Upload
others
View
0
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
POLIANA CLAUDIANO CALAZANS
A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE TERCEIRA
PESSOA DO PLURAL NO PORTUGUÊS DE CONTATO DOS
GUARANI DO ESPÍRITO SANTO
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2018
A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE TERCEIRA PESSOA
DO PLURAL NO PORTUGUÊS DE CONTATO DOS GUARANI DO
ESPÍRITO SANTO
Poliana Claudiano Calazans
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Linguística da Universidade
Federal do Rio de Janeiro como quesito para a
obtenção do Título de Doutora em Linguística.
Orientadora: Professora Doutora Christina Abreu
Gomes
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2018
Calazans, Poliana Claudiano.
A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato
dos Guarani do Espírito Santo/ Poliana Claudiano Calazans. – Rio de Janeiro: UFRJ,
Faculdade de Letras, 2018.
xix 148 fls.
Orientadora: Christina Abreu Gomes.
Tese (Doutorado) UFRJ, Faculdade de Letras, Programa de Pós-Graduação em
Linguística, 2018.
Referências Bibliográficas: fls. 131-147.
1. Guarani. 2. Espírito Santo. 3. Sociolinguística Variacionista. 4. Contato Linguístico. 5.
Aquisição de L2. 6. Concordância Verbal.
I. Gomes, Christina Abreu. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de
Letras, Programa de Pós-Graduação em Linguística. III. A marcação da concordância
verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani do Espírito Santo.
A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE TERCEIRA PESSOA DO
PLURAL NO PORTUGUÊS DE CONTATO DOS GUARANI DO ESPÍRITO SANTO
Poliana Claudiano Calazans
Orientadora: Professora Doutora Christina Abreu Gomes
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Linguística da
Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Doutora
em Linguística.
Examinada por:
_________________________________________________________________________
Presidente, Profa. Doutora Christina Abreu Gomes
_________________________________________________________________________
Profa. Doutora Maria Marta Pereira Scherre – UFRJ/UnB/UFES
_________________________________________________________________________
Profa. Doutora Silvia Rodrigues Vieira – PPG Letras Vernáculas – UFRJ
_________________________________________________________________________
Profa. Doutora Maria da Conceição Auxiliadora de Paiva – PPG Linguística – UFRJ
_________________________________________________________________________
Prof. Doutor Marcelo Alexandre Silva Lopes de Melo – PPG Linguística - UFRJ
_________________________________________________________________________
Profa. Doutora Vera Lucia Paredes Pereira da Silva – PPG Linguística – UFRJ, Suplente
_________________________________________________________________________
Profa. Doutora Beatriz Protti Christino – PPG Letras Vernáculas – UFRJ, Suplente
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2018
A Deus, criador de todas as coisas, por me amar sem medida.
À minha avó Sebastiana, pelo seu amor e cuidado.
Aos meus pais e irmãos, por serem bênçãos na minha vida.
À comunidade Guarani
e aos moradores do Distrito de Santa Cruz, Aracruz, Espírito Santo.
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, professora Dr.ª Christina Abreu Gomes, por acreditar no meu
trabalho e pela orientação esmerada que me dispensou. Muito obrigada pelas palavras de
apoio e por me incentivar a ir além do que eu mesma achava que era capaz. A minha pesquisa
não seria metade do que é se não fosse o seu zelo.
Às professoras Dr.ª Maria da Conceição Auxiliadora de Paiva e Dr.ª Silvia Rodrigues
Vieira, pelas importantes considerações feitas no meu exame de qualificação.
Aos professores que aceitaram participar da minha banca de defesa. Muito obrigada
pelas valiosas contribuições dadas à minha pesquisa.
À professora Dr.ª Maria Marta Pereira Scherre, por ter sido tão solícita e prestativa na
concessão de material bibliográfico.
Aos professores, amigos e colegas do Programa de Pós-Graduação em Linguística da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, pelos anos de convivência e de intenso aprendizado.
Agradeço, especialmente, aos amigos Alzira Davel, Caroline Soares, Celeste Ribeiro,
Ligiane Bonifácio, Monique Santos, Shelton de Souza e Wirla Rodrigues. A amizade e o
companheirismo de vocês foram fundamentais durante todo esse percurso. Eu nunca serei
suficientemente grata.
À comunidade Guarani do Espírito Santo e aos moradores do distrito de Santa Cruz,
que tão gentilmente cederam parte de seu tempo para que este trabalho fosse realizado.
Obrigada pelo auxílio na busca por informantes e pelas entrevistas. Eu certamente aprendi
bastante com tudo o que me foi narrado e vivenciado.
A todos os amigos e familiares que me auxiliaram em minha pesquisa de campo e na
coleta dos dados. Muito obrigada por terem feito parte disso comigo.
À professora Dr.ª Edenize Ponzo Peres e a todas as amigas que o mestrado me
proporcionou, pelas palavras de apoio e por toda ajuda que me foi prestada.
A toda equipe da EEEM Guarapari, pelo carinho dispensado a mim e pela confiança
no meu trabalho. Eu me sinto honrada por fazer parte desse grupo.
A todos que dedicaram parte do seu tempo orando pela minha vida. Eu não teria
chegado até aqui se não fosse sustentada por essas orações. Que Deus lhes conceda bênçãos
sem medida!
Aos meus amigos, por tudo o que vocês representam para mim. Obrigada por me
ouvirem, pelas palavras de incentivo e pelos conselhos. Obrigada por fazerem parte dos meus
dias.
À minha família, por ser bênção de Deus na minha vida. Vocês são minha base e eu
devo tudo isso a vocês.
E agradeço a Deus, sem o qual eu nada seria. “Porque Dele e por Ele, e para Ele, são
todas as coisas. Glória, pois, a Ele eternamente. Amém!” (Romanos 11:36)
Não sei falar bem o português. Na minha língua sou doutor.
(Prof. Joaquim Maná Kaxinawá)
RESUMO
CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa
do plural no português de contato dos Guarani do Espírito Santo. Rio de Janeiro: UFRJ,
Faculdade de Letras, 2018. Tese de doutorado em Linguística.
Esta tese analisa a realização explícita da concordância verbal na terceira pessoa do
plural na variedade do português que os Guarani do Espírito Santo estão adquirindo e discute
os fatores socioculturais envolvidos nesse processo de contato linguístico e de aquisição de
uma segunda língua (L2). A comunidade é bilíngue em formação e tem, como principal
característica identitária, a língua Guarani. Para alcançar o objetivo da presente pesquisa, foi
formado um banco de dados de fala por meio de entrevistas realizadas em três aldeias, que
versaram sobre as tradições históricas e o meio ambiente. A análise tomou por base os
pressupostos gerais da Sociolinguística Variacionista e do Contato Linguístico (Weinreich,
1953; Romaine, 1995; Matras, 2011), além de resultados de estudos sobre a variabilidade da
concordância encontrados nos trabalhos de Scherre e Naro (1993, 1997) e Lucchesi, Baxter e
Silva (2009), e de estudos sobre o português de contato de falantes indígenas (Emmerich,
1984; Loureiro, 2005). Paralelamente à análise pretendida, foi feito um mapeamento da
comunidade de entorno com falantes nativos do português brasileiro para verificar como se
caracteriza o PB como L1 com o qual os Guarani estão em situação de contato. Verificou-se
que a comunidade Guarani no Espírito Santo está adquirindo as marcas explícitas da
concordância de terceira pessoa do plural devido à proximidade com os não-indígenas e que
os mesmos condicionamentos que atuam na variação da concordância verbal no PB como L1
regulam a aquisição das formas marcadas desses verbos na variedade do português brasileiro
que os Guarani estão adquirindo, sendo a saliência fônica a variável significativamente mais
relevante. Observou-se, também, que a variável sexo se sobrepôs às demais, revelando que os
homens se encontram em um estágio aquisitivo mais avançado que as mulheres devido aos
papéis sociais que ambos representam na cultura indígena. Os resultados obtidos nesta
pesquisa trazem contribuição não só para os estudos de contato linguístico e aquisição de
segunda língua, mas também para pesquisas vindouras com o objetivo de aprofundar o
conhecimento sobre a variedade do PB falada pelos índios Guarani em território capixaba.
Palavras-chave: Sociolinguística Variacionista, Contato linguístico, Guarani, Concordância
verbal, Aquisição de L2.
ABSTRACT
CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa
do plural no português de contato dos Guarani do Espírito Santo. Rio de Janeiro: UFRJ,
Faculdade de Letras, 2018. Tese de doutorado em Linguística.
This thesis analyzes the explicit realization of verbal agreement in the third person
plural in the variety of Portuguese that the Guarani from Espírito Santo are acquiring and
discusses the sociocultural factors involved in this process of linguistic contact and of second
language acquisition (L2). The community is bilingual and has as main identity characteristic,
the Guarani language. Thus, in order to achieve the objective of the present research, a speech
database was formed through interviews conducted in three villages that dealt with historical
traditions and the environment. The analysis was based on the assumptions of Variationist
Sociolinguistics and Linguistic Contact (Weinreich, 1953; Romaine, 1995; Matras, 2011) in
addition to results of studies on the variability of agreement found in the works of Scherre &
Naro (1993, 1997) and Lucchesi, Baxter & Silva (2009) and also contact Portuguese studies
of indigenous speakers (Emmerich, 1984; Loureiro, 2005). Parallel to the intended analysis, a
mapping of the surrounding community with native speakers of Brazilian Portuguese was
done to verify how PB is characterized as L1 with which the Guarani are in a contact
situation. It was verified, as the research progressed that the Guarani community in Espírito
Santo is acquiring the explicit marks of third-person plural agreement due to its proximity to
non-Indians. It was also observed that the same conditionings that act on the variation of
verbal agreement in PB as L1 regulate the acquisition of the marked forms of third-person
plural verbs in the variety of Brazilian Portuguese that the Guarani are acquiring; being the
phonic saliency, the variable significantly more relevant. Regarding the social variables, the
sex variable overlapped the others revealing that men are in a more advanced stage of
language acquisition than women because of the social roles that both represent in the
indigenous culture. The results obtained in this research contribute not only to the studies of
linguistic contact and second language acquisition, but also to future research with the
objective of deepening the knowledge about the variety of PB spoken by the Guarani Indians
in the territory of the state of Espírito Santo.
Key words: Variationist Sociolinguistics, Linguistic Contact, Guarani, Verbal Agreement, L2
Acquisition.
LISTA DE MAPAS
MAPA 1: Aldeias Guarani no Espírito Santo ........................................................................... 27
MAPA 2: Mapa turístico do Município Aracruz, Espírito Santo ............................................. 29
MAPA 3: Santa Cruz e Coqueiral de Aracruz: comunidades de entorno das aldeias Guarani
.................................................................................................................................................. 31
MAPA 4: Território Guarani .................................................................................................... 62
LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO 1: Realização/ não-realização da CV na 3ª pessoa do plural de falantes de PB-L1 ...
...................................................................................................................................................95
GRÁFICO 2: Aplicação da regra de CV com a 3ª pessoa do plural conforme a saliência fônica
na amostra de PB-L1 (pesos relativos) ................................................................................... 102
GRÁFICO 3: Polarização da escala de saliência fônica em três estudos de PB-L1 .............. 103
GRÁFICO 4: Realização/ não-realização da CV na 3ª pessoa do plural de falantes de PB-L2 ...
.................................................................................................................................................113
GRÁFICO 5: Aplicação da regra de CV com a 3ª pessoa do plural conforme a saliência fônica
na amostra de PB-L2 (pesos relativos) ................................................................................... 118
GRÁFICO 6: Aplicação da regra de CV com a 3ª pessoa do plural conforme a saliência e a
escolaridade na amostra de PB-L2 (pesos relativos) .............................................................. 119
GRÁFICO 7: Realização da CV na 3ª pessoa do plural de falantes de PB-L1 e PB-L2 de
acordo com as variáveis linguísticas selecionadas em ambas as amostras (pesos relativos)
................................................................................................................................................ 127
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1: Realização da concordância na norma gramatical vs. norma culta brasileira .... 49
QUADRO 2: Continuum de realização da concordância verbal de 3ª pessoa do plural
conforme os traços rural/urbano e os graus de escolaridade em variedades do PB ................. 58
QUADRO 3: Frequência geral de aplicação da regra de CV nas normas sociolinguísticas
brasileiras .................................................................................................................................. 59
QUADRO 4: Afixos que expressam traços de pessoa e número dos sujeitos dos verbos
transitivos e dos intransitivos ativos (ex. nadar, rir) ................................................................. 65
QUADRO 5: Afixos que expressam traços referentes ao objeto do verbo transitivo e ao
sujeito do intransitivo não-ativo (ex. ser gordo, estar feliz) ..................................................... 66
QUADRO 6: Descrição da amostra de Santa Cruz e Coqueiral de Aracruz ............................ 73
QUADRO 7: Descrição da amostra Guarani ............................................................................ 74
QUADRO 8: Informantes por sexo e grau de contato.............................................................. 75
QUADRO 9: Escala para grau de contato ................................................................................ 76
QUADRO 10: Descrição individual dos informantes da amostra Guarani .............................. 77
QUADRO 11: Frequência geral de aplicação da regra de CV nas normas sociolinguísticas
brasileiras .................................................................................................................................. 96
QUADRO 12: Grupos de fatores selecionados por ordem de relevância na amostra de PB-L1
.................................................................................................................................................. 98
QUADRO 13: Grupos de fatores descartados na amostra de PB-L1 ....................................... 98
QUADRO 14: Grupos de fatores selecionados por ordem de relevância na amostra de PB-L2
................................................................................................................................................ 114
QUADRO 15: Grupos de fatores descartados na amostra de PB-L2 ..................................... 114
LISTA DE TABELAS
TABELA 1: Distribuição de formas verbais marcadas em função do paralelismo discursivo na
amostra de PB-L1 ................................................................................................................... 100
TABELA 2: Distribuição de formas verbais marcadas em função da saliência fônica na
amostra de PB-L1 ................................................................................................................... 101
TABELA 3: Distribuição de formas verbais marcadas em função do paralelismo oracional na
amostra de PB-L1 ................................................................................................................... 104
TABELA 4: Distribuição de formas verbais marcadas em função da escolaridade na amostra
de PB-L1 ................................................................................................................................. 105
TABELA 5: Distribuição de formas verbais marcadas em função da variável sexo na amostra
de PB-L1 ................................................................................................................................. 106
TABELA 6: Cruzamento das variáveis sociais sexo e escolaridade na amostra de falantes do
distrito de Santa Cruz ............................................................................................................. 107
TABELA 7: Distribuição de formas verbais marcadas em função da variável saliência fônica
na amostra de PB-L2 .............................................................................................................. 117
TABELA 8: Distribuição de formas verbais marcadas em função da variável paralelismo
oracional na amostra de PB-L2 .............................................................................................. 121
TABELA 9: Distribuição de formas verbais marcadas em função da variável paralelismo
discursivo na amostra de PB-L2 ............................................................................................. 123
TABELA 10: Distribuição de formas verbais marcadas em função da variável posição,
distância e realização do sujeito na amostra de PB-L2 .......................................................... 125
TABELA 11: Distribuição de formas verbais marcadas em função da variável traço semântico
do sujeito: contável/ não-contável na amostra de PB-L2 ....................................................... 126
TABELA 12: Distribuição de formas verbais marcadas em função da variável escolaridade na
amostra de PB-L2 ................................................................................................................... 129
TABELA 13: Distribuição de formas verbais marcadas em função da variável sexo na
amostra de PB-L2 ................................................................................................................... 133
TABELA 14: Distribuição de formas verbais marcadas em função da variável grau de contato
na amostra de PB-L2 ..............................................................................................................136
TABELA 15: Cruzamento das variáveis sociais sexo e grau de contato na amostra de PB-L2
sem os informantes universitários .......................................................................................... 139
TABELA 16: Cruzamento das variáveis sociais sexo e grau de contato na amostra de PB-L2
com todos os informantes ...................................................................................................... 140
TABELA 17: Cruzamento das variáveis sociais sexo e escolaridade na amostra de PB-L2 sem
os informantes universitários .................................................................................................. 142
TABELA 18: Cruzamento das variáveis sociais sexo e escolaridade na amostra de PB-L2 com
todos os informantes ............................................................................................................... 143
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 19
2. OS GUARANI E O DISTRITO DE SANTA CRUZ: O PERFIL SOCIOCULTURAL
DAS COMUNIDADES PESQUISADAS ............................................................................. 25
2.1 Os Guarani do Espírito Santo: uma breve descrição da comunidade ................................. 25
2.2 Santa Cruz e Coqueiral de Aracruz: as comunidades de entorno ....................................... 28
3. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS ......................................................................................... 32
3.1 A Sociolinguística e seu objeto .......................................................................................... 32
3.1.1 A Teoria da Variação ....................................................................................................... 34
3.2 O Contato Linguístico e a Aquisição de L2 ....................................................................... 37
3.2.1 A Aquisição de L2 por falantes adultos........................................................................... 39
4. A RELAÇÃO VERBO-SUJEITO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO E NA LÍNGUA
GUARANI ............................................................................................................................... 47
4.1 A concordância verbal variável no português brasileiro ................................................... 47
4.1.1 A variação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no PB-L1 em centros
urbanos .................................................................................................................................... 50
4.1.2 A variação da concordância verbal de terceira pessoa do plural em comunidades de PB-
L1 não-urbanas ......................................................................................................................... 55
4.1.3 A variação da concordância verbal de número no português de contato dos povos
indígenas ................................................................................................................................... 59
4.2 A relação verbo-sujeito no Guarani Mbyá ........................................................................ 61
5. DELIMITAÇÃO DA PESQUISA E DA METODOLOGIA .......................................... 67
5.1 Objetivos, questões e hipóteses ......................................................................................... 67
5.2 Metodologia ....................................................................................................................... 68
5.2.1 A constituição e a organização da amostra: da caracterização das entrevistas à análise
dos dados ................................................................................................................................. 68
5.2.2 As variáveis .................................................................................................................... 69
5.2.2.1 O envelope da variação ................................................................................................ 69
5.2.2.2 As variáveis sociais ...................................................................................................... 71
5.2.2.3 As variáveis linguísticas .............................................................................................. 81
6. ANÁLISE DOS DADOS: A CONCORDÂNCIA VERBAL NO PORTUGUÊS L1
DOS MORADORES DO DISTRITO DE SANTA CRUZ ................................................ 93
6.1 Nossos resultados ............................................................................................................... 94
6.1.1 Variáveis linguísticas ...................................................................................................... 99
6.1.1.1 Paralelismo formal – nível discursivo ......................................................................... 99
6.1.1.2 Saliência fônica .......................................................................................................... 100
6.1.1.3 Paralelismo formal – nível oracional ......................................................................... 104
6.1.2 Variáveis extralinguísticas ............................................................................................ 105
6.1.2.1 Escolaridade ............................................................................................................... 105
6.1.2.2 Sexo ........................................................................................................................... 106
6.2 Algumas considerações ................................................................................................... 107
7. ANÁLISE DOS DADOS: A CONCORDÂNCIA VERBAL NO PORTUGUÊS L2
DOS GUARANI DO ESPÍRITO SANTO ......................................................................... 110
7.1 Variáveis linguísticas ........................................................................................................ 116
7.1.1 Saliência fônica ............................................................................................................. 116
7.1.2 Paralelismo formal – nível oracional ............................................................................ 121
7.1.3 Paralelismo formal – nível discursivo ........................................................................... 123
7.1.4 Posição, distância e realização do sujeito ...................................................................... 124
7.1.5 Traço semântico do sujeito: contável/ não-contável...................................................... 126
7.2 Variáveis sociais .............................................................................................................. 128
7.2.1 Escolaridade .................................................................................................................. 128
7.2.2 Sexo ............................................................................................................................... 132
7.2.3 Grau de contato .............................................................................................................. 135
7.2.3.1 Cruzamento das variáveis sexo e grau de contato ...................................................... 139
7.2.3.2 Cruzamento das variáveis sexo e escolaridade .......................................................... 141
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 145
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 149
ANEXO ................................................................................................................................. 166
19
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo analisar a realização da concordância verbal na
terceira pessoa do plural na variedade do português que os índios Guarani do Espírito Santo
estão adquirindo e identificar os fatores linguísticos e socioculturais envolvidos nesse processo
de contato linguístico e de aquisição de segunda língua (L2). Em se tratando da realidade
indígena em terras capixabas, dos remanescentes nelas existentes, encontramos índios isolados
de etnias diversas, tais como Pataxó e Krenak, além de dois povos em aldeamentos, Tupinikim
e Guarani. Realidade esta que, como sabemos, traz as marcas de um passado de genocídio e
etnocídio contra esses povos, cujas consequências estão refletidas não só na organização
econômica e sociocultural dos mesmos, mas também na formação sócio-histórica da sociedade
brasileira.
A história do Espírito Santo teve início, da maneira como conhecemos, com a tomada
de posse da Capitania do Espírito Santo pelo donatário português Vasco Fernandes Coutinho,
em 23 de maio de 1535. Sabe-se, contudo, que, muito antes que os portugueses chegassem às
terras capixabas, já habitavam esse território povos de etnias variadas com suas línguas e demais
marcas identitárias estabelecidas: aqueles que os colonizadores denominaram de índios. E,
assim como no restante das Américas, nem sempre esse contato entre europeus e nativos foi
amigável.
A princípio, foi fundada a vila que hoje conhecemos como Vila Velha, caracterizando a
capitania como essencialmente litorânea, devido em grande parte à hostilidade das tribos que
aqui viviam e aos sangrentos combates promovidos por elas. Foi, principalmente, com a
expansão da lavoura cafeeira, na segunda metade do século XIX, que ocorreu o lento, mas
crescente, povoamento das áreas no interior do Estado. Mais tarde, ainda atraídos pela produção
do café, vieram ocupar essas terras, mais especificamente as da região serrana, imigrantes
europeus tais como italianos, alemães e pomeranos. Não podemos nos esquecer, também, dos
negros aqui estabelecidos na condição de escravos cujos remanescentes, senão identificados na
forte miscigenação característica do povo brasileiro, podem ser encontrados nas comunidades
quilombolas existentes de norte a sul do Espírito Santo. É nesse cenário, construído por
diferentes povos e culturas, que se forma e se transforma a realidade sociolinguística capixaba.
Assim como ocorreu no Brasil em geral, o Espírito Santo é um estado cujo povo
apresenta características étnicas diversificadas. E, além de imigrantes que se integraram à
comunidade capixaba, ainda existem nesse Estado alguns núcleos de ocupação que não só
conservaram suas respectivas línguas maternas como também a cultura de seus países de origem
20
(RODRIGUES, 2009). Apesar desse cenário multiétnico, histórico e cultural encontrado no
território espírito-santense, esse Estado, no campo da linguística especificamente, ainda carece
de estudos de diversas naturezas, tais como os de variação e aquisição de L2. Pensando nisso e
tendo em vista que os estudos linguísticos em solo capixaba estão voltados, principalmente,
para as comunidades de imigrantes nele existentes (PERES, 2011, 2014; BREMENKANP,
2014; COMINOTTI, 2015; MENEGHEL, 2015; AVELAR, 2015; PETERLE, 2017), é que a
presente pesquisa se faz pertinente.
Atualmente, residem no Espírito Santo cerca de 300 índios Guarani aldeados em Terras
Indígenas (TI) compartilhadas com mais de 2.500 índios Tupinikim (TEAO, 2015). Os
Tupinikim são índios do litoral norte capixaba, remanescentes da época da colonização, e os
Guarani são oriundos do Rio Grande do Sul, tendo chegado ao Estado apenas na década de
1960 (CARVALHO, 2013). A principal diferença entre essas duas comunidades perpassa as
situações de contato com os não-índios vivenciadas pelos mesmos: apenas a etnia Guarani tem
como primeira língua (L1) a sua língua nativa, sendo esta a sua marca identitária mais
importante.
Em Calazans (2014), pude verificar que os Guarani residentes no Espírito Santo nutrem
por sua língua materna, principalmente, um forte sentimento de orgulho e lealdade. Sentimento
este que é comum a outras comunidades da mesma etnia. Veiga (2014), por exemplo, registrou
um tocante relato de uma informante Guarani que tem a língua portuguesa como sua língua
materna: “(...) quando você só fala português, o seu divino está em outro local que não é
Guarani. Significa que você não pertence a esse grupo, que você não é pertencente do povo
Guarani. E isso acarreta a você muita discriminação, que eu senti muito” (p. 131).
Para os Guarani, mais que sinônimo de resistência, a palavra é sagrada e poderosa, pois
possui origem divina. “Para o Guarani, a palavra é tudo, e tudo para ele é a palavra” (MELIÁ,
1989, p. 306). Foi o Deus criador que a concebeu antes mesmo que a Terra existisse; antes
mesmo que se tivesse conhecimento sobre todas as coisas. “Os Guarani buscam a perfeição de
seu ser na perfeição de seu 'dizer', de seu 'falar'” (AZEVEDO, M. et. al., 2008, p. 11).
Segundo Callou e Leite (2010), uma sociedade se comunica e retrata o conhecimento
do mundo que a cerca por meio da linguagem. É nela que “se refletem a identificação e a
diferenciação de cada comunidade” (p. 7). Linguagem, identidade e sociedade se inter-
relacionam. Ribeiro (2010a) ressalta que não é possível que o homem exerça ou desenvolva sua
condição humana se não estiver inserido em uma comunidade.
A importância dada à linguagem está além da sua função primeira de comunicação, o
que já é consenso entre os teóricos. Romaine (1995), por exemplo, observa que a língua exerce
21
um papel fundamental enquanto agente de transmissão cultural e que não existe a possibilidade
de uma realidade social ser igualmente representada por duas línguas diferentes. Appel e
Muysken (1996) declaram que as línguas só ostentam significados na interação entre os
falantes. Segundo esses autores, as comunidades plurilíngues evidenciam que a língua não serve
apenas para a comunicação, mas também para transmitir significados e conotações sociais; é
por meio dela que as normas e os valores culturais são transmitidos e é por seu uso que
sentimentos grupais são enfatizados. Trudgill (2000), por sua vez, nessa mesma perspectiva,
acrescenta que, sendo a sociedade refletida por meio da língua, a mudança social também pode
produzir uma mudança linguística.
As atitudes dos indivíduos em relação a sua língua materna influenciam não só na
manutenção, substituição e extinção da mesma (WEINREICH, 1970 [1953]; FISHMAN, 1967,
1979; FASOLD, 1996; APPEL; MUYSKEN, 1996; COULMAS, 2008; KAUFMANN, 2011),
mas também na sua competência linguística em outras línguas (MONTRUL, 2013). Além das
atitudes linguísticas, segundo os teóricos, outros fatores intervêm no processo de aquisição de
uma segunda língua, tais como: a duração do contato linguístico, a idade e o contexto de
aquisição, além das relações sociopolíticas entre as duas línguas - L1 e L2 (MONTRUL, 2013).
Segundo Montrul (2013), na aquisição de uma segunda língua, o nível de domínio e fluência
alcançado é distinto para cada pessoa. O resultado dessa aquisição, em geral, é variável e nem
sempre o falante consegue alcançar a competência linguística de um falante nativo.
Diante do exposto, considerando o caráter de língua minoritária do Guarani e a
necessidade desse povo de se comunicar na língua portuguesa com a sociedade envolvente, é
que nos propomos a estudar e analisar a realização da concordância verbal de terceira pessoa
do plural na variedade do português brasileiro que os Guarani estão adquirindo. A escolha desse
fenômeno se deu devido à sua relevância nos estudos sobre a formação do português brasileiro
oriunda, como sabemos, de um longo período de contatos linguísticos. Scherre (2010) enfatiza
que, independentemente da posição adotada – seja ela crioulização, semicrioulização, mudança
natural e/ou confluência de motivações – praticamente todas as abordagens que analisam a
concordância de número com esse objetivo, ainda que sejam divergentes em seus
posicionamentos, consideram o papel da aquisição do português como segunda língua.
Nossa motivação para a realização deste trabalho está em um interesse pessoal pela
comunidade de fala1 escolhida, que advém da consciência da importância que os povos
indígenas têm como protagonistas na formação da nossa identidade enquanto brasileiros e pelo
1 Labov (1972) define comunidade de fala como aquela que compartilha normas e atitudes sociais diante de uma
língua ou variedade linguística.
22
entendimento de que este trabalho pode vir a contribuir para a transformação social dos grupos
estudados, uma vez que, além de se configurar como um registro histórico, pode apontar as
tendências do português falado pela comunidade estudada e fornecer subsídios para novas
pesquisas que analisem situações que envolvem o contato linguístico e a aquisição de segunda
língua.
Assim, tomamos como base os pressupostos teórico-metodológicos da Sociolinguística
Variacionista para observar a aquisição de L2 em contexto de contato linguístico entre falantes
de línguas diferentes (WEINREICH, 1970 [1953]; ROMAINE, 1995; KERSWILL, 2006;
MUFWENE, 2007; MATRAS, 2011 entre outros) além de resultados de estudos sobre a
variabilidade da concordância verbal na terceira pessoa do plural (NARO, 1981; SCHERRE,
1998; SCHERRE; NARO, 1993, 1997, 1998; VIEIRA, 1997, 2015; SILVA, 2005; SCHERRE;
NARO; CARDOSO, 2007; BAXTER, 2009; LUCCHESI; BAXTER; SILVA, 2009;
BENFICA, 2016) e sobre o português de contato de falantes indígenas (EMMERICH, 1984;
PAIVA, 1997; MOLLICA, 1997; DUARTE, 1997; GOMES, 1997; LOUREIRO, 2005;
CHRISTINO; SILVA, 2012; AMADO, 2015) – fundamentais para a formulação das hipóteses
desta tese.
Dessa forma, tendo em vista que a concordância verbal no português brasileiro é
sistematicamente variável (SCHERRE; NARO, 1998), foi coletada uma amostra do português
falado pelos Guarani composta de 16 entrevistas sociolinguísticas realizadas em três das cinco
aldeias Guarani presentes no Espírito Santo: Três Palmeiras, Tekoa-Porã ou Boa Esperança e
Piraquê-Açu Mirim, todas localizadas em Santa Cruz, distrito do município de Aracruz, que
fica no norte do Estado a cerca de 60 km da capital capixaba. Os temas das entrevistas
focalizaram as tradições históricas, a família, a religião, a economia, a língua e o meio ambiente
– temas estes considerados as principais armas de resistência desse povo.
Esta pesquisa tem as seguintes questões como princípios norteadores: 1) em que medida
a variação na realização da 3ª pessoa do plural no português de contato dos Guarani reflete a
variabilidade observada no PB? ; 2) se sim, a aquisição de padrões de concordância verbal em
situação de L2 se dá em função dos mesmos condicionamentos estruturais observados para os
falantes do PB como L1?; ou 3) os indígenas dessa localidade reinterpretam a variação,
produzindo padrões diferentes daqueles encontrados em outros variedades da Língua
Portuguesa?; 4) há predominância de algum tipo de condicionamento sobre os demais?; 5) há
transferência do sistema de marcação da L1 dos falantes indígenas?; e 6) em que medida
características socioculturais da comunidade têm efeito sobre a aquisição dos padrões de
concordância?
23
Objetivando uma análise mais abrangente do fenômeno em questão nessa comunidade
de fala, para fins de comparação, propomo-nos a analisar também a variabilidade da
concordância verbal da 3ª pessoa do plural nas comunidades não-índias localizadas no entorno
das aldeias Guarani pesquisadas, uma vez que é com esta variedade do português brasileiro que
os indígenas mantêm contato com maior frequência. Esse estudo preliminar visa a responder
aos seguintes questionamentos que fornecerão importantes subsídios para a nossa análise
principal: como se caracteriza o PB como L1 dos moradores de Aracruz?; o percentual geral de
concordância observado no estudo sobre o PB-L2 dos falantes indígenas reflete o
comportamento dos falantes do PB-L1 ou pode ser atribuído à situação de aquisição de L2?; os
condicionamentos da variação são os mesmos observados para outras variedades do PB?
Tendo em vista os estudos de aquisição de segunda língua realizados no Parque Indígena
do Xingu, situado ao norte do Estado do Mato Grosso, e em outras comunidades indígenas do
Brasil, nossa hipótese geral é a de que a comunidade Guarani do Espírito Santo está adquirindo
as marcas explícitas de concordância verbal de número devido à proximidade com a
comunidade não-índia (cf. EMMERICH, 1984, PAIVA, 1997; LOUREIRO, 2005; AMADO,
2015). Em vista disso, levantamos as seguintes hipóteses específicas:
1. O grau de contato2 influencia a (não) realização das marcas de concordância nos
verbos de terceira pessoa do plural no seguinte sentido: quanto mais alto for o
grau de contato dos informantes com o PB-L1, maior a probabilidade de
realização das marcas de concordância nos verbos;
2. A escolaridade favorece a realização da concordância explícita de número no
verbo devido à sua ação socializadora e por apresentar aos falantes uma
variedade prestigiada do português brasileiro;
3. Devido aos papéis sociais representados por homens e mulheres na comunidade
Guarani, como ocorre no português xinguano (EMMERICH, 1984), as mulheres
usam menos a variante prestigiada que os homens;
4. Considerando que os condicionamentos linguísticos no controle da variação da
concordância verbal de número se mostraram regulares em mais de 40 anos de
pesquisas sobre o fenômeno e nas mais diversas comunidades de fala, nossa
hipótese é a de que os Guarani replicam os condicionamentos do PB-L1;
2 A variável grau de contato bem como sua relevância para a nossa análise serão descritas no Capítulo 5 desta tese,
que compreende os procedimentos metodológicos adotados.
24
5. Os falantes de grau baixo de contato, devido ao seu estágio aquisitivo,
transferem padrões da língua materna para a língua alvo – na composição dessa
hipótese, duas forças atuam: o sistema de marcação da L1 e a neutralização da
flexão número-pessoal no sintagma verbal atestada em outras análises do
português de contato falado em comunidades indígenas (cf. EMMERICH, 1984;
AMADO, 2014).
Diante do exposto, esta pesquisa se divide em oito capítulos. A presente introdução
constitui o primeiro capítulo. O segundo capítulo, “Os Guarani e o distrito de Santa Cruz: o
perfil sociocultural das comunidades pesquisadas”, destina-se a apresentar a comunidade
Guarani pesquisada e suas comunidades de entorno, Santa Cruz e Coqueiral de Aracruz. O
terceiro capítulo, por sua vez, compreende os pressupostos teóricos que nos serviram de base
no desenvolvimento deste trabalho. Nele, discorreremos sobre a Sociolinguística Variacionista,
a Teoria do Contato Linguístico e da Aquisição de L2.
No quarto capítulo, denominado “A relação verbo-sujeito no Português Brasileiro e na
língua Guarani”, discorreremos sobre a variabilidade da concordância nos verbos de terceira
pessoa do plural para, então, apresentarmos uma revisão dos estudos linguísticos que analisam
como esse fenômeno se realiza no PB-L1 e nas situações de contato entre línguas. Encerraremos
esse capítulo com uma descrição da relação verbo-sujeito na língua Guarani – primeira língua
de nossos informantes.
O quinto capítulo, “Delimitação da pesquisa e metodologia”, apresenta os objetivos, as
hipóteses e os aspectos metodológicos que nortearam esta pesquisa desde a constituição das
amostras até as análises. Em seguida, no sexto capítulo, “Análise dos dados: a concordância
verbal no português L1 dos moradores do distrito de Santa Cruz, no Espírito Santo”,
analisaremos os dados dos informantes de PB-L1 das comunidades que rodeiam as aldeias
Guarani presentes no Estado.
No sétimo capítulo, por sua vez, “Análise dos dados: a concordância verbal no português
L2 dos Guarani do Espírito Santo”, será apresentada a análise dos dados coletados nas aldeias
Guarani em terras capixabas tendo em vista as questões norteadoras desta pesquisa, as hipóteses
formuladas e os demais estudos sobre a concordância verbal de terceira pessoa do plural para,
em seguida, no oitavo capítulo, apresentarmos as considerações finais.
25
2. OS GUARANI E O DISTRITO DE SANTA CRUZ: O PERFIL SOCIOCULTURAL
DAS COMUNIDADES PESQUISADAS
Neste capítulo, apresentaremos as comunidades indígenas pesquisadas. Iniciaremos
com uma descrição da comunidade Guarani do Espírito Santo que envolve desde aspectos
históricos a aspectos socioculturais: quando eles chegaram às terras capixabas, como eles se
identificam, sua visão da língua materna e organização social são alguns dos temas abordados.
Em seguida, discorreremos sobre as comunidades de falantes de PB-L1 que se localizam no
entorno das aldeias; a saber: Santa Cruz e Coqueiral de Aracruz, ambas localizadas no distrito
de Santa Cruz, em Aracruz, no Espírito Santo3.
2.1 Os Guarani no Espírito Santo: uma breve descrição da comunidade
Dos milhões de indígenas existentes em território brasileiro, estima-se que restam hoje
cerca de 900 mil – segundo dados do último censo realizado pelo IBGE, dos quais
aproximadamente 50 mil são pertencentes ao povo Guarani, de que se ocupa o presente
trabalho. Grande parte desses Guarani que vivem no Brasil, contudo, é oriunda e/ou
descendente de índios do Paraguai e da Argentina e se situam, principalmente, na faixa litorânea
que vai desde os estados do Sul até o território capixaba, o Espírito Santo. Este último, que já
contava com tribos Tupinikim, recebeu os Guarani após sua caminhada mítica por volta de
1960. Caminhada esta que teve início em Pelotas - RS, sob a liderança do guia espiritual
Tatantin Roa Eté em busca de uma terra revelada.
Os Guarani do Espírito Santo, hoje, estão todos concentrados em uma mesma área; são
cerca de 300 índios vivendo em três aldeias e um aldeamento – Tekoá-Porã ou Boa Esperança,
Três Palmeiras, Piraquê-Açu e Olho d’Água, respectivamente; todos localizados na região norte
do Estado a aproximadamente 60 km da capital Vitória – no distrito de Santa Cruz, em Aracruz.
Cabe destacar que, quando falamos em Guarani, estamos nos referindo a um povo que,
no Brasil, se subdivide em três grupos: Mbyá, Nhandewa e Kaiowá; classificados pelos
antropólogos por diferenças dialetais, de costumes e de práticas de rituais. No Espírito Santo,
3 O município de Aracruz é dividido em cinco distritos: Sede, Jacupemba, Guaraná, Riacho e Santa Cruz. Neste
último, localizam-se os bairros Santa Cruz e Coqueiral de Aracruz. Comumente, os moradores desses bairros
precisam dirigir-se ao distrito Sede, onde se localiza o centro de Aracruz, para serviços bancários etc.
26
estão os Guarani Mbyá, que se auto intitulam Tambeopé – “portadores de tanga quadrada”
(CARVALHO, 2013, p. 40).
Em linhas gerais, a situação da comunidade Guarani nesse Estado pode ser dividida em
quatro aspectos, a saber: 1) em relação à língua, essa comunidade é bilíngue em formação, com
falantes que se localizam em diferentes graus de fluência quanto ao Português segundo a escala
de Emmerich (1984); 2) no que diz respeito à identidade, o atributo mais evidente dessa etnia
que a diferencia dos não índios é a língua Guarani; 3) seu grau de isolamento é parcial; e, 4) a
educação oferecida nas aldeias é bilíngue. Além desses, outros fatores merecem destaque tais
como o orgulho por sua história de luta para defender sua identidade étnica e sua independência
e a baixa ocorrência de casamentos exogâmicos/ interétnicos.
Os Guarani reconhecem que a língua hoje falada pelos jovens e crianças difere da língua
falada pelos mais velhos, mas entendem a importância de preservá-la limitando o uso da língua
portuguesa ao contato com o branco. Tal entendimento é fortalecido tendo como exemplo as
aldeias Tupinikins vizinhas que têm o português como língua materna e estão, segundo eles,
em processo de resgate e revitalização de sua própria língua Tupi. Ainda assim e mesmo com
todo o empenho para a preservação dessa cultura, Carvalho (2013), diretor da escola indígena
em Três Palmeiras, destaca que é possível encontrar “muitos indivíduos Guarani,
principalmente os jovens, [que] não têm vontade ou até mesmo preocupação com a própria
cultura e sua tradição, mesmo tendo diversos tipos de apoio por parte de alguns conservadores
e lideranças indígenas” (p. 27).
Sobre essa questão, é consenso entre os teóricos o pensamento de que o grau de
isolamento de uma comunidade influencia diretamente na manutenção da língua e dos costumes
da cultura minoritária. Quanto mais isolada for a comunidade, menores serão as interferências
externas; e quanto maior a urbanização da área, maior a chance dessa cultura ser substituída
pela majoritária.
Em se tratando das comunidades Guarani no Espírito Santo, como já vimos, o
isolamento é parcial, pois, apesar de residirem em Territórios Indígenas e em uma área de
preservação ambiental, os indígenas também têm acesso às cidades de entorno por questões de
trabalho, educação, saúde e alimentação. Além disso, os líderes indígenas, em virtude do
ativismo indigenista, viajam com frequência para participar de reuniões, protestos e assembleias
dentro e fora do Estado. Merece relevância, também, o fato de que a presença dos meios de
comunicação, em suas variadas formas, como a televisão, o rádio e a internet, é massiva dentro
das aldeias. Dessa forma, nossos informantes têm contato permanente com a cultura dominante.
27
Cabe ressaltar que o Estado capixaba possui 19 mil hectares de terras indígenas
demarcadas pelo Governo contíguas às plantações de eucalipto da Fibria, antiga Aracruz
Celulose, protagonista de um conflito com os indígenas que se arrasta há mais de 40 anos. Esse
território é dividido em duas Terras Indígenas (TI): Caieiras Velha e Caieiras Velha II, como
mostra o mapa abaixo:
Mapa 1 – Aldeias Guarani no Espírito Santo.
Mapa 1: Aldeias Guarani no Espírito Santo. Fonte: Google Earth (2009), adaptado por Oliveira (2009, p. 60).
A Terra Indígena de Caieiras Velha, onde se localizam as aldeias Boa Esperança e Três
Palmeiras, possui cerca de dois mil habitantes das etnias Tupinikim4 e Guarani. Boa Esperança,
ou Tekoa-Porã, é considerada o primeiro núcleo Guarani no Espírito Santo e foi fundada em
setembro de 1978 (TEAO, 2015). Sob a gestão do cacique Antônio Carvalho, Werá Kwaray,
mais conhecido como Toninho, esse agrupamento conta hoje com cerca de 27 famílias e se
caracteriza como mais conservador em relação aos outros agrupamentos Guarani presentes no
Estado.
A aldeia de Três Palmeiras, ou Mboapy Pindo, por sua vez, foi fundada em 1998, em
virtude de um rompimento com a aldeia Boa Esperança, motivado por desavenças relacionadas
4 Aldeias Tupinikim localizadas na TI Caieiras Velha: Irajá e Caieiras Velha. (MARCILINO, 2014)
28
à sua organização conservadora. Chefiada pelo cacique Nelson Carvalho, a aldeia Três
Palmeiras, inicialmente, foi formada por cinco famílias oriundas de Boa Esperança, São Paulo
e Rio de Janeiro (TEAO, 2015). Hoje, ela é composta por 35 famílias (FUNAI, 2008), das quais
27 pretendem se mudar para uma nova aldeia que está sendo construída sob a chefia do ex-
cacique, Marcelo Oliveira da Silva. Essa nova aldeia, denominada por eles como Nova
Esperança, ou Kaagui Porã, caracteriza-se por ser mais distante da cidade e com melhores
condições de plantio.
Além de um centro cultural destinado a preservar a história e a cultura do povo Guarani,
o Centro Cultural Tatantin Ywa Reté, inaugurado em dezembro de 2012, Três Palmeiras
também conta com uma escola indígena de Ensino Fundamental em seu território, que passará
a funcionar em um novo prédio, em construção desde 2014, cujas instalações foram projetadas
para atender toda a comunidade indígena em terras capixabas (TEAO, 2015).
Por último, temos Piraquê-Açu Mirim, a única localizada no TI Caieiras Velha II, que é
cortada pela Rodovia ES-010. Criada em 2001 e administrada pelo cacique Pedro Karaí, neto
de Tatantin, essa aldeia é composta por apenas oito famílias – cerca de 30 pessoas – e está
localizada às margens do rio de mesmo nome. Piraquê-Açu. De todas as aldeias Guarani
presentes no território capixaba, é a mais voltada para o turismo. Ela já foi palco de alguns
filmes, dentre eles “Como o sonho começou”, que, segundo o cacique, foi divulgado em países
da Europa e da Ásia.
Desde então, as famílias residentes nessa aldeia fazem uso do lugar que serviu de cenário
com um projeto denominado Aldeia Temática, que promove visitas guiadas para estudantes e
turistas objetivando propagar a história e a cultura do povo Guarani. Como afirma Teao (2015),
toda essa “produção artística e educacional é voltada para a afirmação da identidade cultural,
para a divulgação das tradições, para a visibilidade da existência do povo” (p. 24) no Espírito
Santo. Olho d’ Água, por sua vez, é mais conhecida como um aldeamento composto por duas
famílias e se localiza em uma área ainda não demarcada oficialmente (CARVALHO, 2013).
2.2 Santa Cruz e Coqueiral de Aracruz: as comunidades de entorno
As comunidades de Santa Cruz e Coqueiral de Aracruz, onde foram realizadas as
entrevistas com falantes de PB-L1, localizam-se no município de Aracruz, na região nordeste
do litoral do Espírito Santo, a aproximadamente 60 e 80km da capital Vitória. Essa região,
muito conhecida pelos capixabas por seu complexo industrial, possui cerca de 80 mil habitantes
29
de acordo com o último censo do IBGE (2010) e é dividida em cinco distritos, a saber: Aracruz
(sede), Guaraná, Jacupemba, Riacho e Santa Cruz, como mostra o mapa turístico a seguir:
Mapa 2 – Mapa turístico do município Aracruz, Espírito Santo.
Mapa 2: Mapa turístico do município Aracruz, ES. Fonte: Prefeitura Municipal de Aracruz. Disponível em:
<http://www.pma.es.gov.br/arquivos/turismo/_miniaturas/MAPA_TURSTICO_DE_ARACRUZ.jpg>
30
Ambas as comunidades por nós pesquisadas fazem parte do distrito de Santa Cruz, como
se pode perceber pelo mapa acima, a região mais antiga do município em questão. A fundação
dessa cidade capixaba tem sua história diretamente ligada à de seu bairro mais antigo: também
denominado Santa Cruz. Situado às margens do rio Piraquê-Açu, esse bairro foi fundado em
1556 pelos padres jesuítas Diogo Jácome, Brás Lourenço e Fabiano Lucena, que chegaram à
região com o intuito de catequisar os índios que ali viviam (IBGE, 2010; CÓ, 2013).
Originalmente denominado Aldeia Nova, esse aldeamento jesuíta, devido a uma
infestação de formigas, viu-se remanejado para outra localidade no ano seguinte à sua fundação,
passando, então, a chamar-se Aldeia Velha. Por isso, somente em 1848 é que o município de
Santa Cruz foi criado, tendo sua sede na Vila de Santa Cruz, atual Santa Cruz. Em 1891, foi
elevado à categoria de cidade que, àquela época, vivia momentos de prosperidade devido ao
seu porto fluvial no rio Piraquê-Açu. Com o advento da Estrada de Ferro Vitória-Minas e da
construção da BR-101, a cidade de Santa Cruz teve seu desenvolvimento afetado (CÓ, 2013).
Anos mais tarde, dois acontecimentos marcaram o início de uma nova história para a
cidade de economia decadente: o primeiro ocorreu em 1948, quando a sede do município foi
transferida para a localidade de Sauaçu, na região central, com o objetivo de unir os seus
distritos; e o segundo ocorreu em 1967, quando já denominado Aracruz, o município recebeu a
sua primeira multinacional: a Aracruz Florestal S.A. Com a implementação dessa empresa,
criada durante o governo militar para o plantio de eucaliptos e consequente produção de fibras
de celulose, a cidade de Aracruz viu-se inserida na transição da economia do Espírito Santo
passando por grandes transformações (CÓ, 2013).
Dentre as suas principais transformações, está o projeto urbano “Bairro Coqueiral de
Aracruz”, iniciado pelo arquiteto Paulo Calado e desenvolvido pelo também arquiteto e
urbanista Cândido Malta Campos Filho (CÓ, 2013). Uma vez em operação, a fábrica de
celulose demandou várias contratações de mão-de-obra qualificada de diversas regiões do
Brasil. No entanto, a malha viária que dava acesso à capital Vitória ainda era precária, o que
prejudicava o trajeto desses funcionários ao local de trabalho. Esse projeto, então, surgiu da
necessidade de alojar os trabalhadores do setor industrial instalado na região.
Em um terreno comprado pela própria empresa, a 14km do complexo industrial, foi
iniciada, em 1974, a construção do bairro Coqueiral de Aracruz com término previsto para
1977. Além de residências e alojamentos, foram construídos, dentre outras coisas necessárias
ao bom funcionamento do bairro: dois clubes, estações de tratamento de água e esgoto, escolas,
uma clínica médica, um centro comercial e amplos jardins. Essa configuração não dista muito
31
do que encontramos hoje no bairro em questão, ainda que ele tenha sido descaracterizado de
seu projeto original.
Atualmente, tanto Santa Cruz quanto Coqueiral de Aracruz são bairros menores se
comparados à sede do município de Aracruz. O primeiro mais se assemelha a uma vila de
pescadores voltada para o turismo. Apesar de possuir bons hotéis e restaurantes, não há em
Santa Cruz qualquer instituição bancária ou supermercado. O bairro conta com apenas uma
escola de ensino fundamental e um posto de saúde, o que obriga os moradores a se deslocarem
com frequência às regiões vizinhas. Coqueiral, por sua vez, embora tenha um comércio mais
diversificado que Santa Cruz, conta com apenas uma agência bancária, além de caixas
eletrônicos, e sua rede de ensino é constituída por cerca de dez escolas, sendo três delas de
ensino público municipal e estadual. Duas realidades bem distantes daquelas encontradas nas
grandes cidades brasileiras. São essas localidades (em amarelo) que cercam as aldeias Guarani
residentes em território capixaba (em azul):
Mapa 3 – Santa Cruz e Coqueiral de Aracruz: comunidades de entorno das aldeias Guarani.
Mapa 3: Santa Cruz e Coqueiral de Aracruz: comunidades de entorno das aldeias Guarani. Fonte: Google Maps
(2017).
32
3. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
Neste capítulo, apresentaremos os pressupostos teóricos basilares para a nossa análise
da variação na concordância verbal de terceira pessoa do plural na língua portuguesa falada
pelos Guarani do Espírito Santo. Primeiramente, discorreremos sobre a Sociolinguística com
ênfase na Teoria da Variação; depois, nosso foco será a Teoria do Contato Linguístico e a
Aquisição de L2.
3.1 A Sociolinguística e seu objeto
Os estudos linguísticos que consideram a tríade linguagem-identidade-sociedade se
solidificaram como disciplina, a que chamamos Sociolinguística, na figura do linguista norte-
americano William Labov, em 1963, que teve como seus predecessores estudiosos que já
demonstravam interesse pelos aspectos sociais da linguagem, tais como seu orientador Uriel
Weinreich (1926-1967), cujas pesquisas são uma importante contribuição para os estudos do
contato de línguas em contextos bilíngues, tema este de que trataremos no próximo tópico deste
capítulo dada à sua importância para esta pesquisa. Labov (1972, 1984, 2008), com suas
pesquisas sobre a centralização dos ditongos no inglês falado na ilha de Martha’s Vineyard, em
Massachusetts, no mestrado, e sobre a realização do /r/ pelos vendedores de lojas de
departamentos em Nova York, no doutorado, pôs em xeque a possibilidade de estudos que
desconsiderassem os fatores sociais, contrapondo-se, assim, aos estudos formalistas do
Estruturalismo de Saussure (1973 [1916]) e do Gerativismo de Chomsky (1957, 1965), vigentes
à época.
Em Martha’s Vineyard, Labov analisou a frequência e a distribuição dos ditongos /ay/,
/aw/ e suas variantes correspondentes. Esse estudo teve como método a análise de registros de
fala de 69 informantes estratificados de acordo com a faixa etária, a localização geográfica e os
grupos étnicos e profissionais dentro da ilha com o objetivo de “reconstruir a história recente
dessa mudança sonora” (LABOV, 2008, p. 19). Labov esperava, com esse trabalho,
compreender o mecanismo da mudança linguística isolando os fatores sociais que incidissem
diretamente nesse processo. Segundo o pesquisador, a mudança linguística parecia envolver em
sua explicação três fatores distintos: de onde se originam as variações linguísticas; a
regularidade da mudança além de sua difusão e propagação (LABOV, 2008). Apesar de
reconhecer a limitação de seu método, devido ao desequilíbrio de sua amostra, constituída por
33
29 informantes da ilha baixa e 40 da ilha alta, Labov chegou à conclusão de que há correlação
entre os padrões sociais com o padrão de distribuição da variável linguística analisada,
incluindo a variação no patamar de objeto de estudo científico.
Mais tarde, tendo refinado suas técnicas, Labov as aplicou em uma situação mais
complexa. Munido de um bloco de notas e ciente de que a metodologia utilizada na coleta dos
dados interferiria nos próprios dados, o linguista se propôs a analisar a estratificação social do
/r/ em lojas de departamentos nova-iorquinas. Para esse estudo, Labov coletou uma amostra de
dados de 264 falantes de três grandes lojas de departamentos localizadas em Manhattan,
selecionadas de acordo com o seu status social (alto, médio ou baixo), a saber: Saks (classe
média alta/ 68 informantes), Macy’s (classe média baixa/ 125 informantes) e Klein (classe
operária/ 71 informantes).
Com base em sua hipótese de que o produto da diferenciação e avaliação social revelaria
a estratificação social desses empregados, o linguista previu o seguinte resultado: quanto mais
alto o status social da loja, mais alta a quantidade de /r/ apresentada pelos vendedores.
Resultado este que foi confirmado, ou seja, havia a estratificação por fatores extralinguísticos
nesses estabelecimentos (LABOV, 2008). Devido à originalidade e à inovação desses trabalhos,
Chambers (1995) declara que eles foram o marco inicial das pesquisas sociolinguísticas.
Há, ainda, controvérsias sobre a origem/o criador do termo Sociolinguística. Alguns
teóricos, tais como Shuy (1990) e Chambers (1995), acreditam que ele tenha sido cunhado em
1952 pelo filósofo norte-americano Haver Cecil Currie (1908-1993). Outros, no entanto,
afirmam que o termo remonta a 1939, com Thomas Callan Hodson (1871-1953), ou a 1949,
tendo sido usado pela primeira vez por Eugene Albert Nida (1914-2011). O que se sabe é que
o próprio Labov (2008 [1972]) se mostrou inicialmente resistente à terminologia por não
conceber a existência de uma ciência da linguagem que excluísse de seu campo de estudo o seu
viés social. (MARRA; MILANI, 2012; LUCCHESI, 2015)
Uma vez consolidada, a Sociolinguística, hoje, pode ser definida como uma subárea da
Linguística que estuda a língua falada em seu contexto social, em situações reais de uso,
correlacionando aspectos sociais e linguísticos (ROMAINE, 1995; ALKMIM, 2005;
MOLLICA; BRAGA, 2010). Disciplina esta que tem como fundamento básico a assertiva
anteriormente discutida de que sociedade e linguagem estão indissoluvelmente entrelaçadas, “o
estímulo linguístico para tais estudos é primordialmente o de que dada pessoa ou grupo usa a
língua x num contexto ou domínio social y” (LABOV, 2008, p. 215).
Partindo do pressuposto de que a língua não é um código estático, mas um fenômeno
cuja variabilidade se encontra relacionada tanto às suas estruturas internas quanto externas
34
(TRUDGILL, 2000), a Sociolinguística entende que “os usos de estruturas linguísticas são
motivados e as alternâncias configuram-se, por isso, sistemáticas e estatisticamente previsíveis”
(MOLLICA; BRAGA, 2010, p. 10-11). Cabe, portanto, ao sociolinguista, o desafio de
desvendar a sistematicidade da heterogeneidade da língua falada englobando múltiplas
investigações que consideram, basicamente, as características pessoais e sociais dos
informantes; os fatores socioculturais; sociológicos e os estilos linguísticos.
São muitas as áreas de interesse dos estudos sociolinguísticos e também muitas as suas
contribuições. Contato linguístico; surgimento, manutenção e extinção das línguas;
multilinguismo; variação e mudança linguísticas constituem alguns de seus temas (MOLLICA;
BRAGA, 2010) que se dividem como objetos de estudos de diferentes vertentes teóricas, tais
como: a Sociolinguística Interacional (GUMPERZ, 1982), a Sociolinguística Paramétrica
(TARALLO, 1987) e a própria Sociolinguística Variacionista – que é o nome que hoje se dá à
corrente laboviana. Dentre as suas contribuições, temos aquelas ligadas à compreensão das
línguas com suas implicações educacionais, socioculturais e políticas.
3.1.1 A Teoria da Variação
A Sociolinguística Variacionista, como já vimos, surgiu nos Estados Unidos como uma
reação ao conceito de língua como um sistema homogêneo imune à influência dos fatores
sociais postulado por Saussure e à ideia de um falante/ouvinte ideal inserido em uma
comunidade também homogênea como foi proposto pela teoria Gerativa de Chomsky, ambas
as teorias vigentes à época (LUCCHESI, 2015).
A língua, como Labov (2008) defende, é dinâmica e deve ser estudada em uma situação
de uso dentro de seu contexto social. É na língua falada que a variação se manifesta de forma
mais sistemática, pois nessa situação o falante está mais preocupado com o conteúdo do que diz
do que com a forma como é dito. Assim, para o sociolinguista, deve-se considerar
principalmente a heterogeneidade inerente da língua que, segundo o autor, não é aleatória ou
caótica, mas sistemática, ou seja, regulada por um conjunto de condições que levam o falante a
escolher determinadas formas em detrimento de outras. Cabe ressaltar que a proposição de que
a língua é dinâmica e heterogênea, ou seja, de que ela varia e está em processo constante de
35
mudança, como veremos mais adiante, pressupõe que ela nunca será igual ao que foi em outra
época, lugar ou comunidade de fala5 (DUBOIS et al, 1997).
A variação aqui é tida como um mecanismo da língua e se constitui como um fenômeno
universal passível de sistematização por meio da busca de princípios gerais a ela subjacentes.
Assim, por variação linguística entende-se a coexistência de formas linguísticas equivalentes –
a que denominamos variantes. As variantes configuram um fenômeno denominado variável
linguística, que é assim concebido porque sua realização tem relação com aspectos do sistema
linguístico (variáveis estruturais) e da sociedade (variáveis sociais). Essas variantes não só
coexistem como também estão em concorrência: em uma variável linguística, temos, de um
lado, variantes padronizadas, conservadoras e/ou prestigiadas socialmente e, de outro, aquelas
variantes inovadoras que algumas vezes são estigmatizadas pelos membros da comunidade
gerando aquilo que chamamos de preconceito linguístico contra os que delas fazem uso.
A Teoria da variação, como já vimos, considera a língua em seu contexto sociocultural.
Desse modo, parte da explicação de sua heterogeneidade emerge não só dos fatores internos
que agem sobre o sistema linguístico, mas também dos externos, a que denominamos variáveis
sociais. É consenso entre os pesquisadores, por exemplo, que agentes como “escolarização alta,
contato com a escrita, com os meios de comunicação em massa, nível socioeconômico alto e
origem social alta concorrem para o aumento na fala e na escrita das variantes prestigiadas”
(MOLLICA, 2010, p. 27).
Como afirma Paredes Silva (2010), estudar a língua em uma situação de uso faz-nos
deparar com aquilo que temiam os formalistas: a variação; pois as características sociais de
cada um dos membros da comunidade pesquisada atuam na forma como eles se expressam.
Assim, considerando a complexidade da sociedade formada por falantes do PB, podemos pensar
em inúmeros indicadores socioculturais, tais como sexo, idade, localidade, renda, mobilidade,
o tipo de ocupação, o acesso aos meios de comunicação de massa e aos bens culturais, a
condição de cultura marginalizada ou prestigiada e a origem social.
Uma das grandes contribuições da Teoria da Variação é a sua metodologia. As pesquisas
variacionistas contam não só com uma metodologia bem definida – que vai desde a organização
de amostras de fala para o estudo da variação e mudança linguística em situação real de uso até
a coleta e análise dos dados – mas também com instrumentos tecnológicos que permitem a
análise quantitativa no tratamento da variação. De acordo com Naro (2010), essa metodologia
5 Entendemos por comunidade de fala/comunidade linguística o grupo social cujos membros compartilham de pelo
menos uma variedade linguística bem como de suas normas de uso (Labov, 2008 [1972]; Fishman, 1979; Alkmim,
2001).
36
é uma ferramenta segura que pode ser usada no estudo dos mais diversos fenômenos de
variação. Ao se valer da estatística, o linguista pode auferir, com certo grau de certeza, quais e
como os fatores linguísticos e extralinguísticos estão agindo para inibir ou favorecer o emprego
das variantes por ele estudadas. Ainda segundo Naro (2010), as limitações desse método são as
do próprio pesquisador – “a quem cabe a responsabilidade de descobrir quais são os fatores
relevantes, de levantar e codificar os dados empíricos corretamente, e, sobretudo, de interpretar
os resultados numéricos dentro de uma visão teórica” (NARO, 2010, p. 25).
Em linhas gerais, a metodologia variacionista pode ser dividida em seis passos cuja
ordenação, em alguns casos, fica a critério do sociolinguista: 1) a escolha da comunidade e do
fenômeno a ser analisado – essas escolhas são orientadas por um conhecimento prévio que o
pesquisador tem do fenômeno e da comunidade e foram colocadas no mesmo passo, porque,
muitas vezes, o linguista seleciona primeiro a comunidade e descobre o fenômeno à medida
que visualiza seus dados ou, influenciado pelo que a teoria diz sobre determinada variável, ele
seleciona a comunidade em que irá observá-la; 2) a delimitação da amostra – esse passo deve
considerar o cunho quantitativo da metodologia utilizada; assim, o linguista leva em conta,
dentre outras coisas, o número de membros da comunidade e a quantidade de variáveis
analisadas; 3) a constituição da amostra, que pode ser por meio de testes, questionários ou
interações livres; deve-se ressaltar que, nesta etapa, o linguista precisa minimizar o efeito de
sua presença e/ou da presença do gravador para que a fala seja a mais natural possível; 4) a
transcrição dos dados; 5) a codificação dos dados de acordo com as variáveis selecionadas
e, por último, 6) a submissão desses dados ao programa estatístico escolhido para que, a
partir de então, o linguista possa realizar a sua análise (LABOV, 1972, 1984).
A importância da pesquisa variacionista se dá não só pelo entendimento sobre a
variedade estudada – como sua sistematicidade e seu encaixamento linguístico e social – mas
também para que o linguista possa entender se essa variável é estável ou se está em processo
de mudança, ou seja, se as variantes estão sendo usadas sem haver competição entre elas ou se
elas se encontram em um estágio em que uma tenderá a desaparecer para dar lugar à outra.
Assim, no controle da variação, o pesquisador investiga quais grupos de fatores influenciam
positiva ou negativamente na implementação de uma mudança em curso/progresso.
O marco inicial da teoria da mudança foi a publicação de “Fundamentos empíricos para
uma teoria da mudança linguística6”, em 1968, por Weinreich, Labov e Herzog. Nessa obra, os
autores apresentam uma fundamentação empírica para a teoria da mudança e assumem seu
6 A versão em língua portuguesa utilizada neste trabalho foi publicada em 2006. Título original: Empirical
foundations for a theory of language change.
37
papel indissociável da variação linguística quando afirmam que “nem toda variabilidade e
heterogeneidade na estrutura linguística implica mudança; mas toda mudança implica
variabilidade e heterogeneidade” (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006, p. 125). Cabe
ressaltar que a mudança não ocorre de maneira abrupta, mas gradativa; algumas mudanças
linguísticas podem levar séculos para se processar haja vista o latim e as línguas românicas.
Os estudos sobre as mudanças linguísticas analisam as questões relacionadas com a
transição, as restrições e a avaliação desses fenômenos, além do encaixamento e da
implementação dos mesmos – os cinco problemas propostos por WLH definidos como os
mecanismos da mudança. Eles podem ser abordados de acordo com os seguintes métodos:
estudos de tempo aparente e estudos de tempo real. Dentre os estudos de tempo real, estudos de
tendências e estudos de painel.
O estudo de tempo aparente é um recorte sincrônico do fenômeno analisado; nele, é feita
a comparação de pessoas com idades diferentes e, no estudo de tempo real, a análise é
diacrônica – decorre da comparação de períodos históricos diferentes. Os estudos de tempo real,
como supracitado, subdividem-se em dois tipos: estudos de tendência e estudos de painel. No
primeiro, o pesquisador coleta e analisa dados de uma mesma comunidade de fala em momentos
distintos. Já no estudo de painel, o pesquisador investiga os mesmos falantes em sincronias
diferentes de suas vidas.
3.2 O contato linguístico e a aquisição de L2
Estima-se que, à época da invasão europeia, o território brasileiro abrigava cerca de seis
milhões de pessoas e, possivelmente, centenas/milhares de línguas distintas (SCHERRE, 2006).
Dentre os resquícios da mutilação resultante dessa relação com o colonizador, temos hoje no
Brasil: índios que tiveram suas línguas extintas; índios que falam línguas produzidas por
missionários ou pesquisadores motivados pela revitalização dessas culturas; a sobrevivência da
língua geral amazônica (nheengatu) em algumas regiões; alguns vestígios de dialetos africanos,
principalmente na religião afrodescendente; indícios de línguas de imigrantes, além de uma
variedade da língua portuguesa afetada por todos esses processos (GUIMARÃES; ORLANDI,
1998). Soma-se a isso o fato de que, embora o Brasil tenha permanecido multilíngue, nosso
povo é essencialmente monolíngue pois, nas palavras de Scherre (2006), o genocídio dos
nativos e a imposição da língua portuguesa com a proibição das línguas gerais fizeram com
que, desde cedo, nossa sócio-história multilíngue fosse ceifada.
38
Hoje, o português brasileiro figura como única língua oficial e única língua dos meios
de comunicação de massa, fazendo com que predomine no imaginário popular o mito de país
linguisticamente homogêneo. Romaine (1995) atesta que esse cenário é generalizado. Segundo
a autora, existem aproximadamente trinta vezes mais línguas que países no mundo, o que aponta
o caráter multilíngue dos mesmos; ainda assim, o monolinguismo é sentido como o mais
natural.
Caminhamos, contudo, a passos largos rumo a uma nova configuração social. Com o
advento da globalização, proporcionada pelo avanço tecnológico, os próprios mercados globais
vêm assegurando o multilinguismo. Já se ouve falar, por exemplo, que monolíngues são os
analfabetos do século 21. Não falar um segundo idioma tem se constituído em uma barreira
para o jovem ingressar no mercado de trabalho, assim como não saber ler e escrever no século
passado. Além disso, novas políticas em direção à valorização, promoção e preservação da
diversidade linguística dos povos vêm sendo tomadas.
Afirma-se que essas políticas são algumas das contribuições dos estudos de contato
linguístico, um importante campo de investigação desse “caos de ordem babélica”. Por contato
linguístico entendemos a coexistência de duas ou mais línguas em um mesmo espaço geográfico
em uma situação que se configura como bilinguismo social (MONTRUL, 2013). Em outras
palavras, para além de uma situação de bilinguismo, o contato linguístico é um contato
intercultural (WEINREICH, 1970 [1953]). Trask (2006) afirma que quase toda língua carrega
em si alguma prova de contato linguístico, já que poucas delas estão/estiveram suficientemente
isoladas para evitar todo tipo de proximidade.
Segundo Montrul (2013), o contato entre línguas em espaços geográficos muitas vezes
possui raízes históricas e envolve circunstâncias e eventos sociopolíticos diversos. Dentre os
exemplos arrolados pela autora, temos os processos de expansão e unificação territorial, as
situações pós-coloniais, a imigração e a globalização que, muitas vezes, levam os nativos a
aprenderem a língua dos estrangeiros e/ou os estrangeiros a aprenderem a língua dos nativos.
Isso se dá devido à necessidade de comunicação que pode se configurar de maneiras diversas,
que vão desde um contato social mínimo, como as relações comerciais, a contatos mais
intensos, tais como os que ocorrem entre indivíduos da mesma família (MATRAS, 2011).
Nas palavras de Couto (2009), tudo tem a ver com o espaço. Segundo o autor, as pessoas
migram para o território de outros povos; essa co-presença leva à interação entre os dois grupos
de línguas distintas que resultará em uma comunicação que se configura, inicialmente, como
tentativas interlinguísticas. “Com a convivência, as línguas serão processadas nas mentes dos
indivíduos, o que pode levar um lado a apropriar-se da língua do outro, mesmo que fortemente
39
marcada pela L1, ou ambos os lados formarem uma terceira realidade, um meio unificado de
intercomunicação” (COUTO, 2009, p. 50). Tal assertiva é que nos leva à nossa próxima seção,
que apresentará, dentre as diversas manifestações promovidas pelo contato linguístico, a
aquisição de uma segunda língua – tema fundamental para esta tese.
3.2.1 A aquisição de L2 por falantes adultos
A história do Brasil é toda feita de contatos linguísticos. “Ao longo de mais de cinco
séculos depois do descobrimento, no território brasileiro conviveram, comunicaram e se
misturaram populações ameríndias, europeias, africanas e asiáticas” (MELLO;
ALTENHOFEN; RASO; 2011, p. 13). Em um país como o nosso, “são esperadas situações
distintas de contatos linguísticos, às quais se associam mecanismos de mudança linguística que
propiciam interferências de uma língua sobre outra, em diferentes graus” (BRAGA et al., 2011,
p. 222). Essas mudanças, segundo Sankoff (2003), podem ser notadas nas diferentes áreas em
que se realizam as estruturas da língua: fonético-fonológica, morfossintática e lexical; e estão
diretamente associadas à aquisição de uma segunda língua pelos indivíduos em situação de
contato.
Os processos de aquisição de segunda língua, ao longo dos anos, têm se revelado um
importante e vasto campo de estudo, especialmente importante em tempos de globalização e de
uso significativo de segundas línguas, tais como o inglês, o francês e o espanhol. Nesses
estudos, dentre os questionamentos levantados, têm-se, principalmente, os resultados distintos
encontrados na aquisição da língua materna (L1) por crianças e na aquisição de segunda língua
(L2) por falantes adultos.
Segundo Montrul (2013), o resultado da aquisição de L1 na infância, quando a criança
apresenta um desenvolvimento cognitivo normal, é universal, uniforme e exitoso. Universal,
porque todas as crianças se tornam falantes adultos competentes em suas línguas nativas;
uniforme, porque o nível de conhecimento e fluência na língua materna é similar nas crianças
monolíngues, independentemente do contexto sociolinguístico em que vivem; e exitoso, porque
todas as crianças adquirem sua língua completamente em relação aos níveis fonético-
fonológicos, lexicais e morfossintáticos. Quando os indivíduos aprendem uma língua durante
ou após a adolescência, contudo, os resultados alcançados costumam ser diferentes para cada
pessoa. Em outras palavras, quando se fala de aquisição de segunda língua na idade adulta, o
40
resultado “não é universal, não é uniforme, é variável e nem sempre consegue alcançar a
competência linguística de um falante nativo” (MONTRUL, 2013, p.182)7.
Uma das hipóteses na discussão dessa questão perpassa o conceito de período crítico:
uma faixa etária durante a qual a aquisição/ aprendizagem de uma língua se dá de maneira
natural, como adquirem os nativos da referida língua. Após esse período, a aquisição ainda
ocorre, mas nota-se um declínio nas habilidades envolvidas nesse processo, fazendo com que
ele, muitas vezes, não seja completamente bem-sucedido. Labov (2007) afirma que a aquisição
de adultos é diferente da aquisição das crianças, e acrescenta que isso ocorre, não só por
determinação biológica, mas porque os adultos já possuem uma identidade sociolinguística
estabelecida.
Ao discutirem sobre os estágios da aquisição, Kerswill e Williams (2000, p. 68)
dividem-nos e caracterizam-nos da seguinte forma: 1) as crianças começam com uma
orientação sociolinguística centrada na família, ainda que tenham contato com variedades de
outras pessoas; 2) a adolescência é a fase em que a construção da identidade se transfere mais
para os amigos que para os pais – é a fase da ruptura; 3) entre os adultos, a aquisição, em
comparação com as crianças, é “imperfeita”, uma vez que eles possuem uma identidade social
mais fixa. Os autores acrescentam, ainda, que é na adolescência que os valores são estabelecidos
e é nela onde os resultados da mudança são mais visíveis. É nessa fase, portanto, que termina o
período crítico para a aquisição linguística e onde se sedimentam os valores sociais.
Diante do exposto, diferentes abordagens teóricas e metodológicas têm se dedicado a
investigar como se dá a aquisição de segunda língua após a infância; são recorrentes conceitos
tais como bilinguismo, interferência, transferência, interlíngua, code-switching e acomodação
– além daqueles estritamente ligados às situações de contato linguístico, como pidgin e crioulo.
Fatores como idade e contexto de aquisição se configuram, então, como fundamentais no
entendimento dessa questão.
Sankoff (2003), por exemplo, propõe-se a analisar e compreender o que pode ocorrer
em situações de contato linguístico. A linguista concentra-se, como ela mesma explicita, na
investigação de três pontos: “(1) tem a comunidade de fala, em vez do indivíduo, no seu ângulo
de visão; (2) focaliza os resultados do contato linguístico; e (3) procura elucidar a estruturação
social da diversidade interna da comunidade de fala” (SANKOFF, 2003, p. 638)8.
7 Texto original: “(...) no es universal, es variable, y no siempre logra adquirirse exitosamente, es decir, no siempre
logra alcanzarse la competencia lingüística de un hablante nativo” (MONTRUL, 2013, p. 182). 8 Texto original: “(1) takes the speech community, rather than the individual, as its angle of vision; (2) focuses on
the linguistic results of contact; and (3) and seeks to elucidate the social structuring of diversity internal to the
speech community” (SANKOFF, 2003, p. 638).
41
Após uma breve discussão sobre os conceitos de interlíngua, interferência e
transferência a serem utilizados ao longo do texto, a autora deixa claro que a maioria dos estudos
de SLA – Second Language Acquisition – tem seu foco em perspectivas diferentes da
abordagem de contato linguístico fundamentada na Sociolinguística, uma vez que a SLA, como
campo de estudo, tem suas raízes na Psicolinguística, onde diferentes temas tendem a dominar.
Tais estudos, segundo a autora, focam nos informantes enquanto indivíduos e não como
membros de uma comunidade de fala. Se, para a Sociolinguística, as mudanças que ocorrem na
língua dos indivíduos só se tornam, efetivamente, mudança quando se instalam na comunidade,
então, os fatores sociais nos estudos de SLA não devem ser desconsiderados.
Nessa perspectiva, Sankoff (2003), partindo da premissa da Sociolinguística
variacionista de que mudança e variação são características básicas de qualquer língua e de que
toda mudança é variação, defende a ideia de que, nos processos de mudança, fatores linguísticos
e sociais estão estritamente interligados. Segundo a autora, uma vez que a língua falada por
bilíngues se distingue daquela falada por monolíngues, em situações de contato, podem ocorrer
alterações que conduzem a mudanças distintas daquelas motivadas por processos internos à
estrutura da língua, daí a importância de se analisar os resultados do contato linguístico. Em
outras palavras, para Sankoff (2003), fatores internos da língua e fatores sociais atuam em
conjunto; por isso, é importante entender o desenvolvimento histórico e social das sociedades
envolvidas.
São várias as circunstâncias e eventos sociopolíticos que conduziram e conduzem ao
contato linguístico; dessas, duas são destacadas pela autora: a conquista, que implica situações
de desigualdade social, tais como a colonização, a escravidão e a migração forçada; e a
imigração que, quando motivada por necessidade de comércio e urbanização, promove relativa
igualdade entre as comunidades envolvidas. Essas circunstâncias, associadas a outros fatores,
tais como a natureza de L1 e L2, o sentimento de pertencimento étnico das comunidades e a
imposição de uma língua como standard, influenciam diretamente nos resultados de mudança
linguística. Cabe ressaltar que, para a autora, a variável mais importante é a duração do contato.
No que se refere à aquisição de L2, Sankoff (2003) aponta dois resultados que podem
ser encontrados nos quatro domínios da língua – fonético/ fonológico, lexical e morfossintático:
1) o empréstimo, definido como a incorporação de elementos da língua alvo (L2) na língua
fonte (L1), cujo número de casos é mais frequente; e 2) a influência do substrato, que é o que
ocorre quando as estruturas da língua fonte influenciam a língua alvo – frequente apenas em
situações de contato prolongado. A partir disso, a autora conclui, como dito anteriormente, que
as diferentes situações sociais levam os falantes a fazerem uso de diferentes recursos que afetam
42
o desenvolvimento da estrutura linguística e que a estrutura linguística também condiciona os
resultados do contato linguístico.
Sankoff (2003) salienta, ainda, que a mudança linguística ocorre devido à difusão da
mudança a partir do indivíduo ou de pequenos grupos para a comunidade de fala como um todo
e elenca algumas questões relevantes para o estudo do contato linguístico e da aquisição da
linguagem, a saber: a questão do período crítico, as mudanças linguísticas que ocorrem ao longo
da fala do indivíduo e sua interação com a mudança linguística em geral, além da reintegração
do indivíduo na matriz mais geral da comunidade de fala.
Bybee (2008), por sua vez, assume a abordagem da Linguística cognitivo-funcional que,
segundo a autora, é uma extensão das perspectivas cognitiva e funcional. Em linhas gerais, a
abordagem dos Modelos baseados no Uso desenvolve-se a partir de três importantes
pressupostos básicos: “1. a linguagem não é uma faculdade cognitiva autônoma; 2. gramática é
conceptualização; 3. o conhecimento linguístico emerge e se estrutura a partir do uso da
linguagem” (CROFT; CRUSE, 2004, p. 01)9. Em outras palavras, para Bybee (2008), a
linguagem não é um módulo cognitivo isolado; a linguagem é a relação de cognição e
experiência e a frequência do uso das palavras afeta a representação delas.
Nessa vertente, defende-se, portanto, “que o conhecimento gramatical de um falante tem
sua origem em sua experiência particular com as formas linguísticas em termos de frequência
e contextos de uso” (TAVARES, 2013, p. 31). Como afirma Tavares (2013):
No uso diário da língua, temos, por um lado, construções gramaticais que são
repetidas, reforçando-se assim sua regularidade e seu caráter fixo, sistemático – o uso
conserva a gramática; por outro lado, tais construções podem ser rearranjadas e
remodeladas de modos diferentes, dando origem a construções inovadoras – o uso
modifica a gramática. (p. 31)
A repetição de estruturas linguísticas, segundo Bybee (2008), tem efeitos cognitivos em
nosso léxico mental; palavras muito frequentes, além de tenderem a sofrer redução, por
exemplo, terão sua representação fonológica reforçada no léxico. Nessa perspectiva, Bybee
(2008) propõe que o conceito de frequência seja dividido em dois, a saber: 1) Token frequency,
que indica quantas vezes determinada palavra ocorre na fala e implica em três efeitos:
conservação, autonomia e redução; e 2) Type frequency, que indica a quantidade de itens que
são representados pelo mesmo padrão. As implicações dessa abordagem na aquisição da L2,
segundo a autora, são claras; para que a aquisição de uma segunda língua seja eficiente, “deve
9 Texto original: “1. language is not an autonomous cognitive faculty; 2. grammar is conceptualization; 3.
knowledge of language emerges from language use” (CROFT; CRUSE, 2004, p. 01).
43
ocorrer quando os membros prototípicos são apresentados cedo e com frequência” (BYBEE,
2008, p. 229)10.
Bybee (2008), no tratamento dos modelos baseados no uso, levanta, ainda, ao longo do
artigo, outros aspectos importantes, tais como a capacidade que temos de abstrair, categorizar
e generalizar; a hipótese de que armazenamos todos os itens lexicais e expressões fechadas; a
mudança analógica e a organização do léxico em uma rede de conexões dentre outros. E declara
que, com base nos Modelos baseados no Uso, os mesmos mecanismos analógicos que
utilizamos todos os dias para produzir e decodificar a L1 são os mesmos utilizados na L2; da
mesma forma, ocorre com os mecanismos de categorização linguística e não linguística – ambos
estão disponíveis na aquisição de uma nova língua. O único requisito, segundo a autora, é que
o falante esteja suficientemente exposto às categorias de L2. Bybee (2008) conclui que os
processos de fragmentação e automação necessários para se obter fluência ocorrem
naturalmente com a prática de ambas as tarefas linguísticas e não linguísticas.
Considerando que ambos os modelos – Sociolinguística e Modelos baseados no Uso –
reconhecem a importância do uso nos processos de mudança e aquisição de L2, as abordagens
das referidas autoras podem ser conciliadas por meio de estudos que corroborem a possibilidade
de confluências teóricas úteis na explicação dos mesmos fenômenos.
Tavares (2013), ao propor procedimentos metodológicos que visem a uma abordagem
integrada – sociolinguística e cognitivo-funcionalista, aponta a existência de pressupostos
comuns a ambas as teorias que se reforçam mutuamente, tais como a gradualidade da mudança,
e defende a ideia de que mesmo os pressupostos mais ou menos divergentes podem se
aproximar por meio do diálogo. Fica claro, então, que, nos estudos de aquisição, princípios
lexicais, estruturais, sociais e funcionais, por exemplo, não devem ser descartados. Uma
pluralidade metodológica no tratamento desse tema deve ser considerada. Mollica e Roncarati
(2001) demonstram que:
(a) as pesquisas sobre o uso da língua não podem restringir-se a dogmatismos teóricos; (b)
a mudança linguística tem de ser estudada sob diferentes enfoques, se se deseja uma
compreensão mais aprofundada do dinamismo inerente às línguas; (c) o estudo em tempo
real e em tempo aparente tem de resgatar a importância da atuação dos componentes social,
estrutural, lexical e individual, responsáveis conjuntamente pela mudança. (p. 51)
Na aquisição de L2, portanto, em uma abordagem que integre as duas teorias, pode-se
considerar: 1) a variação que ocorre na fala do indivíduo, influenciada por fatores mentais; 2)
10 Texto original: “should occur when the central members of categories are presented early and often”
(BYBEE, 2008, p. 229).
44
a exposição às categorias de L2; 3) a frequência de uso e 4) os fatores linguísticos e sociais,
discutidos na perspectiva do contato linguístico, que, como sabemos, levam os falantes a
fazerem uso de diferentes recursos que afetam o desenvolvimento da estrutura linguística que
estão adquirindo.
Assim, dentre os processos relevantes nas abordagens desse tema, está o da adaptação,
conhecido nos pressupostos teóricos como speech accommodation – acomodação de fala.
Entende-se por acomodação, o processo em que o falante adquire variedades que estão se
consolidando a partir da comunidade em que estão inseridos ou, nas palavras de Kerswill
(2001), acomodação é um “processo que começa com a chegada de imigrantes da primeira
geração que vão adaptando a sua fala à dos demais falantes com os quais mantêm contato” (p.
671)11.
Considerando os estudos de Wolfram et. al. (2004), que analisam a produção do ditongo
/ai/ por adolescentes em duas comunidades hispânicas emergentes localizadas na região central
da Carolina do Norte (EUA), e de Schleef et. al. (2011), que fazem uma análise da realização
do (ing) na fala de adolescentes nativos e de imigrantes poloneses em duas outras localidades,
Edimburgo e Londres, a acomodação esperada no domínio de L2 é a de que os imigrantes vão
adquirir traços do dialeto local de seus pares nativos.
A escolha dos informantes adolescentes se deu, nos dois trabalhos, pelo fato de esse
grupo ter uma possibilidade maior de se acomodar ao dialeto local. Schleef et. al. (2011), por
exemplo, afirmam que as pesquisas sociolinguísticas demonstram que “as práticas linguísticas
e outras práticas sociais dos adolescentes desempenham um papel central na delimitação e
expansão do significado social da variação na comunidade de fala” (p. 08)12; e acrescentam que
a imersão em um sistema como a escola, uma espécie de microcosmos da sociedade, é uma
oportunidade considerável para se adquirir normas locais de variação. É atestada, segundo eles,
a facilidade de adaptação dos adolescentes às práticas sociais do lugar em que estão inseridos.
Cabe ressaltar que ambos os trabalhos investigaram outras questões, tais como a ressignificação
das variantes, em Schleef et. al. (2011), e a transferência e a fossilização, em Wolfram et. al.
(2004).
Os resultados de estudos na área apontam, segundo Schleef et. al., que os falantes de L2
muitas vezes exibem um domínio parcial das normas de variação dos falantes nativos, mas que
11 Texto original: “(...) process which starts with the first generation of incomers adapting their speech to the other
speakers they encounter” (KERSWILL, 2001, p. 671). 12 Texto original: “(...) adolescents’ linguistic and other social practices play a central role in delimiting and
expanding the social meaning of variation in the speech community” (SCHLEEF et al., 2011, p. 08).
45
esta generalização em si é altamente variável. Mougeon et. al. (2004), por exemplo, constataram
que falantes não nativos haviam adquirido totalmente as restrições dos nativos em cinco
variáveis por eles analisadas.
Wolfram et. al. (2004), tratando os estágios aquisitivos observados em seus resultados,
destacaram o papel proeminente do léxico nos estágios iniciais de desenvolvimento, não apenas
em termos de aquisição de itens lexicais, mas também em termos de aquisição de processos
sonoros. Isso sugere, segundo os autores, que a difusão lexical pode desempenhar um papel
importante nas fases iniciais de acomodação do dialeto local na aquisição da L2. No segundo
estudo, de Schleef et. al. (2011), a frequência lexical, por exemplo, foi um fator significativo
apenas entre os adolescentes poloneses residentes em Londres.
Wolfram et. al. (2004) observaram, ainda, que há muito mais gradiência e variação na
transição da produção fonética de /ai/ de uma versão mais próxima do espanhol para outra mais
próxima do inglês do que os modelos de transferência de línguas assumem. A transição fonética
de produções do /ai/ de L1 a L2 parece ser gradual e incremental em vez de discreta e abrupta.
Os resultados também parecem mostrar um tipo de intermediação fonética entre espanhol e
inglês que se assemelha à definição de formas interdialetais, ou seja, formas que, originalmente,
não aparecem em nenhum dialeto. Essas formas, segundo os autores, não aparecem apenas nos
estágios iniciais de formação de um novo dialeto, mas também podem ser incorporadas a um
dialeto bem estável.
O estudo preliminar de Wolfram et. al. (2004) também ressalta o papel do indivíduo em
termos de formação de um novo dialeto comparável ao papel do indivíduo em situações de
dialeto estável. Não obstante os efeitos de variáveis como tempo de residência, proficiência em
inglês e o estado da comunidade, alguma variação, segundo eles, parece ser questão de escolha
individual. Assim, falantes expostos a situações semelhantes podem fazer opções bastante
diferentes em termos de acomodação do dialeto; e um dos fatores sugeridos pelos autores que
pode orientar tais escolhas é o papel simbólico do dialeto.
Apesar das exceções, que têm por base a escolha individual e o alinhamento cultural,
neste estágio inicial de desenvolvimento, as comunidades hispânicas não indicam uma
acomodação extensa da forma fonética variante. Dentre as razões apontadas pelos autores para
essa falta de acomodação, estão: a aparente insularidade das comunidades, onde as redes sociais
ainda são bastante densas e de padrão multidimensional, e a interação segregada; a interação
com falantes nativos limitada ao emprego, à escola e a outras situações institucionais
obrigatórias; o uso predominante do espanhol na comunidade; o fluxo contínuo de imigrantes
proficientes apenas em espanhol; e os modelos de inglês fornecidos.
46
O estudo de Schleef et. al. (2011) demonstrou que os adolescentes poloneses, por sua
vez, parecem ser sensíveis às taxas da variante local. Adolescentes imigrantes, em certa medida,
também replicam as restrições encontradas na fala dos seus pares nativos, ainda que, em alguns
casos, a replicação desses padrões seja parcial. Além disso, os autores observaram que houve a
introdução de novas restrições por parte dos imigrantes não atestadas no dialeto nativo.
Tais constatações implicam, segundo eles, três questionamentos: 1) por que algumas
das restrições à utilização de (ing) encontradas no corpus produzido por adolescentes poloneses
não foram encontradas em seus pares nativos? 2) por que algumas restrições são reordenadas?
e 3) por que algumas das restrições do discurso dos adolescentes nativos não são replicadas
pelos imigrantes poloneses? Sob a perspectiva variacionista, Schleef et. al. (2011) propõem que
uma possível resposta à questão (1) é a influência das restrições supralocais sobre o discurso
das crianças polonesas; já as questões (2) e (3), segundo eles, podem ser respondidas com uma
explicação que envolve a aprendizagem imperfeita e a instabilidade da variável “estável” (ing).
E, dentre as possibilidades de explicação apontadas pelos autores, estão algumas apontadas no
estudo de Wolfram et. al. (2004), tais como as escolhas individuais e a exposição aos padrões
dos professores. Além dessa exposição, as possibilidades incluem exposição anterior a um
padrão do inglês na Polônia, exposição a outras variedades do inglês na comunidade em geral
e exposição midiática após a migração.
A aprendizagem imperfeita e as atitudes dos falantes em relação ao dialeto local também
foram mencionadas. Wolfram et. al. (2004) justificam, e isto é válido para os dois estudos, que
o estágio aquisitivo dos falantes é dinâmico; só o tempo dirá, segundo eles, se os adolescentes
vão alterar os quadros aqui apresentados, pois, da mesma maneira que uns podem evoluir
quanto ao uso das variantes, outros podem estagnar. A importância desses estudos está na
possibilidade de examinar empiricamente os estágios iniciais desse processo dinâmico que é a
aquisição de uma segunda língua.
47
4. A RELAÇÃO VERBO-SUJEITO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO E NA LÍNGUA
GUARANI
Este capítulo tem como objetivo apresentar os principais dados sobre a gramática do
português brasileiro, relativos aos condicionamentos linguísticos e sociais da realização
variável de formas verbais de 3ª pessoa do plural a partir dos resultados obtidos em diferentes
pesquisas sociolinguísticas. Inicialmente, discorreremos sobre a concordância verbal, para,
então, apresentar uma revisão dos estudos linguísticos que analisam como esse fenômeno se
realiza nas mais diversas comunidades de fala, e encerraremos o capítulo com uma descrição
da relação verbo-sujeito na língua Guarani – L1 de nossos informantes.
4.1 A concordância verbal variável no Português Brasileiro
A concordância verbal, definida como um fenômeno sintático no qual o sujeito pode
exercer pressão de alteração formal de pessoa e número sobre os verbos que lhe são
correspondentes (DUBOIS et al, 2004), tem sido um vasto campo de investigação que suscita
diversas questões, uma vez que ela é sistematicamente variável. Nesse entendimento, tanto a
presença como a ausência das marcas de concordância são condicionadas por fatores
linguísticos e sociais de natureza diversa, tais como: saliência fônica, paralelismo formal,
posição e caracterização semântica do sujeito, sexo, escolaridade etc. Trata-se de um fenômeno
que possui uma relação estreita com as características linguísticas e socioculturais dos falantes.
(SCHERRE; NARO, 1998)
Em vista disso, no Brasil, vários linguistas vêm desenvolvendo trabalhos voltados para
a variabilidade da concordância verbal, destacando sua importância também nos estudos de
contato linguístico que discutem a formação da variedade brasileira da língua portuguesa.
Dentre eles, temos a abordagem de Guy (1981), que defende a hipótese de que o contato de
línguas africanas com o português europeu, cujos verbos são marcados em número e pessoa,
deu origem a um pidgin que, tendo-se expandido, tornou-se uma língua crioula. No
posicionamento de Guy (1981), à medida que os falantes foram incorporando as marcas de
concordância nos verbos, a língua passou por um processo de mudança em direção à
descrioulização, que teve início com a aquisição das formas marcadas em contextos em que
elas fossem mais salientes (LUCCHESI, 1998).
48
Baxter e Lucchesi (1997) assumem posicionamento semelhante ao de Guy. Na visão
desses pesquisadores, na formação do português brasileiro, o contato entre portugueses e negros
escravizados deu origem a um semicrioulo. Nessa abordagem, o modelo do processo de
aquisição “teria sido de fato uma língua segunda (L2) que não passava de uma versão defectiva
da língua de superstrato, ou seja, uma L2 adquirida unicamente através de um contato precário”
(BAXTER; LUCCHESI, 1997, p. 71-72). Em outras palavras, esses pesquisadores defendem
que o português brasileiro é decorrente de uma transmissão linguística irregular ocorrida à
época da colonização.
Diferentemente das hipóteses supracitadas, dada a existência de línguas gerais que já
satisfaziam a necessidade de comunicação entre europeus, índios e negros, Naro e Scherre
(2000; 2007) defendem a tese de que as características do português brasileiro, tais como a
variabilidade da concordância, derivam da língua portuguesa europeia. Nessa abordagem, os
pesquisadores se valem de exemplos de ausência de concordância em textos arcaicos do
português europeu e consideram que nenhuma estrutura nova foi criada por meio de transmissão
linguística irregular. O que ocorreu, segundo o posicionamento desses estudiosos, foi um
aumento na frequência de algumas estruturas variantes que já existiam nas variedades menos
prestigiadas do português europeu (NARO; SCHERRE, 2000).
Divergências teóricas à parte, as três hipóteses supracitadas consideram o papel da
aquisição do português como segunda língua em contexto de contato linguístico na formação
do português do Brasil (SCHERRE, 2006); além disso, é consenso entre os teóricos que a
variação na concordância de número é uma das características do português brasileiro que o
distinguem do português europeu.
Lucchesi, Baxter e Silva (2009) afirmam que a concordância verbo-sujeito é o aspecto
da nossa gramática que exibe “os mais amplos processos de variação” (p. 331). Segundo os
autores, na descrição do paradigma da concordância verbal no português brasileiro, a norma
culta se distingue da norma gramatical13 que possui uma forma diferenciada morficamente para
cada pessoa do discurso. Nela, o padrão é reduzido a quatro formas, como mostra o seguinte
quadro:
13 Entendemos por “norma gramatical” aquela vinculada a uma língua modelo que só existe nos volumes da
gramática normativa. Já a “norma culta” diz respeito à variedade da língua que mais se aproxima de sua modalidade
escrita; sendo, dentre as demais variedades, a mais prestigiada. (FARACO, 2008)
49
Quadro 01 – Realização da concordância na norma gramatical vs. norma culta brasileira.14
NORMA PADRÃO NORMA CULTA BRASILEIRA
Eu trabalho Eu trabalho
Tu trabalhas Você trabalha
Ele/ela trabalha Ele/ela trabalha
Nós trabalhamos Nós trabalhamos
Vós trabalhais Vocês trabalham
Eles/elas trabalham Eles/elas trabalham
Fonte: LUCCHESI; BAXTER; SILVA, 2009, p. 331.
Naro (1981) observa que a construção “sujeito no plural mais verbo no singular” é muito
comum no português popular do Brasil, principalmente nas formas que indicam a 3ª pessoa;
Lucchesi, Baxter e Silva (2009) atestam que isso se dá, sobretudo, devido à posição do sujeito
e à morfologia de marcação de plural do verbo. Nessa perspectiva, os linguistas afirmam que
temos variação, principalmente, nas pessoas do plural, sendo o morfema -m, que indica número,
aquele que sofre um processo maior de variação. É o que mostram os exemplos abaixo retirados
de Scherre e Naro (2007, p. 108):
Concordância verbo/sujeito
... Cumé que eles VIVEM lá fora?... (variante explícita)
... Eles VIVEØ dizeno isso... (variante zero)
... Eles nunca QUEREM, sabe... (variante explícita)
... Esses cara hoje só QUÉØ curtí mesmo, né... (variante zero)
Diante do exposto, nesta revisão bibliográfica, considerando que os estudos
variacionistas sobre a concordância verbal no português brasileiro ocorrem há mais de 50 anos
no Brasil, optamos por traçar um panorama das pesquisas da área distribuindo-as em três seções,
a saber: a variação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no PB-L1 em centros
urbanos; a variação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no PB-L1 em
14 Duarte (1995) mostra que o paradigma flexional do PB é reduzido a 3 formas devido, primeiramente, à
substituição da 2ª pessoa pelo pronome você e, posteriormente, pela substituição da 1ª pessoa do plural (nós) por
a gente. Assim, teríamos o seguinte paradigma: eu trabalho, você/ele(a)/a gente trabalha, vocês/eles(as) trabalham.
50
comunidades não-urbanas; e a variação da concordância verbal de número no português de
contato dos povos indígenas.
A escolha dos trabalhos com falantes nativos do português não se deu de maneira
aleatória; eles foram selecionados de acordo com três critérios: 1) representatividade no escopo
das pesquisas linguísticas sobre concordância verbal número-pessoal; 2) proximidade territorial
com a comunidade pesquisada neste trabalho e 3) conjunto de variáveis de análise muito
próximas, quando não iguais, daquelas aqui analisadas. A exceção fica para o trabalho de
Almeida (2006), cujo estudo dialoga com as pesquisas em comunidades quilombolas do
nordeste brasileiro, como veremos no tópico 4.1.2 deste capítulo.
4.1.1 A variação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no PB-L1 em centros
urbanos
Os estudos sistemáticos sobre o fenômeno da concordância verbal tiveram início com
dois trabalhos: Naro e Lemle (1976) e Lemle e Naro (1977), mas o registro da concordância
variável é bem anterior. O primeiro (1976) foi realizado pelos linguistas com apenas três
informantes do Rio de Janeiro; e o segundo, com maior representatividade, fez parte do “Projeto
de Pesquisa Competências Básicas do Português” e foi realizado no ano seguinte, em 1977,
com 20 informantes semiescolarizados integrantes do Movimento Brasileiro de Alfabetização
(MOBRAL) – nove homens e onze mulheres entre 17 e 50 anos de idade.
Os pesquisadores tinham como objetivo identificar os pontos discrepantes entre o
vernáculo desses informantes e a língua escrita de textos jornalísticos e literários, e se valeram
dos pressupostos teórico-metodológicos da Sociolinguística Variacionista. Nessa análise,
quatro variáveis foram controladas – uma estilística e três estruturais, a saber: posição do
sujeito, definição/indefinição do sujeito e saliência fônica.
Dos resultados obtidos nessa pesquisa, dois se destacaram: 1) a ausência da marca de
concordância tende a ocorrer nas formas verbais menos salientes/perceptíveis para o falante-
ouvinte, como nos pares cantaØ/cantam ~ viveØ/vivem; e 2) ainda que a concordância verbal
seja categórica nas classes mais altas, na classe baixa ela estaria evoluindo em direção a um
sistema sem marcas. Dentre as principais contribuições desse trabalho, está a introdução do
conceito de saliência fônica nos estudos sociolinguísticos brasileiros.
Naro (1981) fez uma reanálise da variação da concordância verbal utilizando os mesmos
dados do MOBRAL do Projeto de Pesquisa supracitado. Nesse estudo, o autor, ainda se valendo
51
da Teoria da Variação e da Mudança, chegou à conclusão de que a difusão de um sistema sem
as marcas explícitas de concordância se daria de acordo com o princípio da saliência fônica.
Assim, considerando os critérios de acentuação e distinção de material fônico, Naro propôs uma
escala para análise da saliência diferente das que vinha desenvolvendo em parceria com Lemle
nos trabalhos de 1976 e 1977. Essa escala, que seria largamente utilizada em trabalhos
posteriores, foi motivo de um intenso debate nos estudos linguísticos nas décadas de 1970 e
1980.
A escala, então, foi assim estabelecida: com base nos critérios tonicidade da desinência
e quantidade de material fônico que diferencia as formas singular e plural, Naro (1981)
constituiu dois níveis de saliência a que denominou “oposição não acentuada”, que compreende
o nível 1, e “oposição acentuada”, que compreende o nível 2. Dentro de cada um desses níveis,
por sua vez, foram distinguidas três categorias relacionadas ao segundo critério, resultando em
uma escala ascendente de seis categorias. Assim, quanto mais alto o nível na hierarquia da
saliência, mais a realização das marcas de concordância no verbo é favorecida (NARO, 1981).
No primeiro nível, de oposição menos acentuada, as desinências que estabelecem a
distinção singular/plural são átonas em ambas as formas. Nesse nível, a categoria menos
saliente da escala compreende os verbos que não envolvem mudança na qualidade da vogal na
forma plural (vive/vivem) e é seguida por verbos em que há mudança na qualidade da vogal na
forma plural (canta/cantam), e verbos que, na distinção singular/plural, apresentam acréscimo
de segmentos (diz/dizem) respectivamente.
No segundo nível, de oposição acentuada, mais alto em relação ao primeiro, as
desinências que estabelecem a oposição singular /plural são tônicas em pelo menos um membro.
Esse nível é dividido nas seguintes categorias, sendo a última a mais saliente/perceptível ao
falante-ouvinte: envolve apenas mudança na qualidade da vogal na forma plural (está/estão);
envolve acréscimo de segmentos sem mudanças vocálicas na forma plural15 (correu/correram);
envolve acréscimo de segmentos e mudanças diversas na forma plural: mudanças vocálicas na
desinência, mudanças na raiz e até mudanças completas (é/são – veio/vieram). (NARO, 1981;
SCHERRE; NARO, 1997)
Da década de 1990, destacamos três pesquisas também realizadas com informantes do
Rio de Janeiro dada a importância das variáveis analisadas e sua representatividade nesse
campo de estudo : “Duas dimensões do paralelismo formal na concordância verbal no português
popular do Brasil” (SCHERRE; NARO, 1993), “A concordância de número no português do
15 Inclui o par foi/foram que perde a semivogal.
52
Brasil: um caso típico de variação inerente” (SCHERRE; NARO, 1997) e “Restrições sintáticas
e semânticas no controle da concordância verbal em Português” (SCHERRE; NARO, 1998).
Desses estudos, principalmente, é que advêm os grupos de fatores utilizados em nossas análises
de PB-L1 e PB-L2, conforme consta em nossa metodologia.
Scherre e Naro (1993) se propuseram a investigar a variação da concordância verbal de
acordo com a variável paralelismo formal em dois níveis: clausal/oracional (marcas no sujeito)
e discursivo (marcas no verbo). Os pesquisadores, partindo do pressuposto de que formas
gramaticais semelhantes tendem a ocorrer em sequência, objetivaram apresentar evidências do
papel central dessa tendência na variação da concordância de número no verbo. A amostra
utilizada nesse estudo era proveniente do banco de dados do PEUL16 e consistia em 64 falantes
do Rio de Janeiro estratificados em função de faixa etária, sexo e escolaridade.
Foi analisado, segundo Scherre e Naro (1997), um total de 4616 construções das quais
73% ocorreram com a presença de marcas explícitas de plural. No nível clausal, o objeto de
estudo era investigar a correlação entre a marca do sujeito e a marca existente no verbo
correspondente com a hipótese de que sujeitos marcados favoreceriam a presença de formas
verbais também marcadas e sujeitos sem as últimas marcas de plural desfavoreceriam a
realização das marcas explícitas de concordância nos verbos.
No nível discursivo, por sua vez, o foco eram as marcas nos verbos: verbos precedidos
de verbos com marca explícita de plural favoreceriam a realização das marcas nos verbos
subsequentes; e verbos não marcados desfavoreceriam. Ambas as hipóteses foram confirmadas
nessa pesquisa, configurando a tendência de que “marcas levam a marcas e zeros levam a zeros”
como um condicionamento de efeito relevante nas análises da concordância verbal em
diferentes comunidades de fala.
Scherre e Naro (1997), por sua vez, utilizando-se também dos dados extraídos do
Corpus Censo 1980 do PEUL17, investigaram a variação da concordância verbal sob três
aspectos: primeiro, focalizando as variáveis saliência fônica e posição do sujeito com dados de
todos os falantes da amostra e com dados subdivididos de acordo com a escolaridade dos
mesmos; segundo, focalizando as três variáveis sociais por eles selecionadas – sexo, idade e
escolaridade; e, terceiro, apresentando a variação da concordância na escrita padrão
16 Programa de Estudos sobre o Uso da Língua. 17 Esse banco de dados é constituído por entrevistas gravadas com 64 informantes com uma hora de duração. Esses
informantes foram estratificados de acordo com o sexo, a faixa etária (7-14 anos; 15-26; 26-49 e 49+) e a
escolaridade (1-4 anos; 5-8 e 9-11). (SCHERRE; NARO, 1997)
53
(SCHERRE; NARO, 1997). Nessa análise, os autores compararam os resultados obtidos com
os encontrados por Naro (1981) em sua pesquisa com falantes semianalfabetos do MOBRAL.
Em relação à saliência fônica, Scherre e Naro (1997) observaram que as amostras
apresentaram resultados semelhantes. Tanto nos dados do PEUL quanto nos dados do
MOBRAL, a realização explícita da concordância verbal foi favorecida nos níveis mais altos
da hierarquia; ainda que, nos dados de Naro (1981), evidenciassem uma maior amplitude de
variação.
Destacam-se, ainda, nesse trabalho, os resultados encontrados para as variáveis sociais.
Foram investigadas, como supracitado, as variáveis idade, sexo e escolaridade, sendo as duas
últimas as que se mostraram como mais significativas. Segundo os linguistas, os resultados
revelaram que as mulheres e os falantes com maior tempo de escolarização eram os fatores que
mais apresentavam realização da marca explícita de concordância. O fato de o fenômeno
analisado ser sensível às variáveis sociais revela “as pressões que os falantes sofrem pelo fato
de a variante zero ser estigmatizada pelos padrões gramaticais vigentes” (SCHERRE; NARO,
1997, p. 107).
Em Scherre e Naro (1998), os autores fizeram um desdobramento18 da análise
supracitada focalizando dois aspectos: o efeito do traço [+/-humano] do sujeito sobre a
concordância e a interação entre esse traço e o traço de número no controle da concordância em
textos escritos em português moderno e arcaico (SCHERRE; NARO, 1998). Em síntese, os
resultados revelaram que, na análise dos três corpora, o traço semântico [+/-humano] “é
significativo tanto no sentido de reter o controle da concordância quando o núcleo é [+humano]
quanto no sentido de deslocar o controle da concordância para o núcleo SPrep [+humano]
plural” (SCHERRE; NARO, 1998, p. 67).
Já em Scherre, Naro e Cardoso (2007), os linguistas analisaram o efeito causado pelo
tipo de verbo na concordância verbal confrontado pelo efeito da posição e da animacidade do
sujeito em três amostras. Inicialmente, foram analisados os dados de 64 falantes gravados na
década de 80; depois, os dados de uma informante maranhense residente em Brasília para,
então, finalizarem com dados de 16 informantes do Corpus Censo recontactados em 1999/2000.
Segundo os pesquisadores, nesse estudo, foram analisados verbos categorizados de
acordo com a visão tradicional (nocional, de ligação e auxiliar) e verbos categorizados de
acordo com outras perspectivas tradicionais e gerativistas. O papel do tipo de verbo, contudo,
18 Nesse trabalho, Scherre e Naro (1998) analisaram novamente os dados dos 64 informantes do PEUL, além de
dados de textos escritos na década de 90 por pessoas de escolarização superior e de documentos em português
arcaico escritos entre os séculos XIII e XVI.
54
não revelou, nessa análise, qualquer relevância estatística, desfazendo a expectativa inicial de
que, pelo menos, os verbos transitivos favorecessem a realização explícita da concordância já
que privilegiam a anteposição do sujeito. Apenas a posição e o traço semântico do sujeito se
mostraram relevantes na análise em questão. Em vista disso, os pesquisadores apontaram que,
independentemente do tipo de verbo, qualquer argumento ou sintagma posposto a ele tende a
diminuir a realização da variante explícita da concordância verbal. (SCHERRE; NARO;
CARDOSO, 2007)
Acrescentamos ainda, entre os estudos de comunidades urbanas, a dissertação de
Benfica (2016) selecionada, principalmente, por pesquisar a realização da concordância verbal
em Vitória, capital do Espírito Santo, localizada a cerca de 60 km do distrito de Santa Cruz,
onde se localizam as aldeias Guarani e os bairros de entorno, Santa Cruz e Coqueiral de
Aracruz. Nesse estudo, a pesquisadora analisa a concordância verbal da primeira e da terceira
pessoa do plural do português falado por informantes da capital capixaba tendo como base os
pressupostos da Sociolinguística Variacionista. Constituem seu material de análise três
gravações de fala casual e 46 entrevistas monitoradas pertencentes à amostra PORTVIX (2001-
2003)19.
Para a terceira pessoa do plural, especificamente, nesse estudo, 78,8% de um total de
3095 dados receberam as marcas de concordância de número nos verbos. Foram selecionadas
as variáveis saliência fônica, paralelismo oracional, traço humano no sujeito, posição e
explicitude do sujeito, escolarização, faixa etária e gênero/sexo. A única variável descartada
nessa amostra foi tempo verbal.
Dentre as considerações tecidas por Benfica (2016), estão: 1) os condicionamentos
linguísticos previstos e verificados em outras comunidades de fala de PB-L1 foram replicados
na amostra de Vitória; 2) pessoas mais escolarizadas realizam mais a variante prestigiada; e 3)
a variável faixa etária, que apresentou maior incidência de concordância na fala dos mais
jovens, aponta uma mudança em direção à variante padrão. Em relação à variável sexo/gênero,
cujos resultados não apresentaram efeito relevante, Benfica (2016) considera a necessidade de
verificar as dinâmicas sociais de gênero na comunidade de fala da capital capixaba tendo em
vista as relações entre sexo/gênero com as classes e os papéis sociais. Outros trabalhos recentes
19 O Projeto Português Falado na Cidade de Vitória (PORTVIX), organizado e coordenado pela Dr.ª Lilian
Coutinho Yacovenco (UFES), é de orientação variacionista e consiste em um banco de dados formado por 46
entrevistas gravadas entre 2001 e 2003 em Vitória, no Espírito Santo. Os informantes desse projeto são naturais
da capital capixaba e foram estratificados segundo as variáveis relativas a idade, sexo e escolaridade.
(YACOVENCO et. al., 2012)
55
sobre o tema serão explorados em nossas análises, dentre eles: MONGUILHOTT, 2009;
MASCARELLO, 2010; MONTE, 2012; VIEIRA; BAZENGA, 2015.
4.1.2 A variação da concordância verbal de terceira pessoa do plural em comunidades de
PB-L1 não urbanas
As pesquisas variacionistas realizadas em comunidades de fala não urbanas têm
revelado diferenças significativas entre essas comunidades e as comunidades mais urbanizadas,
principalmente no que tange às variáveis sociais. Em vista disso, visando verificar como se
comporta a concordância verbal nessas comunidades de fala, selecionamos dois trabalhos que
têm se mostrado relevantes nas análises desse fenômeno. São eles: Vieira (1997) e Silva (2003)
– estudo retomado em Lucchesi, Baxter e Silva (2009). A esse grupo adicionamos a pesquisa
de Almeida (2006), cujos resultados, que vão em direção oposta ao esperado para comunidades
não-urbanas, dialogam com os demais estudos aqui apresentados.
Vieira (1997), partindo da assertiva de que a concordância verbal no português brasileiro
constitui um traço de diferenciação social de cunho estigmatizante (p. 115), investiga a ausência
de concordância nos verbos de terceira pessoa do plural em doze comunidades pesqueiras
localizadas no norte fluminense20 com dados de 72 entrevistas do Arquivo Sonoro do Projeto
APERJ – Atlas Etnolinguístico dos Pescadores do Estado do Rio de Janeiro. A amostra utilizada
neste trabalho se configura da seguinte forma: foram selecionados seis informantes masculinos
de cada localidade distribuídos em três faixas etárias que compreendem o intervalo de 18 a 70
anos; todos os informantes são analfabetos ou semiescolarizados e naturais, assim como seus
pais, das comunidades pesquisadas; os informantes não têm histórico de viagens longas ou de
terem residido por mais de 3 anos em outras regiões.
A pesquisadora optou por verificar – como valor de aplicação – a variante zero da
variável investigada. Dentre as 2252 ocorrências de SV na terceira pessoa do plural, o input de
verbos não marcados foi de .70, evidenciando o desfavorecimento da variante prestigiada nessa
comunidade de fala. Das variáveis linguísticas analisadas por Vieira (1997), quatro se
mostraram relevantes: saliência fônica, paralelismo clausal, paralelismo discursivo e posição
do sujeito em relação ao verbo. Todas elas replicaram os condicionamentos já apresentados em
comunidades urbanas, como nos trabalhos de Scherre e Naro (1991; 1992; 1993).
20 Atafona, Barra de Itabapoana, Cambuci, Farol de São Tomé, Gargaú, Guaxindiba, Itaocara, Itaperuna, Ponta
Grossa dos Fidalgos, São Benedito, São Fidélis e São João da Barra. (VIEIRA, 1997)
56
Dentre as variáveis sociais, destacaram-se a localidade dos informantes e a faixa etária,
que apresentou uma tendência à não realização explícita da concordância verbal à medida que
a idade dos informantes aumentava. Tendo em vista os resultados encontrados, Vieira (1997)
propõe uma abordagem de ensino que considere os condicionamentos linguísticos
favorecedores da realização das marcas de plural nos verbos de terceira pessoa. Nessa proposta,
deve-se priorizar, por meio de exercícios de fixação, as construções cujos condicionamentos
levam ao cancelamento da marca.
Resultado semelhante foi encontrado por Silva (2003) em comunidades quilombolas do
interior do Estado da Bahia. Desse estudo, que será descrito juntamente com o de Almeida
(2006), destacamos, principalmente, o resultado para a variável sexo, que vai contra a tendência
observada nos estudos sociolinguísticos de que as mulheres privilegiam as formas socialmente
prestigiadas. Nessa amostra, os homens são os primeiros a incorporarem o uso das variantes
padrão, sendo eles os que lideram o processo de mudança. A explicação está no fato de eles
terem maior contato com o mundo exterior. “Enquanto as mulheres se circunscrevem ao
universo doméstico, dividindo com o seu companheiro apenas o trabalho da roça, os homens
são em geral os responsáveis pela comercialização dos pequenos excedentes (...) na feira da
cidade” (LUCCHESI; BAXTER; SILVA, 2009, p. 344); são eles também que se deslocam para
os grandes centros urbanos em busca de trabalhos temporários.
Almeida (2006) também buscou analisar o fenômeno da concordância nas três pessoas
do plural em uma comunidade quilombola – São Miguel dos Pretos, localizada em Restinga
Seca, no Rio Grande do Sul. Sua amostra foi constituída por 24 informantes dos dois sexos com
idades que variam entre 15 e 90 anos. Dentre as variáveis sociais controladas pela pesquisadora,
temos a idade, o sexo e o informante. Já nas variáveis estruturais, foram analisadas a
presença/ausência de DNP4 (1ª pessoa do plural), DNP5 (2ª pessoa do plural) e DNP6 (3ª
pessoa do plural) sendo esta última o objeto de interesse do nosso trabalho.
Todas as desinências, nesse estudo, foram controladas de acordo com as seguintes
variáveis linguísticas: referência, posição e tipo do sujeito; saliência fônica; conjugação verbal
e tempo verbal. A respeito da 3ª pessoa do plural, os resultados obtidos foram comparados aos
encontrados nas três comunidades quilombolas da Bahia – Helvecia, Rio das Contas e Cinzento
– analisadas por Silva (2003), sob a hipótese de que ambos os estudos apresentassem valores
similares, uma vez que as quatro comunidades são de remanescentes de escravos.
Dentre as constatações feitas pela pesquisadora, está a de que os falantes de São Miguel
dos Pretos estão incorporando as marcas explícitas da concordância verbal na terceira pessoa
do plural, já que os resultados indicaram uma relação decrescente entre a idade e o emprego da
57
concordância padrão – enquanto os mais jovens favoreceram a realização explícita da
concordância (.64), os mais velhos a desfavoreceram (.38). Além disso, segundo Almeida
(2006), foi constatado que, em 80% das ocorrências, houve o emprego da DNP6;
diferentemente do que ocorreu nas comunidades comparadas.
No estudo realizado com as três comunidades da Bahia, de Silva (2003), Rio das
Contas21, Helvecia e Cinzento apresentaram respectivamente 24%, 16% e 13% de dados com a
concordância padrão. Almeida (2006) creditou essa diferença às situações históricas e de
contato das referidas comunidades. Nas palavras da autora, ao contrário do que ocorre com as
comunidades baianas, marcadas por uma história de subjugação, isolamento e abandono, São
Miguel dos Pretos, à época de sua formação, contou com a ajuda de um importante fazendeiro
da região e, além disso, vive uma situação de contato constante com as fazendas vizinhas e com
a zona urbana de Restinga Seca. Lucchesi, Baxter e Silva (2009), retomando os resultados de
Silva (2003), também defendem a ideia de que as comunidades caminham em direção à
aquisição das marcas explícitas da concordância verbal, ainda que essas porcentagens tenham
sido menores em relação ao que foi encontrado por Almeida (2006).
Cabe destacar que, dentre as contribuições de Lucchesi, Baxter e Silva (2009), está a
proposta de um continuum, cujos polos são a norma urbana culta e as comunidades rurais afro-
brasileiras. Conforme supracitado, as diversas pesquisas sobre a realização da concordância
verbal na 3ª pessoa do plural atestam que o processo de variação atinge tanto a norma culta
quanto a norma popular do português brasileiro; muitas vezes, com uma grande diferença entre
essas duas normas no que diz respeito à frequência de uso dos morfemas de número. Para
Lucchesi, Baxter e Silva (2009), isso constitui uma importante evidência empírica de como as
variedades do PB foram afetadas pelo contato linguístico. Segundo os pesquisadores,
as variedades populares que têm a sua formação mais fortemente marcada pelo contato
entre línguas são aquelas que apresentam as menores frequências de uso do morfema
de número, ao passo que as variedades urbanas culta e semiculta, que só indiretamente
foram afetadas pelo contato em sua formação histórica, são aquelas que apresentam
os maiores índices de aplicação da regra de concordância. (p. 333-334)
Os estudiosos chegaram à essa conclusão com base nos índices gerais de aplicação da
concordância verbal de 3ª pessoa do plural de trabalhos de cinco diferentes variedades do PB-
L1: a dissertação de Silva (2003), nas comunidades afro-brasileiras do interior da Bahia; a
pesquisa de Vieira (1997), com pescadores analfabetos ou pouco escolarizados, residentes no
21 Rio das Contas, na verdade, é o município onde estão localizadas as comunidades geminadas de Barra e Bananal
também conhecidas como Arraiais de Rio das Contas. Disponível em: http://www.vertentes.ufba.br/1a-etapa/geral.
58
norte do Estado do Rio de Janeiro; o nível de aplicação na fala de analfabetos da cidade do Rio
de Janeiro, analisada por Naro (1981); as pesquisas de Scherre e Naro (1997) e de Monguilhott
e Coelho (2002), com falantes escolarizados das cidades do Rio de Janeiro e de Florianópolis
respectivamente; e, por último, a pesquisa de Graciosa (1991), com falantes de norma urbana
culta também do Rio de Janeiro. Essas pesquisas apresentaram índices de 16%, 38%, 48%,
73%, 79% e 94% respectivamente, evidenciando, segundo os autores, a existência de dois
extremos, conforme mostra o quadro abaixo:
Quadro 02 – Continuum de realização da concordância verbal de 3ª pessoa do plural conforme
os traços rural/urbano e os graus de escolaridade em variedades do PB.
[+ marcas] [- marcas]
RJ RJ - SC RJ RJ BA
Urbano Urbano Urbano Rural Rural
Altamente
escolarizado
Moderadamente
escolarizado Analfabeto
Analfabeto/ pouco
escolarizado
Comunidades afro-
brasileiras
94% 73-79% 48% 38% 16%
Fonte: Adaptado de Vieira e Bazenga (2015, p. 61).
Enquanto, nas comunidades quilombolas, o nível de variação é muito elevado, nas
comunidades de falantes mais escolarizados, o uso da regra, segundo os pesquisadores, é quase
categórico – o que constitui uma prova clara da polarização sociolinguística do Brasil cujos
extremos perpassam o grau de urbanidade das comunidades pesquisadas (LUCCHESI;
BAXTER; SILVA, 2009). Os estudiosos também destacam, como já vimos, a evidência de que
o grau de variação linguística desse fenômeno está diretamente ligado ao contato linguístico.
Segundo eles, o contato de línguas predominou no interior do país – daí os índices de presença
de concordância serem menores em comunidades rurais e, dentre essas comunidades, serem
menores em comunidades afro-brasileiras originalmente ligadas ao contato do português com
línguas africanas.
Em nossa análise de PB-L1, retomaremos o continuum tal como elaborado por Lucchesi
(2015). O pesquisador, tendo em vista os traços urbano/rural e os graus de escolarização dos
59
informantes de oito22 pesquisas sobre a variação da concordância verbal na 3ª pessoa de plural,
reelaborou o referido continuum mantendo um intervalo de 15 pontos percentuais entre uma
norma sociolinguística e outra, conforme mostra o quadro abaixo:
Quadro 03 – Frequência geral de aplicação da regra de CV nas normas sociolinguísticas
brasileiras.
Norma Sociolinguística Frequência geral de aplicação da regra
Norma urbana culta 95%
Norma urbana média 80%
Norma urbana média baixa 65%
Norma popular urbana 50%
Norma popular rurbana23 35%
Norma popular rural 20%
Fonte: LUCCHESI, 2015, p. 253.
4.1.3 A variação da concordância verbal de número no português de contato dos povos
indígenas
Estudos sobre a concordância verbal de 3ª pessoa do plural, tais como os supracitados,
existem de maneira bem diversificada pelo Brasil, pois esse fenômeno sintático tem ocupado
um papel central nos debates acerca da formação do português brasileiro. Pesquisas que
envolvem o contato linguístico e a aquisição de uma segunda língua no tratamento desse
fenômeno e que têm como objetos de análise línguas indígenas especificamente, contudo, ainda
são escassas, quando não inexistentes, dependendo da comunidade pretendida.
Mesmo em sites conceituados tais como o de etnolinguística, no LALLI, e os portais
das grandes universidades brasileiras, elas são difíceis de serem encontradas. Em nosso
levantamento, encontramos dezenas de trabalhos sobre o tema; mas apenas dois deles com
22 1) Graciosa (1991) representando o português urbano culto; 2) Scherre e Naro (1997) e Monguilhott (2001)
representando o português urbano médio; 3) Naro (1981) e Guy (1981) como representantes do português
popular urbano; 4) Bortoni-Ricardo (2011 [1985]) representando o português rurbano; 5) Vieira (1995)
representando o português popular rurbano; e 5) a análise realizada com 24 informantes do Recôncavo Baiano,
12 da sede do município Santo Antônio de Jesus e 12 da zona rural, como representativa do português popular
rurbano e do português popular rural. (LUCCHESI, 2015) 23 “O conceito de rurbano da Antropologia foi introduzido por Bortoni-Ricardo (2005, 2011 [1985]) na análise
sociolinguística e remete a ‘comunidades urbanas de periferia onde predomina forte influência rural na cultura e
na língua’ (2005, p. 44) ou, ainda, a ‘populações rurais com razoável integração com a cultura urbana e populações
urbanas com razoável preservação de seus antecedentes rurais’ (2005, p. 92)” (LUCCHESI, 2015, p. 270).
60
dados de português indígena – ambos com amostras retiradas de textos escritos: Ferreira Netto
(1996) e Christino e Silva (2012). Cabe ressaltar que a variedade de português de contato mais
estudada até o momento é a falada pelos índios do Xingu (EMMERICH, 1984; GOMES, 1997;
RONCARATI; MOLLICA, 1997; EMMERICH; PAIVA, 2009).
Ferreira Netto (1996) se propôs a analisar como se dá a concordância verbal em um
texto escrito por um aluno da etnia Waiãpi cuja língua de mesmo nome pertence, assim como
o Guarani, à família linguística Tupi-Guarani, do tronco Tupi. Esse material foi produzido
quando o indígena em questão se propôs a escrever um diário para o Curso de Formação de
Professores da referida etnia. Segundo o pesquisador, esse aluno possuía entre 20 e 30 anos, era
residente de uma aldeia Waiãpi no Amapá e havia sido alfabetizado por um missionário em sua
língua materna.
Ferreira Netto (1996) admite que esse corpus não serve como exemplo da variedade
Waiãpi da língua portuguesa, já que seu informante é alfabetizado e tem à sua disposição um
conjunto de conhecimentos sobre a L2, bem diverso daquele que está à disposição do seu povo.
Ainda assim, o linguista observa que “alguns traços parecem impor-se de forma bastante
recorrente no processo de aquisição da língua portuguesa” (p. 218). Os resultados obtidos
mostraram, nesse estudo, que em 43% dos casos com sujeito na terceira pessoa do plural houve
a realização da marca explícita de concordância verbal. Do total dos dados, das quatro pessoas
do discurso verificadas pelo pesquisador (1ª e 3ª pessoas do singular e do plural), 72%
apresentaram a concordância dita padrão.
Christino e Silva (2012), por sua vez, analisaram a realização da concordância verbo-
nominal na escrita em língua portuguesa de professores indígenas em formação – todos de
língua materna Kaingang pertencente à família Jê, de tronco linguístico Macro-jê. Foram
examinadas, pelas pesquisadoras, 357 avaliações realizadas em cursos do magistério do Projeto
Vãfy entre os anos de 2001 e 2008 que, em parceria com a FUNAI, envolveu professores
provenientes de dez aldeias localizadas no Rio Grande do Sul. Christino e Silva (2012)
constataram que outras estratégias de (não) marcação da concordância convivem na escrita
desses falantes.
Além de estruturas próprias do português padrão e de combinações presentes em
variedades populares do PB, foram encontradas variantes sem paralelo com aquelas faladas por
falantes nativos da L2 em questão. Na relação verbo-sujeito, exclusivamente, as linguistas
obtiveram os seguintes resultados: (1) a estrutura “sujeito no plural + verbo no singular”, que
corresponde à concordância verbal não padrão, foi encontrada em avaliações de 47,1% dos
professores; e, (2) 17,3% de professores construíram sentenças com “sujeito no singular + verbo
61
no plural” – uma estrutura incomum para falantes nativos do português – ambos os grupos
exemplificados24 abaixo:
(1)
a. “Mas as aulas me fez relembrar as coisas já esquecidas.”
b. “No português os acentos dá o sentido da palavra conforme a colocação nas sílabas.”
c. “as línguas mudam por que eles migram e tras novas línguas.”
d. “os índios kaingáng corta o umbigo dela.”
(2)
a. “Estavam muito bom a aula do professor.”
b. “A metodologia do ensino de inglês foram boas.”
c. “A língua podem mudar em vários sentidos.”
d. “O conteúdo falem sobre as palavras.”
e. “e também como morrem alguém.”
Lançando mão desses resultados, Christino e Silva (2012) examinaram, à luz da
gramática Kaingang, a primeira estrutura; e verificaram, de acordo com D’Angelis (2004), que
não existe concordância verbal de número na referida língua. De acordo com as autoras, “a
variação da forma verbal encontra-se encarregada de veicular a ‘noção semântica de ação
múltipla (repetida ou recorrente) versus ação única’ (D’ ANGELIS, 2004, p. 71)” (p. 426). Essa
ação múltipla, segundo as pesquisadoras, é indicada em boa parte dos verbos em Kaingang pela
reduplicação do lexema verbal. Em vista disso, Christino e Silva (2012) consideraram plausível
a suposição de que ambas as estruturas – a forma de expressar ação múltipla em L1 e a
construção “sujeito no singular + verbo no plural” em L2 – estejam vinculadas. De
investigações dessa natureza é que advém, então, a importância do nosso próximo tópico.
4.2 A relação verbo-sujeito no Guarani Mbyá
A língua Guarani pertence à família linguística Tupi-Guarani do tronco Tupi e pode ser
encontrada em três variedades modernas, a saber: o Nhandeva ou Chiripá/Txiripa/Xiripá; o Ava
24 Todos os exemplos apresentados em (1) e (2) foram retirados de Christino e Silva (2012, p. 425-426).
62
Guarani ou Kaiowá; e o Mbyá ou Tambeopé, como denominam os Guarani no Espírito Santo
(CARVALHO, 2013). Atualmente, essa língua é amplamente falada em quatro países sul-
americanos: Paraguai, Bolívia, Argentina e Brasil – país com um território Guarani que se
estende basicamente por todo o litoral sul brasileiro, como mostra o Mapa 4 a seguir:
Mapa 04 – Território Guarani.
Mapa 4: Território Guarani (LADEIRA; MATTA, 2004, p. 07)
Ao lado do Português e do Espanhol, o Guarani é a língua oficial para o trabalho no
MERCOSUL e, embora o Brasil possua apenas uma língua oficializada, essa língua foi
cooficializada em Tacuru, município de Mato Grosso do Sul. No Espírito Santo, o povo Guarani
se concentra na região de Santa Cruz, em Aracruz; e pertence, essencialmente, à etnia Mbyá.
Segundo o Inventário da Língua Guarani Mbyá, organizado pelo IPOL25 (MORELLO;
25 Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística.
63
SEIFFERT, 2011), apesar da dispersão geográfica, as línguas da família Tupi-Guarani mostram
poucas diferenças entre si. Tendo sido estudadas desde à época da colonização, essas línguas
contam, atualmente, com uma boa documentação, principalmente, quando comparadas com
outras línguas indígenas. Em se tratando da variedade Mbyá, especificamente, é importante
considerar que ela é falada por cerca de 7 mil pessoas no Brasil, entre indígenas e não-indígenas,
distribuídas por 69 aldeias localizadas nas regiões Sul e Sudeste do território brasileiro.
De acordo com o Inventário (MORELLO; SEIFFERT, 2011), no que diz respeito aos
âmbitos de uso e de circulação do Mbyá, foi constatado que: 1) ela é a língua que predomina
nos lares; 2) nos espaços institucionalizados, tais como escolas e postos de saúde, embora o
bilinguismo seja significativo, a língua portuguesa é a mais usada; 3) nos espaços cotidianos e
de práticas institucionalizadas pela tradição Guarani, tais como as casas de reza, a língua
materna indígena é dominante. Essas mesmas características puderam ser verificadas em nossas
entrevistas e constituem um dado importante na compreensão da relação existente entre a língua
materna de nossos informantes e a língua alvo, o português brasileiro.
A língua Guarani, originalmente, de ordem SOV (sujeito, objeto e verbo), devido ao
longo contato com a língua portuguesa e com o espanhol, por exemplo, tem apresentado
mudança na ordem dos constituintes (MARTINS, 2003; DIETRICH, 2009; CARDOSO, 2010).
Segundo Martins (2003)26, assim como ocorre no Guarani Paraguaio analisado por Dietrich
(2009)27, existe uma tendência ao uso da ordem SVO observada em dados de Guarani Mbyá de
falantes jovens de aldeias indígenas localizadas no Brasil, como mostram os exemplos abaixo:
(1) SVO
Kuee Maria o-Ø-jogua jety
Ontem Maria 3-Rel-comprar batata
“Ontem Maria comprou batata”
26 Martins (2003) afirma que essa ordem preferencial (SOV) é característica do Guarani arcaico e que, atualmente,
a ordem preferencial é SOV e SVO, mas outras ordens de constituintes são possíveis. A pesquisadora observou a
coexistência das ordens OV nos dados de falantes mais velhos e de mulheres e VO nos dados de falantes jovens. 27 Cardoso (2010) aponta que o mesmo ocorre em outras variedades do Guarani, tais como o Nhandeva e o Kaiowá.
64
(2) SOV
Kuee Maria jety o-Ø-jogua
Ontem Maria batata 3-3Rel-comprar
“Ontem Maria comprou batata”
(MARTINS, 2003, p. 154)
Os exemplos supracitados nos permitem antever como se dá a concordância verbal na
língua Guarani. Nessa variedade, L1 de nossos informantes, a relação verbo-sujeito se dá por
meio do acréscimo de prefixos de pessoa e número no verbo (MARTINS, 2003; DOOLEY,
2013; VIEIRA, 2013). De acordo com os teóricos (MARTINS, 2003; DOOLEY, 2013;
VIEIRA, 2013), o Guarani Mbyá é um dialeto de sistema ativo/não-ativo28 no qual os
argumentos são obrigatoriamente marcados por meio de afixos de pessoa no verbo – que pode
ser morfologicamente bastante complexo. Tal assertiva é ratificada por Dooley (2013),
responsável por uma descrição detalhada do Mbyá. Segundo o pesquisador, ao contrário do
português, a flexão verbal se dá por meio de prefixos em vez de sufixos, como mostram os
exemplos retirados de Vieira (2013, p. 196-197):
(3) A-ke
1sg-dormir
‘Eu dormi’
(4) A-i-nupã
1sg-3-bater
‘Eu bati nele’
(5) Xe-porã
1sg-bonita
‘Eu sou bonita’
(6) okẽ o-pẽ
porta 3-quebrar
‘A porta quebrou’
28 Os verbos da série ativa, ao contrário daqueles encontrados na série não-ativa, são verbos que relatam processos
que envolvem a volição do sujeito (eventos, atividades etc.). (DOOLEY, 2013)
65
(7) Jagua o-mano
Cachorro 3-morrer
‘O cachorro morreu’
(8) Kyrῖgue o-ˀa
Crianças 3-cair
‘As crianças caíram’
Em sua descrição, Vieira (2013) atesta que (1) os verbos transitivos só admitem um
prefixo pessoal cuja seleção é feita com base na hierarquia de pessoa (1ª > 2ª > 3ª) e (2) os
verbos intransitivos, sejam eles ativos ou não-ativos, participam praticamente dos mesmos
processos gramaticais e que ambos engatilham concordância verbal. Nos quadros abaixo,
seguem os afixos das séries ativa e não-ativa documentados pela pesquisadora:
Quadro 04 – Afixos que expressam traços de pessoa e número dos sujeitos dos verbos
transitivos e dos intransitivos ativos (ex. nadar, rir);
SÉRIE ATIVA
1sg a-
2sg re-
3sg o-
1pl Inc. ja~nha-
1pl Exc. ro-
2pl pe-
3pl o-
Fonte: VIEIRA, 2013, p. 195.
66
Quadro 05 – Afixos que expressam traços referentes ao objeto do verbo transitivo e ao sujeito
do intransitivo não-ativo (ex. ser gordo, estar feliz)
SÉRIE NÃO-ATIVA
1sg xe-
2sg nde~ne-
3sg i-
1pl Inc. jane~nhane-
1pl Exc. ore-
2pl pende- pene-
3pl i-
Fonte: VIEIRA, 2013, p. 195.
Merece destaque, nos quadros acima, a ausência de distinção singular/plural na 3º
pessoa do discurso em ambas as séries indicando que a 3ª pessoa do plural não é marcada na
língua Guarani. Dooley (2013) acrescenta que as noções de coletivo/pluralidade só ocorrem
com nomes contáveis; em outras palavras, somente nomes contáveis podem ocorrer com verbos
no plural, numerais e advérbios de quantidade. Segundo o autor, “comumente, verbos no plural
não apresentam concordância com o sujeito gramatical apenas, mas também com participantes
que acompanham o sujeito na ação, que produz concordância semântica num sentido
cumulativo” (DOOLEY, 2013, p. 97), como mostra o exemplo abaixo:
tuu oje'oi gua'y kuery reve
‘o pai partiu (lit. ‘partiram’) com seus filhos’29
O estudo da relação verbo-sujeito em Guarani Mbyá é de fundamental importância em
nossa pesquisa, pois oportuniza um melhor entendimento da realização da concordância verbal
na terceira pessoa do plural na variedade do português falada pelos índios dessa etnia em terras
capixabas. Por meio dele, podemos compreender, por exemplo, os possíveis processos de
transferência da L1 na aquisição de L2.
29 DOOLEY, 2013, p. 97.
67
5. DELIMITAÇÃO DA PESQUISA E METODOLOGIA
Este capítulo apresenta os objetivos, as questões, as hipóteses e os aspectos
metodológicos que nortearam esta pesquisa na constituição do corpus e da análise. Para tanto,
está dividido em duas seções, a saber: 1) objetivos, questões e hipóteses de trabalho e 2)
metodologia, que inclui a constituição da amostra, que descreve a caracterização das
entrevistas; a coleta e o levantamento dos dados; a delimitação do envelope da variação
(variável dependente) e as variáveis sociais e linguísticas, como veremos adiante.
5.1. Objetivos, questões e hipóteses
Como foi apresentado na introdução, esta pesquisa tem por objetivo analisar a realização
da marca de concordância verbal na terceira pessoa do plural na variedade da língua portuguesa
falada pelos Guarani do Espírito Santo; e tem como princípios norteadores as seguintes questões
de trabalho: 1) a variação na realização da 3ª pessoa do plural no português de contato dos
Guarani reflete a variabilidade observada no PB?; 2) se sim, a aquisição de padrões de
concordância verbal em situação de L2 se dá em função dos mesmos condicionamentos
estruturais observados para os falantes do PB como L1?; ou 3) os indígenas dessa localidade
reinterpretam a variação, produzindo padrões diferentes daqueles encontrados em outras
variedades da Língua Portuguesa?; 4) há predominância de algum tipo de condicionamento
sobre os demais?; 5) há transferência do sistema de marcação da L1 dos falantes indígenas?; e
6) em que medida características socioculturais da comunidade têm efeito sobre a aquisição dos
padrões de concordância?
Cabe ressaltar que, para fins de comparação, propomo-nos a analisar a variabilidade da
concordância verbal da 3ª pessoa do plural das comunidades não-índias localizadas no entorno
das aldeias Guarani pesquisadas, uma vez que é com esta variedade do PB que os informantes
indígenas mantêm contato com maior frequência. Esse estudo preliminar visa responder aos
seguintes questionamentos que fornecerão importantes subsídios para a nossa análise principal:
como se caracteriza o PB como L1 dos moradores de Aracruz?; o percentual geral de
concordância observado no estudo sobre o PB-L2 dos falantes indígenas reflete o
comportamento dos falantes do PB-L1 ou pode ser atribuído à situação de aquisição de L2?; os
condicionamentos da variação são os mesmos observados para outras variedades do PB?
68
Trabalhamos com a hipótese de que a comunidade Guarani está adquirindo as marcas
explícitas de concordância verbal na 3ª pessoa do plural devido à proximidade com a
comunidade não-índia. Em vista disso, nossas hipóteses linguísticas são: 1) os Guarani, falantes
de PB-L2 de grau baixo de contato, transferem padrões da sua língua materna para a língua alvo
e 2) os falantes Guarani replicam os mesmos condicionamentos encontrados para falantes de
PB-L1. Esses condicionamentos estão diretamente relacionados com a organização da
gramática do Português Brasileiro no que diz respeito à dinâmica variável da realização de
formas verbais de 3ª pessoa do plural tanto no que diz respeito à atuação de variáveis
linguísticas quanto não linguísticas. Eles serão apresentados na seção 5.2 a seguir juntamente
com as hipóteses extralinguísticas, a partir da descrição de cada variável.
5.2 Metodologia
5.2.1 A constituição e a organização da amostra: da caracterização das entrevistas à
análise dos dados
A amostra indígena utilizada em nossa análise consiste em um conjunto de 1070 dados
coletados de 16 entrevistas realizadas em três aldeias Guarani localizadas no Espírito Santo. A
coleta, previamente autorizada pelos caciques responsáveis pelas aldeias, foi realizada entre os
anos de 2012 e 2016. Já a amostra dos falantes nativos do PB-L1 das comunidades aracruzenses
contém 926 dados de fala de 8 informantes. Esses dados foram coletados em 2017 nas
comunidades de Santa Cruz e Coqueiral de Aracruz, conforme veremos adiante.
As entrevistas foram realizadas in loco, gravadas em áudio por meio de gravadores,
tanto digitais quanto aplicativos de celulares e, sempre que possível, filmadas por câmeras
fotográficas. Dentre as recomendações labovianas, procuramos seguir aquelas que tencionavam
minimizar o efeito negativo causado pela presença de um pesquisador nessas comunidades para
que evitássemos que os falantes monitorassem demasiadamente a própria fala. Assim, não me
apresentei como linguista ou vinculada a alguma Universidade e evitei explicações sobre o
trabalho que estava sendo realizado. Preferi me apresentar como professora do ensino básico
interessada em aprender mais sobre a história, a língua e a cultura da comunidade Guarani
presente no município de Aracruz.
Cabe lembrar que, durante as entrevistas, fui acompanhada por pessoas ligadas a mim e
estranhas à pesquisa e que não tinham quaisquer relações com as pessoas das aldeias ou dos
69
bairros citados. Tal decisão foi tomada não só para facilitar meu acesso às aldeias, que se
localizam a cerca de 140 km do município onde moro, mas também para que eles me
auxiliassem nas entrevistas seja no manuseio dos equipamentos, seja na participação das
mesmas no intuito de dar a elas o caráter de conversas informais. As entrevistas foram, assim,
conduzidas de maneira descontraída e natural de forma a incentivar a fala fluente dos
informantes.
Para os falantes do PB-L2, foi planejado um roteiro com 75 perguntas abertas que
versavam, dentre outras coisas, sobre a vida familiar, a rotina na aldeia e a cultura Guarani, para
que servisse de auxílio nas situações em que os informantes respondessem às nossas perguntas
com gestos e/ou monossílabos. E, para os falantes do PB-L1, planejamos um roteiro aberto com
49 questões que envolviam desde aspectos socioculturais de Santa Cruz e Coqueiral de Aracruz
a temas relacionados à convivência diária desses moradores com as comunidades indígenas
presentes naquela cidade. A organização de ambos os corpora previa que as entrevistas
durassem em média 60 minutos. O perfil de ambas as amostras será apresentado no item 5.2.2.3.
5.2.2 As variáveis
Esta seção tem como objetivo descrever as variáveis ligadas à realização variável da
marca explícita da concordância verbal na terceira pessoa do plural. Para tanto, ela foi
subdividida em três partes que contemplam a delimitação do envelope da variação, as variáveis
sociais e, por último, as variáveis estruturais analisadas neste trabalho.
5.2.2.1 O envelope da variação
A variável linguística focalizada no presente estudo, como vimos, é um fenômeno que
se realiza por meio de duas variantes semanticamente equivalentes: a presença ou não da marca
explícita de concordância número-pessoal no verbo. Em nossa análise, selecionamos para as
rodadas, no programa estatístico Goldvarb X (SANKOFF; TAGLIAMONTE; SMITH, 2005),
o valor de aplicação da realização da marca de concordância nos verbos de 3ª pessoa do plural.
Os excertos abaixo são exemplos30 de ambas as variantes, retirados do nosso banco de dados:
30 Todos os exemplos arrolados neste capítulo foram retirados de nosso corpus Guarani.
70
Concordância verbo/sujeito
• Inf. M2/PB-L2: (...) os mais velhos FALAM que os guarani surgiram na Amazônia
(variante explícita)
• Inf. M2/PB-L2: (...) os padres FALAVA que era pecado andar nu (variante zero)
• Inf. M5/PB-L2: (...) sempre tem pessoas que ENTENDEM mal né... falando as
coisas que não tem nada a ver com a cultura (variante explícita)
• Inf. M1/PB-L2: (...) eis ENTENDE um pouco mas não entende todos (variante
zero)
Tendo em vista, como já observamos, que a concordância verbal do PB é
sistematicamente variável e que esse fenômeno tem uma relação muito próxima com o âmbito
sociocultural, já que sua aplicação é condicionada por fatores sociais e de registro, é que
selecionamos variáveis linguísticas e sociais de natureza diversa para analisar como a marcação
de 3ª pessoa do plural se realiza no português falado pelos Guarani do Espírito Santo (NARO,
1981; SCHERRE, 1998; SCHERRE; NARO, 1993, 1997, 1998; VIEIRA, 1997, 2015; SILVA,
2005; SCHERRE; NARO; CARDOSO, 2007; BAXTER, 2009; LUCCHESI; BAXTER;
SILVA, 2009; MONGUILHOTT, 2009; MASCARELLO, 2010; MONTE, 2012; BENFICA,
2016). São elas: saliência fônica; tempo verbal; paralelismo nos níveis discursivo e oracional;
posição, realização e caracterização semântica do sujeito (animacidade e contável vs. não-
contável); escolaridade; sexo; idade e grau de contato, como veremos nos tópicos seguintes.
Cabe ressaltar que, como ocorre em outros estudos sobre a concordância verbal, nem todos os
dados encontrados em contextos de 3ª pessoa do plural serão analisados. Isso ocorre devido,
dentre outras coisas, à homofonia das formas que distinguem singular/plural – como em
tem/têm – e à impessoalidade do sujeito. Foram, então, descartados de nossas amostras:
1) Os verbos flexionados no infinitivo pessoal;
• Inf. F1/PB-L1: (...) pra eles SOBREVIVEREM, né?
• Inf. M2/PB-L2: (...) pra eles ENTENDEREM né que eu tô falando a merma língua
deles, entendeu?
2) Ocorrências de verbos impessoais;
71
• Inf. F1/PB-L1: (...) porque antes TINHA as escola na aldeia.
• Inf. M3/PB-L2: (...) andaro quase trinta e dois ano a pé. Ah: viero pecurar... Eu acho
que TINHA as mata, o rio, né?
3) Ocorrências do verbo TER e do verbo VIR no presente do indicativo;
• Inf. F1/PB-L1: (...) amostra né as as casa que eles TÊM lá de trabalho.
• Inf. F7/PB-L2: (...) eles VÊM muito pra casa só estuda umas três horinhas e VÊM
embora.
4) Ocorrências com sujeito formado por expressão partitiva + palavra no plural;
• Inf. F1/PB-L1: (...) geralmente, a maioria das casas deles SÃO tudo casa de lajota.
• Inf. M6/PB-L2: (...) os tupiniquim a maioria TRABALHAM fora.
5) Ocorrências com sujeito indeterminado;
• Inf. M1/PB-L1: (...) aí FALARAM que era bom tomar cipó com mel.
• Inf. M7/PB-L2: (...) MATARAM mil e quinhentos guarani, né?
6) Ocorrências com concordância semântica ou ideológica.
• Inf. M4/PB-L1: (...) a prefeitura, o pessoal de lá CHEGARAM e falaram bem assim
que eles pagariam pros indígenas saírem.
• Inf. M2/PB-L2: (...) os pessoal, assim, SÃO rivais um do outro; até mata por causa
de jogo, né?
5.2.2.2 As variáveis sociais
A seguir, discorreremos sobre os perfis dos informantes de acordo com as seguintes
variáveis sociais: sexo, faixa etária, escolaridade e grau de contato. Cabe lembrar que, com o
objetivo de situar essas variáveis em função da organização social dos grupos estudados,
72
também apresentamos uma descrição das comunidades dos Guarani no Espírito Santo e dos
falantes do PB-L1 no segundo capítulo desta pesquisa.
1) O perfil das amostras
Na pesquisa Sociolinguística Variacionista, os informantes podem ser selecionados pelo
menos de duas maneiras: método aleatório simples e método aleatório estratificado (LABOV,
1972; LABOV, 1984; PAREDES SILVA, 2010). No primeiro, é feito um sorteio dos indivíduos
que constituirão a amostra para que todos tenham a mesma probabilidade de escolha; e, no
segundo, a amostra é estratificada, ou seja, os indivíduos são escolhidos aleatoriamente e
divididos em células de acordo com as variáveis sociais selecionadas pelo pesquisador, tais
como idade, sexo, escolaridade, classe social e lugar de origem (LABOV, 1972). Para o objetivo
dessa pesquisa, interessava entrevistar informantes de acordo com o sexo, a idade e a
escolaridade para a constituição de ambas as amostras, de Guarani e da comunidade de entorno.
Adotamos, assim, o método aleatório estratificado. Cabe destacar que, após a coleta dos dados,
acrescentamos uma quarta variável à análise do PB-L2, o grau de contato, que não é
estratificadora da amostra.
As amostras de fala das comunidades aracruzenses foram construídas por meio de
entrevistas realizadas com oito informantes de PB-L1 nascidos e/ou criados no município de
Aracruz (tendo chegado à localidade até os dois anos de idade). Com apenas uma faixa etária,
de 20 a 45 anos, essa amostra foi estratificada em sexo – com quatro informantes do sexo
masculino (M) e quatro do sexo feminino (F), divididos em dois níveis de escolaridade: dois
homens e duas mulheres com até o ensino fundamental completo, e dois homens e duas
mulheres com o ensino médio em diante, como mostra o quadro abaixo:
73
Quadro 06 – Descrição da amostra de Santa Cruz e Coqueiral de Aracruz.
ESCOLARIDADE HOMEM MULHER
ENSINO FUNDAMENTAL
0 – 8 anos
02 02
ENSINO MÉDIO
9+ anos
02 02
Já na amostra Guarani, diferentemente do que aconteceu na amostra de Aracruz, os
informantes foram organizados em função das variáveis escolaridade, sexo e idade, após a
coleta dos dados. Isso ocorreu devido à dificuldade de conseguir informantes nas aldeias
pesquisadas, o que impossibilitou a seleção dos indivíduos de acordo com características
previamente definidas. Os Guarani do Espírito Santo costumam ser tímidos e avessos a
conversas longas em língua portuguesa com pessoas estranhas à comunidade.
Nas aldeias, os caciques e professores é que desempenham o papel de contar aos
visitantes sobre a história e a cultura do povo; os demais Guarani, geralmente, se limitam à
venda de artesanatos. Foram 12 visitas realizadas entre os anos de 2012 e 2016 e, mesmo tendo
sido guiados e apresentados pelos caciques, deparamo-nos mais de uma vez com a mesma
alegação: “não sabemos falar direito o português”. Além disso, por não serem aconselháveis as
visitas noturnas, uma vez que esse é o momento que os índios reservam para suas práticas
religiosas, realizamos nossas visitas durante o dia – horário em que estavam ocupados com o
trabalho, as tarefas domésticas ou com a escola. Em vista disso, entrevistamos todos os índios31
que se dispuseram a participar das entrevistas, o que implicou a existência de células vazias e a
distribuição desigual de falantes por célula, como veremos adiante.
Diante do exposto, na variável sexo, temos duas células – masculino (M) e feminino (F)
– com oito informantes em cada uma delas. A variável etária foi dividida em três faixas: faixa
1, jovens (20 – 40 anos); faixa 2, intermediários (41 – 59 anos) e faixa 3, mais velhos (+60
anos); e os entrevistados se distribuem como oito, seis e dois informantes respectivamente em
cada uma delas. Assim como a variável faixa etária, a escolaridade foi dividida em três níveis:
31 No total, foram 17 informantes; mas o contato de um deles com o espanhol configurou-se como um impedimento
para que ele fizesse parte de nossa amostra de PB-L2. Sua entrevista, contudo, além de ter sido a única
oportunidade que tivemos de conversar com um senhor Guarani com mais de 60 anos, serviu-nos para que
conhecêssemos mais sobre a história e a cultura desse povo.
74
nível 1 – até a 5ª série (6 informantes); nível 2 – da 6ª série até o fundamental completo (3
informantes) e nível 3, ensino médio em diante (7 informantes). No total, foram coletados os
dados de 16 informantes Guarani residentes nas aldeias indígenas do Espírito Santo,
identificados conforme o quadro abaixo:
Quadro 07 – Descrição da amostra Guarani.
Até a 5ª série
+6ª série e fund.
Completo
Ensino médio em
diante TOTAL
M F M F M F
20 – 40 - - 1 1 3 3 8
41 – 59 2 2 1 - 1 - 6
+60 anos - 2 - - - - 2
TOTAL 6 3 7 16
Esgotadas as possibilidades de constituição da amostra Guarani, dada a dificuldade de
encontrar indivíduos que se dispusessem a serem gravados, e conhecendo o perfil de mobilidade
dos falantes para fora da aldeia, procurou-se estabelecer uma organização dos falantes em
função do grau de contato com falantes do português como L1. Nos estudos realizados em
outras comunidades de fala indígenas, a exposição dos falantes à segunda língua tem se
configurado como um fator relevante na análise dos estágios aquisitivos em que esses
informantes se encontram (EMMERICH, 1984; PAIVA, 1997; LOUREIRO, 2005; VEIGA,
2014).
Emmerich (1984), em seu estudo pioneiro com os índios do Parque Nacional do Xingu,
no Mato Grosso, constatou que a proximidade das aldeias em relação aos núcleos de difusão do
português de contato, a frequência com que esses índios visitam esses núcleos e o número de
visitantes que recebem em suas aldeias se refletem no grau de fluência desses falantes no
português xinguano. Paiva (1997), por exemplo, investigando a variação e a aquisição do traço
de sonoridade na fala de 14 indígenas de diferentes etnias também do Alto Xingu, analisou a
frequência do contato extraparque (± contato) e Veiga (2014) associou o silenciamento da
língua materna Guarani na aldeia do Pico do Jaraguá, localizada na zona Oeste da capital de
São Paulo, às crescentes situações de contato dos índios com a comunidade de entorno.
Diante de resultados de pesquisas como essas, surgiu a necessidade de analisarmos os
nossos dados de PB-L2 de acordo com as complexas situações de contato dos Guarani com os
75
falantes da língua majoritária, o português brasileiro. Essa variável, que denominamos “grau de
contato”, foi, então, dividida em três níveis: baixo (4 informantes), moderado (5 informantes)
e alto (7 informantes), distribuídos da seguinte forma:
Quadro 08 – Informantes por sexo e grau de contato.
Baixo Moderado Alto
M - 2 6
F 4 3 1
Foram localizados no grau baixo de contato os indivíduos de baixa escolaridade que se
aventuram pouco fora das aldeias e que evitam a interação com os turistas que costumam visitar
as terras indígenas. No grau moderado, estão os falantes que trabalham e moram dentro das
aldeias, mas fizeram parte/todo o ensino médio fora delas. Já o grau alto compreende os Guarani
que, independentemente da escolaridade, estão diretamente envolvidos com o ativismo
indigenista dando palestras fora e dentro das aldeias, além daqueles envolvidos em casamentos
exogâmicos com falantes nativos de PB. Com o objetivo de tornar essa variável menos
subjetiva, essa classificação se baseou na seguinte escala formulada com base em estudos
anteriores realizados durante o mestrado no período de 2012 a 2014:
76
Quadro 09 – Escala para grau de contato.
ESCALA PARA GRAU DE CONTATO
CONDIÇÃO PONTOS
1 Sempre viveu em aldeias da comunidade étnica de que é nativo. 0
2 Não viaja. 0
3 Não frequenta grupos de falantes nativos da língua de contato. 0
4 O trabalho se circunscreve ao ambiente doméstico, à roça e/ou à fabricação de
artesanatos. 0
5 Relacionamento estável endogâmico, solteiro ou viúvo/divorciado de
relacionamentos endogâmicos. 0
6 Não possui vínculo afetivo com falantes nativos da língua de contato. 0
1 Morou por um período menor ou igual a 6 meses fora da comunidade em que
é nativo. 1
2 Viaja para outras aldeias da qual é nativo. 1
3 Frequenta grupos de falantes nativos da língua de contato esporadicamente. 1
4 O trabalho se circunscreve ao serviço público dentro da aldeia e/ou à venda
de artesanatos. 1
5
Relacionamento estável endogâmico, solteiro ou viúvo/ divorciado de
relacionamentos endogâmicos, mas com histórico de relacionamentos
exogâmicos passageiros/ocasionais.
1
6 Possui parentesco de +2º grau e/ou laços de amizade com falantes nativos da
língua de contato. 1
1 Morou por um período maior que 6 meses fora da comunidade de que é nativo. 2
2 Viaja para outras aldeias e para comunidades de falantes nativos da língua de
contato. 2
3 Frequenta grupos de falantes nativos da língua de contato com frequência. 2
4 Trabalha fora da aldeia em que vive em comunidades de falantes nativos da
língua de contato. 2
5 Relacionamento estável exogâmico ou viúvo/divorciado de relacionamento
exogâmico. 2
6 Possui parentesco de 1º grau e laços de amizade com falantes nativos da língua
de contato. 2
BAIXO 0 a 3 pontos
MODERADO 4 a 6 pontos
ALTO 7+ pontos
Em Calazans (2014), pude avaliar quais os fatores que, em uma situação de contato
linguístico, podem levar à manutenção, à substituição ou à perda de uma língua minoritária.
Dentre os fatores arrolados naquela pesquisa, estavam: os domínios em que as línguas eram
usadas; a transmissão intergeracional da L1; as atitudes linguísticas; os instrumentos midiáticos;
a escola; a religião; os casamentos interétnicos e a mobilidade social.
Com base nesses critérios, estabeleci, para a presente pesquisa, seis questões que
pudessem avaliar o grau de contato de cada um dos informantes participantes da análise: as
77
duas primeiras avaliam a mobilidade social; a terceira e a quarta controlam o que denominamos
de apoio institucional – escola, religião, instrumentos midiáticos e organizações socioculturais;
as duas últimas, por sua vez, dizem respeito às relações de afeto tanto com índios quanto com
não-índios.
Cada uma dessas questões, como mostra a escala, possui uma possibilidade de resposta
para cada um dos três graus aqui representados: baixo, médio e alto; e cada resposta possui a
sua respectiva pontuação dentro do grau de que faz parte. Assim, respostas de grau baixo de
contato não pontuam; respostas de grau moderado equivalem a 1 ponto e respostas de grau alto,
a 2 pontos. Considerando que uma escala possibilita níveis distintos de gradiência,
consideramos falantes de grau baixo de contato aqueles que obtivessem de 0 a 3 pontos; falantes
de grau moderado, aqueles que somassem de 4 a 6 pontos; e falantes de grau alto os que
apresentassem o resultado maior ou igual a 7 pontos.
Cabe lembrar que, conforme supracitado, nem todas as células foram preenchidas como
era esperado. Nossos informantes se distribuem, então, da seguinte forma:
Quadro 10 – Descrição individual dos informantes da amostra Guarani.
SEXO/ INFORMANTE IDADE ESCOLARIDADE GRAU
F1 61 anos Analfabeta Baixo
F2 70 anos 2º ano do EF Baixo
F3 22 anos 7º ano do EF Baixo
F4 24 anos 1ª série do EM Moderado
F5 43 anos 5º ano do EF Moderado
F6 20 anos 1ª série do EM Alto
F7 18 anos EM incompleto Moderado
F8 46 anos Analfabeta Baixo
M1 48 anos EF completo Alto
M2 43 anos EM completo Alto
M3 47 anos 3º ano do EF Alto
M4 21 anos EM completo Moderado
M5 22 anos EF completo Moderado
M6 39 anos ES completo Alto
M7 18 anos ES incompleto Alto
M8 53 anos 8º ano do EF Alto
78
Embora o ideal fosse que todas as células tivessem sido preenchidas de maneira
homogênea, acreditamos que nossa amostragem não só dá conta de representar a comunidade
de fala pesquisada, como também permitirá que novas pesquisas sejam realizadas por meio
dela, sejam elas linguísticas ou sociais. Assim, das variáveis sociais, elencamos as seguintes
hipóteses: 1) quanto mais alto o grau de contato, maior a probabilidade de realização das marcas
de concordância no verbo; 2) a escolaridade favorece a realização das marcas de concordância
devido a sua condição socializadora e por apresentar aos falantes as formas de uma variedade
prestigiada do português brasileiro e 3) os homens realizam mais a variante prestigiada do que
as mulheres devido aos papéis desempenhados pelos mesmos dentro da comunidade Guarani e
porque são eles que têm maior contato com o PB. Essas hipóteses estão fundamentadas em
características observadas em nossas visitas às comunidades Guarani, nas entrevistas realizadas
tanto com informantes de PB-L1 quanto de PB-L2 e na teoria (cf. CICCARONE, 1996; TEAO,
2009, 2015; MORELLO; SEIFFERT, 2011; CARVALHO, 2013; MARCILINO, 2014).
Nas aldeias Guarani em território capixaba, as principais fontes de subsistência são a
agricultura – com o cultivo de milho, mandioca, banana, batata-doce dentre outros – e a
comercialização de artesanatos o que implica o contato constante com a comunidade de entorno
e, consequentemente, mais uso da língua portuguesa. É consenso entre os informantes de nossas
amostras, contudo, que os Guarani só falam português com não-indígenas. Muitas vezes, essa
atitude é interpretada como uma forma de resistência até mesmo por falantes nativos do PB-L1,
como mostra o excerto abaixo:
(...) o que chamava a atenção mesmo é as duas filhas do cacique que estudavam. Elas
ficavam só conversando na língua indígena... Elas não gostavam de falar o português.
Aí até chega a ser uma resistência. Elas sabiam, mas não falavam... Assim, só quando
extremamente necessário. (Inf. F5/PB-L1).
Segundo o Inventário da Língua Guarani Mbyá, organizado pelo IPOL (MORELLO;
SEIFFERT, 2011), nas aldeias Guarani do Espírito Santo, 100% dos indivíduos entrevistados32
declararam falar a língua Guarani no lar – apenas dois, dos 29 informantes, declararam falar
Guarani e Português – e 100% declararam que têm intenção de transmitir a língua materna
indígena para filhos, netos e bisnetos, revelando um alto grau de valorização da língua nativa e
da identidade pelos falantes. Em nossa amostra de PB-L2, os informantes também declararam
terem aprendido a língua portuguesa apenas na escola ou durante a adolescência, conforme
32 Participaram desse Inventário 29 informantes Guarani pertencentes a 12 núcleos familiares residentes em 5
aldeias localizadas em Aracruz, Espírito Santo.
79
ilustra o excerto abaixo ratificado pelo excerto de uma informante de PB-L1 – ambos retirados
de nosso banco de dados:
Eu sou o liderança do povo desde catorze anos (...). Eu fiquei ali com os mais velho
cacique liderança... Ia pra Brasília... Quando eles discutia sobre território, eu
acompanhava, ouvia, né? Então daí eu fui aprendendo também em falar em Português
né... Aí hoje tô aqui. (...) Ante num tinha esse conhecimento do pessoal de fora, né...
(...) tinha vergonha né de falar em Português e tal, mas depois que eu acompanhei meu
tio ir pra Brasília conversar com autoridade, deputado e outros, daí eu aprendi né a
falar o português. (Inf. M8/PB-L2)
(...) eles, igual eu falei, eles entre eles, eles só conversam Guarani. Acho que eles usam
português mesmo só na escola ou quando vão na rua falar com outra pessoa. Agora,
entre eles mesmos, mantêm a língua deles. (...) Eles começam a aprender na escola a
falar mesmo no convívio com as pessoas lá, porque igual (...) as criança não vão na
escola, eles ainda falam guarani, eles não falam português certinho. Aí eles vendem
os artesanato deles, aí eles oferece, mas é bem difícil você entender ele falar alguma
coisa. É mais no Guarani mesmo que eles conversam, as criança. (Inf. F6/PB-L1)
Merece destaque, no primeiro excerto, a timidez relatada pelo informante M8 que,
conforme supracitado, foi nosso maior obstáculo na constituição da amostra de PB-L2. Nas
comunidades Guarani pesquisadas, existem basicamente dois tipos de moradia: as de alvenaria,
localizadas principalmente no centro das aldeias e próximas à rodovia; e as de pau-a-pique, que
se localizam, em sua maioria, no interior do território indígena – consideradas a melhor
alternativa para os índios que preferem viver dentro da mata e longe do barulho da rodovia. Em
nossas visitas, pudemos observar que muitos dos Guarani residentes nas casas de alvenaria
pertencem ao núcleo familiar dos caciques e desempenham o papel de interlocutores com a
sociedade envolvente. No interior das aldeias, praticamente não conseguimos informantes – à
exceção de dois idosos, todos se recusaram a nos conceder entrevistas. Essa situação também
foi relatada em nossa amostra:
Quando eu tinha quatorze ano, eu ainda não falava legal português. Eu era muito
arisco. Eu vivia mais dento da aldeia do que fora. Quando chegava gente, eu me
escondia; eu ficava atrás da minha bisavó, da minha bisavó, entendeu? Eu ficava atrás
da casa olhando, mas depois é que começou... Então né eu entrei na escola e comecei
a estudar com quinze e dezesseis anos ((risos)). (...) Tem alguns indígena Guarani que
ainda mora mais pra dentro da mata, que procura assim pra não ser incomodado, já
num fala a língua do Português; então eles mora mais um pouco retirado. Tem casas
aí que, se você chegar e percebendo que você não é indígena, eles ficam dentro de
casa e não sai pra atender nada. Alguns até tá ali conversando e tal e vê que tá vindo
alguém, eles procuram se afastar, entendeu? (Inf. M2/PB-L2)
A diferença nos papéis sociais desempenhados por homens e mulheres, por sua vez,
além de ter se evidenciado durante a constituição da amostra e, consequentemente, no número
80
de dados de falantes de cada sexo, é atestada no aporte teórico sobre as comunidades Guarani
localizadas no Espírito Santo. Segundo Teao (2015), “existem relações assimétricas de poder
entre homens e mulheres Guarani; principalmente no que tange aos costumes e à conservação
das tradições, espera-se da mulher que ela seja obediente ao marido e cuide dos afazeres
domésticos” (p. 148). A pesquisadora descreve que, nas reuniões, as mulheres ficam mais
caladas e os homens se expressam com mais frequência já que detêm o poder de decisão. Teao
(2015) afirma ainda que até, a década de 1990, era muito comum as mulheres indígenas pararem
de estudar na quarta série do ensino fundamental para assumirem afazeres domésticos advindos
do casamento.
Em se tratando da escola, Carvalho (2013), diretor Guarani da EMPI33 Três Palmeiras,
destaca que a pressão exercida pela cultura não-indígena fez com que os Guarani acabassem
aceitando esses estabelecimentos de ensino dentro das aldeias. O ensino regular ofertado pelo
governo ainda não é bem visto por alguns de nossos informantes; ainda que o ensino
fundamental seja ofertado por professores indígenas, há relatos de que a escola é uma ameaça
à manutenção da cultura Guarani.
Outro fator importante é a presença dos meios de comunicação dentro das aldeias em
suas variadas formas, como a televisão, o rádio e a internet. Sabe-se que os instrumentos
midiáticos são importantes difusores ideológicos e culturais, ditando moda e os mais variados
comportamentos; nas aldeias Guarani estudadas, por exemplo, foi comum encontrarmos
adolescentes de cabelos tingidos e cortados no mesmo estilo do jogador de futebol Neymar, o
que evidencia a influência da mídia em seus costumes. Relatos de desagrado a respeito desses
jovens foram registrados em nossa amostra independentemente da idade do entrevistado
evidenciando a existência de núcleos mais conservadores da cultura e da tradição Guarani
nessas comunidades. Merece destaque o fato de que muitos Guarani têm acesso à internet
apenas da EMPI Três Palmeiras, que é localizada no centro da aldeia; além disso, muitos
informantes relataram que utilizam as redes sociais para se comunicarem com pessoas de
mesma etnia residentes em outros Estados.
33 Escola Municipal Pluridocente Indígena.
81
5.2.2.3 As variáveis linguísticas
As variáveis independentes, como já vimos, podem ser de natureza interna ou externa à
língua estudada; e, de acordo com a teoria da variação, ambas exercem pressão sobre os usos
favorecendo ou inibindo sua ocorrência (LABOV, 1972; CHAMBERS, 2003)34. Em vista disso,
no intuito de investigar o comportamento da variável dependente supracitada, analisamos as
seguintes variáveis linguísticas:
1) Posição, distância e realização do sujeito
Conforme apresentado no capítulo 4, as pesquisas variacionistas que analisam o
fenômeno da concordância verbal na terceira pessoa do plural apontam que a presença, a
distância e a posição do sujeito têm uma forte influência na realização da marca explícita de
número e de pessoa no verbo. De acordo com Naro (1981) e Scherre e Naro (1997), o sujeito
anteposto e próximo ao verbo favorece a realização da concordância, ao passo que o sujeito
posposto e distante a desfavorece. Isso se dá porque a ausência de marcação explícita de 3ª
pessoa do plural é mais perceptível para os interlocutores quando o sujeito está na posição à
esquerda do verbo e imediatamente próximo a ele. Trata-se, segundo os pesquisadores, de um
efeito uniforme que independe do grau de escolaridade dos falantes (SCHERRE; NARO, 1997).
Tal assertiva pôde ser confirmada em inúmeros estudos como verificamos no capítulo anterior
(SCHERRE; NARO, 1997, 1998, 2007; VIEIRA, 1997; SILVA, 2005; MONGUILHOTT,
2009; MASCARELLO, 2010; BENFICA, 2016).
Assim, em nossa pesquisa, considerando a hipótese de que a posição de proeminência
tópica, à esquerda do verbo, e o número reduzido de elementos intervenientes entre o sujeito e
o verbo possibilitam o aumento na realização explícita da concordância, controlamos essa
variável tendo em vista tanto a posição do sujeito em relação ao verbo quanto a quantidade de
material fônico que os separa. Pensando nisso, para a verificação dessa variável em nossa
amostra, organizamos o seguinte grupo de fatores com base em Scherre e Naro (1997):
a) Sujeito imediatamente anteposto ao verbo;
34 Por variável dependente, entendemos aquelas variáveis cujo emprego de suas variantes não ocorre de maneira
aleatória, mas condicionado por grupos de fatores, denominados variáveis independentes, que podem ser de
natureza estrutural ou social tais como os analisados no presente trabalho (LABOV, 1972; CHAMBERS, 2003).
82
• Inf. M1/PB-L2: (...) porque eles INVENTARAM muitas coisa (variante
explícita)
• Inf. M2/PB-L2: (...) os índios podiam ir pra onde que eles QUISESSE (variante
zero)
b) Sujeito anteposto distante de 1 a 4 sílabas do verbo;
• Inf. M2/PB-L2: (...) os meus netinhos tamém TÃO no peitibook (variante
explícita)
• Inf. M2/PB-L2: (...) nada alguns até TÁ ali conversando e tal e vê que tá vindo
alguém eles procuram se afastar (variante zero)
c) Sujeito anteposto distante 5 ou + sílabas do verbo;
• Inf. M2/PB-L2: (...) os soldados portugueses por sua vez eh QUERIAM atacar
as missões (variante explícita)
• Inf. F4/PB-L2: (...) algumas índias de outra aldeia CASA (variante zero)
d) Sujeito posposto ao verbo;
• Inf. M2/PB-L2: (...) então cercaro as missões e começaro atacar em pocos em
pocas horas MORRERAM muito índios porque eles usaro canhão (variante
explícita)
• Inf. M2/PB-L2: (...) tanto é que na língua portuguesa que se fala aqui no Brasil
EXISTE várias palavras em guarani (variante zero)
e) Sujeito nulo com referente próximo (até dez orações);
• Inf. M1/PB-L2: (...) não é porque eles são mais sábio de que a gente eh minha
avó sempre dizia assim INVENTARO o avião (variante explícita)
83
• Inf. M2/PB-L2: (...) mas isso tem interferido muito porque muitas pessoas estão
deixando de ir na casa de reza e PREFERE ficar em casa vendo filme (variante
zero)
f) Sujeito nulo com referente distante (acima de dez orações).
• Inf. M2/PB-L2: (...) os soldado espanhóis viero e aí então cercaro as missões e
começaro atacar; em pocos/em pocas horas morreram muito índios, porque eles
usaro canhão, usaram arma de fogo e tal e aí os índios tinha pouca arma, né?
Eles conseguiram/os índios conseguiram pegar algumas armas enquanto os
soldado dormiam, entendeu? Mas foi pouca, né? E aí usaro arco e flecha e tal.
Então, assim, o Sepé Tiaraju foi o último a resistir até a morte, né? Alguns foram
levado como escravo e o Sepé Tiaraju foi cercado pelos soldado espanhóis e e:
os portugueses. E aí eles o o: Sepé Tiaraju foi morto num/pel’uma arma de um
soldado espanhol. Então, assim, eh: os que conseguiro se refugiar nas matas
esses então conseguiro sobreviver.
Desses filhos, é que existe nós aqui e que guardamos também essa
história ridícula da parte do do do dos ambiciosos que são os brancos, né? Que
são os portugueses e os espanhóis eh: eh:: com sede de ouro com sede de
grandezas essas coisa toda. Eh: mesmo assim resistimos aí e estamos vivos e
conhecemos a história. Então sabemos de onde viemos, quem somos nós e para
onde devemos ir. Eh eh:: hoje, existe graças a Deus, né? Porque Deus sabe que
o povo indígena Guarani são um povo muito espiritualizado, né? Na parte da
natureza, conhece muito dos mandamentos de Deus do criador, né? E tem muito
respeito pela floresta, pelos rio, pelas pessoas, né? Então por isso que Deus
também poupou a vida da: dos indígena guarani. Então, cada vez mais estamos
forte; lógico, ficamos empobrecido um pouco porque TIRARAM de nós a nossa
liberdade né, mas a gente estamos conseguindo por mais difícil que seja
resolver/sobreviver eh a todo esse ataque né (variante explícita)
• Inf. M5/PB-L2: (...) os pai não desconfiava da criança que tava sumindo carne
pedaços por noite assim, né? Aí os pai sempre eh: ficava se perguntando um pro
outro: por que que a carne tá sumindo? Criancinha não tá bem. O morador mais
próximo que eh: tinha perto deles era daqui a que nem o bairro ali de Coqueiral,
84
né? À noite, era difícil andar que era só mato, dava medo, né? Aí ficava sem
saber. Aí o pai ia caçar, trazia caça, deixava ali; aí, de manhã, olhava já tinha um
pedacinho só de novo. Aí a criancinha se sentindo mal tipo assim de dia. Aí teve
uma vez né que chegou o pajé, o curandeiro da aldeia, eh foi olhar né na criança
que não se sentia bem. Mas só de dia que num se sentia bem, por que, né? Aí
falou pro pai né eh:: que não tava respeitando o tempo direito direito assim, né?
Tipo, pra nós que quando a mulher tá grávida eh:: não pode tá caçando
direto, nem pescando direto, porque a mãe natureza vai querer trocar eh: a:: o
espírito da caça ou da pesca por espírito da criança. Vai trocar, né? Vai querer
trocar... Por isso que não pode estar pescando direto, direto, direto; nem
caçando... Aí falou com o pai da criança assim, né? Eh:: não durmam essa noite
pra você verem eh: de que que tô falando. Pra vocês/pra vocês saberem isso...
Aí foi isso que o pai fez, né? Deixou a/uma cama separada assim pra criança, ele
ficava com a mulher dormindo. Fingindo né tá dormindo. Aí a:: a mulher dormia
de verdade memo, o home ficava ali só observando né... Trouxe a caça, pendurou
ali em cima da fogueira de novo. Aí criancinha levantava né, sentava assim,
ficava olhando pros pai assim, que fingia estar dormindo, aí descia: descia da
cama, já ia se transformando assim eh:: já saía o rabo eh:: orelha, já mudava. Aí
nascia os pelo também, já se transformava pra: pra ir pegar carne de novo.
Aí o pai viu aí chamou a mulher né pra: pra ir pra casa do curandeiro
perguntando como é que pode estar acabando com:: pra: pra batar a onça, né?
Que toda onça que foi transformado de humano, sempre mais forte. Aí o
curandeiro falou “só queimando memo pra matar, porque nem nem lança nem
arco de flecha perfura o couro da onça que se transformou”. Aí falou que tinha
tinha uma madeira específica memo pra acabar com esse tipo de bicho, mas só
que essa madeira ficava longe também. Aí a saída que tinha era queimar a casa
junto junto com o bebezinho que de dia eh: fingia ser bebê, né? Aí colocaro fogo
assim em volta da casa, aí o bebezinho começava a chorar né, tipo uma
criancinha memo; só que depois já ia uivando já, tipo uma onça já, e assim
MATOU né a onça (variante zero)
85
2) Saliência fônica
Em se tratando da saliência fônica, os resultados das pesquisas linguísticas evidenciam
que as oposições singular/plural mais salientes são mais facilmente perceptíveis para os
falantes. Assim, quanto maior a diferença do material fônico nessas oposições, maiores as
chances de ocorrer a realização da marca explícita de plural (NARO; LEMLE, 1976; LEMLE;
NARO, 1977; NARO, 1981; SCHERRE; NARO, 1997).
A partir do estudo de uma amostra de dados de falantes semianalfabetos, Naro (1981)
estabeleceu uma hierarquia da saliência com base em dois critérios: (1) acentuação na
desinência verbal e (2) o quantitativo de material fônico que diferencia as formas singular e
plural, sendo que o primeiro critério foi subdividido em dois níveis com três categorias cada.
No nível 1, que se refere à oposição não-acentuada, encontramos as seguintes
categorias: a) não ocorre mudança na qualidade da vogal na forma plural (conhece/conhecem);
b) ocorre mudança na qualidade da vogal na forma plural (ganha/ganham); e c) há acréscimo
de segmentos no plural (diz/dizem). No nível 2, por sua vez, temos: a) a mudança ocorre
somente na qualidade da vogal na forma plural (está/estão); b) há o acréscimo de segmentos,
mas não há mudança vocálica na forma plural (bateu/bateram); e c) envolve mudanças e
acréscimos de segmentos na forma plural (veio/vieram) (SCHERRE; NARO, 1997). Cabe
ressaltar que esses níveis estão em ordem hierárquica e que os níveis mais baixos de saliência
(nível 1) desfavorecem a concordância, enquanto os mais altos – mais salientes (nível 2) – a
favorecem.
Assim, tendo em vista essa escala de seis níveis postulada por Naro (1981),
apresentamos os exemplos de cada um dos fatores35 para essa variável:
NÍVEL 1 (oposição não acentuada)
a) Não envolve mudança na qualidade da vogal na forma plural;
• Inf. M2/PB-L2: (...) eles CONSEGUEM saber quando uma mulher tá grávida
(variante explícita)
• Inf. M6/PB-L2: (...) alguns professores ainda não CONSEGUE separar
classificar (variante zero)
35 Os fatores de cada nível foram retirados de Scherre e Naro (1997, p. 96-97).
86
b) Envolve mudança na qualidade da vogal na forma plural;
• Inf. M2/PB-L2: (...) os jovens JOGAM bola dia de sábado e domingo (variante
explícita)
• Inf. M2/PB-L2: (...) os índio não BRIGA não por causa de jogo (variante zero)
c) Envolve acréscimo de segmentos na forma plural.
• Inf. M2/PB-L2: (...) as pessoas FAZEM os tratado assim sem comunicar a gente
(variante explícita)
• Inf. M1/PB-L2: (...) às vez quando diz assim ah os índio não FAZ progresso é
porque são incapaz (variante zero)
NÍVEL 2 (oposição acentuada)
a) Envolve apenas mudança na qualidade da vogal na forma plural;
• Inf. M2/PB-L2: (...) quando eles VÃO fazer a cura as coisas se materializa na
mão deles (variante explícita)
• Inf. M2/PB-L2: (...) os brancos VAI lá e paten/patenteia né o conhecimento do
índio (variante zero)
b) Envolve acréscimo de segmentos sem mudanças vocálicas na forma plural;
inclui o par foi/foram que perde a semivogal;
• Inf. F7/PB-L2: (...) as pessoas PENSARAM diferente (variante explícita) • Inf. M3/PB-L2: (...) váris índio hoje cabô com sua língua né... eis PERDEU
tudo (variante zero)
c) Envolve acréscimo de segmentos e mudanças diversas na forma plural:
mudanças vocálicas na desinência, mudanças na raiz e até mudanças completas;
87
• Inf. M1/PB-L2: (...) essas pessoa que FIZERO o Brasil (variante explícita) • Inf. M1/PB-L2: (...) os povos indígena e o povo afro é que FEZ toda essa riqueza
(variante zero) • Inf. M2/PB-L2: (...) os cacique SÃO reis (variante explícita) • Inf. M3/PB-L2: (...) a dança do guerreiro a gente chama de tchondaro né nós
temo outros mai que É pras menina né (variante zero)
3) Caracterização semântica do sujeito
As pesquisas sociolinguísticas apontam que, no que diz respeito ao traço [± animado],
o sujeito de traço semântico [+ animado] favorece mais a realização da marca de concordância
nos verbos de terceira pessoa do plural que o sujeito de traço semântico [- animado]
(SCHERRE; NARO, 1998, 2007; VIEIRA, 1997; SCHERRE; NARO; CARDOSO, 2007;
LUCCHESI; BAXTER; SILVA, 2009; MONGUILHOTT, 2009; MASCARELLO, 2010;
MONTE, 2012; VIEIRA; BAZENGA, 2015). Entendemos que os traços [± animado] e [±
humano] estão intrinsecamente entrelaçados. Segundo Mascarello (2010), por exemplo, “se o
sujeito faz referência a um ser humano, ou a um ser animado, maior é o uso da regra de
concordância verbal e quando o sujeito não se refere a humano ou o traço de animacidade é
menor, é menor também a aplicação dessa mesma regra” (p. 67). Dessa forma, no entendimento
dessa variável, retomaremos os estudos de ambos os traços sempre que for necessário. Assim,
temos nesse grupo dois fatores:
a) Traço [+ animado];
• Inf. M3/PB-L2: (...) eles VÃO ter mais um espaço melhor e: tem um lugar
melhor pra estar estudando (variante explícita)
• Inf. F4/PB-L2: (...) as criança APRENDE o português quando vão pra escola
(variante zero)
b) Traço [- animado];
88
• Inf. M2/PB-L2: (...) as coisas MUDAM e aí às vezes é pra renovar né que são
males que vêm pro bem (variante explícita)
• Inf. M1/PB-L2: (...) em alguma região aonde tem mais preconceito com os
povos indígeno que desarrespeita mais a natureza então esses lugare VAI sofrer
mais ainda (variante zero)
Tendo em vista que em Guarani a marcação de plural no verbo ocorre apenas com nomes
contáveis (DOOLEY, 2013), como vimos no capítulo anterior, julgou-se pertinente verificar se
esse traço semântico influencia ou não a realização explícita da concordância verbal de 3ª
pessoa do plural no PB-L2 dos falantes Guarani do Espírito Santo. A hipótese para esse traço
do sujeito é que nomes contáveis condicionariam a marcação do plural no verbo, ao passo que
nomes não-contáveis desfavoreceriam a marcação explícita de concordância.
c) Traço [contável];
• Inf. M2/PB-L2: (...) quando os peixe TÃO botando os ovinhos (variante
explícita)
• Inf. M2/PB-L2: (...) como TAVA correndo muito os carros os índios
resolveram fazer uns quebra-molinha (variante zero)
d) Traço [não-contável].
• Inf. M2/PB-L2: (...) as coisas MUDAM e aí às vezes é pra renovar né que são
males que vêm pro bem (variante explícita)
• Inf. M2/PB-L2: (...) as coisas se MATERIALIZA na mão deles (variante zero)
4) Tempo verbal
A variável tempo verbal está diretamente ligada à saliência fônica, como atestam os
estudos de Vieira (1997); Scherre, Naro e Cardoso (2007) e Scherre e Naro (2010). Segundo
Vieira (1997), “supõe-se que os tempos verbais cujas formas são mais marcadas
fonologicamente favorecem a concordância” (p. 121). No presente do indicativo, por exemplo,
89
a concordância de 3ª pessoa do singular se distingue da 3ª pessoa do plural apenas na
nasalização da vogal final (bate/batem); assim, a possibilidade da não-realização explícita da
concordância nesses verbos é maior do que em formas verbais do pretérito perfeito do indicativo
que envolve o acréscimo de segmentos (bateu/bateram).
Segundo os pesquisadores, a saliência é a única característica intrínseca do verbo
realmente relevante na realização ou não da marca explícita de concordância (SCHERRE;
NARO; CARDOSO, 2007). É a saliência fônica, de cunho cognitivo e perceptual, e não o tempo
verbal, um fator gramatical, que governa a variabilidade da concordância no português
(SCHERRE; NARO, 2010). Embora o tempo verbal tenha se mostrado uma variável que se
superpõe com a saliência fônica, como atestam os pesquisadores, ela continua sendo testada
nos mais diversos estudos e, por isso, decidimos testá-la na presente pesquisa também. Assim,
no intuito de verificar, em nossos dados, o que esses estudos atestam, selecionamos os seguintes
fatores para a nossa pesquisa:
a) Presente do indicativo;
• Inf. M2/PB-L2: (...) as coisas MUDAM e aí às vezes é pra renovar né que são
males que vêm pro bem (variante explícita)
• Inf. M2/PB-L2: (...) num SABE eles que aqui também samos eh: pessoas nobres
(variante zero)
b) Pretérito perfeito do indicativo;
• Inf. M2/PB-L2: (...) meu bisavô meu tataravô NASCERAM aqui nossos
ancestrais viviam aqui (variante explícita)
• Inf. M2/PB-L2: (...) os soldados portugueses por sua vez eh: queriam atacar as
missões só que os indígena FALOU não (variante zero)
c) Pretérito imperfeito do indicativo;
• Inf. M2/PB-L2: (...) na verdade eles TAVAM mentindo né (variante explícita)
• Inf. M2/PB-L2: (...) os padres FALAVA que era pecado andar nu (variante zero)
90
d) Futuro;
• Inf. M7/PB-L2: (...) são fortes sabe pessoas fortes que PODERIAM estar dentro
da casa de reza por exemplo (variante explícita)
• Inf. M3/PB-L2: (...) a minha avó fez esse/essa caminhada pra marcando
território né até aonde os guarani PODERIA construir as aldeias (variante zero)
e) Tempos do subjuntivo.
• Inf. M5/PB-L2: (...) a casa de reza fica aberto né pras criança que QUISEREM
chegar (variante explícita)
• Inf. M5/PB-L2: (...) sempre tô falando pros pras crianças né quando CAIR na
risada quando meu irmão fala (variante zero)
5) Paralelismo formal
O princípio geral do paralelismo prediz que marcas levam a marcas e zeros levam a
zeros (SCHERRE; NARO, 1992, 1993; VIEIRA, 1997; SCHERRE, 1998; MONGUILHOTT,
2009; MONTE, 2012; VIEIRA; BAZENGA, 2015; BENFICA, 2016). Partindo desse
pressuposto, selecionamos, para esta pesquisa, duas dimensões do paralelismo, a saber:
paralelismo formal no nível discursivo – que diz respeito às marcas no verbo – e paralelismo
formal no nível clausal/oracional – que, por sua vez, se refere às marcas no sujeito.
Cabe ressaltar que por paralelismo entende-se a repetição de padrões que podem ser
linguísticos ou de outra natureza do comportamento humano (SCHERRE, 1998). Scherre
(1998) atesta que o paralelismo pode ser interpretado por um único princípio de base cognitiva
que possibilita que os seres humanos façam agrupamentos e formem blocos de acordo com
semelhanças formais. Tal assertiva se contrapõe ao princípio da economia linguística,
tradicionalmente evocado para explicar a variabilidade dos fenômenos que envolvem a
concordância, ou seja, fenômenos característicos por apresentarem a repetição de marcas
formais de mesma informação em suas estruturas (SCHERRE; NARO, 1993).
Assim, as hipóteses para este grupo de fatores são: 1) no nível clausal/oracional, espera-
se que sujeitos com marcas explícitas de plural levem a marcas de plural no verbo e que a
91
ausência de marcas nos últimos elementos do sujeito leve à ausência de marcas nos verbos
correspondentes; e 2) no nível discursivo, espera-se que verbos marcados levem a marcas nos
verbos subsequentes e verbos não marcados provoquem a ausência de marcas nos verbos
seguintes (SCHERRE; NARO, 1993). Para tanto, foram selecionados os seguintes fatores para
cada um dos dois níveis aqui apresentados36:
A) Paralelismo oracional
a) Presença da forma de plural explícita (-s) no último elemento37;
• Inf. M1/PB-L2: (...) eles INVENTARAM muitas coisa (variante explícita)
• Inf. M1/PB-L2: (...) eles BRIGA lá dentro do congresso (variante zero)
b) Presença da forma plural zero no último elemento;
• Inf. M1/PB-L2: (...) muitas veze as pessoa não ENXERGAM as coisa (variante
explícita)
• Inf. M1/PB-L2: (...) outras pessoa FALA assim não é desequilíbrio ambiental
num é somente ambiental, desequilíbrio da vida social né (variante zero)
c) Presença de numeral no último elemento;
• Inf. M5/PB-L2: (...) a minha bisavó e a minha avó as duas SÃO finada já
(variante explícita)
• Inf. M6/PB-L2: (...) os dois fazer/trabalhar numa roça depois os dois FAZIA no
outro (variante zero)
d) Neutralização no último elemento;
36 Os fatores para cada nível da variável paralelismo formal foram retirados de Scherre e Naro (1993). 37 Os sintagmas preposicionados não foram analisados devido à sua pouca ou nenhuma ocorrência em ambos os
corpora do presente trabalho.
92
• Inf. M1/PB-L2: (...) não é porque eles SÃO mais sábio de que a gente (variante
explícita)
• Inf. F4/PB-L2: (...) eles dá conselho bom pra nós eles SABE de muita coisa
(variante zero)
B) Paralelismo discursivo
a) Verbo precedido de verbo com marca formal de plural explícita no discurso do
falante ou do interlocutor;
• Inf. M1/PB-L2: (...) INVENTARO o avião, INVENTARO bomba, inventaro
arma, inventaro muitas coisa (variante explícita)
• Inf. M2/PB-L2: (...) então eles recuaro e FALARAM que não IA atacar mas na
verdade eles tavam mentindo (variante zero)
b) Verbo precedido de verbo com marca zero de plural no discurso do falante ou do
interlocutor;
• Inf. M1/PB-L2: (...) então eles recuaro e falaram que não IA atacar mas na
verdade eles TAVAM mentindo (variante explícita)
• Inf. M2/PB-L2: (...) alguns indígena guarani que ainda MORA mais pra dentro
da mata que PROCURA assim pra não ser incomodado já num FALA a língua
do português então eles MORA mais um pouco retirado (variante zero)
c) Verbo isolado ou primeiro de uma série.
• Inf. M2/PB-L2: As coisas MUDAM e aí às vezes é pra renovar né (variante
explícita)
• Inf. M1/PB-L2: Eis ENTENDE um pouco (variante zero)
93
6. ANÁLISE DOS DADOS: A CONCORDÂNCIA VERBAL NO PORTUGUÊS L1 DOS
MORADORES DO DISTRITO DE SANTA CRUZ NO ESPÍRITO SANTO
No presente capítulo, será apresentada a análise dos dados coletados nas comunidades
não índias localizadas ao redor do território indígena, de acordo com os resultados estatísticos
obtidos com o auxílio do Goldvarb X (SANKOFF; TAGLIAMONTE; SMITH, 2005), do
pacote VARBRUL. Partimos da constatação de que a concordância verbal de 3ª pessoa do
plural, que nos propomos observar, é um dos aspectos da gramática do português brasileiro que
exibe, como já vimos, um amplo processo de variação e que, por isso, está no centro dos debates
acerca da importância do contato linguístico na formação da nossa realidade linguística
(LUCCHESI; BAXTER; SILVA, 2009).
De acordo com o que vem sendo apresentado neste trabalho, nosso objetivo é analisar a
realização da concordância verbal na 3ª pessoa do plural na fala dos Guarani residentes no
Espírito Santo. Visando a uma investigação mais aprofundada sobre o tema, contudo, é que nos
propomos também a mapear as comunidades de entorno das aldeias localizadas no referido
Estado, para verificar as seguintes questões: como se caracteriza o PB como L1 dos moradores
de Aracruz?; o percentual geral de concordância observado no estudo sobre o PB-L2 dos
falantes indígenas reflete o comportamento dos falantes do PB-L1 ou pode ser atribuído à
situação de aquisição de L2?; os condicionamentos da variação são os mesmos observados para
outras variedades do PB? Assim, para a análise dessas comunidades, foram levantados dados
de 8 informantes dos bairros Santa Cruz e Coqueiral de Aracruz, ambos localizados no Distrito
de Santa Cruz, em Aracruz – ES, vizinhos das aldeias indígenas estudadas.
Como consta em nossa metodologia, esses entrevistados se situam em uma só faixa
etária (20-45) e foram estratificados conforme o sexo e a escolaridade. Assim, temos: 4
informantes de 0 a 8 anos de escolaridade – dois homens e duas mulheres – e 4 informantes
com 9 ou mais anos de escolaridade, dois homens e duas mulheres. Todos os falantes nasceram
na região compreendida pela pesquisa ou residem na mesma desde os dois anos de idade, sem
terem residido, depois disso, em outra localidade.
Desse corpus, foram obtidos 926 dados de verbos com sujeito de 3ª pessoa do plural
codificados em oito variáveis independentes: posição e realização do sujeito; saliência fônica;
traço semântico do sujeito; tempo verbal; paralelismo oracional; paralelismo discursivo; sexo e
escolaridade. Cabe ressaltar que as ocorrências de verbos ligados a um sujeito de 3ª pessoa do
plural encontradas nas amostras – do distrito de Santa Cruz e das aldeias Guarani no Espírito
Santo – foram submetidas ao programa estatístico a fim de obtermos os resultados quantitativos
94
que possibilitassem a análise variacionista pretendida por esta pesquisa, que leva em conta não
apenas o aporte teórico da Sociolinguística, mas também a realidade histórica e social das
comunidades estudadas, pois, como apontam os estudos na área, “(...) os processos variáveis da
concordância de número do português vernacular do Brasil evidenciam um sistema perfeito,
correlacionado a variáveis linguísticas e sociais” (SCHERRE; NARO, p. 94, 1997). Buscamos,
então, com base nos dados obtidos, demonstrar quais são os fatores linguísticos e sociais que
intervêm no processo aquisitivo a favor da (não) realização dessas marcas linguísticas.
Para melhor organizar a análise dos resultados encontrados nas referidas amostras,
decidimos apresentá-los em dois capítulos; neste, como já vimos, discutiremos os dados das
comunidades de entorno e, no próximo, analisaremos os resultados encontrados nas aldeias
Guarani – foco da nossa pesquisa; fazendo, sempre que necessário, referência aos resultados
obtidos para o PB-L1 dos falantes de Aracruz e de outras pesquisas já desenvolvidas na área.
Lembramos que o valor de aplicação escolhido é a realização da concordância de 3ª
pessoa do plural e que, como ocorre em outros estudos sobre esse fenômeno, nem todos os
dados encontrados em contextos de 3ª pessoa do plural serão por nós analisados, conforme
descrevemos em nossa metodologia.
Por último, antes da apresentação dos valores propriamente ditos, destacamos que os
resultados relativos a cada um dos grupos de fatores selecionados pelo programa estatístico
serão apresentados em quadros/tabelas com as três informações relevantes para a nossa
discussão, fornecidas pela plataforma: peso relativo, número de ocorrências e valor percentual.
Sempre que se fizer necessário, lançaremos mão também de gráficos com os pesos relativos
para que os efeitos de cada fator sejam melhor visualizados.
6.1 Nossos resultados
Na presente amostra, como supracitado, foram coletados 926 dados de verbos com
sujeito de 3ª pessoa do plural codificados em oito variáveis independentes – 6 linguísticas e 2
sociais, a saber: posição e realização do sujeito; saliência fônica; traço semântico do sujeito;
tempo verbal; paralelismo oracional; paralelismo discursivo; sexo e escolaridade, tendo, como
valor de aplicação escolhido, a realização explícita da marca de concordância verbal de 3ª
pessoa do plural no verbo.
Foi obtido um input de aplicação da realização da forma flexionada de 3ª pessoa do
plural de .61. Esse resultado indica que há uma probabilidade de .61 de ocorrência da marca
95
independentemente da atuação de qualquer fator. O Gráfico 01 a seguir mostra a distribuição
das variantes obtida na amostra:
Gráfico 01 - Realização/ não realização da CV na 3ª pessoa do plural de falantes de PB-L1.
Total de ocorrências: 926/ Input: 0.61.
De acordo com o gráfico, observa-se a predominância de realização de formas verbais
marcadas nas comunidades do distrito de Santa Cruz, em Aracruz, no Espírito Santo. O
continuum com a frequência geral de aplicação das marcas de concordância nos verbos de 3ª
pessoa do plural das normas sociolinguísticas brasileiras desenvolvido por Lucchesi (2015) nos
serve como um importante ponto de partida na discussão desses dados, pois nos possibilita a
comparação com os resultados encontrados em outras pesquisas sobre o fenômeno.
Diante do exposto, é que selecionamos o trabalho de Benfica (2016), que analisou a
realização da concordância verbal em Vitória, capital do Espírito Santo, localizada a cerca de
60 km das comunidades pesquisadas. Nesse estudo, o percentual global de aplicação obtido
com dados do PORTVIX foi de 78,8% (BENFICA, 2016). Considerando que Santa Cruz é uma
localidade turística, que mais se assemelha a uma vila de pescadores, e que Coqueiral é um
bairro construído em 1970 para alojar moradores das empresas da região, o resultado de
aplicação dessas comunidades, apesar da distância percentual daquele encontrado na capital, as
localiza na categoria “norma urbana média” do continuum de Lucchesi (2015), assim como
Vitória. A diferença é que, diferentemente da capital do Estado, nessas comunidades a norma é
média baixa como mostra o quadro a seguir, extraído de Lucchesi (2015, p. 253):
57362%
35338%
Concordância Verbal
Realização Não realização
96
Quadro 11 – Frequência geral de aplicação da regra de CV nas normas sociolinguísticas
brasileiras.
Norma Sociolinguística Frequência geral de aplicação da regra
Norma urbana culta 95%
Norma urbana média 80%
Norma urbana média baixa 65%
Norma popular urbana 50%
Norma popular rurbana 35%
Norma popular rural 20%
Fonte: LUCCHESI, 2015, p. 253.
Cabe lembrar que, como descrevemos no capítulo 3, esse continuum foi proposto
inicialmente por Lucchesi, Baxter e Silva (2009) com base nos índices gerais de aplicação da
concordância verbal de 3ª pessoa do plural de trabalhos de cinco variedades do PB-L1. Em
estudos realizados em comunidades de contato linguístico do sul do Brasil, contudo, sejam eles
de PB-L2 ou de comunidades de origem quilombola, foram encontrados resultados de aplicação
próximos aos das capitais da região Sudeste comparadas para a organização desse continuum
(LUCCHESI; BAXTER; SILVA, 2009; LUCCHESI, 2015). Welchen (2006), em sua análise
de falantes de PB-L2 no município de Missal, no Paraná, encontrou 87% de aplicação das
marcas de concordância no verbo; um índice muito próximo foi encontrado na comunidade
quilombola São Miguel dos Pretos, em Restinga Seca, Rio Grande do Sul, por Almeida (2006)
– nessa comunidade, a realização explícita de concordância verbal ocorreu em 80% dos dados.
Em estudos de PB-L1, esses índices se repetem. Monguilhott (2009), por exemplo,
analisando duas localidades urbanas e duas não-urbanas da cidade de Florianópolis, capital de
Santa Catarina, registrou 80,6% de ocorrências de verbos marcados na 3ª pessoa do plural. Até
mesmo na fala de crianças de classe baixa de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, foi
encontrado o índice de 79% de aplicação da regra de concordância verbal (SOARES, 2010).38
Enquanto os trabalhos da região sul, como supracitado, independente da comunidade de
fala pesquisada, apresentaram resultados que giram em torno dos 80 pontos percentuais, em
comunidades nordestinas encontramos índices extremamente opostos. Silva (2005), como já
vimos, em sua pesquisa realizada em comunidades do interior do Estado da Bahia, registrou um
índice de 17% de realização das marcas de concordância no verbo. Na comunidade quilombola
38 Todas as amostras dos trabalhos da região sul aqui apresentados são da década de 2000.
97
Caiana dos Crioulos, localizada no município de Alagoa Grande, no agreste paraibano, Lima
(2010) também registrou 17% de índice de aplicação de concordância verbal.
Lucchesi (2015b), por sua vez, pesquisando variedades populares de Salvador, capital
da Bahia, contabilizou 623 ocorrências de verbos de 3ª pessoa do plural com a realização
explícita de concordância dentre os 2300 dados catalogados em sua amostra – um total de
27,1%. Isso demonstra que, à primeira vista, a polarização defendida pelos pesquisadores em
forma de continuum não é linear, uma vez que existem situações opostas tais como as
encontradas nas comunidades quilombolas do Rio Grande do Sul e da Bahia; e aponta a
importância de se observar as particularidades socioculturais e históricas de cada localidade
pesquisada para além da hipótese de transmissão linguística irregular, além de nos permitir uma
compreensão mais aprofundada do resultado encontrado em nossa amostra de PB-L1 das
comunidades de Aracruz.
Santa Cruz e Coqueiral de Aracruz, como vimos, têm perfil de comunidades
interioranas. Os próprios moradores dessas localidades, em nossas entrevistas, as definiram
como “um lugar no interior, mais sossegado” e destacaram a necessidade de se dirigirem com
frequência ao centro da cidade, localizado a cerca de 30 km, para realizarem tarefas comuns do
dia a dia, tais como ir ao banco e ao supermercado. Nosso resultado, no entanto, demonstrou
que a norma sociolinguística dessas comunidades está mais próxima daquela encontrada na
capital capixaba, como vimos no continuum, do que daquelas que exibem o mesmo perfil
sociolinguístico. Aventamos a hipótese de que isso se deve ao grau de contato dessas
comunidades com os turistas, uma investigação que poderá ser feita em pesquisas futuras com
uma amostragem maior que estratifique os informantes em outras variáveis sociais além de sexo
e escolaridade39.
Em prosseguimento à nossa análise, das oito variáveis independentes verificadas pelo
programa estatístico, cinco foram selecionadas no stepping up:
39 Investigamos a probabilidade dos estudos quilombolas da Bahia e do Rio Grande do Sul apresentarem oposição
devido à escolaridade, ainda que saibamos que análises desse tipo esbarrem nas diferenças de distribuição dos
informantes nas amostras. Na amostra quilombola analisada por Lucchesi, Baxter e Silva (2009), só há informantes
analfabetos ou semianalfabetos. Almeida (2006), por sua vez, não estratificou sua amostra de acordo com a
variável escolaridade, mas destacou que os informantes mais velhos possuíam, no máximo, 4 anos de estudo
formal. O percentual de ocorrências de verbos marcados na terceira pessoa do plural encontrado pela pesquisadora,
nessa faixa etária, é quase o mesmo encontrado nas comunidades quilombolas do interior da Bahia: 16%.
Mantivemos nosso posicionamento, contudo, porque os informantes menos escolarizados de nossa amostra
apresentaram percentual de aplicação superior ao de localidades mais urbanizadas, tais como Salvador, capital
baiana.
98
Quadro 12 – Grupos de fatores selecionados por ordem de relevância na amostra de PB-L1.
GRUPOS DE FATORES SELECIONADOS
01 Paralelismo formal – nível discursivo
02 Saliência fônica
03 Paralelismo formal – nível oracional
04 Escolaridade
05 Sexo
E três foram descartadas:
Quadro 13 – Grupos de fatores descartados na amostra de PB-L1.
GRUPOS DE FATORES DESCARTADOS
01 Traço semântico do sujeito: animacidade
02 Tempo verbal
03 Posição, distância e realização do sujeito
Na variável animacidade, o condicionamento apontado pelas pesquisas linguísticas é de
que o traço [+ animado] favorece a realização explícita da concordância verbal e o traço [-
animado] a desfavorece (SCHERRE; NARO, 1998, 2007; VIEIRA, 1997; SCHERRE; NARO;
CARDOSO, 2007). Nossos resultados para essa variável, ainda que sem relevância estatística,
indicaram que a amostra de PB-L1 seguiu em direção à hipótese esperada: foi encontrado um
percentual de 62% de ocorrências de verbos com marcas de terceira pessoa do plural com
sujeitos de traço semântico [+ animado] e 52% com sujeitos de traço semântico [- animado].
Já a variável tempo verbal, como vimos em nossa metodologia, está diretamente ligada
à saliência fônica no seguinte sentido: tempos verbais cujas formas são mais salientes à
percepção do ouvinte/falante favorecem a realização explícita da concordância nos verbos de
terceira pessoa do plural (SCHERRE; NARO; CARDOSO, 2007). Em vista disso, verbos no
presente do indicativo, cujas formas da oposição singular/plural diferem no discurso apenas
pela nasalização da vogal final (anda/andam), têm menos probabilidade de serem marcados na
terceira pessoa do plural que verbos no pretérito perfeito do indicativo, que envolvem acréscimo
de segmentos nessa oposição (andou/andaram) e que, portanto, são mais salientes.
99
Embora essa variável tenha sido descartada pelo programa, por não ser estatisticamente
relevante, nossa amostra de PB-L1, em números percentuais, também seguiu na direção
apontada por outras pesquisas sobre a variação da concordância verbal de 3ª pessoa do plural:
os verbos de tempos verbais menos salientes foram menos marcados do que os verbos mais
salientes. No presente do indicativo, por exemplo, foram encontradas 60% de ocorrências com
a marca de terceira pessoa do plural no verbo, ao passo que, no pretérito perfeito do indicativo,
foi obtido um total de 82%. Tais resultados apontam a relevância da variável saliência fônica,
que será discutida no próximo tópico.
No que diz respeito à variável posição, distância e realização do sujeito, por sua vez, as
pesquisas indicam que a anteposição e a proximidade entre o sujeito e o verbo favorecem a
realização das marcas (SCHERRE; NARO, 1997, 1998; VIEIRA, 1997; SILVA, 2005;
SCHERRE; NARO; CARDOSO, 2007). Nessa amostra, encontramos os seguintes resultados:
sujeitos antepostos imediatamente próximos receberam as marcas de plural em 69% dos dados;
sujeitos antepostos e distantes apresentaram um percentual de 63,3% e sujeitos pospostos, de
35,9%. Assim como as demais variáveis descartadas, portanto, mais uma vez nossos dados de
PB-L1 seguiram em direção ao que foi atestado em outras pesquisas sociolinguísticas: sujeitos
à esquerda do verbo e próximos apresentaram um percentual maior de realização das marcas de
concordância na 3ª pessoa do plural que sujeitos à direita ou distantes.
Diante do exposto, daremos continuidade à nossa análise apresentando as variáveis
selecionadas pelo programa Goldvarb X (SANKOFF; TAGLIAMONTE; SMITH, 2005) em
termos de sua relevância estatística, subdivididas, contudo, a fins de organização, em dois
grupos: variáveis linguísticas e variáveis extralinguísticas, como veremos adiante.
6.1.1 Variáveis linguísticas
6.1.1.1 Paralelismo formal – nível discursivo
Os resultados encontrados para o primeiro grupo de fatores linguísticos selecionado pelo
Goldvarb X (SANKOFF; TAGLIAMONTE; SMITH, 2005), o paralelismo formal no nível
discursivo, seguem a mesma direção dos resultados observados em outras pesquisas sobre a
concordância verbal na 3ª pessoa do plural: verbos marcados favorecem a presença de marcas
explícitas da concordância no verbo subsequente e verbos não marcados a desfavorecem
100
(SCHERRE; NARO, 1993; VIEIRA, 1997; SCHERRE, 1998; MONTE, 2012); como podemos
observar na tabela a seguir:
Tabela 01 – Distribuição de formas verbais marcadas em função do paralelismo discursivo na
amostra de PB-L1.
Como podemos observar, dos 352 dados de verbos precedidos por verbos com marcas
formais explícitas de concordância de 3ª pessoa do plural, 275 foram marcados; ou seja, a
aplicação da marca de concordância ocorreu em cerca de 78% dos verbos subsequentes àqueles
que também estavam marcados. Em outras palavras, verbos precedidos de verbos marcados
apresentaram peso relativo de .70 de também receberem as marcas explícitas de concordância
de terceira pessoa do plural. No que diz respeito aos verbos precedidos por ocorrências verbais
não marcadas, o resultado foi nitidamente diferente: apenas 26,6% foram marcados. O peso
relativo de .21 confirma o desfavorecimento de ocorrência de formas verbais marcadas quando
precedidas por formas não-marcadas.
O verbo isolado ou primeiro de uma série, por sua vez, apresentou valor intermediário
com .44 de peso relativo. Conforme supracitado, os resultados de Aracruz corroboram os
resultados observados em diversas pesquisas sobre o fenômeno: verbos marcados influenciam
a marcação explícita em verbos subsequentes e verbos não marcados levam à ausência das
marcas de concordância no verbo seguinte.
6.1.1.2 Saliência fônica
Assim como ocorreu com o paralelismo discursivo, os resultados obtidos para a
saliência fônica também seguem a mesma direção do que é apontado nos estudos da
PARALELISMO FORMAL – NÍVEL DISCURSIVO
FATORES APL/TOTAL PORCENTAGEM PESO
RELATIVO
1. Verbo precedido de verbo com marca formal
de plural explícita no discurso do falante ou do
interlocutor. 275/352 78,1% .70
2. Verbo precedido de verbo com marca zero de
plural no discurso do falante ou do interlocutor. 45/169 26,6% .21
3. Verbo isolado ou primeiro de uma série. 253/405 62,5% .44
TOTAL 573/926 61,9% Input .75
101
concordância verbal na 3ª pessoa do plural: quanto maior a diferença do material fônico nas
oposições singular/plural, maiores as chances de ocorrer a marcação explícita do plural nos
verbos de 3ª pessoa já que essas oposições mais salientes são mais facilmente perceptíveis para
os falantes (LEMLE; NARO, 1977; NARO, 1981; SCHERRE; NARO, 1997, 1998, 2006;
VIEIRA, 1997; SILVA, 2005; LUCCHESI; BAXTER; SILVA, 2009; MONGUILOTT, 2009).
Para o estudo da saliência fônica, submetemos os nossos dados aos seis níveis escalares
da hierarquia postulada por Naro (1981), como mostra a tabela abaixo:
Tabela 02 – Distribuição de formas verbais marcadas em função da saliência fônica na amostra
de PB-L1.
Na tabela acima, os níveis da escala hierárquica postulada por Naro (1981) estão em
ordem crescente: no início da lista, temos os verbos de oposição menos saliente e no final, os
verbos de oposição mais salientes – aqueles com formas completamente distintas para singular
e plural como, por exemplo, o par É/SÃO. Nota-se que, nas comunidades pesquisadas, os
resultados demonstram aquilo que é apontado nos estudos sobre CV, como já dissemos, mas
com uma ligeira diferença: ainda que os pesos relativos dos dois níveis imediatamente opostos
tenham uma diferença acentuada - .30 de aplicação em oposições menos salientes contra .79 de
aplicação das marcas de concordância em oposições mais salientes – os valores dos fatores de
cada nível da escala apresentam resultados muito próximos. Em vez de seis, eles apontam a
oposição de dois níveis apenas: não acentuado, que corresponde aos três primeiros fatores, e
acentuado, que corresponde aos três últimos, indicando que a tonicidade atua de maneira mais
significativa na (não) realização das marcas explícitas de concordância nos verbos de 3ª pessoa
SALIÊNCIA FÔNICA
FATORES APL/TOTAL PORCENTAGEM PESO
RELATIVO
NÍV
EL
1
1. Não envolve mudança na qualidade da vogal na forma
plural. (consegue/ conseguem) 36/76 47,4% .30
2. Envolve mudança na qualidade da vogal na forma plural.
(joga/ jogam) 219/433 50,6% .32
3. Envolve acréscimo de segmentos na forma plural. (faz/
fazem) 37/78 47,4% .31
NÍV
EL
2
4. Envolve apenas mudança na qualidade da vogal na forma
plural. (vai/ vão) 83/101 82,2% .75
5. Envolve acréscimo de segmentos sem mudanças vocálicas
na forma plural; inclui o par foi/foram. (perdeu/ perderam) 86/104 82,7% .79
6. Envolve acréscimo de segmentos e mudanças diversas na
forma plural. (fez/ fizeram – é/ são) 112/134 83,6% .79
TOTAL 573/926 61,9% Input .75
102
do plural do que a diferença de material fônico. Tal assertiva pode ser melhor visualizada no
gráfico a seguir:
Gráfico 02 - Aplicação da regra de CV com a 3ª pessoa do plural conforme a saliência fônica
na amostra de PB-L1 (pesos relativos).
Como podemos observar, os níveis de oposição não acentuada, com pesos relativos de
.30 a .31, distam entre 40 e 50 dos demais níveis que também apresentam pesos relativos
aproximados entre si (.75 a .79), evidenciando uma hierarquia, nesses resultados, de apenas
dois níveis imediatamente opostos, como dissemos anteriormente. Há, portanto, uma
polarização em relação aos dois níveis postulados por Naro (1981). No primeiro nível, os pesos
relativos apresentam um range40 de apenas 02 e, no segundo nível, o range entre os três fatores
é de apenas 04 revelando resultados muito próximos. Em contrapartida, o range entre os dois
níveis é de 49 – valor relativamente próximo ao encontrado por Scherre e Naro (1997), cujo
range para os níveis da saliência fônica foi de 59, e por Benfica (2016) com um range de 52
nos resultados para a saliência fônica na amostra PORTVIX.
Outro aspecto importante que deve ser destacado é que essa mesma polarização entre os
níveis pode ser encontrada em outros estudos sobre a concordância verbal de terceira pessoa do
plural com amostras de PB-L1. A fins de comparação, destacamos dois estudos que analisaram
a saliência fônica de acordo com a escala de Naro (1981) em diferentes comunidades de fala.
40 Range é o valor que resulta da diferença entre o maior e o menor peso relativo de uma mesma variável.
(TAGLIAMONTE, 2012)
30 32 31
7579 79
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
1 2 3 4 5 6
PES
O R
ELA
TIV
O
NÍVEL DE SALIÊNCIA FÔNICA
Saliência Fônica
103
São eles: Gomes, Melo e Barcellos (2016), cujos dados são oriundos da Amostra EJLA/PEUL,
composta por adolescentes de baixa renda do Rio de Janeiro que estavam cumprindo medida
socioeducativa à época das entrevistas; e Benfica (2016), que, como já vimos, analisou dados
do PORTVIX, da capital Vitória, do Espírito Santo. Os resultados desses estudos foram
dispostos em forma de gráfico juntamente com os dados de nossa amostra de PB-L1 do distrito
de Santa Cruz; tal apresentação nos permite uma melhor visualização do que está sendo
exposto:
Gráfico 03 – Polarização da escala de saliência fônica em três estudos de PB-L1.
Fontes dos dados: NARO, 1981, p. 77; BENFICA, 2016, p. 49; GOMES; MELO; BARCELLOS, 2016, p. 134.
No gráfico acima, como se pode perceber, optamos por colocar como referência os
dados obtidos por Naro (1981) da Amostra de falantes do MOBRAL coletada no Rio de Janeiro.
Nesse estudo, como já vimos, foi postulada pelo autor a escala de saliência fônica utilizada em
nossa análise e nas demais pesquisas comparadas. Objetivando destacar a hierarquia dos seis
fatores dessa escala, demos maior destaque a esses resultados colocando-os na cor preta e com
seus respectivos valores. É nítida, na escala com os dados de Naro (1981), a hierarquia não só
entre os fatores como também das oposições acentuado/não acentuado.
Nesses estudos recentes de PB-L1, contudo, ainda que a hierarquia entre um fator ou
outro seja mantida, os falantes nativos do português brasileiro nivelam os três fatores dos seus
respectivos níveis e acentuam ainda mais a distância entre os níveis da oposição não-acentuada/
acentuada – uma polarização já demonstrada no gráfico com os dados de nossa amostra de
11
26
35
68
7885
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
1 2 3 4 5 6
Polarização da Saliência Fônica
Aracruz Vitória EJLA - RJ RJ - 1981
104
Aracruz. Segundo Scherre e Naro (1997), a distinção da escala de Naro (1981) é mais nítida
devido à atuação da variável escolaridade, uma vez que, nessa amostra, os informantes são
semianalfabetos.
6.1.1.3 Paralelismo formal – nível oracional
Assim como ocorre no paralelismo discursivo, em que marcas no verbo levam a marcas
na ocorrência verbal subsequente, no paralelismo oracional, que diz respeito às marcas no
sujeito, sujeitos com marcas explícitas de plural influenciam a presença de marcas explícitas
nos verbos, ao passo que sujeitos não marcados provocam a ausência das marcas de
concordância nos verbos (SCHERRE; NARO, 1993; VIEIRA, 1997; SCHERRE, 1998;
MONGUILHOTT, 2009; MONTE, 2012).
Tal assertiva pôde ser verificada em nossos dados:
Tabela 03 – Distribuição de formas verbais marcadas em função do paralelismo oracional na
amostra de PB-L1.
PARALELISMO FORMAL – NÍVEL ORACIONAL
FATORES APL/TOTAL PORCENTAGEM PESO
RELATIVO
Presença de -s no último elemento do sujeito. 333/480 69,4% .53
Presença de zero no último elemento do sujeito. 22/69 31,9% .15
Neutralização no último elemento do sujeito. 69/77 89,6% .68
TOTAL 424/626 67,7% Input .75
Scherre e Naro (1993) propõem seis níveis para a análise do paralelismo oracional, a
saber: presença de -s no último elemento não Sprep, presença de zero no último elemento não
Sprep, presença de -s no último elemento do Sprep, presença de zero no último elemento do
Sprep, presença de numeral no último elemento e neutralização no último elemento. Nossos
dados, contudo, foram insuficientes para a análise dos seis níveis propostos pelos
pesquisadores. Por isso, após uma rodada, amalgamamos os níveis com presença de -s e os
níveis com presença de zero, além de excluirmos o nível que analisa a presença do numeral no
último elemento – encontrado em dois dados apenas.
105
Apesar dessa impossibilidade, pode-se observar que nossos resultados apontam o que é
previsto na hipótese para este grupo e encontrado em vários outros trabalhos sobre o fenômeno:
a presença da marca no sujeito favoreceu a marcação explícita da concordância no verbo (.53),
ao passo que a ausência da marca no sujeito a desfavoreceu (.15). A neutralização, por sua vez,
apresentou probabilidade de .68 – configurando-se como fator que mais favoreceu a realização
das marcas de concordância verbal. Segundo Scherre e Naro (1993), isso ocorre porque os
sujeitos que possuem a última marca neutralizada são interpretados como os sujeitos de
marcação explícita, apresentando, portanto, o mesmo comportamento estatístico.
6.1.2 Variáveis extralinguísticas
6.1.2.1 Escolaridade
A primeira variável extralinguística selecionada pelo programa estatístico foi a
escolaridade. Para esse grupo, nossos resultados corroboraram, mais uma vez, o que foi
observado em diversos outros estudos sobre a variação da concordância: quanto maior o grau
de escolarização, maiores as possibilidades de encontrarmos a realização da variante de
prestígio, que, nesse caso, é a marcação explícita da concordância no verbo (SCHERRE;
NARO, 1997, 1998; SILVA, 2005; MONGUILHOTT, 2009; MASCARELLO, 2010).
Tabela 04 – Distribuição de formas verbais marcadas em função da escolaridade na amostra de
PB-L1.
ESCOLARIDADE
FATORES APL/TOTAL PORCENTAGEM PESO
RELATIVO
Nível 1: 0 a 8 anos de escolaridade. 274/527 52% .37
Nível 2: ensino médio em diante. 299/399 74,9% .66
TOTAL 573/926 61,9% Input .75
Os resultados dispostos na tabela acima, como podemos ver, apontam nessa direção: a
realização explícita da marca de concordância verbal foi encontrada em 74,9% dos dados dos
informantes com nove ou mais anos de escolaridade, ao passo que os informantes menos
106
escolarizados apresentaram 52% de marcação de CV em suas falas com pesos relativos na
mesma linha: .66 para os mais escolarizados e .37 para falantes menos escolarizados.
6.1.2.2 Sexo
O último grupo de fatores selecionado na amostra dos dados de fala dos cidadãos
aracruzenses foi a variável sexo. Nas pesquisas sociolinguísticas, é atestado que as mulheres
são mais sensíveis às variantes prestigiadas tendendo, assim, a usá-las com maior frequência
(LABOV, 1972; 2008; SCHERRE; NARO, 1997). Nas comunidades de entorno das aldeias
indígenas por nós estudadas, o comportamento das mulheres também não foi diferente,
conforme mostra a tabela 05:
Tabela 05 – Realização de formas verbais marcadas em função da variável sexo na amostra de
PB-L1.
SEXO
FATORES APL/TOTAL PORCENTAGEM PESO
RELATIVO
Masculino 218/398 54,8% .41
Feminino 355/528 67,2% .56
TOTAL 573/926 61,9% Input .75
Nas comunidades de Santa Cruz e Coqueiral de Aracruz, conforme apontam nossos
resultados, as mulheres privilegiam as formas socialmente prestigiadas. Elas apresentaram peso
relativo de .56 para a aplicação das marcas de concordância nos verbos de 3ª pessoa do plural,
enquanto os homens apresentaram peso de .41. No intuito de aprofundar nossa investigação
sobre o comportamento dessa variável, cruzamos nossos dados com a variável escolaridade
para verificar com maior nitidez o papel social da mulher como a que usa mais variantes de
prestígio. Os resultados desse cruzamento podem ser vistos na tabela abaixo:
107
Tabela 06 – Cruzamento das variáveis sociais sexo e escolaridade na amostra de falantes do
distrito de Santa Cruz.
CRUZAMENTO SEXO E ESCOLARIDADE
FATORES 0 a 8 anos de escolaridade Ensino médio em diante
FREQUÊNCIA PESO RELATIVO FREQUÊNCIA PESO RELATIVO
Masculino. 71/180 = 39,4% .32 147/218 = 67,4% .55
Feminino. 203/347 = 58,5% .42 152/181 = 84% .75
TOTAL 573/926 = 61,9% Input .75
Como pode ser observado na tabela acima, as mulheres fazem mais uso da marca
explícita da concordância verbal na 3ª pessoa do plural nos dois níveis de escolaridade.
Enquanto no primeiro nível, que compreende a até 8 anos de escolarização, elas apresentam
peso relativo de .42 na realização das marcas de concordância verbal, os homens, nesse mesmo
nível, apresentam .32. No segundo nível, esse resultado se repete, ainda que com valores
diferentes: as mulheres mais escolarizadas apresentam peso de .75, ao passo que os homens do
mesmo grupo apresentam peso relativo de .55.
Comparando ambos os níveis, contudo, pode-se perceber que a escolaridade é mais forte
que a variável sexo. Os falantes com mais escolaridade tendem a usar mais as marcas nos verbos
de terceira pessoa do plural que os falantes com menos escolaridade independentemente do
sexo. Embora as mulheres mais escolarizadas sejam as que mais usam a variante de prestígio,
homens mais escolarizados também realizam mais a variante marcada que mulheres menos
escolarizadas.
6.2 Algumas considerações
Os resultados obtidos para a comunidade de falantes de PB-L1 localizada no entorno
das aldeias Guarani no Espírito Santo, como podemos perceber, replicaram, para as variáveis
consideradas neste estudo, os mesmos condicionamentos apresentados nas mais diversas
pesquisas sobre a variação da concordância verbal na 3ª pessoa do plural (NARO, 1981;
SCHERRE; NARO, 1993, 1997, 2006, 2007; VIEIRA, 1997, 2015; SILVA, 2005; LUCCHESI;
BAXTER; SILVA, 2009; MONGUILHOTT, 2009).
108
Na presente análise, foram selecionadas as seguintes variáveis sociais e estruturais, de
acordo com a ordem de relevância: paralelismo discursivo; saliência fônica; paralelismo
oracional; escolaridade e sexo – tendo sido confirmadas todas as hipóteses apontadas em nossa
metodologia. No paralelismo discursivo, as marcas no verbo levaram a marcas nos verbos
subsequentes e a ausência de marcação explícita de concordância verbal levou à ausência dessas
marcas nos verbos seguintes conforme demonstrado nos resultados de outras pesquisas sobre a
concordância verbal de 3ª pessoa do plural (SCHERRE; NARO, 1992, 1993; VIEIRA, 1997;
SCHERRE, 1998).
O mesmo ocorreu com a saliência fônica: o nível mais baixo da escala desfavoreceu a
realização explícita da concordância de plural no verbo e os fatores de nível mais alto
favoreceram. Em outras palavras, as oposições singular/plural mais salientes/perceptíveis aos
interlocutores favoreceram a realização explícita da concordância de 3ª pessoa do plural e os
menos perceptíveis a desfavoreceram (NARO, 1981; SCHERRE; NARO, 1997).
Em relação ao paralelismo oracional, as marcas de plural nos SNs sujeito levaram a
marcas nos sintagmas verbais ao passo que a ausência de marcas nos SNs sujeito influenciou
na ausência das mesmas nos verbos correspondentes (SCHERRE; NARO, 1992, 1993;
VIEIRA, 1997; SCHERRE, 1998; MONGUILHOTT, 2009; MONTE, 2012; VIEIRA;
BAZENGA, 2015).
Das variáveis sociais, escolaridade foi a mais relevante. Falantes mais escolarizados
realizaram mais a marcação explícita de plural nos verbos que os falantes menos escolarizados
como é atestado em Scherre e Naro (1997) e Lucchesi, Baxter e Silva (2009). No cruzamento
dessa variável extralinguística com a variável sexo, também selecionada, a escolaridade
sobressaiu: os dados de mulheres possuem mais marcas de concordância verbal que os dados
dos homens, mas homens mais escolarizados fazem mais marcação que mulheres menos
escolarizadas.
As três variáveis descartadas pelo programa – traço semântico [± animado], tempo
verbal e posição, distância e realização do sujeito – seguiram na direção esperada. A
animacidade, ainda que não tenha sido estatisticamente relevante, apontou os mesmos
condicionamentos encontrados em outras análises: em termos percentuais, houve mais marcas
de concordância em sujeitos de traço semântico [+ animado] que em sujeitos de traço semântico
[- animado]. Ao ser descartada, a variável tempo verbal, por sua vez, ratificou o que já foi
atestado em outros estudos: a saliência é a única característica intrínseca do verbo realmente
relevante na realização ou não da marca explícita de concordância verbal (VIEIRA, 1997;
SCHERRE; NARO; CARDOSO, 2007). Assim como ocorreu em animacidade, a variável
109
posição, distância e realização do sujeito também apresentou percentuais na mesma direção do
condicionamento encontrado em outras pesquisas sobre a variação da concordância verbal de
3ª pessoa do plural: sujeitos antepostos e próximos ao verbo favoreceram a realização explícita
da concordância verbal e sujeitos pospostos e distantes a desfavoreceram (SCHERRE; NARO,
1997, 1998, 2007; VIEIRA, 1997; SILVA, 2005; MONGUILHOTT, 2009; MASCARELLO,
2010; BENFICA, 2016).
As características socioeconômicas das comunidades analisadas, por sua vez, explicam
a diferença encontrada na aplicação geral da concordância nas amostras de Vitória e Santa Cruz.
Em Vitória, localizam-se dois portos, a estrada de ferro Vitória-Minas e o único aeroporto do
Espírito Santo. É principalmente na capital que os capixabas encontram hospitais e instituições
de ensino superior, por exemplo. Uma realidade bem diversa daquela encontrada nas
comunidades aracruzenses, onde foram realizadas as entrevistas de nosso corpus de PB-L1.
Como vimos no capítulo 2, tanto Santa Cruz como Coqueiral de Aracruz são bairros
pequenos com pouca ou quase nenhuma infraestrutura nas áreas de saúde, educação e
economia. O primeiro é uma vila de pescadores que sobrevive, majoritariamente, do turismo
nas suas praias, manguezais e rios. E o segundo possui, ainda hoje, características de bairro
dormitório dos funcionários do complexo industrial de Aracruz. Ainda que ambos os bairros
sejam aprazíveis de se viver, segundo seus moradores, eles são pouco desenvolvidos
economicamente quando comparados a Vitória; por isso, provavelmente, apresentem um índice
diferente de aplicação da regra de concordância verbal em relação à referida cidade. No
próximo capítulo, em que faremos a análise do PB-L2 proposta por esta pesquisa, retomaremos
os dados de PB-L1 aqui apresentados e de outros estudos que se mostrarem pertinentes.
110
7. ANÁLISE DOS DADOS: A CONCORDÂNCIA VERBAL NO PORTUGUÊS L2 DOS
GUARANI DO ESPÍRITO SANTO
No presente capítulo, será apresentada a análise dos dados coletados nas aldeias Guarani
em terras capixabas que, assim como na análise do capítulo anterior, foram submetidos à
plataforma estatística Goldvarb X (SANKOFF; TAGLIAMONTE; SMITH, 2005), do pacote
VARBRUL. Como vimos no decorrer deste trabalho, a concordância verbal de 3ª pessoa do
plural é um fenômeno amplamente pesquisado desde a década de 1970.
Uma vez que distingue o português brasileiro da variedade europeia, esse fenômeno tem
ocupado o centro dos debates de, pelo menos, duas vertentes sobre a formação da variedade
brasileira da língua portuguesa: a deriva secular, encabeçada por Naro e Scherre (1993; 2007),
e a crioulística, defendida, principalmente, por Lucchesi (2015). Oposições teóricas à parte, é
consenso entre os pesquisadores que esse é um fenômeno amplamente variável condicionado
por variáveis linguísticas e extralinguísticas, tais como aquelas selecionadas para a presente
pesquisa.
No intuito de verificar o comportamento desse fenômeno em um contexto de aquisição
e de contato linguístico, é que nos propomos a analisá-lo tendo como protagonistas os índios
de etnia Guarani residentes no Espírito Santo. Conforme consta em nossa metodologia, esta
análise terá como base empírica uma amostra de fala de 16 informantes Guarani cujos dados
foram coletados nas aldeias Boa Esperança, Três Palmeiras e Piraquê-açu Mirim, localizadas
no distrito de Santa Cruz, em Aracruz, Espírito Santo, entre os anos de 2012-2016. Os falantes
estão distribuídos de acordo com as variáveis sociais sexo, faixa etária, escolaridade e grau de
contato.
Uma vez tendo mapeado as comunidades de entorno das aldeias Guarani em terras
capixabas, partimos então para a análise dos dados da amostra de falantes do português como
L2, tendo como princípios norteadores as seguintes questões: 1) a variação na realização da 3ª
pessoa do plural no português de contato dos Guarani reflete a variabilidade observada no PB?
; 2) se sim, a aquisição de padrões de concordância verbal em situação de L2 se dá em função
dos mesmos condicionamentos estruturais observados para os falantes do PB como L1?; ou 3)
os indígenas dessa localidade reinterpretam a variação, produzindo padrões diferentes daqueles
encontrados em outras variedades da Língua Portuguesa?; 4) há predominância de algum tipo
de condicionamento sobre os demais?; 5) há transferência do sistema de marcação da L1 dos
falantes indígenas?; e 6) em que medida características socioculturais da comunidade têm efeito
sobre a aquisição dos padrões de concordância?
111
Nas 16 entrevistas, foram encontradas 1070 ocorrências de verbos com sujeito de 3ª
pessoa do plural, tendo sido descartados, como apresentamos na análise anterior, as seguintes
formas: verbos flexionados no infinitivo, ocorrências impessoais do verbo ter, verbo ter e vir
no presente do indicativo, ocorrências com sujeito formado por expressão partitiva + palavra
no plural, verbos com sujeito indeterminado e verbos com concordância semântica ou
ideológica. Os exemplos de cada caso podem ser verificados nas páginas 88 e 89. Cabe ressaltar
que, com exceção do grau de contato e dos traços semânticos contável e não-contável – que
sugiram da necessidade de verificar influências linguísticas e sociais específicas da comunidade
pesquisada – todos os grupos de fatores aqui arrolados foram retirados, principalmente, dos
trabalhos de Scherre e Naro (1993; 1997; 1998).
Nesta análise, comparamos os resultados encontrados com aqueles apresentados na
comunidade de falantes PB-L1 localizada no entorno das aldeias e, sempre que for necessário,
faremos menção a outras pesquisas que analisam o fenômeno da concordância verbal de 3ª
pessoa do plural com falantes de PB-L1 e/ou PB-L2. Estudos que investigam a aquisição de
uma segunda língua em contextos de contato linguístico, tais como aqueles sobre o português
de contato indígena já mencionados, também servirão como referência (ainda que não tenham
investigado a concordância verbal de terceira pessoa do plural), pois foram fundamentais para
a formulação das hipóteses deste trabalho.
Conforme consta em nosso capítulo introdutório e em nossa metodologia, esta análise
será orientada pela hipótese de que os Guarani residentes no Espírito Santo estão adquirindo as
marcas de flexão de número nos verbos de terceira pessoa devido à proximidade das aldeias
com as comunidades não-índias. Na configuração dessa hipótese, perpassam cinco hipóteses
específicas, duas linguísticas e três extralinguísticas; são elas: 1) os Guarani replicam os
mesmos condicionamentos encontrados nos estudos sobre a concordância verbal de terceira
pessoa do plural com falantes nativos do português brasileiro; 2) falantes de grau baixo de
contato, devido ao estágio aquisitivo em que se encontram, transferem padrões de marcação da
língua materna para a língua alvo; 3) quanto mais alto o grau de contato dos nossos informantes,
maior a probabilidade de ocorrer a marcação explícita da concordância nos verbos; 4) a
ocorrência de verbos marcados na terceira pessoa do plural é maior na fala de falantes mais
escolarizados; e 5) devido aos papéis sociais representados por homens e mulheres Guarani, as
mulheres usam menos a variante prestigiada que os homens.
Cabe lembrar que as análises do português de contato atestam que, em se tratando da
flexão de número e pessoa nos verbos, na aquisição do PB-L2, os falantes tendem a neutralizar/
reduzir a flexão número-pessoal no sintagma verbal (EMMERICH, 1984; DUARTE, 1998;
112
AMADO, 2015). Além disso, a língua Guarani – L1 de nossos informantes, como vimos, possui
um sistema de marcação distinto daquele encontrado na língua portuguesa: em vez de sufixada,
a categoria flexional de número e pessoa é prefixada à raiz verbal; e os prefixos que indicam a
terceira pessoa do singular e do plural são exatamente os mesmos (DOOLEY, 1999, 2013;
MARTINS, 2003; CARDOSO, 2010; VIEIRA, 2013). Trata-se de dois aspectos que merecem
ser considerados durante toda a análise, uma vez que apontam a não marcação dos verbos de
terceira pessoa do plural no PB-L2 da comunidade de fala aqui analisada.
Em vista disso, tendo estabelecido os procedimentos metodológicos a serem utilizados
em nossa análise, submetemos nossos dados ao programa estatístico e verificamos que haveria
a necessidade de amálgamas e exclusões em alguns grupos devido à baixa frequência do fator
ou à sua pouca relevância no grupo de que faz parte. Assim, desconsideramos a terceira faixa
etária, que corresponde aos informantes com mais de 60 anos, na variável faixa etária; e
amalgamamos os dois primeiros níveis de escolaridade – nível 1 (até a 5ª série) e nível 2 (da 6ª
série ao fundamental completo) – por apresentarem exatamente o mesmo peso relativo, como
veremos adiante. Uma vez concluídos esses processos, realizamos uma nova rodada cujos
resultados serão aqui apresentados em quadros, tabelas e/ou gráficos que demonstrem o
percentual e a probabilidade, por meio dos pesos relativos, de aplicação da marca de CV de
acordo com as variáveis linguísticas e extralinguísticas aqui apresentadas.
Dos 1070 dados com verbos de 3ª pessoa do plural, retirados das entrevistas realizadas
com falantes Guarani de PB-L2, 509 contêm a realização explícita de concordância verbal. Esse
número corresponde a 48% do total da amostra e a um input de realização de formas com marcas
de plural de .47, como mostra o gráfico a seguir:
113
Gráfico 04 - Realização/ não realização da CV na 3ª pessoa do plural de falantes de PB-L2.
Total de ocorrências: 1070/ Input: 0.47
Como podemos perceber com o input de .47, nossos dados apontam que, no português
de contato dos Guarani do Espírito Santo, a realização e a não realização da concordância verbal
na terceira pessoa do plural ocorreram quase na mesma proporção. Na análise anterior, com
falantes de PB-L1 que residem no entorno das aldeias Guarani, observamos que essas
comunidades exibem um percentual mais alto de aplicação das marcas de concordância de
número nos verbos para o perfil socioeconômico que apresentam. Considerando que é a essa
variedade de PB-L1 que os Guarani residentes em território capixaba estão expostos há mais de
50 anos, a verificação de nossa hipótese geral e, consequentemente, de nossas hipóteses
específicas, só se faz possível mediante a análise das variáveis linguísticas e sociais arroladas
em nossa metodologia de pesquisa.
Diante do exposto, conforme mencionado no Capítulo 5, que abordou os procedimentos
metodológicos adotados neste trabalho, os dados de CV variável da amostra de fala dos Guarani
foram analisados em função de onze variáveis independentes, sete linguísticas e quatro
extralinguísticas. São elas: saliência fônica; posição, distância e realização do sujeito;
paralelismo oracional; paralelismo discursivo; animacidade; traço semântico contável e não-
contável; tempo verbal; faixa etária; escolaridade; sexo e grau de contato. Enquanto, no
mapeamento das comunidades de entorno, foi considerada apenas uma faixa etária (20-45
anos); na comunidade indígena, foi possível situar os informantes Guarani em três faixas
50948%
56152%
Concordância Verbal
Realização Não realização
114
etárias: faixa 1, jovens (20 – 40 anos); faixa 2, intermediários (41 – 59 anos) e faixa 3, mais
velhos (+60 anos) – sendo esta última desconsiderada em nossa análise.
Assim, das onze variáveis submetidas à análise estatística, oito foram selecionadas pelo
Goldvarb X (SANKOFF; TAGLIAMONTE; SMITH, 2005) como estatisticamente relevantes.
São elas, conforme na tabela a seguir, de acordo com a ordem de seleção:
Quadro 14 – Grupos de fatores selecionados por ordem de relevância na amostra de PB-L2.
GRUPOS DE FATORES SELECIONADOS
01 Saliência fônica
02 Escolaridade
03 Paralelismo formal – nível oracional
04 Paralelismo formal – nível discursivo
05 Sexo
06 Grau de contato
07 Posição, distância e realização do sujeito
08 Traço semântico do sujeito: contável/não-contável
E três, portanto, foram descartadas:
Quadro 15 – Grupos de fatores descartados na amostra de PB-L2.
GRUPOS DE FATORES DESCARTADOS
01 Tempo verbal
02 Faixa etária
03 Traço semântico do sujeito: animacidade
Como podemos observar, comparando este resultado com o obtido para os dados
do PB-L1, o tempo verbal e o traço semântico [± animado] foram as únicas variáveis
linguísticas não selecionadas em ambas as análises sendo a variável posição, distância e
realização do sujeito também descartada nos dados de Aracruz. A variável que mapeia a faixa
etária também foi descartada na análise da amostra dos informantes Guarani. Ainda que não
tenham sido estatisticamente relevantes nos dados de PB-L2 de nossa amostra, duas dessas três
variáveis apresentaram percentuais na direção dos condicionamentos previstos em outros
estudos da concordância verbal de 3ª pessoa do plural com falantes de PB-L1: tempo verbal e
115
faixa etária (SCHERRE; NARO, 1997, 1998, 2010; VIEIRA, 1997; SILVA, 2005;
LUCCHESI; BAXTER; SILVA, 2009).
Como vimos nos capítulos anteriores, as pesquisas sociolinguísticas indicam que a
variável tempo verbal está diretamente relacionada à saliência fônica, sendo esta última a única
característica do verbo realmente relevante na realização ou não da marca explícita de
concordância verbal de 3ª pessoa do plural (SCHERRE; NARO; CARDOSO, 2007). O fato de
a saliência fônica ter sido a primeira variável selecionada na presente análise e de o tempo
verbal ter sido descartado corrobora essa afirmação. A hipótese para essa variável é a de que
tempos verbais cujas formas são mais salientes favorecem a concordância ao passo que tempos
com formas menos salientes a desfavorecem (VIEIRA, 1997; SCHERRE; NARO; CARDOSO,
2007; SCHERRE; NARO, 2010). Assim, dentre os tempos verbais codificados, temos, como
mais saliente, o pretérito perfeito do indicativo (andou/andaram) e, como menos saliente, o
presente do indicativo (anda/andam)41.
Nossos dados de PB-L2, seguiram nessa direção em números percentuais, pois
apresentaram 42% de ocorrências de aplicação de marcas de 3ª pessoa do plural em verbos no
presente do indicativo e 72,2% em verbos do pretérito perfeito do indicativo. Em outras
palavras, tempos verbais com formas mais salientes na oposição singular/plural apresentam
percentuais na direção daqueles observados em outras pesquisas: indicam que a realização
explícita da concordância é favorecida nesses contextos conforme esperado.
Para a variável faixa etária, a hipótese apontada pelas pesquisas sociolinguísticas sobre
esse fenômeno prevê que os falantes mais jovens possuem uma tendência maior a seguir a
norma de prestígio social tanto nos estudos sobre a língua materna quanto nos estudos de
aquisição de segunda língua. Tal distribuição foi a mesma encontrada em nossos dados ainda
que essa variável não tenha sido estatisticamente relevante: os mais jovens (20 – 40 anos)
aplicaram as desinências de plural em 57% das ocorrências e os mais velhos (41 – 59 anos), em
40% delas.
O comportamento esperado da variável traço semântico [± animado], por sua vez, é de
que sujeitos com traço semântico [+ animado] favorecem a realização explícita da concordância
nos verbos, e sujeitos que apresentam o traço oposto, [-animado] a desfavorecem (SCHERRE;
NARO, 1998, 2007; VIEIRA, 1997; SCHERRE; NARO; CARDOSO, 2007; LUCCHESI;
BAXTER; SILVA, 2009). Em nossa análise dos dados de falantes de PB-L1 do distrito de Santa
Cruz, conforme demonstrado no capítulo anterior, ainda que essa variável não tenha sido
41 Os verbos irregulares constituem exceção.
116
selecionada, seus percentuais replicaram a distribuição encontrada em outras comunidades de
fala nativas no português brasileiro. O mesmo não ocorreu nos percentuais da amostra Guarani:
dos 952 dados com sujeitos de traço semântico [+ animado], 451 apresentaram marcação de
plural representando um percentual de 47,4%; ao passo que sujeitos com traço semântico [-
animado] apresentaram um percentual de 49,2% de verbos com marcas de 3ª pessoa do plural.
Em prosseguimento a nossa análise, partiremos, então, para a discussão dos resultados
dos grupos selecionados pelo programa estatístico Goldvarb X (SANKOFF; TAGLIAMONTE;
SMITH, 2005). Cabe lembrar que, assim como foi feito na análise do capítulo anterior,
dividiremos as variáveis em linguísticas e extralinguísticas, apresentando os seus respectivos
pesos relativos, número de ocorrências e percentuais em tabelas, quadros e/ou gráficos sempre
que se fizer necessário.
7.1. Variáveis linguísticas
7.1.1 Saliência fônica
As pesquisas sociolinguísticas sobre a variabilidade da concordância verbal na língua
portuguesa atestaram, ao longo de mais de quatro décadas, a relevância da variável saliência
fônica (NARO; LEMLE, 1977; NARO, 1981; SCHERRE; NARO, 1997, 1998, 2006; VIEIRA,
1997; SILVA, 2005; LUCCHESI; BAXTER; SILVA, 2009; LUCCHESI, 2015b; BENFICA,
2016). O princípio básico, segundo os pesquisadores da área, é que o grau de diferenciação
entre as formas singular e plural é um fator determinante na realização ou não da concordância
no verbo. Assim, quanto mais salientes ou quanto mais perceptíveis forem aos interlocutores as
oposições singular/plural de determinado verbo, maior a probabilidade de a aplicação da
concordância ocorrer. Em contrapartida, quanto menos salientes ou menos perceptíveis forem
essas formas aos ouvidos do falante-ouvinte, menor a probabilidade de os verbos receberem as
marcas de plural.
Tanto na análise do PB-L1 do distrito de Santa Cruz quanto nesta análise de PB-L2 de
falantes Guarani, a saliência fônica esteve, em todas as rodadas, entre os dois primeiros grupos
mais relevantes, ficando atrás apenas de um dos paralelismos ou da posição, distância e
realização do sujeito quando não foi selecionada primeiro. Na análise dos dados de Aracruz,
como vimos, os resultados das comunidades de entorno replicaram, nos dois níveis de saliência
(não-acentuado e acentuado), os mesmos condicionamentos encontrados nos mais diversos
117
trabalhos sociolinguísticos da concordância verbal da 3ª pessoa do plural. Em se tratando dos
indígenas, que têm a língua portuguesa como L2, o caminho seguido não foi diferente, como
podemos ver na tabela a seguir, que traz os resultados referentes à saliência fônica, codificada
conforme encontramos em Scherre e Naro (1997).
Tabela 07 – Distribuição de formas verbais marcadas em função da variável saliência fônica
na amostra de PB-L2.
Tendo em vista a nossa hipótese de que os Guarani no Espírito Santo estão adquirindo
as marcas de CV, reunimos nesse grupo de fatores, mais uma vez, os seis níveis em ordem
crescente da hierarquia da saliência postulada por Naro (1981). Essa hierarquia foi estabelecida
em função de dois critérios: “(1) presença ou ausência de acento na desinência e (2) quantidade
de material fônico que diferencia a forma singular da forma do plural” (SCHERRE; NARO,
1997, p. 96), segundo os quais a oposição não acentuada ocupa os níveis mais baixos da escala,
desfavorecendo a concordância, e a oposição acentuada, por sua vez, favorece a realização
explícita da marca de concordância verbal (SCHERRE; NARO, 1997).
Assim sendo, considerando esses seis níveis escalares, nossos resultados demonstram
que, como ocorreu nos resultados das comunidades de entorno das aldeias Guarani, o efeito da
saliência fônica se demonstrou determinante no condicionamento das marcas explícitas da
concordância no verbo. Ambas as amostras obedeceram à hierarquia postulada por Naro (1981):
os níveis mais baixos desfavorecendo e os mais altos favorecendo a aplicação dessas marcas.
Assim como na primeira análise, o primeiro e o último níveis dos resultados para os Guarani
apresentam efeitos opostos – com range de 71 entre os níveis. No entanto, observa-se diferença
SALIÊNCIA FÔNICA
FATORES APL/TOTAL PORCENTAGEM PESO
RELATIVO
NÍV
EL
1 1. Não envolve mudança na qualidade da vogal na forma
plural. (consegue/ conseguem) 19/104 18,3% .13
2. Envolve mudança na qualidade da vogal na forma plural.
(joga/ jogam) 123/419 29,4% .24
3. Envolve acréscimo de segmentos na forma plural. (faz/
fazem) 21/58 36,2% .34
NÍV
EL
2
4. Envolve apenas mudança na qualidade da vogal na forma
plural. (vai/ vão) 70/119 58,8% .64
5. Envolve acréscimo de segmentos sem mudanças
vocálicas na forma plural; inclui o par foi/foram. (perdeu/
perderam) 152/207 73,4% .85
6. Envolve acréscimo de segmentos e mudanças diversas na
forma plural. (fez/ fizeram – é/são) 124/163 76,1% .84
TOTAL 509/1070 47,6% Input .44
118
na atuação desses fatores nos dados das duas amostras, Aracruz e Guarani. Enquanto, nos dados
do PB-L1, verificamos que há uma certa convergência de aproximação nos pesos relativos dos
fatores do nível 1 de saliência, no grupo de falantes Guarani, é possível observar a escala
crescente entre um fator e outro, como mostra o gráfico abaixo:
Gráfico 05 – Aplicação da regra de CV com a 3ª pessoa do plural conforme a saliência fônica
na amostra de PB-L2 (pesos relativos).
Como pode ser observado no Gráfico 05, como já vimos, quanto maior o nível de
saliência fônica, maior a probabilidade de implementação da marca de concordância nos verbos
com sujeitos que fazem referência à 3ª pessoa do plural. Em outras palavras, quanto maiores as
diferenças entre as formas verbais que distinguem singular e plural, como podemos notar, mais
propensas se tornam essas marcas de serem realizadas pelos falantes em estudo. Nessa variável,
portanto, os falantes Guarani replicam os mesmos condicionamentos estruturais para falantes
do português como L1 dos estudos sobre outras variedades do PB.
Um aspecto importante que deve ser destacado é que, nos resultados do PB-L1 dos
informantes do distrito de Santa Cruz, os valores para os fatores de cada nível da escala
apresentaram resultados muito próximos apontando a oposição de dois fatores apenas (não-
acentuado e acentuado). Em contrapartida, os resultados de PB-L2 de falantes Guarani, como
mostra o gráfico acima, com exceção do último nível, replicam a hierarquia não só entre os
fatores como também entre os níveis; ou seja, diferentemente do que ocorreu em PB-L1, nessa
amostra, houve a distinção bem marcada e em ordem crescente dos valores dos fatores de cada
13
24
34
64
85 84
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
1 2 3 4 5 6
PES
O R
ELA
TIV
O
NÍVEL DE SALIÊNCIA FÔNICA
Saliência fônica
119
nível da escala hierárquica postulada por Naro (1981). Scherre e Naro (1997), ao compararem
os resultados dos informantes do MOBRAL com os dados da Amostra Corpus Censo, se
depararam com um efeito parecido – a escala da primeira amostra apresentou uma separação
mais nítida entre os fatores de cada um dos níveis. Os pesquisadores chegaram à conclusão de
que essa nitidez evidencia uma amplitude maior de variação que tem a ver com as diferenças
de escolarização dos informantes pesquisados nas duas amostras (SCHERRE; NARO, 1997, p.
99).
Em nossa amostra de PB-L2, que replica a escala encontrada para falantes menos
escolarizados do Rio de Janeiro, como sabemos, há dados de informantes de diferentes níveis
de escolaridade – desde analfabetos a falantes com ensino superior. Considerando que a
amplitude de variação deva ser maior com a inclusão de falantes menos escolarizados,
realizamos uma rodada para verificar se o condicionamento para falantes de PB-L1 é o mesmo
para os Guarani do Espírito Santo. Os resultados encontram-se no gráfico abaixo:
Gráfico 06 - Aplicação da regra de CV com a 3ª pessoa do plural conforme a saliência fônica
e a escolaridade na amostra de PB-L2 (pesos relativos).
De acordo com o gráfico, o efeito da saliência fônica não é o mesmo nos dois níveis de
escolaridade para os fatores do nível 1. A escala observada nos estudos do PB-L1 emerge para
os dois em função da curva ser a mesma, no entanto, para os fatores do primeiro nível existe
uma convergência que não se observa para os fatores do nível 2. Como podemos observar, na
escala entre falantes com até 8 anos de escolaridade, os três primeiros fatores do nível não-
2
1319
44
67 69
29
41
53
79
91 91
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
1 2 3 4 5 6
Saliência x Escolaridade
Até 8 anos Acima de 8 anos
120
acentuado desfavorecem a concordância apresentando pesos relativos de .02, .13 e .19
respectivamente, sendo que os fatores 2 e 3 apresentam praticamente a mesma tendência de
desfavorecimento. Na escala com falantes mais escolarizados, por sua vez, a diferença entre
esses fatores é mais nítida. O mesmo pôde ser observado na escala sem os falantes com nível
universitário.
No segundo nível da escala, ambos os grupos apresentam condicionamentos
semelhantes. O resultado com falantes menos escolarizados, cujos pesos relativos são de .44,
.67 e .69 respectivamente, demonstra que os dois últimos fatores do nível acentuado da escala
apresentam a mesma tendência de favorecimento. O mesmo ocorre na escala com falantes mais
escolarizados que apresentou pesos relativos de .79, .91 e .91 – os dois últimos fatores do
segundo nível também apresentaram a mesma tendência de favorecimento. Falantes mais
escolarizados, contudo, incorporam mais as formas marcadas do verbo de terceira pessoa do
plural que os menos escolarizados – principalmente, se elas forem mais salientes.
Como se pode perceber, a escala é mais nítida, ou seja, apresenta um aumento crescente
de pesos relativos, nos dados de falantes mais escolarizados. Isso demonstra que a escolarização
influencia a amplitude da variação nos dados de falantes de PB-L2, de modo contrário ao que
ocorre com falantes de PB-L1 (cf. SCHERRE; NARO, 1997). Tal fato revela que, nesse
contexto de aquisição de uma segunda língua, os falantes adquirem primeiro as formas mais
perceptíveis/ salientes de número plural dos verbos de terceira pessoa do que as formas menos
perceptíveis/ menos salientes e que a escolaridade é significativamente relevante nesse
processo. Considerando que mais escolaridade significa mais contato com falantes nativos do
português brasileiro, esse resultado ratifica o que foi encontrado por Emmerich e Paiva (2009)
no português de contato da Reserva Indígena do Alto Xingu.
As autoras, a fim de investigar os princípios que determinam a direcionalidade da
variedade xinguana (pidnizante → depidginizante), fazem uma breve análise da redução das
desinências modo-temporais e número-pessoais. Nesse trabalho, Emmerich e Paiva (2009)
atestam que, no que se refere à variedade do português falado no Xingu, a incorporação de
ambas as desinências se deu, em grande parte, pela diferença fônica dos membros envolvidos
na oposição singular/ plural. O mesmo resultado foi encontrado por Loureiro (2005)42 em sua
análise da concordância nominal no PB-L2 da região xinguana – os plurais mais salientes foram
42 A cronologia entre os trabalhos de Loureiro (2005) e Emmerich e Paiva (2009) não foi respeitada, porque
privilegiamos o trabalho cujo fenômeno analisado foi a redução de desinências número-pessoais – mais próximo
do fenômeno por nós pesquisado.
121
incorporados antes dos menos salientes, como vem ocorrendo com os Guarani do Espírito
Santo.
7.1.2 Paralelismo formal - nível oracional
O princípio geral do paralelismo formal no nível oracional prediz que marcas nos
sujeitos levam a marcas nos verbos correspondentes e a ausência de marcas de plural nos
sujeitos leva à ausência de desinências de número nos verbos subsequentes (SCHERRE;
NARO, 1992, 1993; VIEIRA, 1997; SCHERRE, 1998; MONGUILHOTT, 2009; VIEIRA;
BAZENGA, 2015). Tal constatação pôde ser verificada nos dados da primeira análise com
falantes de PB-L1 aracruzenses e, agora, também nos dados Guarani, como mostra a próxima
tabela.
Tabela 08 – Distribuição de formas verbais marcadas em função da variável paralelismo
oracional na amostra de PB-L2.
PARALELISMO ORACIONAL
FATORES APL/TOTAL PORCENTAGEM PESO
RELATIVO
Presença de -s no último elemento do sujeito. 215/384 56% .62
Presença de zero no último elemento do sujeito. 61/229 26,6% .25
Presença de numeral no último elemento do
sujeito. 9/10 90% .76
Neutralização no último elemento do sujeito. 34/50 68% .66
TOTAL 319/673 47,4% Input .44
Assim como foi observado nos dados dos falantes de Santa Cruz e Coqueiral de Aracruz,
não obtivemos dados suficientes para a análise dos seis fatores propostos por Scherre e Naro
(1993) para o estudo do paralelismo oracional, a saber: presença de -s no último elemento do
sujeito não inserido em um sintagma preposicional (Sprep); presença da forma plural zero no
último elemento do sujeito não inserido em um sintagma preposicional (Sprep); presença de
forma plural explícita no último elemento do sujeito inserido em um sintagma preposicional
(Sprep) e presença da forma zero seja ela plural ou singular no último elemento do sujeito
inserido em um sintagma preposicional (Sprep) (SCHERRE; NARO, 1993).
122
Optamos, então, pela análise de apenas dois níveis, dentre os quatro primeiros, que
desconsideram a qualidade de o último elemento do sujeito estar ou não inserido em um Sprep,
conforme consta em nossa metodologia e no quadro acima representado: 1) presença de -s no
último elemento do sujeito e 2) presença de zero no último elemento do sujeito. A diferença
entre esta análise e a anterior é que aqui podemos verificar a atuação da presença de numeral
no último elemento do sujeito – dado insuficiente na análise realizada com a amostra do distrito
de Santa Cruz. Cabe ressaltar que, nos contextos de sujeito nulo ou posposto, os dados não
foram computados, devido à impossibilidade de se verificar a influência desse paralelismo
nessas estruturas.
Falantes Guarani e aracruzenses apresentaram resultados muitos próximos nos mesmos
fatores do paralelismo oracional. A presença de -s no último elemento do sujeito da amostra
Guarani favoreceu a aplicação da marca de concordância no verbo em 56% dos dados,
indicando a probabilidade de .62. O mesmo pôde ser verificado quanto à ausência de marcas
de número no sujeito: verbos antecedidos por sujeitos com presença zero de plural no último
elemento desfavorecem a realização de formas verbais marcadas, conforme o peso relativo de
.25 para este falar. Assim, mais uma vez, a comunidade indígena replicou os condicionamentos
apontados pelos estudos sociolinguísticos para a variável em questão: marcas levaram a marcas
e zeros levaram a zeros (SCHERRE; NARO, 1991, 1992, 1993).
No que diz respeito aos dados com neutralização no último elemento do sujeito (elas
são livres), os falantes Guarani, bem como os falantes das comunidades com as quais mantêm
contato mais intenso, apresentam o mesmo condicionamento apontado por Scherre e Naro
(1993): sujeitos cujos últimos elementos foram neutralizados apresentam o mesmo
comportamento daqueles com marcas explícitas de plural no último elemento. Na análise de
PB-L2, registramos 68% de ocorrências de verbos com desinências de plural em contextos de
neutralização – com probabilidade de ocorrência, segundo o programa estatístico, de .66 de
peso relativo.
Por último, temos os dados com presença de numeral43 no último elemento. Dos 10
verbos de terceira pessoa do plural nesse contexto, 09 deles apresentaram as marcas explícitas
de concordância, resultando um percentual de 90% de ocorrência com probabilidade de .76 de
peso relativo. Considerando o fator presença de -s no último elemento do sujeito, que
43 Não controlamos a presença ou não de -s no numeral, como Scherre (2001), devido ao número pequeno de dados
em nossa amostra nesse contexto. Seguimos, então, os casos arrolados em Scherre e Naro (1993), que, como vimos,
controlaram a presença e a ausência de marcas no último elemento do sujeito inserido ou não no sintagma
preposicionado, além da presença de numeral e de neutralização.
123
apresentou peso relativo de .62 na aplicação das marcas de plural, pode-se dizer que, assim
como ocorreu nos demais contextos, os falantes Guarani replicaram os mesmos
condicionamentos encontrados nas amostras de fala de falantes nativos do português brasileiro.
7.1.3 Paralelismo formal - nível discursivo
Assim como foi apontado no paralelismo de nível oracional, o princípio que rege os
paralelismos linguísticos prevê que marcas levam a marcas e zeros levam a zeros (SCHERRE;
NARO, 1992, 1993; VIEIRA, 1997; SCHERRE, 1998; MONGUILHOTT, 2009). Partindo
desse pressuposto, no nível discursivo, a expectativa para falantes nativos do português
brasileiro é que verbos com marcas explícitas de plural no discurso do falante ou do interlocutor
influenciem a realização das marcas nos verbos subsequentes, ao passo que verbos sem a marca
de plural favoreçam a ausência da mesma na ocorrência verbal seguinte, isto é, desfavoreçam a
realização de formas com desinências de número.
A análise anterior, com falantes nativos do português brasileiro, mostrou que esse
princípio, mais uma vez, foi ratificado. Em se tratando dos informantes Guarani, falantes de
PB-L2, os condicionamentos para a variabilidade da concordância verbal com falantes de PB-
L1, observados nas mais diversas pesquisas sociolinguísticas, mais uma vez, foram replicados.
Os resultados dessa amostra podem ser conferidos na tabela abaixo:
Tabela 09 – Distribuição de formas verbais marcadas em função da variável paralelismo
discursivo na amostra de PB-L2.
Nesse nível de paralelismo, como podemos perceber, os falantes Guarani apresentaram
.63 de peso relativo para a aplicação da marca explícita de concordância em contextos cujo
verbo precedente contém a marca de plural. Em contrapartida, nos contextos em que o verbo
PARALELISMO FORMAL – NÍVEL DISCURSIVO
FATORES APL/TOTAL PORCENTAGEM PESO
RELATIVO
1. Verbo precedido de verbo com marca formal
de plural explícita no discurso do falante ou do
interlocutor. 187/271 69% .63
2. Verbo precedido de verbo com marca zero de
plural no discurso do falante ou do interlocutor. 56/231 24,2% .27
3. Verbo isolado ou primeiro de uma série. 266/568 46,8% .53
TOTAL 509/1070 47,6% Input .44
124
precedente não possui as desinências de número, a probabilidade de aplicação da concordância
no verbo subsequente foi de apenas .27 – das 231 ocorrências desse fator, apenas 24,2%
receberam as marcas de concordância verbal.
Em contextos em que o verbo está isolado ou é o primeiro da série, por sua vez, essa
distância diminui. Como podemos observar, nossos dados apresentam .53 de probabilidade de
aplicação da marca de concordância em verbos que se enquadram nesse caso. Segundo Scherre
e Naro (1993)44, esse resultado indica que verbos isolados ou primeiro de uma série não
exercem influência (des)favorecedora na média global da concordância uma vez que se
localizam muito próximo ao peso de influência neutra (SCHERRE; NARO, 1993; GUY;
ZILLES, 2007).
7.1.4 Posição, distância e realização do sujeito
A hipótese para posição, distância e realização do sujeito, de acordo com os estudos de
concordância verbal de terceira pessoa do plural, é a de que sujeitos antepostos e adjacentes ao
verbo favorecem a aplicação das desinências verbais de número enquanto sujeitos pospostos e
distantes desfavorecem (SCHERRE; NARO, 1997, 1998, 2007; VIEIRA, 1997; SILVA, 2005;
MONGUILHOTT, 2009; MASCARELLO, 2010; BENFICA, 2016).
Em nossa análise, com falantes nativos do português brasileiro, essa variável não se
mostrou estatisticamente relevante e, por isso, foi descartada. Seus percentuais de aplicação,
contudo, indicaram que Santa Cruz e Coqueiral de Aracruz seguem a mesma direção do que se
tem observado em outras variedades do português brasileiro como L1. Considerando essa
realidade sociolinguística, partimos para a análise da amostra Guarani que, para a variável
posição, distância e realização do sujeito, apresentou os seguintes resultados:
44 Nessa pesquisa, o contexto em que o verbo isolado ou primeiro de uma série apresentou probabilidade de .48 de
peso relativo de aplicação da concordância verbal – um valor muito próximo dos .53 revelados por nossa análise.
125
Tabela 10 – Distribuição de formas verbais marcadas em função da variável posição e
realização do sujeito na amostra de PB-L2.
POSIÇÃO, DISTÂNCIA E REALIZAÇÃO DO SUJEITO
FATORES APL/TOTAL PORCENTAGEM PESO
RELATIVO
Sujeito imediatamente anteposto ao verbo. 205/377 54,4% .58
Sujeito anteposto distante de 1 a 4 sílabas do
verbo. 100/264 37,9% .45
Sujeito anteposto distante de 5/+ sílabas do
verbo. 14/32 43,8% .34
Sujeito posposto ao verbo. 36/83 43,4% .22
Sujeito nulo com referente próximo (até 10
orações). 143/302 47,4% .51
Sujeito nulo com referente distante (acima de
10 orações). 11/12 91,7% .88
TOTAL 509/1070 47,6% Input .44
Na amostra de falantes de PB-L2, como podemos perceber, assim como indicaram os
percentuais de aplicação dos dados de falantes de PB-L1 das comunidades de entorno, a
anteposição e a proximidade do sujeito também são condicionamentos estruturais que
favorecem a realização das marcas explícitas de concordância nos verbos. Das 377 ocorrências
de verbos de terceira pessoa com sujeitos antepostos, 205 apresentaram a marca explícita da
concordância verbal, o que corresponde a 54,4% de verbos marcados nesse contexto. Em
contextos de sujeitos pospostos, por sua vez, de 83 ocorrências, 36 foram marcadas – um
percentual de 43,4%. Tais resultados indicaram probabilidade de ocorrência da variante
marcada de .58, em contextos com sujeitos imediatamente antepostos, e .22 em contextos com
sujeitos localizados à direita do sintagma verbal – sendo este o contexto que mais desfavorece
a realização de formas verbais marcadas na terceira pessoa do plural considerando todos os
fatores do grupo.
Em relação à distância, nossos dados mostraram que, quanto maior a distância entre os
núcleos dos sujeitos e seus verbos correspondentes, menores as probabilidades dessas marcas
de plural ocorrerem. No quadro acima, sujeitos imediatamente próximos apresentaram peso
relativo de .58; sujeitos antepostos distantes até 4 sílabas do verbo, de .45 e sujeitos distantes
cinco sílabas ou mais, de .34 – revelando uma diminuição da probabilidade de os verbos serem
marcados à medida que a quantidade de material fônico entre o núcleo do sujeito e o verbo
aumentou.
Para sujeitos nulos, os índices de aplicação foram de .51 para sujeitos distantes até dez
orações e de .88 para sujeitos distantes mais de dez orações do verbo correspondente. Esses
126
mesmos efeitos foram encontrados por Scherre e Naro (1997); segundo os pesquisadores, isso
ocorre devido ao princípio da economia linguística. A informação de plural em sujeitos com
zero próximo é mais facilmente recuperável do que a informação de plural em sujeitos com
zero distante. Dessa forma, quanto maior a distância entre o sujeito zero e sua respectiva forma
verbal, maior a probabilidade desses verbos receberem a marca explícita de plural como ocorreu
nos dados de PB-L2 de nossa amostra.
7.1.5 Traço semântico do sujeito: contável/ não-contável
A variável de traço semântico contável/não-contável, como observamos em nossa
metodologia, foi proposta devido à necessidade de verificarmos se há transferência da língua
materna para o português falado pelos Guarani do Espírito Santo, pois, na L1 desses
informantes, a marcação de plural no verbo ocorre apenas com nomes contáveis (DOOLEY,
2013). A hipótese para esse traço semântico do sujeito é que nomes contáveis levam à marcação
de plural no verbo, ao passo que nomes não-contáveis a desfavorecem. Os resultados para a
essa variável encontram-se dispostos na tabela abaixo:
Tabela 11 – Distribuição de formas verbais marcadas em função da variável traço semântico
do sujeito contável/ não-contável na amostra de PB-L2:
TRAÇO SEMÂNTICO - CONTÁVEL/ NÃO-CONTÁVEL
FATORES APL/TOTAL PORCENTAGEM PESO
RELATIVO
Contável 492/1015 48,5% .51
Não-contável 17/38 30,9% .22
TOTAL 509/1070 47,6% Input .44
Como podemos observar, dos 1015 dados com nomes contáveis, 48,5% (.51) deles
receberam a marca de concordância nos verbos de terceira pessoa do plural. O traço semântico
não-contável, por sua vez, configurou-se como desfavorecedor da realização das formas
marcadas do verbo, pois, dos 38 dados encontrados nesse contexto, apenas 30,9% deles foram
marcados, com probabilidade de ocorrência de .22.
127
Segundo Dooley (2013), em Guarani, verbos no plural só ocorrem com nomes
contáveis; em vista disso, nossa hipótese para essa variável era a de que esse traço semântico
favoreceria a realização da variante de prestígio da concordância verbal – como de fato ocorreu.
Sua seleção e a confirmação da hipótese indicam que os falantes da amostra de PB-L2
transferem esse padrão de marcação de plural nos verbos da língua materna para a língua alvo.
Os falantes da comunidade Guarani residente no Estado do Espírito Santo replicam,
assim, todos os condicionamentos estruturais a que estão expostos. O gráfico abaixo nos fornece
uma visão comparativa de todos os resultados das variáveis linguísticas analisadas em ambas
as amostras que constituem o corpus deste trabalho:
Gráfico 07 – Realização da CV na 3ª pessoa do plural de falantes de PB-L1 e PB-L2 de acordo
com as variáveis linguísticas selecionadas em ambas as amostras (pesos relativos).
Nesse gráfico, encontramos os pesos relativos para as variáveis linguísticas selecionadas
em ambas as análises: em verde, estão os valores dos falantes Guarani e, em azul, os valores
dos falantes do distrito de Santa Cruz. A gradiência na tonalidade de azul da amostra de PB-L1
serve para sinalizar cada variável representada; assim, temos, em azul escuro, os dados de
paralelismo discursivo (PD) seguidos pelos dados de saliência fônica (SF), em um tom
PD SF PO
Aracruz 70 21 44 30 32 31 75 79 79 53 15 68
Guarani 63 27 53 13 24 34 64 85 84 62 25 66
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
VARIÁVEIS LINGUÍSTICAS SELECIONADAS
128
intermediário, e, por último, em azul mais claro, os dados de paralelismo formal no nível
oracional (PO).
O objetivo dessa apresentação é sintetizar o que foi observado até este momento do
trabalho, comparando não os pesos relativos das referidas amostras, mas o direcionamento das
variáveis na aquisição do português brasileiro como segunda língua que pode ser verificado
pelo traçado da amostra Guarani no gráfico. Pode-se perceber, assim, que além de os falantes
indígenas e os falantes das comunidades não-índias compartilharem condicionamentos comuns
para a realização da marca de plural nos verbos, esses condicionamentos operam em PB-L2 na
mesma direção do PB-L1 a que estão expostos.
Em vista disso, pode-se dizer que as mesmas forças que atuam na variação da
concordância verbal no português brasileiro com falantes nativos, regulam a aquisição das
formas marcadas do verbo de terceira pessoa na variedade da língua portuguesa que os Guarani
estão adquirindo, no seguinte sentido: os padrões que favorecem a realização explícita da
concordância no verbo para falantes de PB-L1 propiciam a incorporação mais rápida da variante
de prestígio na fala dos informantes de PB-L2 (cf. EMMERICH, 1984; LOUREIRO, 2005;
EMMERICH; PAIVA, 2009).
O trabalho de Emmerich e Paiva (2009), por exemplo, como vimos no tópico 7.1.1,
atestou a relevância da saliência fônica na incorporação das marcas de plural no português
falado pelos índios do Parque Nacional Indígena do Xingu. Segundo essa pesquisa, as formas
mais salientes são adquiridas antes das formas menos salientes, que exibem um processo de
aquisição mais lento. Tal processo também se repetiu em nossa amostra de PB-L2 Guarani,
sendo esta, a variável mais relevante em nossa análise da concordância verbal de número
segundo o programa estatístico. Segundo as autoras, “as oposições distintivas do português
tendem a ser incorporadas, na fala do indígena (...) de forma incipiente no início, para,
gradativamente, se instalar de forma variável” (EMMERICH; PAIVA, 2009, p. 158).
7.2 Variáveis sociais
7.2.1 Escolaridade
A variável extralinguística “escolaridade” foi a segunda variável selecionada pelo
programa estatístico Goldvarb X (SANKOFF; TAGLIAMONTE; SMITH, 2005) – uma
posição que evidencia sua relevância no estudo da variabilidade da concordância verbal de
129
terceira pessoa do plural na amostra de fala Guarani. Essa variável, como sabemos, está
diretamente ligada à apropriação de variantes de prestígio. É, muitas vezes, na escola, que o
falante passa a ter consciência do estigma relacionado à variante zero da concordância verbal.
Em vista disso, a hipótese para essa variável é a de que, quanto maior o nível de escolarização,
maior a probabilidade dos falantes realizarem as marcas de concordância nos verbos
(SCHERRE; NARO, 1997, 1998; 2014; SILVA, 2005; MONGUILHOTT, 2009; VIEIRA;
BAZENGA, 2015).
Como vimos no capítulo anterior, nas comunidades de entorno das aldeias Guarani, a
escolaridade dos informantes se mostrou relevante não só por ter sido a primeira variável social
selecionada naquela análise, como também por mostrar, estatisticamente, ser mais forte que a
variável sexo. Na análise de PB-L1, informantes mais escolarizados tenderam a realizar mais a
concordância verbal que informantes menos escolarizados com um range de 29 pontos entre
um nível e outro. Em PB-L2, por sua vez, o Goldvarb X (SANKOFF; TAGLIAMONTE;
SMITH, 2005) revelou os seguintes resultados:
Tabela 12 – Distribuição de formas verbais marcadas em função da variável escolaridade na
amostra de PB-L2.
ESCOLARIDADE
FATORES APL/TOTAL PORCENTAGEM PESO
RELATIVO
Até 8 anos de escolaridade. 151/491 30,8% .25
Mais de 8 anos de escolaridade. 358/579 61,8% .71
TOTAL 509/1070 47,6% Input .44
A tabela acima nos mostra, mais uma vez, que os resultados para este grupo de fatores
nos dados dos Guarani, residentes no Espírito Santo, replicam o mesmo condicionamento que
os falantes nativos do português brasileiro para essa variável. Cabe lembrar que, inicialmente,
os informantes indígenas foram estratificados em três níveis de escolaridade: nível 1 – até a 5ª
série; nível 2 – da 6ª série até o fundamental completo e, nível 3, ensino médio em diante. Uma
vez que os resultados encontrados para os dois primeiros níveis indicaram pesos relativos
exatamente iguais (.25), com pequenas diferenças nos percentuais, decidimos amalgamar os
dois primeiros níveis de escolaridade.
130
O resultado apontado pela plataforma estatística foi exatamente igual ao anterior:
falantes com até 8 anos de escolaridade, período que correspondia ao ensino fundamental
completo45, apresentaram probabilidade de .25 de peso relativo para a aplicação da regra de
concordância no verbo, enquanto falantes com mais de 8 anos escolaridade apresentaram
probabilidade de .71. O range de 46 entre os níveis evidencia que essa variável exerce uma
influência ainda maior em informantes que não possuem o português como língua materna
quando comparado ao resultado da comunidade a que estão expostos.
Esse efeito mais acentuado da escolaridade nos dados dos Guarani em comparação aos
dados de Santa Cruz advém, em certa medida, do fato de que há, entre os falantes de PB-L2,
desde analfabetos até informantes com ensino superior – o que não ocorre na amostra de
falantes de PB-L1. Outro fator relevante diz respeito à própria configuração do ensino indígena
ofertado a esses informantes.
A educação indígena no Brasil é orientada pelo RCNei – Referencial Curricular
Nacional para as Escolas Indígenas. Segundo este documento, a língua de instrução deve ser a
língua materna indígena e o português brasileiro deve ser ofertado como língua estrangeira.
Essa proposta bilíngue, contudo, não condiz com o que ocorre na comunidade Guarani do
Espírito Santo. Na escola indígena localizada dentro da aldeia, os alunos são ensinados em
Guarani e aprendem o português brasileiro como segunda língua, como determina o Referencial
até o 5º ano do ensino fundamental. Nessa fase, as turmas contam com um professor Guarani
para todas as disciplinas. No segundo ciclo, do 6º ao 9º ano, contudo, os alunos Guarani são
ensinados por professores Tupinikim que, como sabemos, são falantes de PB-L1. Nesse
contexto, a língua Guarani passa apenas a ser ofertada como disciplina.
No segundo nível da educação básica, por sua vez, que compreende o ensino médio, até
o momento de nossas entrevistas, os alunos frequentavam as escolas de ensino regular não-
indígenas fora do Território Indígena. Isso explica, em parte, os resultados aqui apresentados
no seguinte sentido: índios mais escolarizados têm mais oportunidades de socialização e
mantêm contato com mais frequência com falantes de PB-L1 que índios menos escolarizados.
Em vista disso, considerando que em nossa amostra há dois informantes graduados no
segundo nível e duas informantes analfabetas no primeiro nível, sentimos a necessidade de
verificar o efeito dessa variável em duas outras rodadas: uma sem os informantes mais
escolarizados da amostra e outra sem as informantes com nenhuma escolaridade. Na primeira
45 O ensino fundamental de nove anos passou a vigorar em algumas regiões do Brasil apenas a partir de 2005 com
período máximo de implementação até 2010. Considerando que o acréscimo de um ano deveria ser feito no início
da escolarização (MEC), nenhum dos nossos informantes foi beneficiado por esse sistema de ensino.
131
rodada46, foram selecionadas pelo Goldvarb X (SANKOFF; TAGLIAMONTE; SMITH, 2005)
as seguintes variáveis: saliência fônica, escolaridade, paralelismo oracional, sexo, grau de
contato, animacidade, paralelismo discursivo, posição/distância/realização do sujeito e traço
semântico contável/não-contável, nessa ordem; foram descartadas as variáveis tempo verbal e
faixa etária. Além da mudança na ordem das variáveis selecionadas, a única diferença nessa
seleção foi a de que o traço semântico do sujeito [± animado], descartado na rodada com todos
os informantes, foi selecionado na nova rodada.
Verificamos que todos os condicionamentos se mantiveram, inclusive aqueles ligados
às variáveis sexo e grau de contato, como veremos adiante. Quanto à escolaridade, além dessa
variável também ter sido a segunda selecionada, o efeito foi exatamente o mesmo: informantes
com até 8 anos de escolaridade apresentaram peso relativo de .30 e informantes com mais de 8
anos apresentaram peso relativo de .80 – mantendo, assim, o range de cerca de 50 pontos da
rodada com os todos 16 informantes.
A diferença mais significativa que a ausência desses informantes ocasionou, além da
seleção de uma variável a mais e dos resultados da variável saliência fônica, que apresentou
valores muito baixos para o primeiro nível, foi no input da rodada que, de .44, caiu para .30 –
uma diferença de 14 pontos que ratifica, mais uma vez, a hipótese de que, quanto mais anos de
escolarização, maior a probabilidade das formas marcadas ocorrerem nos dados dos
informantes de PB-L2. Na rodada sem as informantes analfabetas, por sua vez, todas as
seleções, resultados e condicionamentos permaneceram iguais à rodada completa. O efeito
encontrado para a variável escolaridade, assim, se manteve igual em todas as rodadas realizadas.
Em um artigo recente, Scherre e Naro (2014) discutiram o aumento do efeito dessa
variável na realização da concordância verbal em dados de falantes de PB-L1 do Rio de Janeiro.
Por meio de duas amostras do PEUL47, a primeira de 1980 e a segunda de 2000, ambas com os
mesmos informantes, os pesquisadores constataram que a polarização da variável escolaridade
aumentou nesse intervalo de 20 anos entre as amostras, evidenciando uma distribuição social
cada vez mais desigual da variante padronizada.
Na amostra de 1980, o Goldvarb X (SANKOFF; TAGLIAMONTE; SMITH, 2005)
selecionou essa variável extralinguística em 11º lugar; na amostra seguinte, a escolaridade foi
a primeira das onze variáveis selecionadas exibindo o maior intervalo de todas elas. Isso indica,
segundo os autores, que houve um aumento do efeito dessa variável na realização das marcas
de concordância. A ausência de concordância nos verbos de terceira pessoa do plural está,
46 A rodada completa sem os informantes mais escolarizados encontra-se em uma tabela no anexo desta pesquisa. 47 Programa de Estudos sobre o Uso da Língua, com sede na UFRJ.
132
assim, sob avaliação negativa; Scherre e Naro (2014) salientam, inclusive, que a não aplicação
dessas marcas de plural geralmente é considerada como um sinal de “não saber falar o
português”.
Entendemos que o estigma social causado pelo preconceito linguístico é amplificado
quando se trata de indivíduos socialmente marginalizados como os indígenas e que isso se
reflete na relação dos mesmos com as instituições de ensino. Não foi raro encontrar, em nossa
amostra de PB-L2, relatos de preconceito sofrido na escola e relatos da importância das
instituições de ensino para a comunidade indígena, ainda que elas configurassem um risco à
manutenção da identidade étnica.
Informantes Guarani e aracruzenses repetiram, mais de uma vez, que os Guarani
aprendem a falar português na escola, embora saibamos da proximidade das aldeias com as
comunidades de falantes nativos do português brasileiro. Um dos excertos de fala Guarani que
melhor ilustra o que nossos resultados apontam é o do informante M3; segundo ele, a pessoa
com mais estudo tem uma “diferença” que ele não tem e por isso ele a respeita:
A gente temo um grande respeito pelas pessoa que estuda, que tem o seu estudo, né;
eu não tenho nada a ver... Maisi a pessoa que já tem um estudo, eles têm mais um
pouco... Uma diferença que a gente que não temo, né... E memo assim, a gente né...
A gente trabalha igual. (Inf. M3/PB-L2 – excerto de fala extraído de nosso banco de
dados)
7.2.2 Sexo
A variável sexo, na amostra de dados de falantes Guarani, foi a segunda variável
extralinguística selecionada pela plataforma estatística e a quarta dentre todas as variáveis
independentes; isso evidencia a relevância do efeito dessa variável no condicionamento da
concordância verbal na terceira pessoa do plural. Sabemos que, de acordo com as pesquisas
sociolinguísticas, há uma regularidade no fato de as mulheres tenderem a usar mais as formas
prestigiadas da língua que os homens.
Segundo Labov (2008), isso se dá porque as mulheres são mais sensíveis aos padrões
de prestígio que os homens. Paiva (2010), por sua vez, salienta que esse padrão feminino é
característico de análises em comunidades de fala ocidentais e que esse padrão pode se reverter
em comunidades de fala em que a organização social e os valores culturais forem distintos.
Um exemplo ilustrativo dessa possibilidade é o resultado encontrado em comunidades
quilombolas pesquisadas pelo Projeto Vertentes do Português Popular da Bahia, coordenado
133
pelo professor Dr. Dante Lucchesi; nessas pesquisas, os homens é que tendem a usar mais a
variante prestigiada da concordância verbal. Isso resulta do papel que homens e mulheres
exercem dentro dessas comunidades de fala; enquanto eles mantêm mais contato com o exterior,
elas ficam restritas ao ambiente doméstico e ao trabalho na roça (SILVA, 2005; LUCCHESI;
BAXTER; SILVA, 2009). Considerando que essa também é a realidade das mulheres Guarani
e que o papel social exercido pelo falante se reflete nos seus usos linguísticos, nossa hipótese é
a de que o resultado da amostra de PB-L2 divergirá do encontrado na amostra de PB-L1, em
que as mulheres tenderam mais à aplicação das marcas de concordância nos verbos. Os
resultados encontrados estão arrolados na tabela a seguir:
Tabela 13 – Distribuição de formas verbais marcadas em função da variável sexo na amostra
de PB-L2.
SEXO
FATORES APL/TOTAL PORCENTAGEM PESO
RELATIVO
Masculino. 464/900 51,6% .60
Feminino. 45/170 26,5% .09
TOTAL 509/1070 47,6% Input .44
Como podemos perceber, os resultados para a amostra de PB-L2 indicados no quadro
acima, confirmam nossa hipótese. Enquanto os homens realizaram as formas marcadas de plural
em 51,6% do total das ocorrências de verbos com sujeito referente à terceira pessoa do plural,
as mulheres aplicaram em apenas 26,5% do total de verbos. Esses percentuais se associam,
respectivamente, a uma probabilidade de aplicação para os homens de .60 e para as mulheres
de .09 – um range de 51 entre um fator e outro – uma diferença ainda maior do que aquela
encontrada no estudo de falantes de PB-L1 das comunidades rurais afro-brasileiras que serviram
de base para a formulação da nossa hipótese (cf. SILVA, 2005; LUCCHESI; BAXTER;
SILVA, 2009). Atente-se para o fato de que nossa amostra, mesmo possuindo oito informantes
de cada sexo, possui um total de 900 dados de informantes masculinos contra 170 de
informantes femininos entrevistados e gravados em circunstâncias iguais. Essa distância
acentuada nos resultados de homens e mulheres da comunidade Guarani reflete a diferença de
estágio aquisitivo do PB-L2 em que ambos os grupos de falantes se encontram.
134
Durante nossas coletas de dados nas aldeias Guarani do Espírito Santo, pudemos
observar uma diferença nos papéis sociais exercidos por homens e mulheres, diferença esta que
foi confirmada mais de uma vez pelos próprios falantes entrevistados, como indicam os excertos
abaixo retirados de nosso banco de dados:
(...) bom, de primeiro a gente tinha a escolinha ali embaixo, né? Só que os professores
eram mais eh não indígena. Então, quando vinha os primeirinho né, os gurizinho, que
ia pra escola às vezes ficava perdido, porque a professora só fala em português e as
crianças só falava só a língua guarani, só a língua materna. Aí ficava os dois lados
sem entender; ia pra escola e voltava sem entender nada. Então a gente conseguiu os
professores da nossa própria comunidade, né? (...) eu mesmo só aprendi só de doze
ano em falar português, depois que eu completei doze anos (...) tem algumas mulher
que não fala mesmo o português, entende um pouco mas não entende todos. (Inf.
M1/PB-L2)
D: mas você sabe contar alguma história de alguma coisa que aconteceu?/ IF: tem mas
eu/é um pouco complicada pra mim ((risos)) falar em português ((risos)) porque eu
também não sou muito de... ((risos)) Assim, não sei muito falar muito bem assim
tamém não ((risos)) muita coisa. (Inf. F7/PB-L2)
(...) ah de homi... Não sei dizer não, mais de home é... Capinar. Nós, mulher, a gente
limpa a casa, faiz a comida, lava ropa... Essas coisa. (Inf. F6/PB-L2)
aqui a gente tem um gru/eu trabalho mais com as minha minina mesmo... junto aqui;
a gente faz artesanato, a gente cuida da casa, é assim que a gente fica aqui. (Inf. F5/PB-
L2)
Os excertos acima, como podemos perceber, corroboram o que foi apontado por nossos
dados. No primeiro exemplo, temos o depoimento de um homem sobre algumas mulheres, na
opinião dele, não saberem falar bem a língua portuguesa. Isso é repetido nos dois excertos
seguintes em que duas mulheres demonstram sua dificuldade/insegurança em responder a
nossas perguntas em português – para nós, é evidente que a informante F6 sabe quais as
atividades realizadas pelos homens dentro das aldeias, mas não sabe como expressá-las na
segunda língua. É importante ressaltar que três de nossas informantes se recusaram a nos contar
uma história sob o mesmo argumento, ainda que tenham sido solícitas e prestativas durante toda
a entrevista.
As duas informantes idosas, por sua vez, apresentaram reações diferentes: a informante
F148 era mais tímida, limitou-se a sorrir na maior parte das perguntas que lhe fizemos; já F2 era
mais extrovertida – fazia com que repetíssemos as perguntas de outras formas até que soubesse
respondê-las. As informantes F5 e F6 também ratificam o que foi observado por nós em nossas
idas às aldeias: elas se circunscrevem ao ambiente doméstico e à fabricação de artesanatos.
48 O quadro com a descrição individual dos informantes de PB-L2 encontra-se na página 77 do Capítulo 5.
135
Em nossa amostra, apenas um informante do sexo feminino possuía um emprego formal:
ela trabalhava como merendeira na escola indígena presente na aldeia. Por fim, ainda sobre o
excerto da informante F5, que alega trabalhar mais com suas filhas, acrescentamos o
depoimento extraído de Carvalho (2013) – importante para entendermos o comportamento
diferenciado da única mulher de grau alto de contato, como veremos na próxima seção:
Na infância, a criança menino acompanha o pai nas suas atividades diárias, enquanto
que a criança menina acompanha a mãe nos seus afazeres tanto de natureza doméstica
quanto de artesanatos, entre outros. Assim a mãe, assim como o pai da criança,
transmite ao pequeno indígena o modo de fazer e de pensar das suas tradições, bem
como os valores e os conhecimentos específicos da cultura de seu povo. As conversas
e os conselhos são fundamentais para a criança, tudo que a família faz reflete nas
crianças, elas repetem o que os adultos fazem. (p. 35)
Nas comunidades indígenas xinguanas, Emmerich (1984) identificou que, em relação
ao sexo, à semelhança do que ocorre na comunidade Guarani, os códigos socioculturais da
Reserva também restringiam o desempenho linguístico das mulheres:
As mulheres, em face das suas atribuições tribais diversificadas dos homens, pouco
participam da vida pública da aldeia, do que decorre seu contato esporádico com o
caraíba. No âmbito do grupo doméstico, por força de regras culturais, ela se mostra
reservada linguisticamente, só interagindo verbalmente sem restrições em contextos
estritamente femininos. (EMMERICH, 1984, p. 98-99)
Os diferentes papéis sociais de homens e mulheres, como ocorre nas comunidades
xinguanas, têm como consequência diferentes formas de contato com o português brasileiro
que geram consequências na aquisição da segunda língua – o que nos leva a nossa última
variável. A variável sexo é, portanto, a única selecionada nas duas amostras que apresenta
comportamentos diferentes entre os informantes de PB-L1 e PB-L2 em nossa análise sobre a
variabilidade da concordância verbal, e isso se deve, como vimos, aos papéis sociais que elas
desempenham em suas respectivas comunidades.
7.2.3 Grau de contato
A variável extralinguística grau de contato revelou-se a quinta variável mais relevante
de nossa amostra de PB-L2. Conforme consta em nossa metodologia, nossa hipótese para o
efeito dessa variável na realização/não realização da concordância verbal é de que quanto maior
o contato com a comunidade de falantes nativos do PB-L1, maior a probabilidade dos nossos
136
informantes Guarani realizarem as marcas de concordância nos verbos. Os resultados dessa
variável encontram-se na tabela a seguir:
Tabela 14 – Distribuição de formas verbais marcadas em função da variável grau de contato
na amostra de PB-L2.
GRAU DE CONTATO
FATORES APL/TOTAL PORCENTAGEM PESO
RELATIVO
Baixo. 24/95 25,3% .73
Moderado. 56/127 44,1% .82
Alto. 429/848 50,6% .41
TOTAL 509/1070 47,6% Input .44
De acordo com o quadro acima, dos 509 dados com realização das marcas de
concordância no verbo de terceira pessoa do plural, 25,3% são de pessoas de baixo contato,
44,1% de grau moderado e 50,6% de grau mais elevado de contato linguístico com as
comunidades de entorno. Se considerarmos apenas esses percentuais de ocorrências da variante
de prestígio, nossa hipótese inicial se confirma: quanto maior o grau de contato do informante
com a comunidade nativa de língua portuguesa, maior uso das marcas de concordância nos
verbos.
Não é o que apontam, contudo, os pesos relativos resultantes dessa rodada. De acordo
com esses resultados, informantes de grau moderado realizam mais as desinências de plural nos
verbos que informantes de grau baixo e de grau alto, nessa ordem. Os resultados por nós obtidos
demonstram que informantes com maior grau de contato apresentam peso relativo de .41, ao
passo que informantes de grau baixo de contato apresentam peso relativo de .73.
O grau moderado também foge do padrão por nós esperado como fator intermediário
entre os dois extremos, pois indicou probabilidade de .82, maior que os outros dois. O range
entre o valor mais alto (grau moderado) e o valor mais baixo (grau alto) é de 41 pontos,
evidenciando que informantes do grau mais elevado da escala apresentam uma probabilidade
bem menor de realizar a concordância que os informantes do nível imediatamente anterior.
De acordo com esses resultados, a probabilidade de ocorrência da marca de
concordância nessa comunidade obedeceria uma escala decrescente: quanto maior o grau de
contato, menor a probabilidade de ocorrência de marcação explícita de CV. Houve, como
137
podemos perceber, uma inversão de valores de peso relativo e percentuais, provavelmente
relacionada à distribuição dos falantes nessas células.
No nível 1 dessa rodada, quando não há ainda a atuação de um fator sobre o outro, os
pesos relativos para os graus baixo, moderado e alto de contato foram de .27, .46 e .53
respectivamente – correspondendo ao que foi apontado pelas porcentagens. A inversão de pesos
relativos ocorreu no nível 5, momento em que a variável sexo foi selecionada. Isso ocorreu
porque a amostra não possui uma boa distribuição de homens e mulheres de acordo com o grau
de contato – não há, dentre os informantes, homens com grau baixo de contato, e, em relação
às mulheres, apenas uma delas possui grau alto.
Ao realizarmos uma tabulação cruzada entre as variáveis sexo e grau de contato, ficou
evidenciada a existência de células vazias, confirmando, assim, que a inversão entre percentuais
e pesos relativos de nossa última variável analisada se deve à distribuição desequilibrada dos
dados nessas células e a uma sobreposição dessas variáveis. Guy e Zilles (2007) afirmam que
as células sociais devem tender à ortogonalidade para que não haja sobreposição ou
enviesamento das variáveis, mas, como nem sempre esse ideal de amostra homogênea é
alcançado, os linguistas usam como válidos também os resultados sem convergência
(SCHERRE; NARO, 2010).
Desse modo, objetivando investigar se há diferença na aquisição dos padrões de
variação do português brasileiro, foram realizadas novas rodadas isolando os dados por grupo
de falante em função do grau de contato para verificar se os grupos de fatores linguísticos se
comportam conforme a rodada principal. Foram realizadas 4 rodadas com controles distintos
dessa variável: primeiro, rodamos os dados somente com o grau alto de contato; em seguida,
rodamos apenas os dados de grau baixo de contato; em uma terceira rodada, amalgamamos os
graus baixo e moderado e, por último, excluímos os dados de grau alto e rodamos apenas os
graus baixo e moderado.
Nas três primeiras rodadas, não encontramos diferenças significativas em relação à
rodada com todos os dados, cujos resultados estão apresentados neste capítulo. Quando
amalgamamos os graus de contato baixo e moderado, contudo, detectamos um problema de
seleção de duas outras variáveis extralinguísticas: a escolaridade não foi selecionada, mas
também não foi descartada; e a faixa etária foi selecionada e descartada. Nessa rodada, todos
os demais condicionamentos se repetiram, inclusive o condicionamento apresentado pela
variável sexo. É importante frisar que o comportamento das variáveis linguísticas se manteve
em todas as rodadas.
138
Em vista disso, duas novas rodadas foram realizadas somente com dados de mulheres e
somente com dados de homens. Na primeira rodada, foram selecionadas as seguintes variáveis:
saliência fônica, escolaridade, animacidade e paralelismo oracional respectivamente; e
descartadas as variáveis traço semântico contável/não-contável, tempo verbal, paralelismo
oracional e posição, distância e realização do sujeito. Nessa rodada, o input foi de .17 e os
condicionamentos se mantiveram. Na variável escolaridade, controlada em três níveis como
previsto na metodologia, observamos que mulheres mais escolarizadas aplicam mais a regra de
concordância verbal que mulheres menos escolarizadas. Já as variáveis faixa etária e grau de
contato não foram selecionadas nem descartadas pelo programa. Seus comportamentos,
contudo, foram os mesmos encontrados nas rodadas anteriores.
Na rodada apenas com informantes do sexo masculino, por sua vez, o programa
estatístico selecionou as seguintes variáveis, nesta ordem: saliência fônica; escolaridade;
paralelismo oracional; grau de contato; paralelismo discursivo; posição, distância e realização
do sujeito e animacidade. Tendo sido descartadas as variáveis tempo verbal, idade e traço
semântico contáveis/não-contáveis. Nessa rodada, o input foi de .51 e, assim como ocorreu nas
demais rodadas, os condicionamentos se mantiveram – inclusive a inversão encontrada nos
resultados para grau de contato. Ambas as rodadas apontam a diferença dos estágios aquisitivos
de homens e mulheres.
Assim como ocorreu na rodada principal, as variáveis saliência fônica e escolaridade se
mostraram mais relevantes na aquisição das formas marcadas de terceira pessoa nos verbos,
ratificando nossa discussão de que as formas mais salientes são incorporadas mais rapidamente
que as menos salientes – daí a exclusão da variável tempo verbal em todas as rodadas; e de que
a escolaridade, além de apresentar uma variante prestigiada da concordância, atua no sentido
de propiciar situações mais frequentes de contato com falantes nativos do português brasileiro.
A diferença de seleção nas duas rodadas indica, ainda, que os homens estão em um
estágio aquisitivo mais avançado que as mulheres, devido à quantidade maior de variáveis
linguísticas selecionadas; ou seja, essa distinção permite entrever que está ocorrendo uma
assimilação gradativa de padrões de variação da língua alvo motivada pelos mesmos
condicionamentos que regulam a variação em PB-L1 (EMMERICH; PAIVA, 2009).
Considerando que há dois homens com nível universitário em nossa amostra, julgou-se
necessário verificar se esses comportamentos se mantêm sem os dados desses informantes.
Assim, foram feitos dois cruzamentos, cada um sem os dados de informantes de nível
universitário e com todos os dados, que serão descritos e analisados nas seções 7.2.3.1 e 7.2.3.2
a seguir.
139
7.2.3.1 Cruzamento das variáveis sexo e grau de contato
A fim de aprofundar a investigação em função das variáveis sociais selecionadas na
rodada principal – sexo, escolaridade e grau de contato – julgou-se necessário, como
supracitado, realizar uma rodada cruzando as variáveis sexo e grau de contato sem os dados dos
falantes de nível universitário e com todos os dados novamente. Na primeira rodada, foram
selecionados os seguintes grupos por ordem de relevância: saliência fônica; escolaridade; sexo
x grau de contato; paralelismo oracional; animacidade; paralelismo discursivo; posição,
distância e realização do sujeito; e, por último, traço semântico contável/não-contável. Foi
descartada, mais uma vez, a faixa etária.
Uma vez que o tempo verbal mostrou correlação com a saliência fônica em todas as
rodadas, essa variável não participou desta rodada que, assim como nas demais, manteve os
condicionamentos esperados para as variáveis linguísticas. A seleção das variáveis confirma,
mais uma vez, a relevância da saliência fônica na aquisição das marcas de concordância nos
verbos de terceira pessoa; e do grupo de fatores contável/não-contável como padrão transferido
da L1 para o PB-L2 dos informantes indígenas.
Os condicionamentos para todas as variáveis foram os mesmos da rodada principal,
ainda que o input tenha caído – com exceção da variável saliência fônica, cujos resultados dos
três primeiros fatores do nível não-acentuado convergem em direção ao desfavorecimento
apresentando valores muito baixos. Na rodada sem os falantes universitários, a probabilidade
de realização das formas marcadas de verbos na terceira pessoa do plural foi de .31
considerando todas as variáveis selecionadas na melhor rodada e de .44 na rodada com todos os
falantes. Para o cruzamento aqui verificado, obtivemos os seguintes resultados:
Tabela 15 – Cruzamento das variáveis sociais sexo e grau de contato na amostra de PB-L2 sem
os informantes universitários.
CRUZAMENTO SEXO E GRAU DE CONTATO
FATORES Masculino Feminino
FREQUÊNCIA PESO RELATIVO FREQUÊNCIA PESO RELATIVO
Baixo. - - 24/95 = 25,3% .25
Moderado. 39/76 = 51,3% .92 17/51 = 33,3% .29
Alto. 237/536 = 44,2% .51 4/24 = 16,7% .06
TOTAL 321/782 = 41% Input .31
140
De acordo com os resultados listados na tabela acima, o cruzamento das variáveis sexo
e grau de contato demonstra que o sexo é a variável mais significativa; pois homens,
independentemente do grau de contato, realizam mais a variante prestigiada da concordância
verbal do que as mulheres. Como se pode perceber com as células vazias, não há homens com
grau baixo de contato.
Nos graus moderado e alto, a hipótese do contato não se confirma para informantes do
sexo masculino que apresentam peso relativo de .92 e .51 respectivamente. No cruzamento com
dados de mulheres, o resultado segue na direção esperada apenas nos graus baixo e moderado
– com probabilidade de ocorrências de formas verbais marcadas de .25 e .29. O resultado para
mulher com grau alto, contudo, é mais baixo que os dois anteriores, apresentando peso relativo
de apenas .06.
Na rodada com todos os informantes, por sua vez, foram selecionadas as seguintes
variáveis: saliência fônica; escolaridade; sexo x grau de contato; paralelismo oracional;
paralelismo discursivo; posição, distância e realização do sujeito; e, por último, animacidade.
Uma vez que a variável tempo verbal não participou dessa rodada, foram descartadas as
variáveis faixa etária e traço semântico contável/não-contável. Houve, então, não apenas uma
mudança na ordem, mas também na seleção das variáveis. Nessa rodada, os condicionamentos
para todas as variáveis bem como o input da melhor rodada foram exatamente os mesmos da
rodada principal desta análise. Os resultados do cruzamento entre as variáveis sexo e grau de
contato foram assim distribuídos:
Tabela 16 – Cruzamento das variáveis sociais sexo e grau de contato na amostra de PB-L2 com
todos os informantes.
CRUZAMENTO SEXO E GRAU DE CONTATO
FATORES Masculino Feminino
FREQUÊNCIA PESO RELATIVO FREQUÊNCIA PESO RELATIVO
Baixo. - - 24/95 = 25,3% .21
Moderado. 39/76 = 51,3% .89 17/51 = 33,3% .32
Alto. 425/824 = 51,6% .51 4/24 = 16,7% .07
TOTAL 509/1070 =
47,6% Input .44
141
Como se pode perceber no quadro acima, tendo em vista o comportamento das variáveis
sexo e grau de contato, os condicionamentos permaneceram exatamente os mesmos da rodada
anterior (sem os informantes universitários) apresentando pouca/nenhuma diferença nos pesos
relativos. Mais uma vez, o cruzamento dessas variáveis demonstrou a significância da variável
sexo com os homens apresentando mais formas marcadas de verbos de 3ª pessoa do plural do
que as mulheres. Em ambas as rodadas, a hipótese de contato não se confirma para informantes
do sexo masculino (.89 e .51) e segue na direção esperada apenas para mulheres nos graus baixo
e moderado, que apresentaram pesos relativos de .21 e .32 respectivamente. No resultado para
mulher com grau alto, por sua vez, a probabilidade passou de .06, da primeira rodada, para .07
na segunda.
Em nossa amostra, há apenas uma informante com grau alto de contato. Ela foi assim
classificada por ser casada com um falante nativo de PB-L1 e por ter residido fora da aldeia.
Tendo em vista que faz parte da cultura Guarani a cópia de padrões entre pais e filhos de acordo
com os papéis sociais representados pelos sexos, acreditamos que, apesar de manter contato
com frequência com informantes de PB-L1, essa informante é conservadora em relação às suas
tradições indígenas.
Em outras palavras, o resultado apontado para mulheres de grau alto perpassa as
características do indivíduo. A quebra de expectativa ocorrida nos graus moderado e alto do
sexo masculino, por sua vez, pode estar relacionada ao fato dos informantes de grau alto de
contato, nessa rodada, terem menos escolaridade que os de grau moderado – uma vez que, em
rodadas anteriores, pôde-se verificar o efeito significativo dessa variável na realização da
variante prestigiada.
7.2.3.2 Cruzamento das variáveis sexo e escolaridade
Tendo em vista os resultados encontrados para as variáveis sociais e o enviesamento da
variável grau de contato, que apresentou inversão entre os pesos relativos e porcentagens,
tornou-se pertinente que investigássemos como essas variáveis convergem entre si. Assim, no
cruzamento anterior, sem os dados de informantes com nível universitário e, posteriormente,
com todos os dados, evidenciou-se a maior significância da variável sexo em relação ao grau
de contato. Em vista disso, duas novas rodadas foram realizadas com os mesmos dados para
que verificássemos qual das duas variáveis sociais – sexo ou escolaridade – desempenham um
142
papel mais relevante na aquisição das marcas de concordância verbal de terceira pessoa do
plural.
Na primeira rodada, sem os informantes de nível superior, foram selecionadas as
seguintes variáveis por ordem de relevância: saliência fônica; sexo x escolaridade; grau de
contato; paralelismo oracional; animacidade; paralelismo discursivo; posição, distância e
realização do sujeito; traço semântico contável/não-contável. Apenas a variável faixa etária foi
descartada. Assim como ocorreu na rodada do cruzamento anterior, tempo verbal não participou
desta rodada e os condicionamentos para as demais variáveis foram mantidos. Ressalta-se, mais
uma vez, a seleção da saliência fônica em primeiro lugar já discutida em seções anteriores.
Ainda em relação à rodada discutida no tópico 7.2.3.1 – com o cruzamento sexo x grau
de contato, nota-se que, nessa rodada, o cruzamento foi o terceiro grupo selecionado e na rodada
de cruzamento sexo x escolaridade, a variável cruzada foi a segunda selecionada atrás apenas
da saliência fônica, evidenciando que sexo e escolaridade são mais significativos do ponto de
vista estatístico que grau de contato na aquisição das formas verbais marcadas na terceira pessoa
do plural. Os resultados desse cruzamento encontram-se assim dispostos:
Tabela 17 – Cruzamento das variáveis sociais sexo e escolaridade na amostra de PB-L2 sem
os informantes universitários.
CRUZAMENTO SEXO E ESCOLARIDADE
FATORES Masculino Feminino
FREQUÊNCIA PESO RELATIVO FREQUÊNCIA PESO RELATIVO
Até 8 anos. 138/402 = 34,3% .45 13/89 = 14,6% .03
Mais de 8 anos. 138/210 = 65,7% .89 32/81 = 39,5% .25
TOTAL 321/782 = 41% Input .31
Os resultados do cruzamento das variáveis sexo e escolaridade, diferentemente do que
ocorreu com o cruzamento da seção anterior, seguiram na direção esperada de acordo com
nossas hipóteses específicas, mesmo sem os dados dos falantes com nível superior: homens e
informantes mais escolarizados realizam mais as marcas de concordância nos verbos do que as
mulheres e informantes menos escolarizados.
Como se pode perceber, a probabilidade de homens com até 8 anos de escolaridade
realizarem as marcas é de .45, ao passo que homens com ensino médio (mais de 8 anos) têm
probabilidade de realizarem as formas prestigiadas de .89. Em relação ao sexo feminino, os
143
resultados indicam que as mulheres mais e menos escolarizadas tendem a realizar menos as
formas marcadas dos verbos de terceira pessoa do plural apresentando pesos relativos de .03,
para as menos escolarizadas, e .25 para as mais escolarizadas. Na rodada com todos os
informantes, por sua vez, esse mesmo comportamento permaneceu.
Nessa rodada, as variáveis foram selecionadas na seguinte ordem: saliência fônica; sexo
x escolaridade; paralelismo oracional; paralelismo discursivo; grau de contato; posição,
distância e realização do sujeito; e, por último, traço semântico contável/não-contável. Faixa
etária e animacidade foram as únicas variáveis descartadas considerando que tempo verbal não
participou dessa rodada. Cabe destacar que essa rodada é igual à rodada principal, sem o
cruzamento, no que diz respeito ao input (.44), às variáveis selecionadas e descartadas. Até
mesmo a ordem em que as variáveis foram selecionadas permaneceu praticamente a mesma.
Nela, assim como na rodada anterior sem os informantes universitários, os condicionamentos
permaneceram tanto para as variáveis linguísticas quanto para as variáveis sociais conforme
mostra a tabela abaixo:
Tabela 18 – Cruzamento das variáveis sociais sexo e escolaridade na amostra de PB-L2 com
todos os informantes.
CRUZAMENTO SEXO E ESCOLARIDADE
FATORES Masculino Feminino
FREQUÊNCIA PESO RELATIVO FREQUÊNCIA PESO RELATIVO
Até 8 anos. 138/402 = 34,3% .33 13/89 = 14,6% .04
Mais de 8 anos. 326/498 = 65,5% .79 32/81 = 39,5% .19
TOTAL 321/782 = 41% Input .31
A tabela acima, como podemos observar, ainda que contenha 288 dados de falantes
universitários, ratifica o condicionamento encontrado na rodada anterior: os homens usam mais
as marcas de concordância verbal do que as mulheres independentemente da sua escolaridade
e falantes mais escolarizados apresentam uma probabilidade maior de marcação da 3ª pessoa
do plural nos verbos do que aqueles menos escolarizados. Em outras palavras, enquanto que a
probabilidade dos homens menos escolarizados usarem as marcas de plural é de .33, a das
mulheres de mesmo nível de escolarização é de apenas .04. No segundo nível de escolaridade,
os homens mais escolarizados apresentam probabilidade de .79 e as mulheres de .19 – resultado
abaixo até mesmo dos homens com até 8 anos de escolaridade.
144
Em nossa análise de falantes de PB-L1, o cruzamento entre as variáveis sexo e
escolaridade demonstrou que a escolaridade é um condicionamento mais forte que o sexo, ainda
que mulheres mais escolarizadas realizassem mais as formas verbais marcadas na terceira
pessoa do plural. Naquela amostra, mulheres realizam mais a concordância verbal que os
homens, mas homens mais escolarizados realizam mais do que as mulheres menos
escolarizadas.
Na amostra Guarani, contudo, os homens apresentam um peso relativo maior para a
ocorrência de verbos marcados do que as mulheres independentemente do nível de
escolarização. Evidencia-se, assim, na amostra de falantes de PB-L2, que a variável sexo é
significativamente mais relevante que as demais variáveis extralinguísticas, ainda que tenha
sido selecionada após a variável escolaridade na rodada principal, que, como sabemos,
considera os dados de todos os informantes.
Quanto maior o nível de escolarização, assim, mais frequentes as situações de contato
com falantes nativos do português brasileiro, não só pela situação de interação com falantes de
PB-L1, mas também pelos tipos de atividades decorrentes dessa formação, em se tratando da
variável sexo, por sua vez, ela se revelou como a mais significativa das variáveis sociais. Os
resultados apontam o fato de que a experiência com a língua nas interações sociais perpassa
pelos papéis representados por homens e mulheres na organização social da comunidade
indígena Guarani; e isso também se reflete na interação com a comunidade de falantes nativos
do português brasileiro.
145
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho teve por objetivo analisar a realização da concordância verbal de
terceira pessoa do plural no PB-L2 de informantes Guarani residentes no distrito de Santa Cruz,
em Aracruz, no Espírito Santo. Visando a uma investigação mais aprofundada sobre como se
dá a aquisição da marcação de plural no verbo por essa comunidade de fala, realizamos um
estudo preliminar em dois bairros situados no entorno das aldeias: Santa Cruz e Coqueiral de
Aracruz; pois, uma vez que trata de aquisição em contexto de contato linguístico, julgou-se
pertinente identificar a quais condicionamentos para a (não) realização da concordância verbal
os informantes indígenas encontram-se expostos.
Tendo em vista a assertiva de que quanto maior o contato com falantes nativos da língua
alvo, maior o uso de padrões de variação dessa língua (EDWARDS, 2013), esta pesquisa foi
orientada pela seguinte hipótese geral: os Guarani do Espírito Santo estão adquirindo as marcas
de concordância nos verbos de terceira pessoa do plural devido à proximidade com a
comunidade não índia. Essa hipótese foi subdividida em cinco hipóteses específicas, a saber:
1) o grau de contato influencia a (não) realização das marcas de concordância nos verbos de
terceira pessoa do plural no seguinte sentido: quanto mais alto for o grau de contato dos
informantes com o PB-L1, maior a probabilidade de realização das marcas de concordância nos
verbos; 2) a escolaridade favorece a realização da concordância explícita de número no verbo
devido à sua ação socializadora e por apresentar aos falantes uma variedade prestigiada do
português brasileiro; 3) devido aos diferentes papéis sociais desempenhados por homens e
mulheres na comunidade Guarani, as mulheres usam menos a variante prestigiada que os
homens; 4) os Guarani replicam os mesmos condicionamentos do PB-L1 das comunidades de
entorno; 5) os falantes de grau baixo de contato, devido ao seu estágio aquisitivo, transferem
padrões da língua materna para a língua alvo.
Os resultados da amostra com falantes de PB-L1, do distrito de Santa Cruz, revelaram
que a comunidade Guarani localizada em território capixaba está exposta aos mesmos
condicionamentos encontrados nos estudos sobre a concordância verbal de terceira pessoa do
plural realizados em comunidades de fala diversas. Nessa amostra, do total global de 926
ocorrências de verbos com sujeito de terceira pessoa do plural, 62% estavam marcadas,
revelando um input de aplicação de .61. Tendo em vista a configuração socioeconômica dos
bairros analisados, esse resultado seguiu em direção contrária à expectativa prevista em outras
análises com dados de comunidades não-urbanas. Considerando que Santa Cruz é uma vila de
pescadores e que Coqueiral de Aracruz funciona, em grande parte, como bairro dormitório, o
146
índice de realização da variante prestigiada encontrado foi considerado alto para a comunidade
de fala pesquisada.
Na amostra Guarani, por sua vez, do total de 1070 dados de verbos na terceira pessoa
do plural, 48% foram marcados – apresentando um input de .47. Diante desse resultado,
consideramos que a verificação de nossa hipótese geral deveria ser feita mediante a análise dos
resultados das variáveis linguísticas e sociais que, consequentemente, confirmariam ou não o
que estava previsto em nossas hipóteses específicas. Assim, foram selecionadas as seguintes
variáveis pelo programa estatístico Goldvarb X (SANKOFF; TAGLIAMONTE; SMITH,
2005), nessa ordem: saliência fônica; escolaridade; paralelismo oracional; paralelismo
discursivo; sexo; grau de contato; posição, distância e realização do sujeito; e traço semântico
contável/não-contável, tendo sido descartados: tempo verbal, faixa etária e animacidade. As
variáveis tempo verbal e traço semântico [± animado] foram as únicas não selecionadas em
ambas as amostras e a variável posição, distância e realização do sujeito foi selecionada apenas
nos dados de informantes de PB-L2. Cabe lembrar que a variável linguística contável/ não-
contável foi proposta para verificar se os Guarani transferem esse padrão de marcação de plural
da L1 para a L2.
Ambas as amostras apresentaram os mesmos condicionamentos linguísticos,
tanto para as variáveis selecionadas quanto para as variáveis descartadas. Assim, configuraram-
se como favorecedores da realização das marcas de terceira pessoa de plural nos verbos de PB-
L2: as formas cuja oposição singular/plural são mais salientes; os sujeitos com marca explícita
de plural no último elemento; os verbos precedidos por verbos marcados; os sujeitos próximos
e antepostos em relação aos verbos correspondentes e o traço semântico [contável]. Esses
resultados revelaram que a variação na realização da 3ª pessoa do plural no português de contato
dos Guarani reflete a variabilidade observada no PB-L1, pois a aquisição de padrões de
concordância verbal em situação de L2 se dá em função dos mesmos condicionamentos
estruturais observados para os falantes nativos. Tal constatação confirmou nossa hipótese de
que os Guarani replicam os padrões de marcação da comunidade de entorno.
Uma vez que, na língua nativa de nossos informantes de PB-L2, os verbos só recebem
marcas de plural com nomes contáveis, a seleção da variável traço semântico do sujeito
contável/não-contável se mostrou significativa, em nossa análise, por indicar que os falantes
Guarani transferem esse padrão de marcação de plural da língua materna para a língua alvo.
Não foram encontrados, nessa amostra, reinterpretações da variação com padrões diferentes
daqueles encontrados em outras variedades da Língua Portuguesa. Nesse sentido, a aquisição
147
de L2 não implicou uma simplificação de condicionamentos e menos uso de concordância
verbal de terceira pessoa do plural.
Em vista disso, concluímos que os mesmos condicionamentos que atuam na variação da
concordância verbal no português brasileiro com falantes de PB-L1 regulam a aquisição das
formas marcadas de verbos de terceira pessoa na variedade do português brasileiro que os
Guarani estão adquirindo. Em outras palavras, os padrões que favorecem a realização explícita
da concordância no verbo para falantes de PB-L1 propiciam a incorporação mais rápida da
variante de prestígio na fala dos informantes de PB-L2, sendo a saliência fônica a variável
significativamente mais relevante que as demais – plurais mais salientes/ perceptíveis para o
falante/ouvinte Guarani são incorporados mais rapidamente que os menos salientes (cf.
EMMERICH, 1984; LOUREIRO, 2005; EMMERICH; PAIVA, 2009).
No que diz respeito às variáveis sociais, os falantes de PB-L1 replicaram os
condicionamentos de seus pares nativos: as mulheres realizaram mais variantes prestigiadas
que os homens, na variável sexo, e informantes mais escolarizados apresentaram probabilidade
de marcação mais alta que os menos escolarizados. Nessa amostra, ao realizarmos um
cruzamento com ambas as variáveis, a variável escolaridade revelou-se significativamente mais
relevante, pois os informantes mais escolarizados, independentemente do sexo, apresentaram
probabilidade maior de realização da concordância verbal que os menos escolarizados.
Na amostra Guarani, por sua vez, com exceção da variável grau de contato, como
veremos adiante, escolaridade e sexo seguiram na direção prevista para essas variáveis. Os
informantes Guarani mais escolarizados apresentaram probabilidade maior de realização da
variante marcada que informantes menos escolarizados, confirmando, assim, mais uma de
nossas hipóteses específicas. O mesmo ocorreu com a variável sexo: devido aos papéis sociais
desempenhados por homens e mulheres na comunidade indígena, os homens favoreceram a
variante de prestígio e as mulheres a desfavoreceram. Tendo em vista que, em nossa amostra
de PB-L2, há dois informantes de nível universitário, consideramos pertinente verificar se os
condicionamentos seriam mantidos sem esses dados. Nessa rodada, tanto os condicionamentos
linguísticos quanto os condicionamentos sociais foram mantidos ratificando, assim, o que foi
observado na rodada principal.
A variável grau de contato, por sua vez, apresentou uma inversão entre pesos relativos
e percentuais devido à quebra da ortogonalidade causada pela distribuição desequilibrada dos
falantes de nossa amostra de PB-L2. Como constatamos em nossa análise, a inversão ocorreu
no momento em que a variável sexo foi selecionada pelo Goldvarb X (SANKOFF;
TAGLIAMONTE; SMITH, 2005). Em vista disso, novas rodadas foram realizadas – uma
148
somente com dados de mulheres e outra somente com dados de homens. Ainda que os
condicionamentos para as variáveis selecionadas tenham se mantido nas duas rodadas conforme
a rodada principal, a diferença na seleção das variáveis revelou que homens e mulheres Guarani
se encontram em estágios distintos de aquisição da segunda língua. Os homens Guarani estão
em um estágio aquisitivo mais avançado que as informantes de sexo feminino. Considerando
que a existência de dados de informantes graduados, julgou-se necessário, mais uma vez,
verificar se esses comportamentos se manteriam sem os dados desses falantes. Assim, dois
cruzamentos foram realizados: sexo vs. grau de contato e sexo vs. escolaridade. Ambos os
cruzamentos demonstraram que a variável sexo predomina sobre os demais condicionamentos
sociais.
Nossa conclusão é a de que foram confirmadas as seguintes hipóteses específicas: 1) a
escolaridade favoreceu a realização explícita da concordância verbal de 3ª pessoa do plural; 2)
as mulheres usam menos a variante prestigiada que os homens; e 3) os informantes Guarani
replicam os mesmos condicionamentos linguísticos de falantes nativos do português brasileiro.
Nossa hipótese de que os Guarani de grau baixo de contato, devido ao seu estágio aquisitivo,
transferem padrões da língua materna para a língua alvo foi parcialmente confirmada, pois todos
os falantes de nossa amostra de PB-L2, independentemente do grau de contato, os transferem.
No que diz respeito à hipótese de que o grau de contato influencia a (não) realização das marcas
de concordância nos verbos de terceira pessoa do plural, que é um desdobramento da nossa
hipótese geral, por sua vez, também acreditamos que ela tenha sido parcialmente confirmada.
Ainda que, devido à existência de células vazias em nossa amostra, essa probabilidade não
tenha sido estatisticamente atestada, os resultados das demais variáveis sociais demonstraram
que as situações que propiciam mais contato aos indígenas Guarani favorecerem a realização
da variante prestigiada.
Os papéis sociais representados por homens e mulheres no seio da tradição Guarani,
contudo, mostraram-se determinantes no processo de aquisição da segunda língua, uma vez que
isso se reflete na interação com a comunidade de falantes nativos do português brasileiro.
Mulheres Guarani, além de ficarem circunscritas aos ambientes domésticos e à venda de
artesanatos, atuam como guardiãs das tradições Guarani, pois são elas que, na maioria das
vezes, repassarão esses conhecimentos para os mais jovens. Os homens, por sua vez, exercem
papéis de liderança estando à frente, inclusive, de movimentos ativistas em favor da causa
indígena. A fluência na língua alvo, nesse caso, também se configura como uma oportunidade
de torná-los mais audíveis diante da sociedade envolvente.
149
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ACHARD, P. Um ideal monolíngue. ALKIMIN, T. (Trad.). In: VERMES, G; BOUTET, J.
(Orgs.). Multilinguismo. Campinas: Editora da UNICAMP, 1989. p. 31 – 55.
ALKMIM, T. Sociolinguística – parte I. In: MUSSALIM, F; BENTES, A. C. (Orgs.).
Introdução à linguística: domínios e fronteiras. 5 ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 21 – 47.
ALMEIDA, A. P. de. A concordância verbal na comunidade de São Miguel dos Pretos,
Restinga Seca, RS. 2006. 159 f. Dissertação (Mestrado em Letras) – Instituto de Letras,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006.
AMADO, R. de S. O português étnico dos povos Timbira. Papia, São Paulo, v. 25, n. 1, p. 103
– 119, jan./jun. 2015.
AMADO, R. S; FERREIRA, R.V; CHRISTINO, B. P. (Orgs.). Português indígena: novas
reflexões. Munique: LINCOM Studies in Romance Linguistics, 2014.
ANGNES, J. S; MARTINS, L. M. Desvelando contextos multilíngues. Pleiade, Foz do Iguaçu,
v. 1, n. 2, p. 153 – 162, jul./dez. 2007.
APPEL, R; MUYSKEN, P. Bilinguismo y contacto de lenguas. LORENZO, A. M;
FERNÁNDEZ, C. I. B. (Trad.). Barcelona: Editorial Ariel, 1996.
AVELAR, D. dos S. A realização variável das consoantes oclusivas dentais por
descendentes de imigrantes italianos de Santa Teresa, ES. 2015. 105 f. Dissertação
(Mestrado em Estudos Linguísticos) – Centro de Ciências Humanas e Naturais, Universidade
Federal do Espírito Santo, Vitória, 2015.
AZEREDO, J. C. Iniciação à sintaxe do português. 6 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.
AZEVEDO, M. et. al. Guarani Retã: povos Guarani na fronteira Argentina, Brasil e Paraguai.
São Paulo: Centro de Trabalho Indigenista, 2008.
BACCILI, V. C. L. Reflexões sobre a língua materna Kaigang no aprendizado do
Português como segunda língua. 2008. 80 f. Dissertação (Mestrado em Estudos da
Linguagem) – Centro de Letras e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Londrina,
Londrina, 2008.
BAXTER, A. N. Concordância verbal. In: LOBO, T; OLIVEIRA, K. (Orgs). África à vista:
dez estudos sobre o português escrito por africanos no Brasil do século XIX. Salvador:
EDUFBA, 2009. p. 317-337.
150
BAXTER, A; LUCCHESI, D. A relevância dos processos de pidginização e crioulização na
formação da língua portuguesa no Brasil. Estudos Linguísticos e Literários, Salvador, v. 19,
n. esp., p. 65 – 83, mar. 1997.
BENFICA, S. de A. A concordância verbal na fala de Vitória. 2016. 111 f. Dissertação
(Mestrado em Estudos Linguísticos) – Centro de Ciências Humanas e Naturais, Universidade
Federal do Espírito Santo, Vitória, 2016.
BRAGA, A et. al. Línguas entrelaçadas: uma situação sui generis de línguas em contato. Papia,
v. 21, n. 2, p. 221 – 230, 2011. Disponível em: <http://www.etnolinguistica.org/artigo:braga-
2011>. Último acesso em: 2 fevereiro de 2015.
BRASIL. Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas. Brasília: Ministério
da Educação, 2005.
BREMENKAMP, E. S. Análise sociolinguística da manutenção do Pomerano e do
desenvolvimento do bilinguismo Pomerano/ Português em Santa Maria de Jetibá, Espírito
Santo. 2014. 293 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos) – Centro de Ciências
Humanas e Naturais, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2014.
BYBEE, J. Usage-based grammar and second language acquisition. In: ROBINSON, P; ELLIS,
N. (Eds.). Handbook of Cognitive Linguistics and Second Language Acquisition. New
York: Routledge, 2008. p. 216-236.
_________. Language, usage and cognition. Cambridge: Cambridge University Press, 2010.
CALAZANS, P. C. Para uma Sócio-História da Língua Guarani no Espírito Santo: uma
análise sob a perspectiva sociolinguística. 2014. 180 f. Dissertação (Mestrado em Estudos
Linguísticos) – Centro de Ciências Humanas e Naturais, Universidade Federal do Espírito
Santo, Vitória, 2014.
CALLOU, D; LEITE, Y. Como falam os brasileiros. 4 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
CALVET, L. J. Sociolinguística: uma introdução crítica. MARCIONILLO, M. (Trad.). São
Paulo: Parábola, 2002.
CARDOSO, V. F. A língua guarani e o português no Brasil. Características nas regiões Centro-
Oeste, Sul e Sudeste brasileiras. In: NOLL, V; DIETRICH, W. (Orgs.). O português e o tupi
no Brasil. São Paulo: Contexto, 2010. p. 155 – 166.
CARNEIRO, J. R. D; VALE, M. J. Q; MIRANDA, A. L. A. Contato linguístico e ensino: a
contribuição de línguas indígenas na aprendizagem do português brasileiro. Sociodialeto,
Campo Grande, v. 4, n. 11, p. 116 – 147, nov. 2013.
151
CARVALHO, M. L. Tempo, aspecto e modalidade na língua Guarani Mbyá (Tambeopé).
2013. 197 f. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Instituto de Letras, Universidade de
Brasília – UnB, Brasília, 2013.
CAVALCANTI, M. C. Estudos sobre educação bilíngue e escolarização em contextos de
minorias linguísticas no Brasil. DELTA, São Paulo, v. 15, n. esp., p. 385 – 417, 1999.
CHAMBERS, J. K. Sociolinguistic Theory: linguistic variation and its social significance.
Oxford: Blackwell, 1995.
________________. Sociolinguistics theory. West-Sussex: Blackwell, 2003.
CHAVES, R. G. Princípio de saliência fônica: isso não soa bem. Letrônica, Porto Alegre, v. 7,
n. 2, p. 522 – 550, jul./dez. 2014.
CHOMSKY, N. Syntactic Structures. The Hague: Mouton, 1957.
____________ . Aspects of the Theory of Syntax. Cambridge: MIT Press, 1965.
CHRISTINO, B; SILVA, M. de L. Concordância verbal e nominal na escrita em Português –
Kaingang. Papia, São Paulo, v. 22, n. 2, p. 415 – 428, 2012.
CICCARONE, C. Drama e sensibilidade: migração, xamanismo e mulheres Mbyá Guarani.
2001. 383 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais), Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, São Paulo, 2001.
______________ (Org). Memória viva Guarani: revelações sobre a terra. Comunidade Tekoa
Porã. Vitória: UFES, 1996.
CÓ, J. L. Coqueiral de Aracruz – ES, de bairro-empresa a núcleo satélite. 2013. 119 f.
Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Centro de Artes, Universidade Federal
do Espírito Santo, Vitória, 2013.
COMINOTTI, K. S. S. O contato linguístico entre o Vêneto e o Português em São Bento de
Urânia, Alfredo Chaves, ES: uma análise sócio-histórica. 2015. 153 f. Dissertação (Mestrado
em Estudos Linguísticos) – Centro de Ciências Humanas e Naturais, Universidade Federal do
Espírito Santo, Vitória, 2015.
COULMAS, F. The handbook of sociolinguistics. Oxford: Blackwell Publishing, 2008.
COUTO, H. H do. Linguística, ecologia e ecolinguística: contato de línguas. São Paulo:
Contexto, 2009.
152
CROFT, W; CRUSE, D. A. Cognitive Linguistics. Cambridge: Cambridge University Press,
2004.
DIESSEL, H. Diachronic change and language acquisition. In: BERGS, A; BRINTON, L.
English Historical Linguistics: an international handbook 2. Berlim: De Gruyter Mouton,
2012. p. 1599-1613.
DIETRICH, W. Cambio del orden de palabras en lenguas tupí-guaraníes. Cadernos de
Etnolinguística, v. 1, n. 3, p. 1 – 11, dez. 2009.
____________ (Org.). O português e o tupi no Brasil. São Paulo: Contexto, 2010.
DOOLEY, R. A. Léxico Guarani, dialeto Mbyá: versão para fins acadêmicos, com acréscimos
do dialeto Nhandéva e outros falares do sul do Brasil. Revisão de novembro de 1998. Porto
Velho: Associação Linguística Internacional – SIL BRASIL, 1999.
_____________. Léxico Guarani, dialeto Mbyá: com informações úteis para o ensino médio,
a aprendizagem e a pesquisa linguística. Versão de 26 de agosto de 2013. Porto Velho:
Associação Linguística Internacional – SIL BRASIL, 2013.
DUARTE, M. E. L. A perda do princípio “evite pronome” no Português Brasileiro. 1995.
161f. Tese (Doutorado em Linguística) – Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade
Estadual de Campinas, Campinas, 1995.
_______________ . Aquisição do sujeito pronominal em L2. In: RONCARATI, C; MOLLICA,
M. C. (Orgs.). Variação e aquisição. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. p. 43 – 64.
DUARTE, A. M. M. A expressão da categoria modo-temporal no português de contato.
1998. Dissertação (Mestrado em Linguística e Filologia) – Faculdade de Letras, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1998.
DUBOIS, J. et al. Dicionário de Linguística. São Paulo: Cultrix, 1997.
______________. Dicionário de Linguística. São Paulo: Cultrix, 2004.
DURHAM, E. R. O lugar do índio. In: COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO. O índio e a cidadania. São
Paulo: Brasiliense, 1983.
EDWARDS, J. G. H. Social Influences on Second Language Speech Acquisition. In:
CHAPELLE, C. A. (Ed.). The Encyclopedia of Applied Linguistics 1. Chichester: Blackwell
Publishing, 2013. p. 2 – 5.
153
ELLIS, N; COLLINS, C. Input and second language acquisition: the roles of frequency, form,
and function introduction to the special issue. The Modern Language Journal, v. 93, n. 3, p.
329 – 335, ago. 2009.
EMMERICH, C. A língua de contato no Alto Xingu: origem, forma e função. 1984. 278 p.
Tese (Doutorado em Linguística e Filologia) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1984a.
_____________. Sociolinguística e ensino do vernáculo: contato linguístico e variação. Tempo
Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 78/79, dez. 1984b.
EMMERICH, C; PAIVA, M. da C. Português xinguano: origem e trajetória. In: CARVALHO,
A. M. Português em contato. Madrid: Veurvert Verlag, 2009. p. 153 – 163.
FARACO, C. A. Linguística Histórica: uma introdução ao estudo da história das línguas. São
Paulo: Parábola, 2005.
_____________. Norma Culta Brasileira: desatando alguns nós. São Paulo: Parábola
Editorial, 2008.
FASOLD, R. La sociolingüística de la sociedad: introducción a la sociolingüística.
VILLASANTE, M. E; ALBERDI, J. M. (Trad.). Madrid: Visor Libros, 1996.
FERREIRA NETTO, W. Os índios e a alfabetização: aspectos da educação escolar entre os
Guarani do Ribeirão Silveira. São Paulo: Paulistana, 2012. (Coleção Humanidades)
____________________. “Da língua que se tem à língua que se quer”: a educação escolar
indígena e sua língua de realização. Em Aberto, v. 14, n. 63, p. 78 – 87, jul./set. 1994.
____________________. A concordância verbal em alguns textos escritos por Waiãpi. In:
Congresso Internacional da Associação Brasileira de Linguística, I., 1994. Salvador, BA.
Atas... Salvador: Abralin/Finepe/UFBA, 1996. p. 216 – 219.
FISHMAN, J. A. Bilingualism with and without diglossia; diglossia with and without
bilingualism. Journal of Social Issues, v. 23, n. 2, p. 29 – 38, abril 1967.
_______________. A sociologia da linguagem. In: FONSECA, M. E. V.; NEVES, M. F.
(Orgs.). Sociolinguística. Rio de Janeiro: Eldorado Tijuca, 1974. p. 25 – 39.
_______________. Sociología del lenguaje. SARMIENTO, R; MORENO, J. C. (Trad.).
Madrid: Ediciones Cátedra, 1979.
_______________. Bilingualism and biculturism as individual and as societal phenomena.
Journal of Multilingual and Multicultural Development, v. 1, n. 1, p. 3 – 15, ago. 1980.
154
_______________. Language and ethnicity in minority sociolinguistic perspective.
Clevedon, Filadélfia: Multilingual Matters, 1989.
FOULKES, P; VIHMAN, M. Language Acquisition an Phonological Change. In:
HONEYBONE, P; SALMONS, J. (Eds.). Oxford Handbook of Historical Phonology.
Oxford: Oxford University Press, 2013.
FUNAI – Fundação Nacional do Índio. Disponível em: <http://www.funai.gov.br/>. Último
acesso em: 06 de janeiro de 2017.
GOMES, C. A. Processos variáveis e aquisição de preposição em L2. In: RONCARATI, C;
MOLLICA, M. C. (Orgs.). Variação e aquisição. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. p.
103 – 116.
GOMES, C. A; MELO, M. A. S. L; Barcellos, M.E. M. Dinâmica da variação sociolinguística
em contexto de exclusão social. Revista Virtual de Estudos da Linguagem - ReVEL, v. 14,
n. 13, p. 127 – 143, nov. 2016.
GOOGLE EARTH. Disponível em: <https://www.google.com/earth/>, 2009. Último acesso
em: 15 de novembro de 2017.
GOOGLE MAPS. Disponível em: <https://www.google.com.br/maps>, 2017. Último acesso
em: 15 de novembro de 2017.
GRACIOSA, D. Concordância verbal na fala culta carioca. 1991. 181f. Dissertação
(Mestrado em Letras Vernáculas) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 1991.
GUIMARÃES, E; ORLANDI, E. (Orgs.). Línguas e instrumentos linguísticos. São Paulo:
Pontes, 1998.
GUMPERZ, J. Discourse Strategies. Londres: Cambridge University Press, 1982.
GUY, G. R. Linguistic variation in Brazilian Portuguese: aspects of phonology, syntax and
language history. 1981. 406f. Tese (Doutorado em Linguística) – University of Pennsylvania,
Philadelphia, 1981.
GUY, G. R.; ZILLES, A. Sociolinguística Quantitativa: instrumental de análise. São Paulo:
Parábola Editorial, 2007.
HARRINGTON, J. An acoustic analysis of ‘happy-tensing’ in the Queen’s Christmas
broadcasts. Journal of Phonetics, Kiel, v. 34, n. 4, p. 439 – 457, out. 2006.
155
HOLLICH, G; TUCKER, M; GOLINKOFF, R. M. The change is afoot: emergentist thinking
in language acquisition. In: ANDERSON, P. B. Downward Causation. Aarhus: Aarhus
University Press, 2000. p. 1 – 51.
HICKEY, R. (Ed.). The handbook of language contact. Oxford: Wiley-Blackwell, 2013.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010.
Características Gerais dos Indígenas. Resultados do Universo. Rio de Janeiro, 2010.
Disponível em: <http://indigenas.ibge.gov.br/>. Último acesso em: 05 de fevereiro de 2016.
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira Legislação e
Documentos. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/>. Último acesso em: 24 de outubro de
2016.
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Disponível em:
<http://portal.iphan.gov.br/>. Último acesso em: 23 de janeiro de 2016.
IPOL – Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística. Disponível em:
<http://www.ipol.org.br/>. Último acesso em: 04 de dezembro de 2017.
ISA – Instituto Socioambiental. Disponível em: <http://www.socioambiental.org/>. Último
acesso em: 03 de fevereiro de 2017.
KERSWILL, P. Koineization and Accommodation. In. TRUDGILL, P; CHAMBERS, J;
SCHILLING-ESTES, N. (Eds.). The handbook of language variation and change. Oxford:
Blackwell, 2001. p. 669 – 702.
_____________. Migration and language. In: MATTHEIER, K; AMMON, U; TRUDGILL, P.
(Eds.). Sociolinguistics/Soziolinguistik. An international handbook of the science of language
and society. 2. ed. Berlim: De Gruyter, 2006. v. 3, p. 1 – 27.
KERSWILL, P; WILLIAMS, A. Creating a new town koine: children and language change in
Milton Keynes. Language in society, Cambridge, v. 29, n. 1, p. 65 – 115, jan. 2000.
KAUFMANN, G. Atitudes na sociolinguística: aspectos teóricos e metodológicos. In: MELLO,
H; ALTENHOFEN, C. V; RASO, T. (Orgs.). Os contatos linguísticos no Brasil. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2011. p. 121 – 135.
LABOV, W. Some principles of linguistic methodology. Language in Society, Cambridge, v.
1, n. 1, p. 97 – 120, abr. 1972.
__________. Field methods of the Project on Linguistic Change and Variation. In: BAUGH, J;
SHERZER, J. (Eds.). Language in Use: Readings in Sociolinguistics. Englewoods Cliffs:
Prentice Hall, 1984. p. 28 – 66.
156
__________. Transmission and diffusion. Language, Pennsylvania, v. 83, n. 2, p. 344 – 387,
jun. 2007.
__________. Padrões sociolinguísticos. BAGNO, M; SCHERRE, M. M. P; CARDOSO, C.
R. (Trad.). São Paulo: Parábola Editorial, 2008.
LADEIRA, M. I; MATTA, P. (Orgs). Terras Guarani no litoral: as matas que foram reveladas
aos nossos antigos avós = ka’agüy oreramói kuéry ojou rive vaekue ỹ. São Paulo: Centro de
Trabalho Indigenista, 2004. p. 06 – 14.
LALLI – Laboratório de Línguas e Literaturas Indígenas – IL/ UnB. Disponível em:
<http://www.laliunb.com.br/>. Último acesso em: 06 de maio de 2017.
LEITE, Y. et al. O papel do aluno na alfabetização de grupos indígenas: a realidade psicológica
das descrições linguísticas. In: OLIVEIRA FILHO, J. P. de. (Org). Sociedades indígenas e
indigenismo no Brasil, Rio de Janeiro: Marco Zero, 1987. p. 241 – 263.
LEMLE, M; NARO, A. J. Competências básicas do Português. Relatório final de pesquisa
apresentado às instituições patrocinadoras Fundação Movimento Brasileiro (MOBRAL) e
Fundação Ford. Rio de Janeiro, 1977. 151p.
LIMA, F. B. de. Variações de concordância verbal em Caiana dos Crioulos: traços de influência
africana no falar brasileiro. Cadernos Imbondeiro, João Pessoa, v. 1, n. 1, p. 1 – 10, 2010.
LOUREIRO, F. C. Aspectos da pluralização no português de contato do Alto Xingu. 2005.
166f. Tese (Doutorado em Linguística) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2005.
LUCCHESI, D. A constituição histórica do português brasileiro como um processo
bipolarizado: tendências atuais de mudança nas normas culta e popular. In: GROβE, S;
ZIMMERMANN, K. (Ed.). “Substandard” e mudança no português do Brasil, Frankfurt
am Main: TFM, 1998. p. 73 – 100.
____________. O conceito de transmissão linguística irregular e as origens estruturais do
português brasileiro: um tema em debate. In: RONCARATI, C; ABRAÇADO, C. (Orgs.)
Português Brasileiro: contato linguístico, heterogeneidade e história. Rio de Janeiro: 7Letras,
2003. p. 272 – 284.
____________. Língua e sociedade partidas: a polarização sociolinguística do Brasil. São
Paulo: Contexto, 2015.
____________. A variação na concordância verbal no português popular de Salvador. Estudos
Linguísticos e Literários, Salvador, n. 52, p. 166 – 204, ago./dez. 2015b.
157
LUCCHESI, D; BAXTER, A; RIBEIRO, I. (Orgs.). O Português Afro-Brasileiro. Salvador:
EDUFBA, 2009.
LUCCHESI, D; BAXTER, A; SILVA, J. A. A. A concordância verbal. In: LUCCHESI, D;
BAXTER, A; RIBEIRO, I. (Orgs). O português afro-brasileiro. Salvador: EDUFBA, 2009.
p. 331 – 371.
LUCHESE, R. V. Linguagem uma ideologia social. Ijuí: UNIJUÍ, 1986. p. 07 – 15.
MARANHÃO, S. de. Introdução à sociolinguística do contato de línguas: latinismos e
galicismos no inglês. Notas de aula. Teresina: UFPI, 2011. p. 01 – 25.
MARCILINO, O. T. Educação escolar Tupinikim e Guarani: experiências de
interculturalidade em aldeias de Aracruz, no Estado do Espírito Santo. 2014. 244f. Tese
(Doutorado em Educação) – Centro de Educação, Universidade Federal do Espírito Santo,
Vitória, 2014.
MARRA, D; MILANI, S. E. Uma teoria social da língua(gem) anunciada no limiar do século
XX por Antoine Meillet. Linha d’Água, São Paulo, v. 25, n. 2, p. 67 – 90, dez. 2012.
MARTINS, M. F. Descrição e análise de aspectos da gramática do Guarani Mbyá. 2003.
209f. Tese (Doutorado em Linguística) – Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade
Estadual de Campinas, Campinas, 2003.
MASCARELLO, L. J. Variação na concordância verbal de terceira pessoa do plural na fala dos
florianopolitanos nativos da Costa da Lagoa. Working Papers em Linguística, Santa Catarina,
v. 11, n. esp., p. 57 – 68, 2010.
MATRAS, Y. Language contact. Cambridge: Cambridge University Press, 2011.
___________. Grammaticalization and language contact. In: NARROG, H; HEINE, B. (Orgs.)
The Oxford handbook of grammaticalization, Oxford: Oxford University Press, 2011. p. 279
– 290.
MEC – Ministério da Educação. Disponível em: <https://www.mec.gov.br/>. Último acesso
em: 10 de janeiro de 2018.
MEC – Ministério da Educação. Referencial curricular nacional para as escolas indígenas.
Brasília: MEC/SEF, 1998.
MEGALE, A. H. Bilinguismo e educação bilíngue – discutindo conceitos. Revista Virtual de
Estudos da Linguagem – ReVEL, v. 3, n. 5, p. 01 – 13, ago. 2005.
158
MELIÁ, B. A experiência religiosa dos Guarani. In: MARZAL, M. M. et al (Org.). O rosto
índio de Deus. São Paulo: Vozes, 1989. p. 11 – 33, 293 – 347.
_________. Educação indígena na escola. Cadernos Cedes, Campinas, v. 19, n. 49, p. 11 – 17,
dez. 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v19n49/a02v1949.pdf> Último
acesso em: 19 de setembro de 2014.
MELLO, H; ALTENHOFEN, C; RASO, T. Os contatos linguísticos no Brasil. Belo
Horizonte: UFMG, 2011.
MENEGHEL, S. A. P. O ditongo nasal tônico -ão falado por ítalo-descendentes de Santa
Maria do Engano/ES: uma análise sociolinguística. 2015. 132f. Dissertação (Mestrado em
Linguística) – Centro de Ciências Humanas e Naturais, Universidade Federal do Espírito Santo,
Vitória, 2015.
MILHOMEM, M. S. F. dos S. Educação Escolar e Indígena: as dificuldades do currículo
intercultural e bilíngue. Revista Fórum Identidades, São Cristóvão, v. 3, n. 3, p. 95 – 102,
jan./jun. 2008.
MOLLICA, M. C. Padrões fonológicos variáveis em aquisição. In: RONCARATI, C;
MOLLICA, M. C. (Orgs.). Variação e aquisição. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. p.
33 – 42.
_______________. Fundamentação teórica: conceituação e delimitação. In: MOLLICA, M;
BRAGA, M. L. (Orgs.). Introdução à sociolinguística: o tratamento da variação. 4. ed. São
Paulo: Contexto, 2010. p. 7 – 14.
MOLLICA, M. C; BRAGA, M. L. (Orgs.). Introdução à Sociolinguística: o tratamento da
variação. 4 ed. São Paulo: Contexto, 2010.
MOLLICA, M. C. de M; RONCARATI, C. N. Questões teórico-descritivas em sociolinguística
e em sociolinguística aplicada e uma proposta de agenda de trabalho. DELTA, São Paulo, v.
17, n. esp., p. 45 – 55, 2001.
MONGUILHOTT, I. de O. e S. Estudo sincrônico e diacrônico da concordância verbal de
terceira pessoa do plural no PE e no PB. 2009. 229f. Tese (Doutorado em Linguística) –
Programa de Pós-graduação em Linguística, Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis, 2009.
MONGUILHOT, I. de O. e S; COELHO, I. L. Um estudo da concordância verbal de terceira
pessoa em Florianópolis. In: VANDERSEN, P. (Org.). Variação e mudança no português
falado na região Sul. Pelotas: EDUCAT, 2002. p. 189 – 216.
MONTE, A. Concordância verbal e variação: um estudo descritivo-comparativo do
português brasileiro e do português europeu. 2012. 171f. Tese (Doutorado em Linguística e
159
Língua Portuguesa) – Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho”, São Paulo, 2012.
MONTRUL, S. El bilingüismo en el mundo hispanohablante. West Sussex, UK: Wiley-
Blackwell, 2013.
MORELLO, R; SEIFFERT, A. P. Inventário da Língua Guarani Mbyá – Inventário Nacional
da diversidade linguística. Florianópolis: IPOL, Garapuvu, 2011.
MOUGEON, R; REHNER, K; NADASDI, T. The learning of spoken French variation by
immersion students from Toronto, Canada. Journal of Sociolinguistics, v. 8, n. 3, p. 408 – 432,
ago. 2004.
MUFWENE, S. A What do creoles and pidgins tell us about the evolution of language. In:
LAKS, B. et. al. (Orgs.). The proceedings of the conference on The Origin and Evolution
of Languages: Approaches, Models, Paradigms. London: Equinox, 2007. p. 1 – 45.
NARO, A. The social and structural dimensions of a syntactic change. Language, v. 57, n. 1,
p. 63 – 98, 1981.
________. O dinamismo das línguas. In: MOLLICA, M. C; BRAGA, M. L. (Orgs.).
Introdução à Sociolinguística: o tratamento da variação. 4 ed. São Paulo: Contexto, 2010.
NARO, A; LEMLE, M. Syntatic diffusion. In: STEEVER, S. B. et al. (Orgs.). Papers from
the para session on diachronic syntax. Chicago: Chicago Linguistic Society, 1976. p. 221 –
241.
NARO, A. J; SCHERRE, M. M. P. Sobre as origens do português popular do Brasil. DELTA,
São Paulo, v. 9, n. esp., p. 437 - 454, 1993.
_____________________________. Influência de variáveis escalares na concordância verbal.
A cor das Letras, Feira de Santana, n. 3, p. 17 – 34, dez. 1999.
_____________________________. Variable concord in Portuguese: the situation in Brazil
and Portugal. In: McWHORTER, J. (Ed.). Language change and language contact in pidgins
and creoles. Amsterdam: John Benjamins, 2000. p.235 – 256.
_____________________________. O conceito de transmissão linguística irregular e as
origens estruturais do português brasileiro: um tema em debate. In: RONCARATI, C;
ABRAÇADO, C. (Org.) Português Brasileiro: contato linguístico, heterogeneidade e história.
Rio de Janeiro: 7Letras, 2003. p. 285-302.
_____________________________. Origens do português brasileiro. São Paulo: Parábola
Editorial, 2007.
160
NOLL, V. O português brasileiro: formação e contrastes. VIARO, M. E. (Trad.). São Paulo:
Globo, 2008.
NOLL, V.; DIETRICH, W. (Org.). O português e o tupi no Brasil. São Paulo: Contexto, 2010.
OLIVEIRA, D. B. A. de. Os aldeamentos indígenas do distrito de Santa Cruz (Aracruz –
ES) e suas inter-relações com os manguezais da bacia do rio Piraquê-Açu: o caso das
aldeias de Caieiras Velha, Boa Esperança, Três Palmeiras e Piraquê-Açu Mirim. 2009. 109f.
Dissertação (Mestrado em Ecologia de Ecossistemas), Universidade de Vila Velha, Vila Velha,
2009.
OLIVEIRA, M. A. A variável linguística: conceituação, problemas de descrição gramatical e
implicações para a construção de uma teoria gramatical. DELTA, São Paulo, vol. 3, n. 1, p. 19
– 34, 1987.
OLIVEIRA, R. C. de. O índio e o mundo dos brancos. São Paulo: Pioneira, 1972.
______________. Identidade, etnia e estrutura social. São Paulo: Pioneira, 1976.
OLIVEIRA, V. B. et al. Projeto Vidas Paralelas Indígena: revelando o povo guarani do Espírito
Santo, Brasil. Tempus: Actas de Saúde Coletiva, Brasília, v. 6, n. 1, 2012. Disponível em:
<http://www.tempusactas.unb.br/index.php/tempus/article/view/1093>. Último acesso em: 2
de abril de 2016.
PAIVA, M. da C. de. Variação e aquisição do traço de sonoridade. In: RONCARATI, C;
MOLLICA, M. C. (Orgs.). Variação e aquisição. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. p.
15 – 32.
________________. A variável gênero/sexo. In: MOLLICA, M. C; BRAGA, M. L. (Orgs.).
Introdução à Sociolinguística: o tratamento da variação. 4 ed. São Paulo: Contexto, 2010. p.
33 – 42.
PAREDES SILVA, V. L. Relevância das variáveis linguísticas. In: MOLLICA, M. C; BRAGA,
M. L. (Orgs.). Introdução à Sociolinguística: o tratamento da variação. 4 ed. São Paulo:
Contexto, 2010. p. 67 – 72.
PARADIS, J.; NICOLADIS, E. The Influence of Dominance and Sociolinguistic Context on
Bilingual Preschoolers’ Language Choice. The International Journal of Bilingual Education
and Bilingualism, v. 10, n. 3, p. 277 – 297, 2007.
PERES, E. P. Aspectos da imigração italiana no Espírito Santo: a língua e cultura do Vêneto
em Araguaia. Dimensões, Vitória, v. 26, p. 44 – 59, 2011.
161
___________. Aspectos sócio-históricos do contato entre o dialeto Vêneto e o Português no
Espírito Santo. Revista (Con) Textos Linguísticos, Vitória, v. 8, n. 10.1, p. 53 – 71, 2014.
PETERLE, B. D. Análise sociolinguística da realização do ditongo nasal tônico em São
Bento de Urânia, Alfredo Chaves/ES: o papel da variável sexo/ gênero. 2017. 146f.
Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos) – Centro de Ciências Humanas e Naturais,
Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2017.
PINHEIRO, R; TOLEDO, C. Duas margens do rio: indícios de lexicalização em Belo Horizonte
e de gramaticalização em Varginha/ MG. Revele, Belo Horizonte, n. 7, p. 125 – 143, maio
2014.
POPLACK, S; ZENTZ, L; DION, N. Phrase-final prepositions in Quebec French: an empirical
study of contact, code-switching and resistance to convergence. Bilingualism: Language and
Cognition, Cambridge, v. 15, n. 2, p. 203 – 225, abr. 2012.
PREFEITURA MUNICIPAL DE ARACRUZ. Disponível em: <http://www.pma.es.gov.br/>.
Último acesso em: 16 de agosto de 2017.
RIBEIRO, D. Falando dos índios. Brasília: UnB, 2010a.
___________. Meus índios, minha gente. Brasília: UnB, 2010b.
RODRIGUES, A. D. Tupi, tupinambá, línguas gerais e o português do Brasil. In: NOLL, V;
DIETRICH, W. (Orgs.). O português e o tupi no Brasil. São Paulo: Contexto, 2010. p. 26 –
47.
__________________. Línguas brasileiras: para o conhecimento das línguas indígenas. São
Paulo: Loyola, 1986.
__________________. Línguas indígenas: 500 anos de descobertas e perdas. DELTA, São
Paulo, v. 9, n. 1, p. 83 – 103, 1993.
__________________. As Línguas Gerais Sul-Americanas. Papia: Revista Brasileira de
Estudos Crioulos e Similares, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 6 – 18, 1996.
RODRIGUES, C. V. Bilinguismo no Espírito Santo: reflexos no português de adultos e
crianças. Signum: Estudos da Linguagem, Londrina, v. 12, n. 1, p. 293 – 316, 2009.
ROMAINE, S. Bilingualism. Oxford: Blackwell, 1995.
RONCARATI, C; MOLLICA, M. C. (Orgs.). Variação e aquisição. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1997.
162
SANKOFF, D; TAGLIAMONTE, S; SMITH, E. Goldvarb X: variable rule application for
Macintosh and Windows. Toronto: University of Toronto, 2005.
SANKOFF, G. Linguistic Outcomes of Language Contact. In: TRUDGILL, P; CHAMBERS,
J; SCHILLING-ESTES, N. (Eds). The handbook of language variation and change. Oxford:
Blackwell, 2003. p. 638 – 668.
SAUSSURE, F. de. Curso em Linguística Geral. 27. ed. CHELINI, A; PAES, J. P;
BLIKSTEIN, I. (Trad.). São Paulo: Cultrix, 1973 [1916].
SCHADEN, E. Aculturação indígena. São Paulo: Pioneira – USP, 1969.
SCHERRE, M. M. P. Paralelismo linguístico. Revista de Estudos da Linguagem, Belo
Horizonte, v. 7, n. 2, p. 29 – 59, 1998.
__________________. Brazil/Brasilien. In: AMMON, H. V. U. et. al. (Orgs.). Sociolinguistics
Soziolinguistik – An international Handbook of the Science of Language and Society, Berlin
– New York, v. 3, p. 2125 – 2131, 2006.
SCHERRE, M. M. P; NARO, A. J. Marking in Discourse: Birds of a Feather. Language
Variation and Change, Cambridge, v. 3, n. 1, p. 23 – 32, 1991.
_____________________________ . The serial effect on internal and external variables.
Language Variation and Change, Cambridge, v. 4, n. 1, p. 1 – 13, 1992.
_____________________________ . Duas dimensões do paralelismo formal na concordância
verbal no português popular do Brasil. DELTA, São Paulo, v. 9, n. 1, p. 1 – 14, 1993.
______________________________. A concordância de número no português do Brasil: um
caso típico de variação inerente. In: HORA, D. (Org.). Diversidade Linguística no Brasil,
João Pessoa: Ideia, 1997. p. 93 – 114.
______________________________. Sobre a concordância de número no português falado do
Brasil. In: RUFFINO, G. (Org.). Dialettologia, geolinguistica, sociolinguistica. In: Congresso
Internazionale di Linguistica e Filologia Romanza, 21, 1998, Centro di Studi Filologici e
Linguistici Siciliani, Universitá di Palermo. Tübingen: Max Niemeyer Verlag, 1998. v. 5, p.
509 – 523.
______________________________. Mudança sem mudança: a concordância de número no
português brasileiro. Scripta, Belo Horizonte, v. 9, n. 18, p. 109 – 131, 2006.
______________________________. O papel do tipo de verbo na concordância verbal no
Português Brasileiro. DELTA, São Paulo, v. 23, n. esp., p. 283 – 317, 2007.
163
______________________________. Perceptual vs. Grammatical Constraints and Social
Factors in Subject-Verb Agreement in Brazilian Portuguese. Penn Working Papers in
Linguistics, Pennsylvania, v. 16, n. 2, p. 165 – 171, 2010.
______________________________. Sociolinguistic correlates of negative evaluation:
Variable concord in Rio de Janeiro. Language Variation and Change, Cambridge, v. 26, n. 3,
p. 331 – 357, out. 2014.
SCHERRE, M. M. P.; NARO, A. J.; CARDOSO, C. R. O papel do tipo de verbo na
concordância verbal no português brasileiro. DELTA, São Paulo, v. 23, n. esp., p. 283 – 317,
2007.
SCHERRE, M. M. P; YACOVENCO, L. C. A variação linguística, o gênero do falante e o
princípio de marcação linguística e social. In: CARMELINO, A. C; MEIRELES, A. R;
YACOVENCO, L. C. (Orgs.). Questões Linguísticas: diferentes abordagens teóricas. Vitória:
PPGEL/UFES, 2012. p. 173 – 190.
_____________________________________. A variação linguística e o papel dos fatores
sociais: o gênero do falante em foco. Revista da ABRALIN, v. eletrônico, n. esp., p. 121 –
146, 2011.
SCHLEEF, E; MEYERHOFF, M; CLARK, L. Teenagers’ acquisition of variation: A
comparison of locally-born and migrant teens’ realization of English (ing) in Edinburgh and
London. English World-Wide, v. 32, n. 2, p. 206 – 236, 2011.
SEIFFERT, A. P. Línguas brasileiras de imigração faladas em São Bento do Sul (SC):
estratégias para revitalização e manutenção das línguas na localidade. 2009. 215f. Dissertação
(Mestrado em Linguística) – Centro de Comunicação e Expressão, Universidade Federal de
Santa Catarina, Florianópolis, 2009.
SHUY, R. A brief history of American sociolinguistics (1949 – 1989). Historiographia
Linguistica, v. 17, n. 1-2, p. 183 – 209, 1990.
SILVA, J. A. A. da. A concordância verbal no português afro-brasileiro: um estudo
sociolinguístico de três comunidades rurais do Estado da Bahia. 2003. 254f. Dissertação
(Mestrado em Letras) – Instituto de Letras, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2003.
__________________. A concordância verbal de terceira pessoa do plural no português
popular do Brasil: um panorama sociolinguístico de três comunidades do interior do Estado
da Bahia. 2005. 323f. Tese (Doutorado em Letras e Linguística) – Instituto de Letras,
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2005.
SILVA, A. L; GRUPIONI, D. B. (Orgs). A temática indígena na escola: novos subsídios para
professores de 1º e 2º graus. 4 ed. São Paulo: Global, 2004.
164
SOARES, S. M. Concordância verbal na fala de crianças de classe baixa da cidade de Porto
Alegre. Cadernos do IL, Porto Alegre, n. 40, p. 106 – 122, jun. 2010
TAGLIAMONTE, S. A. Variationist sociolinguistics: change, observation, interpretation.
Cambridge: Wiley-Blackwell, 2012.
TARALLO, F. Por uma sociolinguística românica paramétrica: fonologia e sintaxe. Cadernos
de Linguística e Teoria da Literatura, Belo Horizonte, v. 7, n. 13, p. 51 – 83, 1987.
___________. A pesquisa sociolinguística. 8 ed. São Paulo: Ática, 2007.
TAVARES, M. A. Sociofuncionalismo: um olhar duplo sobre a variação e a mudança
linguística. Interdisciplinar, Itabaiana, v. 17, n. esp., p. 27 – 48, jan./jun. 2013.
TEAO, K. M. As visões dos Guarani Mbya do Espírito Santo sobre a escola. Tellus. Campo
Grande, v. 9, n. 16, p. 105 – 126, jan./jun. 2009.
___________. Território e identidade dos Guarani Mbyá do Espírito Santo (1967 – 2006). 2015.
234f. Tese (Doutorado em História) – Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade
Federal Fluminense, Niterói, 2015.
TEIXEIRA, F. M. P. História concisa do Brasil. São Paulo: Global, 1993.
TRASK, R. L. Dicionário de linguagem e linguística. ILARI, R. (Trad.). São Paulo: Contexto,
2006.
TRUDGILL, P. Sociolinguistics: an introduction to language and society. 4 ed. London:
Penguin Group, 2000.
VEIGA, P. R. V. Uma breve reflexão da aquisição da língua ancestral como segunda língua:
entre as falas em Português e Guarani. In: AMADO, R. S; FERREIRA, R.V; CHRISTINO, B.
P. (Orgs.). Português indígena: novas reflexões. Munique: LINCOM Studies in Romance
Linguistics, 2014. p. 130 – 141.
VERMES, G; BOUTET, J. (Orgs.). Multilinguismo. Campinas: Editora da UNICAMP, 1989.
VERTENTES DO PORTUGUÊS POPULAR DO ESTADO DA BAHIA. Disponível em:
<http://www.vertentes.ufba.br/home>. Último acesso em: 23 de abril de 2017.
VICENTE, G. A. D. Território e cultura: os Tupinikim de Caieiras Velhas – ES (2007 –
2014). 2014. 168f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Centro de Ciências Humanas e
Naturais, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2014.
165
VIEIRA, M. M. D. A busca por diagnósticos para identificar verbos inacusativos e inergativos
em Guarani. Revista FSA, Teresina, v. 10, n. 1, p. 187 – 210, jan./mar. 2013.
VIEIRA, S. R. A não concordância em dialetos populares: uma regra variável. Graphos, João
Pessoa, v. 2, n. 1, p. 115 – 134, 1997.
___________. (Org.) A concordância verbal em variedades do Português: a interface
fonética-morfossintaxe. Rio de Janeiro: Vermelho Marinho, 2015.
VIEIRA, S. R; BAZENGA, A. M. A concordância de terceira pessoa do plural: padrões em
variedades do português. In: VIEIRA, S. R. (Org.). A concordância verbal em variedades do
Português: a interface fonética-morfossintaxe. Rio de Janeiro: Vermelho Marinho, 2015. p. 29
– 75.
WEINREICH, U. Languages in contact: findings and problems. 9 ed. Mouton de Gruyter,
1970 [1953].
WEINREICH, U; LABOV, W; HERZOG, M. I. Fundamentos empíricos para uma teoria da
mudança linguística. BAGNO, M. (Trad.). São Paulo: Parábola, 2006 [1968].
WELCHEN, D. A concordância verbal de 3ª pessoa do plural em Missal/PR. 2006. 84f.
Trabalho de Pós-graduação em Letras (Disciplina Variação em Português). Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006.
____________. Pelotas/RS e a concordância verbal de 3ª pessoa do plural. 2009. 150f. Tese
(Doutorado em Letras) – Instituto de Letras, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto
Alegre, 2009.
WOLFRAM, W. et al. Emerging Hispanic English: New dialect formation in the American
South. Journal of Sociolinguistics, v. 8, n. 3, p. 339 – 358, 2004.
YACOVENCO, L. C. et. al. Projeto PORTVIX: a fala de Vitória/ES em cena. Alfa: Revista de
Linguística, São Paulo, v. 56, n. 3, p. 771 – 806, 2012.
166
ANEXO
Resultados da rodada sem os informantes com nível superior (com todas as variáveis).
VARIÁVEL POR ORDEM DE SELEÇÃO RESULTADOS
SALIÊNCIA FÔNICA
Não envolve mudança na qualidade da vogal na forma plural. .10
Envolve mudança na qualidade da vogal na forma plural. .19
Envolve acréscimo de segmentos na forma plural. .33
Envolve apenas mudança na qualidade da vogal na forma plural. .69
Envolve acréscimo de segmentos sem mudanças vocálicas na
forma plural; inclui o par foi/foram que perde a semivogal. .88
Envolve acréscimo de segmentos e mudanças diversas na forma
plural. .89
ESCOLARIDADE Até 8 anos de escolaridade. .30
Mais de 8 anos de escolaridade. .80
PARALELISMO ORACIONAL
Presença de -s no último elemento do sujeito. .65
Presença de zero no último elemento do sujeito. .26
Neutralização no último elemento do sujeito. .65
SEXO Masculino. .66
Feminino. .08
GRAU DE CONTATO
Baixo .79
Moderado .84
Alto .35
ANIMACIDADE [+ animado] .53
[- animado] .20
PARALELISMO DISCURSIVO
Verbo precedido de verbo com marca formal de plural explícita no
discurso do falante ou do interlocutor. .60
Verbo precedido de verbo com marca zero de plural no discurso do
falante ou do interlocutor. .27
Verbo isolado ou primeiro de uma série. .56
POSIÇÃO, DISTÂNCIA E
REALIZAÇÃO DO SUJEITO
Sujeito imediatamente anteposto ao verbo. .61
Sujeito anteposto distante de 1 a 4 sílabas do verbo. .47
Sujeito anteposto distante de 5/+ sílabas do verbo. .26
Sujeito posposto ao verbo. .25
Sujeito nulo com referente próximo (até 10 orações). .44
Sujeito nulo com referente distante (acima de 10 orações). .83
CONTÁVEIS/ NÃO-CONTÁVEIS Contáveis .51
Não-contáveis .21
INPUT DA RODADA .30