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Rev. Fac. Dir. Sul de Minas , Pouso Alegre, v. 27, n. 1: 217-242, jan./jun. 2011 DIGRESSÕES ACERCA DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE ENQUANTO PRESSUPOSTO DE EXISTÊNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E A QUESTÃO AFETA AO EXERCÍCIO DO JUS POSTULANDI NOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS THE PRINCIPLE OF EQUALITY AS CONDITION OF EXISTENCE OF THE DUE PROCESS OF LAW AND THE QUESTION ABOUT PRO SE REPRESENTATION IN THE SPECIAL FEDERAL COURTS Júlia Lenzi Silva* Juliana Presotto Pereira Netto** RESUMO A Lei n. 10.259/2001, que institui os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, foi promulgada visando garantir o acesso à Justiça e a celeridade na prestação jurisdicional. O legislador optou, pois, pela desburocratização, adotando um procedimento que deveria pautar-se pelos princípios da publicidade, informalidade, oralidade e socialização. Nesse sentido, o artigo 10 do referido diploma legal veio assegurar aos usuários dos JEF’s o direito ao Jus Postulandi, tendo afastado a * Bacharel (2010) e Mestranda em Direito pela Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” – UNESP (Área de concentração: Sistemas Normativos e Fundamentos da Cidadania), com orientação da Profa. Dra. Juliana Presotto Pereira Netto. Membro do Núcleo de Estudos de Direito Alternativo (NEDA) da UNESP/Franca. Advogada. Correspondência para/Corres- pondence to: Rua José Muniz, n. 1633, ap. 46, Bairro Vila Champagnat, Franca-SP, 14.400-160. E-mail: [email protected]. ** Possui graduação em Direito pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1988), mestrado em Direito pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1992) e doutorado em Direito das Obrigações pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2001). Atualmente é professora doutora da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Previden- ciário, atuando principalmente nos seguintes temas: previdência social, saúde do trabalhador e acidentes do trabalho, seguridade social com enfoque em direitos do idoso e da pessoa com deficiência. Correspondência para/Correspondence to: Rua das Merces, n. 929, Residencial Pa- raíso, Franca-SP. 14.403-150. E-mail: [email protected].

digressões acerca do princípio da igualdade enquanto pressuposto

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DIGRESSÕES ACERCA DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE ENQUANTO PRESSUPOSTO DE EXISTÊNCIA

DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E A QUESTÃO AFETA AO EXERCÍCIO DO JUS POSTULANDI NOS

JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS

THE PRINCIPLE OF EQUALITY AS CONDITION OF EXISTENCE OF THE DUE PROCESS OF LAW AND

THE QUESTION ABOUT PRO SE REPRESENTATION IN THE SPECIAL FEDERAL COURTS

Júlia Lenzi Silva*Juliana Presotto Pereira Netto**

RESUMO

A Lei n. 10.259/2001, que institui os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, foi promulgada visando garantir o acesso à Justiça e a celeridade na prestação jurisdicional. O legislador optou, pois, pela desburocratização, adotando um procedimento que deveria pautar -se pelos princípios da publicidade, informalidade, oralidade e socialização. Nesse sentido, o artigo 10 do referido diploma legal veio assegurar aos

usuários dos JEF’s o direito ao Jus Postulandi, tendo afastado a

* Bacharel (2010) e Mestranda em Direito pela Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” – UNESP (Área de concentração: Sistemas Normativos e Fundamentos da Cidadania), com orientação da Profa. Dra. Juliana Presotto Pereira Netto. Membro do Núcleo de Estudos de Direito Alternativo (NEDA) da UNESP/Franca. Advogada. Correspondência para/Corres-pondence to: Rua José Muniz, n. 1633, ap. 46, Bairro Vila Champagnat, Franca-SP, 14.400 -160. E -mail: [email protected].

** Possui graduação em Direito pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1988), mestrado em Direito pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1992) e doutorado em Direito das Obrigações pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2001). Atualmente é professora doutora da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Previden-ciário, atuando principalmente nos seguintes temas: previdência social, saúde do trabalhador e acidentes do trabalho, seguridade social com enfoque em direitos do idoso e da pessoa com deficiência. Correspondência para/Correspondence to: Rua das Merces, n. 929, Residencial Pa-raíso, Franca-SP. 14.403 -150. E -mail: [email protected].

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obrigatoriedade dos mesmos constituírem advogado para deduzir seus

pleitos. Todavia, a despeito do exposto, esse espaço privilegiado de exercício

da democracia não tem conseguido promover a necessária aproximação

entre a Justiça e o cidadão. Em verdade, a tentativa de promover o acesso à

Justiça tem se constituído em mera promoção de acesso ao Judiciário: a

hipossuficiência e o desamparo do usuário, aliados ao despreparo dos

órgãos judiciais, acabam por torná -lo objeto, e não sujeito da ação, fato que

o impossibilita de exercer sua cidadania e ver reconhecido seu direito. Nas

ações previdenciárias, essa situação mostra -se ainda mais evidente ante a

enorme desigualdade de forças das partes litigantes, o que acaba por mitigar

outros princípios constitucionais, como o devido processo legal.

Palavras -chaves: Poder Judiciário; Juizados Especiais Federais; Acesso à

justiça; Jus postulandi; Princípio da igualdade; Devido processo legal.

ABSTRACT

Act n. 10.259/2001, which institutes Special Civil and Criminal Courts

within the ambits of the Federal Justice, was enacted aiming to assure

access to Justice and to celerity in exercise of jurisdiction. The legislator

opted, therefore, for the debureaucratization, adopting a procedure that

should regulate itself by the principles of publicity, informality, orality

and socialization. In such sense, article 10 of the aforesaid legal rule has

assured the users of the Special Federal Courts the right for Pro se repre-

sentation, having removed the obligatoriness of those same ones to appoint

attorneys to carry a lawsuit. Nevertheless, notwithstanding the foregoing,

such privileged locale of exercise in democracy has not been able to pro-

mote the requisitive proximity between Justice and citizen. Doubtless,

the pursuance of promoting the access to Justice has been constituted in

sheer promotion of access to the Judiciary: the hyposufficiency and the

helplessness of the users, combined with the non -preparation of the ju-

dicial organs, make them the object and not the subject of the lawsuit,

fact which disables them to exercise their citizenship and see their rights

asserted. In social security lawsuits, such situation appears even more

evident before the immense inequality of power of the litigant parties,

which ends up mitigating other constitutional principles, such as the due

process of law.

Keywords: Judicial power; Special Federal Courts; Access to justice; Pro

se representation; Principle of equality; Due process of law.

INTRODUÇÃO

O Direito precisa ser entendido enquanto um fenômeno complexo e dinâmico, cuja análise deve se dar em conjunto com a realidade histórica, social, política e econômica em que ele está inserido. Assim, este artigo parte da concepção

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lyriana de que o Direito não é, ou seja, o Direito não é algo estático, permanente e passível de ser conhecido em sua totalidade, o Direito é sendo, significando que o Direito é aquilo que os seres humanos fazem com que ele seja1.

Nesse sentido, Calmon de Passos afirma que:

O direito é a única forma de realização histórica da justiça. Isso não

significa seja o direito a realização da justiça absoluta, ou da mais per-

feita forma de justiça. Ele apenas é um projeto de justiça, nos limites da

contingência que para ela ditam e para ela põem as correlações reais de

forças na sociedade. Pode -se, pois, dizer que uma ordem jurídica realiza

tanto mais justiça quanto menos necessidades deixa insatisfeitas e

quanto menos expectativas desatendidas ocasiona, e tanto mais injusta

quanto mais desigualiza privilegiando, com o que agrava o número dos

excluídos e dos insatisfeitos. E a medida de justiça ou injustiça de uma

ordem jurídica se afere pelo grau de coerção que ela precisa exercer para

assegurar a realização do direito formalmente posto2.

Tomando -se por base o pensamento de ambos os doutrinadores, é preciso reconhecer que, atualmente, o Poder Judiciário encontra -se inserido em um longo processo de crise de legitimidade dada à sua ineficiência na promoção da pacificação dos conflitos e à sua aparente incapacidade de promover a horizon-talização das relações sociais.

Nesse processo de deslegitimação, a parte da sociedade não detentora dos meios de produção e dos mecanismos de controle, passou a questionar a que preço e em benefício de quem o sistema judiciário, de fato, funciona: já não bastava lutar pela declaração de direitos, era preciso agora lutar pela efetivação material destes. Da ruptura com a crença na confiabilidade das decisões judiciais e da busca pela efetivação dos direitos é que irá surgir o movimento de luta pelo acesso real à justiça, congregando princípios como o da paridade de armas entre os litigantes e do devido processo legal.

Nesse sentido, o presente artigo tem como escopo promover uma análise do princípio da igualdade, concebendo -o como o paradigma essencial de existência do devido processo legal3. Para tanto, optou -se por discorrer acerca das diferen-ças existentes entre a igualdade formal e a material, relacionando -se a primeira

1 LYRA FILHO, Roberto. O que é direito? São Paulo: Brasiliense, 1985.2 CALMON DE PASSOS, Joaquim J. Democracia, participação e processo In: GRINOVER,

Ada P. et al. (Coord.). Participação e processo. São Paulo: RT, 1988. p. 87.3 Para Nelson Nery Júnior, o princípio do devido processo legal deve ser compreendido como a

possibilidade efetiva de a parte ter acesso à justiça, deduzindo sua pretensão e defendendo -se do modo mais amplo possível, isto é, de ter “His Day in Court”, na denominação genérica da Suprema Corte dos Estados Unidos (NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 18. ed. São Paulo: RT, 2000. p. 41).

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ao princípio da legalidade e à concepção positivista do fenômeno jurídico, que identifica o legalmente posto com o socialmente justo; e a segunda, a uma visão material -dialética da realidade, que, atenta às contradições sociais inerentes à sociedade capitalista neoliberal, sustenta que a não aplicação de critérios de discriminação às situações fáticas somente faz surgir situações claras de injustiça.

Com fundamento no acima exposto, busca -se traçar as mutações históricas ocorridas no tocante ao conteúdo do princípio da igualdade no âmbito norma-tivo estatal, procurando demonstrar que, também no plano jurídico -processual, essas mudanças ecoaram, tendo as mesmas culminado no fato do princípio da igualdade ter sido elevado à categoria de direito fundamental e de garantia pro-cessual dentro da nova ordem constitucional vigente.

Por fim, apresenta -se a questão atinente a possibilidade de exercício do Jus Postulandi nos Juizados Especiais Federais – JEF’s, procurando demonstrar o paradoxo existente entre essa previsão legal e a busca sistemática pelo “processo justo”4, uma vez que a disparidade de forças presente entre os litigantes mais usuais desse sistema especial de prestação jurisdicional5 acaba por mitigar por completo o princípio da igualdade no âmbito processual, o que tem feito preva-lecer os interesses do Estado -réu em detrimento dos direitos fundamentais do segurado autor, fato que revela o vazio e o “efeito encantatório” do princípio do devido processo legal no âmbito dos Juizados Especiais Federais.

AS DISTINTAS CONCEPÇÕES ACERCA DA ISONOMIA AO LONGO DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

O direito à igualdade, na opinião de José Afonso da Silva, não tem merecido tantos discursos e digressões apaixonantes como o direito à liberdade. Na opinião do jurista, da qual também partilhamos, isso se deve ao fato de que:

(...) a igualdade constitui signo fundamental da democracia. Não ad-

mite os privilégios e distinções que um regime simplesmente liberal

4 Em consonância com os ensinamentos de Eduardo Cambi, “o direito ao processo justo é si-nônimo do direito à efetiva tutela jurisdicional” (CAMBI, Eduardo. Direito constitucional à prova no processo civil. São Paulo: RT, 2001. p. 107).

5 Dada a competência dos Juizados Especiais Federais, estabelecida pelo artigo 3º da Lei n. 10.259/2001, a maioria dos feitos ajuizados e em curso nesses órgãos especiais de prestação jurisdicional é de natureza previdenciária, conforme atestam os dados do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que aduzem que, no mês de abril de 2010, havia em trâmite um total de 423.210 ações relativas à matéria previdenciária, contra apenas 246.556 ações que tinham como objeto matéria civil residual. (BRASIL. Tribunal Regional 3ª Região: estatísticas. Disponível em: <http://www.trf3.jus.br>. Acesso em: 11 ago. 2010). Ademais, dados recentes do Conselho Nacional de Justiça – CNJ comprovam que o Instituto Nacional do Seguro Social responde por mais de 40% do total de processos dos 100 maiores litigantes da Justiça Federal, sendo 81% desses processos referentes ao polo passivo (Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas -judiciarias/pesquisa_100_maiores_litigantes.pdf>. Acesso em: 3 maio 2011).

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consagra. Por isso é que a burguesia, cônscia de seu privilégio de classe,

jamais postulou um regime de igualdade tanto quanto reivindicara o

de liberdade. É que um regime de igualdade contraria seus interesses e

dá à liberdade sentido material que não se harmoniza com o domínio

de classe em que assenta a democracia liberal burguesa6.

Como se depreende do excerto citado, o princípio da igualdade enquanto direito e garantia fundamental do indivíduo, não é algo dado, estático, alheio ao processo histórico, mas, tal como o direito de acesso à justiça, fruto de longo processo de lutas sociais que constantemente clamaram por sua efetivação, sendo necessário entender que, em matéria de direitos e garantias fundamentais, a positivação é apenas o primeiro passo, sendo que a manutenção e a expansão são os seguintes na batalha pela materialidade das normas formalmente instituídas.

Já na antiguidade, Aristóteles dedicou parte de seus estudos ao princípio da igualdade, estabelecendo um vínculo determinante entre a ideia de igualdade e a ideia de justiça. Para o filósofo, a igualdade estaria satisfeita se o legislador, ao redigir as leis, tratasse de maneira igual os iguais e de maneira desigual os desiguais, expressão historicamente consagrada e que, ainda hoje, é utilizada para balizar tanto avanços significativos em matéria de justiça social, quanto os maiores absurdos do sistema desigual e perverso característico da ordem burguesa.

Portanto, vislumbra -se que, em Aristóteles, cuida -se de uma justiça e de uma igualdade formais, que, na prática, caracterizam -se por constituírem em injustiça real, uma vez que fazem referência tão somente ao momento de criação da norma, não permitindo que sejam feitas discriminações entre circunstâncias e situações que são, apenas, potencialmente idênticas. Nesse sentido, constata -se que o princípio, em verdade, está dirigido somente ao legislador, não abarcando o aplicador da norma, restando, pois, afastada a possibilidade de sua incidência no momento da aplicação da norma ao caso concreto.

Rousseau, por sua vez, como explica o professor José Afonso da Silva7, ao analisar a questão afeta ao conceito de isonomia, concluiu que há duas espécies de desigualdades entre os homens: uma estabelecida pela natureza, a qual ele chamou de natural ou física, que consiste na diferença das idades, de sexos, de saúde, das forças do corpo e das qualidades do espírito e da alma; e outra, cha-mada de desigualdade moral ou política, que era estabelecida, ou ao menos auto-rizada, pelo consentimento dos homens, e que consistia nos diferentes privilégios que uns gozavam em detrimento de outros (riqueza, poder, segurança etc.). Tais concepções irão fundamentar a visão contratualista de sociedade tão difundida

6 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 211.

7 SILVA, 2008, p. 212.

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por referido autor, concebida a partir da ideia de que, para usufruir dos benefícios da vida coletiva, o homem estaria disposto a “abrir mão” de parcela de sua liber-dade individual.

Com efeito, no panorama histórico, esse contraponto entre isonomias e diferenças das condições humanas, acirrado pelos contextos históricos do Feu-dalismo e do Absolutismo Monárquico (que alargaram o distanciamento entre as classes mais abastadas e a parcela de desprovidos da sociedade, trazendo à tona as enormes desigualdades sociais, econômicas e políticas), irá acalentar o ideal de luta pela efetivação das liberdades e potencialidades humanas por meio de um Estado centralizado e juridicamente organizado, capaz de assegurar proteção ao indivíduo e garantir seu desenvolvimento pleno, pondo fim aos privilégios oriundos do nascimento ou da posição social.

Assim, explicita Maria de Lourdes Manzini Covre8, fundadas nessa perspec-tiva, as revoluções burguesas (particularmente a Revolução Francesa, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789) estabe-leceram as chamadas “Cartas Constitucionais”, que se opunham ao processo de normas difusas e indiscriminadas, características da sociedade feudal, e às normas arbitrárias que sustentavam o regime monárquico ditatorial do Absolutismo.

Desta forma, anunciou -se uma relação jurídica centralizada: o chamado Estado de Direito, firmado no princípio da legalidade, e que, por se sustentar, de início, no paradigma político -econômico do liberalismo, ficou conhecido como Estado Liberal de Direito.

Diante do exposto, constata -se que, historicamente, a adoção do primado da legalidade é uma das mais importantes conquistas do Estado Liberal de Di-reito, uma vez que uma sociedade e, por consequência, um ordenamento jurídico fundado com base nesse princípio impedem o cometimento de abusos por par-te das autoridades que detêm o poder político, o que, de fato, serviu para conso-lidar os valores burgueses f lorescentes à época (liberdade de comércio e de contratação, em especial).

Em verdade, o princípio da legalidade defendido por esse Estado, no que tange à concepção da ideia de Direito, privilegiou o valor “segurança” em detri-mento do valor “justiça”: preferiu -se assegurar a total previsibilidade dos efeitos jurídicos das condutas sociais, deixando pouco ou nenhum espaço para a discri-cionariedade, à indagar -se se o legalmente posto constituía -se no socialmente justo, ou seja, se a aplicação da norma ao caso concreto não poderia gerar uma situação de injustiça real. Por conseguinte, nesse momento histórico, há uma identificação estrita entre o conceito de lei e o conceito de Direito, sendo este

8 COVRE, Maria de Lourdes Manzini. O que é cidadania? São Paulo: Brasiliense, 1994.

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concebido como a ordem legalmente estabelecida, não cabendo qualquer ques-tionamento quanto à sua legitimidade.

Ante ao exposto, vislumbra -se que, ao menos perante a lei, todos os homens passaram a ser considerados como iguais pela primeira vez na história da huma-nidade9. Esse fato foi proclamado principalmente pelas constituições francesa e norte-americana, e reorganizado e ratificado, após a II Guerra Mundial, pela Organização das Nações Unidas (ONU), com a Declaração Universal dos Direi-tos do Homem (1948).

Ainda a respeito do tema, esclarecedora é a reflexão de Norberto Bobbio acerca dos valores liberdade e igualdade na formação do Estado Liberal. Ressalta o pensador italiano que o valor liberdade foi conquistado pela sociedade através das lutas e revoluções burguesas que almejavam alcançar o poder político. Por sua vez, o valor igualdade foi, a princípio, (im)posto pela burguesia para a sociedade como um todo, uma vez que seu conceito inicial não emanou das classes trabalha doras, mas, sim, da classe detentora do poder econômico. Sendo assim, é possível afirmar que o conceito de igualdade foi forjado pela burguesia a fim de satisfazer as pretensões sociais, não havendo por parte da classe deten-tora dos meios de produção o mínimo esforço no sentindo de promover a real efetivação desse valor: considerava -se consubstanciada a isonomia com a mera igualdade perante a lei10.

Diante disso, é lícito concluir que a realização do princípio da liberdade estava em perfeita consonância com os interesses burgueses, o que já não ocorria com o valor da igualdade, uma vez que essa classe social havia alcançado o poder e não pretendia dividi -lo com quem quer que fosse.

Todavia, a concepção individualista pela qual se pautou o Estado Liberal não foi (como ainda não é) suficiente para assegurar uma resposta efetiva às crises sociais, econômicas e políticas que dele decorreram. Em uma clara demonstração de esgotamento do modelo não intervencionista, o contexto de crise acabou por fortalecer a ideia de Estado Social, ou seja, de um Estado que assume posição ativa no tocante à proteção e à efetividade dos direitos e garantias fundamentais.

O momento era de busca pela “efetiva eficácia” das garantias constitucionais e legais logradas formalmente no curso do Estado Liberal, havendo o desejo laten-te de que elas deixassem de ser mecanismos meramente formais e passassem a incidir, de fato, na realidade das classes sociais menos favorecidas, assegurando -lhes proteção e plenitude de potencialidades. Embasado nessa premissa, o Estado Social

9 Tal afirmação já denota o fato de que, desde o princípio, a ideia de igualdade mostrava -se capciosa, pois somente os homens eram iguais perante a lei, uma vez que na sociedade patriar-cal em desenvolvimento a mulher não alcançava status de sujeito político.

10 BOBBIO, Norberto. Igualdade e liberdade. 4. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000.

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buscou comprometer -se com a justiça social, transpondo o enfoque subjetivo do individual para o coletivo11.

Nesse sentido, destaca -se que a experiência histórica havia demonstrado que a aplicação dos princípios do liberalismo somente fez aumentar a distância exis-tente entre as classes sociais, daí porque era necessário que o Estado, até então mero ordenador das relações sociais e econômicas, passasse a atuar na regula-mentação das mesmas, intervindo nas “regras do jogo”12 de modo a modificar o seu resultado, ou seja, com escopo de promover a igualdade real.

Será, portanto, a partir desses pressupostos que se construirá a ideia de Estado Democrático, ou seja, do Estado que se torna protagonista no cenário social, político e econômico, buscando, em sua atuação, garantir uma existência humanamente digna a sua população, por meio da prestação de assistência aos mais fracos, da garantia de iguais oportunidades de desenvolvimento e da pro-moção da distribuição de riquezas segundo critérios de justiça. Em outras pala-vras, estamos a tratar de Estados que efetivamente buscam alcançar a plenitude da Democracia, promovendo os postulados fundamentais de igualdade real, li-berdade, justiça e solidariedade.

Diante de todo o exposto, é possível concluir que a fusão das conquistas do Estado Liberal com a nova perspectiva orientadora do Estado Social acaba por fazer com que o conteúdo do princípio da igualdade alcance os seus contornos atuais, que o identificam não mais como a mera igualdade formal, a igualdade apenas perante a lei, mas com a concretização da igualdade material, aquela que tem o condão de promover a necessária redistribuição da riqueza e a reestrutu-ração das relações do poder, buscando torná -las cada vez mais horizontais.

OS CONCEITOS DE IGUALDADE FORMAL E DE IGUALDADE MATERIAL: A NECES‐SÁRIA EVOLUÇÃO EM BUSCA DA EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Inicialmente, como já detalhado, o ideal de igualdade abarcou a concepção meramente formal, ou seja, a adoção do princípio da igualdade perante a lei, perante os textos jurídicos. Nesse sentido, por meio da pretensão de objetividade e neutralidade das concepções jurídicas do positivismo normativista, restavam escamoteados os conflitos socioeconômicos e políticos, uma vez que estes eram apresentados por tais concepções como relações interindividuais passíveis de harmonização pelo direito positivo.

11 ARRUDA ALVIM, José Manuel de. Manual de direito processual civil. São Paulo: RT, 2000. v. 1, n. 21, p. 92 -93.

12 Expressão utilizada por Norberto Bobbio para definir as regras que delimitam os mecanismos de exercício do poder estatal no regime democrático. (BOBBIO, Norberto. O futuro da demo-cracia. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 30 -31).

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Entretanto, de acordo com o entendimento de Anacleto de Oliveira Faria13, o reconhecimento da igualdade formal não impediu que surgissem novas formas de desigualdades no seio da sociedade burguesa, oriundas, sobretudo, do fato de que, ao se aceitar que todos são iguais perante a lei, deixa -se de aplicar critérios de discriminação sobre as situações fáticas (tratar igualmente os iguais e desigual-mente os desiguais, na medida de sua desigualdade), o que faz surgir situações claras de injustiça real.

Sendo assim, é lícito conceber que a ideia inicial de igualdade material sur-giu da necessidade de reagir contra a concepção meramente formal e legalista da isonomia, passando -se a primar pela aplicação de “critérios de justiça”, nos di-zeres de Norberto Bobbio14, na busca por uma maior equalização da sociedade e diminuição das distâncias entre as diversas classes sociais.

De acordo com essa nova visão, o conceito de igualdade deixa de ser estático, passando a sujeitar -se a um processo evolutivo que acompanha o desenvolvimento socioeconômico da sociedade, o momento histórico, e, nesse diapasão, os valores sociais e culturais proclamados por determinada sociedade passam a ser os res-ponsáveis pela determinação do conteúdo e do alcance do princípio da igualdade.

Em verdade, pode -se afirmar que o conceito de igualdade deixa de estar atrelado à mera concessão de direitos, passando a fundamentar -se na criação de mecanismo que possibilitem a efetiva implementação dos mesmos. Portanto, nesse contexto, a igualdade deixa de ser um valor absoluto, passando a compor-tar exceções desde que fundamentadas e justificáveis15.

Diante da construção desse novo paradigma, pode -se afirmar que, atual-mente, há satisfação do princípio da igualdade quando, tanto no momento de edição da norma jurídica quanto no momento de sua aplicação, o critério de discriminação utilizado guarda correlação lógica com os valores contidos no texto constitucional vigente.

13 FARIA, Anacleto de Oliveira. Do princípio da igualdade jurídica. São Paulo: RT, 1973.14 BOBBIO, 2000, p. 33.15 A respeito das referidas exceções, Celso Antônio Bandeira de Mello enuncia determinadas si-

tuações em que resta evidente a ocorrência de ofensa ao preceito constitucional da isonomia: I – a norma singulariza atual ou definitivamente um destinatário determinado, ao invés de abranger uma categoria de pessoas, ou uma pessoa futura e indeterminada; II – a norma ado-ta como critério discriminador, para fins de diferenciação de regimes, elemento não residente nos fatos, situações ou pessoas por tal modo desequiparadas. É o que ocorre quando pretende tomar o fator “tempo” – que não descansa no objeto – como critério diferencial; III – a norma atribui tratamentos jurídicos diferentes em atenção a fator de discrímen adotado que, entre-tanto, não guarda relação de pertinência lógica com a disparidade de regimes outorgados; IV – a norma supõe relação de pertinência lógica existente em abstrato ou de qualquer modo dissonante dos interesses prestigiados constitucionalmente; V – a interpretação da norma ex-trai dela distinções, discrímens, desequiparações que não foram professadamente assumidos por ela de modo claro, ainda que por via implícita. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 47).

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Sendo assim, é lícito depreender que a aplicação do princípio da igualdade dependerá invariavelmente da prévia conscientização acerca de seu conteúdo indeterminado, bem como do necessário condicionamento da efetivação desse princípio à análise da realidade social, econômica e política em que ele incidirá. Tal assertiva também é válida ao perpassarmos a análise da incidência do princípio da igualdade no âmbito processual, devendo o magistrado julgador estar atento às peculiaridades de cada caso concreto, afim de que a igualdade meramente formal das partes não se consubstancie, na prática, em óbice ao acesso à justiça daqueles que, historicamente, estiveram reduzidos a condições de vulnerabilidade.

Nesse diapasão, acresça -se que, se a solução judicial de um conflito é, em sua essência, um atributo de poder, na medida em que pressupõe não apenas critérios fundantes e opções entre alternativas, mas também a implicação da escolha feita. Assim, toda interpretação, toda aplicação e todo julgamento de casos concretos sempre têm uma dimensão política e, por conseguinte, a Justiça, por mais que seu discurso institucional muitas vezes enfatize o contrário, não pode ser, na prática, um poder exclusivamente técnico, profissional e neutro, necessitando estar inserida na realidade material, concreta, da sociedade que pretende tutelar.

Por conseguinte, a decisão judicial que intente promover a assim denomi-nada justiça social deve estar necessariamente embasada no conceito de igualdade material, ou seja, naquele que tem como ponto de partida as desigualdades reais existentes entre os litigantes com o fim último de outorgar -lhes a verdadeira igualdade de oportunidades no âmbito processual.

AS VÁRIAS INTERFACES DA ISONOMIA: O PRINCÍPIO DA IGUALDADE COMO CÂNONE CONSTITUCIONAL E A PARIDADE DE ARMAS NO PROCESSO JUDICIAL

Em âmbito nacional, ressalta -se que as Constituições brasileiras sempre reconheceram a igualdade em seu sentido jurídico -formal, inclusive a Constituição de 1988 inaugura o capítulo referente aos direitos individuais proclamando que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (artigo 5º, caput).

O diferencial da Carta Magna vigente, entretanto, é que, diferentemente das anteriores, ela apresenta expressa preocupação com a justiça social, o que pode ser identificado em diversos dispositivos, como, por exemplo, na previsão de que a República Federativa do Brasil tem como um de seus objetivos fundamentais reduzir as desigualdades sociais e regionais (artigo 3º, III), ou na norma que asse-gura a universalidade da seguridade social e a garantia do direito à saúde e à educação (artigos 194, 196 e 205). Tais dispositivos, nos dizeres de José Afonso da Silva, constituem reais promessas de igualdade material16.

16 SILVA, 2008, p. 212.

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Nesse sentido, pode -se afirmar que a Constituição Federal de 1988 busca a aproximação dos dois tipos de isonomia, uma vez que não se limita à mera enun-ciação da igualdade perante a lei, trazendo, também, disposições que enunciam preceitos de igualdade material, como as relativas à proibição de discriminações de qualquer natureza (artigo 3º, IV). A igualdade assegurada no texto constitu-cional é o valor supremo que irá permitir a busca pela construção de uma socie-dade livre, justa e solidária (artigo 3º, I).

Segundo Carmén Lúcia Antunes Rocha:

Igualdade constitucional é mais que uma expressão de Direito; é um

modo justo de se viver em sociedade. Por isso é princípio posto como

pilar de sustentação e estrela de direção interpretativa das normas jurí-

dicas que compõem o sistema jurídico fundamental17.

Diante do exposto, constata -se que o princípio constitucional da isonomia deve ser interpretado de forma extensiva, afim de que possa incidir sobre todas as formas de constituição de relações sociais e, por que não, de relações de poder, nos mais diversos âmbitos da realidade. Diante dessa constatação, torna -se coe-rente a afirmação de que, também no âmbito processual, esse princípio ganha enorme relevância, uma vez que as desigualdades sociais existentes e imperantes na sociedade capitalista pós -moderna não podem ser transportadas para o bojo do processo, sob pena de haver sempre o triunfo da “ justiça dos vencedores”18.

Nesse sentido, cumpre salientar que a concepção inicial acerca da incidência do princípio da igualdade no âmbito processual, que considerava tão somente o seu aspecto formal, assegurando às partes igualdade de tratamento, garantindo -lhes os mesmos direitos e impondo -lhes os mesmos deveres, sem levar em conta as diferenças sociais, culturais e, especialmente, econômicas existentes entre elas, não mais encontra guarida perante a concepção atual atinente a busca pelo “pro-cesso justo”, por um processo verdadeiramente apto a distribuir a Justiça.

Destaca -se que a projeção do conceito de igualdade formal na ciência pro-cessual, determinando que todas as partes tenham o mesmo tratamento proces-sual, independentemente da realidade fática em que estão inseridas, acaba por frustrar a implementação efetiva do princípio da isonomia. Por esse motivo, a interpretação objetiva do preceito acabou por gerar insatisfação e angariar críticas, uma vez que de nada adianta enunciar direitos se não se dispuser de instrumentos jurídicos que permitam a defesa eficaz destes em juízo, independentemente da condição econômica -social daquele que pleiteia a proteção.

17 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes apud SILVA, 2008, p. 211.18 AGUIAR, Roberto A. R. de. O que é justiça: uma abordagem dialética. São Paulo: Alfa-

-Ômega, 1982.

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Portanto, tal como evoluiu na teoria do Estado, o conceito de igualdade também se modificou ao longo da História no âmbito processual, e, atualmente, na concepção contemporânea de Estado de bem -estar moderno19, a igualdade perante o juiz, decorrente da igualdade perante a lei, passou a ser encarada como verdadeira garantia constitucional de acesso à justiça.

Nesse diapasão, em análise da evolução do conceito de acesso à justiça, Mauro Cappelletti e Bryant Garth observam que tal preceito e o princípio da igualdade estão indissociavelmente relacionados, uma vez que “(...) o acesso formal, mas não efetivo à justiça, correspondia à igualdade apenas formal, mas não efetiva”20.

Ante ao exposto, constata -se a necessidade da busca pela concretização do princípio da igualdade material no processo civil enquanto pressuposto para existência do devido processo legal. O conteúdo semântico dessa perspectiva está centrado na ideia de que deve ser assegurada às partes a “paridade de armas”, pois somente assim seria possível estabelecer um equilíbrio de forças entre os litigantes e superar suas desigualdades fáticas.

Importa acrescer que, para Mauro Cappelletti e Bryant Garth, a “paridade de armas”, ou seja, a perfeita igualdade, estaria representada por um procedi-mento que possibilitasse alcançar decisões de conteúdo justo e democrático, que fossem decorrentes exclusivamente do mérito jurídico de cada parte, não sendo influenciadas por fatores externos ao Direito, como, por exemplo, o maior poder econômico ou político de um dos litigantes.

Nesse sentido, também se expressa o pensamento da professora Ada Pelle-grini Grinover:

A absoluta igualdade jurídica não pode, contudo, eliminar a desigual-dade econômica; por isso, do primitivo conceito de igualdade, formal e negativa (a lei não deve estabelecer qualquer diferença entre os indiví-duos), clamou -se pela passagem à igualdade substancial. E hoje, na conceituação positiva da isonomia (iguais oportunidade para todos, a serem propiciadas pelo Estado), realça -se o conceito realista, que pugna pela igualdade proporcional, a qual significa em síntese, tratamento igual aos substancialmente iguais21.

19 De acordo com Bernd Schulte (SCHULTE, Bernd apud FERREIRA, Lauro Cesar Mazetto. Seguridade social e direitos humanos. São Paulo: LTr, 2007. p. 194.), o atributo “social” caracte-riza Estados que possuem a preocupação de garantir uma existência humanamente digna a sua população, que prestem assistência aos mais fracos, que garantam oportunidades iguais de desenvolvimento e promovam a distribuição de riquezas segundo critérios de justiça. Em ou-tras palavras, estamos a tratar de Estados que efetivamente buscam alcançar a plenitude da Democracia.

20 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução e revisão da Ministra Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988. p. 9.

21 GRINOVER, Ada Pelegrini; CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 60 -61.

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Dando razão a essa corrente, o Código Civil e o Código de Processo Civil vigentes em nosso ordenamento proclamaram o princípio da isonomia material das partes, o que se evidencia da análise de certos institutos e normas por eles previstos, como a teoria da imprevisão (artigo 317, CC) ou a norma contida no artigo 125, I, do CPC, que determina que o juiz assegure às partes e a seus pro-curadores a igualdade de tratamento.

Assim, pode -se concluir que a adoção do princípio da igualdade material no âmbito do processo civil é um instrumento poderoso na busca pela realização concreta das conquistas sociais, uma vez que, por meio da aplicação desse pre-ceito, atinge -se um maior equilíbrio entre as partes litigantes, o que impede que a mais fraca tenha suas pretensões rechaçadas ante ao poder da outra.

E, diante disso, cabe a afirmação de que o juiz, ao aplicar a lei ao caso con-creto, não poderá afastar, nem frustrar, a aplicação do princípio fundamental que lhe determina assegurar a igualdade, de maneira efetiva, e não meramente formal, das partes, sob pena de estar contrariando o imperativo constitucional do devido processo legal.

Essa exigência feita ao magistrado deve ser observada em todas as formas de prestação jurisdicional, ganhando relevo nos sistema em que, por previsão expressa da lei, há a dispensa da atuação do advogado, tal como ocorre no sistema dos Juizados Especiais Cíveis estaduais e federais e na Justiça do Trabalho. Não basta ao Poder Judiciário prestar a jurisdição no bojo da ação judicial, sendo necessário que a decisão proferida esteja em consonância com os ditames da Justiça Social e, para tanto, não pode o magistrado furtar -se de apreciar o pro-cesso tendo em vista todas as suas peculiaridades, sob pena de falhar no seu dever constitucional fundamental, que é o de conseguir transformar o juridica-mente posto no socialmente justo.

DO EXERCÍCIO DO JUS POSTULANDI NOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS: A MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE ENTRE AS PARTES

A possibilidade legal de ajuizamento de ações previdenciárias sem o patrocínio de advogado

De início, é preciso definir o que vem a significar a expressão Jus Postulandi, tema central na abordagem proposta nesse artigo. Jus Postulandi é uma expressão latina que significa “direito de postular”22.

Na atual sistemática processual, utiliza-

mos a expressão como denominação da possibilidade, assegurada por previsão expressa na lei, das partes, por si mesmas, sem intermédio de advogado, postularem e acompanharem seus feitos em juízo. Tal faculdade constitui exceção na ordem

22 ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário acadêmico de direito. 2. ed. São Paulo: Jurídica Brasileira, 2001.

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jurídica vigente no Brasil, uma vez que a própria Constituição Federal, em seu artigo 133, afirma a indispensabilidade do advogado à administração da Justiça.

Feitas essas considerações iniciais, cumpre ressaltar que, conforme já expla-nado nos tópicos anteriores, o acesso à justiça pelos economicamente débeis exige do Estado uma postura positiva, que se incline no sentido de promover meios materiais e instrumentos processuais que efetivamente assegurem a prestação jurisdicional socialmente justa aos hipossuficientes, pois o fenômeno da “exclusão jurídica” somente faz agravar a situação dos economicamente marginalizados.

Certamente, pois, foi com esse escopo que o legislador infraconstitucional trouxe no artigo 10 da Lei n. 10.259/2001, que instituiu os Juizados Especiais no âmbito da Justiça Federal, a possibilidade do exercício do Jus Postulandi ao prever que: “As partes poderão designar, por escrito, representantes para a causa, advo-gado ou não” (grifo nosso), permitindo, desta forma, que o usuário do sistema ajuíze sua demanda sem o patrocínio de advogado. O objetivo essencial desse dispositivo legal foi o de dar vazão à denominada “demanda reprimida”23 no âmbito da Justiça Federal, uma vez que esta, historicamente, sempre foi identi-ficada como uma Justiça “para ricos”.

Imbuída, portanto, do espírito de promover a necessária aproximação entre os órgãos da Justiça Federal e aqueles que até então haviam sido sistematicamente relegados por ela, e valendo -se da experiência obtida nas práticas processuais afetas aos Juizados Especiais da Justiça Estadual e mesmo do Processo Trabalhista, a Lei n. 10.259/2001 entrou em vigor, festejada como uma tentativa louvável de promover a democratização do Poder Judiciário.

Ante ao exposto, é possível afirmar que as estratégias de concessão de isenção de custas e a previsão legal da possibilidade de ajuizar demandas sem o patrocínio de advogados realmente propiciaram que indivíduos historicamente afastados da tutela do Poder Público, em especial na sua esfera judiciária, pudessem, ao menos, chegar até os balcões de atendimento da Justiça Federal e ingressar com aquela que talvez fosse a mais importante ação por eles ajuizada: o pedido de concessão de um benefício previdenciário.

A respeito dessa temática, é de relevo o ensinamento de Boaventura de Sousa Santos24, para quem, em uma sociedade desigual, caracterizada pelos conflitos de interesse, apenas a ponta da pirâmide consegue passar pelo proces-so de judicialização de seus litígios. Todavia, ocorre que essa pirâmide é imensa,

23 Expressão doutrinária de que se valem os juristas para se referirem ao enorme número de lides que não chegam sequer ao conhecimento do Poder Judiciário por motivos dos mais diversos, que se relacionam, em especial, com a burocracia e com os altos custos inerentes aos processos judiciais.

24 SANTOS, Boaventura de Sousa. Os tribunais nas sociedades contemporâneas: o caso portu-guês. Porto: Afrontamento, 1996.

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fato que corrobora a conclusão de que a maioria das pessoas permanece distante da esfera de incidência da tutela estatal, encontrando enormes dificuldades de transformar seus anseios em processos judiciais. É nesse contexto que se destaca o papel do Jus Postulandi, como mecanismo inicial de promoção da universali-zação do acesso à justiça.

Entretanto, a despeito da argumentação supra, a problemática no âmbito dos Juizados Especiais Federais ocorre porque, ao contrário de ser encarado como o primeiro passo no movimento de reaproximação do Poder Judiciário com o hi-possuficiente, o Jus Postulandi é tido como a solução definitiva, como verdadeira panaceia de todos os males, como se a correção de anos de completa indiferença pudesse se dar com a simples garantia do direito fundamental de propor uma ação!

Em verdade, é preciso ponderar que a opção do legislador pela possibilidade de exercício do Jus Postulandi parece não ter observado as condições materiais que permeiam o processo judicial previdenciário em todos os seus liames, incorrendo -se, mais uma vez, no erro que tem sido característico da história do processo legislativo brasileiro: a análise dos direitos garantidos por lei perpassa apenas os planos da existência e da validade, não havendo perquirição quanto à efetividade prática dos mesmos.

Isso porque a disparidade de forças existentes nessa espécie de demanda torna -se particularmente mais enfática quando se permite que o segurado -autor compareça em Juízo desassistido, sem o auxílio técnico de um advogado. Nesse sentido, importa destacar que na ação previdenciária, se, por um lado, o polo passivo é ocupado pelo INSS, autarquia federal, dotada de infraestrutura própria e autonomia financeira, representada por procuradores capacitados, seleciona-dos e contratos por meio de concurso público; por outro, o polo ativo, a seu turno, é ocupado por um jurisdicionado que, a priori, deve ser considerado como hipossuficiente:

São, grosso modo, as camadas mais sensíveis e excluídas da sociedade que

têm de recorrer à via judicial para alcançarem as benesses da Previdên-

cia Social, uma vez que administrativamente tal possibilidade já lhes

fora negada.

Essa presumida situação adversa dos jurisdicionado fica bem evidenciada

justamente por esse fato de que, para baterem às portas do Poder Judiciá-

rio, necessariamente antes já lhes cerraram as do Poder Executivo,

tendo em vista a negativa do pleito no âmbito interno do Instituto Nacio-

nal do Seguro Social – INSS, autarquia federal responsável pela imple-

mentação e manutenção dos benefícios previdenciários25.

25 SERAU JUNIOR, Marco Aurélio. Curso de processo judicial previdenciário. São Paulo: Método, 2004. p. 19.

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Diante do exposto, constata -se que o autor da ação previdenciária, na maioria das vezes é o desamparado, aquele que se encontra na base da pirâmide socioeco-nômica, o trabalhador, o inválido, o dependente do segurado falecido ou recluso que vem buscar provimento jurisdicional frente à decisão negatória da autarquia previdenciária, órgão público.

Ainda a respeito desse tema, Marco Aurélio Serau Júnior informa que dados da OIT (Organização Internacional do Trabalho) atestam que os setores tradicio-nalmente excluídos da proteção da seguridade social no mundo são, principalmen-te, os trabalhadores agrícolas, autônomos e domésticos, além dos trabalhadores assalariados informais. No Brasil, destaca -se a precariedade da situação dos empregados que trabalham sem carteira assinada, que aceitam trabalhar nestas condições ante a carência nas ofertas de emprego.

Corroborando o acima exposto, ressalta -se o posicionamento de dois Juízes Federais da 2ª Região, que quando entrevistados pelo Conselho de Estudos Ju-diciários (CEJ) acerca da assistência judiciária prestada no âmbito dos Juizados Especiais Federais, afirmaram:

O advogado é essencial nos processos dos Juizados Especiais Federais. Há uma diferença básica entre os processos dos Juizados da justiça Esta-dual e da Federal. Nos primeiros, a Fazenda Pública está completamente excluída da competência. Os procuradores das autarquias são profissionais competentes, com cursos de mestrado, doutorado, pessoas com conheci-mento técnico inegável. Então não é correto permitir que a parte enfren-te esses profissionais desassistidos (...)26.

Também nesse sentido, a opinião do então coordenador dos Juizados Espe-ciais Federais da 4ª Região quando entrevistado, que afirmou:

Os advogados do INSS são bons profissionais e estão ali para atuar pela autarquia. Os juízes, que precisam ser imparciais, ficam incomodados com a disparidade de informações. Se sentem mal quando notam que o jurisdicionado não está sabendo formular adequadamente o pedido. Acabam solicitando aos advogados que conhecem para atuarem gratui-tamente. Não compete aos servidores da Justiça, nem aos juízes, fazer o papel de advogados e é constrangedor ver o jurisdicionado se prejudi-cando pela falta de assistência judiciária27.

Diante do exposto, é lícito concluir que a possibilidade de exercício do Jus Postulandi nos Juizados Especiais Federais constituiu -se em opção política do

26 CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Centro de Estudos Judiciários. Secretaria de Pesquisa e Informação Jurídica. Diagnóstico da estrutura e funcionamento dos Juizados Especiais Federais. Brasília, DF, 2003. p. 71.

27 CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL, 2003, p. 72.

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Poder Legislativo por um modelo jurisdicional que privilegia o acesso formal à justiça, em detrimento do direito do cidadão a uma prestação jurisdicional ma-terialmente justa. Tal opção político -ideológica ofende frontalmente os princípios constitucionais da igualdade entre as partes, do contraditório e da ampla defesa e do devido processo legal.

Nesse mesmo diapasão, Fernando da Costa Tourinho Neto e Joel Dias Fi-gueira Júnior trazem interessante comparação acerca da lide que se instaura entre o segurado e a União:

Sem dúvida, podemos comparar a lide instaurada entre o jurisdicionado

leigo desacompanhado de advogado e a Fazenda Pública, com a mitoló-

gica cena do homem comum tentando combater o Leviatã. O desequi-

líbrio existente entre as partes, nesses casos, será absolutamente eviden-

te, afrontando a regra básica e o princípio constitucional da igualdade

entre as partes, a respeito do qual o juiz tem o dever de assegurar o

equilíbrio processual (art. 125, I, CPC)28.

Portanto, configurada essa perversa realidade, atesta -se que o hipossuficiente deixa de figurar como “autor” da demanda, como destinatário da prestação juris-dicional, uma vez que perde a capacidade de influir no curso da ação e na for-mação do livre convencimento motivado do juiz, passando, pois, a comportar -se como mero “objeto” do feito, já que a sua presença em um dos polos da demanda é meramente simbólica, não possuindo ele condições efetivas de postular em Juízo quando desassistido.

Agravando a questão posta, acresça -se o fato de que os direitos relativos à Previdência Social são espécies de direitos sociais e, portanto, direitos funda-mentais da pessoa humana29. Semelhante constatação impede argumentações no sentido de que o artigo 10 da Lei n. 10.259/2001, por constituir mera faculdade concedida à parte, não acarreta qualquer prejuízo a ela, uma vez que essa dita faculdade não raras vezes se consubstancia na única opção reservada ao hipos-suficiente. Explica -se.

A princípio, a sistemática adotada pela Lei dos Juizados Especiais Federais, na prática, faz com que haja duas opções possíveis ao jurisdicionado, quando levado em conta o critério econômico: ou ele constitui patrono para a causa, advogado ou não, hipótese em que, para assegurar sua defesa, seguramente terá

28 TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias. Juizados especiais federais cíveis e criminais: comentários a Lei 10.259/2001. São Paulo: RT, 2002. p. 192.

29 Nesse sentido, comenta Laura Pautassi: “A seguridade social, igualmente a todos os direitos sociais, se converteu em um dos fundamentos do Estado de Bem -estar moderno, constituindo--se em um fator importante para a legitimidade política e para a coesão social nas sociedades amplamente desiguais” (PAUTASSI, Laura C. apud FERREIRA, 2007, p. 194).

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de despender certa quantia; ou opta por ajuizar sua demanda fazendo uso do Jus Postulandi, situação em que não terá despesa alguma.

Ora, estamos a tratar do usuário dos Juizados, pessoas que o próprio legis-lador reconheceu como hipossuficiente ao prever regras diferenciadas para a condução do processo. Pessoas que, na maioria das vezes, não possuem condições sequer de arcar com as custas do procedimento e que, para ajuizar uma demanda, precisam valer -se do direito à assistência judiciária30.

Nessas condições, a con-

clusão só pode ser uma: se esse segurado -autor não possui condições de arcar com as custas processuais “sem prejuízo de seu sustento ou de sua família”, como esperar que ele tenha condições de arcar com as despesas decorrentes da contra-tação de um advogado? Resta -lhe, por conseguinte, demandar fazendo uso do Jus Postulandi, enfrentando, sozinho, o Leviatã!

Diante desse quadro, a definição do uso do Jus Postulandi como uma facul-dade concedida ao autor revela -se uma falácia quando analisadas as condições sociais e econômicas dos usuários dos Juizados Especiais Federais, em especial nas ações que tenham por objeto a concessão de benefícios previdenciários, substitutos que são do salário31.

Assim, constata -se que a mera previsão legal de exercício do Jus Postulandi nos Juizados Especiais Federais já se constitui em afronta aos princípios consti-tucionais que orientam o Due Process of Law, cumprindo ressaltar que essa opção política feita pelo Poder Legislativo nacional constitui verdadeiro retrocesso no que tange a busca pela materialização dos direitos e garantias fundamentais formalmente constituídos. Sendo assim, cumpre afirmar que, diante da previsão legal de exercício do Jus Postulandi, os Juizados Especiais Federais, embora frutos de dita “boa intenção legislativa”, atualmente constituem -se em instrumentos de perpetuação de práticas que afastam a jurisdição do conceito de verdadeiro ato de justiça.

Das práticas judiciais afetas ao exercício do Jus Postulandi nos Jui-zados Especiais Federais

Logo de início, apresenta -se o primeiro obstáculo enfrentado pelo usuário dos Juizados Especiais Federais que vem a Juízo por meio do Jus Postulandi que

30 No Brasil, a garantia da assistência judiciária foi prevista, pela primeira vez, na Constituição de 1934, art. 113, n. 32; posteriormente na de 1946, no art. 141, § 35; na de 1967, figurou no art. 150, § 32; na Emenda n. 1/69, no art. 153, § 32; e, por fim, na Constituição Federal de 1988, no inciso LXXIV, do art. 5º: “o Estado prestará a assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovem insuficiência de recursos” (grifo nosso). A Lei n. 1.060/50, por sua vez, regula a prestação da assistência judiciária.

31 “Qualquer tentativa realística de enfrentar os problemas de acesso deve começar por reconhe-cer esta situação: os advogados e seus serviços são muitos caros.” (CAPPELLETTI; GRATH, 1988, p. 18).

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consiste na redução do seu pedido a termo, ou seja, basicamente, na redação de sua inicial por servidores ou estagiários designados para atender ao público, que a instruem com os documentos que por ventura a parte autora vier a apresentar.

Como normalmente esse serviço é prestado nos balcões de atendimento dos Juizados, logo que se iniciou o funcionamento dos mesmos, em decorrência da explosão da demanda de novos usuários e da carência de recursos humanos32, as pessoas viam -se obrigadas a chegar de madrugada às portas dos JEF’s, permane-ciam na fila o dia todo, sem a garantia de que iam ser atendidas no mesmo dia.

Diante dessa situação de desrespeito ao usuário, muitos Juizados Especiais Federais passaram a adotar o sistema de prévio agendamento para a atermação do pedido, designando um horário específico para a prestação desse serviço (em geral, na parte da manhã).

Ocorre que tal solução também vai de encontro ao princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que, embora o usuário não seja obrigado a esperar em intermináveis filas, ele terá de aguardar dia e hora certos para ser atendido. Considerando as estatísticas que comprovam como o número de demandas so-mente tem aumentado, é provável que essa espera também seja demasiadamente longa, já que se trata de ações para concessão, manutenção e revisão de benefícios previdenciários, que na maioria das vezes são os substitutos do salário e a única fonte de renda do segurado hipossuficiente.

Ademais, não se pode olvidar que, em matéria previdenciária, os autores da demanda são, via de regra, pessoas idosas, enfermas ou inválidas. Nessas condi-ções, não se pode exigir que os indivíduos permaneçam a espera de atendimento, seja por seu estado de saúde seja por sua vulnerabilidade, sob pena de a prestação jurisdicional perder por completo a sua eficácia, acabando por converter -se em direito sucessório.

Também não se pode exigir dessas pessoas que tenham os conhecimentos técnicos e jurídicos necessários à elaboração de uma petição inicial ou de qualquer outra peça necessária ao processo. Por isso, é da responsabilidade do serventuário ou estagiário do Juizado, designado para reduzir os pedidos a termo, interpretar a linguagem leiga e incorporar -lhe a fundamentação jurídica.

Todavia, ainda que se reconheça o esforço por parte dos funcionários no sentido de explicar e incluir o usuário que faz uso do Jus Postulandi, não é conve-niente, nem tampouco correto, que os servidores da Justiça instruam e orientem as partes como se advogados públicos fossem. Nesse sentido, é preciso esclarecer

32 A Justiça Federal brasileira ainda conta com um quadro reduzido de juízes e funcionários, não estando presente em todos os municípios onde se faz necessária, chegando mesmo ao absurdo de em alguns estados, especialmente das regiões Norte e Nordeste do país, só possuir uma única seção judiciária, localizada na capital.

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que o trabalho dos órgãos judiciários deve ser informativo, e não de aconselhamen-to e orientação, pois, do contrário, resta prejudicado o necessário distanciamento que os serventuários devem guardar dos interesses das partes em conflito.

Em verdade, o hipossuficiente precisa mais do que informação, necessitando de verdadeira assistência judiciária completa, que efetivamente analise sua do-cumentação e seja -lhe franco quanto às nuances de seu caso. É sabido que as demandas da competência dos Juizados Especiais Federais, em especial as de natureza previdenciária, envolvem intrincada legislação ordinária e infralegal, demandando conhecimentos técnico -jurídicos e a experiência que só os anos de vivência profissional como advogado são capazes de produzir; conhecimentos esses que fogem da seara dos serventuários da Justiça e mais ainda dos estagiários.

Nesse diapasão, ressalta -se o entendimento da Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida:

A previsão constitucional de assistência judiciária aos necessitados não

está sendo observada. A só gratuidade do processo não resolve o proble-

ma de acesso ao processo. A presença do advogado público ou particular

é essencial para a defesa dos interesses em conflito, porque a assistência

judiciária é instrumento de acesso à ordem jurídica. É quimera cogitar -se

da plenitude da igualdade jurídica, na experiência concreta, sem que as

partes tenham acesso à informação a respeito de seus direitos e deveres33.

Ademais, o fato de a tarefa de redução do pedido a termo estar a cargo dos serventuários e estagiários do próprio Juizado dificulta o entendimento da di-nâmica processual pelo usuário (na sua grande maioria, pessoas simples e de pouca instrução), afinal, se foi o servidor da Justiça quem ajudou a “fazer” a ação, como se justifica que depois a Justiça (representada pelo juiz) possa negar aquilo que ela própria (na pessoa do servidor) ajudou a formular?

Tal indagação demonstra como o exercício do Jus Postulandi prejudica a ideia de imparcialidade que o Poder Judiciário deve transmitir a todos os seus jurisdicio-nados, situação essa que impede que o usuário do Juizado Especial Federal alcance a exata compreensão acerca dos motivos que levaram ao acolhimento ou à rejeição de seu pedido, uma vez que ele passa a acreditar que se foi a própria Justiça que “fez” sua ação, não pode o juiz, posteriormente, decidir por negar o benefício.

Diante do exposto, constata -se que é da ausência de assistência judiciária no âmbito dos Juizados Especiais Federais que se originam as maiores violações aos direitos dos hipossuficientes, em especial aquelas que se perpetuam durante

33 ALMEIDA, Selene Maria de. Juizados Especiais Federais: a justiça dos pobres não pode ser uma pobre justiça. Revista do Tribunal Regional Federal 1ª Região, Brasília, v. 15, n. 2, fev. 2003. Disponível em: <http://www.trf1.gov.br/setorial/jef/artigos/docs/Selene Maria de Almeida>. Acesso em: 11 ago. 2010.

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o ato de redução do pedido a termo e durante a realização das audiências de conciliação, instrução e julgamento. Sobre essa questão, ressalta -se o relato de um Juiz Federal, ouvido pelo Centro de Estudos Judiciários quando da realização de uma pesquisa sobre o funcionamento e a estrutura dos JEF’s, para quem é emblemático a necessidade de assistência judiciária:

Solicitei um documento ao jurisdicionado, que ia retirando documento

por documento de uma pastinha e mostrando -me para saber qual era

o documento correto. Ao examinar a documentação no intuito de aju-

dar a encaminhar o documento pertinente, vi que poderia ser mais de

um o objeto da lide e orientei o cidadão para voltar à Unidade de triagem

e entrar com outra ação que seria juntada à anterior. (...) a desnecessi-

dade de advogado nos processos judiciais não tem nada de moderno ou

progressista, ao contrário, trata -se de uma faceta do neoliberalismo. É

deixar o povo desprotegido até no processo judicial34 (grifo nosso).

A opinião supracitada reforça a argumentação no sentido de que a ausência de assistência judiciária no âmbito dos Juizados Especiais Federais acentua a situação de vulnerabilidade dos usuários, acarretando a impossibilidade de que a prestação da jurisdição seja um verdadeiro ato de justiça, uma vez que só po-derá haver decisões judiciais socialmente justas em um contexto em que ambas as partes encontrem igualdade de condições para postular e defender suas pre-tensões em Juízo.

Ocorre que o autor de ação previdenciária que comparece à audiência de conciliação, instrução e julgamento desacompanhado de advogado ou defensor público acaba por assumir um papel de passividade ante aos acontecimentos: ele não consegue compreender o que se passa, não estando familiarizado com a linguagem utilizada pelos demais presentes (Juiz, serventuários, procurador do INSS e eventual representante do Ministério Público Federal), fato que o faz sentir -se como um “incômodo”, um “intruso”, ante ao clima de proximidade e de cordialidade existente entre os demais.

Nesse contexto, é corriqueiro que o autor exercente do Jus Postulandi, já intimidado e desconhecedor da práxis forense, atrapalha -se ao prestar o depoimen-to pessoal eventualmente requerido pelo representante da autarquia previdenciária ou requisitado pelo próprio magistrado, o que faz agravar o seu desconforto com toda a situação. Também em decorrência do exposto, é comum que o segurado--autor não se sinta à vontade para formular questionamentos às testemunhas ouvidas em audiência, ou, quando os faz, acabe por produzir prova contra si mesmo, fato que o prejudica em demasia, por dificultar a demonstração fática do seu direito.

34 CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL, 2003, p. 73.

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Por fim, destaca -se que, na maioria das vezes, o usuário hipossuficiente não

compreende a linguagem técnica utilizada por médicos, assistentes sociais e

engenheiros do trabalho em seus laudos periciais, fato que o impede de formular

questionamentos, contestações ou mesmo impugnar as referidas perícias, res-

tando, mais uma vez, prejudicada a construção de seu arcabouço de provas.

Tal situação é inadmissível no âmbito do Poder Judiciário de um Estado que

se autodefine como “Democrático de Direito”. O fato de um juiz garantir apenas

a igualdade processual fictícia, ilusória, sem ponderar a disparidade de forças e

de armas existentes entre aqueles que detêm recursos para se fazerem defender

por um técnico hábil e os despossuídos, que comparecem a juízo desamparados,

não podendo contar sequer com a desincumbência formal de um defensor dativo,

fere frontalmente o princípio constitucional da isonomia e, por conseguinte, o

do devido processo legal, restando, pois, amplamente mitigada a função demo-

crática do órgão jurisdicional.

O titular de um cargo de juiz é também destinatário do preceito cons-

titucional direcionado à construção de um país fraterno, onde prepon-

dere a igualdade material – não meramente formal – e estejam ausentes

a injustiça e a desarmonia.

É -lhe defeso não pensar na legião dos desvalidos, quando proferir seu

julgamento. Já não é possível contentar -se com uma ética de intenções

– sempre se quer fazer o melhor – mas deve mergulhar numa ética de

resultados: qual a consequência efetiva de minha decisão na realidade

em que vivo35?

Por conseguinte, ressalta -se que é preciso efetuar um urgente aparelhamento

da Defensoria Pública da União, afim de que ela possa passar a atuar nos processos

de competência dos Juizados Especiais Federais, amparando os usuários hipossu-

ficientes. Para tanto, é necessário a abertura de concursos para contratação de

novos defensores, já que o quadro atual mostra -se insuficiente, bem como a

promoção de cursos de aperfeiçoamento, que capacitem os membros da Defen-

soria a atender e lidar com o público especial que representa os usuários dos JEF’s.

Corroborando o acima exposto, a opinião da Desembargadora da 1ª Região,

Selene Maria de Almeida:

No caso específico dos defensores públicos é sabido que não existem

quadros para os novos JEF’s, o que transfere para estagiários e concilia-

dores o papel de defesa judicial e orientação. A Defensoria Pública da

35 NALINI, José Renato apud ALMEIDA, 2003, p. 40.

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União não está aparelhada para atender ao volume avassalador da de-

manda que já se apresenta nos Juizados. Em alguns Estados da nossa

Região só existe um defensor público36.

Assim, é lícito concluir que a atual sistemática adotada como procedimento nos Juizados Especiais Federais, ao contrário dos objetivos de promoção da ce-leridade e de garantia da efetividade de direitos fundamentais, que orientaram sua criação, tem se prestado tão somente à promoção do acesso formal à justiça, não havendo a necessária preocupação com a qualidade da Justiça prestada.

Diante da constatação do quadro de hipossuficiência, desamparo e vulnera-bilidade ao qual é submetido o segurado -autor que ajuíza sua demanda previden-ciária por meio do Jus Postulandi, é necessário analisar, e questionar, a real efe-tividade da tutela jurisdicional prestada pelos Juizados Especiais Federais, pois, conforme os ensinamentos já expostos de Mauro Cappelletti e Bryant Garth, o princípio do acesso à justiça e o princípio da igualdade estão indissociavelmente relacionados, uma vez que “o acesso formal, mas não efetivo à justiça, corresponde à igualdade apenas formal, mas não efetiva”37.

EPÍLOGO

Conforme exposto nos tópicos anteriores, no âmbito dos Juizados Especiais Federais, a sistemática processual aplicada ao usuário exercente do Jus Postulandi, ao contrário das promessas feitas, apenas tem promovido o acesso formal à jus-tiça, frustrando por completo as expectativas daqueles hipossuficientes que buscam o Poder Judiciário por crerem que na sua atuação restarão corrigidas as injustiças perpetradas pelos órgãos da Administração Pública direta e indireta, em especial as praticadas pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.

Assim, considera -se que a existência da possibilidade legal de ajuizamento de demandas sem o patrocínio de advogados, aliada à não estruturação dos órgãos da Defensoria Pública da União, constitui verdadeira afronta aos princípios orientadores do devido processo legal, vez que a disparidade de forças entre os litigantes acaba por mitigar o princípio constitucional da igualdade entre as partes nos processos judiciais.

Diante do exposto, faz -se necessário uma abordagem crítica com relação à adoção de uma “política de resultados” pelo Conselho Nacional de Justiça (ba-seada fundamentalmente na apresentação de estatísticas de produtividade)38,

36 ALMEIDA, 2003, p. 38.37 CAPPELLETTI; GRATH, 1988, p. 9.38 As novas metas nacionais que deverão ser perseguidas pelo Poder Judiciário em 2011 foram

definidas durante o 4º Encontro Nacional do Judiciário, no Rio de Janeiro, em 7 de dezembro de 2010. As metas foram escolhidas por votação, pelos presidentes de todos os 91 tribunais

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uma vez que os números, por si só, não asseguram a qualidade da tutela diferida: a prestação jurisdicional deve sim ser célere, todavia, ela não deve ser apenas célere – o princípio da celeridade e seus corolários precisam ser aplicados em consonância com as demais garantias do Due Process of Law – sob pena de os números se prestarem a corroborar situações de clara e inaceitável injustiça, como tem ocorrido no caso dos Juizados Especiais Federais.

Conforme os ensinamentos de Mauro Cappelletti e Bryant Garth, a propos-ta não é

(...) fazer uma justiça “mais pobre”, mas torná -la acessível a todos, in-

clusive aos pobres. E, se é verdade que a igualdade de todos perante a lei,

igualdade efetiva – não apenas formal – é o ideal básico de nossa época,

o enfoque de acesso à justiça só poderá conduzir a um produto jurídico

de muito maior “beleza” – ou melhor qualidade – do que aquele de que

dispomos atualmente39.

É esse o necessário compromisso que o Poder Público e os juristas precisam assumir perante os hipossuficientes, pois a igualdade efetiva de todos perante a lei e a igualdade material consubstanciada nas decisões político -judiciais são pressupostos indispensáveis para a promoção da justiça social e para a efetivação dos direitos fundamentais constitucionalmente previstos, além de contexto in-dispensável para a consolidação de um Estado Democrático de Direito, fundado em uma sociedade livre, justa e solidária.

Ao que parece, o Poder Judiciário ainda não abriu seus “olhos de ver”40, ainda não compreendeu que o restabelecimento da necessária rela ção de confiança que

brasileiros. Foram selecionadas quatro metas para todo Judiciário e uma meta específica para cada segmento de Justiça – Trabalhista, Federal, Militar e Eleitoral, com exceção da Justiça Estadual. As Metas Nacionais do Judiciário para 2011 são: Meta 1. Criar unidade de geren-ciamento de projetos para auxiliar a implantação da gestão estratégica. Meta 2. Implantar sistema de registro audiovisual de audiências em pelo menos uma unidade judiciária de pri-meiro grau em cada tribunal. Meta 3. Julgar quantidade igual a de processos de conhecimento distribuídos em 2011 e parcela do estoque, com acompanhamento mensal. Meta 4. Implantar pelo menos um programa de esclarecimento ao público sobre as funções, atividades e órgãos do Poder Judiciário em escolas ou quaisquer espaços públicos. No tocante as metas por Seg-mento de Justiça, cumpre destacar a referente a Justiça Federal, que é a Meta 9: Implantar processo eletrônico judicial e administrativo em 70% das unidades de primeiro e segundo grau até dezembro de 2011. (Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/gestao -e -planejamento/metas/glossario -das -metas -2011>. Acesso em: 3 de maio de 2011).

39 CAPPELLETTI; GRATH, 1988, p. 165.40 Expressão consagrada na obra Ensaio sobre a cegueira, do escritor português José Saramago,

que, em síntese, significa o momento em que se deixa o processo de alienação e se adquire consciência sobre o estado caótico em que se encontram as coisas; momento em que o indiví-duo é “arrancado” do cômodo estado de passividade diante da realidade concreta e impelido a buscar a transformação social.

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deve haver entre ele e os cidadãos somente se dará com a mudança efetiva dos

paradigmas que orientam a atuação de seus membros. As medidas paliativas, das

quais os Juizados Especiais Federais em sua atual conformação são bons exemplos,

já não saciam a ânsia do povo, que clama todos os dias por uma Justiça mais

sensível, mais humana, e que esteja atenta às desigualdades sociais inerentes à

sociedade de classes.

Os Juizados Especiais Federais possuem sim um inegavelmente potencial

de transformação social, podendo promover a redistribuição de renda e assegu-

rar que uma parcela significativa da população alcance os direitos pelos quais

trabalhou por toda a vida. Entretanto, para que isso se consubstancie, é preciso

repensar sua sistemática, adaptando -a à realidade daqueles que a lei ousou be-

neficiar quando de sua criação.

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