a maconha, pode interferir no desenvolvimento ... - · PDF filena literatura de que o uso ocasional de maconha poderia provo-car efeitos danosos. Entretanto, os achados dos presentes

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    Rev Bras Psiquiatr 2003;25(3):131-2

    O abuso de maconha entre adolescentes dos pases desenvolvi-dos vem aumentando significativamente nas ltimas decadas. Umadas possveis explicaes para esse fato a percepo de que amaconha uma droga leve, sem muitas conseqncias para asade do indivduo, em contraste com outras drogas ilcitas. Napopulao brasileira, recente pesquisa da SENAD (SecretariaNacional Antidrogas) demonstrou que 9% dos adolescentes jutilizaram maconha pelo menos uma vez.1 Esse conceito, no en-tanto, tem sido contestado por recentes estudos longitudinais rea-lizados na Europa e na Nova Zelndia2-5, que demonstraram umaassociao positiva, numa curva de dose-efeito, entre o uso demaconha durante a adolescncia e um risco aumentado do diag-nstico de esquizofrenia no futuro. Isso nos alerta para o fato deque o uso inocente de drogas durante a adolescncia pode estarassociado a importantes efeitos adversos a longo prazo.

    um fato bem estabelecido que pacientes esquizofrnicos ten-dem a fazer uso abusivo de drogas, o que tem sido relacionado auma necessidade de auto-medicao para sintomas topertubadores. O que se observa em relao maconha, contudo, que muitas vezes o incio do uso precede o aparecimento desintomas esquizofrnicos. Isso levou alguns investigadores ahipotetizar que possivelmente o abuso de maconha funcionariacomo um fator de risco para o desenvolvimento de sintomasesquizofrnicos em indivduos vulnerveis.2-5

    O primeiro desses estudos, descrevendo uma associao tem-poral entre o uso de maconha e a manifestao de sintomas esqui-zofrnicos, foi realizado na Sua com 50 mil jovens.2, 3 Depois deum seguimento de 15 anos, o uso de maconha durante a adoles-cncia foi associado a um risco aumentado de esquizofrenia numacurva de dose-efeito.2 Entretanto, problemas sobre a validade di-agnstica e o possvel efeito aditivo de outras drogas colocaramem questionamento os resultados preliminares desse estudo. Le-vantou-se tambm, baseado nos resultados desse estudo, a possi-bilidade de que os pacientes esquizofrnicos faziam uso de maco-nha para se auto-medicar. Numa segunda anlise, publicada re-centemente sobre a base de dados sua, aps 26 anos de segui-mento, todos esses problemas iniciais foram levados em conta.3

    Os resultados confirmam os achados iniciais de que o uso de ma-conha est associado com diagnstico de esquizofrenia no futu-ro.3 Mais ainda: esse segundo estudo demonstrou uma associaopositiva, numa curva de dose-efeito, e que a associao com oaparecimento de sintomas esquizofrnicos era menos consistentecom o uso de outras drogas ao invs de maconha.3

    Esses achados foram replicados em outros dois estudos reali-zados na Holanda e na Nova Zelndia. O primeiro estudo, tam-

    Uso de maconha na adolescncia e risco deesquizofrenia

    Editorial

    bm longitudinal, foi realizado numa populao de 4.045 ado-lescentes e demonstrou um aumento de quase trs vezes no riscode sintomas psicticos em adolescentes que relataram uso fre-quente de maconha.4 No segundo estudo, com desenho de coor-te com mais de mil adolescentes seguidos desde o nascimento,os jovens que relataram uso de maconha apresentaram uma chan-ce quatro vezes maior de serem diagnosticados como portadoresde transtorno esquizofreniforme aos 26 anos de idade.5

    Apesar de apenas esses quatro estudos longitudinais terem sidorealizados at o presente, os achados so consistentes e corrobo-ram o argumento de que o uso de maconha apresentaria intera-o com outros fatores de risco, culminando na manifestaodos sintomas de esquizofrenia em indivduos vulnerveis; almdisso, os resultados desencorajam a hiptese de que a associa-o entre maconha e transtornos esquizofrnicos se deveria so-mente auto-medicao. No entanto, no est claro, baseadonos achados atuais, se o uso da maconha seria responsvel poriniciar os sintomas esquizofrnicos ou se causaria sintomas es-quizofrnicos em pessoas no-vulnerveis.

    importante salientar o fato que no h nenhuma evidnciana literatura de que o uso ocasional de maconha poderia provo-car efeitos danosos. Entretanto, os achados dos presentes estu-dos so bastante relevantes, tanto sobre o ponto de vista clnicocomo sobre o ponto de vista de sade pblica. Como descritoanteriormente, o uso regular de maconha apresenta um riscopotencial para o desenvolvimento de transtornos esquizofrni-cos, particularmente em indivduos vulnerveis. Mais ainda, esserisco parece estar diretamente relacionado freqncia do usode maconha, ou seja, jovens que iniciam o uso precocementepoderiam estar ainda mais vulnerveis aos efeitos danosos dadroga. Iniciativas com o objetivo de reduzir o uso de maconhaentre os jovens poderiam, portanto, ter um impacto positivo napreveno de futuros casos de esquizofrenia. Campanhas quepossam esclarecer esses achados para jovens, particularmentequando desenvolvidas de uma maneira criativa e envolvendooutros jovens, so necessrias e relevantes.

    Karla Soares-WeiserDepartment of Social Work, Bar Ilan University. Ramat

    Gan, IsraelMark Weiser

    Michael DavidsonSheba Medical Center. Tel Hashomer, Israel

    Sackler School of Medicine, Tel Aviv University, RamatAviv, Israel

    (autores convidados)

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    Uso de MaconhaWeiser KS et al

    Referncias1. Carlini EA, Galduroz JCF, Noto AR, Nappo SA. Levantamento domici-

    liar sobre o uso de drogas psicotropicas no Brasil: estudo envolvendo107 maiores cidades do pas, 2001. So Paulo: Secretaria NacionalAntidrogas; 2002.

    2. Andreasson S, Allebeck P, Engstrom A, Rydberg U. Cannabis andschizophrenia. A longitudinal study of Swedish conscripts. Lancet1987;2(8574):1483-6.

    3 . Zammit S, Allebeck P, Andreasson S, Lundberg I, Lewis G. Self reportedcannabis use as a risk factor for schizophrenia in Swedish conscripts of1969: historical cohort study. BMJ 2002;325:1195.

    4. van Os J, Bak M, Hanssen M, Bijl RV, de Graaf R, Verdoux H. Cannabisuse and psychosis: a longitudinal population-based study. Am J Epidemiol2002;156(4):319-27.

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