse recurso disponibilizado pelas

instituições, houve casos em que alguns consultavam a referida rede, a partir dos seus

smartphones, para responderem a alguma atividade durante as aulas.

Por conseguinte, verifico que as fronteiras entre o que a escola institui e o que desejam

os estudantes cada vez mais se ampliam. Além dos títulos, tipos e gêneros de leituras

escolhidos pelos estudantes não coincidirem com o cânone indicado pelo LD e adotado pelas

escolas, os modos de leitura também fogem ao tradicional escolar. As práticas de ler através

do impresso e a de transcrever o que as professoras copiavam no quadro não foram

substituídas, mas foram acrescidas de outras. Foi possível registrar a fotografia da lousa e a

leitura de textos a partir de aparelhos celulares por alguns estudantes durante as observações

das aulas. Também nas entrevistas alguns estudantes revelaram que liam pelo computador.

Portanto, o modelo concebido de educação literária surge da conformidade entre o

contexto dos estudantes e as leituras que são disponibilizadas e depois adotadas por eles.

Conforme verifiquei, a resistência aos modelos instituídos indica que aqueles alunos estão em

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268

constante diálogo com a diversidade de comunicação oferecida pelo mundo a que pertencem.

Os modos tradicionais de apropriação oferecidos pelas escolas são recusados pelos discentes

que, por sua vez, veem na literatura escolarizada apenas um conteúdo para responder às

atividades propostas nas provas e nos exames.

7.3. Respondendo ao problema de pesquisa

Após as discussões dos resultados, que me possibilitaram identificar modelos de

educação literária no contexto das escolas Heurisgleides Ferreira e Renailda Sousa, foi

possível oferecer algumas respostas ao problema de pesquisa desta tese: Como os conteúdos

das representações presentes no contexto de escolas públicas de Salvador (BA) sugerem

formas de apropriação de um modelo de educação literária junto a professores e estudantes

do ensino médio?

Para conseguir estabelecer possíveis argumentos, foram necessárias algumas reflexões.

Primeiro parto do princípio de que as duas instituições escolares eram regidas por documentos

construídos pelas próprias instituições e também por documentos legisladores, como

Parâmetros Curriculares e Lei de Diretrizes e Bases, e instâncias superiores, como Secretaria

de Educação Estadual, Governo do Estado, Ministério da Educação e Governo Federal. Todas

essas instâncias, incluindo as escolas, fundamentam seus discursos a partir de concepções dos

grupos sociais que legislam sobre a educação brasileira. Ao associar essas reflexões ao

conceito de Representação formulado por Roger Chartier, percebo que os discursos escolares

ou os discursos que legislam sobre as escolas reivindicam a universalidade de suas verdades,

os quais teriam como princípio o bem comum.

Evidente que os documentos e as instâncias político-sociais não seguem o mesmo

discurso, sobretudo quando observo as propostas da LDB 5692/96 e sua interpretação pelos

Projetos político-pedagógicos das escolas participantes desta pesquisa. Além disso, as

secretarias de governo e os próprios governos também realizam interpretações ao ajustarem os

preceitos da referida lei às suas propostas. É dessa relação, por exemplo, que emerge aquilo

que propõe Chartier. São representações de educação, escola, ensino-aprendizagem, políticas

públicas, currículo, avaliação, papel do professor, formação cidadã, dentre outros, pensadas a

partir de um discurso fundamentado na razão própria de grupos sociais que aspiram também a

uma representatividade e que os legitimam a falar em nome de outros grupos, os legislados

pela ideia de universalidade imposta pela categoria dominante.

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Cabe aos grupos de legislados, portanto, o papel de assimilar os discursos advindos

dos grupos dominantes. Nesse caso, tem-se a apropriação. Para Chartier (1988), o conceito de

apropriação contempla a liberdade de que dispõe o leitor para se apropriar de informações a

partir dos diversos contextos em que se encontram. No entanto, ao forjar uma ideia de

universalidade, os legisladores constroem poderosas estratégias de apropriação para os

leitores, as quais seriam responsáveis pelo quase aniquilamento da liberdade de escolha. São

esquemas intelectuais que “pensam” pelos leitores sobre o que deve ser lido, como deve ser

lido, quais contribuições devem acrescentar ao que foi lido, a que conclusões devem chegar de

acordo ao que foi lido, como deve ser interpretado o conteúdo de um determinado texto para

ser reproduzido a outros sujeitos.

Desse modo, a consolidação dos modelos instituídos de educação literária perpassa por

um grupo que se encarrega de pensar a apreensão do mundo social, classificá-lo e depois

delimitá-lo para, somente assim, compartilhar o conhecimento que fora pensado, organizado

para os futuros leitores. Nas escolas investigadas, isso ocorria através dos documentos

escolares, sobretudo dos planos de disciplinas e do livro didático. Foi possível perceber que

um dos modelos instituídos de educação literária, o historiográfico-literário, possuía relevante

status pela ascendência que o regia. As justificativas apresentadas para a predominância desse

modelo podem ser encontradas nas referências que ele traz apoiadas na LDB, nos órgãos

governamentais, nos documentos do MEC para se estabelecer nas escolas. A partir daí, inspira

o PPP e os planos de disciplina até chegar à sala de aula, espaço onde também se desenvolve o

modelo de concepção pedagógico-literária por meio das escolhas e práticas docentes e

também o modelo concebido de educação literária por meio das escolhas dos estudantes.

Os grupos ligados aos órgãos educacionais (MEC, Secretarias de governo e

universidades) pensam a educação literária e a representam através dos Parâmetros

Curriculares de Língua Portuguesa (que inclui a literatura). Eles a solidificam através do livro

didático de Língua Portuguesa e literatura. Assim, o modelo historiográfico-literário se

consolida na prática docente e sugere formas de apropriação dos conteúdos, tanto aos

professores quanto aos estudantes. Nas escolas participantes desta tese, esse foi o modelo que

mais vezes foi registrado pelo pesquisador. Isso ocorria mesmo quando as professoras

demonstravam conhecer outros modelos que pudessem embasar as suas práticas. Do lado dos

estudantes, a consolidação desse modelo também foi percebida a partir das visões

apresentadas através das entrevistas. Havia, entre eles, concepções que dialogavam com o que

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ensinavam as professoras, com o modo de se aprender literatura e principalmente com as

representações de literatura forjadas pelo livro didático.

Por isso, entendo a predominância do modelo instituído de educação literária,

denominado neste estudo de historiográfico-literário, nas escolas investigadas como uma

poderosa representação alicerçada na construção de mundos idealizados por grupos políticos e

sociais, os quais determinam que a apropriação da literatura, tanto por parte dos professores

quanto por parte dos estudantes, transcorra de acordo às indicações do livro didático, como

consta no registro desta tese. Existe um cenário onde é possível perceber um jogo de forças

entre o modelo historiográfico-literário e o modelo de concepção pedagógico-literária

inspirado no letramento literário e também o modelo concebido. Conforme alerta Chartier

(1988), são lutas de representações. E o grupo mais forte impõe seus valores e suas

concepções, obrigando os grupos minoritários a também os adotarem.

No entanto, nas lutas de representações, o grupo dominante não explicita aos demais

quais são os seus reais objetivos. Quando impõe um tipo de representação da literatura e suas

formas de apropriação, esse grupo difunde uma ideia de universalidade, como se aquela fosse

a única possibilidade de acessar um conhecimento considerado importante. São discursos que

se apoiam na conformação dos grupos minoritários, os quais são instruídos a aceitarem

aquelas indicações como discursos de verdade absoluta. Daí a quase ausência, nas escolas

investigadas, de associações da literatura a outros discursos que não o de conhecer para

responder às questões de provas ou de exames. A literatura, sob essa ótica, é um

conhecimento palpável, que pode ser apreendido através da memorização dos principais

pontos de vista trazidos como relevantes ao conhecimento do leitor escolarizado.

Já no modelo de concepção pedagógico-literária com inspiração no letramento

literário, é o professor, através da mediação, que sugere formas de apropriação aos estudantes.

Na pesquisa, esse modelo foi marcado pela reivindicação de autoridade em sala de aula da

professora Betina através daquilo que ela conhecia, ao relacionar o seu conhecimento ao

contexto escolar e também ao que era externo à escola, e ainda por permitir e incentivar a

participação dos discentes. Várias foram as passagens registradas durante as observações e

confirmadas pelas entrevistas da própria docente e também dos seus alunos. Para

exemplificar, destaco a leitura de um fragmento sobre Triste fim de Policarpo Quaresma pela

professora e pelos alunos em uma das aulas observadas. Embora tenha utilizado o LD, a

professora efetuou contribuições e propôs reflexões que não estavam previstas naquele

suporte. Além disso, realizou uma espécie de motivação ao informar aos seus estudantes que

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Lima Barreto, autor do título em destaque, também escreveu Nova Califórnia, Vida e Morte

de M. J. Gonzaga de Sá, Clara dos Anjos, Numa e Ninfa, O homem que sabia Javanês, dentre

outras, adaptadas em conjunto na telenovela Fera Ferida (originalmente exibida pela Rede

Globo em 1993 e reprisada pelo Canal Viva em 2015), de Aguinaldo Silva.

A relevância dessa passagem está no incentivo praticado pela professora, pois

consciente da influência da telenovela no Brasil, Betina estimulava, de certo modo, a

curiosidade dos seus estudantes em buscar as obras mencionadas ao invés de apenas prepará-

los para os exames escolares. À primeira vista, esse ato pode apresentar pouca relevância, mas

para os estudantes pode significar a possibilidade de ampliar ou modificar a sua visão sobre o

que eles concebiam como literatura. Ao fazer a mediação, além de estimular os seus

estudantes a buscarem as obras mencionadas, a professora também demonstra que é leitora,

que conhece as obras mencionadas no livro didático e possíveis adaptações delas decorrentes.

Por conseguinte, os discentes se familiarizam com possibilidades de leituras diferentes das

previstas no LD e que podem lhes oferecer outras visões da literatura canônica, indo além das

abordagens do referido LD e de outras práticas docentes.

Embora não tenha sido recorrente durante as observações (mas bem marcado nas

entrevistas), o modelo concebido adotado pelos estudantes não apenas sugeria formas de

apropriação como também as criava. Trata-se de um modelo que, embora fosse legítimo em

razão das liberdades de apropriação do conhecimento, soava como marginais para três das

quatro professoras participantes, e também para alguns estudantes, que de tão habituados ao

modelo defendido pelo manual didático, ignoravam a existência de outros modelos

(estudantes) ou apenas perseguiam o ensino enciclopédico para que os estudantes lograssem

aprovação nos exames, desprezando outras formas de apropriação e de práticas de ensino da

literatura (professoras).

A consciência de que havia nas escolas uma reação ao domínio do modelo

historiográfico-literário, fosse através do modelo de concepção pedagógico-literária inspirado

no letramento literário, fosse pelo modelo concebido, me reportou a Chartier (1988)

novamente, quando ele define Apropriação. Essa reação foi se delineando nas observações das

aulas, em que foi possível perceber que, na exposição de Betina, por exemplo, o LD não

falava sozinho, não ditava verdades. Também, na prática docente, mais de uma forma de

leitura da literatura e em mais de um suporte também configuraram reações. Por parte dos

estudantes, as escolhas que fizeram em relação ao tipo de leitura de que gostavam e o que

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revelaram nas entrevistas sobre suas relações com a literatura apontaram que não havia

consenso acerca do tema em questão.

Havia contrastes entre a ideia de universalidade imposta pelo modelo historiográfico-

literário e a relativização dessa ideia por parte dos outros modelos. Tanto a professora Betina

quanto os estudantes demonstraram que conheciam e praticavam a leitura da literatura de

outras formas, ou seja, se apropriavam dos textos de diversos modos, exercendo a sua

liberdade para se relacionarem com aquilo que liam. Por outro lado, embora não se negue,

essa liberdade não é tão difundida quanto o modelo historiográfico-literário nas escolas. Além

disso, quando as professoras insistiam em seguir o referido modelo, reforçavam ainda mais a

ideia de universalidade inerente ao seu discurso.

Frente ao exposto, entendo que as escolas participantes da pesquisa possuem, sim,

representações do que seja literatura e do que seja o processo de ensino-aprendizagem da

referida arte quando escolarizada. E a partir dessas representações, realizam suas escolhas

combinadas com as instâncias que legislam sobre o contexto escolar, em relação ao

tratamento dispensado ao referido processo. As escolas seriam mediadoras daquilo que foi

pensado para ser ensinado aos estudantes e também aos professores. As representações seriam

criadas nos órgãos governamentais político-educacionais e consolidadas nas instituições de

ensino.

No ambiente escolar, as representações emergiram dos documentos escolares e do

livro didático e atuavam no intuito de conferir à literatura certo caráter científico. Daí a

necessidade de se escolarizar a literatura para instruir os estudantes a se apropriarem de

representações da literatura e não do texto literário, pois a finalidade do trabalho com o

referido texto era muito mais a preparação dos alunos para os exames do que um amplo

letramento literário. Isso é construído, no ensino médio, a partir da historicização do texto

literário, dos fragmentos selecionados pelos editores e autores de livros didáticos, das

questões de interpretação de texto, das imagens literárias, das características de períodos, de

escritores canônicos e das principais datas. Todo esse panorama está contemplado no LD. É

desse modo que o modelo historiográfico-literário pensado para a escola atua no intuito de

promover uma ideia ou uma representação do que seja a literatura e de como transformá-la em

processos de educação literária. E, para alguns estudantes, e também professores, participantes

desta pesquisa, de tão bem estratégico que é esse modelo, torna-se também a única

possibilidade de contato com o texto literário.

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Por outro lado, conforme já mencionei, no ambiente escolar atuavam também outros

modelos de educação literária. Especificamente o de concepção pedagógico-literária com

inspiração no letramento literário. Nesse caso, eram outras as representações, as quais

sugeriam outras formas de apropriação do texto literário. Destaco o tratamento da literatura

como arte, autores e textos canônicos contidos no próprio LD, trabalhados numa perspectiva

diferente das indicações contidas no manual, uma vez que compreendia o olhar da professora

sobre a literatura e a promoção de debates com os estudantes. Também havia marcas de

pessoalidade ou de intimidade com a literatura através do movimento de ir e vir com o texto

literário. Mesmo quando o texto era uma representação contida no LD, havia o olhar da

professora àquele conteúdo ao realizar a sua prática.

Por esse ângulo, as representações sugeriam, além da amparada pelo LD, formas de

apropriação do texto literário a partir de diversos modelos de educação literária, os quais

contemplavam a autoridade das professoras em abordar os conteúdos de literatura, a

contribuição dos estudantes e a sua consequente autonomia. Nesse modelo, a literatura eram

outras coisas que contemplavam, no caso das professoras, a aproximação com o tratamento

artístico e político-social da literatura, afastando-se do ensino enciclopédico. No caso dos

estudantes, as outras coisas iam desde O pequeno príncipe ao livro de Ivete Sangalo, passando

pela Bíblia Sagrada, por Capitães da areia, Crepúsculo e A menina que roubava livros, por

exemplo. Eram modelos que coexistiam independente dos documentos, das formações e das

escolhas. Por isso, as diversas representações sugeriam formas de apropriação do texto

literário não a partir de um modelo apenas, mas de modelos de educação literária que tanto

correspondiam às exigências da escola, dos governos e da sociedade quanto evidenciavam as

práticas das professoras e dos estudantes que atuavam naqueles contextos tão diversos quanto

as abordagens realizadas a partir do texto literário.

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VIII – CONSIDERAÇÕES FINAIS

8.1. Reflexões

A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de

liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno

desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e

sua qualificação para o trabalho61

Escolhi o artigo 2º da LDB 9394/96, título II (Dos princípios e fins da educação

nacional), para introduzir as reflexões que me foram provocadas pelo exercício desta

investigação, a fim de relacioná-las ao contexto das escolas participantes da pesquisa e às

novas propostas do governo federal via medidas provisórias ou projetos de lei que propõem

modificações à Constituição Federal do Brasil de 1988 e à própria LDB 9394/96. Pela relação

com o contexto escolar, percebi que as escolas Heurisgleides Ferreira e Renailda Sousa,

contemplam em seus respectivos Projetos político-pedagógicos uma maior preocupação em

formar o estudante para atender às exigências da sociedade, estando a cidadania dos sujeitos a

serviço das tais exigências, do que o “pleno desenvolvimento do educando”, conforme

registrado na LDB.

No entanto, o percurso que realizei nas escolas acima mencionadas me possibilitou

perceber outras representações além do que foi observado na análise daqueles documentos.

Destaco como o passo a passo desse percurso desde os simples telefonemas às escolas em

busca de informações sobre como proceder à realização da investigação que propunha,

passando por várias visitas malsucedidas, esperas nos corredores para ser atendido pelos

gestores e/ou professores, movimento dos corredores de alunos, funcionários e pais de alunos,

conversas com professores e gestores para me apresentar e falar da pesquisa que desejava

realizar, visitas às salas de professores, registros de aulas observadas, visitas às bibliotecas,

conversas com funcionários de bibliotecas, de secretarias, de portarias e dos serviços gerais,

entrevistas com professores e estudantes.

Embora tenha experiência como professor de Língua Portuguesa do ensino médio

público da Bahia durante dez anos e seja, portanto, conhecedor da dinâmica daqueles

ambientes onde lecionei, percebi que as escolas, ainda que regidas por documentos oficiais

61 Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lei9394_ldbn1.pdf. Acesso em 28 de dezembro de

2016.

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comuns, possuem sua própria essência: são espaços múltiplos e diversos, os quais interferem,

de algum modo, no processo de ensino-aprendizagem. Foi a partir dessa observação que

entendi quais seriam as contribuições da minha investigação para futuros trabalhos cujos

objetivos contemplassem a temática Educação literária.

Inicialmente, busquei a linha teórica História cultural (Chartier) através dos conceitos

de representação e apropriação, por entender que essa teoria me auxiliaria nas interpretações

dos dados coletados durante o processo investigativo. Na sequência, escolhi a metodologia

(etnografia) e a divisão dos capítulos, que também passaram por modificações à medida que a

análise e a interpretação dos dados revelavam informações que “reivindicavam” referências na

parte teórica ou na parte metodológica do trabalho. Por isso, registro a importância da

realização deste trabalho etnográfico, principalmente pela oportunidade de lidar com o

desconhecido. Ainda que guardasse expectativas, portar-me como o outro significou tentar

entender como os professores e os alunos se notavam nos seus respectivos contextos e, a partir

daí, criar um espectro do que eram os modelos de educação literária coexistentes nas escolas

pesquisadas.

Pelo exposto, percebo que, naquelas escolas, apesar da coexistência dos modelos de

educação literária anteriormente descritos, era necessária uma aproximação entre o que a

escola defendia e precisava ensinar com o que os estudantes pensavam, liam e consideravam

literatura. Evidente que a escola, como instituição pública e político-social, precisa letrar o seu

estudante na literatura canônica, afinal, além da possibilidade de compreender as instâncias de

produção e a história da literatura brasileira, há ainda o prazer estético, as possibilidades de

exploração da linguagem e as referências sociais e políticas que possibilitariam a formação de

futuros leitores críticos de sua literatura. No entanto, é preciso haver diálogo com o público

que se forma. Com a pesquisa, percebi que a construção do projeto político pedagógico de

cada uma das escolas não contempla os estudantes, de acordo com o que foi revelado nas

entrevistas. Suas aspirações em relação à leitura de literatura passam ao largo tanto dos

documentos oficiais quanto das práticas das professoras participantes da pesquisa. A exceção,

nesse caso, coube a Betina que, de acordo ao seu relato, realizava momentos de curiosidade

literária onde os estudantes apresentavam a leitura de um texto de sua escolha durante um

templo estipulado pela docente.

No geral, porém, o distanciamento entre a organização escolar e a realidade dos

estudantes fora da escola talvez tenha sido responsável pelos equívocos percebidos nas

respostas dos estudantes ao conceituarem a literatura. Não defendo que a escola adote as

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leituras de Harry Potter e Senhor dos anéis, por exemplo, como leituras obrigatórias para os

alunos. Por outro lado, as bibliotecas escolares poderiam conter essas obras e outras como as

citadas pelos entrevistados em substituição às antigas enciclopédias e livros de áreas que não

fazem parte do currículo escolar. Tive a impressão de que as bibliotecas das escolas, ao

insistirem em acervos inspirados em modelos antigos, se veem ainda como aquele espaço da

época em que era comum os estudantes frequentarem apenas para copiar conteúdos de

enciclopédias e livros de pesquisa, a fim de cumprir as tarefas escolares.

A representação de educação literária, baseada no modelo historiográfico-literário,

adotada pelas escolas participantes concebe a literatura ou o estudo que se faz dela como um

instrumento de saber enciclopédico; por isso a coerência entre os documentos, os acervos, as

práticas docentes, as indicações de como alguns estudantes devem se apropriar do texto

literário. Por outro lado, apesar de uma poderosa representação que legitima o modelo acima

descrito, ainda que talvez inconscientemente, também há a resistência por parte dos

estudantes: tanto em relação às escolhas do que leem quanto em relação aos métodos e

suportes auxiliares à apropriação dos conteúdos. Refiro-me às tecnologias percebidas em

vários momentos, utilizadas pelos estudantes, como os smartphones utilizados para acessarem

conteúdos e/ou para fotografarem assuntos escritos na lousa. Entendi esse movimento como

próprio dessa geração de jovens que nasceu com as novas tecnologias. O que o estudante que

pesquisa no Google ou que fotografa a lousa faz é coerente com a sua época. Ele não precisa

ir à Barsa ou à Miradouro para realizar suas pesquisas como as gerações anteriores faziam. Há

outros dispositivos e suportes capazes de auxiliarem tanto o trabalho dos professores quanto

as pesquisas realizadas pelos estudantes.

Se as professoras possuíam conhecimento do mundo diverso em que vivia o estudante,

da dinâmica do texto literário, seja ele canônico ou não, dos variados suportes que carregam o

texto e das muitas possibilidades de apropriação, faltava a adequação dos modelos escolares

de educação literária ao contexto em que se inseria. Digo adequação ao invés de

modernização porque o moderno já se encontrava nas gestões (que dialogavam bastante com a

comunidade escolar), na disposição das salas, em alguns títulos das bibliotecas, na

qualificação docente, na abrangência do PNLD em relação às disciplinas do ensino médio,

dentre outras. Por outro lado, os modelos de educação literária instituídos, salvo o de

inspiração no letramento literário, desprezavam os conhecimentos prévios dos estudantes

sobre o que eles liam. Além disso, a contemplação do cânone apenas por sua posição e da

forma como apresentada pelo LD sem a mediação docente, ao invés de aproximar os discentes

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dos grandes autores, acabava por conseguir exatamente o contrário: o afastamento desses e a

aproximação dos não-canônicos, que são negados pelas escolas.

Pela experiência que tenho como leitor tanto de best-sellers quanto do cânone,

considero as duas instâncias extremamente relevantes para a minha formação, guardadas as

devidas especificidades. Enquanto as leituras não canônicas me possibilitaram exercitar uma

espécie de rapidez física, pensamentos rápidos, vontade de devorar o livro, tamanha era a

engenhosidade da trama, os canônicos abriram outras possibilidades, como a admiração das

descrições, a configuração dos espaços, a capacidade de inferir, as dúvidas, a constatação de

que eu poderia ser vários leitores de acordo às proposições dos variados narradores, a

identificação com o eu lírico dos textos em verso ou com os narradores em primeira pessoa

etc. Percebi que aqueles estudantes, sobretudo os da professora Betina, também eram capazes

de realizar percursos de leitores, dos não canônicos aos canônicos, e assim, não mais

entenderiam a literatura como ensino de história ou grandes homens do passado, por exemplo.

Desde que respeitado o tempo de cada leitor e realizadas mediações adequadas ao contexto

escolar, as futuras pesquisas poderão encontrar naquelas escolas os mesmos modelos de

educação literária, mas ao invés da predominância de um só deles, que haja interlocução entre

os diversos modelos que coexistem naquelas instituições.

As considerações acima descritas são reflexos das conexões que estabeleci com a

revisão de leitura integrante desta tese, sobretudo as que decorrem do que apontam Cyana

Leahy-Dios, Rildo Cosson e Marisa Lajolo, por exemplo. Ao se posicionar sobre o que

considera “Educação literária” e que esta poderia ajudar na construção da cidadania dos

sujeitos, constatei que essa foi uma das principais motivações ao desenvolvimento da minha

pesquisa, pois na coleta de dados encontrei sujeitos (professora e alunos) que, através de suas

atuações (nas observações e nas entrevistas), contribuíam para a efetivação de um processo de

educação literária mais democrático. Além disso, foi a partir das considerações de Leahy-Dios

(2004) que consegui formular conceitos para os modelos de educação literária encontrados

por esta investigação nas escolas com as quais trabalhei. Portanto, destaco a relação de

conformidade entre a linha argumentativa que desenvolvi ao longo da pesquisa e o apoio que

encontrei nas proposições da referida autora.

Outro ponto que destaco na conexão com a obra de Leahy-Dios (2004), e que aparece

nas reclamações dos estudantes, diz respeito ao tratamento da literatura pelos documentos

oficiais e pela própria escola. Trata-se do rebaixamento da literatura como disciplina escolar.

A autora relata que, desde 1999, a literatura perdeu seu status de disciplina passando a constar

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como conteúdo da disciplina Língua Portuguesa. Os alunos entrevistados reclamaram da

quantidade de aulas de literatura e da inexistência de um livro didático exclusivo de literatura

em suas escolas. Por isso, as reflexões aqui realizadas se dão no intuito de defender um

trabalho com vistas à formação cidadã dos estudantes, tendo por base também a educação

literária. Com a eliminação da literatura dos quadros de disciplinas do ensino médio, acredito

que o problema se agrave ainda mais, pois quem estabelece a quantidade de aulas que

contemplam conteúdos da referida área são os professores, que podem inclusive não inserir

em suas práticas quaisquer conteúdos literários.

Outro ponto de conexão com a revisão de literatura que me auxiliou a discutir os

resultados encontrados se refere ao conceito de letramento literário formulado por Rildo

Cosson e Graça Paulino (2009). Além de me auxiliar na discussão, também foi crucial para a

definição de um dos modelos de educação literária de concepção pedagógico-literária

encontrados nos resultados. Embora reconheça a dificuldade das escolas em estabelecerem o

letramento literário como uma prática de apropriação da literatura em constante

transformação, consegui registrar, discutir e conceituar um modelo de educação literária

inspirado na definição de letramento literário formulada por Cosson e Paulino. Trata-se de

uma prática que conta com uma espécie de consciência literária da professora, resultante de

sua experiência como leitora, ao permitir as contribuições discentes aos textos que punha em

discussão, inclusive os textos didáticos.

Ouso afirmar que esse foi o modelo de educação literária que mais se aproximou do

que defendo nesta tese: a mediação através do conhecimento docente somada às leituras e/ou

contribuições dos estudantes para um determinado texto, e a possibilidade de trabalho com a

literatura canônica na perspectiva interpretativa e não puramente descritiva. Além disso,

amplio para a inserção da literatura marginalizada pelo livro didático mas que atrai os jovens

estudantes em razão das temáticas, dos gêneros, da identificação etc. Nesse aspecto, retomo a

epígrafe do capítulo II deste estudo na fala de Marisa Lajolo: “Será que é errado dizer que

literatura é aquilo que cada um de nós considera literatura?” (Lajolo, 1982, 10). Eu e os

estudantes que participaram desta investigação concordamos que não, pois a literatura

marginalizada que lemos, em algum momento das nossas vidas, foi a única possível, nem

sempre no sentido físico, mas principalmente no que diz respeito à dificuldade de apropriação.

Inclusive na própria escola parece haver um proposital distanciamento entre a literatura que

goza do status de cânone e o público discente. Portanto, reivindico a cidadania literária a todas

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as literaturas que, de algum modo, nos ajudam a escrever a nossa história de leitores e de

cidadãos.

8.2. Implicações

À medida que a investigação se consolidava por meio da coleta de dados, e

posteriormente, do tratamento desses dados, não pude ficar alheio aos acontecimentos no

âmbito político brasileiro, sobretudo no que se concretizou como o processo de impeachment

da presidenta Dilma Rousseff, sua substituição pelo então vice-presidente Michel Temer e as

medidas restritivas tomadas pelo novo grupo que compôs o governo brasileiro, a partir de

maio de 2016 (interinamente), e definitivamente em agosto do mesmo ano. Refiro-me

especialmente às propostas direcionadas à educação pública brasileira, através da PEC 241

(como foi identificada na Câmara dos Deputados) ou 55 (como foi identificada no Senado),

aprovada pela Câmara dos Deputados e definitivamente pelo Senado Federal, em 13 de

dezembro de 2016, e a MP 746, de 22 de setembro de 2016, que trata da Reforma do Ensino

Médio.

Sobre a PEC 241/55, destaco o “Art. 101. Fica instituído o Novo Regime Fiscal no

âmbito dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, que vigorará por vinte

exercícios financeiros, nos termos dos arts. 102 a 109 deste Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias”. Com isso, o governo tenciona, dentre outras propostas, congelar

os investimentos em educação por vinte anos, alegando uma necessidade de “cortar gastos” do

governo, a fim de sanar o descontrole nas contas públicas. Como professor e pesquisador de

uma temática oriunda da Educação, sinto-me atingido por tal medida: primeiro por não

considerar os investimentos na referida área como gastos. Além do mais, trata-se de

investimentos essenciais à população em geral, que já conta com um sistema educacional

precário pelas escolhas equivocadas dos nossos governantes.

A PEC 241/55 gerou muitas discussões, não apenas no Planalto Central como também

entre os profissionais de diversas áreas, sobretudo os da educação. Ao estabelecer uma relação

entre o que pesquisei e essa proposta do governo, entendo que, nas escolas participantes da

minha investigação, haverá um retrocesso ou uma estagnação dos poucos avanços

conseguidos pelos gestores a partir das políticas públicas empenhadas por governos anteriores

a este. Segundo uma das professoras entrevistadas, a política para implantação do PNLEM,

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abrangendo todas as disciplinas do ensino médio, foi vista como um considerável avanço no

âmbito educacional e um poderoso auxílio ao trabalho docente. Com a vigência da PEC

241/55, outros avanços apontados pelas professoras e pelos alunos como essenciais ao

funcionamento das escolas não seriam possíveis de se realizarem.

Além disso, a urgência em aprovar a tal medida desconsiderou a própria consultoria

jurídica do Senado Federal, que considerou a referida PEC como inconstitucional62. Por outro

lado, a alegada necessidade de cortar gastos públicos não contemplou as vantagens de

políticos atuantes e o alto escalão do judiciário, por exemplo63. Ao contrário, para esses

grupos houve aumento de salários e de vantagens, conforme noticiado nas mídias impressas e

digitais64.

Em relação à MP 746, percebo que o problema já começa com o caráter desse

instrumento: Medida Provisória. Ou seja, um dispositivo que se relaciona com matérias

urgentes, as quais dispensam a consulta à sociedade organizada (inclusive, essa foi uma das

alegações do procurador da República Rodrigo Janot para considerá-la inconstitucional65).

Propor uma reforma do EM via medida provisória já representa um ato autoritário. Fora isso,

durante o processo de tramitação, as críticas apontadas por especialistas da educação foram

sistematicamente ignoradas66. Trata-se de uma tentativa de retomar modelos já

experimentados em outros momentos da nossa história e contestados por pesquisadores,

inclusive contrariando o que está regimentado na LDB 9394/96 sobre o papel do estado via

escola em relação à promoção da cidadania ao estudante na escola. Percebo que a plena

formação cidadã, que tem como finalidade um sujeito crítico a partir da instrumentalização

ofertada nas escolas e, portanto, apto para o exercício social e para o mundo do trabalho, se

configuraria em dotar um ser que se dispõe apenas ao trabalho, de acordo à MP aprovada pelo

Congresso Nacional.

Quando a referida Medida Provisória ainda tramitava na Câmara dos Deputados, já

me deparava com as orientações das escolas participantes da minha pesquisa através dos seus

62 Disponível em: http://www.redebrasilatual.com.br/politica/2016/11/consultoria-do-senado-diz-que-pec-55-e-

inconstitucional-5811.html. Acesso em 30/12/2016. 63 Disponível em: http://g1.globo.com/politica/noticia/2016/07/temer-assina-reajuste-de-ate-41-para-servidores-

do-judiciario-diz-stf.html. Acesso em 30/12/2016. 64 Disponível em: http://www.brasil247.com/pt/247/poder/262374/Um-dia-ap%C3%B3s-aprovar-teto-de-gastos-

C%C3%A2mara-aumenta-sal%C3%A1rios.htm. Acesso em 30/12/2016. 65 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2016/12/1842954-medida-provisoria-do-ensino-

medio-e-inconstitucional-diz-procuradoria.shtml. Acesso em 30/12/2016 66 Disponível em: http://g1.globo.com/educacao/noticia/reforma-do-ensino-medio-nao-deve-ser-feita-na-caneta-dizem-especialistas.ghtml. Acesso em 30/12/2016.

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PPP. Já havia ali um direcionamento do ensino, pelo menos na proposta dos documentos, em

guiar o estudante para atender às exigências da sociedade ou do mercado de trabalho. Esse

quadro se agrava ainda mais quando a propaganda do MEC na televisão brasileira, contando

com jovens sorridentes, tanto os que representam os alunos quanto os que “explicam” as

novas medidas com um falar pausado e articulado, se situa em um cenário impecável,

contando ainda com um providencial fundo musical e que, após as explicações, conseguem a

aprovação daqueles que ouvem as propostas. Cabe ressaltar que a veiculação dessa

propaganda em rede nacional teve início no momento em que as ocupações estudantis

(escolas, institutos federais, universidades) estavam no ápice. A principal pauta das ocupações

era a denúncia da PEC 241/55, MP 746 e PLS 193 (Escola sem partido). Nenhuma dessas

reivindicações apresentadas pelas organizações estudantis foi levada em consideração pelos

proponentes da referida reforma.

Com a aprovação da MP 746, dentre outras reformulações, o novo ensino médio

passaria a funcionar em regime de tempo integral, com currículo flexibilizado, contando com

disciplinas obrigatórias e optativas. Dentre as obrigatórias, Língua Portuguesa, Matemática,

Inglês, Artes, Educação Física, Filosofia e Sociologia. Cabe ressaltar que as quatro últimas só

conquistaram o posto de obrigatoriedade após diversos setores da sociedade se posicionarem

contrários à mudança. No entanto, da forma como fora aprovado o texto, não se trata de

ofertar as disciplinas Filosofias e Sociologia, por exemplo, mas os seus conteúdos, que

poderão ser trabalhados por professores de outras áreas, inclusive67.

Nesse caso, preocupa-me a propaganda e o convencimento dos jovens pela tão

alardeada liberdade de escolha68. Do modo como o ensino médio é configurado no país,

percebo que há, sim, uma necessidade de se reformular suas estruturas, seu currículo,

disciplinas e conteúdos. No entanto, as pesquisas oriundas das diversas áreas do conhecimento

deveriam concorrer para essa finalidade. A alegação de que o currículo está defasado e que os

estudantes de baixa renda não veem relevância no que estudam, apontado por órgãos como o

Centro Brasileiro de Análise e Planejamento - CEBRAP, com o apoio da Fundação Victor

Civita, deveria também refletir sobre o tipo de ensino que é disponibilizado ao estudante, pois

há um considerável distanciamento entre o que propõem os documentos, o que são elencados

como conteúdos, o que o professor ensina e o que o estudante aprende.

67 Disponível em: http://appsindicato.org.br/index.php/especialistas-desconstroem-propaganda-do-mec-sobre-

reforma-do-ensino-medio/. Acesso em: 10/01/2017 68 Disponível em http://www.redebrasilatual.com.br/educacao/2016/12/propaganda-do-mec-esconde-erros-e-

omissoes-da-reforma-do-ensino-medio-8710.html. Acesso em 30/1/2016

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Nas escolas públicas brasileiras, inclusive nas que já trabalhei, é comum professores

formados em uma área específica assumirem disciplinas pertencentes a outras áreas do

conhecimento. Por isso me detenho sobre o ensino de literatura. O aluno que não vê

relevância no seu processo de ensino-aprendizagem, possivelmente não teve a oportunidade

de participar de uma aula de literatura onde a mediação do professor contemplou o texto e

expectativas dos estudantes. Ao contrário, o ensino enciclopédico, que com a reforma não

deixará de existir, vai continuar, conforme verificado em teses e dissertações consultadas por

mim, provocando o distanciamento entre a escola e o estudante.

8.3. Desdobramentos

Ao concluir o exercício desta tese, percebo que deixo lacunas sobre o tema que me

propus a investigar e, portanto, registro a necessidade de sua continuidade por mim, em

parceria com as instituições que apoiaram a realização deste trabalho (UNEB e UNICAMP)

ou por outros pesquisadores que, assim como eu, se sintam provocados a pesquisarem a

Educação Literária brasileira. Destaco a seguir as lacunas que deixo e que considero

importantes para futuras pesquisas:

Estudos para avançar sobre as características dos modelos de educação literária no

ensino fundamental de escolas públicas brasileiras;

Análise das formas de autoridade que impõem o modelo de educação literária

historiográfico-literário sobre os demais às escolas públicas do ensino médio;

Investigação sobre as causas da consagração do ensino de literatura no ensino

médio que contempla a memorização de autores, obras, datas, características e

escolas literárias;

Análise da relação entre os reais impactos sobre o distanciamento dos currículos

dos cursos de Letras e os currículos de Literatura como componentes do ensino

médio;

Estudos sobre a confecção dos acervos de leitura e literatura das bibliotecas das

escolas participantes desta tese, ou sobre outras que oportunizarem a investigação;

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Estudos sobre a adequação dos Projetos políticos-pedagógicos ao contexto das

escolas investigadas neste estudo ou em outras escolas que demonstrem interesse

em participar de futuras investigações;

Análise sobre o processo de seleção dos livros didáticos de Língua Portuguesa e

Literatura sob a ótica dos professores e dos estudantes das escolas participantes

desta tese ou de outras que aceitem participar de futuros estudos.

Além das lacunas acima descritas, destaco a relevância desta pesquisa nas seguintes

instâncias:

1 – Pessoal: Como leitor, a realização deste estudo me fez entender os processos pelos

quais passei no que diz respeito à apropriação daquilo que interpretava, muitas vezes

utilizando estratégias consagradas por narradores ou por leitores mais hábeis com os quais

dialoguei ao longo da minha existência leitora. E como tive esse olhar, também a pesquisa

colaborou para um entendimento do mundo do outro, o leitor que eu, como professor, avalio

ou o leitor que se ressente de não ser letrado na literatura canônica. Nesse ponto, o estudo

sobre educação literária me tornou uma “pessoa melhor” no que diz respeito à percepção de

um vasto mundo de leitores que se apropriam de muitos textos ignorados por mim e por

muitos dos meus colegas professores do ensino médio e também do ensino superior.

2 – Epistemológica – Ao realizar este estudo, entendo que contribuo para futuras

reflexões sobre o ensino de literatura no ensino médio, sobretudo no que diz respeito à

autonomia do professor frente ao livro didático. Também destaco a importância deste estudo

no intuito de se perceber o aluno como leitor, independente do que ele lê. Pensemos sobre a

participação dos estudantes em debates sobre suas leituras, pois a efetivação do letramento

literário não ocorre apenas nas escolas e os alunos sabem disso, leem à revelia aquilo que lhes

apraz. Também vale mencionar que este estudo pode inspirar outros pesquisadores a

ampliarem ou confrontarem a tese que aqui defendo sobre os modelos de educação literária

que encontrei nas escolas que investiguei.

3 – Social-política: Por desenvolver uma temática extraída de um contexto social e

político, evidencio a importância do meu trabalho nesse quesito, ao me reportar a questões

como a educação literária em sua relação com a sociedade, a interpretação do projeto político

pedagógico e dos planos de disciplinas das escolas, a prática social da leitura sob a ótica dos

estudantes e dos professores, as condições do ensino de literatura nas escolas e as políticas

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públicas voltadas à promoção da leitura nas escolas participantes da pesquisa. Além disso,

destaco a importância da educação literária como instrumento de formação cidadã de

estudantes e de professores através da literatura.

4 – Pedagógica: Por ter como foco o espaço escolar, a relevância pedagógica deste

estudo encontra-se na constatação da existência dos modelos de educação literária

encontrados nas escolas investigadas e como eles coexistiam naqueles espaços. Por isso,

acredito que, para os professores, a conscientização de que lidam com diversos modelos de

educação literária em suas salas de aula pode auxiliá-los a estabelecer estratégias para adequar

suas práticas docentes a grupos diversos com os quais trabalham.

Pelo exposto, concluo este trabalho e espero que as reflexões aqui descritas sirvam de

inspiração para outros estudantes de mestrado ou de doutorado que se identifiquem com a

temática trabalhada por mim. E que contribuam para uma reformulação do ensino de literatura

no ensino médio brasileiro ampla, debatida e discutida por quem tem autoridade para tanto, os

pesquisadores.

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Dissertações consultadas:

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Universidade Federal da Bahia, Salvador. Biblioteca depositária: biblioteca Anísio Teixeira-

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de Ensino: Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Paranaíba Biblioteca depositária:

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OLIVEIRA, Maria Heloisa Souza. Competências leitoras em foco: o ensino de literatura

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TORRES, Luciana Mara. Letramento literário no ensino médio: o que propõem livros

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de Minas Gerais, Belo Horizonte.

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Teses consultadas

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da literatura no ensino médio: diálogos e silêncios. 25/03/2014 228 f. Doutorado em

Literatura. Instituição de Ensino: Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.

Biblioteca depositária: BU – UFSC.

NICODEM, Maria Fatima Menegazzo. A obra literária vai ao cinema: um estudo da

prática docente em literatura brasileira. 17/12/2013 295 f. Doutorado em Educação.

Instituição de Ensino: Universidade Estadual de Maringá, Maringá Biblioteca depositária:

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OLIVEIRA, Gabriela Rodella de. As práticas de leitura literária de adolescentes e a

escola: tensões e influências. 08/10/2013 377 f. Doutorado em Educação. Instituição de

Ensino: Universidade de São Paulo, São Paulo. Biblioteca depositária: FEUSP.

ROMAIS, Sandra Eleine. A literatura marginal-periférica e sua inserção no ensino médio.

28/03/2016 147 f. Doutorado em Educação. Instituição de Ensino: Universidade Federal do

Paraná, Curitiba. Biblioteca Depositária: Biblioteca do setor humanas.

SILVA, Silvio Pereira da. Literatura e ensino: o estudo da literatura contemporânea no

livro didático de nível médio no Brasil e na Argentina. 15/10/2015 244 f. Doutorado em

Educação. Instituição de Ensino: Universidade de São Paulo, São Paulo. Biblioteca

depositária: FEUSP

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Anexos

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Anexo 1: Parecer consubstanciado do Comitê de ética da UNEB

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Anexo 2: Histórico do PNLD

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Anexo 2: Sumário dos Livros Didáticos utilizados pelas docentes participantes da

pesquisa

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