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A MATEMÁTICA NA UNIVERSIDADE NA MEMÓRIA DA ALUNA DA FACULDADE NACIONAL DE FILOSOFIA À PROFESSORA EMÉRITA DA UFRJ Maria Laura Mouzinho Leite Lopes, UFRJ Antes de abordar o tema proposto para esta palestra, é importante falar, brevemente, da situação histórica que o precedeu. Com a vinda da família real portuguesa para o Brasil, foram criadas, no começo do século XIX, as primeiras escolas de nível superior, entre elas a Academia Real Militar, transformadas, positivamente, na Escola Militar e na Escola Politécnica. Neles a Matemática era, apenas, uma disciplina necessária para o bom desempenho dos profissionais formados por essas escolas. É importante mencionar que o pioneiro da pesquisa matemática, Joaquim Gomes de Souza foi aluno dessas escolas. No fim do século XIX e começo do regime republicano até as primeiras décadas do século XX essa situação não se modificou, sobretudo, devido a grande influência da Escola Positivista de Augusto Comte. Entretanto, o jovem professor da Escola Politécnico, Otto de Alencar (1874 – 1912), inicia na década de 1910 uma forte reação às idéias matemáticas de Comte 1 . Sua morte prematura, aos 28 anos, não impediu que o movimento por ele iniciado se extinguisse, pois deixou seguidores. A frente de um grupo de professores da Escola Politécnica, estava Manoel Amoroso Costa (1885 – 1928) que muito se destacou por sua combatividade; levantou na década 1920 a bandeira de oposição às idéias positivistas de Comte, assim como, de uma Universidade onde a Matemática ocupasse o seu devido lugar, afirmando: Para Comte “a ciência fundamental está radicalmente esgotada com a construção da Mecânica Celeste, termo de sua evolução natural” nada justificando a invasão do domínio matemático pelas abstrações desprovidas de racionalidade e de dignidade, que nela faz prevalecer à anarquia acadêmica, só resta agora elaborar uma sistematização subordinada ao conjunto dos conhecimentos humanos. Paim, 1981 p.33. 1 Para maiores esclarecimentos Silva e Bastos, 2006.

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A MATEMÁTICA NA UNIVERSIDADE NA MEMÓRIA DA ALUNA DA FACULDADE NACIONAL DE FILOSOFIA À PROFESSORA EMÉRITA DA UFRJ

Maria Laura Mouzinho Leite Lopes, UFRJ

Antes de abordar o tema proposto para esta palestra, é importante falar, brevemente, da

situação histórica que o precedeu.

Com a vinda da família real portuguesa para o Brasil, foram criadas, no começo do século

XIX, as primeiras escolas de nível superior, entre elas a Academia Real Militar, transformadas,

positivamente, na Escola Militar e na Escola Politécnica. Neles a Matemática era, apenas, uma

disciplina necessária para o bom desempenho dos profissionais formados por essas escolas. É

importante mencionar que o pioneiro da pesquisa matemática, Joaquim Gomes de Souza foi aluno

dessas escolas. No fim do século XIX e começo do regime republicano até as primeiras décadas

do século XX essa situação não se modificou, sobretudo, devido a grande influência da Escola

Positivista de Augusto Comte.

Entretanto, o jovem professor da Escola Politécnico, Otto de Alencar (1874 – 1912), inicia

na década de 1910 uma forte reação às idéias matemáticas de Comte1. Sua morte prematura, aos

28 anos, não impediu que o movimento por ele iniciado se extinguisse, pois deixou seguidores. A

frente de um grupo de professores da Escola Politécnica, estava Manoel Amoroso Costa (1885 –

1928) que muito se destacou por sua combatividade; levantou na década 1920 a bandeira de

oposição às idéias positivistas de Comte, assim como, de uma Universidade onde a Matemática

ocupasse o seu devido lugar, afirmando:

Para Comte “a ciência fundamental está radicalmente esgotada com a

construção da Mecânica Celeste, termo de sua evolução natural” nada

justificando a invasão do domínio matemático pelas abstrações desprovidas de

racionalidade e de dignidade, que nela faz prevalecer à anarquia acadêmica, só

resta agora elaborar uma sistematização subordinada ao conjunto dos

conhecimentos humanos.

Paim, 1981 p.33.

1 Para maiores esclarecimentos Silva e Bastos, 2006.

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Esse grupo que batalhava pela criação de uma verdadeira Universidade no Rio de Janeiro,

capital da Republica, teve seu sonho frustrado com a criação, por decreto do Presidente da

Republica, Epitácio Pessoa, em 7 de setembro de 1920, da Universidade do Rio de Janeiro

(UFRJ), constituída pelas já existentes, Faculdades de Medicina e Direito, e a Escola Politécnica.

É um fato quase anedótico. Essa universidade foi criada a fim de haver, no Brasil, uma

universidade para conceder o titulo de Doutor Honoris Causa ao Rei da Bélgica que nos visitava.

Abro, aqui, um parêntese para mostrar o desconhecimento de Comte.

Durante mais de vinte séculos, “Os Elementos” de Euclides - paradigma para a ciência

Dedutiva – foi objeto de estudos, sendo reformulado o 5º Postulado ou Postulado das Paralelas

por não ser tão evidente como os outros. Na versão mais conhecida: Em um plano, dados uma

reta e ponto não pertencente a esta reta passa pelo ponto uma só reta paralela à reta dada.

Em 1820, Lobachevschy e depois Bolyai (1832) construíram uma outra Geometria,

assegurando a existência de mais de uma paralela. Essa Geometria Não-Euclidiana, hoje é

denominada Geometria Hiperbólica, revolucionou tanto a Matemática como Filosofia no principio

do século XIX.

Posteriormente, Riemann (1834) formulou uma outra Geometria Não – Euclidiana, a

Elíptica, introduzindo o postulado que afirmava não existir reta paralela.

A criação das Geometrias Não – Euclidianas é um dos muitos casos marcantes do século

XIX por muito considerado o “Século de Ouro” da Matemática.

Fecho o parêntese e volto ao tema proposto.

Era, portanto, evidente a insatisfação do grupo liderado por Amoroso Costa – conhecedor

desses avanços matemáticos – e as idéias de Comte, e seus discípulos:

Lélio Gama e Theodoro Ramos “compartilharam desencantos, apreensões e

frustrações quando os desajustamentos que existia entre suas aspirações

comuns o estudo de Matemática e os moldes vigentes no Ensino de

Matemática na Escola Politécnica do Rio de Janeiro. A partir de um dado

momento de suas vidas acadêmicas ambas passaram a estudar em conjunto

duas matemáticas. Uma muito arida e algebrizada que seria para realizar

exames na Escola Politécnica e outra matemática, para uso próprio muito

diferente abrangendo as novas idéias e teorias que eram divulgadas nos livros

recém chegados da Europa” Silva, 2008 p.70

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Com a vitória da Revolução de 30, assumiu o governo provisório Getulio Vargas, vindo à

esperança dos pioneiros de tornar-se realidade a Universidade de seus sonhos, embora o

governo federal tivesse adotado, formalmente, o projeto da Universidade, nada aconteceu.

Em 1934, promulgada a Constituição, teve lugar à renovação dos governos estaduais,

mediante eleições livres, com o voto feminino.

Foi eleito em São Paulo, governador, Armando Sales que nomeou o secretário de

educação um dos pioneiros da reforma educacional, Fernando de Azevedo.

No Rio de Janeiro, Distrito Federal, foi eleito prefeito Pedro Ernesto e Anísio Teixeira, outro

pioneiro da reforma educacional, foi nomeado secretário de Educação.

Foram, então, criadas a Universidade de São Paulo (USP) em 1934, com a inovação da

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e a inclusão das Faculdades e Escolas já existentes.

Em 1935, Anísio Teixeira cria a Universidade do Distrito Federal que por sua composição

de cinco escolas: Ciência, Educação, Economia e Direito, Filosofia e Instituto de Artes, é,

realmente, inovadora e revolucionária para a época. Anísio, como Educador e primeiro Reitor da

UDF, dedicou uma atuação especial à formação do magistério para o ensino secundário da

Escola da Educação, pois não havia lugar nas escolas de nível superior do Brasil esse objetivo.

Para exemplificar essa situação: engenheiros ou militares ensinavam matemática nas escolas

sedentárias. Entretanto, alguns engenheiros, professores do Colégio Pedro II, Euclides Roxo e

Júlio César de Mello e Souza - Malba Tahen -, foram inovadores e devem ser considerados os

primeiros Educadores Matemáticos brasileiros.

Os objetivos da UDF foram assim estabelecidos:

a) Promover e estimular a cultura de modo a concorrer para o aperfeiçoamento da

comunidade brasileira;

b) Encorajar a pesquisa científica, literária e artística;

c) Propagar aquisições da ciência e das artes, pelo ensino regular de suas escolas e

pelos cursos de extensão popular;

d) Formar profissionais e técnicos nos vários ramos de atividade que as suas escolas e

institutos comportarem;

e) Prover à formação do magistério em todos os seus graus.

Com a criação da UDF e, da FFCL da USP que também atendia aos objetivos (b) e (e) da

UDF, houve uma rápida e promissora mudança no cenário universitário brasileiro.

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A Matemática entrava pela porta da frente na universidade.

Em 1937, a lei 452 votada pelo parlamento determina que a universidade do Rio de

Janeiro (URJ) passa a denominar-se Universidade do Brasil com 15 Escolas e Faculdades entre

elas a Faculdade Nacional de Filosofia ainda não existente.

Encerrado este preâmbulo, passo agora à minha memória como aluna da Faculdade

Nacional de Filosofia.

Era o ano de 1938. Assimilava a reprovação no vestibular para a Escola Nacional de

Engenharia, dando aulas particulares de matemática para alunos do curso ginasial —

nomenclatura da época para o fundamental — e como professora auxiliar substituta no Colégio

Sim.

Não estava satisfeita, mas não sabia qual caminho seguir. No princípio de 1939, tomei

conhecimento da UDF, tardiamente, pois o vestibular já havia sido realizado. Entretanto, a sorte

estava a meu favor. Fui à UDF e recebi a sentença da secretaria da Escola de Ciências: “Volte no

próximo ano.” Nessa ocasião chegava o Decano da Escola, Luiz Freire, meu professor de

Matemática na Escola Normal de Pernambuco. Contei a minha história do vestibular de

Engenharia. Como havia sido aprovada em Matemática e Física, disciplinas exigidas para a UDF,

Luiz Freire mandou a secretária me matricular, sob seus protestos de funcionária exemplar, digna

seguidora do regulamento.

Radiante tive 15 dias de aulas na UDF, tendo Lélio Gama e Luiz Freire como professores.

Era grande a efervescência política nacional e internacionalmente, com reflexos no

ambiente universitário que considerava a UDF como um âmbito de subversivos, devendo ser

fechada.

O Reitor da Universidade do Brasil, Raul Leitão da Cunha, já reconhecia, quando Reitor da

URJ, a importância de haver uma Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras para a existência de

uma verdadeira Universidade, aliás já prevista pela Lei 452.

Assim, o Decreto-Lei nº 1190 de 4 de abril de 1939 cria a Faculdade Nacional de Filosofia

(FNFi), extingue a UDF, e incorpora seus professores e alunos à FNFi que tem as seguintes

finalidades:

a) Preparar trabalhadores intelectuais para o exercício das altas atividades culturais de

ordem desinteressada ou técnica;

b) Preparar candidatos ao magistério do ensino secundário e normal;

c) Realizar pesquisas nos vários domínios da cultura, que constituam objeto de seu

ensino.

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A FNFi subdivide-se em:

a) Seção de Filosofia;

b) Seção de Ciências;

c) Seção de Letras; e

d) Seção de Pedagogia.

A sessão de Ciências compreende: Matemática, Física, Química, História Natural,

Geografia e História, e Ciências Sociais.

Voltando ao meu percurso. Logo depois de 4 abril ao chegar à antiga Escola José de

Alencar, no Largo do Machado, onde funcionava a UDF, tomei conhecimento que era, agora,

aluna da FNFi, que funcionaria no mesmo prédio, cedida pela Prefeitura ao Governo Federal.

Era Diretor da FNFI o Reitor Leitão da Cunha, sucedido por San Tiago Dantas (1941-1945)

que imprimiu grande vitalidade à recém criada Faculdade, com especial atenção para os cursos

de Ciências e a organização da Biblioteca sob a direção do grande crítico literário Otto Maria

Carpeau.

O corpo docente do curso de Matemática era constituído pelos catedráticos interinos:

Lélio Gama – Análise Matemática e Análise Superior

Ernesto Luiz de Oliveira Junior – Geometria e Geometria Superior

José da Rocha Lagoa – Complementos de Matemática

Os professores Lélio e Oliveira Junior conheciam a Matemática contemporânea e

ministraram, respectivamente, cursos sobre Números Reais segundo Dedekind e Geometria

Projetiva.

Infelizmente, o professor Lélio Gama, por imposição do DASP — não podia acumular os

cargos de professor da FNFi e astrônomo do Observatório Nacional — foi substituído, no ano

letivo de 1940, pelo professor Gabrielle Mamanna, mediante um acordo entre os governos

brasileiro e italiano. Os professores Achille Bassi e Luigi Sobrero também foram contratados.

As aulas de Mamanna e Sobrero eram assistidas pelos alunos da Escola de Engenharia,

Leopoldo Nachbin, Maurício Peixoto, Marília Chaves. Nachbin e José Abdelhay, assistente de

Análise, publicaram artigos de pesquisa nos Anais da Academia Brasileira de Ciências (ABC),

orientados pelo Mamanna.

O Sobrero, Físico-Matemático, despertou vocações para estudos de Física Teórica, tendo

publicado um livro com a colaboração de Nachbin e Leite Lopes. Com a declaração de Guerra à

Itália, Mamanna e Sobrero deixaram o Brasil. O primeiro foi substituído por seu assistente

Abdelhay e o segundo por Plínio Rocha.

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Em 1940, a colega e amiga Moema Lavínia Sampaio Corrêa Mariani e eu própria fomos

convidadas a sermos monitoras da cadeira de Geometria, pelo Oliveira Junior. Foi uma grande

aprendizagem!

No ano seguinte (1941), terminamos o curso de Matemática, colando grau de Bacharel.

Colação de grau de bacharel dos alunos de todos os cursos da UFNI com a presença do

Reitor da UB e do Diretor da UFNI.

Moema foi nomeada assistente da Cátedra de Geometria, em 1942. Como havia apenas

uma vaga, foi Moema a escolhida, sob seus protestos, pois achou injusta ser, apenas, uma

nomeada. Para compensar esta situação dividiu comigo seu salário até eu ser nomeada em junho

de 1943.

O ano de 1945 é emblemático pelos seguintes fatos:

• Fim da Segunda Guerra e do Estado Novo e a Queda de Getúlio

• A Universidade do Brasil ganha maturidade pelo Decreto-Lei nº 8393 de 17 de

Dezembro de 1945, assinado pelo Presidente Interino José Linhares e pelo Ministro

da Educação Raul Leitão da Cunha.

É mister salientar a personalidade do médico e professor Raul Leitão da Cunha. Tive

oportunidade de procurá-lo muitas vezes e pude constatar a sua atitude severa e muito educada,

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sempre pronto para atender. Permitam-me relatar um fato: em pleno e tórrido verão carioca,

procurei-o na Reitoria na Rua do Ouvidor.

Como sempre, cheguei agitada e muito suada. Ele, impecável no seu terno preto e colete,

me disse:

— Minha filha, você está se debatendo com o calor; Fique calma e me diga: o que precisa?

— Uma declaração para cuja finalidade agora não me recordo

— As secretárias já saíram. Mas, vou lhe atender.

Foi para a máquina e datilografou a minha declaração.

Isto mostra o quanto Leitão da Cunha era humano sob a capa de grande austeridade.

Quero mostrar que os tempos são outros! Melhores? Piores? Depende da ótica de cada

um. O Brasil mudou! O mundo mudou! A população cresceu. Há uma soma maior de

conhecimentos; grande avanço tecnológico.

Infelizmente, a humanidade nada ou pouco progrediu moralmente.

O ano de 1945 foi também emblemático para a Matemática do Rio de Janeiro com a vinda

do matemático português António Aniceto Monteiro, como professor visitante contratado para a

FNFi.

Os seus cursos e seminários sobre Topologia Geral, Espaços de Hilbert, Análise Funcional

e, principalmente, Conjuntos Ordenados, Reticulados - assunto quente na época - Álgebra de

Boole atraíam os jovens professores da FNFi e da Escola de Engenharia além de estudantes de

ambas as instituições. Eram assuntos atuais que abriam perspectivas de pesquisa. São exemplos

os artigos de Nachbin "Une propriètié caracteristique des Algèbres Booliènes" publicado na

Portugaliae Mathematica, 1947 e no livro de G. Birkoff. "Lattice Theory", 1948; do estudante Paulo

Ribenboim "Caracterization of the sub-complement in a distributive lattice" publicado na Summa

Brasiliensis Mathematicae, 1949 do Núcleo de Pesquisas da Fundação Getúlio Vargas.

Tanto os artigos citados como o núcleo da FGV foram inspirados por Monteiro.

Uma marca importante do seu trabalho foi a criação da publicação "Notas de Matemática"

iniciadas por suas notas de aula "Filtros e Ideais".

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O ano de 1948 foi de especial relevância para o Departamento de Matemática com a

vinda, por um ano letivo, do algebrista de Chicago A. A. Albert e, por três meses, do eminente

chefe do Departamento de Matemática Marshall Stone.

Na foto (anterior) sentados da esquerda para direita: Monteiro, Albert, Stone, Oliveira

Júnior e Abdelhay, em pé temos: Avercio Moreira Gomes, Maria Laura, Nachbin, Marilia e Carlos

Alberto Aragão de Carvalho.

Como na época não havia programa de pós-graduação, para se obter o grau de Doutor, o

candidato devia prestar concurso de Livre Docência e defender uma tese, resultado de uma

pesquisa. Por esta razão, em 1949, fiz o concurso e defendi a tese: "Espaços Projetivos:

Reticulados de seus sub-espaços", orientada pelo Monteiro.

É lamentável que o clima no Departamento de Matemática da FNFi fosse hostil ao

Monteiro por sua liderança entre os jovens que emergiam no cenário matemático.

Ao mesmo tempo, por pressão da Embaixada de Portugal junto ao Reitor da UB, Pedro

Calmon, o seu contrato como Professor Visitante não foi renovado para 1949. Mesmo sem

contrato, continuou me orientando; ia à sua casa aos sábados, à tarde. Na minha defesa de tese,

sofri as hostilidades consequências dessa hostilidade ao Monteiro por Rocha Lagoa.2

Os tempos mudaram no início da década de 1950, com a volta de Getúlio como presidente

eleito.

Em 1951 foi criado o Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), de longa data, demandada

pela crescente elite científica brasileira. Começava haver recursos financeiros para a pesquisa

2 Sobre esse fato para maiores esclarecimentos consultar “Ciência Hoje” vol. 44, 2009. p. 68-77

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científica; eram concedidas bolsas de estudo a jovens de todos os estados. Estavam entre esses

bolsistas Elon Lages Lima, Alberto Azevedo, Edson Durão Judice, para citar alguns.

Com a volta de Leopoldo Nachbin, Marília e Maurício Peixoto e eu própria dos estágios nos

Estados Unidos, começou um momento de muita esperança e trabalho. Foram organizados

seminários e aulas do Departamento de Matemática da FNFi que eram assistidas também por

alunos da Escola de Engenharia, como Lindolpho de Carvalho Dias e Mario Henrique Simonsen.

Entretanto, as condições para desenvolvimento de pesquisas eram ruins na FNFi.

O Departamento de Física da FNFi, sob a direção do Costa Ribeiro, não encontrava meios

para se desenvolver por falta de recursos materiais e de tempo integral para os pesquisadores.

Sob a liderança de Leite Lopes e César Lattes, com apoio de Costa Ribeiro, foi fundado, em 1949,

o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), com um Departamento de Matemática. Era uma

sociedade privada com apoio de empresários progressistas, líderes políticos e elite científica.

Tristemente, o Departamento de Matemática continuava com uma grande divisão interna.

Para ilustrar o clima existente não foi possível contratar o Nachbin como professor visitante da

Cadeira de Geometria, sendo, então contratado pelo Departamento de Física. As suas aulas eram

assistidas pelos bolsistas do CNPq e alunos da FNFi e da Escola de Engenharia mas a pauta de

suas aulas era por mim assinada.

Como “não há mal que não traga um bem” essa situação motivou a criação do Instituto de

Matemática Pura e Aplicada (IMPA) por iniciativa do matemático paulista Candido da Silva Dias3,

em 1952.

Por uma ironia da sorte inexplicável, fui indicada Catedrática Interina de Geometria, em

1953, por meu desafeto Rocha Lagoa. Permaneci nessa função até 1967 quando pela Reforma

Universitária passei a Titular.

Foi, então, criado o Instituto de Matemática da Universidade Federal do Rio de Janeiro,

novo nome da Universidade do Brasil.

Era chefe do Departamento de Matemática da FNFi, em 1968, quando professores e

alunos da FNFi foram transferidos para o IM/UFRJ, no Campus do Fundão.

Quero deixar consignada contribuição do Curso de Matemática da FNFi na formação de

professores inovadores e pesquisadores, foi significativa. Na falta de documentação, cito alguns

valendo-me da minha memória.

Década 1940: Anna Averbuch, Franca Cohen Gottlieb, Manhucia Lieberman, Jairo Bezerra

– Professores Inovadores.

Paulo Ribenboim, Luiz Adalto de Justa Medeiros – Pesquisadores.

3 Consultar “IMPA 50 anos”, 2003

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Década 1950: Estela Kaufman Fainguelert – Educadora Matemática

Eliana Rocha Brito, Beatriz Pereira das Neves – Pesquisadoras.

Década 1960: Neide Parracho Sant`Anna – Educadora Matemática.

Adilson Gonçalves, Annibal Parracho Sant`Anna – Pesquisadores

Na foto: Eliana à esquerda e Estela à direita.

Turma Matemática de 1955 da FNFI da qual

fui paraninfa.

Aqui termina a memória da aluna da Faculdade Nacional de Filosofia.

No Campus do Fundão, mesmo com instalações muito precárias, estava cheia de

entusiasmo, na ilusão de uma Universidade renovada.

Comecei o ano letivo de 1969 dando aula para uma turma numerosa de calouros do IM da

Matemática e da Engenharia.

Entretanto, no dia 26 de abril de 1969, ouvi pelo rádio na Hora do Brasil que havia sido

aposentada.

Foram por água abaixo os meus sonhos!

Ao fazer um balanço desse percurso, posso concluir:

Tive a sorte de pertencer à geração pioneira da Matemática e da Física brasileiras. Fui

membro fundador do CBPF. No IMPA estive nos primórdios de sua criação que funcionava numa

sala cedida do CBPF, como secretaria executiva, colaborando com seu Diretor, Professor Lélio

Gama, de 1952 – 1956, quando casei e fui para os Estados Unidos com bolsa CAPES.

Começa uma nova etapa em 26 de abril de 1969. Estava há dois anos em Estrasburgo

com o marido e a filha, quando o destino põe na minha frente a professora Lucienne Félix, que

havia conhecido em Paris, que me pergunta:

- O que faz aqui, Madame Leite Lopes?

- Eu vegeto, foi minha pergunta.

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Na ocasião, então, apresentou-me ao Diretor do IREM (Instituto de Pesquisa e Ensino de

Matemática) na sigla em francês, Professor Georges Glaeser que disse poder me receber no dia

seguinte. Abriu-se, então, uma nova época no meu percurso. Quando me recebeu o Glaeser foi

categórico:

- Traga-me o seu currículo e se quiser trabalhar, sem remuneração, pode começar

amanhã.

Era o fim do ano letivo1971-1972 e o professor Glaeser me deu um tema de pesquisa.

Conseguiria para mim, no início do ano 1972-1973, um contrato de pesquisador associado.

Fiquei no IREM até o término do ano 1973-1974, participando de seminários com

pesquisadores em Didática da Matemática, como na França se denomina Educação Matemática,

e responsável por sessões semanais de formação continuada de professores vinda de toda região

da Alsace.

De volta ao Brasil, por motivos particulares, inspirada na experiência do IREM, com as

antigas alunas da FNFi, citadas nas décadas 1940 e 1950, o professor José Carlos de Mello e

Souza e a colega Moema Lavinia Mariani de Sá Carvalho, fundamos o Grupo de Estudos e

Pesquisas em Educação Matemática (GEPEM), em 26 de fevereiro de 1976. O GEPEM mantém,

desde então, a publicação de seu Boletim.

Em 1980, com a anistia, voltei à UFRJ. Repito: "Não há mal que não traga um bem."

O mal que me causou a arbitrariedade da ditadura trouxe um bem maior: conhecer a

experiência do IREM/Estrasburgo, inspirações para o Projeto Fundão em 1983.

Foram as iniciativas anteriores dos colegas Radival Alves Pereira e Lucia Tinoco que, com

a minha reintegração tomaram visibilidade. Rendo homenagem a esses pioneiros assim como aos

outros professores antigos e atuais do IM que labutaram e labutam, em especial Lílian Nasser, no

Projeto na realização dos objetivos Pesquisa, Ensino e Extensão.

Foram os esforços burocráticos da equipe do Projeto Fundão e do diretor do IM, na época

Milton Flores, que recebi, em 1996, o título de Professor Emérito da UFR, o que me dá forças para

continuar na luta da formação inicial e continuada de professores.

Olhando no retrovisor, tenho orgulho de, ao longo dessas 7 décadas, mesmo sem

conhecê-lo, ter procurado seguir a máxima de Plutarco:

A alma do aluno não é um vaso que se deve encher, mas uma lareira que se

deve acender.

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Referências Bibliográficas:

Paim, Antonio "A UDF e a Ideia de Universidade"

Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro, RJ. 1981.

Palis, Jacob; Camacho, César; Lima, Elon Lages "IMPA 50 anos"

Rio de Janeiro, IMPA. 2003. Siano, Lúcia Maria França; Saraiva, Suzana Barros Corrêa "UFRJ 75 anos"

Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1997. Silva, Clovis Pereira; Bastos, Gervasio Gurgel "Otto de Alencar Silva"

Editora UFC. Fortaleza, 2006. Silva, Clovis Pereira "Inicio e consolidação da Pesquisa Matemática no Brasil"

Editora do Senado Federal, vol. 98. Brasília, 2008. Ciência Hoje "Maria Laura Mouzinho Leite Lopes - Uma realista esperançosa" vol. 14, p. 68-77. 2009.