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Volume 1, Número 3
ISSN 2527-0532 João Pessoa, 2017
Artigo
A MELANCOLIA NA POESIA DE AUGUSTO DOS ANJOS, MARCADA PELO VIÉS DA ENTONAÇÃO:
UMA PERSPECTIVA DE LEITURA Páginas 17 a 28
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A MELANCOLIA NA POESIA DE AUGUSTO DOS ANJOS, MARCADA
PELO VIÉS DA ENTONAÇÃO: UMA PERSPECTIVA DE LEITURA
Tânia Regina Castelliano1
Rejane Maria de Araújo Ferreira2
Maria de Fátima Almeida3
RESUMO: O objetivo deste artigo é desvendar, através do viés da entonação, as marcas
da melancolia na poesia de Augusto dos Anjos, o poeta paraibano de transição. Nos
fragmentos analisados de alguns de seus poemas, subjazem uma morbidez e certa
vontade de caminhar para a morte. Após preparar poeticamente o caminho para isso,
Augusto parece demonstrar ódio à morte que, depois, é subestimada por ele. Observa-
se, ainda, que a melancolia é retratada pelo viés da entonação tanto em relação à vida
quanto à morte, através de uma linguagem que retrata aspectos científicos sobre esse
tema, com uma originalidade primorosa na sua única obra literária - “EU”. Neste estudo,
utilizam-se as propostas teóricas de Mikhail Bakhtin acerca da entonação, e de Eni
Orlandi a respeito de questões que envolvem a leitura. Considerando que o trabalho com
a leitura e a interpretação de textos requer métodos adequados, a entonação pode ser um
caminho para se desvendarem os sentidos que estão nas entrelinhas dos textos.
Palavras-chaves: Entonação. Melancolia. Poesia. Leitura.
INTRODUÇÃO
Interpretar cada verso que compõe os poemas de Augusto dos Anjos não é o
objetivo deste trabalho, tampouco tecer-lhe elogios ressaltando a inteligência que
expressava em seu estilo de ocultar-se em metáforas, alternando entre a vitória e a perda,
a angústia e a dúvida. O objetivo de análise deste artigo é, pois acompanhá-lo na trajetória
1 Mestranda em Análise de Discurso pela Universidade Federal da Paraíba.
[email protected] 2 Doutoranda em Lingüística pela Universidade Federal da Paraíba.
[email protected] 3 Professora Dra. Da Universidade Federal da Paraíba. [email protected]
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do viés da entonação que permeiam a melancolia da morte e da vida na essência de suas
poesias conflitantes em relação ao contexto da época e que ainda se refletem nos leitores
da atualidade.
Numa abordagem acerca da polissemia da noção de leitura, Orlandi (1998) expõe
alguns conceitos que são atribuídos a esse vocábulo, dentre os quais, o de que “a leitura,
em sua acepção mais ampla, pode ser entendida como atribuição de sentidos” (p.07). E
na busca desses sentidos que se escondem na essência do texto, o leitor pode seguir várias
trilhas, uma das quais a entonação que, segundo o dicionário Aurélio é a “Variação de
tom que tem como domínio a sentença; entoação.
Segundo o teórico Bakhtin(1992, p.313), “ A época, o meio social, o micro mundo
[...] que vê o homem crescer e viver sempre possui enunciados que servem de norma, dão
o tom”. A oração, enquanto unidade da língua tem uma entonação gramatical própria,
que está relacionada à expressividade. Para ele, a entonação constitui o limite entre o
verbal e o não verbal. A entonação é tão revestida de sentidos que até fora do enunciado
têm existência, mesmo que uma palavra esteja isolada do contexto, deixa de ser uma
palavra, passando a ser um enunciado completo, se proferida com uma entonação
expressiva. Como se observa a unidade real da comunicação verbal é o enunciado, porque
pode estar contido em uma frase, em uma palavra. E se o autor é aquele que absorve
várias vozes do cotidiano e as expõe, em suas poesias, como reconhecer o viés da
melancolia na entonação das poesias de Augusto dos Anjos? Seguindo o pensamento do
teórico Mikhail Bakhtin (1997, p.294), quando revela que o acontecimento da entonação
se processa sob a influência de locutor / autor, ouvinte / leitor e objeto do enunciado. Essa
unidade de comunicação que se refere o autor ao afirmar que
[...] o enunciado não é uma unidade convencional, mas uma unidade real,
estritamente delimitada pela alternância dos sujeitos falantes (figura
dramática) e que termina por uma transferência da palavra do outro
(crítico), por algo como um mundo percebido pelo ouvinte (crítica,
leitor), como sinal de que o locutor (autor) terminou.
É nesse quadro ainda, que se demarca nossa análise das vozes que estão
impregnadas e se interagem nas rimas métricas, que proporciona uma agradável audição
a sonoridade da leitura, independentemente do gosto ou mau gosto pelo abuso de
adjetivos e em vocábulos científicos nas poesias do poeta Augusto dos Anjos que expõem
sua identidade e a história revela. Sabe-se ainda, que a linguagem poética é ambígua e
Augusto dos Anjos é ambíguo porque suas sentenças contem o máximo de proposições
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formais possíveis na rimas métricas. Mas a linguagem do dia-a-dia não é ambígua por
escolha. E Augusto é confuso por suficiência e nós por deficiência. E por está
ambigüidade se faz necessário conhecer a biografia do poeta.
O POETA DE TRANSIÇÃO
No dia 20 de abril de 1884, no Engenho Pau D’Arco, município de Sapé,
do Estado da Paraíba, nascia Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos. Sua mãe
D.Córdula de Carvalho Rodrigues dos Anjos (Sinhá Mocinha), e seu pai, Alexandre
Rodrigues dos Anjos possuidor de dois engenhos – o Pau D’Arco e o Coité, o proporciona
uma infância bastarda lhe permitindo ter professores, onde pode receber lições de latin,
grego, italiano, inglês e francês. No ano de 1900 ingressa no Colégio Liceu Paraibano e
compõe seu primeiro soneto “Saudade”. Em 1901 publica um soneto no Jornal O
Comércio, no qual passou a colaborar. Inscreve-se na Faculdade de Direito da cidade de
Recife em 1903.
Mas aos 21 anos de idade perde seu pai. Dr. Alexandre dos Anjos, pai do poeta, é
acometido de um AVC, fica impossibilitado de mover a língua e falar, embora
compreendesse o que lhe diziam. O poeta é acometido de uma imagem obsessiva
melancólica pela impotência da língua para articular as palavras. Observo que há uma
ruptura e ao mesmo tempo uma continuidade no flagrante da dor em seu coração, sendo
este a fonte inesgotável da sua criação. Em 1905 morre Dr.Alexandre. Augusto escreve
e publica em O Comércio três sonetos que farão parte do EU, livro futuro. Conclui em
1907 o curso de Direito e retorna à capital da Paraíba, onde começa a dar aulas
particulares. Em 1908 com a morte de Aprígio Pessoa de Melo, padrasto de sua mãe e
patriarca da família, vê que o Engenho está em situação grave financeira. Começa a
lecionar no instituto Maciel Pinheiro e é nomeado Professor do Liceu Paraibano.
Em 1909 publica “Budismo moderno” e numerosos poemas em A União. Choca
a platéia presente no teatro Santa Rosa em discurso de vocabulário incompreensível nas
comemorações dos 13 de maio. Já em 1910 publica “Mistério de um fósforo” e “Noite
de um visionário” em A União. Casa-se com Ester Fialho e presencia sua família vender
o Engenho Pau d’Arco. Demitindo-se do Liceu Paraibano embarca com a esposa para a
cidade do Rio de Janeiro, hospedando-se numa pensão no largo do machado, terminando
o ano sem conseguir emprego.
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Em 1911, Ester, grávida de seis meses, sofre um aborto. Mas Augusto é nomeado
professor de Geografia, Corográfia e Cosmografia no Ginásio Nacional (o conceituado
Colégio Pedro II). Augusto é pai de uma menina que se chama Glória. Começa a dar
aulas também na Escola Normal e a colaborar com o jornal O Estado.
Seu irmão Odilon custeia com Augusto a impressão de 1000 exemplares do EU,
livro recebido com espanto pela crítica, que oscila com admiração e desprezo.
Em 1913 nasce o filho Guilherme Augusto. No ano seguinte publica “O lamento
das Coisas” na Gazeta de Leopoldina, que é dirigida pelo seu concunhado Rômulo
Pacheco. Transfere-se para Leopoldina, onde é nomeado diretor do grupo Escolar. Mas
Augusto já está doente, e vem a falecer no dia 12 de novembro às 4 horas da madrugada
de pneumonia.
Com organização e prefácio de Orris Soares, a Segunda edição do EU é publicada
pela imprensa oficial da Paraíba. Em 1923 com sucesso de público e critica, é lançada a
terceira edição de suas poesias, pela livraria Castilho, no Rio de Janeiro.
Augusto dos Anjos é único em nossa literatura sem precedentes e seguidores, onde
reúne a soma de todas as tendências da segunda metade do século XIX e início do século
XX. Suas influências são assinaladas no parnasianismo, simbolismo, baudelaire e
naturalismo. A cerca da questão temática, ele é inclassificado, pois era um poeta de
transição.
O SUJEITO NA POESIA
De uma magreza esquálida, olhos fundos, orelhas violáceas e testa descalvada
com face reentrante. Cabelos pretos e lisos. Sua boca fazia a catadura crescer de
sofrimento, com seu olhar de doente revelava a tristeza da alma poética. A fisionomia
melancólica por si só já entoava tons de catástrofes traindo-lhe a psique. A dor e o olhar
melancólico de Augusto dos Anjos, nessa lúgubre evidência, “vivo” no morto, revela essa
obsessão com a morte, uma fixação no cadáver em que vamos todos nos transformar. O
tema morte é onipresente no pensamento romântico de Augusto dos Anjos. Como quem
expressivamente veste esteticamente seu próprio túmulo, a morte é retratada
poeticamente de forma singularíssima que é marcada por uma irônica originalidade que
faz implodir a falsidade do seu tempo e as máscaras da sociedade. Sua morbidez alterava
tudo que via e ouvia dando-lhe o poder de dar traços inesquecíveis de decadência física
nas pessoas e nas coisas. Inesquecível pelo seu próprio eu empático. A beleza dos
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mistérios da morte é o ato da sublimação estética da sua poesia. A teoria da sublimação
tem seus efeitos culturais, psíquicos a ciência aliada a tecnologia. E na estrutura do ato
existe um apagamento do sujeito para ser coerente o estilo do sujeito que escapa com o
sujeito. No conceito de Bakhtin (2003):
A estética expressiva recorre frequentemente ao auxilio desses conceitos
para descrever sua posição (ora eu sofro como o herói, ora estou livre do
sofrimento como o espectador; aqui esta toda parte a atitude em face de
si mesmo, o vivenciamento na categoria de eu, os valores representados
em toda parte se correlacionam com o eu; a minha morte, a morte não
minha), a posição situada dentro do homem que vivencia para realizar
um valor estético, para vivenciar a vida na categoria de eu inventado ou
real. (Grifos meus).
Pode-se dizer que em sua obra literária EU, é abordado um conjunto de
impressões e idéias de um mundo sentido através de órgãos doentes, de um sistema
nervoso de tísico, de olhos arregalados e de olfato e ouvido aguçado pela tísica e pela
falta de sono.
Uma leitura sobre a hereditariedade – a mãe do poeta
Ainda em estado de gestação, a mãe do poeta, sofre um susto, provocado pela
perda súbita do estimado irmão, estudante de medicina, de quem o sobrinho que há de
nascer herda o nome e as conseqüências do choque. Acredita-se que esse traumatismo
tenha sido o responsável ao que se sabe, pelo seu desajuste, além mesmo da gravidez.
Um desequilíbrio pelo resto da vida com inquietação atenuante de grandeza e fidalguia.
Com comprometimento no seu comportamento emocional, por distúrbios no seu sistema
nervoso, era possuidoras de sestros, fobias, e, obviamente que tal fato pode ter refletido
no filho em gestação. O que se leva a crer, pela razão que seus irmãos que nasceram antes
e depois do poeta, nunca denotaram similaridade com a alma bizarra de Augusto.
Isto posto sobre as características hereditárias biológicas do poeta, ainda se
tratando de não haver nenhum comprometimento psicológico em Dr. Alexandre, seu pai,
o que se leva a crer que esse (desajuste?) de argúcia, estilo, emoção, cálice da dor para
muitos, provinha da parte materna.
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Uma leitura histórica na classificação dos antropologistas
A história segundo a classificação dos antropologistas do século passado, a partir
da teoria de Cesar Lombroso4 (1836-1909), revela-nos que degenerados superiores como,
Leopardi, Byron, Oscar Wilde, Nietzche e outros tachados de loucos na época. Coincidem
em comparação que, passaram pelas mesmas tensões intra-uterinas que afetaram a
sensibilidade do poeta Augusto. A mãe de Leopardi, a de Nietzche, a de Byron, que era
essencialmente quase louca, a de Wilde, assim como a mãe de Augusto, sofreram
perturbações fortes em suas gestações desses notáveis homens que ainda nos dias de hoje
são referências da nossa história de leitura.
Não quero aqui retratar a coincidência da personalidade de Augusto em relação
casuística aos chamados degenerados superiores, para justificar a alma do poeta, retratada
sob o viés da melancolia. Mas para que se possa abarcar a personalidade do autor do EU,
fundidas com a ajuda biográfica.
A INFLUÊNCIA DO ROMANTISMO (1825- 1865)
“Este é um século democrático; tudo o que se fizer há de ser pelo povo
e com o povo... ou não se faz. (...) Dai-lhe a verdade do passado no
romance e no drama histórico – no drama e na novela da atualidade
oferecei-lhe o espelho em que se mire a si e ao seu tempo, a sociedade
que lhe está por cima, abaixo, ao seu nível – e o povo há de aplaudir,
porque entende; é preciso entender para apreciar e gostar.” (GARRET,
Almeida – Ao Conservatório Real, pg.76)
A manifestação do romantismo ocorre nos países europeus mais desenvolvidos,
em especial na Alemanha e na Inglaterra, onde se destaca Goethe (1749-1832) e Schiller
(1759-1805). Mas é na França que o movimento literário ganha proporções
revolucionárias. Ele é remontado na origem do movimento à evolução econômica-social
da burguesia. E está relacionada com o surgimento de um novo público leitor, onde
padrões clássicos começam a ser ignorados. Surge então, um novo estilo, novo
significado estético e novos gêneros literários são criados. Há um inconformismo em
relação a temas, a intelectualismo e absolutismos literários. O ossianismo iniciado na
Escócia por Macpherson (1760-1763), a redescoberta de Shakespeare, o “Sturm und
Drang” (década de 1770) na Alemanha que reflete na burguesia.
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Desde o século XVII os filósofos, historiadores, críticos, literários e artistas de
todas as áreas discutem sobre o romantismo que possui um determinado valor heurístico,
embora o estilo romântico esteja impregnado na contemporaneidade com movimentos
ecológicos e com todos os tipos de teorias e terapias holísticas. Situando-se nos meados
do século XVIII e XIX, principalmente na Europa, o que se observa nas poesias de
Augusto dos Anjos é a predominância de sentimento de ruptura, vivenciada com a perda
no terreno social. Um acompanhar critico com a realidade presente na morte física para
com a realidade da historia da vida, levando ao leitor momentos reflexivo e auto-
reflexivo.
Sabendo-se que o Romantismo era a divinização do sentimento, em alguns
momentos o estilo romântico para o poeta é marcado fortemente pelo viés da entonação
da morte como resposta ao campo da ciência, arte, filosofia, religião e política que
evidenciam uma crise no processo da “vida”, fazendo uma alusão a única coisa certa no
homem – a morte. Despertando no homem o mundo natural e sobrenatural. O hiato
instaurado entre o homem e a natureza, e é o estilo que nos revela uma postura
desesperançada (vida) e outra otimista (morte). A ironia vem configurada com uma
situação eminentemente trágica – a dor, a perda. Para o poeta a entonação da morte vem
carregada da sede de justiça, alívio, desamparo, desespero, sorriso, promessa, que livra
da fome, da dor, da sede, da separação, do ciúme, do ódio, etc. É uma etapa de transição
rumo à outra dimensão tomando vulto de um estilo romântico: a morte é a entonação
melancólica expressiva do fim e início ao mesmo tempo. Ela é o mais doce amor para
quem ama. Uma noite nupcial selada pela união com seus segredos e mistérios. O teórico
Bakhtin (2006, p.15) afirma que:
“A entonação expressiva, a modalidade apreciativa sem a qual não
haveria enunciação, o conteúdo ideológico, o relacionamento com uma
situação social determinada, afetam a significação. O valor novo do
signo, relativamente a um “tema” sempre novo, é a única realidade
para o ouvinte. Só a dialética pode resolver a contradição aparente
entre a unicidade e a pluralidade da significação”.
Pode-se dizer que a entonação no tema morte e melancolia são onipresentes no
pensamento romântico de Augusto dos Anjos e a pulsão da morte para Freud (1914) é
evocada como sinal de ascendência romântica. Já morrer para Freud se discerne como
“consentimento de passagem”, assim como o estilo romântico aposta na morte como
equilíbrio e resistência.
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Não é objetivo do meu artigo, adentrar com profundidade na psicanálise porque
seria perigoso e equivocado abordar concepção de morte entre Freud e a tradição
romântica. Como ainda, ele afirma que a psiquiatria não alcançou uma única definição
para melancolia.
A ENTONAÇÃO NO VIÉS DA MELANCOLIA NA POESIA
A curiosidade biográfica do poeta Augusto dos Anjos suscita, sobretudo da
própria figura do poeta. Observa-se que a existência está entrelaçada dentro da sua alma
com a poesia.
Apesar de alguns estudiosos apontarem como um melancólico cheio de mágoa e
remorso coadunando com um perfil de um estudioso observo que o viés que marca
entonação da melancolia é muito mais rica, verdadeira no que tange à realidade da vida:
a morte. Não se conhece outro poeta que tenha tido tanta intimidade em transcrever
reflexivamente para o papel de forma sobejante a respeito da morte como Augusto dos
Anjos.
Embora a crítica literária tenha esmiuçado a alma do poeta para uma explicação
sobre suas anomalias psíquicas, ninguém tem o direito de penetrar neste mundo sublimal,
porque não se pode encontrar o autor se não através da entonação do viés da melancolia
em sua poesia.
Sua personalidade se projeta na poesia facilitando a interpretação do viés da
entonação em sua poesia marcada pela melancolia.
A psiquiatria para Freud não alcançou uma única definição para a melancolia. A
entonação na melancolia da poesia do paraibano Augusto dos Anjos é a verdade que
comove. É a entonação da magia dos seus monstros humanos que anima e valoriza as
coisas mais prosaicas como a numeração, nomes próprios e a terminologia técnica. Ela
tem uma voz reconhecível entre todas as outras no plano metafórico da morte e não
consome o poeta. Através da entonação as marcas da melancolia são registradas. Segundo
Romildo Rego Barros em seu artigo “Um objeto que não se consumiria nunca”, (pág.7)-
2007- O paradigma melancólico, uma referencia chamado Luto e Melancolia de Freud,
1917:
No luto, o sujeito consente com a perda, através de um trabalho (o termo
é de Freud) que consiste em uma retirada de libido, o que faz com que o
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objeto perdido retome o seu caráter de necessidade estrutural. Ou seja,
ele passa de contingente (o fato abrupto do desaparecimento, a
materialidade do objeto que se perde e a dor sem palavras do sujeito) a
necessário. Segundo Lacan, trata-se de um “buraco no real”, que exige
um trabalho simbólico. Neste sentido, é a rigor o contrario da alucinação,
que, na conhecida definição de Lacan, é o aparecimento no real daquilo
que não foi simbolizado.
Na melancolia, o recurso simbólico não funciona: a perda para o
melancólico somente completa com a destruição do sujeito, identificado
ao objeto. Não há separação entre a queixa que o sujeito enlutado dirige
ao objeto, o que, segundo Freud, é uma condição para o esvaziamento da
sua presença, e o ataque contra si próprio. É o que leva Freud a dizer que
a única verdadeira diferença entre o luto e a melancolia são as auto-
acusações que o melancólico se faz. Mas isto também quer dizer que a
experiência do melancólico não é apropriadamente de perda: o objeto
sobreviverá enquanto o melancólico mantiver as auto-recriminações que
lhe dão consistência, e enquanto o seu corpo se oferecer como sede dessa
dor indizível.
O Lamento das Coisas
Triste, a escutar, pancada por pancada,
A sucessividade dos segundos,
Ouço, em sons subterrâneos, do Orbe oriundos
O choro da Energia abandonada!
É a dor da Força desaproveitada
- O cantochão dos dínamos profundos,
Que, podendo mover milhões de mundos,
Jazem ainda na estática do Nada!
É o soluço da forma ainda imprecisa...
Da transcendência que senão realiza...
Da luz que não chegou a ser lampejo...
E é, em suma, o subconsciente aí formidando
Da Natureza que parou, chorando,
No rudimentarismo do desejo!
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A morte e a melancolia
Por tematizar a morte e a melancolia registrada em sua imagem entoada num
vocabulário áspero do universo da doença e putrefação, Augusto dos Anjos ganhou
notabilidade. Utilizava de metáforas orgânicas da queda, perda entre morbidez e o
sentimento de culpa; pulsão da morte e a culpa, onde se observa que a melancolia invadia
o poeta como se ele significasse deteriorização, morte e ruína.
Fechado em seu próprio mundo testemunhava seus versos dentro da sua mente
entoando a melancólica vida dentro da morte amalgamada ao vocabulário cientificista,
que é uma das dimensões da sua arte. O melancólico Augusto tende a projetar na natureza,
nas coisas a dissolução dos seus elos psíquicos. ‘... Eu depois de morrer/ Depois de tanta
tristeza,/Quero, uma vez de nome Augusto,/Possuir aí o nome de um arbusto/ Qualquer
ou de qualquer obscura planta!”.
Já no plano lexical há uma preferência por vocábulos eruditos, uma influência que
exercia o Simbolismo na sua primeira fase. Exemplo: Escarrar de um abismo noutro
abismo, Mandando ao Céu o fundo de um cigarro, Há mais filosofia neste escarro/Do
que toda a moral do cristianismo! Uma atitude típica do melancólico é refletir sobre o
homem e as coisas.
A morte e a alegoria
A entonação da melancolia é alimentada pela intelectualidade, uma angustia que
é confrontada pela filosofia, ciência, o prosaico sentimental em que suas vivencias do
cotidiano entendiam a uma pungente nostalgia do poeta. Já a entonação a melancolia da
morte tem seus traços alegóricos onde ele sempre procura transformar o vivo no morto.
A alegoria construtiva ou retórica visa uma tendência metafórica de representar e
personificar abstrações, ou seja, consiste em metáforas sucessivas onde vários objetos ou
conceitos no plano real aludem a idêntica seqüência no plano poético. Já a alegoria
interpretativa, hermenêutica (dos teólogos) visa interpretar os textos sagrados.
A obsessão pela morte é um traço característico do alegorista. Ele vai sempre
transformar o vivo no morto. E somos cadáveres potenciais porque a morte já está inscrita
em nossas vidas, comprometendo-as desde o inicio. Segundo Valter Benjamim, “... a
alegorização da physis só pode consumar-se em todo o seu vigor no cadáver.” O homem
evolui para a morte, o corpo marcha para se transformar em esqueleto, em caveira. Esta
é a entoação do poeta, o olhar melancólico que se alheia a lúgubre evidencia. O olhar
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alegórico que consegue transpor a superfície corporal e concentra-se nas vísceras ou nos
ossos. O espolio que a morte nos reduz; o esqueleto. Ele é concreção, o limite, estágio
último da fatalidade de ossatura que estaremos todos submetidos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A entonação retrata não a morte física, que é sua visão de mundo em descrever a
miséria, intrigas, desamor, desilusão; como também, os problemas sociais que são
tipificados em seus personagens: morcego ( O Morcego – a consciência humana); morte
(Agonia de um Filósofo- o inconsciente), cão ( versos a um cão – fala, voz), etc. A morte
para o poeta Augusto dos Anjos transfigura, transcende o sentido imediato dos fatos,
sentimentos e impressões. A entonação na melancolia das suas poesias precede de um
acervo rico de fonemas, vocábulos e imagens cujo compromisso é com a arte da vida, da
morte e das palavras. Uma entonação por vezes satírica e caricatural conforme revelam
seus sonetos, seu sorriso descarnado e irônico de um esqueleto tísico que revela uma
intimidade com a morte.
Espero que a entonação da palavra falada possa despertar o interesse não
só pela poesia, literatura, mas também na leitura de textos, prova oral, diálogo, ou seja:
na conversa formal e informal. Permitindo assim a valorização da entonação na oralidade
da palavra falada.
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail; Estética da Criação Verbal, (2003). Editora Martins Fontes. São
Paulo.
BARROS, Rego Romildo, Um Objeto que não se consumiria nunca, artigo-2007.
BENJAMIN, Abdala Júnior, PAschoalin, Maria Aparecida, Historia Social da Literatura
Portuguesa, 1990 , 3a Edição, Editora Atica. São Paulo.
CARPEAUX, Otto Maria; Augusto dos Anjos Toda a poesia, (1995) Editora Paz e
Terra. São Paulo.
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DOS ANJOS, Augusto; A saga de um poeta (1994). Editora Gráfica Brasileira. FBB –
Governo do Estado da Paraíba.
FREUD, S, Luto e melancolia, (1917), BN II, p. 2092.
FREUD, S. Seminário O Desejo e suas interpretações, aula de 22 de abril de 1959,
inédito. Uma semana mais tarde, Lacan dirá, ainda sobre o trabalho do luto, que “mais
exatamente, a sua operação consiste em fazer coincidir com o buraco aberto pelo luto o
buraco maior, o ponto x, a falta simbólica”.
VIANA, Chico, A Sombra e a Quimera, (2000), Editora Idéia. João Pessoa.