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31 FOOD INGREDIENTS BRASIL Nº 25 - 2013 30 FOOD INGREDIENTS BRASIL Nº 25 - 2013 www.revista-fi.com www.revista-fi.com Microencapsulação A microencapsulação é uma técnica relativamente recente. Trata-se de uma tecnologia que permite o revestimento fino de partículas sólidas, gotas de líquidos e dispersões, com um filme protetor. Na indústria alimentícia, essa técnica tem solucionado limitações no emprego de ingredientes, visto que pode suprimir ou atenuar flavors indesejáveis, reduzir a volatilidade e a reatividade e aumentar a estabilidade destes em condições ambientais adversas, como na presença de luz, oxigênio e pH extremos. A TECNOLOGIA DA MICROENCAPSULAÇÃO A tecnologia associada à modifica- ção da liberação de princípios ativos, como fármacos e pesticidas, corantes, aromatizantes etc., é vasta. Entre es- sas tecnologias, os sistemas matriciais poliméricos são amplamente aplica- dos na forma de micropartículas. As micropartículas são subdividi- das em microesferas e microcápsulas, segundo a sua estrutura. São deno- minadas microesferas as partículas compactas constituídas por uma rede polimérica, na qual a substância ativa se encontra distribuída no seu estado sólido ou molecular. Já as microcápsu- las são as partículas constituídas por um núcleo interno contendo o agente ativo recoberto por uma camada de polímero de espessura variável. A Figura 1 representa a estrutura de uma microesfera e de uma microcápsula. tura sobre partículas em suspensão em uma coluna de ar. Esse princípio básico é hoje amplamente aplicado na microencapsulação de vários ingredientes alimentícios. No início dos anos 70, a microen- capsulação era definida como a tecno- logia de empacotamento com finas coberturas poliméricas aplicáveis em sólidos, gotículas de líquidos ou mate- rial gasoso, formando pequenas par- tículas denominadas microcápsulas, que podem liberar seu conteúdo sob velocidade e condições específicas. Já em 1993, as microcápsulas eram descritas como embalagens extremamente pequenas, compostas por um polímero como material de parede e um material ativo chamado de núcleo. Enquanto as embalagens convencionais normalmente são em- pregadas para facilitar transporte, armazenagem, manipulação e apre- sentação dos alimentos, as micro- cápsulas são geralmente empregadas para melhorar a performance do ma- terial ou criar novas aplicações. Em 2005, pesquisadores afirma- ram que, através de propriedades de liberação controlada finamente ajustadas, a microencapsulação deixa de ser somente um método de agrega- ção de substâncias a uma formulação alimentícia, e se torna uma fonte de ingredientes totalmente novos com propriedades únicas. As microcápsulas têm a capa- cidade de modificar e melhorar a aparência e as propriedades de uma substância. O uso da microencapsu- lação na indústria de alimentos era justificado para atender diversas necessidades, como para reduzir a reatividade do material de núcleo com o ambiente; diminuir a velocidade de evaporação ou de transferência do material de núcleo para o meio; facilitar a manipulação do material encapsulado; promover liberação con- trolada de determinadas substâncias; mascarar sabor e odor desagradáveis; e promover a diluição homogênea do material encapsulado em uma formu- lação alimentícia. A MICROENCAPSULAÇÃO A SERVIÇO DA INDÚSTRIA ALIMENTÍCIA FIGURA 1 - (A) MICROESFERA: O AGENTE ATIVO ESTÁ DISTRIBUÍDO EM UMA MATRIZ POLIMÉRICA; (B) MICROCÁPSULA, O AGENTE ATIVO ESTÁ ENVOLVIDO PELO AGENTE ENCAPSULANTE O conceito de microcápsula surgiu da idealização do modelo celular. Nes- te, a membrana que envolve e protege o citoplasma e os demais componen- tes exerce ao mesmo tempo outras funções, como controlar a entrada e a saída de material na célula. De modo semelhante, a microcápsula consiste em uma camada de um agente en- capsulante, geralmente um material polimérico que atua como um filme protetor, isolando a substância ativa (gotículas líquidas, partículas sólidas ou material gasoso) e evitando o efeito de sua exposição inadequada. Essa membrana se desfaz sob estímulo específico, liberando a substância no local ou momento ideais. De acordo com o seu tamanho, as cápsulas são classificadas como nanopartículas ou micropartículas, variando de 0,01 a 0,2 μm e de 1 a 100 μm. Acima de 100 μm, são deno- minadas de macropartículas. As primeiras pesquisas no campo da microencapsulação foram conduzi- das na década de 30, pela empresa norte-americana National Cash Register Co., de Dayton, OH. O pesquisador da NCR, Barret K. Green, descobriu e desenvolveu o sis- tema de formação de microcápsulas através do processo de coacervação. A primeira aplicação comercial ocorreu em 1954, revolucionando o mundo dos negócios administrativos; tratava- se do papel de cópia sem carbono. Esse papel era coberto por uma fina camada de microcápsulas, as quais continham uma tinta incolor. Essa fina camada era depois recoberta com um reagente, também incolor. Ao escrever, ou seja, ao pressio- nar a superfície do papel, as mi- crocápsulas rom- piam-se, liberan- do a tinta incolor que, ao entrar em contato com o re- agente, tornava- se colorida, produzindo na folha de baixo uma cópia do que estava sendo escrito ou desenhado no primeiro papel. O princípio é usado até hoje. Outra entidade norte-americana envolvida nas primeiras pesquisas sobre o tema microencapsulação foi o Southwest Research Institute, de San Antonio, TX, que desenvolveu um processo mecânico para encapsu- lar líquidos e sólidos, empregando um envelope sólido a temperatura ambiente. O instituto desenvolveu a primeira aplicação na área alimentí- cia, com a microencapsulação de óleos essenciais para prevenir a oxidação e a perda de substâncias voláteis e controlar a liberação do aroma. A National Research Corp., de Boston, MA, foi outra empresa que conduziu extensivas pesquisas sobre microencapsulação. Em 1940, já tinha diversas patentes cobrindo a tecnologia de encapsular substâncias com metais, utilizando um processo a vácuo. Esses trabalhos serviram de verdadeiro trampolim para o desen- volvimento de pesquisas sobre micro- encapsulação, as quais iniciaram-se verdadeiramente em 1955, com a encapsulação de partículas abrasivas com um agente umidificante para ajudar a mantê-las com adesivos. Ainda nos anos 50, Dale E. Wurster, professor de farmacologia na Uni- versidade de Wisconsin, inventou um processo para cobrir comprimidos e pílulas para aplicação farmacêutica. Em sua essência, esse processo en- volvia a vaporização de uma cober-

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Microencapsulao

A microencapsulao uma tcnica relativamente recente. Trata-se de uma tecnologia que permite o revestimento fino de partculas slidas, gotas de lquidos e disperses, com um filme protetor. Na indstria alimentcia, essa tcnica tem solucionado limitaes no emprego de ingredientes, visto que pode suprimir ou atenuar flavors indesejveis, reduzir a volatilidade e a reatividade e aumentar a estabilidade destes em condies ambientais adversas, como na presena de luz, oxignio e pH extremos.

A tecnologiA dA microencApsulAo

A tecnologia associada modifica-o da liberao de princpios ativos, como frmacos e pesticidas, corantes, aromatizantes etc., vasta. Entre es-sas tecnologias, os sistemas matriciais polimricos so amplamente aplica-dos na forma de micropartculas.

As micropartculas so subdividi-das em microesferas e microcpsulas, segundo a sua estrutura. So deno-minadas microesferas as partculas compactas constitudas por uma rede polimrica, na qual a substncia ativa se encontra distribuda no seu estado slido ou molecular. J as microcpsu-las so as partculas constitudas por um ncleo interno contendo o agente ativo recoberto por uma camada de polmero de espessura varivel. A Figura 1 representa a estrutura de uma microesfera e de uma microcpsula.

tura sobre partculas em suspenso em uma coluna de ar. Esse princpio bsico hoje amplamente aplicado na microencapsulao de vrios ingredientes alimentcios.

No incio dos anos 70, a microen-capsulao era definida como a tecno- logia de empacotamento com finas coberturas polimricas aplicveis em slidos, gotculas de lquidos ou mate-rial gasoso, formando pequenas par-tculas denominadas microcpsulas, que podem liberar seu contedo sob velocidade e condies especficas.

J em 1993, as microcpsulas eram descritas como embalagens extremamente pequenas, compostas por um polmero como material de parede e um material ativo chamado de ncleo. Enquanto as embalagens convencionais normalmente so em-pregadas para facilitar transporte, armazenagem, manipulao e apre-sentao dos alimentos, as micro- cpsulas so geralmente empregadas para melhorar a performance do ma-terial ou criar novas aplicaes.

Em 2005, pesquisadores afirma-ram que, atravs de propriedades de liberao controlada finamente ajustadas, a microencapsulao deixa de ser somente um mtodo de agrega-o de substncias a uma formulao alimentcia, e se torna uma fonte de ingredientes totalmente novos com propriedades nicas.

As microcpsulas tm a capa-cidade de modificar e melhorar a aparncia e as propriedades de uma substncia. O uso da microencapsu-lao na indstria de alimentos era justificado para atender diversas necessidades, como para reduzir a reatividade do material de ncleo com o ambiente; diminuir a velocidade de evaporao ou de transferncia do material de ncleo para o meio; facilitar a manipulao do material encapsulado; promover liberao con-trolada de determinadas substncias; mascarar sabor e odor desagradveis; e promover a diluio homognea do material encapsulado em uma formu-lao alimentcia.

A MICROENCAPSULAO A SERV IO DA INDSTR IA AL IMENT C IA

FIGURA 1 - (A) MICROESFERA: O AGENTE ATIVO EST DISTRIBUDO EM UMA MATRIZ POLIMRICA; (B) MICROCPSULA, O AGENTE ATIVO EST ENVOLVIDO PELO AGENTE ENCAPSULANTE

O conceito de microcpsula surgiu da idealizao do modelo celular. Nes-te, a membrana que envolve e protege o citoplasma e os demais componen-tes exerce ao mesmo tempo outras funes, como controlar a entrada e a sada de material na clula. De modo semelhante, a microcpsula consiste em uma camada de um agente en-capsulante, geralmente um material polimrico que atua como um filme protetor, isolando a substncia ativa (gotculas lquidas, partculas slidas ou material gasoso) e evitando o efeito de sua exposio inadequada. Essa membrana se desfaz sob estmulo especfico, liberando a substncia no local ou momento ideais.

De acordo com o seu tamanho, as cpsulas so classificadas como nanopartculas ou micropartculas, variando de 0,01 a 0,2 m e de 1 a 100 m. Acima de 100 m, so deno-minadas de macropartculas.

As primeiras pesquisas no campo da microencapsulao foram conduzi- das na dcada de 30, pela empresa norte-americana National Cash Register Co., de Dayton, OH. O pesquisador da NCR, Barret K. Green, descobriu e desenvolveu o sis-tema de formao de microcpsulas atravs do processo de coacervao. A primeira aplicao comercial ocorreu em 1954, revolucionando o mundo dos negcios administrativos; tratava- se do papel de cpia sem carbono. Esse papel era coberto por uma fina camada de microcpsulas, as quais continham uma tinta incolor. Essa

fina camada era depois recoberta com um reagente, tambm incolor. Ao escrever, ou seja, ao pressio-nar a superfcie do papel, as mi-crocpsulas rom-piam-se, liberan-do a tinta incolor que, ao entrar em contato com o re-agente, tornava-

se colorida, produzindo na folha de baixo uma cpia do que estava sendo escrito ou desenhado no primeiro papel. O princpio usado at hoje.

Outra entidade norte-americana envolvida nas primeiras pesquisas sobre o tema microencapsulao foi o Southwest Research Institute, de San Antonio, TX, que desenvolveu um processo mecnico para encapsu- lar lquidos e slidos, empregando um envelope slido a temperatura ambiente. O instituto desenvolveu a primeira aplicao na rea aliment-cia, com a microencapsulao de leos essenciais para prevenir a oxidao e a perda de substncias volteis e controlar a liberao do aroma.

A National Research Corp., de Boston, MA, foi outra empresa que conduziu extensivas pesquisas sobre microencapsulao. Em 1940, j tinha diversas patentes cobrindo a tecnologia de encapsular substncias com metais, utilizando um processo a vcuo. Esses trabalhos serviram de verdadeiro trampolim para o desen-volvimento de pesquisas sobre micro-encapsulao, as quais iniciaram-se verdadeiramente em 1955, com a encapsulao de partculas abrasivas com um agente umidificante para ajudar a mant-las com adesivos.

Ainda nos anos 50, Dale E. Wurster, professor de farmacologia na Uni-versidade de Wisconsin, inventou um processo para cobrir comprimidos e plulas para aplicao farmacutica. Em sua essncia, esse processo en-volvia a vaporizao de uma cober-

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MicroencapsulaoPode-se empacotar diversas

partculas, como pigmentos, compos-tos de sabor, nutrientes, enzimas, con-servantes, acidulantes, entre outras, em cpsulas comestveis.

O material a ser encapsulado chamado de recheio ou ncleo, e o material que forma a cpsula, de encapsulante, cobertura ou parede.

As funes dA microencApsulAo

Existem muitas razes para encapsular ingredientes. De modo geral, os ingredientes so ou podem ser encapsulados por trs grandes motivos: proteger o ingrediente em si, melhorar o produto acabado como um todo, ou facilitar o processo de produo.

No primeiro caso, pode tratar-se de um ingrediente apresentando comportamento instvel na pre-sena de outros ingredientes alimentcios. As formulaes mi-croencapsuladas podem ter sua liberao controlada, sustenido ou postergada e protegem os agentes ativos sensveis ao oxignio durante o processo e a fase de estocagem. Muitos aromas so altamente vol-teis e podem ser mais efetivamente conservados nos alimentos quando encapsulados.

A encapsulao pode melhorar o produto acabado como um todo. Prolonga a estabilidade e, con- sequentemente, o shelf life do pro-duto, permitindo que seu valor nutricional ou aroma no seja signi- ficativamente diminudo entre as datas de produo e de consumo. A encapsulao pode ser usada como meio para mascarar o aroma ou a cor de certos ingredientes, fator de suma importncia em alimentos onde o flavor, aroma e aspecto visual so geralmente componentes primordiais na deciso de compra do alimento.

A microencapsulao pode, tam-bm, beneficiar o processo produtivo. Convertendo os materiais lquidos em cpsulas slidas, ps ou granulados, permite a utilizao de tcnicas de

processamento eliminando downtime em linhas de produtos ou encurtando o tempo gasto em operaes de lim-peza. A encapsulao pode, ainda, ser usada em casos onde desejvel a adio de um novo ingrediente em um determinado momento do processo de produo, sem ter que necessitar de novas linhas de alimentao e fases de incorporao. Para essas apli-caes pode-se empregar cpsulas que sero ativadas termicamente ou por efeito de cisalhamento, aprovei-tando ou suscitando mudanas nas condies do processo para que seja liberado o material encapsulado.

mAteriAis encApsulAntes

Um dos principais fatores que influenciam a estabilidade de com-postos encapsulados a natureza do material encapsulante.

A escolha do material a ser uti-lizado deve levar em considerao uma srie de fatores, como proprie-dades fsicas e qumicas do ncleo (porosidade, solubilidade, etc.) e da parede (viscosidade, propriedades mecnicas, transio vtrea, capa-cidade de formao de filme, etc.), compatibilidade do ncleo com a pa-rede, mecanismo de controle e fatores econmicos.

Os encapsulantes devem aten-der ainda aos seguintes requisitos: boas propriedades de formao de

filme; baixa higroscopicidade; baixa viscosidade a altas concentraes de slidos (menor que 0,5 Pa.s em con-centraes superiores a 45%); sabor e odor suaves; fcil reconstituio; e baixo custo. Na prtica, muitas vezes, pelo fato de um mesmo composto no englobar todas essas propriedades, usam-se misturas.

O material de parede deve ser insolvel e no reativo com o ncleo.

Os carboidratos so os materiais mais utilizados para encapsulao, por sua capacidade de se ligar a compostos de sabor, alm de sua diversidade e baixo custo.

A estabilidade de emulses um fator importante a se considerar para encapsulao de compostos de sabor, uma vez que estes so geralmente

insolveis em gua. Para atuar como emulsificante, um composto deve

conter grupamentos hidroflicos e hidrofbicos; quanto maior a capacidade emulsificante do en-capsulante, melhor a reteno de compostos.

A goma arbica (ou goma accia) constituda por um

arranjo altamente ramificado de galactose, arabinose, ramnose e cido glucurnico, contendo ainda cerca de 2% de um componente protico ligado covalentemente a esse arranjo mo-lecular, exercendo um papel crucial na determinao das propriedades emulsificantes da goma.

considerada historicamente como o material encapsulante por excelncia, graas sua solubilidade, baixa viscosidade, boas propriedades emulsificantes, sabor suave e alta es-tabilidade oxidativa conferida a leos.

Outros encapsulantes aprovados para utilizao na confeco de mi-crocpsulas para uso na indstria alimentcia incluem cidos graxos, alginatos, amidos, carragenas, ca-seinatos, celulose, ceras comestveis, dextrinas, gelatina, goma xantana, gorduras, lipdios, pectinas, polieti-lenoglicol e quitosana.

Muitos deles so de origem na-tural, como os polissacardeos (al-

ginatos, carragenas, agarose), as protenas (caseinatos, gelatina) e as gorduras ou cidos graxos. Essa grande variedade de materiais per-mite aos fabricantes de produtos alimentcios escolher compostos que podem ser usados para encapsular solues hidroflicas ou oleosas, cuja liberao depende de fator trmico ou que ocorre por simples dissoluo, e que propiciam importantes caracte-rsticas de textura.

mtodos de microencApsulAo

Atualmente, a quantidade de mtodos de microencapsulao paten-teados ascende a vrias centenas, e previsvel que esse nmero continue crescendo medida que forem surgin-do novos materiais encapsulantes e novos princpios ativos que requeiram processamentos especficos para a sua microencapsulao.

A escolha do mtodo mais adequa- do depende do tipo do material ati-vo, da aplicao e do mecanismo de liberao desejado para a sua ao. A diferena bsica entre os mtodos existentes est no tipo de envolvi-mento ou aprisionamento do material ativo pelo agente encapsulante, visto que a combinao entre o material e o agente ativo pode ser de natureza fsica, qumica ou fsico-qumica.

Entre os mtodos fsicos esto o spray drying, spray cooling, pul-verizao em banho trmico, leito fluidizado, extruso centrfuga com mltiplos orifcios, cocristalizao e liofilizao. Os m-todos qumicos en-globam a incluso molecular e polime-rizao interfacial. E nos mtodos f-sico-qumicos esto presentes a coacer-vao ou separao de fases, emulsifi-cao seguida de evaporao do sol-vente, pulverizao

em agente formador de reticulao e envolvimento lipossmico.

A tcnica de microencapsulao mais antiga e talvez a mais utilizada envolve a separao de fases por coacervao. O termo coacervao foi introduzido pela primeira vez na qumica em 1929 para descrever o fe-nmeno de agregao macromolecu-lar, formando um sistema coloidal em que existem duas fases lquidas: uma rica (coacervado) e a outra pobre em colides (sobrenadante). Essa tcnica consiste na deposio do polmero ao redor do agente ativo a ser recoberto pela alterao das caractersticas fsico-qumicas do meio, tais como a temperatura, a fora inica, o pH ou a polaridade.

A coacervao pode ser realizada em meio aquoso ou orgnico, depen-

dendo das proprie-dades fsico-qumi-cas do polmero que ser empregado e do material a ser encapsulado.

De forma ge-ral, o processo de microencapsulao segue cinco etapas: disperso do agente ativo a ser encapsu- lado em uma solu-o do polmero; induo da coacer-vao por algum mtodo descrito anteriormente, for-

mando gotculas de coacervado; deposio das gotculas de coacer-vado em torno dos ncleos contendo o princpio ativo; coalescncia das gotculas de coacervado para formar uma camada polimrica; e endure-cimento da camada polimrica por meio da difuso do solvente, adio de um agente reticulante, mudana de temperatura etc.

Finalmente, as microcpsulas ou microesferas obtidas so separadas do sistema por centrifugao ou filtra-o. A Figura 2 representa as etapas do processo de microencapsulao por coacervao.

Um segundo mtodo amplamente empregado para a preparao de micropartculas a emulsificao seguida de evaporao do solvente. Essa tcnica tem sido frequente-mente empregada, tendo em vista a simplicidade dos procedimentos envolvidos na obteno das partcu-las e as possibilidades de modulao das caractersticas fsicas e fsico- qumicas das partculas por meio da escolha dos componentes da formu-lao e das condies de preparao. A denominao emulsificao-eva-porao do solvente normalmente usada para designar um conjunto de procedimentos nos quais ocorre a formao de uma emulso que pode ser do tipo leo/gua (o/a) e tambm leo/leo (o/o). Em ambos os casos,

FIGURA 2 - REPRESENTAO ESQUEMTICA DAS ETAPAS DO PROCESSO DE MICROENCAPSULAO POR COACERVAO

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Microencapsulaoa fase chamada interna, onde o po-lmero se encontra dissolvido, um solvente orgnico que apresenta uma solubilidade limitada na fase externa da emulso, a qual pode ser gua, formando uma emulso o/a, ou leo, formando uma emulso o/o.

Outros procedimentos que uti- lizam emulses mltiplas tambm tm sido reportados na literatura, tais como os processos gua/leo/gua (a/o/a), gua/leo/leo (a/o/o), gua/leo/gua/leo (a/o/a/o) e ainda gua/leo/leo/leo (a/o/o/o).

Na microencapsulao por emul-sificao-evaporao do solvente, primeiramente o agente ativo dis-perso ou dissolvido na fase interna em que h o polmero. Em seguida, a fase interna emulsificada na fase externa, que contm um esta-bilizante da emulso (tensoativo), para prevenir a agregao e a coa- lescncia. O solvente orgnico ento removido por evaporao sob agitao, favorecendo a formao de glbulos polimricos compactos nos quais o agente ativo se encontra encapsulado. As partculas formadas passam posteriormente por opera-es complementares, como separa-o, lavagem e secagem. A Figura 3 representa esquematicamente o pro-cesso de emulsificao-evaporao do solvente em uma emulso o/a.

Outro processo para microen-capsulao bastante usado o spray drying. Nele, o material ativo a ser encapsulado misturado a uma soluo do composto que constitui o material encapsulante, formando uma

emulso. Ao ser ato- mizado dentro do seca-dor, ocorre a evaporao do lquido da soluo do agente encapsulan-te com a formao da membrana ao redor das gotas do material ati-vo. A Figura 4 ilustra esquematicamente o processo de microen-capsulao por spray drying.

Esse processo apre-senta algumas vanta-gens sobre os outros mtodos: as proprie-dades e a qualidade do produto so mais eficientemente contro-ladas; podem ser usados produtos sensveis ao calor; h possibilidade de grandes produes em operao contnua com equipamento simples; produo de partculas relativamente uniformes e esfricas; boa eficincia e baixo custo do processo.

AplicAes dA microencApsulAo nA indstriA de Alimentos

Entre os materiais que podem ser encapsulados para aplicao na indstria alimentcia incluem-se cidos, bases, leos, vitaminas, sais, gases, aminocidos, leos essenciais, corantes, enzimas e microorganismos.

A seguir so apresentados alguns dos principais aditivos en-capsulados disponveis para a in-dstria alimentcia.

Acidulantes. So usados por vrios motivos, como por exemplo, modificadores de aromas e sabores, agentes de conservao ou auxiliares de processo. Alm disso, facilitam o desenvolvimento de uma grande variedade de efeitos de textura de-vido as suas interaes com outros ingredientes, como gomas, pectinas, protenas e amidos. Quando no encapsulados, esses cidos alimen-tcios podem reagir com os outros ingredientes e produzir efeitos in-desejveis, incluindo reduo do shelf life de alimentos aromatizados ctricos ou contendo amido, perda de aroma, degradao da cor, e separa-o dos prprios ingredientes. O uso de cidos alimentcios encapsulados resolve esses e outros problemas, pois evitam a oxidao e proporcionam a

liberao controlada, tendo invlucro formulado para dissolver-se espontanea-mente ou derreter em tem-peratura especfica. Alm disso, os cidos encapsu-lados reduzem a higrosco-picidade, ocasionam menos sujeira e proporcionam melhor vazo no sistema sem formar grumos.

Os principais cidos alimentcios, como o ad-pico, ascrbico, ctrico, fumrico, lctico e m-lico, so hoje disponveis na forma microencapsulada. Trs aplicaes especficas se destacam nesse caso: o condicionamento de massas, o com-plemento de aroma, e como agente auxiliar no processamento de carnes.

O uso de cido ascrbico (vitamina C) como agente oxidante de ao in-termediaria em massa para pes tem muitos efeitos positivos no produto final. Produz uma crosta mais resis-tente e com cor uniforme, melhora o fatiamento e oferece ao conjunto uma resistncia maior, permitindo assim a adio de outros ingredientes ricos em protenas, como a farinha de soja, grmen de trigo, etc.

Na prtica, o cido ascrbico sofre rpida degradao na presena de gua e oxignio e, por isso, boa parte dele j se encontra degradada antes de agir. A forma encapsulada protege o cido desses fatores de degradao, liberando-o nas fases onde mais necessrio, ou seja, na fermentao e no cozimento.

J o cido ctrico usa-se para con-ferir ao ch um sabor ligeiramente amargo. Na forma no encapsulada, observa-se que o cido pode reagir com certos componentes do ch, chamados de taninos, provocando a descolorao dos pacotinhos, antes mesmo de mergulh-los para a pre-parao da bebida. O uso de cido ctrico encapsulado evita essa reao, liberando o cido somente na hora da dissoluo e continuando a realar o sabor levemente amargo.

Historicamente, os produtos cr-neos curados, especialmente produtos de salsicharia secos ou semi secos, so produzidos utilizando-se o cido lctico para produzir culturas bacte- rianas que desenvolvero aroma e diminuiro o pH. Frequentemente, esses produtos apresentam certa in-consistncia de aroma, cor e textura de um lote para outro. Os cidos lcti-co e ctrico, quando no encapsulados, reagem quase que instantaneamente com a carne, tornando-a imprpria para futuro processamento. No entanto, uma alternativa para as culturas bacterianas o uso de cido encapsulado com liberao programa-da para as temperaturas das cmaras de defumao. O cido encapsulado sempre produzir o mesmo pH e eliminar a necessidade de fermenta-o, diminuindo o tempo de produo.

Corantes. Alguns corantes natu-rais, como o urucum, o betacaroteno e a crcuma, apresentam problemas de solubilidade durante seu uso.

Os corantes encapsulados so mais fceis de manipular no decorrer do processo, e melhoram a solubilida-de e a estabilidade frente a oxidao. Outra vantagem que pode ser associa-da ao seu uso est no prolongamento do shelf life, o qual pode exceder a dois anos, comparado ao prazo de seis meses para os no encapsulados.

Aromatizantes e especiarias. Nesse campo de aplicao extrema-

mente rico, os produtos so encapsulados por uma grande variedade de pro-cesso e oferecem numero-sas vantagens para os pro-cessadores de alimentos.

Em leos ctricos e outros aromas, por exem-plo, a encapsulao pro-picia maior estabilidade oxidao, volatilizao e luz; permite liberao controlada; oferece maior resistncia aglutinao e formao de grumos; e

aumenta substancialmente o shelf life do produto final.

Produtos que apresentam reao de Maillard empregados em aromas crneos, savory ou de frutos do mar so altamente instveis na forma lquida e precisam ser convertidos para uma forma slida ou oleosa. A encapsulao confere-lhes estabili-dade ainda maior.

Embora a encapsulao de aro-mas possa ser usada em muitas aplicaes distintas, tem merecido considervel ateno por sua esta-bilidade em processos usando altas temperaturas por curtos perodos de tempo, como os usados na fabricao de alimentos extrusados ou prepara-dos no microondas.

J as especiarias so encapsuladas para prolongar o shelf life, manter sua potncia e inibir reaes com outros ingredientes. O cinamaldedo, por exemplo, agente aromtico presente na canela e que possui propriedades antimicrobianas naturais, pode re-tardar o crescimento de leveduras em produtos de panificao. O uso de canela na forma encapsulada propor-ciona aroma ao produto, porm sem interferir no processo de levedao.

Agentes de levedao. So am-plamente usados em produtos de pa-nificao e influenciam diretamente o volume e a textura.

O uso de bicarbonato de sdio encapsulado protege a massa de uma reao prematura, poster-

FIGURA 3 - FLUXOGRAMA DO PROCESSO POR EMULSO O/A

FIGURA 4 - FLUXOGRAMA DO PROCESSO SPRAY DRYING

36 FOOD INGREDIENTS BRASIL N 25 - 2013 www.revista-fi.com

Microencapsulaogando a liberao de seu contedo at que sejam atingidas as condies timas do processo. Isso garan-te que seja atingido o ponto ideal de levan-tamento da massa e prova ser economica-mente atrativo.

Vitaminas e minerais. So adicionadas em misturas nutricionais secas para fortificar grande variedade de alimentos, como cereais matinais, laticnios, alimentos infantis, etc.

Tanto as vitaminas solveis em leo quanto em gua, assim como os minerais, podem ser encapsulados com uma variedade de encapsulantes.

A encapsulao reduz o ressaibo gerado por certas vitaminas e mine-rais, permite a liberao gradual dos nutrientes, aumenta a estabilidade temperatura e umidade, e diminui reaes possveis de certos nutrientes com outros ingredientes.

AplicAes dA microencApsulAo em embAlAgens de Alimentos

As tecnologias de encapsulamento e fixao demandam biopolmeros, no porque sejam biodegradveis, mas por possurem propriedades

adequadas para a aplicao. Existem pesquisas com biopolmeros produzi- dos por organismos geneticamente modificados, nanocompsitos e nano-fibras naturais.

As estratgias para o desenvol-vimento de algumas embalagens in-cluem fixar os componentes bioativos em uma matriz biodegradvel que libera os componentes pela influncia da umidade do alimento quando a em-balagem aberta ou, ainda, encapsular os componentes para atravessarem intactos o estmago e serem liberados adequadamente no intestino, sendo particularmente importantes quando se deseja adicionar probiticos e pre-biticos formulao. Pacotes enzim-ticos integrados camada plstica em contato com o alimento esto sendo desenvolvidos, com o objetivo de degradar o acar indesejado para

pessoas intolerantes lactose.

No campo dos bio-polmeros, h os po-liactdeos base de amido de milho que se decompem em dixi-do de carbono, gua e material orgnico nas condies de compos-tagem, e polmeros biodegradveis base de amido de batata. A novidade mais re-volucionria so as bandejas de polmero

biodegradvel total-mente solveis em gua, utilizadas com alimentos secos, blis-ters e componentes eletrnicos.

concluso

Existe um consen-so mundial de que os alimentos no devem mais ser vistos somen-te como uma fonte de nutrientes com apelo sensorial, mas que tambm sejam fonte

de bem estar e sade. Esse novo conceito requer mudanas de para-digmas no desenvolvimento de novos produtos, aplicando as tecnologias tradicionais, aliadas aos novos mto-dos de conservao, preservando o mximo possvel os componentes que cada alimento possui.

Nos mtodos mais tradicionais, vrias vitaminas e aromas eram parcialmente perdidas, e o resultado, alm de uma valiosa perda de nutrien-tes importantes ao organismo, era um produto muito distante do produto original, em termos de caractersticas sensoriais. Alm da perda de alguns nutrientes importantes, a cor, o sabor e o odor originais eram modificados. Havia ento uma grande necessida-de de se implementar mtodos que pudessem deixar esses componentes nutricionais mais bioacessveis, pre-servando as caractersticas originais de cor, sabor e odor do alimento. O mtodo de microencapsulao possui vrias aplicaes, tanto na indstria de alimentos, como em indstrias far-macuticas, de cosmticos, txteis, de agrotxicos, de tintas, entre outras.

O mtodo de microencapsulao de alimentos e outras substncias possui ampla aplicabilidade, caracte- rizando-se como um mtodo eficaz e de extrema importncia na preservao de vrios componentes nutricionais, mi-croorganismos, enzimas, corantes, etc., protegendo o alimento contra os mto-dos mais agressivos de processamento.