2
ENTREVISTA “A minha linha condutora é a emoção” Por trás do discurso caudaloso, emotivo, abrangente, de Gracinha Viterbo percebe-se que as ideias que lhe subjazem estão perfeitamente enraizadas, completamente seguras. Repartida pelos três continentes onde a marca Graça Viterbo se tornou uma player reconhecida, a noção de tempo torna-se incontornável. Neste caso particular, uma noção aguda do tempo passado, do tempo que corre e daquele que há-de vir – seja na família, na profissão ou no mundo. Perguntas Paulo Costa Dias, foto Pedro Ferreira Gracinha Viterbo, filha de peixe sabe nadar? Eu acho que filha de peixe aprende a nadar! Aprende a nadar! Acompanhou a sua mãe desde criança e muito do que viu e ouviu terá ficado no seu inconsciente. Mas o que é que a apaixonou ou apaixona na profissão? Poder otimizar a vida das outras pessoas, seja num projeto público ou privado. Eu olho para a minha profis- são como uma mais-valia, no tempo e no espaço. A decoração é uma atividade multidisciplinar. Esse desenvolvimento de competências foi apreen- dido ao longo desse tempo, durante a infância e a adolescência? Houve um lado intuitivo e natural, por ter uma relação tão próxima com a minha mãe. Mas também teve que ver com o meu interesse natural por gostar de aprender, de ser curiosa e não ser ortodoxa. Além disso, gosto do bizarro e gosto de ir pelo caminho menos caminhado, sempre. E depois tive a formação em Arquitetura de Interiores e a especialização em Artes Decorativas, ambas em Londres, que foram o arranque do meu processo criativo, consubstanciado pela minha passagem pelo gabinete da designer Kelly Hoppen, também em Londres. Um verdadeiro profissional nunca deixa de estudar e aprender, as tecnologias mudam e o nosso interesse tem que ser constante. Gosto de me superar e de me surpreender quanto ao que inovo e aprendo no dia a dia. Gosta de arriscar, portanto? Eu não acho que ir pelo caminho menos caminhado seja arriscar. É intuição, eu tenho mais curiosidade em ir por um caminho onde não vejo o fim e em que tenho de encontrar a forma para lá chegar, do que ir por um caminho onde tenho um elevador á minha disposição e me basta carregar num botão para sair no andar certo.

“a minha linha condutora é a emoção” - Espiral do Tempo · onde a marca Graça viterbo se tornou uma player reconhecida, ... sando que há uma história, eu sou a introdução

  • Upload
    dophuc

  • View
    214

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

entrevista

“a minha linha condutoraé a emoção”

Por trás do discurso caudaloso, emotivo, abrangente, de Gracinha

viterbo percebe-se que as ideias que lhe subjazem estão perfeitamente

enraizadas, completamente seguras. repartida pelos três continentes

onde a marca Graça viterbo se tornou uma player reconhecida, a noção

de tempo torna-se incontornável. neste caso particular, uma noção

aguda do tempo passado, do tempo que corre e daquele que há-de vir –

seja na família, na profissão ou no mundo.

Perguntas Paulo Costa Dias, foto Pedro Ferreira

Gracinha Viterbo, filha de peixe sabe nadar? Eu acho que filha de peixe aprende a nadar! Aprende a nadar!

Acompanhou a sua mãe desde criança e muito do que viu e ouviu terá ficado no seu inconsciente. Mas o que é que a apaixonou ou apaixona na profissão?Poder otimizar a vida das outras pessoas, seja num projeto público ou privado. Eu olho para a minha profis-são como uma mais-valia, no tempo e no espaço.

a decoração é uma atividade multidisciplinar. esse desenvolvimento de competências foi apreen-dido ao longo desse tempo, durante a infância e a adolescência?Houve um lado intuitivo e natural, por ter uma relação tão próxima com a minha mãe. Mas também teve que ver com o meu interesse natural por gostar de aprender, de ser curiosa e não ser ortodoxa. Além disso, gosto do bizarro e gosto de ir pelo caminho menos caminhado, sempre. E depois tive a formação em Arquitetura de Interiores e a especialização em Artes Decorativas, ambas em Londres, que foram o arranque do meu processo criativo, consubstanciado pela minha passagem pelo gabinete da designer Kelly Hoppen, também em Londres. Um verdadeiro profissional nunca deixa de estudar e aprender, as tecnologias mudam e o nosso interesse tem que ser constante. Gosto de me superar e de me surpreender quanto ao que inovo e aprendo no dia a dia.

Gosta de arriscar, portanto?Eu não acho que ir pelo caminho menos caminhado seja arriscar. É intuição, eu tenho mais curiosidade  em ir por um caminho onde não vejo o fim e em que tenho de encontrar a forma para lá chegar, do que ir  por um caminho onde tenho um elevador á minha disposição e me basta carregar num botão para sair no andar certo.

entrevista

Criei a ideia de que decorar uma casa é como montar um relógio. são peças que se vão juntan-do até o mecanismo ganhar movimento, vida. Mas sei que a Gracinha acha que um projeto de decoração nunca está acabado… Ora isso é aborrecido na perspectiva relojoeira, porque assim o relógio não funciona…(risos) Uma das minhas palavras preferidas é ‘vazio’, porque é o princípio de tudo. Ao mesmo tempo, pen-sando que há uma história, eu sou a introdução dessa história que irá continuar e que não serei eu a escrever. Quero deixar espaço para quem vai escrever a história, o cliente ou quem usufruir de um espaço público do qual eu tive o privilégio de desenhar os traços fundamentais da estrutura, do esqueleto. Quando a estrutura está bem construída, o texto funciona muito bem, torna a história numa história de sucesso. É como num filme francês, em que nós entramos e saímos da sala, e parece que a história continua além do momento em que a ela assistimos. Quase como na expressão que todos conhecemos: «A vida continua». Os relógios marcam momentos, não param o tempo, e os espaços também.

E gosta de voltar aos projetos, ou às consequências dos projetos que fez?Normalmente eles é que voltam a mim (risos). Acho que fica a ligação inata, porque há uma ligação profis-sional entre o cliente e o profissional. Eu ponho os clientes à frente de tudo na profissão – acho que tenho de ser uma mais-valia na vida deles e acho que os clientes sentem e gostam disso, e confiam em nós. Eles sabem que temos sempre as portas abertas para voltar a olhar para um projeto e reavaliá-lo. Às vezes, nós próprios temos de parar na vida, parar o tempo e reavaliármo-nos para nos tornarmos melhores, de ano para ano, de época para época – e um projeto também necessita disso.

A decoração deve marcar um tempo ou pretende-se intemporal?(pausa) Sabe que eu sou Gémeos, embora temperada por um marido Balança… as duas respostas são possíveis. Tem de haver um equilíbrio, é o yin e o yang. Serão, talvez, os dois ponteiros de um relógio. Não se deve ter só a indicação das horas, precisamos do ponteiro dos minutos.

Quanto do seu trabalho é inspiração e quanto é transpiração?O meu processo criativo tem várias fases e passa por esses dois aspetos. Eu inspiro-me com tudo o que está à minha volta, tudo me passa à memória. As coisas podem não ser imediatamente exploradas, mas ficam armazenadas. Costumo dizer que, lá muito para a frente na minha vida, acho que vou desenhar um móvel com muitas gavetas onde adorava guardar as memórias de tudo o que tenho na cabeça.

Decorar um espaço pressupõe milhões de possibilidades, de opções, de pormenores. Consegue-se ter um estilo próprio? Há um estilo que se possa atribuir a este atelier ou à Gracinha?Cada projeto é um exercício de estilo, de estética, mas a minha linha condutora é a emoção. Acho que o meu estilo está nas linhas e nas emoções que eu quero passar aos clientes.

Diga-me uma peça essencial para uma decoradora? Uma peça de mobiliário, quadros, as cores, texturas, tecidos…Não há resposta. Ou há todas as respostas possíveis. Não lhe posso dar uma, porque é diferente para cada projeto. Num poderá ser a iluminação; noutro, a arte, uma star piece fora do normal que se procurou e encontrou para aquele lugar. Poderia dizer I’ll tell you but then I’ll have to kill you, porque são coisas que se fazem para aquele projeto, nunca para todos.

Pode transmitir-se alguma forma de espiritualidade na decoração de um espaço?Isso é muito pessoal (pausa). Eu acho que sim. Há pessoas pragmáticas que dizem que querem funcionali-dade. Eu sou católica praticante e, além de ter muita fé, isso acompanha-me e ajuda-me muito na vida. Mas como sou ambivalente, também acredito muito em energias e sou adepta do Feng Shui. Tenho esses dois lados, essas duas espiritualidades completamente diferentes que me completam e que, com certeza, estão comigo quando estou a projetar. Se o cliente leva isso com ele, depende.

O que mudou nos últimos dez anos no atelier?Fizemos uma grande viagem, experimentámos técnicas e tecnologias diferentes. Neste momento, há um regresso às origens, ao intemporal, abraçámos e fortificámos a marca Graça Viterbo. Pensámos no que fizemos, no que fizemos bem e mal, achámos o valor que a nossa marca tem e decidimos torná-la conhecida internacionalmente. Achamos que somos mesmo uma mais-valia nos projetos em que participamos e temos um estatuto de qualidade internacional.

Já ganharam, aliás, vários prémios internacionais.Já, ao longo dos 40 anos, em residências e hotelaria. Aliás, acabámos de ganhar, pelo segundo ano con-secutivo, o International Property Awards Europe & Africa na categoria de Luxury Residencial. a marca foi lançada em angola e na Ásia. além do evidente interesse comercial, como vê estes mercados?Além da troca comercial, encontro fontes inesgotáveis de inspiração que me alargam os horizontes, e isso tem mais a ver comigo do que ficar fechada sempre com os mesmos horizontes. Há um lado de aventura, de inspiração, de crescimento empresarial da marca que cria raízes noutros lugares.

A lusofonia é uma arma empresarial, ou é mais que isso?Eu sinto que sim, que há uma certa afetividade. Sinto que os portugueses têm essa afetividade. Estou muito ligada às minhas raízes, sou muito sentimental e emociono-me com muita facilidade; gosto de me ligar às pessoas e gosto de história. E Angola tem sido uma descoberta fabulosa no que respeita às pessoas e à cultura – como também sinto na Ásia. Orgulho-me de onde venho, mas respeito para onde vou. Não quero impor nada. Quando estou noutro país, eu sou visita, e o desafio é adaptar a marca ao lugar e apresentar o nosso serviço e a nossa criatividade nesse lugar. Os valores da nossa marca são uma mais-valia em qualquer lugar do mundo.

Decora casas, hotéis, restaurantes, companhias de aviação… É caso para perguntar, is the sky the limit?Na nossa cabeça é! A resposta vem do briefing, do pacote que é apresentado e discutido com o cliente. É o cliente que nos dá asas para voar e é o cliente que vai decidir até quão alto nós vamos subir.

Como é que gere o seu tempo? Dispersa pela gestão do atelier, pelos projetos, pelo espaço geográfico, pelas obrigações familiares?Sou rigorosa ao minuto e incomodam-me muito os atrasos, não cumprir o que tenho planeado. Eu adorava que o tempo não passasse, mas adoro ver o tempo passar e acho que o tempo se pode inventar. O tempo que não se tem. Eu trabalho o dia inteiro em três continentes: Ásia, África e Europa. Tenho uma família com quatro filhos pequenos, por isso tenho de inventar tempo que não existe. Acho que tenho um PHD em gestão do tempo e cada vez aperfeiçoo mais essa caraterística. O que é que a faz perder o sorriso?Quando algo não acontece e eu sinto que devia ter feito qualquer coisa mais para que acontecesse.

www.gviterbo.com

Costumo dizer que, lá muito para a frente na minha vida, acho que vou desenhar um móvel com muitas gavetas onde adorava guardar as memórias de tudo o que tenho na cabeça.