167
POLIANA CLAUDIANO CALAZANS A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE TERCEIRA PESSOA DO PLURAL NO PORTUGUÊS DE CONTATO DOS GUARANI DO ESPÍRITO SANTO Rio de Janeiro Fevereiro de 2018

A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

  • Upload
    others

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

POLIANA CLAUDIANO CALAZANS

A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE TERCEIRA

PESSOA DO PLURAL NO PORTUGUÊS DE CONTATO DOS

GUARANI DO ESPÍRITO SANTO

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2018

Page 2: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE TERCEIRA PESSOA

DO PLURAL NO PORTUGUÊS DE CONTATO DOS GUARANI DO

ESPÍRITO SANTO

Poliana Claudiano Calazans

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Linguística da Universidade

Federal do Rio de Janeiro como quesito para a

obtenção do Título de Doutora em Linguística.

Orientadora: Professora Doutora Christina Abreu

Gomes

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2018

Page 3: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

Calazans, Poliana Claudiano.

A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato

dos Guarani do Espírito Santo/ Poliana Claudiano Calazans. – Rio de Janeiro: UFRJ,

Faculdade de Letras, 2018.

xix 148 fls.

Orientadora: Christina Abreu Gomes.

Tese (Doutorado) UFRJ, Faculdade de Letras, Programa de Pós-Graduação em

Linguística, 2018.

Referências Bibliográficas: fls. 131-147.

1. Guarani. 2. Espírito Santo. 3. Sociolinguística Variacionista. 4. Contato Linguístico. 5.

Aquisição de L2. 6. Concordância Verbal.

I. Gomes, Christina Abreu. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de

Letras, Programa de Pós-Graduação em Linguística. III. A marcação da concordância

verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani do Espírito Santo.

Page 4: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE TERCEIRA PESSOA DO

PLURAL NO PORTUGUÊS DE CONTATO DOS GUARANI DO ESPÍRITO SANTO

Poliana Claudiano Calazans

Orientadora: Professora Doutora Christina Abreu Gomes

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Linguística da

Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Doutora

em Linguística.

Examinada por:

_________________________________________________________________________

Presidente, Profa. Doutora Christina Abreu Gomes

_________________________________________________________________________

Profa. Doutora Maria Marta Pereira Scherre – UFRJ/UnB/UFES

_________________________________________________________________________

Profa. Doutora Silvia Rodrigues Vieira – PPG Letras Vernáculas – UFRJ

_________________________________________________________________________

Profa. Doutora Maria da Conceição Auxiliadora de Paiva – PPG Linguística – UFRJ

_________________________________________________________________________

Prof. Doutor Marcelo Alexandre Silva Lopes de Melo – PPG Linguística - UFRJ

_________________________________________________________________________

Profa. Doutora Vera Lucia Paredes Pereira da Silva – PPG Linguística – UFRJ, Suplente

_________________________________________________________________________

Profa. Doutora Beatriz Protti Christino – PPG Letras Vernáculas – UFRJ, Suplente

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2018

Page 5: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

A Deus, criador de todas as coisas, por me amar sem medida.

À minha avó Sebastiana, pelo seu amor e cuidado.

Aos meus pais e irmãos, por serem bênçãos na minha vida.

À comunidade Guarani

e aos moradores do Distrito de Santa Cruz, Aracruz, Espírito Santo.

Page 6: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

AGRADECIMENTOS

À minha orientadora, professora Dr.ª Christina Abreu Gomes, por acreditar no meu

trabalho e pela orientação esmerada que me dispensou. Muito obrigada pelas palavras de

apoio e por me incentivar a ir além do que eu mesma achava que era capaz. A minha pesquisa

não seria metade do que é se não fosse o seu zelo.

Às professoras Dr.ª Maria da Conceição Auxiliadora de Paiva e Dr.ª Silvia Rodrigues

Vieira, pelas importantes considerações feitas no meu exame de qualificação.

Aos professores que aceitaram participar da minha banca de defesa. Muito obrigada

pelas valiosas contribuições dadas à minha pesquisa.

À professora Dr.ª Maria Marta Pereira Scherre, por ter sido tão solícita e prestativa na

concessão de material bibliográfico.

Aos professores, amigos e colegas do Programa de Pós-Graduação em Linguística da

Universidade Federal do Rio de Janeiro, pelos anos de convivência e de intenso aprendizado.

Agradeço, especialmente, aos amigos Alzira Davel, Caroline Soares, Celeste Ribeiro,

Ligiane Bonifácio, Monique Santos, Shelton de Souza e Wirla Rodrigues. A amizade e o

companheirismo de vocês foram fundamentais durante todo esse percurso. Eu nunca serei

suficientemente grata.

À comunidade Guarani do Espírito Santo e aos moradores do distrito de Santa Cruz,

que tão gentilmente cederam parte de seu tempo para que este trabalho fosse realizado.

Obrigada pelo auxílio na busca por informantes e pelas entrevistas. Eu certamente aprendi

bastante com tudo o que me foi narrado e vivenciado.

A todos os amigos e familiares que me auxiliaram em minha pesquisa de campo e na

coleta dos dados. Muito obrigada por terem feito parte disso comigo.

À professora Dr.ª Edenize Ponzo Peres e a todas as amigas que o mestrado me

proporcionou, pelas palavras de apoio e por toda ajuda que me foi prestada.

A toda equipe da EEEM Guarapari, pelo carinho dispensado a mim e pela confiança

no meu trabalho. Eu me sinto honrada por fazer parte desse grupo.

A todos que dedicaram parte do seu tempo orando pela minha vida. Eu não teria

chegado até aqui se não fosse sustentada por essas orações. Que Deus lhes conceda bênçãos

sem medida!

Aos meus amigos, por tudo o que vocês representam para mim. Obrigada por me

ouvirem, pelas palavras de incentivo e pelos conselhos. Obrigada por fazerem parte dos meus

dias.

Page 7: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

À minha família, por ser bênção de Deus na minha vida. Vocês são minha base e eu

devo tudo isso a vocês.

E agradeço a Deus, sem o qual eu nada seria. “Porque Dele e por Ele, e para Ele, são

todas as coisas. Glória, pois, a Ele eternamente. Amém!” (Romanos 11:36)

Page 8: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

Não sei falar bem o português. Na minha língua sou doutor.

(Prof. Joaquim Maná Kaxinawá)

Page 9: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

RESUMO

CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa

do plural no português de contato dos Guarani do Espírito Santo. Rio de Janeiro: UFRJ,

Faculdade de Letras, 2018. Tese de doutorado em Linguística.

Esta tese analisa a realização explícita da concordância verbal na terceira pessoa do

plural na variedade do português que os Guarani do Espírito Santo estão adquirindo e discute

os fatores socioculturais envolvidos nesse processo de contato linguístico e de aquisição de

uma segunda língua (L2). A comunidade é bilíngue em formação e tem, como principal

característica identitária, a língua Guarani. Para alcançar o objetivo da presente pesquisa, foi

formado um banco de dados de fala por meio de entrevistas realizadas em três aldeias, que

versaram sobre as tradições históricas e o meio ambiente. A análise tomou por base os

pressupostos gerais da Sociolinguística Variacionista e do Contato Linguístico (Weinreich,

1953; Romaine, 1995; Matras, 2011), além de resultados de estudos sobre a variabilidade da

concordância encontrados nos trabalhos de Scherre e Naro (1993, 1997) e Lucchesi, Baxter e

Silva (2009), e de estudos sobre o português de contato de falantes indígenas (Emmerich,

1984; Loureiro, 2005). Paralelamente à análise pretendida, foi feito um mapeamento da

comunidade de entorno com falantes nativos do português brasileiro para verificar como se

caracteriza o PB como L1 com o qual os Guarani estão em situação de contato. Verificou-se

que a comunidade Guarani no Espírito Santo está adquirindo as marcas explícitas da

concordância de terceira pessoa do plural devido à proximidade com os não-indígenas e que

os mesmos condicionamentos que atuam na variação da concordância verbal no PB como L1

regulam a aquisição das formas marcadas desses verbos na variedade do português brasileiro

que os Guarani estão adquirindo, sendo a saliência fônica a variável significativamente mais

relevante. Observou-se, também, que a variável sexo se sobrepôs às demais, revelando que os

homens se encontram em um estágio aquisitivo mais avançado que as mulheres devido aos

papéis sociais que ambos representam na cultura indígena. Os resultados obtidos nesta

pesquisa trazem contribuição não só para os estudos de contato linguístico e aquisição de

segunda língua, mas também para pesquisas vindouras com o objetivo de aprofundar o

conhecimento sobre a variedade do PB falada pelos índios Guarani em território capixaba.

Palavras-chave: Sociolinguística Variacionista, Contato linguístico, Guarani, Concordância

verbal, Aquisição de L2.

Page 10: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

ABSTRACT

CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa

do plural no português de contato dos Guarani do Espírito Santo. Rio de Janeiro: UFRJ,

Faculdade de Letras, 2018. Tese de doutorado em Linguística.

This thesis analyzes the explicit realization of verbal agreement in the third person

plural in the variety of Portuguese that the Guarani from Espírito Santo are acquiring and

discusses the sociocultural factors involved in this process of linguistic contact and of second

language acquisition (L2). The community is bilingual and has as main identity characteristic,

the Guarani language. Thus, in order to achieve the objective of the present research, a speech

database was formed through interviews conducted in three villages that dealt with historical

traditions and the environment. The analysis was based on the assumptions of Variationist

Sociolinguistics and Linguistic Contact (Weinreich, 1953; Romaine, 1995; Matras, 2011) in

addition to results of studies on the variability of agreement found in the works of Scherre &

Naro (1993, 1997) and Lucchesi, Baxter & Silva (2009) and also contact Portuguese studies

of indigenous speakers (Emmerich, 1984; Loureiro, 2005). Parallel to the intended analysis, a

mapping of the surrounding community with native speakers of Brazilian Portuguese was

done to verify how PB is characterized as L1 with which the Guarani are in a contact

situation. It was verified, as the research progressed that the Guarani community in Espírito

Santo is acquiring the explicit marks of third-person plural agreement due to its proximity to

non-Indians. It was also observed that the same conditionings that act on the variation of

verbal agreement in PB as L1 regulate the acquisition of the marked forms of third-person

plural verbs in the variety of Brazilian Portuguese that the Guarani are acquiring; being the

phonic saliency, the variable significantly more relevant. Regarding the social variables, the

sex variable overlapped the others revealing that men are in a more advanced stage of

language acquisition than women because of the social roles that both represent in the

indigenous culture. The results obtained in this research contribute not only to the studies of

linguistic contact and second language acquisition, but also to future research with the

objective of deepening the knowledge about the variety of PB spoken by the Guarani Indians

in the territory of the state of Espírito Santo.

Key words: Variationist Sociolinguistics, Linguistic Contact, Guarani, Verbal Agreement, L2

Acquisition.

Page 11: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

LISTA DE MAPAS

MAPA 1: Aldeias Guarani no Espírito Santo ........................................................................... 27

MAPA 2: Mapa turístico do Município Aracruz, Espírito Santo ............................................. 29

MAPA 3: Santa Cruz e Coqueiral de Aracruz: comunidades de entorno das aldeias Guarani

.................................................................................................................................................. 31

MAPA 4: Território Guarani .................................................................................................... 62

Page 12: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1: Realização/ não-realização da CV na 3ª pessoa do plural de falantes de PB-L1 ...

...................................................................................................................................................95

GRÁFICO 2: Aplicação da regra de CV com a 3ª pessoa do plural conforme a saliência fônica

na amostra de PB-L1 (pesos relativos) ................................................................................... 102

GRÁFICO 3: Polarização da escala de saliência fônica em três estudos de PB-L1 .............. 103

GRÁFICO 4: Realização/ não-realização da CV na 3ª pessoa do plural de falantes de PB-L2 ...

.................................................................................................................................................113

GRÁFICO 5: Aplicação da regra de CV com a 3ª pessoa do plural conforme a saliência fônica

na amostra de PB-L2 (pesos relativos) ................................................................................... 118

GRÁFICO 6: Aplicação da regra de CV com a 3ª pessoa do plural conforme a saliência e a

escolaridade na amostra de PB-L2 (pesos relativos) .............................................................. 119

GRÁFICO 7: Realização da CV na 3ª pessoa do plural de falantes de PB-L1 e PB-L2 de

acordo com as variáveis linguísticas selecionadas em ambas as amostras (pesos relativos)

................................................................................................................................................ 127

Page 13: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

LISTA DE QUADROS

QUADRO 1: Realização da concordância na norma gramatical vs. norma culta brasileira .... 49

QUADRO 2: Continuum de realização da concordância verbal de 3ª pessoa do plural

conforme os traços rural/urbano e os graus de escolaridade em variedades do PB ................. 58

QUADRO 3: Frequência geral de aplicação da regra de CV nas normas sociolinguísticas

brasileiras .................................................................................................................................. 59

QUADRO 4: Afixos que expressam traços de pessoa e número dos sujeitos dos verbos

transitivos e dos intransitivos ativos (ex. nadar, rir) ................................................................. 65

QUADRO 5: Afixos que expressam traços referentes ao objeto do verbo transitivo e ao

sujeito do intransitivo não-ativo (ex. ser gordo, estar feliz) ..................................................... 66

QUADRO 6: Descrição da amostra de Santa Cruz e Coqueiral de Aracruz ............................ 73

QUADRO 7: Descrição da amostra Guarani ............................................................................ 74

QUADRO 8: Informantes por sexo e grau de contato.............................................................. 75

QUADRO 9: Escala para grau de contato ................................................................................ 76

QUADRO 10: Descrição individual dos informantes da amostra Guarani .............................. 77

QUADRO 11: Frequência geral de aplicação da regra de CV nas normas sociolinguísticas

brasileiras .................................................................................................................................. 96

QUADRO 12: Grupos de fatores selecionados por ordem de relevância na amostra de PB-L1

.................................................................................................................................................. 98

QUADRO 13: Grupos de fatores descartados na amostra de PB-L1 ....................................... 98

Page 14: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

QUADRO 14: Grupos de fatores selecionados por ordem de relevância na amostra de PB-L2

................................................................................................................................................ 114

QUADRO 15: Grupos de fatores descartados na amostra de PB-L2 ..................................... 114

Page 15: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

LISTA DE TABELAS

TABELA 1: Distribuição de formas verbais marcadas em função do paralelismo discursivo na

amostra de PB-L1 ................................................................................................................... 100

TABELA 2: Distribuição de formas verbais marcadas em função da saliência fônica na

amostra de PB-L1 ................................................................................................................... 101

TABELA 3: Distribuição de formas verbais marcadas em função do paralelismo oracional na

amostra de PB-L1 ................................................................................................................... 104

TABELA 4: Distribuição de formas verbais marcadas em função da escolaridade na amostra

de PB-L1 ................................................................................................................................. 105

TABELA 5: Distribuição de formas verbais marcadas em função da variável sexo na amostra

de PB-L1 ................................................................................................................................. 106

TABELA 6: Cruzamento das variáveis sociais sexo e escolaridade na amostra de falantes do

distrito de Santa Cruz ............................................................................................................. 107

TABELA 7: Distribuição de formas verbais marcadas em função da variável saliência fônica

na amostra de PB-L2 .............................................................................................................. 117

TABELA 8: Distribuição de formas verbais marcadas em função da variável paralelismo

oracional na amostra de PB-L2 .............................................................................................. 121

TABELA 9: Distribuição de formas verbais marcadas em função da variável paralelismo

discursivo na amostra de PB-L2 ............................................................................................. 123

TABELA 10: Distribuição de formas verbais marcadas em função da variável posição,

distância e realização do sujeito na amostra de PB-L2 .......................................................... 125

Page 16: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

TABELA 11: Distribuição de formas verbais marcadas em função da variável traço semântico

do sujeito: contável/ não-contável na amostra de PB-L2 ....................................................... 126

TABELA 12: Distribuição de formas verbais marcadas em função da variável escolaridade na

amostra de PB-L2 ................................................................................................................... 129

TABELA 13: Distribuição de formas verbais marcadas em função da variável sexo na

amostra de PB-L2 ................................................................................................................... 133

TABELA 14: Distribuição de formas verbais marcadas em função da variável grau de contato

na amostra de PB-L2 ..............................................................................................................136

TABELA 15: Cruzamento das variáveis sociais sexo e grau de contato na amostra de PB-L2

sem os informantes universitários .......................................................................................... 139

TABELA 16: Cruzamento das variáveis sociais sexo e grau de contato na amostra de PB-L2

com todos os informantes ...................................................................................................... 140

TABELA 17: Cruzamento das variáveis sociais sexo e escolaridade na amostra de PB-L2 sem

os informantes universitários .................................................................................................. 142

TABELA 18: Cruzamento das variáveis sociais sexo e escolaridade na amostra de PB-L2 com

todos os informantes ............................................................................................................... 143

Page 17: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 19

2. OS GUARANI E O DISTRITO DE SANTA CRUZ: O PERFIL SOCIOCULTURAL

DAS COMUNIDADES PESQUISADAS ............................................................................. 25

2.1 Os Guarani do Espírito Santo: uma breve descrição da comunidade ................................. 25

2.2 Santa Cruz e Coqueiral de Aracruz: as comunidades de entorno ....................................... 28

3. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS ......................................................................................... 32

3.1 A Sociolinguística e seu objeto .......................................................................................... 32

3.1.1 A Teoria da Variação ....................................................................................................... 34

3.2 O Contato Linguístico e a Aquisição de L2 ....................................................................... 37

3.2.1 A Aquisição de L2 por falantes adultos........................................................................... 39

4. A RELAÇÃO VERBO-SUJEITO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO E NA LÍNGUA

GUARANI ............................................................................................................................... 47

4.1 A concordância verbal variável no português brasileiro ................................................... 47

4.1.1 A variação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no PB-L1 em centros

urbanos .................................................................................................................................... 50

4.1.2 A variação da concordância verbal de terceira pessoa do plural em comunidades de PB-

L1 não-urbanas ......................................................................................................................... 55

4.1.3 A variação da concordância verbal de número no português de contato dos povos

indígenas ................................................................................................................................... 59

4.2 A relação verbo-sujeito no Guarani Mbyá ........................................................................ 61

5. DELIMITAÇÃO DA PESQUISA E DA METODOLOGIA .......................................... 67

5.1 Objetivos, questões e hipóteses ......................................................................................... 67

5.2 Metodologia ....................................................................................................................... 68

5.2.1 A constituição e a organização da amostra: da caracterização das entrevistas à análise

dos dados ................................................................................................................................. 68

5.2.2 As variáveis .................................................................................................................... 69

5.2.2.1 O envelope da variação ................................................................................................ 69

Page 18: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

5.2.2.2 As variáveis sociais ...................................................................................................... 71

5.2.2.3 As variáveis linguísticas .............................................................................................. 81

6. ANÁLISE DOS DADOS: A CONCORDÂNCIA VERBAL NO PORTUGUÊS L1

DOS MORADORES DO DISTRITO DE SANTA CRUZ ................................................ 93

6.1 Nossos resultados ............................................................................................................... 94

6.1.1 Variáveis linguísticas ...................................................................................................... 99

6.1.1.1 Paralelismo formal – nível discursivo ......................................................................... 99

6.1.1.2 Saliência fônica .......................................................................................................... 100

6.1.1.3 Paralelismo formal – nível oracional ......................................................................... 104

6.1.2 Variáveis extralinguísticas ............................................................................................ 105

6.1.2.1 Escolaridade ............................................................................................................... 105

6.1.2.2 Sexo ........................................................................................................................... 106

6.2 Algumas considerações ................................................................................................... 107

7. ANÁLISE DOS DADOS: A CONCORDÂNCIA VERBAL NO PORTUGUÊS L2

DOS GUARANI DO ESPÍRITO SANTO ......................................................................... 110

7.1 Variáveis linguísticas ........................................................................................................ 116

7.1.1 Saliência fônica ............................................................................................................. 116

7.1.2 Paralelismo formal – nível oracional ............................................................................ 121

7.1.3 Paralelismo formal – nível discursivo ........................................................................... 123

7.1.4 Posição, distância e realização do sujeito ...................................................................... 124

7.1.5 Traço semântico do sujeito: contável/ não-contável...................................................... 126

7.2 Variáveis sociais .............................................................................................................. 128

7.2.1 Escolaridade .................................................................................................................. 128

7.2.2 Sexo ............................................................................................................................... 132

7.2.3 Grau de contato .............................................................................................................. 135

7.2.3.1 Cruzamento das variáveis sexo e grau de contato ...................................................... 139

7.2.3.2 Cruzamento das variáveis sexo e escolaridade .......................................................... 141

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 145

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 149

Page 19: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

ANEXO ................................................................................................................................. 166

Page 20: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

19

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo analisar a realização da concordância verbal na

terceira pessoa do plural na variedade do português que os índios Guarani do Espírito Santo

estão adquirindo e identificar os fatores linguísticos e socioculturais envolvidos nesse processo

de contato linguístico e de aquisição de segunda língua (L2). Em se tratando da realidade

indígena em terras capixabas, dos remanescentes nelas existentes, encontramos índios isolados

de etnias diversas, tais como Pataxó e Krenak, além de dois povos em aldeamentos, Tupinikim

e Guarani. Realidade esta que, como sabemos, traz as marcas de um passado de genocídio e

etnocídio contra esses povos, cujas consequências estão refletidas não só na organização

econômica e sociocultural dos mesmos, mas também na formação sócio-histórica da sociedade

brasileira.

A história do Espírito Santo teve início, da maneira como conhecemos, com a tomada

de posse da Capitania do Espírito Santo pelo donatário português Vasco Fernandes Coutinho,

em 23 de maio de 1535. Sabe-se, contudo, que, muito antes que os portugueses chegassem às

terras capixabas, já habitavam esse território povos de etnias variadas com suas línguas e demais

marcas identitárias estabelecidas: aqueles que os colonizadores denominaram de índios. E,

assim como no restante das Américas, nem sempre esse contato entre europeus e nativos foi

amigável.

A princípio, foi fundada a vila que hoje conhecemos como Vila Velha, caracterizando a

capitania como essencialmente litorânea, devido em grande parte à hostilidade das tribos que

aqui viviam e aos sangrentos combates promovidos por elas. Foi, principalmente, com a

expansão da lavoura cafeeira, na segunda metade do século XIX, que ocorreu o lento, mas

crescente, povoamento das áreas no interior do Estado. Mais tarde, ainda atraídos pela produção

do café, vieram ocupar essas terras, mais especificamente as da região serrana, imigrantes

europeus tais como italianos, alemães e pomeranos. Não podemos nos esquecer, também, dos

negros aqui estabelecidos na condição de escravos cujos remanescentes, senão identificados na

forte miscigenação característica do povo brasileiro, podem ser encontrados nas comunidades

quilombolas existentes de norte a sul do Espírito Santo. É nesse cenário, construído por

diferentes povos e culturas, que se forma e se transforma a realidade sociolinguística capixaba.

Assim como ocorreu no Brasil em geral, o Espírito Santo é um estado cujo povo

apresenta características étnicas diversificadas. E, além de imigrantes que se integraram à

comunidade capixaba, ainda existem nesse Estado alguns núcleos de ocupação que não só

conservaram suas respectivas línguas maternas como também a cultura de seus países de origem

Page 21: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

20

(RODRIGUES, 2009). Apesar desse cenário multiétnico, histórico e cultural encontrado no

território espírito-santense, esse Estado, no campo da linguística especificamente, ainda carece

de estudos de diversas naturezas, tais como os de variação e aquisição de L2. Pensando nisso e

tendo em vista que os estudos linguísticos em solo capixaba estão voltados, principalmente,

para as comunidades de imigrantes nele existentes (PERES, 2011, 2014; BREMENKANP,

2014; COMINOTTI, 2015; MENEGHEL, 2015; AVELAR, 2015; PETERLE, 2017), é que a

presente pesquisa se faz pertinente.

Atualmente, residem no Espírito Santo cerca de 300 índios Guarani aldeados em Terras

Indígenas (TI) compartilhadas com mais de 2.500 índios Tupinikim (TEAO, 2015). Os

Tupinikim são índios do litoral norte capixaba, remanescentes da época da colonização, e os

Guarani são oriundos do Rio Grande do Sul, tendo chegado ao Estado apenas na década de

1960 (CARVALHO, 2013). A principal diferença entre essas duas comunidades perpassa as

situações de contato com os não-índios vivenciadas pelos mesmos: apenas a etnia Guarani tem

como primeira língua (L1) a sua língua nativa, sendo esta a sua marca identitária mais

importante.

Em Calazans (2014), pude verificar que os Guarani residentes no Espírito Santo nutrem

por sua língua materna, principalmente, um forte sentimento de orgulho e lealdade. Sentimento

este que é comum a outras comunidades da mesma etnia. Veiga (2014), por exemplo, registrou

um tocante relato de uma informante Guarani que tem a língua portuguesa como sua língua

materna: “(...) quando você só fala português, o seu divino está em outro local que não é

Guarani. Significa que você não pertence a esse grupo, que você não é pertencente do povo

Guarani. E isso acarreta a você muita discriminação, que eu senti muito” (p. 131).

Para os Guarani, mais que sinônimo de resistência, a palavra é sagrada e poderosa, pois

possui origem divina. “Para o Guarani, a palavra é tudo, e tudo para ele é a palavra” (MELIÁ,

1989, p. 306). Foi o Deus criador que a concebeu antes mesmo que a Terra existisse; antes

mesmo que se tivesse conhecimento sobre todas as coisas. “Os Guarani buscam a perfeição de

seu ser na perfeição de seu 'dizer', de seu 'falar'” (AZEVEDO, M. et. al., 2008, p. 11).

Segundo Callou e Leite (2010), uma sociedade se comunica e retrata o conhecimento

do mundo que a cerca por meio da linguagem. É nela que “se refletem a identificação e a

diferenciação de cada comunidade” (p. 7). Linguagem, identidade e sociedade se inter-

relacionam. Ribeiro (2010a) ressalta que não é possível que o homem exerça ou desenvolva sua

condição humana se não estiver inserido em uma comunidade.

A importância dada à linguagem está além da sua função primeira de comunicação, o

que já é consenso entre os teóricos. Romaine (1995), por exemplo, observa que a língua exerce

Page 22: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

21

um papel fundamental enquanto agente de transmissão cultural e que não existe a possibilidade

de uma realidade social ser igualmente representada por duas línguas diferentes. Appel e

Muysken (1996) declaram que as línguas só ostentam significados na interação entre os

falantes. Segundo esses autores, as comunidades plurilíngues evidenciam que a língua não serve

apenas para a comunicação, mas também para transmitir significados e conotações sociais; é

por meio dela que as normas e os valores culturais são transmitidos e é por seu uso que

sentimentos grupais são enfatizados. Trudgill (2000), por sua vez, nessa mesma perspectiva,

acrescenta que, sendo a sociedade refletida por meio da língua, a mudança social também pode

produzir uma mudança linguística.

As atitudes dos indivíduos em relação a sua língua materna influenciam não só na

manutenção, substituição e extinção da mesma (WEINREICH, 1970 [1953]; FISHMAN, 1967,

1979; FASOLD, 1996; APPEL; MUYSKEN, 1996; COULMAS, 2008; KAUFMANN, 2011),

mas também na sua competência linguística em outras línguas (MONTRUL, 2013). Além das

atitudes linguísticas, segundo os teóricos, outros fatores intervêm no processo de aquisição de

uma segunda língua, tais como: a duração do contato linguístico, a idade e o contexto de

aquisição, além das relações sociopolíticas entre as duas línguas - L1 e L2 (MONTRUL, 2013).

Segundo Montrul (2013), na aquisição de uma segunda língua, o nível de domínio e fluência

alcançado é distinto para cada pessoa. O resultado dessa aquisição, em geral, é variável e nem

sempre o falante consegue alcançar a competência linguística de um falante nativo.

Diante do exposto, considerando o caráter de língua minoritária do Guarani e a

necessidade desse povo de se comunicar na língua portuguesa com a sociedade envolvente, é

que nos propomos a estudar e analisar a realização da concordância verbal de terceira pessoa

do plural na variedade do português brasileiro que os Guarani estão adquirindo. A escolha desse

fenômeno se deu devido à sua relevância nos estudos sobre a formação do português brasileiro

oriunda, como sabemos, de um longo período de contatos linguísticos. Scherre (2010) enfatiza

que, independentemente da posição adotada – seja ela crioulização, semicrioulização, mudança

natural e/ou confluência de motivações – praticamente todas as abordagens que analisam a

concordância de número com esse objetivo, ainda que sejam divergentes em seus

posicionamentos, consideram o papel da aquisição do português como segunda língua.

Nossa motivação para a realização deste trabalho está em um interesse pessoal pela

comunidade de fala1 escolhida, que advém da consciência da importância que os povos

indígenas têm como protagonistas na formação da nossa identidade enquanto brasileiros e pelo

1 Labov (1972) define comunidade de fala como aquela que compartilha normas e atitudes sociais diante de uma

língua ou variedade linguística.

Page 23: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

22

entendimento de que este trabalho pode vir a contribuir para a transformação social dos grupos

estudados, uma vez que, além de se configurar como um registro histórico, pode apontar as

tendências do português falado pela comunidade estudada e fornecer subsídios para novas

pesquisas que analisem situações que envolvem o contato linguístico e a aquisição de segunda

língua.

Assim, tomamos como base os pressupostos teórico-metodológicos da Sociolinguística

Variacionista para observar a aquisição de L2 em contexto de contato linguístico entre falantes

de línguas diferentes (WEINREICH, 1970 [1953]; ROMAINE, 1995; KERSWILL, 2006;

MUFWENE, 2007; MATRAS, 2011 entre outros) além de resultados de estudos sobre a

variabilidade da concordância verbal na terceira pessoa do plural (NARO, 1981; SCHERRE,

1998; SCHERRE; NARO, 1993, 1997, 1998; VIEIRA, 1997, 2015; SILVA, 2005; SCHERRE;

NARO; CARDOSO, 2007; BAXTER, 2009; LUCCHESI; BAXTER; SILVA, 2009;

BENFICA, 2016) e sobre o português de contato de falantes indígenas (EMMERICH, 1984;

PAIVA, 1997; MOLLICA, 1997; DUARTE, 1997; GOMES, 1997; LOUREIRO, 2005;

CHRISTINO; SILVA, 2012; AMADO, 2015) – fundamentais para a formulação das hipóteses

desta tese.

Dessa forma, tendo em vista que a concordância verbal no português brasileiro é

sistematicamente variável (SCHERRE; NARO, 1998), foi coletada uma amostra do português

falado pelos Guarani composta de 16 entrevistas sociolinguísticas realizadas em três das cinco

aldeias Guarani presentes no Espírito Santo: Três Palmeiras, Tekoa-Porã ou Boa Esperança e

Piraquê-Açu Mirim, todas localizadas em Santa Cruz, distrito do município de Aracruz, que

fica no norte do Estado a cerca de 60 km da capital capixaba. Os temas das entrevistas

focalizaram as tradições históricas, a família, a religião, a economia, a língua e o meio ambiente

– temas estes considerados as principais armas de resistência desse povo.

Esta pesquisa tem as seguintes questões como princípios norteadores: 1) em que medida

a variação na realização da 3ª pessoa do plural no português de contato dos Guarani reflete a

variabilidade observada no PB? ; 2) se sim, a aquisição de padrões de concordância verbal em

situação de L2 se dá em função dos mesmos condicionamentos estruturais observados para os

falantes do PB como L1?; ou 3) os indígenas dessa localidade reinterpretam a variação,

produzindo padrões diferentes daqueles encontrados em outros variedades da Língua

Portuguesa?; 4) há predominância de algum tipo de condicionamento sobre os demais?; 5) há

transferência do sistema de marcação da L1 dos falantes indígenas?; e 6) em que medida

características socioculturais da comunidade têm efeito sobre a aquisição dos padrões de

concordância?

Page 24: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

23

Objetivando uma análise mais abrangente do fenômeno em questão nessa comunidade

de fala, para fins de comparação, propomo-nos a analisar também a variabilidade da

concordância verbal da 3ª pessoa do plural nas comunidades não-índias localizadas no entorno

das aldeias Guarani pesquisadas, uma vez que é com esta variedade do português brasileiro que

os indígenas mantêm contato com maior frequência. Esse estudo preliminar visa a responder

aos seguintes questionamentos que fornecerão importantes subsídios para a nossa análise

principal: como se caracteriza o PB como L1 dos moradores de Aracruz?; o percentual geral de

concordância observado no estudo sobre o PB-L2 dos falantes indígenas reflete o

comportamento dos falantes do PB-L1 ou pode ser atribuído à situação de aquisição de L2?; os

condicionamentos da variação são os mesmos observados para outras variedades do PB?

Tendo em vista os estudos de aquisição de segunda língua realizados no Parque Indígena

do Xingu, situado ao norte do Estado do Mato Grosso, e em outras comunidades indígenas do

Brasil, nossa hipótese geral é a de que a comunidade Guarani do Espírito Santo está adquirindo

as marcas explícitas de concordância verbal de número devido à proximidade com a

comunidade não-índia (cf. EMMERICH, 1984, PAIVA, 1997; LOUREIRO, 2005; AMADO,

2015). Em vista disso, levantamos as seguintes hipóteses específicas:

1. O grau de contato2 influencia a (não) realização das marcas de concordância nos

verbos de terceira pessoa do plural no seguinte sentido: quanto mais alto for o

grau de contato dos informantes com o PB-L1, maior a probabilidade de

realização das marcas de concordância nos verbos;

2. A escolaridade favorece a realização da concordância explícita de número no

verbo devido à sua ação socializadora e por apresentar aos falantes uma

variedade prestigiada do português brasileiro;

3. Devido aos papéis sociais representados por homens e mulheres na comunidade

Guarani, como ocorre no português xinguano (EMMERICH, 1984), as mulheres

usam menos a variante prestigiada que os homens;

4. Considerando que os condicionamentos linguísticos no controle da variação da

concordância verbal de número se mostraram regulares em mais de 40 anos de

pesquisas sobre o fenômeno e nas mais diversas comunidades de fala, nossa

hipótese é a de que os Guarani replicam os condicionamentos do PB-L1;

2 A variável grau de contato bem como sua relevância para a nossa análise serão descritas no Capítulo 5 desta tese,

que compreende os procedimentos metodológicos adotados.

Page 25: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

24

5. Os falantes de grau baixo de contato, devido ao seu estágio aquisitivo,

transferem padrões da língua materna para a língua alvo – na composição dessa

hipótese, duas forças atuam: o sistema de marcação da L1 e a neutralização da

flexão número-pessoal no sintagma verbal atestada em outras análises do

português de contato falado em comunidades indígenas (cf. EMMERICH, 1984;

AMADO, 2014).

Diante do exposto, esta pesquisa se divide em oito capítulos. A presente introdução

constitui o primeiro capítulo. O segundo capítulo, “Os Guarani e o distrito de Santa Cruz: o

perfil sociocultural das comunidades pesquisadas”, destina-se a apresentar a comunidade

Guarani pesquisada e suas comunidades de entorno, Santa Cruz e Coqueiral de Aracruz. O

terceiro capítulo, por sua vez, compreende os pressupostos teóricos que nos serviram de base

no desenvolvimento deste trabalho. Nele, discorreremos sobre a Sociolinguística Variacionista,

a Teoria do Contato Linguístico e da Aquisição de L2.

No quarto capítulo, denominado “A relação verbo-sujeito no Português Brasileiro e na

língua Guarani”, discorreremos sobre a variabilidade da concordância nos verbos de terceira

pessoa do plural para, então, apresentarmos uma revisão dos estudos linguísticos que analisam

como esse fenômeno se realiza no PB-L1 e nas situações de contato entre línguas. Encerraremos

esse capítulo com uma descrição da relação verbo-sujeito na língua Guarani – primeira língua

de nossos informantes.

O quinto capítulo, “Delimitação da pesquisa e metodologia”, apresenta os objetivos, as

hipóteses e os aspectos metodológicos que nortearam esta pesquisa desde a constituição das

amostras até as análises. Em seguida, no sexto capítulo, “Análise dos dados: a concordância

verbal no português L1 dos moradores do distrito de Santa Cruz, no Espírito Santo”,

analisaremos os dados dos informantes de PB-L1 das comunidades que rodeiam as aldeias

Guarani presentes no Estado.

No sétimo capítulo, por sua vez, “Análise dos dados: a concordância verbal no português

L2 dos Guarani do Espírito Santo”, será apresentada a análise dos dados coletados nas aldeias

Guarani em terras capixabas tendo em vista as questões norteadoras desta pesquisa, as hipóteses

formuladas e os demais estudos sobre a concordância verbal de terceira pessoa do plural para,

em seguida, no oitavo capítulo, apresentarmos as considerações finais.

Page 26: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

25

2. OS GUARANI E O DISTRITO DE SANTA CRUZ: O PERFIL SOCIOCULTURAL

DAS COMUNIDADES PESQUISADAS

Neste capítulo, apresentaremos as comunidades indígenas pesquisadas. Iniciaremos

com uma descrição da comunidade Guarani do Espírito Santo que envolve desde aspectos

históricos a aspectos socioculturais: quando eles chegaram às terras capixabas, como eles se

identificam, sua visão da língua materna e organização social são alguns dos temas abordados.

Em seguida, discorreremos sobre as comunidades de falantes de PB-L1 que se localizam no

entorno das aldeias; a saber: Santa Cruz e Coqueiral de Aracruz, ambas localizadas no distrito

de Santa Cruz, em Aracruz, no Espírito Santo3.

2.1 Os Guarani no Espírito Santo: uma breve descrição da comunidade

Dos milhões de indígenas existentes em território brasileiro, estima-se que restam hoje

cerca de 900 mil – segundo dados do último censo realizado pelo IBGE, dos quais

aproximadamente 50 mil são pertencentes ao povo Guarani, de que se ocupa o presente

trabalho. Grande parte desses Guarani que vivem no Brasil, contudo, é oriunda e/ou

descendente de índios do Paraguai e da Argentina e se situam, principalmente, na faixa litorânea

que vai desde os estados do Sul até o território capixaba, o Espírito Santo. Este último, que já

contava com tribos Tupinikim, recebeu os Guarani após sua caminhada mítica por volta de

1960. Caminhada esta que teve início em Pelotas - RS, sob a liderança do guia espiritual

Tatantin Roa Eté em busca de uma terra revelada.

Os Guarani do Espírito Santo, hoje, estão todos concentrados em uma mesma área; são

cerca de 300 índios vivendo em três aldeias e um aldeamento – Tekoá-Porã ou Boa Esperança,

Três Palmeiras, Piraquê-Açu e Olho d’Água, respectivamente; todos localizados na região norte

do Estado a aproximadamente 60 km da capital Vitória – no distrito de Santa Cruz, em Aracruz.

Cabe destacar que, quando falamos em Guarani, estamos nos referindo a um povo que,

no Brasil, se subdivide em três grupos: Mbyá, Nhandewa e Kaiowá; classificados pelos

antropólogos por diferenças dialetais, de costumes e de práticas de rituais. No Espírito Santo,

3 O município de Aracruz é dividido em cinco distritos: Sede, Jacupemba, Guaraná, Riacho e Santa Cruz. Neste

último, localizam-se os bairros Santa Cruz e Coqueiral de Aracruz. Comumente, os moradores desses bairros

precisam dirigir-se ao distrito Sede, onde se localiza o centro de Aracruz, para serviços bancários etc.

Page 27: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

26

estão os Guarani Mbyá, que se auto intitulam Tambeopé – “portadores de tanga quadrada”

(CARVALHO, 2013, p. 40).

Em linhas gerais, a situação da comunidade Guarani nesse Estado pode ser dividida em

quatro aspectos, a saber: 1) em relação à língua, essa comunidade é bilíngue em formação, com

falantes que se localizam em diferentes graus de fluência quanto ao Português segundo a escala

de Emmerich (1984); 2) no que diz respeito à identidade, o atributo mais evidente dessa etnia

que a diferencia dos não índios é a língua Guarani; 3) seu grau de isolamento é parcial; e, 4) a

educação oferecida nas aldeias é bilíngue. Além desses, outros fatores merecem destaque tais

como o orgulho por sua história de luta para defender sua identidade étnica e sua independência

e a baixa ocorrência de casamentos exogâmicos/ interétnicos.

Os Guarani reconhecem que a língua hoje falada pelos jovens e crianças difere da língua

falada pelos mais velhos, mas entendem a importância de preservá-la limitando o uso da língua

portuguesa ao contato com o branco. Tal entendimento é fortalecido tendo como exemplo as

aldeias Tupinikins vizinhas que têm o português como língua materna e estão, segundo eles,

em processo de resgate e revitalização de sua própria língua Tupi. Ainda assim e mesmo com

todo o empenho para a preservação dessa cultura, Carvalho (2013), diretor da escola indígena

em Três Palmeiras, destaca que é possível encontrar “muitos indivíduos Guarani,

principalmente os jovens, [que] não têm vontade ou até mesmo preocupação com a própria

cultura e sua tradição, mesmo tendo diversos tipos de apoio por parte de alguns conservadores

e lideranças indígenas” (p. 27).

Sobre essa questão, é consenso entre os teóricos o pensamento de que o grau de

isolamento de uma comunidade influencia diretamente na manutenção da língua e dos costumes

da cultura minoritária. Quanto mais isolada for a comunidade, menores serão as interferências

externas; e quanto maior a urbanização da área, maior a chance dessa cultura ser substituída

pela majoritária.

Em se tratando das comunidades Guarani no Espírito Santo, como já vimos, o

isolamento é parcial, pois, apesar de residirem em Territórios Indígenas e em uma área de

preservação ambiental, os indígenas também têm acesso às cidades de entorno por questões de

trabalho, educação, saúde e alimentação. Além disso, os líderes indígenas, em virtude do

ativismo indigenista, viajam com frequência para participar de reuniões, protestos e assembleias

dentro e fora do Estado. Merece relevância, também, o fato de que a presença dos meios de

comunicação, em suas variadas formas, como a televisão, o rádio e a internet, é massiva dentro

das aldeias. Dessa forma, nossos informantes têm contato permanente com a cultura dominante.

Page 28: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

27

Cabe ressaltar que o Estado capixaba possui 19 mil hectares de terras indígenas

demarcadas pelo Governo contíguas às plantações de eucalipto da Fibria, antiga Aracruz

Celulose, protagonista de um conflito com os indígenas que se arrasta há mais de 40 anos. Esse

território é dividido em duas Terras Indígenas (TI): Caieiras Velha e Caieiras Velha II, como

mostra o mapa abaixo:

Mapa 1 – Aldeias Guarani no Espírito Santo.

Mapa 1: Aldeias Guarani no Espírito Santo. Fonte: Google Earth (2009), adaptado por Oliveira (2009, p. 60).

A Terra Indígena de Caieiras Velha, onde se localizam as aldeias Boa Esperança e Três

Palmeiras, possui cerca de dois mil habitantes das etnias Tupinikim4 e Guarani. Boa Esperança,

ou Tekoa-Porã, é considerada o primeiro núcleo Guarani no Espírito Santo e foi fundada em

setembro de 1978 (TEAO, 2015). Sob a gestão do cacique Antônio Carvalho, Werá Kwaray,

mais conhecido como Toninho, esse agrupamento conta hoje com cerca de 27 famílias e se

caracteriza como mais conservador em relação aos outros agrupamentos Guarani presentes no

Estado.

A aldeia de Três Palmeiras, ou Mboapy Pindo, por sua vez, foi fundada em 1998, em

virtude de um rompimento com a aldeia Boa Esperança, motivado por desavenças relacionadas

4 Aldeias Tupinikim localizadas na TI Caieiras Velha: Irajá e Caieiras Velha. (MARCILINO, 2014)

Page 29: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

28

à sua organização conservadora. Chefiada pelo cacique Nelson Carvalho, a aldeia Três

Palmeiras, inicialmente, foi formada por cinco famílias oriundas de Boa Esperança, São Paulo

e Rio de Janeiro (TEAO, 2015). Hoje, ela é composta por 35 famílias (FUNAI, 2008), das quais

27 pretendem se mudar para uma nova aldeia que está sendo construída sob a chefia do ex-

cacique, Marcelo Oliveira da Silva. Essa nova aldeia, denominada por eles como Nova

Esperança, ou Kaagui Porã, caracteriza-se por ser mais distante da cidade e com melhores

condições de plantio.

Além de um centro cultural destinado a preservar a história e a cultura do povo Guarani,

o Centro Cultural Tatantin Ywa Reté, inaugurado em dezembro de 2012, Três Palmeiras

também conta com uma escola indígena de Ensino Fundamental em seu território, que passará

a funcionar em um novo prédio, em construção desde 2014, cujas instalações foram projetadas

para atender toda a comunidade indígena em terras capixabas (TEAO, 2015).

Por último, temos Piraquê-Açu Mirim, a única localizada no TI Caieiras Velha II, que é

cortada pela Rodovia ES-010. Criada em 2001 e administrada pelo cacique Pedro Karaí, neto

de Tatantin, essa aldeia é composta por apenas oito famílias – cerca de 30 pessoas – e está

localizada às margens do rio de mesmo nome. Piraquê-Açu. De todas as aldeias Guarani

presentes no território capixaba, é a mais voltada para o turismo. Ela já foi palco de alguns

filmes, dentre eles “Como o sonho começou”, que, segundo o cacique, foi divulgado em países

da Europa e da Ásia.

Desde então, as famílias residentes nessa aldeia fazem uso do lugar que serviu de cenário

com um projeto denominado Aldeia Temática, que promove visitas guiadas para estudantes e

turistas objetivando propagar a história e a cultura do povo Guarani. Como afirma Teao (2015),

toda essa “produção artística e educacional é voltada para a afirmação da identidade cultural,

para a divulgação das tradições, para a visibilidade da existência do povo” (p. 24) no Espírito

Santo. Olho d’ Água, por sua vez, é mais conhecida como um aldeamento composto por duas

famílias e se localiza em uma área ainda não demarcada oficialmente (CARVALHO, 2013).

2.2 Santa Cruz e Coqueiral de Aracruz: as comunidades de entorno

As comunidades de Santa Cruz e Coqueiral de Aracruz, onde foram realizadas as

entrevistas com falantes de PB-L1, localizam-se no município de Aracruz, na região nordeste

do litoral do Espírito Santo, a aproximadamente 60 e 80km da capital Vitória. Essa região,

muito conhecida pelos capixabas por seu complexo industrial, possui cerca de 80 mil habitantes

Page 30: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

29

de acordo com o último censo do IBGE (2010) e é dividida em cinco distritos, a saber: Aracruz

(sede), Guaraná, Jacupemba, Riacho e Santa Cruz, como mostra o mapa turístico a seguir:

Mapa 2 – Mapa turístico do município Aracruz, Espírito Santo.

Mapa 2: Mapa turístico do município Aracruz, ES. Fonte: Prefeitura Municipal de Aracruz. Disponível em:

<http://www.pma.es.gov.br/arquivos/turismo/_miniaturas/MAPA_TURSTICO_DE_ARACRUZ.jpg>

Page 31: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

30

Ambas as comunidades por nós pesquisadas fazem parte do distrito de Santa Cruz, como

se pode perceber pelo mapa acima, a região mais antiga do município em questão. A fundação

dessa cidade capixaba tem sua história diretamente ligada à de seu bairro mais antigo: também

denominado Santa Cruz. Situado às margens do rio Piraquê-Açu, esse bairro foi fundado em

1556 pelos padres jesuítas Diogo Jácome, Brás Lourenço e Fabiano Lucena, que chegaram à

região com o intuito de catequisar os índios que ali viviam (IBGE, 2010; CÓ, 2013).

Originalmente denominado Aldeia Nova, esse aldeamento jesuíta, devido a uma

infestação de formigas, viu-se remanejado para outra localidade no ano seguinte à sua fundação,

passando, então, a chamar-se Aldeia Velha. Por isso, somente em 1848 é que o município de

Santa Cruz foi criado, tendo sua sede na Vila de Santa Cruz, atual Santa Cruz. Em 1891, foi

elevado à categoria de cidade que, àquela época, vivia momentos de prosperidade devido ao

seu porto fluvial no rio Piraquê-Açu. Com o advento da Estrada de Ferro Vitória-Minas e da

construção da BR-101, a cidade de Santa Cruz teve seu desenvolvimento afetado (CÓ, 2013).

Anos mais tarde, dois acontecimentos marcaram o início de uma nova história para a

cidade de economia decadente: o primeiro ocorreu em 1948, quando a sede do município foi

transferida para a localidade de Sauaçu, na região central, com o objetivo de unir os seus

distritos; e o segundo ocorreu em 1967, quando já denominado Aracruz, o município recebeu a

sua primeira multinacional: a Aracruz Florestal S.A. Com a implementação dessa empresa,

criada durante o governo militar para o plantio de eucaliptos e consequente produção de fibras

de celulose, a cidade de Aracruz viu-se inserida na transição da economia do Espírito Santo

passando por grandes transformações (CÓ, 2013).

Dentre as suas principais transformações, está o projeto urbano “Bairro Coqueiral de

Aracruz”, iniciado pelo arquiteto Paulo Calado e desenvolvido pelo também arquiteto e

urbanista Cândido Malta Campos Filho (CÓ, 2013). Uma vez em operação, a fábrica de

celulose demandou várias contratações de mão-de-obra qualificada de diversas regiões do

Brasil. No entanto, a malha viária que dava acesso à capital Vitória ainda era precária, o que

prejudicava o trajeto desses funcionários ao local de trabalho. Esse projeto, então, surgiu da

necessidade de alojar os trabalhadores do setor industrial instalado na região.

Em um terreno comprado pela própria empresa, a 14km do complexo industrial, foi

iniciada, em 1974, a construção do bairro Coqueiral de Aracruz com término previsto para

1977. Além de residências e alojamentos, foram construídos, dentre outras coisas necessárias

ao bom funcionamento do bairro: dois clubes, estações de tratamento de água e esgoto, escolas,

uma clínica médica, um centro comercial e amplos jardins. Essa configuração não dista muito

Page 32: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

31

do que encontramos hoje no bairro em questão, ainda que ele tenha sido descaracterizado de

seu projeto original.

Atualmente, tanto Santa Cruz quanto Coqueiral de Aracruz são bairros menores se

comparados à sede do município de Aracruz. O primeiro mais se assemelha a uma vila de

pescadores voltada para o turismo. Apesar de possuir bons hotéis e restaurantes, não há em

Santa Cruz qualquer instituição bancária ou supermercado. O bairro conta com apenas uma

escola de ensino fundamental e um posto de saúde, o que obriga os moradores a se deslocarem

com frequência às regiões vizinhas. Coqueiral, por sua vez, embora tenha um comércio mais

diversificado que Santa Cruz, conta com apenas uma agência bancária, além de caixas

eletrônicos, e sua rede de ensino é constituída por cerca de dez escolas, sendo três delas de

ensino público municipal e estadual. Duas realidades bem distantes daquelas encontradas nas

grandes cidades brasileiras. São essas localidades (em amarelo) que cercam as aldeias Guarani

residentes em território capixaba (em azul):

Mapa 3 – Santa Cruz e Coqueiral de Aracruz: comunidades de entorno das aldeias Guarani.

Mapa 3: Santa Cruz e Coqueiral de Aracruz: comunidades de entorno das aldeias Guarani. Fonte: Google Maps

(2017).

Page 33: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

32

3. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

Neste capítulo, apresentaremos os pressupostos teóricos basilares para a nossa análise

da variação na concordância verbal de terceira pessoa do plural na língua portuguesa falada

pelos Guarani do Espírito Santo. Primeiramente, discorreremos sobre a Sociolinguística com

ênfase na Teoria da Variação; depois, nosso foco será a Teoria do Contato Linguístico e a

Aquisição de L2.

3.1 A Sociolinguística e seu objeto

Os estudos linguísticos que consideram a tríade linguagem-identidade-sociedade se

solidificaram como disciplina, a que chamamos Sociolinguística, na figura do linguista norte-

americano William Labov, em 1963, que teve como seus predecessores estudiosos que já

demonstravam interesse pelos aspectos sociais da linguagem, tais como seu orientador Uriel

Weinreich (1926-1967), cujas pesquisas são uma importante contribuição para os estudos do

contato de línguas em contextos bilíngues, tema este de que trataremos no próximo tópico deste

capítulo dada à sua importância para esta pesquisa. Labov (1972, 1984, 2008), com suas

pesquisas sobre a centralização dos ditongos no inglês falado na ilha de Martha’s Vineyard, em

Massachusetts, no mestrado, e sobre a realização do /r/ pelos vendedores de lojas de

departamentos em Nova York, no doutorado, pôs em xeque a possibilidade de estudos que

desconsiderassem os fatores sociais, contrapondo-se, assim, aos estudos formalistas do

Estruturalismo de Saussure (1973 [1916]) e do Gerativismo de Chomsky (1957, 1965), vigentes

à época.

Em Martha’s Vineyard, Labov analisou a frequência e a distribuição dos ditongos /ay/,

/aw/ e suas variantes correspondentes. Esse estudo teve como método a análise de registros de

fala de 69 informantes estratificados de acordo com a faixa etária, a localização geográfica e os

grupos étnicos e profissionais dentro da ilha com o objetivo de “reconstruir a história recente

dessa mudança sonora” (LABOV, 2008, p. 19). Labov esperava, com esse trabalho,

compreender o mecanismo da mudança linguística isolando os fatores sociais que incidissem

diretamente nesse processo. Segundo o pesquisador, a mudança linguística parecia envolver em

sua explicação três fatores distintos: de onde se originam as variações linguísticas; a

regularidade da mudança além de sua difusão e propagação (LABOV, 2008). Apesar de

reconhecer a limitação de seu método, devido ao desequilíbrio de sua amostra, constituída por

Page 34: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

33

29 informantes da ilha baixa e 40 da ilha alta, Labov chegou à conclusão de que há correlação

entre os padrões sociais com o padrão de distribuição da variável linguística analisada,

incluindo a variação no patamar de objeto de estudo científico.

Mais tarde, tendo refinado suas técnicas, Labov as aplicou em uma situação mais

complexa. Munido de um bloco de notas e ciente de que a metodologia utilizada na coleta dos

dados interferiria nos próprios dados, o linguista se propôs a analisar a estratificação social do

/r/ em lojas de departamentos nova-iorquinas. Para esse estudo, Labov coletou uma amostra de

dados de 264 falantes de três grandes lojas de departamentos localizadas em Manhattan,

selecionadas de acordo com o seu status social (alto, médio ou baixo), a saber: Saks (classe

média alta/ 68 informantes), Macy’s (classe média baixa/ 125 informantes) e Klein (classe

operária/ 71 informantes).

Com base em sua hipótese de que o produto da diferenciação e avaliação social revelaria

a estratificação social desses empregados, o linguista previu o seguinte resultado: quanto mais

alto o status social da loja, mais alta a quantidade de /r/ apresentada pelos vendedores.

Resultado este que foi confirmado, ou seja, havia a estratificação por fatores extralinguísticos

nesses estabelecimentos (LABOV, 2008). Devido à originalidade e à inovação desses trabalhos,

Chambers (1995) declara que eles foram o marco inicial das pesquisas sociolinguísticas.

Há, ainda, controvérsias sobre a origem/o criador do termo Sociolinguística. Alguns

teóricos, tais como Shuy (1990) e Chambers (1995), acreditam que ele tenha sido cunhado em

1952 pelo filósofo norte-americano Haver Cecil Currie (1908-1993). Outros, no entanto,

afirmam que o termo remonta a 1939, com Thomas Callan Hodson (1871-1953), ou a 1949,

tendo sido usado pela primeira vez por Eugene Albert Nida (1914-2011). O que se sabe é que

o próprio Labov (2008 [1972]) se mostrou inicialmente resistente à terminologia por não

conceber a existência de uma ciência da linguagem que excluísse de seu campo de estudo o seu

viés social. (MARRA; MILANI, 2012; LUCCHESI, 2015)

Uma vez consolidada, a Sociolinguística, hoje, pode ser definida como uma subárea da

Linguística que estuda a língua falada em seu contexto social, em situações reais de uso,

correlacionando aspectos sociais e linguísticos (ROMAINE, 1995; ALKMIM, 2005;

MOLLICA; BRAGA, 2010). Disciplina esta que tem como fundamento básico a assertiva

anteriormente discutida de que sociedade e linguagem estão indissoluvelmente entrelaçadas, “o

estímulo linguístico para tais estudos é primordialmente o de que dada pessoa ou grupo usa a

língua x num contexto ou domínio social y” (LABOV, 2008, p. 215).

Partindo do pressuposto de que a língua não é um código estático, mas um fenômeno

cuja variabilidade se encontra relacionada tanto às suas estruturas internas quanto externas

Page 35: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

34

(TRUDGILL, 2000), a Sociolinguística entende que “os usos de estruturas linguísticas são

motivados e as alternâncias configuram-se, por isso, sistemáticas e estatisticamente previsíveis”

(MOLLICA; BRAGA, 2010, p. 10-11). Cabe, portanto, ao sociolinguista, o desafio de

desvendar a sistematicidade da heterogeneidade da língua falada englobando múltiplas

investigações que consideram, basicamente, as características pessoais e sociais dos

informantes; os fatores socioculturais; sociológicos e os estilos linguísticos.

São muitas as áreas de interesse dos estudos sociolinguísticos e também muitas as suas

contribuições. Contato linguístico; surgimento, manutenção e extinção das línguas;

multilinguismo; variação e mudança linguísticas constituem alguns de seus temas (MOLLICA;

BRAGA, 2010) que se dividem como objetos de estudos de diferentes vertentes teóricas, tais

como: a Sociolinguística Interacional (GUMPERZ, 1982), a Sociolinguística Paramétrica

(TARALLO, 1987) e a própria Sociolinguística Variacionista – que é o nome que hoje se dá à

corrente laboviana. Dentre as suas contribuições, temos aquelas ligadas à compreensão das

línguas com suas implicações educacionais, socioculturais e políticas.

3.1.1 A Teoria da Variação

A Sociolinguística Variacionista, como já vimos, surgiu nos Estados Unidos como uma

reação ao conceito de língua como um sistema homogêneo imune à influência dos fatores

sociais postulado por Saussure e à ideia de um falante/ouvinte ideal inserido em uma

comunidade também homogênea como foi proposto pela teoria Gerativa de Chomsky, ambas

as teorias vigentes à época (LUCCHESI, 2015).

A língua, como Labov (2008) defende, é dinâmica e deve ser estudada em uma situação

de uso dentro de seu contexto social. É na língua falada que a variação se manifesta de forma

mais sistemática, pois nessa situação o falante está mais preocupado com o conteúdo do que diz

do que com a forma como é dito. Assim, para o sociolinguista, deve-se considerar

principalmente a heterogeneidade inerente da língua que, segundo o autor, não é aleatória ou

caótica, mas sistemática, ou seja, regulada por um conjunto de condições que levam o falante a

escolher determinadas formas em detrimento de outras. Cabe ressaltar que a proposição de que

a língua é dinâmica e heterogênea, ou seja, de que ela varia e está em processo constante de

Page 36: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

35

mudança, como veremos mais adiante, pressupõe que ela nunca será igual ao que foi em outra

época, lugar ou comunidade de fala5 (DUBOIS et al, 1997).

A variação aqui é tida como um mecanismo da língua e se constitui como um fenômeno

universal passível de sistematização por meio da busca de princípios gerais a ela subjacentes.

Assim, por variação linguística entende-se a coexistência de formas linguísticas equivalentes –

a que denominamos variantes. As variantes configuram um fenômeno denominado variável

linguística, que é assim concebido porque sua realização tem relação com aspectos do sistema

linguístico (variáveis estruturais) e da sociedade (variáveis sociais). Essas variantes não só

coexistem como também estão em concorrência: em uma variável linguística, temos, de um

lado, variantes padronizadas, conservadoras e/ou prestigiadas socialmente e, de outro, aquelas

variantes inovadoras que algumas vezes são estigmatizadas pelos membros da comunidade

gerando aquilo que chamamos de preconceito linguístico contra os que delas fazem uso.

A Teoria da variação, como já vimos, considera a língua em seu contexto sociocultural.

Desse modo, parte da explicação de sua heterogeneidade emerge não só dos fatores internos

que agem sobre o sistema linguístico, mas também dos externos, a que denominamos variáveis

sociais. É consenso entre os pesquisadores, por exemplo, que agentes como “escolarização alta,

contato com a escrita, com os meios de comunicação em massa, nível socioeconômico alto e

origem social alta concorrem para o aumento na fala e na escrita das variantes prestigiadas”

(MOLLICA, 2010, p. 27).

Como afirma Paredes Silva (2010), estudar a língua em uma situação de uso faz-nos

deparar com aquilo que temiam os formalistas: a variação; pois as características sociais de

cada um dos membros da comunidade pesquisada atuam na forma como eles se expressam.

Assim, considerando a complexidade da sociedade formada por falantes do PB, podemos pensar

em inúmeros indicadores socioculturais, tais como sexo, idade, localidade, renda, mobilidade,

o tipo de ocupação, o acesso aos meios de comunicação de massa e aos bens culturais, a

condição de cultura marginalizada ou prestigiada e a origem social.

Uma das grandes contribuições da Teoria da Variação é a sua metodologia. As pesquisas

variacionistas contam não só com uma metodologia bem definida – que vai desde a organização

de amostras de fala para o estudo da variação e mudança linguística em situação real de uso até

a coleta e análise dos dados – mas também com instrumentos tecnológicos que permitem a

análise quantitativa no tratamento da variação. De acordo com Naro (2010), essa metodologia

5 Entendemos por comunidade de fala/comunidade linguística o grupo social cujos membros compartilham de pelo

menos uma variedade linguística bem como de suas normas de uso (Labov, 2008 [1972]; Fishman, 1979; Alkmim,

2001).

Page 37: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

36

é uma ferramenta segura que pode ser usada no estudo dos mais diversos fenômenos de

variação. Ao se valer da estatística, o linguista pode auferir, com certo grau de certeza, quais e

como os fatores linguísticos e extralinguísticos estão agindo para inibir ou favorecer o emprego

das variantes por ele estudadas. Ainda segundo Naro (2010), as limitações desse método são as

do próprio pesquisador – “a quem cabe a responsabilidade de descobrir quais são os fatores

relevantes, de levantar e codificar os dados empíricos corretamente, e, sobretudo, de interpretar

os resultados numéricos dentro de uma visão teórica” (NARO, 2010, p. 25).

Em linhas gerais, a metodologia variacionista pode ser dividida em seis passos cuja

ordenação, em alguns casos, fica a critério do sociolinguista: 1) a escolha da comunidade e do

fenômeno a ser analisado – essas escolhas são orientadas por um conhecimento prévio que o

pesquisador tem do fenômeno e da comunidade e foram colocadas no mesmo passo, porque,

muitas vezes, o linguista seleciona primeiro a comunidade e descobre o fenômeno à medida

que visualiza seus dados ou, influenciado pelo que a teoria diz sobre determinada variável, ele

seleciona a comunidade em que irá observá-la; 2) a delimitação da amostra – esse passo deve

considerar o cunho quantitativo da metodologia utilizada; assim, o linguista leva em conta,

dentre outras coisas, o número de membros da comunidade e a quantidade de variáveis

analisadas; 3) a constituição da amostra, que pode ser por meio de testes, questionários ou

interações livres; deve-se ressaltar que, nesta etapa, o linguista precisa minimizar o efeito de

sua presença e/ou da presença do gravador para que a fala seja a mais natural possível; 4) a

transcrição dos dados; 5) a codificação dos dados de acordo com as variáveis selecionadas

e, por último, 6) a submissão desses dados ao programa estatístico escolhido para que, a

partir de então, o linguista possa realizar a sua análise (LABOV, 1972, 1984).

A importância da pesquisa variacionista se dá não só pelo entendimento sobre a

variedade estudada – como sua sistematicidade e seu encaixamento linguístico e social – mas

também para que o linguista possa entender se essa variável é estável ou se está em processo

de mudança, ou seja, se as variantes estão sendo usadas sem haver competição entre elas ou se

elas se encontram em um estágio em que uma tenderá a desaparecer para dar lugar à outra.

Assim, no controle da variação, o pesquisador investiga quais grupos de fatores influenciam

positiva ou negativamente na implementação de uma mudança em curso/progresso.

O marco inicial da teoria da mudança foi a publicação de “Fundamentos empíricos para

uma teoria da mudança linguística6”, em 1968, por Weinreich, Labov e Herzog. Nessa obra, os

autores apresentam uma fundamentação empírica para a teoria da mudança e assumem seu

6 A versão em língua portuguesa utilizada neste trabalho foi publicada em 2006. Título original: Empirical

foundations for a theory of language change.

Page 38: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

37

papel indissociável da variação linguística quando afirmam que “nem toda variabilidade e

heterogeneidade na estrutura linguística implica mudança; mas toda mudança implica

variabilidade e heterogeneidade” (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006, p. 125). Cabe

ressaltar que a mudança não ocorre de maneira abrupta, mas gradativa; algumas mudanças

linguísticas podem levar séculos para se processar haja vista o latim e as línguas românicas.

Os estudos sobre as mudanças linguísticas analisam as questões relacionadas com a

transição, as restrições e a avaliação desses fenômenos, além do encaixamento e da

implementação dos mesmos – os cinco problemas propostos por WLH definidos como os

mecanismos da mudança. Eles podem ser abordados de acordo com os seguintes métodos:

estudos de tempo aparente e estudos de tempo real. Dentre os estudos de tempo real, estudos de

tendências e estudos de painel.

O estudo de tempo aparente é um recorte sincrônico do fenômeno analisado; nele, é feita

a comparação de pessoas com idades diferentes e, no estudo de tempo real, a análise é

diacrônica – decorre da comparação de períodos históricos diferentes. Os estudos de tempo real,

como supracitado, subdividem-se em dois tipos: estudos de tendência e estudos de painel. No

primeiro, o pesquisador coleta e analisa dados de uma mesma comunidade de fala em momentos

distintos. Já no estudo de painel, o pesquisador investiga os mesmos falantes em sincronias

diferentes de suas vidas.

3.2 O contato linguístico e a aquisição de L2

Estima-se que, à época da invasão europeia, o território brasileiro abrigava cerca de seis

milhões de pessoas e, possivelmente, centenas/milhares de línguas distintas (SCHERRE, 2006).

Dentre os resquícios da mutilação resultante dessa relação com o colonizador, temos hoje no

Brasil: índios que tiveram suas línguas extintas; índios que falam línguas produzidas por

missionários ou pesquisadores motivados pela revitalização dessas culturas; a sobrevivência da

língua geral amazônica (nheengatu) em algumas regiões; alguns vestígios de dialetos africanos,

principalmente na religião afrodescendente; indícios de línguas de imigrantes, além de uma

variedade da língua portuguesa afetada por todos esses processos (GUIMARÃES; ORLANDI,

1998). Soma-se a isso o fato de que, embora o Brasil tenha permanecido multilíngue, nosso

povo é essencialmente monolíngue pois, nas palavras de Scherre (2006), o genocídio dos

nativos e a imposição da língua portuguesa com a proibição das línguas gerais fizeram com

que, desde cedo, nossa sócio-história multilíngue fosse ceifada.

Page 39: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

38

Hoje, o português brasileiro figura como única língua oficial e única língua dos meios

de comunicação de massa, fazendo com que predomine no imaginário popular o mito de país

linguisticamente homogêneo. Romaine (1995) atesta que esse cenário é generalizado. Segundo

a autora, existem aproximadamente trinta vezes mais línguas que países no mundo, o que aponta

o caráter multilíngue dos mesmos; ainda assim, o monolinguismo é sentido como o mais

natural.

Caminhamos, contudo, a passos largos rumo a uma nova configuração social. Com o

advento da globalização, proporcionada pelo avanço tecnológico, os próprios mercados globais

vêm assegurando o multilinguismo. Já se ouve falar, por exemplo, que monolíngues são os

analfabetos do século 21. Não falar um segundo idioma tem se constituído em uma barreira

para o jovem ingressar no mercado de trabalho, assim como não saber ler e escrever no século

passado. Além disso, novas políticas em direção à valorização, promoção e preservação da

diversidade linguística dos povos vêm sendo tomadas.

Afirma-se que essas políticas são algumas das contribuições dos estudos de contato

linguístico, um importante campo de investigação desse “caos de ordem babélica”. Por contato

linguístico entendemos a coexistência de duas ou mais línguas em um mesmo espaço geográfico

em uma situação que se configura como bilinguismo social (MONTRUL, 2013). Em outras

palavras, para além de uma situação de bilinguismo, o contato linguístico é um contato

intercultural (WEINREICH, 1970 [1953]). Trask (2006) afirma que quase toda língua carrega

em si alguma prova de contato linguístico, já que poucas delas estão/estiveram suficientemente

isoladas para evitar todo tipo de proximidade.

Segundo Montrul (2013), o contato entre línguas em espaços geográficos muitas vezes

possui raízes históricas e envolve circunstâncias e eventos sociopolíticos diversos. Dentre os

exemplos arrolados pela autora, temos os processos de expansão e unificação territorial, as

situações pós-coloniais, a imigração e a globalização que, muitas vezes, levam os nativos a

aprenderem a língua dos estrangeiros e/ou os estrangeiros a aprenderem a língua dos nativos.

Isso se dá devido à necessidade de comunicação que pode se configurar de maneiras diversas,

que vão desde um contato social mínimo, como as relações comerciais, a contatos mais

intensos, tais como os que ocorrem entre indivíduos da mesma família (MATRAS, 2011).

Nas palavras de Couto (2009), tudo tem a ver com o espaço. Segundo o autor, as pessoas

migram para o território de outros povos; essa co-presença leva à interação entre os dois grupos

de línguas distintas que resultará em uma comunicação que se configura, inicialmente, como

tentativas interlinguísticas. “Com a convivência, as línguas serão processadas nas mentes dos

indivíduos, o que pode levar um lado a apropriar-se da língua do outro, mesmo que fortemente

Page 40: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

39

marcada pela L1, ou ambos os lados formarem uma terceira realidade, um meio unificado de

intercomunicação” (COUTO, 2009, p. 50). Tal assertiva é que nos leva à nossa próxima seção,

que apresentará, dentre as diversas manifestações promovidas pelo contato linguístico, a

aquisição de uma segunda língua – tema fundamental para esta tese.

3.2.1 A aquisição de L2 por falantes adultos

A história do Brasil é toda feita de contatos linguísticos. “Ao longo de mais de cinco

séculos depois do descobrimento, no território brasileiro conviveram, comunicaram e se

misturaram populações ameríndias, europeias, africanas e asiáticas” (MELLO;

ALTENHOFEN; RASO; 2011, p. 13). Em um país como o nosso, “são esperadas situações

distintas de contatos linguísticos, às quais se associam mecanismos de mudança linguística que

propiciam interferências de uma língua sobre outra, em diferentes graus” (BRAGA et al., 2011,

p. 222). Essas mudanças, segundo Sankoff (2003), podem ser notadas nas diferentes áreas em

que se realizam as estruturas da língua: fonético-fonológica, morfossintática e lexical; e estão

diretamente associadas à aquisição de uma segunda língua pelos indivíduos em situação de

contato.

Os processos de aquisição de segunda língua, ao longo dos anos, têm se revelado um

importante e vasto campo de estudo, especialmente importante em tempos de globalização e de

uso significativo de segundas línguas, tais como o inglês, o francês e o espanhol. Nesses

estudos, dentre os questionamentos levantados, têm-se, principalmente, os resultados distintos

encontrados na aquisição da língua materna (L1) por crianças e na aquisição de segunda língua

(L2) por falantes adultos.

Segundo Montrul (2013), o resultado da aquisição de L1 na infância, quando a criança

apresenta um desenvolvimento cognitivo normal, é universal, uniforme e exitoso. Universal,

porque todas as crianças se tornam falantes adultos competentes em suas línguas nativas;

uniforme, porque o nível de conhecimento e fluência na língua materna é similar nas crianças

monolíngues, independentemente do contexto sociolinguístico em que vivem; e exitoso, porque

todas as crianças adquirem sua língua completamente em relação aos níveis fonético-

fonológicos, lexicais e morfossintáticos. Quando os indivíduos aprendem uma língua durante

ou após a adolescência, contudo, os resultados alcançados costumam ser diferentes para cada

pessoa. Em outras palavras, quando se fala de aquisição de segunda língua na idade adulta, o

Page 41: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

40

resultado “não é universal, não é uniforme, é variável e nem sempre consegue alcançar a

competência linguística de um falante nativo” (MONTRUL, 2013, p.182)7.

Uma das hipóteses na discussão dessa questão perpassa o conceito de período crítico:

uma faixa etária durante a qual a aquisição/ aprendizagem de uma língua se dá de maneira

natural, como adquirem os nativos da referida língua. Após esse período, a aquisição ainda

ocorre, mas nota-se um declínio nas habilidades envolvidas nesse processo, fazendo com que

ele, muitas vezes, não seja completamente bem-sucedido. Labov (2007) afirma que a aquisição

de adultos é diferente da aquisição das crianças, e acrescenta que isso ocorre, não só por

determinação biológica, mas porque os adultos já possuem uma identidade sociolinguística

estabelecida.

Ao discutirem sobre os estágios da aquisição, Kerswill e Williams (2000, p. 68)

dividem-nos e caracterizam-nos da seguinte forma: 1) as crianças começam com uma

orientação sociolinguística centrada na família, ainda que tenham contato com variedades de

outras pessoas; 2) a adolescência é a fase em que a construção da identidade se transfere mais

para os amigos que para os pais – é a fase da ruptura; 3) entre os adultos, a aquisição, em

comparação com as crianças, é “imperfeita”, uma vez que eles possuem uma identidade social

mais fixa. Os autores acrescentam, ainda, que é na adolescência que os valores são estabelecidos

e é nela onde os resultados da mudança são mais visíveis. É nessa fase, portanto, que termina o

período crítico para a aquisição linguística e onde se sedimentam os valores sociais.

Diante do exposto, diferentes abordagens teóricas e metodológicas têm se dedicado a

investigar como se dá a aquisição de segunda língua após a infância; são recorrentes conceitos

tais como bilinguismo, interferência, transferência, interlíngua, code-switching e acomodação

– além daqueles estritamente ligados às situações de contato linguístico, como pidgin e crioulo.

Fatores como idade e contexto de aquisição se configuram, então, como fundamentais no

entendimento dessa questão.

Sankoff (2003), por exemplo, propõe-se a analisar e compreender o que pode ocorrer

em situações de contato linguístico. A linguista concentra-se, como ela mesma explicita, na

investigação de três pontos: “(1) tem a comunidade de fala, em vez do indivíduo, no seu ângulo

de visão; (2) focaliza os resultados do contato linguístico; e (3) procura elucidar a estruturação

social da diversidade interna da comunidade de fala” (SANKOFF, 2003, p. 638)8.

7 Texto original: “(...) no es universal, es variable, y no siempre logra adquirirse exitosamente, es decir, no siempre

logra alcanzarse la competencia lingüística de un hablante nativo” (MONTRUL, 2013, p. 182). 8 Texto original: “(1) takes the speech community, rather than the individual, as its angle of vision; (2) focuses on

the linguistic results of contact; and (3) and seeks to elucidate the social structuring of diversity internal to the

speech community” (SANKOFF, 2003, p. 638).

Page 42: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

41

Após uma breve discussão sobre os conceitos de interlíngua, interferência e

transferência a serem utilizados ao longo do texto, a autora deixa claro que a maioria dos estudos

de SLA – Second Language Acquisition – tem seu foco em perspectivas diferentes da

abordagem de contato linguístico fundamentada na Sociolinguística, uma vez que a SLA, como

campo de estudo, tem suas raízes na Psicolinguística, onde diferentes temas tendem a dominar.

Tais estudos, segundo a autora, focam nos informantes enquanto indivíduos e não como

membros de uma comunidade de fala. Se, para a Sociolinguística, as mudanças que ocorrem na

língua dos indivíduos só se tornam, efetivamente, mudança quando se instalam na comunidade,

então, os fatores sociais nos estudos de SLA não devem ser desconsiderados.

Nessa perspectiva, Sankoff (2003), partindo da premissa da Sociolinguística

variacionista de que mudança e variação são características básicas de qualquer língua e de que

toda mudança é variação, defende a ideia de que, nos processos de mudança, fatores linguísticos

e sociais estão estritamente interligados. Segundo a autora, uma vez que a língua falada por

bilíngues se distingue daquela falada por monolíngues, em situações de contato, podem ocorrer

alterações que conduzem a mudanças distintas daquelas motivadas por processos internos à

estrutura da língua, daí a importância de se analisar os resultados do contato linguístico. Em

outras palavras, para Sankoff (2003), fatores internos da língua e fatores sociais atuam em

conjunto; por isso, é importante entender o desenvolvimento histórico e social das sociedades

envolvidas.

São várias as circunstâncias e eventos sociopolíticos que conduziram e conduzem ao

contato linguístico; dessas, duas são destacadas pela autora: a conquista, que implica situações

de desigualdade social, tais como a colonização, a escravidão e a migração forçada; e a

imigração que, quando motivada por necessidade de comércio e urbanização, promove relativa

igualdade entre as comunidades envolvidas. Essas circunstâncias, associadas a outros fatores,

tais como a natureza de L1 e L2, o sentimento de pertencimento étnico das comunidades e a

imposição de uma língua como standard, influenciam diretamente nos resultados de mudança

linguística. Cabe ressaltar que, para a autora, a variável mais importante é a duração do contato.

No que se refere à aquisição de L2, Sankoff (2003) aponta dois resultados que podem

ser encontrados nos quatro domínios da língua – fonético/ fonológico, lexical e morfossintático:

1) o empréstimo, definido como a incorporação de elementos da língua alvo (L2) na língua

fonte (L1), cujo número de casos é mais frequente; e 2) a influência do substrato, que é o que

ocorre quando as estruturas da língua fonte influenciam a língua alvo – frequente apenas em

situações de contato prolongado. A partir disso, a autora conclui, como dito anteriormente, que

as diferentes situações sociais levam os falantes a fazerem uso de diferentes recursos que afetam

Page 43: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

42

o desenvolvimento da estrutura linguística e que a estrutura linguística também condiciona os

resultados do contato linguístico.

Sankoff (2003) salienta, ainda, que a mudança linguística ocorre devido à difusão da

mudança a partir do indivíduo ou de pequenos grupos para a comunidade de fala como um todo

e elenca algumas questões relevantes para o estudo do contato linguístico e da aquisição da

linguagem, a saber: a questão do período crítico, as mudanças linguísticas que ocorrem ao longo

da fala do indivíduo e sua interação com a mudança linguística em geral, além da reintegração

do indivíduo na matriz mais geral da comunidade de fala.

Bybee (2008), por sua vez, assume a abordagem da Linguística cognitivo-funcional que,

segundo a autora, é uma extensão das perspectivas cognitiva e funcional. Em linhas gerais, a

abordagem dos Modelos baseados no Uso desenvolve-se a partir de três importantes

pressupostos básicos: “1. a linguagem não é uma faculdade cognitiva autônoma; 2. gramática é

conceptualização; 3. o conhecimento linguístico emerge e se estrutura a partir do uso da

linguagem” (CROFT; CRUSE, 2004, p. 01)9. Em outras palavras, para Bybee (2008), a

linguagem não é um módulo cognitivo isolado; a linguagem é a relação de cognição e

experiência e a frequência do uso das palavras afeta a representação delas.

Nessa vertente, defende-se, portanto, “que o conhecimento gramatical de um falante tem

sua origem em sua experiência particular com as formas linguísticas em termos de frequência

e contextos de uso” (TAVARES, 2013, p. 31). Como afirma Tavares (2013):

No uso diário da língua, temos, por um lado, construções gramaticais que são

repetidas, reforçando-se assim sua regularidade e seu caráter fixo, sistemático – o uso

conserva a gramática; por outro lado, tais construções podem ser rearranjadas e

remodeladas de modos diferentes, dando origem a construções inovadoras – o uso

modifica a gramática. (p. 31)

A repetição de estruturas linguísticas, segundo Bybee (2008), tem efeitos cognitivos em

nosso léxico mental; palavras muito frequentes, além de tenderem a sofrer redução, por

exemplo, terão sua representação fonológica reforçada no léxico. Nessa perspectiva, Bybee

(2008) propõe que o conceito de frequência seja dividido em dois, a saber: 1) Token frequency,

que indica quantas vezes determinada palavra ocorre na fala e implica em três efeitos:

conservação, autonomia e redução; e 2) Type frequency, que indica a quantidade de itens que

são representados pelo mesmo padrão. As implicações dessa abordagem na aquisição da L2,

segundo a autora, são claras; para que a aquisição de uma segunda língua seja eficiente, “deve

9 Texto original: “1. language is not an autonomous cognitive faculty; 2. grammar is conceptualization; 3.

knowledge of language emerges from language use” (CROFT; CRUSE, 2004, p. 01).

Page 44: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

43

ocorrer quando os membros prototípicos são apresentados cedo e com frequência” (BYBEE,

2008, p. 229)10.

Bybee (2008), no tratamento dos modelos baseados no uso, levanta, ainda, ao longo do

artigo, outros aspectos importantes, tais como a capacidade que temos de abstrair, categorizar

e generalizar; a hipótese de que armazenamos todos os itens lexicais e expressões fechadas; a

mudança analógica e a organização do léxico em uma rede de conexões dentre outros. E declara

que, com base nos Modelos baseados no Uso, os mesmos mecanismos analógicos que

utilizamos todos os dias para produzir e decodificar a L1 são os mesmos utilizados na L2; da

mesma forma, ocorre com os mecanismos de categorização linguística e não linguística – ambos

estão disponíveis na aquisição de uma nova língua. O único requisito, segundo a autora, é que

o falante esteja suficientemente exposto às categorias de L2. Bybee (2008) conclui que os

processos de fragmentação e automação necessários para se obter fluência ocorrem

naturalmente com a prática de ambas as tarefas linguísticas e não linguísticas.

Considerando que ambos os modelos – Sociolinguística e Modelos baseados no Uso –

reconhecem a importância do uso nos processos de mudança e aquisição de L2, as abordagens

das referidas autoras podem ser conciliadas por meio de estudos que corroborem a possibilidade

de confluências teóricas úteis na explicação dos mesmos fenômenos.

Tavares (2013), ao propor procedimentos metodológicos que visem a uma abordagem

integrada – sociolinguística e cognitivo-funcionalista, aponta a existência de pressupostos

comuns a ambas as teorias que se reforçam mutuamente, tais como a gradualidade da mudança,

e defende a ideia de que mesmo os pressupostos mais ou menos divergentes podem se

aproximar por meio do diálogo. Fica claro, então, que, nos estudos de aquisição, princípios

lexicais, estruturais, sociais e funcionais, por exemplo, não devem ser descartados. Uma

pluralidade metodológica no tratamento desse tema deve ser considerada. Mollica e Roncarati

(2001) demonstram que:

(a) as pesquisas sobre o uso da língua não podem restringir-se a dogmatismos teóricos; (b)

a mudança linguística tem de ser estudada sob diferentes enfoques, se se deseja uma

compreensão mais aprofundada do dinamismo inerente às línguas; (c) o estudo em tempo

real e em tempo aparente tem de resgatar a importância da atuação dos componentes social,

estrutural, lexical e individual, responsáveis conjuntamente pela mudança. (p. 51)

Na aquisição de L2, portanto, em uma abordagem que integre as duas teorias, pode-se

considerar: 1) a variação que ocorre na fala do indivíduo, influenciada por fatores mentais; 2)

10 Texto original: “should occur when the central members of categories are presented early and often”

(BYBEE, 2008, p. 229).

Page 45: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

44

a exposição às categorias de L2; 3) a frequência de uso e 4) os fatores linguísticos e sociais,

discutidos na perspectiva do contato linguístico, que, como sabemos, levam os falantes a

fazerem uso de diferentes recursos que afetam o desenvolvimento da estrutura linguística que

estão adquirindo.

Assim, dentre os processos relevantes nas abordagens desse tema, está o da adaptação,

conhecido nos pressupostos teóricos como speech accommodation – acomodação de fala.

Entende-se por acomodação, o processo em que o falante adquire variedades que estão se

consolidando a partir da comunidade em que estão inseridos ou, nas palavras de Kerswill

(2001), acomodação é um “processo que começa com a chegada de imigrantes da primeira

geração que vão adaptando a sua fala à dos demais falantes com os quais mantêm contato” (p.

671)11.

Considerando os estudos de Wolfram et. al. (2004), que analisam a produção do ditongo

/ai/ por adolescentes em duas comunidades hispânicas emergentes localizadas na região central

da Carolina do Norte (EUA), e de Schleef et. al. (2011), que fazem uma análise da realização

do (ing) na fala de adolescentes nativos e de imigrantes poloneses em duas outras localidades,

Edimburgo e Londres, a acomodação esperada no domínio de L2 é a de que os imigrantes vão

adquirir traços do dialeto local de seus pares nativos.

A escolha dos informantes adolescentes se deu, nos dois trabalhos, pelo fato de esse

grupo ter uma possibilidade maior de se acomodar ao dialeto local. Schleef et. al. (2011), por

exemplo, afirmam que as pesquisas sociolinguísticas demonstram que “as práticas linguísticas

e outras práticas sociais dos adolescentes desempenham um papel central na delimitação e

expansão do significado social da variação na comunidade de fala” (p. 08)12; e acrescentam que

a imersão em um sistema como a escola, uma espécie de microcosmos da sociedade, é uma

oportunidade considerável para se adquirir normas locais de variação. É atestada, segundo eles,

a facilidade de adaptação dos adolescentes às práticas sociais do lugar em que estão inseridos.

Cabe ressaltar que ambos os trabalhos investigaram outras questões, tais como a ressignificação

das variantes, em Schleef et. al. (2011), e a transferência e a fossilização, em Wolfram et. al.

(2004).

Os resultados de estudos na área apontam, segundo Schleef et. al., que os falantes de L2

muitas vezes exibem um domínio parcial das normas de variação dos falantes nativos, mas que

11 Texto original: “(...) process which starts with the first generation of incomers adapting their speech to the other

speakers they encounter” (KERSWILL, 2001, p. 671). 12 Texto original: “(...) adolescents’ linguistic and other social practices play a central role in delimiting and

expanding the social meaning of variation in the speech community” (SCHLEEF et al., 2011, p. 08).

Page 46: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

45

esta generalização em si é altamente variável. Mougeon et. al. (2004), por exemplo, constataram

que falantes não nativos haviam adquirido totalmente as restrições dos nativos em cinco

variáveis por eles analisadas.

Wolfram et. al. (2004), tratando os estágios aquisitivos observados em seus resultados,

destacaram o papel proeminente do léxico nos estágios iniciais de desenvolvimento, não apenas

em termos de aquisição de itens lexicais, mas também em termos de aquisição de processos

sonoros. Isso sugere, segundo os autores, que a difusão lexical pode desempenhar um papel

importante nas fases iniciais de acomodação do dialeto local na aquisição da L2. No segundo

estudo, de Schleef et. al. (2011), a frequência lexical, por exemplo, foi um fator significativo

apenas entre os adolescentes poloneses residentes em Londres.

Wolfram et. al. (2004) observaram, ainda, que há muito mais gradiência e variação na

transição da produção fonética de /ai/ de uma versão mais próxima do espanhol para outra mais

próxima do inglês do que os modelos de transferência de línguas assumem. A transição fonética

de produções do /ai/ de L1 a L2 parece ser gradual e incremental em vez de discreta e abrupta.

Os resultados também parecem mostrar um tipo de intermediação fonética entre espanhol e

inglês que se assemelha à definição de formas interdialetais, ou seja, formas que, originalmente,

não aparecem em nenhum dialeto. Essas formas, segundo os autores, não aparecem apenas nos

estágios iniciais de formação de um novo dialeto, mas também podem ser incorporadas a um

dialeto bem estável.

O estudo preliminar de Wolfram et. al. (2004) também ressalta o papel do indivíduo em

termos de formação de um novo dialeto comparável ao papel do indivíduo em situações de

dialeto estável. Não obstante os efeitos de variáveis como tempo de residência, proficiência em

inglês e o estado da comunidade, alguma variação, segundo eles, parece ser questão de escolha

individual. Assim, falantes expostos a situações semelhantes podem fazer opções bastante

diferentes em termos de acomodação do dialeto; e um dos fatores sugeridos pelos autores que

pode orientar tais escolhas é o papel simbólico do dialeto.

Apesar das exceções, que têm por base a escolha individual e o alinhamento cultural,

neste estágio inicial de desenvolvimento, as comunidades hispânicas não indicam uma

acomodação extensa da forma fonética variante. Dentre as razões apontadas pelos autores para

essa falta de acomodação, estão: a aparente insularidade das comunidades, onde as redes sociais

ainda são bastante densas e de padrão multidimensional, e a interação segregada; a interação

com falantes nativos limitada ao emprego, à escola e a outras situações institucionais

obrigatórias; o uso predominante do espanhol na comunidade; o fluxo contínuo de imigrantes

proficientes apenas em espanhol; e os modelos de inglês fornecidos.

Page 47: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

46

O estudo de Schleef et. al. (2011) demonstrou que os adolescentes poloneses, por sua

vez, parecem ser sensíveis às taxas da variante local. Adolescentes imigrantes, em certa medida,

também replicam as restrições encontradas na fala dos seus pares nativos, ainda que, em alguns

casos, a replicação desses padrões seja parcial. Além disso, os autores observaram que houve a

introdução de novas restrições por parte dos imigrantes não atestadas no dialeto nativo.

Tais constatações implicam, segundo eles, três questionamentos: 1) por que algumas

das restrições à utilização de (ing) encontradas no corpus produzido por adolescentes poloneses

não foram encontradas em seus pares nativos? 2) por que algumas restrições são reordenadas?

e 3) por que algumas das restrições do discurso dos adolescentes nativos não são replicadas

pelos imigrantes poloneses? Sob a perspectiva variacionista, Schleef et. al. (2011) propõem que

uma possível resposta à questão (1) é a influência das restrições supralocais sobre o discurso

das crianças polonesas; já as questões (2) e (3), segundo eles, podem ser respondidas com uma

explicação que envolve a aprendizagem imperfeita e a instabilidade da variável “estável” (ing).

E, dentre as possibilidades de explicação apontadas pelos autores, estão algumas apontadas no

estudo de Wolfram et. al. (2004), tais como as escolhas individuais e a exposição aos padrões

dos professores. Além dessa exposição, as possibilidades incluem exposição anterior a um

padrão do inglês na Polônia, exposição a outras variedades do inglês na comunidade em geral

e exposição midiática após a migração.

A aprendizagem imperfeita e as atitudes dos falantes em relação ao dialeto local também

foram mencionadas. Wolfram et. al. (2004) justificam, e isto é válido para os dois estudos, que

o estágio aquisitivo dos falantes é dinâmico; só o tempo dirá, segundo eles, se os adolescentes

vão alterar os quadros aqui apresentados, pois, da mesma maneira que uns podem evoluir

quanto ao uso das variantes, outros podem estagnar. A importância desses estudos está na

possibilidade de examinar empiricamente os estágios iniciais desse processo dinâmico que é a

aquisição de uma segunda língua.

Page 48: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

47

4. A RELAÇÃO VERBO-SUJEITO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO E NA LÍNGUA

GUARANI

Este capítulo tem como objetivo apresentar os principais dados sobre a gramática do

português brasileiro, relativos aos condicionamentos linguísticos e sociais da realização

variável de formas verbais de 3ª pessoa do plural a partir dos resultados obtidos em diferentes

pesquisas sociolinguísticas. Inicialmente, discorreremos sobre a concordância verbal, para,

então, apresentar uma revisão dos estudos linguísticos que analisam como esse fenômeno se

realiza nas mais diversas comunidades de fala, e encerraremos o capítulo com uma descrição

da relação verbo-sujeito na língua Guarani – L1 de nossos informantes.

4.1 A concordância verbal variável no Português Brasileiro

A concordância verbal, definida como um fenômeno sintático no qual o sujeito pode

exercer pressão de alteração formal de pessoa e número sobre os verbos que lhe são

correspondentes (DUBOIS et al, 2004), tem sido um vasto campo de investigação que suscita

diversas questões, uma vez que ela é sistematicamente variável. Nesse entendimento, tanto a

presença como a ausência das marcas de concordância são condicionadas por fatores

linguísticos e sociais de natureza diversa, tais como: saliência fônica, paralelismo formal,

posição e caracterização semântica do sujeito, sexo, escolaridade etc. Trata-se de um fenômeno

que possui uma relação estreita com as características linguísticas e socioculturais dos falantes.

(SCHERRE; NARO, 1998)

Em vista disso, no Brasil, vários linguistas vêm desenvolvendo trabalhos voltados para

a variabilidade da concordância verbal, destacando sua importância também nos estudos de

contato linguístico que discutem a formação da variedade brasileira da língua portuguesa.

Dentre eles, temos a abordagem de Guy (1981), que defende a hipótese de que o contato de

línguas africanas com o português europeu, cujos verbos são marcados em número e pessoa,

deu origem a um pidgin que, tendo-se expandido, tornou-se uma língua crioula. No

posicionamento de Guy (1981), à medida que os falantes foram incorporando as marcas de

concordância nos verbos, a língua passou por um processo de mudança em direção à

descrioulização, que teve início com a aquisição das formas marcadas em contextos em que

elas fossem mais salientes (LUCCHESI, 1998).

Page 49: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

48

Baxter e Lucchesi (1997) assumem posicionamento semelhante ao de Guy. Na visão

desses pesquisadores, na formação do português brasileiro, o contato entre portugueses e negros

escravizados deu origem a um semicrioulo. Nessa abordagem, o modelo do processo de

aquisição “teria sido de fato uma língua segunda (L2) que não passava de uma versão defectiva

da língua de superstrato, ou seja, uma L2 adquirida unicamente através de um contato precário”

(BAXTER; LUCCHESI, 1997, p. 71-72). Em outras palavras, esses pesquisadores defendem

que o português brasileiro é decorrente de uma transmissão linguística irregular ocorrida à

época da colonização.

Diferentemente das hipóteses supracitadas, dada a existência de línguas gerais que já

satisfaziam a necessidade de comunicação entre europeus, índios e negros, Naro e Scherre

(2000; 2007) defendem a tese de que as características do português brasileiro, tais como a

variabilidade da concordância, derivam da língua portuguesa europeia. Nessa abordagem, os

pesquisadores se valem de exemplos de ausência de concordância em textos arcaicos do

português europeu e consideram que nenhuma estrutura nova foi criada por meio de transmissão

linguística irregular. O que ocorreu, segundo o posicionamento desses estudiosos, foi um

aumento na frequência de algumas estruturas variantes que já existiam nas variedades menos

prestigiadas do português europeu (NARO; SCHERRE, 2000).

Divergências teóricas à parte, as três hipóteses supracitadas consideram o papel da

aquisição do português como segunda língua em contexto de contato linguístico na formação

do português do Brasil (SCHERRE, 2006); além disso, é consenso entre os teóricos que a

variação na concordância de número é uma das características do português brasileiro que o

distinguem do português europeu.

Lucchesi, Baxter e Silva (2009) afirmam que a concordância verbo-sujeito é o aspecto

da nossa gramática que exibe “os mais amplos processos de variação” (p. 331). Segundo os

autores, na descrição do paradigma da concordância verbal no português brasileiro, a norma

culta se distingue da norma gramatical13 que possui uma forma diferenciada morficamente para

cada pessoa do discurso. Nela, o padrão é reduzido a quatro formas, como mostra o seguinte

quadro:

13 Entendemos por “norma gramatical” aquela vinculada a uma língua modelo que só existe nos volumes da

gramática normativa. Já a “norma culta” diz respeito à variedade da língua que mais se aproxima de sua modalidade

escrita; sendo, dentre as demais variedades, a mais prestigiada. (FARACO, 2008)

Page 50: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

49

Quadro 01 – Realização da concordância na norma gramatical vs. norma culta brasileira.14

NORMA PADRÃO NORMA CULTA BRASILEIRA

Eu trabalho Eu trabalho

Tu trabalhas Você trabalha

Ele/ela trabalha Ele/ela trabalha

Nós trabalhamos Nós trabalhamos

Vós trabalhais Vocês trabalham

Eles/elas trabalham Eles/elas trabalham

Fonte: LUCCHESI; BAXTER; SILVA, 2009, p. 331.

Naro (1981) observa que a construção “sujeito no plural mais verbo no singular” é muito

comum no português popular do Brasil, principalmente nas formas que indicam a 3ª pessoa;

Lucchesi, Baxter e Silva (2009) atestam que isso se dá, sobretudo, devido à posição do sujeito

e à morfologia de marcação de plural do verbo. Nessa perspectiva, os linguistas afirmam que

temos variação, principalmente, nas pessoas do plural, sendo o morfema -m, que indica número,

aquele que sofre um processo maior de variação. É o que mostram os exemplos abaixo retirados

de Scherre e Naro (2007, p. 108):

Concordância verbo/sujeito

... Cumé que eles VIVEM lá fora?... (variante explícita)

... Eles VIVEØ dizeno isso... (variante zero)

... Eles nunca QUEREM, sabe... (variante explícita)

... Esses cara hoje só QUÉØ curtí mesmo, né... (variante zero)

Diante do exposto, nesta revisão bibliográfica, considerando que os estudos

variacionistas sobre a concordância verbal no português brasileiro ocorrem há mais de 50 anos

no Brasil, optamos por traçar um panorama das pesquisas da área distribuindo-as em três seções,

a saber: a variação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no PB-L1 em centros

urbanos; a variação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no PB-L1 em

14 Duarte (1995) mostra que o paradigma flexional do PB é reduzido a 3 formas devido, primeiramente, à

substituição da 2ª pessoa pelo pronome você e, posteriormente, pela substituição da 1ª pessoa do plural (nós) por

a gente. Assim, teríamos o seguinte paradigma: eu trabalho, você/ele(a)/a gente trabalha, vocês/eles(as) trabalham.

Page 51: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

50

comunidades não-urbanas; e a variação da concordância verbal de número no português de

contato dos povos indígenas.

A escolha dos trabalhos com falantes nativos do português não se deu de maneira

aleatória; eles foram selecionados de acordo com três critérios: 1) representatividade no escopo

das pesquisas linguísticas sobre concordância verbal número-pessoal; 2) proximidade territorial

com a comunidade pesquisada neste trabalho e 3) conjunto de variáveis de análise muito

próximas, quando não iguais, daquelas aqui analisadas. A exceção fica para o trabalho de

Almeida (2006), cujo estudo dialoga com as pesquisas em comunidades quilombolas do

nordeste brasileiro, como veremos no tópico 4.1.2 deste capítulo.

4.1.1 A variação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no PB-L1 em centros

urbanos

Os estudos sistemáticos sobre o fenômeno da concordância verbal tiveram início com

dois trabalhos: Naro e Lemle (1976) e Lemle e Naro (1977), mas o registro da concordância

variável é bem anterior. O primeiro (1976) foi realizado pelos linguistas com apenas três

informantes do Rio de Janeiro; e o segundo, com maior representatividade, fez parte do “Projeto

de Pesquisa Competências Básicas do Português” e foi realizado no ano seguinte, em 1977,

com 20 informantes semiescolarizados integrantes do Movimento Brasileiro de Alfabetização

(MOBRAL) – nove homens e onze mulheres entre 17 e 50 anos de idade.

Os pesquisadores tinham como objetivo identificar os pontos discrepantes entre o

vernáculo desses informantes e a língua escrita de textos jornalísticos e literários, e se valeram

dos pressupostos teórico-metodológicos da Sociolinguística Variacionista. Nessa análise,

quatro variáveis foram controladas – uma estilística e três estruturais, a saber: posição do

sujeito, definição/indefinição do sujeito e saliência fônica.

Dos resultados obtidos nessa pesquisa, dois se destacaram: 1) a ausência da marca de

concordância tende a ocorrer nas formas verbais menos salientes/perceptíveis para o falante-

ouvinte, como nos pares cantaØ/cantam ~ viveØ/vivem; e 2) ainda que a concordância verbal

seja categórica nas classes mais altas, na classe baixa ela estaria evoluindo em direção a um

sistema sem marcas. Dentre as principais contribuições desse trabalho, está a introdução do

conceito de saliência fônica nos estudos sociolinguísticos brasileiros.

Naro (1981) fez uma reanálise da variação da concordância verbal utilizando os mesmos

dados do MOBRAL do Projeto de Pesquisa supracitado. Nesse estudo, o autor, ainda se valendo

Page 52: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

51

da Teoria da Variação e da Mudança, chegou à conclusão de que a difusão de um sistema sem

as marcas explícitas de concordância se daria de acordo com o princípio da saliência fônica.

Assim, considerando os critérios de acentuação e distinção de material fônico, Naro propôs uma

escala para análise da saliência diferente das que vinha desenvolvendo em parceria com Lemle

nos trabalhos de 1976 e 1977. Essa escala, que seria largamente utilizada em trabalhos

posteriores, foi motivo de um intenso debate nos estudos linguísticos nas décadas de 1970 e

1980.

A escala, então, foi assim estabelecida: com base nos critérios tonicidade da desinência

e quantidade de material fônico que diferencia as formas singular e plural, Naro (1981)

constituiu dois níveis de saliência a que denominou “oposição não acentuada”, que compreende

o nível 1, e “oposição acentuada”, que compreende o nível 2. Dentro de cada um desses níveis,

por sua vez, foram distinguidas três categorias relacionadas ao segundo critério, resultando em

uma escala ascendente de seis categorias. Assim, quanto mais alto o nível na hierarquia da

saliência, mais a realização das marcas de concordância no verbo é favorecida (NARO, 1981).

No primeiro nível, de oposição menos acentuada, as desinências que estabelecem a

distinção singular/plural são átonas em ambas as formas. Nesse nível, a categoria menos

saliente da escala compreende os verbos que não envolvem mudança na qualidade da vogal na

forma plural (vive/vivem) e é seguida por verbos em que há mudança na qualidade da vogal na

forma plural (canta/cantam), e verbos que, na distinção singular/plural, apresentam acréscimo

de segmentos (diz/dizem) respectivamente.

No segundo nível, de oposição acentuada, mais alto em relação ao primeiro, as

desinências que estabelecem a oposição singular /plural são tônicas em pelo menos um membro.

Esse nível é dividido nas seguintes categorias, sendo a última a mais saliente/perceptível ao

falante-ouvinte: envolve apenas mudança na qualidade da vogal na forma plural (está/estão);

envolve acréscimo de segmentos sem mudanças vocálicas na forma plural15 (correu/correram);

envolve acréscimo de segmentos e mudanças diversas na forma plural: mudanças vocálicas na

desinência, mudanças na raiz e até mudanças completas (é/são – veio/vieram). (NARO, 1981;

SCHERRE; NARO, 1997)

Da década de 1990, destacamos três pesquisas também realizadas com informantes do

Rio de Janeiro dada a importância das variáveis analisadas e sua representatividade nesse

campo de estudo : “Duas dimensões do paralelismo formal na concordância verbal no português

popular do Brasil” (SCHERRE; NARO, 1993), “A concordância de número no português do

15 Inclui o par foi/foram que perde a semivogal.

Page 53: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

52

Brasil: um caso típico de variação inerente” (SCHERRE; NARO, 1997) e “Restrições sintáticas

e semânticas no controle da concordância verbal em Português” (SCHERRE; NARO, 1998).

Desses estudos, principalmente, é que advêm os grupos de fatores utilizados em nossas análises

de PB-L1 e PB-L2, conforme consta em nossa metodologia.

Scherre e Naro (1993) se propuseram a investigar a variação da concordância verbal de

acordo com a variável paralelismo formal em dois níveis: clausal/oracional (marcas no sujeito)

e discursivo (marcas no verbo). Os pesquisadores, partindo do pressuposto de que formas

gramaticais semelhantes tendem a ocorrer em sequência, objetivaram apresentar evidências do

papel central dessa tendência na variação da concordância de número no verbo. A amostra

utilizada nesse estudo era proveniente do banco de dados do PEUL16 e consistia em 64 falantes

do Rio de Janeiro estratificados em função de faixa etária, sexo e escolaridade.

Foi analisado, segundo Scherre e Naro (1997), um total de 4616 construções das quais

73% ocorreram com a presença de marcas explícitas de plural. No nível clausal, o objeto de

estudo era investigar a correlação entre a marca do sujeito e a marca existente no verbo

correspondente com a hipótese de que sujeitos marcados favoreceriam a presença de formas

verbais também marcadas e sujeitos sem as últimas marcas de plural desfavoreceriam a

realização das marcas explícitas de concordância nos verbos.

No nível discursivo, por sua vez, o foco eram as marcas nos verbos: verbos precedidos

de verbos com marca explícita de plural favoreceriam a realização das marcas nos verbos

subsequentes; e verbos não marcados desfavoreceriam. Ambas as hipóteses foram confirmadas

nessa pesquisa, configurando a tendência de que “marcas levam a marcas e zeros levam a zeros”

como um condicionamento de efeito relevante nas análises da concordância verbal em

diferentes comunidades de fala.

Scherre e Naro (1997), por sua vez, utilizando-se também dos dados extraídos do

Corpus Censo 1980 do PEUL17, investigaram a variação da concordância verbal sob três

aspectos: primeiro, focalizando as variáveis saliência fônica e posição do sujeito com dados de

todos os falantes da amostra e com dados subdivididos de acordo com a escolaridade dos

mesmos; segundo, focalizando as três variáveis sociais por eles selecionadas – sexo, idade e

escolaridade; e, terceiro, apresentando a variação da concordância na escrita padrão

16 Programa de Estudos sobre o Uso da Língua. 17 Esse banco de dados é constituído por entrevistas gravadas com 64 informantes com uma hora de duração. Esses

informantes foram estratificados de acordo com o sexo, a faixa etária (7-14 anos; 15-26; 26-49 e 49+) e a

escolaridade (1-4 anos; 5-8 e 9-11). (SCHERRE; NARO, 1997)

Page 54: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

53

(SCHERRE; NARO, 1997). Nessa análise, os autores compararam os resultados obtidos com

os encontrados por Naro (1981) em sua pesquisa com falantes semianalfabetos do MOBRAL.

Em relação à saliência fônica, Scherre e Naro (1997) observaram que as amostras

apresentaram resultados semelhantes. Tanto nos dados do PEUL quanto nos dados do

MOBRAL, a realização explícita da concordância verbal foi favorecida nos níveis mais altos

da hierarquia; ainda que, nos dados de Naro (1981), evidenciassem uma maior amplitude de

variação.

Destacam-se, ainda, nesse trabalho, os resultados encontrados para as variáveis sociais.

Foram investigadas, como supracitado, as variáveis idade, sexo e escolaridade, sendo as duas

últimas as que se mostraram como mais significativas. Segundo os linguistas, os resultados

revelaram que as mulheres e os falantes com maior tempo de escolarização eram os fatores que

mais apresentavam realização da marca explícita de concordância. O fato de o fenômeno

analisado ser sensível às variáveis sociais revela “as pressões que os falantes sofrem pelo fato

de a variante zero ser estigmatizada pelos padrões gramaticais vigentes” (SCHERRE; NARO,

1997, p. 107).

Em Scherre e Naro (1998), os autores fizeram um desdobramento18 da análise

supracitada focalizando dois aspectos: o efeito do traço [+/-humano] do sujeito sobre a

concordância e a interação entre esse traço e o traço de número no controle da concordância em

textos escritos em português moderno e arcaico (SCHERRE; NARO, 1998). Em síntese, os

resultados revelaram que, na análise dos três corpora, o traço semântico [+/-humano] “é

significativo tanto no sentido de reter o controle da concordância quando o núcleo é [+humano]

quanto no sentido de deslocar o controle da concordância para o núcleo SPrep [+humano]

plural” (SCHERRE; NARO, 1998, p. 67).

Já em Scherre, Naro e Cardoso (2007), os linguistas analisaram o efeito causado pelo

tipo de verbo na concordância verbal confrontado pelo efeito da posição e da animacidade do

sujeito em três amostras. Inicialmente, foram analisados os dados de 64 falantes gravados na

década de 80; depois, os dados de uma informante maranhense residente em Brasília para,

então, finalizarem com dados de 16 informantes do Corpus Censo recontactados em 1999/2000.

Segundo os pesquisadores, nesse estudo, foram analisados verbos categorizados de

acordo com a visão tradicional (nocional, de ligação e auxiliar) e verbos categorizados de

acordo com outras perspectivas tradicionais e gerativistas. O papel do tipo de verbo, contudo,

18 Nesse trabalho, Scherre e Naro (1998) analisaram novamente os dados dos 64 informantes do PEUL, além de

dados de textos escritos na década de 90 por pessoas de escolarização superior e de documentos em português

arcaico escritos entre os séculos XIII e XVI.

Page 55: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

54

não revelou, nessa análise, qualquer relevância estatística, desfazendo a expectativa inicial de

que, pelo menos, os verbos transitivos favorecessem a realização explícita da concordância já

que privilegiam a anteposição do sujeito. Apenas a posição e o traço semântico do sujeito se

mostraram relevantes na análise em questão. Em vista disso, os pesquisadores apontaram que,

independentemente do tipo de verbo, qualquer argumento ou sintagma posposto a ele tende a

diminuir a realização da variante explícita da concordância verbal. (SCHERRE; NARO;

CARDOSO, 2007)

Acrescentamos ainda, entre os estudos de comunidades urbanas, a dissertação de

Benfica (2016) selecionada, principalmente, por pesquisar a realização da concordância verbal

em Vitória, capital do Espírito Santo, localizada a cerca de 60 km do distrito de Santa Cruz,

onde se localizam as aldeias Guarani e os bairros de entorno, Santa Cruz e Coqueiral de

Aracruz. Nesse estudo, a pesquisadora analisa a concordância verbal da primeira e da terceira

pessoa do plural do português falado por informantes da capital capixaba tendo como base os

pressupostos da Sociolinguística Variacionista. Constituem seu material de análise três

gravações de fala casual e 46 entrevistas monitoradas pertencentes à amostra PORTVIX (2001-

2003)19.

Para a terceira pessoa do plural, especificamente, nesse estudo, 78,8% de um total de

3095 dados receberam as marcas de concordância de número nos verbos. Foram selecionadas

as variáveis saliência fônica, paralelismo oracional, traço humano no sujeito, posição e

explicitude do sujeito, escolarização, faixa etária e gênero/sexo. A única variável descartada

nessa amostra foi tempo verbal.

Dentre as considerações tecidas por Benfica (2016), estão: 1) os condicionamentos

linguísticos previstos e verificados em outras comunidades de fala de PB-L1 foram replicados

na amostra de Vitória; 2) pessoas mais escolarizadas realizam mais a variante prestigiada; e 3)

a variável faixa etária, que apresentou maior incidência de concordância na fala dos mais

jovens, aponta uma mudança em direção à variante padrão. Em relação à variável sexo/gênero,

cujos resultados não apresentaram efeito relevante, Benfica (2016) considera a necessidade de

verificar as dinâmicas sociais de gênero na comunidade de fala da capital capixaba tendo em

vista as relações entre sexo/gênero com as classes e os papéis sociais. Outros trabalhos recentes

19 O Projeto Português Falado na Cidade de Vitória (PORTVIX), organizado e coordenado pela Dr.ª Lilian

Coutinho Yacovenco (UFES), é de orientação variacionista e consiste em um banco de dados formado por 46

entrevistas gravadas entre 2001 e 2003 em Vitória, no Espírito Santo. Os informantes desse projeto são naturais

da capital capixaba e foram estratificados segundo as variáveis relativas a idade, sexo e escolaridade.

(YACOVENCO et. al., 2012)

Page 56: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

55

sobre o tema serão explorados em nossas análises, dentre eles: MONGUILHOTT, 2009;

MASCARELLO, 2010; MONTE, 2012; VIEIRA; BAZENGA, 2015.

4.1.2 A variação da concordância verbal de terceira pessoa do plural em comunidades de

PB-L1 não urbanas

As pesquisas variacionistas realizadas em comunidades de fala não urbanas têm

revelado diferenças significativas entre essas comunidades e as comunidades mais urbanizadas,

principalmente no que tange às variáveis sociais. Em vista disso, visando verificar como se

comporta a concordância verbal nessas comunidades de fala, selecionamos dois trabalhos que

têm se mostrado relevantes nas análises desse fenômeno. São eles: Vieira (1997) e Silva (2003)

– estudo retomado em Lucchesi, Baxter e Silva (2009). A esse grupo adicionamos a pesquisa

de Almeida (2006), cujos resultados, que vão em direção oposta ao esperado para comunidades

não-urbanas, dialogam com os demais estudos aqui apresentados.

Vieira (1997), partindo da assertiva de que a concordância verbal no português brasileiro

constitui um traço de diferenciação social de cunho estigmatizante (p. 115), investiga a ausência

de concordância nos verbos de terceira pessoa do plural em doze comunidades pesqueiras

localizadas no norte fluminense20 com dados de 72 entrevistas do Arquivo Sonoro do Projeto

APERJ – Atlas Etnolinguístico dos Pescadores do Estado do Rio de Janeiro. A amostra utilizada

neste trabalho se configura da seguinte forma: foram selecionados seis informantes masculinos

de cada localidade distribuídos em três faixas etárias que compreendem o intervalo de 18 a 70

anos; todos os informantes são analfabetos ou semiescolarizados e naturais, assim como seus

pais, das comunidades pesquisadas; os informantes não têm histórico de viagens longas ou de

terem residido por mais de 3 anos em outras regiões.

A pesquisadora optou por verificar – como valor de aplicação – a variante zero da

variável investigada. Dentre as 2252 ocorrências de SV na terceira pessoa do plural, o input de

verbos não marcados foi de .70, evidenciando o desfavorecimento da variante prestigiada nessa

comunidade de fala. Das variáveis linguísticas analisadas por Vieira (1997), quatro se

mostraram relevantes: saliência fônica, paralelismo clausal, paralelismo discursivo e posição

do sujeito em relação ao verbo. Todas elas replicaram os condicionamentos já apresentados em

comunidades urbanas, como nos trabalhos de Scherre e Naro (1991; 1992; 1993).

20 Atafona, Barra de Itabapoana, Cambuci, Farol de São Tomé, Gargaú, Guaxindiba, Itaocara, Itaperuna, Ponta

Grossa dos Fidalgos, São Benedito, São Fidélis e São João da Barra. (VIEIRA, 1997)

Page 57: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

56

Dentre as variáveis sociais, destacaram-se a localidade dos informantes e a faixa etária,

que apresentou uma tendência à não realização explícita da concordância verbal à medida que

a idade dos informantes aumentava. Tendo em vista os resultados encontrados, Vieira (1997)

propõe uma abordagem de ensino que considere os condicionamentos linguísticos

favorecedores da realização das marcas de plural nos verbos de terceira pessoa. Nessa proposta,

deve-se priorizar, por meio de exercícios de fixação, as construções cujos condicionamentos

levam ao cancelamento da marca.

Resultado semelhante foi encontrado por Silva (2003) em comunidades quilombolas do

interior do Estado da Bahia. Desse estudo, que será descrito juntamente com o de Almeida

(2006), destacamos, principalmente, o resultado para a variável sexo, que vai contra a tendência

observada nos estudos sociolinguísticos de que as mulheres privilegiam as formas socialmente

prestigiadas. Nessa amostra, os homens são os primeiros a incorporarem o uso das variantes

padrão, sendo eles os que lideram o processo de mudança. A explicação está no fato de eles

terem maior contato com o mundo exterior. “Enquanto as mulheres se circunscrevem ao

universo doméstico, dividindo com o seu companheiro apenas o trabalho da roça, os homens

são em geral os responsáveis pela comercialização dos pequenos excedentes (...) na feira da

cidade” (LUCCHESI; BAXTER; SILVA, 2009, p. 344); são eles também que se deslocam para

os grandes centros urbanos em busca de trabalhos temporários.

Almeida (2006) também buscou analisar o fenômeno da concordância nas três pessoas

do plural em uma comunidade quilombola – São Miguel dos Pretos, localizada em Restinga

Seca, no Rio Grande do Sul. Sua amostra foi constituída por 24 informantes dos dois sexos com

idades que variam entre 15 e 90 anos. Dentre as variáveis sociais controladas pela pesquisadora,

temos a idade, o sexo e o informante. Já nas variáveis estruturais, foram analisadas a

presença/ausência de DNP4 (1ª pessoa do plural), DNP5 (2ª pessoa do plural) e DNP6 (3ª

pessoa do plural) sendo esta última o objeto de interesse do nosso trabalho.

Todas as desinências, nesse estudo, foram controladas de acordo com as seguintes

variáveis linguísticas: referência, posição e tipo do sujeito; saliência fônica; conjugação verbal

e tempo verbal. A respeito da 3ª pessoa do plural, os resultados obtidos foram comparados aos

encontrados nas três comunidades quilombolas da Bahia – Helvecia, Rio das Contas e Cinzento

– analisadas por Silva (2003), sob a hipótese de que ambos os estudos apresentassem valores

similares, uma vez que as quatro comunidades são de remanescentes de escravos.

Dentre as constatações feitas pela pesquisadora, está a de que os falantes de São Miguel

dos Pretos estão incorporando as marcas explícitas da concordância verbal na terceira pessoa

do plural, já que os resultados indicaram uma relação decrescente entre a idade e o emprego da

Page 58: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

57

concordância padrão – enquanto os mais jovens favoreceram a realização explícita da

concordância (.64), os mais velhos a desfavoreceram (.38). Além disso, segundo Almeida

(2006), foi constatado que, em 80% das ocorrências, houve o emprego da DNP6;

diferentemente do que ocorreu nas comunidades comparadas.

No estudo realizado com as três comunidades da Bahia, de Silva (2003), Rio das

Contas21, Helvecia e Cinzento apresentaram respectivamente 24%, 16% e 13% de dados com a

concordância padrão. Almeida (2006) creditou essa diferença às situações históricas e de

contato das referidas comunidades. Nas palavras da autora, ao contrário do que ocorre com as

comunidades baianas, marcadas por uma história de subjugação, isolamento e abandono, São

Miguel dos Pretos, à época de sua formação, contou com a ajuda de um importante fazendeiro

da região e, além disso, vive uma situação de contato constante com as fazendas vizinhas e com

a zona urbana de Restinga Seca. Lucchesi, Baxter e Silva (2009), retomando os resultados de

Silva (2003), também defendem a ideia de que as comunidades caminham em direção à

aquisição das marcas explícitas da concordância verbal, ainda que essas porcentagens tenham

sido menores em relação ao que foi encontrado por Almeida (2006).

Cabe destacar que, dentre as contribuições de Lucchesi, Baxter e Silva (2009), está a

proposta de um continuum, cujos polos são a norma urbana culta e as comunidades rurais afro-

brasileiras. Conforme supracitado, as diversas pesquisas sobre a realização da concordância

verbal na 3ª pessoa do plural atestam que o processo de variação atinge tanto a norma culta

quanto a norma popular do português brasileiro; muitas vezes, com uma grande diferença entre

essas duas normas no que diz respeito à frequência de uso dos morfemas de número. Para

Lucchesi, Baxter e Silva (2009), isso constitui uma importante evidência empírica de como as

variedades do PB foram afetadas pelo contato linguístico. Segundo os pesquisadores,

as variedades populares que têm a sua formação mais fortemente marcada pelo contato

entre línguas são aquelas que apresentam as menores frequências de uso do morfema

de número, ao passo que as variedades urbanas culta e semiculta, que só indiretamente

foram afetadas pelo contato em sua formação histórica, são aquelas que apresentam

os maiores índices de aplicação da regra de concordância. (p. 333-334)

Os estudiosos chegaram à essa conclusão com base nos índices gerais de aplicação da

concordância verbal de 3ª pessoa do plural de trabalhos de cinco diferentes variedades do PB-

L1: a dissertação de Silva (2003), nas comunidades afro-brasileiras do interior da Bahia; a

pesquisa de Vieira (1997), com pescadores analfabetos ou pouco escolarizados, residentes no

21 Rio das Contas, na verdade, é o município onde estão localizadas as comunidades geminadas de Barra e Bananal

também conhecidas como Arraiais de Rio das Contas. Disponível em: http://www.vertentes.ufba.br/1a-etapa/geral.

Page 59: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

58

norte do Estado do Rio de Janeiro; o nível de aplicação na fala de analfabetos da cidade do Rio

de Janeiro, analisada por Naro (1981); as pesquisas de Scherre e Naro (1997) e de Monguilhott

e Coelho (2002), com falantes escolarizados das cidades do Rio de Janeiro e de Florianópolis

respectivamente; e, por último, a pesquisa de Graciosa (1991), com falantes de norma urbana

culta também do Rio de Janeiro. Essas pesquisas apresentaram índices de 16%, 38%, 48%,

73%, 79% e 94% respectivamente, evidenciando, segundo os autores, a existência de dois

extremos, conforme mostra o quadro abaixo:

Quadro 02 – Continuum de realização da concordância verbal de 3ª pessoa do plural conforme

os traços rural/urbano e os graus de escolaridade em variedades do PB.

[+ marcas] [- marcas]

RJ RJ - SC RJ RJ BA

Urbano Urbano Urbano Rural Rural

Altamente

escolarizado

Moderadamente

escolarizado Analfabeto

Analfabeto/ pouco

escolarizado

Comunidades afro-

brasileiras

94% 73-79% 48% 38% 16%

Fonte: Adaptado de Vieira e Bazenga (2015, p. 61).

Enquanto, nas comunidades quilombolas, o nível de variação é muito elevado, nas

comunidades de falantes mais escolarizados, o uso da regra, segundo os pesquisadores, é quase

categórico – o que constitui uma prova clara da polarização sociolinguística do Brasil cujos

extremos perpassam o grau de urbanidade das comunidades pesquisadas (LUCCHESI;

BAXTER; SILVA, 2009). Os estudiosos também destacam, como já vimos, a evidência de que

o grau de variação linguística desse fenômeno está diretamente ligado ao contato linguístico.

Segundo eles, o contato de línguas predominou no interior do país – daí os índices de presença

de concordância serem menores em comunidades rurais e, dentre essas comunidades, serem

menores em comunidades afro-brasileiras originalmente ligadas ao contato do português com

línguas africanas.

Em nossa análise de PB-L1, retomaremos o continuum tal como elaborado por Lucchesi

(2015). O pesquisador, tendo em vista os traços urbano/rural e os graus de escolarização dos

Page 60: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

59

informantes de oito22 pesquisas sobre a variação da concordância verbal na 3ª pessoa de plural,

reelaborou o referido continuum mantendo um intervalo de 15 pontos percentuais entre uma

norma sociolinguística e outra, conforme mostra o quadro abaixo:

Quadro 03 – Frequência geral de aplicação da regra de CV nas normas sociolinguísticas

brasileiras.

Norma Sociolinguística Frequência geral de aplicação da regra

Norma urbana culta 95%

Norma urbana média 80%

Norma urbana média baixa 65%

Norma popular urbana 50%

Norma popular rurbana23 35%

Norma popular rural 20%

Fonte: LUCCHESI, 2015, p. 253.

4.1.3 A variação da concordância verbal de número no português de contato dos povos

indígenas

Estudos sobre a concordância verbal de 3ª pessoa do plural, tais como os supracitados,

existem de maneira bem diversificada pelo Brasil, pois esse fenômeno sintático tem ocupado

um papel central nos debates acerca da formação do português brasileiro. Pesquisas que

envolvem o contato linguístico e a aquisição de uma segunda língua no tratamento desse

fenômeno e que têm como objetos de análise línguas indígenas especificamente, contudo, ainda

são escassas, quando não inexistentes, dependendo da comunidade pretendida.

Mesmo em sites conceituados tais como o de etnolinguística, no LALLI, e os portais

das grandes universidades brasileiras, elas são difíceis de serem encontradas. Em nosso

levantamento, encontramos dezenas de trabalhos sobre o tema; mas apenas dois deles com

22 1) Graciosa (1991) representando o português urbano culto; 2) Scherre e Naro (1997) e Monguilhott (2001)

representando o português urbano médio; 3) Naro (1981) e Guy (1981) como representantes do português

popular urbano; 4) Bortoni-Ricardo (2011 [1985]) representando o português rurbano; 5) Vieira (1995)

representando o português popular rurbano; e 5) a análise realizada com 24 informantes do Recôncavo Baiano,

12 da sede do município Santo Antônio de Jesus e 12 da zona rural, como representativa do português popular

rurbano e do português popular rural. (LUCCHESI, 2015) 23 “O conceito de rurbano da Antropologia foi introduzido por Bortoni-Ricardo (2005, 2011 [1985]) na análise

sociolinguística e remete a ‘comunidades urbanas de periferia onde predomina forte influência rural na cultura e

na língua’ (2005, p. 44) ou, ainda, a ‘populações rurais com razoável integração com a cultura urbana e populações

urbanas com razoável preservação de seus antecedentes rurais’ (2005, p. 92)” (LUCCHESI, 2015, p. 270).

Page 61: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

60

dados de português indígena – ambos com amostras retiradas de textos escritos: Ferreira Netto

(1996) e Christino e Silva (2012). Cabe ressaltar que a variedade de português de contato mais

estudada até o momento é a falada pelos índios do Xingu (EMMERICH, 1984; GOMES, 1997;

RONCARATI; MOLLICA, 1997; EMMERICH; PAIVA, 2009).

Ferreira Netto (1996) se propôs a analisar como se dá a concordância verbal em um

texto escrito por um aluno da etnia Waiãpi cuja língua de mesmo nome pertence, assim como

o Guarani, à família linguística Tupi-Guarani, do tronco Tupi. Esse material foi produzido

quando o indígena em questão se propôs a escrever um diário para o Curso de Formação de

Professores da referida etnia. Segundo o pesquisador, esse aluno possuía entre 20 e 30 anos, era

residente de uma aldeia Waiãpi no Amapá e havia sido alfabetizado por um missionário em sua

língua materna.

Ferreira Netto (1996) admite que esse corpus não serve como exemplo da variedade

Waiãpi da língua portuguesa, já que seu informante é alfabetizado e tem à sua disposição um

conjunto de conhecimentos sobre a L2, bem diverso daquele que está à disposição do seu povo.

Ainda assim, o linguista observa que “alguns traços parecem impor-se de forma bastante

recorrente no processo de aquisição da língua portuguesa” (p. 218). Os resultados obtidos

mostraram, nesse estudo, que em 43% dos casos com sujeito na terceira pessoa do plural houve

a realização da marca explícita de concordância verbal. Do total dos dados, das quatro pessoas

do discurso verificadas pelo pesquisador (1ª e 3ª pessoas do singular e do plural), 72%

apresentaram a concordância dita padrão.

Christino e Silva (2012), por sua vez, analisaram a realização da concordância verbo-

nominal na escrita em língua portuguesa de professores indígenas em formação – todos de

língua materna Kaingang pertencente à família Jê, de tronco linguístico Macro-jê. Foram

examinadas, pelas pesquisadoras, 357 avaliações realizadas em cursos do magistério do Projeto

Vãfy entre os anos de 2001 e 2008 que, em parceria com a FUNAI, envolveu professores

provenientes de dez aldeias localizadas no Rio Grande do Sul. Christino e Silva (2012)

constataram que outras estratégias de (não) marcação da concordância convivem na escrita

desses falantes.

Além de estruturas próprias do português padrão e de combinações presentes em

variedades populares do PB, foram encontradas variantes sem paralelo com aquelas faladas por

falantes nativos da L2 em questão. Na relação verbo-sujeito, exclusivamente, as linguistas

obtiveram os seguintes resultados: (1) a estrutura “sujeito no plural + verbo no singular”, que

corresponde à concordância verbal não padrão, foi encontrada em avaliações de 47,1% dos

professores; e, (2) 17,3% de professores construíram sentenças com “sujeito no singular + verbo

Page 62: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

61

no plural” – uma estrutura incomum para falantes nativos do português – ambos os grupos

exemplificados24 abaixo:

(1)

a. “Mas as aulas me fez relembrar as coisas já esquecidas.”

b. “No português os acentos dá o sentido da palavra conforme a colocação nas sílabas.”

c. “as línguas mudam por que eles migram e tras novas línguas.”

d. “os índios kaingáng corta o umbigo dela.”

(2)

a. “Estavam muito bom a aula do professor.”

b. “A metodologia do ensino de inglês foram boas.”

c. “A língua podem mudar em vários sentidos.”

d. “O conteúdo falem sobre as palavras.”

e. “e também como morrem alguém.”

Lançando mão desses resultados, Christino e Silva (2012) examinaram, à luz da

gramática Kaingang, a primeira estrutura; e verificaram, de acordo com D’Angelis (2004), que

não existe concordância verbal de número na referida língua. De acordo com as autoras, “a

variação da forma verbal encontra-se encarregada de veicular a ‘noção semântica de ação

múltipla (repetida ou recorrente) versus ação única’ (D’ ANGELIS, 2004, p. 71)” (p. 426). Essa

ação múltipla, segundo as pesquisadoras, é indicada em boa parte dos verbos em Kaingang pela

reduplicação do lexema verbal. Em vista disso, Christino e Silva (2012) consideraram plausível

a suposição de que ambas as estruturas – a forma de expressar ação múltipla em L1 e a

construção “sujeito no singular + verbo no plural” em L2 – estejam vinculadas. De

investigações dessa natureza é que advém, então, a importância do nosso próximo tópico.

4.2 A relação verbo-sujeito no Guarani Mbyá

A língua Guarani pertence à família linguística Tupi-Guarani do tronco Tupi e pode ser

encontrada em três variedades modernas, a saber: o Nhandeva ou Chiripá/Txiripa/Xiripá; o Ava

24 Todos os exemplos apresentados em (1) e (2) foram retirados de Christino e Silva (2012, p. 425-426).

Page 63: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

62

Guarani ou Kaiowá; e o Mbyá ou Tambeopé, como denominam os Guarani no Espírito Santo

(CARVALHO, 2013). Atualmente, essa língua é amplamente falada em quatro países sul-

americanos: Paraguai, Bolívia, Argentina e Brasil – país com um território Guarani que se

estende basicamente por todo o litoral sul brasileiro, como mostra o Mapa 4 a seguir:

Mapa 04 – Território Guarani.

Mapa 4: Território Guarani (LADEIRA; MATTA, 2004, p. 07)

Ao lado do Português e do Espanhol, o Guarani é a língua oficial para o trabalho no

MERCOSUL e, embora o Brasil possua apenas uma língua oficializada, essa língua foi

cooficializada em Tacuru, município de Mato Grosso do Sul. No Espírito Santo, o povo Guarani

se concentra na região de Santa Cruz, em Aracruz; e pertence, essencialmente, à etnia Mbyá.

Segundo o Inventário da Língua Guarani Mbyá, organizado pelo IPOL25 (MORELLO;

25 Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística.

Page 64: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

63

SEIFFERT, 2011), apesar da dispersão geográfica, as línguas da família Tupi-Guarani mostram

poucas diferenças entre si. Tendo sido estudadas desde à época da colonização, essas línguas

contam, atualmente, com uma boa documentação, principalmente, quando comparadas com

outras línguas indígenas. Em se tratando da variedade Mbyá, especificamente, é importante

considerar que ela é falada por cerca de 7 mil pessoas no Brasil, entre indígenas e não-indígenas,

distribuídas por 69 aldeias localizadas nas regiões Sul e Sudeste do território brasileiro.

De acordo com o Inventário (MORELLO; SEIFFERT, 2011), no que diz respeito aos

âmbitos de uso e de circulação do Mbyá, foi constatado que: 1) ela é a língua que predomina

nos lares; 2) nos espaços institucionalizados, tais como escolas e postos de saúde, embora o

bilinguismo seja significativo, a língua portuguesa é a mais usada; 3) nos espaços cotidianos e

de práticas institucionalizadas pela tradição Guarani, tais como as casas de reza, a língua

materna indígena é dominante. Essas mesmas características puderam ser verificadas em nossas

entrevistas e constituem um dado importante na compreensão da relação existente entre a língua

materna de nossos informantes e a língua alvo, o português brasileiro.

A língua Guarani, originalmente, de ordem SOV (sujeito, objeto e verbo), devido ao

longo contato com a língua portuguesa e com o espanhol, por exemplo, tem apresentado

mudança na ordem dos constituintes (MARTINS, 2003; DIETRICH, 2009; CARDOSO, 2010).

Segundo Martins (2003)26, assim como ocorre no Guarani Paraguaio analisado por Dietrich

(2009)27, existe uma tendência ao uso da ordem SVO observada em dados de Guarani Mbyá de

falantes jovens de aldeias indígenas localizadas no Brasil, como mostram os exemplos abaixo:

(1) SVO

Kuee Maria o-Ø-jogua jety

Ontem Maria 3-Rel-comprar batata

“Ontem Maria comprou batata”

26 Martins (2003) afirma que essa ordem preferencial (SOV) é característica do Guarani arcaico e que, atualmente,

a ordem preferencial é SOV e SVO, mas outras ordens de constituintes são possíveis. A pesquisadora observou a

coexistência das ordens OV nos dados de falantes mais velhos e de mulheres e VO nos dados de falantes jovens. 27 Cardoso (2010) aponta que o mesmo ocorre em outras variedades do Guarani, tais como o Nhandeva e o Kaiowá.

Page 65: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

64

(2) SOV

Kuee Maria jety o-Ø-jogua

Ontem Maria batata 3-3Rel-comprar

“Ontem Maria comprou batata”

(MARTINS, 2003, p. 154)

Os exemplos supracitados nos permitem antever como se dá a concordância verbal na

língua Guarani. Nessa variedade, L1 de nossos informantes, a relação verbo-sujeito se dá por

meio do acréscimo de prefixos de pessoa e número no verbo (MARTINS, 2003; DOOLEY,

2013; VIEIRA, 2013). De acordo com os teóricos (MARTINS, 2003; DOOLEY, 2013;

VIEIRA, 2013), o Guarani Mbyá é um dialeto de sistema ativo/não-ativo28 no qual os

argumentos são obrigatoriamente marcados por meio de afixos de pessoa no verbo – que pode

ser morfologicamente bastante complexo. Tal assertiva é ratificada por Dooley (2013),

responsável por uma descrição detalhada do Mbyá. Segundo o pesquisador, ao contrário do

português, a flexão verbal se dá por meio de prefixos em vez de sufixos, como mostram os

exemplos retirados de Vieira (2013, p. 196-197):

(3) A-ke

1sg-dormir

‘Eu dormi’

(4) A-i-nupã

1sg-3-bater

‘Eu bati nele’

(5) Xe-porã

1sg-bonita

‘Eu sou bonita’

(6) okẽ o-pẽ

porta 3-quebrar

‘A porta quebrou’

28 Os verbos da série ativa, ao contrário daqueles encontrados na série não-ativa, são verbos que relatam processos

que envolvem a volição do sujeito (eventos, atividades etc.). (DOOLEY, 2013)

Page 66: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

65

(7) Jagua o-mano

Cachorro 3-morrer

‘O cachorro morreu’

(8) Kyrῖgue o-ˀa

Crianças 3-cair

‘As crianças caíram’

Em sua descrição, Vieira (2013) atesta que (1) os verbos transitivos só admitem um

prefixo pessoal cuja seleção é feita com base na hierarquia de pessoa (1ª > 2ª > 3ª) e (2) os

verbos intransitivos, sejam eles ativos ou não-ativos, participam praticamente dos mesmos

processos gramaticais e que ambos engatilham concordância verbal. Nos quadros abaixo,

seguem os afixos das séries ativa e não-ativa documentados pela pesquisadora:

Quadro 04 – Afixos que expressam traços de pessoa e número dos sujeitos dos verbos

transitivos e dos intransitivos ativos (ex. nadar, rir);

SÉRIE ATIVA

1sg a-

2sg re-

3sg o-

1pl Inc. ja~nha-

1pl Exc. ro-

2pl pe-

3pl o-

Fonte: VIEIRA, 2013, p. 195.

Page 67: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

66

Quadro 05 – Afixos que expressam traços referentes ao objeto do verbo transitivo e ao sujeito

do intransitivo não-ativo (ex. ser gordo, estar feliz)

SÉRIE NÃO-ATIVA

1sg xe-

2sg nde~ne-

3sg i-

1pl Inc. jane~nhane-

1pl Exc. ore-

2pl pende- pene-

3pl i-

Fonte: VIEIRA, 2013, p. 195.

Merece destaque, nos quadros acima, a ausência de distinção singular/plural na 3º

pessoa do discurso em ambas as séries indicando que a 3ª pessoa do plural não é marcada na

língua Guarani. Dooley (2013) acrescenta que as noções de coletivo/pluralidade só ocorrem

com nomes contáveis; em outras palavras, somente nomes contáveis podem ocorrer com verbos

no plural, numerais e advérbios de quantidade. Segundo o autor, “comumente, verbos no plural

não apresentam concordância com o sujeito gramatical apenas, mas também com participantes

que acompanham o sujeito na ação, que produz concordância semântica num sentido

cumulativo” (DOOLEY, 2013, p. 97), como mostra o exemplo abaixo:

tuu oje'oi gua'y kuery reve

‘o pai partiu (lit. ‘partiram’) com seus filhos’29

O estudo da relação verbo-sujeito em Guarani Mbyá é de fundamental importância em

nossa pesquisa, pois oportuniza um melhor entendimento da realização da concordância verbal

na terceira pessoa do plural na variedade do português falada pelos índios dessa etnia em terras

capixabas. Por meio dele, podemos compreender, por exemplo, os possíveis processos de

transferência da L1 na aquisição de L2.

29 DOOLEY, 2013, p. 97.

Page 68: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

67

5. DELIMITAÇÃO DA PESQUISA E METODOLOGIA

Este capítulo apresenta os objetivos, as questões, as hipóteses e os aspectos

metodológicos que nortearam esta pesquisa na constituição do corpus e da análise. Para tanto,

está dividido em duas seções, a saber: 1) objetivos, questões e hipóteses de trabalho e 2)

metodologia, que inclui a constituição da amostra, que descreve a caracterização das

entrevistas; a coleta e o levantamento dos dados; a delimitação do envelope da variação

(variável dependente) e as variáveis sociais e linguísticas, como veremos adiante.

5.1. Objetivos, questões e hipóteses

Como foi apresentado na introdução, esta pesquisa tem por objetivo analisar a realização

da marca de concordância verbal na terceira pessoa do plural na variedade da língua portuguesa

falada pelos Guarani do Espírito Santo; e tem como princípios norteadores as seguintes questões

de trabalho: 1) a variação na realização da 3ª pessoa do plural no português de contato dos

Guarani reflete a variabilidade observada no PB?; 2) se sim, a aquisição de padrões de

concordância verbal em situação de L2 se dá em função dos mesmos condicionamentos

estruturais observados para os falantes do PB como L1?; ou 3) os indígenas dessa localidade

reinterpretam a variação, produzindo padrões diferentes daqueles encontrados em outras

variedades da Língua Portuguesa?; 4) há predominância de algum tipo de condicionamento

sobre os demais?; 5) há transferência do sistema de marcação da L1 dos falantes indígenas?; e

6) em que medida características socioculturais da comunidade têm efeito sobre a aquisição dos

padrões de concordância?

Cabe ressaltar que, para fins de comparação, propomo-nos a analisar a variabilidade da

concordância verbal da 3ª pessoa do plural das comunidades não-índias localizadas no entorno

das aldeias Guarani pesquisadas, uma vez que é com esta variedade do PB que os informantes

indígenas mantêm contato com maior frequência. Esse estudo preliminar visa responder aos

seguintes questionamentos que fornecerão importantes subsídios para a nossa análise principal:

como se caracteriza o PB como L1 dos moradores de Aracruz?; o percentual geral de

concordância observado no estudo sobre o PB-L2 dos falantes indígenas reflete o

comportamento dos falantes do PB-L1 ou pode ser atribuído à situação de aquisição de L2?; os

condicionamentos da variação são os mesmos observados para outras variedades do PB?

Page 69: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

68

Trabalhamos com a hipótese de que a comunidade Guarani está adquirindo as marcas

explícitas de concordância verbal na 3ª pessoa do plural devido à proximidade com a

comunidade não-índia. Em vista disso, nossas hipóteses linguísticas são: 1) os Guarani, falantes

de PB-L2 de grau baixo de contato, transferem padrões da sua língua materna para a língua alvo

e 2) os falantes Guarani replicam os mesmos condicionamentos encontrados para falantes de

PB-L1. Esses condicionamentos estão diretamente relacionados com a organização da

gramática do Português Brasileiro no que diz respeito à dinâmica variável da realização de

formas verbais de 3ª pessoa do plural tanto no que diz respeito à atuação de variáveis

linguísticas quanto não linguísticas. Eles serão apresentados na seção 5.2 a seguir juntamente

com as hipóteses extralinguísticas, a partir da descrição de cada variável.

5.2 Metodologia

5.2.1 A constituição e a organização da amostra: da caracterização das entrevistas à

análise dos dados

A amostra indígena utilizada em nossa análise consiste em um conjunto de 1070 dados

coletados de 16 entrevistas realizadas em três aldeias Guarani localizadas no Espírito Santo. A

coleta, previamente autorizada pelos caciques responsáveis pelas aldeias, foi realizada entre os

anos de 2012 e 2016. Já a amostra dos falantes nativos do PB-L1 das comunidades aracruzenses

contém 926 dados de fala de 8 informantes. Esses dados foram coletados em 2017 nas

comunidades de Santa Cruz e Coqueiral de Aracruz, conforme veremos adiante.

As entrevistas foram realizadas in loco, gravadas em áudio por meio de gravadores,

tanto digitais quanto aplicativos de celulares e, sempre que possível, filmadas por câmeras

fotográficas. Dentre as recomendações labovianas, procuramos seguir aquelas que tencionavam

minimizar o efeito negativo causado pela presença de um pesquisador nessas comunidades para

que evitássemos que os falantes monitorassem demasiadamente a própria fala. Assim, não me

apresentei como linguista ou vinculada a alguma Universidade e evitei explicações sobre o

trabalho que estava sendo realizado. Preferi me apresentar como professora do ensino básico

interessada em aprender mais sobre a história, a língua e a cultura da comunidade Guarani

presente no município de Aracruz.

Cabe lembrar que, durante as entrevistas, fui acompanhada por pessoas ligadas a mim e

estranhas à pesquisa e que não tinham quaisquer relações com as pessoas das aldeias ou dos

Page 70: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

69

bairros citados. Tal decisão foi tomada não só para facilitar meu acesso às aldeias, que se

localizam a cerca de 140 km do município onde moro, mas também para que eles me

auxiliassem nas entrevistas seja no manuseio dos equipamentos, seja na participação das

mesmas no intuito de dar a elas o caráter de conversas informais. As entrevistas foram, assim,

conduzidas de maneira descontraída e natural de forma a incentivar a fala fluente dos

informantes.

Para os falantes do PB-L2, foi planejado um roteiro com 75 perguntas abertas que

versavam, dentre outras coisas, sobre a vida familiar, a rotina na aldeia e a cultura Guarani, para

que servisse de auxílio nas situações em que os informantes respondessem às nossas perguntas

com gestos e/ou monossílabos. E, para os falantes do PB-L1, planejamos um roteiro aberto com

49 questões que envolviam desde aspectos socioculturais de Santa Cruz e Coqueiral de Aracruz

a temas relacionados à convivência diária desses moradores com as comunidades indígenas

presentes naquela cidade. A organização de ambos os corpora previa que as entrevistas

durassem em média 60 minutos. O perfil de ambas as amostras será apresentado no item 5.2.2.3.

5.2.2 As variáveis

Esta seção tem como objetivo descrever as variáveis ligadas à realização variável da

marca explícita da concordância verbal na terceira pessoa do plural. Para tanto, ela foi

subdividida em três partes que contemplam a delimitação do envelope da variação, as variáveis

sociais e, por último, as variáveis estruturais analisadas neste trabalho.

5.2.2.1 O envelope da variação

A variável linguística focalizada no presente estudo, como vimos, é um fenômeno que

se realiza por meio de duas variantes semanticamente equivalentes: a presença ou não da marca

explícita de concordância número-pessoal no verbo. Em nossa análise, selecionamos para as

rodadas, no programa estatístico Goldvarb X (SANKOFF; TAGLIAMONTE; SMITH, 2005),

o valor de aplicação da realização da marca de concordância nos verbos de 3ª pessoa do plural.

Os excertos abaixo são exemplos30 de ambas as variantes, retirados do nosso banco de dados:

30 Todos os exemplos arrolados neste capítulo foram retirados de nosso corpus Guarani.

Page 71: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

70

Concordância verbo/sujeito

• Inf. M2/PB-L2: (...) os mais velhos FALAM que os guarani surgiram na Amazônia

(variante explícita)

• Inf. M2/PB-L2: (...) os padres FALAVA que era pecado andar nu (variante zero)

• Inf. M5/PB-L2: (...) sempre tem pessoas que ENTENDEM mal né... falando as

coisas que não tem nada a ver com a cultura (variante explícita)

• Inf. M1/PB-L2: (...) eis ENTENDE um pouco mas não entende todos (variante

zero)

Tendo em vista, como já observamos, que a concordância verbal do PB é

sistematicamente variável e que esse fenômeno tem uma relação muito próxima com o âmbito

sociocultural, já que sua aplicação é condicionada por fatores sociais e de registro, é que

selecionamos variáveis linguísticas e sociais de natureza diversa para analisar como a marcação

de 3ª pessoa do plural se realiza no português falado pelos Guarani do Espírito Santo (NARO,

1981; SCHERRE, 1998; SCHERRE; NARO, 1993, 1997, 1998; VIEIRA, 1997, 2015; SILVA,

2005; SCHERRE; NARO; CARDOSO, 2007; BAXTER, 2009; LUCCHESI; BAXTER;

SILVA, 2009; MONGUILHOTT, 2009; MASCARELLO, 2010; MONTE, 2012; BENFICA,

2016). São elas: saliência fônica; tempo verbal; paralelismo nos níveis discursivo e oracional;

posição, realização e caracterização semântica do sujeito (animacidade e contável vs. não-

contável); escolaridade; sexo; idade e grau de contato, como veremos nos tópicos seguintes.

Cabe ressaltar que, como ocorre em outros estudos sobre a concordância verbal, nem todos os

dados encontrados em contextos de 3ª pessoa do plural serão analisados. Isso ocorre devido,

dentre outras coisas, à homofonia das formas que distinguem singular/plural – como em

tem/têm – e à impessoalidade do sujeito. Foram, então, descartados de nossas amostras:

1) Os verbos flexionados no infinitivo pessoal;

• Inf. F1/PB-L1: (...) pra eles SOBREVIVEREM, né?

• Inf. M2/PB-L2: (...) pra eles ENTENDEREM né que eu tô falando a merma língua

deles, entendeu?

2) Ocorrências de verbos impessoais;

Page 72: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

71

• Inf. F1/PB-L1: (...) porque antes TINHA as escola na aldeia.

• Inf. M3/PB-L2: (...) andaro quase trinta e dois ano a pé. Ah: viero pecurar... Eu acho

que TINHA as mata, o rio, né?

3) Ocorrências do verbo TER e do verbo VIR no presente do indicativo;

• Inf. F1/PB-L1: (...) amostra né as as casa que eles TÊM lá de trabalho.

• Inf. F7/PB-L2: (...) eles VÊM muito pra casa só estuda umas três horinhas e VÊM

embora.

4) Ocorrências com sujeito formado por expressão partitiva + palavra no plural;

• Inf. F1/PB-L1: (...) geralmente, a maioria das casas deles SÃO tudo casa de lajota.

• Inf. M6/PB-L2: (...) os tupiniquim a maioria TRABALHAM fora.

5) Ocorrências com sujeito indeterminado;

• Inf. M1/PB-L1: (...) aí FALARAM que era bom tomar cipó com mel.

• Inf. M7/PB-L2: (...) MATARAM mil e quinhentos guarani, né?

6) Ocorrências com concordância semântica ou ideológica.

• Inf. M4/PB-L1: (...) a prefeitura, o pessoal de lá CHEGARAM e falaram bem assim

que eles pagariam pros indígenas saírem.

• Inf. M2/PB-L2: (...) os pessoal, assim, SÃO rivais um do outro; até mata por causa

de jogo, né?

5.2.2.2 As variáveis sociais

A seguir, discorreremos sobre os perfis dos informantes de acordo com as seguintes

variáveis sociais: sexo, faixa etária, escolaridade e grau de contato. Cabe lembrar que, com o

objetivo de situar essas variáveis em função da organização social dos grupos estudados,

Page 73: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

72

também apresentamos uma descrição das comunidades dos Guarani no Espírito Santo e dos

falantes do PB-L1 no segundo capítulo desta pesquisa.

1) O perfil das amostras

Na pesquisa Sociolinguística Variacionista, os informantes podem ser selecionados pelo

menos de duas maneiras: método aleatório simples e método aleatório estratificado (LABOV,

1972; LABOV, 1984; PAREDES SILVA, 2010). No primeiro, é feito um sorteio dos indivíduos

que constituirão a amostra para que todos tenham a mesma probabilidade de escolha; e, no

segundo, a amostra é estratificada, ou seja, os indivíduos são escolhidos aleatoriamente e

divididos em células de acordo com as variáveis sociais selecionadas pelo pesquisador, tais

como idade, sexo, escolaridade, classe social e lugar de origem (LABOV, 1972). Para o objetivo

dessa pesquisa, interessava entrevistar informantes de acordo com o sexo, a idade e a

escolaridade para a constituição de ambas as amostras, de Guarani e da comunidade de entorno.

Adotamos, assim, o método aleatório estratificado. Cabe destacar que, após a coleta dos dados,

acrescentamos uma quarta variável à análise do PB-L2, o grau de contato, que não é

estratificadora da amostra.

As amostras de fala das comunidades aracruzenses foram construídas por meio de

entrevistas realizadas com oito informantes de PB-L1 nascidos e/ou criados no município de

Aracruz (tendo chegado à localidade até os dois anos de idade). Com apenas uma faixa etária,

de 20 a 45 anos, essa amostra foi estratificada em sexo – com quatro informantes do sexo

masculino (M) e quatro do sexo feminino (F), divididos em dois níveis de escolaridade: dois

homens e duas mulheres com até o ensino fundamental completo, e dois homens e duas

mulheres com o ensino médio em diante, como mostra o quadro abaixo:

Page 74: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

73

Quadro 06 – Descrição da amostra de Santa Cruz e Coqueiral de Aracruz.

ESCOLARIDADE HOMEM MULHER

ENSINO FUNDAMENTAL

0 – 8 anos

02 02

ENSINO MÉDIO

9+ anos

02 02

Já na amostra Guarani, diferentemente do que aconteceu na amostra de Aracruz, os

informantes foram organizados em função das variáveis escolaridade, sexo e idade, após a

coleta dos dados. Isso ocorreu devido à dificuldade de conseguir informantes nas aldeias

pesquisadas, o que impossibilitou a seleção dos indivíduos de acordo com características

previamente definidas. Os Guarani do Espírito Santo costumam ser tímidos e avessos a

conversas longas em língua portuguesa com pessoas estranhas à comunidade.

Nas aldeias, os caciques e professores é que desempenham o papel de contar aos

visitantes sobre a história e a cultura do povo; os demais Guarani, geralmente, se limitam à

venda de artesanatos. Foram 12 visitas realizadas entre os anos de 2012 e 2016 e, mesmo tendo

sido guiados e apresentados pelos caciques, deparamo-nos mais de uma vez com a mesma

alegação: “não sabemos falar direito o português”. Além disso, por não serem aconselháveis as

visitas noturnas, uma vez que esse é o momento que os índios reservam para suas práticas

religiosas, realizamos nossas visitas durante o dia – horário em que estavam ocupados com o

trabalho, as tarefas domésticas ou com a escola. Em vista disso, entrevistamos todos os índios31

que se dispuseram a participar das entrevistas, o que implicou a existência de células vazias e a

distribuição desigual de falantes por célula, como veremos adiante.

Diante do exposto, na variável sexo, temos duas células – masculino (M) e feminino (F)

– com oito informantes em cada uma delas. A variável etária foi dividida em três faixas: faixa

1, jovens (20 – 40 anos); faixa 2, intermediários (41 – 59 anos) e faixa 3, mais velhos (+60

anos); e os entrevistados se distribuem como oito, seis e dois informantes respectivamente em

cada uma delas. Assim como a variável faixa etária, a escolaridade foi dividida em três níveis:

31 No total, foram 17 informantes; mas o contato de um deles com o espanhol configurou-se como um impedimento

para que ele fizesse parte de nossa amostra de PB-L2. Sua entrevista, contudo, além de ter sido a única

oportunidade que tivemos de conversar com um senhor Guarani com mais de 60 anos, serviu-nos para que

conhecêssemos mais sobre a história e a cultura desse povo.

Page 75: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

74

nível 1 – até a 5ª série (6 informantes); nível 2 – da 6ª série até o fundamental completo (3

informantes) e nível 3, ensino médio em diante (7 informantes). No total, foram coletados os

dados de 16 informantes Guarani residentes nas aldeias indígenas do Espírito Santo,

identificados conforme o quadro abaixo:

Quadro 07 – Descrição da amostra Guarani.

Até a 5ª série

+6ª série e fund.

Completo

Ensino médio em

diante TOTAL

M F M F M F

20 – 40 - - 1 1 3 3 8

41 – 59 2 2 1 - 1 - 6

+60 anos - 2 - - - - 2

TOTAL 6 3 7 16

Esgotadas as possibilidades de constituição da amostra Guarani, dada a dificuldade de

encontrar indivíduos que se dispusessem a serem gravados, e conhecendo o perfil de mobilidade

dos falantes para fora da aldeia, procurou-se estabelecer uma organização dos falantes em

função do grau de contato com falantes do português como L1. Nos estudos realizados em

outras comunidades de fala indígenas, a exposição dos falantes à segunda língua tem se

configurado como um fator relevante na análise dos estágios aquisitivos em que esses

informantes se encontram (EMMERICH, 1984; PAIVA, 1997; LOUREIRO, 2005; VEIGA,

2014).

Emmerich (1984), em seu estudo pioneiro com os índios do Parque Nacional do Xingu,

no Mato Grosso, constatou que a proximidade das aldeias em relação aos núcleos de difusão do

português de contato, a frequência com que esses índios visitam esses núcleos e o número de

visitantes que recebem em suas aldeias se refletem no grau de fluência desses falantes no

português xinguano. Paiva (1997), por exemplo, investigando a variação e a aquisição do traço

de sonoridade na fala de 14 indígenas de diferentes etnias também do Alto Xingu, analisou a

frequência do contato extraparque (± contato) e Veiga (2014) associou o silenciamento da

língua materna Guarani na aldeia do Pico do Jaraguá, localizada na zona Oeste da capital de

São Paulo, às crescentes situações de contato dos índios com a comunidade de entorno.

Diante de resultados de pesquisas como essas, surgiu a necessidade de analisarmos os

nossos dados de PB-L2 de acordo com as complexas situações de contato dos Guarani com os

Page 76: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

75

falantes da língua majoritária, o português brasileiro. Essa variável, que denominamos “grau de

contato”, foi, então, dividida em três níveis: baixo (4 informantes), moderado (5 informantes)

e alto (7 informantes), distribuídos da seguinte forma:

Quadro 08 – Informantes por sexo e grau de contato.

Baixo Moderado Alto

M - 2 6

F 4 3 1

Foram localizados no grau baixo de contato os indivíduos de baixa escolaridade que se

aventuram pouco fora das aldeias e que evitam a interação com os turistas que costumam visitar

as terras indígenas. No grau moderado, estão os falantes que trabalham e moram dentro das

aldeias, mas fizeram parte/todo o ensino médio fora delas. Já o grau alto compreende os Guarani

que, independentemente da escolaridade, estão diretamente envolvidos com o ativismo

indigenista dando palestras fora e dentro das aldeias, além daqueles envolvidos em casamentos

exogâmicos com falantes nativos de PB. Com o objetivo de tornar essa variável menos

subjetiva, essa classificação se baseou na seguinte escala formulada com base em estudos

anteriores realizados durante o mestrado no período de 2012 a 2014:

Page 77: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

76

Quadro 09 – Escala para grau de contato.

ESCALA PARA GRAU DE CONTATO

CONDIÇÃO PONTOS

1 Sempre viveu em aldeias da comunidade étnica de que é nativo. 0

2 Não viaja. 0

3 Não frequenta grupos de falantes nativos da língua de contato. 0

4 O trabalho se circunscreve ao ambiente doméstico, à roça e/ou à fabricação de

artesanatos. 0

5 Relacionamento estável endogâmico, solteiro ou viúvo/divorciado de

relacionamentos endogâmicos. 0

6 Não possui vínculo afetivo com falantes nativos da língua de contato. 0

1 Morou por um período menor ou igual a 6 meses fora da comunidade em que

é nativo. 1

2 Viaja para outras aldeias da qual é nativo. 1

3 Frequenta grupos de falantes nativos da língua de contato esporadicamente. 1

4 O trabalho se circunscreve ao serviço público dentro da aldeia e/ou à venda

de artesanatos. 1

5

Relacionamento estável endogâmico, solteiro ou viúvo/ divorciado de

relacionamentos endogâmicos, mas com histórico de relacionamentos

exogâmicos passageiros/ocasionais.

1

6 Possui parentesco de +2º grau e/ou laços de amizade com falantes nativos da

língua de contato. 1

1 Morou por um período maior que 6 meses fora da comunidade de que é nativo. 2

2 Viaja para outras aldeias e para comunidades de falantes nativos da língua de

contato. 2

3 Frequenta grupos de falantes nativos da língua de contato com frequência. 2

4 Trabalha fora da aldeia em que vive em comunidades de falantes nativos da

língua de contato. 2

5 Relacionamento estável exogâmico ou viúvo/divorciado de relacionamento

exogâmico. 2

6 Possui parentesco de 1º grau e laços de amizade com falantes nativos da língua

de contato. 2

BAIXO 0 a 3 pontos

MODERADO 4 a 6 pontos

ALTO 7+ pontos

Em Calazans (2014), pude avaliar quais os fatores que, em uma situação de contato

linguístico, podem levar à manutenção, à substituição ou à perda de uma língua minoritária.

Dentre os fatores arrolados naquela pesquisa, estavam: os domínios em que as línguas eram

usadas; a transmissão intergeracional da L1; as atitudes linguísticas; os instrumentos midiáticos;

a escola; a religião; os casamentos interétnicos e a mobilidade social.

Com base nesses critérios, estabeleci, para a presente pesquisa, seis questões que

pudessem avaliar o grau de contato de cada um dos informantes participantes da análise: as

Page 78: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

77

duas primeiras avaliam a mobilidade social; a terceira e a quarta controlam o que denominamos

de apoio institucional – escola, religião, instrumentos midiáticos e organizações socioculturais;

as duas últimas, por sua vez, dizem respeito às relações de afeto tanto com índios quanto com

não-índios.

Cada uma dessas questões, como mostra a escala, possui uma possibilidade de resposta

para cada um dos três graus aqui representados: baixo, médio e alto; e cada resposta possui a

sua respectiva pontuação dentro do grau de que faz parte. Assim, respostas de grau baixo de

contato não pontuam; respostas de grau moderado equivalem a 1 ponto e respostas de grau alto,

a 2 pontos. Considerando que uma escala possibilita níveis distintos de gradiência,

consideramos falantes de grau baixo de contato aqueles que obtivessem de 0 a 3 pontos; falantes

de grau moderado, aqueles que somassem de 4 a 6 pontos; e falantes de grau alto os que

apresentassem o resultado maior ou igual a 7 pontos.

Cabe lembrar que, conforme supracitado, nem todas as células foram preenchidas como

era esperado. Nossos informantes se distribuem, então, da seguinte forma:

Quadro 10 – Descrição individual dos informantes da amostra Guarani.

SEXO/ INFORMANTE IDADE ESCOLARIDADE GRAU

F1 61 anos Analfabeta Baixo

F2 70 anos 2º ano do EF Baixo

F3 22 anos 7º ano do EF Baixo

F4 24 anos 1ª série do EM Moderado

F5 43 anos 5º ano do EF Moderado

F6 20 anos 1ª série do EM Alto

F7 18 anos EM incompleto Moderado

F8 46 anos Analfabeta Baixo

M1 48 anos EF completo Alto

M2 43 anos EM completo Alto

M3 47 anos 3º ano do EF Alto

M4 21 anos EM completo Moderado

M5 22 anos EF completo Moderado

M6 39 anos ES completo Alto

M7 18 anos ES incompleto Alto

M8 53 anos 8º ano do EF Alto

Page 79: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

78

Embora o ideal fosse que todas as células tivessem sido preenchidas de maneira

homogênea, acreditamos que nossa amostragem não só dá conta de representar a comunidade

de fala pesquisada, como também permitirá que novas pesquisas sejam realizadas por meio

dela, sejam elas linguísticas ou sociais. Assim, das variáveis sociais, elencamos as seguintes

hipóteses: 1) quanto mais alto o grau de contato, maior a probabilidade de realização das marcas

de concordância no verbo; 2) a escolaridade favorece a realização das marcas de concordância

devido a sua condição socializadora e por apresentar aos falantes as formas de uma variedade

prestigiada do português brasileiro e 3) os homens realizam mais a variante prestigiada do que

as mulheres devido aos papéis desempenhados pelos mesmos dentro da comunidade Guarani e

porque são eles que têm maior contato com o PB. Essas hipóteses estão fundamentadas em

características observadas em nossas visitas às comunidades Guarani, nas entrevistas realizadas

tanto com informantes de PB-L1 quanto de PB-L2 e na teoria (cf. CICCARONE, 1996; TEAO,

2009, 2015; MORELLO; SEIFFERT, 2011; CARVALHO, 2013; MARCILINO, 2014).

Nas aldeias Guarani em território capixaba, as principais fontes de subsistência são a

agricultura – com o cultivo de milho, mandioca, banana, batata-doce dentre outros – e a

comercialização de artesanatos o que implica o contato constante com a comunidade de entorno

e, consequentemente, mais uso da língua portuguesa. É consenso entre os informantes de nossas

amostras, contudo, que os Guarani só falam português com não-indígenas. Muitas vezes, essa

atitude é interpretada como uma forma de resistência até mesmo por falantes nativos do PB-L1,

como mostra o excerto abaixo:

(...) o que chamava a atenção mesmo é as duas filhas do cacique que estudavam. Elas

ficavam só conversando na língua indígena... Elas não gostavam de falar o português.

Aí até chega a ser uma resistência. Elas sabiam, mas não falavam... Assim, só quando

extremamente necessário. (Inf. F5/PB-L1).

Segundo o Inventário da Língua Guarani Mbyá, organizado pelo IPOL (MORELLO;

SEIFFERT, 2011), nas aldeias Guarani do Espírito Santo, 100% dos indivíduos entrevistados32

declararam falar a língua Guarani no lar – apenas dois, dos 29 informantes, declararam falar

Guarani e Português – e 100% declararam que têm intenção de transmitir a língua materna

indígena para filhos, netos e bisnetos, revelando um alto grau de valorização da língua nativa e

da identidade pelos falantes. Em nossa amostra de PB-L2, os informantes também declararam

terem aprendido a língua portuguesa apenas na escola ou durante a adolescência, conforme

32 Participaram desse Inventário 29 informantes Guarani pertencentes a 12 núcleos familiares residentes em 5

aldeias localizadas em Aracruz, Espírito Santo.

Page 80: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

79

ilustra o excerto abaixo ratificado pelo excerto de uma informante de PB-L1 – ambos retirados

de nosso banco de dados:

Eu sou o liderança do povo desde catorze anos (...). Eu fiquei ali com os mais velho

cacique liderança... Ia pra Brasília... Quando eles discutia sobre território, eu

acompanhava, ouvia, né? Então daí eu fui aprendendo também em falar em Português

né... Aí hoje tô aqui. (...) Ante num tinha esse conhecimento do pessoal de fora, né...

(...) tinha vergonha né de falar em Português e tal, mas depois que eu acompanhei meu

tio ir pra Brasília conversar com autoridade, deputado e outros, daí eu aprendi né a

falar o português. (Inf. M8/PB-L2)

(...) eles, igual eu falei, eles entre eles, eles só conversam Guarani. Acho que eles usam

português mesmo só na escola ou quando vão na rua falar com outra pessoa. Agora,

entre eles mesmos, mantêm a língua deles. (...) Eles começam a aprender na escola a

falar mesmo no convívio com as pessoas lá, porque igual (...) as criança não vão na

escola, eles ainda falam guarani, eles não falam português certinho. Aí eles vendem

os artesanato deles, aí eles oferece, mas é bem difícil você entender ele falar alguma

coisa. É mais no Guarani mesmo que eles conversam, as criança. (Inf. F6/PB-L1)

Merece destaque, no primeiro excerto, a timidez relatada pelo informante M8 que,

conforme supracitado, foi nosso maior obstáculo na constituição da amostra de PB-L2. Nas

comunidades Guarani pesquisadas, existem basicamente dois tipos de moradia: as de alvenaria,

localizadas principalmente no centro das aldeias e próximas à rodovia; e as de pau-a-pique, que

se localizam, em sua maioria, no interior do território indígena – consideradas a melhor

alternativa para os índios que preferem viver dentro da mata e longe do barulho da rodovia. Em

nossas visitas, pudemos observar que muitos dos Guarani residentes nas casas de alvenaria

pertencem ao núcleo familiar dos caciques e desempenham o papel de interlocutores com a

sociedade envolvente. No interior das aldeias, praticamente não conseguimos informantes – à

exceção de dois idosos, todos se recusaram a nos conceder entrevistas. Essa situação também

foi relatada em nossa amostra:

Quando eu tinha quatorze ano, eu ainda não falava legal português. Eu era muito

arisco. Eu vivia mais dento da aldeia do que fora. Quando chegava gente, eu me

escondia; eu ficava atrás da minha bisavó, da minha bisavó, entendeu? Eu ficava atrás

da casa olhando, mas depois é que começou... Então né eu entrei na escola e comecei

a estudar com quinze e dezesseis anos ((risos)). (...) Tem alguns indígena Guarani que

ainda mora mais pra dentro da mata, que procura assim pra não ser incomodado, já

num fala a língua do Português; então eles mora mais um pouco retirado. Tem casas

aí que, se você chegar e percebendo que você não é indígena, eles ficam dentro de

casa e não sai pra atender nada. Alguns até tá ali conversando e tal e vê que tá vindo

alguém, eles procuram se afastar, entendeu? (Inf. M2/PB-L2)

A diferença nos papéis sociais desempenhados por homens e mulheres, por sua vez,

além de ter se evidenciado durante a constituição da amostra e, consequentemente, no número

Page 81: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

80

de dados de falantes de cada sexo, é atestada no aporte teórico sobre as comunidades Guarani

localizadas no Espírito Santo. Segundo Teao (2015), “existem relações assimétricas de poder

entre homens e mulheres Guarani; principalmente no que tange aos costumes e à conservação

das tradições, espera-se da mulher que ela seja obediente ao marido e cuide dos afazeres

domésticos” (p. 148). A pesquisadora descreve que, nas reuniões, as mulheres ficam mais

caladas e os homens se expressam com mais frequência já que detêm o poder de decisão. Teao

(2015) afirma ainda que até, a década de 1990, era muito comum as mulheres indígenas pararem

de estudar na quarta série do ensino fundamental para assumirem afazeres domésticos advindos

do casamento.

Em se tratando da escola, Carvalho (2013), diretor Guarani da EMPI33 Três Palmeiras,

destaca que a pressão exercida pela cultura não-indígena fez com que os Guarani acabassem

aceitando esses estabelecimentos de ensino dentro das aldeias. O ensino regular ofertado pelo

governo ainda não é bem visto por alguns de nossos informantes; ainda que o ensino

fundamental seja ofertado por professores indígenas, há relatos de que a escola é uma ameaça

à manutenção da cultura Guarani.

Outro fator importante é a presença dos meios de comunicação dentro das aldeias em

suas variadas formas, como a televisão, o rádio e a internet. Sabe-se que os instrumentos

midiáticos são importantes difusores ideológicos e culturais, ditando moda e os mais variados

comportamentos; nas aldeias Guarani estudadas, por exemplo, foi comum encontrarmos

adolescentes de cabelos tingidos e cortados no mesmo estilo do jogador de futebol Neymar, o

que evidencia a influência da mídia em seus costumes. Relatos de desagrado a respeito desses

jovens foram registrados em nossa amostra independentemente da idade do entrevistado

evidenciando a existência de núcleos mais conservadores da cultura e da tradição Guarani

nessas comunidades. Merece destaque o fato de que muitos Guarani têm acesso à internet

apenas da EMPI Três Palmeiras, que é localizada no centro da aldeia; além disso, muitos

informantes relataram que utilizam as redes sociais para se comunicarem com pessoas de

mesma etnia residentes em outros Estados.

33 Escola Municipal Pluridocente Indígena.

Page 82: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

81

5.2.2.3 As variáveis linguísticas

As variáveis independentes, como já vimos, podem ser de natureza interna ou externa à

língua estudada; e, de acordo com a teoria da variação, ambas exercem pressão sobre os usos

favorecendo ou inibindo sua ocorrência (LABOV, 1972; CHAMBERS, 2003)34. Em vista disso,

no intuito de investigar o comportamento da variável dependente supracitada, analisamos as

seguintes variáveis linguísticas:

1) Posição, distância e realização do sujeito

Conforme apresentado no capítulo 4, as pesquisas variacionistas que analisam o

fenômeno da concordância verbal na terceira pessoa do plural apontam que a presença, a

distância e a posição do sujeito têm uma forte influência na realização da marca explícita de

número e de pessoa no verbo. De acordo com Naro (1981) e Scherre e Naro (1997), o sujeito

anteposto e próximo ao verbo favorece a realização da concordância, ao passo que o sujeito

posposto e distante a desfavorece. Isso se dá porque a ausência de marcação explícita de 3ª

pessoa do plural é mais perceptível para os interlocutores quando o sujeito está na posição à

esquerda do verbo e imediatamente próximo a ele. Trata-se, segundo os pesquisadores, de um

efeito uniforme que independe do grau de escolaridade dos falantes (SCHERRE; NARO, 1997).

Tal assertiva pôde ser confirmada em inúmeros estudos como verificamos no capítulo anterior

(SCHERRE; NARO, 1997, 1998, 2007; VIEIRA, 1997; SILVA, 2005; MONGUILHOTT,

2009; MASCARELLO, 2010; BENFICA, 2016).

Assim, em nossa pesquisa, considerando a hipótese de que a posição de proeminência

tópica, à esquerda do verbo, e o número reduzido de elementos intervenientes entre o sujeito e

o verbo possibilitam o aumento na realização explícita da concordância, controlamos essa

variável tendo em vista tanto a posição do sujeito em relação ao verbo quanto a quantidade de

material fônico que os separa. Pensando nisso, para a verificação dessa variável em nossa

amostra, organizamos o seguinte grupo de fatores com base em Scherre e Naro (1997):

a) Sujeito imediatamente anteposto ao verbo;

34 Por variável dependente, entendemos aquelas variáveis cujo emprego de suas variantes não ocorre de maneira

aleatória, mas condicionado por grupos de fatores, denominados variáveis independentes, que podem ser de

natureza estrutural ou social tais como os analisados no presente trabalho (LABOV, 1972; CHAMBERS, 2003).

Page 83: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

82

• Inf. M1/PB-L2: (...) porque eles INVENTARAM muitas coisa (variante

explícita)

• Inf. M2/PB-L2: (...) os índios podiam ir pra onde que eles QUISESSE (variante

zero)

b) Sujeito anteposto distante de 1 a 4 sílabas do verbo;

• Inf. M2/PB-L2: (...) os meus netinhos tamém TÃO no peitibook (variante

explícita)

• Inf. M2/PB-L2: (...) nada alguns até TÁ ali conversando e tal e vê que tá vindo

alguém eles procuram se afastar (variante zero)

c) Sujeito anteposto distante 5 ou + sílabas do verbo;

• Inf. M2/PB-L2: (...) os soldados portugueses por sua vez eh QUERIAM atacar

as missões (variante explícita)

• Inf. F4/PB-L2: (...) algumas índias de outra aldeia CASA (variante zero)

d) Sujeito posposto ao verbo;

• Inf. M2/PB-L2: (...) então cercaro as missões e começaro atacar em pocos em

pocas horas MORRERAM muito índios porque eles usaro canhão (variante

explícita)

• Inf. M2/PB-L2: (...) tanto é que na língua portuguesa que se fala aqui no Brasil

EXISTE várias palavras em guarani (variante zero)

e) Sujeito nulo com referente próximo (até dez orações);

• Inf. M1/PB-L2: (...) não é porque eles são mais sábio de que a gente eh minha

avó sempre dizia assim INVENTARO o avião (variante explícita)

Page 84: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

83

• Inf. M2/PB-L2: (...) mas isso tem interferido muito porque muitas pessoas estão

deixando de ir na casa de reza e PREFERE ficar em casa vendo filme (variante

zero)

f) Sujeito nulo com referente distante (acima de dez orações).

• Inf. M2/PB-L2: (...) os soldado espanhóis viero e aí então cercaro as missões e

começaro atacar; em pocos/em pocas horas morreram muito índios, porque eles

usaro canhão, usaram arma de fogo e tal e aí os índios tinha pouca arma, né?

Eles conseguiram/os índios conseguiram pegar algumas armas enquanto os

soldado dormiam, entendeu? Mas foi pouca, né? E aí usaro arco e flecha e tal.

Então, assim, o Sepé Tiaraju foi o último a resistir até a morte, né? Alguns foram

levado como escravo e o Sepé Tiaraju foi cercado pelos soldado espanhóis e e:

os portugueses. E aí eles o o: Sepé Tiaraju foi morto num/pel’uma arma de um

soldado espanhol. Então, assim, eh: os que conseguiro se refugiar nas matas

esses então conseguiro sobreviver.

Desses filhos, é que existe nós aqui e que guardamos também essa

história ridícula da parte do do do dos ambiciosos que são os brancos, né? Que

são os portugueses e os espanhóis eh: eh:: com sede de ouro com sede de

grandezas essas coisa toda. Eh: mesmo assim resistimos aí e estamos vivos e

conhecemos a história. Então sabemos de onde viemos, quem somos nós e para

onde devemos ir. Eh eh:: hoje, existe graças a Deus, né? Porque Deus sabe que

o povo indígena Guarani são um povo muito espiritualizado, né? Na parte da

natureza, conhece muito dos mandamentos de Deus do criador, né? E tem muito

respeito pela floresta, pelos rio, pelas pessoas, né? Então por isso que Deus

também poupou a vida da: dos indígena guarani. Então, cada vez mais estamos

forte; lógico, ficamos empobrecido um pouco porque TIRARAM de nós a nossa

liberdade né, mas a gente estamos conseguindo por mais difícil que seja

resolver/sobreviver eh a todo esse ataque né (variante explícita)

• Inf. M5/PB-L2: (...) os pai não desconfiava da criança que tava sumindo carne

pedaços por noite assim, né? Aí os pai sempre eh: ficava se perguntando um pro

outro: por que que a carne tá sumindo? Criancinha não tá bem. O morador mais

próximo que eh: tinha perto deles era daqui a que nem o bairro ali de Coqueiral,

Page 85: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

84

né? À noite, era difícil andar que era só mato, dava medo, né? Aí ficava sem

saber. Aí o pai ia caçar, trazia caça, deixava ali; aí, de manhã, olhava já tinha um

pedacinho só de novo. Aí a criancinha se sentindo mal tipo assim de dia. Aí teve

uma vez né que chegou o pajé, o curandeiro da aldeia, eh foi olhar né na criança

que não se sentia bem. Mas só de dia que num se sentia bem, por que, né? Aí

falou pro pai né eh:: que não tava respeitando o tempo direito direito assim, né?

Tipo, pra nós que quando a mulher tá grávida eh:: não pode tá caçando

direto, nem pescando direto, porque a mãe natureza vai querer trocar eh: a:: o

espírito da caça ou da pesca por espírito da criança. Vai trocar, né? Vai querer

trocar... Por isso que não pode estar pescando direto, direto, direto; nem

caçando... Aí falou com o pai da criança assim, né? Eh:: não durmam essa noite

pra você verem eh: de que que tô falando. Pra vocês/pra vocês saberem isso...

Aí foi isso que o pai fez, né? Deixou a/uma cama separada assim pra criança, ele

ficava com a mulher dormindo. Fingindo né tá dormindo. Aí a:: a mulher dormia

de verdade memo, o home ficava ali só observando né... Trouxe a caça, pendurou

ali em cima da fogueira de novo. Aí criancinha levantava né, sentava assim,

ficava olhando pros pai assim, que fingia estar dormindo, aí descia: descia da

cama, já ia se transformando assim eh:: já saía o rabo eh:: orelha, já mudava. Aí

nascia os pelo também, já se transformava pra: pra ir pegar carne de novo.

Aí o pai viu aí chamou a mulher né pra: pra ir pra casa do curandeiro

perguntando como é que pode estar acabando com:: pra: pra batar a onça, né?

Que toda onça que foi transformado de humano, sempre mais forte. Aí o

curandeiro falou “só queimando memo pra matar, porque nem nem lança nem

arco de flecha perfura o couro da onça que se transformou”. Aí falou que tinha

tinha uma madeira específica memo pra acabar com esse tipo de bicho, mas só

que essa madeira ficava longe também. Aí a saída que tinha era queimar a casa

junto junto com o bebezinho que de dia eh: fingia ser bebê, né? Aí colocaro fogo

assim em volta da casa, aí o bebezinho começava a chorar né, tipo uma

criancinha memo; só que depois já ia uivando já, tipo uma onça já, e assim

MATOU né a onça (variante zero)

Page 86: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

85

2) Saliência fônica

Em se tratando da saliência fônica, os resultados das pesquisas linguísticas evidenciam

que as oposições singular/plural mais salientes são mais facilmente perceptíveis para os

falantes. Assim, quanto maior a diferença do material fônico nessas oposições, maiores as

chances de ocorrer a realização da marca explícita de plural (NARO; LEMLE, 1976; LEMLE;

NARO, 1977; NARO, 1981; SCHERRE; NARO, 1997).

A partir do estudo de uma amostra de dados de falantes semianalfabetos, Naro (1981)

estabeleceu uma hierarquia da saliência com base em dois critérios: (1) acentuação na

desinência verbal e (2) o quantitativo de material fônico que diferencia as formas singular e

plural, sendo que o primeiro critério foi subdividido em dois níveis com três categorias cada.

No nível 1, que se refere à oposição não-acentuada, encontramos as seguintes

categorias: a) não ocorre mudança na qualidade da vogal na forma plural (conhece/conhecem);

b) ocorre mudança na qualidade da vogal na forma plural (ganha/ganham); e c) há acréscimo

de segmentos no plural (diz/dizem). No nível 2, por sua vez, temos: a) a mudança ocorre

somente na qualidade da vogal na forma plural (está/estão); b) há o acréscimo de segmentos,

mas não há mudança vocálica na forma plural (bateu/bateram); e c) envolve mudanças e

acréscimos de segmentos na forma plural (veio/vieram) (SCHERRE; NARO, 1997). Cabe

ressaltar que esses níveis estão em ordem hierárquica e que os níveis mais baixos de saliência

(nível 1) desfavorecem a concordância, enquanto os mais altos – mais salientes (nível 2) – a

favorecem.

Assim, tendo em vista essa escala de seis níveis postulada por Naro (1981),

apresentamos os exemplos de cada um dos fatores35 para essa variável:

NÍVEL 1 (oposição não acentuada)

a) Não envolve mudança na qualidade da vogal na forma plural;

• Inf. M2/PB-L2: (...) eles CONSEGUEM saber quando uma mulher tá grávida

(variante explícita)

• Inf. M6/PB-L2: (...) alguns professores ainda não CONSEGUE separar

classificar (variante zero)

35 Os fatores de cada nível foram retirados de Scherre e Naro (1997, p. 96-97).

Page 87: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

86

b) Envolve mudança na qualidade da vogal na forma plural;

• Inf. M2/PB-L2: (...) os jovens JOGAM bola dia de sábado e domingo (variante

explícita)

• Inf. M2/PB-L2: (...) os índio não BRIGA não por causa de jogo (variante zero)

c) Envolve acréscimo de segmentos na forma plural.

• Inf. M2/PB-L2: (...) as pessoas FAZEM os tratado assim sem comunicar a gente

(variante explícita)

• Inf. M1/PB-L2: (...) às vez quando diz assim ah os índio não FAZ progresso é

porque são incapaz (variante zero)

NÍVEL 2 (oposição acentuada)

a) Envolve apenas mudança na qualidade da vogal na forma plural;

• Inf. M2/PB-L2: (...) quando eles VÃO fazer a cura as coisas se materializa na

mão deles (variante explícita)

• Inf. M2/PB-L2: (...) os brancos VAI lá e paten/patenteia né o conhecimento do

índio (variante zero)

b) Envolve acréscimo de segmentos sem mudanças vocálicas na forma plural;

inclui o par foi/foram que perde a semivogal;

• Inf. F7/PB-L2: (...) as pessoas PENSARAM diferente (variante explícita) • Inf. M3/PB-L2: (...) váris índio hoje cabô com sua língua né... eis PERDEU

tudo (variante zero)

c) Envolve acréscimo de segmentos e mudanças diversas na forma plural:

mudanças vocálicas na desinência, mudanças na raiz e até mudanças completas;

Page 88: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

87

• Inf. M1/PB-L2: (...) essas pessoa que FIZERO o Brasil (variante explícita) • Inf. M1/PB-L2: (...) os povos indígena e o povo afro é que FEZ toda essa riqueza

(variante zero) • Inf. M2/PB-L2: (...) os cacique SÃO reis (variante explícita) • Inf. M3/PB-L2: (...) a dança do guerreiro a gente chama de tchondaro né nós

temo outros mai que É pras menina né (variante zero)

3) Caracterização semântica do sujeito

As pesquisas sociolinguísticas apontam que, no que diz respeito ao traço [± animado],

o sujeito de traço semântico [+ animado] favorece mais a realização da marca de concordância

nos verbos de terceira pessoa do plural que o sujeito de traço semântico [- animado]

(SCHERRE; NARO, 1998, 2007; VIEIRA, 1997; SCHERRE; NARO; CARDOSO, 2007;

LUCCHESI; BAXTER; SILVA, 2009; MONGUILHOTT, 2009; MASCARELLO, 2010;

MONTE, 2012; VIEIRA; BAZENGA, 2015). Entendemos que os traços [± animado] e [±

humano] estão intrinsecamente entrelaçados. Segundo Mascarello (2010), por exemplo, “se o

sujeito faz referência a um ser humano, ou a um ser animado, maior é o uso da regra de

concordância verbal e quando o sujeito não se refere a humano ou o traço de animacidade é

menor, é menor também a aplicação dessa mesma regra” (p. 67). Dessa forma, no entendimento

dessa variável, retomaremos os estudos de ambos os traços sempre que for necessário. Assim,

temos nesse grupo dois fatores:

a) Traço [+ animado];

• Inf. M3/PB-L2: (...) eles VÃO ter mais um espaço melhor e: tem um lugar

melhor pra estar estudando (variante explícita)

• Inf. F4/PB-L2: (...) as criança APRENDE o português quando vão pra escola

(variante zero)

b) Traço [- animado];

Page 89: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

88

• Inf. M2/PB-L2: (...) as coisas MUDAM e aí às vezes é pra renovar né que são

males que vêm pro bem (variante explícita)

• Inf. M1/PB-L2: (...) em alguma região aonde tem mais preconceito com os

povos indígeno que desarrespeita mais a natureza então esses lugare VAI sofrer

mais ainda (variante zero)

Tendo em vista que em Guarani a marcação de plural no verbo ocorre apenas com nomes

contáveis (DOOLEY, 2013), como vimos no capítulo anterior, julgou-se pertinente verificar se

esse traço semântico influencia ou não a realização explícita da concordância verbal de 3ª

pessoa do plural no PB-L2 dos falantes Guarani do Espírito Santo. A hipótese para esse traço

do sujeito é que nomes contáveis condicionariam a marcação do plural no verbo, ao passo que

nomes não-contáveis desfavoreceriam a marcação explícita de concordância.

c) Traço [contável];

• Inf. M2/PB-L2: (...) quando os peixe TÃO botando os ovinhos (variante

explícita)

• Inf. M2/PB-L2: (...) como TAVA correndo muito os carros os índios

resolveram fazer uns quebra-molinha (variante zero)

d) Traço [não-contável].

• Inf. M2/PB-L2: (...) as coisas MUDAM e aí às vezes é pra renovar né que são

males que vêm pro bem (variante explícita)

• Inf. M2/PB-L2: (...) as coisas se MATERIALIZA na mão deles (variante zero)

4) Tempo verbal

A variável tempo verbal está diretamente ligada à saliência fônica, como atestam os

estudos de Vieira (1997); Scherre, Naro e Cardoso (2007) e Scherre e Naro (2010). Segundo

Vieira (1997), “supõe-se que os tempos verbais cujas formas são mais marcadas

fonologicamente favorecem a concordância” (p. 121). No presente do indicativo, por exemplo,

Page 90: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

89

a concordância de 3ª pessoa do singular se distingue da 3ª pessoa do plural apenas na

nasalização da vogal final (bate/batem); assim, a possibilidade da não-realização explícita da

concordância nesses verbos é maior do que em formas verbais do pretérito perfeito do indicativo

que envolve o acréscimo de segmentos (bateu/bateram).

Segundo os pesquisadores, a saliência é a única característica intrínseca do verbo

realmente relevante na realização ou não da marca explícita de concordância (SCHERRE;

NARO; CARDOSO, 2007). É a saliência fônica, de cunho cognitivo e perceptual, e não o tempo

verbal, um fator gramatical, que governa a variabilidade da concordância no português

(SCHERRE; NARO, 2010). Embora o tempo verbal tenha se mostrado uma variável que se

superpõe com a saliência fônica, como atestam os pesquisadores, ela continua sendo testada

nos mais diversos estudos e, por isso, decidimos testá-la na presente pesquisa também. Assim,

no intuito de verificar, em nossos dados, o que esses estudos atestam, selecionamos os seguintes

fatores para a nossa pesquisa:

a) Presente do indicativo;

• Inf. M2/PB-L2: (...) as coisas MUDAM e aí às vezes é pra renovar né que são

males que vêm pro bem (variante explícita)

• Inf. M2/PB-L2: (...) num SABE eles que aqui também samos eh: pessoas nobres

(variante zero)

b) Pretérito perfeito do indicativo;

• Inf. M2/PB-L2: (...) meu bisavô meu tataravô NASCERAM aqui nossos

ancestrais viviam aqui (variante explícita)

• Inf. M2/PB-L2: (...) os soldados portugueses por sua vez eh: queriam atacar as

missões só que os indígena FALOU não (variante zero)

c) Pretérito imperfeito do indicativo;

• Inf. M2/PB-L2: (...) na verdade eles TAVAM mentindo né (variante explícita)

• Inf. M2/PB-L2: (...) os padres FALAVA que era pecado andar nu (variante zero)

Page 91: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

90

d) Futuro;

• Inf. M7/PB-L2: (...) são fortes sabe pessoas fortes que PODERIAM estar dentro

da casa de reza por exemplo (variante explícita)

• Inf. M3/PB-L2: (...) a minha avó fez esse/essa caminhada pra marcando

território né até aonde os guarani PODERIA construir as aldeias (variante zero)

e) Tempos do subjuntivo.

• Inf. M5/PB-L2: (...) a casa de reza fica aberto né pras criança que QUISEREM

chegar (variante explícita)

• Inf. M5/PB-L2: (...) sempre tô falando pros pras crianças né quando CAIR na

risada quando meu irmão fala (variante zero)

5) Paralelismo formal

O princípio geral do paralelismo prediz que marcas levam a marcas e zeros levam a

zeros (SCHERRE; NARO, 1992, 1993; VIEIRA, 1997; SCHERRE, 1998; MONGUILHOTT,

2009; MONTE, 2012; VIEIRA; BAZENGA, 2015; BENFICA, 2016). Partindo desse

pressuposto, selecionamos, para esta pesquisa, duas dimensões do paralelismo, a saber:

paralelismo formal no nível discursivo – que diz respeito às marcas no verbo – e paralelismo

formal no nível clausal/oracional – que, por sua vez, se refere às marcas no sujeito.

Cabe ressaltar que por paralelismo entende-se a repetição de padrões que podem ser

linguísticos ou de outra natureza do comportamento humano (SCHERRE, 1998). Scherre

(1998) atesta que o paralelismo pode ser interpretado por um único princípio de base cognitiva

que possibilita que os seres humanos façam agrupamentos e formem blocos de acordo com

semelhanças formais. Tal assertiva se contrapõe ao princípio da economia linguística,

tradicionalmente evocado para explicar a variabilidade dos fenômenos que envolvem a

concordância, ou seja, fenômenos característicos por apresentarem a repetição de marcas

formais de mesma informação em suas estruturas (SCHERRE; NARO, 1993).

Assim, as hipóteses para este grupo de fatores são: 1) no nível clausal/oracional, espera-

se que sujeitos com marcas explícitas de plural levem a marcas de plural no verbo e que a

Page 92: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

91

ausência de marcas nos últimos elementos do sujeito leve à ausência de marcas nos verbos

correspondentes; e 2) no nível discursivo, espera-se que verbos marcados levem a marcas nos

verbos subsequentes e verbos não marcados provoquem a ausência de marcas nos verbos

seguintes (SCHERRE; NARO, 1993). Para tanto, foram selecionados os seguintes fatores para

cada um dos dois níveis aqui apresentados36:

A) Paralelismo oracional

a) Presença da forma de plural explícita (-s) no último elemento37;

• Inf. M1/PB-L2: (...) eles INVENTARAM muitas coisa (variante explícita)

• Inf. M1/PB-L2: (...) eles BRIGA lá dentro do congresso (variante zero)

b) Presença da forma plural zero no último elemento;

• Inf. M1/PB-L2: (...) muitas veze as pessoa não ENXERGAM as coisa (variante

explícita)

• Inf. M1/PB-L2: (...) outras pessoa FALA assim não é desequilíbrio ambiental

num é somente ambiental, desequilíbrio da vida social né (variante zero)

c) Presença de numeral no último elemento;

• Inf. M5/PB-L2: (...) a minha bisavó e a minha avó as duas SÃO finada já

(variante explícita)

• Inf. M6/PB-L2: (...) os dois fazer/trabalhar numa roça depois os dois FAZIA no

outro (variante zero)

d) Neutralização no último elemento;

36 Os fatores para cada nível da variável paralelismo formal foram retirados de Scherre e Naro (1993). 37 Os sintagmas preposicionados não foram analisados devido à sua pouca ou nenhuma ocorrência em ambos os

corpora do presente trabalho.

Page 93: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

92

• Inf. M1/PB-L2: (...) não é porque eles SÃO mais sábio de que a gente (variante

explícita)

• Inf. F4/PB-L2: (...) eles dá conselho bom pra nós eles SABE de muita coisa

(variante zero)

B) Paralelismo discursivo

a) Verbo precedido de verbo com marca formal de plural explícita no discurso do

falante ou do interlocutor;

• Inf. M1/PB-L2: (...) INVENTARO o avião, INVENTARO bomba, inventaro

arma, inventaro muitas coisa (variante explícita)

• Inf. M2/PB-L2: (...) então eles recuaro e FALARAM que não IA atacar mas na

verdade eles tavam mentindo (variante zero)

b) Verbo precedido de verbo com marca zero de plural no discurso do falante ou do

interlocutor;

• Inf. M1/PB-L2: (...) então eles recuaro e falaram que não IA atacar mas na

verdade eles TAVAM mentindo (variante explícita)

• Inf. M2/PB-L2: (...) alguns indígena guarani que ainda MORA mais pra dentro

da mata que PROCURA assim pra não ser incomodado já num FALA a língua

do português então eles MORA mais um pouco retirado (variante zero)

c) Verbo isolado ou primeiro de uma série.

• Inf. M2/PB-L2: As coisas MUDAM e aí às vezes é pra renovar né (variante

explícita)

• Inf. M1/PB-L2: Eis ENTENDE um pouco (variante zero)

Page 94: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

93

6. ANÁLISE DOS DADOS: A CONCORDÂNCIA VERBAL NO PORTUGUÊS L1 DOS

MORADORES DO DISTRITO DE SANTA CRUZ NO ESPÍRITO SANTO

No presente capítulo, será apresentada a análise dos dados coletados nas comunidades

não índias localizadas ao redor do território indígena, de acordo com os resultados estatísticos

obtidos com o auxílio do Goldvarb X (SANKOFF; TAGLIAMONTE; SMITH, 2005), do

pacote VARBRUL. Partimos da constatação de que a concordância verbal de 3ª pessoa do

plural, que nos propomos observar, é um dos aspectos da gramática do português brasileiro que

exibe, como já vimos, um amplo processo de variação e que, por isso, está no centro dos debates

acerca da importância do contato linguístico na formação da nossa realidade linguística

(LUCCHESI; BAXTER; SILVA, 2009).

De acordo com o que vem sendo apresentado neste trabalho, nosso objetivo é analisar a

realização da concordância verbal na 3ª pessoa do plural na fala dos Guarani residentes no

Espírito Santo. Visando a uma investigação mais aprofundada sobre o tema, contudo, é que nos

propomos também a mapear as comunidades de entorno das aldeias localizadas no referido

Estado, para verificar as seguintes questões: como se caracteriza o PB como L1 dos moradores

de Aracruz?; o percentual geral de concordância observado no estudo sobre o PB-L2 dos

falantes indígenas reflete o comportamento dos falantes do PB-L1 ou pode ser atribuído à

situação de aquisição de L2?; os condicionamentos da variação são os mesmos observados para

outras variedades do PB? Assim, para a análise dessas comunidades, foram levantados dados

de 8 informantes dos bairros Santa Cruz e Coqueiral de Aracruz, ambos localizados no Distrito

de Santa Cruz, em Aracruz – ES, vizinhos das aldeias indígenas estudadas.

Como consta em nossa metodologia, esses entrevistados se situam em uma só faixa

etária (20-45) e foram estratificados conforme o sexo e a escolaridade. Assim, temos: 4

informantes de 0 a 8 anos de escolaridade – dois homens e duas mulheres – e 4 informantes

com 9 ou mais anos de escolaridade, dois homens e duas mulheres. Todos os falantes nasceram

na região compreendida pela pesquisa ou residem na mesma desde os dois anos de idade, sem

terem residido, depois disso, em outra localidade.

Desse corpus, foram obtidos 926 dados de verbos com sujeito de 3ª pessoa do plural

codificados em oito variáveis independentes: posição e realização do sujeito; saliência fônica;

traço semântico do sujeito; tempo verbal; paralelismo oracional; paralelismo discursivo; sexo e

escolaridade. Cabe ressaltar que as ocorrências de verbos ligados a um sujeito de 3ª pessoa do

plural encontradas nas amostras – do distrito de Santa Cruz e das aldeias Guarani no Espírito

Santo – foram submetidas ao programa estatístico a fim de obtermos os resultados quantitativos

Page 95: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

94

que possibilitassem a análise variacionista pretendida por esta pesquisa, que leva em conta não

apenas o aporte teórico da Sociolinguística, mas também a realidade histórica e social das

comunidades estudadas, pois, como apontam os estudos na área, “(...) os processos variáveis da

concordância de número do português vernacular do Brasil evidenciam um sistema perfeito,

correlacionado a variáveis linguísticas e sociais” (SCHERRE; NARO, p. 94, 1997). Buscamos,

então, com base nos dados obtidos, demonstrar quais são os fatores linguísticos e sociais que

intervêm no processo aquisitivo a favor da (não) realização dessas marcas linguísticas.

Para melhor organizar a análise dos resultados encontrados nas referidas amostras,

decidimos apresentá-los em dois capítulos; neste, como já vimos, discutiremos os dados das

comunidades de entorno e, no próximo, analisaremos os resultados encontrados nas aldeias

Guarani – foco da nossa pesquisa; fazendo, sempre que necessário, referência aos resultados

obtidos para o PB-L1 dos falantes de Aracruz e de outras pesquisas já desenvolvidas na área.

Lembramos que o valor de aplicação escolhido é a realização da concordância de 3ª

pessoa do plural e que, como ocorre em outros estudos sobre esse fenômeno, nem todos os

dados encontrados em contextos de 3ª pessoa do plural serão por nós analisados, conforme

descrevemos em nossa metodologia.

Por último, antes da apresentação dos valores propriamente ditos, destacamos que os

resultados relativos a cada um dos grupos de fatores selecionados pelo programa estatístico

serão apresentados em quadros/tabelas com as três informações relevantes para a nossa

discussão, fornecidas pela plataforma: peso relativo, número de ocorrências e valor percentual.

Sempre que se fizer necessário, lançaremos mão também de gráficos com os pesos relativos

para que os efeitos de cada fator sejam melhor visualizados.

6.1 Nossos resultados

Na presente amostra, como supracitado, foram coletados 926 dados de verbos com

sujeito de 3ª pessoa do plural codificados em oito variáveis independentes – 6 linguísticas e 2

sociais, a saber: posição e realização do sujeito; saliência fônica; traço semântico do sujeito;

tempo verbal; paralelismo oracional; paralelismo discursivo; sexo e escolaridade, tendo, como

valor de aplicação escolhido, a realização explícita da marca de concordância verbal de 3ª

pessoa do plural no verbo.

Foi obtido um input de aplicação da realização da forma flexionada de 3ª pessoa do

plural de .61. Esse resultado indica que há uma probabilidade de .61 de ocorrência da marca

Page 96: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

95

independentemente da atuação de qualquer fator. O Gráfico 01 a seguir mostra a distribuição

das variantes obtida na amostra:

Gráfico 01 - Realização/ não realização da CV na 3ª pessoa do plural de falantes de PB-L1.

Total de ocorrências: 926/ Input: 0.61.

De acordo com o gráfico, observa-se a predominância de realização de formas verbais

marcadas nas comunidades do distrito de Santa Cruz, em Aracruz, no Espírito Santo. O

continuum com a frequência geral de aplicação das marcas de concordância nos verbos de 3ª

pessoa do plural das normas sociolinguísticas brasileiras desenvolvido por Lucchesi (2015) nos

serve como um importante ponto de partida na discussão desses dados, pois nos possibilita a

comparação com os resultados encontrados em outras pesquisas sobre o fenômeno.

Diante do exposto, é que selecionamos o trabalho de Benfica (2016), que analisou a

realização da concordância verbal em Vitória, capital do Espírito Santo, localizada a cerca de

60 km das comunidades pesquisadas. Nesse estudo, o percentual global de aplicação obtido

com dados do PORTVIX foi de 78,8% (BENFICA, 2016). Considerando que Santa Cruz é uma

localidade turística, que mais se assemelha a uma vila de pescadores, e que Coqueiral é um

bairro construído em 1970 para alojar moradores das empresas da região, o resultado de

aplicação dessas comunidades, apesar da distância percentual daquele encontrado na capital, as

localiza na categoria “norma urbana média” do continuum de Lucchesi (2015), assim como

Vitória. A diferença é que, diferentemente da capital do Estado, nessas comunidades a norma é

média baixa como mostra o quadro a seguir, extraído de Lucchesi (2015, p. 253):

57362%

35338%

Concordância Verbal

Realização Não realização

Page 97: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

96

Quadro 11 – Frequência geral de aplicação da regra de CV nas normas sociolinguísticas

brasileiras.

Norma Sociolinguística Frequência geral de aplicação da regra

Norma urbana culta 95%

Norma urbana média 80%

Norma urbana média baixa 65%

Norma popular urbana 50%

Norma popular rurbana 35%

Norma popular rural 20%

Fonte: LUCCHESI, 2015, p. 253.

Cabe lembrar que, como descrevemos no capítulo 3, esse continuum foi proposto

inicialmente por Lucchesi, Baxter e Silva (2009) com base nos índices gerais de aplicação da

concordância verbal de 3ª pessoa do plural de trabalhos de cinco variedades do PB-L1. Em

estudos realizados em comunidades de contato linguístico do sul do Brasil, contudo, sejam eles

de PB-L2 ou de comunidades de origem quilombola, foram encontrados resultados de aplicação

próximos aos das capitais da região Sudeste comparadas para a organização desse continuum

(LUCCHESI; BAXTER; SILVA, 2009; LUCCHESI, 2015). Welchen (2006), em sua análise

de falantes de PB-L2 no município de Missal, no Paraná, encontrou 87% de aplicação das

marcas de concordância no verbo; um índice muito próximo foi encontrado na comunidade

quilombola São Miguel dos Pretos, em Restinga Seca, Rio Grande do Sul, por Almeida (2006)

– nessa comunidade, a realização explícita de concordância verbal ocorreu em 80% dos dados.

Em estudos de PB-L1, esses índices se repetem. Monguilhott (2009), por exemplo,

analisando duas localidades urbanas e duas não-urbanas da cidade de Florianópolis, capital de

Santa Catarina, registrou 80,6% de ocorrências de verbos marcados na 3ª pessoa do plural. Até

mesmo na fala de crianças de classe baixa de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, foi

encontrado o índice de 79% de aplicação da regra de concordância verbal (SOARES, 2010).38

Enquanto os trabalhos da região sul, como supracitado, independente da comunidade de

fala pesquisada, apresentaram resultados que giram em torno dos 80 pontos percentuais, em

comunidades nordestinas encontramos índices extremamente opostos. Silva (2005), como já

vimos, em sua pesquisa realizada em comunidades do interior do Estado da Bahia, registrou um

índice de 17% de realização das marcas de concordância no verbo. Na comunidade quilombola

38 Todas as amostras dos trabalhos da região sul aqui apresentados são da década de 2000.

Page 98: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

97

Caiana dos Crioulos, localizada no município de Alagoa Grande, no agreste paraibano, Lima

(2010) também registrou 17% de índice de aplicação de concordância verbal.

Lucchesi (2015b), por sua vez, pesquisando variedades populares de Salvador, capital

da Bahia, contabilizou 623 ocorrências de verbos de 3ª pessoa do plural com a realização

explícita de concordância dentre os 2300 dados catalogados em sua amostra – um total de

27,1%. Isso demonstra que, à primeira vista, a polarização defendida pelos pesquisadores em

forma de continuum não é linear, uma vez que existem situações opostas tais como as

encontradas nas comunidades quilombolas do Rio Grande do Sul e da Bahia; e aponta a

importância de se observar as particularidades socioculturais e históricas de cada localidade

pesquisada para além da hipótese de transmissão linguística irregular, além de nos permitir uma

compreensão mais aprofundada do resultado encontrado em nossa amostra de PB-L1 das

comunidades de Aracruz.

Santa Cruz e Coqueiral de Aracruz, como vimos, têm perfil de comunidades

interioranas. Os próprios moradores dessas localidades, em nossas entrevistas, as definiram

como “um lugar no interior, mais sossegado” e destacaram a necessidade de se dirigirem com

frequência ao centro da cidade, localizado a cerca de 30 km, para realizarem tarefas comuns do

dia a dia, tais como ir ao banco e ao supermercado. Nosso resultado, no entanto, demonstrou

que a norma sociolinguística dessas comunidades está mais próxima daquela encontrada na

capital capixaba, como vimos no continuum, do que daquelas que exibem o mesmo perfil

sociolinguístico. Aventamos a hipótese de que isso se deve ao grau de contato dessas

comunidades com os turistas, uma investigação que poderá ser feita em pesquisas futuras com

uma amostragem maior que estratifique os informantes em outras variáveis sociais além de sexo

e escolaridade39.

Em prosseguimento à nossa análise, das oito variáveis independentes verificadas pelo

programa estatístico, cinco foram selecionadas no stepping up:

39 Investigamos a probabilidade dos estudos quilombolas da Bahia e do Rio Grande do Sul apresentarem oposição

devido à escolaridade, ainda que saibamos que análises desse tipo esbarrem nas diferenças de distribuição dos

informantes nas amostras. Na amostra quilombola analisada por Lucchesi, Baxter e Silva (2009), só há informantes

analfabetos ou semianalfabetos. Almeida (2006), por sua vez, não estratificou sua amostra de acordo com a

variável escolaridade, mas destacou que os informantes mais velhos possuíam, no máximo, 4 anos de estudo

formal. O percentual de ocorrências de verbos marcados na terceira pessoa do plural encontrado pela pesquisadora,

nessa faixa etária, é quase o mesmo encontrado nas comunidades quilombolas do interior da Bahia: 16%.

Mantivemos nosso posicionamento, contudo, porque os informantes menos escolarizados de nossa amostra

apresentaram percentual de aplicação superior ao de localidades mais urbanizadas, tais como Salvador, capital

baiana.

Page 99: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

98

Quadro 12 – Grupos de fatores selecionados por ordem de relevância na amostra de PB-L1.

GRUPOS DE FATORES SELECIONADOS

01 Paralelismo formal – nível discursivo

02 Saliência fônica

03 Paralelismo formal – nível oracional

04 Escolaridade

05 Sexo

E três foram descartadas:

Quadro 13 – Grupos de fatores descartados na amostra de PB-L1.

GRUPOS DE FATORES DESCARTADOS

01 Traço semântico do sujeito: animacidade

02 Tempo verbal

03 Posição, distância e realização do sujeito

Na variável animacidade, o condicionamento apontado pelas pesquisas linguísticas é de

que o traço [+ animado] favorece a realização explícita da concordância verbal e o traço [-

animado] a desfavorece (SCHERRE; NARO, 1998, 2007; VIEIRA, 1997; SCHERRE; NARO;

CARDOSO, 2007). Nossos resultados para essa variável, ainda que sem relevância estatística,

indicaram que a amostra de PB-L1 seguiu em direção à hipótese esperada: foi encontrado um

percentual de 62% de ocorrências de verbos com marcas de terceira pessoa do plural com

sujeitos de traço semântico [+ animado] e 52% com sujeitos de traço semântico [- animado].

Já a variável tempo verbal, como vimos em nossa metodologia, está diretamente ligada

à saliência fônica no seguinte sentido: tempos verbais cujas formas são mais salientes à

percepção do ouvinte/falante favorecem a realização explícita da concordância nos verbos de

terceira pessoa do plural (SCHERRE; NARO; CARDOSO, 2007). Em vista disso, verbos no

presente do indicativo, cujas formas da oposição singular/plural diferem no discurso apenas

pela nasalização da vogal final (anda/andam), têm menos probabilidade de serem marcados na

terceira pessoa do plural que verbos no pretérito perfeito do indicativo, que envolvem acréscimo

de segmentos nessa oposição (andou/andaram) e que, portanto, são mais salientes.

Page 100: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

99

Embora essa variável tenha sido descartada pelo programa, por não ser estatisticamente

relevante, nossa amostra de PB-L1, em números percentuais, também seguiu na direção

apontada por outras pesquisas sobre a variação da concordância verbal de 3ª pessoa do plural:

os verbos de tempos verbais menos salientes foram menos marcados do que os verbos mais

salientes. No presente do indicativo, por exemplo, foram encontradas 60% de ocorrências com

a marca de terceira pessoa do plural no verbo, ao passo que, no pretérito perfeito do indicativo,

foi obtido um total de 82%. Tais resultados apontam a relevância da variável saliência fônica,

que será discutida no próximo tópico.

No que diz respeito à variável posição, distância e realização do sujeito, por sua vez, as

pesquisas indicam que a anteposição e a proximidade entre o sujeito e o verbo favorecem a

realização das marcas (SCHERRE; NARO, 1997, 1998; VIEIRA, 1997; SILVA, 2005;

SCHERRE; NARO; CARDOSO, 2007). Nessa amostra, encontramos os seguintes resultados:

sujeitos antepostos imediatamente próximos receberam as marcas de plural em 69% dos dados;

sujeitos antepostos e distantes apresentaram um percentual de 63,3% e sujeitos pospostos, de

35,9%. Assim como as demais variáveis descartadas, portanto, mais uma vez nossos dados de

PB-L1 seguiram em direção ao que foi atestado em outras pesquisas sociolinguísticas: sujeitos

à esquerda do verbo e próximos apresentaram um percentual maior de realização das marcas de

concordância na 3ª pessoa do plural que sujeitos à direita ou distantes.

Diante do exposto, daremos continuidade à nossa análise apresentando as variáveis

selecionadas pelo programa Goldvarb X (SANKOFF; TAGLIAMONTE; SMITH, 2005) em

termos de sua relevância estatística, subdivididas, contudo, a fins de organização, em dois

grupos: variáveis linguísticas e variáveis extralinguísticas, como veremos adiante.

6.1.1 Variáveis linguísticas

6.1.1.1 Paralelismo formal – nível discursivo

Os resultados encontrados para o primeiro grupo de fatores linguísticos selecionado pelo

Goldvarb X (SANKOFF; TAGLIAMONTE; SMITH, 2005), o paralelismo formal no nível

discursivo, seguem a mesma direção dos resultados observados em outras pesquisas sobre a

concordância verbal na 3ª pessoa do plural: verbos marcados favorecem a presença de marcas

explícitas da concordância no verbo subsequente e verbos não marcados a desfavorecem

Page 101: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

100

(SCHERRE; NARO, 1993; VIEIRA, 1997; SCHERRE, 1998; MONTE, 2012); como podemos

observar na tabela a seguir:

Tabela 01 – Distribuição de formas verbais marcadas em função do paralelismo discursivo na

amostra de PB-L1.

Como podemos observar, dos 352 dados de verbos precedidos por verbos com marcas

formais explícitas de concordância de 3ª pessoa do plural, 275 foram marcados; ou seja, a

aplicação da marca de concordância ocorreu em cerca de 78% dos verbos subsequentes àqueles

que também estavam marcados. Em outras palavras, verbos precedidos de verbos marcados

apresentaram peso relativo de .70 de também receberem as marcas explícitas de concordância

de terceira pessoa do plural. No que diz respeito aos verbos precedidos por ocorrências verbais

não marcadas, o resultado foi nitidamente diferente: apenas 26,6% foram marcados. O peso

relativo de .21 confirma o desfavorecimento de ocorrência de formas verbais marcadas quando

precedidas por formas não-marcadas.

O verbo isolado ou primeiro de uma série, por sua vez, apresentou valor intermediário

com .44 de peso relativo. Conforme supracitado, os resultados de Aracruz corroboram os

resultados observados em diversas pesquisas sobre o fenômeno: verbos marcados influenciam

a marcação explícita em verbos subsequentes e verbos não marcados levam à ausência das

marcas de concordância no verbo seguinte.

6.1.1.2 Saliência fônica

Assim como ocorreu com o paralelismo discursivo, os resultados obtidos para a

saliência fônica também seguem a mesma direção do que é apontado nos estudos da

PARALELISMO FORMAL – NÍVEL DISCURSIVO

FATORES APL/TOTAL PORCENTAGEM PESO

RELATIVO

1. Verbo precedido de verbo com marca formal

de plural explícita no discurso do falante ou do

interlocutor. 275/352 78,1% .70

2. Verbo precedido de verbo com marca zero de

plural no discurso do falante ou do interlocutor. 45/169 26,6% .21

3. Verbo isolado ou primeiro de uma série. 253/405 62,5% .44

TOTAL 573/926 61,9% Input .75

Page 102: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

101

concordância verbal na 3ª pessoa do plural: quanto maior a diferença do material fônico nas

oposições singular/plural, maiores as chances de ocorrer a marcação explícita do plural nos

verbos de 3ª pessoa já que essas oposições mais salientes são mais facilmente perceptíveis para

os falantes (LEMLE; NARO, 1977; NARO, 1981; SCHERRE; NARO, 1997, 1998, 2006;

VIEIRA, 1997; SILVA, 2005; LUCCHESI; BAXTER; SILVA, 2009; MONGUILOTT, 2009).

Para o estudo da saliência fônica, submetemos os nossos dados aos seis níveis escalares

da hierarquia postulada por Naro (1981), como mostra a tabela abaixo:

Tabela 02 – Distribuição de formas verbais marcadas em função da saliência fônica na amostra

de PB-L1.

Na tabela acima, os níveis da escala hierárquica postulada por Naro (1981) estão em

ordem crescente: no início da lista, temos os verbos de oposição menos saliente e no final, os

verbos de oposição mais salientes – aqueles com formas completamente distintas para singular

e plural como, por exemplo, o par É/SÃO. Nota-se que, nas comunidades pesquisadas, os

resultados demonstram aquilo que é apontado nos estudos sobre CV, como já dissemos, mas

com uma ligeira diferença: ainda que os pesos relativos dos dois níveis imediatamente opostos

tenham uma diferença acentuada - .30 de aplicação em oposições menos salientes contra .79 de

aplicação das marcas de concordância em oposições mais salientes – os valores dos fatores de

cada nível da escala apresentam resultados muito próximos. Em vez de seis, eles apontam a

oposição de dois níveis apenas: não acentuado, que corresponde aos três primeiros fatores, e

acentuado, que corresponde aos três últimos, indicando que a tonicidade atua de maneira mais

significativa na (não) realização das marcas explícitas de concordância nos verbos de 3ª pessoa

SALIÊNCIA FÔNICA

FATORES APL/TOTAL PORCENTAGEM PESO

RELATIVO

NÍV

EL

1

1. Não envolve mudança na qualidade da vogal na forma

plural. (consegue/ conseguem) 36/76 47,4% .30

2. Envolve mudança na qualidade da vogal na forma plural.

(joga/ jogam) 219/433 50,6% .32

3. Envolve acréscimo de segmentos na forma plural. (faz/

fazem) 37/78 47,4% .31

NÍV

EL

2

4. Envolve apenas mudança na qualidade da vogal na forma

plural. (vai/ vão) 83/101 82,2% .75

5. Envolve acréscimo de segmentos sem mudanças vocálicas

na forma plural; inclui o par foi/foram. (perdeu/ perderam) 86/104 82,7% .79

6. Envolve acréscimo de segmentos e mudanças diversas na

forma plural. (fez/ fizeram – é/ são) 112/134 83,6% .79

TOTAL 573/926 61,9% Input .75

Page 103: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

102

do plural do que a diferença de material fônico. Tal assertiva pode ser melhor visualizada no

gráfico a seguir:

Gráfico 02 - Aplicação da regra de CV com a 3ª pessoa do plural conforme a saliência fônica

na amostra de PB-L1 (pesos relativos).

Como podemos observar, os níveis de oposição não acentuada, com pesos relativos de

.30 a .31, distam entre 40 e 50 dos demais níveis que também apresentam pesos relativos

aproximados entre si (.75 a .79), evidenciando uma hierarquia, nesses resultados, de apenas

dois níveis imediatamente opostos, como dissemos anteriormente. Há, portanto, uma

polarização em relação aos dois níveis postulados por Naro (1981). No primeiro nível, os pesos

relativos apresentam um range40 de apenas 02 e, no segundo nível, o range entre os três fatores

é de apenas 04 revelando resultados muito próximos. Em contrapartida, o range entre os dois

níveis é de 49 – valor relativamente próximo ao encontrado por Scherre e Naro (1997), cujo

range para os níveis da saliência fônica foi de 59, e por Benfica (2016) com um range de 52

nos resultados para a saliência fônica na amostra PORTVIX.

Outro aspecto importante que deve ser destacado é que essa mesma polarização entre os

níveis pode ser encontrada em outros estudos sobre a concordância verbal de terceira pessoa do

plural com amostras de PB-L1. A fins de comparação, destacamos dois estudos que analisaram

a saliência fônica de acordo com a escala de Naro (1981) em diferentes comunidades de fala.

40 Range é o valor que resulta da diferença entre o maior e o menor peso relativo de uma mesma variável.

(TAGLIAMONTE, 2012)

30 32 31

7579 79

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

1 2 3 4 5 6

PES

O R

ELA

TIV

O

NÍVEL DE SALIÊNCIA FÔNICA

Saliência Fônica

Page 104: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

103

São eles: Gomes, Melo e Barcellos (2016), cujos dados são oriundos da Amostra EJLA/PEUL,

composta por adolescentes de baixa renda do Rio de Janeiro que estavam cumprindo medida

socioeducativa à época das entrevistas; e Benfica (2016), que, como já vimos, analisou dados

do PORTVIX, da capital Vitória, do Espírito Santo. Os resultados desses estudos foram

dispostos em forma de gráfico juntamente com os dados de nossa amostra de PB-L1 do distrito

de Santa Cruz; tal apresentação nos permite uma melhor visualização do que está sendo

exposto:

Gráfico 03 – Polarização da escala de saliência fônica em três estudos de PB-L1.

Fontes dos dados: NARO, 1981, p. 77; BENFICA, 2016, p. 49; GOMES; MELO; BARCELLOS, 2016, p. 134.

No gráfico acima, como se pode perceber, optamos por colocar como referência os

dados obtidos por Naro (1981) da Amostra de falantes do MOBRAL coletada no Rio de Janeiro.

Nesse estudo, como já vimos, foi postulada pelo autor a escala de saliência fônica utilizada em

nossa análise e nas demais pesquisas comparadas. Objetivando destacar a hierarquia dos seis

fatores dessa escala, demos maior destaque a esses resultados colocando-os na cor preta e com

seus respectivos valores. É nítida, na escala com os dados de Naro (1981), a hierarquia não só

entre os fatores como também das oposições acentuado/não acentuado.

Nesses estudos recentes de PB-L1, contudo, ainda que a hierarquia entre um fator ou

outro seja mantida, os falantes nativos do português brasileiro nivelam os três fatores dos seus

respectivos níveis e acentuam ainda mais a distância entre os níveis da oposição não-acentuada/

acentuada – uma polarização já demonstrada no gráfico com os dados de nossa amostra de

11

26

35

68

7885

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

1 2 3 4 5 6

Polarização da Saliência Fônica

Aracruz Vitória EJLA - RJ RJ - 1981

Page 105: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

104

Aracruz. Segundo Scherre e Naro (1997), a distinção da escala de Naro (1981) é mais nítida

devido à atuação da variável escolaridade, uma vez que, nessa amostra, os informantes são

semianalfabetos.

6.1.1.3 Paralelismo formal – nível oracional

Assim como ocorre no paralelismo discursivo, em que marcas no verbo levam a marcas

na ocorrência verbal subsequente, no paralelismo oracional, que diz respeito às marcas no

sujeito, sujeitos com marcas explícitas de plural influenciam a presença de marcas explícitas

nos verbos, ao passo que sujeitos não marcados provocam a ausência das marcas de

concordância nos verbos (SCHERRE; NARO, 1993; VIEIRA, 1997; SCHERRE, 1998;

MONGUILHOTT, 2009; MONTE, 2012).

Tal assertiva pôde ser verificada em nossos dados:

Tabela 03 – Distribuição de formas verbais marcadas em função do paralelismo oracional na

amostra de PB-L1.

PARALELISMO FORMAL – NÍVEL ORACIONAL

FATORES APL/TOTAL PORCENTAGEM PESO

RELATIVO

Presença de -s no último elemento do sujeito. 333/480 69,4% .53

Presença de zero no último elemento do sujeito. 22/69 31,9% .15

Neutralização no último elemento do sujeito. 69/77 89,6% .68

TOTAL 424/626 67,7% Input .75

Scherre e Naro (1993) propõem seis níveis para a análise do paralelismo oracional, a

saber: presença de -s no último elemento não Sprep, presença de zero no último elemento não

Sprep, presença de -s no último elemento do Sprep, presença de zero no último elemento do

Sprep, presença de numeral no último elemento e neutralização no último elemento. Nossos

dados, contudo, foram insuficientes para a análise dos seis níveis propostos pelos

pesquisadores. Por isso, após uma rodada, amalgamamos os níveis com presença de -s e os

níveis com presença de zero, além de excluirmos o nível que analisa a presença do numeral no

último elemento – encontrado em dois dados apenas.

Page 106: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

105

Apesar dessa impossibilidade, pode-se observar que nossos resultados apontam o que é

previsto na hipótese para este grupo e encontrado em vários outros trabalhos sobre o fenômeno:

a presença da marca no sujeito favoreceu a marcação explícita da concordância no verbo (.53),

ao passo que a ausência da marca no sujeito a desfavoreceu (.15). A neutralização, por sua vez,

apresentou probabilidade de .68 – configurando-se como fator que mais favoreceu a realização

das marcas de concordância verbal. Segundo Scherre e Naro (1993), isso ocorre porque os

sujeitos que possuem a última marca neutralizada são interpretados como os sujeitos de

marcação explícita, apresentando, portanto, o mesmo comportamento estatístico.

6.1.2 Variáveis extralinguísticas

6.1.2.1 Escolaridade

A primeira variável extralinguística selecionada pelo programa estatístico foi a

escolaridade. Para esse grupo, nossos resultados corroboraram, mais uma vez, o que foi

observado em diversos outros estudos sobre a variação da concordância: quanto maior o grau

de escolarização, maiores as possibilidades de encontrarmos a realização da variante de

prestígio, que, nesse caso, é a marcação explícita da concordância no verbo (SCHERRE;

NARO, 1997, 1998; SILVA, 2005; MONGUILHOTT, 2009; MASCARELLO, 2010).

Tabela 04 – Distribuição de formas verbais marcadas em função da escolaridade na amostra de

PB-L1.

ESCOLARIDADE

FATORES APL/TOTAL PORCENTAGEM PESO

RELATIVO

Nível 1: 0 a 8 anos de escolaridade. 274/527 52% .37

Nível 2: ensino médio em diante. 299/399 74,9% .66

TOTAL 573/926 61,9% Input .75

Os resultados dispostos na tabela acima, como podemos ver, apontam nessa direção: a

realização explícita da marca de concordância verbal foi encontrada em 74,9% dos dados dos

informantes com nove ou mais anos de escolaridade, ao passo que os informantes menos

Page 107: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

106

escolarizados apresentaram 52% de marcação de CV em suas falas com pesos relativos na

mesma linha: .66 para os mais escolarizados e .37 para falantes menos escolarizados.

6.1.2.2 Sexo

O último grupo de fatores selecionado na amostra dos dados de fala dos cidadãos

aracruzenses foi a variável sexo. Nas pesquisas sociolinguísticas, é atestado que as mulheres

são mais sensíveis às variantes prestigiadas tendendo, assim, a usá-las com maior frequência

(LABOV, 1972; 2008; SCHERRE; NARO, 1997). Nas comunidades de entorno das aldeias

indígenas por nós estudadas, o comportamento das mulheres também não foi diferente,

conforme mostra a tabela 05:

Tabela 05 – Realização de formas verbais marcadas em função da variável sexo na amostra de

PB-L1.

SEXO

FATORES APL/TOTAL PORCENTAGEM PESO

RELATIVO

Masculino 218/398 54,8% .41

Feminino 355/528 67,2% .56

TOTAL 573/926 61,9% Input .75

Nas comunidades de Santa Cruz e Coqueiral de Aracruz, conforme apontam nossos

resultados, as mulheres privilegiam as formas socialmente prestigiadas. Elas apresentaram peso

relativo de .56 para a aplicação das marcas de concordância nos verbos de 3ª pessoa do plural,

enquanto os homens apresentaram peso de .41. No intuito de aprofundar nossa investigação

sobre o comportamento dessa variável, cruzamos nossos dados com a variável escolaridade

para verificar com maior nitidez o papel social da mulher como a que usa mais variantes de

prestígio. Os resultados desse cruzamento podem ser vistos na tabela abaixo:

Page 108: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

107

Tabela 06 – Cruzamento das variáveis sociais sexo e escolaridade na amostra de falantes do

distrito de Santa Cruz.

CRUZAMENTO SEXO E ESCOLARIDADE

FATORES 0 a 8 anos de escolaridade Ensino médio em diante

FREQUÊNCIA PESO RELATIVO FREQUÊNCIA PESO RELATIVO

Masculino. 71/180 = 39,4% .32 147/218 = 67,4% .55

Feminino. 203/347 = 58,5% .42 152/181 = 84% .75

TOTAL 573/926 = 61,9% Input .75

Como pode ser observado na tabela acima, as mulheres fazem mais uso da marca

explícita da concordância verbal na 3ª pessoa do plural nos dois níveis de escolaridade.

Enquanto no primeiro nível, que compreende a até 8 anos de escolarização, elas apresentam

peso relativo de .42 na realização das marcas de concordância verbal, os homens, nesse mesmo

nível, apresentam .32. No segundo nível, esse resultado se repete, ainda que com valores

diferentes: as mulheres mais escolarizadas apresentam peso de .75, ao passo que os homens do

mesmo grupo apresentam peso relativo de .55.

Comparando ambos os níveis, contudo, pode-se perceber que a escolaridade é mais forte

que a variável sexo. Os falantes com mais escolaridade tendem a usar mais as marcas nos verbos

de terceira pessoa do plural que os falantes com menos escolaridade independentemente do

sexo. Embora as mulheres mais escolarizadas sejam as que mais usam a variante de prestígio,

homens mais escolarizados também realizam mais a variante marcada que mulheres menos

escolarizadas.

6.2 Algumas considerações

Os resultados obtidos para a comunidade de falantes de PB-L1 localizada no entorno

das aldeias Guarani no Espírito Santo, como podemos perceber, replicaram, para as variáveis

consideradas neste estudo, os mesmos condicionamentos apresentados nas mais diversas

pesquisas sobre a variação da concordância verbal na 3ª pessoa do plural (NARO, 1981;

SCHERRE; NARO, 1993, 1997, 2006, 2007; VIEIRA, 1997, 2015; SILVA, 2005; LUCCHESI;

BAXTER; SILVA, 2009; MONGUILHOTT, 2009).

Page 109: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

108

Na presente análise, foram selecionadas as seguintes variáveis sociais e estruturais, de

acordo com a ordem de relevância: paralelismo discursivo; saliência fônica; paralelismo

oracional; escolaridade e sexo – tendo sido confirmadas todas as hipóteses apontadas em nossa

metodologia. No paralelismo discursivo, as marcas no verbo levaram a marcas nos verbos

subsequentes e a ausência de marcação explícita de concordância verbal levou à ausência dessas

marcas nos verbos seguintes conforme demonstrado nos resultados de outras pesquisas sobre a

concordância verbal de 3ª pessoa do plural (SCHERRE; NARO, 1992, 1993; VIEIRA, 1997;

SCHERRE, 1998).

O mesmo ocorreu com a saliência fônica: o nível mais baixo da escala desfavoreceu a

realização explícita da concordância de plural no verbo e os fatores de nível mais alto

favoreceram. Em outras palavras, as oposições singular/plural mais salientes/perceptíveis aos

interlocutores favoreceram a realização explícita da concordância de 3ª pessoa do plural e os

menos perceptíveis a desfavoreceram (NARO, 1981; SCHERRE; NARO, 1997).

Em relação ao paralelismo oracional, as marcas de plural nos SNs sujeito levaram a

marcas nos sintagmas verbais ao passo que a ausência de marcas nos SNs sujeito influenciou

na ausência das mesmas nos verbos correspondentes (SCHERRE; NARO, 1992, 1993;

VIEIRA, 1997; SCHERRE, 1998; MONGUILHOTT, 2009; MONTE, 2012; VIEIRA;

BAZENGA, 2015).

Das variáveis sociais, escolaridade foi a mais relevante. Falantes mais escolarizados

realizaram mais a marcação explícita de plural nos verbos que os falantes menos escolarizados

como é atestado em Scherre e Naro (1997) e Lucchesi, Baxter e Silva (2009). No cruzamento

dessa variável extralinguística com a variável sexo, também selecionada, a escolaridade

sobressaiu: os dados de mulheres possuem mais marcas de concordância verbal que os dados

dos homens, mas homens mais escolarizados fazem mais marcação que mulheres menos

escolarizadas.

As três variáveis descartadas pelo programa – traço semântico [± animado], tempo

verbal e posição, distância e realização do sujeito – seguiram na direção esperada. A

animacidade, ainda que não tenha sido estatisticamente relevante, apontou os mesmos

condicionamentos encontrados em outras análises: em termos percentuais, houve mais marcas

de concordância em sujeitos de traço semântico [+ animado] que em sujeitos de traço semântico

[- animado]. Ao ser descartada, a variável tempo verbal, por sua vez, ratificou o que já foi

atestado em outros estudos: a saliência é a única característica intrínseca do verbo realmente

relevante na realização ou não da marca explícita de concordância verbal (VIEIRA, 1997;

SCHERRE; NARO; CARDOSO, 2007). Assim como ocorreu em animacidade, a variável

Page 110: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

109

posição, distância e realização do sujeito também apresentou percentuais na mesma direção do

condicionamento encontrado em outras pesquisas sobre a variação da concordância verbal de

3ª pessoa do plural: sujeitos antepostos e próximos ao verbo favoreceram a realização explícita

da concordância verbal e sujeitos pospostos e distantes a desfavoreceram (SCHERRE; NARO,

1997, 1998, 2007; VIEIRA, 1997; SILVA, 2005; MONGUILHOTT, 2009; MASCARELLO,

2010; BENFICA, 2016).

As características socioeconômicas das comunidades analisadas, por sua vez, explicam

a diferença encontrada na aplicação geral da concordância nas amostras de Vitória e Santa Cruz.

Em Vitória, localizam-se dois portos, a estrada de ferro Vitória-Minas e o único aeroporto do

Espírito Santo. É principalmente na capital que os capixabas encontram hospitais e instituições

de ensino superior, por exemplo. Uma realidade bem diversa daquela encontrada nas

comunidades aracruzenses, onde foram realizadas as entrevistas de nosso corpus de PB-L1.

Como vimos no capítulo 2, tanto Santa Cruz como Coqueiral de Aracruz são bairros

pequenos com pouca ou quase nenhuma infraestrutura nas áreas de saúde, educação e

economia. O primeiro é uma vila de pescadores que sobrevive, majoritariamente, do turismo

nas suas praias, manguezais e rios. E o segundo possui, ainda hoje, características de bairro

dormitório dos funcionários do complexo industrial de Aracruz. Ainda que ambos os bairros

sejam aprazíveis de se viver, segundo seus moradores, eles são pouco desenvolvidos

economicamente quando comparados a Vitória; por isso, provavelmente, apresentem um índice

diferente de aplicação da regra de concordância verbal em relação à referida cidade. No

próximo capítulo, em que faremos a análise do PB-L2 proposta por esta pesquisa, retomaremos

os dados de PB-L1 aqui apresentados e de outros estudos que se mostrarem pertinentes.

Page 111: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

110

7. ANÁLISE DOS DADOS: A CONCORDÂNCIA VERBAL NO PORTUGUÊS L2 DOS

GUARANI DO ESPÍRITO SANTO

No presente capítulo, será apresentada a análise dos dados coletados nas aldeias Guarani

em terras capixabas que, assim como na análise do capítulo anterior, foram submetidos à

plataforma estatística Goldvarb X (SANKOFF; TAGLIAMONTE; SMITH, 2005), do pacote

VARBRUL. Como vimos no decorrer deste trabalho, a concordância verbal de 3ª pessoa do

plural é um fenômeno amplamente pesquisado desde a década de 1970.

Uma vez que distingue o português brasileiro da variedade europeia, esse fenômeno tem

ocupado o centro dos debates de, pelo menos, duas vertentes sobre a formação da variedade

brasileira da língua portuguesa: a deriva secular, encabeçada por Naro e Scherre (1993; 2007),

e a crioulística, defendida, principalmente, por Lucchesi (2015). Oposições teóricas à parte, é

consenso entre os pesquisadores que esse é um fenômeno amplamente variável condicionado

por variáveis linguísticas e extralinguísticas, tais como aquelas selecionadas para a presente

pesquisa.

No intuito de verificar o comportamento desse fenômeno em um contexto de aquisição

e de contato linguístico, é que nos propomos a analisá-lo tendo como protagonistas os índios

de etnia Guarani residentes no Espírito Santo. Conforme consta em nossa metodologia, esta

análise terá como base empírica uma amostra de fala de 16 informantes Guarani cujos dados

foram coletados nas aldeias Boa Esperança, Três Palmeiras e Piraquê-açu Mirim, localizadas

no distrito de Santa Cruz, em Aracruz, Espírito Santo, entre os anos de 2012-2016. Os falantes

estão distribuídos de acordo com as variáveis sociais sexo, faixa etária, escolaridade e grau de

contato.

Uma vez tendo mapeado as comunidades de entorno das aldeias Guarani em terras

capixabas, partimos então para a análise dos dados da amostra de falantes do português como

L2, tendo como princípios norteadores as seguintes questões: 1) a variação na realização da 3ª

pessoa do plural no português de contato dos Guarani reflete a variabilidade observada no PB?

; 2) se sim, a aquisição de padrões de concordância verbal em situação de L2 se dá em função

dos mesmos condicionamentos estruturais observados para os falantes do PB como L1?; ou 3)

os indígenas dessa localidade reinterpretam a variação, produzindo padrões diferentes daqueles

encontrados em outras variedades da Língua Portuguesa?; 4) há predominância de algum tipo

de condicionamento sobre os demais?; 5) há transferência do sistema de marcação da L1 dos

falantes indígenas?; e 6) em que medida características socioculturais da comunidade têm efeito

sobre a aquisição dos padrões de concordância?

Page 112: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

111

Nas 16 entrevistas, foram encontradas 1070 ocorrências de verbos com sujeito de 3ª

pessoa do plural, tendo sido descartados, como apresentamos na análise anterior, as seguintes

formas: verbos flexionados no infinitivo, ocorrências impessoais do verbo ter, verbo ter e vir

no presente do indicativo, ocorrências com sujeito formado por expressão partitiva + palavra

no plural, verbos com sujeito indeterminado e verbos com concordância semântica ou

ideológica. Os exemplos de cada caso podem ser verificados nas páginas 88 e 89. Cabe ressaltar

que, com exceção do grau de contato e dos traços semânticos contável e não-contável – que

sugiram da necessidade de verificar influências linguísticas e sociais específicas da comunidade

pesquisada – todos os grupos de fatores aqui arrolados foram retirados, principalmente, dos

trabalhos de Scherre e Naro (1993; 1997; 1998).

Nesta análise, comparamos os resultados encontrados com aqueles apresentados na

comunidade de falantes PB-L1 localizada no entorno das aldeias e, sempre que for necessário,

faremos menção a outras pesquisas que analisam o fenômeno da concordância verbal de 3ª

pessoa do plural com falantes de PB-L1 e/ou PB-L2. Estudos que investigam a aquisição de

uma segunda língua em contextos de contato linguístico, tais como aqueles sobre o português

de contato indígena já mencionados, também servirão como referência (ainda que não tenham

investigado a concordância verbal de terceira pessoa do plural), pois foram fundamentais para

a formulação das hipóteses deste trabalho.

Conforme consta em nosso capítulo introdutório e em nossa metodologia, esta análise

será orientada pela hipótese de que os Guarani residentes no Espírito Santo estão adquirindo as

marcas de flexão de número nos verbos de terceira pessoa devido à proximidade das aldeias

com as comunidades não-índias. Na configuração dessa hipótese, perpassam cinco hipóteses

específicas, duas linguísticas e três extralinguísticas; são elas: 1) os Guarani replicam os

mesmos condicionamentos encontrados nos estudos sobre a concordância verbal de terceira

pessoa do plural com falantes nativos do português brasileiro; 2) falantes de grau baixo de

contato, devido ao estágio aquisitivo em que se encontram, transferem padrões de marcação da

língua materna para a língua alvo; 3) quanto mais alto o grau de contato dos nossos informantes,

maior a probabilidade de ocorrer a marcação explícita da concordância nos verbos; 4) a

ocorrência de verbos marcados na terceira pessoa do plural é maior na fala de falantes mais

escolarizados; e 5) devido aos papéis sociais representados por homens e mulheres Guarani, as

mulheres usam menos a variante prestigiada que os homens.

Cabe lembrar que as análises do português de contato atestam que, em se tratando da

flexão de número e pessoa nos verbos, na aquisição do PB-L2, os falantes tendem a neutralizar/

reduzir a flexão número-pessoal no sintagma verbal (EMMERICH, 1984; DUARTE, 1998;

Page 113: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

112

AMADO, 2015). Além disso, a língua Guarani – L1 de nossos informantes, como vimos, possui

um sistema de marcação distinto daquele encontrado na língua portuguesa: em vez de sufixada,

a categoria flexional de número e pessoa é prefixada à raiz verbal; e os prefixos que indicam a

terceira pessoa do singular e do plural são exatamente os mesmos (DOOLEY, 1999, 2013;

MARTINS, 2003; CARDOSO, 2010; VIEIRA, 2013). Trata-se de dois aspectos que merecem

ser considerados durante toda a análise, uma vez que apontam a não marcação dos verbos de

terceira pessoa do plural no PB-L2 da comunidade de fala aqui analisada.

Em vista disso, tendo estabelecido os procedimentos metodológicos a serem utilizados

em nossa análise, submetemos nossos dados ao programa estatístico e verificamos que haveria

a necessidade de amálgamas e exclusões em alguns grupos devido à baixa frequência do fator

ou à sua pouca relevância no grupo de que faz parte. Assim, desconsideramos a terceira faixa

etária, que corresponde aos informantes com mais de 60 anos, na variável faixa etária; e

amalgamamos os dois primeiros níveis de escolaridade – nível 1 (até a 5ª série) e nível 2 (da 6ª

série ao fundamental completo) – por apresentarem exatamente o mesmo peso relativo, como

veremos adiante. Uma vez concluídos esses processos, realizamos uma nova rodada cujos

resultados serão aqui apresentados em quadros, tabelas e/ou gráficos que demonstrem o

percentual e a probabilidade, por meio dos pesos relativos, de aplicação da marca de CV de

acordo com as variáveis linguísticas e extralinguísticas aqui apresentadas.

Dos 1070 dados com verbos de 3ª pessoa do plural, retirados das entrevistas realizadas

com falantes Guarani de PB-L2, 509 contêm a realização explícita de concordância verbal. Esse

número corresponde a 48% do total da amostra e a um input de realização de formas com marcas

de plural de .47, como mostra o gráfico a seguir:

Page 114: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

113

Gráfico 04 - Realização/ não realização da CV na 3ª pessoa do plural de falantes de PB-L2.

Total de ocorrências: 1070/ Input: 0.47

Como podemos perceber com o input de .47, nossos dados apontam que, no português

de contato dos Guarani do Espírito Santo, a realização e a não realização da concordância verbal

na terceira pessoa do plural ocorreram quase na mesma proporção. Na análise anterior, com

falantes de PB-L1 que residem no entorno das aldeias Guarani, observamos que essas

comunidades exibem um percentual mais alto de aplicação das marcas de concordância de

número nos verbos para o perfil socioeconômico que apresentam. Considerando que é a essa

variedade de PB-L1 que os Guarani residentes em território capixaba estão expostos há mais de

50 anos, a verificação de nossa hipótese geral e, consequentemente, de nossas hipóteses

específicas, só se faz possível mediante a análise das variáveis linguísticas e sociais arroladas

em nossa metodologia de pesquisa.

Diante do exposto, conforme mencionado no Capítulo 5, que abordou os procedimentos

metodológicos adotados neste trabalho, os dados de CV variável da amostra de fala dos Guarani

foram analisados em função de onze variáveis independentes, sete linguísticas e quatro

extralinguísticas. São elas: saliência fônica; posição, distância e realização do sujeito;

paralelismo oracional; paralelismo discursivo; animacidade; traço semântico contável e não-

contável; tempo verbal; faixa etária; escolaridade; sexo e grau de contato. Enquanto, no

mapeamento das comunidades de entorno, foi considerada apenas uma faixa etária (20-45

anos); na comunidade indígena, foi possível situar os informantes Guarani em três faixas

50948%

56152%

Concordância Verbal

Realização Não realização

Page 115: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

114

etárias: faixa 1, jovens (20 – 40 anos); faixa 2, intermediários (41 – 59 anos) e faixa 3, mais

velhos (+60 anos) – sendo esta última desconsiderada em nossa análise.

Assim, das onze variáveis submetidas à análise estatística, oito foram selecionadas pelo

Goldvarb X (SANKOFF; TAGLIAMONTE; SMITH, 2005) como estatisticamente relevantes.

São elas, conforme na tabela a seguir, de acordo com a ordem de seleção:

Quadro 14 – Grupos de fatores selecionados por ordem de relevância na amostra de PB-L2.

GRUPOS DE FATORES SELECIONADOS

01 Saliência fônica

02 Escolaridade

03 Paralelismo formal – nível oracional

04 Paralelismo formal – nível discursivo

05 Sexo

06 Grau de contato

07 Posição, distância e realização do sujeito

08 Traço semântico do sujeito: contável/não-contável

E três, portanto, foram descartadas:

Quadro 15 – Grupos de fatores descartados na amostra de PB-L2.

GRUPOS DE FATORES DESCARTADOS

01 Tempo verbal

02 Faixa etária

03 Traço semântico do sujeito: animacidade

Como podemos observar, comparando este resultado com o obtido para os dados

do PB-L1, o tempo verbal e o traço semântico [± animado] foram as únicas variáveis

linguísticas não selecionadas em ambas as análises sendo a variável posição, distância e

realização do sujeito também descartada nos dados de Aracruz. A variável que mapeia a faixa

etária também foi descartada na análise da amostra dos informantes Guarani. Ainda que não

tenham sido estatisticamente relevantes nos dados de PB-L2 de nossa amostra, duas dessas três

variáveis apresentaram percentuais na direção dos condicionamentos previstos em outros

estudos da concordância verbal de 3ª pessoa do plural com falantes de PB-L1: tempo verbal e

Page 116: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

115

faixa etária (SCHERRE; NARO, 1997, 1998, 2010; VIEIRA, 1997; SILVA, 2005;

LUCCHESI; BAXTER; SILVA, 2009).

Como vimos nos capítulos anteriores, as pesquisas sociolinguísticas indicam que a

variável tempo verbal está diretamente relacionada à saliência fônica, sendo esta última a única

característica do verbo realmente relevante na realização ou não da marca explícita de

concordância verbal de 3ª pessoa do plural (SCHERRE; NARO; CARDOSO, 2007). O fato de

a saliência fônica ter sido a primeira variável selecionada na presente análise e de o tempo

verbal ter sido descartado corrobora essa afirmação. A hipótese para essa variável é a de que

tempos verbais cujas formas são mais salientes favorecem a concordância ao passo que tempos

com formas menos salientes a desfavorecem (VIEIRA, 1997; SCHERRE; NARO; CARDOSO,

2007; SCHERRE; NARO, 2010). Assim, dentre os tempos verbais codificados, temos, como

mais saliente, o pretérito perfeito do indicativo (andou/andaram) e, como menos saliente, o

presente do indicativo (anda/andam)41.

Nossos dados de PB-L2, seguiram nessa direção em números percentuais, pois

apresentaram 42% de ocorrências de aplicação de marcas de 3ª pessoa do plural em verbos no

presente do indicativo e 72,2% em verbos do pretérito perfeito do indicativo. Em outras

palavras, tempos verbais com formas mais salientes na oposição singular/plural apresentam

percentuais na direção daqueles observados em outras pesquisas: indicam que a realização

explícita da concordância é favorecida nesses contextos conforme esperado.

Para a variável faixa etária, a hipótese apontada pelas pesquisas sociolinguísticas sobre

esse fenômeno prevê que os falantes mais jovens possuem uma tendência maior a seguir a

norma de prestígio social tanto nos estudos sobre a língua materna quanto nos estudos de

aquisição de segunda língua. Tal distribuição foi a mesma encontrada em nossos dados ainda

que essa variável não tenha sido estatisticamente relevante: os mais jovens (20 – 40 anos)

aplicaram as desinências de plural em 57% das ocorrências e os mais velhos (41 – 59 anos), em

40% delas.

O comportamento esperado da variável traço semântico [± animado], por sua vez, é de

que sujeitos com traço semântico [+ animado] favorecem a realização explícita da concordância

nos verbos, e sujeitos que apresentam o traço oposto, [-animado] a desfavorecem (SCHERRE;

NARO, 1998, 2007; VIEIRA, 1997; SCHERRE; NARO; CARDOSO, 2007; LUCCHESI;

BAXTER; SILVA, 2009). Em nossa análise dos dados de falantes de PB-L1 do distrito de Santa

Cruz, conforme demonstrado no capítulo anterior, ainda que essa variável não tenha sido

41 Os verbos irregulares constituem exceção.

Page 117: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

116

selecionada, seus percentuais replicaram a distribuição encontrada em outras comunidades de

fala nativas no português brasileiro. O mesmo não ocorreu nos percentuais da amostra Guarani:

dos 952 dados com sujeitos de traço semântico [+ animado], 451 apresentaram marcação de

plural representando um percentual de 47,4%; ao passo que sujeitos com traço semântico [-

animado] apresentaram um percentual de 49,2% de verbos com marcas de 3ª pessoa do plural.

Em prosseguimento a nossa análise, partiremos, então, para a discussão dos resultados

dos grupos selecionados pelo programa estatístico Goldvarb X (SANKOFF; TAGLIAMONTE;

SMITH, 2005). Cabe lembrar que, assim como foi feito na análise do capítulo anterior,

dividiremos as variáveis em linguísticas e extralinguísticas, apresentando os seus respectivos

pesos relativos, número de ocorrências e percentuais em tabelas, quadros e/ou gráficos sempre

que se fizer necessário.

7.1. Variáveis linguísticas

7.1.1 Saliência fônica

As pesquisas sociolinguísticas sobre a variabilidade da concordância verbal na língua

portuguesa atestaram, ao longo de mais de quatro décadas, a relevância da variável saliência

fônica (NARO; LEMLE, 1977; NARO, 1981; SCHERRE; NARO, 1997, 1998, 2006; VIEIRA,

1997; SILVA, 2005; LUCCHESI; BAXTER; SILVA, 2009; LUCCHESI, 2015b; BENFICA,

2016). O princípio básico, segundo os pesquisadores da área, é que o grau de diferenciação

entre as formas singular e plural é um fator determinante na realização ou não da concordância

no verbo. Assim, quanto mais salientes ou quanto mais perceptíveis forem aos interlocutores as

oposições singular/plural de determinado verbo, maior a probabilidade de a aplicação da

concordância ocorrer. Em contrapartida, quanto menos salientes ou menos perceptíveis forem

essas formas aos ouvidos do falante-ouvinte, menor a probabilidade de os verbos receberem as

marcas de plural.

Tanto na análise do PB-L1 do distrito de Santa Cruz quanto nesta análise de PB-L2 de

falantes Guarani, a saliência fônica esteve, em todas as rodadas, entre os dois primeiros grupos

mais relevantes, ficando atrás apenas de um dos paralelismos ou da posição, distância e

realização do sujeito quando não foi selecionada primeiro. Na análise dos dados de Aracruz,

como vimos, os resultados das comunidades de entorno replicaram, nos dois níveis de saliência

(não-acentuado e acentuado), os mesmos condicionamentos encontrados nos mais diversos

Page 118: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

117

trabalhos sociolinguísticos da concordância verbal da 3ª pessoa do plural. Em se tratando dos

indígenas, que têm a língua portuguesa como L2, o caminho seguido não foi diferente, como

podemos ver na tabela a seguir, que traz os resultados referentes à saliência fônica, codificada

conforme encontramos em Scherre e Naro (1997).

Tabela 07 – Distribuição de formas verbais marcadas em função da variável saliência fônica

na amostra de PB-L2.

Tendo em vista a nossa hipótese de que os Guarani no Espírito Santo estão adquirindo

as marcas de CV, reunimos nesse grupo de fatores, mais uma vez, os seis níveis em ordem

crescente da hierarquia da saliência postulada por Naro (1981). Essa hierarquia foi estabelecida

em função de dois critérios: “(1) presença ou ausência de acento na desinência e (2) quantidade

de material fônico que diferencia a forma singular da forma do plural” (SCHERRE; NARO,

1997, p. 96), segundo os quais a oposição não acentuada ocupa os níveis mais baixos da escala,

desfavorecendo a concordância, e a oposição acentuada, por sua vez, favorece a realização

explícita da marca de concordância verbal (SCHERRE; NARO, 1997).

Assim sendo, considerando esses seis níveis escalares, nossos resultados demonstram

que, como ocorreu nos resultados das comunidades de entorno das aldeias Guarani, o efeito da

saliência fônica se demonstrou determinante no condicionamento das marcas explícitas da

concordância no verbo. Ambas as amostras obedeceram à hierarquia postulada por Naro (1981):

os níveis mais baixos desfavorecendo e os mais altos favorecendo a aplicação dessas marcas.

Assim como na primeira análise, o primeiro e o último níveis dos resultados para os Guarani

apresentam efeitos opostos – com range de 71 entre os níveis. No entanto, observa-se diferença

SALIÊNCIA FÔNICA

FATORES APL/TOTAL PORCENTAGEM PESO

RELATIVO

NÍV

EL

1 1. Não envolve mudança na qualidade da vogal na forma

plural. (consegue/ conseguem) 19/104 18,3% .13

2. Envolve mudança na qualidade da vogal na forma plural.

(joga/ jogam) 123/419 29,4% .24

3. Envolve acréscimo de segmentos na forma plural. (faz/

fazem) 21/58 36,2% .34

NÍV

EL

2

4. Envolve apenas mudança na qualidade da vogal na forma

plural. (vai/ vão) 70/119 58,8% .64

5. Envolve acréscimo de segmentos sem mudanças

vocálicas na forma plural; inclui o par foi/foram. (perdeu/

perderam) 152/207 73,4% .85

6. Envolve acréscimo de segmentos e mudanças diversas na

forma plural. (fez/ fizeram – é/são) 124/163 76,1% .84

TOTAL 509/1070 47,6% Input .44

Page 119: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

118

na atuação desses fatores nos dados das duas amostras, Aracruz e Guarani. Enquanto, nos dados

do PB-L1, verificamos que há uma certa convergência de aproximação nos pesos relativos dos

fatores do nível 1 de saliência, no grupo de falantes Guarani, é possível observar a escala

crescente entre um fator e outro, como mostra o gráfico abaixo:

Gráfico 05 – Aplicação da regra de CV com a 3ª pessoa do plural conforme a saliência fônica

na amostra de PB-L2 (pesos relativos).

Como pode ser observado no Gráfico 05, como já vimos, quanto maior o nível de

saliência fônica, maior a probabilidade de implementação da marca de concordância nos verbos

com sujeitos que fazem referência à 3ª pessoa do plural. Em outras palavras, quanto maiores as

diferenças entre as formas verbais que distinguem singular e plural, como podemos notar, mais

propensas se tornam essas marcas de serem realizadas pelos falantes em estudo. Nessa variável,

portanto, os falantes Guarani replicam os mesmos condicionamentos estruturais para falantes

do português como L1 dos estudos sobre outras variedades do PB.

Um aspecto importante que deve ser destacado é que, nos resultados do PB-L1 dos

informantes do distrito de Santa Cruz, os valores para os fatores de cada nível da escala

apresentaram resultados muito próximos apontando a oposição de dois fatores apenas (não-

acentuado e acentuado). Em contrapartida, os resultados de PB-L2 de falantes Guarani, como

mostra o gráfico acima, com exceção do último nível, replicam a hierarquia não só entre os

fatores como também entre os níveis; ou seja, diferentemente do que ocorreu em PB-L1, nessa

amostra, houve a distinção bem marcada e em ordem crescente dos valores dos fatores de cada

13

24

34

64

85 84

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

1 2 3 4 5 6

PES

O R

ELA

TIV

O

NÍVEL DE SALIÊNCIA FÔNICA

Saliência fônica

Page 120: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

119

nível da escala hierárquica postulada por Naro (1981). Scherre e Naro (1997), ao compararem

os resultados dos informantes do MOBRAL com os dados da Amostra Corpus Censo, se

depararam com um efeito parecido – a escala da primeira amostra apresentou uma separação

mais nítida entre os fatores de cada um dos níveis. Os pesquisadores chegaram à conclusão de

que essa nitidez evidencia uma amplitude maior de variação que tem a ver com as diferenças

de escolarização dos informantes pesquisados nas duas amostras (SCHERRE; NARO, 1997, p.

99).

Em nossa amostra de PB-L2, que replica a escala encontrada para falantes menos

escolarizados do Rio de Janeiro, como sabemos, há dados de informantes de diferentes níveis

de escolaridade – desde analfabetos a falantes com ensino superior. Considerando que a

amplitude de variação deva ser maior com a inclusão de falantes menos escolarizados,

realizamos uma rodada para verificar se o condicionamento para falantes de PB-L1 é o mesmo

para os Guarani do Espírito Santo. Os resultados encontram-se no gráfico abaixo:

Gráfico 06 - Aplicação da regra de CV com a 3ª pessoa do plural conforme a saliência fônica

e a escolaridade na amostra de PB-L2 (pesos relativos).

De acordo com o gráfico, o efeito da saliência fônica não é o mesmo nos dois níveis de

escolaridade para os fatores do nível 1. A escala observada nos estudos do PB-L1 emerge para

os dois em função da curva ser a mesma, no entanto, para os fatores do primeiro nível existe

uma convergência que não se observa para os fatores do nível 2. Como podemos observar, na

escala entre falantes com até 8 anos de escolaridade, os três primeiros fatores do nível não-

2

1319

44

67 69

29

41

53

79

91 91

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

1 2 3 4 5 6

Saliência x Escolaridade

Até 8 anos Acima de 8 anos

Page 121: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

120

acentuado desfavorecem a concordância apresentando pesos relativos de .02, .13 e .19

respectivamente, sendo que os fatores 2 e 3 apresentam praticamente a mesma tendência de

desfavorecimento. Na escala com falantes mais escolarizados, por sua vez, a diferença entre

esses fatores é mais nítida. O mesmo pôde ser observado na escala sem os falantes com nível

universitário.

No segundo nível da escala, ambos os grupos apresentam condicionamentos

semelhantes. O resultado com falantes menos escolarizados, cujos pesos relativos são de .44,

.67 e .69 respectivamente, demonstra que os dois últimos fatores do nível acentuado da escala

apresentam a mesma tendência de favorecimento. O mesmo ocorre na escala com falantes mais

escolarizados que apresentou pesos relativos de .79, .91 e .91 – os dois últimos fatores do

segundo nível também apresentaram a mesma tendência de favorecimento. Falantes mais

escolarizados, contudo, incorporam mais as formas marcadas do verbo de terceira pessoa do

plural que os menos escolarizados – principalmente, se elas forem mais salientes.

Como se pode perceber, a escala é mais nítida, ou seja, apresenta um aumento crescente

de pesos relativos, nos dados de falantes mais escolarizados. Isso demonstra que a escolarização

influencia a amplitude da variação nos dados de falantes de PB-L2, de modo contrário ao que

ocorre com falantes de PB-L1 (cf. SCHERRE; NARO, 1997). Tal fato revela que, nesse

contexto de aquisição de uma segunda língua, os falantes adquirem primeiro as formas mais

perceptíveis/ salientes de número plural dos verbos de terceira pessoa do que as formas menos

perceptíveis/ menos salientes e que a escolaridade é significativamente relevante nesse

processo. Considerando que mais escolaridade significa mais contato com falantes nativos do

português brasileiro, esse resultado ratifica o que foi encontrado por Emmerich e Paiva (2009)

no português de contato da Reserva Indígena do Alto Xingu.

As autoras, a fim de investigar os princípios que determinam a direcionalidade da

variedade xinguana (pidnizante → depidginizante), fazem uma breve análise da redução das

desinências modo-temporais e número-pessoais. Nesse trabalho, Emmerich e Paiva (2009)

atestam que, no que se refere à variedade do português falado no Xingu, a incorporação de

ambas as desinências se deu, em grande parte, pela diferença fônica dos membros envolvidos

na oposição singular/ plural. O mesmo resultado foi encontrado por Loureiro (2005)42 em sua

análise da concordância nominal no PB-L2 da região xinguana – os plurais mais salientes foram

42 A cronologia entre os trabalhos de Loureiro (2005) e Emmerich e Paiva (2009) não foi respeitada, porque

privilegiamos o trabalho cujo fenômeno analisado foi a redução de desinências número-pessoais – mais próximo

do fenômeno por nós pesquisado.

Page 122: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

121

incorporados antes dos menos salientes, como vem ocorrendo com os Guarani do Espírito

Santo.

7.1.2 Paralelismo formal - nível oracional

O princípio geral do paralelismo formal no nível oracional prediz que marcas nos

sujeitos levam a marcas nos verbos correspondentes e a ausência de marcas de plural nos

sujeitos leva à ausência de desinências de número nos verbos subsequentes (SCHERRE;

NARO, 1992, 1993; VIEIRA, 1997; SCHERRE, 1998; MONGUILHOTT, 2009; VIEIRA;

BAZENGA, 2015). Tal constatação pôde ser verificada nos dados da primeira análise com

falantes de PB-L1 aracruzenses e, agora, também nos dados Guarani, como mostra a próxima

tabela.

Tabela 08 – Distribuição de formas verbais marcadas em função da variável paralelismo

oracional na amostra de PB-L2.

PARALELISMO ORACIONAL

FATORES APL/TOTAL PORCENTAGEM PESO

RELATIVO

Presença de -s no último elemento do sujeito. 215/384 56% .62

Presença de zero no último elemento do sujeito. 61/229 26,6% .25

Presença de numeral no último elemento do

sujeito. 9/10 90% .76

Neutralização no último elemento do sujeito. 34/50 68% .66

TOTAL 319/673 47,4% Input .44

Assim como foi observado nos dados dos falantes de Santa Cruz e Coqueiral de Aracruz,

não obtivemos dados suficientes para a análise dos seis fatores propostos por Scherre e Naro

(1993) para o estudo do paralelismo oracional, a saber: presença de -s no último elemento do

sujeito não inserido em um sintagma preposicional (Sprep); presença da forma plural zero no

último elemento do sujeito não inserido em um sintagma preposicional (Sprep); presença de

forma plural explícita no último elemento do sujeito inserido em um sintagma preposicional

(Sprep) e presença da forma zero seja ela plural ou singular no último elemento do sujeito

inserido em um sintagma preposicional (Sprep) (SCHERRE; NARO, 1993).

Page 123: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

122

Optamos, então, pela análise de apenas dois níveis, dentre os quatro primeiros, que

desconsideram a qualidade de o último elemento do sujeito estar ou não inserido em um Sprep,

conforme consta em nossa metodologia e no quadro acima representado: 1) presença de -s no

último elemento do sujeito e 2) presença de zero no último elemento do sujeito. A diferença

entre esta análise e a anterior é que aqui podemos verificar a atuação da presença de numeral

no último elemento do sujeito – dado insuficiente na análise realizada com a amostra do distrito

de Santa Cruz. Cabe ressaltar que, nos contextos de sujeito nulo ou posposto, os dados não

foram computados, devido à impossibilidade de se verificar a influência desse paralelismo

nessas estruturas.

Falantes Guarani e aracruzenses apresentaram resultados muitos próximos nos mesmos

fatores do paralelismo oracional. A presença de -s no último elemento do sujeito da amostra

Guarani favoreceu a aplicação da marca de concordância no verbo em 56% dos dados,

indicando a probabilidade de .62. O mesmo pôde ser verificado quanto à ausência de marcas

de número no sujeito: verbos antecedidos por sujeitos com presença zero de plural no último

elemento desfavorecem a realização de formas verbais marcadas, conforme o peso relativo de

.25 para este falar. Assim, mais uma vez, a comunidade indígena replicou os condicionamentos

apontados pelos estudos sociolinguísticos para a variável em questão: marcas levaram a marcas

e zeros levaram a zeros (SCHERRE; NARO, 1991, 1992, 1993).

No que diz respeito aos dados com neutralização no último elemento do sujeito (elas

são livres), os falantes Guarani, bem como os falantes das comunidades com as quais mantêm

contato mais intenso, apresentam o mesmo condicionamento apontado por Scherre e Naro

(1993): sujeitos cujos últimos elementos foram neutralizados apresentam o mesmo

comportamento daqueles com marcas explícitas de plural no último elemento. Na análise de

PB-L2, registramos 68% de ocorrências de verbos com desinências de plural em contextos de

neutralização – com probabilidade de ocorrência, segundo o programa estatístico, de .66 de

peso relativo.

Por último, temos os dados com presença de numeral43 no último elemento. Dos 10

verbos de terceira pessoa do plural nesse contexto, 09 deles apresentaram as marcas explícitas

de concordância, resultando um percentual de 90% de ocorrência com probabilidade de .76 de

peso relativo. Considerando o fator presença de -s no último elemento do sujeito, que

43 Não controlamos a presença ou não de -s no numeral, como Scherre (2001), devido ao número pequeno de dados

em nossa amostra nesse contexto. Seguimos, então, os casos arrolados em Scherre e Naro (1993), que, como vimos,

controlaram a presença e a ausência de marcas no último elemento do sujeito inserido ou não no sintagma

preposicionado, além da presença de numeral e de neutralização.

Page 124: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

123

apresentou peso relativo de .62 na aplicação das marcas de plural, pode-se dizer que, assim

como ocorreu nos demais contextos, os falantes Guarani replicaram os mesmos

condicionamentos encontrados nas amostras de fala de falantes nativos do português brasileiro.

7.1.3 Paralelismo formal - nível discursivo

Assim como foi apontado no paralelismo de nível oracional, o princípio que rege os

paralelismos linguísticos prevê que marcas levam a marcas e zeros levam a zeros (SCHERRE;

NARO, 1992, 1993; VIEIRA, 1997; SCHERRE, 1998; MONGUILHOTT, 2009). Partindo

desse pressuposto, no nível discursivo, a expectativa para falantes nativos do português

brasileiro é que verbos com marcas explícitas de plural no discurso do falante ou do interlocutor

influenciem a realização das marcas nos verbos subsequentes, ao passo que verbos sem a marca

de plural favoreçam a ausência da mesma na ocorrência verbal seguinte, isto é, desfavoreçam a

realização de formas com desinências de número.

A análise anterior, com falantes nativos do português brasileiro, mostrou que esse

princípio, mais uma vez, foi ratificado. Em se tratando dos informantes Guarani, falantes de

PB-L2, os condicionamentos para a variabilidade da concordância verbal com falantes de PB-

L1, observados nas mais diversas pesquisas sociolinguísticas, mais uma vez, foram replicados.

Os resultados dessa amostra podem ser conferidos na tabela abaixo:

Tabela 09 – Distribuição de formas verbais marcadas em função da variável paralelismo

discursivo na amostra de PB-L2.

Nesse nível de paralelismo, como podemos perceber, os falantes Guarani apresentaram

.63 de peso relativo para a aplicação da marca explícita de concordância em contextos cujo

verbo precedente contém a marca de plural. Em contrapartida, nos contextos em que o verbo

PARALELISMO FORMAL – NÍVEL DISCURSIVO

FATORES APL/TOTAL PORCENTAGEM PESO

RELATIVO

1. Verbo precedido de verbo com marca formal

de plural explícita no discurso do falante ou do

interlocutor. 187/271 69% .63

2. Verbo precedido de verbo com marca zero de

plural no discurso do falante ou do interlocutor. 56/231 24,2% .27

3. Verbo isolado ou primeiro de uma série. 266/568 46,8% .53

TOTAL 509/1070 47,6% Input .44

Page 125: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

124

precedente não possui as desinências de número, a probabilidade de aplicação da concordância

no verbo subsequente foi de apenas .27 – das 231 ocorrências desse fator, apenas 24,2%

receberam as marcas de concordância verbal.

Em contextos em que o verbo está isolado ou é o primeiro da série, por sua vez, essa

distância diminui. Como podemos observar, nossos dados apresentam .53 de probabilidade de

aplicação da marca de concordância em verbos que se enquadram nesse caso. Segundo Scherre

e Naro (1993)44, esse resultado indica que verbos isolados ou primeiro de uma série não

exercem influência (des)favorecedora na média global da concordância uma vez que se

localizam muito próximo ao peso de influência neutra (SCHERRE; NARO, 1993; GUY;

ZILLES, 2007).

7.1.4 Posição, distância e realização do sujeito

A hipótese para posição, distância e realização do sujeito, de acordo com os estudos de

concordância verbal de terceira pessoa do plural, é a de que sujeitos antepostos e adjacentes ao

verbo favorecem a aplicação das desinências verbais de número enquanto sujeitos pospostos e

distantes desfavorecem (SCHERRE; NARO, 1997, 1998, 2007; VIEIRA, 1997; SILVA, 2005;

MONGUILHOTT, 2009; MASCARELLO, 2010; BENFICA, 2016).

Em nossa análise, com falantes nativos do português brasileiro, essa variável não se

mostrou estatisticamente relevante e, por isso, foi descartada. Seus percentuais de aplicação,

contudo, indicaram que Santa Cruz e Coqueiral de Aracruz seguem a mesma direção do que se

tem observado em outras variedades do português brasileiro como L1. Considerando essa

realidade sociolinguística, partimos para a análise da amostra Guarani que, para a variável

posição, distância e realização do sujeito, apresentou os seguintes resultados:

44 Nessa pesquisa, o contexto em que o verbo isolado ou primeiro de uma série apresentou probabilidade de .48 de

peso relativo de aplicação da concordância verbal – um valor muito próximo dos .53 revelados por nossa análise.

Page 126: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

125

Tabela 10 – Distribuição de formas verbais marcadas em função da variável posição e

realização do sujeito na amostra de PB-L2.

POSIÇÃO, DISTÂNCIA E REALIZAÇÃO DO SUJEITO

FATORES APL/TOTAL PORCENTAGEM PESO

RELATIVO

Sujeito imediatamente anteposto ao verbo. 205/377 54,4% .58

Sujeito anteposto distante de 1 a 4 sílabas do

verbo. 100/264 37,9% .45

Sujeito anteposto distante de 5/+ sílabas do

verbo. 14/32 43,8% .34

Sujeito posposto ao verbo. 36/83 43,4% .22

Sujeito nulo com referente próximo (até 10

orações). 143/302 47,4% .51

Sujeito nulo com referente distante (acima de

10 orações). 11/12 91,7% .88

TOTAL 509/1070 47,6% Input .44

Na amostra de falantes de PB-L2, como podemos perceber, assim como indicaram os

percentuais de aplicação dos dados de falantes de PB-L1 das comunidades de entorno, a

anteposição e a proximidade do sujeito também são condicionamentos estruturais que

favorecem a realização das marcas explícitas de concordância nos verbos. Das 377 ocorrências

de verbos de terceira pessoa com sujeitos antepostos, 205 apresentaram a marca explícita da

concordância verbal, o que corresponde a 54,4% de verbos marcados nesse contexto. Em

contextos de sujeitos pospostos, por sua vez, de 83 ocorrências, 36 foram marcadas – um

percentual de 43,4%. Tais resultados indicaram probabilidade de ocorrência da variante

marcada de .58, em contextos com sujeitos imediatamente antepostos, e .22 em contextos com

sujeitos localizados à direita do sintagma verbal – sendo este o contexto que mais desfavorece

a realização de formas verbais marcadas na terceira pessoa do plural considerando todos os

fatores do grupo.

Em relação à distância, nossos dados mostraram que, quanto maior a distância entre os

núcleos dos sujeitos e seus verbos correspondentes, menores as probabilidades dessas marcas

de plural ocorrerem. No quadro acima, sujeitos imediatamente próximos apresentaram peso

relativo de .58; sujeitos antepostos distantes até 4 sílabas do verbo, de .45 e sujeitos distantes

cinco sílabas ou mais, de .34 – revelando uma diminuição da probabilidade de os verbos serem

marcados à medida que a quantidade de material fônico entre o núcleo do sujeito e o verbo

aumentou.

Para sujeitos nulos, os índices de aplicação foram de .51 para sujeitos distantes até dez

orações e de .88 para sujeitos distantes mais de dez orações do verbo correspondente. Esses

Page 127: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

126

mesmos efeitos foram encontrados por Scherre e Naro (1997); segundo os pesquisadores, isso

ocorre devido ao princípio da economia linguística. A informação de plural em sujeitos com

zero próximo é mais facilmente recuperável do que a informação de plural em sujeitos com

zero distante. Dessa forma, quanto maior a distância entre o sujeito zero e sua respectiva forma

verbal, maior a probabilidade desses verbos receberem a marca explícita de plural como ocorreu

nos dados de PB-L2 de nossa amostra.

7.1.5 Traço semântico do sujeito: contável/ não-contável

A variável de traço semântico contável/não-contável, como observamos em nossa

metodologia, foi proposta devido à necessidade de verificarmos se há transferência da língua

materna para o português falado pelos Guarani do Espírito Santo, pois, na L1 desses

informantes, a marcação de plural no verbo ocorre apenas com nomes contáveis (DOOLEY,

2013). A hipótese para esse traço semântico do sujeito é que nomes contáveis levam à marcação

de plural no verbo, ao passo que nomes não-contáveis a desfavorecem. Os resultados para a

essa variável encontram-se dispostos na tabela abaixo:

Tabela 11 – Distribuição de formas verbais marcadas em função da variável traço semântico

do sujeito contável/ não-contável na amostra de PB-L2:

TRAÇO SEMÂNTICO - CONTÁVEL/ NÃO-CONTÁVEL

FATORES APL/TOTAL PORCENTAGEM PESO

RELATIVO

Contável 492/1015 48,5% .51

Não-contável 17/38 30,9% .22

TOTAL 509/1070 47,6% Input .44

Como podemos observar, dos 1015 dados com nomes contáveis, 48,5% (.51) deles

receberam a marca de concordância nos verbos de terceira pessoa do plural. O traço semântico

não-contável, por sua vez, configurou-se como desfavorecedor da realização das formas

marcadas do verbo, pois, dos 38 dados encontrados nesse contexto, apenas 30,9% deles foram

marcados, com probabilidade de ocorrência de .22.

Page 128: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

127

Segundo Dooley (2013), em Guarani, verbos no plural só ocorrem com nomes

contáveis; em vista disso, nossa hipótese para essa variável era a de que esse traço semântico

favoreceria a realização da variante de prestígio da concordância verbal – como de fato ocorreu.

Sua seleção e a confirmação da hipótese indicam que os falantes da amostra de PB-L2

transferem esse padrão de marcação de plural nos verbos da língua materna para a língua alvo.

Os falantes da comunidade Guarani residente no Estado do Espírito Santo replicam,

assim, todos os condicionamentos estruturais a que estão expostos. O gráfico abaixo nos fornece

uma visão comparativa de todos os resultados das variáveis linguísticas analisadas em ambas

as amostras que constituem o corpus deste trabalho:

Gráfico 07 – Realização da CV na 3ª pessoa do plural de falantes de PB-L1 e PB-L2 de acordo

com as variáveis linguísticas selecionadas em ambas as amostras (pesos relativos).

Nesse gráfico, encontramos os pesos relativos para as variáveis linguísticas selecionadas

em ambas as análises: em verde, estão os valores dos falantes Guarani e, em azul, os valores

dos falantes do distrito de Santa Cruz. A gradiência na tonalidade de azul da amostra de PB-L1

serve para sinalizar cada variável representada; assim, temos, em azul escuro, os dados de

paralelismo discursivo (PD) seguidos pelos dados de saliência fônica (SF), em um tom

PD SF PO

Aracruz 70 21 44 30 32 31 75 79 79 53 15 68

Guarani 63 27 53 13 24 34 64 85 84 62 25 66

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

VARIÁVEIS LINGUÍSTICAS SELECIONADAS

Page 129: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

128

intermediário, e, por último, em azul mais claro, os dados de paralelismo formal no nível

oracional (PO).

O objetivo dessa apresentação é sintetizar o que foi observado até este momento do

trabalho, comparando não os pesos relativos das referidas amostras, mas o direcionamento das

variáveis na aquisição do português brasileiro como segunda língua que pode ser verificado

pelo traçado da amostra Guarani no gráfico. Pode-se perceber, assim, que além de os falantes

indígenas e os falantes das comunidades não-índias compartilharem condicionamentos comuns

para a realização da marca de plural nos verbos, esses condicionamentos operam em PB-L2 na

mesma direção do PB-L1 a que estão expostos.

Em vista disso, pode-se dizer que as mesmas forças que atuam na variação da

concordância verbal no português brasileiro com falantes nativos, regulam a aquisição das

formas marcadas do verbo de terceira pessoa na variedade da língua portuguesa que os Guarani

estão adquirindo, no seguinte sentido: os padrões que favorecem a realização explícita da

concordância no verbo para falantes de PB-L1 propiciam a incorporação mais rápida da variante

de prestígio na fala dos informantes de PB-L2 (cf. EMMERICH, 1984; LOUREIRO, 2005;

EMMERICH; PAIVA, 2009).

O trabalho de Emmerich e Paiva (2009), por exemplo, como vimos no tópico 7.1.1,

atestou a relevância da saliência fônica na incorporação das marcas de plural no português

falado pelos índios do Parque Nacional Indígena do Xingu. Segundo essa pesquisa, as formas

mais salientes são adquiridas antes das formas menos salientes, que exibem um processo de

aquisição mais lento. Tal processo também se repetiu em nossa amostra de PB-L2 Guarani,

sendo esta, a variável mais relevante em nossa análise da concordância verbal de número

segundo o programa estatístico. Segundo as autoras, “as oposições distintivas do português

tendem a ser incorporadas, na fala do indígena (...) de forma incipiente no início, para,

gradativamente, se instalar de forma variável” (EMMERICH; PAIVA, 2009, p. 158).

7.2 Variáveis sociais

7.2.1 Escolaridade

A variável extralinguística “escolaridade” foi a segunda variável selecionada pelo

programa estatístico Goldvarb X (SANKOFF; TAGLIAMONTE; SMITH, 2005) – uma

posição que evidencia sua relevância no estudo da variabilidade da concordância verbal de

Page 130: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

129

terceira pessoa do plural na amostra de fala Guarani. Essa variável, como sabemos, está

diretamente ligada à apropriação de variantes de prestígio. É, muitas vezes, na escola, que o

falante passa a ter consciência do estigma relacionado à variante zero da concordância verbal.

Em vista disso, a hipótese para essa variável é a de que, quanto maior o nível de escolarização,

maior a probabilidade dos falantes realizarem as marcas de concordância nos verbos

(SCHERRE; NARO, 1997, 1998; 2014; SILVA, 2005; MONGUILHOTT, 2009; VIEIRA;

BAZENGA, 2015).

Como vimos no capítulo anterior, nas comunidades de entorno das aldeias Guarani, a

escolaridade dos informantes se mostrou relevante não só por ter sido a primeira variável social

selecionada naquela análise, como também por mostrar, estatisticamente, ser mais forte que a

variável sexo. Na análise de PB-L1, informantes mais escolarizados tenderam a realizar mais a

concordância verbal que informantes menos escolarizados com um range de 29 pontos entre

um nível e outro. Em PB-L2, por sua vez, o Goldvarb X (SANKOFF; TAGLIAMONTE;

SMITH, 2005) revelou os seguintes resultados:

Tabela 12 – Distribuição de formas verbais marcadas em função da variável escolaridade na

amostra de PB-L2.

ESCOLARIDADE

FATORES APL/TOTAL PORCENTAGEM PESO

RELATIVO

Até 8 anos de escolaridade. 151/491 30,8% .25

Mais de 8 anos de escolaridade. 358/579 61,8% .71

TOTAL 509/1070 47,6% Input .44

A tabela acima nos mostra, mais uma vez, que os resultados para este grupo de fatores

nos dados dos Guarani, residentes no Espírito Santo, replicam o mesmo condicionamento que

os falantes nativos do português brasileiro para essa variável. Cabe lembrar que, inicialmente,

os informantes indígenas foram estratificados em três níveis de escolaridade: nível 1 – até a 5ª

série; nível 2 – da 6ª série até o fundamental completo e, nível 3, ensino médio em diante. Uma

vez que os resultados encontrados para os dois primeiros níveis indicaram pesos relativos

exatamente iguais (.25), com pequenas diferenças nos percentuais, decidimos amalgamar os

dois primeiros níveis de escolaridade.

Page 131: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

130

O resultado apontado pela plataforma estatística foi exatamente igual ao anterior:

falantes com até 8 anos de escolaridade, período que correspondia ao ensino fundamental

completo45, apresentaram probabilidade de .25 de peso relativo para a aplicação da regra de

concordância no verbo, enquanto falantes com mais de 8 anos escolaridade apresentaram

probabilidade de .71. O range de 46 entre os níveis evidencia que essa variável exerce uma

influência ainda maior em informantes que não possuem o português como língua materna

quando comparado ao resultado da comunidade a que estão expostos.

Esse efeito mais acentuado da escolaridade nos dados dos Guarani em comparação aos

dados de Santa Cruz advém, em certa medida, do fato de que há, entre os falantes de PB-L2,

desde analfabetos até informantes com ensino superior – o que não ocorre na amostra de

falantes de PB-L1. Outro fator relevante diz respeito à própria configuração do ensino indígena

ofertado a esses informantes.

A educação indígena no Brasil é orientada pelo RCNei – Referencial Curricular

Nacional para as Escolas Indígenas. Segundo este documento, a língua de instrução deve ser a

língua materna indígena e o português brasileiro deve ser ofertado como língua estrangeira.

Essa proposta bilíngue, contudo, não condiz com o que ocorre na comunidade Guarani do

Espírito Santo. Na escola indígena localizada dentro da aldeia, os alunos são ensinados em

Guarani e aprendem o português brasileiro como segunda língua, como determina o Referencial

até o 5º ano do ensino fundamental. Nessa fase, as turmas contam com um professor Guarani

para todas as disciplinas. No segundo ciclo, do 6º ao 9º ano, contudo, os alunos Guarani são

ensinados por professores Tupinikim que, como sabemos, são falantes de PB-L1. Nesse

contexto, a língua Guarani passa apenas a ser ofertada como disciplina.

No segundo nível da educação básica, por sua vez, que compreende o ensino médio, até

o momento de nossas entrevistas, os alunos frequentavam as escolas de ensino regular não-

indígenas fora do Território Indígena. Isso explica, em parte, os resultados aqui apresentados

no seguinte sentido: índios mais escolarizados têm mais oportunidades de socialização e

mantêm contato com mais frequência com falantes de PB-L1 que índios menos escolarizados.

Em vista disso, considerando que em nossa amostra há dois informantes graduados no

segundo nível e duas informantes analfabetas no primeiro nível, sentimos a necessidade de

verificar o efeito dessa variável em duas outras rodadas: uma sem os informantes mais

escolarizados da amostra e outra sem as informantes com nenhuma escolaridade. Na primeira

45 O ensino fundamental de nove anos passou a vigorar em algumas regiões do Brasil apenas a partir de 2005 com

período máximo de implementação até 2010. Considerando que o acréscimo de um ano deveria ser feito no início

da escolarização (MEC), nenhum dos nossos informantes foi beneficiado por esse sistema de ensino.

Page 132: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

131

rodada46, foram selecionadas pelo Goldvarb X (SANKOFF; TAGLIAMONTE; SMITH, 2005)

as seguintes variáveis: saliência fônica, escolaridade, paralelismo oracional, sexo, grau de

contato, animacidade, paralelismo discursivo, posição/distância/realização do sujeito e traço

semântico contável/não-contável, nessa ordem; foram descartadas as variáveis tempo verbal e

faixa etária. Além da mudança na ordem das variáveis selecionadas, a única diferença nessa

seleção foi a de que o traço semântico do sujeito [± animado], descartado na rodada com todos

os informantes, foi selecionado na nova rodada.

Verificamos que todos os condicionamentos se mantiveram, inclusive aqueles ligados

às variáveis sexo e grau de contato, como veremos adiante. Quanto à escolaridade, além dessa

variável também ter sido a segunda selecionada, o efeito foi exatamente o mesmo: informantes

com até 8 anos de escolaridade apresentaram peso relativo de .30 e informantes com mais de 8

anos apresentaram peso relativo de .80 – mantendo, assim, o range de cerca de 50 pontos da

rodada com os todos 16 informantes.

A diferença mais significativa que a ausência desses informantes ocasionou, além da

seleção de uma variável a mais e dos resultados da variável saliência fônica, que apresentou

valores muito baixos para o primeiro nível, foi no input da rodada que, de .44, caiu para .30 –

uma diferença de 14 pontos que ratifica, mais uma vez, a hipótese de que, quanto mais anos de

escolarização, maior a probabilidade das formas marcadas ocorrerem nos dados dos

informantes de PB-L2. Na rodada sem as informantes analfabetas, por sua vez, todas as

seleções, resultados e condicionamentos permaneceram iguais à rodada completa. O efeito

encontrado para a variável escolaridade, assim, se manteve igual em todas as rodadas realizadas.

Em um artigo recente, Scherre e Naro (2014) discutiram o aumento do efeito dessa

variável na realização da concordância verbal em dados de falantes de PB-L1 do Rio de Janeiro.

Por meio de duas amostras do PEUL47, a primeira de 1980 e a segunda de 2000, ambas com os

mesmos informantes, os pesquisadores constataram que a polarização da variável escolaridade

aumentou nesse intervalo de 20 anos entre as amostras, evidenciando uma distribuição social

cada vez mais desigual da variante padronizada.

Na amostra de 1980, o Goldvarb X (SANKOFF; TAGLIAMONTE; SMITH, 2005)

selecionou essa variável extralinguística em 11º lugar; na amostra seguinte, a escolaridade foi

a primeira das onze variáveis selecionadas exibindo o maior intervalo de todas elas. Isso indica,

segundo os autores, que houve um aumento do efeito dessa variável na realização das marcas

de concordância. A ausência de concordância nos verbos de terceira pessoa do plural está,

46 A rodada completa sem os informantes mais escolarizados encontra-se em uma tabela no anexo desta pesquisa. 47 Programa de Estudos sobre o Uso da Língua, com sede na UFRJ.

Page 133: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

132

assim, sob avaliação negativa; Scherre e Naro (2014) salientam, inclusive, que a não aplicação

dessas marcas de plural geralmente é considerada como um sinal de “não saber falar o

português”.

Entendemos que o estigma social causado pelo preconceito linguístico é amplificado

quando se trata de indivíduos socialmente marginalizados como os indígenas e que isso se

reflete na relação dos mesmos com as instituições de ensino. Não foi raro encontrar, em nossa

amostra de PB-L2, relatos de preconceito sofrido na escola e relatos da importância das

instituições de ensino para a comunidade indígena, ainda que elas configurassem um risco à

manutenção da identidade étnica.

Informantes Guarani e aracruzenses repetiram, mais de uma vez, que os Guarani

aprendem a falar português na escola, embora saibamos da proximidade das aldeias com as

comunidades de falantes nativos do português brasileiro. Um dos excertos de fala Guarani que

melhor ilustra o que nossos resultados apontam é o do informante M3; segundo ele, a pessoa

com mais estudo tem uma “diferença” que ele não tem e por isso ele a respeita:

A gente temo um grande respeito pelas pessoa que estuda, que tem o seu estudo, né;

eu não tenho nada a ver... Maisi a pessoa que já tem um estudo, eles têm mais um

pouco... Uma diferença que a gente que não temo, né... E memo assim, a gente né...

A gente trabalha igual. (Inf. M3/PB-L2 – excerto de fala extraído de nosso banco de

dados)

7.2.2 Sexo

A variável sexo, na amostra de dados de falantes Guarani, foi a segunda variável

extralinguística selecionada pela plataforma estatística e a quarta dentre todas as variáveis

independentes; isso evidencia a relevância do efeito dessa variável no condicionamento da

concordância verbal na terceira pessoa do plural. Sabemos que, de acordo com as pesquisas

sociolinguísticas, há uma regularidade no fato de as mulheres tenderem a usar mais as formas

prestigiadas da língua que os homens.

Segundo Labov (2008), isso se dá porque as mulheres são mais sensíveis aos padrões

de prestígio que os homens. Paiva (2010), por sua vez, salienta que esse padrão feminino é

característico de análises em comunidades de fala ocidentais e que esse padrão pode se reverter

em comunidades de fala em que a organização social e os valores culturais forem distintos.

Um exemplo ilustrativo dessa possibilidade é o resultado encontrado em comunidades

quilombolas pesquisadas pelo Projeto Vertentes do Português Popular da Bahia, coordenado

Page 134: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

133

pelo professor Dr. Dante Lucchesi; nessas pesquisas, os homens é que tendem a usar mais a

variante prestigiada da concordância verbal. Isso resulta do papel que homens e mulheres

exercem dentro dessas comunidades de fala; enquanto eles mantêm mais contato com o exterior,

elas ficam restritas ao ambiente doméstico e ao trabalho na roça (SILVA, 2005; LUCCHESI;

BAXTER; SILVA, 2009). Considerando que essa também é a realidade das mulheres Guarani

e que o papel social exercido pelo falante se reflete nos seus usos linguísticos, nossa hipótese é

a de que o resultado da amostra de PB-L2 divergirá do encontrado na amostra de PB-L1, em

que as mulheres tenderam mais à aplicação das marcas de concordância nos verbos. Os

resultados encontrados estão arrolados na tabela a seguir:

Tabela 13 – Distribuição de formas verbais marcadas em função da variável sexo na amostra

de PB-L2.

SEXO

FATORES APL/TOTAL PORCENTAGEM PESO

RELATIVO

Masculino. 464/900 51,6% .60

Feminino. 45/170 26,5% .09

TOTAL 509/1070 47,6% Input .44

Como podemos perceber, os resultados para a amostra de PB-L2 indicados no quadro

acima, confirmam nossa hipótese. Enquanto os homens realizaram as formas marcadas de plural

em 51,6% do total das ocorrências de verbos com sujeito referente à terceira pessoa do plural,

as mulheres aplicaram em apenas 26,5% do total de verbos. Esses percentuais se associam,

respectivamente, a uma probabilidade de aplicação para os homens de .60 e para as mulheres

de .09 – um range de 51 entre um fator e outro – uma diferença ainda maior do que aquela

encontrada no estudo de falantes de PB-L1 das comunidades rurais afro-brasileiras que serviram

de base para a formulação da nossa hipótese (cf. SILVA, 2005; LUCCHESI; BAXTER;

SILVA, 2009). Atente-se para o fato de que nossa amostra, mesmo possuindo oito informantes

de cada sexo, possui um total de 900 dados de informantes masculinos contra 170 de

informantes femininos entrevistados e gravados em circunstâncias iguais. Essa distância

acentuada nos resultados de homens e mulheres da comunidade Guarani reflete a diferença de

estágio aquisitivo do PB-L2 em que ambos os grupos de falantes se encontram.

Page 135: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

134

Durante nossas coletas de dados nas aldeias Guarani do Espírito Santo, pudemos

observar uma diferença nos papéis sociais exercidos por homens e mulheres, diferença esta que

foi confirmada mais de uma vez pelos próprios falantes entrevistados, como indicam os excertos

abaixo retirados de nosso banco de dados:

(...) bom, de primeiro a gente tinha a escolinha ali embaixo, né? Só que os professores

eram mais eh não indígena. Então, quando vinha os primeirinho né, os gurizinho, que

ia pra escola às vezes ficava perdido, porque a professora só fala em português e as

crianças só falava só a língua guarani, só a língua materna. Aí ficava os dois lados

sem entender; ia pra escola e voltava sem entender nada. Então a gente conseguiu os

professores da nossa própria comunidade, né? (...) eu mesmo só aprendi só de doze

ano em falar português, depois que eu completei doze anos (...) tem algumas mulher

que não fala mesmo o português, entende um pouco mas não entende todos. (Inf.

M1/PB-L2)

D: mas você sabe contar alguma história de alguma coisa que aconteceu?/ IF: tem mas

eu/é um pouco complicada pra mim ((risos)) falar em português ((risos)) porque eu

também não sou muito de... ((risos)) Assim, não sei muito falar muito bem assim

tamém não ((risos)) muita coisa. (Inf. F7/PB-L2)

(...) ah de homi... Não sei dizer não, mais de home é... Capinar. Nós, mulher, a gente

limpa a casa, faiz a comida, lava ropa... Essas coisa. (Inf. F6/PB-L2)

aqui a gente tem um gru/eu trabalho mais com as minha minina mesmo... junto aqui;

a gente faz artesanato, a gente cuida da casa, é assim que a gente fica aqui. (Inf. F5/PB-

L2)

Os excertos acima, como podemos perceber, corroboram o que foi apontado por nossos

dados. No primeiro exemplo, temos o depoimento de um homem sobre algumas mulheres, na

opinião dele, não saberem falar bem a língua portuguesa. Isso é repetido nos dois excertos

seguintes em que duas mulheres demonstram sua dificuldade/insegurança em responder a

nossas perguntas em português – para nós, é evidente que a informante F6 sabe quais as

atividades realizadas pelos homens dentro das aldeias, mas não sabe como expressá-las na

segunda língua. É importante ressaltar que três de nossas informantes se recusaram a nos contar

uma história sob o mesmo argumento, ainda que tenham sido solícitas e prestativas durante toda

a entrevista.

As duas informantes idosas, por sua vez, apresentaram reações diferentes: a informante

F148 era mais tímida, limitou-se a sorrir na maior parte das perguntas que lhe fizemos; já F2 era

mais extrovertida – fazia com que repetíssemos as perguntas de outras formas até que soubesse

respondê-las. As informantes F5 e F6 também ratificam o que foi observado por nós em nossas

idas às aldeias: elas se circunscrevem ao ambiente doméstico e à fabricação de artesanatos.

48 O quadro com a descrição individual dos informantes de PB-L2 encontra-se na página 77 do Capítulo 5.

Page 136: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

135

Em nossa amostra, apenas um informante do sexo feminino possuía um emprego formal:

ela trabalhava como merendeira na escola indígena presente na aldeia. Por fim, ainda sobre o

excerto da informante F5, que alega trabalhar mais com suas filhas, acrescentamos o

depoimento extraído de Carvalho (2013) – importante para entendermos o comportamento

diferenciado da única mulher de grau alto de contato, como veremos na próxima seção:

Na infância, a criança menino acompanha o pai nas suas atividades diárias, enquanto

que a criança menina acompanha a mãe nos seus afazeres tanto de natureza doméstica

quanto de artesanatos, entre outros. Assim a mãe, assim como o pai da criança,

transmite ao pequeno indígena o modo de fazer e de pensar das suas tradições, bem

como os valores e os conhecimentos específicos da cultura de seu povo. As conversas

e os conselhos são fundamentais para a criança, tudo que a família faz reflete nas

crianças, elas repetem o que os adultos fazem. (p. 35)

Nas comunidades indígenas xinguanas, Emmerich (1984) identificou que, em relação

ao sexo, à semelhança do que ocorre na comunidade Guarani, os códigos socioculturais da

Reserva também restringiam o desempenho linguístico das mulheres:

As mulheres, em face das suas atribuições tribais diversificadas dos homens, pouco

participam da vida pública da aldeia, do que decorre seu contato esporádico com o

caraíba. No âmbito do grupo doméstico, por força de regras culturais, ela se mostra

reservada linguisticamente, só interagindo verbalmente sem restrições em contextos

estritamente femininos. (EMMERICH, 1984, p. 98-99)

Os diferentes papéis sociais de homens e mulheres, como ocorre nas comunidades

xinguanas, têm como consequência diferentes formas de contato com o português brasileiro

que geram consequências na aquisição da segunda língua – o que nos leva a nossa última

variável. A variável sexo é, portanto, a única selecionada nas duas amostras que apresenta

comportamentos diferentes entre os informantes de PB-L1 e PB-L2 em nossa análise sobre a

variabilidade da concordância verbal, e isso se deve, como vimos, aos papéis sociais que elas

desempenham em suas respectivas comunidades.

7.2.3 Grau de contato

A variável extralinguística grau de contato revelou-se a quinta variável mais relevante

de nossa amostra de PB-L2. Conforme consta em nossa metodologia, nossa hipótese para o

efeito dessa variável na realização/não realização da concordância verbal é de que quanto maior

o contato com a comunidade de falantes nativos do PB-L1, maior a probabilidade dos nossos

Page 137: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

136

informantes Guarani realizarem as marcas de concordância nos verbos. Os resultados dessa

variável encontram-se na tabela a seguir:

Tabela 14 – Distribuição de formas verbais marcadas em função da variável grau de contato

na amostra de PB-L2.

GRAU DE CONTATO

FATORES APL/TOTAL PORCENTAGEM PESO

RELATIVO

Baixo. 24/95 25,3% .73

Moderado. 56/127 44,1% .82

Alto. 429/848 50,6% .41

TOTAL 509/1070 47,6% Input .44

De acordo com o quadro acima, dos 509 dados com realização das marcas de

concordância no verbo de terceira pessoa do plural, 25,3% são de pessoas de baixo contato,

44,1% de grau moderado e 50,6% de grau mais elevado de contato linguístico com as

comunidades de entorno. Se considerarmos apenas esses percentuais de ocorrências da variante

de prestígio, nossa hipótese inicial se confirma: quanto maior o grau de contato do informante

com a comunidade nativa de língua portuguesa, maior uso das marcas de concordância nos

verbos.

Não é o que apontam, contudo, os pesos relativos resultantes dessa rodada. De acordo

com esses resultados, informantes de grau moderado realizam mais as desinências de plural nos

verbos que informantes de grau baixo e de grau alto, nessa ordem. Os resultados por nós obtidos

demonstram que informantes com maior grau de contato apresentam peso relativo de .41, ao

passo que informantes de grau baixo de contato apresentam peso relativo de .73.

O grau moderado também foge do padrão por nós esperado como fator intermediário

entre os dois extremos, pois indicou probabilidade de .82, maior que os outros dois. O range

entre o valor mais alto (grau moderado) e o valor mais baixo (grau alto) é de 41 pontos,

evidenciando que informantes do grau mais elevado da escala apresentam uma probabilidade

bem menor de realizar a concordância que os informantes do nível imediatamente anterior.

De acordo com esses resultados, a probabilidade de ocorrência da marca de

concordância nessa comunidade obedeceria uma escala decrescente: quanto maior o grau de

contato, menor a probabilidade de ocorrência de marcação explícita de CV. Houve, como

Page 138: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

137

podemos perceber, uma inversão de valores de peso relativo e percentuais, provavelmente

relacionada à distribuição dos falantes nessas células.

No nível 1 dessa rodada, quando não há ainda a atuação de um fator sobre o outro, os

pesos relativos para os graus baixo, moderado e alto de contato foram de .27, .46 e .53

respectivamente – correspondendo ao que foi apontado pelas porcentagens. A inversão de pesos

relativos ocorreu no nível 5, momento em que a variável sexo foi selecionada. Isso ocorreu

porque a amostra não possui uma boa distribuição de homens e mulheres de acordo com o grau

de contato – não há, dentre os informantes, homens com grau baixo de contato, e, em relação

às mulheres, apenas uma delas possui grau alto.

Ao realizarmos uma tabulação cruzada entre as variáveis sexo e grau de contato, ficou

evidenciada a existência de células vazias, confirmando, assim, que a inversão entre percentuais

e pesos relativos de nossa última variável analisada se deve à distribuição desequilibrada dos

dados nessas células e a uma sobreposição dessas variáveis. Guy e Zilles (2007) afirmam que

as células sociais devem tender à ortogonalidade para que não haja sobreposição ou

enviesamento das variáveis, mas, como nem sempre esse ideal de amostra homogênea é

alcançado, os linguistas usam como válidos também os resultados sem convergência

(SCHERRE; NARO, 2010).

Desse modo, objetivando investigar se há diferença na aquisição dos padrões de

variação do português brasileiro, foram realizadas novas rodadas isolando os dados por grupo

de falante em função do grau de contato para verificar se os grupos de fatores linguísticos se

comportam conforme a rodada principal. Foram realizadas 4 rodadas com controles distintos

dessa variável: primeiro, rodamos os dados somente com o grau alto de contato; em seguida,

rodamos apenas os dados de grau baixo de contato; em uma terceira rodada, amalgamamos os

graus baixo e moderado e, por último, excluímos os dados de grau alto e rodamos apenas os

graus baixo e moderado.

Nas três primeiras rodadas, não encontramos diferenças significativas em relação à

rodada com todos os dados, cujos resultados estão apresentados neste capítulo. Quando

amalgamamos os graus de contato baixo e moderado, contudo, detectamos um problema de

seleção de duas outras variáveis extralinguísticas: a escolaridade não foi selecionada, mas

também não foi descartada; e a faixa etária foi selecionada e descartada. Nessa rodada, todos

os demais condicionamentos se repetiram, inclusive o condicionamento apresentado pela

variável sexo. É importante frisar que o comportamento das variáveis linguísticas se manteve

em todas as rodadas.

Page 139: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

138

Em vista disso, duas novas rodadas foram realizadas somente com dados de mulheres e

somente com dados de homens. Na primeira rodada, foram selecionadas as seguintes variáveis:

saliência fônica, escolaridade, animacidade e paralelismo oracional respectivamente; e

descartadas as variáveis traço semântico contável/não-contável, tempo verbal, paralelismo

oracional e posição, distância e realização do sujeito. Nessa rodada, o input foi de .17 e os

condicionamentos se mantiveram. Na variável escolaridade, controlada em três níveis como

previsto na metodologia, observamos que mulheres mais escolarizadas aplicam mais a regra de

concordância verbal que mulheres menos escolarizadas. Já as variáveis faixa etária e grau de

contato não foram selecionadas nem descartadas pelo programa. Seus comportamentos,

contudo, foram os mesmos encontrados nas rodadas anteriores.

Na rodada apenas com informantes do sexo masculino, por sua vez, o programa

estatístico selecionou as seguintes variáveis, nesta ordem: saliência fônica; escolaridade;

paralelismo oracional; grau de contato; paralelismo discursivo; posição, distância e realização

do sujeito e animacidade. Tendo sido descartadas as variáveis tempo verbal, idade e traço

semântico contáveis/não-contáveis. Nessa rodada, o input foi de .51 e, assim como ocorreu nas

demais rodadas, os condicionamentos se mantiveram – inclusive a inversão encontrada nos

resultados para grau de contato. Ambas as rodadas apontam a diferença dos estágios aquisitivos

de homens e mulheres.

Assim como ocorreu na rodada principal, as variáveis saliência fônica e escolaridade se

mostraram mais relevantes na aquisição das formas marcadas de terceira pessoa nos verbos,

ratificando nossa discussão de que as formas mais salientes são incorporadas mais rapidamente

que as menos salientes – daí a exclusão da variável tempo verbal em todas as rodadas; e de que

a escolaridade, além de apresentar uma variante prestigiada da concordância, atua no sentido

de propiciar situações mais frequentes de contato com falantes nativos do português brasileiro.

A diferença de seleção nas duas rodadas indica, ainda, que os homens estão em um

estágio aquisitivo mais avançado que as mulheres, devido à quantidade maior de variáveis

linguísticas selecionadas; ou seja, essa distinção permite entrever que está ocorrendo uma

assimilação gradativa de padrões de variação da língua alvo motivada pelos mesmos

condicionamentos que regulam a variação em PB-L1 (EMMERICH; PAIVA, 2009).

Considerando que há dois homens com nível universitário em nossa amostra, julgou-se

necessário verificar se esses comportamentos se mantêm sem os dados desses informantes.

Assim, foram feitos dois cruzamentos, cada um sem os dados de informantes de nível

universitário e com todos os dados, que serão descritos e analisados nas seções 7.2.3.1 e 7.2.3.2

a seguir.

Page 140: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

139

7.2.3.1 Cruzamento das variáveis sexo e grau de contato

A fim de aprofundar a investigação em função das variáveis sociais selecionadas na

rodada principal – sexo, escolaridade e grau de contato – julgou-se necessário, como

supracitado, realizar uma rodada cruzando as variáveis sexo e grau de contato sem os dados dos

falantes de nível universitário e com todos os dados novamente. Na primeira rodada, foram

selecionados os seguintes grupos por ordem de relevância: saliência fônica; escolaridade; sexo

x grau de contato; paralelismo oracional; animacidade; paralelismo discursivo; posição,

distância e realização do sujeito; e, por último, traço semântico contável/não-contável. Foi

descartada, mais uma vez, a faixa etária.

Uma vez que o tempo verbal mostrou correlação com a saliência fônica em todas as

rodadas, essa variável não participou desta rodada que, assim como nas demais, manteve os

condicionamentos esperados para as variáveis linguísticas. A seleção das variáveis confirma,

mais uma vez, a relevância da saliência fônica na aquisição das marcas de concordância nos

verbos de terceira pessoa; e do grupo de fatores contável/não-contável como padrão transferido

da L1 para o PB-L2 dos informantes indígenas.

Os condicionamentos para todas as variáveis foram os mesmos da rodada principal,

ainda que o input tenha caído – com exceção da variável saliência fônica, cujos resultados dos

três primeiros fatores do nível não-acentuado convergem em direção ao desfavorecimento

apresentando valores muito baixos. Na rodada sem os falantes universitários, a probabilidade

de realização das formas marcadas de verbos na terceira pessoa do plural foi de .31

considerando todas as variáveis selecionadas na melhor rodada e de .44 na rodada com todos os

falantes. Para o cruzamento aqui verificado, obtivemos os seguintes resultados:

Tabela 15 – Cruzamento das variáveis sociais sexo e grau de contato na amostra de PB-L2 sem

os informantes universitários.

CRUZAMENTO SEXO E GRAU DE CONTATO

FATORES Masculino Feminino

FREQUÊNCIA PESO RELATIVO FREQUÊNCIA PESO RELATIVO

Baixo. - - 24/95 = 25,3% .25

Moderado. 39/76 = 51,3% .92 17/51 = 33,3% .29

Alto. 237/536 = 44,2% .51 4/24 = 16,7% .06

TOTAL 321/782 = 41% Input .31

Page 141: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

140

De acordo com os resultados listados na tabela acima, o cruzamento das variáveis sexo

e grau de contato demonstra que o sexo é a variável mais significativa; pois homens,

independentemente do grau de contato, realizam mais a variante prestigiada da concordância

verbal do que as mulheres. Como se pode perceber com as células vazias, não há homens com

grau baixo de contato.

Nos graus moderado e alto, a hipótese do contato não se confirma para informantes do

sexo masculino que apresentam peso relativo de .92 e .51 respectivamente. No cruzamento com

dados de mulheres, o resultado segue na direção esperada apenas nos graus baixo e moderado

– com probabilidade de ocorrências de formas verbais marcadas de .25 e .29. O resultado para

mulher com grau alto, contudo, é mais baixo que os dois anteriores, apresentando peso relativo

de apenas .06.

Na rodada com todos os informantes, por sua vez, foram selecionadas as seguintes

variáveis: saliência fônica; escolaridade; sexo x grau de contato; paralelismo oracional;

paralelismo discursivo; posição, distância e realização do sujeito; e, por último, animacidade.

Uma vez que a variável tempo verbal não participou dessa rodada, foram descartadas as

variáveis faixa etária e traço semântico contável/não-contável. Houve, então, não apenas uma

mudança na ordem, mas também na seleção das variáveis. Nessa rodada, os condicionamentos

para todas as variáveis bem como o input da melhor rodada foram exatamente os mesmos da

rodada principal desta análise. Os resultados do cruzamento entre as variáveis sexo e grau de

contato foram assim distribuídos:

Tabela 16 – Cruzamento das variáveis sociais sexo e grau de contato na amostra de PB-L2 com

todos os informantes.

CRUZAMENTO SEXO E GRAU DE CONTATO

FATORES Masculino Feminino

FREQUÊNCIA PESO RELATIVO FREQUÊNCIA PESO RELATIVO

Baixo. - - 24/95 = 25,3% .21

Moderado. 39/76 = 51,3% .89 17/51 = 33,3% .32

Alto. 425/824 = 51,6% .51 4/24 = 16,7% .07

TOTAL 509/1070 =

47,6% Input .44

Page 142: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

141

Como se pode perceber no quadro acima, tendo em vista o comportamento das variáveis

sexo e grau de contato, os condicionamentos permaneceram exatamente os mesmos da rodada

anterior (sem os informantes universitários) apresentando pouca/nenhuma diferença nos pesos

relativos. Mais uma vez, o cruzamento dessas variáveis demonstrou a significância da variável

sexo com os homens apresentando mais formas marcadas de verbos de 3ª pessoa do plural do

que as mulheres. Em ambas as rodadas, a hipótese de contato não se confirma para informantes

do sexo masculino (.89 e .51) e segue na direção esperada apenas para mulheres nos graus baixo

e moderado, que apresentaram pesos relativos de .21 e .32 respectivamente. No resultado para

mulher com grau alto, por sua vez, a probabilidade passou de .06, da primeira rodada, para .07

na segunda.

Em nossa amostra, há apenas uma informante com grau alto de contato. Ela foi assim

classificada por ser casada com um falante nativo de PB-L1 e por ter residido fora da aldeia.

Tendo em vista que faz parte da cultura Guarani a cópia de padrões entre pais e filhos de acordo

com os papéis sociais representados pelos sexos, acreditamos que, apesar de manter contato

com frequência com informantes de PB-L1, essa informante é conservadora em relação às suas

tradições indígenas.

Em outras palavras, o resultado apontado para mulheres de grau alto perpassa as

características do indivíduo. A quebra de expectativa ocorrida nos graus moderado e alto do

sexo masculino, por sua vez, pode estar relacionada ao fato dos informantes de grau alto de

contato, nessa rodada, terem menos escolaridade que os de grau moderado – uma vez que, em

rodadas anteriores, pôde-se verificar o efeito significativo dessa variável na realização da

variante prestigiada.

7.2.3.2 Cruzamento das variáveis sexo e escolaridade

Tendo em vista os resultados encontrados para as variáveis sociais e o enviesamento da

variável grau de contato, que apresentou inversão entre os pesos relativos e porcentagens,

tornou-se pertinente que investigássemos como essas variáveis convergem entre si. Assim, no

cruzamento anterior, sem os dados de informantes com nível universitário e, posteriormente,

com todos os dados, evidenciou-se a maior significância da variável sexo em relação ao grau

de contato. Em vista disso, duas novas rodadas foram realizadas com os mesmos dados para

que verificássemos qual das duas variáveis sociais – sexo ou escolaridade – desempenham um

Page 143: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

142

papel mais relevante na aquisição das marcas de concordância verbal de terceira pessoa do

plural.

Na primeira rodada, sem os informantes de nível superior, foram selecionadas as

seguintes variáveis por ordem de relevância: saliência fônica; sexo x escolaridade; grau de

contato; paralelismo oracional; animacidade; paralelismo discursivo; posição, distância e

realização do sujeito; traço semântico contável/não-contável. Apenas a variável faixa etária foi

descartada. Assim como ocorreu na rodada do cruzamento anterior, tempo verbal não participou

desta rodada e os condicionamentos para as demais variáveis foram mantidos. Ressalta-se, mais

uma vez, a seleção da saliência fônica em primeiro lugar já discutida em seções anteriores.

Ainda em relação à rodada discutida no tópico 7.2.3.1 – com o cruzamento sexo x grau

de contato, nota-se que, nessa rodada, o cruzamento foi o terceiro grupo selecionado e na rodada

de cruzamento sexo x escolaridade, a variável cruzada foi a segunda selecionada atrás apenas

da saliência fônica, evidenciando que sexo e escolaridade são mais significativos do ponto de

vista estatístico que grau de contato na aquisição das formas verbais marcadas na terceira pessoa

do plural. Os resultados desse cruzamento encontram-se assim dispostos:

Tabela 17 – Cruzamento das variáveis sociais sexo e escolaridade na amostra de PB-L2 sem

os informantes universitários.

CRUZAMENTO SEXO E ESCOLARIDADE

FATORES Masculino Feminino

FREQUÊNCIA PESO RELATIVO FREQUÊNCIA PESO RELATIVO

Até 8 anos. 138/402 = 34,3% .45 13/89 = 14,6% .03

Mais de 8 anos. 138/210 = 65,7% .89 32/81 = 39,5% .25

TOTAL 321/782 = 41% Input .31

Os resultados do cruzamento das variáveis sexo e escolaridade, diferentemente do que

ocorreu com o cruzamento da seção anterior, seguiram na direção esperada de acordo com

nossas hipóteses específicas, mesmo sem os dados dos falantes com nível superior: homens e

informantes mais escolarizados realizam mais as marcas de concordância nos verbos do que as

mulheres e informantes menos escolarizados.

Como se pode perceber, a probabilidade de homens com até 8 anos de escolaridade

realizarem as marcas é de .45, ao passo que homens com ensino médio (mais de 8 anos) têm

probabilidade de realizarem as formas prestigiadas de .89. Em relação ao sexo feminino, os

Page 144: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

143

resultados indicam que as mulheres mais e menos escolarizadas tendem a realizar menos as

formas marcadas dos verbos de terceira pessoa do plural apresentando pesos relativos de .03,

para as menos escolarizadas, e .25 para as mais escolarizadas. Na rodada com todos os

informantes, por sua vez, esse mesmo comportamento permaneceu.

Nessa rodada, as variáveis foram selecionadas na seguinte ordem: saliência fônica; sexo

x escolaridade; paralelismo oracional; paralelismo discursivo; grau de contato; posição,

distância e realização do sujeito; e, por último, traço semântico contável/não-contável. Faixa

etária e animacidade foram as únicas variáveis descartadas considerando que tempo verbal não

participou dessa rodada. Cabe destacar que essa rodada é igual à rodada principal, sem o

cruzamento, no que diz respeito ao input (.44), às variáveis selecionadas e descartadas. Até

mesmo a ordem em que as variáveis foram selecionadas permaneceu praticamente a mesma.

Nela, assim como na rodada anterior sem os informantes universitários, os condicionamentos

permaneceram tanto para as variáveis linguísticas quanto para as variáveis sociais conforme

mostra a tabela abaixo:

Tabela 18 – Cruzamento das variáveis sociais sexo e escolaridade na amostra de PB-L2 com

todos os informantes.

CRUZAMENTO SEXO E ESCOLARIDADE

FATORES Masculino Feminino

FREQUÊNCIA PESO RELATIVO FREQUÊNCIA PESO RELATIVO

Até 8 anos. 138/402 = 34,3% .33 13/89 = 14,6% .04

Mais de 8 anos. 326/498 = 65,5% .79 32/81 = 39,5% .19

TOTAL 321/782 = 41% Input .31

A tabela acima, como podemos observar, ainda que contenha 288 dados de falantes

universitários, ratifica o condicionamento encontrado na rodada anterior: os homens usam mais

as marcas de concordância verbal do que as mulheres independentemente da sua escolaridade

e falantes mais escolarizados apresentam uma probabilidade maior de marcação da 3ª pessoa

do plural nos verbos do que aqueles menos escolarizados. Em outras palavras, enquanto que a

probabilidade dos homens menos escolarizados usarem as marcas de plural é de .33, a das

mulheres de mesmo nível de escolarização é de apenas .04. No segundo nível de escolaridade,

os homens mais escolarizados apresentam probabilidade de .79 e as mulheres de .19 – resultado

abaixo até mesmo dos homens com até 8 anos de escolaridade.

Page 145: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

144

Em nossa análise de falantes de PB-L1, o cruzamento entre as variáveis sexo e

escolaridade demonstrou que a escolaridade é um condicionamento mais forte que o sexo, ainda

que mulheres mais escolarizadas realizassem mais as formas verbais marcadas na terceira

pessoa do plural. Naquela amostra, mulheres realizam mais a concordância verbal que os

homens, mas homens mais escolarizados realizam mais do que as mulheres menos

escolarizadas.

Na amostra Guarani, contudo, os homens apresentam um peso relativo maior para a

ocorrência de verbos marcados do que as mulheres independentemente do nível de

escolarização. Evidencia-se, assim, na amostra de falantes de PB-L2, que a variável sexo é

significativamente mais relevante que as demais variáveis extralinguísticas, ainda que tenha

sido selecionada após a variável escolaridade na rodada principal, que, como sabemos,

considera os dados de todos os informantes.

Quanto maior o nível de escolarização, assim, mais frequentes as situações de contato

com falantes nativos do português brasileiro, não só pela situação de interação com falantes de

PB-L1, mas também pelos tipos de atividades decorrentes dessa formação, em se tratando da

variável sexo, por sua vez, ela se revelou como a mais significativa das variáveis sociais. Os

resultados apontam o fato de que a experiência com a língua nas interações sociais perpassa

pelos papéis representados por homens e mulheres na organização social da comunidade

indígena Guarani; e isso também se reflete na interação com a comunidade de falantes nativos

do português brasileiro.

Page 146: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

145

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve por objetivo analisar a realização da concordância verbal de

terceira pessoa do plural no PB-L2 de informantes Guarani residentes no distrito de Santa Cruz,

em Aracruz, no Espírito Santo. Visando a uma investigação mais aprofundada sobre como se

dá a aquisição da marcação de plural no verbo por essa comunidade de fala, realizamos um

estudo preliminar em dois bairros situados no entorno das aldeias: Santa Cruz e Coqueiral de

Aracruz; pois, uma vez que trata de aquisição em contexto de contato linguístico, julgou-se

pertinente identificar a quais condicionamentos para a (não) realização da concordância verbal

os informantes indígenas encontram-se expostos.

Tendo em vista a assertiva de que quanto maior o contato com falantes nativos da língua

alvo, maior o uso de padrões de variação dessa língua (EDWARDS, 2013), esta pesquisa foi

orientada pela seguinte hipótese geral: os Guarani do Espírito Santo estão adquirindo as marcas

de concordância nos verbos de terceira pessoa do plural devido à proximidade com a

comunidade não índia. Essa hipótese foi subdividida em cinco hipóteses específicas, a saber:

1) o grau de contato influencia a (não) realização das marcas de concordância nos verbos de

terceira pessoa do plural no seguinte sentido: quanto mais alto for o grau de contato dos

informantes com o PB-L1, maior a probabilidade de realização das marcas de concordância nos

verbos; 2) a escolaridade favorece a realização da concordância explícita de número no verbo

devido à sua ação socializadora e por apresentar aos falantes uma variedade prestigiada do

português brasileiro; 3) devido aos diferentes papéis sociais desempenhados por homens e

mulheres na comunidade Guarani, as mulheres usam menos a variante prestigiada que os

homens; 4) os Guarani replicam os mesmos condicionamentos do PB-L1 das comunidades de

entorno; 5) os falantes de grau baixo de contato, devido ao seu estágio aquisitivo, transferem

padrões da língua materna para a língua alvo.

Os resultados da amostra com falantes de PB-L1, do distrito de Santa Cruz, revelaram

que a comunidade Guarani localizada em território capixaba está exposta aos mesmos

condicionamentos encontrados nos estudos sobre a concordância verbal de terceira pessoa do

plural realizados em comunidades de fala diversas. Nessa amostra, do total global de 926

ocorrências de verbos com sujeito de terceira pessoa do plural, 62% estavam marcadas,

revelando um input de aplicação de .61. Tendo em vista a configuração socioeconômica dos

bairros analisados, esse resultado seguiu em direção contrária à expectativa prevista em outras

análises com dados de comunidades não-urbanas. Considerando que Santa Cruz é uma vila de

pescadores e que Coqueiral de Aracruz funciona, em grande parte, como bairro dormitório, o

Page 147: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

146

índice de realização da variante prestigiada encontrado foi considerado alto para a comunidade

de fala pesquisada.

Na amostra Guarani, por sua vez, do total de 1070 dados de verbos na terceira pessoa

do plural, 48% foram marcados – apresentando um input de .47. Diante desse resultado,

consideramos que a verificação de nossa hipótese geral deveria ser feita mediante a análise dos

resultados das variáveis linguísticas e sociais que, consequentemente, confirmariam ou não o

que estava previsto em nossas hipóteses específicas. Assim, foram selecionadas as seguintes

variáveis pelo programa estatístico Goldvarb X (SANKOFF; TAGLIAMONTE; SMITH,

2005), nessa ordem: saliência fônica; escolaridade; paralelismo oracional; paralelismo

discursivo; sexo; grau de contato; posição, distância e realização do sujeito; e traço semântico

contável/não-contável, tendo sido descartados: tempo verbal, faixa etária e animacidade. As

variáveis tempo verbal e traço semântico [± animado] foram as únicas não selecionadas em

ambas as amostras e a variável posição, distância e realização do sujeito foi selecionada apenas

nos dados de informantes de PB-L2. Cabe lembrar que a variável linguística contável/ não-

contável foi proposta para verificar se os Guarani transferem esse padrão de marcação de plural

da L1 para a L2.

Ambas as amostras apresentaram os mesmos condicionamentos linguísticos,

tanto para as variáveis selecionadas quanto para as variáveis descartadas. Assim, configuraram-

se como favorecedores da realização das marcas de terceira pessoa de plural nos verbos de PB-

L2: as formas cuja oposição singular/plural são mais salientes; os sujeitos com marca explícita

de plural no último elemento; os verbos precedidos por verbos marcados; os sujeitos próximos

e antepostos em relação aos verbos correspondentes e o traço semântico [contável]. Esses

resultados revelaram que a variação na realização da 3ª pessoa do plural no português de contato

dos Guarani reflete a variabilidade observada no PB-L1, pois a aquisição de padrões de

concordância verbal em situação de L2 se dá em função dos mesmos condicionamentos

estruturais observados para os falantes nativos. Tal constatação confirmou nossa hipótese de

que os Guarani replicam os padrões de marcação da comunidade de entorno.

Uma vez que, na língua nativa de nossos informantes de PB-L2, os verbos só recebem

marcas de plural com nomes contáveis, a seleção da variável traço semântico do sujeito

contável/não-contável se mostrou significativa, em nossa análise, por indicar que os falantes

Guarani transferem esse padrão de marcação de plural da língua materna para a língua alvo.

Não foram encontrados, nessa amostra, reinterpretações da variação com padrões diferentes

daqueles encontrados em outras variedades da Língua Portuguesa. Nesse sentido, a aquisição

Page 148: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

147

de L2 não implicou uma simplificação de condicionamentos e menos uso de concordância

verbal de terceira pessoa do plural.

Em vista disso, concluímos que os mesmos condicionamentos que atuam na variação da

concordância verbal no português brasileiro com falantes de PB-L1 regulam a aquisição das

formas marcadas de verbos de terceira pessoa na variedade do português brasileiro que os

Guarani estão adquirindo. Em outras palavras, os padrões que favorecem a realização explícita

da concordância no verbo para falantes de PB-L1 propiciam a incorporação mais rápida da

variante de prestígio na fala dos informantes de PB-L2, sendo a saliência fônica a variável

significativamente mais relevante que as demais – plurais mais salientes/ perceptíveis para o

falante/ouvinte Guarani são incorporados mais rapidamente que os menos salientes (cf.

EMMERICH, 1984; LOUREIRO, 2005; EMMERICH; PAIVA, 2009).

No que diz respeito às variáveis sociais, os falantes de PB-L1 replicaram os

condicionamentos de seus pares nativos: as mulheres realizaram mais variantes prestigiadas

que os homens, na variável sexo, e informantes mais escolarizados apresentaram probabilidade

de marcação mais alta que os menos escolarizados. Nessa amostra, ao realizarmos um

cruzamento com ambas as variáveis, a variável escolaridade revelou-se significativamente mais

relevante, pois os informantes mais escolarizados, independentemente do sexo, apresentaram

probabilidade maior de realização da concordância verbal que os menos escolarizados.

Na amostra Guarani, por sua vez, com exceção da variável grau de contato, como

veremos adiante, escolaridade e sexo seguiram na direção prevista para essas variáveis. Os

informantes Guarani mais escolarizados apresentaram probabilidade maior de realização da

variante marcada que informantes menos escolarizados, confirmando, assim, mais uma de

nossas hipóteses específicas. O mesmo ocorreu com a variável sexo: devido aos papéis sociais

desempenhados por homens e mulheres na comunidade indígena, os homens favoreceram a

variante de prestígio e as mulheres a desfavoreceram. Tendo em vista que, em nossa amostra

de PB-L2, há dois informantes de nível universitário, consideramos pertinente verificar se os

condicionamentos seriam mantidos sem esses dados. Nessa rodada, tanto os condicionamentos

linguísticos quanto os condicionamentos sociais foram mantidos ratificando, assim, o que foi

observado na rodada principal.

A variável grau de contato, por sua vez, apresentou uma inversão entre pesos relativos

e percentuais devido à quebra da ortogonalidade causada pela distribuição desequilibrada dos

falantes de nossa amostra de PB-L2. Como constatamos em nossa análise, a inversão ocorreu

no momento em que a variável sexo foi selecionada pelo Goldvarb X (SANKOFF;

TAGLIAMONTE; SMITH, 2005). Em vista disso, novas rodadas foram realizadas – uma

Page 149: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

148

somente com dados de mulheres e outra somente com dados de homens. Ainda que os

condicionamentos para as variáveis selecionadas tenham se mantido nas duas rodadas conforme

a rodada principal, a diferença na seleção das variáveis revelou que homens e mulheres Guarani

se encontram em estágios distintos de aquisição da segunda língua. Os homens Guarani estão

em um estágio aquisitivo mais avançado que as informantes de sexo feminino. Considerando

que a existência de dados de informantes graduados, julgou-se necessário, mais uma vez,

verificar se esses comportamentos se manteriam sem os dados desses falantes. Assim, dois

cruzamentos foram realizados: sexo vs. grau de contato e sexo vs. escolaridade. Ambos os

cruzamentos demonstraram que a variável sexo predomina sobre os demais condicionamentos

sociais.

Nossa conclusão é a de que foram confirmadas as seguintes hipóteses específicas: 1) a

escolaridade favoreceu a realização explícita da concordância verbal de 3ª pessoa do plural; 2)

as mulheres usam menos a variante prestigiada que os homens; e 3) os informantes Guarani

replicam os mesmos condicionamentos linguísticos de falantes nativos do português brasileiro.

Nossa hipótese de que os Guarani de grau baixo de contato, devido ao seu estágio aquisitivo,

transferem padrões da língua materna para a língua alvo foi parcialmente confirmada, pois todos

os falantes de nossa amostra de PB-L2, independentemente do grau de contato, os transferem.

No que diz respeito à hipótese de que o grau de contato influencia a (não) realização das marcas

de concordância nos verbos de terceira pessoa do plural, que é um desdobramento da nossa

hipótese geral, por sua vez, também acreditamos que ela tenha sido parcialmente confirmada.

Ainda que, devido à existência de células vazias em nossa amostra, essa probabilidade não

tenha sido estatisticamente atestada, os resultados das demais variáveis sociais demonstraram

que as situações que propiciam mais contato aos indígenas Guarani favorecerem a realização

da variante prestigiada.

Os papéis sociais representados por homens e mulheres no seio da tradição Guarani,

contudo, mostraram-se determinantes no processo de aquisição da segunda língua, uma vez que

isso se reflete na interação com a comunidade de falantes nativos do português brasileiro.

Mulheres Guarani, além de ficarem circunscritas aos ambientes domésticos e à venda de

artesanatos, atuam como guardiãs das tradições Guarani, pois são elas que, na maioria das

vezes, repassarão esses conhecimentos para os mais jovens. Os homens, por sua vez, exercem

papéis de liderança estando à frente, inclusive, de movimentos ativistas em favor da causa

indígena. A fluência na língua alvo, nesse caso, também se configura como uma oportunidade

de torná-los mais audíveis diante da sociedade envolvente.

Page 150: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

149

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ACHARD, P. Um ideal monolíngue. ALKIMIN, T. (Trad.). In: VERMES, G; BOUTET, J.

(Orgs.). Multilinguismo. Campinas: Editora da UNICAMP, 1989. p. 31 – 55.

ALKMIM, T. Sociolinguística – parte I. In: MUSSALIM, F; BENTES, A. C. (Orgs.).

Introdução à linguística: domínios e fronteiras. 5 ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 21 – 47.

ALMEIDA, A. P. de. A concordância verbal na comunidade de São Miguel dos Pretos,

Restinga Seca, RS. 2006. 159 f. Dissertação (Mestrado em Letras) – Instituto de Letras,

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006.

AMADO, R. de S. O português étnico dos povos Timbira. Papia, São Paulo, v. 25, n. 1, p. 103

– 119, jan./jun. 2015.

AMADO, R. S; FERREIRA, R.V; CHRISTINO, B. P. (Orgs.). Português indígena: novas

reflexões. Munique: LINCOM Studies in Romance Linguistics, 2014.

ANGNES, J. S; MARTINS, L. M. Desvelando contextos multilíngues. Pleiade, Foz do Iguaçu,

v. 1, n. 2, p. 153 – 162, jul./dez. 2007.

APPEL, R; MUYSKEN, P. Bilinguismo y contacto de lenguas. LORENZO, A. M;

FERNÁNDEZ, C. I. B. (Trad.). Barcelona: Editorial Ariel, 1996.

AVELAR, D. dos S. A realização variável das consoantes oclusivas dentais por

descendentes de imigrantes italianos de Santa Teresa, ES. 2015. 105 f. Dissertação

(Mestrado em Estudos Linguísticos) – Centro de Ciências Humanas e Naturais, Universidade

Federal do Espírito Santo, Vitória, 2015.

AZEREDO, J. C. Iniciação à sintaxe do português. 6 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.

AZEVEDO, M. et. al. Guarani Retã: povos Guarani na fronteira Argentina, Brasil e Paraguai.

São Paulo: Centro de Trabalho Indigenista, 2008.

BACCILI, V. C. L. Reflexões sobre a língua materna Kaigang no aprendizado do

Português como segunda língua. 2008. 80 f. Dissertação (Mestrado em Estudos da

Linguagem) – Centro de Letras e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Londrina,

Londrina, 2008.

BAXTER, A. N. Concordância verbal. In: LOBO, T; OLIVEIRA, K. (Orgs). África à vista:

dez estudos sobre o português escrito por africanos no Brasil do século XIX. Salvador:

EDUFBA, 2009. p. 317-337.

Page 151: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

150

BAXTER, A; LUCCHESI, D. A relevância dos processos de pidginização e crioulização na

formação da língua portuguesa no Brasil. Estudos Linguísticos e Literários, Salvador, v. 19,

n. esp., p. 65 – 83, mar. 1997.

BENFICA, S. de A. A concordância verbal na fala de Vitória. 2016. 111 f. Dissertação

(Mestrado em Estudos Linguísticos) – Centro de Ciências Humanas e Naturais, Universidade

Federal do Espírito Santo, Vitória, 2016.

BRAGA, A et. al. Línguas entrelaçadas: uma situação sui generis de línguas em contato. Papia,

v. 21, n. 2, p. 221 – 230, 2011. Disponível em: <http://www.etnolinguistica.org/artigo:braga-

2011>. Último acesso em: 2 fevereiro de 2015.

BRASIL. Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas. Brasília: Ministério

da Educação, 2005.

BREMENKAMP, E. S. Análise sociolinguística da manutenção do Pomerano e do

desenvolvimento do bilinguismo Pomerano/ Português em Santa Maria de Jetibá, Espírito

Santo. 2014. 293 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos) – Centro de Ciências

Humanas e Naturais, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2014.

BYBEE, J. Usage-based grammar and second language acquisition. In: ROBINSON, P; ELLIS,

N. (Eds.). Handbook of Cognitive Linguistics and Second Language Acquisition. New

York: Routledge, 2008. p. 216-236.

_________. Language, usage and cognition. Cambridge: Cambridge University Press, 2010.

CALAZANS, P. C. Para uma Sócio-História da Língua Guarani no Espírito Santo: uma

análise sob a perspectiva sociolinguística. 2014. 180 f. Dissertação (Mestrado em Estudos

Linguísticos) – Centro de Ciências Humanas e Naturais, Universidade Federal do Espírito

Santo, Vitória, 2014.

CALLOU, D; LEITE, Y. Como falam os brasileiros. 4 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.

CALVET, L. J. Sociolinguística: uma introdução crítica. MARCIONILLO, M. (Trad.). São

Paulo: Parábola, 2002.

CARDOSO, V. F. A língua guarani e o português no Brasil. Características nas regiões Centro-

Oeste, Sul e Sudeste brasileiras. In: NOLL, V; DIETRICH, W. (Orgs.). O português e o tupi

no Brasil. São Paulo: Contexto, 2010. p. 155 – 166.

CARNEIRO, J. R. D; VALE, M. J. Q; MIRANDA, A. L. A. Contato linguístico e ensino: a

contribuição de línguas indígenas na aprendizagem do português brasileiro. Sociodialeto,

Campo Grande, v. 4, n. 11, p. 116 – 147, nov. 2013.

Page 152: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

151

CARVALHO, M. L. Tempo, aspecto e modalidade na língua Guarani Mbyá (Tambeopé).

2013. 197 f. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Instituto de Letras, Universidade de

Brasília – UnB, Brasília, 2013.

CAVALCANTI, M. C. Estudos sobre educação bilíngue e escolarização em contextos de

minorias linguísticas no Brasil. DELTA, São Paulo, v. 15, n. esp., p. 385 – 417, 1999.

CHAMBERS, J. K. Sociolinguistic Theory: linguistic variation and its social significance.

Oxford: Blackwell, 1995.

________________. Sociolinguistics theory. West-Sussex: Blackwell, 2003.

CHAVES, R. G. Princípio de saliência fônica: isso não soa bem. Letrônica, Porto Alegre, v. 7,

n. 2, p. 522 – 550, jul./dez. 2014.

CHOMSKY, N. Syntactic Structures. The Hague: Mouton, 1957.

____________ . Aspects of the Theory of Syntax. Cambridge: MIT Press, 1965.

CHRISTINO, B; SILVA, M. de L. Concordância verbal e nominal na escrita em Português –

Kaingang. Papia, São Paulo, v. 22, n. 2, p. 415 – 428, 2012.

CICCARONE, C. Drama e sensibilidade: migração, xamanismo e mulheres Mbyá Guarani.

2001. 383 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais), Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, São Paulo, 2001.

______________ (Org). Memória viva Guarani: revelações sobre a terra. Comunidade Tekoa

Porã. Vitória: UFES, 1996.

CÓ, J. L. Coqueiral de Aracruz – ES, de bairro-empresa a núcleo satélite. 2013. 119 f.

Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Centro de Artes, Universidade Federal

do Espírito Santo, Vitória, 2013.

COMINOTTI, K. S. S. O contato linguístico entre o Vêneto e o Português em São Bento de

Urânia, Alfredo Chaves, ES: uma análise sócio-histórica. 2015. 153 f. Dissertação (Mestrado

em Estudos Linguísticos) – Centro de Ciências Humanas e Naturais, Universidade Federal do

Espírito Santo, Vitória, 2015.

COULMAS, F. The handbook of sociolinguistics. Oxford: Blackwell Publishing, 2008.

COUTO, H. H do. Linguística, ecologia e ecolinguística: contato de línguas. São Paulo:

Contexto, 2009.

Page 153: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

152

CROFT, W; CRUSE, D. A. Cognitive Linguistics. Cambridge: Cambridge University Press,

2004.

DIESSEL, H. Diachronic change and language acquisition. In: BERGS, A; BRINTON, L.

English Historical Linguistics: an international handbook 2. Berlim: De Gruyter Mouton,

2012. p. 1599-1613.

DIETRICH, W. Cambio del orden de palabras en lenguas tupí-guaraníes. Cadernos de

Etnolinguística, v. 1, n. 3, p. 1 – 11, dez. 2009.

____________ (Org.). O português e o tupi no Brasil. São Paulo: Contexto, 2010.

DOOLEY, R. A. Léxico Guarani, dialeto Mbyá: versão para fins acadêmicos, com acréscimos

do dialeto Nhandéva e outros falares do sul do Brasil. Revisão de novembro de 1998. Porto

Velho: Associação Linguística Internacional – SIL BRASIL, 1999.

_____________. Léxico Guarani, dialeto Mbyá: com informações úteis para o ensino médio,

a aprendizagem e a pesquisa linguística. Versão de 26 de agosto de 2013. Porto Velho:

Associação Linguística Internacional – SIL BRASIL, 2013.

DUARTE, M. E. L. A perda do princípio “evite pronome” no Português Brasileiro. 1995.

161f. Tese (Doutorado em Linguística) – Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade

Estadual de Campinas, Campinas, 1995.

_______________ . Aquisição do sujeito pronominal em L2. In: RONCARATI, C; MOLLICA,

M. C. (Orgs.). Variação e aquisição. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. p. 43 – 64.

DUARTE, A. M. M. A expressão da categoria modo-temporal no português de contato.

1998. Dissertação (Mestrado em Linguística e Filologia) – Faculdade de Letras, Universidade

Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1998.

DUBOIS, J. et al. Dicionário de Linguística. São Paulo: Cultrix, 1997.

______________. Dicionário de Linguística. São Paulo: Cultrix, 2004.

DURHAM, E. R. O lugar do índio. In: COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO. O índio e a cidadania. São

Paulo: Brasiliense, 1983.

EDWARDS, J. G. H. Social Influences on Second Language Speech Acquisition. In:

CHAPELLE, C. A. (Ed.). The Encyclopedia of Applied Linguistics 1. Chichester: Blackwell

Publishing, 2013. p. 2 – 5.

Page 154: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

153

ELLIS, N; COLLINS, C. Input and second language acquisition: the roles of frequency, form,

and function introduction to the special issue. The Modern Language Journal, v. 93, n. 3, p.

329 – 335, ago. 2009.

EMMERICH, C. A língua de contato no Alto Xingu: origem, forma e função. 1984. 278 p.

Tese (Doutorado em Linguística e Filologia) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do

Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1984a.

_____________. Sociolinguística e ensino do vernáculo: contato linguístico e variação. Tempo

Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 78/79, dez. 1984b.

EMMERICH, C; PAIVA, M. da C. Português xinguano: origem e trajetória. In: CARVALHO,

A. M. Português em contato. Madrid: Veurvert Verlag, 2009. p. 153 – 163.

FARACO, C. A. Linguística Histórica: uma introdução ao estudo da história das línguas. São

Paulo: Parábola, 2005.

_____________. Norma Culta Brasileira: desatando alguns nós. São Paulo: Parábola

Editorial, 2008.

FASOLD, R. La sociolingüística de la sociedad: introducción a la sociolingüística.

VILLASANTE, M. E; ALBERDI, J. M. (Trad.). Madrid: Visor Libros, 1996.

FERREIRA NETTO, W. Os índios e a alfabetização: aspectos da educação escolar entre os

Guarani do Ribeirão Silveira. São Paulo: Paulistana, 2012. (Coleção Humanidades)

____________________. “Da língua que se tem à língua que se quer”: a educação escolar

indígena e sua língua de realização. Em Aberto, v. 14, n. 63, p. 78 – 87, jul./set. 1994.

____________________. A concordância verbal em alguns textos escritos por Waiãpi. In:

Congresso Internacional da Associação Brasileira de Linguística, I., 1994. Salvador, BA.

Atas... Salvador: Abralin/Finepe/UFBA, 1996. p. 216 – 219.

FISHMAN, J. A. Bilingualism with and without diglossia; diglossia with and without

bilingualism. Journal of Social Issues, v. 23, n. 2, p. 29 – 38, abril 1967.

_______________. A sociologia da linguagem. In: FONSECA, M. E. V.; NEVES, M. F.

(Orgs.). Sociolinguística. Rio de Janeiro: Eldorado Tijuca, 1974. p. 25 – 39.

_______________. Sociología del lenguaje. SARMIENTO, R; MORENO, J. C. (Trad.).

Madrid: Ediciones Cátedra, 1979.

_______________. Bilingualism and biculturism as individual and as societal phenomena.

Journal of Multilingual and Multicultural Development, v. 1, n. 1, p. 3 – 15, ago. 1980.

Page 155: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

154

_______________. Language and ethnicity in minority sociolinguistic perspective.

Clevedon, Filadélfia: Multilingual Matters, 1989.

FOULKES, P; VIHMAN, M. Language Acquisition an Phonological Change. In:

HONEYBONE, P; SALMONS, J. (Eds.). Oxford Handbook of Historical Phonology.

Oxford: Oxford University Press, 2013.

FUNAI – Fundação Nacional do Índio. Disponível em: <http://www.funai.gov.br/>. Último

acesso em: 06 de janeiro de 2017.

GOMES, C. A. Processos variáveis e aquisição de preposição em L2. In: RONCARATI, C;

MOLLICA, M. C. (Orgs.). Variação e aquisição. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. p.

103 – 116.

GOMES, C. A; MELO, M. A. S. L; Barcellos, M.E. M. Dinâmica da variação sociolinguística

em contexto de exclusão social. Revista Virtual de Estudos da Linguagem - ReVEL, v. 14,

n. 13, p. 127 – 143, nov. 2016.

GOOGLE EARTH. Disponível em: <https://www.google.com/earth/>, 2009. Último acesso

em: 15 de novembro de 2017.

GOOGLE MAPS. Disponível em: <https://www.google.com.br/maps>, 2017. Último acesso

em: 15 de novembro de 2017.

GRACIOSA, D. Concordância verbal na fala culta carioca. 1991. 181f. Dissertação

(Mestrado em Letras Vernáculas) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de

Janeiro, Rio de Janeiro, 1991.

GUIMARÃES, E; ORLANDI, E. (Orgs.). Línguas e instrumentos linguísticos. São Paulo:

Pontes, 1998.

GUMPERZ, J. Discourse Strategies. Londres: Cambridge University Press, 1982.

GUY, G. R. Linguistic variation in Brazilian Portuguese: aspects of phonology, syntax and

language history. 1981. 406f. Tese (Doutorado em Linguística) – University of Pennsylvania,

Philadelphia, 1981.

GUY, G. R.; ZILLES, A. Sociolinguística Quantitativa: instrumental de análise. São Paulo:

Parábola Editorial, 2007.

HARRINGTON, J. An acoustic analysis of ‘happy-tensing’ in the Queen’s Christmas

broadcasts. Journal of Phonetics, Kiel, v. 34, n. 4, p. 439 – 457, out. 2006.

Page 156: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

155

HOLLICH, G; TUCKER, M; GOLINKOFF, R. M. The change is afoot: emergentist thinking

in language acquisition. In: ANDERSON, P. B. Downward Causation. Aarhus: Aarhus

University Press, 2000. p. 1 – 51.

HICKEY, R. (Ed.). The handbook of language contact. Oxford: Wiley-Blackwell, 2013.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010.

Características Gerais dos Indígenas. Resultados do Universo. Rio de Janeiro, 2010.

Disponível em: <http://indigenas.ibge.gov.br/>. Último acesso em: 05 de fevereiro de 2016.

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira Legislação e

Documentos. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/>. Último acesso em: 24 de outubro de

2016.

IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Disponível em:

<http://portal.iphan.gov.br/>. Último acesso em: 23 de janeiro de 2016.

IPOL – Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística. Disponível em:

<http://www.ipol.org.br/>. Último acesso em: 04 de dezembro de 2017.

ISA – Instituto Socioambiental. Disponível em: <http://www.socioambiental.org/>. Último

acesso em: 03 de fevereiro de 2017.

KERSWILL, P. Koineization and Accommodation. In. TRUDGILL, P; CHAMBERS, J;

SCHILLING-ESTES, N. (Eds.). The handbook of language variation and change. Oxford:

Blackwell, 2001. p. 669 – 702.

_____________. Migration and language. In: MATTHEIER, K; AMMON, U; TRUDGILL, P.

(Eds.). Sociolinguistics/Soziolinguistik. An international handbook of the science of language

and society. 2. ed. Berlim: De Gruyter, 2006. v. 3, p. 1 – 27.

KERSWILL, P; WILLIAMS, A. Creating a new town koine: children and language change in

Milton Keynes. Language in society, Cambridge, v. 29, n. 1, p. 65 – 115, jan. 2000.

KAUFMANN, G. Atitudes na sociolinguística: aspectos teóricos e metodológicos. In: MELLO,

H; ALTENHOFEN, C. V; RASO, T. (Orgs.). Os contatos linguísticos no Brasil. Belo

Horizonte: Editora UFMG, 2011. p. 121 – 135.

LABOV, W. Some principles of linguistic methodology. Language in Society, Cambridge, v.

1, n. 1, p. 97 – 120, abr. 1972.

__________. Field methods of the Project on Linguistic Change and Variation. In: BAUGH, J;

SHERZER, J. (Eds.). Language in Use: Readings in Sociolinguistics. Englewoods Cliffs:

Prentice Hall, 1984. p. 28 – 66.

Page 157: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

156

__________. Transmission and diffusion. Language, Pennsylvania, v. 83, n. 2, p. 344 – 387,

jun. 2007.

__________. Padrões sociolinguísticos. BAGNO, M; SCHERRE, M. M. P; CARDOSO, C.

R. (Trad.). São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

LADEIRA, M. I; MATTA, P. (Orgs). Terras Guarani no litoral: as matas que foram reveladas

aos nossos antigos avós = ka’agüy oreramói kuéry ojou rive vaekue ỹ. São Paulo: Centro de

Trabalho Indigenista, 2004. p. 06 – 14.

LALLI – Laboratório de Línguas e Literaturas Indígenas – IL/ UnB. Disponível em:

<http://www.laliunb.com.br/>. Último acesso em: 06 de maio de 2017.

LEITE, Y. et al. O papel do aluno na alfabetização de grupos indígenas: a realidade psicológica

das descrições linguísticas. In: OLIVEIRA FILHO, J. P. de. (Org). Sociedades indígenas e

indigenismo no Brasil, Rio de Janeiro: Marco Zero, 1987. p. 241 – 263.

LEMLE, M; NARO, A. J. Competências básicas do Português. Relatório final de pesquisa

apresentado às instituições patrocinadoras Fundação Movimento Brasileiro (MOBRAL) e

Fundação Ford. Rio de Janeiro, 1977. 151p.

LIMA, F. B. de. Variações de concordância verbal em Caiana dos Crioulos: traços de influência

africana no falar brasileiro. Cadernos Imbondeiro, João Pessoa, v. 1, n. 1, p. 1 – 10, 2010.

LOUREIRO, F. C. Aspectos da pluralização no português de contato do Alto Xingu. 2005.

166f. Tese (Doutorado em Linguística) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de

Janeiro, Rio de Janeiro, 2005.

LUCCHESI, D. A constituição histórica do português brasileiro como um processo

bipolarizado: tendências atuais de mudança nas normas culta e popular. In: GROβE, S;

ZIMMERMANN, K. (Ed.). “Substandard” e mudança no português do Brasil, Frankfurt

am Main: TFM, 1998. p. 73 – 100.

____________. O conceito de transmissão linguística irregular e as origens estruturais do

português brasileiro: um tema em debate. In: RONCARATI, C; ABRAÇADO, C. (Orgs.)

Português Brasileiro: contato linguístico, heterogeneidade e história. Rio de Janeiro: 7Letras,

2003. p. 272 – 284.

____________. Língua e sociedade partidas: a polarização sociolinguística do Brasil. São

Paulo: Contexto, 2015.

____________. A variação na concordância verbal no português popular de Salvador. Estudos

Linguísticos e Literários, Salvador, n. 52, p. 166 – 204, ago./dez. 2015b.

Page 158: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

157

LUCCHESI, D; BAXTER, A; RIBEIRO, I. (Orgs.). O Português Afro-Brasileiro. Salvador:

EDUFBA, 2009.

LUCCHESI, D; BAXTER, A; SILVA, J. A. A. A concordância verbal. In: LUCCHESI, D;

BAXTER, A; RIBEIRO, I. (Orgs). O português afro-brasileiro. Salvador: EDUFBA, 2009.

p. 331 – 371.

LUCHESE, R. V. Linguagem uma ideologia social. Ijuí: UNIJUÍ, 1986. p. 07 – 15.

MARANHÃO, S. de. Introdução à sociolinguística do contato de línguas: latinismos e

galicismos no inglês. Notas de aula. Teresina: UFPI, 2011. p. 01 – 25.

MARCILINO, O. T. Educação escolar Tupinikim e Guarani: experiências de

interculturalidade em aldeias de Aracruz, no Estado do Espírito Santo. 2014. 244f. Tese

(Doutorado em Educação) – Centro de Educação, Universidade Federal do Espírito Santo,

Vitória, 2014.

MARRA, D; MILANI, S. E. Uma teoria social da língua(gem) anunciada no limiar do século

XX por Antoine Meillet. Linha d’Água, São Paulo, v. 25, n. 2, p. 67 – 90, dez. 2012.

MARTINS, M. F. Descrição e análise de aspectos da gramática do Guarani Mbyá. 2003.

209f. Tese (Doutorado em Linguística) – Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade

Estadual de Campinas, Campinas, 2003.

MASCARELLO, L. J. Variação na concordância verbal de terceira pessoa do plural na fala dos

florianopolitanos nativos da Costa da Lagoa. Working Papers em Linguística, Santa Catarina,

v. 11, n. esp., p. 57 – 68, 2010.

MATRAS, Y. Language contact. Cambridge: Cambridge University Press, 2011.

___________. Grammaticalization and language contact. In: NARROG, H; HEINE, B. (Orgs.)

The Oxford handbook of grammaticalization, Oxford: Oxford University Press, 2011. p. 279

– 290.

MEC – Ministério da Educação. Disponível em: <https://www.mec.gov.br/>. Último acesso

em: 10 de janeiro de 2018.

MEC – Ministério da Educação. Referencial curricular nacional para as escolas indígenas.

Brasília: MEC/SEF, 1998.

MEGALE, A. H. Bilinguismo e educação bilíngue – discutindo conceitos. Revista Virtual de

Estudos da Linguagem – ReVEL, v. 3, n. 5, p. 01 – 13, ago. 2005.

Page 159: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

158

MELIÁ, B. A experiência religiosa dos Guarani. In: MARZAL, M. M. et al (Org.). O rosto

índio de Deus. São Paulo: Vozes, 1989. p. 11 – 33, 293 – 347.

_________. Educação indígena na escola. Cadernos Cedes, Campinas, v. 19, n. 49, p. 11 – 17,

dez. 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v19n49/a02v1949.pdf> Último

acesso em: 19 de setembro de 2014.

MELLO, H; ALTENHOFEN, C; RASO, T. Os contatos linguísticos no Brasil. Belo

Horizonte: UFMG, 2011.

MENEGHEL, S. A. P. O ditongo nasal tônico -ão falado por ítalo-descendentes de Santa

Maria do Engano/ES: uma análise sociolinguística. 2015. 132f. Dissertação (Mestrado em

Linguística) – Centro de Ciências Humanas e Naturais, Universidade Federal do Espírito Santo,

Vitória, 2015.

MILHOMEM, M. S. F. dos S. Educação Escolar e Indígena: as dificuldades do currículo

intercultural e bilíngue. Revista Fórum Identidades, São Cristóvão, v. 3, n. 3, p. 95 – 102,

jan./jun. 2008.

MOLLICA, M. C. Padrões fonológicos variáveis em aquisição. In: RONCARATI, C;

MOLLICA, M. C. (Orgs.). Variação e aquisição. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. p.

33 – 42.

_______________. Fundamentação teórica: conceituação e delimitação. In: MOLLICA, M;

BRAGA, M. L. (Orgs.). Introdução à sociolinguística: o tratamento da variação. 4. ed. São

Paulo: Contexto, 2010. p. 7 – 14.

MOLLICA, M. C; BRAGA, M. L. (Orgs.). Introdução à Sociolinguística: o tratamento da

variação. 4 ed. São Paulo: Contexto, 2010.

MOLLICA, M. C. de M; RONCARATI, C. N. Questões teórico-descritivas em sociolinguística

e em sociolinguística aplicada e uma proposta de agenda de trabalho. DELTA, São Paulo, v.

17, n. esp., p. 45 – 55, 2001.

MONGUILHOTT, I. de O. e S. Estudo sincrônico e diacrônico da concordância verbal de

terceira pessoa do plural no PE e no PB. 2009. 229f. Tese (Doutorado em Linguística) –

Programa de Pós-graduação em Linguística, Universidade Federal de Santa Catarina,

Florianópolis, 2009.

MONGUILHOT, I. de O. e S; COELHO, I. L. Um estudo da concordância verbal de terceira

pessoa em Florianópolis. In: VANDERSEN, P. (Org.). Variação e mudança no português

falado na região Sul. Pelotas: EDUCAT, 2002. p. 189 – 216.

MONTE, A. Concordância verbal e variação: um estudo descritivo-comparativo do

português brasileiro e do português europeu. 2012. 171f. Tese (Doutorado em Linguística e

Page 160: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

159

Língua Portuguesa) – Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista “Júlio de

Mesquita Filho”, São Paulo, 2012.

MONTRUL, S. El bilingüismo en el mundo hispanohablante. West Sussex, UK: Wiley-

Blackwell, 2013.

MORELLO, R; SEIFFERT, A. P. Inventário da Língua Guarani Mbyá – Inventário Nacional

da diversidade linguística. Florianópolis: IPOL, Garapuvu, 2011.

MOUGEON, R; REHNER, K; NADASDI, T. The learning of spoken French variation by

immersion students from Toronto, Canada. Journal of Sociolinguistics, v. 8, n. 3, p. 408 – 432,

ago. 2004.

MUFWENE, S. A What do creoles and pidgins tell us about the evolution of language. In:

LAKS, B. et. al. (Orgs.). The proceedings of the conference on The Origin and Evolution

of Languages: Approaches, Models, Paradigms. London: Equinox, 2007. p. 1 – 45.

NARO, A. The social and structural dimensions of a syntactic change. Language, v. 57, n. 1,

p. 63 – 98, 1981.

________. O dinamismo das línguas. In: MOLLICA, M. C; BRAGA, M. L. (Orgs.).

Introdução à Sociolinguística: o tratamento da variação. 4 ed. São Paulo: Contexto, 2010.

NARO, A; LEMLE, M. Syntatic diffusion. In: STEEVER, S. B. et al. (Orgs.). Papers from

the para session on diachronic syntax. Chicago: Chicago Linguistic Society, 1976. p. 221 –

241.

NARO, A. J; SCHERRE, M. M. P. Sobre as origens do português popular do Brasil. DELTA,

São Paulo, v. 9, n. esp., p. 437 - 454, 1993.

_____________________________. Influência de variáveis escalares na concordância verbal.

A cor das Letras, Feira de Santana, n. 3, p. 17 – 34, dez. 1999.

_____________________________. Variable concord in Portuguese: the situation in Brazil

and Portugal. In: McWHORTER, J. (Ed.). Language change and language contact in pidgins

and creoles. Amsterdam: John Benjamins, 2000. p.235 – 256.

_____________________________. O conceito de transmissão linguística irregular e as

origens estruturais do português brasileiro: um tema em debate. In: RONCARATI, C;

ABRAÇADO, C. (Org.) Português Brasileiro: contato linguístico, heterogeneidade e história.

Rio de Janeiro: 7Letras, 2003. p. 285-302.

_____________________________. Origens do português brasileiro. São Paulo: Parábola

Editorial, 2007.

Page 161: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

160

NOLL, V. O português brasileiro: formação e contrastes. VIARO, M. E. (Trad.). São Paulo:

Globo, 2008.

NOLL, V.; DIETRICH, W. (Org.). O português e o tupi no Brasil. São Paulo: Contexto, 2010.

OLIVEIRA, D. B. A. de. Os aldeamentos indígenas do distrito de Santa Cruz (Aracruz –

ES) e suas inter-relações com os manguezais da bacia do rio Piraquê-Açu: o caso das

aldeias de Caieiras Velha, Boa Esperança, Três Palmeiras e Piraquê-Açu Mirim. 2009. 109f.

Dissertação (Mestrado em Ecologia de Ecossistemas), Universidade de Vila Velha, Vila Velha,

2009.

OLIVEIRA, M. A. A variável linguística: conceituação, problemas de descrição gramatical e

implicações para a construção de uma teoria gramatical. DELTA, São Paulo, vol. 3, n. 1, p. 19

– 34, 1987.

OLIVEIRA, R. C. de. O índio e o mundo dos brancos. São Paulo: Pioneira, 1972.

______________. Identidade, etnia e estrutura social. São Paulo: Pioneira, 1976.

OLIVEIRA, V. B. et al. Projeto Vidas Paralelas Indígena: revelando o povo guarani do Espírito

Santo, Brasil. Tempus: Actas de Saúde Coletiva, Brasília, v. 6, n. 1, 2012. Disponível em:

<http://www.tempusactas.unb.br/index.php/tempus/article/view/1093>. Último acesso em: 2

de abril de 2016.

PAIVA, M. da C. de. Variação e aquisição do traço de sonoridade. In: RONCARATI, C;

MOLLICA, M. C. (Orgs.). Variação e aquisição. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. p.

15 – 32.

________________. A variável gênero/sexo. In: MOLLICA, M. C; BRAGA, M. L. (Orgs.).

Introdução à Sociolinguística: o tratamento da variação. 4 ed. São Paulo: Contexto, 2010. p.

33 – 42.

PAREDES SILVA, V. L. Relevância das variáveis linguísticas. In: MOLLICA, M. C; BRAGA,

M. L. (Orgs.). Introdução à Sociolinguística: o tratamento da variação. 4 ed. São Paulo:

Contexto, 2010. p. 67 – 72.

PARADIS, J.; NICOLADIS, E. The Influence of Dominance and Sociolinguistic Context on

Bilingual Preschoolers’ Language Choice. The International Journal of Bilingual Education

and Bilingualism, v. 10, n. 3, p. 277 – 297, 2007.

PERES, E. P. Aspectos da imigração italiana no Espírito Santo: a língua e cultura do Vêneto

em Araguaia. Dimensões, Vitória, v. 26, p. 44 – 59, 2011.

Page 162: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

161

___________. Aspectos sócio-históricos do contato entre o dialeto Vêneto e o Português no

Espírito Santo. Revista (Con) Textos Linguísticos, Vitória, v. 8, n. 10.1, p. 53 – 71, 2014.

PETERLE, B. D. Análise sociolinguística da realização do ditongo nasal tônico em São

Bento de Urânia, Alfredo Chaves/ES: o papel da variável sexo/ gênero. 2017. 146f.

Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos) – Centro de Ciências Humanas e Naturais,

Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2017.

PINHEIRO, R; TOLEDO, C. Duas margens do rio: indícios de lexicalização em Belo Horizonte

e de gramaticalização em Varginha/ MG. Revele, Belo Horizonte, n. 7, p. 125 – 143, maio

2014.

POPLACK, S; ZENTZ, L; DION, N. Phrase-final prepositions in Quebec French: an empirical

study of contact, code-switching and resistance to convergence. Bilingualism: Language and

Cognition, Cambridge, v. 15, n. 2, p. 203 – 225, abr. 2012.

PREFEITURA MUNICIPAL DE ARACRUZ. Disponível em: <http://www.pma.es.gov.br/>.

Último acesso em: 16 de agosto de 2017.

RIBEIRO, D. Falando dos índios. Brasília: UnB, 2010a.

___________. Meus índios, minha gente. Brasília: UnB, 2010b.

RODRIGUES, A. D. Tupi, tupinambá, línguas gerais e o português do Brasil. In: NOLL, V;

DIETRICH, W. (Orgs.). O português e o tupi no Brasil. São Paulo: Contexto, 2010. p. 26 –

47.

__________________. Línguas brasileiras: para o conhecimento das línguas indígenas. São

Paulo: Loyola, 1986.

__________________. Línguas indígenas: 500 anos de descobertas e perdas. DELTA, São

Paulo, v. 9, n. 1, p. 83 – 103, 1993.

__________________. As Línguas Gerais Sul-Americanas. Papia: Revista Brasileira de

Estudos Crioulos e Similares, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 6 – 18, 1996.

RODRIGUES, C. V. Bilinguismo no Espírito Santo: reflexos no português de adultos e

crianças. Signum: Estudos da Linguagem, Londrina, v. 12, n. 1, p. 293 – 316, 2009.

ROMAINE, S. Bilingualism. Oxford: Blackwell, 1995.

RONCARATI, C; MOLLICA, M. C. (Orgs.). Variação e aquisição. Rio de Janeiro: Tempo

Brasileiro, 1997.

Page 163: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

162

SANKOFF, D; TAGLIAMONTE, S; SMITH, E. Goldvarb X: variable rule application for

Macintosh and Windows. Toronto: University of Toronto, 2005.

SANKOFF, G. Linguistic Outcomes of Language Contact. In: TRUDGILL, P; CHAMBERS,

J; SCHILLING-ESTES, N. (Eds). The handbook of language variation and change. Oxford:

Blackwell, 2003. p. 638 – 668.

SAUSSURE, F. de. Curso em Linguística Geral. 27. ed. CHELINI, A; PAES, J. P;

BLIKSTEIN, I. (Trad.). São Paulo: Cultrix, 1973 [1916].

SCHADEN, E. Aculturação indígena. São Paulo: Pioneira – USP, 1969.

SCHERRE, M. M. P. Paralelismo linguístico. Revista de Estudos da Linguagem, Belo

Horizonte, v. 7, n. 2, p. 29 – 59, 1998.

__________________. Brazil/Brasilien. In: AMMON, H. V. U. et. al. (Orgs.). Sociolinguistics

Soziolinguistik – An international Handbook of the Science of Language and Society, Berlin

– New York, v. 3, p. 2125 – 2131, 2006.

SCHERRE, M. M. P; NARO, A. J. Marking in Discourse: Birds of a Feather. Language

Variation and Change, Cambridge, v. 3, n. 1, p. 23 – 32, 1991.

_____________________________ . The serial effect on internal and external variables.

Language Variation and Change, Cambridge, v. 4, n. 1, p. 1 – 13, 1992.

_____________________________ . Duas dimensões do paralelismo formal na concordância

verbal no português popular do Brasil. DELTA, São Paulo, v. 9, n. 1, p. 1 – 14, 1993.

______________________________. A concordância de número no português do Brasil: um

caso típico de variação inerente. In: HORA, D. (Org.). Diversidade Linguística no Brasil,

João Pessoa: Ideia, 1997. p. 93 – 114.

______________________________. Sobre a concordância de número no português falado do

Brasil. In: RUFFINO, G. (Org.). Dialettologia, geolinguistica, sociolinguistica. In: Congresso

Internazionale di Linguistica e Filologia Romanza, 21, 1998, Centro di Studi Filologici e

Linguistici Siciliani, Universitá di Palermo. Tübingen: Max Niemeyer Verlag, 1998. v. 5, p.

509 – 523.

______________________________. Mudança sem mudança: a concordância de número no

português brasileiro. Scripta, Belo Horizonte, v. 9, n. 18, p. 109 – 131, 2006.

______________________________. O papel do tipo de verbo na concordância verbal no

Português Brasileiro. DELTA, São Paulo, v. 23, n. esp., p. 283 – 317, 2007.

Page 164: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

163

______________________________. Perceptual vs. Grammatical Constraints and Social

Factors in Subject-Verb Agreement in Brazilian Portuguese. Penn Working Papers in

Linguistics, Pennsylvania, v. 16, n. 2, p. 165 – 171, 2010.

______________________________. Sociolinguistic correlates of negative evaluation:

Variable concord in Rio de Janeiro. Language Variation and Change, Cambridge, v. 26, n. 3,

p. 331 – 357, out. 2014.

SCHERRE, M. M. P.; NARO, A. J.; CARDOSO, C. R. O papel do tipo de verbo na

concordância verbal no português brasileiro. DELTA, São Paulo, v. 23, n. esp., p. 283 – 317,

2007.

SCHERRE, M. M. P; YACOVENCO, L. C. A variação linguística, o gênero do falante e o

princípio de marcação linguística e social. In: CARMELINO, A. C; MEIRELES, A. R;

YACOVENCO, L. C. (Orgs.). Questões Linguísticas: diferentes abordagens teóricas. Vitória:

PPGEL/UFES, 2012. p. 173 – 190.

_____________________________________. A variação linguística e o papel dos fatores

sociais: o gênero do falante em foco. Revista da ABRALIN, v. eletrônico, n. esp., p. 121 –

146, 2011.

SCHLEEF, E; MEYERHOFF, M; CLARK, L. Teenagers’ acquisition of variation: A

comparison of locally-born and migrant teens’ realization of English (ing) in Edinburgh and

London. English World-Wide, v. 32, n. 2, p. 206 – 236, 2011.

SEIFFERT, A. P. Línguas brasileiras de imigração faladas em São Bento do Sul (SC):

estratégias para revitalização e manutenção das línguas na localidade. 2009. 215f. Dissertação

(Mestrado em Linguística) – Centro de Comunicação e Expressão, Universidade Federal de

Santa Catarina, Florianópolis, 2009.

SHUY, R. A brief history of American sociolinguistics (1949 – 1989). Historiographia

Linguistica, v. 17, n. 1-2, p. 183 – 209, 1990.

SILVA, J. A. A. da. A concordância verbal no português afro-brasileiro: um estudo

sociolinguístico de três comunidades rurais do Estado da Bahia. 2003. 254f. Dissertação

(Mestrado em Letras) – Instituto de Letras, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2003.

__________________. A concordância verbal de terceira pessoa do plural no português

popular do Brasil: um panorama sociolinguístico de três comunidades do interior do Estado

da Bahia. 2005. 323f. Tese (Doutorado em Letras e Linguística) – Instituto de Letras,

Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2005.

SILVA, A. L; GRUPIONI, D. B. (Orgs). A temática indígena na escola: novos subsídios para

professores de 1º e 2º graus. 4 ed. São Paulo: Global, 2004.

Page 165: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

164

SOARES, S. M. Concordância verbal na fala de crianças de classe baixa da cidade de Porto

Alegre. Cadernos do IL, Porto Alegre, n. 40, p. 106 – 122, jun. 2010

TAGLIAMONTE, S. A. Variationist sociolinguistics: change, observation, interpretation.

Cambridge: Wiley-Blackwell, 2012.

TARALLO, F. Por uma sociolinguística românica paramétrica: fonologia e sintaxe. Cadernos

de Linguística e Teoria da Literatura, Belo Horizonte, v. 7, n. 13, p. 51 – 83, 1987.

___________. A pesquisa sociolinguística. 8 ed. São Paulo: Ática, 2007.

TAVARES, M. A. Sociofuncionalismo: um olhar duplo sobre a variação e a mudança

linguística. Interdisciplinar, Itabaiana, v. 17, n. esp., p. 27 – 48, jan./jun. 2013.

TEAO, K. M. As visões dos Guarani Mbya do Espírito Santo sobre a escola. Tellus. Campo

Grande, v. 9, n. 16, p. 105 – 126, jan./jun. 2009.

___________. Território e identidade dos Guarani Mbyá do Espírito Santo (1967 – 2006). 2015.

234f. Tese (Doutorado em História) – Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade

Federal Fluminense, Niterói, 2015.

TEIXEIRA, F. M. P. História concisa do Brasil. São Paulo: Global, 1993.

TRASK, R. L. Dicionário de linguagem e linguística. ILARI, R. (Trad.). São Paulo: Contexto,

2006.

TRUDGILL, P. Sociolinguistics: an introduction to language and society. 4 ed. London:

Penguin Group, 2000.

VEIGA, P. R. V. Uma breve reflexão da aquisição da língua ancestral como segunda língua:

entre as falas em Português e Guarani. In: AMADO, R. S; FERREIRA, R.V; CHRISTINO, B.

P. (Orgs.). Português indígena: novas reflexões. Munique: LINCOM Studies in Romance

Linguistics, 2014. p. 130 – 141.

VERMES, G; BOUTET, J. (Orgs.). Multilinguismo. Campinas: Editora da UNICAMP, 1989.

VERTENTES DO PORTUGUÊS POPULAR DO ESTADO DA BAHIA. Disponível em:

<http://www.vertentes.ufba.br/home>. Último acesso em: 23 de abril de 2017.

VICENTE, G. A. D. Território e cultura: os Tupinikim de Caieiras Velhas – ES (2007 –

2014). 2014. 168f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Centro de Ciências Humanas e

Naturais, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2014.

Page 166: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

165

VIEIRA, M. M. D. A busca por diagnósticos para identificar verbos inacusativos e inergativos

em Guarani. Revista FSA, Teresina, v. 10, n. 1, p. 187 – 210, jan./mar. 2013.

VIEIRA, S. R. A não concordância em dialetos populares: uma regra variável. Graphos, João

Pessoa, v. 2, n. 1, p. 115 – 134, 1997.

___________. (Org.) A concordância verbal em variedades do Português: a interface

fonética-morfossintaxe. Rio de Janeiro: Vermelho Marinho, 2015.

VIEIRA, S. R; BAZENGA, A. M. A concordância de terceira pessoa do plural: padrões em

variedades do português. In: VIEIRA, S. R. (Org.). A concordância verbal em variedades do

Português: a interface fonética-morfossintaxe. Rio de Janeiro: Vermelho Marinho, 2015. p. 29

– 75.

WEINREICH, U. Languages in contact: findings and problems. 9 ed. Mouton de Gruyter,

1970 [1953].

WEINREICH, U; LABOV, W; HERZOG, M. I. Fundamentos empíricos para uma teoria da

mudança linguística. BAGNO, M. (Trad.). São Paulo: Parábola, 2006 [1968].

WELCHEN, D. A concordância verbal de 3ª pessoa do plural em Missal/PR. 2006. 84f.

Trabalho de Pós-graduação em Letras (Disciplina Variação em Português). Universidade

Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006.

____________. Pelotas/RS e a concordância verbal de 3ª pessoa do plural. 2009. 150f. Tese

(Doutorado em Letras) – Instituto de Letras, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto

Alegre, 2009.

WOLFRAM, W. et al. Emerging Hispanic English: New dialect formation in the American

South. Journal of Sociolinguistics, v. 8, n. 3, p. 339 – 358, 2004.

YACOVENCO, L. C. et. al. Projeto PORTVIX: a fala de Vitória/ES em cena. Alfa: Revista de

Linguística, São Paulo, v. 56, n. 3, p. 771 – 806, 2012.

Page 167: A MARCAÇÃO DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE ......RESUMO CALAZANS, Poliana Claudiano. A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português de contato dos Guarani

166

ANEXO

Resultados da rodada sem os informantes com nível superior (com todas as variáveis).

VARIÁVEL POR ORDEM DE SELEÇÃO RESULTADOS

SALIÊNCIA FÔNICA

Não envolve mudança na qualidade da vogal na forma plural. .10

Envolve mudança na qualidade da vogal na forma plural. .19

Envolve acréscimo de segmentos na forma plural. .33

Envolve apenas mudança na qualidade da vogal na forma plural. .69

Envolve acréscimo de segmentos sem mudanças vocálicas na

forma plural; inclui o par foi/foram que perde a semivogal. .88

Envolve acréscimo de segmentos e mudanças diversas na forma

plural. .89

ESCOLARIDADE Até 8 anos de escolaridade. .30

Mais de 8 anos de escolaridade. .80

PARALELISMO ORACIONAL

Presença de -s no último elemento do sujeito. .65

Presença de zero no último elemento do sujeito. .26

Neutralização no último elemento do sujeito. .65

SEXO Masculino. .66

Feminino. .08

GRAU DE CONTATO

Baixo .79

Moderado .84

Alto .35

ANIMACIDADE [+ animado] .53

[- animado] .20

PARALELISMO DISCURSIVO

Verbo precedido de verbo com marca formal de plural explícita no

discurso do falante ou do interlocutor. .60

Verbo precedido de verbo com marca zero de plural no discurso do

falante ou do interlocutor. .27

Verbo isolado ou primeiro de uma série. .56

POSIÇÃO, DISTÂNCIA E

REALIZAÇÃO DO SUJEITO

Sujeito imediatamente anteposto ao verbo. .61

Sujeito anteposto distante de 1 a 4 sílabas do verbo. .47

Sujeito anteposto distante de 5/+ sílabas do verbo. .26

Sujeito posposto ao verbo. .25

Sujeito nulo com referente próximo (até 10 orações). .44

Sujeito nulo com referente distante (acima de 10 orações). .83

CONTÁVEIS/ NÃO-CONTÁVEIS Contáveis .51

Não-contáveis .21

INPUT DA RODADA .30