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1 A MISSÃO DA IGREJA, PRESSUPOSTO DA MISSÃO DO FIEL CRISTÃO E DA MISSÃO LAICAL Neste capítulo, são apresentados alguns tópicos importantes no tocante à questão da missão da Igreja como pressuposto da missão do fiel cristão e da missão laical. Jesus Cristo cumpriu a vontade do Pai, inaugurou na terra o Reino de Deus, revelou-nos Seu mistério e, por Sua obediência, realizou a redenção 6 . Em Jesus, Deus recapitula toda a sua história de salvação em favor dos homens7 . Cristo, cumpridor da missão recebida do Pai, confiou esta também a seus apóstolos. Para que a salvação de Deus seja conhecida por todos, faz-se necessário que seja anunciada. Para que o homem possa amar a Deus, é preciso conhecê-lo. Para que possa chegar a Deus, é mister ser santificado pela graça. Assim, Cristo enviou os apóstolos que escolhera, dando-lhes o mandato de anunciar o Evangelho: Ide, fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei 8 . Através dos apóstolos, a missão, que o Pai confiou a seu Filho Jesus Cristo, chega à Igreja, que terá a responsabilidade de, através dos tempos, realizar a continuidade da missão salvadora de seu fundador: Jesus entrega o seu espírito nas mãos do Pai. No momento em que por sua Morte é vencedor da morte, de maneira que, ressuscitado dos mortos pela Glória do Pai, dá imediatamente o Espírito Santo „soprado‟ sobre seus discípulos. A partir dessa Hora, a missão de Cristo e do 6 LG 3. 7 Catecismo da Igreja Católica. São Paulo: Paulinas, 1993. 430. 8 Mt 28, 19-20.

A MISSÃO DA IGREJA, PRESSUPOSTO DA MISSÃO DO FIEL CRISTÃO E DA MISSÃO LAICAL

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1 A MISSÃO DA IGREJA, PRESSUPOSTO DA MISSÃO DO FIEL CRISTÃO E DA

MISSÃO LAICAL

Neste capítulo, são apresentados alguns tópicos importantes no tocante à questão

da missão da Igreja como pressuposto da missão do fiel cristão e da missão laical.

Jesus Cristo cumpriu a vontade do Pai, inaugurou na terra o Reino de Deus,

revelou-nos Seu mistério e, por Sua obediência, realizou a redenção6. “Em Jesus, Deus

recapitula toda a sua história de salvação em favor dos homens”7.

Cristo, cumpridor da missão recebida do Pai, confiou esta também a seus

apóstolos. Para que a salvação de Deus seja conhecida por todos, faz-se necessário que

seja anunciada. Para que o homem possa amar a Deus, é preciso conhecê-lo. Para que

possa chegar a Deus, é mister ser santificado pela graça. Assim, Cristo enviou os

apóstolos que escolhera, dando-lhes o mandato de anunciar o Evangelho: “Ide, fazei que

todas as nações se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do

Espírito Santo e ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei8”.

Através dos apóstolos, a missão, que o Pai confiou a seu Filho Jesus Cristo,

chega à Igreja, que terá a responsabilidade de, através dos tempos, realizar a

continuidade da missão salvadora de seu fundador:

Jesus entrega o seu espírito nas mãos do Pai. No momento em que por

sua Morte é vencedor da morte, de maneira que, ressuscitado dos

mortos pela Glória do Pai, dá imediatamente o Espírito Santo „soprado‟

sobre seus discípulos. A partir dessa Hora, a missão de Cristo e do

6 LG 3.

7 Catecismo da Igreja Católica. São Paulo: Paulinas, 1993. 430.

8 Mt 28, 19-20.

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Espírito passa a ser a missão da Igreja: „Como o Pai me enviou, também

eu vos envio‟9.

João Paulo II lembra que a Igreja recebeu uma missão universal, sem limites,

referente à salvação em toda a sua integridade, segundo aquela plenitude de vida que

Cristo veio trazer. Ela foi „enviada para manifestar e comunicar a caridade de Deus a

todos os homens e povos‟10

.

Assim, a missão da Igreja, pressuposto da missão do fiel cristão e da missão

laical, precisa ser analisada nos seguintes aspectos: a missão da Igreja; Igreja e mundo;

realidade e limites da participação da Igreja na ação de Deus no mundo; a autonomia

das realidades terrestres; mundo: lugar de missão e de santificação; horizonte teologal e

realidade da história.

1.1 A missão da Igreja

O Espírito Santo é quem mantém a Igreja viva e atuante. Ele é o principal

protagonista da missão, ou seja, o principal „personagem‟ da obra da evangelização.

Não se pretende, aqui, negar que os leigos e os clérigos, também protagonizam essa

missão; porém, entende-se que a parte que lhes toca é significativa, mas não a principal.

É o Espírito Santo quem guia a missão, é dele que vem a força que se necessita para o

encorajamento e o prosseguimento da evangelização. O Espírito Santo abre os caminhos

e os corações daqueles que não o conhecem, ou ainda que o rejeitam.O Papa Wojtyla

afirma:

Sob o impulso do Espírito, a fé cristã abre-se, decididamente, às nações

pagãs, e o testemunho de Cristo expande-se em direção aos centros mais

importantes do Mediterrâneo oriental, para chegar, depois, a Roma e ao

extremo Ocidente. É o Espírito que impele a ir sempre mais além, não

só em sentido geográfico, mas também ultrapassando barreiras étnicas e

religiosas, até se chegar a uma missão verdadeiramente universal11

.

A missão originária foi a de Cristo. Ele é o enviado do Pai por excelência;

portanto, a nossa missão tem origem na dele: “Sendo Cristo enviado pelo Pai a fonte e a

9 Catecismo da Igreja Católica. São Paulo: Paulinas, 1993. 730.

10 JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Redemptoris Missio. São Paulo: Paulinas, 1991. 31.

11 Id., ibid.,25.

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origem de todo apostolado da Igreja, é evidente que a fecundidade do apostolado, tanto

a dos ministros ordenados como a dos leigos, depende da sua união vital com Cristo”12

.

Na reflexão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil:

Tem-se que anunciar Jesus Cristo, sua doutrina, o nome, a vida, as

promessas, o Reino, o mistério de Jesus de Nazaré, Filho de Deus. Vise

a inculturação da fé; comprometa a todos na comunhão e participação;

favoreça a colaboração entre todos os homens de boa vontade assuma a

encarnação como caminho da missão e se fundamente na plena inserção

da realidade sociocultural13

.

“A Igreja é o fruto da ação gratuita e salvadora de Deus trino, nascida do decreto

de Deus Pai, participando da vida de Deus Filho, animada pelo Espírito Santo”14

.

Na verdade, o construtor do Reino é o próprio Deus, só Deus pode construir o

Reino, e, portanto, esse Reino não pode ser o resultado exclusivo das mãos do homem.

Porém, Deus confia ao homem participar com sua colaboração,

para estabelecer, quanto possível, o Reino de Deus, e, portanto, para

sujeitar todas as coisas inferiores e tudo o mais ao Espírito de Deus. É

de fato esse o programa da obra de Deus, (...) e para realizar tal

programa o Senhor nos deu a graça de sermos Seus colaboradores.

Seremos reis, adaptando-nos a Seus desígnios reais, cooperando nessa

obra do Reino, nas condições queridas por Deus e nos diferentes planos

de sua realização15

.

As questões temporais também fazem parte da missão, pois o mundo é o lugar

do acontecimento da mesma missão. “O batismo e a confirmação incorporam a Cristo e

o tornam membros da Igreja”16

e pede ao leigo que se envolva com a vocação da Igreja

que está no mundo e com as coisas do mundo.

1.2 Igreja e Mundo

12

Catecismo da Igreja Católica. São Paulo: Paulinas, 1993. 864. 13

Igreja: comunhão e missão na evangelização dos povos. Doc. 40. CNBB. 122. 14

Cf. ILLANES, José Luis. Laicado y sacerdocio. Pamplona: Universidad de Navarra, 2000, p. 99. 15

CONGAR, Yves. Os leigos na Igreja. São Paulo: Herder, 1966, p. 335. 16

DP 786.

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Acerca da questão sobre Igreja e mundo, João Paulo II lembra que “são

numerosos os textos evangélicos que provam a atitude de clemência e misericórdia que

Jesus tem com respeito ao mundo, enquanto é seu salvador17

”. “Partindo desse

pressuposto, os leigos a serviço da Igreja no mundo estão chamados a trabalhar pela sua

santificação”18

.

O Vaticano II, sobretudo na Lumen Gentium e na Gaudium et Spes, propõe uma

Igreja encarnada no mundo, no diálogo com o mundo e ao serviço do mundo, mas não

sujeita ao mundo. “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens

do nosso tempo, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias

e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo”19

. Devem os fiéis

viver em estreita união com os outros homens do seu tempo e se esforçar por

compreender a fundo os seus modos de pensar e de sentir, expressos na cultura. Eis a

reflexão do Vaticano II:

Que conciliem os conhecimentos das novas ciências e teorias e das mais

recentes invenções com os costumes e o ensinamento da doutrina cristã,

para que o sentimento religioso e a retidão moral avancem neles a par

do conhecimento científico e dos progressos diários da técnica; assim

poderão apreciar e interpretar todas as coisas com uma sensibilidade

autenticamente cristã 20

.

A verdade de Deus está semeada no coração de todos os seres humanos e

encontrou seu eco no mundo. Pertencem ao elo da grande corrente humana que se vai

sucedendo no tempo, e permanecendo no mundo, como afirma Illanes: “A Igreja que

está no mundo, comunidade de salvação que se vai formando na história até alcançar

sua plenitude no momento da consumação escatológica, antecipa e anuncia o fim e o

destino até que tudo tenha a virtude do qual tudo se explica”21

.

É importante que se tenha clareza sobre a relação entre a Igreja e o mundo, pois

todos os batizados pertencem à Igreja que cresce no mundo, diante de todos os desafios

que a humanidade conhece. O mundo em si é de natureza boa, pois é obra de Deus, que

17

JOÃO PAULO II. Creo en la Iglesia – Catequesis sobre el credo. Madrid: Palabra, 1997, p. 408. 18

Id., ibid., p. 409. 19

GS 1. 20

Id., ibid., 62. 21

ILLANES, op. cit., p.126.

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é só bondade. Porém, o mundo pode tornar-se decadente, devido a sua natureza de

contingência. “O mundo foi criado bom, tem sua origem na sabedoria e no amor de

Deus: na eficiência amorosa de Deus Pai, que o fez por meio de suas mãos, o Verbo e o

Espírito Santo”22

.

O mundo sofre constantes mudanças. Essas mudanças trazem novos desafios ao

homem, que o fazem tomar novas atitudes diante do desconhecido. A sociedade recebe

as mudanças, e, para absorvê-las, necessita da capacidade do homem de dar uma

resposta.

Todos os acontecimentos do mundo influenciam direta ou indiretamente a vida

dos homens e, com isso, também as suas realidades e acontecimentos da história. O

modo de viver de uma sociedade acaba por mudar também os direcionamentos de tudo

aquilo que dela depende. Aqui se quer aludir à relação da Igreja com o mundo. M.

Santos afirma:

Dado que a Igreja está no mundo e na história, a relação da Igreja com o

mundo estará sempre temporalmente condicionada e será sempre a

história da salvação de uma Igreja peregrina. Desde o início do

cristianismo, e até ao fim dos tempos, foi, é e será ponto fulcral de

debates de todo o tipo. Das perseguições do Império Romano ao atual

secularismo, passando pelo cesaropapismo, a questão das investiduras

(...) 23

.

É necessário elucidar a relação existente entre Igreja e mundo, portanto a relação

de suas realidades. Estar no mundo é deliberadamente sujeitar-se e condicionar-se às

suas exigências, ou esforçar-se para melhorá-lo. Surge daí a possibilidade e a

necessidade de a Igreja aparecer sempre missionária.

A história da salvação, da qual a Igreja faz parte, é sem dúvida uma história

conturbada. Sempre foi cercada por dificuldades. Mas a Igreja resiste sempre e fazer-se

presente e atuante no mundo faz parte de sua índole. A realidade da Igreja passa pela

22

SANTOS, M. Igreja x Mundo. Teocomunicação, Porto Alegre, v. 32, n. 137, p. 488, set. 2002. 23

Id., ibid., p. 485.

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provação das mesmas conseqüências a que está sujeita toda a humanidade, pois ela está

no mundo e convive dia a dia com as coisas que ele lhe impõe. Segundo M. Santos,

com o pecado, a criação ficou também ferida. Mas a situação da

humanidade no mundo foi distorcida pelo pecado, e o mundo se

converteu em instrumento da ira e do castigo de Deus: o trabalho deixa

de ser um prazer; a terra seria uma maldição para os que desobedecem a

Deus. Nenhuma das ajudas oferecidas por Deus, através dos juízes, reis

e profetas, bastaria. Por isso chega à fase final do plano de Deus: „Deus

tanto amou o mundo (tòn kósmon) que enviou o seu Filho único‟24

.

Por causa do pecado da humanidade, pela dureza de coração do homem, foi

necessário que Deus interviesse na história do mundo e aqui deixasse seu sinal, sua

Igreja, fundada por seu Filho, e fizesse dos filhos de Deu missionários para engajar-se

contra o pecado, contra as injustiças e dificuldades que o próprio homem cria em nome

do progresso e do egoísmo.

1.3 Realidade e limites da participação da Igreja na ação de Deus no mundo

Afirma João Paulo II: “Ao anunciar e ao acolher o Evangelho na força do

Espírito, a Igreja torna-se comunidade evangelizada e evangelizadora e, precisamente

por isso, faz-se serva dos homens” 25

.

O cristão pode afirmar a mais decidida autonomia das realidades temporais,

porque o mundo é obra de Deus, a realidade temporal tem sua verdade própria, suas leis

próprias, naturais.

Consoante oVaticano II, na Gaudium et Spes,

se por autonomia das realidades terrestres entendemos que as coisas

criadas e as próprias sociedades gozam de leis e valores próprios, a

serem conhecidos, usados e ordenados gradativamente pelo homem, é

absolutamente necessário exigi-la. Isto não é só reivindicado pelos

24

Id., ibid., p. 489. 25

CfL 36.

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14

homens de nosso tempo, mas está também de acordo com a vontade do

criador26

.

É necessário respeitar a autonomia das realidades temporais. Importante é

reconhecer que todas as realidades têm em si suas próprias características que as tornam

o que são. Com isso, não fica difícil de se perceber que, em se tratando das realidades

terrestres, há de se reconhecer que toda a sua autonomia é originada em seu criador,

que é Deus, a quem tudo pertence. Por isso, o Concílio Vaticano II adverte: “Porém, se

pelas palavras „autonomia das realidades temporais‟ se entende que as coisas criadas

não dependem de Deus, e o homem as pode usar sem referência ao criador, todo aquele

que admite Deus percebe o quanto sejam falsas tais máximas”27

.

Todos somos chamados a viver a fé cristã na sociedade, junto com os outros,

junto com os diversos problemas existentes no mundo. Não se pode ignorar que a

missão exige dedicação, empenho na caridade, trabalho. Diante das necessidades, das

imperfeições do mundo, urge que os batizados se lancem à missão. Quando nos

referimos aos batizados, queremos incluir os clérigos, os leigos e os consagrados.

É preciso entender as conseqüências da missão e ver no mundo o lugar das

realizações. Por isso, o campo de trabalho se torna amplo.

A realidade da participação da Igreja na ação de Deus no mundo é vontade do

próprio Deus. É ele quem quer que a humanidade seja engajada no serviço, na missão

do mundo. Illanes afirma:

Dado que a missão da Igreja participa, mediante a graça e a vocação de

Deus, na constante obra do Pai, do Filho e do Espírito Santo, se deve

concluir que nosso serviço leva o selo daquele que atribuímos às

pessoas divinas, a saber, sua obra, ora na criação, ora na redenção, ora

na santificação28

.

Há realidades que limitam a participação da Igreja na ação de Deus, no mundo,

segundo Illanes:

26

GS 36. 27

Id., ibid., 36. 28

ILLANES, op. cit., p. 77.

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Em primeiro lugar, proclama-se, de uma parte, que a Igreja participa na

ação de Deus no mundo. De outra, que esta participação tem dois

limites: primeiro limite, a ação de Deus no mundo não está reduzida à

que exerce através das estruturas e realidades eclesiais e, além disso, o

segundo limite, porque há uma atuação do cristão que se situa também

além dos confins eclesiais29

.

Afirma a CNBB:

o cristão olha para o mundo com realismo e com esperança. Procura

reconhecer nele os sinais da vontade de Deus e os caminhos que

apontam para o Reino, assim como distinguir os obstáculos e as forças

do mal que impedem a sociedade humana de avançar na direção da

justiça, da paz e da fraternidade30

.

Há que reconhecer uma certa autonomia de todas as realidades terrestres. Sabe-

se que Deus é o criador de todas as coisas e quem constitui seu povo santo. Ele dá a

liberdade para as realizações do homem neste mundo. Segundo Illanes,

o conhecimento de que o criador proveua todas suas criaturas de uma

peculiar forma de ser e desenrolar internamente, com estruturas, valores

e modos de fazer próprios. Portanto, os homens têm direito a investigar

a criação, mediante a experiência, o estudo e a reflexão racional dessa

realidade31

.

Naturalmente, para um cristão, o mundo é criação de Deus e obra de sua

inteligência. Portanto, conhecer o mundo é conhecer sinais de Deus. Cada criatura, por

provir de Deus, participa do ser de Deus.

1.4 Mundo e história: lugar de missão e de santificação

Deus quis que as mudanças se dessem também com a ação dos homens. João Paulo

II lembra que

29

Id., ibid., p. 81. 30

Missão e ministério dos cristãos leigos e leigas – CNBB – Doc. 62. n. 10. 31

ILLANES, op. cit., p. 88.

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a missão da Igreja, tal como a de Jesus, é obra de Deus, ou, usando uma

expressão freqüente em São Lucas, é obra do Espírito Santo. Depois da

ressurreição e ascensão de Jesus, os apóstolos viveram uma intensa

experiência que os transformou: o Pentecostes. A vinda do Espírito

Santo fez deles testemunhas e profetas32

.

Abraçar a tarefa missionária da Igreja é estar em conformidade e unido a Cristo,

pois esta é, verdadeiramente, a atitude de um batizado. E cada um tem um espaço onde

possa ser útil. Cada testemunho é importante na comunidade, na Igreja e no mundo: “A

participação na missão universal, portanto, não se reduz a algumas atividades isoladas,

mas é o sinal da maturidade da fé e de uma vida cristã que dá fruto”33

.

O cristão olha para o mundo com realismo e com esperança. Procura

reconhecer nele os sinais da vontade de Deus e os caminhos que

apontam para o reino, assim como distinguir os obstáculos e as forças

do mal que impedem a sociedade humana de avançar na direção da

justiça, da paz e da fraternidade34

.

É preciso que haja um engajamento consciente das pessoas na construção do

Reino, uma verdadeira resposta ao amor de Deus. Esse trabalho não é temporário, é

contínuo e urgente.

Tanto na Igreja como no mundo encontramos ambiente próprio de missão e de

salvação, que se dá por meio da santificação, a qual é própria da ação de Deus. Antes da

divisão entre clérigo e laicado, está o fim último da missão: “a conversão dos homens a

Cristo e, como conseqüência, transformar a sociedade humana numa sociedade mais

justa e fraterna”35

.

Todos os fiéis são chamados à santidade, e esta é oferecida como possibilidade

de realização no mundo com suas realidades temporais. É preciso lembrar que não é

somente do aspecto das realizações terrenas que surge a possibilidade de santificação, é

32

JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Redemptoris Missio. São Paulo: Paulinas, 1991. 24 33

Id., ibid.,77. 34

Missão e ministérios dos cristãos leigos e leigas. Doc 62. CNBB. 10. 35

ZILLES, U. Quem é o leigo na Igreja? qual sua missão? Teocomunicação, Porto Alegre, n. 72, p. 18,

1986/1.

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também necessária a espiritualidade, um envolvimento consciente de busca do amor e

proteção de Deus do qual procedem todas as coisas.

Lançe-se um olhar sobre a história, na perspectiva da compreensão das

realidades que ocorrem em todos os campos da vida humana, e hão de encontrar-se

elementos que respondem a perguntas pertinentes a cada realidade vivida pelos homens.

No horizonte teologal, também se passa por várias realidades, ou seja, na história

encontram variados tipos de acontecimentos. O que se pretende aqui é estabelecer uma

relação de compreensão entre secularidade da Igreja e secularidade do leigo. São duas

realidades diferentes, contudo, pertencentes à mesma realidade histórica.

A realidade da história é a realidade dos homens; portanto, tudo o que nela

acontece é referente à humanidade. Deus revela-se e intervém na história em favor dos

homens, confirmando sua presença desde o princípio como criador e ordenador de tudo.

“Cristo como entrega decisiva de Deus ao homem é a realidade suprema e primordial, o

centro do qual depende e meta que tudo ordena, o ponto de referência que dá unidade à

criação e à história desde seu início até à sua consumação”36

.

As realizações humanas devem servir como instrumento de vida. Illanes afirma

que “as atividades levadas a cabo hoje, no presente da história, e as realizações que

delas derivam se apresentam como realidades não últimas, mas abertas a uma realização

e de sentido, e por tanto como antecipação da plenitude de vida que se alcançará na

escatologia”37

. “Nada é irrelevante ou fútil na história que tem por protagonista

Deus”38

.

Na perspectiva de traçar no horizonte da história uma compreensão teológica dos

acontecimentos, deve-se ter presente, que a ação de Deus, diante das realidades, tem

sempre uma utilidade, há sempre uma importância relacionada ao homem, ou seja, é por

causa da humanidade que Deus age na história. “Assim sendo, os homens como Igreja,

e agentes da Igreja, devem compreender que sua responsabilidade e missão no mundo

tem como fim manifestar aos homens a dimensão profunda e o valor radical

36

ILLANES, op. cit., p. 131. 37

Id., ibid., p. 131. 38

Id., ibid., p. 132.

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escatológico da existência”39

, isto é, todo o sentido da vida humana culmina e caminha

para a salvação.

Assim, as realidades temporais não são alheias a Deus, ou seja, as realizações do

mundo e das diversas ordens terrenas não acontecem à margem do conhecimento e

atuação de Deus. “A vida comunicada por Deus dá sentido à existência do homem, e,

por tanto, sua fé em Jesus Cristo, a esperança da salvação, recobra seu significado,

radica dentro da história”40

.

39

Id., ibid., p. 132. 40

Id., ibid., p. 131.