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Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS. Porto Alegre, 2016. p.392-405. <www.ephispucrs.com.br>. A MAN CAN HIDE ANOTHER: ENTRE A POÉTICA E A ARTE POLÍTICA DE CLAUDIO GOULART UN HOMBRE PUEDE OCULTAR UN OTRO: ENTRE LA POÉTICA Y LA ARTE POLÍTICA DE CLAUDIO GOULART Fernanda Soares da Rosa Mestranda em Artes Visuais, área de concentração em História, Teoria e Crítica Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais / Instituto de Artes da UFRGS [email protected] RESUMO A presente pesquisa aborda a trajetória e a produção artística de Claudio Goulart (1954-2005), a partir de sua coleção presente no acervo da Fundação Vera Chaves Barcellos (FVCB). O artista desenvolveu sua carreira em Amsterdam, onde viveu desde o final da década de 1970. Fez parte de diversos projetos internacionais expondo em países como Holanda, Portugal, Espanha, Alemanha, Suíça, Inglaterra, Cuba, México, Japão, Brasil, entre outros. Na Coleção Claudio Goulart da FVCB, as obras de arte em diferentes suportes e técnicas arte postal, livro de artista, fotografia, videoarte, instalações, registros de performances, entre outros apresentam-se imersas em diversas camadas de conceitos e formas. Em seus trabalhos com acentuado viés político surgem referências na história cultural e na história da arte. Seja em suas obras de videoarte, seja através da web, o artista contribuiu para a aplicação de novas mídias na arte, influenciando na evolução de tendências internacionais e novos meio de expressão entre 1970 e 2005. A investigação se dá através das obras e da documentação presente no acervo da FVCB, ainda conta com uma entrevista com o artista Flavio Pons, figura importante que conviveu com o artista e influenciou sua produção. Dessa forma, o presente estudo pretende além de investigar a coleção, analisar a obra de Goulart, a fim de delimitar sua importante contribuição para o campo das artes visuais. Palavras-chave: Claudio Goulart. Arte Contemporânea. Fundação Vera Chaves Barcellos. Acervo de arte. Arte Política. RESUMEN La presente investigación aborda la trayectoria y la producción artística de Claudio Goulart (1954-2005), a partir de su colección presente en el acervo de la Fundación Vera Chaves Barcellos (FVCB). El artista desarolló su carrera en Amsterdam, dónde vivió desde el final de la década de 1970. Hizo parte de diversos proyectos internacionales exponendo en países como Holanda, Portugal, Espanha, Alemanha, Suíça, Inglaterra, Cuba, México, Japão, Brasil, entre otros. En la Colección Claudio Goulart de la FVCB, las obras de arte en diferentes soportes y técnicas arte postal, libro de artista, fotografía, videoarte, instalaciones, registros de performances, entre otros presentanse inmersas en diversos estratos de conceptos y formas. En sus trabajos con acentuado sesgo político surgen referencias en la historia cultural y en la história del arte. Sea en sus obras de videoarte, sea través de la web, el artista contribuyó para la aplicación de nuevas tecnologías digitales en la arte, influenció en la evolución de tendencias internacionales y nuevos medio de expresión entre 1970 y 2005. La investigación ocurre través de las obras y de la documentación presente en el acervo de la FVCB, aún cuenta con una entrevista hecha con el artista Flavio, figura importante que convivió con el artista y influenció su producción. De esa manera, el presente estudio pretende allá investigar la colección, analizar la obra de Goulart, con el fin de delimitar su importante contribucíon para el campo de las artes visuales. Palabras clave: Claudio Goulart. Arte Contemporánea. Fundación Vera Chaves Barcellos. Acervo de arte. Arte Política.

A MAN CAN HIDE ANOTHER: ENTRE A POÉTICA E A · PDF file5 A instalação foi exposta em Oude Kerk, uma antiga igreja construída no século XII. É o prédio mais antigo de Amsterdam,

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Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS.

Porto Alegre, 2016. p.392-405. <www.ephispucrs.com.br>.

A MAN CAN HIDE ANOTHER: ENTRE A POÉTICA E A

ARTE POLÍTICA DE CLAUDIO GOULART

UN HOMBRE PUEDE OCULTAR UN OTRO: ENTRE LA POÉTICA Y LA

ARTE POLÍTICA DE CLAUDIO GOULART

Fernanda Soares da Rosa

Mestranda em Artes Visuais, área de concentração em História, Teoria e Crítica

Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais / Instituto de Artes da UFRGS

[email protected]

RESUMO A presente pesquisa aborda a trajetória e a produção artística de Claudio Goulart (1954-2005), a partir de sua

coleção presente no acervo da Fundação Vera Chaves Barcellos (FVCB). O artista desenvolveu sua carreira em

Amsterdam, onde viveu desde o final da década de 1970. Fez parte de diversos projetos internacionais expondo

em países como Holanda, Portugal, Espanha, Alemanha, Suíça, Inglaterra, Cuba, México, Japão, Brasil, entre

outros. Na Coleção Claudio Goulart da FVCB, as obras de arte em diferentes suportes e técnicas – arte postal,

livro de artista, fotografia, videoarte, instalações, registros de performances, entre outros – apresentam-se

imersas em diversas camadas de conceitos e formas. Em seus trabalhos com acentuado viés político surgem

referências na história cultural e na história da arte. Seja em suas obras de videoarte, seja através da web, o artista

contribuiu para a aplicação de novas mídias na arte, influenciando na evolução de tendências internacionais e

novos meio de expressão entre 1970 e 2005. A investigação se dá através das obras e da documentação presente

no acervo da FVCB, ainda conta com uma entrevista com o artista Flavio Pons, figura importante que conviveu

com o artista e influenciou sua produção. Dessa forma, o presente estudo pretende além de investigar a coleção,

analisar a obra de Goulart, a fim de delimitar sua importante contribuição para o campo das artes visuais.

Palavras-chave: Claudio Goulart. Arte Contemporânea. Fundação Vera Chaves Barcellos. Acervo de arte. Arte

Política.

RESUMEN

La presente investigación aborda la trayectoria y la producción artística de Claudio Goulart (1954-2005), a partir

de su colección presente en el acervo de la Fundación Vera Chaves Barcellos (FVCB). El artista desarolló su

carrera en Amsterdam, dónde vivió desde el final de la década de 1970. Hizo parte de diversos proyectos

internacionales exponendo en países como Holanda, Portugal, Espanha, Alemanha, Suíça, Inglaterra, Cuba,

México, Japão, Brasil, entre otros. En la Colección Claudio Goulart de la FVCB, las obras de arte en diferentes

soportes y técnicas – arte postal, libro de artista, fotografía, videoarte, instalaciones, registros de performances,

entre otros – presentanse inmersas en diversos estratos de conceptos y formas. En sus trabajos con acentuado

sesgo político surgen referencias en la historia cultural y en la história del arte. Sea en sus obras de videoarte, sea

través de la web, el artista contribuyó para la aplicación de nuevas tecnologías digitales en la arte, influenció en

la evolución de tendencias internacionales y nuevos medio de expresión entre 1970 y 2005. La investigación

ocurre través de las obras y de la documentación presente en el acervo de la FVCB, aún cuenta con una

entrevista hecha con el artista Flavio, figura importante que convivió con el artista y influenció su producción.

De esa manera, el presente estudio pretende allá investigar la colección, analizar la obra de Goulart, con el fin de

delimitar su importante contribucíon para el campo de las artes visuales.

Palabras clave: Claudio Goulart. Arte Contemporánea. Fundación Vera Chaves Barcellos. Acervo de arte. Arte

Política.

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A Coleção Claudio Goulart da Fundação Vera Chaves Barcellos

A Fundação Vera Chaves Barcellos (FVCB) adquiriu em 2015 quase a totalidade das

obras do artista Claudio Goulart. Um vasto número de trabalhos, documentação bibliográfica

e fotografias foram doados pela Fundação Art Zone1, legatária das obras de Goulart. Através

do projeto Revelando Acervos, contemplado pelo programa Rumos (2013-2014) do Itaú

Cultural, a recente Coleção Claudio Goulart foi organizada no acervo da FVCB. Durante a

catalogação, higienização, digitalização, documentação, guarda e disponibilização desse

acervo documental e artístico para pesquisadores e exposições se iniciou uma investigação

sobre a trajetória e a produção do artista, interesse esse que resultou no presente artigo.

Entidade cultural, privada e sem fins lucrativos, a FVCB, criada em 2003, por Vera

Chaves Barcellos2 tem como proposição a preservação, a pesquisa e a difusão da obra da

artista, bem como incentivar a investigação e a produção artística contemporânea. Vera

Chaves foi amiga de Goulart e dividiu com ele importantes projetos, como a série fotográfica

On Ice, registros de uma performance realizada em Amsterdam, em 19783.

O acervo da instituição abriga as seguintes coleções: Coleção Artistas

Contemporâneos, Coleção Vera Chaves Barcellos e as recentes Coleção Silvio Nunes Pinto e

1 A Fundação Art Zone é uma organização sem fins lucrativos, localizada em Amsterdam e criada pelo artista

Claudio Goulart. Mais informações sobre a Fundação através do site: www.artzone.nl. 2 Vera Chaves Barcellos (Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil, 1938): artista visual, formada em Música pelo

Instituto de Belas Artes de Porto Alegre, em 1956, atual Instituto de Artes da UFRGS. Cursa Artes Plásticas por

dois anos na mesma instituição. Na primeira metade da década de 1960, em viagem à Europa, continua seus

estudos na Central School of Arts and Crafts e na St. Martin’s School, em Londres, na Academie van Beeldende

Kunsten, na Holanda e na Académie de la Grande Chaumière, em Paris, onde estuda desenho, gravura e pintura.

De volta ao Brasil, em 1965, dedica-se exclusivamente à gravura. Na década de 1970, começa a utilizar a

fotografia em seus trabalhos, combinando-a à serigrafia. Em 1975 aprofunda seu conhecimento em técnicas

gráficas e fotografia, a partir da bolsa de estudos do British Council, onde estuda no Croydon College of Art and

Technology, em Londres. Em 1976 expõe seu trabalho Testarte na Bienal de Veneza. Integra o grupo Nervo

Óptico (1976-1978), em Porto Alegre e participa da fundação do Espaço N.O. (1979-1982) e da galeria Obra

Aberta (1999-2002). Desde a década de 1980 realiza instalações multimídia, empregando, além da fotografia,

outros meios. Em 2003, com a doação de sua coleção particular, institui a Fundação dedicada à Arte

Contemporânea que leva seu nome, a qual preside desde então e participa da organização de várias exposições e

publicações. Já realizou inúmeras exposições individuais no Brasil e no exterior, participou de quatro Bienais de

São Paulo e de exposições coletivas na América Latina, Alemanha, Bélgica, Coréia, França, Holanda, Inglaterra,

Japão, Estados Unidos e Austrália. Entre suas exposições individuais nos últimos anos, destacamos: Enigmas, no

Espaço 0, Porto Alegre (2005), O Grão da Imagem, no Santander Cultural, Porto Alegre (2007) e Imagens em

Migração (2009), exposição realizada no Museu de Arte de São Paulo – MASP. Vera atualmente vive e trabalha

em Viamão, RS, Brasil, mantendo também seu estúdio em Barcelona, Espanha, desde a segunda metade da

década de 1980. Para mais informações sobre a artista consulte: SOULAGES, François. Vera Chaves Barcellos:

obras incompletas. Cronologia comentada por Ana Albani de Carvalho. Zouk: Porto Alegre, 2009. 3 A obra On Ice, produzida em conjunto – característica recorrente na arte nos anos 1970 –, fotografada por

Vera, é o registro de uma performance realizada pelos artistas Claudio Goulart e Flavio Pons, sob um lago

gelado, em Amsterdam, em 1978. O trabalho foi publicado em maio do mesmo ano no exemplar nº 11 do

boletim Nervo Óptico (SOULAGES, 2009, p. 154).

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Coleção Claudio Goulart, totalizando atualmente quase 3 mil obras catalogadas4. Além das

coleções de obras de arte, dispõe de um acervo documental sobre Arte Contemporânea,

disponível para consulta através do Centro de Documentação e Pesquisa da Fundação. Conta

também com uma programação regular de exposições e atividades paralelas, desenvolvidas

através do Programa Educativo, que recebe escolas, professores e o público interessado em

artes visuais.

A Coleção Claudio Goulart, com atualmente com mais de 120 obras catalogadas,

abriga diferentes trabalhos do artista realizados nos mais diferentes suportes e técnicas, como

desenho, colagem, fotografia, arte postal, livro de artista, videoarte, instalações, registros de

performances, entre outros. Abordando diversas temáticas, as obras envolvem várias

tendências, que se alternaram e se transpuseram durante toda a vida de Goulart. Suas

produções são imersa em camadas de conceitos e formas.

Através da coleção, percebe-se que, ao longo de sua trajetória, a obra de Goulart

tomou um rumo acentuadamente político, com referências na história mundial e na história da

arte. Destacam-se a série Travel Book America, de 1992, na qual colagens, desenhos,

fotocópias e escritos a lápis e tinta dourada sob papel retratam em vários aspectos a invasão e

conquista da América pelos europeus a partir de uma perspectiva crítica e, a instalação

multimídia Om de tuin Leide, exposta em Oude Kerk5, em 1992, em que Goulart compilou

desde representações de Albert Eckhout e Frans Post até fragmentos de várias cenas de filmes

diversos de Tarzan, reunidas em um vídeo. Dispondo fotografias, malas pintadas de ouro,

entre outros materiais, a instalação aborda e problematiza a visão europeia sobre o continente

americano, nela o artista enfatiza os preconceitos presentes no imaginário coletivo

estrangeiro, gerados por representações exóticas do Brasil. Sobre a obra, Goulart enfatiza:

Cem malas douradas estão colocadas, lado a lado, sobre o chão de três capelas

consecutivas da antiga igreja. Quinze colunas em forma de palmeiras e feitas de

vários materiais estão colocadas entre as malas. Um vídeo é mostrado multiplicando

numa linha de doze monitores, o que realça efeitos gráficos e movimentos de

câmera. Esta linha parece estar em constante movimento e reforça, em termos

espaciais, o efeito do plano dourado interseccionando as três capelas. A instalação é

4 A Coleção Vera Chaves Barcellos abrange grande parte da produção visual da artista; a Coleção Artistas

Contemporâneos conta com obras de artistas nacionais e internacionais, como: Adriana Varejão, Anna Bella

Geiger, Antoni Muntadas, Begoña Egurbide, Bill Viola, Carmela Gross, Christo, Cildo Meireles, Dennis

Oppenheim, Elcio Rossini, Félix Bressan, Flavio Pons, Gary Hill, Hannah Colins, Hélio Fervenza, John Cage,

Julio Plaza, Leon Ferrari, Leticia Parente, Luis Carlos Felizardo, Lygia Clark, Marcel-lí Antúnez, Nelson Leiner,

Paulo Bruscky, Rafael Fança, Regina Silveira, Sol LeWitt, Teresa Poester, Vik Muniz, entre outros; e a Coleção

Silvio Nunes Pinto reúne trabalhos do artista popular que viveu em Viamão, RS. 5 A instalação foi exposta em Oude Kerk, uma antiga igreja construída no século XII. É o prédio mais antigo de

Amsterdam, possui uma arquitetura gótica icônica da Idade Média e dispõe de espaços expositivos dedicados à

arte.

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uma reconstrução do paraíso perdido. É como se se alguém abrisse os arquivos de

nossa memória visual de lugares exóticos. Registros visuais de expedições desde a

época das Grandes Navegações (como pinturas de Eckhout e Post), fragmentos de

filme (como Tarzan), etc, são usados para mostrar, em fotocópia e vídeo, a

relatividade de imagens históricas e atuais feitas de outras culturas. A mistura de

fatos com fantasia e exoticíssimo perturba a nossa percepção do que está sendo

representado. Estas representações são muitas vezes reflexos de nossos preconceitos

e desejos. 6

Entre os vídeos de Goulart, as obras Diálogos (Figura 1) e Lovers (Figura 2), ambos

de 1980, que foram produzidos em parceria com o artista Flavio Pons7, possuem uma poética

particular. Os dois trabalhos apresentam uma interlocução que transparece representada por

meio de uma fita. Em Diálogos, uma fita branca emerge como um fio condutor de uma

conversa sem palavras. Já em Lovers, uma fita vermelha é usada como objeto, que propõe um

entrelaçamento dos corpos dos artistas, em um ato de ligação poética. Pons foi parceiro de

Goulart durante os primeiros anos do artista em Amsterdam, os dois cultivaram uma relação

de amizade durante toda a vida. Em conjunto, desenvolveram vários projetos artísticos.

Figura 1: Diálogos, 1980. Vídeo (frames). 15 min. Preto e branco.

Fonte: Coleção Claudio Goulart, Fundação Vera Chaves Barcellos.

6 Registros sobre as obras estão em um compilado de documentos, folhas e cadernos datilografados, alguns com

imagens, escritos pelo artista, na Coleção Claudio Goulart. O documento citado não possui data, somente o título

da obra em questão. 7 Flavio Pons (Dom Pedrito, Rio Grande do Sul, Brasil, 1947), artista visual. Participa de exposições individuais

e coletivas, no Brasil e no exterior, desde a década de 1960. Mora e trabalha em Amsterdam desde a década de

1970. Destaque para algumas exposições coletivas que fez parte: XII Bienal de Paris, Musée de l'Art Moderne,

1982; La Vie en Rose, Bracknel, Air Gallery e Brixton Gallery, Londres, 1983; Aparejos de beleza, Centro

Wifredo Lam, Havana, 1995; V e VI Bienais de Havana, 1994 e 1977; Évora à luz holandesa (The triumph of

love), Museu de Évora, Portugal, 1996; Arte Holandesa Contemporanea, em 2000, no Centro Cultural de

Cascais, Portugal; A Short History of Dutch Video Art, que percorreu vários países como Holanda, Espanha,

Croácia. Para biografia detalhada do artista consulte o acervo do Centro de Documentação e Pesquisa da FVCB.

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Figura 2: Lovers, 1980. Vídeo (frames). 8 min. Em cores.

Fonte: Coleção Claudio Goulart, Fundação Vera Chaves Barcellos.

Em entrevista concedida durante a pesquisa, Pons (2016) contou que os trabalhos em

conjunto feitos em vídeo surgiram de performances ou foram incentivados após performances

apresentadas:

Diálogos e Lovers são dois trabalhos que começaram como live performances e

foram transformados em vídeo. Depois de que, em 1981, apresentamos Concerto no

espaço The Bank em Amsterdam, o Studio VideoHeads nos ofereceu acesso a

equipamento e mesa de edição. Isto nos estimulou muito e acelerou a nossa

produção nesta área. Claudio criou então muitas obras individuais usando o vídeo

como suporte. Entre outros, ele criou e fez a curadoria por duas vezes do Live Video

Performance Festival, na galeria Time Based Arts, em Amsterdam, em 1983 e 1987,

com artistas convidados de vários países europeus. Entre 1991 e 1994, Claudio

produziu o programa Kanaal Zero, para a Salto Channel (televisão a cabo de

Amsterdam) apresentado mensalmente e às vezes semanalmente. Neste programa

ele mostrava vídeos de outros artistas, vídeos dele mesmo e também comissionava

artistas a criarem novos vídeos, em geral sobre um tema especifico. Em 1982,

Claudio criou e fez a curadoria do projeto multimídia Catalogue Raisonné na Time

Based Arts, em Amsterdam.

Na Coleção sobressai-se ainda o forte vínculo de Goulart com a videoarte. Produzindo

significativas obras através da linguagem do vídeo, o artista fora sensível ao perceber as

transformações que ocorriam no cenário internacional nas artes visuais envolvendo as

tecnologias e o uso de novas mídias, que se acentuaram nas décadas de 1970 e 1980 no

cenário brasileiro. Caracteriza-se assim como um dos artistas brasileiros que desde a década

de 1970 se aventurou em experimentos por meio da videoarte e que ainda abriu espaço para

outros artistas inspirando e incentivando o uso da mídia através de seu projeto televisivo

Kanaal Zero8. Projeto este que transgrediu temas e modelos habituais de produção,

8 Kanaal Zero, organizado por Claudio Goulart, David Garcia e Raul Marroquin, foi um programa televisivo,

exibido em um primeiro momento mensamente, depois semanalmente e mais tarde conforme solicitação

semanal, por um canal de televisão a cabo de Amsterdam, entre 1991 e 1994. Inteiramente gerido e produzido

por artistas, apresentava trabalhos que exploravam o uso do vídeo em suas mais diversas possibilidades através

do espaço televisivo. Mais informações sobre o projeto em: www.artzone,nl/pages/aboutkanaalzero.html.

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apresentação e apreciação da arte, além de desenvolver e apoiar trabalhos e artistas não só em

Amsterdam, mas de vários outros países.

Ao longo da organização e pesquisa para a catalogação das obras feitas na plataforma

do acervo da Fundação, o sistema Donato, notava-se uma característica do próprio artista

sobre sua produção, havia uma necessidade por parte de Goulart em documentar, organizar e

escrever sobre suas obras. Várias instalações, vídeos, exposições e fotografias estão

registradas através de cadernos com imagens e escritos compilados pelo artista. Esse senso de

registro demonstra o cuidado e a preocupação de Goulart por seu legado em um arquivamento

pessoal de seu trabalho. Como que propiciando um acesso a memórias, o

artista ainda criou uma espécie de banco de imagens, salvas em CDs e DVDs, onde esse

arquivo imagético serviu de referência para suas produções, pois algumas imagens presentes

nesses arquivos fazem parte de obras do artista.9 Dessa forma, o acervo completo

reunido na FVCB sobre Goulart possibilita infinitas investigações envolvendo o artista e

ainda sobre o cenário artístico nacional e internacional em que ele esteva inserido e transitou,

sobre diversos enfoques e aspectos.

A trajetória de Goulart

Natural de Porto Alegre, Goulart estudou Artes e Arquitetura no Instituto de Artes da

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Seus trabalhos iniciais permeiam

temas e espaços urbanos e arquitetônicos, que o levam ao interesse de estudar Artes em

Barcelona. Em 1976, ao transladar-se para a Europa, fez uma parada na Holanda. Seu contato

com o artista Flavio Pons, bem como o efervescente contexto das artes local, influenciam para

uma mudança de planos. Goulart se estabelece assim em Amsterdam, onde morou e

desenvolveu sua carreira.

Antes de envolver-se diretamente com o cenário internacional, Goulart participou de

alguns projetos e exposições nacionais, como a parceria com Flavio Pons em uma exposição

no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), em 1977. A

mostra As ilusões aconteceu no Espaço B, núcleo idealizado e criado em 1976, pelo então

diretor do museu Walter Zanini, a fim de apoiar e incentivar o uso do vídeo nas artes visuais.

No período os primeiros artistas brasileiros que passaram a explorar o audiovisual

enfrentaram dificuldades devido ao alto custo dos equipamentos, dessa forma o Espaço

9 Este importante material de pesquisa foi doado juntamente com as obras e encontra-se disponível para consulta

no acervo da FVCB.

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disponibilizava o uso da câmera Portapack da Sony e promovia cursos, debates e mostras

referentes à nova linguagem e as recentes produções de vídeo que vinham sendo

desenvolvidas. Assim como Goulart e Pons, participaram desse núcleo artistas precursores na

videoarte no Brasil, como Anna Bella Geiger, Leticia Parente, Paulo Herkenhoff, Regina

Silveira, Carmela Gross, entre outros.

Em 1979, Goulart, juntamente com Pons, durante uma curta temporada dos dois em

Porto Alegre, apresenta uma performance no Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado

Malagoli (MARGS). A arte como adorno do poder, realizada em 8 de novembro de 1979, às

21 horas, levantou temas sobre o sistema de artes no Brasil e principalmente no estado.

Matérias sobre a performance veiculadas nos jornais impressos locais

abordaram o ineditismo da manifestação artística no cenário cultural porto-alegrense. Os

artistas com a ação suscitam no contexto local discussões acerca da arte contemporânea, que

ainda no final dos anos 1970 no Rio Grande do Sul era vista como experimental pelo público

e pela mídia, principalmente quando se tratava do uso de projetos, conceitos e suportes até

então não usuais para o sistema de arte gaúcho, como uma performance. Entrevistado pelo

jornal Zero Hora, Pons (PERFORMANCE, 1979, p.3), falou sobre a temática central do

trabalho, dando ênfase à “função mais corriqueira da arte”, como colocou, “entregue ao elogio

do poder”:

A ideia é essa: Médici na Renascença pagava as obras de arte para os artistas como

Miguel Angelo e Boticelli, logo determinava o que iria ser feito. Hoje, se existe

mercado de arte, existe também uma sociedade que determina o que se faz, tudo se

liga ao tempo atual que a gente recebe por viver aqui e agora. Poder então é um

conjunto de coisas – político, social, individual – que determinamos que pessoas

criem certas coisas. Muitas vezes a arte é só ornamento, enfeite, pura estética. Mas

passa um tempo e de quem é que você se lembra: do Médici ou do Miguel Angelo?

Por isso tentamos colocar as coisas no nível do indivíduo, da pessoa, do processo

criativo checando a posição do artista na sociedade. Tudo é feito de maneira não

discursiva, expressa através de símbolos.

Ainda em novembro de 1979, com projeto intitulado O.A.N.I / Objeto Anônimo Não

Identificado (Figura 3), Goulart expõe em mostra individual no Espaço N.O.10 A exposição

10 O Espaço N.O. – Centro Alternativo de Cultura foi idealizado, mantido e administrado por um grupo, entre

eles Vera Chaves Barcellos e Telmo Lanes e atuou como núcleo difusor, promovendo atividades coletivas de

intercâmbio cultural e artístico no cenário cultural porto-alegrense. Diversos artistas também fizeram parte do

projeto, como Ana Torrano, Heloisa Schneiders da Silva, Karin Lambrecht, Regina Coeli Rodrigues, Simone

Basso, Cris Vigiano, Rogério Nazari, Milton Kurtz, Mario Rohnelt, Calos Wladimirsky, Ricardo Argemi e

Sergio Sakakibara. Entre seu período de funcionamento, de outubro de 1979 a abril de 1982, o Espaço N.O.

organizou e apresentou mais de 22 mostras coletivas, 19 individuais, além de participações como equipe em

eventos como a XVI Bienal de São Paulo e o IV Salão Nacional de Artes Plásticas do Museu de Arte Moderna

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reuniu a documentação fotográfica de uma intervenção realizada em Porto Alegre. O artista se

propôs a desenvolver um projeto de comunicação visual na cidade através de uma campanha

publicitária anônima, que consistia em grafitar espaços públicos com um símbolo - muito

usado em vários trabalhos posteriores de Goulart, principalmente em livros de artista e arte

postal. O trabalho ainda contou com um vídeo, uma reportagem transmitida por um programa

jornalístico fictício, no qual um repórter revela a descoberta da autoria de tais grafites

espalhados pela cidade.

Figura 3: O.A.N.I. /Objeto Anônimo Não Identificado/, 1979. Fotocópias de imagens da intervenção urbana.

10 x 15 cm cada lâmina. Fonte: Coleção Claudio Goulart, Fundação Vera Chaves Barcellos.

Entre trabalhos e projetos Goulart transitou entre inúmeros territórios da arte. Seu

caminho foi marcado por experimentações e também por parcerias com outros artistas. Seu

envolvimento na editora, livraria e espaço alternativo de arte, a Other Books & So, de Ulises

Carrión11, localizada em Amsterdam, gerou trabalhos em parceria com o artista mexicano,

como a publicação O roubo do ano, em 1982. O livro de artista conta com o registro da

instalação de Carrión feito em imagens por Goulart. A 12ª edição da publicação Ephemera12,

intitulada Brazil special, de 1978, também conta com a participação de Goulart.

Nas obras de Goulart produzidas entre 1979 e 1981 há uma exploração no campo da

linguagem. Entre produções que trazem carimbos de borracha, como Stamp by stamp,

Portraits, History (Figura 4), as séries Between you and me (obras de 1979), Ephemeral,

do Rio de Janeiro, entre outros encontros, palestras, cursos e atividades envolvendo artistas e intelectuais

nacionais (CARVALHO, 1995, [p.8]). 11 Ulises Carrión (San Andrés Tuxtla, Veracruz, México, 1941 – Amsterdam, Holanda, 1989), figura chave da

arte conceitual mexicana, foi artista, editor, poeta, curador e teórico da vanguarda artística internacional posterior

a década de 1960. Viveu vários anos em Amsterdam, onde fundou a Other Books and So, em 1975, uma editora-

livraria-galeria de arte alternativa, local sede de uma importante rede internacional de intercâmbio de ideias e

trabalhos, principalmente de livros de artista e arte postal. 12 Ephemera foi uma revista de “mail and ephemeral art”, editada por Carrión, no final dos anos 1970, pela Other

Books and So, cuja edição número 12 é composta apenas por trabalhos de artistas brasileiros, como Regina

Silveira, Paulo Bruscky, Julio Plaza, Vera Chaves Barcellos, entre outros.

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Visual, Verbal (Figura 5) e Painting (obras de 1981), apresentam em comum a exploração da

visualidade das palavras. Proposta essa que nos lembram as poesias visuais de Carrión, sendo

possível visualizar influencias da poética do artista em seu trabalho.

Figura 4: History, 1979. Carimbo de borracha colorido sobre papel. 29,5 x 40 cm.

Fonte: Coleção Claudio Goulart, Fundação Vera Chaves Barcellos.

Figura 5: Verbal, 1981. Carimbo de borracha colorido sobre papel. 29,5 x 40 cm.

Fonte: Coleção Claudio Goulart, Fundação Vera Chaves Barcellos.

Dentre as 16 exposições individuais de Goulart, em sua maioria realizadas na Holanda,

destacam-se: Casino Royale, 1982, na Other Books and So, Night and day, 1983, na Time

Based Arts, Om de tuin Leiden, 1992, na Oude Kern, Vale quanto pesa, 1995 e The Gallery of

Battles, 1999, ambas na Gate Foundation, todas em Amsterdam. Goulart realizou mais de 30

exposições coletivas em diversos países como Holanda, Portugal, Espanha, Alemanha, Suíça,

Inglaterra, Cuba, México, Japão, Brasil, entre outros. Destacam-se sua participação na XVI

Bienal de São Paulo – Arte Postal, de 1981, no Brasil, nas V e VI Bienais de Havana, em

Cuba, em 1994 e 1997, nas exposições El arte de los libros de artista, em 1999, na Ciudad del

Mexico, Arte Holandesa Contemporanea, em 2000, no Centro Cultural de Cascais, Portugal

e, nas exposições de videoarte Una breve historia del videoarte en Holanda, realizadas em

2003, no Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia, Espanha, no Museo de Arte y Deseño

Contemporáneo, Costa Rica e no Netherlands Media Art Institute, Holanda.

Na FVCB as exposições coletivas que contaram com obras de Goulart foram: A

Imagem Lúcida – fotografia contemporânea no acervo FVCB, de 2006, na qual foram

expostas fotografias da série Wishful Thinking; Um Porto de Ironia, realizada 2011, com a

obra de arte postal Artista/papel, de 1982, assinada junto com Paulo Bruscky e Flavio Pons;

Um Salto no Espaço, de 2014, com três impressões Home sweet home, da série Printout; e em

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Porto Alegre, 2016. p.392-405. <www.ephispucrs.com.br>.

2016 a exposição Humanas Interlocuções apresentou uma seleção com cinco impressões

também da série Printout.

A poética e a arte política em Goulart

Nas pichações de Goulart pelas ruas da capital gaúcha, no já citado projeto O.A.N.I /

Objeto Anônimo Não Identificado (Figura 3), o ato ao mesmo tempo performático e marginal,

dado o contexto político nacional do período da produção e exibição, revela uma atitude

transgressora muito adotada por artistas nas décadas de 1960 e 1970. Os artistas do período

adotaram estratégias de expressão quase que subterrâneas carregadas de discurso político e

ideológico, que tomaram conta dos trabalhos artísticos durante os períodos de repressão

ditatorial militar nos países latinos americanos.

Quando expôs o projeto no Espaço N.O., Goulart já vivia na Holanda, porém mostra-

se ligado ao contexto brasileiro em suas produções, pelos temas abordados e pelo caráter

político de seus trabalhos. Transparece através de suas obras uma identidade crítica e de

ligação com a arte produzida no Brasil no período ditatorial brasileiro e que buscava

estratégias artísticas de liberdade de expressão. Como lugar e momento de resistência, a “ação

subterrânea” do artista, se apresenta como uma intervenção poética e política. Pichar os muros

e as ruas da cidade, com um símbolo criado por ele próprio, imprime através da ação o

conceito trazido por Hélio Oiticica, em 1969, em um texto/manifesto, no qual o artista explica

que o termo subterrâneo, “diferencialmente de underground, delimita uma posição crítica,

experimental e construtiva” (FREIRE, 2012, p. 92) da arte. Goulart ainda ironiza o ato, ao

encenar a descoberta fictícia do pichador anônimo em um programa de televisão.

O artista foi pioneiro não só em suas experimentações com vídeo, mas foi ainda um

dos primeiros a usar a internet como expressão artística, desenvolvendo através da ferramenta

da web um projeto inteiramente de domínio público. Pons (2016) enfatiza em sua entrevista

que Goulart “viu bem cedo as possibilidades da internet para a divulgação de ideias, conceitos

e manifestações de arte”. Produzindo a série Printout, pensada e feita em um espaço que não

os convencionais do campo das artes, como galerias e museus, o artista dessacraliza o objeto

artístico, tornando-o totalmente acessível, gratuito e de certa forma atemporal. As imagens

selecionadas para a série abordam diversas temáticas, mas apontam, em sua maioria, para

questões sociais e políticas.

Em uma cena de guerra, uma fotografia (Figura 6 A), traz um fila de homens com os

olhos vendados por uma fita branca, seguido de homens armados, encaminhando-os

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possivelmente para a execução. Porém Claudio amplia a imagens duas vezes, dando ênfase

aos olhos de um dos carrascos. Assim percebemos que o artista também venda os olhos dos

homens armados da foto, com uma fita preta, sugerindo que estes também caminham cegados.

Como a inscrição na imagem indica, os homens armados da caravana dos olhos vendados

seguem impossibilitados de visualizar a violência que contém seus atos e o sistema político e

social no qual estão inseridos, sem reconhecerem o caminho que também se iguala a o dos

condenados que guiam.

Figuras 6 A e B: Printout, 2000. Seleção de duas imagens das que abordam temas políticos na série.

A série completa encontra-se disponível online. Fonte: www.artzone.nl.

Jacques Rancière aponta os paradoxos da arte política em O espectador emancipado,

onde atenta para os diversos caminhos em que a arte pode ir ao encontro a questões políticas e

sociais. O autor atenta que a arte considerada política “mostra os estigmas da dominação,

porque ridiculariza os ícones reinantes ou porque sai de seus lugares próprios para

transformar-se em social” (RANCIÈRE, 2012, p. 52). Olhos vendados, recorrentes em alguns

trabalhos de Goulart, nos atentam a perceber o decorrente caráter crítico do artista. Aparecem

nas fotografias da série A man can hide another, apresentada na V Bienal de Havana, no

projeto em fotocópia e colagem Unfinished Book, nas instalações Retrato Interior, exposta no

Centro de Arte Contemporânea de Genebra, em 1998 e na obra Los Juguetes, que fez parte da

VI Bienal de Havana, entre outros trabalhos. Em todos aqui citados a própria imagens do

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artista com os olhos vendados trazem com certa ironia comportamentos e posturas do homem

contemporâneo.

Em um jogo estético proposto pela ação de desnudar seu próprio olhar, Goulart

convida o espectador a enxergar para além da sua imagem retratada, buscando os significados

implícitos em sua série. Em A man can hide another, o artista se representa em diferentes

fotografias, que o trazem ora vestido com um elegante terno escuro, ora com o peito desnudo.

As vendas que cegam seus olhos mudam de cor, em vermelho, branco e preto, nos convidam a

desvendar sua subjetividade. Segundo o artista sua série de retratos representam os vários

papéis que um homem pode jogar de acordo com as circunstâncias. Sutilmente aborda assim

as formas com que o homem vive em sociedade, tendendo a se transformar em vários para

viver na contemporaneidade.

Figuras 7: A man can hide another,1994. Imagem da obra exposta na V Bienal de Havana.

Fonte: Coleção Claudio Goulart, Fundação Vera Chaves Barcellos.

Analisando a obra e refletindo com Rancière, que nos convida a perceber os elementos

presentes na arte política, estando sensíveis a exposições, instalações, vídeos e nas mais

variadas formas de suportes, como destaca, “reconhecer esses signos é emprenhar-se em certa

leitura de nosso mundo” (RANCIÈRE, 2012, 53), percebe-se em A man can hide another que

ao retratar o homem em seus papéis diversos na sociedade, Goulart apresenta através de um

elemento quase que simbólico, uma venda nos olhos, a cegueira social frente os problemas do

mundo atual.

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Considerações

Claudio Goulart, artista pouco conhecido no Brasil não possui destaque entre a

historiografia da arte nacional, nem há, até o presente momento, um estudo que se detenha e

se aprofunde a pesquisar questões acerca de sua produção e trajetória nas artes plásticas. Sua

atuação no cenário regional, nacional e internacional é enfoque neste artigo, que além de

abordar sua significativa presença em um acervo de arte contemporânea, remonta sua obra,

buscando investigar e perceber temas recorrentes nos trabalhos de Goulart. Dessa forma

visualizou-se seu importante papel e sua contribuição para o campo das artes, não só no

cenário nacional. Procurou-se ainda divulgar o interessante material para pesquisa sobre o

artista presente no acervo da Fundação Vera Chaves Barcellos, assim como seu potencial de

investigação.

Percebemos através da Coleção Claudio Goulart, que o artista seja trabalhando com

performances, instalações, videoarte e afins, seja através da plataforma online, contribuiu para

a aplicação de novas mídias na arte, influenciando na evolução de tendências internacionais e

novos meio de expressão para a arte entre 1970 e 2005. Fora pioneiro na expressão da arte

através do vídeo e em meios de comunicação como a importante rede de arte postal na década

de 1970 e televisão. Com o projeto Art Zone e Printout, Goulart fora pioneiro no uso da

internet como expressão artística. Disponibilizando de forma gratuita e de livre acesso obras

de arte contorna o sistema de artes e questiona suas convenções. Fez uso de materiais de seu

cotidiano objetos de trabalho, pensando produções repletas de conceito e identidade. Ainda

foi influencia e apoio concreto para novos artistas através de seu programa de televisão

Kanaal Zero, entre outros projetos.

Politicamente e socialmente engajado, expos em seu trabalho críticas envolvendo

questões culturais e sociais, com referências na história mundial e da arte. Suas obras que

exploram temas políticas mundiais, nos fazendo refletir para além das questões estéticas e nos

transportam aos períodos históricos em que foram produzidas.

Referências A ARTE como ornamento do poder, performance no MARGS. Folha da Manhã, Porto

Alegre, p. 34, 8 nov. 1979.

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