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A mascára da malandragem em A Relíquia, de Eça de Queirós: o que se diz, o que se
pensa
Indionara de Matos (UFFS)
Saulo Gomes Thimóteo (UFFS)
Resumo: O autor Eça de Queirós escreveu livros que criticavam a sociedade da época e
apresenta em sua obra, A Relíquia, um discurso que satiriza a igreja e revela a hipocrisia que
aparecem nas relações pessoais e espirituais. Observamos, então, as desventuras do
protagonista Teodorico Raposo que entre as variáveis foi escolhida nesse estudo pela sua
malandragem. Iniciando pela sua infância, quando afirma que, pela riqueza da tia, era
necessário ser bom e agradá-la sempre, além de vários momentos em que seu comportamento
não condiz com o que se passa em seus pensamentos. Um exemplo de sua dissimulação é, ao
queixar-se a sua tia, a indignação que teve ao decote de uma senhora, mas na verdade o
desfrutou, quando foi a ópera. Pretende-se identificar a construção dessa personagem,
analisando, inclusive, o fato da obra ser narrada em primeira pessoa, fazendo com que se
confessem os "desvios" da índole de Teodorico. Para desenvolver essa pesquisa foi realizada a
leitura do livro e utilizados fragmentos e referências do autor, e para auxiliar na
problematização da figura do pícaro e do malandro, textos como “Dialética da malandragem”,
de António Candido, também “Malandragem Revisitada”, de Roberto Goto, funcionam como
fundamentação. Verifica-se, assim, como é realizada a malandragem no personagem como
críticas à religião e à sociedade da época.
Palavras-chave: Malandragem; Comportamento; Personalidade; Teodorico Raposo.
Resumen: El autor Eça de Queirós escribió libros que criticaban la sociedad de la época y
presenta en su obra A Reliquia, un discurso que satiriza la iglesia y revela la hipocresía que
aparecen en las relaciones personales y espirituales. Es posible observar las desventuras del
protagonista Teodorico Raposo, que entre las variables fue elegido en ese estudio por ser
malandrín, a principio en su infancia, cuando afirma que, por la riqueza de la tía, es necesario
ser bueno y agradarla siempre, además de varios momentos en que su comportamiento no está
de acuerdo con lo que pasa en sus pensamientos. Un ejemplo de su disimulación es cuando el
personaje se queja a su tía la indignación que tuvo al escote de una señora, pero en realidad la
disfrutó cuando fue a la ópera. En ese sentido, la intención de este trabajo es identificar la
construcción de ese personaje, analizando, incluso, el hecho de que la obra sea narrada en
primera persona, lo que hace con que se confieran los "desvíos" de la índole de Teodorico. Para
el desarrollo de esta investigación fue realizada la lectura del libro, con una mirada cercana a
fragmentos y referencias del autor. Además, con el intuito de auxiliar en la problematización
de la figura del pícaro y del malandro, fueran utilizados textos como "Dialética da
malandragem", de António Candido, también "Malandragem Revisada", de "Roberto Goto.
Esas lecturas posibilitan la reflexión acerca de cómo se realiza el malandrín en ese personaje
que hace críticas a la religión y a la sociedad de la época.
Palabras-clave: Malandrín; Comportamiento; Personalidad; Teodorico Raposo.
Eça de Queirós foi um dos maiores escritores portugueses realistas, autor de grandes
obras, com reconhecida importância e reconhecimento internacional. Com suas obras,
realizava críticas à religião, ao clero e à sociedade da época. Também faz uso de monólogos
interiores, que promovem uma visualização, compreensão dos sentidos, sentimentos e
intenções do personagem e do autor e a utilização da sátira que expõe fatos que contrapõem a
realidade. As narrativas são descritas minuciosamente. Seus personagens retratam uma classe
social e as representam em distintas características e comportamentos, como em A Relíquia.
O romance A Relíquia proporciona uma visão moralizante da sociedade e do ser
humano, por meio da sátira feita nas características do personagem principal do livro. Obra
escrita em 1887, traz a crítica do autor à sociedade e ressalta os defeitos e a ganância do clero.
Também é rica em detalhes, os quais promovem o estilo realista, por descrever paisagens,
personagens.
Nesse artigo, foi utilizada a figura de personagem narrador da história, Teodorico
Raposo, e em especial seus pensamentos e ações para compreendermos, por meio da
identificação de comportamentos considerados “da malandragem”, as máscaras sociais que são
utilizadas e sua índole íntima. Wood esclarece que “Podemos saber muitas coisas sobre um
personagem pela maneira como ele fala, e com quem fala – como lida com o mundo” (WOOD,
2014, p.89) e sendo o principal personagem da obra, Vulgo Raposão quem narra toda sua vida
desde o namoro de seus pais e depois de sua peregrinação a Jerusalém, a identificação proposta
torna-se mais fidedigna.
Raposão, alcunha dada pelos seus companheiros da Universidade de Coimbra, por seu
comportamento e aparência, é quem guia através de sua vivência a identificação de
características da malandragem em sua personalidade. Teodorico explica os motivos que o
levaram a ganhar seu codinome, “[...] fartei a carne com saborosos amores no Terreiro da Erva;
vadiei ao lugar ganindo fados; usava moca; e como de barba me vinha, basta e negra, aceitei
com orgulho a alcunha de Raposão”. (QUEIRÓS, 1887, p.23). Sua postura na universidade de
boemia e vida noturna agregaram a sua pessoa não apenas sua alcunha, mas também o que se
procura identificar: a malandragem do personagem.
Malandragem é referente ao comportamento do indivíduo malandro. Malandro é como
o dicionário português Aurélio (1988) explica: “Individuo dado a abusar da confiança dos
outros, ou que não trabalha e vive de expedientes; velhaco, patife. Indivíduo preguiçoso,
madraço, [...]. Individuo esperto, vivo, astuto, matreiro. Que é malandro” (AURÉLIO, 1988,
p. 409). Enfim, todas essas aptidões se mostram necessárias para o indivíduo malandro possa
se beneficiar das situações, viva em busca de prazeres e diversão, sem a necessidade de
trabalhar.
O ponto de partida, na obra, é estabelecido no período depois do falecimento dos pais
do protagonista, primeiro a mãe no parto e depois seu pai, quando já tinha sete anos. Então, vai
morar com sua tia e é nesse momento que se observa o comportamento e personalidade já
tendenciosa do personagem. Pois ele aprende que, pelo fato de sua tia ser extremamente rica,
deveria ser bom com ela, e sempre a responder com um sim. Como confirmado em um dos
primeiros diálogos entre os dois:
- Sim Titi.
Então o padre mais idoso e nédio chegou-me para os joelhos, recomendou-
me que fosse temente a Deus, quietinho em casa, sempre obediente à Titi...
- O Teodorico não tem ninguém senão Titi... É necessário dizer sempre que
sim à Titi...
Eu repeti, encolhido:
- Sim, Titi. (QUEIRÓS, 1887, p.19).
No dia em que a conheceu, sua primeira palavra para Titi foi um tremido e amedrontado
“Sim”, como explícito na narrativa de Queirós: “Assustado, com o beicinho já a tremer, ergui
os olhos para ela, murmurei: - ‘Sim, titi.’” (Idem p.18), percebe-se que o personagem agiu
procurando adaptar-se à nova realidade e já compreendendo sua condição naquele recinto.
Como explica Antônio Candido, no texto “Dialética da malandragem”, o “choque com a
realidade que leva à mentira, à dissimulação, ao roubo, e constitui a maior desculpa das
picardias” (CANDIDO, 1970, p.69). Com base nos estudos de Antônio Cândido, tem-se a
possibilidade de agregar as características do pícaro ás do malandro. Pode-se observar que tanto
o malandro, quanto o pícaro abominam o trabalho, procuram vida boa sem muito esforço físico,
e ambos usam da esperteza e agilidade para tal.
O pícaro também recebe inúmeras qualificações, como ser ardiloso e astuto, os dois
vivem em sociedade, mas não são ligados a ela ou produtivos para a mesma, eles não têm uma
ideologia, o que fazem e produzem é apenas pelos seus próprios interesses. Suas habilidades
são providas pelo contexto em que vivem, pelo seu ambiente social e suas necessidades. No
contexto de Raposo, os dois adjetivos juntos promovem uma descrição ainda melhor das
características do personagem. Teodorico vivia em uma casa grande, com pratarias e
funcionários, mas nada era seu, também frequentava alta sociedade apesar de não ter dinheiro
próprio, era apenas a sua capacidade de adaptação e aprendizagem, inteligência e malandragem
que tornou sua presença duradoura nesse meio.
É inegável que os eventos que ocorreram em sua infância moldaram seu caráter e sua
flexível adaptação ao meio de convivência. Ele apropriou-se de ferramentas como a mentira e
dissimulação para continuar abrigando-se na casa de Dona Patrocínio, a Titi. Também procurou
fazer as vontades de sua tia seguindo sua doutrina, mesmo que apenas externamente.
Mas torna-se necessário conhecer um pouco mais D. Patrocínio para entender as
façanhas de Raposão, e seu relacionamento com sua tia Patrocínio, uma vez que se faz passar
por beato grande devoto a religião para obter sua fortuna em seu testamento. Titi é descrita por
Queirós como uma mulher solteirona extremamente beata, rica e contra relações entre homens
e mulheres.
Ela como dona da casa, responsável e consanguínea de Teodorico, impôs o modo como
ele deveria se comportar como narrado por ele, “A titi, severamente, mandou-me tirar o dedo
da boca, Depois disse-me que voltasse para a cozinha, para a Vicência, sempre a seguir pelo
corredor..., - ‘E quando passar pelo oratório, onde está a luz e a cortina verde, ajoelhe-se, faça
o seu sinalzinho da cruz....’” (QUEIRÓS, 1887, p.19). Todo seu crescimento foi acompanhado
e ajustado ao seu modo de viver e suas crenças, que era uma mulher severa e controladora.
Mulher com a vida inclinada totalmente a rezas, missas, adoração a Deus, a vida sem
pecados, completamente contra relacionamentos de homens e mulheres, bebidas e tudo que a
Bíblia e a igreja pregavam como pecado. Constrói-se, então, um personagem que não tolera
nada que ache não condizer com os mandamentos de Deus, tanto que deixa morrer sem ajuda
seus próprios familiares por “estarem em pecado”:
– Que se aguente.. É o que sucede a quem não tem temor de Deus e se mete
com bêbedas... Não tivesse comido tudo em relaxações... Cá pra mim, homem
perdido com saias, homem eu anda atrás de saias, acabou... Não tem o perdão
de Deus, nem tem o meu! Eu padeça, eu também Nosso Senhor Jesus Cristo
padeceu! (QUEIRÓS, 1887 p.26).
Afirmando, então, que estavam pagando por seus erros e por isso estavam ganhando o
que era merecido. Ela não oferece ajuda nem mesmo diante da enfermidade de seu parente, do
pedido de ajuda em um jornal e da imagem de crianças famintas na pobreza.
Dona Patrocínio tem como algumas características principais religiosidade extrema e
rotina de orações, que eram feitas em casa, que possuía uma espécie de santuário e idas a igreja
fielmente, para confissão e missas. Seu comportamento era frio, cheio de julgamentos. Portanto
quem não portava os mesmos princípios, e comportamentos não era digno de estar em seu meio
de convivência, ela não conglomerava com ninguém que não estive no mesmo nível dela, ou
do qual considerava em conformidade com suas ideologias.
Dessa forma, Raposo necessitava comportar-se como Titi julgava ideal de seu sobrinho.
A relação então entre eles era de cordialidade, Teodorico tinha requintada educação, delicadeza
além de submissão e temor a sua tia. Não por um sentimento de apreço e respeito, mas sim pelo
conforto isso proporcionava. Ele se caracteriza como pícaro, pois, segundo Candido, “Pícaros
são amáveis e risonhos” (CANDIDO, 1970, p.69). Qualidades necessárias para agradar e ter
direito a conviver com Titi e seu círculo social.
Por meio de cartas que escrevia a ela, ele dizia apenas rezar e ter uma vida pacata. Como
se nota na passagem do texto onde descreve: “todos os quinze dias, porém, escrevia a Titi, na
minha boa letra uma carta humilde piedosa, onde lhe contava a severidade de meus estudos, o
recato de meus hábitos, as copiosas rezas e os rígidos jejuns [...]”. (QUEIRÓS, 1887, p.19).
Ao conhecer um pouco de Dona Patrocínio, consegue-se analisar a figura inicial de
Teodorico, um menino sem muita compreensão da vida, da perda dos pais, da sua relação com
tal mulher e eminente desamparo emocional, mas apenas quando relacionado ao primeiro
encontro dos parentes porque no decorrer de seu crescimento é averiguado sua perspicácia e
caráter matreiro. Constata-se dessa forma que a necessidade de sobreviver apenas desencadeou
sua real personalidade, estimulando seu caráter, Candido afirma: “Na origem, o pícaro é
ingênuo; a brutalidade da vida e que aos poucos o vai tornando esperto e sem escrúpulos, quase
como defesa” (CANDIDO, 1970, p.69). De modo que o confronto com a tia, desenvolveu no
menino habilidades de pícaro. Assim, pela esperteza e mascaramento, Teodorico passa a criar
estratégias dessa malandragem, como a dissimulação e a chantagem.
O percurso de crescimento do protagonista promoveu novos rumos a sua personalidade.
Com apenas nove anos, ele é mandado a um colégio interno, lugar que lhe permitiu um pouco
de liberdade, e pôde desenvolver suas primeiras paixões, brigas, começar a fumar e de certa
forma a aprender a atuar. Teodorico assume um personagem, um beato crente e religioso em
casa, e atua como tal utiliza-se de cenas planejadas e as desempenha com atos e discursos já
pré-elaborados, assume um tom de fala e expressões faciais que promovem maior veracidade
da cena. Sua destreza na arte de enganar é imensa, como quando para alcançar ainda mais o
dinheiro de Titi, foi até o oratório que tinha na casa ajoelhado e rezando, “Abati-me sobre o
assoalho, aos soluços, desfalecido de paixão divina” (QUEIRÓS,1887, p.31). Respondendo a
sua tia que era por que estava arrependido de haver falado dela no teatro e deveria se confessar
e pedir perdão a Deus. Dessa forma ele rapidamente, consegue a atenção de sua tia e;
Desculpe, titi... Estava no teatro com o Dr. Margaride, estivemos ambos a
tomar chá, a conversar da titi... E vai de repente, ao voltar para casa, ali na
Rua Nova da palma, começo a pensar que havia de morrer, e na salvação da
minha alma, e em tudo que Nosso Senhor padeceu por nós, e dá-me uma
vontade de chorar... Enfim, a titi faz favor, deixa-me aqui um bocadinho só,
no oratório, para aliviar... Muda impressionada, ela acendeu reverentemente,
uma a uma, todas as velas do altar. [...] Depois em silencio desapareceu,
cerrando o reposteiro com recato. Eu ali fiquei sentado na almofada da titi,
coçando os joelhos, suspirando alto - e pensando na viscondessa de Souto
[...]. (QUEIRÓS, 1887, p.40).
Fazia de sua casa um teatro completo, com suas encenações e atuações. Teodorico
fingiu-se arrependido e precisar do perdão de Deus, utilizou de argumentos como “ salvação
da minha alma”, além de “Nosso Senhor padeceu” para enfatizar a aflição que representava.
Também faz questão de contar ao leitor a reação da Titi (“Muda impressionada”),
possivelmente com o tamanho da fé e temor de Teodorico. E ainda em confidencia retira sua
mascará, quando confessa que ficou a pensar em mulher, como se estivesse a contar um segredo
a um amigo fiel.
Nessa perspectiva, Saraiva afirma que “Através das circunstâncias em que se situa e de
certos traços linguísticos flagrantes, surgem bem conotadas as contradições inconscientes entre
seus juízos explícitos e os seus comportamentos ou intenções reais. (SARAIVA,2010, p.874).
Ou seja, nessas “circunstancias” da relação com sua Tia e nos “traços linguísticos” que existem
se consegue ter uma ideia da submissão e temor que sentia Teodorico em perder sua qualidade
de vida além da contrariedade de seus atos, quando mesmo distante da presença de Titi, em
suas noites em Coimbra de festas, bebidas e mulheres, ainda preocupava-se com os desejos de
Dona Patrocínio.
Para tais feitos, ele observou o comportamento dos indivíduos da sociedade, como a
presença dos dois eclesiásticos padre Casimiro e padre Pinheiro. Suas visitas frequentes à casa
de dona Patrocínio, suas bajulações e perceptíveis interesses a comodidade e dinheiro, são
identificados pelos olhos de um menino e depois do homem. De maneira que o influenciaram
profundamente e puderam servir de bases a formação de um Teodorico falso, interesseiro, e
engenhoso na arte de manipular.
E também das pessoas com quem convivia. Como quando o personagem narra sobre
suas saídas do colégio para visitar sua tia. Vicência, uma das funcionárias da casa era
responsável por buscá-lo, e quando o fazia o comportamento do administrador do colégio
Isidoro Junior mudava.
Isidoro Júnior, antes de eu sair, examinava-me sempre os ouvidos e as unhas;
muitas vezes, mesmo na bacia dele, dava-me uma ensaboadela furiosa,
chamando-me baixo sebento. Depois trazia-me até à porta, fazia-me uma
carícia, tratava-me de seu querido amiguinho, e mandava pela Vicência os
seus respeitos à Sr. ª D. Patrocínio das Neves. (QUEIRÓS, 1887, p.21).
Isidoro sempre o tratava de forma fria e chamava-o de sebento muitas vezes, mas
mudava seu comportamento ao avista-la, o tratando como seu querido amiguinho, como dito
pelo próprio Teodorico na narrativa. Ele percebe a máscara utilizada por Isidoro e como ele se
adapta à situação e à pessoa com a qual fala, além de parecer já acostumado a tais mudanças
de comportamento. Isidoro era chamado de sebento por Teodorico porque conhecia a
verdadeira personalidade sem a máscara do proprietário do colégio.
A própria dona Patrocínio se caracteriza com uma máscara. Ela representa a
intransigência, a religião numa interpretação bruta e rígida. Fiel a seus princípios e firme em
seu posicionamento, e seus atos como devota. Titi compreende e tendência sua crença a sua
própria interpretação. “ [...] Não tem perdão de Deus, também não tem o meu! Que padeça,
que padeça, que também Nosso Senhor Jesus Cristo padeceu! ” (QUEIRÓS, 1887, p.26).
Outro aspecto importante a relatar é que Teodorico é um mulherengo e dava sinais disso
desde de muito jovem, ele especialmente notava e observava as mulheres por prazer e gozo. E
conseguindo identificar, nos olhos de sua tia, o prazer das mentiras que dizia aproveitava para
acrescentar fatos que ela achasse interessante e aprovaria seu comportamento como no exemplo
quando diz a ela:
Depois, tristemente, como um moralista magoado, queixei-me do nédio
decote de uma senhora imodesta, nua nos braços, nua no peito, mostrando
toda carne, esplêndida e irreligiosa, que é a desolação do justo e a angústia da
Igreja.
- Jesus, Senhor, que vexame! Acredite a Titi, estava com nojo!
A Titi gostou deste nojo. (Idem, p. 26).
O narrador enfatiza que Titi gostou do nojo, o fato relatado pelo sobrinho com a palavra
pontuada estrategicamente produziu um efeito em D. Patrocínio. Uma reação já esperada por
Teodorico que sabe que ela gostaria disso, então fez questão de frisar isso em sua fala. Em
outro momento precisou ocultar seu encontro com elas, e encobrir o perfume de Adélia, sua
amante, em suas roupas ele trazia incensos e os queimava antes de entrar em casa e gerava
resultados todo vez que Titi afirmava quão era bom o cheirinho de igreja que ele trazia.
E sua ferramenta para tal é a dissimulação, e com a qual consegue muitos logros com
sua tia, já podia sair e voltar mais tarde que o habitual, graças à confiança que construiu por
meio de muita mentira, e ele cultivava mais e mais confiança da tia quando relata
minuciosamente detalhes dos lugares que visitava como a ópera e observações das pessoas no
local.
A formação acadêmica de Teodorico em Coimbra possibilitou um aprimoramento das
habilidades de pícaro que já estavam acentuadas em sua personalidade. Neste local passou por
dificuldades, por causa de seu tutor chamado Dr. Roxo, que logo pelo destino faleceu e deixou
assim, que Teodorico pudesse conhecer uma vida de bebedeira, liberdade e paixões,
demonstrado nas palavras de Teodorico:
Detestei logo o Dr. Roxo. Em sua casa sofri vida dura e claustral; e foi um
inefável gosto quando, no meu primeiro ano de Direito, o desagradável
eclesiástico morreu miseravelmente dum antraz. Passei então a divertida
hospedagem das Pimentas – e conheci logo, sem moderação, todas as
independências, e as fortes delícias da vida. (QUEIRÓS, 1887, p.23).
No trecho ainda é possível averiguar a verdadeira natureza de Raposão, sua índole em
forma mais pura. Ele expressa seu gosto e imenso prazer na morte de Dr. Roxo pela forma com
que descreve “ foi um Inefável gosto”, de maneira a acentuar o descaso que ele sentia pelo
tutor. E ainda compreende que “morreu miseravelmente” o falecimento do homem além de
estar a seu gosto ainda foi sem valor, desprezível.
Candido revela que o pícaro vive ao sabor da sorte. O malandro modela a sorte ao seu
sabor. Foi essa sorte que oportunizou a ele experimentar a liberdade. E provavelmente é um
dos grandes motivos que incentivaram os pensamentos de Raposão, durante o romance, a torcer
e esperar pela futura morte de sua tia. Tendo isso como um motivador a persistir na casa de sua
parente. Conhecemos completamente seu foco de interesse, mas não inteiramente seus
sentimentos. Wood esclarece que “[...] a narrativa pode dar, e muitas vezes dá, uma nação
vívida de um personagem sem dar uma noção vívida de um indivíduo. Não conhecemos esse
homem em particular, mas conhecemos seu comportamento particular nesse momento
específico. ” (WOOD,2014, p.91). Esse conhecimento que se tem garante uma interpretação e
outra sobre o propósito do personagem.
De fato, Cândido esclarece o que sente um pícaro, “[...] ele não tem sentimentos, mas
apenas reflexos de ataque e defesa. Traindo os amigos, enganando os patrões, não tem linha de
conduta, não ama e, se vier a casar, casará por interesse, disposto inclusive às acomodações
mais toscas” (CANDIDO 1970, p.70). É exatamente o que se verifica no fim da história, com
um casamento arranjado pelo amigo, não conhecia a noiva, não a amava, mas ela o
proporcionaria abrigo e comodidade em momentos difíceis. Mas ainda que se desconhece os
sentimentos, identifica-se a motivação e o significativo que se torna a Teodorico obter a
liberdade, e assim ampliar seus contatos e conhecimento de mundo.
Ele tem necessidade de estar no meio de pessoas, sua máscara não poderia ser utilizada
sempre, momentos de descontração o renovavam. Por seus amigos frequentava festas e
desfrutava de damas de companhia, em uma delas foi o relógio que o lembrou que precisa
manter o teatro, as aparências, estará demasiado relaxado sem a máscara. “[...] – e os meus
lábios encontraram os seus no beijo mais sério, mais sentido, mais profundo que até aí abalara
o meu ser. Nesse doce instante, um relógio medonho[...]”, “Jesus! Era hora do chá em casa da
titi! ” (QUEIRÓS, 1887, p.28).
Mais uma mostra que seu perfil se encaixa perfeitamente ao de um pícaro, como
esclarece Cândido “[...]o pícaro anda por diversos lugares e entra em contato com vários grupos
e camadas[...]”, (CANDIDO, 1970, p.70). Teodorico convivia com pessoas de diversos lugares
e posições, ao mesmo tempo que está com os padres está com as damas de companhia, transita
entres os meios e utiliza da máscara, quando na presença dos eclesiásticos ou nobres, se
desfazendo dela na presença de Adélia e damas de companhia.
Outro ponto de interesse e quando com chantagem consegue tirar dinheiro de Jose
Justino, tabelião de sua tia, para dar a Adélia. Dinheiro que conseguiu, quando ao acaso
encontrou com o tabelião, “[...] quando avistei a escapar-se, todo encolhido, todo sorrateiro,
duma dessas vielas impuras onde Vênus mercenária arrasta os seus chinelos – o José Justino,
o nosso José Justino, o piedoso secretário da Confraria de S. José, o virtuosíssimo tabelião da
titi!”, (QUEIRÓS, 1887, p.42). Ao voltar de um encontro, reconhece o tabelião, em um lugar
ao qual se supunha, pela classe do S. José, não poder frequentar. Encontra-lo proporcionou a
Raposão a solução para seu problema ele precisa de dinheiro e quase momentaneamente na
figura do conhecido o financiamento surgiu.
A chantagem aconteceu no outro dia, muito bem orquestrada, “Ao outro dia, cedo, corri
ao cartório do Justino, a São Paulo, contei-lhe a pranteada história dum condiscípulo meu,
tísico, miserável, arquejando sobre uma enxerga, numa fétida casa de hóspedes, ao pé do Largo
dos Caldas. ” (QUEIRÓS, 1887, p.42). Uma vez que Justino não tinha um bom Álibi como o
Teodorico para explicar sua presença em uma dessas vielas impuras, e que Teodorico vira
alegando necessitar auxilio para ao suposto condiscípulo, a solução foi pagar pelo silencio de
Raposão que recebeu o dinheiro sem pudores.
Averígua-se que ele se utilizou de outras pessoas para libertar-se de problemas,
conforme Candido aponta “[...]Pragmatismo dos pícaros, cuja malandragem visa quase sempre
ao proveito ou a um problema concreto, lesando frequentemente terceiros na sua solução”
(CANDIDO, p.71.) Sendo assim Teodorico, na busca de seus objetivos não tem nenhum
remorso em usar e chantagear o outro para seu benefício mesmo que mínimo.
A herança era seu objetivo então ele tinha uma motivação, um motivo para suas ações
e atitudes malandras. Mas quando falamos em malandragem, é necessário ao malandro
esconder seus reais objetivos e intenções, de modo que precisa enganar, envolver e mexer as
peças do jogo. O personagem Teodorico confronta-se várias vezes entre seus reais sentimentos
e vontades com a realidade de sua vida na casa de Titi, em uma reflexão do mesmo está claro
o quão difícil é prender-se para conseguir a herança.
Como se pode notar em: “[...] Ai de mim! Quanto tempo mais teria de rezar com a
odiosa velha o fastiento terço, de beijar o pé do senhor dos passos, sujo de tanta boca fidalga,
de palmilhar novenas, e de magoar os joelhos diante do corpo de um Deus, magro e cheio de
feridas? Oh vida entre todas amargurosa! [...]”. (QUEIRÓS, 1887, p.40). Está claro que o
personagem rezava, mas odiava fazê-lo, o vocabulário utilizado por ele deixa claro seus
sentimentos e aversões como no exemplo, “fastiento terço” o terço para ele era uma cessão
maçante, e quando necessita beijar o pé da estátua ele narra como“ sujo de tanta boca fidalga”
se nota a repugnância que tinha ao ter que fazê-lo. Ele pensa sobre o martírio que é realizar e
como gostaria de não o fazer, mas em pratica suas ações são outras.
Revelado, também em uma das vezes que procurou Titi para despedir-se, uma distinção
entre o que fez e o que desejaria fazer: “[...] estendeu-me, através da fenda, a sua mão
escarnada, lívida, cheirando a rapé. Apeteceu-me mordê-la; depus nela um beijo baboso[...] ”
(QUEIRÓS, 1887 p.56). Beijou, porque tinha além da motivação um propósito, a herança e um
desejo que ele confessa “[...] E passaria os dias numa fofa preguiça oriental, fumando o puro
latakié, tocando viola francesa, [...]” (Idem, p.49). De forma que Teodorico opta por beijar ao
invés de morder aquela mão. Personificando, então, o fato de seus pensamentos serem
totalmente opostos a seus atos. Principalmente com Titi, a mulher que regulava sua vida e os
caminhos que deveria tomar.
O que se nota no romance é que Teodorico não se utilizava dessas façanhas apenas com
Tia. Quando conheceu um parente doente Xavier, o qual lhe pediu ajuda para comover o
coração de Dona Patrocínio para ajudá-lo, ele prometeu ao homem falar com ela, mas em seus
pensamentos, achava a ideia absurda: “Falar com Titi! Eu nem ousaria a contar a Titi, que
conhecia o Xavier, e que entrava nesse casebre impuro onde havia uma espanhola, emagrecida
no pecado. E para que eles não percebessem meu ignóbil terror da titi, não voltei à Rua da Fé.
” (QUEIRÓS, 1887, p.20). Ele assegurou, mas não quer dizer que o fará, não existe um real
compromisso para um pícaro e o temor que tinha de Titi o fez não voltar a ver Xavier, apenas
a ideia de a tia ficar sabendo, a imagem e mera possibilidade de desagradá-la, fez ele ignorar o
pedido mesmo compreendendo ser uma atitude contraria a sua vontade. Sua ação foi ordenada
pela sombra de sua tia
Ao introduzir-se mais fundo no romance destaca-se a malandragem sendo bem
apresentada na esperteza e engenhosidade do personagem, que conseguia escapar de situações
que o fariam ser expulso de casa, como quando acaba se atrasando para chegar em casa, por
estar com Adélia sua primeira amante.
Ele utilizando-se de muita lábia, convence com ajuda dos eclesiásticos, sua tia de que
seu atraso foi por estar em um convento, e encontrar-se com um condiscípulo que por sinal era
sobrinho de um importante Barão na cidade. Também é compreensível tal necessidade da
mentira na afirmação de Raposão, “Porque para a tia Patrocínio todas as ações humanas,
passadas por fora dos portais das igrejas, consistiam em andar atrás de calças ou andar atrás
de saias: - e ambos esses doces impulsos naturais lhe eram igualmente odiosos. ” (QUEIRÓS,
1887, p.33).
Toda o processo de sua chegada tarde em casa demonstra que Teodorico tem uma
concepção divergente de sua tia, ao mesmo tempo que é insultado e permanece quieto a
concordar, ele também a insulta em pensamento,
Puxei, com a mão a tremer, a minha chávena de chá: e, remexendo desfalecida
mente o fundo de açúcar, pensava em abandonar para sempre a casa daquela
velha medonha, que assim me ultrajava diante da Magistratura e da Igreja,
sem consideração pela barba que me começava a nascer, forte, respeitável e
negra. (QUEIRÓS, 1887, p.29).
Sua mão está a tremer seu ato parece de temor, mas seu pensamento é de revolta, quer
se rebelar ao domínio da tia. Ele a chama de “velha medonha” mostrando seu desprezo e aponta
características próprias que fazem dele já um homem merecedor de respeito e não mais poder
levar essa espécie de repreenda, e ainda de alguém que ele mal consegue suportar.
Mas, aos domingos, o chá era servido nas pratas do comendador G. Godinho.
Eu via-as, maciças e resplandecentes, diante de mim: o grande bule,
terminando em bico de pato; o açucareiro cuja asa tinha a forma duma cobra
assanhada; e o paliteiro gentil, em figura de macho trotando sob os seus
alforjes. Tudo pertencia á titi. Que rica era a titi! Era necessário ser bom,
agradar sempre á titi!...
Por isso, mais tarde, quando ela penetrou no oratório para cumprir o terço, já
eu lá estava, de rojo, gemendo, martelando o peito, e suplicando ao Cristo de
ouro que me perdoasse ter ofendido a titi. (QUEIRÓS, 1887, p.29).
Os vários itens de prata, que faziam os olhos de Raposão brilhar o lembraram do motivo
que deviria continuar usando a máscara e suportar as humilhações, enquanto seu gesto era
apenas de mexer o açúcar na xícara em silêncio, seu raciocínio articulava e analisava sua
situação. No oratório a gemer e suplicar, produz uma imagem que demostra arrependimento,
mas ao mesmo tempo o narrador especifica na presença de quem está, do “Cristo de ouro”. Não
era á titi seu arrependimento e nem aos temores religiosos que pudesse ter, mas era puramente
ao ouro que poderia ser dele.
A manipulação que Teodorico tinha com relação a Titi ocorre com a utilização de
sutilezas e engenhosidades. Seus atos são pensados, analisados, sua mente não para de
raciocinar como vemos em uma afirmação:
Sim, decerto, eu ganhara a confiança da Titi com os meus modos pontuais,
sisudos, servis e beatos! Mas o que a levara a alargar assim, com generosidade,
as minhas horas de honesto recreio, fora (como, ela disse confidencialmente ao
Padre Casimiro) a certeza de que eu “me portava com religião e não andava
atrás de saias. (QUEIRÓS, 1887, p.27).
Pode se dizer que sua mente trabalhava muito mais, do que se pode imaginar para que
o corpo pudesse aproveitar do que agradava ao Raposão, sua malandragem, se motivava a cada
êxito e alcance de metas que ele propunha para se satisfazer. E de acordo como suas metas
aumentavam, suas preocupações também, sua tia era cada vez mais incisiva ao dizer que não o
queria envolvido com mulheres e ele cada vez mais envolvido com elas estava.
Sua atuação logo depois da perda da herança não foge a seus hábitos malandros. Em
um descuido do personagem ele acaba jogando fora a relíquia que deveria entregar a tia e em
seu lugar entrega uma camisola de mulher, motivo suficiente ser escorraçado. Um pouco antes
de ser expulso de casa, ele ainda se utilizava de seu poder de atuação para demonstrar o santo
devoto que era a sua tia, mas não tem o efeito desejado.
Logo descoberto por um erro e ter que sair de casa, sem o dinheiro de Titi, apenas com
algumas relíquias da peregrinação que fez, sua única solução é vender as relíquias verdadeiras
e algumas falsas que produziria. É com sua lábia, que inicia as vendas, com histórias que
tocariam o coração de beatas e padres, explorando sua religiosidade, barganha melhores preços,
“ [...] V.S. ª imagina que a água do Jordão é como a água do Arsenal? Ora essa!...Três mil-réis
recusei eu a um padre de Santa Justa, está manhã, aí, ao pé dessa cama... Ele fez saltar o frasco
na palma gorda, considerou, calculou: - Dou quatro mil-réis. ” (QUEIRÓS, 1887, p.194). E
assim pode ainda aproveitar as coisas boas da vida por um período curto de tempo.
O fim miserável e a resignação fazem parte do vasto currículo de um malandro, e não
poderiam faltar na vida de Raposão. Ao descobrir que sua tia deixou tudo a igreja, ao Padre
Negrão (mais precisamente outro malandro, pois envolve-se com Adélia, antiga amante de
Raposão), evidencia-se tal comportamento. Candido afirma que “ O malandro espanhol termina
sempre, ou numa resignada mediocridade, aceita com abrigo depois de tanta agitação, ou mais
miserável que nunca” (CANDIDO, 1970, p.70). O que é exatamente o que acontece, Teodorico
acaba por aceitar resignar-se a perca da herança, mas nesse processo também acha um método
de sobreviver ainda enganando, explorando a fé alheia com uma máscara de religiosidade.
Por cortesia, rilhado o queijo, convidei aquele homem que graças a Deus tinha
religião, a entrar no meu quarto e admirar as fotografias de Jerusalém. Ele
aceitou, com alvoroço: mas, apenas transpôs a porta, correu sem etiqueta e
gulosamente ao meu leito – onde jaziam espalhadas algumas das relíquias que
eu desencaixotara essa manhã.
- O cavalheiro aprecia? – indaguei, desenrolando uma vista do monte Olivete,
e pensando em lhe ofertar um rosário. (QUEIRÓS, 1887, p.193).
Com a herança já não havia o que fazer, perdeu tudo não tem como mudar os fatos, mas
ainda tinhas algumas relíquias, sua decisão diante da situação confirma mais uma vez ser um
digno malandro. No final do livro acredita-se que Teodorico pode estar mudado, mas
descobrimos que o malandro nele ainda existe, pois somente se arrepende de não mentir com
mais firmeza. Ele aceita seu destino quando casa por interesse e deixa de pensar na fortuna da
Tia como possibilidade, mas ainda com remorso. Percebemos que Teodorico mente, engana e
tenta manipular as pessoas em toda a história do livro, utiliza de vasto acervo de habilidades
que o auxiliam em busca de seus objetivos e os usa sem remorso ou empatia, ele ama e trabalha
apenas por ele e ninguém mais.
O personagem retrata o individualismo, Eça de Queirós demonstra ao leitor aspectos do
homem individual, como a rejeição de tradições e preceitos da sociedade, e proporciona com
seu estilo de escrita, verificar sua crítica e os sentimentos agregados do personagem. Pode-se
fazer uma ligação com o que Wood descreve ao esclarecer o estilo indireto livre;
[...] estilo indireto livre é que, no nosso exemplo, uma palavra como “idiota”
de certa forma pertence ao autor e ao personagem; não sabemos muito bem
quem “possui” a palavra. [...] estilo indireto livre, vemos coisas através dos
olhos e da linguagem do personagem, mas também através dos olhos e da
linguagem do autor. (WOOD, 2014, p.23).
E mesmo não sabendo exatamente a quem pertence a palavra ainda se torna claro não
apenas os sentimentos que o personagem está representando como a intenção do autor ao
utilizar determinados vocabulários, uma palavra como “detestável” ou “sebento” além de
muitas outras utilizadas no romance, resumem a sensação e a profundidade do personagem. E
em Teodorico elas auxiliam enxergar sua estrutura como um anti-herói que é tão dissimulado
ao ponto de fazer-nos torcer por ele, e querer que fique com a herança.
E como esse recurso do Autor, o personagem no ambiente de Jerusalém, mostra uma
possível redenção. Na metade do livro em uma espécie de epifania com sonho vivido e descrito
da via Crucies de Cristo, representa ele pode carregar a possibilidade de mudança, quando ele
caiu na própria malandragem querendo conservar a camisola da amante, mas troca os pacotes.
Alguma coisa mudou que o fez não conseguir mentir para a tia. Pode-se acompanhar o processo
de mudança e parece haver a possibilidade de Teodorico se redimir, mas já não se pode alterar
todo um comportamento de vida. Como observado em Saraiva que auxilia na compreensão do
raciocínio de Raposão:
Raposão conclui pela inutilidade da hipocrisia, de acordo com uma
consciência moral imanentista, expressa em termos kantianos, proudhonianos
ou anterianos; mas depois descobre as vantagens do descarado heroísmo de
afirmar aquilo que nos convém, mesmo conta toda evidência (Raposão
poderia ter declarado que, afinal, a camisa era uma relíquia de Santa Maria
Madalena). (SARAIVA, 2010, p.873).
O Teodorico no fim tem uma breve compreensão da “inutilidade” de seus atos passados
e não mente para tia, aceitando assim seu fracasso, mas logo arrepende-se percebendo que se
houvesse mentido e afirmado com veemência que o que dera a Titi era mesmo uma relíquia
poderia ter salvo sua herança.
Dessa forma verifica-se que declarar que um malandro por querer apenas os prazeres
da vida de forma fácil, não tenha preocupações é mentir. Uma vez que ele deve manter suas
mentiras interligadas e vivas em sua memória, além de estar sempre vigilante com relação ao
seu objetivo e metas alcançadas. Essas mentiras são como um habito natural intrínseco no
malandro e ele precisa conseguir sustenta-la, para a vida.
Referências
CANDIDO, A. Dialética da Malandragem: Caracterização das Memórias de um sargento de
milícias. Revista do Instituto de estudos brasileiros, nº8. São Paulo, USP, 1970. p.67-89.
Disponível em:
<https://comunicacaoeesporte.files.wordpress.com/2012/12/ dialetica_malandragem.pdf>.
Acesso em: 15 de nov. 2017.
FERREIRA, A. B. H. Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira S.A, 1º ed. 1988.
GOTO, R. Malandragem Revisitada: Uma leitura ideológica de “Dialética da Malandragem”.
São Paulo: Campinas, 1986.
Disponível em: <https://litsocunicamp.files.wordpress.com/2015/05/goto-malandragem-
revisitada.pdf>. Acesso em: 15 de nov. 2017.
QUEIRÓS, E. de. A Relíquia. São Paulo: Galex, ed. Clássicos da Literatura, 1887.
SARAIVA, A. J. História da Literatura Portuguesa. Portugal: Porto Editora, 17° ed. 2010,
p. 872 – 874.
WOOD, J. Como Funciona A Ficção. São Paulo: Cosac Naify Portátil, 2014.